Tepui - Revista de Jornalismo Científico da Universidade Federal de Roraima (UFRR)

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As relações fronteiriças vão além da dimensão territorial. No extremo norte do Brasil, pesquisas apontam que as possibilidades de integrações econômica, cultural, social, étnica e científica defrontam-se com as divergências de discursos, os desafios do desenvolvimento e o desconhecimento das realidades regionais REVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO E CULTURAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA ANO I | EDIÇÃO 01 | COORDCOM | ISSN 2238-0728 tepuy primeira ed - Revisão2.indd 1 06/02/2012 18:24:00

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Éder RodriguesJúlia CamargoShirlei MartinsRafael da Silva OliveiraReginaldo GomesElói SenhorasMaurício ZoueinFabio Luiz Wankler

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As relações fronteiriças vão além da dimensão territorial. No extremo norte do

Brasil, pesquisas apontam que as possibilidades de integrações econômica,

cultural, social, étnica e científica defrontam-se com as divergências de discursos,

os desafios do desenvolvimento e o desconhecimento das realidades regionais

REVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO E CULTURAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMAANO I | EDIÇÃO 01 | COORDCOM | ISSN 2238-0728

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Cinema com 126 lugares

Estrutura adaptada p/ pessoas com necessidades especiais

Salão de 100m para eventos e cerimônias2

Sala de tradução simultânea Lojas Comerciais

Jardins Internos O maior auditório do Estado - Capacidade para 1.200 lugares.

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Cinema com 126 lugares

Estrutura adaptada p/ pessoas com necessidades especiais

Salão de 100m para eventos e cerimônias2

Sala de tradução simultânea Lojas Comerciais

Jardins Internos O maior auditório do Estado - Capacidade para 1.200 lugares.

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Divulgar o conhecimento produzido pela academia é um papel desafiador para aqueles que atuam na área da Comunicação. Conside-

rando as especificidades de cada área es-tudada, o papel da comunicação torna-se imprescindível para levar até a sociedade informações valiosas da ciência. No Brasil existe interesse pela Ciência. No entanto, poucos brasileiros entendem o que é divulgado e, muitas vezes, não conse-guem fazer ligação direta com seu coti-diano, como na economia ou na política nacional. Por isso, é papel do comunicador, como emissor, ter habilidade em conduzir a mensagem para fora dos muros acadêmi-cos atingindo o receptor, sem ruídos. Neste processo, a atenção aos detalhes apresentados pelos estudiosos e a lin-guagem coloquial do jornalismo preci-sam levar, com maior fidelidade possível e simplicidade, a conexão da ciência como parte do dia-a-dia das pessoas povo. Uma ciência que está mais pró-xima do que se imagina. Ela se faz pre-sente quando, por exemplo, as pessoas dominam uma máquina, alimentam-se, tem suas interações sociais e culturais, etc. Isto porque a ciência precisa estar a serviço da humanidade. Do ponto de vista regional, a Universi-dade Federal de Roraima vem criando mecanismos que permitem o conheci-mento científico. A Coordenadoria de Comunicação da UFRR e o conselho Editorial da REVISTA TEPUI são sabedo-

res de que juntos podem contribuir com a popularização da ciência. Mas é preciso desenvolver a capacidade de promover o acesso ao pensamento e estudo para os mais diversos públicos. Por meio dos produtos jornalísticos, po-de-se fazer chegar a públicos distintos, uma fração de conteúdo de temas que muitas vezes são debatidos em eventos que envolvem a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), por exemplo. Sendo assim, como obra inicial no cam-po do jornalismo local, comprometido em expor as ideias nas áreas da Ciência e da Cultura, a REVISTA TEPUI chega para ser uma peça jornalística de valorização às pesquisas e às ações que fomentem a democratização do acesso ao conhe-cimento científico. Pela complexidade destes temas, é evidente que se tenha o apoio de estudantes, pesquisadores e divulgadores da ciência em geral. Preo-cupação também desta obra. O tema Fronteiras foi escolhido para abrir o primeiro número da TEPUI. O periódico traz discussões atuais desta realidade complexa que não se limita às questões territoriais. As fronteiras so-ciais, econômicas e culturais existem em larga escala na nossa região e recebem luzes inéditas da ciência praticada no Brasil. Nesta publicação, temos a grata satisfação de permitir que novos olhares sejam lançados, podendo despertar o interesse do leitor para cada tema abor-dado. Caso isso ocorra, nossa missão foi cumprida. Boa leitura.

Os editores

1º semestre de 2012EXPEDIENTE

Coordenação EditorialÉder Rodrigues

Conselho EditorialÉder Rodrigues, Elói Senhoras, Júlia Camargo, Regi-naldo Gomes, Sandra Gomes, Willame Sousa

EditoresÉder RodriguesWillame Sousa

ReportagensAline Padilha, Cristina Oliveira, Éder Rodrigues, Greick Alves, Johann Barbosa, Willame Sousa

FotografiaLanne Prata, Roberto Caleffi

Projeto GráficoHefrayn Lopes, Israel Mattos

Diagramação e EditoraçãoIsrael Mattos

RevisãoAntônio Benício de Sales, Johann Barbosa

Estagiárias de JornalismoAline Leão, Patrícia Sifuentes

SecretariaKatiane Feitosa

ColaboradoresElói Senhoras, Júlia Camargo, Maurício Zouein, Rafael Oliveira, Reginaldo Gomes, Shirlei Martins

Coordenador de Comunicação SocialÉder Rodrigues

Chefe da Divisão de Relações PúblicasGreick Alves

Chefe da Divisão de Atendimento à ImprensaAline Padilha

Chefe da Divisão de FotografiaRoberto Caleffi

Chefe da Divisão de Criação e ArteIsrael Mattos

Fones: (95) 3621-3106 / (95) 9976-0871E-mail: [email protected]

Universidade Federal de Roraima

Reitor Roberto RamosVice-reitoraGioconda MartinezChefe de GabineteEloá CoutinhoPró-Reitoria de Administração e DesenvolvimentoManoel Bezerra JúniorPró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento InstitucionalGioconda MartinezPró-Reitoria de ExtensãoGeyza PimentelPró-Reitoria de Ensino e GraduaçãoEdnalva DantasPró-Reitoria de Pesquisa e Pós-GraduaçãoLuiz Alberto PessoniAssessoria JurídicaAldir MenezesCoordenadoria de Comunicação SocialÉder Rodrigues dos Santos Coordenadoria de Relações InternacionaisAmérico de LyraOuvidoriaMaria Rosiney Santana Marques

O desafio de divulgar a ciência e a cultura na fronteira norte

A UFRR dispõe de duas bibliotecas universitárias: a BibliotecaCentral (BC), situada no Campus Paricarana e a Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Agrárias, localizada no campus Cauamé.

Na Biblioteca Central você encontra: Cerca de 60 mil livros no acervo Mais de 13 mil periódicos 253 trabalhos de pós-graduação Salas de estudo individual Setores de multimeios e teleconferências Rede Wireless Biblioteca Virtual com mais de 12 mil periódicos Portal CAPES com mais de 60 mil teses e dissertações digitais.

A Biblioteca Setorial têm de mais de 3.500 livros, 940 periódicos e 193 trabalhos de pós-graduação.

4 PRIMEIRO SEMESTRE / 2012

ISSN 2238-0728

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A UFRR dispõe de duas bibliotecas universitárias: a BibliotecaCentral (BC), situada no Campus Paricarana e a Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Agrárias, localizada no campus Cauamé.

Na Biblioteca Central você encontra: Cerca de 60 mil livros no acervo Mais de 13 mil periódicos 253 trabalhos de pós-graduação Salas de estudo individual Setores de multimeios e teleconferências Rede Wireless Biblioteca Virtual com mais de 12 mil periódicos Portal CAPES com mais de 60 mil teses e dissertações digitais.

A Biblioteca Setorial têm de mais de 3.500 livros, 940 periódicos e 193 trabalhos de pós-graduação.

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14)) 28))Reportagem traz perso-nagens da China, Síria e Cuba e revela que o extremo norte do País é mais plural do que se imagina.

Desigualdade e democracia nas fronteiras brasileiras Professor Argemiro Procópio, da Univer-sidade de Brasília (UnB), analisa os desafios amazôni-cos, seus impactos globais e as relações brasileiras com paí-ses vizinhos.

Júlia CamargoFronteira e novos olhares

Rafael OliveiraBrasileiros e garimpos no Suriname

Shirlei MartinsDinâmica territorial e resistência indígena

Reginaldo GomesTríplice fronteira e as trilhas indígenas

Elói SenhorasDinamismo Fronteiriço e as cidades-irmãs

Maurício ZoueinO limiar da imagem na fronteira do olhar

100 anos da viagem do alemão Theodor Koch Grümberg de Roraima ao OrinocoOs trabalhos de campo do etnólogo nas fronteiras brasi-leiras têm ampliado o conhecimento de pesquisadores, so-bretudo, da história e antropologia.

Kuwai Kîrî e a experi-ência amazônica dos índios urbanos mostra que a diversidade cul-tural indígena não está limitada ao contexto das reservas demarcadas, mas permanece viva no dia a dia das cidades.

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Oralidade e escrita juntos no IV Encontro da FelicidadeDias de festa e des-taque para a cultura Ingarikó na maloca do Manalai, Terra Indígena Raposa Serra do Sol Diagnóstico

BRs 401e 174, que dão acesso a Repúbli-ca Cooperativista de Guyana e Venezuela, são consideradas áreas de incidência de tráfico de pessoas, diz pesquisa da UFRR

Rádio da UFRRA FM 95.9 é a rádio da UFRR. Reforço na comunicação pública que começa a exercer o papel democrático e social no estado de Roraima.

Exploração sexualEstudantes indí-genas denunciam comércio sexual na fronteira com a Vene-zuela e desenvolvem trabalhos didáticos na UFRR

EnsaioFotos que falam de cultura e paz

A sombra do mito do Eldorado persiste na ima-ginação de muita gente. A cobiça histórica pelos minérios encontrados, sobretudo, no noroeste de Roraima e os discur-sos que surgem do im-bróglio se assemelham a um filme de ficção com final apocalíptico.

As fronteiras da televi-são pública na região norte do país. É pela TV Universitária que o Bra-sil e o mundo têm visto a realidade da tríplice fronteira norte.

Realizadores de á0udio visual nas trilhas sagra-das do mito Makunaima. O cinema etnográfico ganha força e adeptos, formando plateia e divulgando a riqueza cultural de Roraima.

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Entrevista

O professor doutor Argemiro Procópio realiza, há mais de 30 anos, pesquisas dedi-cadas a entender a realida-de dos povos da Amazônia

e os impactos da região no contexto mundial. Depois do exílio na Europa na década de 70, professor Argemiro, já no Brasil, inicia importantes trabalhos de pesquisas na Amazônia Legal. Ele é pro-fessor titular da Universidade de Brasília (UnB) e atua na área de Relações Inter-nacionais, contribuindo também com ações da UFRR. Entre as mais recentes está a criação do doutorado interinstitu-cional em Relações Internacionais.

Publicou 18 livros, com destaque para o recém lançado Diplomacia e Desigualdade e a mais destacada obra do autor denomi-nada Subdesenvolvimento Sustentável. Este último entrou para a quinta edição em 2010. Professor Argemiro conversou com a reportagem da REVISTA TEPUI numa manhã de sábado, depois de lançar sua nova obra na noite anterior na Universida-de Federal de Roraima.

ÉDER RODRIGUES

Revista Tepui – Professores e estudantes sempre falam sobre a importância de suas obras, sobretudo por reunir suas vivências no campo, atreladas às luzes provenientes das Ciências Sociais, Relações Internacio-nais, Economia e Direito. Quando iniciou suas ações de campo para compreender a realidade amazônica?

Argemiro Procópio – Eu comecei este tra-balho de campo na Região Amazônica em 1980. Depois do exílio na Europa, assumi como docente as atividades na Universida-de de Brasília e trabalhava com Sociologia Rural. Naquele tempo ninguém falava sobre as questões ambientais ou quando se falava, era muito pouco. As questões ambientais eram tratadas pela Biologia.

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Argemiro ProcópioDesigualdade e diplomacia em pauta nas fronteiras do Brasil

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Mas já em Berlim, na Alemanha a questão ambiental, estava bastante presente na pauta da Academia. Eu resolvi, então, fazer um estudo sobre educação ambiental. Já existia o campus avançado no médio Araguaia e eu fui pra lá.

Era na cidade de Aragarças, divisa com Mato Grosso e Goiás. Lá tinha Barra do Garças, mas do outro lado era o Aragarças e o campus ficava em Aragarças. Uma re-gião em que os índios xavantes trabalham e começou ali uma exploração de arroz. Estavam os primórdios da febre da soja no Brasil. Começamos a observar o número de agrotóxicos utilizado nestas plantações. A igreja Luterana já estava protestando. As crianças estavam nascendo sem cérebro, havia enormes números de enfermida-des. O próprio hospital da cidade recebia médicos da universidade e nós testemu-nhamos esta realidade. A conclusão foi de que parte da causa destas crianças que nasciam sem cérebro se dava por conta do trabalho com os agrotóxicos.

Estes agrotóxicos eram manejados de forma indevida, eles simplesmente mistu-ravam o veneno com a mão ou com um pau, depois colocavam numa espécie de trator e saíam por aí aspergindo. Essa agri-cultura extremamente nociva somadas às chuvas, as enxurradas que caíam nos rios, gerava grande mortalidade de peixes. Os índios xavantes tinham o peixe como base de alimentação e foram obrigados a com-prar carne de boi, porque o peixe já estava cada vez mais raro por causa da mortalida-de. O peixe boiava no rio envenenado de-pois das chuvas. Foi aí que iniciamos um trabalho de educação ambiental. Houve denúncias sobre a atuação destas multi-nacionais e ocorreram vários processos na Justiça. As denúncias foram se repetindo e de pouco em pouco somaram-se ao apoio das igrejas, dos sindicatos, de universida-des, das escolas - uma vez que a popula-ção se sentia vitimada. Então começou um trabalho de educação ambiental, o que já era muito comum na Europa. No Brasil, esta educação ambiental chegou quase 50 anos depois. Esta foi a primeira experi-ência na região do Araguaia. Que de certa maneira me influencia até hoje. Pra mim, esta produção ojeriza a uma produção de commodities que está de certa maneira desindustrializando o Brasil. Exportamos produtos sem valor agregado ou de bai-xíssimo valor agregado.

Do médio Araguaia, eu fui para Rondô-nia. Por quê? Porque começou uma crise agrícola e esta crise agrícola coincidiu em 1985/86 com a chamada ‘febre dos garim-pos’. O movimento de garimpagem ocorreu num período um pouco anterior. Mas eu diria que este foi o auge do garimpo no Brasil, no qual com a crise econômica nas cidades frente a democracia, afinal os militares já haviam entregado o poder, havia uma desorganização administrativa, uma corrupção entrou no Brasil. Muitas pessoas mudaram de casaca da noite para o dia. Eram pessoas articuladas com a ditadura militar e no outro dia começa-

ram a levantar a bandeira do PT. Era uma tristeza. Um oportunismo político, aliado a uma recessão e inflação virulenta que começava a surgir. Por isso muitas pessoas desempregadas do meio urbano passaram a acreditar que o Eldorado estava no mato, onde estava o ouro.

RT – Em outras visitas a Roraima, o senhor disse que o estado está na fronteira com o hemisfério norte e que tem vocação para desenvolver-se, mas ainda não conhece os instrumentos para desenvolver esta vocação. Que instrumentos poderiam ser vislumbrados?

AP – Há um conjunto de fatores que leva o Brasil a pensar que a nossa vocação é aquela do tempo colonial. Os portugue-ses e holandeses nos obrigaram a plantar café e açúcar. Portanto, há um complexo de inferioridade. A falta de acreditar em si mesmo leva ao Brasil a achar que vai tirar tudo da terra e vender como no período colonial. Ou seja, nós vamos na contramão da história. Eu não sou contra a produção agrícola. Mas nós temos aqui em Roraima

uma vocação muito melhor, instrumentos muito melhores que outros estados. Em que pese a posição estratégica do estado.

O estado está muito próximo do Caribe. Ele está próximo de um ‘cardume’ de países. A gente diz: um bando de andorinhas! Porque todos eles votam em conjunto nas Nações Unidas. Nenhum deles tem uma agricultura sólida, por conta das mudanças climáticas; são áreas abaixo da linha do mar; tem tido inundações, ou seja, a situação agrícola é miserável. Mas tem dinheiro, tem turismo. Eles precisam importar gêneros de primeira necessidade. Os Estados Unidos são um grande importador também e a sua produção agrícola não sai de Miami. Ou seja, em linha reta, esta região goza de vantagens estratégicas tremendas, mais do que outras partes do Brasil para colocar os produtos agrícolas no hemisfério norte. Isso Roraima tem e ninguém pode contestar. É um aspecto comercial geopolítico.

No entanto, a questão é que o mundo tem ensinado que países que dependem da agricultura patinam (quase que 90% das exportações são agrícolas). É como tico-tico no fubá: ciscam e ciscam e ficam onde estão. Agricultura tem sim que ser mantida, mas não só este latifúndio, não é só este plantation. Aqui tem novas vocações. Por exemplo, imagine: porque não transformar isso aqui em um pólo de ciência e tecnologia? De alta mecatrôni-ca. Daí precisa investir. Mas o Brasil não investe. O Brasil só investe na faculdade de Direito. É o país que tem mais advogados na face da terra! Nenhum país do mundo tem tanto advogado como no Brasil e não há nenhuma lei que proíba isso. Apesar da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pedir “pelo amor de Deus, chega! Já tem demais!” É uma indústria de advogados. Por isso tudo aqui é lei e o linguajar jurí-dico é pior que bula de remédio. A gente lê, relê (e olha que eu sou doutor, hein) e não entendo, às vezes, o que estou lendo. Às vezes eu penso: será que sou analfabe-to? Aliás, encontro muitos erros de latin deles. Tudo errado. Ou seja, não é apenas o linguajar jurídico, é a presença extrema-mente grande do setor jurídico que mata outros setores. Não temos professores de física, de matemática, química, biologia. Mas também o professor de física ou quí-mica vai ganhar metade que um policial militar no Brasil. É um desprestígio que se dá à educação. É estrutural.

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“(...) esta região goza de vantagens estratégicas tremendas, mais do que outras partes do Brasil

para colocar os produtos agrícolas no hemisfério

norte. Isso Roraima tem e ninguém pode contestar.”

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Para mudar a situação de Roraima, ter um estado que pensa à educação e etc, temos que mudar estas bases todas. No entanto, é um estado que tem vocação podendo ser um lugar produtor de ciência e tecnologia. Aqui tem ouro. E esse ouro vai para onde? Por que não criar um centro de ourivesaria. Diamante rola aqui, todo contrabandeado. Por que não criar um centro de polimento? Aí a jóia tem o valor multiplicado em 200% ou 300%. É um serviço que gera muita mão de obra e é um trabalho limpo, não é poluente. Isso é parte do que poderia ser mandado para Amsterdã, Nova York ou Tel Aviv. É preciso repensar a vocação que existe. Mas para ter educação necessária, a universidade precisaria ser prestigiada. E ela não é. RT – O senhor lançou na UFRR o livro Diplomacia e Desigualdade e afirmou que esta obra é um grito pelo Brasil e uma críti-ca aos erros diplomáticos. Em determinada altura do livro é dito que a diplomacia internacional precisa ir além das questões de comércio, discutindo questões como, por exemplo, o meio ambiente e as desigualda-des sociais. Por quê?

AP - Por que a política exterior abrange a questão da cooperação tecnológica, a questão militar, a questão ambiental, dentre outras. O leque da ação diplomá-tica é muito grande. O que ocorre é que a Amazônia é apenas, formalmente, uma preocupação da diplomacia brasileira. Apesar de ter mais da metade do territó-rio. Eu denuncio isso no meu livro.

Primeiro veja pela própria composição: a Amazônia tem quase metade do território brasileiro, mas quantos são os diplomatas de origem amazônica? A minoria. Quantas visitas do pessoal das relações exteriores temos aqui? Pouquíssimas. Em virtude da omissão da política externa em relação à Amazônia, vão sendo criadas as ‘paradi-plomacias’. Onde o Itamaraty se omite, vão surgindo ONGs para fazer o trabalho dele. O Itamaraty se omite na questão comer-cial: vem os contrabandistas e fazem o tra-balho dele. E pior: a diplomacia brasileira sempre é pouco propositiva.

Ela remedeia situações. Não se antecipa aos problemas que existem. Ela anda e reage muito lentamente. Reage um ou dois anos depois. Reagiu muito lentamen-te na política de direitos humanos. Reagiu

muito lentamente na questão ambiental. Ela precisa ser mais propositiva. E apesar do discurso ‘lulista’ da diplomacia presen-cial, ela também não foi propositiva neste período e, aliás, se caracterizou, nesta fase, com problemas que nunca tivemos antes na nossa diplomacia.

Tivemos enormes problemas com o Paraguai. Tivemos enormes problemas com o Equador e com a Bolívia, que são países amazônicos. Ou seja, neste período o Lula foi muito infeliz. Tivemos problemas como nunca anteriormente. Alguns deles graves. Como é o caso da invasão das tropas bolivianas na empresa Petrobrás. O gasoduto também custou caro e foi o segundo maior investimento que pesou nos cofres do governo brasileiro. Passamos por momentos difíceis. Portanto, a política latino-americana, que juravam no Gover-no, que seria prioridade, foi muito infeliz. Quer dizer, em oito anos de Governo Lula: um ano ele passou dentro do avião; e sete anos passou fora do Brasil.

Poucos presidentes viajaram tanto quanto ele, mas sempre voltava de malas vazias, sem resultados concretos desta diplomacia presidencial. Na propaganda era bem divulgado, ele pode ter sido elei-to o presidente simpatia (que é!), mas em termos de resultados concretos realizou muito pouco. E na Amazônia sua partici-pação foi particularmente pequena, com exceção da Venezuela. É verdade. Com a Venezuela ele soube conduzir bem a diplomacia e mais do que nunca, as multinacionais brasileiras ganharam com o presidente Hugo Chavez.

A Guyana e o Suriname são países esque-cidos. Têm problemas de direitos huma-

nos, de tráfico de drogas, que aumentou enormemente nos últimos anos. As prisões brasileiras, abarrotadas de pesso-as ligadas ao narcotráfico, revelam este descuido e o insucesso da política ‘lulista’, que pode ser medido nos assassinatos nas ruas, no número de prisioneiros nos presídios, na violência armada e no con-sumo de drogas pelas crianças (porque já não são só mais os adolescentes que estão consumindo). Esta política antidro-gas foi um caos. E sabe-se que o Brasil não planta a cocaína, nós somos um país consumidor. De trânsito ou corredor, passamos a ser um país consumidor. Meu livro também adverte para esta questão da política antidrogas.

RT – O senhor atribui esta atenção especial do governo Lula dedicada à Venezuela a quais fatores?

AP - Neste ponto foi uma grande esperte-za e sabedoria política. O Brasil passou a ser o interlocutor, de certa maneira, entre a Venezuela e os Estados Unidos. Os EUA são um grande importador do petróleo venezuelano. Quase 15% do que atende às necessidades internas dos EUA vêm da Venezuela. Qualquer loucura que o Hugo Chavez fizer terá repercussões enormes. É bom lembrar que o Chavez estava quase caindo quando o Lula mandou os téc-nicos da Petrobrás abrirem as torneiras no primeiro momento e evitou a queda do Chavez. O Chavez ficou eternamente agradecido. O Chavez agradeceu ao Brasil com um cheque.

Graças ao Chavez muitas indústrias brasi-leiras não fecharam as portas. Até porque as indústrias brasileiras não concorrem mais com os produtos chineses. O Chavez é fiel e continua comprando produtos brasileiros. A imprensa brasileira, em vez de colocá-lo no inferno, deveria fazer um monumento para ele. Muitos dos anun-ciantes que sustentam a imprensa brasilei-ra com grandes lucros estão vivos graças aos bons negócios com o Chavez. Então não é hora de jogar ovos no Chavez. É hora de construir um monumento pra ele e colocar um buquê de flores em baixo e o Brasil agradecer! Sem contar a diplomacia informal que ele fez lá na Venezuela. O brasileiro com problemas dentários chega lá e recebe tratamento de médicos cuba-nos a custo zero. O brasileiro chega lá com o tanque do carro vazio e paga centavos

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“O brasileiro com pro-blemas dentários recebe tratamento de médicos cubanos a custo zero na Venezuela. Chega lá com o tanque do carro vazio e paga centavos na ga-solina. Este pessoal não

pode dizer: o Chavez é um desgraçado. Tem que dizer

‘muchas gracias’!”

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na gasolina. Este pessoal não pode dizer: o Chavez é um desgraçado. Tem que dizer muchas gracias! (risos)

RT – Como o senhor define apartheid social e as implicações na Amazônia?

AP - O estado de Roraima é um estado artificial. É um estado de funcionários públicos. É um estado que depende de Brasília. Há uma ‘brigaria’ terrível. Tem tantas disputas na Justiça, mas nenhum deles paga o advogado. O Estado é quem paga. Então é um estado muito pouco produtivo. É uma burocracia. E a história tem demonstrado que esta burocracia não cria bases sustentáveis de desenvol-vimento. São funcionários muito bem pagos e de uma altíssima ineficiência! Em nenhum país do mundo ocorre isso. Roraima não é uma colônia. Dentro desta perspectiva, o estado deveria ter ativida-de produtiva para que se autossustente. Agora a minha esperança é de que esta autossustentação venha de tecnologia, de projetos, de descobertas.

