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22/8/2014 Vida de Carlos Magno (c. 817-829) | História Medieval - Prof. Dr. Ricardo da Costa http://www.ricardocosta.com/traducoes/textos/vida-de-carlos-magno-c-817-829 1/16 Selecione o idioma Pow ered by Tradutor Vida de Carlos Magno (c. 817-829) Einhard (770-840) Trad.: Luciano VIANNA (mailto:[email protected]) e Cassandra MOUTINHO (mailto:[email protected]) . Rev. e notas: Ricardo da COSTA (mailto:[email protected]) Base da tradução: Medieval Sourcebook: Einhard: The Life of Charlemagne (translated by Samuel Epes Turner, New York: Harper & Brothers, 1880) Prefácio Desde que me propus narrar tanto a vida pública e privada quanto os feitos de meu senhor e pai de criação, o mais recatado e recentemente purificado rei Carlos, condensei o mais breve possível os acontecimentos. Assim, fui cuidadoso em não omitir nenhum fato que chegasse ao meu conhecimento sem ser prolixo ou ofender as mentes que desprezam tudo o que é moderno, se é que é possível que alguém pudesse deixar de se ofender com um trabalhador novato que parece desprezar tanto as obras-primas da Antigüidade quanto os trabalhos dos escritores mais experientes e iluminados. Muitos deles, sem dúvida, são homens devotados a uma vida letrada e calma, e sentem que os casos da geração atual não devem ser ignorados; não consideram tudo o que é feito hoje indigno de ser mencionado e que merece estar acima do silêncio e do esquecimento. Apesar disso, são seduzidos pela luxúria da imortalidade, pois celebram os gloriosos feitos dos tempos de outrora com algum tipo de composição ao invés de privar a posteridade da menção de seus próprios nomes e não escrever nada. Seja como for, não vejo nenhuma razão para me abster de me inscrever em uma tarefa desse gênero, já que nenhum homem pode escrever melhor e mais precisamente que eu os eventos que aconteceram comigo e os fatos relativos a eles que tive conhecimento ou ainda, como diz o ditado, o que vi com meus próprios olhos. Assim, não tenho a intenção de averiguar se mais alguém tem conhecimento desse assunto ou não. Em qualquer evento eu preferiria comprometer a escrita da minha história e registrar para a posteridade uma parceria com outros autores do que perder e envolver na escuridão do esquecimento a vida mais gloriosa do rei mais excelente e mais maravilhoso de todos os príncipes de seu tempo e seus ilustres feitos, difíceis para homens de gerações futuras imitarem. Mas em minha opinião há outras razões, sem desculpas ou motivos insuficientes, que me incitaram a escrever sobre esse assunto: o cuidado que o rei Carlos outorgou a mim em minha infância e minha constante amizade a ele e a seus filhos depois que passei a ter minha moradia na corte. À sua maneira, ele me atraiu fortemente e me fez ser seu devedor na vida e na morte. Assim, lá estava eu, sem os cuidados dos benefícios conferidos a mim e mantendo silêncio a respeito dos mais gloriosos e ilustres feitos de um homem que exigiu tanto de minhas mãos e sofreu sua vida privando-se de elogios justos e de um memorial escrito como se nunca tivesse vivido. Merecidamente eu deveria parecer ingrato. Não obstante, considerando meus fracos e limitados poderes, próximos à irrealidade e não adaptados à escrita, farei seguir adiante uma Vida que irá ultrapassar a eloqüência de um Túlio. Assim submeto este livro. Ele contém a história de um grande e distinto homem. Contudo, não há nada aqui para enaltecê-lo além de seus feitos, exceto pelo fato que eu, um bárbaro muito pouco versado na língua romana, suponho ser capaz de escrever em um latim gracioso e respeitavelmente carregar minha presunção tão longe, desdenhando o sentimento que Cícero, citado no primeiro livro das Disputas dos Tusculões , expressou quando falou dos autores latinos. Suas palavras são: “- Um homem comete um abuso ultrajante a seus pensamentos no tempo e na literatura quando sua escrita não tem a habilidade de arranjá-los e esclarecê-los e não atrai leitores com charme ou estilo.” Esse ditado do famoso orador deveria ter me impedido de escrever se eu não tivesse a certeza que é melhor arriscar-me perante as opiniões do mundo e colocar em teste meus pequenos talentos para a composição do que me desocupar e desprezar a memória de um homem tão grandioso. A vida do Imperador Carlos 12 3 4

