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~VCOO~BSSO Hisldrico de Gvimaráes I O. Afonso Heniiques e a sua Época

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Alonso Henriques, o milolundador eaieconência mi l i ta1 Alberto Aiaújoe Armando Malheiro

Afonso Henriques, o mito fundador e a recorrência mítica Para uma mitanálise do processo histórico português(')

Au commencement comme à Ia fin de I'histoire religieuse de I'humanité on I~)AocolegaeamiQo.O~.JOBQUim~omingum,PairoiioeICI~~DiidOeCOnItBnle doinhminãvel debaleinslauradoemloinoda problembiicamilanai~licaedasua

retrouve Ia même nostalgie du Paradis. Si I'on tient compte du fait que Ia apiicaeo ao ~ ia rosro hitbiico-~edaobvico e hirtbiico-po~i~ica ~oiiuguei. agiadecemos. isconhecidoi. a i iugenoei e a i releienciar Que muito

nostalgie du Paradis se laisse pareillement déchiffrer dans le comportement enrisuewam este ic i~ ien le e. apenas. ex~ioralbrio toi ir cio de pesquisa. ErWmoi igualmenlo muiio gialos do 01 Joaquim Machado Aiadio. pelo modo

religieux general de I'homme des sociétés archaiques, on est en droit de I ~ a n c o e ~ i ~ ~ ~ o s o c o m o a ~ ~ e c i o u e ~ ~ v i u e ~ t e x l o . N 2 o ~ o d e m o ~ . l a m b l m . o m i l i r a noira sincera e perene adrniraçao pelo mmlre e amigo. Piolersoi Jem-Pieiie

supposer que le souvenir mythique d'une béatitude sans histoire hante I'humanité Si~onnmu. jubilado como proleiror de sociologia e antropologia na Unive16id3de Pieire MendCFrance de Grenoble. eauloi de uma modela8 abra

dès le moment ou I'homme a pris conscience de sa situation dans le Cosmos. deaplica@o aoimaginariosocial epoi~icodamiianãiire(oumitodoiogiaide Gllbeit Oulmd.

Mircea Eiiade

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Z9 Congresso Hisiõrico de Guimarães / O. Afonso Henriques e a sua boca

1. Abertura epistemológica

*;*

Através de um "triptico" - o reilsanto fundador, a sacralizaçáo mitica da fundação do Reino e as (des)continuidade(s) recorrente(s) da "sagração" original - pretendemos mostrar que é possível e necessário entrosar o conhecimento histórico numa concepção de mito próxima das contribuições teóricas legadas. em geral. pelo Círculo de Erânos ' e, em particular, por alguns dos seus membros - Carl Gustav Jung, Mircea Eliade. Erich Neumann, Karl Kerényi, Henri Corbin e Gilbert Durand. Desta concepçáo distanciam-se as leituras desmitologizadoras, como a de Barrows Dunham, desenvolvida no seu livro sugestivamente intitulado Man against myth Z . ou a de Roland Barthes, que descodificou, nas Mitologias , o mito como signo ideológico ou "sistema semiológico segundo", denunciando o seu uso/abuso social na Modernidade: "o mito -escreveu Barthes - é uma fala escolhida pela história. não poderia surgir da natureza das coisasv3.

Entendemos. ao invés dessas leituras. que toda a desmitificação, seja filosófica ou semiológica, apenas consegue tornear, em vez de indagar, a complexidade e a profundidade do simbólico, pelo que aceitamos alguns pressupostos remitoiogisadores. na exacta acepção de Jean-Jacques Wunnenburger: "La puissance syrnbolique et Ia valeur existentielle de Ia sphére des images ne se laissent nulle pari aussi bien appréhender que dans le mytheU4. E este empenhado pesquisador das relações das estruturas e funções das imagens. dos símbolos e dos mitos com os diversos tipos de racionalidade5, enunciou igualmente uma premissa, que merece a nossa concordância: "A travers le syrnbolique nous expérimentons que nous ne sommes pas Ia source de toutes nos représentations et qu'elles ne sauraient toutes gagner a accéder a Ia pleine lumière rationnelle. La symbolicité des images nous confronte donc a une altérité qui nous rappelle notre propre finitude. Elle nous met face à un autre langage que celui dont nous croyons généralement être I'a~teui'~. Pensamos, alias, que a nova história das ideias,

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Alonso Henriques, o mito fundador e a iecorrencia mii icai Aibeiio Araújo e Armanao Maiheiro

dos sistemas políticos e da cultura e mentalidades deve(m) abrir-se a esta perspectiva, ultrapassando o mero registo descritivo das representações culturais, ideológicas, em suma, racionalizadas, que parecem, a primeira vista, ofuscar os traços de uma imagética/simbólica específica do inconsciente colectivo e arquetipal de Jung, do qual se aproximou. apesar de notórias cautelas e de certa ligeireza, o historiador das mentalidades Philippe Ariès7.

O nosso prisma hermenêuticos abarca ainda a singularidade do mito, enquanto narrativa simbólica que articula a História com a não-História. Este importante aspecto foi posto em evidência pelo sociólogo do imaginário Alain Pessin no estimulante livro Mythe du Peuple e[ Ia Socièté Fraançaise du XIP siècle9. AO analisar a ideialtema mítico do Povo e do Populismo constatou que o pensamento utópico tecido em torno dessa ideia e da ideia de Progresso pressupunha, afinal, uma conciliação do plano histórico (tempo linear) com o não-histórico (tempo reversível ou circular): "Car i1 est nécessaire de penser I'histoire comme progrès, et i1 est impossible de le faire. 11 est nécessaire de glisser dans I'histoire, de 'faire être a I'histoire', une vérité mais une vérité historique cesse d'être une vérité. La pensée du peuple, c'est /e mythe a Ia rescousse de I'histoire. Le mythe, c'est-a-dire /e temps réversible, a Ia rescousse du temps irréversible, fléché, du progrès. Le peuple, c'est cette réserve, non pas sociologiquement sltuée, mais cette réserve en nous de 'temps primordial', de non-historique, qui ménage des retours et peut fonder une vérité de I'hist~ire"'~. Significa isto que a racionalidade moderna e científica, produtora de imagens e de discursos, deixa-se penetrar por outras imagens e por outras "lógicas" táo antinómicas. quanto complementares, e que as ciências humanas e sociais são, hoje, cada vez mais confrontadas com um campo amplo e heterogéneo de polaridades diversas e até opostas, mas radicadas numa unidade essencial.

Não deve. pois, surpreender o esforço, aqui ensaiado, de trazer a escrita da História uma amplitude epistemológica que, em princípio, só enriquece o trabalho historiográfico, conectando-o com abordagens tidas ou havidas por afastadas umas das outras, embora sejam, no mínimo. geminadas - a etnológica, a antropológica, a psicanalítica, a sociológica, a filosófica ... E, curiosamente, todas elas não são demais se cometermos a ousadia da compreensão holística da inesgotável realidade humana e social.

conicieniacoleiliva. como iem'modrado. com claieo. orocibiogo durandiana Jean-Pierio Siionneau. 9 PESSIN, Alain - Lehi~hedup~uple~ l lar~ id fd l rdd@lrcd~XIXI bi8clo. Psiis: PUF, 1992. 10 lbidsm. p. 264-265.

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Zq Congiesso Histbfico de GuimarBesI O. Alonso Henriques e a sua tpoca

2. De Clovis a Afonso Henriques o "paradigma" dos reislsantos fundadores

Seg.. noo. po s Jma perspectiva hermenêitica paLraoa pe a 11 . ~:,;,t.c:~.':nre;x,n~r .,:.:. T 3 i+: u A ? . : : F : . , : . ! , . a ! .? ?,.:d 2s: : ! .~ :? I / ; l Si?-?' 2"'lY ,:. FAr,?::zC

nrero s c p inaridaae .~lgamos possive e convenenre mostrar qJe a O, .;.g3.: ;I!.~,F~.,:.:~ a n ~ c ~ j e . ~ , + ~ 3 ~ :.: .A,:

:.:i i:.?.?.ea.:i.'a i;rrc..;c mi:r :>",..'i 6'1, I.":,~,'

nsra~raçao oe ma aná ise de prof-ndioades não exc L anres mp ca : c ~ ; . ~ i . r c . ~ s n 2 T ~ - : r ~ ~ j : , r 2 d >2 ,-O,; c (e 1 2 h ~ ~ ' ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ . ~ ~ S m : ~ ~ ~ ' : ~ c ! : ~ ~ ~ ? c ~ : ~ ~ ~ " ~ ~ r ~ ~ ~ : ~

a exploração cri1 ca dos 'marer ais recenseaoos dcsenvo vida a fora e entre :s:tccs !:, : caan i - ~ c ~ . ~ : : ~ , : " , : ~ ~ ; ? ~ , ~ v . , k a : f a % w : ,,I.'> t c , . , a 3 r n ! C > $ ! 'z.r-':.: : c r Y l sren:er E;

nós. pelas aooraagens n srorogra'icas e cu t~ralisias , e r , 3 , 2 , , , ~ : . ~ . ~ c , . L . . .,!2,. . r&5 i..: !3.,:fl,?rt?y: 7 ,,?: '73, 2 5,< e t c < 3 + * < . s ? - ! " ' c . c c ; 3 5 a ? : r ? .;.I

O ncremenro a spensaao ao estioo monográf co (m cro-n stórico) oas i; ; .f,,d ::: ~ x 3 c ~ ~ , ~ s . r , L ~ ~ ,..* a d . . - ? : ; : f " t , t ~ ~ ' ~ . . ( I % X , < : T $ ? ! 5.2G-aZ.z. s ~ . . ? " z - ~ - ' e ~ ! . ? s ~ ~ . : , : ~ c : c%,:

oeias aas prár cas c i r-ra s e das atiruaes, crenças e ~aores abriu a 2 . a ~ ::C< ; ; ; : . . : C Y . ~ ~ ~ C ;;t.w:..~~a::s~r~ - : f > ~ : 2 3 \ " , 7 " - < , . ! ~ w % ~ c $ i , ; : c 5 a;<c<: .-, x,:,., :3:,

nisroriograf a um vasto e r co f ão tcmár co. qJe s4sc ra nreressanies : . c ; L ? . J , , . ! S S . . V ~ C ~ : ~ ~ : A . C C S ~ : > : ~ %ITI .'5. ., . ,.: 5 c,rn.s:a . R &=>ti;'. .s.c . .:!?::*.>;<.?".:>r> oescrçòes aacrónicas e sincrón cas ,.,c ..i r . , p ~ : . , : ; . . ~ s . ~ ~ ; .:? .:.r c . ~ , . ? ~ , ! ~ T ~ : - : ~ ~ - P ,?. - - ~ : , c ~ - ! ? 7 ! ~ ' ~ A : ~ ~ a : r , : L $ . o : ; : 3 -:.:.3 25 Arente-se por exemp o. na m ~ l i p IC daoe ae corres q-e a permanência de .;:i;:;:jny,,: A , . , sz . .r;.:. .z,v,.;c:z :,. . .

uma figura heróica, como D. Afonso Henriques, permite fazer na memória rinl&ar ~eur61icos, ifc.j;iomente o h ar iidildum & i coipdcm iUmd oulm que$ldD consisle em que ~ 1 1 0 s iendmenos psicoldgicos

social: a exaitação do perfil do primeiro rei português na cronistica medieval; os ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ , " , " , " " ~ ~ ~ ~ , " i ~ , O i ~ O m B i , seus contornos na parenética da Restauração; a evocação do rei fundador no ;;Pg~~~~,d.~~gg~,",";~;~,",d;,"~d,~uiedldeI discurso contra-revolucionário e em certos actos públicos e solenes de "ao edrec~arn~n~e anaiisáve/awriir do modelo oiNnim ddpdiCDIoBid

indvidu8ra sociedada nda comfiiuium '~oigunismo~psfq~ico. marsim um D. Miguei (a sua visita a Santa Cruz de Coimbra, em 1832. onde jaziam os conj~nlo de ar~animo~, s ~ a k h d o i e i a c ~ ~ c o i ~ ~ i w s . se. em iinpwgem

coirenle, laiamos de 'inmnscieniesocial: por exemplo dporqua decidimoi restos mortais do fundador); as diversas perspectivas ou imagens ~eneneraiiar soci8imeniecedo1 I~FOI w ~ ~ ~ e i i ~ ~ i m ~ ~ ~ m ~ n ~ ~ o i aveno$

inconscienlerindividuaisemcdud ( C i Idem- Poilugdl o d e ~ l i o (re)produzidas na cultura histórica oitocentista; a abundante iconografia, datada, na~ionaii~l~.Psicoiooiaeidenlidadenaciondi~.Lisboa:Ediloiialleoi~ma.

1985. p. 124).Sobieaconligum#o ledrim da '16plcadia~iamblicadosociaY sobretudo, destes dois últimos séculos; as mais dispares "figurações" do eja-$e D U R A N D , G ~ I ~ ~ ~ - PeienniIc, dCrlv~lion~usuirdumph~~ in

'Piobilrns du myfhe d de ron inleipi4lalion.Aclei du C~llopue de Chanliily: monarca-fundador produzidas e coleccionadas pela paixão bairrista 24-25~vi i i 197rPari.: Beller ~etiier. p. 27-50; eARAUJ0,Aikvio Fiiipee

SILVA. Armndo Malheira da- Milandliiee lnlerdisciplinaridade. aubridior vimaranense (bandeiras, brindes. postais ilustrados, objectos de cerâmica...)"; paiaumaheimeneulicaemeducapoeomabciasrociais.Revisf8

Podu9uwdeEduwF.o. Biaga. G i l I. D. 132 ers. etc. Tal como Clovis, "pai" dos Francos, o rei português desempenhou um papel i ~ v e j a - s ~ . ~ ~ i i u ~ o m . a m m ~ e p r o p ~ d ~ u ~ i c o . ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ . ~ o i n a n ~ - ~ i i ~ ~ i i d

e~idn~iassocidii Lisboa: EdilOii8i Piesenw. 1976. e foi, por isso, heroicizado, dentro de determinada mundividência - a matriz cristã -, associada, por sua vez. ao que Gilbert Durand denominou "bacia semântica".

Trata-se de uma "tópica diagramática do social", onde se jogam os movimentos permanentes ou perenes (a perenidade do mito, ainda que assumindo novas formas) alimentados pelo conjunto de imagens estáveis (que Jung designou por arquétipos) do "inconsciente colectivo", isto é, do nivel fundador ("çalisso"), que molda as paisagens culturais da ~ociedade'~. E nesta "tópica", que será, mais adiante, devidamente retomada no quadro conceptuai da hermenêutica durandiana, é possível integrar os conceitos operatórios da estrutura (longa duração) e da conjuntura (curta duração) da nova História dos Annales, de Lucien Febvre e Marc Bioch. de Ernest Labrousse e Fernand Braudel13, buscando-se, assim, uma efectiva aplicação da mitanáiise durandiana aos modelos historiográficos da actualidade.

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Afonso Henriques, o mil0 fundador e a recoriência milica 1 Aiberlo AraOjo e Armando Malheiro

Tal como Clovis", Afonso Henriques "ressurgiu", em pleno, para servir de fonte de legitimação ideológica e política em conjunturas de ameaça à independência nacional ou de crise identitária, sucedendo, com redobrada pertinência, a grandes figuras mitico-heróicas: Ulisses, fundador de Lisboa; Tubal, neto de NoéTS, evocado a propósito das origens de Setúbal; Lusus. filho de Dionísios e "pai" dos Lusitanos; e Viriato. o herói dos Montes Hermínios, considerado o "obreiro" do sentimento lusitano constitutivo da portugalidade. Mas Dara além desse recurso coniuntural com~rovado ela res~ectiva retórica e propaganda, há, em ambos os casos, uma profunda implicação mítico- simbólica, ilustrada pela cumplicidade de Deus na criação dos reinos da Cristandade.

O paralelismo de Clovis com D. Afonso Henriques parece-nos óbvio e natural, se nos limitarmos, claro está, a seguir o trajecto das suas "imagens" racionalizadas e registadas nos mais diversos suportes da memória social, de acordo com os diferentes enquadramentos conjunturais do processo histórico. Se nos centrarmos. conforme o diagrama de Gilbert Durand (a "tópica diagramática do social"), no nível racional (o chamado "superego" institucional) e no nivel actancial (o "ego" societal), a nossa análise "cola-se" às abordagens historiográficas voltadas para a produção ideológica e para as práticaslatitudes culto-mentais, sendo possivel estabelecer comparações entre o modo como, nas conjunturas mais diversas. se evoca, "imagina", e propagandeia Afonso Henriques, Clovis ou Joana d'Arc.

Se ousarmos, porém, levar o nosso esforço hermenêutico até ao nível fundador (ou "çalisso" psicóide), deparamo-nos. então, com o inconsciente arquetipal e colectivo de Carl Jung e com uma caracterizaçâo do imaginário, fundada na passagem ou "trajecto antropológico" entre o meio psico-fisiológico e o meio cultural, compreensível a partir da "tópica diagramática do social" ou "bacia semântica" de Durand. Neste quadro teórico, o mito é um "sistema dinâmico de, símbolos, de arqu6tipos e de esquemas, sistema dinâmico que, sob a impulsão dum esquema, tende a organizar-se em narrativa. O mito é já um esboço de racionalização, visto que ele utiliza o fio do discurso, no qual os simbolos se resolvem em palavras e os arquétipos em ideias"'6. E se o mito é definível deste modo - adiante convocaremos a definição co-plementar de Mircea Eliade -, a figura, simultaneamente, histórica e (re)inventada de Afonso Henriques. o herói fundador do Reino de Portugal envolvido pelo enigma (não se lhe conhece a data exacta de nascimento e há ate quem discuta a identidade pessoal, tomando-o como "duplo" de um príncipe nado-morto ... ) e pelo fantástico (teria vindo ao mundo "tolhido de ambos os pés", sendo "milagrosamente curado por Nossa Senhora", sinal premonitório dos feitos valorosos e sobrenaturais protagonisados mais tarde"...), corresponde apenas a um elemento - o mediador do sagrado com o profano - da narrativa do

de IO~WI piliblico, no04 Pois. deeriranhai que apropagida rnondiquiu eioalhea noilçiadeoue a i Ilarerde R . drrde Uduianlor anos a embiama

. . , . 15 Sobieeile peisonagem mliica considerado hribi ciuiliadoie piimaiio rei da ib4iiaveja-se0 apanlamenlo de AMARANTE. Eduaido- Partupal simbdlico. OripenssapiadardorLosi!#oor Lisboa: Edicõs Nova~crbp~j#??~''' 1995. p. 162-166 (Z1ad.). 18 OUPANO. Gilben- i ~ r S ! ~ i e s a n l h r o p o l ~ g i q ~ e s d e i i m ~ ~ i ~ a i l e , l P W Parir: Dunod. 1984.p. 61: 27839 (noçlo derlmbalo): 62.3 e437-61 '

[noçlo deargu6lipo): 61 (noçlo de squrma): 15-27 (nofao de imagim)e 389-475e segs. (nofao de im~gind8io).Veia-Se, iBmb4 RICOEUR, Paul - LeConlii!derinleip~~!aIi~nI. EUaird'hermeniuliqve. Paris: Seuil. 1969, p. 32-33. 17 Veja-se BUESCU. Ana Irabei CamlMo- OMiidpIede Ootiqueea Hislbria de Ponugdl de Aiemndie Heicuiano ob. cil.. p. 133.

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ZP Congresso Hist6rico de Guimarães / O. Afonso Henriques e a sua Epou

Milagre de Ourique, que consubstancia. nos seus traços fundamentais, 18 Cit. p ~ i BROCHAOO. ldaiino Ferieira da cruta-ientativade canoniia@o de El-Rei O. Alonio Heniiguer. in Anais da Acsdrmia Poflv#vsa

as definições durandiana e eliadeana de mito, como mostraremos. deMsf6iia Z'rdrie, "01. 8. Lisboa: 1988. p. 312.Afontc piimdiia e a obra de SANTAMARIA, Fr Nicolsu de- Ch,onicadaOidrmdos Conegos RegranIes

Note-se ainda que a par da evolução do mito e da respectiva representação daPali iddchaS.A#o~l"lhoSe#unda~a~~divi~damVifivro~. Lisboa: Oiiicins de Josm da Costa. 1658.

iconográfica e simbológica na heráldica nacional, deu-se início, a partir do séc. XVI e em pleno reinado de D. João III, ao processo de beatificação de D. Afonso Henriques, baseado na convicçáo atribuída aos Cónegos Regrantes de Santa Cruz, de Coimbra, e aos Monges de Alcobaça por Fr. Nicolau de Santa Maria, de que "sempre tiveram pera si, e piamente creram, que o invicto Rei D. Afonso Henriques vivia glorioso na bemaventurança, e como tal lhe compuseram uma comemoração de bemaventurado com Antifona, Verso e Oraçã~" '~. As tentativas para a sua canonização resultaram da sacralização das origens e da promessa escatológica de um destino, consubstanciadas na versão "madura" do Milagre, e náo se reduzem, por isso, a um mero instrumento ideológico de afirmaçáo política da nacionalidade. Remetem, como tentaremos mostrar, para um rico e complexo "fundo" simbólico ...

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Aionso Henriques, omilo iundador e a recorrencia milita1 Aibeito Aiaiiioe Armando Malheiro

3. Mitanálise do Milagre de Ourique mito e arquétipo

Uma narrativa mítica pressupõe a existência de versóes e o Milagre de 10 veia-S~ALBUOUEROUE. Madim de-A Cansci6nciamonai poduyuow, ob. ci l . p. 340: e BUESCU. Ana Isabel Caivahso- OMiidgiede

Ourique não fugiu, naturalmente, à regra. E antes do discurso escrito houve a o~r i~~~eaHi~ l6 i i~dePod~o~ideAie~dndmHercu iano.ob .c i l . .~ .123-137 . 20 ALBUOUEROUE. Matlim deeA con~ciencidndci~ndip~i i~yl iesd, ob.

génese da tradição oral. De 1139 até ao séc. XIV ter-se-á desenvolvido, C~I. P., P. 342. 21 ibidam.p.342-343.

segundo Martim de Albuquerque. "uma versão lendária" da batalha de 22 BUESCU. Rna lrabel CarvaIhSo- OMiId#redeOurigoeeaHi~Idridde Po~!~,ideA!eblndieHeiN!dno, ob. c i l . p 130.

Ourique, reierenciada em diversas fontes documentais: a Crónica dos Vinte n Sobir este dolrr scieveu Ana irabc~ BUESCU: 'finiimenie ~ i o n r o Henriwpoxuipodeies IdurndIÚigicm, gue semaniieiIdrnidap6~ aiud

Reis, a petição da Ordem de S. Tiago ao Papa, em 1318-1319, para se mode. O seu como, in~ i iup I0 e earando o odor de sanlidade. ioi obieclo, aguando daabedura da sepuliua em 1515, oapresenca de O. Manuel, de

desligar da de Castela; a IVWrónica Breve de Santa Cruz; a Crónica Geral de g m ~ d ~ m m i l ~ s n ~ a e r d r d e ~ ~ o q 0 e 6 e ! ~ d ~ ~ i i d m 0 a b ~ ~ ~ 1 ~ I d n 0 ~ d d e ieilquias (C1 Ibidem, p. 133).

Espanha de 1344lB. O relato desta última fonte cronística é repetido, a propósito das armas de Afonso Henriques, na Crónica dos sete primeiros reis de Portugal ou Crónica de 1419, fazendo-se aí alusão expressa ao aparecimento de Cristo a Afonso Henriques: "( ...) vio Nosso Senhor Jesu Christo em a cruz (...I. E adorou0 com grande ledise e com lagrimas de prazer de seu coração"z0. Três anos antes - 1416 -, foi redigido o De ministerio armorum com uma breve narrativa do Milagre, sendo, por isso, a "versão" mais antiga que se conhece. E, em 1485, Vasco Fernandes de Lucena, enviado de D. João II, terá feito referência a "lenda da aparição" na sua Oração de Obediência perante o Papa Inocência V1IlZ'.

Será, no entanto, Duarte Galvão quem fixará, em 1505, a versão completa da narrativa, reproduzida, mais tarde, pela chamada historiografia alcobacense - Fr. Bernardo de Brito na sua Chronica de Cister (1602) e Fr. António Brandão na Terceira Parte da Monarchia Lusitana (1632). Este monge corrigiu os "excessos" humanos do herói régio e do santo, incluindo a transcrição do auto do juramento de Afonso Henriques alegadamente descoberto em Alcobaça. A primeira publicação deste texto sucedera umas décadas antes, na 2"dição dos Diálogos de vária história de Pedro de Mariz, impressa no ano de 1599, durante a dominação filipina.

Deste acervo de "versóes" destacamos, em primeiro lugar, a de Duarte Galvão. porque, como observou Ana Isabel Buescu, "representa, pois, um momento NitermBdio na constituiçáo da lenda no seu significado global - a aparição e a mitificaçáo da figura de Afonso Henriques", embora a figura do rei ainda não se ache, ai, expurgada de elementos considerados negativos, especialmente a prisão de sua mãe D. Teresazz. Esse expurgo será posterior e muito determinado por um investimento maior na canonização do fundador da Monarquia Lusitana, ou seja, nos seus dotes taumaiúrgi~os~~. Não se trata, porém. de aspecto decisivo para o nosso exercício hermenêuiico, apostado, sobretudo, na "desmontagem" mítico-simbólica do Milagre.

Concentremo-nos, então, no seguinte extracto:

(...) ho hirmitam que estaua na hirmida ueo a elle e disselhe: Primcipe dom Affomsso. Deus te mamda por mim dezer, que polla gramde uoomtade e deseios que tees de o seruir, quer que tu

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2" congresso ~ is16nco de Guimarães I U. ~ t o n s o Henllques e a sua tpoca

seias ledo e esforçado: elle te tara de menhãa uemçer el Rey Ismar e todos seus gramdes poderes: e mais te mamda per mym dizer, que quamdo ouuyres tamjer huua campainha que na hirmida estaa, tu sahiras fora, e elle te apareçera no çeeo, assi como padeçeo pellos peccadores. .... E quamdo foi huua mea ora amte manhãa, tamgeosse a campãa como ho jrmitam dissera, e o Primçipe sayosse fora de su temda, e segumdo elle meesmo disse, e deu testimunho em sua estoria, uiu nosso Senhor em cruz, na manera que dissera ho jrmitam: e adorouho muy deuotamente com lagrimas de gramde prazer, comfortado e animado com tal1 emleuamemto e comfirmaçam do Spiritu Samto, que sse afirma tanto que uio nosso Senhor auer amtre outras pallauras faltado a alguuas sobre coraçam e spiritu humano, dizemdo: Senhor, aos hereges, aos hereges faz mester apareçeres, ca eu sem nenhua duuyda creo e espero em ti firmemente. Isso meesmo nam he pera leixar de creer, o que tambem sse afirma, que neste apareçimento foy o Primçipe dom Affomsso çertificado per Deus de sempre Portugal aver de seer comseruado em rregno, e o tempo, e caso aquella ora, e sua uirtude e mereçimentos eram taaes pera lho Deus prometerz4.

Antes deste relato da "investidura" divina, Duarte Galvão refere algo, que do ponto de vista da simbólica numérica, se revela extremamente interesante: "Pollo qual1 ouue e1 Rey Ismar tamta gemte em sua ajuda de mouros daaquem e daalem mar, e outras gemtes barbaras, (...) amtre os quaaes ueherom quatro frei outros, cujos nomes nam achamos escriptos (...) e o Primçipe dom Affomsso e elRey Ismar assemtaram seus arrayaaes, huu a uista do outro, em uespora de Samtiaguo, anno de nosso Senhor de mil1 e çemto e trimta e nouenZ5. 11 39 não era, afinal, um ano vulgar ou sem qualquer significado de ordem providencialista. A sua prova dos nove dá cinco, o que permite reforçar a importância deste número, patente no "escudo das armas" mencionado mais adiante

Aspecto que merece, também, ser destacado são as palavras que Jesus Cristo disse a D. Afonso Henriques, aquando da sua aparição:

24 GALVÃO. Ouane -Cibniw de €1-Rei0 Alonro Heorioer Lisboa: lmpren68-Nationsi-CB. da M0ed4 1985.57-58 Citado em ALMEIOA. Gregbrio de- Re$!auaçaodePodu@l, v01 1. Baicelor: Companhia Ediloia do Minh0~1939. p. M.71. 25 GALVAO. Ousne- CibnicldeE!-Rei0 Alonro Henriqves.. ob. cil.. p. 509.

"Na noite penúltima, antes da batalha e gloriosa vitória, lhe apareceu Cristo Senhor nosso crucificado, junto 3 vila de Casevel .... Teve o Senhor com ele (D. Afonso Henriques) mui larga prática, na qual lhe declarou muito sucessos futuros e prometeu grandes felicidades para êle e seus descendentes. O que tudo o Príncipe jurou nas Cortes, que celebrou em Coimbra, aos nove de Outubro de 1152 anos" e a prática a que se refere . .. . .

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A~OI~SO Henriques. o mito lunuadoi e a iecoiiencia milica i AlQeIio Alaujo e Almando Malnei io

o extracto precedente é do seguinte teor: "Eu sou o fundador e 26 ALMEIDA, Gre~biiode- R8$Bom$80dePaflu~aJ, ob. cil.. p. 58. n LUCENA. Vano Fornander - Oia@odeobedienciaaoSumoPonJiOce

desolador, quando me apraz, dos Impérios e dos Reinos; quero em vós inh-!"cio VJ~J 114851. Lisboa: inaps. 1988, p. 20

e em vossos descendentes fundar e estabeleçer, para mim, um Império, para que, por meio dele, seja meu nome publicado e dado a conhecer as nações estranhas; e para que vossos descendentes me reconheçam por Autor do Reino, comporeis o escudo de vossas armas do preço com que eu remi o género humano, e daquele porque fui comprado dos Judeus; e ser-me-á Reino santificado, puro na fé, e de mim amado por sua piedadez6.

Um outro aspecto a acrescentar ao detalhe do "escudo das vossas armas" é mencionado na Oração de Obediência ao Sumo Pontifice lnocêncio VI11 da autoria de Vasco Fernandes de Lucena:

(...) nesta batalha, em que se houve com mais denodo do que se podia exigir a um homem forte, as lanças dos Bárbaros despedaçaram-lhe por cinco vezes os escudos que manejava com o braço esquerdo. Em consequência desta singular e ínclita vitória, distinguiu as insígnias e armas dos reis de Portugal com cinco escudos, cada um deles semeado de cinco dinheiros, quando, como assaz se sabe, até então havia um só escudo todo ele salpicado de moedas. Ora, os cinco escudos colocados na figura da santissima cruz e os cinco dinheiro postos em cada um deles também a modo de cruz, que outra coisa significam senão as trinta moedas de prata, preço do sangue de Jesus Cristo, por que o hediondo Judas o entregou aos judeu^?^'.

Destacadas as partes cruciais do discurso mítico-simbólico tecido em torno do Milagre de Ourique, podemos avançar com a nossa leitura mitanalitica e esclarecemos. desde já, que a natureza profunda dessa narrativa, inscrita numa concepção linear do tempo, que é a da tradição judaico-cristã, só pode ser devidamente entendida se for lida e analisada a luz da corrente messiânica, sem dúvida a dominante, e, lateralmente, da estrutura milenarista: messianismo e milenarismo alem de constituirem, segundo Paul Ricoeur, as pedras angulares do imaginário social utópico, fazem parte integrante da imaginação histórica ou do simbolismo histórico, cuja função consiste em controlar o futuro. em transformá-lo e em adaptá-lo aos designíos divinos. Mais adiante, a propósito da recorrência e com algum detalhe, veremos os traços essencias destes dois cenários. Agora interessa-nos, sobretudo, esclarecer um pouco melhor o que é o mito, tendo presente a definição atrás evocada de Gilbert Durand, completada com outras aportações convergentes.

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ZQ Congresso Hisibiico de Guimaráes i D. Afonso Heniiques e a sua Epoca

O mito é uma narrativa, que conta uma história verdadeira, exemplar 28 ILIAOE. Miicea- Alpecldumflhe, oob. til.. li. 15. 29 lbidem.p.30.31. 30 OURAND. Gilbeii - Les Slr~ClUiesanlh~opOlO~io~eIde 1im#indiie, e significativa, logo sagrada ou, caso se queira, inscrita num tempo sagrado, ilb,Ci,,,p,G1.

imemoriai. Este aspecto foi claramente enfatizado pelo historiador das religiões 31 JUNG.C~I - T~~ypes~sychoIo~iooes. FWGenBue:Geoi@Ldileur SA.. 1991. p. 448.

Mircea Eliade: "o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento que teve lugar no tempo primordial, o tempo fabuloso dos 'começos'. Dito de outro modo, o mito conta como, graças as explorações dos Seres Sobrenaturais, uma realidade veio à existência, trate-se da realidade total, o Cosmos, trate-se somente de um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportameto humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma 'criação' '..) Em suma, os mitos descrevem as diversas, e por vezes dramáticas irrupções do sagrado (ou simplesmente a 'sobre-naturalidade? das suas obras"28. DO exposto, e ainda de acordo com o mesmo autor, o mito é constituido pelas seguintes características: relata a História dos actos dos seres sobrenaturais; é uma História verdadeira (porque se refere a realidades) e sagrada (porque ela é obra dos seres sobrenaturais); o mito refere-se sempre a uma "criação"; aquele que conhece o mito, conhece automaticamente a "origem" das coisas e, por isso, controla-as: e, como última característica, vive-se o mito no sentido em que a sua numinosidade, a sua potência sagrada apalavra aquele que o conhece e vivezs.

Mas se o mito é uma história verdadeira e sagrada, ele é igualmente um sistema pregnante de símbolos e de arquétipos que se constitui em narrativa mediante o impulso de um esquema. definido como a realização dinâmica e afectiva da imagem". Nesta perspectiva. cremos que o sermo mythicus só adquire o seu peso semântico, se se ligar aquilo a que chama de "arquétipos" ou, mais tarde, "imagens primordiais". Estas são produzidas por uma "consciência mítica universal" com as suas raizes no "inconsciente colectivo" junguiano definido pelo património genético e cultural eterno e universal da humanidade, distinguindo-se deste modo do inconsciente pessoal: "Pode-se distinguir de princípio o inconsciente pessoal que recolhe todas as aquisições da vida pessoal: o que nós esquecemos, o que recaicamos, percepções, pensamento e sentimentos subliminais. Ao lado desses conteúdos pessoais existem outros que não são pessoalmente adquiridos; eles provêm das possibilidades congénitas do funcionamento psíquico em geral, nomeadamente da estrutura herdada do cérebro. São as conexões mitológicas, os motivos e as imagens que se renovam por todo o lado e sem cessar. sem que haja tradição, nem migração histórica. Designo esses conteúdos dizendo que eles são inconscientes colectivos"3'.

Na linha traçada por Jung, Eliade e Durand aceitamos, como postulado operatório e impulsionador do nosso exercício hermenêutico, o inconsciente colectivo, que é essa consciência universal responsável pela produção de figuras constantes do imaginário, as quais. por sua vez, moldam ou afectam as

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Afonso Heniiques, o mito iundador e a recorrencia milica IAlbeito Araújo e Armando Malheiro

m j i p as gar~açoes c~liurais o.. s ng.! ar zaçóes n siorcas Op nião pari!naoa 32: i-!,<,::. .-:nP-ir-l.',-i>;t(i ,".!!i. <i: I?:..:.

.;c :w,. c .:. . . < * z s . , * a . A!,. P$ 3 3 '9.. c 1'1 com ,ean-P erre S ronnca-. A h c a cosa a aomiiir (.. ) é qJe ex srern 33 .I.;:, -e, . -?3;a.. , t . . .~~*~.:r:~. lzj: IV:,

constantes do imaginário. Saber se há, a um nível superioior; arquétipos que estruturam o imaginário de modo a produzir regularmente aquilo a que nós chamamos mitos, é do domínio do antropólogo ou do psicanalista.

Pessoalmente é uma hipótese a qual adiro, mas a questão fica em aberto"32 Neste contexto, convém, pois, referir que o conceito de arquétipo foi

definido por Jung, na sua Psicologia e Religião, como aquelas "formas ou imagens de natureza colectiva provenientes das disposições do espírito humano com base na tradição, migrações e hereditariedade e que se manifestam praticamente no mundo inteiro como elementos constitutivos dos mitos e simultanemente como produtos auióctones, individuais, de origem inconsciente. Esta última hipótese é indispensável, porque as imagens arquetípicas, mesmo complicadas, podem aparecer espontaneamente sem nenhuma possibilidade de tradição directauJ3. Mas a partir da sua obra intitulada Tipos Psicológicos, Jung começa a denominar "imagem primordial'' ao que antes designava por "arquétipo": "Chamo primordial a toda a imagem de carácter arcaico ("Uma imagem é arcaica se ela possui semelhanças mitológicas incontesiáveis'7 ou, dito de outro modo, que apresenta uma concordância notável com os motivos mitológicos conhecidos. Ela exprime então, de principio e sobretudo, os materiais colectivos inconscientes, ao mesmo tempo que indica que a consciência no seu estado momentâneo é menos pessoal porque submetida a influência colectiva. (...) A imagem primordial, que eu chamei noutro lugar também 'arquétipo', é (ao contrário da imagem pessoal) sempre colectiva, quer dizer comum ao menos a todo um povo ou a toda uma época. Muito provavelmente, os principais motivos mitológicos encontram-se em todas as raças e em todas as épocas; eu consegui mostrar a existência de motivos de mitologia grega no sonho e nas imaginações de negros"34.

Essas imagens, cujo lugar natural é o inconsciente colectivo (autêntico Grund, abismo sem fundog5), fazem parte integrante da experiência universal e intemporal do homem. Como exemplo de tais imagens podemos citar a "persona", a "sombra", o "animus" e a "anima", o menino divino, o sábio e o rei idoso, o mago (lembramos aqui a figura de Merlin), o arquétipo da mãe e o do mandala (símbolo de importância capital representando a "máxima perfeição", que só por si merecia um estudo 36...).

A análise junguiana dos arquétipos deve, como temos insistido, ser completada pelas análises da antropologia de profundidades e da fenomenologia religiosa devidas a Durand e a Eliade. Este último constata que essas imagens, enquanto figuras permanentes e estáveis do imaginário, se encontram sempre presentes e bem configuradas em todos os indivíduos,

8°C.

34 JUNG. Cai1 - hpespsychologiqua ob. ci t . p. 412e 433-433. 35 Idem- Oia!~!iqusdumoiel deiinconrcien!. Parir: Galiimaid. 1991. p, 23-46: e Idem - hpespsycholo~iqoer ob. ci t . p. 446-449~ 416-417 36 Veja-aeILIADE, Mircea - i a Teiie-Mete e1 l e i hi8iagamieicormiqei, Fmflo~J~hlb~ch. k ~ o n a . 22,1958. p. 195-236: CIRLOT, Jiian-Eduardo- OiCciondiiodesimbo!~~, da8d. Barcelona: Labor, 1981. P. 292-5: OURAND. Gilbeit- ierSri~cf~iesanlhrapof~giq~e~deiimu~ind!ie~ ob. cit, p. 282-8.1: JUNG. Caii- Piycho!oQiee!a!chimie Paiii: BucheVChanel, 1970, p 125- 294 (e. esprcialmenle. 2911.

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Z0 Coogiesso Hislbrico de Guimarães / O. Afonso Henriques e a sua Epoca

qual comunidade universal e plural do semper et ubique et ab omnibus que é o 37 ~ u ~ ~ ~ ~ , ~ i ~ b e i t - ~ e ~ u x ~ r t s e ~ a r ~ t ~ ~ e s . LIReii3inndalafiParis: P.U.F. , 1 9 8 9 . ~ . 14.

arquétipo3', tendo nos mitos e nos contos das grandes literaturas os seus 39 ELIADE. Miicea- L'ipieuw duiabyrin!he íen!re!ieor avec C!. H. Rocgoe!) Parir: Bellond. 1978. p. 18i. 39 Idem- LoMphedeI't!einelie!oui. ob. cil.. p. 164. mediadores mais autorizados. Figuras permanentes e estáveis do imaginário, 4o ini!6dhisioi,ed igi Pa,is:Payol,1968,p,341,

a que Eliade se mostra receptivo, visto que para ele o interesse último dos mitos 41 DURAND,Giibert-EliadeouIbnihiaiiala~ie~io!onde.inTACOU. Cavsianlin -Mima Eiiade. Vsiis: CHeine. 1978, p. 33-41: e DURAND,

arcaicos reside nos seus conteúdos arquetipais eternos. Nesse sentido, o autor Gi lb~ l - i 'H~mme~l~ ieuxe l r~ iymboles . inR IES,J~ l ien~d i r l - Jmilt danlhropo!ogiedusacie Paiis: Dpsclee. 1992. p. 113-116.

faz questão de sublinhar, na sua longa entrevista a Claude-Henri Rocquet, 42 OURAND, Gilbefi- LeGbnie du lieu et ies heurespropiros. vaur ie double jubiibd'Eianos.ai1. til.

aparecida sob o título de ~'Épreuve du Labyrinthe, que atribui ao arquétipo um u ve~a-$eELlAoE.Mi~~-LaC0in~idenIia0~p06iI0riim~lIemysI~rede ia tolalite. €,anos-Jah,hchh, Ascana. 27.1958. p. 195-236: Idem - imdges

sentido diferente daquele que Jung lhe conferiu, pois, para ele, o arquétipo não asymboie~.EEsrasurlerymbofiimemdgi~~-re~igie~~.Paiir:Gsllimaid. 1994. capr I e 3: Idem- n8i!idnislaiiede~i~ii#idnI, ob. til., p. 241-

e uma predisposição do inconsciente coiectivo (Jung), mas, no sentido de 243: e ~dem- ~ p h ~ , d v e ~ e ! m ~ ~ f d i e r Parir: Gallimaid, 1981. 44 ELIADE. Miicea-liailbd'hislolie des sligioni. ob. cil.. 1968. p. 356.

Platão e de Santo Agostinho, um "'modelo exempiar' revelado no mito e que se , v~i , , ,~~ ,~ ,d , l~ -L , ,~~f~~meO~, , ,a , io ,~~8,~~~~

reactualiza pelo A prova dessa diferença reside na ~~confissão~ de ~ l i ~ d ~ , d " v i ~ e ! ~ ~ e i a f i o ~ a ~ e c ~ ~ ~ ! i o n n ~ P ~ i % V w ~ 1 . l 9 6 9 . ~ . 2 5 .

expressa no seu Mito do Eterno Retorno. Arquétipos e repetição, de que lamentava não o ter antes sub-intitulado Paradigmas e repetição, a fim de evitar confundir-se com a terminologia jungiana. Neste trabalho defende que a weltanschauung do homem "tradicional", do homem "arcaico", é encarada como arquetipal e a-histórica (caracterizada pelo tempo cíclico, pela regeneração periódica da história que pode ou não apelar ao mito da "eterna repet içã~"~~): "A repetição dos arquétipos acusa o desejo paradoxal de realizar uma forma ideal (= o arquétipo) na condição mesma da existência humana, de se achar na duração sem transportar o seu fardo, quer dizer sem experienciar a irreversibilidadeW'D.

