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Administração da Produção e Sistemas de Informação SUPPlY CHAIN MANACEMENT Thomaz Wood Jr. Professor do Departamento de Produção da EAESP/FGV e Consultor de Empresas. E-mail: [email protected] Paulo Knõrich Zuffo Engenheiro pela Escola Politécnica da USP e Mestrando em Administração da Produção na EAESP/FGV. RESUMO: Nos últimos anos, a economia mundial e a economia brasileira têm sofrido mudanças importantes. Fusões, aquisições e alianças estratégicas têm se multiplicado. Parte considerável destas mudanças relaciona-se com profundas alterações nos sistemas de valores de todos os segmentos industriais. A busca da competitividade relaciona-se cada vez mais com a busca do ótimo sistêmico além das fronteiras da empresa. Neste contexto, a administração logística ganha nova dimensão, envolvendo a integração de todas as atividades ao longo da cadeia de valores e do sistema de valores, das matérias-primas ao cliente final. O objetivo deste trabalho é (re)situar a administração logística no contexto de mudanças, enfatizando a metodologia da gestão da cadeia de demanda (supply chain managemenf). ABSTRACT: In the last years the world and the Brazifian economy have been changíng deeply. Fusions, acquisitions and strategic alliances are multíplying everywhere. Most of these changes are related with deep modifications in the value systems, aftecting ali industries. The search for competitiveness is more and more concerned with the search for the optimal systemic beyond organizational frontiers. Within this context, logistics management gaíns a new dimension, encompassing lhe integratian of ali activities related to the value system, from raw materiaIs to the final customer. The main objective ot this paper is to review the logistical management after ali these changes, focusing on supply chain management methodology. logística, gestão da cadeia de demanda, cadeia de valores, sistema de valores. logistics, supply chain management, value chain, system chain. RAE - Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 38, n. 3, p. 55-63 J uUSet. 1998 55

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Administração da Produção e Sistemas de Informação

SUPPlY CHAIN MANACEMENT

Thomaz Wood Jr.Professor do Departamento de Produção da

EAESP/FGV e Consultor de Empresas.E-mail: [email protected]

Paulo Knõrich ZuffoEngenheiro pela Escola Politécnica da USP eMestrando em Administração da Produção na

EAESP/FGV.

RESUMO: Nos últimos anos, a economia mundial e a economia brasileira têm sofrido mudanças importantes.Fusões, aquisições e alianças estratégicas têm se multiplicado. Parte considerável destas mudanças relaciona-secom profundas alterações nos sistemas de valores de todos os segmentos industriais. A busca da competitividaderelaciona-se cada vez mais com a busca do ótimo sistêmico além das fronteiras da empresa. Neste contexto, aadministração logística ganha nova dimensão, envolvendo a integração de todas as atividades ao longo da cadeiade valores e do sistema de valores, das matérias-primas ao cliente final. O objetivo deste trabalho é (re)situar aadministração logística no contexto de mudanças, enfatizando a metodologia da gestão da cadeia de demanda(supply chain managemenf).

ABSTRACT: In the last years the world and the Brazifian economy have been changíng deeply. Fusions, acquisitionsand strategic alliances are multíplying everywhere. Most of these changes are related with deep modifications in thevalue systems, aftecting ali industries. The search for competitiveness is more and more concerned with the searchfor the optimal systemic beyond organizational frontiers. Within this context, logistics management gaíns a newdimension, encompassing lhe integratian of ali activities related to the value system, from raw materiaIs to the finalcustomer. The main objective ot this paper is to review the logistical management after ali these changes, focusingon supply chain management methodology.

logística, gestão da cadeia de demanda, cadeia de valores, sistema de valores.

logistics, supply chain management, value chain, system chain.

RAE - Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 38, n. 3, p. 55-63 J uUSet. 1998 55

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• Este trabalho faz parte de pesquisafinanciada pelo NPP-Núcleo dePublicações e Pesquisas da EAESP/FGV.Uma versão preliminar deste trabalho foiapresentada no 21"ENANPAD. Ver WOODJR., T., ZUFFO, P. K. Sllpply chainmanagement. uma abordagem estratégicapara a logística. Anais do 21' ENANPAO.Rio das Pedras, Brasil, 1997. Utilizamosaqui o termo original em inglês. Emportuguês, as seguintes traduções têmsido utilizadas: "Gestão da Cadeia deSuprimentos", "Gerenciamento da Redede suorímentos" e "Gestão da Cadeia deDemanda".