RT – Como senhor avalia a possível legaliza-ção de extração mineral em terras indígenas brasileiras, sobretudo em Roraima, que tem territórios indígenas que fazem fronteiras com outros países e onde existem miné-rios localizados próximos às nascentes de águas? Como podem ser discutidos melhor estes megaprojetos para a Amazônia?

AP - O Brasil tem que aprender (desculpe a sinceridade) com as nossas burrices históricas. Se o Brasil engarrafasse água, como a França faz, e vendesse esta água, nós lucraríamos muito mais que qualquer minério que vá sair daqui. É uma grande burrice, colocar mineradoras que podem acabar com estas fontes de água. Exporta-se. A “água amazônica” já é um marketing. Ganha-se muito mais sem destruir a na-tureza. Então vamos transformar o estado de Roraima em um exportador de água e não de minério. Vai ganhar muito mais, empregar muito mais, sem deixar buraco. É claro que a água é uma metáfora aqui. É preciso a criatividade.

RT – Em linhas gerais, o que é o “século BRICS” (sigla para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)?

AP - São estes países baleias. Mas existem diferenças entre estes países. A China está

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tecnologicamente talvez meio século adiante do Brasil. Um país com problemas muito maiores que o Brasil está, hoje, 50 anos na frente. Mas a China passou por reformas estruturais. O Brasil ainda não chegou a este pacto. O brasileiro ainda não tem conscientização.

O brasileiro, por exemplo, só faz greve para aumentar salário. Não tem uma greve aqui que se fale de qualidade de vida. Não tem uma greve para melho-rar a segurança. É só aumentar salário. Chegou-se ao um absurdo no Brasil de corporações que dizem que o funcionário trabalha 24 horas! É uma mentira históri-ca, porque ninguém consegue trabalhar 24 horas, depois folga 48. É uma farsa na qual se usa a bandeira da democracia. Ou seja, é um procedimento pior que qualquer ditadura, utilizando a bandeira da democracia. É a chamada indústria da democracia que arruína o país. É o abuso do nome que falseia a democracia, porque democracia não é isso.

A Índia, também, caminha, sobretudo, com a indústria de alta tecnologia, tec-nologia de terceira geração. O Brasil não. O Brasil prefere a exportação de com-modities. Está na hora do Brasil repensar isso e sair desta herança terrível. O Lula deixou uma herança maldita. A herança da “exportação de commodities”! Tudo é commodities. Herança maldita que precisa ser revertida. Se possível com exportação com valor agregado. Lem-brando que o País tem inteligência sim! É preciso apoiar esta inteligência. Nós não apoiamos.

RT – O senhor abordou temas muito atuais na publicação O Brasil no Mundo das Drogas, lançado em 99. Que apontamentos podem ser feitos, considerando nossas fron-teiras e as dimensões da região Norte? AP - As Igrejas católica e evangélica no Brasil têm prestado muito mais atenção a esta causa do que o Estado. Mas a questão das drogas tem a favor dela a mídia. Indiretamente existe a propaganda da droga muito bem feita. O mundo passa por um período de hedonismo, que é a busca pelo prazer. E o hedonismo combi-na perfeitamente com droga. A droga é egoísta. A droga é fruto de uma sociedade egoísta. O Brasil é egoísta. O estudante brasileiro não trabalha em equipe. O

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“Muitos estudam a região Amazônica pelo índio. Mas a Amazônia não tem só questões indígenas a serem estudadas”, diz Procópio

Balsas de garimpo no rio Uraricoera (RR): “mas a Amazônia não tem só questões sobre mineração,” diz Procópio

“O consumo de drogas é fruto de uma sociedade egoísta”, afirma Procópio

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trabalhador brasileiro é corporativo, ele quer o salário o mais alto possível, o resto que se dane! A famosa frase: “não sou eu que ganho demais. É o outro que ganha mal”, é resultado de um País que coloca certas categorias salariais entre as maiores salários do mundo, entre elas, a diploma-cia. Outra coisa, nenhum País do mundo remunera-se tão bem suas forças de repressão quanto a diplomacia brasileira. Para reverter isso, você tem que repensar o Brasil antes que seja tarde demais.

RT – Como estudioso de temas diversos, sobretudo, de problemas sociais brasilei-ros e questões amazônicas, percebemos que o senhor utiliza bibliografia também abrangente em suas obras, convergindo autores de áreas como a filosofia, econo-mia, sociologia, direito entre outras. Qual a importância e os desafios da transdisci-plinaridade para o diplomata?

AP - É porque “todos nós temos razão”. E aqui podemos falar sobre a famosa fábula dos cegos e do elefante. Che-gou o primeiro cego e abraçou a perna do elefante e disse: isto aqui é uma grande coluna. O segundo pegou o rabo e disse: que nada isso é um fio. O terceiro estava agarrado no marfim e disse: vocês estão loucos! Este negó-cio é pontudo, não tem nada disso. O quarto deu uma gargalhada, pegando na orelha do elefante e disse: vocês são bobos, isto aqui é um leque. O último, que estava nas costas do animal, disse: que nada! Isto aqui parece uma mesa. Então todos riam e ironizavam a situa-ção, mas nenhum deles estava errado. Por isso é necessário muito mais que a interdisciplinaridade, mas sim de uma visão holística. Transdisciplinar.

Quanto a Amazônia, estudam-se a Região pelo índio. Está certíssimo! Mas a Amazônia não é só índio. Como o ‘Procópio’ antigamente que estudava só o garimpeiro. Mas a Amazônia não é só garimpeiro. A Amazônia também é cidade. A maior parte da população amazônica vive na cidade. Se eu esque-ço da cidade e falo só da selva, eu não estou falando da Amazônia. A Amazônia é água, mas eu não posso ficar só na água. Tem que lembrar que a mineração e a agricultura poluem a água. Esta é a visão que tenho.

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GREICK ALVES

Migração

Durante seis meses de 2009, a equipe composta pelos professores Thiago Gehre Galvão e Júlia Faria Camar-go, do curso de Relações

Internacionais, Carla Monteiro de Souza, de História, e João Nackle Urt, do instituto Insikiran, usou a história oral e relatos autobiográficos como metodologia cientí-fica para o projeto de extensão “Vivências Internacionais”. Nele, os estrangeiros con-vidados deram seus relatos na forma de palestras, que foram seguidas por debates abertos ao público, mediados pela partici-pação de professores dos departamentos de Relações Internacionais e de História.

O projeto apontou como objetivo geral trazer ao público roraimense relatos originais de experiências de vida de cidadãos estrangeiros falando sobre a realidade de seus países e/ou regiões de origem, para, dessa forma, fomentar o di-

álogo entre estrangeiros e brasileiros; tra-zer narrativas pessoais sobre a realidade estrangeira, produzindo conhecimento não mediado por meios de comunicação de massa; e trazer relatos de cidadãos de diversas regiões do planeta.

Naquele momento, os professores reuni-dos vivenciavam os relatos de tragédias, conflitos e dificuldades passadas pelos imigrantes. Pessoas de lugares longín-quos que no Brasil encontraram aco-lhimento e respeito ao modo de viver. Entre os imigrantes entrevistados estão o sírio Fadel Nagm, a chinesa Peggy Fung e o cubano Tomás Hernández, que hoje fazem da Universidade Federal de Roraima (UFRR) a extensão da casa.

Em 2010, os três participantes foram procurados pela TEPUI, com o apoio dos professores do curso de Relações Internacionais, e aceitaram o convite de

reviver aqueles colóquios. Dividir suas impressões em relação ao Brasil, e mais precisamente Roraima, possibilitou a Fadel, Peggy e Tomas a oportunidade de externar mais uma vez suas vivências e dificuldades de adaptação num lugar onde o Brasil encontra as Repúblicas da Venezuela e Cooperativista da Guyana.

PERSONAGENS

Por meio de relatos espontâneos e apai-xonantes, imigrantes vindos de países como a China, Cuba e Líbano falam como encontraram no extremo norte do Brasil, sobretudo no estado de Roraima, a motivação e o ambiente necessários a realização dos sonhos interrompidos por motivos peculiares a cada um deles, mas que encontraram aqui um porto seguro para o recomeço de suas vidas. Impressões de cidadãos do mundo que

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Roraimaelo de imigrantes na fronteira norte do BrasilEspanhóis, ingleses, holandeses, chineses, venezuelanos, árabes, judeus, haitianos e africanos. Estes são alguns grupos de imigrantes que vivem em Roraima e que, por meio de um projeto de extensão da UFRR, tiveram espaço para compartilhar suas experiências.

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de formas diversas deixaram para trás trabalho, família, amigos e território. Alguns deles empurrados pelas circuns-tâncias social, religiosa e política no país de origem para as fronteiras além mar.

Os imigrantes, como muitos de nós, escolheram Roraima para edificar a vida. O que essas pessoas de cultura, etnia, religião e língua tão diferente têm em com um, além do fato de escolherem Roraima para viver?

Essa e outras perguntas foram respondi-das por três imigrantes que fazem parte da cultura local, que à primeira vista, passam a impressão de serem apenas mais alguns estrangeiros de passagem, porém, quando observados com um pouco mais de atenção, têm-se presen-te vivências de fragmentos da cultura inserida no território brasileiro.

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O encontro inesperado com este brasileiro que curtia férias na Coreia do Sul des-viou a trajetória da Chinesa Peggy Fung para Roraima

em 1992. A época, recém-formada no curso de Comunicação de Massa, ela optou em trabalhar no ramo de relações exteriores, na área de comércio entre Hong Kong, Taiwan, Coréia do Sul, Esta-dos Unidos e Europa

A facilidade de falar a língua inglesa, uma vez que Hong Kong, até então, era colônia britânica, lhe permitiu possuir visto de cidadã inglesa. Ela viajava dentro e fora da Ásia realizando negó-cios comerciais. Em uma dessas viagens, Fung encontrou o brasileiro Jorge Perei-ra de Almeida. Após um breve namoro se uniram num casamento coletivo e concorrido, com mais de 1200 casais, ocorrido na Coreia do Sul.

Em seus relatos, Fung lembra que na cultura chinesa os filhos homens são preferidos. Explica que somente eles possuem o nome no livro da árvore ge-nealógica da família. Esse fato da cultura

chinesa contribuiu na decisão de Fung vir para o Brasil, além do sentimento e afeto ao marido brasileiro. Porém, antes de sair da terra natal, ela deu a luz ao pri-meiro dos quatro filhos. Hoje, um jovem com 18 anos. Todos moram em Roraima.

AS DIFICULDADES EM TERRAS BRASILEIRAS

Falante fluente das línguas inglesa e mandarim, Fung revela que passou por dificuldades em se comunicar com outras pessoas no Brasil. “No início, a comunicação entre eu e meu marido era em inglês. Superei as dificuldades no momento em que resolvi lecionar inglês em casa. Naquele momento houve uma troca, permuta, entre mim e os alunos”. Eles aprendiam o inglês e eu aprendia o português. Hoje a minha dificuldade está em assimilar a cultura local. Aqui os brasileiros se cumprimentam de maneiras mais afetivas. Diferentes de nós chineses. Lá somos mais reservados”, explicou Peggy Fung.

Na carteira de identidade de Peggy, por conta da burocracia brasileira, está

assinalada a palavra estrangeira. Ela explica que por várias vezes tentou adquirir a naturalização brasileira, mas sempre esbarrou nas dificuldades com a documentação. “Antes de vir ao Brasil já tentei adquirir a nacionalidade. Porém, sempre diz (as autoridades) que falta do-cumento”, detalhou a dificuldade Peggy.

Do país de origem, Peggy revela que tem mais saudades da família e dos amigos. Por muitos anos, ela manteve contato apenas por meio de cartas e telefone. Com a facilidade da internet e o surgimento das mídias sociais, hoje re-encontra os amigos e parentes do outro lado do mundo. “Desde que deixei meu país, há 17 anos, não via meus parentes e amigos. Até que em fevereiro deste ano (2010) retornei a Hong Kong e pude ver meu pai pela última vez antes de morrer”, disse Peggy.

A adaptação da estrangeira chinesa em terras roraimenses ocorreu com certa facilidade. O fato se deu devido ao aco-lhimento dispensado pelo povo local. Peggy confessa que apesar das diferen-ças das culturas orientais e ocidentais

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A viagem de férias que uniu um brasileiro e uma chinesa em matrimônio

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nunca foi hostilizada e nem preterida nos ambientes em que frequenta. “O povo brasileiro (leia-se roraimense) é amigável. O brasileiro no bate-papo do dia a dia, fala qualquer assunto, sendo a pessoas estranhas ou não”, diz Peggy que mesmo após 17 anos em Roraima confessa que a maior dificuldade ocorre na interação social.

Superar barreiras de interação sociais, do tipo: abraços, beijos aperto de mão, leva tempo, já que lá na China, o cum-primento e a intimidade são conquistas que requerem anos de conhecimento.

UMA CRISTÃ NASCIDA NO PAÍS DE TRADIÇÃO BUDISTA

Diferente da maioria dos chineses que seguem o budismo ou o taoísmo, Peggy se professa cristã. Em seus relatos, a chinesa fala que o encontro com a fé cristã ocorreu durante a faculdade. Ensinamentos que até hoje mantém. Para Peggy, o maior estranhamento com a cultura local aconteceu quando ela se deparou com a realidade de famí-

lias roraimenses, na qual filhos vivem apenas com a mãe ou apenas com o pai. Segundo ela, as famílias devem ser constituídas com o modelo clássico de família: pai, mãe e filhos, juntos.

O OLHAR DE QUEM CONHECE O MUNDO

Com a autoridade de quem já percor-reu o mundo fechando negócios in-ternacionais, Peggy enxerga a posição geográfica privilegiada do estado de Roraima. Para ela, estar entre a Repú-blica Cooperativista da Guyana e a Venezuela é estar às portas do Caribe, da América do Norte e até da Europa. Ela acredita no potencial comercial do estado de Roraima e prevê o fortale-cimento das relações internacionais. “Aqui é o início do Brasil. Temos ao lado a Zona Franca de Manaus. E creio que a implantação da Zona de Livre Comércio fortalecerá nossos laços com o mundo”, segundo Peggy.

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Em 1982, Fadel Nagm deixa a Síria e vem ao Brasil, cansado da guerra e da persegui-ção do governo no país de origem. Em solo tupiniquim,

ele encontra a paz necessária para professar a religião espírita na qual era coibida entre os parentes que viviam em sua terra natal. “Sou espírita, e não podia nem comentar entre os amigos, pois havia o risco de ser preso ou coisa pior. Infelizmente, o fundamentalismo religioso tem “fechado” o pensamento dos líderes na Síria. Não suportava a perseguição imposta a mim, então deixei meu país em busca de paz e liberdade”, desabafou Fadel.

Antes de firmar moradia em Roraima, Fadel residiu um curto período de tem-po na cidade de São Paulo. Lá na capital paulista, o árabe não se adaptou a selva de pedra e saiu depois de encontrar um conterrâneo e ser convidado a vir à terra de Macunaima. Uma vez em solo roraimense, Fadel estruturou a vida e ao lado da mulher Nádia Nagm, brasi-leira de nascimento e filha de libaneses com quem teve três filhos.

Hoje o casal Fadel e Nádia, são próspe-ros cidadãos roraimenses e orgulhosos de ter escolhido o estado como moradia. “Em Roraima as pessoas são mais recep-tivas do que em São Paulo. Não gostei de estar lá. As pessoas de São Paulo nos tratam com indiferença. Os roraimenses são pessoas boas e sempre estão dispos-tos a ajudar”, acrescentou Fadel.

Nos últimos anos, a família Nagm entrou na Universidade Federal de Roraima, pai esposa e filhos consagram-se no ensino superior. A primeira a se formar foi à matriarca no curso de Comunica-ção Social, em 2008, Nádia Nagm. Em seguida, a filha mais velha, Lucy Nagm no curso de Medicina. Em 2010, foi a vez do filho do meio, Marcel, se formar em Ciência da Computação. Em 2011, será vez de Fadel e da filha caçula, Soraya, que estuda Arquitetura e Urbanismo na UFRR e participa do programa de Mobilidade Estudantil do Santander, em Viçosa (MG).

Não diferente dos demais entrevistados, o domínio da língua portuguesa tem sido um obstáculo na adaptação. “Eu pretendo lecionar a disciplina de Histó-

ria. Já ministro aulas como substituto na universidade, mas o domínio da língua portuguesa ainda me deixa um pouco confuso. Atrapalho-me na escrita, já que é muito diferente da árabe. Aos poucos vou me adaptando com a escrita, pois a compreensão necessita de uma boa interpretação”, explicou Fadel.

O PÃO ‘ÁRABE’ DE CADA DIAO nosso entrevistado Fadel Nagm rece-beu a reportagem em um dia rotineiro de trabalho. Na ocasião, ele preparava a massa para produzir cerca de 200 esfir-ras e 100 folheados. O calor intenso do forno não afugentou o hábil Fadel que nos proporcionou a degustação de um de seus quitutes.

O homem de sorriso largo e afetuoso revela que há oito anos se dedica à fabri-cação e venda de massas árabes na ca-pital roraimense. A técnica exigida para o preparo de esfirras, kibes, folheados, etc, veio das cozinhas da Síria onde ele trabalhou depois de deixar o Exército. No entanto, confessa que nem sempre foi assim. No início da vida morando em

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Soldado árabe deixa as armas e vem ao Brasil em busca de paz e liberdade

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As Montanhas de Golan na Síria foram ocupadas durante a Guerra dos Seis Dias. Em 1980, Fadel em destaque na foto, posa ao lado dos compatriotas em cima do tanque blindado sírio, responsável pela guarnição na fronteira norte do país

São Paulo, Fadel relatou que trabalhou de mascate e caixeiro viajante.

Por fim, o anfitrião lembrou que em 2007, voltou à Síria para reencontrar a família, e se entristeceu ao ver que houve muito pouco avanço no regime político. “Voltei à Síria há três anos e vejo que lá está de mal a pior. Quando o país laico não conseguiu resolver o problema da população síria, o radicalismo religioso voltou ao poder com Estado Teocrático. Eu não acredito nessa forma de poder e agradeço estar aqui em Roraima”, refletiu o árabe Fadel.

Em relação a estar morando num Estado de fronteira, Fadel relata que antes de vir a Roraima trabalhou na Venezuela e por uma semana esteve na Guyana enquanto aguardava o visto perma-nente brasileiro. Na atualidade, possui nacionalidade síria e brasileira, mas nem de longe diz haver comparação entre os países. “Não gostei de viver na Vene-zuela. Fiquei na Guyana apenas pelo período de espera do visto permanente. Esses países não se comparam ao Brasil. Eu amo esta terra”, declarou Fadel.

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Cansado do “velho” regime so-cialista, o nosso entrevistado saiu de Cuba para não mais voltar enquanto a situação política e econômica não

mudar. Nas palavras de Tomás Hernán-dez, aquele país carece de uma reforma ideológica capaz de aliar os louros do Capitalismo, como a mobilidade econô-mica, às conquistas obtidas no regime socialismo cubano, como, por exemplo, a educação e a saúde pública.

Diferente de muitos compatriotas, Tomás pode retornar a Cuba a hora que bem entender. Porém, de sua vontade, não nos dias atuais. Os motivos em deixar a terra natal perduram ainda hoje, apesar da mudança de governo. “Deixei meu país para prosperar na vida. Em Cuba a situação é difícil. Faltam opor-tunidades profissionais e econômicas”, esclareceu Tomás, que teve sua forma-ção Superior em Educação Física na Universidade de Cuba.

Em Roraima, se tornou professor de língua espanhola e hoje ministra aulas no NUCELE/UFRR. Graças ao seu empe-

nho e dedicação, superou a dificuldade da língua portuguesa e hoje realiza o sonho de cursar o mestrado em Letras pela própria UFRR.

Para Tomás, a adaptação em solo brasi-leiro foi tranquila, já que as característi-cas culturais latinas se assemelham no geral cultural, apesar da diferenciação linguística. Tomás conta que morar em Roraima surgiu ‘por acaso’. Reflexivo, explica que a vinda do pai, pianista, à cidade venezuelana de Santa Elena de Uairén e, posteriormente, à capital Boa Vista, propiciou o ingresso dele ao Brasil. “Um acaso me trouxe a Roraima. Meus pais vieram trabalhar aqui e com o tempo foi minha vez”, justificou o cubano.

A COMUNIDADE CUBANA EM RORAIMA

Fora de Cuba desde 2003, Tomás relembra dos tempos de infância e juventude. Lá ficaram os amigos e os familiares. Uma história hoje contada entre rodas de amigos cubanos resi-dentes em Roraima.

Hernández revela que muitos cuba-nos residentes em Roraima se reúnem nos fins de semana. Nos cálculos dele, Roraima possui cerca de dois mil cuba-nos. Nesses encontros, as conversas se direcionam ao apoio necessário à pessoa que está fora de sua terra natal. Mas o calor humano do brasileiro alivia a distância e ajuda a superar as dificul-dades. “Somos todos da mesma raiz latina, onde as alegrias do povo cubano e brasileiro se igualam”, explica.

Na visão do cubano, estar na fronteira com dois países distintos proporcio-na uma oportunidade única, já que a diversidade linguística, política e culturais praticadas entre Roraima, Guyana e Venezuela são laboratórios ainda inexplorados.

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Roraima é a terra que ‘por acaso’ encantou um cidadão cubano

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A UFRR foi a primeira instituição federal de ensino superior da Região Norte a aprovar uma resolução que permite o ingresso de alunos na condição de refugiados políticos no país. Em 2008, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) aprovou a resolução com base na solicitação dos representantes do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), que em 2006 visitaram Roraima. Segundo o comissariado, Roraima faz parte de uma rota utilizada por muitas pessoas que en-tram no Brasil e encontram-se na situação de refugiado político.

A internacionalização universitária prepara a comunidade para o convívio com culturas e povos distintos, além de levá-la a um novo olhar sobre sua própria realidade. A UFRR está inserida neste processo uma vez que oportuniza o aprendizado, aproximan-do estudantes e professores do conceito de humanidade ao retirar-lhe seu sentido abstrato e distante.

A UFRR, por exemplo, criou o curso de Relações Internacionais (único oferecido por uma Instituição de Ensino Federal da Região Norte); o Núcleo de Pesquisas em

Relações Internacionais e a Coordenadoria de Relações Intenacionais como parte da construção deste processo.

Conceito

Conforme a Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados é considerado “re-fugiado” ou “refugiada” toda pessoa que é perseguida devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, que se encontra fora do seu país de origem e que, por causa dos temores, não pode ou não quer regressar a nação.

Números

Segundo dados da Pastoral da Igreja Católica em Boa Vista, até 2008, Roraima registrou a passagem de vários imigrantes vindos de países diversos. Os números mostram que em 2006, registrou-se 21 venezuelanos, um espanhol, dois japone-ses. Em 2007, 33 venezuelanos, quatro afri-canos, um português e dois espanhóis. Em 2008, 12 venezuelanos, cinco espanhóis, três holandeses e sete ingleses.

UFRR: Política de internacionalização e apoio aos exilados políticos

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Carla Monteiro de SouzaDoutora em História, professora do Curso de História e do Mestrado em Letras da UFRR. Autora de “Gaúchos em Roraima” e de “Migrantes e Migrações em Boa Vista”.

É sabido que desde o século XVI as caravelas europeias trafegavam pelo Caribe em busca do famoso Eldorado (do original El Dorado). A

origem dessas aventuras remontam às épocas coloniais e abriram o caminho para todo tipo de viajantes que che-garam ao extremo norte em busca de oportunidades nesses territórios ainda a serem explorados, impulsionados pelas promessas de riquezas minerais, provenientes das lendas indígenas.

Em diferentes momentos e mais acen-tuadamente na década de 1980, em função da febre dos garimpos de ouro, Roraima recebeu pessoas oriundas de outros estados do Brasil e de países limítrofes, como Venezuela, República Cooperativista da Guyana, Suriname, Guyana Francesa. Porém, o interesse em Roraima decorrente da febre do garimpo foi efêmero e após o seu fechamento, em 1991, o êxodo se confirmou. Mas mui-tos permaneceram aqui e trouxeram famílias e amigos. Esse fenômeno fez com que Roraima seja hoje o lar para muitos imigrantes. Para a professora doutora Carla Mon-teiro de Souza, do departamento de História da UFRR, que também trabalha com História Oral como metodologia na construção de fontes de pesquisa científica, o deslocamento de famí-

lias pode ser entendido a partir das chamadas “redes de informação”. Este é um fenômeno que se repete em praticamente todos os deslocamentos populacionais. “A rede é um processo de circulação de informações. Nela uma pessoa dá notícia do lugar onde está a outra pessoa. Dessa forma, o migrante trás a família e os amigos de outras regiões”, detalhou a professora.

Segundo a professora, o fato de o Brasil ser considerado um país emergente, tem contribuído para incentivar o des-locamento do imigrante para Roraima. Nota que essa imigração atual traz uma diversificação de pessoas, inclu-sive aquelas com melhor qualificação profissional, como é o caso de Peggy, Fadel e Tomás.