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Selecione o idioma Pow ered by Tradutor

Vida de Carlos Magno (c. 817-829)Einhard (770-840)

Trad.: Luciano VIANNA (mailto:[email protected]) e Cassandra MOUTINHO(mailto:[email protected]) .

Rev. e notas: Ricardo da COSTA (mailto:[email protected])

Base da tradução: Medieval Sourcebook: Einhard: The Life of Charlemagne(translated by Samuel Epes Turner, New York: Harper & Brothers, 1880)

Prefácio

Desde que me propus narrar tanto a vida pública e privada quanto os feitos de meu senhor e pai decriação, o mais recatado e recentemente purificado rei Carlos, condensei o mais breve possível osacontecimentos. Assim, fui cuidadoso em não omitir nenhum fato que chegasse ao meuconhecimento sem ser prolixo ou ofender as mentes que desprezam tudo o que é moderno, se é que épossível que alguém pudesse deixar de se ofender com um trabalhador novato que parece desprezartanto as obras-primas da Antigüidade quanto os trabalhos dos escritores mais experientes eiluminados.

Muitos deles, sem dúvida, são homens devotados a uma vida letrada e calma, e sentem que os casos dageração atual não devem ser ignorados; não consideram tudo o que é feito hoje indigno de sermencionado e que merece estar acima do silêncio e do esquecimento. Apesar disso, são seduzidos pelaluxúria da imortalidade, pois celebram os gloriosos feitos dos tempos de outrora com algum tipo decomposição ao invés de privar a posteridade da menção de seus próprios nomes e não escrever nada.

Seja como for, não vejo nenhuma razão para me abster de me inscrever em uma tarefa desse gênero, jáque nenhum homem pode escrever melhor e mais precisamente que eu os eventos que aconteceramcomigo e os fatos relativos a eles que tive conhecimento ou ainda, como diz o ditado, o que vi commeus próprios olhos.

Assim, não tenho a intenção de averiguar se mais alguém tem conhecimento desse assunto ou não.Em qualquer evento eu preferiria comprometer a escrita da minha história e registrar para aposteridade uma parceria com outros autores do que perder e envolver na escuridão do esquecimentoa vida mais gloriosa do rei mais excelente e mais maravilhoso de todos os príncipes de seu tempo eseus ilustres feitos, difíceis para homens de gerações futuras imitarem.

Mas em minha opinião há outras razões, sem desculpas ou motivos insuficientes, que me incitaram aescrever sobre esse assunto: o cuidado que o rei Carlos outorgou a mim em minha infância e minhaconstante amizade a ele e a seus filhos depois que passei a ter minha moradia na corte. À sua maneira,ele me atraiu fortemente e me fez ser seu devedor na vida e na morte.

Assim, lá estava eu, sem os cuidados dos benefícios conferidos a mim e mantendo silêncio a respeitodos mais gloriosos e ilustres feitos de um homem que exigiu tanto de minhas mãos e sofreu sua vidaprivando-se de elogios justos e de um memorial escrito como se nunca tivesse vivido. Merecidamenteeu deveria parecer ingrato. Não obstante, considerando meus fracos e limitados poderes, próximos àirrealidade e não adaptados à escrita, farei seguir adiante uma Vida que irá ultrapassar a eloqüência deum Túlio.