L Cadeia de valores é o conju nto deaUvidades de uma empresa que agregamvaiar, desde a entrada de matérias-primasaté a distribuição de produtos acabados.O conceito pode também ser pensado deforma mais ampla, incluindo osfornecedores da empresa, osfornecedores dos fornecedores, os várioselos da cadeia de distribuição, parceiros,subcontratados etc. Fala-se ainda hoje emcadeia virtual de valores, um fluxo deinformações que corre paralelamente àcadeia tíslca de valores e que deve serutilizado para a otimização desta última.Ver PORTER, M. Vantagem compefltiva.Rio de Janeiro: Campus, 1990.

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"AALPD" (nome fictício) é uma impor-tante empresa brasileira do setor de autope-ças. Empresa familiar fundada na década de40, cresceu vigorosamente durante os anos60 e 70, acompanhando o boom da indústriaautomobilística.

Sustentada por uma sólida competênciatecnológica e aproveitando oportunidadesemergentes, a "AALPD" passou a interna-cionalizar suas atividades a partir dos anos80. Os passos estratégicos seguiram o pa-drão usual:1. início das atividades de exportação,2. abertura de escritórios de representação

no exterior,3. montagem de uma estrutura de assistên-

cia técnica e de distribuição junto aosprincipais clientes no exterior e

4. compra ou construção de fábricas nosprincipais mercados-alvo.A empresa exporta hoje para países da

América do Norte, Ásia, Oceania e Europa,a partir de bases industriais no Cone Sul,Europa Ocidental e Europa Oriental.

Para acompanhar a estratégia deinternacionalização e fazer frente a mudan-ças no contexto concorrencial interno, a"AALPD" implementou, a partir dos anos 90,um amplo programa de mudançaorganizacional. Este programa incluiuprofissionalização da empresa, criação deunidades estratégicas de negócios e integraçãomundial das atividades técnicas e comerciais.

Como parte do programa de mudança foiimplantado, em 1995, o conceito de logísti-ca integrada. O objetivo foi implementar agestão de toda a cadeia de valores a partir deuma visão sistêmica da empresa. I Na práti-ca, a criação de coordenadorias de logísticapara cada uma das unidades de negócios sig-nificou aglutinar, em cada uma destas áreas,todas as funções logísticas, desde a entradade matérias-primas e suprimentos (a funçãocompras permaneceu corporativa), passandopelo planejamento e controle de produção,até o controle de distribuição de produtosacabados.

Uma vez que a nova estrutura e o modelode gestão estavam implantados, o passo se-guinte foi rever os processos de trabalho. Foiassim que a "AALPD" chegou ao supplychain management, uma metodologia ba-seada na visão sistêmica da empresa e noconceito de cadeia de valores, que une a es-tas idéias o que há de mais avançado em ter-

mos de ferramentas de racionalização e sin-cronização da produção.

Quase dois anos após o início do projeto,os impactos já são sentidos: drástica redu-ção de estoques, desativação de armazéns(agora desnecessários), mudanças na orga-nização do trabalho no chão de fábrica, uni-ficação de atividades de apoio (manutenção,ferramentarias etc.) e melhor nível de aten- .dimento ao cliente. Tudo isto resultando emmais eficiência, mais eficácia e menores cus-tos. O próximo passo é expandir os concei-tos para as atividades internacionais do Gru-po "AALPD" e envolver mais diretamentefornecedores e clientes.

Casos como o da "AALPD" talvez ve-nham, num futuro próximo, a se constituir empadrão para empresas brasileiras. Após algunsanos cuidando da casa de máquinas, reparan-do as velas e encerando o convés, muitos exe-cutivos finalmente se deram conta de que obarco estava apontado para a direção errada.Faltava-lhes visão de conjunto. Faltava-lhestambém um conjunto de conhecimentos quepermitisse otimizar o todo. O conceito de lo-gística integrada e a metodologia de supplychain management talvez possam prover res-postas a estas questões.

OBJETIVOS

Nos últimos anos, as economias brasilei-ra e mundial têm sofrido mudanças impor-tantes. Nofrontinterno das empresas, conti-nuam os esforços por processos mais efici-entes e pela adoção de sistemas de gestãomais modernos. No front externo, multipli-cam-se fusões, aquisições, terceirizações ealianças estratégicas. A busca da competiti-vidade relaciona-se cada vez mais com abusca do ótimo sistêmico, dentro e fora dasfronteiras da empresa. Parte consideráveldestas mudanças relaciona-se com profundasalterações nas cadeias de valores de todos ossegmentos industriais.