Porém, Roraima também serve de corredor de passagem para aqueles que hoje direcionam suas ambições para os garimpos. “O garimpo é uma atividade secular, primária. Por isso tem gerado o deslocamento de brasileiros e estrangeiros que passam por Roraima com destino à Venezuela e Guyanas”, ressaltou Carla.

Outro fato apontado pela professora é a tradição do Brasil em ser recep-tivo ao imigrante e por não ter uma legislação que impõe empecilhos à entrada e permanência deles. Essa constatação é evidenciada desde a colonização portuguesa.

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Do século XVI à atualidade: a imigração emRoraima e as redes de informação

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Diversidade: a alta migração encontrada em Roraima faz o mercado escolher pessoas com melhor qualificação, como são os casos de Peggy, Fadel e Tomás

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Tráfico de Pessoas

ALINE PADILHAÉDER RODRIGUES

Fronteira: Brasil e Venezuela

Temas como a violência, tráfico e exploração sexual de jovens e crianças estão

constantemente em pauta nas discussões sobre as proble-

máticas sociais, sobretu-do de países fronteiriços.

No final do mês de maio de 2011, por

exemplo, foi realiza-da, em Brasília (DF),

a conferência com o tema Prevenção e Resposta ao Tráfico de Se-res Humanos do Brasil para os Estados Membros da União Europeia, uma parceira entre a Organi-zação Não Go-vernamental europeia Centre

for Migration Policy Development

(ICMPD) e a Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), do Ministério da Justiça, na qual participa-

ram especialistas nacionais e internacionais no assunto.

Durante o evento foram divul-gados dados que mostraram o perfil das vítimas da exploração

sexual pelo ICMPD. Geralmente estas vítimas possuem baixa escolaridade; têm entre 20 e 30 anos e expectativa reduzida de ascensão social. Este é o resultado de três estudos feitos com base em entrevis-tas com vítimas do tráfico e pessoas que se prostituíram realizados no Brasil, em Portugal e na Itália pela ICMPD.

De acordo com as informações coletadas pela ONG, o processo de recrutamento pa-rece ter evoluído, em alguns casos, do mo-delo clássico, que utiliza as características típicas do tráfico de seres humanos (como o engano, o rapto, a ameaça ou até mesmo a violência física) para uma abordagem aparentemente mais negociada, na qual as vítimas percebem-se como parceiras do negócio em relação aos recrutadores.

BRASIL

A parte do estudo feita no Brasil aponta que, nos últimos três anos, houve um aumento contínuo no recrutamento de transexuais e mulheres, em áreas periféricas e pobres do país, diretamente nas localida-des de origem, onde pouco se sabe sobre o fenômeno do tráfico de seres humanos ou sobre os direitos dos migrantes e não mais em grandes centros urbanos. Segundo o levantamento, os principais estados de origem das vítimas são Paraná, Goiás, Minas Gerais, Pará, Piauí e Pernambuco.

O secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão, disse que há uma relação entre o crime do tráfico humano e outros delitos. Segundo ele, o Ministério da Justiça não

descarta a possibilidade de assinar con-vênios com outras nações para a troca de informações, tecnologias e também para a capacitação de agentes de repressão e de prevenção, a exemplo do que já foi feito en-tre a Argentina, Espanha, Portugal e o Brasil.

Para ele, o Ministério da Justiça tem traba-lhado com uma política de enfretamento ao tráfico de pessoas, seguindo três nortes principais: primeiro, a ideia de repressão dos crimes; a segunda é a repressão. Por último, ao identificar as vítimas é feito o trabalho de assistência e apoio. O Governo pretende dentro de quatro anos criar, nos estados, núcleos ou postos avançados de enfrentamento ao tráfico de pessoas, com apoio dos governos locais e da sociedade civil. “O plano brasileiro de algum modo já é referencial para os países da América do Sul,” completou o ministro.

PESQUISA DA UFRR REVELA REGIÕES VULNERÁVEIS

A exploração sexual na tríplice fronteira norte do Brasil fez o estado de Roraima ser considerado, pelas autoridades, estudiosos e pesquisadores, como um corredor do tráfico de mulheres e crian-ças para fins de exploração. As BRs 174 e 401 conectam a região Norte do Brasil a Venezuela e a República Cooperativista Guyana, respectivamente. São áreas de fronteira constituídas pelas cidades de Pacaraima (Brasil) e Santa Elena de Uairén (Venezuela) e também Bonfim

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Exploração Sexual nas fronteiras: um breve diagnóstico da situação

Ser um estado de fronteira traz temáticas passíveis às discussões nos âmbitos nacional e internacional. Este é o caso dos estados das regiões norte, centro-oeste e sul do País, que sofrem com as estatísticas da exploração sexual.

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O Programa Escola que Protege pretende prevenir e impedir a violência contra crianças e adolescentes no Brasil, contando com a ajuda de profissionais capacitados e incentivando a discussão e o debate sobre as situações de vio-

lência identificadas ou vivenciadas nos sistemas de ensino. O trabalho prioriza ainda projetos apresentados por instituições públicas de ensino superior. A UFRR desenvolveu o programa tam-bém nos municípios de Bonfim, Caracaraí e Boa

Vista, de 2008 a 2010 e capacitou 1.100 pro-fissionais de diversas áreas ligadas a Educação no sistema presencial. Ainda foram capacitadas mais de duzentos por meio do sistema virtual.

Escola que Protege capacita mais de 1300 pessoas em Roraima

Posto de Fiscalização na fronteira Brasil e Venezuela

(Brasil) e Lethem (da Guyana). Estas cidades e outros vilarejos nas circunvizinhanças das zonas urbanas estão em áreas de incidência de tráfico de pessoas.

Cidades fronteiriças, como é o caso destas que têm interconexão na tríplice fronteira norte do País, preocupam as autoridades e são também o alvo de campanhas e ações de combate ao tráfico e a exploração sexual infantil, como é o caso do Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfren-tamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil no Território Brasileiro (PAIR).

O PAIR é uma ação do governo federal que faz parte do Programa Nacional de Enfren-tamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

É um programa com uma metodologia própria, com objetivo de integrar políti-cas para a construção de uma agenda de trabalho entre os governos, a sociedade civil e organismos internacionais, visando o desenvolvimento de ações de proteção a crianças e adolescentes vulneráveis, e ainda, às vítimas de violência sexual e ao tráfico para fins sexuais.

Elaborado em 2002, o programa é subsi-diado pela Constituição Federal (art. 227), pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pelas normativas internacionais assinadas pelo Governo Federal e Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes. Diz o artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente que “É dever da família, da

sociedade e do Estado assegurar a criança e ao adolescente, com absoluta prioridade o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberda-de e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação exploração violência, crueldade e opressão”.

Em 2003 foi posto em prática, em fase de experiência pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Em seguida foi feita uma seleção de locais para a implantação do PAIR, que teve como base os maiores índices da violência sexual em regiões de fronteira seca nos países da América Latina e Caribe.

UFRR

Dentro deste contexto, a Universidade Fe-deral de Roraima apresentou um projeto de extensão abordando os municípios de Boa Vista, Bonfim e ainda Caracaraí, município roraimense que também é considerado um dos locais mais vulneráveis à exploração sexual por ser localizado às margens do Rio Branco e ser cortado pela BR174.

Na lista de ações do PAIR estavam os trabalhos de visitação, articulação política e institucional, questionários aplicados e a formação de comissões que contaram com a participação de vários órgãos. O material analisado serviu de subsídio para orientar o processo de capacitação previsto.

O projeto foi aprovado no final de 2005, e entre 2006 e 2008 foram desenvolvi-das pesquisas, encontros de formação e articulação de rede, elaboração dos planos operativos locais, o mapeamento do fenô-

meno nos municípios investigados (Boa vista, Bonfim e Caracaraí) coordenados pelo Instituto de Geociências (Igeo) da UFRR.

PESQUISA

Em Roraima, as ações foram colocadas em prática com auxilio dos professores Flávio Corsini, Elivânia Bezerra de Oliveira, Fábio Luiz Wankler, Geyza Alves Pimentel, Tatiana Saldanha, Rafael Oliveira e Paula Adelaide Mattos Santos. O resultado dos trabalhos junto ao PAIR resultou no livro Violência Sexual Infanto Juvenil – experiências do Enfrentamento em Roraima, publicado em 2009. Foram trabalhados seis eixos: Análise da Situação, Mobilização e Articulação, Defesa e Responsabilização, Atendimento, Prevenção e Protagonismo Juvenil.

Além dos docentes, estiveram envol-vidos gestores, policiais, conselheiros tutelares, assistentes sociais, psicólogos, agentes de saúde, líderes comunitários, indígenas, taxistas, funcionários de empresas privadas, militares, pessoas ligadas ao setor de turismo da Capital e outros segmentos da sociedade.

Pelo PAIR, foram entrevistadas, 2007 a 2009, mais de quatro mil e trezentas pessoas, entre mulheres (62,5%), jovens de 15 a 25 anos (48,4%), adultos entre 26 e 60 anos (48,8%) e pessoas com mais de sessenta anos 2,8%.

Os dados da pesquisa feita em Roraima mostraram que 10% dos participantes não concluíram o ensino fundamental, 29% não concluíram o ensino médio, 26,5% concluíram o ensino médio e 11,4% tinham o ensino superior comple-to. O número de participantes com especialização foi de 4,6. 5% não res-ponderam. A pes-quisa considerou os municípios de Bonfim, Caracaraí e Boa Vista.

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O táxi intermunicipal apanha primeiro uma professora. Logo depois outra mulher embarca no transporte que tem como destino a BR-174

Norte, sentido Brasil-Venezuela. Em seguida são feitas escalas em diferentes bairros da cidade no entorno da fronteira e em cada uma dessas paradas, jovens mulheres entram no carro. Uma delas desiste mo-mentos antes, causando irritação naquela que parecia a mentora das outras. Veículo lotado, as jovens com passaporte em mãos seguem viagem com destino à fronteira. A professora observa atentamente a conversa entre as demais: “- Ela está lá, mas a situação não é muito boa”. “- Temos que chegar logo senão a fronteira vai fechar”.

Pouco mais de 100 km depois, numa comunidade indígena do município

de Amajari (RR), a professora desceu. Chegou ao seu ponto final com algu-mas certezas. Aquelas mulheres seriam exploradas sexualmente no país vizinho. Ela tinha consciência de não se tratar de um caso isolado. Sabia também que na comunidade onde dá aulas, bem como em outras próximas, existem casos de exploração e abuso sexual de indígenas, inclusive crianças.

A situação do táxi despertou na professora a vontade de fazer algo para combater uma prática revoltante. O despertar ganhou fôle-go no trabalho da turma de Licenciatura Intercultural Indígena com habilitação em Ciências da Natureza, do Instituto Insikiran da Universidade Federal de Roraima (UFRR).

São 22 acadêmicos que ministram aulas em diversas comunidades indígenas do

Estado e assim como a professora citada anteriormente, conhecem casos e se pre-ocupam com o crescente abuso sexual de crianças indígenas. “Juntando esse problema ao alcoolismo e à falta de um material para se trabalhar a prevenção, pensamos nessa atividade para encerrar o curso”, explicou a professora Jovina Mafra, que coordenou os trabalhos.

DIDÁTICA

O grupo se empenhou em expor essa pro-blemática de maneiras diferentes. Além de uma carta que já circulou pela Internet em sítios de grande acesso, a turma produziu uma história em quadrinhos, um artigo e um vídeo de animação contando a histó-ria relatada no início desta matéria. Tudo isso foi levado às comunidades onde os acadêmicos dão aula.

Indígenas são vítimas de exploraçãosexual e de tráfico humano em RoraimaEstudantes do Instituto Insikiran de Educação Superior Indígena denunciam exploração sexual de mulheres indígenas na fronteira do Brasil e VenezuelaJOHANN BARBOSAÉDER RODRIGUES

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“Agora vamos analisar o que pode ser me-lhorado e discutir como usar esse material educativo da melhor maneira possível. To-dos mostraram interesse no trabalho, uma vez que é um tema delicado para morado-res das comunidades Macuxi, Wapichana e Ingarikó . Muitas vezes as crianças não têm noção de que são vítimas de abusos sexuais”, acrescentou Mafra.

Esse trabalho significa um passo importan-te para combater um crime, no qual as víti-mas costumam se isolar. Ficam em silêncio, por medo, tornando o combate ao abuso um trabalho difícil. Por isso, o interesse dos professores, figuras que fazem parte do co-tidiano de muitos indígenas, vem cumprir um papel fundamental para que os jovens possam identificar e combater abusos que deixam sequelas por toda a vida.

APOIO

A carta publicada pelos estudantes foi postada em diversos sítios pela Internet recebendo apoio de entidades que lutam pela defesa dos Direitos Humanos, indí-genas vítimas de exploração doméstica e sexual e de tráfico humano em Roraima. Em março deste ano, os representantes da Pastoral Indigenista e da Sociedade Civil Organizada de Roraima, do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes e da Comissão Internacional de Encontros de Fronteiras das Igrejas Católicas de Brasil, Venezuela e Guyana, manifestaram apoio à ação dos estudantes do Insikiran. “Defendemos a vida e somos contra todo tipo de violência e escravidão”, explica o documento também publicado na web. “Apoiamos a iniciativa do Instituto Insiki-ran e afirmamos que as denúncias que os alunos dessa instituição relatam na carta são verdadeiras. A escravidão e a injustiça contra os povos indígenas ainda existem neste Estado”.

O documento revela que nos últimos anos, o número de casos de vítimas da exploração doméstica e sexual e do trá-fico humano tem aumentado e existem casos de jovens indígenas que são explo-radas, aliciadas por pessoas da Guyana e da Venezuela e traficadas para os Estados Unidos da América. O estado de Roraima foi identificado como rota caribenha, onde as meninas são levadas também para a Europa.

“Afirmamos também a dificuldade das autoridades competentes, quanto à abertura do processo investigativo, seja pela deficiência de estrutura e incompe-tência, para dar uma resposta efetiva à sociedade roraimense, devido à ausência de provas suficientes. Além de Rorai-ma encontrar-se entre duas zonas de fronteiras, Guyana e Venezuela, ambos os países possuem garimpos ilegais, locais de prostituição e drogas, sendo fácil o acesso aos dois países”, complementa o texto, assinado pela Pastoral Indigenista de Roraima, Sociedade Civil organizada de Roraima, Comitê Nacional de Enfrenta-mento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes Comissão Internacional de Encontros de Fronteiras das Igrejas Católicas de Brasil, Venezuela e Guyana.

Nós alunos do curso de Licenciatura Intercultural do Instituto Insi-

kiran – UFRR, pertencentes aos povos Macuxi, Wapichana e Ingari-

có, entendemos que o tráfico humano é uma questão grave, que tem

acontecido em Roraima, sob nossos olhos, aliciando meninas indígenas

que são traficadas e barbaramente exploradas sexualmente. Os aliciado-

res conquistam a confiança das famílias fazendo-se passar por pessoas

generosas, boazinhas, oferecendo-lhes carona, empregos lucrativos que

envolvem viagens. As ofertas de trabalho geralmente são em Manaus,

Guiana, Venezuela ou Suriname.Por isso, nos organizamos e pensamos que para enfrentar o tráfico

de pessoas é necessário, sobretudo, ousadia e mostrar que existe uma

sociedade organizada capaz de proteger suas crianças, adolescentes e

mulheres contra a exploração e expropriação de sua dignidade humana.Não podemos nos omitir diante dos levantamentos que apontam Ro-

raima como rota internacional do Tráfico, onde a população indígena

aparece com maior vulnerabilidade! Somos educadores e iremos agir

fazendo diversas atividades para mobilizar as populações indígenas para

essa realidade.

Antes da chegada dos não índios, nós podíamos desfrutar de nossas

riquezas naturais e das belezas aqui existentes, sem que tivéssemos

que nos preocupar com a exploração e o trafico de pessoas. Hoje, os

aliciadores usam os sonhos de falsa riqueza, as ilusões criadas pela po-

pulação não indígena e fortalecida pela televisão de que uma vida feliz

é uma vida com muito dinheiro, longe da família e de sua Terra Mãe.

Com simpatia, seduzem as pessoas e as levam para longe onde desa-

parecem… Eles aprisionam as pessoas, roubam seus documentos e as

escravizam de maneira desumana.Já lutamos e conquistamos nossa Terra Mãe Livre! Agora lutaremos

por nossas crianças, jovens e mulheres que são o nosso futuro. Para isso,

escrevemos essa carta que propõe que lideranças, escolas, comunida-

des saibam o perigo que o tráfico de pessoas representa e se organizem,

denunciem e protejam seus jovens.Solicitamos das autoridades maior atenção aos dados de Tráfico

de pessoas em Roraima e à Secretaria de Estado de Educação de

Roraima a inclusão dessa temática como meta prioritária no Plano

Estadual de Educação.

Carta Aberta do Instituto Insikiran: União dos Povos Indígenas contra o tráfico de seres humanos em Roraima

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WILLAME SOUZA

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deixa-se a aldeia, preservam-se os hábitosÍndio urbanoEstudo traça perfis reconhecidos pelos próprios indígenas que vivem em bairros da periferia de Boa Vista e que deixaram as aldeias

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A estudante Denise descende de Wapixana, etnia que, a exemplo dos Macuxi, habitava a área onde está situada Boa Vista, detalhe que a faz se considerar “índia da cidade”

Tudo índio, tudo parente”. O verso da música “Tudo Índio”, composta pelo artista rorai-mense Eliakin Rufino, retrata bem a profunda ligação entre

os indígenas que deixaram a aldeia e vieram morar em Boa Vista. Na música, uma alusão aos índios que vieram viver na cidade, os hábitos permanecem, inse-ridos nesse novo contexto cultural não é tão simples assim.

O habitual é conceituar os indígenas como o índio que vive na cidade e o que mora na aldeia. Porém, em um estado como Roraima, onde, conforme o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), 11,02% da população se declaram indígena, essas caracterizações vão mais além, e os pró-prios índios residentes em Boa Vista, de certa forma, têm consciência disso.

Tanto é que nas oficinas culturais do projeto de extensão Kuwai Kîrî – a ex-periência amazônica dos índios urbanos de Boa Vista, coordenado pelo profes-sor doutor da UFRR Reginaldo Gomes, surgiram autodefinições ainda pouco es-tudadas pela academia. Eles percebem diferenças entre o índio da cidade e o índio na cidade, que, no fim das contas, são definidos como índios urbanos.

O projeto do professor, que atua na linha de etnohistória, foi realizado em parceria com a Organização dos Indígenas da Cidade. O objetivo da iniciativa, que cul-minou com a publicação do livro Projeto Kuwai Kîrî – a experiência amazônica dos índios urbanos de Boa Vista - Roraima, era discutir novas abordagens e interpreta-ções desses povos que moram na capital. Por meio de estudos, depoimentos e pesquisas realizadas durante conversas com indígenas de várias etnias que resi-dem em bairros da periferia da capital, Gomes percebeu diferenças ainda pouco abordadas pelos pesquisadores.

DA CIDADE: ‘ENGOLIDOS’ PELO SURGIMENTO DE BOA VISTA

Denise Wapixana tem 29 anos, é estu-dante do curso de extensão no Insikiran. Ela nasceu em Boa Vista e é filha de pai e mãe indígenas. Ela viveu na aldeia até os oito anos, após ir recém-nascida para a

“ comunidade de Sucuba, no município de Alto Alegre, a cerca de 90 km da capital. Ela se autodefine como índia da cidade.

Isso porque, conforme o professor Reginaldo Gomes, a jovem pertence ao povo indígena Wapixana, que, a exem-plo dos Macuxi, habitava os arredores da fazenda Boa Vista no começo do século XIX. Instalada por volta de 1830 às mar-gens do rio Branco, essa propriedade é o marco inicial da povoação da área onde hoje se localiza a capital do Estado.

“A fazenda incorporou esses indígenas dessas aldeias e os transformou em cabo-clos ou cidadãos urbanos. A Constituição de 1988 levou esses indígenas a refletir a sua trajetória histórica, sua etnicidade. Então, eles se identificam como índio da cidade, por serem indígenas dessas aldeias que já estavam presentes antes do surgi-mento de Boa Vista”, explica o professor.

Ser indígena na cidade, algo que a enquadra como urbana, não a torna menos índia. Inserida em um contexto em que 2,14% dos habitantes se decla-ram indígenas, segundo o IBGE, não é difícil preservar alguns hábitos da aldeia. Denise fala wapixana e pratica a língua materna com a avó. “Precisamos valori-zar nossa cultura. Não podemos deixá-la morrer”, acrescenta.

Na casa de Denise, ao contrário do ha-bitual café oferecido ao visitante pelos não índios, o que se oferece aos colegas indígenas é o chibé, que consiste em fa-rinha de mandioca misturada com água. A damorida, peixe cozido com bastante pimenta, tucupi e folhas, também é alimento comum no dia-a-dia dela.

“Se eu sou filha de uma índia e de um índio Wapixana, meu sangue é índio, é Wapixana. Sempre vou carregar isso. Eu não tenho como negar. Não vou deixar de ser índia porque vivo na cidade”, diz.

NA CIDADE: ENTRE O RU-RAL E O URBANO

Alex Makuxi, 20 anos, nascido na comu-nidade São Jorge, localizada no muni-cípio de Pacaraima, a cerca de 220 km, estudante do 7º semestre de História na UFRR, veio para Boa Vista em 2008. O objetivo é obter uma graduação e retor-

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Alex Makuxi veio morar em Boa Vista em 2008 e preten-de retornar após se graduar em História. Essa questão e o contato constante com aldeia o coloca dentro do conceito de índio da cidade

nar à aldeia para contribuir com a edu-cação dos parentes. Ele, que é bolsista do PET (Programa de Educação Tutorial), vive na casa de uma irmã, que deixou a comunidade e veio viver na cidade.

A cada dois meses, Alex Makuxi visita a comunidade onde morou. Ele mantém contato direto com os moradores da al-deia. “Toda vez que eu vou para a comu-nidade, me pinto com uma tintura feita com jenipapo. São pinturas que usamos nas assembleias e festejos comemorati-vos, dos quais sempre participo”, diz ele.

O estudante se enquadra na definição de índio na cidade, ou seja, transita entre aldeia e capital de forma constante, ao contrário de Denise Wapixana, que já se estabeleceu na cidade e não tem planos de retornar a viver em comunidade indígena.

“Os índios na cidade são parentes desses que já estão na cidade, mas que têm uma ligação muito forte ainda com os parentes do que a gente chama de área rural ou das aldeias. Eles estão lá e cá. Eles participam de trabalhos da farinha-da, da limpeza da mata para plantações na aldeia e também de jornadas de trabalho coletivas na cidade, como a assistência de parto, construção da casa ou cavar poços para abastecimento de água. Esses indígenas se deslocam cons-tantemente no território. Uma hora na parte urbana, outra hora na parte rural”, explica o professor Reginaldo Gomes.

Realidades como essa de Alex Makuxi são comuns em Boa Vista. Muitos são aqueles que, em busca de oportunidades, deixam a maloca para viver na cidade. No novo ambiente, os hábitos sofrem alteração e o impacto é algo a ser considerado. O es-tudante, que escolheu o curso de história por discordar da forma como os materiais didáticos relacionados ao tema tratam o papel dos povos indígenas na construção do Brasil, disse que se adaptar à nova rotina não foi fácil.

Na comunidade indígena, as primeiras atividades pela manhã eram regar plan-tas, pescar ou ir para a roça. Na cidade, é se deslocar até o trabalho para terceiros, onde há carga horária a ser cumprida. “Na aldeia trabalho para mim e paro na hora em que eu quero. Na cidade, tenho que trabalhar para os outros para

poder me manter e estudar. O horário é feito pelos outros. Lá é mais tranquilo. Aqui há o trânsito, que é um vai e vem sem parar. Temos que andar prestando atenção. Na comunidade o ar corre mais solto”, afirma Alex Makuxi.

O objetivo dele é, após o término do curso, em 2012, retornar a São Jorge. Mas, após cinco anos, afirma querer retornar à capital e fazer um mestrado. O vai e vem continuará.

PRECONCEITO: A NÃO ACEITAÇÃO PARTE DE ÍNDIOS E NÃO ÍNDIOS

Denise Wapixana, de fala mansa e sorriden-te, não esconde que muitas vezes é difícil a convivência na cidade. Em Boa Vista, disse ela, sofre preconceito por ter características indígenas. Na aldeia, a discriminação, em-bora branda, parte dos próprios parentes.

O tratamento diferenciado na capital é percebido em lojas ou outros lugares frequentados por Denise. E não é de hoje que ela passa por tais problemas. Assim que retornou de Sucuba, comunidade de Alto Alegre e ingressou na escola, perce-beu que ser proveniente de uma cultura diferenciada traria problemas a ela.

“Quando retornei da comunidade para a cidade, vi crianças zombando de mim na escola, porque eu tinha características in-dígenas. Ficavam rindo. Certa vez, quando eu tinha 10 anos, estava na escola e uma colega, não sei se por ódio, me jogou no meio da lama. A diretora chamou a me-nina e perguntou qual o motivo. Ela disse que fez aquilo porque eu era índia. Eu me senti com o coração dolorido. Não me sentia diferente delas, eu me sentia igual”, relembra Denise.

