Tica utilitarista-exerccio

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1 www.raizeditora.pt Filosofia 10.º ano | Adília Maia Gaspar; António Manzarra A ética utilitarista Título: O critério de moralidade do utilitarismo Autor e obra: Stuart Mill, Utilitarianism Texto

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1 www.raizeditora.pt Filosofia 10.º ano | Adília Maia Gaspar; António Manzarra

A ética utilitarista

Título: O critério de moralidade do utilitarismo

Autor e obra: Stuart Mill, Utilitarianism

Texto

O critério de moralidade do utilitarismo

«A doutrina utilitarista defende que a felicidade é desejável, e é a única coisa

desejável enquanto fim, sendo as outras coisas desejáveis apenas enquanto meios

para atingir esse fim.

A única prova que pode ser dada de que um objeto é visível é que as pessoas de

facto o veem. A única prova de que um som é audível é que as pessoas o ouvem e o

mesmo acontece para outras fontes da experiência. Do mesmo modo, penso, a única

evidência que é possível estabelecer de que alguma coisa é desejável é que as

pessoas a desejam. Se o fim que a doutrina utilitarista propõe não fosse, em teoria e

na prática, reconhecido como um fim, nada poderia convencer quem quer que fosse

de que o era. Não pode ser dada qualquer razão de que a felicidade em geral é

desejável, exceto que cada pessoa, na medida em que acredita que ela pode ser

atingida, deseja a sua própria felicidade. Assim, sendo isto um facto, temos não

apenas toda a prova que o caso admite, mas toda a que é possível para provar que a

felicidade é um bem, que a felicidade de cada pessoa é um bem para essa pessoa e

que, consequentemente, a felicidade geral é um bem para todas as pessoas. A

felicidade confirma assim o seu direito ao título como um dos fins da conduta e

consequentemente um dos critérios de moralidade.

Mas não provou ainda ser o único critério. Para o fazer, seria preciso mostrar não

apenas que as pessoas desejam a felicidade, mas que elas nada mais desejam. Ora é

óbvio que elas desejam coisas que, na linguagem comum, são decididamente

distintas da felicidade. Desejam, por exemplo, virtude e ausência de vício, não

menos do que prazer e ausência de dor. O desejo de virtude não é tão universal mas

é um facto tão autêntico como o desejo de felicidade. E por isso os oponentes do

padrão utilitarista consideram que tem o direito de inferir que há outros fins da ação

humana para além da felicidade, e que a felicidade não é o único padrão de

aprovação ou desaprovação.

[…]

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Em principio não há nada mais desejável acerca do dinheiro do que acerca de

qualquer monte de seixos da praia. O seu valor é somente o das coisas que com ele

se comprarão – o desejo por outras coisas que ele permite satisfazer. Todavia, o

amor do dinheiro é não apenas uma das mais poderosas forças da vida humana, mas

é em muitos casos desejado em si mesmo; o desejo de possui-lo é por vezes mais

forte do que o desejo de o usar e aumenta quando todos os desejos que apontam

para fins para além dele decaem. Pode dizer-se então que o dinheiro é desejado não

para se alcançar um fim, mas como parte do fim. Em vez de ser um meio para a

felicidade, torna-se o principal ingrediente da conceção individual de felicidade. […]

A virtude, de acordo com a conceção utilitarista, é um bem deste tipo.

Originariamente não há desejo dela, ou motivação, a não ser que ela conduz ao

prazer e protege da dor. Mas através da associação assim formada, pode vir a ser

sentida como um bem em si mesma e desejada enquanto tal com tão grande

intensidade como qualquer outro bem; e com uma diferença entre ela e o amor do

dinheiro, do poder ou da fama, a de que estes podem, e frequentemente

conseguem, tornar o indivíduo prejudicial aos outros membros da sociedade a que

pertence enquanto nada há que o transforme numa maior bênção para os outros do

que o cultivo do amor desinteressado da virtude. Consequentemente, o padrão

utilitarista, na medida em que tolera e aprova aqueles outros desejos adquiridos,

desde que eles não atinjam o ponto em que poderão ser mais prejudiciais para a

felicidade geral do que para promovê-la, impõe e requer o cultivo do amor da virtude

com a maior força possível, como sendo de todas as coisas a mais importante para a

felicidade geral.

Das considerações precedentes decorre que, de facto, nada há que seja desejável

exceto a felicidade.»

John Stuart Mill, Utilitarianism, Collins, 1969, pp. 288-292

Conteúdo

Neste texto, Stuart Mill defende a tese de que só a felicidade é intrinsecamente boa e

de que só a felicidade é autêntico critério de moralidade – é aquilo que se deve

procurar: devemos procurar ser felizes, temos a obrigação moral de procurar ser

felizes. A prova para esta tese é de natureza empírica: aquilo que todas as pessoas

querem é ser felizes e, consequentemente, isso permite estabelecer que a felicidade

é critério de moralidade.

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Todavia, para além de mostrar que a felicidade é critério de moralidade, Mill vai

ainda mostrar que a felicidade é o único critério de moralidade; para o conseguir,

antecipa uma objeção a esta tese e refuta essa mesma objeção. Assim, começa por

admitir a posição daqueles que defendem que não é a felicidade mas a virtude o

critério de moralidade; defendem, ainda, que devemos ser virtuosos e que uma

pessoa moralmente boa é a que procura ser virtuosa.

Para refutar esta objeção, Mill utiliza uma hábil analogia entre o dinheiro e a virtude;

e mostra que, assim como o dinheiro é um meio para se ser feliz, que por vezes

alguns transformam em fim em si mesmo, também a virtude é desejável enquanto

meio imprescindível para sermos felizes e contribuirmos para a felicidade das outras

pessoas. E é um meio tão poderoso que alguns veem a virtude, erroneamente, como

um fim em si mesma.

Interesse do texto

Este texto revela uma mente descomplexada que consegue, numa época de

puritanismo algo hipócrita, defender uma visão otimista da felicidade,

compatibilizando-a com a virtude, apresentada como meio para a felicidade.

Estrutura do texto

Texto com uma interessante estrutura argumentativa, ao longo do qual as ideias se

vão desenvolvendo, por meio de ligações subtis, mas consistentes. A partir da tese,

corroborada por um argumento experiencial, imagina-se uma objeção à tese,

refutada através de um argumento por analogia.

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Proposta de exploração

Reorganização da informação através do preenchimento do quadro.

O critério de moralidade do utilitarismo

Tese defendida

por Stuart Mill

Argumento em

apoio da tese

Objeção à tese

Concessão à

objeção

Refutação da

objeção

Fundamento da

refutação

Oficina de escrita

Depois de preenchido o quadro, responda à questão:

O que é que prazer e felicidade podem ter a ver com dever moral?