Neste contexto, a administração logísti-ca ganha uma nova dimensão, envolvendoa integração de todas as atividades ao lon-go da cadeia de valores: da geração de ma-térias-primas ao serviço ao cliente final.Deixa de ter um enfoque operacional paraadquirir um caráter estratégico.

Este trabalho pretende contribuir para odebate em torno do tema. Os objetivos sãoos seguintes:

© 1998, RAE- Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil.

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SUPPLY CHAIN MANACEMENT

mostrar como a implementação do con-ceito de logística integrada deve ser in-serido em um contexto maior de mudan-ças caracterizado pelo fenômeno dadesfronteirização;construir um quadro de análise, envol-vendo os vários elementos e componen-tes do sistema logístico sob a perspecti-va estratégica.Este artigo está estruturado da seguinte

forma: a próxima seção trata do pano defundo. Procuramos construir um quadro re-ferencial, ressaltando algumas característi-cas do ambiente de negócios atual e anali-sando, em detalhes, o fenômeno dadesfronteirização - quebra de barreirasintra-empresas e entre empresas.

A seção seguinte introduz o conceito delogística integrada. Buscamos, nessa partedo trabalho, mostrar a evolução histórica daidéia de logística, ressaltando como o con-ceito deixa de ter conteúdo meramente téc-nico para ganhar status estratégico.

Introduzimos, na seção seguinte, ametodologia do supply chain management.Procuramos, então, mos trar como talmetodologia busca integrar os vários elos dacadeia produtiva.

Na seção final, discutimos algumas im-plicações dos conceitos vistos para a práticaempresarial, para o ensino de administraçãoe para a pesquisa no campo. Finalizando otrabalho, apresentamos um modelo lógicopara tratamento do conceito de logística, in-tegrando seus elementos genéricos e especí-ficos, estratégicos e operacionais.

UM NOVO AMBIENTE DENEGÓCIOS

A maioria das teorias em Estudos Organi-zacionais pressupõe organizações como enti-dades distintas, com ativos mensuráveis, pré-dios, estruturas definidas, mão-de-obra fixaetc.' Não é bem o que está acontecendo nomundo real, em que terceirizações,teletrabalho, mão-de-obra temporária, aproxi-mação com fornecedores, parcerias com cli-entes e alianças com concorrentes multiplicam-se. As organizações estão deixando de ser sis-temas relativamente fechados para tornarem-se sistemas cada vez mais abertos. Suas fron-teiras estão se tomando mais permeáveis e, emmuitos casos, difíceis de identificar.'

Um fenômeno que é usualmente ligado ao

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aparecimento desses novos formatos organiza-cionais abertos é o da hipercompetição. Ahipercompetição ocorre em um mundo de dinâ-mica complexa, no qual os atores interagem emâmbito mundial, vantagens competitivas sãoefêmeras e o ciclo de vida de produtos é curto,instável e, em muitos casos, imprevisível.' Asobrevivência, neste contexto de permanentedesequilíbrio, toma-se função da capacidade deinteragir associativamente com fornecedores,clientes e concorrentes. Surgem, assim, as re-des organizacionais, formadas com o objetivode reduzir incertezas e riscos, organizando ati-vidades econômicas por meio de coordenaçãoe cooperação entre empresas.'

A HIPERCOMPETIÇÃOOCORRE EM UM

MUNDO DE DINÂMICACOMPLEXA, NO QUAL

OS ATORES INTERAGEM ,VANTAGENS COMPETITIVAS

SÃO EFÊMERAS EO CICLO DE VIDA DEPRODUTOS É CURTO,

INSTÁVEL E, EMMUITOS CASOS,

IMPREViSíVEL.

Na década de 80, essas redes, ou associa-ções, foram chamadas de alianças estratégi-cas." Hoje o conceito se modificou. Dess etalli.' por exemplo, definem três tipos de es-truturas para essas redes, considerados forma-tos típicos de organizações sem fronteiras:

estrutura modular: quando a organiza-ção mantém as atividades essenciais dacadeia de valores e terceiriza as ativida-des de suporte, continuando, entretanto,a exercer controle sobre elas;estrutura virtual: relacionada às redesde fornecedores, clientes e/ou concorren-tes, ligadas temporariamente paramaximizar competências, reduzir custose facilitar o acesso a mercados;estrutura livre de barreiras: refere-sea definições menos rígidas de funções,papéis e tarefas dentro da organização.