Para o professor da UFRR, Reginaldo Gomes, o preconceito existe por falta de conhecimento do processo histórico do Estado, cuja população é marcada pela miscigenação. As demarcações de terras indígenas, disse ele, também contri-buíram para acentuar a discriminação contra os indígenas.

“É preciso entendermos a história dessa região. Temos um multiculturalismo, inclusive linguístico, na comunidade indí-gena que vive na cidade. Nessas oficinas

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Ingarico

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Ingarico

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Ingarico

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O livro Projeto Kuwai Kîrî, surgido após projeto de extensão coordenado por Reginaldo Gomes, organizador da publi-cação, aborda as vivências de índios que deixaram a aldeia para viver na cidade

culturais, havia momentos que um grupo falava Wapixana, Macuxi, Wai-Wai, Pata-mona, Inglês e Português. Fazemos parte de um contexto histórico muito específico da América do Sul, porque somos a única região que tem como vizinhos povos de colonização espanhola, inglesa, holandesa e francesa. Entender as trajetórias destes povos indígenas, que fazem parte da cons-trução histórica desses estados nacionais, é muito importante para reduzir esse preconceito”, opina o pesquisador.

A discriminação desse indígena que reside na cidade não se resume aos não índios. O próprio professor reconhece que nas comunidades indígenas há uma resistência quanto aos parentes que residem nos núcleos urbanos.

“O índio que está na maloca diz que o índio que mora na cidade não é mais

índio porque não pinta o corpo com urucu, como faz quando está nas festas da maloca, nem usa as vestimentas do parixara”, afirma ele.

Denise sabe bem como é isso. Mesmo vivendo na cidade, ela ainda mantém con-tato com familiares que vivem em Sucuba. “Eles dizem que não sou índia, sou branca. Eu digo: ‘negativo. Sou parente como vocês. Se vocês forem para a cidade não vão deixar de ser índios’. Nós, mesmo na cidade, não deixamos de ser índios. Tenho orgulho de ser indígena”, explica.

O estudante do curso de História, Alex Makuxi, também afirma que o pre-conceito existe. Porém, no caso dele, seria ainda mais acentuado. O indígena chegou a Boa Vista no período em que arrozeiros questionavam na Justiça a validade constitucional da homologação da Raposa Serra do Sol.

Alex Makuxi é da comunidade São Jorge, localizada nas terras da Raposa. Segundo ele, as informações repassadas pela mídia no Estado acentuavam a discriminação já existente. “Até mesmo na universidade algumas pessoas questionavam: ‘Por que os índios querem muita terra? Eles não produzem nada, porque querem tanta terra?’ Era o que diziam. Acho que de certa forma é um preconceito, sim. [A demarcação] era algo garantido para nós na constituição”, explica ele.

Para o professor Gomes, as demarca-ções de terras indígenas em Roraima, que totalizam 32, contribuem para que

certos grupos de não índios discriminem tais povos. Além de aumentar esse sen-timento, disse o professor, essas ações contribuíram para o acirramento de ânimos entre índios e não índios.

Conforme ele, no início do povoamento de Boa Vista, fazendeiros e indígenas convivam de forma harmônica, embora isso não signifique que não havia discri-minação nessa época. “Nesse momento, entre a casa da fazenda e a maloca não existia a cerca. Era um terreno democrá-tico, em que você poderia transitar, onde os trabalhadores da fazenda tinham pas-se livre para ir pescar e ir para o pasto tocar o gado. A partir do momento em que começam a demarcar com as cercas, se iniciam os conflitos, porque há essa proibição de ir e vir. As demarcações das terras indígenas também acentuaram as questões dos conflitos indígenas entre a população indígena e não indígena em Roraima”, afirma ele.

Entretanto, não é essa forma de tra-tamento que fará com que os Makuxi esqueçam as próprias raízes. Morar na cidade, acrescenta o indígena, não o faz menos índio. “Estar em Boa Vista me torna mais índio ainda. Ser índio é ter as características, ter aquilo de coração, é eu assumir minha identidade de índio, independente do meu Rani [Registro Administrativo de Nascimento Indígena], independente dos meus há-bitos, do que eu conheço e aprendo na cidade. Está no meu sangue, na minha forma de falar e na forma de lidar com as pessoas”, conclui ele.

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Expedição

As observações e relatos de viagem de Grünberg constituem uma importante fonte para a antropologia, a etnologia e a história indígenaO alemão, Theodor Koch-

Grünberg foi um dos mais destacados etnólogos e exploradores da América do Sul. Há 100 anos, Grün-

berg escolheu, em especial, as fron-teiras do Brasil, Venezuela e República Cooperativista da Guyana para desen-volver estudos que trariam ao mundo novas visões desta rica região.

Fez quatro visitas ao Brasil, entre 1896 e 1924, e se notabilizou pelos trabalhos escritos sobre os índios dos rios Negro e Branco, pelas coleções etnográficas e pelos registros sono-ros, fotográficos e cinematográficos realizados em suas expedições. O acervo, datado entre os anos de 1911 a 1913, facilita os estudos da realidade indígena da época e que, até os dias

ÉDER RODRIGUES

atuais, contribuem com a ciência, nas mais diversas áreas.

“(...) Inúmeros cupinzeiros pontiagu-dos, que têm duas vezes a altura de um homem ou são até mais altos, estão es-palhados pela savana. Pode-se pensar, e

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Da Alemanha paraRoraima até o OrinocoO trabalho de Koch Grünberg completou 100 anos em 2011 e seus efeitos são percebidos nas recentes e importantes pesquisa realizadas na UFRR

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Registro de meninos Taurepang, 1912

Para Erwin Frank, Grünberg foi além de pesquisador, exímio fotógrafo e um dos pioneiros da cinematografia etnográfica

algum etnólogo de gabinete talvez ainda chegue a essa conclusão, que os índios copiaram a forma de suas casas dessas pequenas e engenhosas moradias, tão parecidas entre si.” A frase extraída da ver-são portuguesa da obra Do Roraima ao Orinoco (Editora Unesp, 2005), escrita por Grünberg e publicada há mais de 90 anos em alemão, pode soar despretensiosa e bem humorada, mas carrega um signi-ficado cheio de reflexões de Grünberg, exímio observador da região de fronteira e dos povos tradicionais, destacando sempre o valor da experiência de campo. O também antropólogo alemão, Erwin Frank (falecido em 2008), foi professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRR. Doutor Erwin contribuiu com re-levantes estudos baseados na vida e na obra de Grünberg. Em artigo denomina-do Objetos, imagens e sons: a etnografia

de Theodor Koch-Grünberg (1872-1924), ele destaca que no Brasil, Grünberg é lembrado, principalmente, pelos seus relatos de viagem, nos quais resumiu os resultados de duas das suas quatro vi-sitas a este país: aquela de 1903 a 1905, que o levou à região do alto rio Negro e Yapurá, e a terceira, de 1911 a 1913, na região entre as bacias do rio Branco, no atual Roraima, e os rios Caura, Paráguas e Venturari, na Venezuela.

“Muitos lembram também que ele foi um incansável colecionador de etnogra-fia, milhares dos quais enchem, ainda hoje, as vitrines e reservas técnicas de vários museus alemães e do Museu Goeldi. Por outro lado, poucos sabem que foi também um experiente fotógra-fo e um dos pioneiros da cinematografia etnográfica, ou que, na sua expedição de 1911-1913, ele gravou inúmeras peças musicais (canções, danças dos povos Macuxi, Taurepang, Wapixana e Maiongong [Yekuana]) em um gramofo-ne trazido da Alemanha”, assinalou.

No final das duas principais expedições, Grünberg encaminhou coleções para a Alemanha, compostas por milhares de peças. “Contudo, como o próprio Grünberg esclarece: (...) para mim, o objetivo principal da minha viagem não era o de um colecionador. Frequente-mente demorando-me semanas, até meses em cada tribo, e em cada aldeia, participando intimamente da vida dos indígenas, eu pretendia essencialmente conviver e aprofundar mais a visão das suas concepções, pois o visitante que passa rapidamente pela região de suas pesquisas consegue apenas impressões passageiras e frequentemente falsas” (Koch-Grünberg, 2006b, p. 7), reproduziu Frank em um de seus artigos.

O professor Alexandro Namem, do De-partamento de Ciências Sociais da UFRR, reitera a importância histórica das reflexões do pes-quisados alemão

para as Ciências Sociais. “Com a forma simples como levou a vida, escrevendo também uma vasta obra, ele nos mostrou todas as potencialidades do trabalho de campo de longa duração, sobretu-do quando realizado por pessoa com formação erudita, pois, não esqueçamos:

ele era capaz de fazer inclusive notações musicais”, destaca Namem.

O professor e Coordenador do Núcleo His-tórico Socioambiental da UFRR (NUHSA), Carlos Cirino, explica que a principal con-tribuição de Koch-Grünberg para a Ciência foi o legado deixado para conhecimento da região amazônica e, principalmente, para a região do rio Branco (estado de Ro-raima), sobretudo no campo da etnogra-fia. Ele diz que a contribuição dos alemães para a antropologia brasileira vem sendo estudada e tem sido tema de debate em vários encontros de antropólogos no Bra-sil, nos quais Grünberg é colocado entre os mais importantes.

“Os trabalhos de Koch-Grünberg têm sido, nos últimos anos, uma leitura obrigatória para os alunos de Ciências Sociais, principalmente de Antropologia e História. Vislumbramos o interesse por outras áreas do conhecimento que mantêm um diálogo com essas ciências. Hoje, todos os pesquisadores que se vol-tam para o estudo dos grupos indígenas de Roraima tomam como leitura básica a obra de Koch-Grünberg”, reforça Cirino, que defende a ideia de que as obras sejam direcionadas também às escolas de ensino médio de Roraima.

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Linguística

A professora Maria Odileiz Sousa Cruz, coordenadora do Pro-grama de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade Federal de Roraima (UFRR),

foi homenageada no IV Encontro da Felicidade do povo Ingarikó, na maloca do Manalai, localizada na porção alta da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. O evento foi realizado no mês de março de 2011 e marcou também a formatura de alunos Ingarikó no Instituto Insikiran de Educação Superior Indígena, mantido pela UFRR.

O Encontro da Felicidade é o ponto de encontro dos Kapon (Ingarikó, Patamona, Akawaio) que habitam uma região dividi-da entre o Brasil, Guyana e Venezuela nos arredores do Monte Roraima. Em 2011 foi realizada a quarta edição do Encontro da Felicidade, com apoio do Prêmio Culturas Indígenas, do Ministério da Cultura, e da Prefeitura Municipal de Uiramutã.

A cerimônia de formatura dos alunos do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena e a homenagem à professora Maria Odileiz Sousa Cruz foram realizadas no segundo dia do evento. A igreja foi toda decorada e uma exposição com fotografias tiradas durante o trabalho de campo de Odileiz para o doutorado, há 12 anos, foi montada no local. Alunos formados no Ensino Médio e Ensino Fundamental também foram homena-geados durante a celebração.

A professora Odileiz iniciou o trabalho com os Ingarikó em 1996, quando foi contratada pela Secretaria Estadual de Educação, Cultura e Desportos (SECD) para auxiliar Dilson Ingarikó, então aluno da 7ª série do Ensino Fundamen-tal, com aulas de Português. “Ele tinha dificuldades com o idioma, então fui acompanhando seus estudos e apren-

dendo com ele sobre a cultura do povo Ingarikó”, conta a professora.

Dessa forma, surgiu o interesse em fazer uma pesquisa sobre a língua Ingarikó. No entanto, relata Odileiz, foram neces-sários dois anos de preparação para que ela tivesse condições de morar em uma comunidade Ingarikó. “Até então eles nunca haviam recebido um não-índio para morar com eles, então precisavam saber quem eu era. Em 1997 eu vim no Manalai pela primeira vez e, em 1998, eu saí para fazer meu doutorado na Holanda. Nesse mesmo ano, eu levei o Dilson para lá, para conhecer a Europa”, conta a professora.

Segundo ela, a experiência foi marcante. “É uma troca muito rica, um aprendizado de ambos os lados. Com eles, você não olha para o passado, nem para o futuro. Você vive o que as pessoas podem te proporcionar”, afirma Odileiz.

CRISTINA OLIVEIRA

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Da tradição oral à escritaPovo Ingarikó faz homenagem à pós-doutora em Linguística, Maria Odileiz Souza Cruz, que é a responsável por produzir a gramática deste povo, transpondo a oralidade para o texto impresso

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Formandos são professores nas comunidades Ingarikó

Encontro da Felicidade tem rituais como o banho de espírito (acima) e o Aleluia (abaixo)

A pesquisadora viveu um ano e meio no Manalai, em períodos distintos. Durante o trabalho de campo, ela teve a opor-tunidade de conhecer outras malocas da mesma etnia. Com eles, aprendeu os costumes e a língua Ingarikó. “Viajamos muito durante esse período, de barco e a pé mesmo. É uma região muito bonita. E vai muito além do ‘exótico’. Viver no meio deles faz com que você reprograme a sua vida, a noção de tempo, o trato com a natureza, você descobre outros valores, muito mais de potencialidade do que de dependência das coisas. Por exemplo, a memória deles é fantástica, é uma das coisas que mais me encanta. Eles apren-dem as coisas com muita facilidade, não há bloqueios, as novidades são assimi-ladas muito rapidamente em termos de percepção, o que não significa que eles queiram imitar o outro”, ressalta Odileiz.

As fotografias expostas durante o Encontro da Felicidade marcam uma

memória de 12 anos de convivência en-tre os Ingarikó. “Muitas dessas meninas que tinham 7, 8 anos na época, hoje são mães de família. É interessante que elas se vejam”, diz. A exposição já foi exibida na Holanda, em 2010, e na Alemanha, este ano, na cidade de Würzburg. Os vínculos entre Würzburg e Roraima se dão através de Koch-Grünberg que fez seu doutorado nessa cidade em 1912 com os índios brasileiros Guaikuru e que registrou algumas palavras da língua In-garikó no papel. “Koch-Grünberg docu-mentou cerca de 200 palavras Ingarikó. O meu trabalho foi criar uma gramática Ingarikó”, explica a professora.

O trabalho de Odileiz é o primeiro registro escrito integral da língua Ingarikó. “Há a gramática Akawaio, feita na Guiana. É muito próxima a dos Ingarikó, mas tem suas peculiaridades próprias”, diz. A pesquisadora distribuiu 40 exemplares de sua tese para lide-

ranças e professores das comunidades Ingarikó, como material de apoio. “A língua é viva, ela se modifica constante-mente. Então, é interessante perceber que, quando os mais jovens observam a gramática, comentam que determina-dos termos hoje são utilizados de outra forma. É um exemplo de que a língua é um processo dinâmico, vivo. Registrá-la no papel é um processo de registro da memória, que pode ser utilizado no futuro”, ressalta Odileiz.

Ela afirma que se sente gratificada pelo carinho e acolhida recebidos dos Inga-rikó. “Me sinto gratificada com a vida por ter proporcionado esse reconhe-cimento da parte deles. Mesmo tendo terminado a tese, continuei ajudando as comunidades, dando um retorno social para eles”, explica a professora, que atualmente orienta quatro alunos Ingarikó do Instituto Insikiran em proje-tos de iniciação científica e monografia.

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Comunidade participou da montagem da exposição de fotografias

Professora Odileiz e professor Daniel, do Insikiran, participaram da formatura ao lado dos alunos

O trabalho de Odileiz com os Ingarikó vai muito além de projetos de pesqui-sa ou horários de aula. É um trabalho comprometido com a vida desse povo. “Isso não cabe em um projeto. São atitudes, iniciativas que eu tenho com eles em momentos diversos de suas vidas. Eles sabem que podem contar comigo no intuito de tornarem-se independentes, autônomos. Tanto é que são eles os professores. Eu repasso orientação metodológica, mas quem ensina são eles”, destaca.

FORMATURA SIMBÓLICA MARCA REGRESSO DOS FILHOS À COMUNIDADE

A formatura, a primeira celebrada em uma comunidade Ingarikó, teve a pre-sença de lideranças políticas e religiosas das comunidades, tuxauas e o profes-sor do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena, Daniel Rosar. A cerimônia, especialmente para os alunos concluintes do curso de Licenciatura In-tercultural, marcou a presença da UFRR

entre o povo Ingarikó. “A nossa intenção é marcar a presença da universidade nas nossas comunidades. Antigamente, se falava que a universidade estava dis-tante das comunidades e agora ela está vindo, tanto é que o Instituto Insikiran está acompanhando o IV Encontro da Felicidade”, afirma o vereador Dilson Domente Ingarikó (PT), formando da primeira turma de Licenciatura Inter-cultural do Instituto Insikiran, em 2009. Segundo ele, levar uma cerimônia de formatura até a comunidade é um mo-

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Dilson Ingarikó, formado em licenciatura intercultural pela UFRR, foi o responsável por levar a cerimônia de formatura para o Manalai

mento de alegria para o povo Ingarikó. “É uma felicidade para a comunidade porque ela participa desse processo, construindo um processo educacional próprio, diferenciado e em conjunto. Para nós, um sistema educacional dife-renciado é isso: é conviver, é respeitar o outro”, destaca o vereador.

O IV Encontro da Felicidade reuniu 460 pessoas de 13 comunidades, divididas en-tre Brasil e Guiana. Na maloca do Manalai só se chega de barco ou de avião, mas o isolamento não foi problema. Moradores de comunidades até 100 quilômetros de distância, já em território guianense, tam-bém participaram do encontro.

Dilson e Odileiz, homenageados pelo trabalho em prol da valorização e do reconhecimento do povo Ingarikó, vestiram toga e prestaram juramento durante a cerimônia de formatura. “A homenagem para a professora Odileiz, que trabalhou em seu doutorado a produção da gramática Ingarikó, é pela

sua contribuição em ajudar nosso povo a registrar suas histórias em sua própria língua. A contribuição dela tem um valor muito alto, por isso essa homena-gem”, explica Dilson.

Ao final da formatura simbólica, Dilson, representando todos os alunos, teve a toga retirada pelo tuxaua, marcando o regresso dos filhos à comunidade.

PRINCIPAL RITUAL DOS INGARIKÓ É CELEBRADO DURANTE O EVENTO

Durante os três dias do encontro foi celebrado o Ritual do Aleluia, o prin-cipal ritual dos Ingarikó, no qual por meio de uma série de cantos e danças cadenciadas, canta-se os vários seres e instrumentos que descerão do céu para conduzir, sustentar e acompanhar os participantes do ritual para o patamar superior por meio de um banco de luz, isto é, um messias chamado kîray, Jesus Cristo ou simplesmente Cristo.

A cerimônia é de uma beleza ímpar, unindo quase uma centena de indivídu-os em um só ritmo, com passos lentos e bem demarcados. Entre os agradeci-mentos no ritual, estava a inauguração da Igreja Coração do Mundo na parte central da maloca do Manalai e a fartura de comida e bebida servidas durante os três dias de festa.

Durante o encontro, também foi celebrado o casamento de 13 casais e membros das comunidades ainda rece-beram o banho de espírito, às margens do rio Ponari. O banho consiste em lavar a cabeça e o corpo de integrantes da comunidade que tiveram entes queridos falecidos recentemente. No banho é utilizada a água do rio, enquanto o líder religioso e o público que assiste entoam orações como forma de renovar o espíri-to daqueles que recebem o banho.

A jornalista Cristina Oliveira viajou para o Manalai à convite do Conselho do Povo Ingarikó - COPING

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El Dorado?

A ficção The Lost World, do autor inglês Conan Doyle, narra o extremo norte brasileiro e o fascínio europeu pela terra

Quando sir Arthur Conan Doyle escreveu o romance “O Mundo Perdido” (The Lost World, 1912), no qual descrevia as aventuras de cientistas ingleses no extremo

norte do Brasil, fez importante menção aos índios que aqui estavam. Mas Conan Doyle (também autor dos livros do famoso persona-gem Sherlock Holmes) não imaginava que estes mesmos amazônidas pisariam a Europa quase cem anos depois. Lá, buscariam apoio para pre-servar a terra, áreas que hoje chamam a atenção do Brasil e do mundo por ter uma das maiores jazidas de ouro e diamante do planeta, além de minérios como o nióbio, molibdênio e o urânio, mineral radioativo e principal fonte de energia para usinas nucleares.

O pesquisador do instituto Nacional de Pesqui-sas da Amazônia (INPA), Reinaldo Barbosa, que estuda os impactos ambientais decorrentes do aumento da atividade humana na Região Ama-zônica, e Efrem Ferreira, também pesquisador do INPA, publicaram em seu trabalho denomi-nado Historiografia das Expedições Científicas e Exploratórias no Vale do Rio Branco, que nesta re-gião havia uma acirrada disputa territorial entre portugueses, espanhóis, franceses, holandeses e ingleses, que somou-se à “fértil imaginação do período colonial que acreditava que no interior destas terras encontrava-se o lendário ‘Lago Pa-rima’ ou ‘Eldorado’, com suas grandes riquezas”.

O professor e historiador da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Reginaldo Gomes, publicou artigo na edição de número 11 da Revista de Filosofia e Ciências Humanas da UFRR (Tex-tos e Debates, 2006), sob título Notas sobre os Holandeses na Amazônia no Período Colonial, no qual relata que os espanhóis só começaram o in-teresse pelas terras do Atlântico Norte quando o explorador espanhol Francisco Pizarro encontro ouro na área indígena dos Incas, no Peru.

Foi nesse período que eles ouviram também uma história lendária sobre a cidade de Manoa e

o príncipe El Dorado. “Juan Martinez foi o único sobrevivente de uma expedição comandada por Don Pedro Malaver da Silva, por volta de 1530, que explorou a região do rio Orinoco. (...) algumas notas explicaram a captura de Martinez pelos ín-dios do tronco linguístico karib. Disseram que ele foi levado com os olhos vendados para a cidade de Manoa, onde conheceu o príncipe El Dorado. Depois de liberto, Martinez chegou à Ilha de Mar-garita e Trindad e espalhou essa fantástica história aguçando o imaginário do homem europeu em busca de tesouros no interior da costa da Guyana, popular costa selvagem”, assinala professor Go-mes, que desenvolve estudos com pesquisadores brasileiros e das Guyanas, discutindo, entre outros temas, a existência de uma “Amazônia Caribenha” e a geopolítica roraimense.

ÉDER RODRIGUES

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Manoa do El Dorado:

Sonho ou Pesadelo? cidade de ouro) é uma página virada para o ônia Caribenha” já é realidade para milhares ando aumenta a cobiça por minérios como o gistrados em áreas indígenas.

Se por um lado o mito europeu do El Dorado (a mundo, por outro, encontrar minérios na “Amazôde aventureiros. O barril de pólvora aparece qua

urânio, molibdênio e o nióbio, reg

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Mineração:Estátua criada em homenagem aos garimpeiros, no centro de Boa Vista. Terras em Roraima nunca deixaram de ser alvo da mineração e da garimpagem. Esperança para poucos, pesadelo para muitos.

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Roland Stevenson: Apesar do destaque internacional por conta da sua obra, suas pesquisas são questionadas na academia

Sir Walter Raleigh veio para as regiões das guianas em busca do El Dorado no fim do século XVI

MISTÉRIOS

Outros relatos históricos revelam que as fronteiras do norte sempre foram uma terra rica em minérios cobiçados há muitos séculos. Com o livro Uma Luz nos Mistérios Amazônicos, o autor e também pesquisador chileno, Roland Stevenson, desenvolve a teoria de que o ouro destinado ao resgate do imperador Inca, Atahualpa, exigido pelos invasores espanhóis, saiu de Roraima. O relato é polêmico e divide opiniões.

Stevenson ressalta os aspectos físicos Incas nos povos indígenas que habitam o norte do Brasil. Ele, que trabalha há quase 30 anos com o tema, catalogou informações que revelariam um caminho Inca que se estende do Peru às serras de Roraima, de onde o ouro seria extraído.

“Foi um impacto incrível quando me deparei com os índios Yanomani em 1979, observando que alguns deles pos-suíam rostos semelhantes aos quêchuas do Peru. Então me assaltou a ideia de que talvez a lenda do El Dorado tivesse fundamento histórico, e os Yanomani alguma relação, apesar dos 1400 km de distância do Império Inca”, conta Ste-venson, em entrevista publicada no site arqueologiamericana.com.br

O inglês Walter Raleigh tornou-se escritor reconhecido devido, em grande parte, à sua célebre obra épica The Discovery of the Large, Rich and Beautiful Empire of Guiana, Which the Spaniards Call El Dorado, na qual ele declara ter descoberto o El Dorado no extremo norte do continente sulamerica-no, com terras que correspondem na atua-lidade ao estado de Roraima, República da Guyana e Venezuela.

Três séculos depois, outros aventureiros estiveram ligados à busca pelo El Dora-do. Dentre eles, destaca-se o americano Alexander Hamilton Rice, que esteve em Roraima com sua expedição e fez uma jor-nada ao Parima. Em 1924, Rice, que era um milionário cientista, utilizou o que havia de mais eficiente em tecnologia para a época, como técnicas fotográficas, registros audiovisuais, um hidroavião e pequenas embarcações, chegando ao seu objetivo com ajuda dos índios. Os relatos foram inseridos no livro Exploração na Guiana Brasileira, obra que contribuiu para a fun-

dação do Instituto de Exploração Geográfi-ca da Universidade de Havard.