Para Durand há uma cumplicidade, uma complementaridade entre a "arquetipologia culturalista" de Eiiade" e a arquetipologia de Jung, ambos companheiros do Círculo de Eranos", na medida em que aos arquétipos do Mandaia, do Puer Aeternus e do Velho Rei. entre outros revelados por Jung. Eiiade acrescentou, na sua démarche de historiador das religiões e na linha daquilo a que Durand chama "arquétipos fenótipos", os seguintes: o "ferreiro mítico", o "deus ligador". a "deusa da vegetação", a imagem do Centro, que em muito corresponde ao arquétipo do Mandala, a figura do Andrógino, e mesmo o mito da "pérola", que aponta para a ideia de esfericidade e que é sempre símbolo de totalidade e de perfeição porque co-implicadora de contrários". Tudo parece, portanto, indicar que o autor estudou os mitos arcaicos com o objectivo de saber qual o tipo de "arquétipos" que os povovam ou que os configuravam: "Poder-se-ia mesmo dizer que os mitos fundamentais revelam os arquétipos que o homem se emprega a realizar frequentemente fora da vida religiosa propriamente dita"44.

Os arquétipos são, portanto, imagens primordiais numinosas (o "numinoso" de Rudoif 0tt0"~) imperativamente potentes e pertencentes ao domínio genético (Portmann. Lorenz, Uexkull ...) do comportamento humano, que emergem a análise através das "imagens arquetípicas" (Durand e Eiiade). Para que esta distinção entre o genético e o cuitural se tornasse mais nítida, Gilbert Durand,

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Afonso Heniiques, o mito lundador e a recorrhcia mílica i Aiberto Araujo e Armando Malheiro

na linha de Jung e de P~rtmann'~, não esquecendo o precioso contributo de 46 PORIMANN. Adoll- 03s Pioblem der uibildei in biologischei richl. Enno~-Jdhib"~h, Ascona. 16,1950. p. 413-432. (e. erotclalmente. 424 e renr.1; e idem - A Biolg~ia e a condol8 da nasu vida. Como viveramanhã Lorenz" e Ue~kull '~, prefere falar não de "arquétipo" (a Jung) ou de arquétipo

ncanl,a sink,naCionaiE deGenib,a) MemMalnr:PublicacuerEuropa. como Urbilder (a Portmann). mas de dois tipos de arquétipo: os genótipos Arn~iicd.1%5.p. 115-121.

47 LORENZ. Konrad- Esrairiwl8compoiiemenIanimdIdIh~mdin~ Pari.: (que correspondem aquilo a que Durand chama "esquema") Seuil. 1989

48 UEXKULL. Jacob von - Mondadnimd~xeImOndehumdin50i~ide e os fenótipos. lheoriedela$ignicrlion. ~ ~ a i i s : Gonlhiei 1965.

49 OURANO. G i l b l -AiChBlypeelmyihe. in AKOUN. Andre- Mflhasel Os genótipos reportam-se à constituição anatómico-fisiológica de cada ~ioydnce~durnondeeniier. roome V-ie~ondeanideuimodeme Paris:

Lidis-BIOPOIS, 1985, p. 4I. espécie: "Pela sua configuração específica, cada indivíduo duma espécie 50 1bidem.p 444.

51 : ::- L seecciona granoes con,unros espacas, serisoriais sitnoó icos qLe sáo as 52 . . C s r . o . . s . - :C .,.'s:.:s:r . : , ( : < . # . L , , r . , ? ' . S !2.. l i j ) :.c " ... O[., ;.r::.,..$ c..;:, . > . > , ? < * . e , . .. . Uroioer (~maqens arq-cr p cas, que oef nem o seL m-no0 o se- ecoss~srema -:.. o!.-s! . . , .r. : !., .c,: .... ~: -o.:t:c. .

(o seu sistema eco1ógico)"'g. Enquanto os fenótipos são os que derivam da Daniei - l~l~ligênciaemo~io~á~, ~irb0a:'~irculode le i l o r i~ , 1995. Peimilimo-noscham~a a1enc3o oaia o ouea olimeiro Autor cilado esclarece

aprendizagem cultural, isto é, são formados pela acção cultural e educativa sobre 8s d~slgnada '~pmle61acõei diiiosicignair' (ou .deDOrilo inlegial do conhecimento' e de 'imzqens oor evocaCão'1 deiiaando reouinle odiaclo: 'O , . , .... . . , i , , i . . . c . .?,. ,:- .;,. .... !.....

do me o Eles não provém o ~ m o,rro rronco geneico enxeriaoo no inoiv:o~o y,.:;.., .. .: ......... ....... -, ........... ..: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ' . * C . . . . . . . . oLma oaoa espéc,e eles sáo coriscrvaoos pc.a aoaprao ioadc ao tnc.0 aos : ..,: r.d., .; :>',c::;:::.*!:"'!~~;:~',$o:', < . : :,..,;.: -,.:., .J ..: ;;,

. aowiros got7iiorcs oa espécie e eoucaoos progress /amenre por uma . . . . , .. ,; ,,.,.,. :,,$ .!$ ?.- -,:..,:: .:., s! ,,,.. >- ,.. ..... ".... , ..... .<.,..!;<..'L; ....... . . . . . . . . . ..... . . . . . ;,.*, ....,. ;. .. <.. .. :-,:,- aprendizagem nos peq-enos . Esre :ipo ae arq,Ér pos u,..e consi [..em ,. . - ....... . . . . . . . . , :: :..->5 ::i::: ..:. .: ' 1

.... a s-osrant f c a p o oo csquema oel n da ma's aoanre, são para D-rano, as ;,;.,;,..,...,.c $:..,.:,:$:..;-e.:>$>.:,: ,... ... -;. . . . >:'i:i. . . . . . . . . . . . . . . . . . .............

... . . . . . . .... concrer!zações imagnaras as incarnaçóes i~guraoas dos s~osranr /os e oos ,,:. ,, :L,. ...... ,... :,.. .......,. . . . >.,.$ .- ..< ' . , . d l : _ . , : . ; : . ." . . . . . . .:, . S " . ' ? . .".'.c.c.'.. -,:,. : . . . . . ........ a i r ' b ~ l 0 ~ .' As recenies p c s q ~ sas ne-roo ológ cas sobre as re açõcs cn:rc ;::.;,;... ; ..!., " , r , 2 , . . . , .,.*, 3 . . , . . . . . . . . . . . _ . ..:. . . . . . . . . . . . . . . > C 1.: 1.1 i : i ? . ; . c ! ..i:

esrados menia s" e esrados cereorais especiicos trazem ranro qLanio - . . . . ... '.;! :.: , ; , : . C : . : , ,c . . :c . : . : r . , c , c . : : , : : : . r : . c , , : ,... .'( . ..7 . . . . r : > > . % > . , .,.. : ; . 3 . ,. '??:.,:.;!'.:" ,:C:: ..... .... . o rraoalno méa co e aboraior a, o pcrm te aporraçõcs orcc osas para 2 . ., ..-:. . . . . ,.? c I ( : . i . < . 3 > . - - ::: ..:s :.s ;,,.r ::. ;.:;. . ' ... . . .. va aacáo m'n ma ao nconsc enre aroAet oal:- . . . . *., ,c : a s $ , .c. , , acrkcinl8dls id;iS naas caiadas de cdlulzs cziebmis, que vieram fomaio

Os esquemas definidos anteriormente como "realizações dinâmicas e neocdri1x. h C O ~ I ~ I O com O ~ I ~ Q O ccr~ex de duas camadas. O neocdriex

afectivas das imagens" são os arquétipos genotípicos que têm. em última oleieciu uma eriiaor#oúrin vanlagem inleiecluzl. Oniacdrierdo Homo rapienr. maior que o de q"8iquer8sp6cie, trouxe consigo ludo o que d

instância, a sua origem nos gestos (Leroi-Gourhan) e na teoria do "reflexo dislinlamenle humano O neocdriex eusede dopeiamrenlo; canl6m os cenliar que iniwrdrn e campieendom aqvilo que os renlidos doip18m. Açiacenlaa um

dominante" (Escola de Leninegrado com a sua refiexiologia betcheriana): seniimenlo aquiloqueueponsammu ieip~i1odaIe-epeimile-nml~r aeolim~nlo$a rerpeilo de ideias, arl8, simboios, imapindc8eS. A evoiuçdo do

T~~ é bem o arquéijpo: grande imagem un;versal;zável porque ligada -para neocdfleexpemil i~~ma~~'~ocri Ie! io~queimdOviduliouxeenormei vanlaoenr8 doipdcidade de um organismopaa sobreviver dr adveisidades.

além das línguas e dos escritos - aos gestos (a motricidade elementar da loioaodomaispiavdveiquzasuuprag~mie1iansmi;~poisua worpenerque mnl& 0s mamos circuilo~ neuiondis. EsId vdnld~om em lermos de sabievi@nciz deves6 d capacidade da neocdriex pan delinirenialegi#s, hiee criança, gramática das pulsões que precede a da Academia francesa. aos pmoeo vlms61pa cidddermenIdi ai emdi3ia osir

reflexos dominantes que são as marcas do género homo, da espécie dsurie, @da c i v i i i a~o e da cui~uius~o ludo I~UIO~ doneocáriui (0.33). 53 OURANO. Giibert- Ler Chaa. ler rali e1 leiriiuçluialiales. Cahiers

sapiensp. São, pois, os gestos, enquanto esquemas que, sob a pressão do inlemalionuux de Symboliime Moni. 1969 (17.16). p 2s. 54 Idem - LesSliucluraa~hiopoiogiq~e~delimd~indire~ ob.c~l.. 0.62

ambiente natural e social, determinam os arquétipos como foram, mais ou 55 ibidpm. p 61

menos, definidos por Jung". Esta "génese recíproca" entre o gesto pulsional e o meio-ambiente físico e sócio-cultural e vice-versa, foi classificada por Durand como "trajecto antropológico". Em suma. o esquema é o motor da linguagem natural e física, logo o responsável pela produção do gesto humano ou da expressão corporal e da própria linguagem. Por isso, Durand, apoiando-se em Mauss e Leroi-Gourhan, considera-o como a primeira "linguagem", porque une os gestos naturais ou gestos dominantes reflexos (provenientes das partes sensitivas e motoras) as suas representaçõe~~~.

Mas, se, por um lado, admitimos que o gesto é primeiro e que a fonte do simbolismo reside numa realidade não-linguística, que é a semântica do desejo

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ZP Congresso Histdrico de Guimaráes / O. Afonso Heniiques e a sua Época

para R i ~ o e u r ~ ~ . as pulsões da vida. na terminologia freudiana, ou mesmo os 5 6 d'heimeneu~i~oe RICOEUR. Paul Paris: - seuii. ie Conllilder 1968. p. inleeprBIdli0nI. 67. Essis

gestos corporais, como aqueles que são feitos com a mão, por outro lado, 57 lbidem. p. 17. 58 lbidem. p. 68.

também afirmamos que o desejo, as "imagens primordiais" (Jung), a linguagem 59 OURaNO.Gilb~n-LerSlr0~l~ie1d0lhro~0l0~i9~e1d2Iimd~indiie~ob. ciI . . . p430:412e431.

onírica, os símbolos cósmicos (de que a água, a terra, o fogo e o ar são 6 0 Ibidem. D. 54-55.

exemplo), só são audíveis ou recuperáveis, mediante a linguagem: "Não há simbólica antes do homem que fala, mesmo se a potência do símbolo está enraizada mais abaixo; é na linguagem que o cosmos, o desejo e o imaginário acedem a expressão; é preciso sempre uma palavra para retomar o mundo e fazer com que ele se torne hierofania. O mesmo acontece com o sonho que permanece fechado a todos, enquanto que não emerge ao plano da linguagem pela narraçã~"~'. A linguagem é, então, a expressão do simbolismo arquetipal, da experiência vivida ao nível da instância última do símbolo enquanto tal. Por outras palavras, a linguagem é a epifania quer do nosso desejo de nos exprimir, quer dos nossos sonhos. A este nível tão fundo, compreende-se que o simbolismo apareça como um enigma que resulta do entrelaçamento entre a equivocidade do discurso e a equivocidade do ser pelo simples e tão complexo facto de o "ser se dizer de múltiplos modos". Todavia esta equivocidade passa necessariamente pela linguagem enquanto estrutura do "duplo sentido", sendo esta a responsável pela abertura da multiplicidade do sentido a equivocidade do ser5? o primário ou literal, físico (conteúdo patente), e o sentido figurado, espiritual (conteúdo latente), ou, então, do "sentido múltiplo" que designa um certo efeito de sentido, segundo o qual uma expressão, de dimensões variáveis, significando uma coisa, significa ao mesmo tempo uma outra coisa. sem cessar de significar a primeira.

A introdução do conceito da estrutura de "duplo-sentido", avançada por Ricoeur, revela-se extremamente pertinente, pois é através dela que podemos compreender o mito enquanto discurso e símbolo. É também por seu intermédio que se percebe porque é que o mito introduz lineariedade na narrativa partindo de um universo de natureza diferente, não linear e pluridimensional que são os símbolos: ele está a "igual distância da Epopeia, reservatório dos mitos desafectados pelo escrúpulo positivista da pesquisa arqueológica, e do Logos onde se entrelaçam linearmente os signos arbitrário^"^^.

No entanto, para se conhecer a linguagem mítica, com os seus símbolos e imagens, com os seus arquétipos tornados ideias. é-nos necessário recorrer as "estruturas antropológicas do imaginário" estudadas por Gilbert Durand. Elas organizam-se em torno de três grandes reflexos dominantes de todo o organismo humano, que são o postural, o nutritivo e o cop~la t ivo~. A cada um destes reflexos, Durand fez corresponder três grandes grupos de esquemas: o primeiro grupo ao qual correpondem os esquemas de ascensão ou verticalizantes e diairéticos, é simbolizado pelos arquétipos, sempre estáveis, do "cume", do "chefe", enquanto que o segundo grupo é simbolizado pelos

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Afonso Heniiques. o mil0 fundadoi e a iecoii8ncia milica i Albeito Araújo e Armando Malheiio

arquétipos do "ceptro" e da "espada". pelos esquemas da descida e de 61 lbidem, p. 202-215. 62 lbidem. p. 399-410.

interiorização. simbolizados pela "taça", e o terceiro grupo, com os esquemas E ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ - ~ i l i a , D l d z l arjmag deIdidadMddid,Ba,celona rítmicos (com as suas nuances cíclicas ou progressistas), é simbolizado pela TeO~ema.198.~.172.

65 PlAlAO-Timee-Ciilisi. in Oeuvrer Campl&le$, IomeX 3**ed. Psiii: "roda" e pelo "bastão". Por sua vez. agrupa-os em dois regimes: o primeiro 'L86 Belles Leiires.. 1 9 5 6 , . 1 0 i ~ m ~ ,

66 VIEIllARD-BARON. Jean-louis- C h e e l ihniie ou ia reniiiwiion grupo no regime diurno, e os dois últimos no regime nocturno. Num último phil~l~phig~~dil iyrnbolirrne dmaiier. CahieideIhcm6li$me ~aii.: Aibin

MiChe1.1976. p. 213. passo, mostra que estes grandes esquemas, com os arquétipos que lhe ~i veja-se CORBIN, ~enry-~iicecri~ede I'angiilologie. cahiende

rHermdlisme Paris. 1978. p. 15-79: JUNG. C r I - LU Racinprde Ia correspondem, determinam aquilo a que Durand denomina estruturas. que se caoicience iludessuiiarchdrme parir: BucheVChariel,1982.p. 158;

dividem em três: esquizomorfas ou heróicas (dominante p~stural)~', sintéticas DURANO. Gilberl- LesSliucl~esanlhrapolo~iq~sdeiim~ginuiiz ob. cit. p. 148: D VIEILLARO-BMON. Jedn-Louil- rimes1 I'anoe, an. cil.. p. 207-

ou dramáticas (dominante copulativa)" e místicas ou antifrásicas (dominante 219.

digestiva)= Passível de discussão construtiva, tão saudável quanto necessário se torna

estimular uma ampla e profunda conflitualidade de interpretações, fica, assim, exposta, nos seus principais vectores, a moldura conceptual que nos serve de apoio ou de bússola hermenêutica para a compreensão e interpretação da pregnância mítico-simbólica da narrativa de Ourique nas suas versões e aspectos mais característicos e estruturantes. E torna-se, pois. imperioso regressar a narrativa do Milagre..

Começamos por "isolar" a figura do ermita. Trata-se de uma figura importante que desempenha a função do Anjo ou, pelo menos, deixa-se assimilar pela sua semântica arquetipal. Sinal disto é que o ermita, no Tarot de Bologna, aparece não só como uma patriarca com asas (que já é indicativo do seu estatuto angélico), mas como alguém que trabalha o futuro: "é um ancião experimentado que conhece o passado, no qual se inspira para preparar o futuro"6? Não é por acaso que Jung vê nele o Velho Sábio arquetípico com a sua lanterna acesa que, a nosso ver, simboliza o espírito quinta-essencial que transcende os quatro elementos naturais e, mais uma vez, nos encontramos aqui com a simbologia do número cinco,

Todavia, no que se refere ao Anjo, sabemos, através do Crátilo de Platãom, que deriva do verbo grego que significa "falar" e de angelo que significa mensageiro: "o Anjo é o mensageiro que traz aquilo que Homero chamava 'ás palavras voadoras: quer dizer divinas ou pelo menos sagradas (...). A asa simboliza aqui, antes de mais, a mensagem na sua positividade na sua fecundidade c r iad~ra"~~ . Esta fecundidade criadora liga-se a ideia de purificação e ao universo do invisível tornado visível por seu intermédio. Henry Corbin refiriu. por isso, que a figura do Anjo possui uma tripla função - a hermenêutica, a teofãnica ou anunciadora e a escatológica: "O Anjo é o hermeneuta, o mensageiro da luz que anuncia e interpreta os mistérios divinos. Sem a sua mediação, nós nada poderiamos saber nem nada dizer (..) o Anjo visível torna visível a alma tudo aquilo que lhe era invisivel. .. .. o Anjo da Face não é o hermeneuta da divindade em geral, mas a anunciaçáo 'aquele que traz a profecia, aquele que anuncia a divindade que vemw6'. Finalmente. e

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2@Congresso Hislbrico de GuimaraesID. Aionso Henriquese asua Epaca

atendendo a tipologia durandiana das Estruturas Antropológicas do Imaginário, DU~D.Gi lbed- i~S!n ic fwesa~!h io~o io~ iu~esde i )maoina i reob . ~ i l . p. 307-320eAn0m 11.

o Anjo aparece como um arquétipo "substantivo" integrado no Regime Diurno 69 Veia-aeGUHL.Marie-Cecile-lesParadisoulacodi~u!8lionmythiQue e! aichdlypale du sluge. C/,&, Pariri, 11 1972. p. 103: e AWIUJ0,Albedo

com as suas estruturas esquizomorfas ou heróicas. Tipoloqia que confirma a Fiiipe eSILVA. Amando Malheiro da- Milandlisee inleidirci~linaiidade. a*. cit.

ideia de purificação e os esquemas verbais da subida e da descida que 70 OURANO. Gilben- LesSrrucr~i~an!h~opoiooiqueidelimagindi~e~ ob. cil., p. ,277-279, Veja-relambdm CIRLOZ Juan-Eduardo- Oiccionatiode

caracterizam este tipo de regime. simboios, @ob. til., o, 120. 7 1 JUNG. Carl- Ler Racinerdelaconicience. ob. cit., p. 445. Veja-se

Lê-se na narrativa que o ermita encontra-se numa pequena capela (ermida). a ~ d ~ t c i ~ ~ o i , ~ ~ ~ ~ - ~ d i i a r d ~ - ~ b . ~ i t . , p . 19.156. 72Vcja-se CIRLOT, Juan-Eduaido-ab. cit.. p 407-410: OUPANO, Gilbeil - Eis-nos perante o segundo arquétipo, que é o da Casa. Este é um arquétipo - ~ , s ~ , ~ ~ ~ ~ , ~ ~ ~ ~ h ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ d ~ ~ i ~ ~ ~ i ~ i ~ ~ , ,b.,i1.,,104.iffi~

"substantivo". prenhe de semantismo feminino e situa-se, na classificação 363-369; c NEUMANN, Erich - La Grande Madre FenomBooiooiadel!e cooogIIid2ione iernminiie delIinconrcio. Roma: Aslraiabio. 1981.

isotópica as imagens de Durand, no regime nocturno com as estruturas místicass8. A estas estruturas, ligadas ao "continente", associam-se os arquétipos de profundidade, de calma, de intimidade, de calor e de recolhimento. Todos eles indicam. a nosso ver, o sentido feminino subjacente ao arquétipo da Casa e, consequentemente, do papel simbólico desempenhado pela ermida como casa pequena e íntima, e cuja relação com a ideia de refúgi6 e do símbolo do paraíso é evidente6? "A casa constitui portanto, entre o microcosmo do corpo humano e o cosmos, um microcosmos secundário, um meio termo (...) a casa é labirinto tranquilizadoc amado malgrado aquilo que pode no seu mistério subsistir de ligeiro temor (...) A casa é sempre a imagem da intimidade repousante, quer ela seja templo, palácio ou choupana. E a palavra 'casa' [indica] sentido de paragem, de repouso, de 'çede' definitiva na iluminação interio,: (...) A importância microcósmica atribuída a casa indica já a primazia dada na constelação da intimidade as imagens do espaço bem-aventurado, do centro paradisiaco"".

Outro arquétipo, presente na versão de Duarte Galvão, a merecer destaque, é o da Cruz, ligado ou contaminado pelos arquétipos ascensionais (porque ligado a simbólica da árvore), o que confirma, como vimos a propósito do arquétipo do Anjo, a simbólica de ascenção e de purificação angelical. Mas, ao contrário do arquétipo anterior, marcado pelas ideias de distinção e por epítetos de pureza-mancha ou alto-baixo, este arquétipo "substantivo". integrado no regime nocturno. com as suas estruturas sintéticas ou dramáticas, aparece como símbolo da totalização espacial ou não (veja-se o caso da união do yang e do yin), da união dos contrários (o positivo equivale ao vertical e o negativo equivale ao horizontal) e, finalmente, a Cruz aparece como símbolo da totalização do mundo. O que importa, pois. realçar a respeito deste arquétipo é que a sua característica maior é a da "unificação" ou a coincidentia oppositorum : a "conjunctio - explica Jung - é o cume da vida, e ao mesmo tempo o cume da morte"". Por outro lado, refira-se que a Cruz opõe-se a serpente, ao dragão Ouroboros, que simboliza as forças instintivas do inconsciente, as forças primordiais da Magna Matec enfim, a desordem face ao cosmos, símbolo da ~ rdem'~ . Por isso, não é de estranhar a cumplicidade existente, ao nível simbólico. entre a Cruz e o arquétipo "substantivo" da Arma

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Afonso Henriques. o miio fundador e a recorr8ncia rniiica i Albeito Araujo e Armando Malheiro

Heróica que pode ser a Espada (símbolo de separação, de distinção), não só 73 DURAND,Gil~!t-L~Slmclu~e~anfhiop~l~giq~e~de/<irmgi~i~e~ilb. cit..p. 181.

porque ambas lutam contra o monstro primordial, como também a Espada, na ;; ;;;;;:;: i;; Idade Média, assume a forma de Cruz e, por isso. torna-se símbolo de conjunçáo.

Nesse mesmo período, a Espada aparece como o símbolo que encarna preferencialmente o espírito, a liberdade e a força e também a Palavra de Deus contra as trevas, a impureza, o desordenado ou caótico. Esta simbólica coloca- a na categoria da Arma Heróica que, por sua vez, cai no Regime Diurno com as suas estruturas heróicas: "A arma com a qual se encontra munido o herói é portanto simultaneamente símbolo de poder e de pureza. O combate reveste mitologicamente um carácter espiritual senão mesmo intelectual, porque 'as armas simbolizam a força da espiritualização e da sublimação'(Pau1 Diel)"'3. Porém, a arma só é heróica se houver um herói porque uma arma sem alguém que a use para fins heróicos, não passa de um instrumento cortante inerte. Lembramos que, na tradição medieva, as espadas eram frequentemente denominadas, personalizadas - Excalibur do rei Artur, Durandal de Rolando, etc. Desembocamos aqui na figura do Herói. enquanto arquétipo "substantivo" subsumido pelo regime diurno e pelas estruturas heróicas. Este arquétipo é sempre solar, porque belicoso e activo opondo-se ao Herói lunar passivo. pacífico e resignado. O Herói solar impõe-se pela sua coragem guerreira, pelas batalhas que enfrenta e, sobretudo, daquelas em que sai vencedor ao serviço de uma causa profana ou sagrada. No caso de Dom Afonso Henriques e se relacionarmos as suas representações ideo-míticas em certas conjunturas da nossa História, descritas e interpretadas por Ana Isabel Buescu, podemos dizer que ele aparece náo só como um herói profano, mas essencialmente como herói do sagrado, porque eleito, escolhido por Cristo, confirmando, enquanto tal, a orientação simbólica de que a transcendência se faz mediar por um braço armado: "A transcendência - escreveu Gilbert D ~ r a n d ' ~ - está portanto sempre armada". E é ainda Durand quem nos mostra que símbolos, como o da Espada, que gravitam em torno da ascensão ou da luz (arquétipo "substantivo"), possuem sempre uma intenção purificadora (purificação: arquétipo "epíteto"): "A transcendéncia, como a claridade, parece sempre exigir um esforço de distinçã~"'~ -com os seus esquemas verbais de distinção e de separação.

Identificados os arquétipos constituintes da narrativa do Milagre de Ourique, na versáo de Duarte Galváo, resta-nos chamar a atenção para os seus símbolos: a "campainha", que náo é outra coisa do que um pequeno sino, e c "cinco", referido na citada versão do Milagre de Vasco Fernandes de Lucena - "cinco vezes" e "cinco escudos" e "cinco dinheiros" em cada um dos escudos. E, assim, ficaram consagradas. do ponto de vista heráldico, as Armas de Portugal, a que Camões aludiu em duas inspiradas estrofes de Os Lusíadas :

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Z0 Congresso Hislbrico de Guimaiáes i O. Afonso Heniiques e a sua Epoca

Já fica vencedor o Lusitano, Recolhendo os troféus e presa rica; Desbaratado e roto o Mauro Hispano, Três dias o grão Rei no campo fica. Aqui pinta no branco o escudo ufano, Que agora esta vitória certifica, Cinco escudos azuis esclarecidos, Em sinal destes cinco Reis vencidos.

E nestes cinco escudos pinta os trinta Dinheiros por que Deus fora vendido. Escrevendo a memória em vária tinta, Daquele de quem foi favorecido. Em cada um dos cinco. cinco pinta. Porque assim fica o número cumprido, Contando duas vezes o do meio. Dos cinco azuis que em cruz pintando veio7=

A campainha, de acordo com a tipologia durandiana, pertence ao regime diurno com as suas estruturas heróicas, comungando das características típicas deste tipo de estruturas antropológicas do imaginário. Quanto a simbólica propriamente dita, ela centra-se na ideia de céu, do alto, do claro, do puro e da força criativa do espírito: "O seu som é simbolo do poder criador Pela sua posição suspensa participa do sentido místico de todos os objectos colocados entre o céu e a terra; pela sua forma tem relação com a abóbada e, por conseguinte, com o céu"".

Quanto ao segundo - o "cinco" -pertence à Aritmologia, subsumida pelo regime nocturno com as suas estruturas sintéticas ou dramáticas, e a sua simbologia confirma as características principais destas mesmas estruturas. Prova disso, é que o "cinco" é o número da hierogamia, isto é, a união do princípio do céu (três) e da Magna Mater (dois), é também símbolo da quintaessência que actua sobre a matéria e simboliza a Realidade Final que é a realidade do espírito e do homem: "o cinco é, seguindo a concepção antiga, o número do homem natural [o homem antes da queda] cujas pernas e braços estendidos desenham, com a cabeça, um pentagrama [os quatro membros estendidos definindo quatro pontos da estrela, e com a cabeça como o quinto p ~ n t o ] ' ' ~ ~ . Importa, também, assinalar que o pentagrama, tendo forma de estrela, representa a estrela da síntese universal e "é a estrela da revelação que guio; os magos à rnanjed~ura"'~. A relevância e a densidade deste aspecto são, pois, indiscutíveis, aplicando-se por inteiro não apenas ao Milagre de Ourique, mas a concepção universalista e de plenificação da História que. em pleno séc. XVII,

76 CAMOES. Luis dt- or Llisíadas Edicão ornanindaoar EmamaoueiPaulo

por AMARANTE, Edulrdoe OAEHNHARDI, Rainei- Parlupal. A M ; ~ ã o q ~ ~ lall8cumpiic wl I:Arqu~f@mem;for Lisboa: Ediqõei Nova AcrbDole. 1994.939-41. 79 NICHOLS. Sallie- Ju~gaola,ü. Sao Paulo Cdliix. 1989 I?). 9.134.

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Alonro Heniiquer, o mito fundador e a iecorrència m l i ca l Alberia Araújo e Armando Malheiro

o P António Vieira condensou na ideia do Quinto Impérios0- "chave-mestra" 80 Uma inrnle r prolundaanblirelilor6liradoveniamenlo vieiiinoe Quinto impeiial~hl-seem BORGES, Paulo Alexandie Erlever-A PieniIcsFSoda His16ria m PadnAnl6nio Vieiia. &ludo rohns Ideia de Ouinlo lmperions do messianismo lusocêntrico. Com efeito, é a pregnância simbólica do cinco oel eraPmle oBibUndldoSanl~o1ido,Liiboa~ImvrenraNacional~Cwda

que acentua e reforça a estrutura escatológica (dominante na mitogénese Moeda. 1995. 81 Bwwüi\o. Anlanio- M o m i q ~ i ~ l o ~ i f m lntrodu@o deA. da SilM

messiânica) do Mito de Ourique: o ermita/Anjo revelou a Afonso Henriqueç ter R~~o.Noi~~d~ADiarFaiinhaeEduaidodor,Sanior.Pa~elerais.Li~boa: implenra Nacional-Caia da Morde. 1973. li. 128~ .

sido escolhido por Deus para seu braço armado e o próprio Jesus Cristo 82 Sobreeria maliizJ~nJac~uer WUIIENBURGER numprlar~odr clarilia@oe dediilin@o da n~rculivam1irada IimDleIeI1buia~o ienda ou

confessou-lhe a suprema vontade de fundar, através dele, um Império, invrncao ~ o m a n w a . ercreveu o reguinis: 'Parconrre, IIOJ WI~UBPOI~I~Y~S, @nCralemenlalr~ibudusumflhepa~~hmdne~llq~e~ ne dddiennenl

"por cujo meio seja meu nome publicado entre as nações mais estranha^"^'. IOIU. q u e ~ ~ r ~ ~ p r 6 ~ e ou mflhe unesoric de mdIrice~n~mIiic0 dusa~, de 'logosspeimaiikor'pi~re, qui ln~eneialangvede$iws

No mito fundacional da Nação portuguesa podemos, em síntese, vislumbrar ~~biiq~er,~exi~lm#~~esorl~d~code@OdliqUCinI~ineelnddpendUnl d# aidas dv(Omen1ieb der varlalionrcolexlli, denenlleseolmoy~n de

os sinais da totalidade ôntica. em que a portugalidade forçosamente se insere di~lnei ier&i lmf lh iq~ed'd~ecid~impl~~~b~i~I j~~,donl ieooyaode

e enriquece: a narrativa do Milagre reflecte, como toda a narrativa mitica, r@niIulion rsl wlerne (dam iam$ dsi@ende$, d'ilne grandoparliea rinwnllon mmansquel. oanice css, l e r r n o l i l ~ ~ ~ n ~ r dline hirlainne pauwnl~pliq~erd ru*u*~e~IE, "li2 cdnlifiurion n i m h ldi&priviId du a interacçâo convergente das práticas e das vivências racionalizadas (através mflhe,,,,ow,,,~d,ir,m,lRnnend~nld~,,,,~~,~~l~,

de ideias, de conceitos, de imagens sócio-culturais, etc.) e marcadas pela anldrieweel $ddpen&nle delouleexpéridnce IdcIucIIe, rendmmplededeux propiidl& s o u m m i w eo ~ciguc~drierscience~ humdioer: d'dhoid,

temporalidade de um processo histórico específico, com o incluído ' b P P ~ ~ P ~ l ~ ~ i ~ ~ d u m f l h e . n ~ P a u ~ l ~ ~ ~ l e ~ d u ~ e ~ ~ P o ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ a ~ ~ ~ ~ ~ pariiellem~linreiligihi~s, nepeulse IdiiaqucparId idpdlilion dvmflhe !vi-

na "matriz" psico-fisiológica da espécie humanas2. Interacção dinâmica que mEme Irnpr~gm~ion LemflhcslunelormeiedonBnlede~imdgindiip. elnonpaideromparillon, papaompdheniion qvi8oiIlpai filobaIeeInonpar

convoca a ancestral, difusa e perturbadora comunicabilidade e/ou erpIi~dlionpidfi~wiie~ EnIuiIe, te no)%" inlIin56qPa dumflhedppaoii inr&rdhle deoIa1peurs 011dacIiw1eu0 dusdn~, q~ldemcuienlinwrianl~

cumplicidade entre o dizível e o indizível, o racional e o irracional. pardela lescIWnfiemenBenl~din&pdr 1s Mciudes c~llu~eller, olquine r o n l a ~ l ~ ~ ~ q ~ o d ~ s d n h d ~ p e r , danlanaroovenlmirenwl~~ildlon~li~n

o conhecimento (des)encantado e o encantamento do desconhecido ... gdodnlriccdelorme~~pboliqv& ici. Idem - l a viedprimagu, ob. cll.. p. 301.

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ZP Congresso Histórico de Guimarães / O. Alonso Henriques e a sua b o c a

4. Recorrência mítica e processo histórico

Do exercício mitanalítico efectuado pode. de imediato, inferir-se que a 63 BuESClJ.Ana ~rabel-un Mylhelondal<ur du royaume du Ponugai: le mincle GOuriQue. in I'lmdpii"redelaN~lion/1792-19921 Açlerdu

estrutura escatológica (dominante no messianismo), claramente inscrita, como ~ ~ ~ ~ w ~ ~ ~ " ' @ p ~ ~ f l d ~ ~ ~ ' d ~ " ~ ~ l * ~*~rg""isPa'claude-GiIM* Oubis. Bo~0ldeaux: P U B . 1991. p. 174.

se disse, na narrativa do Milagre de Ourique, permanece como constante mítica ao longo do processo histórico português, emergindo, ocultando-se e reaparecendo em conjunturas de tensão. viragem ou renovação. Não é, aliás, novidade nenhuma a presença do messianismo no imaginário sócio-político nacional, como tem sido posto em evidência pelos principais autores da Filosofia Portuguesa e pela historiografia produzida nas últimas décadas. Basta, a este propósito, atender à pertinente observação de Ana Isabel Buescu sobre a importância do referido Milagre como mito fundador e da sua força estruturante, em termos diacrónicos, na memória da Nação: "Ce mythe -di-lo num texto-síntese apresentado a um colóquio internacional sobre o imaginário das Nações - occupe, en effet, un lieu très particulier dans Ia construction d'une certaine mémoire nationale et constitue, dans ce sens, un véritable "lieu de mémoire". Avec d'autres topoi, comme I'idée de Ia décadence et le mythe, de caractère messianique. construit autour du roi Sebastião (1557.7578). /e miracle d'ourique fait partie de ce que nous pouvons appeler "constellation mythique" (V Magalhães Godinho). qui aura une énorme influence au Portugal au cours des XVP, XVIP et XVllP siècles. Cette "constellation mythique" a une incidente, d'une manière ou d'autre, sur Ia nation, et en définit les con to~rs "~~ . É, pois. interessante o modo como é reconhecido o posicionamento do mito fundador na memória nacional e social (a "dimensão empobrecida" do imaginário), mas julgamos que é possível - e nisto residirá, talvez, o efeito inovador da aplicação da hermenêutica durandiana a esta problemática - ir mais além e encará-lo como referente exploratório da(s) dinâmica(s) profunda(s) do inconsciente colectivo e arquetipal, enformador do imaginário, enquanto sistema dinâmico de esquemas e símbolos (Durand), e instância interactiva com os níveis societal e actancial ("super-ego" e "ego", dentro da atrás focada "tópica diagramática do social"), em que assenta a memória social.

Ao analisarmos o Milagre de Ourique como mito da fundação política da Nação portuguesa, erigido no interior de uma narrativa protagonisada, no cenário de Ourique (o campo da batalha). pelo rei cristão D. Afonso Henriques, conquistador de terra aos Mouros (adversários do "verdadeiro Deus"). e por Cristo aparecido na Cruz (arquétipo), previamente anunciado pelo eremita (ou Anjo, prefiguração do "Anjo custódio" de Portugal, patente na narrativa novecentista do Milagre de Fátima...), há implicações que importa assumir e há, sobretudo, uma que sobressai: o mito não morre. Permanece em latência(s), "oculto" e irrompe derivado ou sujeito a "usura", através de discursos - mito é "narrativa", é "palavra" impregnada de sagrado ... - que procedem das condições históricas (políticas, ideológicas, sócio-económicas, ..

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Afonso Henriques, o mito fundador e a recorrencia mitical Aiberio Aiaúio e Armando Maiheiro

culturais, etc.) próprias de cada conjuntura. E o contexto conjuntura1 (curta ~ i v e j a - s e CHARTIER. R O Q ~ C - A H i i I d ~ d c ~ l l u ~ i a l i ~ p i a I i ~ i ~ ~ ,epiSenld$dS. Lisboa: Difel. 1988. P. 3843. Convdrn nolai uma acenluada

duração) articula-se, em tensão profunda e bivalente, com a estrutura praximidade entres hiiloiiogialiads menlalidads. dainvoivida em Franv a p1niid01m0~60. eamilandlise duiandiana. embora eilepolencial enionlio

postulada pela École des Annales (longa duração), na qual é inteligível a de pel$pali~adab~rdagrn dilesnciadu nao lenha rido ai& aoora expirado POI hisloriadoi~. nem por soabiogosdo imauindiio.

mentalidade de uma época ou de um grupo, ou seja, O "sistema de crenças, as sobieen~md~icaaia-res~~v~.~vmando 8. Maiheira da e ARAUJO. Albeno Filipsde- Miguelirmo s Maria da Fonie. Nolar para uma leilua

de valores e representações" designado por essa mesma escolas mitanalitica. in Conoreso Hi$Id,ico comernom~i~o ddos 15oanor da M8ria da Fonte. AO Encan1,o da Hisldri8. Aclar Pbvoa de Lanhoio: Carnais Municipal.

historiográfica como "história das mentalidade^"^: No âmago dessa tensão 19%. a LEAO. Frseisca da Cunha- OEninmapafluouei Lisboa: Guimaides 8

dialéctica e diacrónica podemos surpreender a efectividade da recorrência c' Editores. 1973 128di@ol.

mítica, porque aí ela desvenda-se, "desoculta-se" e deixa-se "captar" por certo(s) tipo(s) de racionalidade (pós)moderna.

A recorrência do Milagre de Ourique não faz, obviamente, supô-lo como o único mito dectectável no imaginário sócio-político, mas impõe-no, de facto, como referente mítico que permite, por um lado, "descodificar" a vasta produção política, ideológica, literária, etc., surgida nas diversas conjunturas de crise, de ruptura e de renovação do processo (estrutural e estruturante) histórico português, para melhor se "identificarem" os traços míticos subjacentes, bem como a "carga" arquetipal e simbólica do inconsciente colectivo, e, por outro, apreender a interpenetração de mitos diferentes, podendo o messianismo judaico-cristão permanecer derivado ou em "usura" (com a força alternada e invertida de alguns arquétipos e símbolos, como a Cruz ou o cinco ...) em plena ressurgência prometeica e milenarista (acentuação simultânea do prestígio das origens e da salvação definitiva) dos projectos utópicos e revolucionários - a Maria da Fonte e Patuleia", em 1846, o movimento republicano (laicizador e messiãnico) vitorioso em 1910 ou ainda o 25 de Abril de 1974.

Tentativa séria e lúcida de articular a racionalidade científica com o domínio hermético do simbólico, a mitanálise não exclui a discursividade filosófica e intuitiva, antes visa abri-la à pesquisa sistemática. Nesse sentido, pode-se tentar dar, através da hermenêutica durandiana, eventual credibilidade e consistência interpretativa a estimulantes "intuições", como a que António Marques Bessa formulou num texto de 1988 sobre As Dormentes Matrizes, dissimuladas na cultura portuguesa e inscritas na "essência" da nacionalidade ou no Enigma Português ":

O mito fundacional assenta, assim. numa pedra intangível, ou seja, num serviço intemporal ao Senhor da História. O esforço criativo e guerreiro de Afonso Henriques, registado pelos monges de Santa Cruz de Coimbra e recuperado por Duarte Galvão, encontra-se com a guerra da Restauração e com as campanhas ultramarinas, descritas por Salazar como a defesa da civilização ocidental. E Ourique, aparição crística,casa-se perfeitamente com a epifania mariana de Balsamão, cruzadista em essência, que tem em

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2' Congiesno Hislbrico de Guimaiaesi D. Afonso Henriques e a sua tpoca

Fátima - Altar do Mundo - a última e acabada expressão. Ou seja: agora há uma missão dada aos portugueses, a Portugal, cujo Anjo desvela a face, e que consiste justamente na defesa e alargamento do Reino Eterno: redenção da Rússia pela destruição do comunismo, a luta contra o pecado que mata as almas. O mito fundacional do destino manifesto legitima, por um lado. a existência independente de Portugal e, por outro. separa os portugueses dos castelhanos, conquanto no plano da fé se pudessem confundir, enquanto todos católicos. (...) O peculiar mito de base que contém Portugal. engendra, por si só, uma confiança impecável no futuro. Tendo por sustentáculo a palavra do Verbo. Portugal pode olhar o futuro com esperança, mesmo nos tempos maus. Será socorrido oportunamente, tal como Israel, depois de passar o tempo de cólera de Deus. E é no fundo do desespero que sobram razões para acrditar que está perto o momento de glória. E neste quadro que se deveria referir os dois aspectos do segundo mito: o mito do Império do Espírito Santo. Por uma parte, desenvolve-se a figura do Quinto Império e, por outra parte, cresce a figura do Grande Monarca. (...) O Império do Espírito Santo é o Império da Paz do milénio, governado pelo famoso Grande Monarca. Essas imagens estão quase todas as profecias europeias, numa teimosia da esperança contra a realidade sócio-política. O apetecido tempo, paradoxalmente ucrónico e não utópico, desencadeou entre nós a profetização formal do Quinto Império, sob a égide dos portugueses, e a decifração de Dom Sebastião como Grande Monarca intemporal, alferes de Deus, portanto, Rei do Império futuro de Portugal. (...) 0 s dois mitos positivos são o carimbo de Portugal, a garantia do futuro, o penhor da sua existência, a revelação da finalidade histórica da comunidade de sonhos. Contém também uma proposta de escala de valores políticos. de estratégia e de persistência. No entanto, o século XIX haveria de rejeitar esta matriz e desenvolver outra proposta desesperada: o mito da decadência8'.