2. THORNTON, P. H., TUMA, N. B. Theprob/em of boundan'es in contemporsryresearch on organizatlons. Vancouver:Academy ot Management Best PapersProceedings. 1995.

3. STRATI. A. Aesthetics ano organizationswilhout walls. Studles in cuaore,Organizations ena SocieUes. vt, n.l, p.83·105.1995.

4. D'AVENI, R. A. Coping withhypercompetition: utilizing lhe new 78'sframework. Academy ot ManagementExecutivo. v.9. n.3. p.4S·60. 1995.

5. GRANDORI. A., SODA, G. lnter-firmnetworks: antecedents. mechanisms andforms. Organizat/on Stuaies, v.16. n.2.183·214,1995.

6. Ver LAZO. R. Alianças estratégicas:quando e como aliar-se a concorrência.(Dissertação de Mestrado.) EAESP/FGV.1992.

7. OESS. G. G. el aI/i The new corporatearchítecture. Academy of ManagemenlExecutive. v.9. n.3. p.7·20, 1995.

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8. ASHKENAS et aI/i. The boundary/essorganizalion. breaking lhe cbstns otorganizaI/anal structure. San Francisco:Jossey-Bass, 1995.

9. CLANCY. T. The virtual corporation,telecommuting and lhe concept of team.Academy of Managemenl Executive, v.8.n.2. p.7·10, 1995.

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Desfronteirização organizacional

o tema da quebra de barreiras entre de-partamentos e áreas tem se mostrado recor-rente nas publicações sobre gestão empresa-rial. Essa condição é dada como imprescin-dível para criar maior foco no mercado e nosclientes. Apesar de importante, esse nível dorompimento de fronteiras não é o único nomovimento de transformação que as organi-zações estão sofrendo. Ashkenas et alli,8 porexemplo, argumentam que as fronteiras or-ganizacionais estão sendo quebradas em qua-tro níveis:

eliminação das barreiras verticais (reduçãode níveis hierárquicos), que implica o acha-tamento das pirâmides organizacionais;

• eliminação das barreiras horizontais, queleva ao enfraquecimento dos silosdepartamentais e da especialização fun-cional;eliminação das barreiras externas, atra-vés de parcerias e alianças com fornece-dores, clientes e concorrentes;

• eliminação das barreiras geográficas, coma construção de alianças estratégicas paraa exploração de novos mercados.Tanto empresas de serviços como empre-

sas industriais têm experimentado novos ar-ranjos organizacionais. A nova fábrica demotores da Volkswagen em Rezende (Brasil)é um caso típico. Na linha de produção dessaunidade, os fornecedores executam todo o tra-balho que seria tradicionalmente de respon-sabilidade exclusiva da Volkswagen. O siste-ma foi batizado de "consórcio modular", umexemplo extremo de eliminação de fronteirasexternas.

Alianças como esta que a Volkswagen es-tabeleceu com alguns dos seus fornecedorestêm tido um crescimento exponencial desdeo início da década de 80. É claro que a convi-vência entre culturas empresariais distintasnem sempre é fácil, e muitas alianças falham.Com as alianças, as fronteiras entre empresassão fortemente reduzidas e o próprio jogocompetitivo ganha um novo enfoque. A pro-cura e a escolha acertada de parceiros passa aser vital para viabilizar a sobrevivência e ocrescimento das empresas. Configura-se, en-tão, um complicado xadrez organizacional,que poucos parecem aptos a jogar.

a movimento de quebra de fronteiras nãose dá apenas no âmbito local. Ainternacionalização, resultante do aumento

da conectividade dos mercados (Mercosul,Alca, Nafta etc.) e dos fluxos de produto,capital e tecnologia entre países, obrigou asempresas a se repensarem. a conceito decarro mundial, por exemplo, praticado háalguns anos pelas grandes montadoras, exi-ge dos fornecedores de autopeças domínioda tecnologia e presença nos centros de de-senvolvimento. Estes centros podem estar noJapão, na Alemanha ou nos Estados Unidos.Quem não estiver presente perde oportuni-dades e corre o risco de ficar restrito a mer-cados secundários.