No século XX, a atividade garimpeira foi progressiva em Roraima. A dissertação de mestrado da professora e pesquisadora Francilene Rodrigues, vinculada ao depar-tamento de Ciências Sociais da UFRR, sob tema Garimpando a Sociedade Roraimense - da Conjuntura Sóciopolítica, registra esta cronologia recente. A periodização da história da mineração, segundo o estudo, divide-se em três momentos: o período da descoberta das primeiras jazidas (1912 a 1965); o segundo, que empreende certo aprimoramento técnico na garimpagem dos minérios (1966 a 1979); e o último que engloba as descobertas dos novos garimpos e a corrida do ouro, que se fortalece a partir dos anos 80. A febre do ouro se prolonga até meados dos anos 90, quando, por determinação do Governo Federal, os garimpos são fechados e pistas clandestinas são explodidas.

CONFLITOS

No artigo (Des) territorialização e Conflitos Sociais na Luta por Espaço em Roraima, publicado na edição 5, na Revista de Filosofia e Ciências Sociais (Textos e Debates), a professora Francilene tam-bém lança luzes sobre a participação de diversos atores sociais no processo de conquista pelo território com vistas a exploração dos recursos naturais, sobre-tudo os minerais, considerando também os jogos, negociações e lutas pelo do-mínio sobre o espaço territorial. “Alguns grupos ou atores sociais, militares, índios, missionários, estiveram presentes no contexto sociopolítico de Roraima desde o período colonial, enquanto outros, fazendeiros, pecuaristas, garim-peiros, empresários e parlamentares não tão recentes, emergiram no início do século e outros, organizações não-governamentais surgiram nos últimos anos. Todos estes atores vêm lutando para conquistar e garantir espaços no cenário roraimense”, assinala.

Para ela, a problemática da mineração tem sido o pano de fundo do desenca-deamento dos conflitos em Roraima nos últimos anos. Roraima se apresenta como espaço não plenamente estruturado, gerador de realidades novas e dotado de elevado potencial político. “Dentre esse

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URÂNIO

Metal branco-ní-quel, pouco menos duro que o aço e encontra-se, em estado natural, nas

rochas da crosta terrestre. Sua princi-pal aplicação comercial é na geração de energia elétrica, na qualidade de combustível para reatores nucleares de potência. É também utilizado na produção de material radioativo para uso na medicina e na agricultura.

NIÓBIO

Muito abundante no Brasil é um metal de transição que, com o vaná-dio e o tântalo, integra o grupo Vb

da tabela periódica. Unido ao tântalo, ocorre em minerais como a columbita e a tantalita. Em estado puro, o nió-bio é maleável e dúctil, de cor branca brilhante, parece-se com o aço e, quando polido com a platina. Embora tenha ótima resistência à corrosão, é suscetível à oxidação acima de 400º C. É usado em ligas, imãs supercon-dutores e, em pequenas quantida-des, em aços inoxidáveis para evitar corrosão intergranular.

MOLIBDÊNIO

O Molibdênio é um metal de transição externa de alto po-tencial redutivo, ou seja, é muito difícil

de oxidar (resistente à corrosão). É muito duro, assim é utilizado em ligas metálicas para aumento da resistên-cia. É aplicado em ligas metálicas de alta resistência mecânica e corrosiva; como catalisador na indústria petro-química (para remoção de enxofre); em camadas condutivas de alguns tipos de transistores; em filamentos de componentes elétricos; peças de aeronaves, automóveis, uso nuclear entre outros.

METAIS IDENTIFICADOS EM RORAIMA

novo potencial político configura-se um Estado que tem as especificidades nas múltiplas fronteiras: geográfica, demográ-fica, econômica e étnica. (...) Esta concep-ção da mineração enquanto fenômeno social se constitui na chave para explicar o significado político dos conflitos sociais e, consequentemente, a realidade rorai-mense”, conclui a professora. LOCALIZAÇÃO

Nas regiões onde há ocorrências de minérios em Roraima, os números surpreendem. Mapas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), produzidos em 2005, confirmaram a existência de 26 áreas ativas ilegais de garimpo de diamante na reserva Rapo-sa/Serra do Sol (RR). A exploração mine-ral em terras indígenas não é permitida, por falta de regulamentação do artigo 231 da Constituição, que condiciona a pesquisa mineral em áreas indígenas à autorização do Congresso Nacional.

O Projeto RADAM-Brasil (Radar na Ama-zônia), desenvolvido pelo Ministério das Minas e Energia (MME), foi responsável nos anos 70 e 80 pelo levantamento dos recursos naturais de todo o território brasileiro (totalizando 8.514.215 km2). As pesquisas registraram em Roraima jazidas de ouro, diamantes, cassiterita e urânio, este encontrado com alto valor de pureza na região da Serra dos Surucucus, no oeste de Roraima. Os outros minerais existentes no estado identificados pelo levantamen-to são: ágata, ametista, barita, cobre, cassi-terita, calcário, diamante, diatomito, ferro, molibidênio, caulim, ouro, thório, topázio, turfa, titânio, zinco e nióbio/tântalo.

Como grande parte dos minérios está nas áreas indígenas de Roraima, a pos-sibilidade de mineração legalizada vem provocando inflamadas discussões sobre os riscos ambientais e sociais, a exemplo do que ocorreu (e ainda ocorre) com os grandes projetos nacionais. É o caso das hidrelétricas de Tucuruí (PA), Balbina (AM), Jirau e Santo Antônio (RO) e Belo Monte (PA), esta última localizada à beira do rio Xingu, projetada para ser a segunda maior do país e a terceira maior do mundo.

As amargas lições provenientes de mega empreendimentos brasileiros já implantados, como as hidrelétricas, sob

pretexto de “progresso a qualquer cus-to”, preocupam estudiosos, ambientalis-tas e organizações de defesa dos povos tradicionais no Brasil e no mundo.

No caso da mineração, as perguntas são muitas. Todas sem respostas ou repletas de especulações. Como a natureza será tratada se houver ex-ploração mineral? O que ganhariam e perderiam os povos indígenas com tal prática? O que está por trás do interes-se internacional nas regiões ricas em minérios, água limpa e biodiversidade?

DISCURSOS E ESPECULAÇÕES

No país, existem 488 terras indígenas deli-mitadas, que somam mais de 105 milhões de hectares, segundo a Fundação Nacio-nal do Índio (FUNAI). Isso significa 12,41% do território do país. Em Roraima existem 32 terras indígenas que ocupam 46,4% do território do Estado, segundo o antropólo-go Carlos Alberto Cirino, coordenador do Núcleo Histórico Sociambiental da UFRR (NUHSA). Todas as áreas estão homologa-das e registradas pela FUNAI.

Para entender melhor o clima provocado com a provável liberação da mineração em terras indígenas, é preciso expor os pontos de vista provenientes de parcelas da sociedade que marcam o imbróglio há décadas e varrem grande parte da imprensa. Um deles é o da defesa da soberania nacional, resultado do pensa-mento militar vigente nos anos 60 e 70 no Brasil. Deste pensamento, resulta a ação idealizada em 1985, no Governo Sarney, do programa Calha Norte, que previa a ocupação militar de uma faixa do territó-rio nacional situada ao Norte da Calha do Rio Solimões e do Rio Amazonas.

A área corresponde a um quarto da Ama-zônia Legal e a quase 15% da área total do país, atingindo as fronteiras com a Guyana Francesa, Suriname, República Cooperati-vista da Guyana, Venezuela e Colômbia. O argumento usado para a implementação desse projeto é “fortalecer a presença nacional” ao longo da fronteira amazônica, tida como ponto vulnerável do território nacional. Quem sobe neste palanque são, sobretudo, os militares da Amazônia.

Os proprietários de agronegócios em Roraima reforçam o alarde de internacio-

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nalização, na mesma linha do exército. O grito apocalíptico dos donos de inves-timentos rurais ficou mais alto com a iminente demarcação da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, no Governo Lula. Desta vez, o argumento usado era o de “atraso no desenvolvimento do estado de Roraima, além da miséria, fome e desespero” que inviabilizariam o estado.

Já a classe política divide-se em pelo menos duas opiniões, polarizadas ainda no período da demarcação das terras indí-genas. Uma delas diz que, após as demar-cações, deve-se iniciar a imediata minera-ção em terras indígenas para promover o desenvolvimento do estado. A segunda é proveniente das alas que defendiam os direitos dos fazendeiros e concordam com os militares. Esta critica tal Projeto de Lei, ao mesmo tempo em que demonstra lentidão na apresentação de propostas políticas concretas para a economia local, deixando de ouvir, em certa altura, as orga-nizações indígenas e a academia, motivos pelos quais a proposta de mineração ganha fôlego no cenário político nacional.

Ainda há a presença do discurso de Orga-nizações Não Governamentais (ONGs) em defesa dos direitos dos povos indígenas. O ex-coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Dionito José de Souza, que é índio macuxi, diz que só na reserva Raposa/Serra do Sol vivem em torno de 17 mil índios. Ele afirma que com a ex-ploração, a terra já ficaria para a empresa, porque tem minério em toda parte. “E os índios iriam para onde?”, pergunta.

SUSPEITAS

Mas esta mesma “presença” e interesse de ONGs levantam suspeitas por parte de instituições de inteligência no Brasil. A desconfiança excita a teoria cons-piratória dos militares e de setores do investimento rural. Fato que pode ser atribuído, em parte, aos escândalos mundiais nas grandes corporações, como mostra o documentário canaden-se The Corporation (2003), dirigido por Mark Achbar e Jeniffer Abbott.

O motivo de tal desconfiança é que boa parte das ONGs recebe patrocínio do capital privado estrangeiro para a produção social e para fazer marketing. Logo, a função social destas empresas

sempre é gerar lucro. Quem aponta o problema é filósofo e ativista político, Avram Noam Chomsky, do Instituto de Tecnologia de Massachussets (EUA). Ele explica que corporações pensam apenas no lucro dos acionistas, em curto prazo. “Estes, são poucos”, afirma.

Chomsky (foto abaixo), que publicou mais de 80 obras e desenvolveu uma teoria que revolucionou o estudo da linguística, lança seu arsenal ao tratar da relação dos EUA com os países em desenvolvimento, sobretudo, os sulame-

ricanos. “Por muitos anos, os americanos têm tentado restabelecer sua domina-ção. Existe uma posição tradicional do país que relembra sua fundação e que diz que os EUA precisam controlar a América Latina”, diz ele, que é autor do livro What Uncle Sam Really Wants (O que o Tio Sam Realmente Quer. Editora UnB, 1992). É este aspecto financeiro uma das razões que levam o alto escalão do exército a afirmar que as ONGs tem “uma força desproporcional”.

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Como sinaliza o mapa, o pretendido Par-que Nacional do Lavrado na Serra da Lua está na região próxima à bacia do Tacutu e da serra do Tucano em que se locali-zam minérios. Na bacia do Tacutu já foi

confirmada a presença de petróleo, fato pesquisado por professores do Instituto de Geociências (IGEO) da UFRR. A região fica próximo ao município de Lethen, na República Cooperativista da Guyana.

Mapa das áreas indígenas (cinza) e áreas de minérios (pontos vermelhos)

Proposta de criação do Parque Nacional do Lavrado e reserva Jauaperi

ParqueNacional

do Lavrado

Fonte: Iteraima/Governo do Estado de Roraima

ReservaJauaperi

A Associação dos Morado-res e Produ-tores Rurais da Serra da

Lua engrossa a militância contra a atuação de ONGs e

órgãos ambientais brasileiros na Amazônia. O movimento

social, criado em janeiro de 2010, pretende mobilizar

aqueles que defendem a região contra e extração das riquezas minerais em detrimento às famílias que hoje moram ali.

Diz o documento: “ONGs (...) e órgãos ambientais brasileiros

ameaçam a soberania nacional e desapropriam famílias centenárias

com a criação de mais reservas no estado de Roraima. A Raposa Serra do Sol será aumentada, com a criação do Parque Nacional do Lavrado (...)”.

Conforme dados fornecidos pela Secreta-ria de Planejamento de Estado (SEPLAN/RR) à associação, de pouco mais de 22 mi-lhões de hectares de terra do estado de

Roraima, estão disponíveis para agricultu-ra 1.121 hectares. A Associação alerta que os órgãos ambientais planejam criar mais sete reservas que irão ocupar uma área maior do que restou para agricultura, um total de 1.315,69 hectares, sobrepondo outras áreas já reservadas. “Com isso, não irá nos restar mais nada, se já 93% do estado de Roraima está em forma de reserva”, diz o panfleto distribuído à sociedade.

O projeto para a criação do Parque Nacional do Lavrado diz que toda a re-gião da Serra da Lua possui apenas três propriedades. A Associação contesta o número, afirmando que existem mais de mil moradores na área pretendida. Diz também que a proposta começou com 60 mil hectares e hoje tem 345 mil, que podem se juntar com a Raposa Serra do Sol e outras reservas indígenas.

“Dentre essas mil pessoas que moram na região, existem famílias há 106 anos com títulos expedidos pelo próprio Governo Federal, trabalhando com agricultura e a pecuária de forma sustentável, mas sem energia, sem telefone, sem estradas pa-vimentadas, sem escolas, sem hospitais e postos de saúde próximos”, finaliza.

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Produtores denunciam ONGS e órgãos ambientais brasileiros

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Recentemente, o alto esca-lão do Exército Brasileiro na Amazônia divulgou que organizações internacionais, sobretudo europeias, têm

interesse nos minérios e fontes de água nas regiões habitadas pelos povos yano-mami desde a década de 70.

A hipótese alarmista propaga que ONGs estariam por traz da desvinculação das terras indígenas do território brasileiro e influenciando os índios a pedirem das Or-ganizações das Nações Unidades (ONU) a constituição de uma “nação indígena”. Assim, segundo os militares, as ONGs não teriam que enfrentar a burocracia brasi-leira e poderiam usufruir dos minérios.

Os dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a forma como parte dos meios de comunicação conduzem estas informa-ções junto à sociedade colocam mais pólvora no barril. O Incra registra mais de 50 mil propriedades em nome de estrangeiros na Amazônia brasileira, somando cerca de cinco milhões de hectares de terras na região.

É neste contexto que as polêmicas declarações do indigenista Orlando Villas Bôas, indicado duas vezes para o prêmio Nobel da Paz, por dedicar boa parte da sua vida à defesa dos povos indígenas, deixou o campo ainda mais minado. Antes de morrer em 2002, Bôas concedeu entrevista à jornalista Paula Saldanha, no programa televisivo Expe-dições, gravado em 2000 e exibido na íntegra em 2003, no qual “denuncia” o interesse de estrangeiros na Amazônia.

Bôas afirmou que as terras Yanoma-mi (fronteira Brasil/Venezuela) com apoio estrangeiro, virariam um Estado independente, acompanhadas de intensa agressão ao meio ambiente. “As maiores reservas de urânio do mundo estão em Roraima, dentro da terra Ya-nomami. Há um minério com o apelido de ‘Alexandrita’ (metal precioso), que só foi encontrado na América nas terras Yanomami. Nós já sabemos (...) que de 10 a 15 Yanomami, os mais destacados da comunidade, estão na América, aprendendo inglês e política. (...) Eles vão voltar com outra mentalidade e vão pedir um território Yanomami desmem-

brado do Brasil e da Venezuela. E a ONU vai dar. Dar como tutora, no começo, esta gleba dentro do norte”, alardeou.

DISFARCES Em Roraima, o juiz Alcir Gursen de Mi-randa, autor de vários livros sobre Direi-to e Amazônia, professor e pesquisador da UFRR, assegura em seus discursos, não ter dúvidas que estrangeiros estão agindo sob a imagem de pesquisado-res, religiosos e missionários para tomar a Amazônia ou parte dela. O apoio a essas ações viria de ONGs e governos, declara Miranda.

“Em 1850, os ingleses enviaram pessoas para estudar a Amazônia, alegando traba-lho de pesquisa. Na verdade, as informa-ções serviram para que invadissem e to-massem 19 mil quilômetros quadrados do território brasileiro. Passados mais de 150 anos, o mesmo está acontecendo. O cená-rio é idêntico”, defende o juiz. “Observamos uma verdadeira invasão de estrangeiros em nosso território. Isso não é coincidência. A situação atual é pior e se deixarmos, não se sabe aonde chegará”, polemizou.

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Ânimos acirrados e

Opiniões Divergentes

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Entidades apontam o risco de perda de território se as mineradoras forem insta-ladas em terras indígenas. Os perigos vão

de doenças nas comunidades a desestrutura-ção social.

Rogério Duarte do Pateo, antropólogo do ISA (Instituto Socioambiental), explicou ao jornal Folha de São Paulo que, de acordo com a magnitude da presença da mineradora e a proximidade das aldeias, as populações podem ter hábitos alterados. “Isso porque o barulho das máquinas para a extração dos minérios, por exemplo, assustaria animais num local onde a caça é o principal meio de subsistência”, assinalou.

A lista dos problemas envolve: a degrada-ção social; perda de território; extinção dos povos indígenas; dependência financeira (royalties), gerando reação em cadeia, na qual o indígena passaria a comer produtos industrializados, provocando doença como diabetes, colesterol e problemas dentários; impacto ambiental, já que implica uma área de ‘servidão’, onde vivem os funcionários da empresa; surgimento de cidades para dar suporte à atividade mineradora, alterando o entorno devido à construção de estradas para escoar a produção; desvios dos leitos do rios; poluição das águas; etc.

“O maior dos males seria a perda da auto-ridade do índio sobre seu território, sendo os povos colocados em segundo plano e podendo, inclusive, ter de sair de uma aldeia por conta de uma jazida de minério”, argumenta o antropólogo Ricardo Verdum, assessor de políticas indigenistas do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

Reação antropológica

Especialistas dizem que a mineração implica em degradação social

CONTRAPONTO

O antropólogo e pesquisador Ricardo Cavalcanti-Schiel, foi militar durante 15 anos e deixou o serviço ativo em 1995, como oficial de carreira da Marinha. Ele está atualmente vinculado ao Laboratoire d’Anthropologie Sociale do Collège de France/École des Hautes Études en Sciences Sociales e publicou, em 2008, no jornal Le Monde Diplomatique, o artigo denominado De Costas para Rondon. No artigo, Schiel afirma que, ainda que ambígua em seu conteúdo, a lógica da proteção do territó-rio brasileiro significou o estabelecimen-to de uma relação direta, necessária e institucionalizada entre o Estado nacional e as populações indígenas.

“(...) o modelo rondoniano da prote-ção implicava, antes de tudo, em uma proteção “nacional”, que tomava as populações indígenas como parte de um patrimônio comum da nacionalida-de, que devia ser integrado no (e pelo) espaço político do Estado Nacional, a despeito do (e quase sempre contra o) particularismo dos interesses das oligar-quias regionais”, explica o pesquisador.

No entanto, ao fazer referências aos discursos dos ex-comandantes militares da Amazônia, general Augusto Heleno Ribeiro Pereira e general Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, que alcançaram pro-jeção midiática por conta dos discursos feitos após as demarcações em Rorai-ma, o antropólogo dispara, dizendo que o maior problema do pensamento militar brasileiro contemporâneo con-tinua sendo a profunda ignorância do mundo social.

“Nisso, os militares não avançaram um centímetro desde os tempos da dita-dura. Não é casualidade que o ‘indige-nismo’ dos militares reitere, para o caso atual do embate de interesses em torno da demarcação da Terra Indígena Rapo-sa/Serra do Sol, os mesmos argumentos sobre a ‘ameaça à soberania’ (que as terras indígenas representariam) que já haviam empunhado à época do projeto Calha Norte e do debate em torno da demarcação da Terra Yanomami, duas décadas atrás”, assinala nos últimos parágrafos do artigo.

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Senador Romero Jucá propôs o Projeto de Leique está na reta final para a aprovação

A extração mineral é uma atividade em pleno vapor na Amazônia, assim como na vizi-nha República Cooperativista da Guyana, no Suriname e na

Venezuela, países que registram alto índice de brasileiros trabalhando nas minas.

Do lado brasileiro está em curso o Projeto de Lei de nº 121/95, que prevê a explo-ração de recursos minerais em áreas indígenas. O projeto está na Câmara dos Deputados e aguarda reformas. O futuro das terras indígenas após a possível instalação da mineração legalizada é foco de conflitos, por isso chama a atenção de outros países, num jogo de interes-ses que discute também como será a distribuição da riqueza gerada, o uso do mercúrio, o assoreamento de rios e igarapés, a diminuição da floresta e o re-florestamento, a eliminação da fauna dos rios, o extermínio das línguas indígenas e muitos outros problemas socioambien-tais regionais de alcance global.

O senador Romero Jucá (PMDB/RR) foi

quem levou o Projeto de Lei em 1995 para avaliação no Senado da República. Ele explica que a Constituição de 1988 define a possibilidade de haver minera-ção em terras indígenas (TIs), uma vez que elas pertencem à União. “O que a Constituição diz é que uma lei especí-fica vai regular a forma de como vai se dá a autorização de mineração em TIs, inclusive com autorização do Congresso”, expõe.

O Projeto de Lei já foi aprovado no Senado, por unanimidade, tramitou durante anos na Câmara dos Deputados e agora está pronto para votação, esbarrando apenas nas cons-tantes votações de medidas provisórias e outros protocolos da Casa. A matéria sendo aprovada na Câmara retorna ao Senado, para apreciação das modificações.

O autor da proposta avalia que a matéria suscita debate e polêmica e que precisa ser discutida e resolvida. “Existem pesso-as que são contra. É natural. Há uma mo-vimentação no sentido do projeto não ser aprovado nos setores ambientalistas,

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setores de organizações não governa-mentais, que atuam junto às comunida-des indígenas. Há essa pressão. Mas há também a pressão da sociedade para que o projeto seja aprovado, porque é um projeto importante. No final das contas, a pressão para aprovação desse

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Mineração em terras indígenas:

Legalizar ou não?

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Economista e empresário Getúlio Cruz: “Construção de Hidrelétrica no Cotingo atenderia melhor aos interesses do Estado do que a mineração”

Davi Yanomami tem reconhecimento internacional pela luta em prol dos direitos indígenas

projeto deverá ser maior e a matéria deve ser aprovada”, assinala Jucá.O político explica que a Lei vai possibi-litar a exploração mineral por meio de licitação, controle ambiental e acom-panhamento do Ministério Público. “Precisamos dar condições de tirar a riqueza do subsolo, e que essa riqueza possa pagar impostos, ajudar os estados, a população, gerar empregos e ajudar as comunidades indígenas, porque a população vai receber os royalties com o resultado da mineração.” defende.

O economista e professor da UFRR, Ge-túlio Alberto de Souza Cruz, afirma que na pauta dos interesses de Roraima, a exploração de minérios não deveria ser prioridade. Ele analisa que o mundo vive hoje um recuo na demanda por matérias primas minerais e esta exploração não seria capaz de alavancar a economia de Roraima. Além disso, não há números que apontem a quantidade de minerais que alcancem um mercado amplo.

comunidades indígenas. “Antes de pen-sar na exploração o Estado brasileiro devia ter vergonha na cara e fazer um inventário com pesquisas nestas áreas para saber o que efetivamente nós dispomos para extrair. Há muita falácia e fantasia em torno desta questão. Mas o que tem de fato de minérios nestas terras? Não se estima quanto. É uma aventura que eu não embarcaria”, apon-tou o economista.

YANOMAMI

Mesmo sem o Projeto de Lei estar apro-vado, o registro da presença de estran-geiros e brasileiros nas TIs em Roraima e as últimas operações da Polícia Federal, FUNAI e Exército realizadas desde 2009, confirmam que os garimpos mecaniza-dos nas reservas estão em pleno vapor. Um exemplo da exploração ilegal dos recursos minerais ocorre às margens do rio Maú, na fronteira do Brasil com a República Cooperativista da Guyana.

O índio Yanomami Davi Kopenawa, que dirige a Associação Hutukara Yano-mami, iniciou a militância em prol da preservação do seu povo e defesa da terra na década de 80. Em 92, recebeu o convite da Comissão de Direitos Humanos da ONU para proferir discurso representando os índios brasileiros. Ele afirma, na publicação Descobrindo os Brancos, que seu povo foi quase aniquilado por doenças como gripe,

sarampo e malária, após contato com os brancos, sobretudo garimpeiros. “(...) Se os brancos-espíritos-tatus-gigantes (mineradoras) entram por toda a parte sob a terra para retirar os minérios, eles vão se perder e cair no mundo escuro e podre dos ancestrais canibais”, argu-menta Kopenawa ao criticar o compor-tamento do ‘branco europeu’.

Em 2008, os Yanomami tomaram a frente da luta na defesa da terra, quando políticos em Brasília reacenderam a im-portância do mapeamento dos minérios em terra indígena, quando discutiam o Projeto 1610/96. Os deputados que faziam parte da Comissão do Congresso Nacional fizeram convites às maiores empresas de mineração do país para realizarem o mapeamento das potencia-lidades minerais das terras em questão.

O interesse, segundo a bancada, era identificar minérios estratégicos para o país, como Urânio e Nióbio, e depois discutir o custo-benefício, envolvendo os povos indígenas na discussão. O problema é que os índios não foram comunicados da ação, segundo eles. O fato gerou protestos das lideranças Ywanomami que foram à Brasília (DF) visitar órgãos ligados à saúde e a Câ-mara dos Deputados. Ali, denunciaram que os parlamentares desrespeitaram os índios das aldeias visitadas com tal atitude e ainda sofreram tentativas de persuasão para apoiarem o projeto.