Assim submeto este livro. Ele contém a história de um grande e distinto homem. Contudo, não hánada aqui para enaltecê-lo além de seus feitos, exceto pelo fato que eu, um bárbaro muito poucoversado na língua romana, suponho ser capaz de escrever em um latim gracioso e respeitavelmentecarregar minha presunção tão longe, desdenhando o sentimento que Cícero, citado no primeiro livrodas Disputas dos Tusculões , expressou quando falou dos autores latinos.

Suas palavras são: “- Um homem comete um abuso ultrajante a seus pensamentos no tempo e naliteratura quando sua escrita não tem a habilidade de arranjá-los e esclarecê-los e não atrai leitorescom charme ou estilo.” Esse ditado do famoso orador deveria ter me impedido de escrever se eu nãotivesse a certeza que é melhor arriscar-me perante as opiniões do mundo e colocar em teste meuspequenos talentos para a composição do que me desocupar e desprezar a memória de um homem tãograndioso.

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I. A família merovíngia

Diz-se que a família merovíngia, de onde os francos costumavam escolher seus reis, durou até ostempos de Childerico , o mesmo que foi destituído, tosquiado e impelido para um mosteiro porordem do pontífice Estevão.

Porém, as aparições externas já haviam acabado com ele, pois há muito tempo ele estava sem sua forçavital. Isso era visível somente através de seu comportamento e de seu epíteto real vazio, pois o poderreal e a autoridade no reino se encontravam nas mãos de um oficial chefe da cortechamado majordomus; ele era o responsável pelos contatos. Não havia nada mais para o rei fazer anão ser se contentar com seu título de rei, com seus cabelos cacheados e sua longa barba e sentar-seno seu trono e atuar como soberano, ouvir os embaixadores que vinham de todos os cantos edispensá-los, como se isso fosse de sua própria responsabilidade, com palavras que eram, de fato,sugeridas ou até mesmo impostas a ele.

Ele não tinha nada que pudesse declarar como próprio a não ser seu vaidoso título de rei e o precárioe discreto apoio permitido pelo majordomus, além de um simples trono no país que trouxe a ele umpequeno rendimento. Ali havia uma casa e um pequeno número de serventes anexos a ela, suficientespara exercer os trabalhos necessários. Quando tinha de ir ao exterior, usava uma carroça de carga,dirigida por bois, de estilo rústico e conduzida por um lavrador. Dessa forma, ele viajava para o casteloe para a assembléia do povo que se reunia uma vez por ano para o bem-estar do reino, e depoisretornava para sua casa. O majordomus ficou encarregado do governo e de tudo que tinha que serplanejado ou executado em seu país ou fora.

II. Os ancestrais de Carlos Magno

No tempo da destituição de Childerico , Pepino, pai de Carlos , outorgou essa funçãoao majordomus pelo direito de hereditariedade; o pai de Pepino, Carlos , recebeu a mesma função dasmãos de seu pai, Pepino, e exerceu-a com distinção. Foi esse Carlos quem acabou com os tiranos quereivindicavam governar toda a terra dos francos como se fosse deles, e repeliu totalmente ossarracenos quando estes tentaram conquistar a Gália em duas grandes batalhas – uma na Aquitânia,próxima à cidade de Poitiers , outra no rio Berre, próximo a Narbona – obrigando-os a retornar àEspanha. Essa honra era geralmente conferida a homens excelentes, por nascimentos ilustres e amplariqueza.

Durante alguns anos, aparentemente abaixo do rei Childerico, pai do rei Carlos, Pepino dividiuamigavelmente com seu irmão Carlomano os deveres herdados de seu pai e de seu avô. Mais tarde,porém, por razões desconhecidas, renunciou às pesadas tribulações de uma merecida coroa e seretirou para Roma. Ali, ele trocou sua vestimenta secular por uma batina e construiu um mosteiroem Oreste, próximo à igreja de São Silvestre, onde aproveitou por muitos anos a reclusão que desejavana companhia de outros que tinham o mesmo objetivo.