NO NOVO CENÁRIOCOMPETITIVO, MUITAS VEZES

A EMPRESA SE CONFUNDECOM O AMBIENTE,

MISTURANDO-SE COMFORNECEDORES E CLIENTES.

FICA DIFíCil SABER ONDETERMINA A COOPERAÇÃO ECOMEÇA A CONCORRÊNCIA.

Todas essas frentes de transformação têmenorme impacto sobre as organizações. Aatividade de gestão ganha novos contornos.A separação entre empresa e ambiente passaa ser delimitada por uma tênue linha divisó-ria, incerta e mutável. Muitas vezes, a em-presa se confunde com o ambiente, mistu-rando-se com fornecedores e clientes. Ficadifícil saber onde termina a cooperação ecomeça a concorrência.

Diante deste quadro de mudanças, algu-mas questões devem ser colocadas:"

Como repensar categorias como estrutu-ra, estratégia, tecnologia, comunicação eaté mesmo o conceito de organização?Que estrutura organizacional adotar?Como coordenar o trabalho?Que tipo de perfil deverão ter os colabo-radores?E a cultura organizacional? Essas novasorganizações rituais terão valores com-partilhados e cultura própria?Enfim, como deve ser pensada a gestãologística em um quadro tão fortementefragmentado?

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Talvez seja até mais adequado repensaras questões, já que as categorias nelas men-cionadas foram criadas para um modelo deorganização em declínio.

Especificamente quanto ao conceito delogística, se a tendência de desfronteirizaçãoé realmente importante, então é necessáriorepensar completamente o conceito. Em or-ganizações sem fronteiras - ou com frontei-ras muito tênues -, a logística passa a ser umafunção muito mais relacional e estratégica doque em organizações mais tradicionais.

LOGíSTICA INTEGRADA

Diferentes autores atribuem diferentesorigens à palavra logística. Alguns afirmamque ela vem do verbo francês Ioga (acomo-dar, alojar). Outros dizem que ela é deriva-da da palavra grega lagos (razão) e que sig-nifica "a arte de calcular" ou "a manipula-ção dos detalhes de uma operação".

Uma das definições mais divulgadas,apesar de relativamente restrita, é a doCouncil of Logistics Managernent, dos Es-tados Unidos, segundo a qual logística é "[ ...]o processo de planejar. implementar e con-trolar eficientemente, ao custo correto, oflu-xo e armazenagem de matérias-primas, es-toques durante a produção e produtos aca-bados, e as informações relativas a estasatividades, desde o ponto de origem até O

ponto de consumo, com o propósito de aten-der aos requisitos do cliente".

Quadro 1 - Evolução do conceito de logística

No seu emprego nas empresas, a logísti-ca tem ganho diferentes definições,correspondendo a uma crescente ampIítudede escopo, experimentada ao longo do tem-po. O Quadro I mostra a evolução históricado conceito de logística.

É importante notar que, ao mesmo tem-po em que a função logística é enriquecidaem atividades, ela também deixa de ter umacaracterística meramente técnica e operacio-nal, ganhando conteúdo estratégico.

Isso pode ser percebido na segunda fasedo Quadro 1, quando a função logística pas-sa a englobar processos de negócios funda-mentais para a competitividade empresarial.A estrutura integrada de logística passa, nestafase, a orquestrar toda a cadeia de abasteci-mento, da entrada de matérias-primas até aentrega do produto final.

Mas o conteúdo estratégico só fica pa-tente na terceira e quarta fases, nas quais aparticipação da função logística nas mais im-portantes decisões empresariais é ressaltada.É o caso das alianças estratégicas, das par-cerias e dos consórcios logísticos.

A definição do Council of LogisticsManagement é uma boa declaração de inten-ções, pois menciona a integração de todasas funções, ressalta o foco no cliente e, indi-retamente, transmite uma visão sistêmica.Além disso, a tendência histórica aponta parao enriquecimento da função logística. Infe-lizmente, na prática de muitas empresas, ateoria parece ser outra.