87 BESSA. AnlbnioMaigue- As Doirnenlesmsliize, in AIdenJiddd~ pai-"e-. CumpriiPa#ugaJ. Lisboa: Innituto Dom Joao de Castro. 1988. o. m-61.

Marques Bessa conseguiu "isolar" e evidenciar, no "fundo" da cultura portuguesa, duas "correntes" simbólicas e energéticas de sentido antinómico e dialéctico. Dois mitos positivos e dois negativos: os primeiros, polarizados em torno do "Destino Manifesto" (ou mito fundacional) e do Império do Espírito

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Afonso H e n r l q u ~ . o mil0 fundador e a iecorrencia miimal Ainerio Araulo e ArmanBo Malnelro

Santo (englobante do Quinto Império e do Sebastianismo, entendido como 88 ibidem. p. 61. 89 ibidem. p. 61.

"a mitificação do último rei-cruzado, do monarca que incarnou o mito wi t i a uma ieierencia 'ciáuica'a aboidagem iiierhria e hiribiicoiuliurai sobte P 'ideia-Iolp' da Dec8dEncia Iraturada ara do merianirmo de Ouiique

fundaciona/ do destino encorajam 0s portugueses a superarem- o~adomiienarirmodarnovaiideolo~iai.alib~ialearociaiirla)bilapai PIRES, Anibnio M a n i l Bellencoun Machdo - A ideiaded~dd8ocidns

se, a cumprirem o seu destino de missão universalista e a revelarem g e n m d e 70. Ponia Delgada: inniiuto Univrrsilhiiadoi A g o i ~ . 1980. 91 SIRONNFAU. Joan-Pitrre - image meniale e1 iealile rocio-hiriorigue:

a "finalidade histdrica da comunidade de sonhosnaQ. Ibnrnpie de ia dhcadence. in ~igu ipr de limginai,eieiigieuxei dirive idbolagique Puiii: CHairnanan, 1993. p. 95.

Os mitos negativos projectam nos (ou os) portugueses (para) o precipício - 92 ibidem.p.95. OJ WUNENBURGER. Jian-Jacquer - l a iedesimapei, ob. cil. p. 30.

a dramática inviabilidade da autonomia e da independência. O séc. XIX ilustra, por um lado, o sentimento da decadência nacional expresso por escritores, poetas e ensaistas desencantados (Guerra Junqueiro, Antero de Quental, Oliveira Martins eo...), e, por outro, o "encantamento" racionalista do Populismo, do Progresso e da Regeneração milenarista (retorno ao prestígio das origens). O fim da velha Monarquia fundada por Afonso Henriques e a implantação da I República. burguesa e jacobina, podem ser, portanto, (re)vistos na linha das observações tecidas por Jean-Pierre Sironneau sobre a convergência da "mitologia do tempo", "sous Ia forme d'une succession d'ãges et de cycles effectuée sous le signe de Ia décadence et de Ia ch~ te "~ ' , com a reflexão racional sobre a experiência histórica. que não pode ser conduzida a luz da exclusão apriorística de "toute image ou toute catégorie interpretative. Récit mythique et récit historique ne constituent pas deux types irréductibles de récits; i1 n'y a pas de récit historique qui ne contienne sa par i de fiction et i1 faut savoir que ce n'est pas I'histoire qui rend compte du mythe, mais qu'au contraire c'est /e mythe qui est a I'origine de Ia pensée historiennenP2.

Se tentarmos transferir, dentro destes parâmetros epistemológicos, a "leitura" de Bessa Marques para o campo do conhecimento sociológico do imaginário religioso e sócio-político imbricado no processo histórico português, é imperioso ensaiar uma ampla, mas breve retrospectiva onde sobressaiem os momentos (conjunturas) tidos por cruciais da nossa História. São apenas alguns e a escolha deve-se a critérios impostos pela racionalidade historiográfica actualmente dominante. Com efeito, como pretendemos contribuir, da melhor forma, para uma interdisciplinaridade em construção, na qual se revelem as relações profundas dos símbolos e dos mitos com as diferentes racionalidades (filosófica, científica, cultural ...) contextualizadas, insistimos no pressuposto metodológico fundamental, bem sintetizado por Jean-Jacques Wunnenburger: "L'intelligibilité des récits peut alors se trouver dans de simples motifs projectifs, biographiques, h ist~r iques"~~. Por conseguinte, terá de ser sempre a partir do contextoe das intertextualidades que o nosso programa mitanalítico se desenvolve e cumpre, através de três níveis: o IQnível - consiste na recolha das fontes primárias e secundárias, que são todos os textos passíveis de revelarem e de indagarem uma maior ou menor espessura mítica e. por isso, o conjunto é, naturalmente, vasto e aberto a fontes da mais diversa natureza (política, biográfica, científica, pedagógica,

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estética. religiosa, etc.) e seja qual for O seu suporte específico - escrito, M Enlendemor por ideoiogema bidimenrionai a unidadeiignilicaoie mobiiiudoia de energias rsmL1imr. ao nlvei do imapindiio social. pasrivel

gráfico, pictural, fílmico ou arquitectónico; O ZPnível - consiste em operar de I lad~ziredo articular as ideias-toiça (dimenr8o ideolbpica) eor tiacor miliCOI (dirnenso milira: miloiogemar. milos diialoier. e l s lu ia r milirsr

cortes sincrónicos para se detectar os ideologemas bidimensionais", o que da Humanidade).

pressupõe não só um conhecimento e domínio autorizado do contexto político- social da época, na qual se moveu ou move o autor ou autores dos respectivos textos analisados, como também da tradição mitológica à qual esses textos estarão ligados; e o 3% Últliimo nível desemboca numa análise de profundidades, que nos conduza, através do exame crítico das listas de ideologemas bidimensionais - especialmente estes últimos -. à presença, mais ou menos difusa, dos esquemas míticos conhecidos (como, por exemplo, o do Messianismo ou o de Prometeu), e é devido a esta conotação ou mesmo denotação ideologémica que se pode passar A fase da legitimação, a qual reenvia, por sua vez, para as "estruturas antropológicas do imaginário".

A aplicação desta "grelha" metodológica pressupõe, preferentemente, um trabalho de equipa interdisciplinar e uma abordagem monográfica e selectiva dos períodos mais propícios à ressurgência mítica. Nos acanhados limites deste nosso estudo exploratório, só nos resta, para cada conjuntura escolhida, uma esquemática simulação do modo como se aplicam os três níveis enunciados, com as advertências oportunas de que os dois primeiros níveis são representados através do trabalho heurístico disponível feito pela moderna historiografia e de que não pretendemos "forçar" a observação dos traços de recorrência mítica, embora seja quase um "lugar comum" a presença messiãnica na cultura e na política nacionais.

Não é, pois, difícil detectar o lastro de messianismo, em tensão dinâmica com outras estruturas mítico-simbólicas, ao longo do nosso processo histórico, mas o que constitui tarefa discutívelldiscutida - pouco pacífica, portanto ...-, é integrar, por exemplo, a apoditica permanência (recorrência) messiânica num quadro hermenêutico mínimo que postule e, na medida do possível, explicite a intersecção do imaginário simbólico e arquetipal (gerador de mitos) com as instâncias "superiores" (super-egolsocietal e egolactancial. ou seja, racionalidade filosófica, política, cultural, etc. e memória social) bem patenteadas no património histórico (documental e monumental) da Humanidade. Num quadro que ajude a superar o habitual reducionismo do simbólico ao ideológico e ao culto-mental, cabendo, geralmente, nestes conceitos operatórios uma gama imprecisa de manifestações e de sinais mais ou menos densos. Enfim, num quadro que permita distinguir sombras e matizes híbridos, o que equivale a admitir uma ideia-força, como a Decadência, simultaneamente produto racional específico de determinada conjuntura (curta duração) na história de qualquer povo e mitologema ou tema derivado do mito milenarista. Temos, assim, o "eterno retorno" das tradições mitológicas ancestrais (greco-romana. judaico-cristã, etc.) antes de partirmos para a

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Alonso Henriques, o mil0 lunuaoor e a iecanencia miiica 1 Aloeno Aiaujo e nrmanao Mainelro

"descoberta" de novos Mitos - os "Mitos Políticos Modernos" de André 95 R E S Z L E R . A ~ ~ ! ~ - M ~ h ~ p ~ I i l i ~ u e ~ r n d d e i n e ~ . Paiir: PUF, i ~ 8 i . 96 Ibidem. p. 25.

ReszlePs, que, curiosamente, mais não são do que racionalizações temáticas dos grandes e "velhos" Mitos. É o caso do anarquismo (projecto filosófico- político e utópico oitocentista) que, segundo Reszler, "partage avec les différents courants du socialisme leurs mythes majeurs: Ia révolution, le Progrès, Prométhée, I'âge d'Or (La Nouvelle Jérusalem), /e 'peuple': etc."%. Revolução, Progresso, Povo, Diabo, Declínio/Decadência alinham-se, assim, num elenco mitológico que, em nossa opinião, carece de rigorosa e de perscrutante indagação hermenêutica.

Importa, contudo, deixar bem claro que a presente aplicação mitanalítica do conceito de recorrência ao processo histórico português, com incidência nas suas dimensões político-ideológica e cultural, não pode, nem visa ultrapassar os contornos incipientes de um mero exercício exploratório - espécie de "simulação" indicadora de como, por exemplo, poderão instaurar-se, em grosso, os diversos "contextos históricos" ou de como se deverão fazer, nas suas linhas gerais, os "cortes sincrónicos" do 2"ível da nossa "grelha" hermenêutica -, a partir do qual possam nascer o debate crítico e o impulso esclarecido para novos programas, de preferência monográficos, e sistematizadores de uma pesquisa, aqui e agora, apenas delineada.

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Zg Congresso Histórico de Guimaráes I D. Afonso Henriques e a sua Epoca

1139 um ano-símbolo da Fundação

contexto histórico1' ~~W;~U.~:IPI>J~J>I?:~.: . P C . zrn. - i < i s a s i i r i i r r n ? i :(#:.m r . . , ! c . : ' t f < # : < r ' > , c , 8:-..;:$:;. ,<$$:r:$c:

De HUCJ ano a Damão Peres a A fredo Pmenta, a TorQ~atO So~sa Soares niunc.;s ~ i . , s ~ . ~ i : : ~ . ~ - n i b . a a r ~ - . : ;

o- a José de Oliveira Boléo o problema h:stórico da formaçao oe Port-ga ,'>v .$'!a C':. 7 w . t ' c c$ 1 9 : 9 53,:s :!n-h;,? 3 i'>i:il.'d P:'.;l f . IO:IPOIL.C! L i l i U:<IYC:J;d i: I

consideraoa sing~lar no contexto ibkr c0 e eLropeJ a to-medevo fo aira nao s:j: :,C )E .: Te$ I?% SEG~JO .2:..,n . t , i$S . " - . , A , , J

',h?,.;: , 2 ,9 : .!>ti :,,,a ,e,,: ,419.,sx ~.IAll!S? .,!. caoa vez mas a atenção e o empenho nvest gativo de hlstor aoores e de oLtros .:'. -I,~~,:~P~..?, .!,.: c. . . IG~C..:,~

~~EOINA. Jolo (dir) - ~ i l d i i d de Panugdl doi ~emp~~pre~hisiaii~oi dos especialistas -por exemplo, o antropólogo ~ e n d e s Corrêa-, traduzido num noUord~as, lswlr,Amadora:Edidubc, 1991:eSERWI0, Jwie feixe de tentames de interpretaçãoPa, retomados pela moderna historiografia. MAROUES. A. H. de Oiiveiia D ( d i r . 1 - N O W H ~ S I ~ ~ ~ ~ P O # U ~ ~ I . 12~01s.

com efeito, sobre o fenómeno da nacionalidade portuguesa Avelino Jesus da l a i~dasb~PUb"cad0~0~~0 Is .1 .2 .3 .4 .11 e121.Li~b0a:Ediio~iaIPiecena. 1990-96 ~~~ ~~

Costa, Alme da Fernandes O veira Marq~es António Jose Sarava OJ ,osé asrnc t'>n:r.-ar,iai.n:i.:)io.:i.c :!siiiin.':aracit~i : I l i l C . I -OL.1.'> C ? < c i m i . i i : ~ i : , i i "i.C.JI.? *e*in:ie-

Matroso forneceram. entretanto. contrio-tos deta nados e nconiornáve S. #I30 IWP:..:? C?S:!C,>T?~,C:I.*,U~:. ;ri ~ D I T : i .~..oc+

sem os quais é hoje difícil contextualizar de forma mais correcta a evolução AI0mlll,3 10m01. Lisboa: B ~ r l l ~ n d , 1980: PERES. Dumilo- Como n a ~ i r ~ o n , , n i i ~ n o n P ~ ~ , , ~ ~ P ~ C P F ~ I O ~ i ~ i n l i a r n i Piurriia aiironn . ... . . . . . ,. . . . . . . . .- . .. . . . . - . . . . , . . . , . . . . . .. .

-*C. IPI IW-I?iS H<P.I?: rne.limixi i n i : c.1 :c113 c>@: Poiitlca aos co~oaoos oc oentais (Por'Lca ense e de Coimora). a derança ae ,, q:>bt "; <r:a ,c:"7tj $,o,,,..; ?+.,;- ,: > lg:) Alonso nenr q-es e a genese oe Jma c ~ l t ~ r a nac ona . De 1096 até 1131 :CW:S I C C . I ? Y I C Z ~ ~ > : :: i ~ i j C ~ W ? : ~ W J Q ; I . C : C ; <

desenvolveu-se a "criação de uma instância política que reúne os antigos o r @ n i i a Ç s ~ m u n i ~ @ ~ I d ~ ~ i d d d e d o P o # o d ~ ~ n l e ~ Idade MM~. Baiceior: 1935: Idem- Andliro bibiiogialica de 'Como narau Pabgai'do Prol.

condados de Portucale e de Coimbra - explica José Mattoso -, ou seja de Damiao Peies. ocid6nie. Lisboa. 1 I31 1938: BoLio. Jasade Oliueira-

duas regiões com características diferentes tendo em conta os critérios de C ~ ~ ~ ~ d ~ B i m i n a n l ~ ~ d ~ a u t o n o m i a pollicade Podugal. Bole1;mda Sm~edidedeGe~aliadelisboa, Liiboa.57'sdtie. 193Le C0RRFA.A. A.

diferenciação regional que estabelecemos anteriormente. É também aquele em M ~ ~ ~ O I - R ~ I I D ~ ~ P O ~ ~ U ~ ~ I . P O ~ U ~ I O ~ - ~ ~ ~ ~ ~ % . . TmelndrPendtncia. A Raya - Pos1dcioB Lisboa: EdiNo da ReuiPa 'Ocidenia'. 1944.

que o poder assim estabelecido cria uma relação directa e estável com a ~9 M A ~ O S O . Jora - idrn~ icca~~ de umpui~ F ~ b i o sobreas odprnsde

aristocracia senhorial e com as comunidades concelhias já existentes e Ponu@i 1W-1325. wl. 1 - O#miçdo Lisboa: Ediloiial Eriamga. 196.0. 71.

legalizadas. em que se consolidam os poderes senhoriais, se reconhecem os . [email protected]

direitos dos concelhos e em que a guerra externa reveste um carácter defensivo perante as investidas almorá~idas"~~. De 1131 a 1190 desenrolou-se o segundo período proposto por Mattoso, durante o qual Afonso Henriques. o filho dos Condes D. Henrique e D. Teresa (vassalos de Leão), lançou desde Coimbra os "primeiros passos de uma acção militar agressiva para com o l s l ã ~ " ' ~ , envolvendo-se num processo político-militar "centralizador". ou seja, tendente a consolidar a união dos dois Condados iniciais e a precipitar a ruptura com Leão. numa clara e irreversível afirmação de independência.

A famosa Batalha de Ourique. ocorrida a 25 de Julho de 1139, terá sido um importante êxito militar de D. Afonso Henriques contra os mulçumanos. E, também, sabido que só a partir dessa data é que o infante ou príncipe portucalense se começou a intitular rei, mas, em rigor, não pode estabelecer-se o elo causal dos dois factos. Situada entre 1128 (batalha de S. Mamede) e 1179 (bula Manifestis Probatum ), e próxima de 1143 (reconhecimento a Afonso Henriques da soberania do "territorium portucalense" pelo imperador Afonso VII, sob mediação do cardeal Guido. legado de Inocência II), a batalha de Ourique sai diminuída quanto ao seu valor histórico no processo da fundação do reino. Com efeito, a localização, a natureza e o significado do prélio tornaram-se objecto de forte controvérsia historiográfica: alguns autores puseram em causa que tivesse ocorrido em Ourique do Alentejo, admitindo outras localidades com o mesmo nome; por sua vez Herculano adiantou a tese de que náo se produziu uma batalha mas um "fossado" ou ataque de surpresa, tese perfilhada por Veríssimo Serrãom'; e quanto à simbologia do escudo nacional, lendariamente associada ao Milagre de Ourique, Pedro Batalha Reis avançou com a hipótese de que as quinas não se relacionam com a Batalha de Ourique, mas com a

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Alonso Henriques. o mil0 fundador e a iecorrencia milica/Alberio Araúio e Armando Malheiro

invasão almóada de 1184'02. Nâo pode, no entanto, desprezar-se o seu elevado valor simbólico. Mais que um feito militar, Ourique é uma manifestação do sagrado, instaurador de uma tradiçáo mítico-religiosa, vertida em narrativa pelos monges de Santa Cruz de Coimbra e definitivamente fixada a partir do séc. XV. No séc. XIX, primeiro António Feliciano de Castilho, nos seus Quadros Históricos de Portugal (1838) e uma década depois Alexandre Herculano no seu volume primeiro da História de Portugal, questionaram a historicidade do Milagre, desferindo-lhe um duro golpe, que muito chocou os mais estrénuos defensores da sacralizaçáo do destino português'".

plano hermenêutico [ I c e ZQníveis] A gestação da narrativa do Milagre de Ourique fez-se, entre outros factores,

as circunstâncias decorrentes da "vital" e árdua afirmação política de um pequeno reino ibérico. ameaçado, nomeadamente, por Castela e com o vector religioso, projectado na luta contra os mulçumanos e entrosado na acção civilizadora e espiritual das ordens monásticas e militares, em especial os Cistercienses e os Templários (herdeiros do movimento da G n ~ s e ' ~ ) . A profundidade e complexidade desse vector remete-nos para a Alta Idade Média e para a análise minuciosa que Manuel García-Pelayo, bom conhecedor da literatura teológico-política da época [lgnivel], fez da génese da ordem política sucedânea do Império romano no Ocidente, consubstanciada num novo Império - o Império Cr i~ tão '~~ . Uma densa e longa análise da qual podemos respigar, porque [2%ivel] assaz oportuna e útil a contextualização ideológica e simbólica de Ourique, a explicação dada para a simbiose da ideia da política com a missão e modelo sacro (o Reino de Deus):

Bajo Ia vivencia de toda esta tradición, el hombre de Ia Alta Edad Media trata de construir el orden político como una imitación o intento de realización de1 reino de Dios en Ia tierra. Tal pretensión era, en último término, resultado de Ia concepción de Ia vida humana y, por tanto, de sus creaciones históricas, como un intento de recobrar Ia semejanza originaria entre Dios y el hombre perdida por e1 pecado. La misión de1 poder político era concebida, así, como Ia restauración de Ia iustitia originaria de Ias cosas destruida por Ia rebelión de1 hombre, es decir, como esfuerzo para enderezar hacia sus formas originarias el orden quebrantado por Ia rebelión de1 pecado. AI seiíorio immediato de Dios, in statu innocentiae, habría de suceder su seiíorío mediato, in statu defectus iustitiae, ejercido como ministerio por 10s príncipes. Desde el punto de vista historiológico, estas ideas se expresaron en Ia concepción de Ia historia como un

101 SERRM, JoaquimVeiisimo-Hi11d"ddePoilo~I. Voiumel- Erlado PdIiideN@o 11Oa&14151. ab. cit, L, 0.24 102 Ibidem, p. 85. Sobrea origemeevoiuFdods Armas dePailugai, a s u m i d l a pBfliid86 Alma6 OU do IICU~O do Rei. abundam,robietudo. as h i a b i s s miar ou menor crediveir. Paraaiem da formulada oaiBabiha Reir.

que enao iepiorentadai na Bandeira Nacional e que iardkmeole foram BESOCiadaE ar ihaoar de Crino. Arimbolooiada nossa bandeira lave

iolempoial do Homem. 1M Sobiea Dolernica hbo iiabaiho. por obr. aqui.abundaniernenle citado. de BULSCU. Ana Irabel Carualhno- OMigipde Ou,iquee?Hi~Idilade PonuoaldeAlenndreHercoiano, ab. cii. e, lambem. SERMO, Joaquim Veiisimo - Aiexandie Herculuoo e a cansci!nci8 da Obpraiismo oo,lvou~.

paiu&z~iou~ro Moodo que ainda esrmpor i o o h e ~ ~ I ( ~ i . - A ~ e ~ a ;eupia dos iempl8rios. lisbiis: Liiexa. 1981.p. 151.

lmpeiio. Por oliaine lrenie'a Ia idoa de Roma como reinos&nicÓ- @"e on muchos uuioies 1enia wdcIarcircunsIancia1, na reiiriendore lanloa R en si

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I , 1" LonQtesso MISIOIICO oe iluimaraes 1 v. wonso nenriques e a sua tpoca ! I I I I I i ! I I i j j

I

acontecimiento sacro consistente en el drama de Ia lucha y victoria de1 reino de Dios, es decir, de Ia civitas Dei, cuya versión histórica concreta era Ia Iglesia (sobre el sentido de Ia Iglesia, v. infra, páginas 233 y ss. [p. 233: La Iglesia era concebida, desde el punto de vista sociológico, como Ia comunidad integrada por 10s participantes en el Cuerpo de Cristo, como "e1 Cristo continuado y socializado"; desde el punto de vista histórico. como Ia civitas Dei en cuanto peregrina en Ia tierra, y dei punto de vista jurídico, como Ia institucionalización de Ia sociedad cristiana, es decir, como Ia corporación formada por 10s creyentes y dotada, en cuanto tal cooperación, de 10s correspondientes órganos, autoridades y normas de organización]), contra Ia civitas diaboli, cuya versión concreta eran 10s paganos, que Ia negaban, o 10s herejes, que quebrantaban su ~ n i d a d ' ~ .

Na parte final do seu estudo, García-Pelayo acentua a relevância crescente do confronto ou tensão, surgida já na Baixa Idade Média, entre a unidade da Igreja e a tendência autárcica da esfera política subsumida no conceito de civitas, regnum e prenunciadora do Estado moderno:

La tendencia hacia Ia autarquía de Ia política encontró base filosófica de sustentación en e1 llamado naturalismo político desarrollado por Ia recepción aristotélica, iniciada por Santo Tomás de Aquino, y que proporciona a Ia independencia de Ia comunidad política una firmeza y una dignidad que el mismo derecho romano era incapaz de darle. Se afirma ahora que Ia comunidad política pertenece a Ia realidad natural, distinta de Ia realidad sobrenatural, a una realidad no anulada, aunque si perfeccionada por Ia gracia. La comunidad política no es el resultado de Ia corrupción de Ia humanidad, sino de1 modo de ser de Ia humanidad. es decir, de1 hecho de que el hombre es un animal sociale et politicum y, por tanto. constituido de tal forma que sólo puede desarrollar su vida mediante Ia convivencia con 10s demás. El orden político no es, pues, obra de1 diablo ni resultado de Ia misericordia divina para conjurar Ia catástrofe de Ia Caída. sino que es una realidad natural sustentada sobre Ia constitución de1 hombre en cuanto tal. de modo que el mismo Estado pagano posee un valor positivo y, en principio, un derecho a Ia existencia.

1 (...) La comunidad política que en Santo Tomás se complementaba con Ia gracia y se armonizaba con el orden sobrenatural, tiende a independizarse en 10s escritos poste ri ore^'^'.

1ffi lbidem. p. 195. 107 lbidem. 0. 346.

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I A I O ~ S O neniiques, o miro lunoaoor e a recoriencia miiica I ~ i o e n o nraulo e ximanoo ~ a i n e i r a

i O pensamento político medieval transitou, pois, da unitária "cidade de Deus" ,,,,,,,, ,,,,,,,,,e,ló, icii-poliiico,loi de Santo Agostinho para uma concepção escolástica dicotómica, vertida no abior~ida peiadimenrao ideolbpica, emboiaabenaau embebida no lastro

mnico subjsmnte. peloque nos parem mais aoitdel concebe-iacomo postulado da existência de duas sociedades distintas por seus fins, estrutura e ideoio~emabidimeoiional.ouseia.unidadesem~nlica~ueremete.em

simuil8neo. para um daleiminado quadra doiitiinãiioe ideológico epaiauma vinculações - a societaç humana e a ~0cietas christiana. O Estado laic0 e determinada erieia mitolog6mica (lemas milicori e miiolbgica,

l i 0 Veja-se MUCHELI. Ragei- Lahlllhedelacileld6ale. Paris: P.U.F.. moderno doutrinado a partir do séc. XVIII está, assim, potenciado na obra de 1960.

S. Tomás e, sobretudo, na de João de Paris ou na de Marsílio de Pádua, "primer pensador rigurosamente laico y conscientemente rev~lucionario"'~. Ora, abreviando o excurso argumentativo, podemos afirmar, baseados no pressuposto da interligação circular (a "tópica diagramática" ou "bacia semântica" de Durand) da racionalidade filosófico-política com a dimensâo (inconsciente, opaca ...) do simbólico/do mito, que durante a gestação e afirmação do(s) mito(s) judaico-cristão(s) - a Portugal correspondeu o Milagre de Ourique, impregnado da matriz messiânica - deu-se. em paralelo, a interferência/concorrência de símbolos pregnantes, anteriormente focados, anunciadores de uma redenção assegurada, que no caso português não é outra coisa que o Império, o reino santificado pedido por Cristo ao rei fundador.

3" nível A fundamentada e perspicaz análise de García-Pelayo em torno do que

designou por "e1 reino de Dioç, arquetipo político" - designação algo discutivel à luz de uma exigente reflexão mitanalítica sobre os contornos da arquetipol~gia'~ - constitui uma lúcida exploração "arqueológica do(s)

1

i sentido(s)" da espessa produção teológico-ideológica acumulada pela Igreja I Católica, Apostólica e Romana no remoto tempo da consolidação. Essa

exploração conduz-nos, através da tensão, pressentida no 2"ível e derramada pela discursividade mítica entre os modelos das cidades ideal (civitas de^) e do mundo (civitas humana), cada um deles com os seus simbolos próprios. Lembramos a este propósito a riqueza simbólica da cidade idealn0. prefiguração da Jerusalem celeste, cuja simbólica forte é a do Mandala (simblo subsumido pelo regime nocturno e tipificado pelas estruturas místicas), que exprime a perfeição e totalidade do ser e das coisas. Sendo, pois, a cidade de Jerusalém

I celeste o modelo inspirador dos senhores das cidades do mundo, não se deve estranhar que na narrativa, por detrás do Império crístico se vislumbre Jerusalém.

Paralelamente não devemos esquecer toda a riqueza imagética profunda e, em especial, de alguns dos arquétipos aflorados na escatologia da mundividência cristã: a Cruz (arquétipo "substantivo", regime nocturno, com

i as suas estruturas sintéticas ou dramáticas) e o Anjo (arquétipo "substantivo",

I regime diurno com as suas estruturas esquizomorfas ou heróicas). Estes

1 arquétipos ocupam posição axial na narrativa madura (séc. XVI) do Milagre de

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L. L O ~ ~ ~ ~ S S O ~ISIOIICO oe iiuimaraes~ u. nionso nennquese asua tpoca

1383-85 - a crise "refundadora"

contexto histórico t l r REBELO. Luisde souia - A concepçdo doPodeiemFernd~ iaper LisbOi Livros HOriiOnle. 1983.

O contexto histórico-dinástico é sobejamente conhecido: D. Fernando, monarca da I Dinastia - a Afonsina ou de Borgonha -, morre a 22 de Outubro de 1383. deixando a sua única filha D. Beatriz casada com D. João I de Castela, e sua mulher D. Leonor Teles como regente do Reino, apesar dos protestos populares. A 6 de Dezembro eclode em Lisboa um movimento de revolta: um grupo de jovens da pequena nobreza e de "burgueses", liderado por D. João Mestre de Aviz, assassina o conde João Fernandes Andeiro, conselheiro da regente D. Leonor, e logo a população de Lisboa é mobilizada para uma rebelião que se estende a outros pontos do país e na sequência da qual D. João aceitou, não sem sérias hesitações, ser proclamado "Regedor e Defensor do Reino".

Precipitaram-se os acontecimentos na capital do reino, tornando possível e inevitável a invasão do rei de Castela. Apoiado por uma parte substancial da nobreza e apostado em seguir a táctica de anteriores conflitos, D. João de Castela cercou Lisboa e deu início a uma guerra luso-castelhana que contou com vários episódios militares e de insubordinação camponesa de cariz antifeudal e que só teve o seu desfecho em 1385, quando, por um lado, nas Cortes de Coimbra o legista João das Regras (representante da maior parte dos concelhos e dos "filhos segundos" da nobreza do reino) contrapôs aos outros possíveis candidatos ao trono - D. Beatriz e os dois filhos de D. Pedro I e de D. Inês de Castro, D. João e D. Dinis -, como único legítimo, o Mestre de Aviz, aclamado, nessas Cortes, rei. e, por outro, graças a ajuda de soldados ingleses, a táctica dos pequenos exércitos de soldados plebeus (archeiros e besteiros) e ao talento militar do Condestável D. Nuno Álvares Pereira, alcançou-se a vitória nas batalhas de Aljubarrota, de Trancoso e de Valverde. Os reis de Castela não admitiram, facilmente, a perda do direito de conquista do reino vizinho e nomearam regente de Portugal o infante D. João (filho de D. Pedro I e de D. Inês), forçando o novo rei a uma aliança estratégica com a Inglaterra. através do Tratado de Windsor, no qual havia uma cláusula que estipulava o casamento de D. João I e de D. Filipa de Lencastre (da família real inglesa).

plano hermenêutico [ I Q e 2"níveis ] A descrição dos acontecimentos sumariados consta, segundo o costume

medievo, da cronística régia. [ lgnivel ] O cronista-mor do reino, Fernão Lopes (c. 1380 - c. 1460), autor da Crónica de D. Pedro I, da Crónica de D. Fernando e da Crónica de D. João 1 (1"e Zvartes), impôs-se como a mais conhecida e autorizada "fonte" para esse período de crise nacional. [ZQnível] Compreende- se, assim, a pertinência de uma pesquisa séria sobre a concepção política subjacente à produção historiográfica de Fernão Lopes. cometida, há mais de uma década, por Luís de Sousa Rebelo num estudo intitulado A Concepção do Poder em Fernão Lopes "'. Aí, o autor mostra. com clareza, a intencionalidade

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Alonso Heniiques, o milofundador e aiecorrenciamlicai Aibelo Aiaújoe Armando Malheiro

de legitimação política do discurso histórico, um discurso atravessado pela "chama" da utopia revolucionária, inspirada, através dos franciscanos, na doutrina joaq~imita"~ e no igualitarismo de Santo Ambrósio, bem como pela forte inclinação messiânica, latente na mentalidade popular de trezentos. A Sousa Rebelo não escapou a influência na escrita de Fernão Lopes de outras escritas precedentes ou contemporâneas, com particular destaque para a obra de Joaquim de Flore, "portadora" do "complexo de Caná" ou da transmutação paraclética do mundo (o advento da Terceira Idade, a lei do Evangelho Eterno e o culto do Espírito Santo, bastante enraizado nos Açoresm3). E convém referir que da análise de Sousa Rebelo decorre a leitura curiosa de um Fernão Lopes mais próximo da utopia milenarista (joaquimita e franciscana, burguesa e anti-senhorial) do seu tempo, que do messianismo cristão implicado no ideologema (teocrático e epifânico) do "reino de Deus" analisado por García- Pelayo. Com efeito. observa Sousa Rebelo que "ao nível da crítica social, dirigida contra os abusos dos homens e da hierarquia, desenha-se um complexo caleidoscópio ideológico, onde o comunitarismo cristão se mistura com o franciscanismo, que inicialmente dele se inspira, e se matiza de expectativas milenaristas de teorjoaquimita""'; e, mais adiante, chama a atenção, com subtileza, para o modo como Fernão Lopes utilizou na sua narrativa as expectativas messiânicas populares, doseando-as com o seu vincado apego as teses igualitaristas e joaquimitas, do que resultou um Mestre de Aviz "messiãnico" até se consumar o projecto patriótico e vitorioso iniciado com o "poboo de Lisboa": "( ..) Deixava, assim, de haver qualquer fundamento no espírito das gentes para acalentar sonhos messiânicos. As vontades, que tinham cimentado a nacionalidade como um esforço colectivo, ficavam agora

112 Aabiadoulrinbria evirionbria dateblogo calabre Joaquim de Floieloi nientemede apiesonlada poi GllbeiiOURANO como o 'Iionio'deurna iinhagem de racionaliamo progressista. cienlicirla e laiciila seradora da acola pGblimde Julesieiry e da rua I1 Rlpublim Iranua: 'Cerls, rudoulslibn e" hilla ieiuiedlaveiilaimeuse ' i a i d e s l r o i s 6 & b ' d ~ ~ ~ ~ ~ l e C o m l e l p o ~ ~ iaqu81i8, Je ieidppelie, seu1 rd&lpo$iMle, ie deinieren &!e, a vakurd'am*? dia drll4 ierdevx8ulies dlanl ieJel6s MR rorncoranliirne d s s ib is i6voios1, mie icanociasliepouirdiip~i1e~p~~i~nesimule~6~~l~ri~aii~. Oril n m eririen, puisqm ueifglisesks~ aaociée de iail, pourde iooiauls aisons, d iimnaci~slie Ih6oiogiqoe. C'osI d'diinmeme mauvemeoi que ie $avoir iuiionnci nai.wlave ies lrdnciscdins du bai Moyen Age, Guiilawne d'mm et~acon, elqve rfg~i~ere mliiaild ia ihBoiwie scolaslique. Powia rcieoce o a i ~ s n l ~ c~mepowr6gfise, limagz esi ilidoidI"e'iliienne ctiillaul combaiire. Elienne Giikiion, iegiand hisloden innpis de laphiiarophie mdddvaie, abien monlid, dans rdiiian crilique quii a laile du Oircouil de ia Mllhode. mmbien OeYdris - ~ e n 10in de louieraupied ies kri lr d~i%le!- d&ilrh6rerde lascoi8~ilqoedei~inl ihomai UAquin. E1 si rbnrwvole, deplur haulrnmre, avecleP HenrideLubac. lnislieglobdle da iaphilorophie occideniaie, on vailawc6~idence qoenormodem rcienii~mer, que uece roi1 aposi~ivismo de Comde e! deres rucceueun, is londaleurs de r6ep"hiique eo fnoce, ou ie mai6ti8lisme hisloticue de hiax Menneol en dioile tgne du Ihpologien visionnaiie du XilPri&le Joaohim de i im. 1s lmeux'l~oiair~l~~d'Aogusi~ Comlenesonicur lereibisa peine $bul8risd der 'Imir dgs dumonde" de Ia Ih&I~iepdnCi~lique de Joachim No$pedagogies lrdn~~irer pendanlseplsi&les. de Ia rrola~lic~e ihomisejusquaJulerFer~ enpassnip~riesielaiideia iatio lludiorum d s J&ielei oaiies tiir ires fm~es'ds Jans6nisles, ~a, Ie cdrIBiianisrne d6IiMie des oraliiiini, onlracrifid d uei6noimemyhlepiogis~l~lemiS enplacegi rabbécaiabiai$. C'esl bim &i8 ioim~holosic~e ddns 18piogiLs Iechniqud comme medeie de ~ou~progr~~, da"$ I* .d6~e#pemenr mal&ieI, danria 'cioi~ance: q~imniarierOmideN 03"s on iCDnocldIrne rdudeui: ia cra>anadanila iddudion delauieimage delaulmflhe-duimii6du ' rom8n'oudiaiable-didp~dion~o~gme~ d ?dmOmpdgnmenrdelaloi audu ravoif [CI. Idem - in1,oducIi~n d Ia milhodoiopiP h4vths e1 loci6i&. Pari.: Edilion~ Albin Michel. 1996. p.5&511. Quanto b ideias barilarer do 'milenailrmo joa~uimita~.movimentopral~iicoeapocaiiplicomedieval. liliado nurnalradipo mssianiw judia. atente-se nesta opailuna s i n l e deAnt6nio Maranhão PEIXOTO: '1) O Deor único dosenhaida hi~idria egoYeIns d doite de iodos aspovos 21 Jaduvia umapol6nciamai6fie, demoniaw, a ~ a mniraa poldocii1deOnureimpd~que Elepoaud ~ ~ n l w ~ e i ~ e o d s I i n ~ d o ~ H o m e n ~ . 3JA Ieiici&de ou inieiicl&decdiNIiiai dependem ddpiesenp (PDISD - poa@uIo) de Oeur ou da ausencid de Deus (I pmreudo diBbdfiwI.4JA pol6oci8 dmonim Iem wpciddder incomenrurdveir erbpor uma cdidslrale de dimenrUs universais pode seidedruidl 5) Um eleito lpouuidolpai Deus queireir0 snlo condu~ird, um povo eleito (povoposuidaJ s dercolaia polGncia demonidcd eieli~seguidor~~. 6)apds a cdIdIlioie final, o eieiio d2 oeus (Mmiarj eslahieceid O Reino dos Sanlos, reino depszeiorii~ uniiisaildh Seidoaoaneu&Hisld#aedunidmilan& ICI. idem- Oo

djspon~vejs para novos comet;mentos e não deixariam de ser sensíve;s a s e h k ~ & ~ . 8 o l ~ i i i C~/~~idide&uoiende~~posendo~911010o~embi0 1986. Ii. 691

solicitações que pudessem emanar do poder central, assim que este as 113Thpi~01cenl1ai~ de uma lemblim derenvolvidapoi 0UAOROS.AnlOnio - Porlugai Ram e misi6rio. ~01.2- 0 Proinio dure0 ou o Imp~iio do

quisesse dinamiza6 propondo-lhes a busca de novos rumos destinados a EspifiloSanlo. Lisboa: Guimades Editora. 1987. eem Os Imp6tios do Espifilo Sanio e a simboiogi8 do império. llcoldqoio iniemdcionalde

absorver a sua energia e a saciar os seus anelos espirit~ais""~. iimboiooia Angra daHeeoiimo 132 19deJonhade 19.84 Angiado Herairmo: Inniiuto Hiribiico da remira. 1985. Inclui um lexlode Gilkfl DURAIIO. intitulado lmooaohie elsvmbolioue du S8inEEsoril (li. 37-521. Para umapeepedivamaiiabiangmlé do im~ginbiiopoilug~~sueja~re: Idem

ainda no 2Q nível -0 imaginiriopoitugu8 ear arpiiaChsdo ocidenle wvaleirerco. in I Caei8ia espi,iiual e conquista da mundo Coldqvio do Gabinele de Esiodiu

Sobre a moldura messiânica construida em torno do Mestre de Aviz, com o deSimboIosia,mliradonm Tomai. 16s23deAbriIdelW.Lisboa: lnslitulo Nacional de lnvlipa@o Cienlilica. 1986. p 9-21: e Idem-Oiapo de

duplo efeito legitimador de desejado pelo Povo e de escolhido por Deus, PP~O.C~~ (OOUIOR~~~IO ~ O ~ O ~ ~ S C ~ U S ~ B Unive~ridade Novade Lisboa.3de Fevereiio de 19891. Rewla da faculü2de de Cidncidi SWidii eHumna,

debruçou-se, em estudo mais recente. Margarida Garcez Ventura"@, tendo por ~iiboa(3)1969.p.238-255. 114 REBELO. LuirdeSoua-A ConceMOdoPodr,emfeinIO LOpeS. Ob.

fio condutor da pesquisa a exploraçâo da cronistica de Fernão Lopes, de cil..p. 85. 1151bidem,p.89.

Gomes Eanes de Zurara e de Rui de Pina e o quadro interpretativo patente no 116 V E N T U R A . M ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ G ~ ~ ~ ~ - O M ~ ~ ~ ~ ~ ~ L ~ ~ ~ ~ ~ U ~ ~ ~ I ~ ~ ~ ~ ~ miiaiogi8poltliw (1383-14151. Urboa: Ediges Cormos. 1992.

estudo de Sousa Rebelo, além de uma clara influência da obra, atrás citada,

3 de Garcia-Pelayo. O contributo especifico da autora consistiu em caracterizar, com detalhe, o "mito joanino" através dos "ciclos" de "enchimento" e de

I "esvaziamento" -"ciclo da tomada de Lisboa", "ciclo do cerco de Lisboa", B

i "ciclo de Coimbra", "ciclo de Aljubarrota", "ciclo de Ceuta" ("sétima idade: paz

i 3 g #

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1" LonQreSSo HISIOIICO ae tiuirnaiaes I U. Alonso Henriques e a sua Epoca

e conversão dos infiéis") e "morte e legado do Messias". A preparação da 117 lbidem, p. 29. 118 lbidem. p. 30.

ambiência messiânica associada a refundação da Monarquia através de uma nova Dinastia, assentou na conjugação da questão dinática, com a profecia do enigmático Frei João da Barroca e com a hierofania do Mestre, tornada possível a partir da morte do Andeiro e da revolta popular em Lisboa. A profecia de Frei João aparece incluida na narrativa de Fernão Lopes como corolário natural de um crescendo de providencialismo: "Vimos -escreve Margarida Ventura - como Fernão Lopes conta que o Mestre é seguido pelas ruas de Lisboa como um salvador; como o único em quem se deposita uma esperança necessária. Fernão Lopes ainda não alude explicitamente ao "Mexias de Lisboa", mas as referências vão-se acumulando, talvez porque em qualquer situação de desespero todo aquele em que deposita a esperança seja o Messias...""'. E sobre a profecia propriamente dita importa. aqui, reter o seguinte:

Os cronistas franciscanos. certamente baseados em autores contemporâneos. destacam a contradição: sendo castelhano, Frei João é enviado por Deus a Portugal para dar força ao Mestre na sua luta contra Castela. De Jerusalém, onde vivia emparedadq, vem miraculosamente para Lisboa, estabelecendo uma ligação física e mística entre esta e a Cidade Santa por excelência, a cidade do Messias. Tendo chegado aqui, e sem nunca ter estado cá antes, pediu "a os naturaes que então forão a bordo que o trouxessem a hua barroca" vizinha do convento de S. Francisco. Aqui de novo se entaipou numa "casa estreita". Ainda que este modo de vida não fosse estranho em Portugal, este homem foi notável pelo "espírito profético que descobria os casos muito distantes, & pensamentos ocultos". E dando isto "grande brado por toda a cidade, não auia quem não viesse buscallo como Anjo do ceo ... ou como Oraculo divino, por que Deos manifestaua o que auia de ser". Frei Manuel da Esperança afirma que, quando Lisboa insistia muito com o Mestre para que "tomasse à sua conta a defensão, & o governo do reino", elle, considerando as grandes dificuldades que se lhe opunham, foi consultá-lo. Frei João aconselhou-o a não partir para Inglaterra. tendo-lhe ensinado a construir uma máquina de assalto para tomar o castelo de L isb~a"~.