Contudo, tantos francos distintos fizeram peregrinação a Roma para cumprir os respeitos devidos aele como seu antigo senhor que o repouso que ele tanto amava foi quebrado por essas freqüentesvisitas, já que ele tinha se dirigido para ficar sem moradia fixa. Assim, quando percebeu que seusplanos estavam frustrados por causa de seus inúmeros visitantes, ele abandonou a montanha eretirou-se para o mosteiro de São Bento, no monte Cassino, na província de Samnium , e passou oresto de sua vida lá no exercício da religião.

III. A ascensão de Carlos Magno

Todavia, Pepino foi educado pela ordem religiosa do pontífice romano, por ordem do majordomus,para ser rei, e governou os francos sozinho por quinze anos ou mais. Ele morreu de hidropisia , emParis, ao fim da guerra da Aquitânia, travada durante nove anos sucessivos contra Guilherme, duqueda Aquitânia, e deixou a sucessão a seus dois filhos, Carlos e Carlomano, pelos cuidados e pela graça deDeus.

Em uma assembléia geral do povo, os francos nomearam os dois reis com a condição que dividissemigualmente todo o reino entre eles ; Carlos assumiria e governaria a parte pertencente a seu pai,Pepino, e Carlomano a parte que seu tio Carlomano governou.

As condições foram aceitas e cada um tomou posse da parte do reino que lhe cabia, mas a paz só foimantida entre eles com grande dificuldade, pois aconteceram conspirações que os envolveram emuma guerra.

Porém, desses eventos, o que mostrou um perigo mais imaginário que real foi que, com a morte deCarlomano, sua viúva Gerberga fugiu sem razão com seus filhos e principais agregados para a Itália,apesar de seu cunhado ter colocado ela e seus filhos sob a proteção de Desidério, rei dos lombardos.

Carlomano sucumbiu à doença após dois anos de governo – na verdade foram mais de três –

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juntamente com seu irmão, e com sua morte, Carlos foi unanimemente eleito rei dos francos.

IV. Plano de trabalho

Seria loucura escrever uma palavra sobre o nascimento, a infância de Carlos ou mesmo de suaadolescência, pois nada foi escrito sobre esses assuntos e não existe ninguém vivo hoje para fornecerinformações sobre isso. Assim, como são fatos desconhecidos, decidi passar por isso e tratar de seucaráter, de sua ação e de outros fatos de sua vida valiosos de serem contados e passados adiante. Dareiimportância às suas ações em seu país natal e no exterior. A seguir, tratarei de seu caráter e de suasatividades, e finalmente de sua administração e morte, sem omitir nada que valha a pena ou sejanecessário saber.

V. A guerra na Aquitânia

Seu primeiro trabalho militar foi a guerra da Aquitânia, iniciada por seu pai mas não concluída. Ecomo ele pensou que poderia facilmente levá-la adiante, assumiu-a enquanto seu irmão ainda estavavivo, contando com ele para socorrê-lo. Uma vez iniciada a campanha, ele conduziu-a com grandevigor, apesar de seu irmão ter se recusado a dar a assistência prometida. Não desistiu ou diminuiu otrabalho imposto a si mesmo. Com paciência e firmeza, chegou totalmente a seus objetivos: forçouKunold , que havia tentado assumir a Aquitânia após a morte de Waifre , e renovou a guerra depoisde quase concluída, abandonando a Aquitânia e fugindo para a Gasconha.

Mesmo ali, ele não teve outra opção senão atravessar o rio Garonne, construir o castelo de Fronsac emandar embaixadores a Lobo, duque da Gasconha, para forçar a perseguição ao fugitivo e ameaçarpegá-lo à força, a menos que ele se rendesse prontamente. Então Lobo escolheu o caminho maissábio e não só entregou Kunold mas também se submeteu ao rei, juntamente com a província quegovernava.