Fase zero Primeira fase Segunda fase Terceira fase Quarta fase

Perspectiva administração administração logística supp/y chain supp/y chaindominante de materiais de materiais integrada management management

+ +distribuição efficient

consumer

responsewFocos • gestão de • otimização • visão • visão . amplo uso

estoques do sistema de sistêmica da sistêmica da de alianças· gestão de transporte empresa empresa, estratégicas,compras . integração incluindo co-makership,• movimentação

de materiais

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por sistema de fornecedores e subcontratação

e canais

alternativos de

distribuição

informações canais de

distribuição

10. EtfJcientconsumer response(respostaeficiente ao consumidor): trata-se de umconjunto de metodologias empregadasprincipalmente por empresas deconsultoria, cuja aplicação visa a quebraras barreiras entre parceiros comerciais.Estas barreiras costumam resultar emineficiências. com Impacto em custos etempo de resposta ao consumidor.Projetos deste tipo envoívern a criação deum consórcio de empresas industriais ecomerciais que busquem, através daanálise do sistema de valores. realizarotimizações. Iniciativas deste tipo no Brasiltêm, até o momento, esbarrado emresistências culturais e na característicaconflituosa do relacionamento entre oselos dos sistemas de valores.

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11. Adaptado de Andersen Consulting,Arthur Andersen & Co. In: CHRISTOPHER,M. Loqística e qerenciamento da cadeia desopnmentos. São Paulo: Pioneira, 1997.p.224.

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Consultas informais realizadas por umdos autores com alunos de pós-graduaçãoexercendo cargos executivos (inclusive emlogística) mostrou que, entre as empresasbrasileiras pesquisadas (cerca de 150), a qua-se totalidade encontra-se ainda entre as fa-ses zero e primeira descritas no Quadro 1.De fato, não é incomum encontrar empresasque ainda não despertaram nem mesmo paraa importância de controlar e reduzir estoques.Poucas são as que já implementaram o con-ceito de logística integrada (segunda fase) eraras as que iniciaram implantações do tiposupply chain management (terceira fase) ouefficient consumer response (quarta fase). Oretrato revelado por estas consultas mostrao quanto ainda precisamos evoluir no cam-po da logística e da competitividade.

A Figura 1mostra as dez funções essenciaisda logística. Estas funções devem ser integra-das à estratégia empresarial e orientadas parao atendimento às necessidades do cliente.

As atividades da função logística integra-da podem ainda ser decompostas em trêsgrandes grupos:• atividades estratégicas: estas atividades

relacionam-se às decisões e à gestão es-tratégica da própria empresa. A função

Figura 1 - Funções essenciais da logística"

Quais as necessidades deserviços para cada

segmento?

logística deve participar de decisões so-bre serviços, produtos, mercados, alian-ças, investimentos, alocação de recursosetc;

• atividades táticas: estas atividades re-lacionam-se ao desdobramento das me-tas estratégicas e ao planejamento do sis-tema logístico. Envolvem decisões so-bre fornecedores, sistemas de controlede produção, rede de distribuição, sub-contratação de serviços etc;atividades operacionais: estas ativida-des relacionam-se à gestão do dia-a-diada rede logística. Envolvem a manuten-ção e melhoria do sistema, solução deproblemas etc.

SUPPLY CHAIN MANAGEMENT

Na montagem de um sistema complexocomo o da fábrica da Volkswagen emRezende (Brasil), um fator fundamental é oprojeto da cadeia logística. Embora o expe-rimento de Rezende seja (ainda) um caso ex-tremo, muitas empresas estão experimentan-do níveis de complexidade comparáveis. Nãoé por acaso o crescente interesse pelo supplychain management.

Qual o melhor sistema de

distribuição?Serviço ao cliente

NíVEL ESTRATÉGICO Existem oportunidadesComo atingir a de otlmização no sistema

integração do ca~? r:=:=::1 ~... .. dd~etransporte?

~~NíVEL ESTRUTURAL

Quais as melhorestecnologiasl

metodologias? I Gestiode.transportes

NíVEL FUNCIONAL

A gestão de estoques éadequada à demandade serviços?

Como definir e

Políticas eproceQlmentos

Como melhorar odesempenho do sistema?

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Como definir eimplementar mudanças?

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SUPPlY CHAIN MANAGEMENT

Outra razão para a popularidade do temaé a crescente consciência da ineficiência dascadeias de valores. Se o movimento da qua-lidade chamou a atenção para as perdas re-lacionadas a retrabalhos e refugos na produ-ção, o novo foco na gestão logística mostracomo a ineficiência é ainda maior quandoolhamos a cadeia como um todo. Não bastao fabricante ter buscado a excelência opera-cional se os distribuidores, os atacadistas eos varejistas continuam operando em condi-ções precárias. Diante do consumidor final,o produto - e/ou serviço - será penalizadopela ineficiência sistêmica da cadeia.