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Para ele, é muito mais importante discutir temas como a implantação da hidrelétrica no Cotingo, na qual a energia poderia ser melhor estimada e quantificada, do que a mineração. “A exploração de energia elétrica limpa no Cotingo daria muito mais royalties às comunidades do que explorar, por exemplo, nesta área leste do estado que é uma área diamantífera, onde os diamantes são explorados nos leitos dos rios. No caso da energia elétrica, calcula-se que, por mês, ficariam pelo menos R$ 80 mil, em royalties para as comunidades”, afirmou.

Cruz disse ainda que a extração não vale a pena para Roraima nem para as

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Fotos de garimpagem ilegal na região do Tepequém no municipio de Amajari (RR) em 1993

Mergulhador no rio Uraricoera (RR), em 1989: mesmo proibida em 91, a atividade garimpeira ainda continua nos mesmos moldes em várias regiões do estado

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Outro texto fundamental para entender-mos o processo de exploração mineral em TIs e o discurso ambiental dos Yanomami está no artigo científico O Ouro Canibal e a Queda do Céu, do pesquisador Bruce Al-bert publicado na obra Pacificando o Bran-co (Editora Unesp, 2000). Citando palavras de Davi Yanomami, o texto diz que “(...) Os garimpeiros são hostis a nós porque são como espíritos maléficos; são filhos de co-medores da terra-floresta. Eles dizem que nós somos ignorantes, mas estão errados. É o contrário. Somos nós que sabemos das coisas e que protegemos a floresta”.

CATÁSTROFE

O antropólogo Paulo Brando Santilli, pro-fessor da Universidade Estadual Paulista e professor convidado da UFRR, assinala que este tipo de projeto é catastrófico. Santilli diz que o projeto é um problema não só para os povos indígenas, mas para o Brasil e para o mundo. Ele elaborou lau-dos antropológicos e perícias referentes

a direitos históricos de povos indígenas, como no processo de demarcação da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol e foi o responsável pelo parecer antropológico comprobatório dos direitos territoriais Macuxi, Wapixana, Ingarikó Taurepáng e Patamona sobre a área. Ele afirma que uma mera liberação de exploração mineral seria repetir o mesmo ciclo de mineração do século 18.

“Hoje temos claro nos programas de histó-ria, até mesmo de ensino fundamental, de que essa exploração trouxe a degradação. Degradação não apenas ambiental, mas social em termos de epidemia e como um todo. Grande parte desse minério foi desperdiçada. Hoje, temos essa avaliação bastante clara e se a história nos serve, pelo menos, para evitar a repetição de er-ros, creio que nós deveríamos aproveitar a experiência histórica desses ciclos anterio-res, para podermos avaliar a catástrofe que se anuncia com esses projetos apressados de mineração”, aponta Santilli.

ABA

Em Moção de Repúdio às práticas de planejamento e de licenciamento dos projetos de desenvolvimento no Brasil, a Associação Brasileira de Antropolo-gia (ABA), fundada em 1955, descreve que esses projetos podem modificar drasticamente as condições sociais e ambientais em que vivem comunidades e povos diversos, os quais “são alijados dos processos decisórios”.

Diz o texto que “é imperativo que o processo de planejamento seja pautado pelo respeito aos diversos modos de vida e territorialidades vividas pelos grupos sociais. (...) A constituição de uma sociedade livre, justa e democrá-tica pressupõe o reconhecimento da legitimidade de todos os interessados na construção do processo decisório e no constante exercício do controle sobre as decisões tomadas”.

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Tepequém, 2007

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Doutor Fábio Wankler, do IGeo/UFRR, revela incrível coincidência de disputas territoriais com ocorrências de minérios

A invenção e o avanço da fronteira norte tem haver com o sonho do El Dora-do”, reforça o pesquisador. Fábio Wankler explica que

Walter Raleigh justificou suas vindas ao extremo norte do território, no século XVI, para procurar Manoa, a cidade do El Dorado. “Ele foi a primeira pessoa que entrou nesta área e efetivamente falou que a região era importante para co-munidade europeia quando descreveu a lagoa do Parima. Foi a partir daí que começou-se a descobrir o ouro”, explica.

MAPA

O professor Fábio Wankler analisou as ocorrências de minérios nas informações do NMDA, IBGE, e de autores como Si-mon & Rodrigues e Meyer e Mcallun, que fizeram registros da atividade garimpeira na fronteira. Wankler criou um mapa iné-dito unindo o passado e o presente.

O geólogo esclarece que é justamente a área fronteiriça, que tem elevada quantida-de de minérios, que gerou tanta polêmica na época em que o explorador Richard e o irmão Robert Schomburgk estiveram ali. Do ponto de vista político, as descrições de Schomburgk ajudaram a dar base para a decisão final de uma disputa territorial internacional entre Brasil e Inglaterra, na qual a arbitragem italiana concedeu o terri-tório contestado à Inglaterra, parte da atual República Cooperativista da Guyana.

“Schomburgk apresentou uma ideia à coroa britânica que talvez ele não soubes-se, mas que era uma grande oportunidade para a Inglaterra. Ele era explorador. Nós vemos claramente qual o papel do explo-rador no livro A História da Exploração no Mundo, que é conhecer novos espaços. Há o desafio pessoal dele, mas o explorador também fornece serviços que interessam as pessoas que patrocinam a viagem dele. Schomburgk não fez o mapeamento da região porque ele era amigo dos índios, que segundo ele, pediam a presença da Inglaterra na região, mas porque fora contratado”, defende Wankler.

O professor da UFRR esclarece que a his-tória dos grandes exploradores mundiais está essencialmente ligada às questões de posse de território e exploração dos recursos naturais. “Os grandes explorado-res não vinham apenas cumprir um papel humanitário, mas vinham cumprir tarefas bem concretas para os seus patrocinado-res”, destaca, afirmando que fez compara-ções destas áreas das Guianas e do Brasil para demonstrar basicamente a incrível coincidência entre a área de litígio que, apesar das áreas de proteção indígena, continha minérios e o interesse dos irmãos Schomburgk e da coroa Britânica. Até hoje, nesta luta de interesses diversos, o que há de estudos científicos ainda é pouco para o tamanho do problema em torno da extração mineral, seja dentro ou fora das áreas indígenas.

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Geólogo desenvolve mapa unindo

passado e presentePesquisador da UFRR diz que a história dos grandes exploradores mundiais está ligada às questões de posse de território e exploração dos recursos naturais, incluindo a fronteira norte brasileira

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Crisnel Ramalho: Garimpeiros têm sindicato e cooperativa e querem mais

De acordo com o presidente do Sindicato dos Garimpei-ros de Roraima (Sindigar), Crisnel Ramalho, o Banco Mundial e o Ministério

das Minas e Energia (MME) pediram em 2009, que a diretoria da entidade se posicionasse sobre “como deve ser feito o extrativismo mineral”, levando-se em conta a responsabilidade ambiental na região.

Os dados enviados pelo líder sindical compõem o Plano de Mineração 2030, que prevê ações no período de 2010 a 2030. “Respondemos com um relatório, uma carta descrevendo as potencialida-des minerais de Roraima e documentos da cooperativa, que integra uma rede de 150 cooperativas em todo o Brasil. As informações foram encaminhadas ao DNPM. Também mandamos cópia de projeto para mineração na Terra Indígena Yanomami”, disse Crisnel, que além deste, possui outros seis projetos de mineração socioeconômica fora de áreas indígenas.

O discurso do garimpeiro é recheado de convicção. Ele explica que a classe mantém a disposição de explorar o rico subsolo do Estado, desta vez de forma organizada. Ele acredita que o Projeto de Lei 1.610/96 será aprovado em breve e os garimpeiros serão naturalmente contra-tados pelas mineradoras, a exemplo do que ocorre hoje nas minas da região sul do Pará. Para se ter uma ideia, na mina de minério de ferro da Vale do Rio Doce,

naquele estado, existem 7.776 trabalha-dores, sendo 996 mulheres, o equivalente a 13% das contratações, fato que mostra o nível de organização do segmento. Impressionam também os números divulgados pelo sindicato em Roraima. Crisnel diz que no auge do garimpo (1989-90), trabalhavam cerca de 25 mil pessoas no estado, mas estes números variam. Para o DNPM, por exemplo, chegavam a 40 mil.

“Hoje, na Venezuela, existem oito mil brasileiros e 95% do que se extrai lá é ouro. No Suriname, existem mais 12 mil, também em busca de ouro. Na Guiana, seis mil. Na área yanomami, divisa do estado de Roraima com Amazonas, há cerca de 500 pessoas”, contabiliza Crisnel.

MPFMas foi o Plano de Mineração 2030, elaborado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e divulgado recentemen-te, que deu origem à recomendação do Ministério Público Federal de Roraima ao DNPM (datada em 14/04/2011) para que declare nulos os Títulos Minerários concedidos em terras indígenas no Território Nacional e indefira todos os pedidos de Pesquisa Mineral ou Reque-rimento de Lavra em terras indígenas. O procurador Rodrigo Timóteo da Costa e Silva alegou a ausência de regulamen-tação do disposto no parágrafo 1º do artigo 176 e no parágrafo 6º do artigo 231 da Constituição Federal.

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Garimpeiros sonham com a

Retomada da mineração

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Ouro, Níquel, Cromo, Platina

Petróleo-Gás

Ouro, Níquel, Cromo, Platina, Ferro-Titânio, Vanádio, Nióbio, TR

Estanho, Nióbio, Tântalo

Di, Ouro

Areias e Argilas

Ouro Platina, Níquel, Cromo, Estanho, Nióbio, Tântalo

Molibdênio, Tungstênio, Estanho, Nióbio, Tântalo

Estanho, Nióbio, Tântalo (Cobre-Chumbo-Zinco)

Esboço Metalogenético Previsional do Estado de RoraimaFonte: Lima e Bezera (1994)

Ouro

O engenheiro de minas, Eugênio Tavares, do DNPM, afirma que é preciso incentivar extração mineral racional

O estudo do Departamento Nacional de Pesquisa Mine-ral (DNPM), órgão vinculado ao Ministério das Minas e Energia (MME), denomina-

do Potencialidades Minerais de Roraima revelou que as principais ocorrências auríferas de Roraima situam-se no interior da Terra Indígena Yanomami.

Outras ocorrências, de menor potencial econômico distribuem-se ao norte e a sul do estado. O órgão constatou a existência de dois grandes depósitos minerais de ouro e um de cassiterita na reserva Yanomami e uma de diamante na terra indígena Raposa Serra do Sol.

O DNPM já divulgou na imprensa que existem 59 pesquisas em andamento em Roraima, sendo a maioria voltada para exploração de granito, seguida de ouro, diamante, água mineral, cassiteri-ta, cobre e outras substâncias.

A Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais (CPRM), que desenvolve 210 projetos de pesquisa no Brasil, mostrou

que a região Oeste de Roraima, na Serra do Parima (TI Yanomami), é composta por rochas com idade de dois bilhões de anos, denominadas de greenstone belts ou cinturão de rochas verdes, formadas por derrames de lavas, sob o mar, e que constitui uma das mais promissoras para hospedarem depósitos de ouro de clas-se mundial. Isso fica claro no mapa do ouro, divulgado pela instituição, quando destaca-se com maior potencial para a produção de ouro, a região oeste do Estado, no divisor de águas entre os rios Uraricoera e Catrimani, com mais de 150 ocorrências cadastradas.

SIMILAR AO PARÁA CPRM também avalia que em termos de ambientes geológicos (idade das rochas e jazidas de ouro) a serra do Pa-rima é considerada similar aos terrenos do município de Tapajós, no Pará, onde estima-se que tenha sido produzido mais de mil toneladas do metal a partir da década de 50, nos mais de 600 garim-pos que existiram por lá.

Mapa com as principais ocorrências minerais em Roraima. Fonte DNPM

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O que dizem as instituições oficiais no Brasil sobre

Os minérios em RR

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Médio Uraricoera: Serras em Roraima onde nascem os rios e cujo subsolo esconde “cobiçadas riquezas”

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Nas montanhas da área da Reserva Indígena Yanoma-mi, entre Brasil e Venezuela, estão as fontes das águas que sustentam o volume dos rios

do leste de Roraima, como Maú, Uraricoera e Branco, este último abastece a cidade Boa Vista e parte de seus municípios, desembo-cando nos rios Negro e Amazonas. Muitos

dos minérios atualmente identificados pe-los aviões de prospecção eletromagnética do Governo ficam onde estão as pequenas nascentes de águas, nas serras.

MERCÚRIO

De acordo com o Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), as emissões de mercúrio

provenientes da indústria, de modo geral, têm contribuído de forma drástica para a biomagnificação do mercúrio (Hg) na cadeia alimentar. O mercúrio é usado na sua forma elementar (Hg0) na recuperação de ouro nos garimpos.

As reações químicas do Hg no meio am-biente são complexas e podem envolver

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Nascentes das águas do rio Branco estão nas

serras ricas em minérios

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El Dorado: cidade imaginária No século XVI, se dizia haver um El Dorado na América meridio-nal. A lendária cidade perdida, procurada por exploradores há séculos. Falava-se de uma cidade cujas construções seriam todas feitas de ouro maciço e cujos tesouros existiriam em quantida-des inimagináveis.

Acreditou-se que o El Dorado estivesse em várias regiões do Novo Mundo: uns diziam estar onde atualmente é o Deserto de Sonora, no México, outros acreditavam ser na região das nascen-tes do rio Amazonas, ou ainda em algum ponto da América Central ou do Planalto das Guianas – região entre a Venezuela, Guyana e Brasil, no atual estado de Roraima.

Atualmente o Google Earth anunciou que o El Dorado pode ter sido encontrada com a ajuda da ferramenta. Uma matéria na publicação científica Antiquity mostra imagens de mais de 200 rastros de uma avançada civilização pré-colombiana, em uma área que fica próxima à divisa do Brasil com a Bolívia, e que poderiam ter sido ruas, avenidas e pontes de uma sofisticada civilização que teria existido antes dos Incas.

vários estados de oxidação e espécies químicas deste elemento. Experimentos conduzidos em laboratório investigaram as reações físico-químicas do Hg em rejeitos, solos e sedimentos de rio de re-giões garimpeiras do Brasil. Os resultados mostram que a físico-química do Hg, nos compartimentos ambientais, dependem dos complexos de Hg em solução.

A atividade garimpeira, por meio do uso extensivo de mercúrio elementar (Hg0), tem contribuído de forma significativa para a dispersão de mercúrio nos ambien-tes atmosféricos, aquático e terrestre.

Uma vez inserido no ecossistema, o Hg0 pode sofrer uma série de transformações, indo à metil mercúrio (CH3HG), a forma mais tóxica do metal, que é altamente solú-vel em gorduras, podendo ser incorporado pelo conjunto dos seres animais e vegetais de uma região e acumular-se na cadeia alimentar, causando danos irreversíveis ao sistema nervoso central do homem. O químico de solos, Ricardo Melamed e o engenheiro de minas, Roberto Villas Bôas, ambos pesquisadores do CETEM,

assinalam na publicação Mecanismos de Interação Físico-Química e Mobilidade do Mercúrio em Solos, Sedimentos e Rejeitos de Garimpo de Ouro (MCT, 2002), que “o Hg0 tem sido amplamente utilizado em regiões de garimpo de ouro no Brasil. Em 1989, pelo menos 160 toneladas do metal foram desviadas para as regiões garimpei-ras. A utilização do Hg0 na recuperação do ouro (Au) deve-se ao fato desses dois metais terem grande afinidade e amalga-marem, formando compostos denomina-dos intermetálicos”.

Para eles, a intensa atividade garimpeira no Brasil, sobretudo nas regiões norte e centro-oeste, tem causado, além da contaminação por Hg, a destruição da coluna sedimentar, o acúmulo de rejeitos, o assoreamento e o aumento no mate-rial particulado em suspensão nos rios, interferindo no ciclo biológico, e é um dos principais meios de transporte no Hg.

CONSENSO E INCOERÊNCIA

Muitos concordam que o Projeto de Lei não deve ser aprovado à revelia dos princípios e fundamentos que norteiam o

planejamento estratégico das políticas es-tatais. A questão problemática, que reforça o discurso de quem refuta tal projeto, é que o planejamento destas políticas não contém a perspectiva democrática.

Interesses alheios à produção acadêmica e científica também representam graves riscos para a sustentabilidade socioam-biental do País. Portanto, faz-se necessário e urgente o debate transversal com os atores sociais da política, saúde, minera-logia, economia, geografia, antropologia, história, biologia e sociologia para futuros encaminhamentos.

Enfim, o polêmico cientista George Chal-lenger, personagem das ‘estórias’ de Arthur Conan Doyle, fez o mundo acreditar que no extremo norte do Brasil havia dinos-sauros e homens-macacos. Pura ficção. Nos dias atuais, na mesma região, há também um barril de pólvoras no mapa desta cobiçada corrida pelos minérios. Pura realidade. Se vivo, sir Conan Doyle teria inspiração suficiente para escrever O Mundo Perdido: Parte II.

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Artigos

1 Empregaremos o termo “garimpeiro” para referirmo-nos aos brasileiros que trabalham na mineração do ouro em pequena escala no Suriname, pois os trabalhadores de outras nacionalidades (notadamente guianenses) são chamados de “porknockers”.2 Granman é a autoridade quilombola (OLIVEIRA, RIBEIRO, 2011).3 Local onde ficam concentradas as atividades comerciais, bem como o centro de convívio e lazer da área de garimpagem. Esse centro, em sua maioria, é constituído por uma rua aberta em meio à floresta com alguns acampamentos improvisados que atuam como mercados, centrais de rádio, boates e bares.

Rafael OliveiraProfessor Assistente III do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Roraima – UFRR; mestre em Ordenamento Territorial e Ambiental pela Uni-versidade Federal Fluminense – UFF; doutorando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo – USP ([email protected]).

A mineração do ouro em pequena escala no Suri-name é majoritariamente realizada pelos garimpeiros1 , cuja maioria vive/trabalha

em situação irregular no país (HEE-MSKERK, 2009). Apesar da imprecisão dos cálculos, devido à própria fluidez e invisibilidade da atividade, estimativas afirmam existir aproximadamente 20 mil garimpeiros espalhados em centenas de minas no Suriname, representando assim cerca de 5% da população total desse país (ABS, 2006).

Oriundos, em sua maioria, dos estados do Pará e Maranhão, atualmente os brasileiros entram no território surinamês das mais distintas formas e utilizando variadas estratégias: i) chegam por avião, saindo tanto dos aeroportos de Boa Vista quanto de Belém; ii) atravessam a Guiana de barco ou navetes (vans), saindo de Lethem (na fronteira com o estado de Roraima), cruzando o limite oeste pela cidade de Nickerie; iii) saem do Oiapoque (Amapá) em embarcações e micro-ôni-bus até alcançarem a cidade de Saint-Laurent du Maroni em direção à fronteira leste, na cidade de Albina; iv) saem do Oiapoque em direção a Maripasoula para chegarem diretamente em importantes áreas de garimpo do Suriname, como, por exemplo, Benzdorp e Antino. Cumpre destacar que grande parte dos garim-peiros atravessa a fronteira sem portar documentos pessoais, além de viver em constante deslocamento entre os garim-pos do Suriname e da Guiana Francesa, realizando assim travessias periódicas.

O aumento do número de garimpeiros contribuiu significativamente para o desenvolvimento da exploração informal do ouro, que, junto com o tráfico de dro-gas e a remessa da diáspora surinamesa nos Países Baixos, passou a produzir lucros superiores quando comparado com os outros meios de captação de

recursos financeiros, como, por exemplo, a extração de bauxita e a agricultura. Isto posto, a extração informal e em pequena escala do ouro hodiernamente se traduz em um dos principais pilares econô-micos do Suriname, movimentando e dinamizando economias satélites como o mercado de alimentos, roupas, prosti-tuição e o fluxo de pessoas e produtos que se deslocam constantemente no eixo garimpo-cidade-garimpo (HOOG-BERGEN; KRUIJT, 2004; HÖFS, 2006). Tal situação é caracterizada como o aspecto econômico mais preocupante e delicado no país. Estudos da World Wildlife Fund (WWF) revelam que a garimpagem, atualmente, é considerada uma atividade indispensável para a economia suriname-sa, pois somente nesse setor movimenta-se mais de US$ 1,7 bilhões anuais (EVERS, 2010). Ainda no mesmo documento, ressalta-se a existência de poucas áreas com licenciamento para essa atividade, sendo que mais de 90% encontra-se em situação irregular, além de apontar que mais de 15 mil pessoas sobrevivem direta e indiretamente dessa atividade.

Com base em diversos estudos e rela-tórios, contendo informações próximas aos dados supramencionados, desde o início do século XXI, o Estado vem tentando assumir o controle da mine-ração em pequena escala. Todavia, os quilombolas têm os seus direitos asse-gurados, e o granman2 é considerado a autoridade máxima em seu território. Sendo assim, os brasileiros passam a ser o principal alvo nesse jogo de interesses político-econômicos, no qual o princi-pal objetivo é consolidar a presença do Estado nas áreas de garimpagem para controlar e fiscalizar a mineração a fim de ampliar a produção oficial do país – sendo praticamente toda ela situada em territórios quilombolas.

Cumpre mencionar que os quilombolas no Suriname desempenham importan-

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56))A presença brasileira nosgarimpos de ouro do Suriname: apontamentos preliminares

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EVERS, Ivo. Kleinschalige goudmijnbouw US$ 1,7 miljard waard. In.: De Ware Tijd, Binnenland, 23/04/2010. http://www.dwtonline.com. (acessado em abril de 2010).

HEEMSKERK, Marieke. Kleinschalige goudwinning in Suriname - Een overzicht van sociaaleconomische, politieke, en milieu-aspecten. Paramaribo: Centrum voor Studie en Documentatie van Latijns Amerika (CEDLA), 2009.

HÖFS, Carolina Carret. Yu kan vertrouw mi: você pode confiar. Dissertação de Mestrado em Antropologia. Universidade de Brasília (UnB), 2006.

HOOGBERGEN, Wim e KRUIJT, Dirk. Gold, garimpeiros and Marrons: brazilian migrants and ethnic relationships in post-war Suriname. In.: Caribbean Studies 32 (2), 2004. pp.3-44.

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te papel no cenário político e econômi-co do país, sendo um dos mais visíveis e atuantes nas Guianas e Caribe (RIBEIRO, 2006). Esse papel é ainda mais relevan-te quando consideramos sua partici-pação no setor da mineração do ouro em pequena escala, administrando e controlando áreas de garimpagem e, especialmente, providenciando e garantindo o transporte para o interior do país tanto de pessoas quanto de combustíveis e outros bens/produtos necessários para a manutenção dessa atividade (KAMBEL; MACKAY, 1999).

Vale ressaltar que os povos tradicionais não têm direito de exploração da área, e por lei não é permitido sublocar para o desenvolvimento da garimpagem. No entanto, de posse do discurso de direito conquistado pela ancestralidade da ocu-pação de seus antepassados que fugiram para a floresta e formaram os primeiros assentamentos quilombolas, durante o período da escravidão, os quilombolas empregam grupos de garimpeiros (em sua maioria em condição ilegal no país), estabelecem regras, fiscalizam e cobram taxas/impostos. Diante da quase inexis-tente presença do Estado nessas áreas, essas práticas acontecem livremente, sem controle e pagamento oficial de

tributos sobre os recursos extraídos pela atividade garimpeira. Sendo assim, a garimpagem do ouro, responsável atu-almente pelo maior volume produzido no país, circula livremente nos comércios das corrutelas3 e das demais cidades do país, sem falar na expressiva fuga de capitais ocasionada pelo contrabando e pela remessa ilegal de ouro para o Brasil, Guiana e Guiana Francesa.

Vulneráveis diante da situação de irre-gularidade, os brasileiros estão sujeitos a diversos riscos e prejuízos, pois os tribu-tos pagos para os quilombolas em nada garantem sua permanência e autorização para trabalharem, que são estabelecidas através de acordos verbais. É comum registrarmos, com base nos jornais surinameses e, principalmente, através dos relatos dos garimpeiros, situações de conflitos nas quais os garimpeiros são expulsos pelos quilombolas e perdem todo o investimento em máquinas e infraestrutura. Agregam-se aos referidos conflitos as diversas incursões do Estado surinamês, como, por exemplo, na Ope-ração Clean Sweep (2008), cujo principal objetivo era fiscalizar os garimpos e os garimpeiros para “combater a crimina-lidade e restabelecer a lei e a justiça” no Suriname (ZANDGROND, 2008).

Grande parte das investidas do Estado são voltadas para assumir o controle da mineração em pequena escala no país e, também, garantir o funcionamento das duas grandes empresas de mineração instaladas no país – a IamGold e SurGold (em diversos casos, garimpeiros e qui-lombolas desenvolvem a garimpagem em áreas de concessão dessas empresas).