O "esvaziamento" do "mito joanino" ocorre na sequência do "ciclo de Ceuta", porque com a conquista dessa praça-forte do norte de África - acto de cariz cruzadístico e primeiro passo da expansáo portuguesa em que se envolveu a chamada "ínclita Geração" e muito particularmente os Infantes D. Pedro e D. Henrique (cognominado pela historiografia de "navegador") - "esgotou-se, para os cronistas, o @o messiânico em torno do rei. (...)A predestinação e o messianismo tinham cumprido a sua acção de subida e manutenção do poder;

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Alonso Henriques, o mito iundador e a recorr8ncia mitica I Albeifo Araújo e Armando Maiheiro

para o Mestre e seus descendentes. Cessam também os grandes feitos com hiitbricoar ar expedicóer smp,iandidar

envolvimento pessoal do rePIQ. n o l l b ~ . xi. XII exi i i peia Europa crisu, paiaariancar or Lugares Sanlosa dominaçaodor MuiCurnanor. Era-lhe. Doir, imDilci10 um piajecloteolbgico e

A "instrumentalização" política pelos cronistas-mores da função messiânica pollico-ideoibgico-veia-r~aateprapbrilo.ooxceimleirtudode THOMU. Luis R l i p F R. e ALVES. Jorge Santoi - Os Cruuda ao Ouinlo

do fundador da Dinastia da Aviz, intimamente associada a Gesta dos impbiio. in A hiembria da N@O. c a i ~ u i o do Gabineorle de EsIudor de Simbofogia iearndado na FunddpJo CaIou~Ie Gvlbnkidn 7-9 OuIubro, 1987.

Descobrimentos - ponto alto, para a memória histórica nacional, da afirmação Lisboa:Liv~~iaSbd8CosIaEdit~!a, t 9 9 t , p . a l - l f f i - d e ~ r ~ a t e d ~ t ú m ~ i 0 ligradode Ciiilo. 'alionlado' peis inaçeiWve1 pierenp na 'Jewralbm Celeste

de Portugal no Mundo -, deixa antever os traços míticos prefiguradores da do Apmiipsede s ~ o a o ' d o r intiãis ou 'con3purcadorer daTempio'. Sobtal piojectoercondo-seo rentidomilicoe mesrianiro deua Jessalbm,

narrativa de Ourique, vertida em prosa desde. pelo menos, a Crónica dos Vinte ~~upe~8d8pelaC~ada.sinbnimode~uernranlasmnomedeCrlrto[o Ciuudo b 'homem de Ciiato.. cornonoia GARCIA-PELAYO. Manuel-ob. Reis (1318-19) até a primeira formulação "madura" contida na Crónica de C~I. p. 303). H#. portanto. um valor rimbbiico piolundo do lermoCs2ada que

1419. "ao hsiiamoi em airociai ao rlmbolo do Mesriai, insciito nas chamadas e i t l ~ l i l i a l ~ i n t b i i c s ~ o ~ diamãticaido regime noduino(srguind0a ciauilicaçao irolbpicadar imsgens de GIbeil Ouisndl. E. denliodena iinhs heimenLiics. 'aoasamor'a Ieiiura culiuralirta de Aibnio JoibSWIVA. 0

39 nível quai, numaanbliieiúcidse penenliank dacultura portupuera.admitiu existirem na ZoniCiaOci~fanlarmagbrics'com que o povo portupub definiu '3 suapoiipo e a sua vontade na hidbiiadorniindo'. dois 'mitos hiribricos' O esboço possível da pesquisa e dos "cortes sincrónicos" operados, nos ,,,,,iaii:odarCa2adaieadaOecad~ncia~dsignado.conl,amito.l,

níveis anteriores, pelos autores citados parece-nos suficiente para Misolarmos" A ~ u e l e l e r i a d o m i n a d o a h i ~ l b r i a d a c u l t u r a ~ o i ~ u ~ i i i d ~ d e a ~ o r i ~ ~ n i z ~ ~ m e d o ~ d o s b . XViII. Bndoiidod8doo golpede mireiicbidia poiAl8xandre

os sinais evidentes de recorrência mítica de um messianismo cristão só Helcuhnoquando dedarou. narua His ib~ i8deP~~Iug~. o Milagre de OuiiQue (mude hi$loiioprãtica. AnterodeQiieiai initauiou o 'coiiamilo'da

definitivamente consubstanciado na(s) narrativa(s) do Milagre de Ourique dos Oeudbncia iraduzindoos~nlimenlo.radicsdonaconscibncia~rolundado POVO port~g~21. de quca Piopisro comumaos paises avanpdos da Euiopa

çécs, XV a XVII, pode-se, pois, notar que, em termos de operatividade do mito, naolhepeencia P a ~ A n i b n i ~ J ~ ~ ã S m l M a I ~ b ~ e ~ i ~ ~ n C i ~ d O m i l o d ~ $ Caedar cosspondeu. em pleno. aiobieviv8ncis da mitode Ouiiqo.

a estrutura escatológica do messianismo (judaico-cristão), subsumido pela SU~SCIOVO~OS. do pontodevis18 mitanalnico. a 'iintonia'do projrcio ~iuzadblico de Queira sania com a 'menssgem'ciislicade Ourique.

teologia católica e pelo projecto das Cruzadas'", ficou mais enfatizada na oiwrgimo~, poim. quanto ao alr~adolim do Milagre determinado pela pena de Herculano. porque. deacordocomdiinp. Eiiade. Ouiand, Siranneau ou

discursividade teológico-política dos finais de trezentos e alvores de WU~O~~U$OI, (I mila nao mor<ei ... 121 Cabe. agui. um bieue iesurno daleiluia eroIbricadeAntbnioTELM0.

quatrocentos, mas ao mesmo tempo entrou em tensão com as estruturas inrpiiada por iieoã Gubnone Juiiur Evolae inrsiida no seu liainho HiIIdrid secreiadePonu@I (Lisboa: Edloiial Vens, 1978). Snundo erre auloi,

antropogónicas e cosmogónicas, às quais se ligam o Milenarismo e o tema do di~~ipulode~lva~oRibeiroemembrodachamada~FiioroliaPortiigusa". Porllipsi MSWU ecisceu no rso da Oidrrn dosTemplãrios(ec10 dor rei%) e

Herói. Este "choque" de sentido, que implicou um reaiinhamento profundo e com aqutdu data. no inicio do rbc. XIV a comunicatão enlre o Ocidenle e a Oiieieficouauegiiiadapelos membros da Rora-Cru?, menloreida Ordemde

dinâmico dos símbolos, arquétipos e esquemas com as respectivas estruturas criilo(ecujogiao-meitietoioiniaieo.Heniique~iniciadoiadaidescobertsr

e regimes ou polaridades (diurno e nocturno), é perceptível na cronística POIIIIRU~PB~I~ denlradadeurn novaciclo iodo clero). aoterimmenle anunciado "0 poema OpiCOde Orluriada~de Luii de Carnõer e aprolundado

da 1 1 ~ i ~ ~ ~ ~ i ~ e prenuncia, paradoxalmente, o esgotamento^ a longo prazo - ~ei0~adieiesaaAnibniaVieiratl6081697l.queielomouna~obrai Erpemnçlr de Po1.gal e Hisldria doFulum a ideia do Oi i i io Impbiio

só se tornará assaz evidente no séc, XVIII,,, - da vertente messiãnica tomumnaldsd~Mãdial.querignilicsra'sdaminaça.'odomundoaparlirdo $eu cen1ro.e que. segundo Teimo. virama redençao iiniveiral da Pdtria

(escatológica, tempo linear ...) face ao impulso regenerador, refundador ou p0rt~p~168 deueproiecio m a uiaionbrioabiiu LgidedoCaloliciimo. caminho NO aum entanto, novo cicio o inrucsro (o cicio grb~ico. do povo).

recuperador da "pureza original" (milenarista, tempo circular,.,) subjacente ao du~8"teaqualieveiugaroiiliatontaiiva.dalavaal~avbsdaMaConariaeda viso iniciãecadedois Doelar -1eixeiiade Parcoaese Feinsndo Pessoa-.

projecto reformador dos Mendicantes (dentro da Igreja de Roma) e à para recuperai oapiriio lundadar da ordem do~ernpio. E Anlbniolelmo Conclui aiiimando que. desde eiao. se conliniia sempre d espria que 'chegue

movimentação sócio-política dos novos grupos sociais que irrompem em a Hora'eenquanto rserpeiaa inleipeliçaoeni~mbtics epiaiãtica, de Persos ae Ia2 ouvi!- 'senhor. 1~118cumpiir-~rePorI~g~r [poema Olniamfe, da 2'

conflito Com a velha ordem senhorial. E a par de tal impulso milenarista surge ~artedaMens'~em).Selianmoiacoiatãoapers~ecti~erotb~icadoci~do a~ lo ib . apenas. par8 obbelmi a ~ ~ a ~ ~ i n c i d O n ~ i a c i i m ~ n o ~ i i perrpecliva

ainda, com inusitado relevo, a eXalta~ã0 da figura human(izad)a do Herói, tão hrmen~iicaisimboib~icsno~ueconceine.muitoerpeciiicamenle.ao contiaponlo rsrionaiirtadopopuiirmomilenarists iate avocaiao i~ieolbglca

predestinado, quanto preferido pela vontade popular. O populismo. ideologema ~mis~omivenaiiaaldeOuri~ue. 122 Vei8-se SILVA. Armando a. Maihriioda e GRRCIA, i o d Lulr Lima-

forte da futura utopia setecentista, "objectiva-se" e perfila-se vinculado, de Norton de Malor eaapoi ipo a poiiiie coioniai desa imr Revist8deHi~lbri8 ddsldeias, Coirnbia. t i (2') 1981. p. 377ei3.: e aindaSILVA.Mmand0 a.

modo ainda assaz difuso, mas incontornável, ao imaginário sócio-político de um Malheiroda~ASaudadedolmpg,io, NolassobreocolooialismopafluguPr 11870-19W Comunicatãoapiaentada e lida no 'XVII Sympoiiumon "Portugal Maior" (o Portugal de Ourique OU O Portugal "secreto" '2'...), que Portupuere iraditionr (Evrape. Ameiica. ~ ~ i c a . &ia)" realizado na univerriiy 01

republicanos demo-liberais e salazaristas, em pleno séc. XX, invocarão num Caiilornia. Lor Anpeiai. de 23e 24 de Abrii da 1994 (a publicar no d 5 d a ievisla Enciuiihddds/ciosiaads). Umaveir3oalleiadae iniitulada ASaudad2

misto dramático de intensa nostalgia e de reconhecida impotência ... Uma do impede. Nolaipaia uma ieilum infer#ic@iinare didcrdnia do caioniahsm pofluguesloi enviada dr Jornadas lnlerdiriplinaies- Podae Sociedade,

invocação caricaturada no inviável e anacrónico "Império Colonial piomovidar Daia Univenidade Aberla e realizada$. em Lisboa, de2a4 de Novembrode 1995 (apublicsr nas reipedivai Actas].

Port~guês" '~~! ...

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1 Z8 C o n g r e ~ ~ o HISIÓIICO de Guimarães i D Alanso Heniiques e a sua Epoca

i , 149511521- reinado de D. Manuel, o Venturoso

contexto histórico 123 veia-~~THOMAI. Luisiilipe- DeCeilaa iimoi Lisboa: oilei, 1994. P. 189-243.

0 projecto expansionista português, assumido com firmeza e clarividência l ~ ~ ~ G ~ ~ H Ã E S . ~ o a q u i m ~ o m e i o - ~ ~ s i i u l u i a d a i 1 i o c a s . i n ~ ~ ~ 0 ~ 0 , iorb-Hisldria dePoffog~1, vol. 3-NoAlvorecerdaModernid1dell48U

por D. João II, atingira um ponto culminante na assinatura, pelos Reis Católicos, f W , . o b . ~ i 1 . . ~ . 3 r 3 . 125 Veia-se REIS. P: Sebailiao Madinr dor - OAnjode F&limaeounjo de

do Tratado entre Portugal e Espanha, na vila de Tordesilhas, a 7 de Junho de Poe~ai.Om~oouidanii~0~0~1mni0S~0Min~el?,inldem-Na6rb~la deF4lim. Re~Iiiicdm5eachegdi. cvora: Edilorial Ceniiode Esfudor O.

1494, e que o monarca português ratificou, em Lisboa. a 5 de Setembro. Era a ManudM~ndeduConmipoSanfor.1958.p.121-151:eALBUOUEROUE. Maflimde-A Consci&ncianacionaluamg~~. ob. cil.. p.352-351.

delimitação pública e oficial, ao cabo de difíceis negociações. do "espaço" por 125AAden0ieindodeO.Manillei~alingido.s~gundoPauloPEREIRA. uma sfnise iiimada nesse li2r conceilor: ' A ma0 m@iIaa ludoaqvflo

onde se estenderia a efémera primeira versão do Império Português (comercial ~ ~ ~ ~ ~ D ~ O ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ I ~ ~ ~ C D I ~ S I ~ ~ C O ~ D U ~ mad8lorscionaIlig8dono esSenCidl4 ~cpmenldldo dos ~OBMI da Igreja ed cullord 'cuiliydda.. no Oriente). Uma versão imperial ultimada, quanto a conquistas e, sobretudo, a A ~ f ~ b ~ ~ ~ p a l e n l e i ~ - r e m p i ~ g r ~ m ~ ~ 1 m p 1 1 ~ d 1 e 1 d i i c d e p ~ ~ p d g d n d d ~ e ~ l

descobertas - a do caminho maritimo para a índia por Vasco da Gama, em asumem papel delmindnlem 8pieIenIdÇao epre$enl;iicagdo inslil~ci~nal do podeide D Manuela darruarpielnrdes, regundoprog~dms hoje #Iciimenledesca#iidveis ws, na aflom, legíveis em miffude do$ 1498, a do Brasil por Pedro Álvares Cabral, em 1500, ou a da Terra-Nova por ~ ; , ~ ~ m ~ a n ~ ; a ~ ~ , m p ~ , ~ ~ m , , ~ ~ ~ C D n ~ U n ~ U i d I d i P ~ o m ~ ~ i C d 5 e d o ~ o

Gaspar Corte-Real, entre 1500 e 1501 -, no reinado seguinte - o do primo e ~ ~ ~ ~ ~ $ ~ ~ i ; " ~ ~ ~ ~ $ ~ ~ ~ ~ j " ~ ~ ~ d ; " q " e s ' a sucessor do "Principe Perfeito". Caberia, de facto, a D. Manuel o ensejo de cumplicidade que el~pi0~idmd5e5ldblm en~ie "m disuno, ~ O ~ ~ U I B

dizer 'OiiCidl., e a repiesenlavo nafgunscasm canrc;e"le, noulrm

ususfruir e o mérito de gerir pela via político.diplomática e comercial o e d i a i ~ l ~ c d ~ d ~ " m m " l ~ - u ~ ~ d n i d i i a d ~ e m h ~ b i l ( u ~ e ~ n a c u i a r e popuiarei aoeconslilnm oulros IdnIOi ConIRdiICum01 e expresber,

enorme protagonismo de um reino ibérico tão pequeno. Convém notar, por mrnavaieis ou c~dinmdr~ ~mbpm, maspoi~eiem Iegiieirporoo~io eslialodapopulaçío-edmwlvenda-renarmargm< (C1 Idrm-

exemplo, que nas Cortes de Lisboa, abertas a 7 de Março de 1499, foi discutido A S i m b ~ ~ i ~ m a n u ~ i n a R ~ ~ o . = ~ i e b ~ @ o . s ~ o ~ @ o . i n P E R E I ~ . P a ~ ~ o - Msldaa da aneporluguw. ml. 2- Da ~Modo~gdl~cocoaomanei~~mo.

o juramento do infante D. Miguel como herdeiro do trono de Portugal, como já o Lisboa.CirculodeLeitorm. 1995.~1151.

era de Castela e Aragão, juramento feito a pedido dos Reis Católicos, sogros de D. Manuel. que viam com agrado a unificação dos reinos pensinsulares.

Por sua vez. D. Manuel, através dos seus três casamentos e de uma intensa actividade diplomática, apostou forte na estratégia unificadora sob a égide portuguesa, a luz da qual se poderá, nomeadamente, "ler" a expulsão dos hebreus não convertidos ao Cristianismo. que exarcebará o tradicional messianismo judaico (raiz do ardor profético surgido em Espanha e Portugal no séc. XVI). As expedições maritimas e as conquistas no Oriente prosseguiram, avultando, na índia, a acção militar e político-administrativa de Afonso de Albuquerque'", integrada no plano estratégico do "império da pimenta" - "um império marítimo com assento em praças-fortes por vezes transformadas em cidades com habitantes portugueses radicados na terra (os casados) e governados a portug~esa" '~~. E toda esta visão civilizadora, prolongada no domínio económico "dos mares" e intimamente associada a afirmaçâo polítca da religiosidade - D. Manuel obteve de Roma a oficialização do culto do Anjo Custódio de Portugal, instituindo-lhe procissão em 1506 para o 3"omingo do mês de Julho'ZS -, reflectiu-se, obviamente, na Arte, através da intersecção dialéctica de diferentes discursos sobre a Razão, a Celebração e o S e g r e d ~ ' ~ ~ .

plano hermenêutico 1Q e 29 níveis As versões mais maduras da narrativa do Milagre de Ourique contidas na

Oração de Obediência ao Sumo Pontífice lnocêncio VI11 da autoria de Vasco Fernandes de Lucena, datada de 1485, e na Cronica do muito alto, e muito esclarecido Príncipe D. Afonso Henriques, primeiro Rei de Portugal , cujo original de Duarte Galvão. com data de 1505 e conservado na Torre do Tombo

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Afonso Heniiques. o mito fundador e a tecorrència mil ical Albeiio Araújo e Armando Maiheiro

foi copiado fielmente por Miguel Lopes Ferreira e impresso em 1726'2', correspondem a fase áurea de expansão e de afirmação de Portugal no Mundo.

Nessas versões e, em especial, na de Galvão está já devidamente realçado o vector teleológico - a missão sobrenatural desse novo e pequeno reino da Península Ibérica: "Eu sou o fundador e desolador. quando me apraz, dos Impérios e dos Reinos; quero em vds e em vossos descendentes fundar e estabeleçer. para mim, um Império, para que, por meio dele, seja meu nome publicado e dado a conhecer às naçóes estranhas " -, que será não só enfatizado nas versões posteriores, como desenvolvido, em bases proféticas e teológico-filosóficas, na ideia de Quinto Império burilada pelo P" António Vieira.

[3%ível] Remetemos para o exercício mitanalítico exposto no item anterior, frisando

que ele se anquadra naturalmente na sincronia do reinadolimpério de D. M a n ~ e l ' ~ ~ .

Aciescenle-se PUQ conrcienle dele i inivm simb6lico coprovidenciaiis$ que a r i o c ~ ~ i a a l u n d a ~ d ~ P o d ~ u ~ 1 ~ c a n v ~ r ~ o d e Conrlanlinoasa papeldos Pofliiguoes na emdnsdo dc Vetbo, o ,e; D hlanueimanda" cunhaia CiIdbreI panuriueser de ouro. que ouma das hcermorlm piecisamenlea Cru2 de Cri~loacompdnbddd do #SIiCo de COnSIdnlino. Eis uma dasmi$ eioqoenler expreU609 domilo dai arigeosm#nuefinU (Ci. Idem - A Simbblimmanuelins. Razão, celebia@o. segiedo. in ob. cil.. li. 1281

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Zr Congresso Histdrico de Guimaráesi 0 Afonso Henriques e a sua tpoca

i

i 1578-1581- Alcácer-Quibir e a perda da Independência

contexto histórico 729 M A G A L ~ S . Joaquim ~ o m t i o - ~ r ~~ iu iu ra rpo imiur de unilimçdo. in MATIOSO. Jose Idit.1 -HisI6ri~dePonvqil, wl. 3 . ob.cil.. ii. 62.

Ao longo do reinado de D. João III pode dizer-se que o discurso político 1.30 ibidam. p. 72. 131 BEIHENCOURT, Francisco- Hisldiid&$vsbp~~i$i$m. Podufidl,

Consagrou O "rei arquétipo", na expressão de Romero de Magalhães, tendo em Espanhaell~lia.Lirboa:CircuiodaLiilorei.19%p.24. 132Ac01m dlvidd 9. bob!e i~d~ .do~en l id~ plolbiico da ObiBdosapaleiiode

conta o paradigmático Panegírico de D. João 111 escrito por João de Barros: rrancoio vela-se MENDANHA. vmcior - Hisldria rni~terisa dePoilupa1. Lisboa: Edilom Pernaminho. 1995. p. 177-188:eOUAOROS,Anl6nio-

"O rei que tem uma missão, que zela pelo bem dos súbditos, que garante os Pwsia e fi~osofi~ da mil0 5ek11iani1Id. WOI. I- 0Sekstianisrno em PO~~UBUI enoBrarii. Lirbos: GuimaiPsB CIEdilarer. 1982. p. 23-35. Paiaa sua

equilíbrios da sociedade: este "é o verdadeiro ofício do príncipe: viver pera inieiçda nolenbmenaicbanianisia veja-se CAPELO. Rui Grilo- Piale!ismo e esoleiismo AAdedapiiiqn61Iico em PoduqdI (~h~Io~xv11-xvlilI.

proveito dos homens; isto é que Deus e O mundo e a obrigação do Ceptro real Coimbia:iivaiiaMinena, 1~a.p.27-37.veja-reainda~m1eid1do

requerem" (Barros, 1937, p. 77). Em 1569, o rei dá-se como obrigações Bamdarm. Lisboa: V e w . ~ d . 133 Vela-se FONTBRUNE. Jein-Charierde- No$lmdamurhisloden8

principais a "conservação e aumenio do culto divino", guardar "inteiramente propnek Monsco: tdilion du Rocher, 1980: e HUTIN, Seiga- As ProIccidIde NoIlIddamUI. Mem Magnr: Euio~a-Ambrim. 1981.

justiça as partes", com especial atenção 'h0 povo miúdo e pobre", e reformar ~ , ~ ~ ~ ~ ~ ~ D o S e ~ i a n i s m o a s o c i a i s m O Lisboa:Livror

os costumes, retomando os Antigos. Todo um pr~grama" '~~. Um programa que mereceu, no domínio das relações do temporal com o

espiritual, o comentário azedo dos Núncios do Sumo Pontifice contra D. João III e seus irmãos prelados - D. Henrique e D. Afonso: os portugueses contrapunham aos interesses do Papa os do rei e do reino: e o futuro cardeal D. Henrique foi acusado de ser "o mais enraivado adversário da jurisdição eclesiástica e das coisas particulares de Sua Santidade"'30. Traços de regalismo num reinado longo e marcado pela contra-ofensiva de Roma, através da reconfiguração, em 1542, da Inquisição ou "Santo Ofíc i~" '~ ' e da criação da Companhia de Jesus de Santo Inácio de Loiola, face ao alastramento cismático da Reforma luterana, enquanto da península itálica irradiava a "Renascença", movimento artístico e cultural imbricado em alguns tópicos essenciais: nascimento do Humanismo. exploração do mundo, retorno à Antiguidade. emergência do individualismo ...

Ao longo do séc. XVI houve, em Portugal, uma efectiva transformação do campo sócio-político, através da reorganização da Coroa (burocracia régia, marcada pela criação de Tribunais superiores e de vários Conselhos com amplitude de competências), da reforma da Igreja e do desenvolvimento de formas institucionais de acção social. como as Misericórdias, as Confrarias e a instituição de Capelas. Mas em pleno auge da expansão marítima, territorial e comercial começam a sentir-se múltiplos sinais de uma grave e profunda crise. No interior do reino, a sociedade é afectada pelos efeitos económicos do comércio das especiarias. conforme testemunham os Autos de Gil Vicente. De 1530 a 1540. o sapateiro judeu de Trancoso, Gonçalo Anes, conhecido por Bandarra'32, após longas e repetidas leituras da Bíblia e num tempo de grande fervor profético e místico - o médico, alquimista e astrónomo Michel de Nostredame, Nostradamus, elaborava, em França, as suas célebres profecias'=, enquanto, em Espanha, as "profecias atribuídas a Sto. Isidoro de Sevilha (século VII), assim como as paráfrases quinhentistas de Rocacelsa e de Pedro Frias, eram escutadas pelo povo inerme"'3~. improvisou as suas Trovas, que coincidiram com a ocorrência de uma revolta popular nessa mesma vila beira. motivada por sentimentos anti-senhoriais, tal como em Espanha havia

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'aiuaweso!iap!w na3aiedesap anb ',)aiiow was naiiow,, anb !ai wn ap epual

SSE /

e nollnsai sasan6nliod so eied e6ejze eylejeq etun ap s!anViapuodw! soa .e3oda ep esan6nliod apepa!3os eu 0601 lua sassaiaiu! solad epelned e3!l!lod

ewn ap 'wbsse 'noljnsai '8LçL ap olso6v ap p ap ou!nboiiew ,,aiisesap,, O .,,.,oino o a ame3 e 'O~!JJ o ias e!Japod sjed o ~ J e d :apepuejs!JS

ep / o ~ d wa eiqo a snaa ap 03!~ias !aH o eied eyas ejs!nbuo3 ens e - 'sajio3 wa ojsodo~do~!j3alqo wn elo4 oueijsnl o!iadwl o ellau iapualsa a 'ellewop

:e0102 ep oespap ap soijua3 sop o u x p ~ d qew eAejsa e3gV e :oyu!z,n '0nj?dJad o6!.u! o eJa o~noyy O (-.) . uie~euo!s/n~uo o anb sagsuaj a sequipuo3a

sapep/n3j!p sep i!es e~e!asap anb o ~ o d wn e ~ e d asajpdy ewn eia Yanuew .a ap ouisaw a 2 o s u o ~ ~ .a ap e a ~ o d ep ojuawe!jua ou 'eS!J/p. e ossa~6a~ o

ap oJen/V 'eioAg ap saJ!d o5uaino7 sazon-ejiod w e a anb ap se!ap! ap sodio3 - so!ipje/aJ no 'se5ueiqwa/ 'sosoe sou '&gg-zgç~ ap saldo3 selad sopej!p SoJjaUJeJpd sou opejode,, 'I!$? a 1!3yj s!ew noq3e os!lseqas 'a 'e!jei6o!iois!y

euiapow ep 03!1!~3 oyleqeil op znl e a soiaiauo3 sowial w3 ',,,..ei0pejS!nbu03 a ajJo4 og5eu ap ezapue~ii e~!aflid ens /eOnuod ianfiiaa~ eheiaue a

'111 ogop .a a lanuew 'a wo3 epeiqanb 'sasanfinj~od $!ai sop e6!jue og5!pe~j eu,, 'w!sse 'noiluaal a ,,soluawesuad soile,, iod 'sanB!ipo~ 03s!3uey ,,d op oiejai o

opun6as 'opehal oe!jseqaS .a !oj 'sala aiiua 'a saiopej sosiaA!p tua as-na/rai3su! 'i!q!ng-ia3eqt/ wa aluawe3!6ei$ nou!wln3 anb 'e3!ijv

ap epeuiol v ,,,,,e3!/qpd oyu!do ep sjeue3 so/d!j/pw sop s?Aeije 'eAI?Ssaidxa o anb Yeuopeu apep!/ejuaw e epoj epeu6aidui! eAepue se!ap! ap odioa

assap ' s o w ou03 .e3od? ep esan6njiod apepapos e eia anb opoj o ie!30ss!p sowapod oeu oe5ez1/e!3ua!~suo3 ejsap seu 'g j s !~~ 94 e iejue/dw! selau ap a syagu!

ap seidai sep ejqnbuo3 ap se!ap! se sep!j!u s!ew weJ!6inS 'ogjseqas 'a wa 'anb soue zl sop ej!oA ~od!od,, :opa3 oi!nw apsap eijznpas o anb 'leiuaw-oiln3 z!ei

ap 'ol3al0id wn iod epeu!wop !o) 'se>!i?ua6 oi!n~u sequ!l tua 'e3!ylod ens v .apep! ap soue p~ wo3 OUOJI oe oe!lseqaS 'a n!qns o!igdwl op as!i3 ep o!aw ON

.e3ieuow wa~o! op saiolda31ad a snsay ap e!yuedwo3 ep saiped soqwe 'seiewe3 ep sa~le5uo3 soewi! sop laded aluanlju! o no3!j!pnl

alio3 ep seinB!j ~!ed13u!id senp seisa aiiua oe!unsap e 3 .anb!iua~ 'a @apie3 olad 061~3 ou ep!nl!isqns opuas ' ~ 9 ~ 1 ap e o q y ap sal103 se spde epu~6a i

e ie!sunuai e epeB!iqo op!s ia1 ap ojuod e 'e!l!joueqla~se3 eiep ewn iod epelned no3!j (eyuedg e aluaweA!l!u!jap essai6ai 0601 anb 'aew e was ope!i:, a ia3seu

ap saiue !ed ap oejio) oe!lseqaS 'a oiau op apep!iouaw eu (111 oeoy .a ap ehg!h a A solie3 ap ew~! ) e!ilsnt/ ap eupele3 'a ap e!~ua6ai v .sa]io+ se5eid selia3 ap

opeaueld ouopueqe oe webjiqo anb 'saiei!l!tu sapepln3!j!p 'oxuelaiiua 'wa6ins ',,s!igd aluaU!A a+aq3 nas op a (EZSL-~LSL) e5uale~ ap sejuewias iod ep!3ayuo3

,,oe5nlo~ai,, ep oiuawe6ewsa op e!3uanbas eu ',,oliaqo3uq op ol!w,, o O P ! ~ J ~ S

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2'Con~resso Hislbiico de Guimarães / D. Alonso Henriques e a sua Epaca

como se refere na única crónica portuguesa coeva que dá conta dos últimos momentos de D. Seba~tião'~" lenda convertida em "mito nacional" e em "sentimento" associado a Saudade. definidor, do "carácter português".

As circunstâncias gerais da dramática morte do rei não podiam, de facto, ser mais propícias ao desenvolvimento de um discurso ideológico e "afectivo" centrado no retorno do Desejado e na transfiguração do rei mortoldesaparecido em Encoberto e em "falsos" D. Sebastião"'". Sem descendência directa, voltava o trono as mãos de um Cardeal idoso e a inevitável disputa de um pretendente autóctone, mas frágil - D. António. o Prior do Crato - e de um possível herdeiro poderoso - Filipe II de Espanha, sobrinho da rainha D. Catarina e casado com D. Maria. filha desta e de D. João III, e, por conseguinte, tia de D. Sebastião. Em 1580, ano da morte do poeta Luís Vaz de Camões, autor de Os Lusíadas , o "poema da Raça" ou. simplesmente, a epopeia simbóli~a'~' dos Descobrimentos, consumava-se a derrota militar de D. António e as suas pretensões régias (desfeitas totalmente no falhado ataque a Lisboa, em 1589, com auxílio naval dos ingleses), e o êxito do ancestral projecto unificador dos dois reinos peninsulares, implantado com moderação e hábil respeito ao compromisso firmado nas Cortes de Tomar de 1581 e consubstanciado no princípio da monarquia dualista (uma mesma Coroa para dois reinos, sendo o de Portugal governado por um Vice-rei em articulação com o Conselho de Portugal, quatro Secretarias de Estado. reduzidas a duas em 1607, e demais instituições da Administração Central). A renúncia a posse da Coroa por parte da Casa ducal de Bragança facilitou, em definitivo, tal projecto. E sob a égide de Filipe II pode dizer-se que a dominação espanhola beneficiou de algum "estado de graça", mas o nacionalismo português não ficou adormecido. A difusão profética e literária do sebastianismo correspondeu, afinal, na opinião de José Alberto Veiga Torres, a uma profunda expressão do nacionalismo das massas populares, embora não possa ser reduzido apenas a essa perspectiva'". Com efeito, houve outras implicações no fenómeno, incluindo a exacerbação messiãnica decorrente da expulsão dos Judeus no reinado manuelino. Como notou, recentemente, Rui Grilo C a p e l ~ ' ~ ~ e como decorre, também. de outras pesquisa^'^: multiplicaram-se as referências a utilização da astrologia nos prognósticos sebastianistas e proliferaram, em paralelo, as práticas de "salvação terrena" assumidas por "mágicos" e feiticeiras, tudo isto numa natural envolvência cabalística e esotérica típica do período maneirista-barroco, apesar elou a par da revolução científica, copernicana e galilaica, então já em curso.

plano hermenêutico 1" e 2Qíveis AsTrovas do Bandarra, com as suas sucessivas edições até 191 1, e a

Paraphrase et concordancia de aiguas prophecias de Bandarra çapateiro de

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I AIOIISO Henrtques, o mto IunBaOol e a iecosencja miiica I Aloelio xraulo e Himanoo iwaineiru

Trancoso de D. João de Castro (Paris, 1603), apelidado de "apóstolo do sebastianismo" e de "S. Paulo da religiáo portuguesa" por Oliveira Martinslds, são as [ lgnivel] fontes primevas de um discurso encobertista, alimentado directamente pelo profetismo hebraico (o anúncio da vinda do Messias ou Salvador, da fé judaica). A estas fontes ilustrativas do "sebastianismo anterior a D. Sebastião". como propôs António Quadros, há que juntar as Regras para a Educação de El-Rei D. Sebastião escritas em latim por Diogo de Teive, a Carta a El-Rei D. Sebastiáo pelo poeta e dramaturgo António Ferreira e Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões. cujo começo e fecho foram dirigidos exortativamente a D. Sebastião, coevas do malogrado rei'", Abundantes e variadas são as posteriores a tragédia de Alcácer-Quibir e A perda da independência nacional. Sobre todas estas fontes foi feito um exaustivo e rigoroso levantamento por António Machado Pires e, ao mesmo tempo, [2%ível] uma síntese crítica do fenómeno, que continua a merecer o maior destaque, não obstante outras contribuições. entretanto publicadas, com justificado interesse'"'. Segundo esse autor o sebastianismo é o "mito nacionalista português" e deve ser entendido como "um mito messiânico: a esperança na vinda de um rei salvado6 que virá libertar o povo e restaurar o prestígio nacionai'. E Machado Pires prossegue nestes termos: "O messianismo, na sua essência, é a fé, a crença viva na vinda do Messias - do Enviado, do Salvado6 e históricamente insere-se nas tradições religiosas do povo judaico. Mas essa atitude de espírito colectiva transcendeu o facto histórico da vinda de Cristo no seio da comunidade judaica: tornou-se, para certas comunidades, uma atitude de espírito permanente, contínua, obsessiva - expectativa tendida até a obsessão. O messianismo - e consequentemente o sebastianismo como uma das suas formas - pressupóe certos princípios fundamentais: a vinda de um ser eleito, um chefe superioc o qual é o único capaz de uma acçáo salvadora, há muito ansiosamente aguardada. Quer isto dizer que as principais características do messianismo são a crença na capacidade salvadoraúnice do ser eieito há muito esperado e a avidez dessa expectação"'". Observação lúcida e pertinente no que concerne apenas a este ponto: o "mito do Encoberto" ou de D. Sebastião, por servir, acidentalmente. de "metáfora" ao chefe eleito ou ao "salvador na hora própria, que em si consubstancia os atributos de eleição do Encoberto, historicamente anterior e há muito esperado""! não é mais que uma fase do Messianismo. Assim o entendeu também Martim de Albuquerque, mas foi mais longe ao explorá-lo numa perspectiva politológica e confrontando. ai, milenarismo (sedeado na chamada consciência mítica), utopia (ou pensamento maquiavélico, associado a consciência racional) e sebastianismo, definido como "floraçáo da crença, produto do élan ou do impulso vital, pertence, assim, á fenomenologia do mítico. Náo se pode, porém. qualificá-lo como movimento milenarista, pelo menos enquanto o milenarismo reveste um fanático

145 MARTINS. J. P Oliveira -Ms!diiidePoriugal. Lisboa: Guimaiaes Ed110ie1.1987, P. 284 (19'ed.J.

aparecendo udaimecpndo eie~paiecenda srmpreao ionno dos s~çu~os. em sucessim e DO, ~ ~ 2 5 insdii!sr mildmorfoia na Deisislfincir de Im#7cdei

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significado anárquico-revolucionário e igualitarista - antepassado longíquo das ;$;;;;;:;,:;;? teses catastrdficas de Marx e Hitler -, pois tudo deseja destruir como uma 152 Ibidem. P. 292.

153 ibidem. p 286-287. autêntica tempestade que devesse purificar a humanidade dos seus pecados, r u i s e e u i n d o d e ~ e e a ~ b t a d e ~ e r r h o m ~ h o ~ ~ m ~ ~ e ~ e s i a ~ i ~ m e ~ ~ i ~

Paris: 1974) Jobo MEDINA chama.nosa atenpo para ongiiinte: ' i a i v e para depois surgir o millenium. Sem dúvida, o sebastianismo traz dentro de s i i m o ~ ~ i f # ~ ~ i n ~ u i r a q u ~ , amo o~uogidndee~peci~~is~adomesianismo

judzico, Geishom Schoim ( 1 8 9 7 - I , enfie o Mesribs #lho de Jo$e 8 o um ideal de justiça social, pelo que não faltou quem quisesse descortinar nele MeiSidi#iho&hvid, ~ ~ ~ e d i ~ ~ i n # ~ e a n n ~ ~ ~ ~ d u d ~ ~ e n e o ~ e r d ( i p i d p i i o

ienbmeno mesi8n;co. a clivd~ern enlre c"i1am e Judeus: dummodo um antecedente do socialismo. iaaimImeniaaiInmieao mesiiamismo c i i ~ o ouxina 10 Iman escond~da), o

m e s i a n l m judeununmpode remrddr-se de um mo110 OU deum nome Que Semelhante ideal, porém, não possui qualquer espírito de insurrei~ão"'~~. i a houve oujd ioi vi310 ( ~ r i s ~ o , o ~ebus~i#o..i, uma w qm iapane da

E após incisiva análise do pensamento político e do trabalho mitológico de nalureraproiundddo judaiirn@aespdmdum h~esidsQUe~dpodeSe~ aguardddo como ubsoluf8 novid8de. dom modopu~menIeab~tia~10, pois o Ungido nunm seidum iedivivo, algu6m que re#IeiIe: daI 8 #s!io@o enlieo

D. João de Castro, esse anti-castelhano fervoroso que anunciou o regresso de ~ ~ ~ i ~ ~ ~ a c l i a d e ~ 0 s e e a q u e m o r i e . i i i a r ~ ~ ~ n u m ~ ~ ~ ~ r 0 i e m e u . i ~ n i ~ ,

D. Sebastião para salvar e libertar Portugal, o autor concluiu notando que o e o Meuiu~deoavid, noquaiseconcenI~mlodo5ms~~iuI6picai dummundo novo quenasce#. Seja mmo i06 não ilbsidnle Iodi)~ as

sebastianismo evidenciou uma autêntica concepção camoneana, simbolizando d ~ s l ~ ~ ç ~ ~ ~ u e P o s a m o s ~ a ~ ~ e n I ~ e I O r m ~ s l d o d i I ~ ~ n l a E d e c O O c e b e ~ o p,dprio Meisiaiar (mmo umpuio nM1eabiIiucl0, sem roiloco#nmciwiov

xa do ecumen;smo com o da pátr;ant%, e a sua lição fundamental, a l ~ u m a v ~ ~ i ~ l o , o ~ a n l ~ ~ o m ( i ~ m r o ~ I o ~ u e i d I o i ~ o n k ~ i d o ~ ~ o m n o m e quejeid l O i p i O ~ ~ O ~ i d d ~ I , o l8clo dque, comosublinha ainda o mesmo

que alguns escritores modernos. como o racionalista António Sérgio e seus s t h o i a lados m m o v i m e n ~ o ~ m ~ ~ i a n i c o s C J ~ S I J ~ de cai2 ~~iIid118, COBO os iabo!il8s, os Anahipl iw l ~ & v l o l , osPuiiIdn01 mdiclis (1~u1~XVl i i

discípulos, não compreenderam, consistiu na consagração da esperança e na e o ~ l r m m o ~ i m e n I o ~ m e ~ ~ i ~ n i ~ m i l e n ~ ~ i ~ f ~ s c r i ~ I d o I , 5 e i n i ~ i ~ d 1 d m sobrelvdo oo Anligo 7ellamenlo iOdnieI, isdius, Fsdids, Oreia% Amdr, e1c.i.

ressureição da Pátria nos seus momentos mais depressivos e jd QW "o i uda~mo "20 cesou de #itiIarno cri1ti8ni1mo umme~iisnismo polt7ico emilen##sla~(G. Scholem, oop d. p. 42). O quue brobroludo widad8

i de~nacionalizadores'~~. Marfim de Albuquerque teve ainda o cuidado de no lmnleaosmovimentoi dea~Ii~ismomesridni~o em que seprelende 'dpiemra vindd.do MprsidS, na0 obsidnle aadbedtncid Que, no IiiImo 45,

1 esclarecer que o messianismo sebástico, apesar das influências joaquimitas e 3, daiaoMidrsshTehiiiim: iraei#seaueurquandoooi ~ i#sr#~gdId f lE Oeur respaodeu:quanda iiw6esaldo nnamaichiim en!aoDviieirerga!ar'

i profético-milenaristas, não se confunde com os espúrios e perversos sucedâneos O ~ C o m o r e u d w ~ t i a n o ~ w o d e F ~ d m ~ i I I ! 3 d I : ~ N ~ o I e ~ a ~ m d i ~ d ~ i e ~ b l d o i queofeucriadoi..- (Ct Idem-O Sebailiani9ma -examecilicodum mito 1 de tais doutrinas, ou seja, essas "visões e movimentos herético-revolucionários, oo,iusuei i" Idem (dir.)-Hi~l6r~adePoiI~~~l,,., vo!. 6- ~uaaismo.