VI. A guerra lombarda

Após trazer o fim a essa guerra e resolver assuntos na Aquitânia, pois seu parceiro na autoridade haviapassado dessa vida, ele foi induzido pelos intercessores de Adriano, bispo da cidade de Roma , aprosseguir na guerra com os lombardos. Antes dele, seu pai incumbiu-se dessa tarefa, a pedido dopapa Estevão , porém, certos líderes francos se opuseram tão veementemente ao seu projeto dedeclarar guerra abertamente, que disseram que deixariam o rei e iriam para casa. Não obstante, aguerra contra Astolfo, rei da Lombardia, foi assumida e muito rapidamente concluída.

Carlos parece ter tido as mesmas bases que seu pai teve para declarar guerra, a mesma guerra, porémdistinta da precedente, tanto em suas dificuldades quanto em sua conclusão. Pepino, para ser exato,após assediar alguns dias em Pavia o rei Astolfo, obrigou-o a entregar reféns para restaurar as cidadesromanas de tudo o que haviam perdido; obrigou-o também a prestar um juramento que não iriatentar prendê-los novamente. Mas Carlos não cedeu: após declarar guerra e fustigar o rei Desidériocom um longo cerco , forçando-o a se entregar discretamente, coagido seu filho Adalgiso, a últimaesperança dos lombardos, não só de seu reino mas de toda a Itália , restaurou aos romanos tudo o quehaviam perdido; dominou Hruodgaus, duque de Friuli , que tramava uma revolta. Por fim, subjugoutoda a Itália ao seu poder e colocou seu filho Pepino como rei.

A essa altura, eu deveria descrever a difícil passagem de Carlos para a Itália sobre os Alpes e a opressãoque os francos suportaram, escalando cumes de montanhas sem trilhas, altíssimos penhascos eásperos picos, se não fosse meu propósito nesse trabalho recordar seu modo de vida em detrimentodos incidentes da guerra que manteve. Satisfaz dizer que essa guerra terminou com a sujeição da Itáliae o banimento do rei Desidério, além da expulsão de seu filho Adalgiso da Itália e a restauração dasconquistas dos reis lombardos a Adriano, mentor da Igreja romana.

VII. A guerra na Saxônia

Ao fim dessa agonia, a guerra da Saxônia, que pareceu ter sido somente deixada de lado pelo tempo,foi novamente iniciada. Nenhuma guerra empreendida pela nação franca foi levada adiante comtanta persistência e pungência, ou custou tanto trabalho, pois como quase todas as tribos daGermânia, os saxões eram um povo selvagem, devoto à adoração de diabos e hostil à nossa religião, enão consideravam uma desonra transgredir e violar toda a lei, humana e divina. Então houve algumascircunstâncias peculiares que causaram diariamente uma brecha na paz. Exceto em alguns lugares,onde largas florestas ou cumeadas montanhas intervinham e faziam certas fronteiras, a linha entrenós e os saxões passa quase em toda a sua extensão por um campo aberto; assim não havia fim para osassassinatos, roubos e incêndios causados pelos dois lados.

Dessa forma, os francos tornaram-se tão amargurados que finalmente resolveram não fazer maisrepresálias e chegaram a uma guerra declarada contra os saxões. Assim, a guerra começou e ela foitravada com uma grande fúria por trinta e três anos sucessivos, embora com mais desvantagem paraos saxões que para os francos. Essa guerra poderia ter sido finalizada mais cedo, caso não houvesse

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falta de fé por parte dos saxões. É difícil dizer quão freqüentemente eles foram conquistados ehumildemente submetidos ao rei, prometendo fazer o que lhes era imposto sem hesitação; seus refénsforam requisitados e entregues, e eles receberam os oficiais enviados pelo rei.

Algumas vezes eles se encontravam tão enfraquecidos e diminuídos que prometiam renunciar àadoração dos diabos e adotar o cristianismo, mas estavam mais preparados para violar esses termos doque aceitá-los prontamente. Assim, é impossível dizer o que se tornou mais fácil para eles fazerem;mal passou um ano desde o começo da guerra sem que tais mudanças acontecessem de sua parte. Noentanto, firme tanto nos bons quanto nos maus momentos, o rei não sofreu em seu grande propósitoe estabilidade quando era incomodado por alguma revolta da parte deles, ou por ser levado a desistirda tarefa que tinha assumido. Pelo contrário, nunca deixou de punir a falta de fé dos saxões, mastambém assumiu pessoalmente o combate contra eles ou enviou seu conde com um exército parafazer vingança e a obter a satisfação da justiça.