Por fim, cumpre destacar que o garimpo no Suriname é uma atividade em cons-tante mutação e expansão, cujos confli-tos são cada vez mais constantes e com proporções maiores e mais desastrosas, pois o garimpeiro consegue se adaptar rapidamente às adversidades, conflitos e fiscalização, além de buscar novas áreas de garimpagem e técnicas de extração no meio da floresta. Convém ressaltar, como já assinalado anteriormente, que tanto a economia como grande parte da população (quilombola, indígena e urba-na) do Suriname são dependentes dos lucros gerados pela atividade da minera-ção do ouro em pequena escala. Portan-to, urge repensar as políticas praticadas em relação aos migrantes que trabalham na garimpagem, sendo necessário um redirecionamento drástico no âmbito das relações entre Estado-garimpeiros-quilombolas – e o reconhecimento da importância da presença brasileira para a economia surinamesa é o primeiro passo rumo à organização do setor da minera-ção em pequena escala.

Garimpeiros trabalhando na região do Manlobi, situado no Resort Tapanahony, Distrito de Sipaliwini, Suriname

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Novos olhares sobre o conceito defronteira nas Relações Internacionais

dades e expressões para a formulação de políticas públicas. Fronteiras passam a ser vistas como áreas férteis, que per-mitem identificar problemas e compar-tilhar soluções em comum. São locais que possibilitam o reconhecimento do outro, de suas identidades e culturas, elementos essenciais para o processo de integração regional.

Um dos resultados desse novo olhar é a subversão da ideia iminente de conflito e no campo social formula-se projetos adequados, específicos para a região transfronteiriça. Na vertente econômi-ca surge a possibilidade da integração regional, pautada pela cooperação multilateral e na militar, as ações de segurança nacional são divididas com atividades de assistência entre os Esta-dos. Aqui, as relações internacionais são pensadas a partir dos seres humanos que habitam esses locais. Eles se tornam essenciais para as tomadas de decisão em política externa, sejam pertencentes a um mesmo Estado ou não.

Para o Estado de Roraima, que convi-ve com a tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guyana1, pode ser vantajoso

Um dos desafios mais interessantes das relações internacionais contempo-râneas diz respeito ao pa-pel das fronteiras traçadas

pelos países ao longo da história. Os avanços na tecnologia dos transportes e da comunicação, somado às diversas necessidades migratórias facilitaram a locomoção de pessoas e informações, o que traz a sensação, muitas vezes comentada em uma roda de conversa, de que o mundo está menor, ou que vivemos sem fronteiras. Um dos pontos positivos suscitados por essas novas transformações é a possibilidade de considerar as fronteiras para além dos limites do Estado soberano. Nesse con-texto, indivíduos, com suas identidades e culturas, ganham lugar de destaque.

Imaginar as relações internacionais sem as fronteiras é uma tarefa difícil. As fronteiras são essenciais para o modo em que concebemos os Estados e vitais para a formulação de políticas domés-ticas e internacionais. Porém, pensar a fronteira de outra forma, como espaço de interação e cooperação, é um exercí-cio que pode trazer benefícios econô-

micos e sociais para as populações que vivem nessas áreas. Para isso, torna-se necessário repensar o tradicional con-ceito de fronteira, firmado nas relações internacionais com os acordos conhe-cidos como a Paz de Westfália, que estabeleceram o limite daqueles que estão dentro de um território nacional e os que estão fora desse lócus.

Nessa linha de pensamento tradicional, a fronteira é socialmente construída como o traço que separa dois países, dois estados, duas regiões administra-tivas, ou como definido pelo Dicionário Aurélio: “a extremidade de um país ou região, do lado onde confina com o outro”. Na vertente social, a fronteira é a negação do estrangeiro; na econômica é a proteção do comércio; no domínio militar é a barreira contra as ameaças e no político, trata-se do elemento vital da soberania e do poder do Estado.

Para além desse significado, a ideia de que as fronteiras extrapolam o exercí-cio da soberania nacional e de que são lugares de construções de narrativas identitárias pode trazer como contribui-ção o foco no indivíduo, suas necessi-

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Novos olhares sobre o conceito de fronteira nas Relações Internacionais

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1As denominações oficiais desses países são: República Federativa do Brasil, República Bolivariana da Venezuela e República Cooperativista da Guiana. De acordo com as reflexões de Oliveira, adotou-se no presente artigo a grafia Guyana, pois, para os guyanenses “Guiana é uma grafia que identifica a ex-colônia Britânica. Eles dizem que não são mais ‘Bristsh Guiana’ desde 1966, quando aconteceu a independência daquele país” (OLIVEIRA, 2010, p.7).

Júlia CamargoMestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Professora e chefe de departamento do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima- UFRR.

considerar esses outros olhares sobre a fronteira. Além das ações políticas, econômicas e infraestruturais e das tradicionais formas de diplomacia, é im-portante pautar os habitantes locais no centro das propostas desenvolvimentis-tas e cultivar a diplomacia cultural, que objetiva estabelecer o diálogo entre países por meio de suas expressões cul-turais. Nessa proposição, a ideia central para a região fronteiriça é o estabeleci-mento da confiança recíproca, estimu-lada por meio do conhecimento entre os povos e suas identidades.

Local de rica diversidade, em que brasileiros, venezuelanos e guyanenses se tornam denominações formais para explicar uma realidade multicultural que abarca povos indígenas como os Maku-xis, Wapichanas e outros, descendentes de Portugal, Índia, Espanha, países Afri-canos, Inglaterra, China, é aqui o ponto de encontro de expressões de diferentes línguas, religiões, tradições, cores, sabo-res, música, vestimentas. Cosmopolita por natureza, a tríplice fronteira apresen-ta culturas e tradições extraordinárias que merecem destaque e precisam ser incentivadas e compartilhadas.

Como as grandes cidades do mundo, com a diferença de situar-se às mar-gens dos grandes centros da sociedade internacional, atualmente, essa região também precisa refletir sobre como lidar com essa multiculturalidade no sentido de trazer benefícios e recursos para as populações locais. A interação positiva entre os países que com-põem a tríplice fronteira pode permitir abertura de mercados, investimentos estrangeiros, incremento do turismo, afinal um maior conhecimento sobre um país ajuda a promover também o aumento dos bens e serviços culturais exportados e, no âmbito doméstico, na geração de recursos e empregos.

Para as relações internacionais, as novas concepções de fronteira deslocam o papel do Estado soberano e centram o indivíduo como elemento de compreen-são entre regiões. A cultura nesse meio, vista tradicionalmente como potencial conflitivo, torna-se a variável primordial para o processo de integração regional local. Esse é o desafio de se pensar as fronteiras no mundo contemporâneo.

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D’ÁLMADA, M. da Gama. 1861 [1787]. Descrições Relati-vas ao Rio Branco e seu Território: 1787. In: Rev. Trimestral do Inst. Histórico e Geográfico do Brasil. Tomo XXIV, n 4, RJ. FARAGE. Nádia, 1991, As muralhas dos sertões: os povos indígenas do Rio Branco e a colonização, Paz e Terra/ ANPOCS. FERREIRA, Alexandre Rodrigues. 1983 [1787]. Viagem Filosófica ao Rio Negro. Museu Paranaense Emílio Goeldi. Belém-PA. HOMET, Marcel. 1959 - Os Filhos do Sol. Ed. Ibrasa - Instituto Brasileira de Difusão Cultural. São Paulo. KOCH-GRÜNBERG, Theodor. 1982 [1916]. Del Roraima al Orinoco. Tomo I e III Ed. Del Banco Central de Venezuela, Caracas. MEGGERS, B. e EVANS, C. 1960. Archeological investi-gation in British Guiana: Bureau of American Ethnology Bulletin 117, Smithsonian Institution, Washington-EUA. RIBEIRO, P. A. M. 1987. Projeto Arqueológico de Salva-mento de Boa Vista, Território Federal de Roraima, Brasil - primeira etapa de campo. Revista do CEPA, Vol.14. n 17. Universidades Integradas de Santa Cruz do Sul- RS. SAMPAIO, F.X.R. 1985 [1775]. Relação Geographica his-tórica do Rio Branco da América Portuguesa. In: As viagens do Ouvidor Sampaio (1774-1775). Associação Comercial do Amazonas, Manaus-AM

Shirlei Martins dos SantosProfessora do Departamento de História da UFRR; Gra-duada em Arquitetura e Urbanismo; Mestre em História, área de concentração Pré-Histórica pela UFRR. [email protected]

Este texto apresenta os resulta-dos de uma pesquisa sobre a dinâmica territorial, em um dos momentos mais conflituoso da história do ‘contato’, final do

século XVIII e início do século XIX, como forma de resistência dos indígenas frente aos europeus. A proposta envolve as configurações espacioculturais, em es-pecífico as características locacionais dos sítios arqueológicos com urnas funerá-rias, situados na região do alto rio Branco (Brasil) e do rio Rupununi (Guiana).

Cumpre, neste texto, citar os jogos de in-teresses dos indígenas identificados nos vestígios arqueológicos e dos portugue-ses encontrados nos relatórios oficiais do governo português. Nesse sentido, é importante considerar que os europeus não possuíam conhecimento suficiente do espaciocultural existente na Amazô-nia setentrional brasileira, para assentar com segurança suas aldeias e povoados, para cumprir o plano de ocupação das novas terras da Coroa, assim como, para a navegação e obtenção de alimentos sem a ajuda dos indígenas.

As marcas dessa história estão identi-ficadas na paisagem como remanes-centes das relações entre indígenas e europeus. Os vestígios da presença indígena, aldeias e acampamentos revelam a curta permanência dos gru-pos, cujos vestígios mais abundantes e duradouros do período são os cemité-rios, com urnas funerárias. Considera-se

que as tensões originárias das guerras intertribais, a pressão exercida pelos europeus e o receio de serem localiza-dos impediam os grupos indígenas de demorar-se mais de uma colheita no lugar. A estratégia era manter a dinâmi-ca territorial como forma de resistência frente à presença européia.

Nessa época os europeus também deixaram poucos vestígios de sua presença, predominando as construções temporárias executadas com materiais perecíveis, sendo o forte São Joaquim (1775) a primeira obra de pedra. Ocorre que, mesmo com a superioridade bélica e o conhecimento adquirido de outras regiões sobre os indígenas, os europeus não conseguiram manter os indígenas em seus aldeamentos e povoados na fronteira setentrional brasileira.

As informações utilizadas nas configu-rações espaciais foram retiradas dos primeiros relatórios oficiais realizados pelos portugueses nas estratégias de captura dos indígenas. Os relatos envolviam, entre outras informações, o registro da localização e do tipo de ocu-pação indígena. Os primeiros relatórios oficiais utilizados são os de Sampaio (1775), Ferreira (1789) e D`Álmada (1789) em que aparecem a localização das aldeias, dos acampamentos e das roças indígenas, além da denominação étnica dos grupos. Entre os grupos indí-genas, os mais citados são os paraviana, os macuxi, os taurepang, os uaicá e os

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Dinâmica territorial como resistência indígena

Brasil/Guyana

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uapixana, pertencendo aos primeiros a referência de práticas de enterramen-to de seus mortos em urna funerária (Sampaio, 1775; Farage, 1991).

Os conflitos externos e internos identi-ficados na primeira metade do século XVIII estão relacionados à chegada dos europeus e as relações comerciais inte-rétnicas, que passaram a envolver a tro-ca de objetos manufaturados de origem européia por escravos de grupos rivais. No inicio da segunda metade do século XVIII, a mudança na configuração espa-cial dos grupos indígenas mostra uma proximidade do rio Branco e de seus afluentes principais, o rio Tacutu e o rio Uraricoera. Isso graças ao chamamento europeu para a construção e ocupação dos aldeamentos portugueses e, em se-guida, dos povoados. Posteriormente, as péssimas condições de tratamento nos aldeamentos portugueses acabam au-mentando a tensão regional e eclodem inúmeras revoltas nos períodos de 1781 a 1787 e 1790. Como consequência, na última década do século XVIII a região estava deserta (Ferreira, 1787).

No início do século XIX, a área interfluvial dos rios Parimé e Surumu estava ocu-pada pelos uapixana – como presença dominante – e na proximidade estava o território dos uaicá e dos macuxi. Os ma-cuxi aparecem ocupando as terras a leste do rio Surumu até as montanhas Canucu; os uaicá (ingaricó) e os taurepangue (arecuna) fixaram-se nas serras das atuais

fronteiras com a Venezuela e a República Cooperativa da Guiana (Guiana). A loca-lização espacial das etnias registradas no início do século XX apresenta a mesma distribuição espacial do período anterior (Koch-Grunberg, 1917-28).

As configurações espaciais resultantes da dinâmica territorial dos grupos indígenas mostram que os acontecimentos do final do século XVIII favoreceram os deslo-camentos dos grupos indígenas para a região do rio Rupununi (Guiana), como também intensificaram as relações interé-tnicas. Muitos grupos desapareceram e/ou integraram-se aos grupos sobreviven-tes, como por exemplo, os paraviana que, os poucos sobreviventes, se integraram aos macuxi e permaneceram enterrando seus mortos em urnas funerárias.

As evidências sobre esses deslocamen-tos são identificadas nas urnas funerá-rias que, em sua maioria, apresentam em seu interior objetos que pertenciam aos indígenas. As urnas funerárias encontradas no lado brasileiro apre-sentam em seu interior, além dos ossos grandes e da caixa craniana, algumas contas de vidro de origem holandesa (Ribeiro, 1989); em uma das urnas foi encontrado duas moedas de bronze datadas de 1778 e 1786 (Homet, 1959).

As urnas funerárias encontradas no lado da Guiana possuem, junto com os ossos, uma maior quantidade e variedade de objetos manufaturados de origem

européia, obtidos na intensificação do contato europeu, principalmente no deslocamento dos grupos indígenas, do sul para o norte, no rio Rupununi. Entre os objetos destacam-se os fragmentos de louça inglesa, de vidro, as latas de conservas, as lâminas de barbear e os pedaços de ferro fundido. Em quantida-de e variedade marcante estão as contas de vidro (Meggers e Evans, 1960).

A localização das urnas funerárias e a data obtida nos objetos europeus mos-tram que os períodos dos deslocamentos indígenas situam-se entre 1750 e 1840. Nesse intervalo de tempo os trechos mais intensos são os deslocamentos da savana do rio Branco para a savana do rio Rupununi (1781 e 1800) e os desloca-mentos das aldeias do sul para o norte da montanha Canucu (1800-1840) (Meggers e Evans, 1960). As determinações dos períodos envolvem as datas de fabrica-ção dos objetos europeus marcando seu possível começo de utilização. Mas existe a possibilidade de alguns dos objetos terem sido usados pelos indígenas após seu descarte pelos europeus.

Os constantes deslocamentos das aldeias indígenas pelas savanas do rio Branco e do rio Rupununi apresentados neste tex-to de modo sucinto, como configurações espacioculturais de uma época de gran-des enfrentamentos e resistências, final do século XVIII e início do XIX, comple-mentam propostas referenciadas pelos autores apresentados nesta bibliografia.

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Reginaldo Gomes de OliveiraDoutor em História pela Universidade de São Paulo, Professor Associado do Departamento de História da Universidade Federal de Roraima, Coordenador Científico do Núcleo de Pesquisas Eleitorais e Políticas da Amazônia (NUPEPA), Pesquisador-Visitante na Uni-versidade de Guyana e na Universidade do Suriname.

Este artigo apresenta parte do resultado de experiência vivida em Oficinas Culturais que fo-ram realizadas pelo Núcleo de Pesquisas Eleitorais e Políticas

da Amazônia (NUPEPA), da Universidade Federal de Roraima, em parceria com a Organização dos Indígenas da Cidade (ODIC), na cidade de Boa Vista, Roraima. Tais Oficinas tornaram-se espaços de ex-pressão da trajetória histórico-cultural e sócio-política da experiência do índio no território urbano e na área rural (cidade e maloca), afim de buscar direitos e a reorganização da identidade étnica.

Cabe ressaltar que, embora as Oficinas Culturais concentraram as discussões acerca dos primeiros habitantes des-se espaço amazônico que, durante a construção histórica, foram incorpo-rando elementos específicos tais como relações comerciais e organizações de parentesco, redesenhou-se as fronteiras internacionais e nacionais, fortalecen-

do assim a concepção da Amazônia Caribenha. O território de fronteira entre Brasil, Guyana e Venezuela será o nosso foco de abordagem, cujo contexto de fronteiras amazônico-caribenho tem como interface o papel identitário dos indígenas, que se deslocam entre as di-ferentes trilhas terrestres e fluviais desse território internacional.

A complexidade sociocultural, geopo-lítica e de relações internacionais na convivência da fronteira entre os três países, herdeiros da cultura ibérica e anglo-saxão, ganha outras interpreta-ções quando inclui os povos indígenas no debate de construção da identidade cultural regional e fronteiriça. A literatu-ra etno-histórica indica os povos Karíb e Arawak como os dois principais troncos linguísticos, somado diferentes povos indígenas e distintas relações sociocul-turais, tanto no território da Amazônia Caribenha como no território das ilhas do mar Caribe. Esses povos considera-

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Brasil-Guyana-Venezuela e

algumas trilhas indígenas

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Vivendo em uma área extrema-mente acidentada, a alternativa mais rápida para que indígenas de aldeias localizadas nas fronteiras entre Roraima, Guyana e Venezuela se comunicassem era utilizar, de forma alternada, trilhas terrestres e fluviais.

dos como primeiros habitantes dessa região amazônica, durante as Oficinas Culturais comentaram sobre o enorme esforço em manter a identidade étnica e incorporar a cultura nacional de cada país sem perder o modo de ser índio no contexto amazônico-caribenho.

Outro aspecto relevante para caracteri-zação do territóro da Amazônia Cari-benha é a comunicação entre as trilhas indígenas fluviais e terrestres demarca-do como ilha. Defendo essa denomina-ção com base na cartografia histórica que compreende o litoral Atlântico Norte entre o delta do rio Orinoco, na Venezuela, e do rio Amazonas, como primeira trilha das águas, marcando a primeira área colonizada na região. Seguindo o caminho das águas como outras trilhas indígenas que denomi-nam as fronteiras no interior da Ama-zônia Caribenha, verifica-se o desenho fluvial pela margem esquerda do rio Amazonas e do rio Negro, pelo Canal de

Cassiquiare, entre o Brasil e a Venezue-la, e a margem direita do rio Orinoco.

Nesse contexto, os rios são de difícil na-vegação em decorrência das cachoeiras e das serras que formam uma espécie de muralha natural entre o interior e o litoral. A complexidade geográfica de-senhada pelo planalto das Guianas, Tu-mucumaque e outras serras de pequeno porte, marca os limites das fronteiras nacionais e internacionais nessa ilha amazônico-caribenha.Isso posto, discutir a cultura, a diversida-de das trajetórias históricas e as trilhas indígenas amazônico-caribenha foi o desafio dos grupos indígenas que par-ticiparam das Oficinas Culturais, entre 2008 e 2010. Atualmente, os povos indí-genas fazem uso das antigas trilhas dos ancestrais, dominam o conhecimento da malha de comunicação fluvial e terrestre na região, auxiliando grupos indígenas a deslocarem-se de forma semelhante ao do passado, conduzindo os viajantes ao

litoral e para o interior e vice versa, ora navegando, ora caminhando até o próxi-mo rio em direção ao destino desejado.

Assim como no passado e no presente, os indígenas Karíb e Arawak reconhecem o território como pertencente aos ances-trais, sem no entanto, identificar as marcas das fronteiras internacionais entre Brasil/Guyana/Venezuela na região rural ou no território das malocas. Contudo, é no contexto urbano que os indígenas obser-vam a necessidade de se expressarem na cultura portuguesa, inglesa ou espanhola respeitando as normas burocráticas das relações internacionais. É nessa caminha-da dos índios entre as trilhas - fluvial e terrestre - entre o interior (rio Branco) e o litoral amazônico caribenho que se fortale-cem as trocas socioculturais nas fronteiras internacionais. Desse modo, a região do rio Branco representa um caminho impor-tante de ligação entre o litoral e a bacia do rio Amazonas, como lugar de diversidade sociocultual e fronteiras transnacionais.

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Elói Martins SenhorasEconomista e cientista político, professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Outros artigos do autor podem ser encontrados em http://works.bepress.com/eloi.Endereço para contato: [email protected].

Marcada por uma dualida-de intrínseca de contato e separação, que atrai e repele, a fronteira trata-se de uma zona híbrida

de forças centrípetas e centrífugas que pode ser melhor observada principal-mente naqueles pontos fixos de intera-ção mais intensa como as cidades-irmãs, que tanto representam os limites da ter-ritorialização nacional, quanto os pontos de reterritorialização internacional.

As cidades-irmãs são áreas singulares construídas em cada lado das frontei-ras que demonstram bem a hibridez fronteiriça marcada por objetos técnicos característicos como os fortes, os quar-téis, as aduanas, os postos de fiscalização e por ações humanas de instrumentaliza-ção diplomática, efetuada por diplomatas e pelos presidentes, como agentes da política externa, e paradiplomática, efeti-vada pelos representantes subnacionais, como prefeitos, e pelas ações individuais e coletivas das pessoas, por meio de uma série de fluxos culturais, sociais, econômi-

cos e políticos que são convergentes ou conflitivos, legais ou ilegais.

Ao se tomar em consideração o estudo empírico das cidades-irmãs de Lethem, na Guiana, e Bonfim, no Brasil, ou ainda, Santa Elena del Uairén, na Venezuela, e Pacaraima, no Brasil, observa-se que estas apresentam um desenvolvimento aco-plado que se caracteriza por um intenso padrão de interação transfronteiriço capilar oriundo do livre fluxo de consu-midores, comerciantes e garimpeiros, os quais se aproveitam de corredores rodo-viários - BR401 e BR174 - que recortam zonas fronteiriças do tipo tampão natural e indígena, a partir do nódulo central da capital roraimense, Boa Vista.

Nesta interação transfronteiriça capilar presente entre as cidades-irmãs de Bonfim e Lethem ou de Pacaraima e Santa Elena del Uairén estão presentes uma série de fluxos e trocas difusas entre as localidades, tanto no perímetro urbano quanto rural, que são anteriores a qualquer projeto nacional de integração regional, já que são

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Dinamismo fronteiriço entre cidades-irmãs do

Brasil, Guyana e Venezuela

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estimulados pela diferença de câmbio e de qualidade dos serviços sociais, especial-mente na área de saúde.

Quando se analisa os fluxos migratórios que percorrem o corredor de passagem destas cidades-irmãs, é registrado que o Brasil exerce uma grande atração para imigrantes guianenses, dados os dife-renciais de salário e outros benefícios obtidos por trabalhadores nestes países, mas também externaliza fluxos de mi-grantes brasileiros atuantes no garimpo e que formam uma população flutuante numerosa na Guiana vis-à-vis à atração da fronteira Venezuelana que absorve comerciantes, trabalhadores e turistas oriundos do Brasil.

As diferenças existentes em termos infraestrutura social entre as cidades brasileiras, com suas contra-partes na Venezuela e na Guiana, acabam por estimular um processo de complemen-taridade, baseado na mobilidade popu-lacional dos guianenses em direção ao Brasil para a utilização dos serviços de

saúde que são oferecidos por um siste-ma universal gratuito, fato este que cria um problema de pressão para as políti-cas públicas locais, haja vista que muitas guianenses e venezuelanas procuram dar a luz a seus filhos no Brasil a fim de garantirem um sistema de proteção social mais adequado a seus filhos.

De um lado, estas considerações cor-roboram para a compreensão de que embora Lethem tenha uma população e uma economia menor que Bonfim, ela se tornou em um dinâmico entreposto comercial, incluindo guianenses, brasi-leiros e mais recentemente chineses que realizam negócios entre si, o que gera uma série de influências recíprocas, com vazamentos de renda do Brasil para a Guiana, e com vazamentos populacio-nais da Guiana para o Brasil.

De outro lado, a realidade da zona fronteiriça Brasil-Venezuela, também é parecida, porém com uma dinâmica mais complexa e bem menos linear, já que as cidades gêmeas de Santa Elena

del Uairén e Pacaraima têm um nível de assimetria menor, o que leva a transbor-damentos recíprocros de fatos positivos e negativos, destacando-se vazamentos de renda entre ambas as cidades, porém com destaques na atração comercial e de turismo pela Venezuela.

Pensar a dimensão territorial do desen-volvimento roraimense e da sua interna-cionalização em marcos de integração regional na América do Sul passa pela necessidade de se trabalhar a regionali-zação internacional desde uma perspec-tiva de baixo para cima, na qual a coo-peração transfronteiriça possa se tornar em um mecanismo de desenvolvimento das cidades-irmãs, quando permeada pela construção de uma governança de múltiplos níveis, tanto por verticalida-des acionados pelas políticas públicas e pelas ações diplomáticas, quanto por horizontalidades induzidas pelos atores presentes nas cidades-irmãs.

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O limiar da imagem na fronteira do olhar

Imagem 01: José Joaquim Freire. Mapa hidrográfico da Bacia Amazônica em 1787.Fonte: Biblioteca Nacional - RJ

Maurício E. Zouein Coordenador do Núcleo de Pesquisa Semiótica da Ama-zônia - Líder do grupo Linguagem, Cultura e Tecnologia - Linha de pesquisa Imagem, Audiovisual, Cinema e Memória (CNPq) - Professor do Curso de Comunicação Social - UFRR

Iniciamos a reflexão sobre o limite interpretativo da imagem delimitan-do a habilidade do olhar. Para tanto utilizamos três imagens que repre-sentam o Forte São Joaquim situado

na margem oriental da foz do Rio Tacutú que deságua no Rio Branco. Principia-mos por considerar dois paradigmas, o pré-fotográfico que traz uma aquarela de Codina1 em 1785 e um mapa de Freire2 em 17873. Esse paradigma se distingue por meio da produção da imagem quan-do se materializa na qualidade visível dos traços que estão sujeitos à tela, pincéis, tintas e ao olhar do artista.