I n q u i ~ i ~ o e Sebasliaoimo, ob. cil.. 0.270-2711. 1 em oposição ao papa e ã Igreja. com a negação das hierarquias sociais e da ' propriedade privada, que revestiram o carácter mais violento"1u. Reside aqui, I aliás. o âmago não apenas do sebastianismo, mas do próprio messianismo. I Convém, por isso, lembrar, como o fez muito oportunamente João Medina,

que na génese e evolução do messianismo judaico ocorreu uma dicotomia essencial: o Messias da casa de José (Cristo, o redivivo) e o Messias da casa de David, refundador de um mundo novo (do prestígio das ~rigens)'~~".emos, assim, em confronto dois messianismos - o cristão (regido por um tempo linear e escatológico) e o judaico (escatológico e cosmogónico, em suma, milenarista e aberto a Idade do Ouro, e por esta via mais permeável a interferência do arqu6tipo do Andrógino, fundador do tema do Homem Novo, do Homem Ideal a criarlformar na futura cidade nova, imitatio da Jerusalém celeste).

Temos, também, instaurada a confluência e a interpenetração das duas consciências referidas por Martim de Albuquerque - a mítica e a racional -, ou seja, o pensamento utópico está impregnado de milenarismo, como tem sido demonstrado por Jean-Pierre Sironneau no seu estudo, várias vezes citado, sobre as religiões políticas. E se é líquido que o sebastianismo original, apesar da sua raiz popular, não abraçou excessos heréticos e revolucionários, a explicação plausível acha-se no controlo ideológico exercido pela Igreja Católica, entidade remitologizadora do messianismo cristão, não obstante vários desvios e "infiltraçáes heréticas" e, sobretudo, não obstante a crescente proeminência da categoria polltica Povo, ligada à societas humana de S. Tomás de Aquino, já referida atrás.

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Afonso Henrigues, o mito lunoaaor e a recorrencia miiica i nioeno nraulo e Himanoo waisein

ainda O Z9 nível 155 OUADROS,Anlbnio- Paeriaefilasafizdomifoie&sfiianiiia. VOI. 2 - Poimicl. hirldriaefeofia damilo ob. cil., p. 113e S.

Num estudo recente e ancorado na chamada Filosofia Por t~g~eSa - e 156 ~eiiemunho ir,e~mpbvet dessa miade e da aproximqao dnlinlbnio Ouadior a obrade Gilbeii Durandacha-se em 0UADROS.AnlOnio-

muito especialmente na análise do "mito sebastianista" feita por António ES~IVIU~~S rimbdficae do irnarinario ns iiferlwa podugoesa Llrboa: htiio. 1992.

quadro^'^^, amigo e leitor algo heteróclito de Gilbert Durandli6 -, na Psicologia in MORGADO. AoollinhoNo~ii~iiaRo~iio-D0SebailianirmoIlllarolia do milo. Revirf8Pa~fuguesadeRiorofidd Blaoa.51.1995, p. 571-614.

de Carl Jung e na "arquetipologia culturalista" de Mircea Eliade, Agostinho 158 ibidem. p. 572. 159 Ibidem. p. 573.

Morgadozs7 conseguiu fazer uma interessante interpretação fenomeno-filosófica 160 161 Ibidemii Ibidrm.p.574. 578.

do "Mito Lusiada" ou "Mito Sebástico", cuja gbnese e formação, no entendimento deste autor, poderá ser "um caso típico de mitogenia em que o Inconsciente Lusíada, confrontado com a perda das glórias do passado e com o consequente complexo de regresso a sua Idade de Oiro, agudizado este pela perda da independência nacional, sonha com a restauração dos momentos áureos, servindo-se dos símbolos oníricos universais: um Menino- Salvado6 o Quinto-Império, a Terra da Promissão, e t ~ . " ' ~ ~ . Não sendo o disparate de que se rira, em 1810, o P". Macedo, nem a religião lusitana cantada pelos poetas Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa, o sebastianisrno compreende, segundo António Quadros e Agostinho Morgado, os "ingredientes de um mito antigo e redivivo, o qual tem, é verdade, evidentes conexões com as religiões bíblicas", ou seja, é um "Mito Messiâni~o" '~~. portador, no entanto, de uma singularidade ou especificidade mitogénica. Singularidade essa radicada na simbiose original, operada pelo P.* António Vieira, "do Mito do Providencialismo do ~ u i n f o Império com o Mito do En~ober to" '~~, e na qual desembocaram várias coordenadas do "sonho colectivo lusitano" (o Mito da Sublimaçáo da Mulher, dectável no Priscilianismo, c Mito da Demanda Parasidiaca ou do Santo Graal e o Mito do Providencialismo da História de Portugal, que liga Ourique ao Quinto Império).

Procurando a matriz arquetipológica do "Mito Sebástico", Agostinho Morgado pretendeu demonstrar "que os arquétipos messiânicos do inconsciente luso estão etnograficamente vinculados a profunda influência dum Povo no qual de mentecaptos contra o qual se insurgiu o P." esteve presente, há pelo menos quatro mil anos, a ideia - melhor dizendo, a esperança - messiãnica. Referimo-nos é claro ao Povo Semita, cujas tradiçóes ancestrais remontam a Abraao, cuja influência foi profundamente marcante, quer na nossa (sempre presente) vocação marítima, quer sobretudo na constituição do nosso carácter étnico . Sem menosprezar a importãncia dos povos nórdicos, pré e pós romanos, senhores da arte da guerra, nómadas em busca de melhores terras, relevamos o contributo da aculturaçâo judeo-árabe na formação do crácter de sonhador activo, que é, no entender de Jorge Dias a melhor definição da nossa idiossincrasia que tão bem se exprime na sa~dade" '~ ' .

Tida como a "ânsia sentimental de reaver e recuperar o Bem que se amou e que se perdeu", a Saudade tem no "Mito Sebástico" o seu correlativo mítico. e ambos são, segundo este autor, realidades profundamente semitas, embora a

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L. U Y I I ~ I E ~ ~ ~ V D I Y I I L Y YE Y Y ~ I Z ~ ~ ~ ~ C > ~ U. HIUI1SU neiiiiques e a sua tpoca

primeira seja o "fruto admirável da personalidade psicossocial do Povo 162 lbidsm. 0.57'3 163 ibidsm. p. 589.

Português, a qual, de tgo antinómica.e tão complexa, só poderá explicar-se IM IbidPm.p.613. 1650 MiiO4um8 ~epre$enta@orimbblics continua. Que se aprenenla coma

pelas diferentes tendências das populações que formaram o País, desde o real $retendeser uma reveiapo), er~nerna (ela dewnioia-se no lempo raptadodai origrni). exempiar (modelo pura samo humana). iepeliliw

lirismo sonhador dos Celtas, ao fatalismo amoroso de tipo oriental e semita"'6z. (pode EOI repelida e raciuaiimd~ POI meiode filas) esindspaiadiomjIic1, !ran~pesrodl e signifiu!i@.

Fundado, pois, numa amalgama étnica, onde sobressai o "messianismo semita", o "Sebastianismo saudosista" sintetiza a vocação ecuménica, marítima e messiânica (mística) de Portugal.

Saudade e Sebastianismo, precisa o autor, são "fundamentalmente a nossa perspectiva teorética sobre a Realidade", ou seja, o cadinho "duma filosofia portuguesa" (feita por poeta^)'^. Saudade e Sebastianismo configuram, enfim. a expressão sentimental e mítica da "Esperança Messianica Lusitanizada". O "Mito Lusíada" mantém, segundo Agostinho Morgado, a matriz estrutural e funcional de todos os mitos ancestrais, impondo-se. porém, como a "demanda Lusíada do Ser Ab~oluto" '~.

39 nível O nosso exercício analítico de profundidades decorre, naturalmente, dos

"cortes sincrónicos" efectuados no nível anterior e através de alguns autores escolhidos pela pertinência mitanalítica do seu trabalho, sendo o último (sem esquecer a obra de António Quadros), sem dúvida, o que mais expressamente recorreu a uma fecunda perspectiva remitologizadora, embora, ao envolver-se numa exploraçâo iilosófica e metafísica da função mítica de "mediação" do sagrado, tenha ultrapassado as esferas psicológica, antropológica e sociológica, que são, aliás. a fronteira da nossa hermenêutica.

Vários detalhes importantes nos distanciam da abordagem de Agostinho Morgado e, por extensão, de António Quadros. Eis alguns: a nossa concepção de arquétipo ou imagem primordial, na linha não só de Jung, mas ainda de Lorenz, de Portmann e da moderna Neurobiologia. é irredutível a especificidade étnica, radicando antes na generalidade da espécie humana; o "Inconsciente Lusíada" com os seus símbolos oniricos universais (Menino-Salvador, Quinto Império, etc.), esboçado por Agostinho Morgado, é uma réplica imprecisa do inconsciente arquetipal e colectivo de Jung, face ao que atrás ficou exposto sobre esta instância biopsíquica; daí, aliás, o pressuposto de um imaginário bidimensional, que abarque o inconsciente arquetipal e colectivo de Jung (ou o "ça" da "tópica diagramática do social" de Gilbert Durand) e as instâncias superiores ("ego actancial" e "superego societal" da mesma "tópica"), a que correspondem a memória social e o imaginário racional/mental das representações sócio-culturais tão caras a Roger Chartier, Carlo Ginzburg e demais expoenteâda moderna historiografia da cultura e mentalidades; de um ponto de vista formal, a narrativa mítica, além de outras características apontadas por Mircea Eliade e Pierre Riffar13'~~. deve convocar explicitamente o sagrado, característica patente na narrativa do Milagre de Ourique e ausente

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Alonso Henrigues. O mil0 fundador e a recoii$ncia milica 1 Aibeito Aiadio e Armando Malheiio

156 SiRONtlEAU. JeanPieiie-Fig~iesdeiima~inairereligieuxeld$!ive das Trovas do Bandarra ou na Paráfrase de D. João de Castro, tal como nas i deoioo i goepa ri a,malian,1993,p, 167 1Mdem.p 141. congéneres Profecias de Nostradamus; e, por úlimo. é conveniente assentar 168 ELIADE,Mi eh,yl lhedrr6re,oe ,cMy.pese ,do6 lil,on

numa definição o mais rigorosa possivel do messianismo e do milenarismo. Pais: Guliimard, 1985. p. 157.

Embora radiquem ambos na tradição judaica, o primeiro implicou, com o aparecimento do Messias da casa de José (Cristo), a valorização de um tempo profano, linear e vectorizado da história com a crença num começo único e com um fim único do mundo: "a novidade da consciência religiosa hebraica reside nesta convicção que Deus se revela nos acontecimentos da história, que a história é uma te~fan ia" '~~. Para além de outras características: a importância do carácter sacra1 da Realeza, baseado, entre outros aspectos, na descida do Espírito Santo enviado por Javé sobre os chefes carismáticos - o cerne da monarquia mística e teocrática; a certeza que Israel teve sempre da sua missão sagrada. visto que Deus, justo e misericordioso, elegeu o povo israelita como "povo eleito" e fez com ele uma aliança. que lhe permitirá triunfar; a vinda do Messias que vencerá os inimigos da fé e, assim, reinará mil anos num mundo purificado, ao qual sucederá a ressureiçâo dos mortos e o juizo final; e, por último, a concepção de Javé, segundo a qual Deus transcendente está intimamente ligado aos acontecimentos históricos e. por isso, estes deviam ser aceites como suas próprias manifestações e vontade. Decorre disto a ideia de que os acontecimentos, enquanto manifestações divinas (teofanias). são indispensáveis e importantes para a salvação definitiva do povo eleito num futuro mais ou menos determinado, que culminará com a vinda do Messias: "Para o nosso propósito - a simbólica histórica judaica - o messianismo desempenha um papel essencial, visto que siginifica a valorização escatológica do tempo: é o futuro que regenera o tempo, que lhe devolve a sua pureza e a sua integridade ~riginal"~'. A este propósito, Mircea Eliade, na sua obra O Mito do eterno retorno, faz um observação que se revela agora importante para compreendermos melhor esta ideia: "in i110 tempore situa-se não somente no começo mas também no fim dos tempos"'68. E o in i110 tempore futuro e messiânico equivale. uma vez aplicado ao nosso caso, a esperança de uma nova era de felicidade, de paz e de justiça num Portugal santificado e identificado à Jerusalém Celeste do Apocalipse de S. João, que não é outra coisa do que a restauração do Éden original, ou seja. da restauração da vida paradisiaca.

Na concepção linear do tempo, com um começo e um fim únicos, pode. pois, postular-se o retorno do Paraíso terreal anunciado. E compete, pois, ao Messias anunciar quando se dará este fim do mundo com a consequente restauração do paraíso terreal: "O Cosmos que reaparecerá depois da catástrofe será o mesmo Cosmos criado por Deus no começo do Tempo, mas purificado, regenerado e restaurado na sua glória primordial Este Paraíso terrestre não será mais destruido, nem terá mais de fim. O Tempo não é mais o

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2° Congresso Hislbiico de tiuimaráesl U. Afonso Henriques e a sua Epoca

Tempo circular do Eterno Retorno, mas um Tempo linear e irreversivef"". nfere-se, portanto, daqui, que a história judaica só pode ser uma história santa. ou seja, uma história da salvação, articulada com o mistério messiãnico. Concordamos, por isso, com Jean-Pierre Sironneau para quem "toda a simbólica histórica do judaísmo 6 polarizada por esta expectativa no messias e a esperança está bem no centro da experiência religiosa do j~daísmo""~.

No que concerne ao cenário milenarista, pode dizer-se que este conjuga a perfeição dos começos, o "prestígio das origens", com a perfeição vindoura. Crucial neste cenário não é tanto a ideia de fim em si mesmo, mas a certeza de um novo começo. Também é imprescindível referir que a estrutura milenarista assenta numa dupla abertura ao tempo, a saber: o tempo mítico das origens, que caracteriza a estrutura mítica das origens, e o tempo mítico do "eschaton", isto é, do fim dos tempos, que caracteriza a estrutura mitica escatológica. Sironneau explica-a desta forma: "A concepçáo ciclíca do tempo ensina-nos, aliás, que não se pode separar a primeira estrutura da temporalidade, o prestigío das origens, da segunda, a intenção escatológica que se manifesta mais precisamente nos mitos do fim dos tempos; esses mitos contam um fim do mundo que teve já lugar e que deve reproduzir-se no futuro (...) Perfeição dos começos e fim do mundo e desenrolam com intervalos regulares""'. De uma forma mais precisa, podemos dizer que a estrutura milenarista se caracteriza pelas seguintes fases: a primeira corresponde ao estádio de perfeição seja do homem ou da sociedade (Éden original, Idade do Ouro, pureza original); a segunda corresponde ao período da queda (estado de decadência, de pecado, de alienação ...) que não será definitivo; a terceira fase é a da insurreiçáo ou da revolução ou guerra (luta violenta) que operará, por intermédio de um deus, de um antepassado, de um herói ou de um messias, uma ruptura radical com o estado de decadência e. deste modo, inaugurará um novo Éden (pureza original), que é o Reino milenário. a Terra sem mal ou a Terra prometida: "Um movimento milenarista define-se pelos traços seguintes: a promessa da salvação terrestre e colectiva; de promessas e de objectivos de carácter ilimitado (um outro mundo, uma ouira sociedade, um outro tipo de homem); a necessidade de uma ruptura violenta, de uma catástrofe ou de um cataclismo revolucionário considerado como o combate decisivo que instaurará um mundo transfigurado; uma enorme desproporção entre os fins almejados e os meios disp~níveis""~.

A distinção exposta corresponde, afinal, a dicotomia, atrás citada, entre o Messias judaico da casa de José e o Messias da casa de David, porque aquele invoca, sobretudo. a estrutura escatológica e o da casa de David conjuga a escatológica com a cosmogónica. Este aspecto é, sem dúvida, essencial para ajudar a esclarecer melhor o tema sebástico. Tema ou mitologema e não mito, porque a figura, o drama político de D. Sebastião (equivalente a um arquétipo

169 Idem -&pCldum#he. Paris: Gsllimaid. 1983, p. 83. 170 SIRONNinu. Jsn-Pierre- Figorerde~ma~i~8 i re~ l ig ieuxe~d~~iVe idhlogioue, ob. cil.. p. 137. 171 lbidem, p. 78-79. 172 SIRONNEAU, Jsn-Pieiie- Relour du mylhe e1 imaginairerocio- polilique, in Le Wlourdumflhe. Gianable: P.U.G.. 1980, p. 16-15.

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AIO~SO Henriques, o mito tunaaoor e a iecoiiencia mitica iaoerto Avaujo e Armando Malheir0

1 "substantivo" das estruturas heróicas do regime ou polaridade diurna) e a resistência popular sebastianista à dominação de Castela inscrevem-se nos "modelos" míticos messiãnico e milenarista (o Messias é um símbolo associado as estruturas sintéticas do regime nocturno), sendo, em função daquele, subsumidos pela narrativa mítica do Milagre de Ourique, onde se verifica a

L articulação, num sentido marcadamente escatológico, de símbolos, arquétipos i i

"substantivos" e estruturas distribuídas pelos dois regimes ou polaridades. i A comprová-lo, basta rever a leitura simbológica feita atrás, no ponto 3. E Estamos, pois, perante a recorrência ou, em rigor, a permanência de Ourique,

mito essencialmente messiãnico-cristão, mas cada vez mais "confrontado" i

1 com a presença (ou recorrência, ressurgência ...), ainda que "encoberta", de

i outros mitos - o da Idade do Ouro - evocados pelas doutrinas e ideologias i 1 i

milenaristas (de pura raiz judaica). A valorização filosófico-política da societas i humana (na expressão de S. Tomás) indicia, de facto, uma crescente

1 estimulação das estruturas antropogónicas, ou seja, da corrente mítica j prometeica. E a par disto importa não esquecer a silhueta constante. desde os ! alvores da Dinastia de Aviz ou joanina, do Mito do Herói - a heroicização

coeva e, sobretudo, póstuma de D. Sebastião integrou-se, tal como já se integrara o seu antepassado directo D. Joáo I (fundador da dinastia que veio a extinguir-se no reinado sebástico ...), num assomo mitico de feição messiãnico- milenarista.

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li Lonoresso n~siorico ae buirnaiaes I u nionso nenoques e a sua tpoca

164011668 - a Restauração

contexto histórico O domínio filipino estendeu-se por três reinados - o de Filipe 11, Filipe III e

Filipe IV, respectivamente I, II e III de Portugal - e por seis décadas. ao longo das quais a situação política, social e económica de Portugal acompanhou e reflectiu forçosamente as vicissitudes da grande Monarquia Espanhola, cabeça de um vasto império saído, em parte, doTratado de Tordesilhas e associado a uma "era áurea", a era do grande esplendor da civilização espanhola. Mas será ainda no séc. XVII - o "Século de Ouro" da Espanha -. que se adensarão os sinais de estagnação e de declínio.

Ameaçada pelos ataques dos corsários ingleses ao comércio das índias e pela vaga herética da Reforma, desencadeada por Martinho Lutero e espalhada pelos Estados do Império Germânico, pela França e Inglaterra, onde se sucederam guerras religiosas, a Espanha de Filipe II, "vanguarda" da Contra-Reforma romana e desejosa de manter o controlo dos Países Baixos, entrou, desde 1583, numa fase de guerra iminente com a Inglaterra, que decorreu e culminou de 7 para 8 de Agosto de 1588 com a humilhante derrota da "Armada Invencível" espanhola diante de Calais. Não teve consequências imediatas e desastrosas esta derrota para a Espanha, além da perda dos Países Baixos do Norte e de um efectivo ascendente económico das "potências marítimas" do Noroeste europeu. Um acordo de paz coma França de Henrique IV e depois com a de Luís XIII e do célebre cardeal Richelieu. obreiros da restauração da autoridade real francesa, contribuiu para que o reinado de Filipe III fosse relativamente pacífico, mas ao contrário de seu antecessor este monarca passou a confiar a condução dos negócios públicos a validos (favoritos), como o Duque de Lerma ou o enérgico conde-duque de Olivares, que servirá Filipe IV.

A partir de 1621, esses dois homens protagonisaram uma politica mais intervencionista, pensada para a unidade hispânica. O retorno dos Países Baixos, nesse mesmo ano. a posse espanhola arrastou, de novo, a monarquia filipina para o uso das armas face a uma França reorganizada e belicista. 0 s efeitos da guerra afectaram os beligerantes no seu todo e Portugal não podia escapar-lhes. Aliás, desde 1585 que os portugueses começaram a sofrer a6 consequências de uma política externa comum. dominada pelos interesses espanhóis: nesse ano foi determinada a proibição do comércio com a Holanda; no ano seguinte ocorreu a ruptura das relações diplomáticas e a proibição do comércio com a Inglaterra; e em 1588 vários portos brasileiros foram atacados pelos corsários ingleses. O ataque as possessões portuguesas prosseguiu e intensificou-se nas décadas seguintes. sobretudo, a partir do acordo anglo-holandês de 1620. Entretanto, a política de Olivares tendeu a integrar, sob o impulso da Coroa espanhola e de medidas de reforço fiscal e político, a sociedade portuguesa num Estado unitário e anti-dualista. Não tardou, por

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Afonso Henriques, o mito lundador e a recorrência mil icai Alberlo Araújo e Armando Malheiro

1

1 isso, a lavrar o descontentamento no seio do "terceiro Estado". Sucederam-se 173MAROUES.Jo~oFrancirco-APa~en61~~Pafl"~ue~radOminaFPO

fi1;p;oa. Pano: inriilulo Nacionsi de Inv&slipa@o Ci8nlilica. 1986, p. 261. 0s motins populares, mas de pronto esmagados com a conivência da nobreza 174 Veia-seCAPELO.RuiGiilo-Prole1;smoeerolei~smo .... ob.ci1.

e dos letrados, uma parte dos quais acabará, no entanto, por agir contra o domínio espanhol, pressionados pela adversidade crescente das circunstâncias sócio-económicas.

I A conjura de 1 de Dezembro de 1640 resultou, pois, do empenhamento I I subversivo das élites, reunidas em torno de D. João, duque de Bragança e

I governador militar do reino. Era, enfim, proclamada a Restauração da Pátria independente e abria-se um novo ciclo político, para onde confluiu, naturalmente,

i # 8

o "sebastianismo posterior à morte do rei", bem como uma hábil camganha de 1 # exaltação nacionalista, conduzida através de uma certa parenética: "Vários - g 1 explica-nos João Francisco Marques -foram os meios de que os pregadores E portugueses se socorreram durante o domínio filipino para alertar a consciência 1 j da nação contra o perigo que corria, se se deixasse abater pela onda de

dificuldades e infortúnios que a assaltavam. A coberto de motivações religiosas 1 i e, por vezes, de uma argumentação ambígua, caindo intencionalmente em

exageros retdricos ao abordar certos sintomas de declínio moral, econdmico, militar e político, a voz do orador sagrado erguia-se, espicaçando brios adormecidos, agitando desígnios messlãnicos, exaltando-os em quem residia a derradeira esperança de recuperação da independência e, por fim, sugerindo o caminho da rebeliã~""~. Esses "desígnios messiânicos" entendem-se à luz da

! densa e fértil corrente de profetismo e esoterismo, que prosseguirá activa até à

I primeira metade do séc. XVIII": e do movimento pós-tridentino. artístico-literário e político do Barroco - a arte do espetáculo e da ostentação, do apelo directo à

i emoção e à sensibilidade, posta ao serviço da Igreja e da exaltação do Poder régio. 0 s referidos "designios messiãnico" evocam ainda a presença marginal e enraizada de uma prolifera "mentalidade mágica".

O Portugal restaurado era um país enfraquecido, dividido e cercado pela recusa espanhola em aceitar a fragmentação da unidade hispâncica -

I revoltas separatistas na Catalunha, em Aragão e na Andaluzia formaram com o

I caso português, o único bem sucedido, uma "tenaz" ameaçadora dessa unidade. A incontornável hostilidade espanhola forçou o novo rei, D. João IV,

i fundador de nova dinastia - a Bragantina -, à reorganização dos poderes internos (a administração central e local) e a preparação da defesa político- diplomática e militar, bem como à indispensável legitimação filosófico-política e ideológica, trabalhada por juristas e teólogos. Em 28 de Janeiro de 1641 reunem as Cortes de Lisboa, onde se procede ao juramento do monarca e do

1 princípe herdeiro D. Teodósio e é justificado juridicamente o 1 Q e Dezembro. A 29 de Janeiro de 1642 era assinado o tratado de paz anglo-luso e em Março

1 I era enviada Missão a Haia para reclamar a restituição das possessões

i portuguesas em África. Multiplicam-se as frentes onde urgia afirmar os B j 1 4

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2aCongresso Hisl6rico de Guimaráes / O. Afonso Henriques e a sua Época

interesses e os direitos do Portugal resgatado. E em 1646 voltaram a reunir, na cidade ; ; ; ~ $ ; ~ ~ de Lisboa, as Cortes, sendo aí aprovadas decisões relevantes para a prossecução da Hiriõiica~.uol.3.lisboa.SbdaCoilaEdilora.1979.~.28-~:Idem-O~

Senlidos do imp6iio. OUSISO NdCioMIe O u ~ l d o Col~nia ln~ Crise do AnIipo guerra e seu financiamento, a par do acto simbólico da eleição de Nossa Senhora da ReoirnePodug~~eS. Pono.Edi~õelAlionlammlo.1993.~.15-22ep.7ü7-

815: e ainda CAPEU. Jord eSILVA, Armando Malheira da-O Sonho e 0 Conceição para Padroeira de Portugal - eleição que será confirmada por Clemente X o ~ o . in ~ ~ o n h o a o a u ~ o . ~ o f f ~ o a ~ ~ s i ~ . ~ ~ . ~ ~ ~ i ~ ~ x ~ ~ ~ m e i a d e l .

MuseudaiSiscainhor 2 4 N m m - 2 4 A b c 91. Siaga: Centro de ãludor em 1671. Nesse mesmo ano de 1646 ficou prescrito que os doutorados de Coimbra Lwiadd.daUnivenidadedoMinho,1490.

176Oca1i?sebarlianiiiada ohia 192 18mi1 q i n s ~~spe i la~deCa i ie la robie teriam de jurar defender o dogma da Imaculada Conceição. ai inteniüpr pomicar do ador e daiqueela lenhasidospieendidae Bocario

Fianc&rpiero, libenado pouco depois eloi@doa exilar-seem iMiia. onda Nos anos seguintes intensificou-se a acção diplomática em Paris e Haia, sendo DubricouaAnaalalwseiY (otermorigniricaiwgtliia~oeapoemar

de destacar o empenho dos Jesuítas e, em especial, do jesuita visionário, delinavam-%e 2 recapilular ar qlbiias da Poilugai). com omula LuzPwuend lunare~leliiemda MonamuiaLuIiIdnd, onde Eqaruntidaavinda do Princlpe

P.m António Vieira, no resgate das terras do Brasil ocupadas pelos holandeses. Encobeno, em mcnol de rEculo spõr o nascimento de D. Sebailiao (15541, OU reja. 1654 (C1 PIRES, Aibnlo Machado- O. Sebsli#odopoEncobffo

Na década de cinquenta ocorreu uma acentuda crise comercial. morreu o principe 0 h C i L ~ p 7 q " " ~

herdeiro D. Teodósio, reácendeu-se o confronto militar com os espanhóis e a 8 de Novembro de 1656 morreu D. João IV, deixando como Regente D. Luísa de Gusmão, enquanto fosse menor o herdeiro ao trono. o primogénito D. Afonso, apesar da sua notória incapacidade física e mental. A estimulante vitória dos portugueses na batalha de 14 de Janeiro de 1659 não foi decisiva para o desfecho da guerra e a crise política estoirou no seio da Corte, com o grupo "afonsista", partidário do principe, a pressionar a Regência, ou seja, D. Luísa de Gusmão para que se afastasse do Poder, o que acabou por se verificar, depois de várias peripécias palacianas e não obstante o seu meritório desempenho político, em que sobressaiem a aposta decidida no esforço militar, desenvolvido de 1658 a 1661, e a preparação da importante aliança com a Inglaterra, celebrada em 1662.

Ao trono subiu, por fim, D. Afonso, apoiado em jovens cortesãos, entre os quais tomou a dianteira o dinâmico e eficiente 3Tonde de Castelo Melhor, D. Luís de Vasconcelos e Sousa. Foi efémero este reinado, sucumbindo, em Julho de 1667. a um golpe palaciano dos partidários do infante D. Pedro que provocou o afastamento do Conde de Castelo Melhor e do secretário António de Sousa Macedo, e a abdicação de D. Afonso VI, a 23 de Novembro, dando início à regência do futuro D. Pedro I!, que casará com a cunhada D. Maria Francisca de Sabóia e sob cujo reinado se consolidarão os pilares político-administrativos e os objectivos estratégicos consumados no "sonho e no ouro", isto é. na segunda "versão" do denominado "sistema imperial português" ou, mais concretamente, do "sistema luso-brasileiro""". Mas é preciso não esquecer que toda esta política se desenrolou ao abrigo do Tratado de Madrid de 5 de Janeiro de 1668, pelo qual foi firmada a paz definitiva com a Espanha - o Portugal restaurado tornar- se-á o Portugal joanino e "absolutista" que o Pombalismo reformará a luz das inovações técnico-científicas, pedagógicas, filosófico-políticas e económicas surgidas na Europa "iluminada" de meados de setecentos.

plano hermenêutico 1% 29 níveis Da Anacefaleose da Monarquia Lusitana de Manuel Bocarro Francês,

publicada em 1624 e dedicada a Filipe IV"6. até à prosa sacra e

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Afonso Henriques, o mito fundador e a tecorlencia m l c a i Aiberto Araiiio e Armando Malheiio

1 profético-política do P,' António Vieira, passando pela parenética que antecedeu 177 B~ENCOURI.Francisco-ASociooLneredorentimenianacionai.in A Memdria da Napão. Oiganiaflo de FnnciIco Belhenmun e OidRO Rdmdda

e acompanhou a Restauração política de Portugal, pela historiografia curio. Coidquio do Gabinete de E d ~ u d o ~ d c S i r n b ~ i ~ ~ i ~ iediizddna Fundaflo CdfousteGulbeoki8n, 7.gOutubro. 1987 Lisboa: Liv#aiia Sd da Casta. 1991. p.

alcobacense, consubstanciada na Monarchia Lusitana de Frei Bernardo de Brito ;zVeis-se OmGm deOwinci a,Shu imXYaXYii(Ddifloi imilddd

e de Frei António Brandão, artífices da "emergência da mitologia das origens (..) comnonbibfionidSCddeM~~lmdeAib~~u8r~oel Lisboa: ~ d . tnapa. 1988 i19 CENlENO. Yvrtie-O Padrohihnio Vieim e o raoundo corpodo rei. in

significativa num período de crise de identidade, decorrente da anexação da A MemdrIadaNaClo. ab. cii., p. 3w. Audoiaapiicou ao caro de O.

I Sebariiãae 2 obiaabanianirta do diebieieruitae pieoadorvisiia. aanhiire

1 Coroa por Ca~tela"'~', pela literatura política legitimadora do Estado brigantino ou d~E~ncrtKanlai~#iarobieo~segundocorpa~,oureja,atianrloima~o,em

Shakespeaiee n a s u u p w King Richaidlt, sofrida p i o rrtatuio8 dignidade pelo acervo de progn6sticos "sebastianistas" e diversos textos herméticos, do rei. 'no seu segundo m~pa. o imutdv~i. pan o10 aiieidivin6 - Idem -

i TheKingihvo bodes. Prinalon: Princeton Univeisity Pias. 1957.

1 [ l ~ í v e l ] é ampla a gama de fontes carregada de denso substrato ideologémico, com base no qual muitas tém sido já as leituras interpretativas. [Z9nivel] Autores

i como António Machado Pires. Joel Serrão, António Quadros ou João Medina. assentando em pressupostos e objectivos diversos, seguiram a pista aberta por Oliveira Martins na sua História de Portugal (l%dd. 1879) e no Portugal Contemporâneo (l%dd. 1881), ou seja, o trajecto do sebastianismo, enquanto "prova póstuma da nacionalidade" (na própria expressão de O. Martins),

i i

enquanto expressão da mentalidade popular portuguesa e brasileira (em foco, I sobretudo, a acção profética e popular de António Conselheiro, lider do I

movimento "sebastianista" de Canudos, no sertão brasileiro, o "Brasil do interior, profundo, durante o último quartel do séc. XIX") e enquanto temática esotérica - a "Religião do Encoberto"- para pensadores como Sampaio Bruno ou para poetas como Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Afonso Lopes Vieira. Mais adiante veremos, genericamente, como foi encarado o tema sebástico nos

1 sécs. XIX e XX, mas aqui só nos interessa destacar as análises da produção literária, filosófico-política e profética cingida ao contexto histórico seiscentista.

I I Nesse manancial de "testemunhos" temos, em relevo, a hábil metamorfose

messiânica do Encoberto no chefe da Casa de Bragança, tarefa exemplarmente cumprida por António Vieira como se deduz da extensa bibliografia disponível sobre ele.

Como observou Yvete Centeno, D. Sebastião - "rei divino" a luz das Orações de Obediência ao Papave - morreu em 1878, mas não quebrou o espírito profético português, que, pela voz do padre António Vieira (1608-1697), aliará á Restauração e reinado de D. João /V aquilo a que ele mesmo chama "Esperanças de Portugal e Quinto Império do Mundo". De nacional - e nacionalista -, o mito fundador adquire foros de universalidade que lhe advêm da antiga tradição dos profetas bíblicos,e da mais recente tradição do abade Joaquim de Flora, da monja Hildegarda de Bingen, e dos visionários Nostradamus e Bandarra, o sapateiro que ele declara sábio e profeta e cujas

I trovas comenta at6 à exaustão. Morre D. João /V? Não importa. Ele é

I D. Sebastião. Ele voltará, ressuscitado. Em Portugal, apesar do reinado dos 1 I Filipes, o duplo corpo do rei continua a viver, imprimindo a nação e aos seus

1 representantes uma dinâmica de messianismo coeso que nenhum contratempo parece poder abalafT7*.

I I I

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Z0 Congresso Histórico de Guimarães1 0. Alonso Heniiquesea sua Epoca

1 8 0 VAN OEN B E S S E M . Jose-InIioduCao. in VIEIRA. Padre Anibnia- 0 padre Vieira, que, segundo José van den Besselaar, se considerou a si v,oan lep,jm~i,OdaHj~ld,jddoFOt O,o, Xo ia ie i lU id , j~ l ,~d~~oanatar

próprio " o intérprete dos sinais celestes que lhe pareciam anunciar a iminente eoc. Liiboa:BibliolecaNacional. l981.~.BSobres~ieni l i ra@oduHilbi is emvieira veja-sea iecenlee andllre lilorblica6eBORGES. Paulo Alesndre

plenitude dos tempos""BQ e que começara a redigir em 1649 a sua magna e r a e u s - A P ~ O ~ ; I ~ ~ R O da ~ ; ~ i d i i a e" hdieAvt6nio vt~jid, ob. cit. 1 8 1 VAN OEN BESSELAAR. Jose- b110d~g0. inVLIRA. Padre Anlbnio-

inacabada obra História do Futuro. Esperanças de Portugal & Quinto Império do L;woanie~~meirodaMdt6riadoFuloio, ab. cii.. p. 8.

Mundo, condensou aí a sua visão milenarista (joaquimita) do "descobrimento das nossas esperanças e felicidades", do plano divino (providencialismo) que Portugal, nação eleita, daria cumprimento ao Quinto Império, profetizado por Daniel e Ezequiel, desencadeado com o nascimento de Cristo (o Messias da casa de José) e realizado, finalmente. através do regresso assaz próximo - em 1666. o ano profético ansiosamente esperado ... - de D. Sebastião, incarnado em D. João IV. A concepção vieirina da transfiguração do mundo partia, pois, da analogia entre Quinto Império e Reino de Cristo, a instalar na terra logo que o Encoberto - um princípe português de acordo com as profecias ibéricas - derrotasse os inimigos da fé cristã e conquistasse a Terra Santa. Então, " o Quinto Império - sintetizou Besselaar - não tardaria em vir Um reino de mil anos, que havia de abranger todas as raças e todas as culturas, fraternalmente unidas na fé católica e incorporadas num só Império mundial; um reino de paz e de concórdia, um reino de justiça e harmonia, na qual as diferenças nacionais e culturais haviam de ser integradas numa unidade superior; um reino em que todos os habitantes do globo terrestre haviam de obedecer - e de livre vontade - aos dois vigários de Cristo: ao papa de Roma, no plano espiritual; ao rei de Portugal, no plano temporal. Terminado esse periodo milenário, viria o Anticristo, a luta final e a consumação dos séculos. O Quinto Império era um sonho de patriotismo exaltado e, ao mesmo tempo, de ecumenismo universal: todas as partes do mundo deviam contribuir, cada uma à sua maneira, para maior esplendor do conj~nto"'~'. Em torno da ideia do Quinto Império, axial no pensamento vieirino, o recente exercício hermenêutico de Paulo Borges ajudou a explorar vectores significativos: "A partir do seu mesmo enquadramento teológico e mitico o pensamento de Vieira oferece fecundas sugestões para a especulação, nomeadamente a respeito das analogias que, colhidas nas Trovas de Bandarra, se estabelecem ainda entre a ressurreição e epifania salvificas do "bom rei encoberto" (segundo fundador da naçâo mediadora para o "Império" terreno da divindade, de acordo com o mito instaurador e destina1 de Ourique), decisivas para uma ressurreição universal da Verdade teândrica, e um acordar, ou despertar, cujo sentido se apura na explicita identificação daquela ressurreiçáo com uma reminiscência [cf. Salmos, 22 (21)], pela qual no mundo triunfe do esquecimento e se reactualize a sinfonia primordial de todos os seres, na convergência para o seu Principio e Fim único. Esta ideia de uma anamnésis cósmica, por conversão das existências separadas e opostas, porque dis-traidas, a uma vigilância e atenção centrípetas, comparada ainda a um "baptismo" ou "dilúvio" universal, purificador, revivificador e

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A ~ O ~ S O Heniiques, o mito lundador e a iecoirência milica i Albeito Araijjo e Armando Malheiio

palingenésico relativamente a um ser em abatimento letárgico - e significativamente assumida como dotada da eficácia e universalidade que faltaram a República platónica -, parece-nos um dos motivos mais profundos da mitogénese vieirina e do universo quinto-imperial"82,

Mas a análise desse projecto quinto-imperial remete, necessaria e constantemente, para as "circunstáncias" do seu mentor e dai a evocação, sempre oportuna, do ensaio de Vasco Pulido Valente sobre o enquadramento conjuntura1 do discurso filosófico-político de Vieira'". E neste contexto a obra vieirina entrelaça-se profundamente com o sermonário anterior e posterior a 1640 e com os textos dos "teorizadores" e ideólogos politicos da Restauração.

No que concerne a riqueza ideologémica bidimensional, isto é, aos ideologemas saturados de aflorações miticas, patentes na produção parenética de seiscentos, dispomos do trabalho historiográfico de João Francisco Marques, repartido já por vários estudos de dimensão e fôlego diversos'B4.

Entre os inúmeros excertos significativos extraidos dos muitos sermões relativos a esta conjuntura, interessa-nos destacar, aqui, os que João Marques analisou num texto sugestivamente intitulado A Tutela do sagrado: a protecção sobrenatural dos santos padroeiros no periodo da Restauração '*. E essa análise começa com a evocação necessária de que o discurso concionatório da Restauração de 1640 se destinava a "exaltar os feitos cometidos para torná-la possível; advogar a legitimidade do gesto patriótico separatista no plano religioso e juridico; defender os actos governativos inerentes a sua conservação; aprovar e responsabilizar certas decisões dos orgãos governativos; apoiar a firmeza de opções impostas pela consolidação do movimento libertador; promover a união social indispensável a defesa da independência; colaborar na aceitação das rriedidas circunstanciais tendentes ao prosseguimento da luta armada, a paz, á contribuição financeiran'86. Se se acrescer a isto a exarcebada e barroca mentalidade católica e mística prevalecente no periodo seiscentista, ficamos com o quadro justificativo de tão veementes e fervorosas invocações do sagrado e, mais precisamente, da presença tutelar, manifestada através de prodigios (tão fáceis de admitir para a mentalidade religiosa da época), de Cristo, da Virgem, da Sagrada Eucaristia e de um rol considerável de santos e de santas padroeiras, de heróis ou "pais santos da grei lusa".

O teatino genovês Ardizone Spinola pregou na Sé de Goa, a 22 de Setembro de 1641. que o reino de Portugal era de Cristo e da Virgem'87, temática reforçada pelo dr. Luis de Sá, catedrático em Coimbra de Escritura Sagrada, quando. seis anos mais tarde. evocou o aparecimento da Virgem na

prodigiosa ocorrência, testemunhada por várias pessoas que diziam terem visto na Lua "um notável sinal a maneira de uma hóstia em meio de duas figuras que se lhe representaram serem Anjos que a adoravam"'89.

182 BORGES. R"' Padre Anftinio Win, ob. cil., p 299. 183 VALENTE. Vasco Pulido- ASociedade, oerladoea hilbiia na obra de Anldnio Vleiia. (Para a hiilbria da filoroiia poiilicd em Poitu~rl no séculoXVIIJ. i" Idem- E~!~dmsabreacrirena~i~ndl. Lisboa: Imprensa Naiional-Casada Moeda. 1980, p. 97-240. 184Aieiei8n~ia-cha~econlinuaani a laode douloiamenlo: MARQUES. JoEofranciico-A ParendIiCdpo~Iuguesaaa damind@o lii@Im ab. cit. 185 MARQUES. João Fianiiica-Aiuleia doiagndo: a piolec@a IObBllUr81 d o l s n l o l padroeiio~ noperiado da Rrrtauia@o. in A Pdemddu d 8 M m ob. til.. p.267-294. 186 Ibidem. p. 267-2611. 187 PBP uma peisppcliw hirlbiiw docullomaiiano hd s obiaddsricd de PIMENIAL, Albeilo - Msfdiia do cuilo deNmsa S~nhora em PorIugaL LilbOa: Sd. 188 E ~ c I ~ I ~ ~ c - ~ o s Joao Margiiesgue edeapaiecimmio '(paraalmda(iue "818 h i d l mt7imj miemooia uosprimeirm emb!es ironleiricos com Cas!ela O r v e o s~acado aceite cietiuidmen!e romoprodigio, quere dizia haver sido abremdo os regiao de Bmga e I o n deia, ciicuiaia desciilo em u!18$ e era uolodrada po ip iegadm de nomada, como Fi Cdsldvdo de Lisboa' (Cl. Ibid~m. p. 271). 189 1bidem.p. 271.