Em linhas gerais, o supply chainmanagement pode ser definido como umametodologia desenvolvida para alinhar todasas atividades de produção de forma sincro-nizada, visando a reduzir custos, minimizarciclos e maximizar o valor percebido pelocliente final por meio do rompimento dasbarreiras entre departamentos e áreas.

Trata-se de uma metodologia empregadaprincipalmente por empresas de consultoriapara implantação do conceito de logística in-tegrada, envolvendo a adoção de práticas deglobal sourcing; parcerias com fornecedores,sincronização da produção, redução de esto-ques em toda a cadeia, revisão do sistema dedistribuição, melhoria do sistema de infor-mação, melhoria da previsão de vendas etc.

Projetos deste tipo costumam focalizarpreferencialmente a busca de melhorperformance dentro da empresa, embora atendência natural seja a de avançar as fron-teiras, aproximando fornecedores e clientes.

Poirier & Reiter" consideram o supplychain management um sistema que envolvetodos os elementos de uma cadeia de produ-ção, do fornecedor de matéria-prima até a

Figura 2 - Modelo supply chain

entrega do produto (ou serviço) pelo comér-cio varejista (ou pela empresa prestadora deserviços) ao consumidor final, visando àotimização da cadeia de valores como umtodo (ver Figura 2).

Essa idéia é derivada da premissa segun-do a qual a cooperação entre os membros dacadeia de valores reduzirá os riscos indivi-duais e poderá, potencialmente, melhorar aeficiência do processo logístico, eliminandoperdas e esforços desnecessários. 13

Uma conseqüência imediata da aplicaçãoda metodologia para o jogo competitivo é quea competição não se dará apenas entre empre-sas, mas também entre sistemas de valores.

IMPLICAÇÕES

Os conceitos e idéias discutidos neste tra-balho permitem algumas especulações sobreimpactos para a prática empresarial, para oensino de administração e para a pesquisano campo da logística.

Implicações para a práticaempresarial

Embora movimentos recentes de mudan-ça tenham contribuído para acentuar o focono cliente e cultivar a visão da organizaçãocomo coleção de processos, a maioria dasempresas ainda tem estruturas pouco inte-gradas quanto ao aspecto logístico.

A configuração estrutural predominanteem empresas brasileiras caracteriza-se pelasegregação dos subsistemas básicos da ati-vidade logística. As áreas de suprimentos,planejamento e controle de produção e dis-tribuição costumam estar ligadas a diferen-tes gerências ou departamentos. Isso não se-

FLUXO DE PRODUTOS ElOU SERViÇOS

FORNECEDORES DISTRIBUIDORES CONSUMIDORES

FONTES FABRICANTE VAREJISTAS

FLUXO DE INFORMAÇÕES

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12. POIRIER. C. C., REITER. S. E. Sl1PP/ychain optimization. San Francisco: Berre!·Koehler, 1996.

13. BOWERSOX, O. J., CLOSS. O. J.logisticaf management. s.l., McGraw HiII.1996.

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ria grave se houvessem sistemas e processosintegrando estas atividades, o que infeliz-mente também não ocorre com freqüência,

Acreditamos que as reflexões expostasneste trabalho levem às seguintes implica-ções para a prática empresarial:

adoção do conceito de logística integrada,pela integração via estrutura organizacionalou via processos de trabalho;adoção de uma perspectiva mais estraté-gica da função logística, resultando emmaior envolvimento com as grandes deci-sões da empresa (alianças estratégicas,parcerias com clientes e fornecedores etc.).

A CONFIGURAÇÃOESTRUTURAL

PREDOMINANTE EMEMPRESAS BRASILEIRASCARACTERIZA-SE PELA

SEGREGAÇÃO DOSSUBSISTEMAS BÁSICOS DA

ATIVIDADE LOGíSTICA.

Implicações para o ensino daAdministração

Programas de graduação, pós-graduaçãoe especialização em Administração de Em-presas no Brasil mantêm cursos ligados aotema da logística. A organização e o conteú-do destes cursos, entretanto, são geralmentemarcados pela fragmentação e falta de visãosistêmica. Dá-se excessiva ênfase para ques-tões técnicas e operacionais, pri vilegiando-se temas como gestão de estoques, movimen-tação de materiais e armazenagem. Questõesimportantes como a integração das várias ati-vidades logísticas e a integração entre os pro-cessos logísticos e os processos de mercadosão tratadas apenas superficialmente.