Enfim, após conquistar e subjugar todos os que resistiam, ele assumiu dez mil dos que viveram nasmargens do Elba e os preparou, com suas esposas e filhos, em muitas e diferentes corporações, aqui elá na Gália e Germânia. A guerra que durou tantos anos foi finalmente finalizada quando elesconcordaram com os termos oferecidos pelo rei: a renúncia de sua religião oficial e da adoração dosdemônios, a aceitação dos sacramentos do cristianismo, de sua fé e religião, e a união com os francospara formar um único povo.

VIII. A guerra na Saxônia (continuação)

O próprio Carlos lutou apenas duas batalhas nessa guerra, mas que foram bem longas: uma no MonteOsning , em um lugar chamado Detmold, e outra às margens do rio Hase, as duas num espaço depouco mais de um mês. O inimigo foi tão derrotado e aniquilado nessas duas batalhas que nunca maisse aventurou a assumir uma resistência aos ataques do rei, a menos que estivesse protegido por umaposição forte. Muitos dos francos e a nobreza saxônica, homens que ocupavam os mais altos postos dehonra, pereceram nessa guerra, que só chegou ao fim após o espaço de tempo de trinta e dois anos.

Tantas e tão dolorosas foram as guerras declaradas contra os francos nesse meio-tempo e habilmenteconduzidas pelo rei que uma pergunta razoável pode ser feita: o que é mais admirável, seu heroísmoou seu bom destino? A guerra contra os saxões começou dois anos antes que a guerra italiana , masprosseguiu sem interrupção; em outros lugares, as negociações não foram negligenciadas, tampoucohouve diminuição de outras batalhas, igualmente árduas. O rei, que sobrepujou todos os príncipes deseu tempo em inteligência e grandiosidade da alma, não sofreu dificuldade que o detivesse ou nadaque tivesse assumido sem levar adiante, pois fora treinado para sofrer e agüentar tudo sem render-seàs adversidades ou confiar nos ludibriadores e abundantes auxílios do destino.

IX. A expedição na Espanha

No meio desta vigorosa e quase ininterrupta batalha contra os saxões, ele cobriu a fronteira comguarnições nos pontos apropriados e marchou sobre os Pireneus na Espanha liderando todas as forçasque pôde juntar. Ele não sofreu uma derrota sequer, mas em seu retorno dos Pireneus teve motivospara lamentar a traição dos gascões. Todas as cidades e castelos que ele atacou se renderam. Aquelaregião estava bem adaptada a emboscadas por causa das abundantes florestas que a cobriam, eenquanto o exército avançava na longa linha de marcha necessária à estreiteza da estrada, os gascõesorganizaram uma emboscada no topo de uma montanha muito alta e atacaram a retaguarda daexpedição, pressionando-os até o fundo de um vale. Na batalha que se seguiu, eles os deceparampara homenagear um homem, saquearam a bagagem e se dispersaram com toda a velocidade paravárias direções, sob a proteção da noite que se aproximava. Nessa ocasião, os gascões foram apoiadospela luminosidade de suas armaduras e pela natureza do solo da batalha, em um bom local, enquantoos francos lutavam com toda a desvantagem.

X. A submissão dos bretões e dos beneventos

Carlos também subjugou os bretões , que viviam na costa do mar, no extremo oeste da Gália. Quandoeles se recusaram a obedecê-lo, ele mandou um exército e obrigou-os a entregar reféns e cumprir suasordens. Depois, ele entrou pessoalmente na Itália com seu exército e passou por Roma até Cápua,uma cidade na Campânia, onde acampou e ameaçou os beneventos com hostilidades, caso não sesubmetessem a ele. Seu duque, Aragis , escapou do perigo, mandando seus dois filhos, Romualdo eGrimoaldo, encontrar o rei com uma boa quantia de dinheiro, e implorar-lhe a aceitá-los comoreféns, além de prometer para ele e para seu povo obediência a todas as ordens do rei, com a simplescondição que sua própria presença não fosse requerida.