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ZP Congresso Histbrico de Guimarães i D. Afonso Heniiques e a sua b o c a

Nesse sinal avulta a s moo ogia e-car's18ca e mar ana. culas raizes lW?.< r . . , . - . . . . - . si,.;...:r.:ia .i..? i.,.::. i i j r c .:l,<i :c;;, 3PW.35U 8'1:3 1 2 o? . I: c! ,:.I: :r., '5:4 r3. r.m

mergd,ham no Apocalipse loánico e qJe constii,i presença recorrente nos 1 s 7 1 3 11 i -77

frontispícios dos sermões e nos relatos circunstanciados das cerimónias festivas, para além da especial devoçáo que a família real votava a Eucaristia.

Idêntica, se não mesmo maior, foi a intensidade posta no culto mariano: D. Joáo IV foi um fervoroso defensor do dogma da Imaculada Conceição e da Virgem. Joáo Marques não refere, a este propósito, o Sermão na acclamação d'El-Rei Dom João /V de Fr. João de S. Bernardino, peça muito expressiva, citada pelo Bispo de Bragança na sua Exhortação pastoral, de 25 de Março de 1904, nestes precisos termos: "O Duque de Bragança tanto creu dever o throno á Virgem Nossa Senhora da Conceição, que a invocou como Padroeira, renovando o voto feito por Affonso Henriques cinco seculos antes. No setimo dia depois da sua acclamação, Dom João /V assiste á festa da Immaculada, e por sua grande devoçáo por este mysterio, o jura, e faz jurar pelos Estados do Reino em 7645, sendo ali declarada a Santissima Virgem Defensora e Protectora do Reino, promettendo e jurando confessar com o sacrificio da propria vida que a Virgem Maria foi concebida sem mancha do peccado ~ r ig ina l " '~ .

Mas para além da suprema intercessão de Cristo e da Virgem junto de Deus, podia haver, segundo os dictames da teologia católica, outros mediadores dos homens com a divindade - Anjos, santos e almas do Purgatório. A situação política restauracionista favoreceu, naturalmente, O recurso intenso a tais intercessores. E, entre estes, o Anjo Custódio de Portugal manteve não só a sua importância litúrgica, mas também indiscutível acuidade no apoio conferido à conveniente legitimidade sobrenatural da Aclamação - Fr. Cristovão de Lisboa referiu-se-lhe, num dos seus sermões, frisando bem a acção providencialista desse "espírito invisível", similar aos anjos-da-guarda das nações (incumbidos de presidir aos seus destinos e já mencionados no Antigo Testamento), dizendo que "o Anjo Custódio do nosso Reyno está aparelhado, não só a nos defender; mas a ofender quem nos vier cometer; e que se cá vierem os Castelhanos, que os ha de cegar de modo, que não hão de atinar com cousa que fação, & hão de ficar nossos prisioneiros, como sucedeu a Eliseu com seus inimigo^"'^'. Esta presença do Anjo Custódio, identificado por vários autores com o Arcanjo S. Miguel (ou o Metraton), foi recentemente interpretada por Dalila Pereira da Costa como uma "presença encoberta": nos sécs. XV e XVI surge, em força, como o Arconte da nação; mas a partir da segunda metade de quinhentos, o "Anjo se esconde. Sua imagem não mais surgirá, potente, nos seus monumentos religiosos, em toda sua vera natureza e grandeza. E os s6culos barrocos e classicistas, só dos anjos comummente nos comunicarão uma imagem decaída no humano e mundano, como sua obnubilação ou consciente degradação pela parte dos portugueses:

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Alonso Henrigues, o mito fundador e a recorrencia mítica / Aiberto Araújo e Armando Malheiro

natureza decaída na alegoria, no sentimentalismo teatral ou enfático, podendo ir até ao erotismo declarado. Toda a inacessibilidade, majestade, todo o terrível do supra-humano do anjo, todo seu numinoso, desaparece, nas mais das

A seguir ao Anjo Custódio não faltam referências a outros mediadores, como São Francisco Xavier, São José (implicado na proteção do libertador de Portugal, através de um paralelismo curioso: "Cristo e D. João são "dous Reys nascidos ambos Reys, ambos Redemptores & ambos encubertos", confiados à guarda do Pai putativo de Jesus para cumprimento dos desígnios divino^"'^), Santo António, a Rainha Santa Isabel (advogada da paz e mãe da Pátria) ou o apóstolo São Tomé (invocado como protector do império ultramarin~'~~). . D. Nuno Álvares Pereira e D. Afonso Henriques não podiam, também. ser esquecidos - o primeiro, antepassado directo da Casa ducal de Bragança, chegou a ser apresentado como o "Santo David português progenitor do rei que libertara o seu povo do cativeiro a que o reduzira o "filisteu castelhano"" Ias,

e o segundo ressurge por entre apelos vários (a Nobreza fê-lo nas Cortes de 1641) a sua beatificação e canonizaçáo, porque ele era o rei santo, " a quem, segundo a crença comum, Cristo privilegiara com a sua aparição em Ourique. Para o teatino Spinola, Afonso Henriques era "o Rey Santo por antonomásia, o invencível nas batalhas, o açoite dos Reis mouros, o querido de Jesus, o amado por Deus""'s6.

Quanto à produção doutrinária de cariz teológico e jurídico-político, legitimadora da Restauração, permitimo-nos citar a tese de doutoramento de Luís Reis Torgal, para sublinharmos, em síntese breve e genérica, o essencial do dispositivo ideológico forjado na sequência do processo independentista e balizado pela construção do chamado "Estado Moderno", cujos germens estavam-se a desenvolver na cultura além-pirenai~a'~'. Segundo Reis Torgal "a necessidade de provar a legitimidade da independência portuguesa conduzia naturalmente ao reforço da utilização dos processos mentais e das teses escolásticas, como seja o jusnaturalismo teológico e a teoria do contrato, que de alguma forma poderiam dar força as reivindicações das classes dominantes, que na Restauração apareceram como condutores do processo político. Explicando melhor: tais concepções poderiam, efectivamente, levar à

afirmação da obrigatoriedade do respeito do Estado pelas leis ou pelos costumes e concretamente por alguns privilégios de classe; e, por outro, como implicavam a noção de que tais sectores sociais constituiriam a "vanguarda" ou "essência" do 'Devo", que contratualmente depositava no rei o poder político e que em certas condições o poderia reivindicar. iriam naturalmente provocar o reforço do seu prestígio. Além disso, a necessidade de se opor ao "imoralismo" despótico do imperialismo espanhol levava a ideologia portuguesa a reforçar o seu "moralismo" -na base, naturalmente, de uma ética cristã tradicional e não

182 COSTA, Dalila Peaiiada- Enlredeseoyanoecrpnn~a Ensaias ~o@uoue$e$. Pano: Lelio & Irmaos. 1946. p. 16.

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ZQ Canoressa Hislbiico de Guimaràes / D. Alanso Heniiques e a sua ipoca

de uma ética cristã que fundamentava novas concepções políticas, como IPB ibidem. p. 241.242. 199 CURTO. DiogoRamada- OOi1ciiiido~oii1icoem PoiI~~d1116W-

aconteceu em França - e a afastar-se das concepçóes laicistas, ou 16süj iisbou: Piojecio Universidade Abeila. 1988, p. 11. 200 ibidem. R. 158. Sabie i i lo i ecerimbniar veja-se da mesmo auto,: Idem

tendencialmente laicistas. que preparavam a separação da política da religião e -Riose c e ~ i m ~ n i ~ s da monamuiaem Pofiugal iwJos mi a nIII1. in A hlemdiiadaNa@o, ob. cii.. R. 201-265.

da ética. 0 recurso a história de Portugal para justificar a nossa independência m1 ALVES,AnaMaria-hEntmdarregia~~ortunuesai. Umavisode conjonto. Lisboa: livrar Hoiiionle. sd.. p. 9.

e até a comparação com a história de outros países para marcar a 202 1bidem.p. 11. 203 CURTO. Oiogo Ramada - O DiscuisopahVco em Po!fugsi

superioridade do nosso sentimento saudosista, nacionalista, imperialista e (ismisso) ob. cit.. p. 157.

sebastianista, de cunho essencialmente mítico e tradicionaPW. Por sua vez, Diogo Ramada Curto chamou a atenção para diversos aspectos

estruturais da construção desse Estado. reflectidos no discurso político adjacente. sendo de realçar, aqui, as imagens e cerimónias régias, tidas por "sinais exteriores demonstrativos da magestade" e que, a par dos sermões e do livro impresso, configuravam o "espaço público". traduzido na tipologia. apresentada em 1641 por Jerónimo Freire, das "formas existentes para endereçar a palavra ao rei: os púlpitos; as oficinas dos impressores; os pelourinhos, portas de paços reais, portas de igrejas; e, finalmente, a audiência real"". Sobre as cerimónias, praticadas como rituais régios de afirmação e de exposição da "magestade" (do Poder), há a destacar a entrada régia (em Lisboa e em todas as cidades e vilas percorridas), associada à viagem do rei, que pode desenrolar-se através de outro tipo de circuitos: " a reunião de cortes e o juramento do rei e do príncipe, a ida do rei à casa da Suplicação, outras audiências reais, as refeições públicas, a assistência a procissão do Corpus Christi e a um auto de fé em ÉvoraNzw. Note-se, aliás, a sobrevivência e (re)enquadramento na Modernidade de todo um ceremonial régio, implicado na noção de festa, enquanto "momento privilegiado para o estudo da ideologia porque é a aplicação prática e voluntária da produção cultural e artística de uma sociedade que nela se reflecte e nela reflecte sobre si própria""', e ilustrada pela entrada régia, instrumento medieval de "propaganda régia". aprofundado com o decorrer do tempo de molde a descrever-se "entrada como a teatralização da magestade real e sublinhar a capacidade organizadora dos contratuantes; esta evolução está na origem do aparecimento, no final do século XVI, por toda a Europa, de um novo género literário, o libreto de entrada, em que o tema fulcral é a descrição do aparato decorativo das ruas para a recepção ao rei, muito em especial a arquitectura efémera e seu significado alegórico"202. A profusão de imagens (objectos) - moedas, medalhas, estátuas, pinturas e gravuras - funcionou, por seu lado. como "suporte" da "retórica da persuasão", "que Starobinski considerava essencial ao absolutismo por associar o 'kigno da soberania" a "expressão de um poder que se materializa sobre espécies sensíveis, e que é capaz de renovar sem cessar as formas sobre as quais se manife~ta"~". Tudo isto aponta, afinal, para uma hipertrofia do Poder régio, paradoxalmente (des)sacralizadora, isto é, deformante do "direito divino" alto-medievo, da sua primeva fonte legitimadora, porquanto vertido, no séc.

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XVIII, em "fórmulas perversas" -absolutismo, despotismo iluminado, regalismo ...

ainda o 29 nível Numa outra "direcção" - a dos prognósticos associados ao sebastianismo e

a das referências sebásticas, ao longo do séc. XVII e até meados do XVIII, em textos herméticos (cabalistas e alquimistas) - devidamente analisada nos seus meandros e nas suas interacções com a sociedade e o tempo, ganha especial pertinência esta observação de Rui Capelo: "Os avanços de uma nova mentalidade, que pretendia ser científica, técnica, pedagdgica. uma nova maneira de conduzir a política, um maior empenhamento na economia, uma maior aproximação do racionalismo europeu, são premissas que permitem concluir que a sociedade se afasta cada vez mais da sacralização tardicional do pode6 que o absolutismo real chega ao auge e, com ele, a afirmação de que o poder polílico é sagrado por s i e não por instâncias religiosas. Pombal vai tentar aniquilar definitivamente a "desrazão" sebastianista, associando-a aos jesuítas, como mentores de todas as superstiçições. 0 s resultados pretendidos não são alcançados - os sebastianistas verão em Pombal a confirmação das infelicidades que precedem a chegada do Salvadoi; continuarão a resistir as ideias novas (para eles abomináveis) dos racionalistas, liberais, franco-maçãos e dos jacobinos, e continuarão a desejar sempre uma ordem social e política plenamente sacralizada e tradicionalmente arcaica"2M. Na segunda metade do séc. XVIII parece, pois, irreversível o desvanecimento do "hermetismo sebástico" e. face a ufana emergência da Ciência moderna, o recuo das "ciências" divinatórias, devolvidas As margens sombreadas da cultura popular.

39 nível Os "cortes sincrónicos" expostos - pálida amostra dos inúmeros que podem ser

feitos no "material" da conjuntura em foco - permitem-nos, apesar disso, salientar, com alguma base apodítica e em termos mitandíticos, o seguinte:

(a) A "originalidade mitogénica" do P' António Vieira consistiu, segundo notou António Quadros, na "junção dos mitos do Encoberto e do Quinto Império", mas, em nossa opinião, a singularidade do contributo vieirino passou por outra via-a de ter conseguido pensar politica, teológica e metafisicamente o Mito, num ensaio ousado de síntese final. católico- ecuménica, dos messianismos opostos (cristão e judai~o)"~, pelo que a sua ideia quinto-imperial (providencialista e universalista) ultrapassa, em termos conjunturais, o mitologema ou tema sebastianista, mera reactualização de Ourique, procedendo directamente deste (reveja-se a análise da narrativa feita no ponto 3 e atenda-se as afirmaçães dos especialistas citados), como se pode inferir das palavras de Raymond Abellio, em prefácio ao romance de

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Dominique Roux O Quinto império : "( ...) este mito do "Quinto Império" que 206 ABELLIO. Raymond -Pieiãcio. in ROUX. Dominiquede- 00uin10 iwe!lo, romance Lisboa: Roqer Delraux, 1977. p. 11-12.

riaSCeu a0 mesmo tempo que o Portugal independente, quando o seu primeiro 207Seouimor.obviam~nle.acia~itica~oirolbpicadurima~onrpropoils poiGiibofl DURAND in idem- LesSl~~ol~~8$anihiopologiq0e1de

rei, Dom Afonso Henriques, foi aclamado no campo da batalha de Ourique, e iimaginaire, ob. cii. Erpacilicamante. rabrea 'inteileiPncia. do prurquetipal AnimurlAnimu na iiansipoda Repiiblicapaia a impdiio Romano. bem como

que Cristo lhe prometeu nesse momento que o seu país receberia o reino dos na conduta dorconiroversos impeiadais Caiioula. Nero. Cbmoda. Caiacaia e Heiioqabaio. "deiimnler. criminosos. debochados e incap8res. segundo a

mares a fim de trar?~mitir ao mundo a mensagem universal do seu Deus. Quinto iepresenispo hiiioiiop6lica ieqada por iãcitoe Sunbnio.. veia-;ea excelente upiicaflo de 'mito-anaiise hisibiica'de CAZENAVE. Michel e

Império, mito deste Portugal universal, missionado para a eternidade e AuGuEr, Roland - orlmpe,adai~ IOUCOI. Ensaio demiloandlise hisldrica Mem.hlatiw: Ediioriul InquPiiio. 1995.

doravante como que fundido na imensa extensão oceânica do se; sonho, não um país de conquistadores e de fundadores, mas de descobridores, mensageiros, navegadores sem fim, vindo-lhes a sua razão de ser e a sua força desta ausencia de fim"2o6;

(b) A espessa "ganga" político-ideológica pré e pós-restauracionista evoca, sem dúvida, a atmosfera contra-reformista, instauradora dum apertado controlo do mítico-simbólico, ou seja, a energia simbólica e arquetipal é "abafada" pela intencionalidade propagandística dos discursos (teológico, político, literário, etc.);

(c) A derivação ou usura da esfera mitico-simbólica operou-se. curiosamente, através da exacerbação religiosa e mística, no âmbito da catolicidade romana (reforço do culto mariano e eucarístico, incremento das manifestações litúrgicas, vigilante observância dos preceitos teológicos, etc.), o que significou, por exemplo, a saturação e deriva ideológica de Ourique (messianismo cristão) e o, cada vez mais difícil. encobrimento da forte latência de Prometeu e da Idade do Ouro (milenarismo judaico);

(d) Por último, trazendo sempre à colação a "tópica diagramática do social", lembramos que as mutações, acumuladas progressivamente na sociedade, na cultura ou nas práticas políticas emergentes, interagem com o imaginário, na sua dimensão mais profunda (o inconsciente) um imaginário configurado pelo regime diurno mais as suas estruturas esquizomorfas, onde, entre outros, se insere o arquétipo do Anjo (presente na narrativa de Ourique e passível de "ocuitação" a partir, sobretudo, do séc. XVII), e pelo regime nocturno, mais as estruturas sintéticas ou dramáticas, onde é possível distinguir, como arquétipos "substantivos", a Cruz (presente na narrativa de Ourique), o Andrógino (presente no tema do Homem Novo) ou a Árvore, e as estruturas místicas, onde se insere, por exemplo, o arquétipo MulherIAnima (associável ao incremento do culto mariano, coevo do absolutismo e posterior . . . )zO'. A estimulação profunda e natural destes regimes, estruturas, esquemas, arquétipos e símbolos, propícia a distribuição intercambiante dos mesmos na estruturação "apalavrada" e "semi- racionalizada" do(s) mito(s), a qual, tendo em conta os sécs. XVII e XVIII, atingiu o paroxismo (seguido de esvaziamento) das estruturas escatológicas (projecção cristã e linear do escatón ... ), assim como o revigoramento das antropogónicas (valorização do papel super-humano do herói ...) e das escatológico-cosmogónicas (desgaste do deslumbramento majestático. recusa conceptual do declínio e idealização socializada do Paraíso...).

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Alonso Heniiques, o mil0 lunoaooi e a recorrencia mirica I Aloeno nraulo e xrmanoo Maineiio

180811851 - o "velho" Portugal face ao Liberalismo

contexto histórico ZO~HOBSBAWN. EI~C ~ . - ~ ~ r a d a r i e w l ~ $ d e f , 17a9-184a. Lisboa: Edilorial Piesen~s. 1985.

A "Era das Revoluções" - Revolução Industrial (a partir de 1750, segundo 2O9Tom~-ircomoauia,remprsedimulanle,oensaiaclbsriçodeARENDl Hannah-Sobrea~valu@o. Lisboa: Moram E5iloier. 1971.

Arnold Toynbee). Revolução Americana (1776-1783), Revolução Francesa (1789-1799) e as suas "sequelas" de Julho de 1830 e de Fevereiro de 1848-, como Eric Hobsbawn preferiu denominá-lam8, marcou, de facto, uma viragem no processo histórico da Modernidade, pelas mutações sócio-económicas e jurídico-políticas, desde então, desencadeadas. E se nos ativermos às revoluções sócio-políticasm, mesmo ressalvando a especificidade do "caso" americano, fácil é filiá-Ias na maturação do iluminismo, filosofia radicada no pensamento cartesiano do séc. XVII e pautada pelo tópico racionalista (a análise da realidade a luz da Razão humana), pela confiança no Progresso, pela afirmação abstracta e universal da Liberdade, assumida sem as peias da autoridade e da tradição e associada a abolição dos privilégios e a igualdade perante a lei, pela critica religiosa, conducente à religião natural e à tolerância, ou seja, ao deísmo de um Voltaire, de um Montesquieu, de um D'Alembert ou de um Condorcet (só há um Deus inconfundível com o mundo criado e que dotou o Homem de consciência e livre arbítrio), e ao materialismo de Helvétius de D'Holbach (primado da matéria), ou pela separação e equilibrio dos poderes - legislativo, executivo e judicial -, confinada aos direitos e liberdades dos cidadãos (Montesquieu, autor do L'Espril des Lois. 1748) ...

A matriz iluminista projectou-se, de facto, na Revolução Francesa de 1789. mas logo foi superada e enriquecida pelo caudal de acontecimentos que se lhe seguiu. Da convocação e reunião dos Estados Gerais (Maio de 1789), por iniciativa régia e governamental, até ao Consulado de Siéyès, Ducos e Bonaparte (1799) -em breve 1Wonsul e depois Imperador dos Franceses até 1814 -. a França entrou em grande convulsão social, política e militar, envolvendo-se em guerra aberta e total (mobilização total dos recursos nacionais através do serviço militar obrigatório, do racionamento e de uma economia de guerra) com os Estados vizinhos (nomeadamente a Prússia), atravessando diferentes fases (a do Terror e a fase burguesa) e gerando a inevitável revolta aristocrática, clerical e popular em nome da ordem anterior (a célebre Vendeia), ou seja, em nome da Contra-Revolução. Após a proclamação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 27 de Julho de 1789, pela Assembleia Nacional Constituinte, multiplicar-se-ão os diplomas legislativos, os eventos históricos e as iniciativas "refundadoras". A par da nacionalização dos bens eclesiásticos e da funcionalização do clero (determinadas pela Constituição Civil do Clero, de 12 de Julho de 1790), só completadas, mais tarde (durante a fase do Terror), pelas prisões, pelas perseguições e pelos enforcamentos de todos os supostos contra- revolucionários, processou-se a aprovação de Constituições (a de 1791 moderada, a de 1793 popular ou jacobina e a de 1799 já bonapartista), agravou-se a cisão entre Jacobinos e Girondinos, decidiu-se a decapitação de

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ZeCangresso Heibiico de Guimaiães 1 D Afonso Heniiques e a sua Epaca

Luis XVI (21 de Janeiro de 1793) e desencadeou-se um fanático projecto de 210 Sabrea calrndbiio, a Panieao eoutioi 'rimbolor'da RapUbiica e do lmpdiioveja-se NOW. Pierre (dirl- LerLieuxd?m6maire I. La

descristianização, a que se ligaram as festas cívicas, o culto oficial dos Mártires Re~ubiiqueParir:Galiimard.1984 231 Surgidoem Roma. gfawsa inrpiiapo dossiernses Winckelmann e

da Liberdade (sendo Marat o principal). o culto do Ser Supremo (Maio de 1794), M e n g % o N e o c i a s s i c i s m ~ l n d ~ ~ i ~ - i e n a a l i a n ~ ~ e ~ l r e u m a ~ ~ a d i ~ c i ~ # n ~ deerpt~loe~mimesp6l~oimpdf. Com eleiio. sltavk da ciencis moderna e.

a criação do Panteão da Revolução (e da Nação); a fixação de novo calendário nameadamente.daarqueoiogla.edaumanovatormadegorlo.apioientou 'comopaiaGgm a a f l e g i w engusnloabsolulo que ludo relaiiv;z$. dando-

(uma nova etc. Muitos destes actos e medidas foram, obviamente, se. aeim. 'um remas 16gicoao CUIIO ddhliguidade innciddo no Renaicimenb [C1 PEREIRA. Jord Feinandes-O Neoilbaico. in PEREIRA. efémeras, mas o "espírito" revolucionário sobreviveu e impregnou a sociedade, p,,l,, ir)-~ald,jadaa,,eemP o,IOgd ob,cil 163).

as instituições, as artes (O neo-classicismo2tt) e as letras (o romantismo212), A sua [email protected] Rornanliimo pode rer caracteilndo por doi$ aipector esenciaii - o

influência, pela "negativa". foi notória no pensamento e na doutrina contra- hi6101ici6m0 e a individualismo. O piimeiioconsigiu nu ioi~oxpl icai iw e p1010c1ivI do psiado coiactivo e o segundo. nos seu$ veios coniraditbrior.

r e ~ ~ l u c i ~ n á r i a ~ ' ~ , desenvolvidos de modos diferentes por diferentes autores esteve implicado lanio no dernibamenio linsi das initi lui~6er e idiologiar 'leudair-abroluliriai, como naconragraçao do ideal biiigu8rdeum

(Edmund Burke. Abade de Barruel, Visconde de Chateaubriand, Jacques Mallet wpitaiiamosemiimiim, ~emtonlei~~~lCi.SARAIVA.AnlbnioJordeLOPES. b r w i - Hi~i6i~adaIile~lorayoflu~~e1~. Pono: Poiio Ediow. 1976. P.

du Pan, Joseph de Maistre, etc.), como também o foi, pela "positiva", na obra 725-740). 213 Vejam-se. entre oulioi. GOOECHOT, Jacqus- L8 Conl~~-i6vol~l ion

centralizadora e expansionista de Napoieão Bonaparte, artífice de um Império Dm,io,,~,c,ion, 1189.18~ P~~~~:P.u.c, ~ ~ ~ : T O R G A L . iuii~anupi~air

territorialmente alargado até ao Médio Oriente, alterando por completo o mapa ~ , ~ C , " ~ ~ ~ ~ ~ f ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ , " ~ ~ ~ 3 ~ ~ ~ ~ ~ ~ geo-político europeu, e um dos arquitectos do Estado Nação, com a sua FERtJhOEZ. XobB Ramon - L i b e i ~ ~ 8 s y a b $ o l ~ ! ~ s ~ ~ ~ e n Gs#c;a[(1808-

1W Vigo: Edicionos Xeiair de Gaiicia. 1982, p. 99-132: e GENGEMBRE, estrutura político-administrativa e judicial, - constituida por diversas instâncias, G~~d-L8Cool re -Revolu l ionouih i~~ ied&erp6~~nleHis lo i redes id~~

pa#liques Paris: Edilionr imago. 1989. agentes e instrumentos (p. ex., o Código Civil) -, a sua organização militar, os 2l4~e~a- ie~0~~.~ie~~eldir l -~esi ieu0demdmoi1e.2- LaNiIionlZe

31. Paris: Galllmaid. 1986. seus mecanismos de incentivo e de regulação económica, a sua memória 21s A rpawo conreivadara salda do congiesio de Viena. ar pioposiç<les de

Savigmye da sua "ercolado direito hiribiico'. defensoiadatiadi@o edo "oficial" e integradora dos cidadãos2' 4. . . mdcler sapadodo parsadoecolibiiaaodesuioda euolupo nsiuial por

eleiio degualquri aiteiaçaa bruscaou de qualquer reforma. O impacto revolucionário e bonapartista foi de tal forma importante e de tal 216Um~iglemadebaiel i iangul~emgueacolon~@odaslei ias

forma embutido numa dinâmica irreversível, que o esforço de Metternich, b!aliiaias. primeirosob O Eig"Od0 ouro ~ d e p o l r d o a ~ ú w i edaalgodao. i m p l i m o lial8giideercmosapailii do litoial aliirano e a compiem

ministro da Áustria. e dos representantes da Inglaterra, da Prússia e da Rússia :";n;em,l;;~;;i~;~~;;,~;,;;~;i~~~~;~";se,hi8, u aonluar oicont<a$te~ i in icole Cdluraii enlic p w o l dominantese - as potências aliadas contra Napoleão e vencedoras em Waterioo, a 18 de dominados-eslamos,como~bbvio,spenwrnaAiiicadar~c,XIX-,o

Junho de 1815 -, reunidos no céiebre Congresso de Viena (1815) e em torno B~asiilor~ou-rea~cdiaan~ulardeumEsladoim~eiial.emc~escenie conrolidaposo iongodo sdc. XViIiatda spluia em 1822, a qual. para alem

da Santa Aiiança, fracassou quanto ao propósito de demolir a "obra da dos factoreide oidarn poliiica eeconbmiw. implicou uma loiie lensao ideoibplca, eniie os delensoier du naturai diveriidadee autonomia dai

Revolução" e de "restaurar", em definitivo, as antigas Monarquias abaladas perihiiairm ieiaeoao centio e os que- buigueaeae liirador. entre os

desde 17892's. E certo que mutios monarcas regressaram aos seus tronos e 91i3 lerno1 Manuel Feinandes Tomar. piol8gonl~tar raidor da Reoluião libsial de24 de Agortode 1820-8 imopunham uma leiluia nacionalina

houve redefinição do espaço europeu, mas a verdade é que, por exempio, a do impdiio luso-bia3ileiio. Ilendentea defera de umtodonacional indivislvel e pluri-teiritoiial. legitimador de uoitica~oer polliicar.

Restauração de Luis XVIIi e de Carlos X terminou em 1830, face a insatisfação e revolta popuiar, em Paris e noutras regiões. Um forte impuiso para o reformismo político (constitucionai, liberal, censitário ...) que o "rei burguês" Luís Filipe, eieito pelas Câmaras, a sua "Monarquia de Julho" e a irupção do chamado "princípio das nacionalidades", ilustrariam até à revolução demo-liberal de 1848 - aurora de um idealismo social mais sistemático e radical (sociaiismo utópico, anarquismo, federalismo, marxismo ...) e, ao mesmo tempo, do imperialismo europeu (político e económico, tecnológico e miiitarista. cultural e civilizador) hegemónico de 1870 a 1914.

Neste quadro. ligeiramente esboçado, pode seguir-se o trajecto histórico de Portugal, reino perifério, envolvido por uma secular aliança com a Inglaterra e comprometido numa segunda versão imperiai - a do império luso-brasileir~~'~. Ao reformismo pombalino, concretizado na secularização do ensino público e do alto funcionalismo do Estado, no fomento monopolista da actividade económica, na organização social, etc.. não sucedeu, como foi sugerido pela

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Afonso Henriques, o mito fundador e a recorrència mil ical Albeilo Arailio e Armando Malheiro

historiografia mais recente, um refluxo ou "Viradeira", sob o reinado de D. Maria I, incapacitada de governar por demência desde 1792, e a regência do Principe D. João VI. Os acontecimentos em França agitaram e semearam compreensível preocupação nos reinos pensinsulares, agitando, em confronto, na opinião publicamente expressa em folhetos e periódicos tanto uma clara francofilia, como uma outra mais retraída e até adversa aos novos princípios políticos. sociais e religiosos. Mas serão, sem dúvida, as três Invasões Francesas, de 1807 a 181 1, efectuadas em obediência ao plano napoleónico de bloqueio continental a Inglaterra, tradicional aliada de Portugal, um dos factores decisivos na desestabilização e confronto político e ideológico: a sociedade portuguesa não sofreu apenas os horrores da guerra, mas também as consequências de um embate violento e inevitável entre uma maioria permeável (clero regular e secular, nobreza de província, alguma burguesia e o campesinato) a propaganda anti-francesa, nacionalista e anti-liberal de feição contra-revolucionária e uma minoria ilustrada. predominantemente burguesa e adepta do liberalismo. que colaborou com o exército invasor. O "ódio ao francês", os motins populares e o julgamento e morte de alguns supostos "afrancesados" não devem ser reduzidos a expressão de um mero desvario patriótico das populaçóes, porque, sobretudo, assinalam o nascimento da contra-revolução portuguesa. enquanto movimento político-ideológico dotado de um dispositivo ideo-propagandístico consistente.

A fuga da Corte em finais de 1807, para o Brasil, num gesto hábil de esquivança a humilhação (sofrida na vizinha Espanha e noutros reinos) do cativeiro régio pelas tropas francesas, e a assinatura. em 1810, dos Tratados de Comercio e Amizade e de Aliança e Navegação entre Portugal e Inglaterra, que consagravam uma forte ajuda militar e presença política inglesa e conferiam a aliada o acesso preferencial dos seus produtos a todos os territórios portugueses, com privilégios especiais sobre os produtos nacionais, sendo em consequência disto óbvia a depressão do movimento industrial português, não deixaram de contribuir para a crise da ordem política, sócio- económica e imperial desenvolvida ao longo de setecentos. No seio desta crise, cada vez maior e mais diversificada, temos, por um lado, a agitação anti-britânica. paramaçónica e revolucionária que terá na conspiração do general Gomes Freire de Andrade (preso e enforcado em 1817) o seu momento mais significativo, antes da Revolução de 24 de Agosto de 1820. e no sentir e pensar do "Portugal velho", confrontado com as incógnitas e os "espinhos" da proclamada mudança regeneradora do utopismo liberal e jacobino.

Havia. porém, um consenso generalizado no tocante ao repúdio do domínio férreo de Beresford e Wellington, e o pronunciamento militar do Porto, de início confinado a um impulso patriótico, cedo se radicaiizou um pouco mais. tomando o sentido do liberalismo progressista, designado por vintismo, vertido

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C ~ o n g l e s s o IIISIOI~CO a e b u i m a i a e s ~ u. AlOnSO nenriques e a s u a tpoca

217Veia-se sobrei] plovidoncisiismo YOiCUIado na impiara do perlodo na Constituição de 1822, inspirada na de Cadiz (1812), e condensado numa vintiita,aprop6ii,o,das~portaapa,ifdoma,iana,po,exemplo,IORGAL,

legislação reformadora do regime senhorial e eclesiático, do ensino, do fomento L u l ~ R e i ~ - A C o n l r ~ - ~ e v ~ l u @ o ~ ~ ~ ~ ~ i m ~ ~ e ~ ~ n ~ v i n l i s m o : n o l ~ ~ d e u m a invcilisa@o. in O S e i ~ l o X l X e m P ~ n ~ ~ d l . Comuni61~Uesao~ l6~v io

a indústria nacional, etc Surgiu, então, nesse conturbado período, uma panóplia ~ r ~ 8 n i i a d ~ ~ e l o G ~ b i n e l e d ~ i ~ w ~ l i o ~ ~ 6 e s S ~ i ~ i ~ i N ~ v e m b r o d e 1 ~ 7 ~ l . Lisboa: PiesenFaiG.1.S.. p. 309-322.

de manifestaçôes impressas. iconográficas ou ainda decorativas, subordinadas 218Es1el~rmoe~~~8l.mmd~apiicafdo~qulvocaao1'quailddor~. Xix, porquea canlia-ieuoiu@ojb iolsgisua. eniao. paitidbiios da ieloirna do

ao "panegírico" da Pátria regenerada, rico em cataratas de imagens políticas e Podeir0gioditoabioluio.

sócio-culturais, enquanto do lado dos sectores conservadores e tradicionalistas o discurso, tecido. igualmente, em diversificados suportes - recurso moderno à difusão da palavra, acessível tanto a revolucionários como a todos os contra-revolucionários. que, segundo Gérard Gengembre, mostravam ser, afinal, "filhos de Voltaire" -ganhava forma e vigor contra "os perigos vindos de fora". Panfletos e jornais, como a "A Navalha de Figaro (1821), a "Gazeta Universal" (1821), o "Correio do Porto" (1821), a "Trombeta Lusitana" (1822), "A Besta Esfolada" (1823) de José Agostinho de Macedo ou o "Punhal dos Corcundas" (1823) e "O Mastiç5foron (1824) de Frei Fortunato de S. Boaventura, oscilaram entre uma táctica, mais dos primeiros tempos da Revolução, sinuosa e encapotada, baseada no boato e na "contra-informação" supostamente "objectiva", e o ataque directo, sarcástico e insultuoso, à Constituição, aos membros do "Soberano Congresso" e aos "pedreiros livres". Pode, pois, dizer-se que, na sequência de várias tentativas de reposição da "velha ordem das Cortes de Lamego", como foram a "Martinhada" de 11 de Novembro de 1820. a "Conspiração da Rua Formosa" de Abril de 1822, a agitação criada em torno da milagrosa aparição de Nossa Senhora da Rocha, em Carnaxide, a 31 de Maio de 182Z2", ficou agravado o clima de confronto, cada vez mais insanável, entre liberais e abs~lutistas~'~. E, assim, ocorreu a revolta do Conde de Amarante, em Trás-os-Montes, que culminou na Vilafrancada, a 23 de Maio de 1823 - novo pronunciamento militar, em que uma parte do exército pretendeu, alegadamente, resgatar o rei, considerado "cativo" do Congresso e dos vintistas, e em que a liderança formal foi assumida pelo Infante D. Miguel de Bragança e Bourbon (1802-1866), 3"ilho do inseguro D. João VI (1767-1826) e da enérgica princesa espanhola, D. Carlota Joaquina (1755-1830), junto de quem fora educado, sofrendo influências e manifestando tendências, que o viriam a pôr ao lado dos partidários da Monarquia absoluta, tradicional e anti-constitucional, Embora vitoriosa. a "fação" realista não conseguiu "isolar" D. João VI da influência dos reformistas e moderados e daí que tenha ensaiado novo golpe, em Abril de 1824, para o submeterem a uma postura retintamente contra-revolucionária. em Abril de 1824, novo golpe - a Abrilada -, liderado pelo mesmo infante D. Miguel, na qualidade de comandante supremo do exército. A tentativa falhou, graças a intervenção do Barão Hyde de Neuville. representante diplomático inglês, que conseguiu pôr D. João VI fora do alcance dos revoltos: levado para a nau inglesa Windsor- Castle, tomou aí o controlo da situação, convocou o filho, destituiu-o do cargo de generalissimo dos exércitos e impôs-lhe o exílio em Viena de Áustria.

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D. Carlota Joaquina, que se tinha recusado a jurar a Constituição e apoiara os desempenhos golpistas do filho, ficou mais isolada do rei, na sua quinta do Ramalhão, em Sintra. Mas esta neutralização dos principais líderes contra- revolucionários não desanuviou a tensão política. 0 s moderados dispunham de alguma margem de manobra, embora logo em Junho. fossem promulgadas duas leis de cariz marcadamente contra-revolucionário - a carta de lei de 4 de Junho, que instituia a "antiga Constituição Portuguesa", e o alvará de 5 do mesmo mês, que anulava a maior parte da legislação vintista.

Em 10 de Março de 1826, D. João VI faleceu, sem designação expressa de sucessor No entanto a regência, logo nomeada e encabeçada pela infanta D. Isabel Maria, expediu para o Brasil a infausta notícia e a aceitação de D. Pedro como rei de Portugal. O sonho de D. João VI terá consistido na reunificação das duas Coroas, mas as negociações despoletadas após a sua morte e seguidas de perto por Sir Charies Stuart confirmaram a separação como um facto irreversível. Os moderados conseguiram, porém, a outorga da Carta Constitucional de 1826 por D. Pedro, a sua honrosa abdicação na filha D. Maria da Glória e o contrato nupcial desta com o tio D. Miguel - expressão formal e prática do "compromisso histórico" entre "facçóes" rivais. Pelo decreto de 3 de Julho de 1827 e numa conjuntura política conturbada (doença da regente, desinteligências entre os membros do Conselho da Regência, a insurreição realista dos Silveiras em Trás-os-Montes...), D. Pedro nomeou o irmão para o cargo de regente e para governar em seu nome. O líder dos "ultras" regressava pela mão dos moderados, numa paradoxal harmonia. Quando, porém, D. Miguel, depois de uma emocionante passagem por Londres, chegou a barra do Tejo, a 22 de Fevereiro de 1828, foi alvo de uma grandiosa e impressionante manifestação de entusiasmo, em que foi aclamado, entre vivas, "Senhor D. Miguel nosso rei absoluto". E em 23 de Junho reuniram- se, em Lisboa, a maneira tradicional. os Trbs Estados ou antigas Cortes, que aclamaram D. Miguel, rei legítimo de Portugal, novo "Arcanjo S. Miguel" e eterno cúmplice de D. Afonso Henriques, o "glorioso fundador da Monarchia Portugueza". De 1828 a 1834, o reinado miguelino foi dominado pelos "duros" ou "ultras" (sendo, por isso, reduzida, a influência de homens como um António Ribeiro Saraiva. um "reformista" por comparação com o Conde de Basto...), que impuseram, interna e externamente, uma grande intransigência par-aedm , as soluções moderadas de "compromisso histórico".

A derrota militar, consumada em 1834 após um duro cerco de dois anos as tropas liberais desembarcadas no Porto e lideradas por D. Pedro IV, já ex-imperador do Brasil, e após a notória hostilidade da Quádrupla Aliança, confirmou a inviabilidade político-diplomática e governativa do heterogéneo projecto anti-liberal. Réplica nacional da contra-revolução europeia, em que avultaram o royalisme francês, o carlismo espanhol ou o ultramontanismo italiano, o miguelismo foi, como haveria de notar, intuitiva e lapidarmente,

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2" ÇOn~reSSO H~sldrlco de Guimarães 1 U Atonso Henliques e a sua tpoca

Oliveira Martins, uma emanação profunda do "Portugal velho que, de crises em 219 MARTlNS.J.Pde0iiwira-PoiIUDdlConlemPOrdneo, 1'vol.ab.cii. p. 131.

crises sucessivas, atingia agora a úitima"z'a. E, talvez por isso, haveria de 220 G M R ~ , Almeida - hemdria hísl6ríw de J. x MOUM~O da Siiveim, cil. por FRANCA. Joso-Augurlo- O Romanlismo em Poriugal. Enudo de

permanecer na memória e no imaginário socio-político para além de 1834 e, em ~. ios iw io-c~~t~ra i i .~ i rboa:~ i~rosar i~on ie . 1os3.p.86-87.

especial, durante o rescaldo de uma guerra civil e fratricida. Apesar do acordado na Conveção de Évora Monte (26 de Maio de 1834) os vencidos não foram poupados a um severo ajuste de contas: D. Miguel recusou a pensão, declarando, no exílio, a impossibilidade política e moral de renunciar ao trono português; ex-soldados e guerrilheiros dos "partidos" rivais continuaram a pelejar, subsistindo num assomo perverso de bandoleirismo infrene; e os próprios vencedores logo se dividiram e degladiaram.

A volta das querelas antigas soltaram-se os interesses e as paixões. Entre o "progressismo" da Constiuição de 1822 e a Carta outorgada de 1826, entre o assalto aos bens fundiários (libertos de foros, rendas e peias várias ...) pelos novos barões do grande comércio e da finança, e as reivindicações dos "patuleias", confundidas, de algum modo, com os propósitos protecionistas de uma pequena burguesia industrial e urbana. entre um modelo de modernização administrativa e sócio-económica, conduzida com mão férrea de cima para baixo, e um modelo nuanceado de jacobinismo mitigado, de legitimidade parlamentar e de capitalismo "filantrópico", entre a Revolução de Setembro de 1836, com a sua Constituição de 1838, e o golpe cartista de 1842 (reposição da "velha" Carta Constitucional). exórdio do governo de Costa Cabral -mação, ex-setembrista e, agora, cúmplice do cartismo conservador de D. Maria II -, entre, em suma, a Revolução da Maria da Fonte e da Patuleia de 1846-1847 (onde camponeses do Norte, clero e nobreza, mais ou menos filomiguelistas, se misturaram com anti-cartistas de múltiplos estratos e "humores", num confuso e contraditório movimento de desilusão e de desespero) e o pronunciamento militar anti-cabralista do irrequieto e volúvel Saldanha, registado para a posteridade como "Regeneração" (24 de Abril de 1851), Portugal oscilou entre a ordem e a anarquia, o progresso e a atrofia, o passado e o futuro, numa caminhada penosa e incerta, que o perspicaz Almeida Garrett, em 1849, caracterizou assim: "Hoje nos achamos entre um passado impossível depois daquelas leis [de Mouzinho] -entre um futuro tremendo porque é obscuro, insondável e de nenhum modo preparado, e com um presente tão absurdo, tão desconexo, tão incongruente, tão quimérico, tão ridículo, enfim, que se a perspectiva não viesse, como vem, tão cheia de iágrimas, seria para rir e tripudiar de gosto, ver como vivemos, como nos tributamos, como nos administramos, como somos, enfim, um povo, uma nação, um reinonZzD! ...

plano hermenêutico 1" e 2" níveis Com a "Era das Revoluções" cresceu exponencialmente o volume e a

variedade das fontes primárias. [I"ível] Do folheto impresso a litografia, a amplitude dos formatos somou-se a dos géneros e dos temas. Tamanha

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AIonso Henrigues, o mito fundador e a lecolr~ncia miiica i Aibeilo A r a W e Armando Malheiro

profusão dificulta, naturalmente, a pesquisa e a subsequente leitura crítica. Preciosos se tornam, por isso, os catálogos e inventários de textos, iconografias e músicaszz', testemunhos "vivos" de uma indiscutível explosão intelectual e mítica. [ZQnivel ] A maneira de ligeiro apontamento propedêutico. julgamos oportuno evocar alguns "casos" significativos. porque saturados de traços míticos mais ou menos difusos.