O segundo paradigma, o fotográfico, consiste no método em que o sujeito ma-nipula determinado equipamento para produzir imagens dentro de um processo automático de captação da realidade.

O fotógrafo alemão George Huebner4 se estabeleceu em Manaus, Amazonas, no final do século XIX. A qualidade de suas fotografias inspirou Constantino Nery, até então governador do Amazonas, a produzir em 1904 e lançar em 1906, o

álbum comemorativo “O Valle do Rio Branco” com oitenta e cinco (85) imagens que mostravam o interior do estado do Amazonas. Huebner conduziu o foco da sua câmera para vários assuntos, inclusi-ve a decadência do Forte São Joaquim.

A imagem possui informações sociais, econômicas, políticas e culturais numa perspectiva qualitativa. O olhar enfatiza a qualidade da imagem ou a imagem se qualifica para a necessidade do sujeito?

Perceba que na imagem 01 o símbolo vermelho, que representa o Forte S. Jo-aquim, se assemelha apenas à forma do Forte. O limite interpretativo se detém na imagem qualificada para dar notícia da existência de uma fortaleza.

Na produção de uma aquarela o alcance do olhar se limita à qualidade da técnica em representar a realidade sob as cores e traços do artista. A imaginação ou imagem mental pode não reconhecer fronteiras, mas é amparada pela crença em algo que não podemos olhar ou perceber como real.

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1 Em abril de 1790 Ferreira e seus auxiliares seguiram em direção a Cuiabá. Durante a exploração da Gruta do Inferno e a Gruta das Onças, faleceu o desenhista, pintor, copista e aquarelista Joaquim José Codina.2 José Joaquim Freire. Pintor aquarelista, desenhista, riscador. Segundo-tenente cartógrafo da Marinha Real Portuguesa, é aluno de João de Figueiredo.3 Durante os anos de 1783 a 1792, aconteceu a expedição Viagem filosófica, comandada por Alexandre Rodrigues Ferreira, enviada ao Pará, Amazonas e Mato Grosso pelo Real Gabinete de História Natural do Museu de Ajuda de Lisboa, sob o reinado de dona Maria I. Realizam croquis e desenhos aquarelados que documentam as atividades artesanais e utensílios da população nativa, espécimes da fauna e da flora, vistas de cidades e vilas, construções arquitetônicas, embarcações.4 *Dresden, 1862 - +Manaus, 1935

Imagem 02: Prospecto da Fortaleza de S. Joaquim e Porto do Forte São Joaquim.

Imagem 03: Grupo geral da expedição Jacques Ourique no Forte São Joaquim.Autor: George Haubner em 1904.Fonte: Livro O Valle do Rio Branco, edição de 1906.

O ato fotográfico, por sua vez, favore-ce o processo de análise da verdade representada ou fragmento da realida-de selecionada pelo fotógrafo, o que estimula a compreensão crítica e sensível da imagem. É o que podemos perceber na imagem 03 ao nos depararmos com uma estrutura capaz de ser mensurada ao compararmos as pessoas em pé na muralha do Forte.

Neste caso, a qualidade da fotografia impõe um limite de tempo e simulta-neamente a qualifica para representar o contexto do objeto fotografado. Ao sobrepor a fotografia de Huebner na aquarela de Codina, conforme a ima-gem 02, alcançamos um novo cenário. Revelamos a imagem física que antes era mental, mas não conseguimos limitá-la.

Tempo e espaço se liquefazem na velocidade da interpretação provando que a imagem é ciência, mas também é arte; que a imagem é sempre maior que qualquer sujeito, que qualquer fronteira, que qualquer olhar.

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ÉDER RODRIGUES

TV Publica

Pelo trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Rádio e TV Univer-sitária (NRTU) da UFRR, a TV Brasil avança a passos largos para os países vizinhos de

língua inglesa e espanhola e revela estes contextos até então desconhecidos do restante do País e da grande imprensa. Com profissionalismo e coragem a equi-pe do NRTU tem demonstrado ao Brasil que é possível fazer conteúdo audiovisu-al de qualidade em regiões distantes dos grandes centros, com baixo orçamento e contando com as parcerias certas.

Para isso, o NRTU venceu três desafios nos últimos anos. O primeiro é o da legalização da emissora. Foi em 2009 que a administração superior da UFRR iniciou o diálogo com o Ministério das Comu-nicações para garantir a publicação de portaria que formalizou, em setembro do mesmo ano, a concessão da TVE (canal 02) para a UFRR. A decisão do Ministério também permitiu que a emissora fosse geradora de programação.

Mesmo que o repasse da estrutura e do sinal da antiga TVE tenha sido

Quem assiste a TV Brasil vê o país e as suas fronteiras territoriais, culturais e sociais como elas são

concedido no início da década de 90 pela prefeitura de Boa Vista à UFRR no âmbito estadual, o processo de legali-zação oficial do uso do sinal necessitava do aval da Empresa Brasil Comunicação (EBC). “Desde o início nossa vontade era de que a TV da UFRR tivesse o papel de geradora do sinal no Estado e não apenas de retransmissora da programa-ção da TV Pública”, explica o Reitor da UFRR, professor Roberto Ramos, que em visita ao ministro Hélio Costa, também manifestou o interesse de implantar a rádio FM da UFRR. O resultado das ações

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As fronteiras da televisão pública

na região norte do País

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foi positivo e tanto a TV quanto a Rádio ganharam novo impulso.

CONTEÚDO

O segundo desafio da TV foi produzir conteúdo. Com a chegada de novos técnicos administrativos, admitidos por concurso público; novas vagas de está-gio para estudantes de jornalismo; aqui-sição de equipamentos e de transporte próprio, a UFRR permitiu que o NRTU entrasse em uma nova fase. “Discutimos com toda a equipe quais temas seriam interessantes produzir em âmbito local para projetarmos na programação e o quê sugerir para exibição em rede nacio-nal na TV Brasil”, explicou a jornalista e diretora do NRTU, Marleide Cavalcante. Ela afirma que o fato que mais chamava a atenção dos produtores de outros estados era o desconhecimento dos bra-sileiros em relação às fronteiras. “O Brasil não tem dimensão da realidade das suas fronteiras. A TV da UFRR precisava fazer com que eles percebessem esta reali-dade com reportagens interessantes e bem produzidas. Esta foi uma excelente oportunidade”, destacou.

EXIBIÇÃO NACIONAL

O último grande desafio foi a exibição. Em âmbito nacional, ao iniciar as trans-missões, em dezembro de 2007, a TV Brasil atendeu a uma antiga aspiração

da sociedade brasileira por uma televi-são pública, independente e democrá-tica. Este sinal, em Roraima, é retrans-mitido pela TV Universitária, canal 02. Portanto, após a outorga do Governo, a TV também teve a chance de enviar matérias para exibição nacional. Pela pri-meira vez, reportagens produzidas por estudantes e profissionais de Roraima estão sendo exibidas de forma contínua, com espaço em rede garantido.

FRONTEIRA COMO PAUTA JORNALÍSTICA

Marleide Cavalcante lembra que a primei-ra reportagem sobre a realidade fronteiri-ça, desta nova fase na emissora, abordou a construção da ponte sobre o rio Tacutu, que separa o Brasil da República Coo-perativista da Guyana. A matéria teve grande repercussão. Depois foram feitas uma série de reportagens sobre fronteira do Brasil com a Venezuela.

Nesta última, a equipe abordou situa-ções que ocorrem na região de fronteira do Brasil com a cidade Venezuela de Santa Elena de Uairén, que fica a cerca de 230 quilômetros de Boa Vista (RR). Foram feitas reportagens inéditas que mostraram desde irregularidades que são cometidas como o descaminho de combustíveis, passando pelo tráfico de pessoas e exploração sexual, aspectos econômicos, como a desvalorização do

bolívar forte (moeda venezuelana) fren-te ao Real; agricultura familiar orgânica, praticada em lugares de baixa tempera-tura, dentre outras. Todas foram exibidas em rede nacional.

PRODUÇÃO

A jornalista e produtora de TV, Raphaela Queiroz, explica que fazer TV na frontei-ra exige conhecimento da região e dos trâmites para evitar problemas com a fiscalização. “É um trabalho profissional que exige atenção e determinação”, alerta. Ela diz que são várias as etapas que precisam ser vencidas para fazer uma reportagem fora do país, sobretudo quando se utiliza equipamentos e trans-porte de instituições federais.

“Primeiro a Gerência Operacional (GEOP/UFRR) fez uma solicitação de uso de veículo no exterior junto a Polícia Federal com 20 dias de antecedência da viagem. Em segundo lugar levanta-mos toda a documentação dos equipa-mentos com seus respectivos tomba-mentos, justificando o uso a serviço da rede nacional. Depois providenciamos a portaria de cada servidor (cinegra-fista, repórter, produtor e motorista). Também juntamos os documentos de entrada e saída de equipamentos de filmagem junto a Receita Federal e, por fim, os cartões de vacina dos integran-tes da equipe”, salientou.

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DE VOLTA A GUYANA

Na Guyana, o trabalho do NRTU ganhou nova dimensão, com contornos de aven-tura na selva. Com o interesse nacional em pauta, as equipes de telejornalismo afinaram o diálogo com professores e pesquisadores da UFRR lançando o convite para que alguns deles partici-passem do deslocamento até a capital do país de colonização inglesa. Depois dos contatos com a embaixada e o con-sulado para expor os interesses da UFRR, a equipe saiu de Boa Vista para a capital do País, Georgetown, pela BR 401.

Em Georgetown, a participação dos professores foi decisiva para a construção do discurso científico na reportagem, proporcionando um produto final de 25 minutos. Foram tratados temas nas áreas de história, geografia e antropolo-gia, como a ocupação das Guyanas, as comunidades indígenas, dentre outros. A reportagem foi exibida em junho de 2011 no programa Caminhos da Reportagem, da TV Brasil, com alcance internacional.

“Nesta viagem, andamos escoltados por policiais, já que mulheres e crianças pre-cisam de proteção especial na Guyana por causa das implicações sociais daque-le país. Outro desafio foi o idioma, uma vez que o inglês está misturado com do dialeto crioulo praticado na Guyana, por isso é diferente do britânico”, disse Ca-valcante, ressaltando ainda que por con-ta do péssimo estado das estradas e de outros imprevistos, a viagem que teria seis horas, demorou 18. “No trajeto que liga as cidades de Nabu e Linden, por exemplo, havia um caminhão tombado e isso fez atrasar mais ainda a nossa che-gada. É uma região perigosa por conta da prática do garimpo. A ocorrência de ataques e furtos são comuns”, lembra. CAMINHOS DA REPORTAGEM

Com uma hora de duração, o Cami-nhos da Reportagem da TV Brasil viaja pelo país e pelo mundo atrás de grandes histórias. O programa exibido em junho teve como tema a Guyana, país que faz fronteira com Roraima, ao norte do Brasil. Esta edição foi produ-zida pela TV Universitária de Roraima, afiliada da TV Brasil no estado. O programa mostrou como foi o pro-

cesso de colonização da Guyana pela Inglaterra, bem como as influências africanas e indianas no país. Abordou as características semelhantes dos países que compõem a região, conhecida por pesquisadores como Amazônia Caribenha, formada por Guyana Espa-nhola (atualmente Venezuela), Guyana Britânica (Guyana), Guyana Holandesa (Suriname) Guyana Francesa (Departa-mento da França) e Guyana Portuguesa (Brasil, como parte do território entre os Estados do Amapá e Roraima).

O programa é feito pelas redações da TV Brasil de Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e por TVs estaduais parceiras da emissora. O desafio é sempre trazer aos telespectadores uma visão diferente, instigante e complexa de cada um dos assuntos escolhidos, segundo realidades tão distintas e sempre com o olhar das pessoas que vivem estas histórias. Com uma linguagem simples, direta e uma edição primorosa, o programa aborda temas que estão por toda parte, mas que só uma grande reportagem, feita com esforço, pode desvendá-los. Cami-nhos da Reportagem é transmitido pelas 22 emissoras estaduais e universitárias parceiras da TV Brasil, em todo o país, além da TV Brasil Internacional.

Reunião da equipe do NRTU e professores da UFRR com o primeiro ministro da Guyana, Samuel Hinds

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Cultura

A Rádio da UFRR, que com-põe o complexo do Núcleo de Rádio e TV Universitária (NRTU), iniciou em 9 de julho de 2011, os testes

para a transmissão de programação em caráter experimental.

De acordo com a direção do Núcleo, esta fase é o momento de analisar as frequências, o raio de alcance, o poten-cial dos equipamentos de transmissão, produção e edição. A FM 95.9 alcan-ça o município de Boa Vista e outras cidades vizinhas. “Queremos fazer uma programação com qualidade, dirigida a comunidade acadêmica e a sociedade em geral, com programas jornalísticos e culturais”, explicou a diretora do NRTU, jornalista Marleide Cavalcante.

A Rádio da UFRR está vinculada a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e começou transmitindo, na fase expe-rimental, o sinal da Rádio Nacional da Amazônia e Rádio MEC. Além da con-

cessão oficial para funcionamento, au-torizada em Brasília pelo Ministério das Comunicações, por meio do trabalho da Reitoria da UFRR, o Núcleo recebeu equipamentos de alta tecnologia e destinou uma sala para os trabalhos de radiojornalismo e outros programas.

O técnico administrativo do NRTU, Renato Rocha, que é responsável pela instalação e manutenção dos equipa-mentos, afirmou que o sinal da rádio tem raio de 70 quilômetros, contando com o novo transmissor adquirido pela UFRR.

O reitor da UFRR, Roberto Ramos, afirmou que este é um novo empreendi-mento de comunicação no Estado, onde a UFRR será beneficiada tendo uma estrutura e equipamentos de qualidade, contribuindo também com as aulas em laboratório para professores e alunos.

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Rádio da UFRR marca novo tempo

para a comunicação pública

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Cultura

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Diariamente os jornais mostram ataques terroristas, guerras religiosas, revoltas populares. Retratam um verdadeiro caos. Na contramão do noticiário,

a UNESCO declarou que os primeiros dez anos do século XXI representariam a “Déca-da Internacional da Cultura da Paz”. Porém, vimos vários acontecimentos contrários a esse pensamento. Tudo retratado em imagens fortes, revoltantes.

Mas, e se fôssemos retratar a paz? Que imagens estampariam essas manchetes? O projeto Fotografia para a Paz seguiu esse contra-discurso. Munidos de câmeras

fotográficas, simples ou sofisticadas, os participantes buscaram em seus próprios cotidianos, reconhecer realidades de paz, registrando momentos de solidariedade, gentileza, bondade, diversidade, ideias so-ciais. Um exercício simples, mas que exige o olhar afinado de quem busca a paz nos pe-quenos detalhes. Nas páginas a seguir, eles mostram que alcançaram esse objetivo. O projeto foi idealizado pelo pesquisador Fabrício Carrijo da Universidade Autonoma de Barcelona e ministrado em Roraima pe-las professoras Júlia Camargo, do curso de Relações Internacionais e Maria Alejandra Rosales, do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena, da UFRR .

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Júlia Camargo

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Fabrício Carrijo

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Maria Alejandra Rosales

Mary Pietro

Claudir Cruz

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Daniel Soares

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Palê Zuppani

Denise Figueiredo

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Maria Alejandra Rosales

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Lanne Prata

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ÉDER RODRIGUES

Cinema

O filme documentário de média metragem (52’), Nas Trilhas de Makunaima, diri-gido pelo jornalista Thiago Bríglia, em 2007, é resultado

do refinamento do cinema etnográfico praticado em Roraima. O gênero (a exemplo de outros) ainda necessita de maior projeção e distribuição no Brasil e no exterior. Mas, o “Nas Trilhas” insere Roraima na cena de filmes etnográ-ficos de qualidade, desta vez, produzidos a partir de recursos do programa DOC TV, do Ministério da Cultura (MinC). O filme de Bríglia é hoje visto no Brasil e no mundo por meio das janelas de exibição que o programa do MinC articula, como por exemplo, os canais da TV Cultura e SESC TV. Porém, ainda é pouco frente à importância histórica do material feito com baixo orçamento, fato que faz com que seus autores tenham esforço redobrado para alcançar os objetivos. “Nas Trilhas” é uma referência de captação de imagens, desenho de som, direção musical, cenogra-fia, fotografia e tem sido ‘escola’ na Amazô-nia para outros realizadores. O começo e o final do filme trazem rápidas animações narradas em língua indígena que contam a lenda sobre o surgimento do índio Makunaima (no encontro entre a lua e o sol). Depois, entram imagens do Monte Roraima (tepuy), sob trilha sonora de contornos regionais, feita pelo produtor musical Cláudio Lavôr. A direção de foto-grafia ficou a cargo de Jorge Macêdo.

Formas e intepretações sobre o mito Maku-naima são trazidas no filme pelas narrativas dos habitantes do entorno do Monte Rorai-ma, como lideranças taurepang, macuxi e ingarikó. Além das importantes narrativas orais de anciões, líderes indígenas, turistas brasileiros e venezuelanos, outro ponto alto é a clareza do embasamento científico expresso por estudiosos do tema, como os

professores Erwin Frank (falecido em 2008) e Odileiz Souza Cruz, ambos da Universida-de Federal de Roraima, e a jovem professo-ra macuxi, Fabrícia Teixeira. Bríglia utiliza a locução (off) para falar da importância das pesquisas realizadas em 1911 pelo etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg, que entre relevantes estudos etnográficos que fez (incluindo o primeiro registro audiovisual entre estes índios no Brasil), registrou as interpretações dos índios Arekuna e Taurepang sobre o mito. O registro histórico de Grünberg é consi-derado bibliografia básica para estudantes das Ciências Sociais, sobretudo o livro Do Roraima ao Orinoco, lançado quase 100 anos depois do original, em alemão, em língua portuguesa (Unesp, 2005). “Todo mito é desenvolvido num passado, que ao mesmo momento é o ponto da criação da atualidade. Os elementos da atualidade são criados em atos que nos parecem fantásticos. Por isso chamamos de mitologia. São diferentes ações destes heróis que criam um momento,” diz o antropólogo Erwin Frank, cujo registro de Bríglia é uma rara aparição do estudioso (também de origem alemã) no cinema. A linguísta da UFRR, professora Odileiz Cruz, autora de importante dicionário da Língua Macuxi, inspirada nos trabalhos de Grünberg, explica que a fonte de inspiração, por exemplo, da obra ‘Macu-naíma’, de Mário de Andrade, foi também Koch-Grünberg. “Mas a versão de Mário tem um papel jocoso. Foi uma visibilida-de que ele tentou fazer com a caricatura inspirada em Makunaima, na qual ques-tionou raças e etnias”, diz. Por estes e outros depoimentos, além das imagens da expedição de Marechal Rondon que esteve no Monte Roraima em 1927, Nas Trilhas de Makunaima é obra es-sencial que deve ser consultada por quem se arrisca no cinema etnográfico.

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Uma viagem cinematográfica nas trilhas de Makunaima

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A panela de barro macuxi é re-sultado de um conhecimen-to que ultrapassa gerações.

Produzido, dirigido e nar-rado pela jornalista, fotógrafa e profes-sora da UFRR, Andrezza Mariot, o curta metragem Innî Macuxi: Uma Leitura Semiótica, mostra partes de um rica cultura da etnia macuxi para as telas: a produção das panelas de argila feitas pelas índias daquela região.

Os índios Macuxi representam a maior etnia do estado de Roraima. Por ali a riqueza cultural pode ser percebida facilmente também nas danças, como o ritual sagrado do parixara e aleluia; na culinária com a damorida, prato composto de caldo, peixes, pimentas e temperos; nas competições esportivas, no artesanato e muito mais.

O documentário de cinco minutos se concentra em mostrar o processo de extração e seleção da matéria-prima, o barro, até o refinamento das panelas, que são comercializadas há décadas no estado de Roraima e exportadas.O filme de Mariot teve a contribuição da equipe da TV Universitária (TVU) e é resultado do Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo, sob orientação

do professor Maurício Zouein. Mostra com boa qualidade fotográfica, som e entrevistas, o árduo trabalho das índias, tais como a procura pela argila especí-fica que é retirada de serras próximas à comunidade, o ato de carregar o barro extraído em recipientes nas costas, o barro sendo batido e as técnicas utiliza-das. Impressiona a habilidade manual do trabalho de acabamento das peças.

Narrado pela própria autora, o texto traz informações sobre a geografia da região da Raposa, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde foram esco-lhidas as locações do filme. Persona-gens como as artesãs indígenas Joana Fidélis, Ivani e Zilda Raposa falam do aprendizado com as matriarcas e desta expressão cultural, que tem gerado renda para a comunidade.

O filme é uma rápida aventura pela cultura macuxi, seus hábitos e luta pela perpetuação da identidade. As índias sabem como extrair do solo a essência para o seu trabalho. Andre-zza também soube extrair da cultura Macuxi não só a essência da antiga arte, mas o valor destas mulheres, que merecem respeito e admiração.

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ÉDER RODRIGUES

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Cinema etnográfico em Roraima: As panelas de barro

O filme é mais uma importante obra audiovisual roraimense que retrata o potencial de temas que os realizadores do cinema etnográfico autoral podem trabalhar

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Literatura

A obra foi lançada pela Editora Gramma (RJ)

É o Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carlos Alberto Franco da Silva, também bolsista de Produtividade em Pesquisa do

CNPq, quem faz o prefácio da obra: Territó-rio, Sexo e Prazer: Olhares Sobre o Fenômeno da Prostituição na Geografia Brasileira, orga-nizado por Miguel Angelo Ribeiro (UERJ) e Rafael da Silva Oliveira (UFRR), lançado em julho de 2011 pela Editora Gramma (situada no Rio de Janeiro). A obra trata de resgatar um conceito-chave da ciência geográfica que é o território e suas articulações com a prostituição e suas manifestações com o urbano. Diz Carlos Alberto ao prefaciar o livro que “(...) apesar de toda tentativa de adestramento, regulação e normatização do prazer e do desejo sexual, a prostituição se reinventa num movimento que caminha junto com as transformações dos modos de produção sem deixar de ser prostituição. São territórios em perpétuo desarranjo e disjunção, apesar de uma certa ordem interna imposta pelas diversas territorialidades constitutivas da prática sexual”. Na apresentação da obra, os organizadores deixam claro que o tema “prostituição” representa um desafio à enorme varieda-de de temas inovadores explorados pela ciência geográfica. Afirmam que a Geogra-fia contempla um leque extraordinário de temas e, particularmente, a prostituição é assunto atraente para muitos e repulsivo para alguns. “Para a geografia, a prostituição, por meio de seus atores sociais – prostitutas (traba-lhadoras do sexo, call-girls, garotas da pista, acompanhantes, scort girls), prostitutos (michês, rapazes de programa, boys) e travestis –, é um dos componentes da orga-

nização/reorganização do espaço, materia-lizando territórios com suas territorialidades e seus significados. Por isso, torna-se tema relevante no âmbito geográfico, procu-rando compreender parte da dinâmica de apropriação do espaço urbano pelos diferentes segmentos da prostituição, tanto na cidade do Rio de Janeiro quanto em diversas cidades brasileiras”, assinalam. Vale ressaltar que o professor Rafael Oliveira (UFRR), um dos organizadores da publica-ção, também é doutorando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP). Ele assina o artigo sob título As Redes de Brasileiras para o Trabalho Sexual nos Garimpos da Guiana, Suriname e Vene-zuela, preenchendo importante lacuna de informações científicas na fronteira norte do país sobre o tema. O time de escritores é composto pelo professor doutor Miguel Angelo Ribeiro (UERJ), Professor M.Sc. Rafael da Silva Olivei-ra (UFRR); professor doutor Benhur Pinós da Costa (UFSM); geógrafo Gessé da Silva Maia; professor M.Sc. Ivan Ignácio Pimentel (rede de ensino Miguel Couto), geógrafo Jan Carlos da Silva, professora doutora Joseli Maria Silva (UEPG); professora M.Sc. Luciana Rachel Coutinho Parente (UPE), professor M.Sc. Márcio José Ornat, (UEPG); professor M.Sc. Rogério Botelho de Mattos (IBGE e rede pública estadual do Rio de Janeiro); e a estudante de Geografia Ana Carolina Santos Barbosa (UERJ). O livro destaca as geografias da prostituição, sobretudo nas cidades do Rio de Janeiro e Recife, nas áreas de garimpo na fronteira norte do país e na localidade de Ponta Grossa (PR), lugares reterritorializações de grupos sociais marginais ou não à ordem moral constituída. Leitura essencial para os estudiosos de temas ligados à geografia, história, psicologia e questões de fronteira.

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A obra é constituída de dez artigos produzidos a partir de pesquisasda geografia brasileira entre o final dos anos 90 até os dias atuais

Território, Sexo e Prazer:O fenômeno da prostituição na geografia brasileira

ÉDER RODRIGUES

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