O rei levou a oferta do povo em consideração mais que a teimosa disposição do duque, aceitou osreféns e livrou-os da obrigação de aparecerem diante dele, em consideração a seu belo presente. Elereteve como refém somente o filho mais novo, mandando o mais velho de volta a seu pai. Retornou àRoma e deixou representantes com Aragis para que administrassem os beneventos e exigissem o

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juramento de lealdade. Ele ficou em Roma vários dias por causa do costume da devoção aos lugaressantos, e depois voltou para a Gália.

XI. Tassilo e a campanha na Bavária

Nesse momento, repentinamente começou a guerra da Bavária, que teve um rápido fim devido àarrogância e tolice do duque Tassilo. Sua esposa , filha do rei Desidério, estava desejosa de vingar apunição de seu pai através da ação de seu marido. Assim, induziu-o a fazer uma negociação com oshunos, vizinhos dos bávaros do leste, para que não só deixassem de cumprir as ordens do rei, mas quetambém o desafiasse para uma guerra. O magnânimo espírito não podia suportar a insubordinação deTassilo, pois lhe parecia transpor todos os limites. Assim, ele rapidamente convocou suas tropas parauma campanha contra a Bavária e compareceu pessoalmente com um grande exército no rio quedelimita a fronteira entre os bávaros e os alemães.

Após armar um acampamento na margem, ele determinou que antes de adentrar a província fossetestada a disposição dos duques através de uma embaixada. Tassilo pensou que não seria bom nempara si nem para seu próprio povo persistir. Então se rendeu ao rei, entregou os reféns exigidos e,junto com eles, seu próprio filho , prometendo com um juramento que não daria ouvidos a ninguémque o induzisse a se revoltar contra a sua submissão. Assim, essa guerra que parecia ser amarga acaboumuito rapidamente. Porém, Tassilo foi mais tarde convocado à presença do rei e não pôde maispartir. O governo da província que ele comandava não ficou mais incumbido a um duque, mas acondes.

XII. A guerra eslava

Assim, após esses levantes reprimidos, foi declarada guerra contra os eslavos, normalmenteconhecidos entre nós como wilzis , mas que em sua própria língua são chamados welabitanos.Dentre as tribos que seguiram a bandeira do rei à sua convocação, os saxões serviram nessa campanhacomo auxiliares, mas sua obediência era desprovida de sinceridade e devoção. Essa guerra foideclarada porque os eslavos provocavam os abodriti, antigos aliados dos francos, com contínuasinvasões, apesar de todas as ordens contrárias.

Há um golfo de largura desconhecida, mas não mais que cem milhas de comprimento e limitado emmuitas partes, se estende até o leste do Oceano do Norte. Muitas tribos têm colônias na costa; osdaneses e os suecos, a quem chamamos de “homens do norte”, na costa do extremo norte, e em todasas ilhas adjacentes; o extremo sul é habitado pelos eslavos e pelos aïsti , além de muitas outras tribos.Os welabitanos, contra quem o rei agora declarou guerra, eram os chefes desses. Mas numa simplescampanha conduzida por ele próprio, ele os derrotou e os subjugou de tal maneira que eles nãoacharam apropriado mais tarde recusar obediência a seu comando.