Primeiro "caso" -A defesa do Milagre de Ourique, desde meados do séc. XVIII até meados do XIX (como e sabido decorreu, de 1846 a 1857, a famosa e correlata polémica entre Alexandre Herculano e o "Clero"), pode ser representada pelos clássicos textos do teólogo António Pereira de Figueiredozzz, que, num contexto finissecular de pronunciada crítica racionalista, enveredou pela reafirmação probatória da historicidade desse "facto tão portentoso", na linha do que António de Sousa de Macedo, nos Proemios da Lusitana Liberata, e D. António Caetano de Sousa, no seu Commentario ao dia 25 de Julho do Agiologio Lusitano, haviam mostrado contra as duvidas de "certos Escriptores Castelhanos" sobre a veracidade do Auto de Juramento, publicado por Fr. Bernardo de Brito na sua Chronica da Ordem de Cister (1602). Ilustra-a, também, o singular Portugal gloriosdn - obra manuscrita, anónima, recheada de interessantes iluminuras e datada de cerca de 1820. Trata-se, sem dúvida, do Elogio da Nação Portuguesa feito a partir da simbólica interna do récit do Milagre de Ourique (séc. XVI), numa reactualização escrita e icónica do Mito face às adversidades externas e internas. que ensombravam o "destino manifesto" (providencialista, universal, quinto imperial...), ou seja, as Glórias do Reino, "fundamentos" irrefragáveis da nacionalidade e consagração do "futuro Imperador maximo" e do "heroe dezejado", curiosa simbiose de Ourique com o "tema s e b á s t i ~ o " ~ ~ .

Segundo "caso" - A refutação historicista do Milagre, já perfeitamente desenhada nos Quadros Históricos de Portugal de António Feliciano de Castilho (1838), e expressa, de forma discreta, mas peremptória, por Alexandre Herculano (1846)225, significou, por certo, a impossibilidade lógica da tarefa do P' Figueiredo de provar com "testemunhos" históricos a veracidade do Milagre, uma vez submetidas tais "provas" à moderna crítica documental (ou diplomática). No terreno da racionalidade histórica não havia, pois, espaço para "fábulas" - o Mito era reduzido às proporções de fábula (ficção, mentira...). A reacção imediata a tão inusitada concepção historiográfica partiu de António Lúcio Maggessi Tavares e de José Diogo da Fonseca Pereira, que, em opúsculos diferentes (um de 1846 e outro de 1847), defenderam, em termos moderados e sem sairem do plano histórico, a tradição de Ourique e do juramento de D. Afonso Henriques, a "arca Santa do Paiz", cuja historicidade era indubitável e indiscutívelz26. A repercussão deste debate inicial nos meios católicos endureceu a polémica, motivando a carta de Herculano ao Patriarca de Lisboa. conhecida pelo título Eu e o Clero (1850), e

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7 Confliesso Histbiico de Guimarães1 0. Alonso Henriques e a sua tpoca

arrastou-a logo para o interior de uma questão maior e mais profunda - a 227 AZNEDO. J O ~ O Luciode - A Evolu~dare~s I i8n ismo. Lisboa: Edilorial P i e r ~ n v . 1984 (l'ed. 1018).

"questão religiosa". 228 veja-a BOIVERT, Georgei - UnPionnieidel8pi~pi~dndeli~alesu Ponu~a!: J#o Bemurdo da Racha Laurm ll77B- lWj . Paiir: Cenlio

Terceiro ''caso'' - Nos ~ I v o ~ ~ s de oitoc6ntos houve um recrudescimento da CUIIUDI Poiiugu8sffunda@o catouiie GiilDenXlan, 1982.

"crença sebástica" e do tema do "rei salvador" face aos perturbadores efeitos das invasões Francesas, como notou Lúcio de Azevedoz2', e a ausência da Coroa. Intensificou-se a circulação das Trovas e ganhou apoio popular a ideia encobertista de um D. Sebastião regressado, finalmente (falhara em 1666, mas viria em 1808! ...), para governar e salvar o Reino. A crítica dura e irónica do Pqosé Agostinho de Macedo, no opúsculo 0 s Sebastianistas. Reflexões sobre esta ridicula seita (1808), reduz os sebastianistas a maus cidadãos, maus cristãos, maus vassalos e grandes tolos. fornecendo, a seguir, elementos históricos sobre o que fora até então o "culto" sebástico. O opúsculo serviu de pretexto a uma polémica pessoal com o arqui-rival de Macedo, o "ilustrado" Nuno Alvares Pereira Pato Moniz, e mais alguns intervenientes. No entanto, a diatribe de Macedo não intimidou Manuel Claudio, cantor e corista do teatro S. Carlos, nem o impediu de publicar O Egregio Encuberto ou Demonstração dos principaes fundamentos em que se estribam os Sebastianistas, para esperarem pelo seo D. Sebastião; e de que este reyno, nossa cara Patria, ha de ser a Cabeça do Imperio e Monarchia Universal: 'Et fiel unum ovile, et unus pasto? (Lisboa, 1849), no momento em que irrompia a polémica do Milagre de Ourique.

Quarto "caso" - Oliveira Martins na sua História de Portugal (l+dd. 1879) conferiu ao sebastianismo contornos étnicos (a raíz celta) e "míticos" (a Ilha Encoberta do rei Artur e de D. Sebastião...), e no volume primeiro do Portugal contemporâneo não hesitou em declarar a existência de um vincado messianismo político em torno de D. Miguel, definido como uma "encarnação do Encoberto" ou como uma "figura messiãnica de rei salvador". Esta "leitura" deixou sementes, mas também viria a ser duramente contestada por António Ferrão e, sobretudo, por António Sérgio, corifeus de um racionalismo assaz r4dutor.

Quinto "caso" - Um relance pelo pensamento do redactor de O Portuguez (Londres, 1814-1826), João Bernardo da Rocha Loureiro, considerado por Georges Boisvert como "pioneiro da propaganda e acérrimo antagonista do P.Wacedo, permite-nos encontrar os argumentos filosófico- políticos que legitimavam a resistência/oposição do indivíduo a todas as estruturas que negavam a preceddncia radical do humano. É que os verdadeiros direitos do Homem eram anteriores às instituições sociais, não sendo fundados por elas, mas delas fundadores. Por isso, o carácter ontológico, transhistórico e "sagrado" da "Lusitana antiga Liberdade" advinha, segundo Rocha Loureiro, de um Afonso Henriques que "convocou em Lamego as Cortes, compostas dos Prelados, Nobreza e Povo, e ali, quando se a Assembleia abriu, apareceu Afonso assentado no trono, mas sem nenhumas insignias de Rei; ali é que ele foi corado e se concordou na Constituição do Estado, composta

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Alonso Henriques, o mito fundador e a recosencia mliical Aiberio Araújo e Armando Malheiro

de 18 Estatutos, que foram solenemente confirmados por juramento, para serem a Carta do Rei e do Povo (...)Portugueses livres deram a coroa ao 19Afonso, porque nele acharam partes e dotes (...); Portugueses livres a deram a João 1: excelente Rei e grande Cavaleiro, contra todos os diretos de legitimidade; e Portugueses livres puseram no trono a Casa de B r a g a n ~ a " ~ ~ ~ . Em vez de Ourique serviam as Cortes de Lamego para mostrar que a força da História era uma força popular, onticamente consubstanciada na Liberdade.

Sexto e Último "caso" -Em estudo muito recente sobre a alegada figuração mítica da Maria da Fontezs, tentou-se uma reapreciação hermenêutica da questão, tendo em conta a presença na revolta nortenha de miguelistas, especialmente eclesiásticos como o célebre P<asimiro José Vieira, e de setembristas, em oposição directa ao cartismo. Integrada neste esquema triploar de dinâmicas sócio-políticas diferenciadas, a chamada Revolução do Minho, ocorrida em finais de Março de 1846, no concelho da Povoa de Lanhoso, pode ser lida em profundidade, revelando vários níveis de abordagem: a forte presença dos agentes mediadores da ideologia contra-revolucionária ou miguelista permitiu detectar os traços fundos e grossos da recorrência messiãnica e providencialista, sob a forma de derivação algo empobrecida ou degradada, face à pressáolconcorrência do Populismo (utopia e ideologia). Com efeito, a ideia-força de Povo, que Alain PessinZ3' verteu no conceito operatório de mito, inscreve-se no ideário racionalista e iluminista subjacente à Revolução Francesa, com conotações míticas (Prometeu e a Idade do Ouro), e projecta-se toda na representação literária e pictórica ou iconográfica da Mulher-PovolMulher-República portadora de esperança, de renovação e de criação da cidade ideal (utópica e ucrónica), projectada da História para a não-História. Trajecto essencialmente ideológico que acaba por ser contaminado por diferentes emanações míticas (estruturas cosmogónicas, escatológicas, antropogónicas, etc.). A par destas duas facetas do fenómeno há outra directamente relacionada com o processo da construção da(s) memória(s) da Maria da Fonte num sentido vincadamente identitário - introjecção do Herói (ou Heroína) como elemento consolidador da identidade comunitária e da sua auto-estima. A(s) memória(s) (re)fazem-se através de mecanismos selectivos, que não se confundem com a operatividade mítica. embora esta invada frequentemente o "espaço" da memória social por meio da discursividade ideológica. Os discursos regionalista e nacionalista, fixados em conjunturas próprias, podem, por isso, trazer a ou através da memória "cargas" mitologémicas (temas míticos) que indiciam a ressurgência patente do mito, Mas neste caso a questão identitária surge e é equacionada num plano

229 Cii. por ALVES. JOSBAWUSIO~O~ %~Ios- 'RPCOllenCia'e 'Piagiero' no imagindrio de O Ponuguei (Lond<er, 1814~18261. in AcbsdoEnconl,~ 51 Canst~oSoci8ldaPassado. 27eZBd8Nov~mb,odde 1981 Lisboa: Asrocia@a de Piolesorelde Hinbiia, 1992, p. 154. 250 SILVA, Armando 8. Malheirodae M U J O . Albeno Fiiipe- Mipueliamo e Maria da Fole- Notar para uma ieilura milanaiilics. in Histbri8 da Com~rm laifa com o CompJo. Actas do Cong,esro 'h$aria iadr fonte - 1511 800S', 1846-1996 Pbvoade Lanhoio: Carnal2 Municipal, 1996, p. 195-217. 231 PESS1N.Aiain - Le M ~ h ~ d u p e ~ ~ i ~ e l f a s ~ i 6 t e ImnpiseduXfXe,. ab. cii.

meramente histórico e cultural, só difusamente articuladalarticulável com a faceta populista que será inflacionada a partir de meados do S ~ C . XIX.

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2' Congresso Hisldrico de Guimaràesl O. Afonso Henriques e a sua Época

ainda O 2" nível nz VERDELHO. Telmodor Santos- AS Palavmsear~deiasnarevoluçdo liberal de 1ü20. Lisboa: INIC, 1981.

privilegiando estudos de algum fõlego e pertinência mitanalítica, centrados 233 SILVA,AimsndoBarreiiosMaIheIrodu-Aii~ueliimoidmlo~i~emiIo, ob. CiI.

na produção ideológica dos liberais e dos miguelistas - meras amostras e rn Ibidern.p.341.347.

meros pontos de partida para uma indeterminada sucessão de "cortes sincrónicos" -ocorre-nos referir o de Telmc Verdelho d o i Santos sobre o discurso político e ideológico do Liberalismo v i n t i ~ t a ~ ~ ~ , e o de Armando B. Malheiro da Silva sobre a ideologia e o "mito" no Miguelismoz3?.

Quanto aquele importa referir, em primeiro lugar, que é um valioso recenseamento de termos. conceitos e ideias-força estruturantes e configuradoras da racionalidade e da sensibilidade liberais, cuja consulta se revela, aliás, indispensável para quaisquer eventuais aprofundamentos hermenêuticos do tema ou do período; e, em segundo, permitimo-nos extrair da conclusão o importante antagonismo entre Natureza e Antinatureza detectado pelo autor no discurso vintista. Dentro do culto a Natureza sobressaía o princípio da soberania popular e duas metáforas ou símbolos centrais: a Luz (identificada com Razão, Filosofia e Tolerância) e a Árvore (identificada com Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Felicidade, Bem Público, Progresso, Regeneração e Melhoramento). O oposto disto era representado pelos realistas. cultores da Antinatureza, cujo princípio dominante era o governo de um só , enquanto as Trevas (sinónimo de Superstição. Ignorância e Fanatismo) e a Hidra (sinónimo de Despotismo, Servilismo, Inquisição. Egoísmo, Mal Público, Barbaridade e Feudalismo) eram as metáforas ou simbolos correlativos. Associada a esta mundividência natural esteve uma nova formulação política, que conciliava Religião e Maçonaria, fixava a tri-partição do Poder (legislativo, executivo e judicial), aceitava a ideia do Contrato (Lei fundamental, Constituição, Códigos Civil, Penal, etc.), reorganizava a economia (riqueza nacional, tesouro, finanças, impostos e contribuições), centrava a soberania no Povo, instância abstracta essencial donde emanavam a legitimidade das Cortes

(caracterizadas por eleições, deputados, discussão e legislação) , do Rei e do Governo (formado por juntas, gabinetes, comissões e ministros), consubstanciada na ideia de cidadãolcidadania (nobreza, clero e classes produtivas). Esta modelação política implicava, afinal, um processo de mutação e de transformação, no qual o termo forte era a Revolução, a que correspondiam a Mudança, a Transformação e a Reforma. sintetizadas pela Regeneração (nova ordem, reorganização, opinião pública, partidos) e conseguidas a custa de Perturbação (violência, cessação violenta. d e s ~ r d e m ) ~ ~ .

Sobre o dispositivo de propaganda político-ideológica dos miguelistas, Armando Malheiro da Silva operou com ideias-força e ideo logema~~~, tendo em vista a desmontagem interna e externa de uma propaganda, considerada (do ponto de vista dos meios usados) e da sua articulação com a dimensão

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A I O ~ S O Heniigues, o mito iunoaaor e a cacorrencia milicai Aloerta ~ i a u j o e Armando Maineiro

mitica. Em torno de quatro ideias-força - a Religião, a Maçonaria, a SILVA. Aimando Barieiior Malheiiada- ~iguet~msmo idooiwiaemiio, ob. cit.. p 18.

Constituição e a Legitimidade - desenvolveu-se a afirmação, a divuigação e a 2351bidem.p.213-214. 237 Ibidem. p. 216-217.

imposição de um pensamento, de uma doutrina e, sobretudo. de um "património" ideológico" (reiigioso, cultural. poiítico ...), através de um eficaz acervo de ideologemas, entre os quais enumera estes: "(a) a origem divina da autoridade rdgia, reforçada em Portugal pela ocorrência do milagre de Ourique, cuja autenticidade era abolutamente irrefragável; (b) o carácter paternal da monarquia portuguesa, criara uma ligação profunda e indelével entre o rei e os seus súbditos (...); (c) o paralelismo estabelecido no período que se seguiu a Vilafrancada entre o Infante D. Miguel e duas grandes figuras evocativas do heroismo nacional - D. João I e o Infante D. Henrique; (d) a identificação, em 1823, de D. Miguel com o Arcanjo S. Miguel (o nome do Infante facilitou imenso, num período de crise, a aproximação ao maravilhoso e sagrado), porque um expulsara os diabos do céu e o outro manifestara vontade de expulsar os mações de Portugal; e (d) a proclamação em 1828 dos inauferíveis direitos de D. Miguel ao trono"2*. Inspirando-se na análise de Manuel García-Pelayo sobre os mitos políticos, o autor incluiu o "mito de D. Miguel" nessa categoria, embora não se esgotasse nela, por ser também um "mito pessoal". Em sua opinião "D. Miguel quer primeiramente como jovem caudilho, quer logo depois como herói, salvador; messias, foi envolvido por um processo mitificante de nítidos contornos ideo-políticos. Queremos com isto dizer que ele exibiu, num cenário politico concreto, funções míticas ideologicamente consagradas: (a) foi visto como um emissário de Deus na terra e legitimado como fiel guardião da velha perspectiva teopolítica (o arquétipo do reino de Deus) numa leitura mauirnalista das Sagradas Escrituras; (b) foi apropriado por uma das forças em conflito para servir de estandarte dos seus princípios, valores e crenças, representando Deus na luta contra Satanás; e (c) foi alvo, graças ao seu carácter, de uma "transsubstanciação" do povo na sua própria pess~a"~". Caracterizado nos seus elementos essenciais e traçado o perfil psicobiográfico da figura humana heroicizada e subsumida pela dimensão mítica, o autor descreveu, por fim, o conetúdo dos "suportes" - registo sócio-culttural (festas, cerimónias iitúrgicas, etc.), lietratura (prosa e poesia), iconografia (do retrato ã medalha), e música (canções e hinos) -que permitiram a ritualização e a reactuaiização do mito.

3" nível A partir dos "casos" focados podemos começar por sublinhar a usura

mítico-simbólica do Milagre de Ourique na transição do séc. XVIII para o X I X . Uma mais forte e hostil pressão ideoiógica sobre a Reiigião Católica levou, em resposta, à ênfase da matriz sobrenatural na função identitária de Ourique. ou seja, levou a mostrar, através das racionalidades disponíveis (teológica. filosófica. política...), que a identidade da Nação Portuguesa emanava da escolha divina e de uma aparição cristica profética - a promessa de uma

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zY congresso Hlsl6r1co de tiuimaraes / U. Afonso Heniiques e a sua Epoca

missão redentora e universal. Dai a preocupação probatória do P" António Pereira de Figueiredo ou a indignada reacção de Maggessi Tavares, Fonseca Pereira e outros católicos ortodoxos contra a "herética" nota de Herculano na sua História de Portugal, reduzindo o Milagre de Ourique, Mito da Fundação a uma fábula ou mentira ridícula e contrária, segundo ele, a necessária elevação e dignidade da conduta religiosa. Este demolidor ataque a Promessa de Ourique não é comparável, em termos de dimensão e impacto, ao anti-sebastianismo protagonizado pelo P* José Agostinho de Macedo. mas se aceitarmos que Ourique e o Encoberto ou D. Sebastião são as duas faces de uma mesma moeda, como se infere, sem dificuldade, do curiosíssimo Portugal giorioso, então melhor se compreende a secularização da política consumada ao longo do séc. X IX e prolongada pelo seguinte, mas há muito potenciada, como temos notado neste "trajecto" diacrónico, no seio da teologia cristã. Com efeito. parece clara, a partir do séc. XVI, a derivação messiãnica de Ourique num sentido secularizado e milenarista - de outro modo, como entender o sebastianismo, como entender a concepção vieirina do Quinto Império? -, porquanto vincadamente antropogónico e incontornavelmente projectado na recriação do "prestígio das origens", da Idade Ouro, do Éden, não no CBu (o Paraíso Celeste é o Reino de Cristo Redentor, Senhor do Tempo e da História...), mas na Terra e na Sociedade humana. A inflacção deste veio milenarista diluir-se-á na explosão prometeica do "Século das Luzes", donde se vê brotar a ideologia secular, que, segundo Jean-Pierre Sironneau, é, afinal, uma "teologia da secularização e da dessacralização": " A partir du Xle siècle (plus tôt en France) les confessions chrétiennes entrèrent en concurrence avec d'autres sources de Iégitimation qui prétendirent fonder Ia vie collective sur une Iégitimation non religieuse; ainsi naquirent les idéologies modernes (rationalisme, nationalisme, individualisme libéral, socialismes) secrétées par des intellectuels (idéologues ou philosophes) plus ou moins liés a certaines couches de I'aristocratie ou de Ia bourgeoisie. (...) On le voit, les théologiens ont toujours tente, surtout depuis le XVllle siècle et le développement du rationalisme de I'Aufklarung. de réinterpréter le message chrétien 'a Ia lumière des états présents de Ia culture et de justifier sa valeur actuelle. Ce en quoi ils faisaient inévitablement oeuvre d'idéologues. La théologie séculière n'échappe pas a cette règle; elle tente, face au monde industriel à base de rationalité technique et scientifique, de justifier /e christianisme; par Ia elle fait oeuvre idéologique. Le concept de "sécularisation" dépasse de très loin /e rôie sociologique qu'il pourrait avoir pour rendre compre de certains phénomènes de notre modernité (rétricissement de Ia Iégitimation religieuse par exemple); Ia théologie contemporaine en fait un concept thélogique et i déo log iq~e"~~~ .

Esta leitura ajuda a compreender o susbtrato mitológico do miguelismo: D. Miguel, rei salvador, Arcanjo e braço armado de Deus (reatualização de

7.38 SIRONNEAU. JEAN-PIERRE - SkuIdrisdJion di~iigiampafifi~~s. Pa": MOU~O" PUbliShelb. 1982. D. 122-123.

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Afonso Henriquer. o mil0 fundador e a iecairência rnilica IAlberio Araúio e Armando Maiheiro

Ourique), é convertido em expressão seculariçada do messianismo crístico porque o enquadramento ideológico emerge, em pleno, dos parâmetros da teologia tradicional católica. mas temperada pelo tomismo, infiltrada de regalismo, em suma, ajustada às exigências dos "tempos modernos", nomeadamente à função carismática dos heróis mais ou menos profanos investidos de missão providencial. A mesma leitura ajuda, por outro lado, a perceber que a secularização da acção social e política comporta uma evidente perda de influência da Igreja na sociedade civil e uma clara assunção do humanismo laico e pluralista, sintetizado, porém, num conceito abstracto e mobilizador - o Povo -, facilmente implicado em estratégias heroicizadoras e em liturgias patriotico-nacionalistas. Tais estratégias e liturgias irrompem, segundo Sironneau, como resposta à falta das formas sacras (míticas, rituais, simbólicas) demolidas pelo processo de emancipaçâo/autonomização do indivíduo face à Religião: "Le sacré ne "séclipserait" d'un côté que pour rnieux réapparaitre de I'autre: loin de disparaitre définitivernent i1 subirait des rnétarnorphoses et des déplacernents. L'hypothèse est plausible s i I'on voit dans le sacré, cornrne nous avons essayé de le rnontrer; une visée permanente inhérente à Ia condltion humaine, visée dont les Eglises n'ont pas le rnonop~le""~. E. eis-nos, então, face à recorrência inflaccionada de Prometeu, o ladrão do fogo sagrado, na versão escolhida, de Hesíodo:

(...) Prometeu é o filho do Titã Jápeto. oriundo da Terra e do Céu, e da Oceãnia Climente. Tinha três irmãos: o orgulhoso Menóito, fulminado por Zeus; Atlas, incumbido de sustentar o mundo sobre os ombros: e Epimeteu, "o desastrado". o irreflectido que fará "a desgraça dos homens que comem o pão, ao ser o primeiro a receber sob o seu tecto a virgem moldada por Zeus". Quanto a Prometeu, "ágil e subtil", esse, será acorrentado a uma coluna, e um abutre virá rasgar todos os dias o seu fígado, incessantemente renascente. Ficará devendo a sua libertação a Hércules, já que Zeus assim pretende acrescentar um novo título à glória de seu filho.

56 depois desta visão conjuntura1 da sorte reservada aos descendentes de Jápeto é que Hesíodo nos explica aquilo que valeu a Prometeu este pavoroso castigo. Uma querela havia sido suscitada entre os deuses e os homens; e um sacrifício, celebrado em Meconé (Scione), deveria por-lhe termo. Prometeu decidiu "iludir o pensamento de Zeus". Dividiu um boi em duas partes: a primeira. que era composta pelos melhores bocados, foi coberta com o ventre do animal; a segunda. composta pelos ossos descarnados, foi dissimulada por debaixo de uma apetecível e

', ZSB SiRONNE4U. regpan-Pienne - Sbularisalion e1 reli~ionr Poi i l ipu~. ob. Cil.. p. 188.

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2' Congresso Hislbiico de Guimarães1 O. Afonso Henriques e a sua b o c a

alva banha. Furioso, Zeus recusa-se a conceder o fogo aos homens, protegidos de Prometeu, o "do coração repleto de malícia".

Eis que de novo o filho de Jápeto desafia o senhor dos deuses, e rouba "da concavidade de uma férula" a centelha celestial. Desta vez, Zeus castiga cruelmente o Titã, e a sua cólera abate-se ainda sobre os homens; a mando seu, Hefesto modela uma estátua de argila [Pandora], que Atena decora, enviando para a terra "essa armadilha, fictícia e sem entranhas, reservada aos humanos".

Segue-se então uma tirada contra as mulheres, "corja maldita" a cargo do

A recorrência prometeica opera dentro da secularização e do humanismo laicista, tornando-se patente ao nível do discurso literário e ideológico. Como mostrou Telmo Verdelho, as palavras e as ideias do vintismo, onde se integra a obra de Rocha Loureiro, estão atravessadas por um registo de cariz arquetipal - a Luz (arquétipo "substantivo" do regime diurno). a Arvore (arquétipo "substantivo" do regime nocturno) e a MulherIAnima (arquétipo "substantivo" do regime nocturno, fixado na coluna da categoria Taça do "jogo de Tarot" e perceptível na "ganga" ideologémica através de importantes ideias-força femininas: a Constituição, a Maçonaria, a Liberdade, a Igualdade ...) - em que as estruturas esquizomorfas ou heróicas, as sintéticas ou dramáticas (onde se alinha o arquétipo "substantivo" do Fogo-chama. arquétipo patente na narrativa de Prometeu) e as místicas ou antifrásicas (as primeiras e as últimas consideradas homogeneizantes: sujeitas ao princípio da saturação que provoca um bloqueio das actualizações simbólicas, isto é, provoca uma potencialização libertadora das actividades antagónicas) se entretecem numa modalidade mítica recriadora. refundadora, regeneradora, redentora de baixo para cima (Árvore) ...

A inflação de Prometeu e da Idade do Ouro convoca, como se tem dito, o cenário milenarista e, necessariamente, a "excitação" das estruturas antropogónicas, à luz das quais podemos tentar entender a queda, o mito adámico e, por extensão hermenêutica, a decadência versus regeneração. Este par antinómico remete-nos, de imediato, para a conjuntura seguinte, prolongamento paroxístico da tensão mítico-simbólica acima aflorada.

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AIOnsO nenriques, o mito tunoaooi e a recorrenca miiica / xioeno m u j o e Rimanuo iwaineiia

1870-1928 - a Decadência e a Esperança no advento de uma «nova» Ordem

contexto histórico Nas décadas de 1860 e de 1870 a Grã-Bretanha era a principal potência

mundial, do ponto de vista económico e industrial. Uma acção pioneira na vaga industrializadora do séc. XVIII fê-la adiantar-se as outras naçôes europeias, intensificando o comércio marítimo e a colonização sistemática, que teve em África e na índia os seus centros nevrálgicos. Em meados do séc. XIX a hegemonia britânica arrastava a Europa para a "cúpula" de um sistema internacional. definido, em 1904, por António Cruz da Rocha Peixoto nestes termos: "Se os principaes sustentaculos do imperialismo são o militarismo e a politica, temos que o seu fundo, a sua propria substancia residem na industria e no commercio. É num vertiginoso desenvolvimento, num estraordinario élan dado a estes dois ramos da actividade humana onde está a essencia da vida imperialista d'uma nação, da sua grandeza triumphante""'

No seio de tal sistema se enquadra a eclosão da Grande Guerra de 1914-1918. com suas causas e consequências. O rápido desenvolvimento económico de uma Alemanha unificada, após a guerra franco-prussiana de 1870-1871, no interior de uma Europa redesenhada pelo Congresso de Viena (1815), acompanhou, em termos geo-políticos, a génese de um sistema internacional multipolar, afectando directamente a hegemonia britânica. A hábil política externa de Bismarck, mantida até a sua demissão pelo Kaiser Guilherme II em 1890 e até à subsequente inversão estratégica num sentido abertamente belicista, pautou-se pela neutralização da França, pela tentativa de controlo da potencial conflitualidade austro-russa e por uma notória apetência de liderança nas grandes questões. Daí a realização, em Berlim, de 15 de Novembro de 1884 a Fevereiro de 1885, da famosa Conferência promovida pelo "chanceler de ferro" e pelo governo francês de Jules Ferry, que culminou na consagração do direito da força contra a força dos direitos históricos na colonização de África - continente sujeito a uma intensiva exploração científica e económica pelas potências industrializadas.

A viragem do séc. XIX para o XX tornou-se, pois, uma fase contraditória e surpreendente: o optimismo, fomentado pelas extraordinárias conquistas tecnológicas, vistas como materialização da ideia de Progresso, e consubstanciado no vaporoso "estilo de vida" Belle Époque, haveria de coexistir com uma espécie de vertigem, de excesso (patente na arte, na literatura, na música e, sobretudo, na emergente culutra de massas) que o modernismo pôde ilustrar, além da agudização da "questão social" e subsequente incremento do sindicalismo, do socialismo e do marxismo face a crise interna do modelo sócio-económico e do sistema multipolar. O assassinato do arquiduque Francisco Fernando, em Sarajevo, a 28 de Junho de 1914, mais não foi que o pretexto ou o rastilho para a deflagração de um conflicto planeado, esperado e anunciado a medida que o sistema de alianças

241 PEIXOl0,AnldnioCiurdaRocha -Os Conlicios inleinacionapi ao principiar o aeciiio XX. OINI~IUIO, Caimbra. 51 (10) 1904, D. 610.

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bilaterais tornou inevitável a antiga lógica de guerra e que a opinião pública se ~ ; ; ~ ; ~ ~ ; ; c ~ ; ~ ; ~ ; ~ d - h 3 ~ a c m ~ n I ~ ~ ~ h ~ ~ s l e ~ "

revelava anestesiada pelo nacionalismo, pelo voluntarismo e pelo culto da força. Contra todas as expectativas e ilusões os impulsos belicistas acabariam atolados numa hecatombe - a guerra total, com cerca de dez milhões de mortos e graves consequências: a hegemonia europeia comprometida e substituida pelo apogeu americano, uma maior fragmentação do mapa político europeu, um acentuado intervencionismo do Estado perante a crise dos princípios do liberalismo económico, uma nova revolução de forte pendor internacionalista - a Revolução de Outubro de 1917, conduzida pela minoria bolchevique e fundadora da URSS, baluarte do marximo-leninismo -, a génese e evolução do fascismo italiano e do nacional-socialismo alemão. Enfim, a amarga experiencia do paradoxo: a aparente vitória da paz e da democracia gerou desemprego e intervencionismo estatal, e redundou, volvidos vinte anos, numa carnificina maior sob o signo ideológico do totalitarismo e do racismo, da exacerbação ao limite daquilo a que o historiador americano Hans Kohn classificou, em 1949, de "factores de desagregação da sociedade aberta", opostos, por um efeito perverso, aos "factores de reintegração e reafirmação" - a democracia, a cooperação e a federação - amadurecidos no seio do iluminismo"'.

Cingido .h periferia do desenvolvimento imperialista (técnico-cientifico e capitalista) europeu, Portugal entrou na segunda metade de oitocentos pela mão de um movimento "regenerador" que, sob a égide de uma elite política revigorada, onde pontificarão, na fase plena do rotativismo, os nomes de Fontes Pereira de Melo ou de António Rodrigues Sampaio, tentou pacificar e ordenar a partilha do Poder com uma solução bipartid8ria à inglesa, balizada e fixada por Regeneradores e Históricos/Progressistas, e seguiu a rota indicada pela dinamica capitalista, não obstante certas limitações estruturais da economia portuguesa e a fragilidade cívica e cultural de uma sociedade, marcada por um elevado analfabetismo e por um crónico absentismo dos seus grupos dominantes. A linha mestra do "fontismo", ou seja, da acção política de Fontes Pereira de Melo (líder do Partido Regenerador e titular do proeminente e novo Ministério das Obras Públicas. Comérico e Indústria), passou por uma clara intervenção do Estado num conjunto de melhoramentos materiais (caminho-de-ferro, estradas, equipamento escolar ...) através da racionalização e centralizaçáo do sistema financeiro e do recurso intensivo aos capitais externos e da dívida pública, tornada perpétua em títulos de reduzidas taxas de juro. A política pauta1 tendeu, com os anos, a proteger o sector industrial. que cresceu em parte pela substituição de importações, a par de um sector primário sujeito a fortes fiutuações, com altos e baixos, podendo concluir-se que os progressos registados na agricultura não se consolidaram, "o que está de acordo com uma interpretação segundo a qual o crescimento agrícola teve um

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AIOIISO Henriques. o mil0 fundador e a tecorrEncia milita/ Alberlo Araújo e Armando Malhei10

carácter extensivo, devendo-.se mais à utilização de mão-de-obra e de terra 241 MINS, pedra - A tmnamiapomgues~ no ~eculo XIX Crercimenla econdmimecom6n'oeXIernoD 1851-1913. Lisboa: lmpienrs Nacional Cala da Moeds. 1995, p. 156. adicionais do que propriamente à melhoria das condições de produçáo e da 2qq LERiO,Nuno-M~lb,iatcondmi Panugal,

produtividade dos factore~"~'~. Em síntese e de acordo com a panorâmica Umperrp~di~globd( Lisboa: Edilorial Pierenia. 1994. p. 145.199. 245 O P I O C ~ S ~ O p ~ l i l i ~ ~ . iurldico e POIiCisl mEpOClivO acha-se compendiado

traçada por Eugénia Mata e Nuno Valério, pode caracterizar-se a conjuntura em ar Conlerdncia9 do Carino no Pai/amenIo. 4~1esen@F3o enoiasporjose- AugusloFança Lisboa: Livros Hoiiionle. 1973.

económica em três fases - uma fase de expansão ou efectivo crescimento económico, de 1851 a 1891, outra de estagnação, de 1891 a 1914, e a terceira de entre guerras e de sucessivas crises económico-financeiras, de 1914 a 1947244.

A primeira fase será, no entanto, a do crescimento possível, criando-se, sobretudo, entre os "novos", a imagem de uma modernização imperfeita, que tinha de ser revista das artes e letras a economia, passando por soluções políticas verdadeiramente regeneradoras, como seriam o socialismo utópico (em especial, o proudhoniano), o federalismo e o republicanismo. A célebre Questão de Coimbra, polémica explicitamente literária, que, em 1865-1866, op6s o "decano" dos poetas e do "classicismo", António Feliciano de Castilho, a dois jovens estudantes e debutantes escritores revolucionários, Antero de Quental, autor das Odes Modernas, e Teófilo Braga, prenuncia o sentido radical de uma contestação as estruturas sociais e culturais, políticas e mentais da Nação, que terá nas Conferências "livres". "Democráticas" ou "Científicas" do Casino Lisbonense, interrompidas por portaria de 26 de Junho de 1871 do ministro do Reino, marquês de Ávila e BolamaMs, a sua formatação essencial e um impulso decisivo. Aí, o mesmo e inquieto Antero proferiu a 2%onferência, a 27 de Maio, intitulada Causas da decadência dos Povos Peninsulares e posta a cabeça de um programa cultural aglutinador de um elenco de jovens intelectuais, como Téofilo, Eça de Queiroz, Oliveira Martins. Batalha Reis, Guilherme de Azevedo ou Adolfo Coelho. Era a "Geração de 7 0 , cuja herança doutrinária e ideológica será marcante no vivo debate finissecular em que emerge a "Geração de 90", mais política e militante que a anterior.

Entre uma e outra não foi só a situação económica do país que entrou em crise, o próprio sistema político desgastou-se no meio "questões" internas e externas que depressa iam escapando ao controlo dos partidos "rotativos", dos seus "chefes" (Alberto Serpa Pimenta1 ou Hintze Ribeiro, pelos Regeneradores, e José Feliciano de Castro, pelos Progressistas), "notáveis" e clientelas. A "questão religiosa" vinha de trás, mas a partir do último quartel do séc. XIX foi catapultada para a "ordem do dia" por um debate ideológico e cultural acerca do papel da Igreja e, em paralelo, sobre o estatuto do ensino público. debate esse animado pelas ideias positivistas, cienticistas e socialistas, inspirado no anti-clericalismo e no livre-pensamento da III República francesa, e aquecido peia ocorrência dos célebres escândalos do Convento das Trinas ou de Sara de Matos (1891) e de Rosa Calmon (1901), pela difusão da propaganda anti-jesuítica e pela intempestiva resposta das autoridades

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2" Congresso Histbrico de Guimarães1 O. Afonso Henriques e a sua Epoca

eclesiásticas, das congregações e das associações de leigos (a criação do controverso Partido Nacionalista, em 1903, insceveu-se nessa estratégia de contra-ataque). A "questão" social acompanhou o movimento migratório do campo para a cidade, o surto de industrialização, a formação de um movimento operário permeável ao ideário anarquista e a difusão de uma pequena burguesia urbana dispersa pelo comércio e os serviços. A "questão" do Ultimatum de 1890 começou por ser um conflito diplomático entre Portugal, empenhado. nesse final de século, num modesto, mas irreversível programa de delimitação, governo e fomento colonial em Africa, e a Grã-Bretanha. voltada para a conretização do projecto de Cecil Rhodes de ligar o Cabo ao Cairo, e, por esta razão, contrária ao controlo português da região da Niassalândia (figurado no "Mapa Cor-de-Rosa e equivalente, hoje, a Angola, ao Malavi. a Moçambique. a Zâmbia e ao Zimbábue), para passar a ser, dada a cedência do governo de Lisboa, um caso grave de humilhação nacional. A pressão interna sobre a Monarquia Constitucional atingirá o rubro: de um lado, o rotativismo fragmenta-se em dissidências, o apelo de Oliveira Martins e de outros "Vencidos da Vida" ao cesarismo régio "preparará" o autoritarismo franquista, selado com o sangue do regicídio em 1 de Fevereiro de 1908 (morte de D. Carlos e do principe herdeiro D. Luis Filipe): do outro, a oposição republicana, volvidos duas décadas sobre o projecto social e federalista dos anos 70, celebrara os festejos cívicos do centenário da morte de Camões (1880) e do marquês de Pombal (1882), passara a dominar a Maçonaria, inflectira no sentido do republicanismo unitário de Elias Garcia, mais político e democrático, que social, e achava-se, então. apta a explorar e apressar, pela propaganda elou pela subversão armada, a queda de um regime desacreditado por um crónico défice orçamental, por escândalos de corrupção e de má gestão do erário público, pela repressão policial franquista, enfim, pela alegada "degenerescência da raça e da Pátria". Falhada a tentativa revolucionária do 31 de Janeiro de 1891, a República será, finalmente, implantada em 5 de Outubro de 1910 com um programa de "regeneração" nacional, ou seja, de igualdade civil e política, de liberdade em todas as suas manifestações, de governo do povo pelo povo e de justiça democrática. A sua concretização sofreu as vicissitudes de um percurso divisível em dois momentos - até à participação portuguesa na frente oeste europeia da Grande Guerra de 1914-1918, e de 1919 a 1926.

A obra legislativa do Governo Provisório (1910-191 I ) , prosseguida por governos de predomínio "democrático" (o Partido Republicano Português da oposição anti-monarquista cindiu-se, pouco depois do 5 de Outubro, em três - o P.R.P. ou Partido Democrático de Afonso Costa, o Partido Evolucionista de Antonio José de Almeida e a União Republicana de Brito Camacho), visou a laicização da sociedade, através da separação do Estado e da Igreja. fortemente anti-clerical, da introdução do divórcio, da validade exclusiva do

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Afonso Henriques, o mil0 fundador e a iecoirència milica 1 Alberlo Aiaújo e Armando Malheiro

casamento civil, da protecção laicista do ensino; atacou as deficiências do 246 nuanosde Revolu@oNscianai "O S~CUIO.. Liabos. nijrnero eroecial. 28 de Maio de 1936, o. 4

ensino, desencadeando uma campanha instructo-educativa com resultados notórios nos graus secundário, superior e técnico, mas pouco animadores na redução do analfabetismo; e, no campo social, oscilou entre a salvaguarda jurídica de direitos, como do direito a greve ou a protecção social, ao mesmo tempo que, na prática, se registou um endurecimento com os grevistas e a agitação anarco-sindicalista. A Constituição de 191 1 consagrou um modelo bicameral (Congresso e Senado) de matriz parlamentarista sem direito de dissolução pelo Presidente da República, sem o tão prometido sufrágio universal e sem os mecanismos adequados a um efectivo saneamento da vida política e administrativa.

A controversa entrada na Guerra a favor dos Aliados, após uma neutralidade beligerante de dois anos, se, por um lado, parecia ser a única solução possível para preservação das colónias e reabilitação interna da República jacobina dos democráticos, teve efeitos perversos: a economia de guerra, com os açambarcamentos e a carestia de vida, gerou impopularidade, as dificieis condiçóes do Corpo Expedicionáro Português (C.E.P.) estimulou as deserções e os protestos dos oficiais, a "questão religiosa" começou a perder o fulgor anti-clerical perante uma Igreja Católica, vitimizada, e cada vez mais predisposta a reagir ...

Neste quadro. irrompem, em Fátima (1916-1917), as apariçóes marianas a três humildes e analfabetos pastorinhos, e dá-se o golpe militar de 5 de Dezembro de 1917, urdido por unionistas, centristas, machadistas (partidários de Machado Santos, herói da Rotunda em 1910), e liderado pelo major doutor Sidónio Pais, que ensaiará a reforma interior do regime através da chamada "República Nova", ou seja, de uma fórmula democrático-presidencialista, militarista. populista, bipolarizadora (divisão do espectro partidário em bloco de "direitas" e de "esquerdas") e reconciliadora com a Igreja e com os monárquicos. O seu assassinato a 14 de Dezembro de 1918 fulminou o sidonismo, precipitou uma restauração monárquica sem êxito e possibilitou o regresso da "nova República velha" e com ela a recomposição partidária (extinção dos partidos republicanos "históricos") em busca de um equilibrio bipolar dificil de atingir face a crise e a desorientação da política económica ou a contínua instabilidade política pela sucessão veloz de governos e pela reorganização crescente das forças conservadoras hostis ao regime, que culminou no golpe de 28 de Maio de 1926, na subsquente e efémera Ditadura Militar (1926-1933) e na proclamada obra de "grande renovação politica, social e económica, efectuada em dez anos, mercê da Gloriosa Revolução Nacional, que implantou o Estado Novo" - regime liderado pelo professor de direito de Coimbra e militante católico-conservador, António de Oliveira Salazar, e modelado até a II Guerra Mundial pelo fascismo italiano2?