A adoção da visão expressa por este tra-balho implica uma maior valorização dos as-pectos estratégicos e dos processos decisórios,em detrimento dos aspectos técnicos e opera-cionais. Estes devem ser subordinados aosprimeiros. A conseqüência direta seria umaprofunda reforma dos cursos para adequá-losà nova realidade empresarial.

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Implicações para a pesquisa nocampo

o aparecimento de trabalhos sobre logís-tica integrada e supply chain managementsão ainda raros, tanto no Brasil como no ex-teri or. A maioria dos trabalhos na áreaaprofunda temas específicos comootimização de transportes, gestão globalizadade compras etc. Um exame das apresenta-ções realizadas por especialistas e executi-vos de empresas em seminário recente sobreo tema, promovido em São Paulo (Brasil), érevelador. De dezesseis palestras, apenasduas trataram realmente do tema supplychain management. Todas as demais abor-davam questões específicas de uma ou outrasub-área da função logística.

Seria desejável a abertura de linhas depesquisa que adotassem uma visão mais ad-ministrativa da questão logística. Se concor-darmos com as evidências empíricas e ad-mitirmos a crescente relevância do fenôme-no da desfronteirização, a condução da ges-tão logística deve mudar profundamente.

O foco deixa de ser exclusivamente in-terno (voltado para dentro da empresa) e téc-nico (voltado para a otimização operacional)e passa a ser externo (voltado para fornece-dores, clientes e concorrentes) e estratégico(voltado para a busca de soluções sistêmicascriativas). O locus de realização de pesqui-sas deve, portanto, mudar.

COMENTÁRIOS FINAIS

A trajetória realizada neste trabalho mos-tra como o conceito de logística ganha novadimensão e relevância diante de mudançasestruturais no contexto competitivo.

Como contribuição final, é apresentada,na Figura 3, uma estrutura lógica para trata-mento do tema. Nesta figura, procuramos in-cluir desde os elementos contextuais - fenô-menos como a desfronteirização e as alian-ças estratégicas - até os aspectos mais ope-racionais da logística - controle de estoques,programação de produção etc.

Analisando a Figura 3 a partir do topo,temos os seguintes elementos:

primeiro, o novo contexto empresarial,que tem impacto direto sobre a cadeia devalores, fragmentando-a e exigindo doadministrador uma visão mais ampla esistêmica do objeto a ser administrado.

RAE· v.38 • n.3 • Jul./Set. 1998

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SUPPlY CHAIN MANACEMENT

Figura 3 - Estrutura lógica

o NOVO CONCEITO EMPRESARIAL

ORGANIZAÇÕES ! J DESFRONTEIRIZAÇÃO,1 VIRTUAIS ORGANIZACIONAL

ALIANÇAS

JESTRATÉGICAS

METASESTRATÉGICAS

GESTÃO

ESTRATÉGICA

NOVA CADEIA DE VALORESNOVO SISTEMA DE VALORES

SUBSISTEMA

DE

INFORMAÇÃO

· estoques

·armazenagem

· movimentação

· administração de

compras

· flexibilidade

· sincronismo

· planejamento e

controle da

produção

· previsão de

demanda

· cadeia de

distribuição

·canais de

distribuição

· tipos de transporte

DESEMPENHO ORGANIZACIONALATENDIMENTO DAS METAS ESTRATÉGICAS

A partir desta nova realidade é que deveser pensada a gestão logística;em seguida, a própria gestão logística,com todos os seus subsistemas - supri-mentos, produção e distribuição. Todosestes elementos dever estar cuidadosa-mente integrados por um sistema de in-formações único;finalmente, os componentes estratégicos,representados pelo direcionamento estra-tégico, pelas competências essenciais epelos fatores críticos de sucesso. A funçãodeste elemento é ressaltar o fato de que

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qualquer otimização logística deve estar ali-nhada com a estratégia empresarial. Assimcomo esforços pontuais não levam neces-sariamente a ganhos no sistema, energiasempregadas na direção errada não contri-buem para o sucesso organizacional.O tema supp/y chain management pare-

ce ganhar especial relevância no contexto daintegração das empresas operando no mer-cado do continente americano. Esperamosque este trabalho represente um estímulo apesquisadores interessados neste campo deestudo. O

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