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zV congresso HISIOIICO oe tiuimaraesl u sonso nenriques e a sua tpoca

Note-se, a propósito, que o Estado Novo apostou, com poderosos meios de 247 ~deexliemapenin~nciaeuliiidad~oeriudociilicaeiecenroam~nlode ROCHA. Clara- Revi~~~iiIddria~doieCuIoXXernPoi1~~dl. Lisboa:

propaganda. na heroicização de Salazar, na enfatização do Milagre de Fátima e Im~~ensaNacionai-casdaMoedr.1985. 248 SARAIVA. Anlbnio Jorb - A Cvllon em POil~Bdl, e voli. Lirboa:

na "recriação" de um império Colonial. Na literatura, nas artes plásticas e na i i ~ t a r i ~ ~ ~ t i ~ n d . 1981.1982.

música, a instauração e evolução da República foi acompanhada pela emergência de importantes correntes estéticas, nomeadamente o modernismo, movimentos culturais como a Renascença Portuguesa, a obra poética de Teixeira de Pascoaes, de Fernando Pessoa. A seguir a Guerra não tardará a chegar a vida quotidiana portuguesa o ritmo frenético dos anos 20, com o jazz, o cinema, o cabaret, a moda e beleza feminina, o desporto ...

plano hermenêutico lQ e 2Q níveis A dificuldade de recenseamento das fontes primárias. a medida que nos

aproximamos do séc. XX, cresce de tal forma, que se torna incontrolável. No entanto, é possível abrir filões e oferecê-los a uma exploração inesgotável. [ I g nível] Jornais de todos os géneros, revistas. quer político-ideológicas e culturaiszw, quer do estilo magazine (a Ilustração Portuguesa, a Ilustração Católica. etc.), livros de poesia e de prosa literária (romances, novelas e contos, do romantismo ao realismo...), inúmeros folhetos e opúsculos de todas as polémicas e de todos os feitios, actas de congressos (por exemplo, os Congressos Católicos), (auto-)biografias, memórias e diários preenchem uma parcela importante da "matéria-prima" ideal para o trabalho hermenêutico e mitanalítico.

2Q nível Tamanha variedade de fontes tem facilitado, naturalmente, a multiplicação

das análises de diverso recorte disciplinar, de modo que é possívei achar em muitas delas algum "serviço" adiantado, embora - e este aspecto tem de ser reconhecido - seja preferível a pesquisa directa pelo mitanalista da vasta "ganga ideologémica" recenseável. Ao jeito de simulação breve, porque não há espaço, nem tempo para ser de outro modo, ilustraremos a riqueza de "indícios" palpáveis e disponíveis para um sério esforço de leitura rnitanalítica, através de um "punhado" de estudos monográficos que julgamos estimulantes e de umas escassas amostras de "fontes primárias" relativamente fáceis de serem exploradas num estudo de máxima amplitude como o que aqui ousámos apresentar.

Dois grupos, portanto. No primeiro, começamos por evocar a existência, segundo António José

Saraiva, de dois "mitos essenciais" na cultura portuguesa - o "mito das Cruzadas e o "contramito" da Decadência, instaurado por Antero de Quental, confirmado por Oliveira Martins na sua História de Portugal e presente ao longo do séc. XXaB. O sentido mítico não está. aliás, ausente da minuciosa análise que António Machado Pires fez da ideia e do sentimento da Decadência na Geração

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de 70 ou, mais precisamente, na obra literária e histórica de Antero, de Eça de Queirós. de Teixeira de Queirós e de Oliveira Martins. Esse sentido pode ver-se sintetizado nas conclusões: "Mas para Oliveira Martins - remata Machado Pires - os três séculos não tinham sido para ironizar a propósito da subsistência, senão para agravar um pessimismo que pesa especialmente sobre o Portugal Contemporâneo: "Com efeito, a educação de três séculos tinha feito de Portugal um povo fanático, violento, apático, intrigante. vil, fraco, à maneira dos povos do Oriente". Descrença que não só inspira a uns quadros simbólicos da ficção junto ã estátua de Camóes, a outros críticas históricas em ensaios positivistas ou a outros ainda panfletários gritos republicanos clamando por um Nun'Álvares dos tempos modernos; mas finalmente a outros leva à vertigem das comparaçóes rácicas, as interpretaçóes do modo de ser de povos, à procura daquilo a que M. Garcia Morente viria a chamar cuasi- personas, traços característicos e permanentes na biografia dos povos como nas biografias individuais. O que levou Oliveira Martins, como se sabe, a falar da dureza do temperamento lusitano em Herculano e do elemento lusitano na alma sebastianista da nação: messianismo que "explicaria" os anelos insatisfeitos e o marasmo do povo português ... E, não obstante, um sentimento de missão, de 'povo predestinado desde Ourique" (que Eça e Oliveira Martins citaram...), está a garantir que a esperança nunca morreu de lodo neste povo português paradoxal e dificil de governar: Ideia de decadência: "complexo de inferioridade" de povo que olha outros povos com consciência da sua inferioridade e com nostalgia da grandeza passada, mas, apesar de tudo, ainda com um sentimento de missão, que, mesmo em períodos de crise, parece poder manter-~e"~~".elo elo da missão latente e ôntica se passa, assim. ao regeneracionismo que desde 1820 vai percorrer, aos ziguegzagues, o séc. X I X português. No seu livro Do Sebastianismo ao Socialismo, Joel Serrão captou o republicanismo português num feixe de confluências e de demarcações: perante a herança do liberalismo vintista, a infusão teofiliana do positivismo Comte-Litré e a utopia socialista e anarquista, o projecto "regenerador" republicano acabou anichado num "liberalismo, que buscando incorporar uma mística patriótica, ou remoçá-la, concebe a "ideia dum ressurgir da pátria portuguesa", mediante um "governo do povo pelo povo". E bem se poderá afirmar que, nas mentes de um Teófilo Braga, de um Sampaio Bruno ou de um Basílio Teles, esse é, afinal, o sonho político maior que emociona a sua insistente e diuturna propaganda: acabar com a monarquia; encerrar um caminho e abrir outro, ao lado, pelo qual o liberalismo pudesse vir a assumir carácter democrático e, portanto, teor efectivo e integramente n a ~ i o n a l ' ~ ~ . Esta pertinente releitura do projecto republicano prolonga-se e abre-se a fecundas interpretações através do longo e exaustivo inquérito conduzido por Fernando Catroga tanto ao movimento republicano (acçáo político-partidária, bases

249 PIRES. Rnlbnio Manuel Belleneouit Machado- A ldeiadedecad&ncia nageiaFdo@ 70. Ponta Oebada: Univsisidadedoi Açores. 1980. D. 333-334. 250 SERRAO. Joel-DoSehiilianirmoaosociilisma. ob. cil., D. 64,

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2" Congresso Hisldiico d e Guimarães I D. Afonso Henriques e a sua Epoca

programáticas, organização interna e a propaganda comemoracionista), como 25' C A ~ R O G A . ~ e ~ a n d o - O ~ e ~ " b i ; W n ; ~ m o e m P o ' ~ " g a ' ~ ~ f ~ r m ~ k ~ do5de Owubra de 1910, wi. r' Coimbia: Faculdade da Lelrar, 1991, p. 463-

ao republicanismo enquanto sistema doutrinário, com a sua visão da História e ".Veia-sc.robielud~.neslevoiume1odaa3~ P a f l c ~ ~ 3 7 9 e s r 1 , e d o s io r veja-se com pailicuiai aleneo Idem - A M!iildncii ialw e a

da Natureza, a sua Moral social, o seu modelo jurídico-constitucional, a sua dscr i~t i~niza~o damorte em POiIvgdI, ~ 8 6 ~ - 1 ~ 1 1 , 2 V O I S Coimbn: 1988 jdisseilapo dedauloiamenla. policopiado], eainda Idem -RiluaIiiacUasda

concepção laicizadora do Estado e da Sociedade (contraposta a um certo Hiiibiia in TORGAL. LU& Reis. MENDES, JosBMaria Amado e CAIROGA. Fernando-H;sl6iiadaH;~l6iidemPoii~gdI, i&. XIX-XX Lisboa: Circulo

espiritualismo protagonizado, no seio republicano, por Sampaio Bruno) e a sua deieiiorer.1~%,psa7-671. 2 5 2 Veja-a MATOS. Sdigio Campos - Hisldria, m;loiog;~, imonind!;o

demopedia voltada para a criação do "Homem Novo" sob o "signo de Anteu e ~ ~ C ~ O ~ ~ ~ A H ~ ~ I ~ I ; ~ ~ O C ~ ~ O ~ O S [ ; C ~ U S ( I ~ ~ ~ - I ~ ~ ~ L I ~ ~ O ~ : L ~ V ~ O S Hoiiionk, 1990; Idem -Hiitbria. porilivlrmo cluneodor grande homens

de Prometeu". Nas conclusões obtidas. o autor aproximou-se da leitura de no iiitimo ~uai iei dosdc.xix. Penolope Lirboa (81 1992, p. 51-71: E idem - N a genereda ieaiiado htrbi em Oliwira Miflini, in Eslvdorem

Sironneau sobre a secularização da política e a subsequente sacralização e homen8gnmaj0,gaipeBomsda aceda Lisboa: inrtiiuio Nacional dt

ritualização das práticas do Poder, atrás focada, notando a propósito do InvPaIigueo Clr~iilica. 1992. p 475-504.

republicanismo o seguinte: "E neste contexto que pensamos que grande parte da atracção que a aspiraç670 republicana exerceu sobre certas camadas da população urbana resultou do facto de veicular um verdadeiro messianismo social e um optimismo característico das "sociedades prometeicas" modernas. Com efeito, com u seu culto do trabalho, com o apelo a uma "moral da energia", e com a crença gnóstica nos efeitos perfectíveis da ciências, a ideologia republicana idealizava o verdadeiro cidadão como um herói épico e solar, e que, tal como Sísifo redivivo no fim da sua expiação, podia cantar: "Ergo nas mãos o sol". Pode assim dizer-se que Prometeu - esse herói mitico também cantado por João de Barros - era o arquétipo exemplar do humanismo republicano, ao convidar a revolta contra a escravidão em nome de uma liberdade de espírito que iluminava a futura e definitiva libertação humananz5'.

Contributos avulsos têm, entretanto surgido, em reforço heurístico desta lúcida análise. Ocorre-nos citar a cuidadosa pesquisa de Sérgio Campos Matos sobre a função heróica no "imaginário nacional" forjado pela História e pela Memória histórica: a teoria do Herói em Teófilo Braga ou em Oliveira Martins, a comemoração positivista dos grandes vultos, expoentes da força e da capacidade realizadora de "de um povo, de uma nacionalidade ou de uma época histórica) e a reactualização das figuras heróicas. obreiras da "glória da Pátria", no interior de construções historiográficas ideologizadas, constituem alguns dos tópicos centrais de uma pesquisazs2 que deixa perceber, para além das imagens sócio-culturais recenseadas, a tensão mitológica subjacente 2 caminhada assimptótica de Portugal pelo interior da Modernidade, que uns idolatravam e outros demonizavam. Essa tensão aparece tratada, de uma outra forma, por Joaquim Palminha da Silva numa sondagem ao decadentismo finissecular oitocentista da sociedade portuguesa, projectado na literatura e na imprensa, e esgrimido pelo republicanismo (e também pelo anarquismo e pelo socialismo) como a causa directa de um Catolicismo anti-progressista, retrógrado, intolerante e obscurantista. A campanha republicana e anti-clerical, fundada no "cisma e na dúvida sistemática" e numa nova forma de religiosidade (cívica e utópico-social), teve eco nos centros urbanos, mas no campo esbarrou, segundo o autor, no trabalho (re)mitologizador da Igreja Católica há

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Afonso Heniiques. o mito fundador e a recorréncia mitica I Aiberto Araujo e Armando Malheiio

muito operado: "A implantação da Igreja no mundo rural, apesar da sua intrínseca relutância em aceitar o valor arcaico dos mitos e práticas rituais, com os seus valores mágicos, acabou por se efectivar através de um método de operacionalidade prática: não podendo sobreviver inteiramente sobre uma base de conflito e ruptura, a Igreja procurou adaptar os mitos e seus rituais arcaicos - pagáos - a estrutura teórica do cristianismo, através da ritualização quase regional ou local dos antigos calendários rurais. Numa palavra, a situação poder-se-á caracterizar pela imagem seguinte: mitos que cavalgavam sobre mitos. O mito cristão a cavalo sobre os mitos cosmológicos das religiões e rituais arcaicos. (...)A utopia camponesa movimenta-se no espaço do messiánico ou profético, na senda do milenarismo escatológico. Entre desordem inovadora da cidade e ordem tradicional e estática, os campos preferem procurar o já conhecido, a lei antiga, incutindo-lhe, se possível, o padrão religioso de forma a emprestar-lhe uma ética que os proteja contra os novos senhores ou as calamidades da civilização. (...) A energia produtiva espiritual do mundo rural e da sua Igreja desinteressou-se das normas jacobinas gerais e passou para o profetismo, para a interpretação de uma concreta situação expressiva, da ordem do escatológico. (..) O mundo rurai, desprezando qualquer prévia apresentação - talvez embaraçando a Igreja - entregou-lhe a chave para sair do impasse, faz-se hóspede do milagre: Fátima"z53.

Inevitavelmente, as apariçóes marianas da Cova da Iria aparecem na vasta literatura disponível como o contraponto à forte vaga laicista, racionalista e anticlerical incorporada na I República. Sobre o Mito de Fátima há a ter em conta a excelente conferência de Jean Guitton, proferida em 2 de Agosto de 1967, por ocasiáo do V Congresso Mariológico Interna~ional~~', ou ainda o texto de Joaquim das Neves sobre Fátima e a Revelação Bíbli~az~~. Mas há, sobretudo, que explorar a preciosa documentação "histórica" do Milagre. E entre o que já existe disponívelzs6 parece-nos de extrema utilidade a obra do P" Sebastião Martins dos Reis, intitulada Na Órbita de FátimgS7, porque se trata náo apenas de um repositório de testemunhos essenciais, como são as reportagens de Avelino de Almeida no Século (1917). mas incluir, por exemplo, um desenvolvido estudo sobre a identificação do Anjo de FátimaIAnjo de Portugal, perfeitamente demarcado, segundo o autor, do Arcanjo S. Miguel.

Por último, impõe-se uma nota alusiva a sobrevivência do sebastianismo na cultura portuguesa: de Oliveira Martins a Fernando Pessoa, passando pela polémica sebástica travada entre António Sérgio e Carlos Malheiro Dias nos anos de 1924 e 19252", a questáo ganha outra riqueza e profundidade se a encararmos à luz da recorrência, como se verá, um pouco mais adiante. no 3"ível deste plano hermenêutico.

253 SILVA. Joagiiim Palminhu da-Porlugai: religiosidade civics eianallsmo meisianiro. H/sldiiu. Lisboa. I 4 (l63)Abiii de 1993. p. 67-73. 254 GUiIION. Jean- Milo e miil6rio de Maria. 11;neidi;um Lirbou. 13 (56) Oul-Ou. 1967 .~433 -443 . 255 NEVES. Joaquim dai-Falima e a reueiapo hiblics, ibidem. p. 44C456. 256 (de relermoa ilbrip31diia a projecio em execupo sob o pdrocinio cienlilicoda Faculdsdt deTeoiogia da Unissidsde Calbiics Ponugiirsu: Uocurnenldcdo cr!lim de FJlima. wl. I - bleii~ndl6~01 aos Videntes - 1917. Fbiima: ~ a i u b i i o de Fdtima, 1992. E nbo liodeio$ a m i l i ~ embora i t m mmosproi) P21dCOm Ouliai obissesrenciair sobte Fatima. airabaiho de ViLAS-BOAS. M a n i i P 0~1ioS -FdIii~d. O s l u ~ d i e . ~ p ~ ~ l i c ~ ~ . Lisboa. ",.",,I" A- 8 e:,".e* ,002 ",,.",""".",~",-, ,""e. 25i REIS. Sebasligo Marlinr dor - Na bib!18deFJl;m8. Wcl;tmp6e#eie acOe#as. <vaia: EdilOliPI Ceniio de Edudoi D. Manuei Mendesda Coce ipo Saior. r d . 258 Pura urna introdiipoabjalimo anloibgicada polemicaveja-se PIRES. Anlbnio Machado- U. Seb&eoFnmbe!lo, ab. t i l . p. 396-418.

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ZY Congresso Histblico de Guimarães1 D. Afonso Henriques e a sua Epoca

ainda o 2" nível 25s PORTUGAL, Jose Boavida -Poilunai, feirade her6is. Lisboa. Edi@o dealinada ao Glorioso Eãrcilo Po~BBuBs. 1918. p. 49.52 I cab~~a lho superior

Sem pretendermos cair num registo esquemático e simplista, julgamos, no ~ a ~ a e f o ~ h a d e m ~ o : ~ ~ a ~ e ~ i v r o e r ~ b a m i n h a ~ a ~ i a ~ ~ .

entanto, possível ilustrar a carga prometeica e cosmogónica condensada no papel heróico do Povo e do Cidadão republicanos, bem como o sentido providencialista e messiânico atribuido pelos coevos a Fátima, através de dois breves extractos, escolhidos numa variedade rica, impossivel de evocar aqui na sua plenitude.

José Boavida Portugal, jornalista e escritor republicano, publicou em 1918 um opúsculo intitulado Portugal, terra de heróis, e ai, em traços largos e ligeiros. desenhou a epopeia de um Povo guiado pelo incitamento vigoroso da Liberdade: "D. Carlos, autoritário como um verdadeiro absolutista, veio excitar antigos ódios. Mas cedo viu que o povo não abdicara das suas aspirações, dos seus desejos de Liberdade, dos seus direitos de soberania para ser a nação. Aos erros coloniais, foi respondido com a Revolução de 31 de Janeiro de 1891, logo afogada em sangue. Pelas violências que se seguiram, pela ditadura, pelas numerosas prisões políticas, pela ameaça das deportações para Timor. respondeu a vida do próprio rei e até do infeliz principe D. Luís Filipe, em plena rua, á luz do dia. Quase nem chegou a haver tréguas: o novo rei deixou-se dominar por sua mãe, que era um instrumento dócil nas mãos do clero. A nobreza, sentindo talvez pulsar o coração do povo, retraiu-se, vencida e convencida. O povo tinha razão. Estava desenganado da tutela de reis que o não sabiam ser. nem compreendiam que só o podiam ser em sincera aliança com o povo. A experiência durou séculos. Para que esperar mais? O povo é que sabia o que queria; nem um rei, qualquer que fosse, podia agora dirigir todo um povo, como até aos princípios do século XVI. Quatro séculos á espera de um rei que o compreendesse, o povo não devia esperar mais. Os tempos, evidentemente, tinham mudado. E no dia 5 de Outubro de 1910, graças a uma gloriosa revolução, foi implantada a República, que é o governo do povo feito pelo próprio povo. D. Manuel /I, como D. João VI, fugiu. O povo, escravo de séculos, conquistou a alforria. Já não ha diferença de classes nem de castas. É a Fraternidade e Egualdade, iilhas da Liberdade. Avè Republica!" 25Q.

Por sua vez. um periodista resguardado pelo pseudónimo de João Semana, nas páginas do católico jornal A Liberdade, do Porto, e na sugestiva data de 20 de Dezembro de 1917, soltou em relação a Fátima a sua profissão de i& providencialista: "Eu não sei se em Fátima se deu um milagre. Devo colocar-me no prudente estado de dúvida crítica (...) Mas esta atitude de defeza não impede que eu creia sim no milagre de Portugal. Por dois grandes motivos: o primeiro porque a situação creada no nosso paiz não tem sahida natural. Por mais voltas que o meu espirito dá ao problema nacional: não a encontra, s6 nos resta appelar para Deus. A outra porque tenho para mim, que o povo portugues tem ante Elle uma conta corrente de serviços, que a sua infinita justiça não pode

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Afonso Henriques, o mi l0 fundador e a recoirtncia mi l i ta 1 Alberto Araújo e Armando Malheiro

esquece,: Se os franceses celebram os Gestai per Francos, as coisas que 2ôü SEMANA, JOSO-~a~ima 11. Alibebedada PO~~O. 20de Oezernbiode 1917.

Deus fez por meio dos francezes, com que direito não podemos n6s fazer valer 261 SfRoNNWu. J~n-Picire-EschaloiogieetOecad.~.dansf~ 'Religioni Poliliqurr. in OecadenceeiApocdiypse. Oijon (1) 1986. p. 109.

ante Elie, as coisas grandes que lhe aprouve realizar pela grandeza dos nossos 262 BARROS. 1080 d e i ( Nac iona~a~odoFns ina ?@no: friteira ida. 19911.p. 152

Reis, pela espada dos nossos soldados, pelas virtudes dos nossos santos; as quaes ihe aprouve vincular pela proa das nossas naus atravez dos mares, num enorme carregamento de Fé e de Civ i l isaçã~"~~.

39 nível Embora a nossa concepção de mito nos leve a pôr em causa quer a

insistente qualificação mitológica do sebastianismo, quer a classiiicação culturalista da Decadência como mito, não há dúvida, tendo em conta a secularização da política observada por Jean-Pierre Sironneau e sublinhada na conjuntura anterior, que se verifica no material ideologémico acima referido uma tensão ideo-mítica bipolar: Decadência/Degeneração e RegeneraçãoIEsperança. Mas em vez de seguirmos a frequente redução do republicanismo a um messianismo tout court, vislumbramos nesses dois pólos a diferenciação entre milenarismo republicano e messinanismo cristão. Para a caracterização daquele, há que notar a antinomia Decadência - Regeneração.

O termo Regeneração pressupõe simultaneamente as ideias de "continuidade" e de "ruptura", que num contexto milenarista significam degeneração em direcção ao "re-começo" ou "perfeição das origens", porquanto na mitologia tradicional do tempo há uma profunda solidariedade entre o tema da perfeição original (e da sua consequência inelutável, a decadência sob todas as suas formas) e a intenção escatológica - espera-se um fim do mundo que será a restauração da perfeição das origens e a vinda do reino que é mais um recomeço do que aconteceu na origem, do que um verdadeiro começo2ei. Neste âmbito, percebe-se que o simbolismo da Árvore, a profusão do epíteto novolnova no discurso demopédico e a representação do "homem cívico" como "homem regenerado" atravessem e dominem a mundividência republicana. No que toca ao arquétipo "substantivo" da Árvore, presente na fase vintista como ficou demonstrado, podemos considerá-lo o núcleo central do milenarismo e a confirmá-lo está a pertinente observação do republicano João de Barros: "as árvores deverão ligar, no espírito da criança que as semeou ou plantou, e que mais tarde as irá encontrar crescidas e frondosas, o passado com o futuro; deverão ensinar-lhe, portanto a continuidade de sentimento"262. Com efeito, o arquétipo da Árvore sugere tanto a ideia de "continuidade", simbolizada pelas suas raizes mergulhadas nas entranhas da Magna-Mater (e temos aqui o "prestígio das origens" - o passado), como a ideia de "ruptura", que o republicanismo plasma, simbolizada pelos seus ramos erguidos ao alto e temos aqui a "dominante escatológica" (o futuro) e as ideias a ela associadas que são as de progresso, de perfectibilidade e de felicidade humanas. Daí a relação existente entre

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c b u ~ y i e > w ~DIUIICU VI U U ~ M B Ç S ~ V.HIUIISU neiiiiquesea sua cpaca

Árvore e Homem, ilustrada pela riqueza simbólica da "festa da árvore" 263 JUNG. caii Guiiav- 18s ~ ~ ~ i o ~ d e i a consciente. E I V ~ ~ ~ S U ~ ibrch6lpe. Paiii: BucheVChaiei.. 1976.~ . 446-449.

republicana: "Segundo as ideias mais antigas, os homens provdm das árvores 264oURANo.Gllka-Ler s ~ ~ c ~ u r s u n l h i o ~ o l ~ ~ i q ~ e ~ d e r i m d ~ i n d i i e ~ oh. cil.. 9.202-215.

ou das plantas. A árvore é de qualquer modo uma metamorfose do homem 26s Cit. paiHILLMAN. Jarnei- ~ n i m Analomladeum8n~o peironifiwda Com exceflos dos esc!iloS da C. C. Jvny e dcseehm originais

porque, por um lado, ela provém do homem primordial e que, por outro lado, ela den#aw vetnon. sao pwio Edilora cuiliix, ig85.p. 102. veja-se. larnbkm. JUNG. Cail G.- 1erRdcinesdeIsConsclence EludeIruilbichdpr. ab.

torna-se o homem (...) Segundo os resultados da nossa pesquisa sobre os cii. P. 63-05, 266 CAZENAVE. Michel e AUGUEI Roland- Orlmpeadawlaucor ob.

materiais historicos, a árvore deve ser concebida como 'anthropos', quer dizer 4 1 , p . g 7 . ~ ~ 7 . 267 A l i l l i w Oficial inciui odialogo da Aniocomar oarioiinhar dar Ir&

como o Si-Mesmo (o Soi, o Selbst junguianop. Pode-se, pois, concluir que a ~ e z e s ~ ~ e a p ~ ~ ~ e u 8 o l o n ~ o d o ~ n o d e i ~ i 6 . N a i s g u n d a u ~ u r i ~ o . d u i a n l e a Veiao. lunio do pa~oda cara dt LUCi8.. O Anjou disse: 'Oeludowe

cada plantação de uma árvore, corresponde, ao nível arquetipal ou simbólico, a , ~ ~ ~ ~ , ~ i m ~ u m s a c , ~ ~ 8 m a ~ o d e e e p j n ~ ~ p e ~ o r p e c a d ~ 5 ~ ~ m ~ 9 ~

criação de um "homem novo", consubstanciado no mito de Prometeu E l a e o l ~ n ~ d o e d e s ú p l i w p e l ~ i a c o m i s a a d o s ~ ~ d o i ~ Ali% arrim sobre uvm~Pa,ia, upar € u s o u o A n j o d , omjodePaflupa1.

(remetemos para a referência feita no 3Qível do plano hermenêutico relativo a ~ , " ~ ~ ~ $ $ i ~ ~ ~ ~ , " ~ ~ i ~ ~ / f , 3 0 1 ~ ~ ~ , 4 ~ ~ ~ ~ P 9 ; conjuntura anterior). Este mito exprime a fé inabalável nas potencialidades e capacidades do homem contra a fé nos deuses. Para Gilbert Durand e Paul Diel, esta revolta (acto de "contra") do titã encarna o "arquétipo mítico da liberdade do espírito", mais precisamente, a liberdade do intelecto. Por outro lado, convém não esquecer que Prometeu, ao simbolizar o titã-intelecto dotado de qualidades filantrópicas (altruísmo e solidariedade), aparece, do ponto de vista mitanalítico, como a figura mitológica mais significativa e mais pertinente para simbolizar a vocação reformista (Reforma política, pedagógica. etc.) da República. Refira-se ainda e para fecharmos a caracterização do milenarismo republicano. que Prometeu é subsumido pelo regime diurno da imagem e, consequentemente, pelas estruturas esquizomorfas ou heróicas (idealização e recuo autístico. separaçãoldistinçáo, geometrismo, simetria, gigantismo e pensamento por antítese), que fazem do sol e das armas os seus símbolos mais representativoszM.

Em contraponto a esta manifesta recorrência prometeica, sob o regime arquetipal do Animus (imago masculina, patriarcal). julgamos plausível a interpretação da emergência histórica do Milagre de Fátima como o momento crucial da metamorfose do Mito de Ourique num messianismo mariano-cristão, subsumido pelo regime arquetipal da MulherIAnima (imago feminina, matriarcal, deusa-mãe, Vénus maternallgenitrix ), definida por Carl Jung como "um arquétipo natural que engloba satisfatoriamente todas as afirmações do inconsciente, da mente primitiva, da história da linguagem e da religiã~."~" e exemplarmente detectado por Michel Cazenave e Roland Auguet no seu ensaio mitanalítico sobre os Imperadores romanoszffi.

Trata-se de uma metamorfose ou derivação e não de uma permanência encoberta de Ourique, porque as aparições de Fátima apresentam. desde logo, uma narrativa própria. Segundo a versão oficialmente aceite "os factos e a Mensagem de Fátima" formam uma unidade perfeita de três momentos: as aparições, em 1916. do Anjo de PortugalZ6' (consagrado como Custódio do Reino no séc. XVI) a três crianças - Lúcia. Francisco e Jacinta, os pastorinhos de Fátima - e a 13 de Maio de 1917 ocorreu a primeira aparição, repetida

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Atonso Henriques. o mito fundador e a recoir@ncia m l i c a l Alberto Arafiio e Armando Malheiro

268 Ibidem. a 13 de Junho, 13 de Julho e 13 de Agosto. A 13 de Julho a Virgem contacta 28p ELIAOE,Mi rca. r nkdodode Hi516ti adas Reiioi.--Lirboa:EdiC6U

de novo as crianças. Prometeu-lhes o milagre no mês de Outubro e COYDO. 1977.8. 352.354 no Ibidem. p. 4%.

anunciou-lhes a COnVerSãO da Rússia e a COnSerVaÇãO do dogma da fé em nt SobiePoil~oil. I~I,N<U@O wproblema~cion~l Li$baa:hica. 197g)e Menwom (Iaedi@o. UIbaa: Ediloiiai Imp&io. 1934)so duas 'pqs'de

Portugal (aspecto fulcral que estabelece relação directa com a narrativa uma wria oba (de inddilor ... )que ieiieciem claiamntea priratigise a concrpiao mouianiro-milmaiirla, quinioimpeiial evieiiinadeFernando

primordial de Ourique). Finalmente, a 13 de Outubro de 1917 termina o ciclo PESSOAM~O. m 1 9 ~ . nas pagina do OiáriodeNoliciar. T~BS BERNAROINOI~ wriaode nolar na hirve rmniao S o b i e P o ~ I u ~ l ' (CL

das aparições, perante uma multidão estimada em 50.000 pessoas e é nesse Idem- OSeniimenIomlii6l imemP~il~oalI~onIrib0i@o~~dose~~11~d~1. Lisboa: 1983, p.49.51).

momento que a Virgem, dirigindo-se a Lúcia, ordena a construção de uma n2 veia-seo~iaarn~n~o dadoa heioicia@o de Sidbnio P a i i ~ l o r dbiicor

Capela, anuncia o fim da Grande Guerra de 1914-1918 e opera o milagre do e ~ ~ ~ ~ d 0 ~ c ~ . d u ~ a ~ e e a ~ ~ a r u a ~ x ~ r i i € n c i s ~ i ~ i d r n c i a l i s l s ~ 1 9 1 7 - 19181. noerlMo~mn1e h SILVA. Aimando 8. Malheiroda-0s Cal6licoie a 'ReMblira Novã 11917-1918): da 9ueilão rrligims. I milalagianarional. sol - o céu coberto de nuvens negras abre-se e aparece o sol, girando sobre I ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ . ~ ~ ~ ~ . ~ ~ ~ ~ ~ . n3 PESSOA. Femando - A Mem6ria do Prsi~--'.h%iSiü6nioP~. si mesmo três vezes, dando a impressão de cair na terra e tomando as cores Lirbai~EdiloiialImp~rio,1g40~apoematoipuhlicada,peisp,imeiiav~,in

do arco-iris. tudo isto durante quinze minutos2". nm Lirboa, II (4l.27deFeveieirode 1920). 2 i4 MEDINA. João- O Sebuilianirmo -examerrlico dum mito panuguer.

A análise da simbólica desta narrativa mítica, aqui resumida, revela duas in MEOINA Joao(dir1 -R1161id dePonugal, VOI. 6. ob. cii.. p. 368.

vias: uma é preenchida pelos símbolos recorrentes de Ourique (o Anjo, a ErmidalCapela, a conversão dos infiéislinimigos do dogma da Fé. da cidade de Deus ou a Jerusalém Celeste, a madeira da Cruz e a madeira da a~inheira'~~); a outra é marcada por símbolos novos (o Pastor ou guia das almas. o símbolo diurno do Sol ou princípio activo assimilado ao sexo masculino e ao espírito, o Céu, arquétipo do regime diurno e estruturas heróicas, o Treze e a Criança, arquétipo do regime nocturno e estruturas místicas). Em relação a estes últimos pode dizer-se que o Sol, o céu e o treze encontram-se sob o regime diurno e exprimem os conceitos de pureza, de clareza por oposição a mancha, A maculação, a sombra, e traduzem a função redentora da Virgem ou Sofia (o arquétipo MulherlAnima ). A Virgem divina segundo a mitologia geral cai na esfera da androginia divina, que "não é outra coisa senão uma formúla arcaica da bi-unidade divina. O pensamento mítico e religioso, antes mesmo de exprimir este conceito da bi-unidade divina em termos metafisicos (esse - non esse) ou teológicos (manifestado - não manifestado), começou por exprimi-lo em termos bioldgicos (bisex~alidade)"~'~; e, segundo a tradição mística, esteve integrada originariamente no homem primordial (o mito da Androginia humana). mas abandonou-o após a queda (mito adãmico) e não pode haver salvação sem o reencontro. Derradeira observação: foi sob a orientação deste simbolismo que a reacção católica e conservadora, de forma obviamente inconsciente, contrariou na medida do possível a recorrência prometeica veiculada pelo milenarismo republicano.

Entre as duas modalidades míticas focadas é possível situar o saudosismo de Teixeira de Pascoaes e o universalismo esotérico de Fernando Pessoa (reconhecidamente rosacruz e gnóstico), entendidos como manifestações poéticas que reactualizam, no séc. XX, a síntese messiãnico-milenarista presente no sebastianismo e na ideia do Quinto Império trabalhada. no séc. XVII, pelo P" António Vieira. O caso pessoano destaca-se por ter burilado essa síntese de forma lapidar2" e pelo contributo que aí é dado a heroicização de

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Sidónio Pais, o "Presidente-Rei". Enquanto no discurso mitologizador da Igreja Católica a figura de Sidónio, subsumida na matriz de Ourique-Fátima. se inscreveu na esfera providencialista dos emissários de Deus encarregues de executar a vontade divina272, na (ante)visão de Pessoa e, mais precisamente, no seu poema A Memória do Presidente-Rei Sidónio PaesZ", Sidónio é, segundo a leitura, a nosso ver correcta, de João Medina, "um precursor, um lampejo, um profeta, um sinal' do Encoberto, do Desejado. em suma, alguém que "durante a Noite da República, prometeu que o Encoberto viria, que afervorou nessa crença as almas desanimadas, um profeta e anunciador do Messias que havia de vi?, dentro de um plano quinto imperial que postula "Portugal como cabeça do mundo e um príncipe luso como imperador universal, (...) esperando a criaçáo duma "Nova Jerusalém" onde triunfasse "a verdadeira religião católica'274. Em ambos os casos, o processo de heroicizzição centrado em figuras humanas ou colectivas e abstractas (o Povo, a Mulher/Povo ou a MulherIRepública), historicamente salientes, não possui autonomia mitológica, porque esses heróis são personagens integradas em genuinas e universais narrativas simbólicas, quer se trate da de MessiasIOurique ou de MessiasIFátima, quer da de Prometeu ou da Idade do Ouro (o Milénio). Fica, assim, aberta uma pista de reflexão e debate sobre o estatuto mitico-simbólico do Herói no processo histórico portugu&s contemporâneo.

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Afonso Henriques. a mito fundador e a iecorrencia milica I Alberfo Araúio e Armando hlalheiro

5. Epílogo

O mero esboço de trajecto diacrónico feito em busca da recorrência rnítica, n5GOLE~.oanie l -b@;ig~~aemocion~ob.c i t .p3 ' -34 .

sem esquecer as naturais similitudes com outros países caldeados na mesma matriz civilizacional (a Espanha, a França, etc.), permitiu evidenciar, através do Zgnível da nossa proposta metodológico-hermenêutica, a vincada capacidade de apropriação e de reprodução imagética (subentenda-se ideiaslimagens sócio-culturais) por parte das diferentes racionalidades conjunturalmente dominantes (filosófico-política, ideológica, cultural, etc.).

A partir da sua vida em relação, geograficamente situada, os seres humanos constroiem imagens e discursos que alimentam a chamada memória histórica e social (o "superego" societal e o "ego" actancial de Gilbert Durand) e que têm merecido a atenção crescente dos historiadores das ideias políticas e da cultura e mentalidades, empenhados, cada vez mais, na análise das representações ou do imaginário. Trata-se, aqui, de uma concepção de imaginário desenvolvida do meio externo e envolvente para o "interior" do Homem e das suas principais faculdades psíquicas (inteligência, imaginação, motivação, etc.). E se é certa a correspondência observável entre esse tipo de imaginário e a realidade humana e social. não é menos óbvio o seu cariz unidimensional e, portanto, redutor. Com efeito, julgamos indispensável, enquanto imperativo de um desejável holismo epistemológico. a adopção do conceito operatório de imaginário bidimensional (implicado na atrás explanada "Tópica diagramática do social" ou "bacia semântica" de Gilbert Durand), capaz de estimular e facilitar a pesquisa da outra "face de Janus", ou seja, da dimensão simbólica subsumida no inconsciente arquetipal e colectivo, para cuja "demonstração" científica - frisámo-lo atrás -foram tão relevantes as achegas da Etologia de Konrad Lorenz e da Antropologia, como o são hoje, em termos do conhecimento experimental da interpenetração somática entre razão e emoção, as pesquisas em curso no campo da Neurobiologia e da Neurociência cognitiva.

O conceito de inconsciente colectivo, como vimos atrás, constitui um ponto fulcral do debate entre os historiadores das mentalidades e é, para nós, um postulado decisivo em todas e quaisquer démarches exploratórias da bidimensionalidade do imaginário. Se aceitarmos. pelo menos enquanto hipótese de trabalho profícua, a existência de um "fundo" arquetipal e simbólico universal e constante, genotípico ou biopsiquico (onde se insere o "cérebro emocional" de que fala Daniel G ~ l e m a n ~ ~ ~ ) , que interage e interfere nas "instâncias" da efabulação e da memória reguladas racionalmente, poderemos entender e usar esse outro conceito operatório essencial - a recorrência mítica.

Através do 3gnivel tentamos desocultar o elo entre a produção e a fixação (segundo os ditames da discursividade racional e da conveniência política prevalecente em cada conjuntura) da narrativa do Milagre de Ourique e a

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2' Congresso Histórico de Guimarães1 D. Afonso Henriques e a sua tpoca

energia simbólica que. em resposta a fortes estimulos vindos da consciência e do exterior ("ego actancial" e "superego societal"), animaram essa mesma narrativa mítica. Em termos simples, mas não simplistas, admitimos, pois, que há, na espécie humana, estruturas genotípicas ou biopsíquicas, integradoras do referido "fundo" simbólico. arquetipal e estrutural, onde deparamos com os regimes ou polaridades, as respectivas estruturas heróicas, sintéticas (ou dramáticas) e místicas (ou antifrásicas), além dos ditos reflexos dominantes, dos esquemas "verbais", dos arquétipos "atributos" e substantivos", etc., e sobre esta dimensão profunda do imaginário organizam-se, interactivamente, por exemplo, as estruturas de matriz ou sentido escatológico, que se articulam com qualquer programa (teoria, discurso, etc.) messiãnico, e ainda as estruturas cosmogónicas e antropogónicas. O milenarismo pressupõe a combinação das cosmogónicas e das escatológicas, enquanto a heroicização humana ou a idealizaçáo do "Homem novo" implicam uma "tendência" antropogónica. E tudo isto - nunca é demais sublinhá-lo -sob o efeito de múltiplas e fortes estimulaçdes do meio (o oikos de Edgar M ~ r i n ~ ' ~ ) . com as suas especificidades geo-políticas e sócio-culturais. que modelam e conferem alguma "visibilidade" a essa "tensáo" simbólica, isto é, deixam-lhe "fendas" por onde ela emerge e ressurge mais ou menos "viva", mais ou menos derivada, em "usura" ou empobrecida.

Da literatura (prosa e poesia) à arte, passando pela política, pela história, pela ciência moderna, etc., há um manancial incontrolável de "vestígios" do imaginário bidimensional que podem e devem ser recenseados. O que aqui ensaiamos, seguindo, em especial, a trajectória da recorrência da narrativa de Ourique (exacerbada nos séculos XV e XVI: em progressiva derivação a partir da fase restauracionista, "diluindo-se" na eleição de Nossa Senhora da Conceição em 1646 para Padroeira do Reino; agudizada na 1"etade do séc. XIX. ficando, depois, em "ocultação" até se transmutar na aparição mariana de Fátima, dotada de narrativa própria). da Idade do Ouro (incipiente nos assomos milenaristas da crise de 1383-85 e bem "presente". mas encoberta. do séc. XVI ao XVlll) e de Prometeu (ressurgente ao longo do "Século das Luzes" e na viragem do séc. XIX, sob o clímax do debate político, cultural e ideológico em torno da antinomia Decadência-Progresso), foi mostrar que esse imaginário, implicado no processo histórico da Nação portuguesa, encontra no mito a sua pedra-angular.

A par de uma multiplicidade de facetas, o ser humano, na expressão lapidar de Ernest Cassirer, é essencialmente um animal simbdlico e, por isso. é que o mito se revela, afinal, como o traço de união de todos os crentes e descrentes de todos os temoos! ...

n6 Pam ~ ~ B ~ e i i d l i i epidembi080 scibsildq~~stlo dariolaCdprenlir h#rediiaiie&de e meio Dode sei reforrnda& do sepuinle modo: 'Ogcn6lip6 opl~ im6niohwdi ldr io i1u~lon~i )e0erq~e~mindi~M~o iacDedor r e u r g r n i l ~ i ~ . OQ61@omirupandad~&~, dacIUdna(ã0, d inibi@ oudmdi#racÚo do5 I w hertdildiiosnum individuo em IuWo dar condi@ r ci~cunsldncis darua anlagenpu num dada ambimle. O Ien6100 looeponanlo "ma enIidddecmpIea, isulldnld darinIewderen11e a h c r e d i l d i i e ~ l g e n o r l e ~ m e i ~ ) I o i k ~ ~ I (Ci. MORIN. Edgar - O M~lodo. W I 2 - A *&&vida MemMsnins: PubliraCOes Euroga-h&riol.s.d.. p.