XIII. A guerra contra os hunos

Seguiu-se a guerra contra os avaros ou hunos e, exceto a guerra dos saxões, esta foi a maior guerraque ele travou, guiando-a com mais vigor que qualquer outra de suas guerras e fazendo os maiorespreparativos para ela. Ele próprio conduziu uma campanha na Panônia, posse dos hunos. Eleconfiou todas as operações subseqüentes a seu filho Pepino e aos governadores das províncias, alémde condes e tenentes. Apesar de terem dirigido a guerra com mais vigor, ela só terminou após seteanos. O total despovoamento da Panônia e o trono do palácio do rei Khan , agora deserto, ondenenhum vestígio de população é visível, testemunha quantas guerras foram travadas naqueles anos equanto sangue foi derramado. Todo o corpo da nobreza huna pereceu nesse combate e toda a suaglória com ele. Todo o dinheiro e tesouro que tinham sido acumulados foi tomado e nenhuma guerraque os francos travaram que esteja ao alcance da lembrança do homem trouxe tais riquezas e espólios.

Naqueles tempos, os hunos tinham passado por um povo pobre, mas tanto ouro e prata foramencontrados no palácio de Khan e tanta pilhagem valiosa foi tomada na batalha que alguém poderiapensar que os francos tomaram dos hunos justamente o que antes eles injustamente tomaram deoutras nações. Somente dois dos chefes francos morreram nessa guerra: Eric, duque de Friuli, mortoem Tarsata , uma cidade na costa da Libúrnia, pela trincheira dos habitantes, e Geraldo, governadorda Bavária, que viu sua morte na Panônia , com dois homens que o estavam acompanhando. Ele foimorto por uma mão desconhecida enquanto preparava suas forças para a batalha contra os hunos ecavalgava para cima e para baixo na fronteira para encorajar seus homens. De qualquer forma, estaguerra foi quase uma guerra sem sangue para os moldes dos francos, mas terminou maissatisfatoriamente por razão da sua magnitude, pois foi longamente estendida.

XIV. A guerra na Dinamarca

A guerra da Saxônia terminou quase tão bem sucedida quanto a batalha foi longa. As guerras daBoêmia e da Livônia , que logo eclodiram, não podiam durar muito: foram rapidamente levadasadiante pela liderança do Carlos mais jovem. A última dessas guerras foi declarada contra os homensdo norte, chamados de dinamarqueses. Eles começaram sua carreira como piratas, mas com suas

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grandes frotas depois levaram à ruína a costa da Gália e da Germânia.

Seu rei, Godofredo, estava tão cheio de aspirações que contava conquistar impérios por toda aGermânia, e cuidou da Saxônia e Frísia como se fossem suas províncias. Ele já tinha subjugado seusvizinhos, os abodrítios, fazendo-os pagarem impostos e se vangloriado que eles iriam logo aparecercom um exército perante Aix-la-Chapelle, onde o rei mantinha sua corte. Alguma fé foi colocada emsuas palavras, pois soavam sem fundamento, e se supõe que ele teria tentado isso de alguma formacaso não tivesse sido pego desprevenido por uma morte prematura. Ele foi assassinado por um de seushomens , e terminou sua vida e a guerra que tinha começado.

XV. Extensão das conquistas de Carlos Magno

Essas foram as guerras tão habilmente planejadas e lutadas com sucesso que esse poderoso rei travoudurante seus quarenta e sete anos de reinado. Ele ampliou tão largamente o reino franco, aliás jágrande e forte quando o recebeu das mãos de seu pai, que adicionou mais que o dobro de seu territórioanterior. A autoridade dos francos foi anteriormente delimitada à parte da Gália incluída entre osrios Reno e Loire, o Oceano e o mar Báltico, além da Germânia, habitada pelos então chamadosfrancos do leste, e ligada pela Saxônia e pelo Danúbio, pelo Reno e pelo Saale – esse extremo separa osturíngios dos sorabianos – e ao país dos alemães e dos bávaros. Pelas guerras acima mencionadas, elefez com que pagassem impostos a Aquitânia, a Gasconha e toda a região dos Pireneus até o rio Ebro,que nasce na terra dos navarros, flui pelos terrenos mais férteis da Espanha e deságua no mar Báltico,abaixo dos muros da cidade de Tortosa.

Ele quase reduziu e cobrou impostos de toda a Itália, de Aosta à Baixa Calábria, onde a fronteira deligação passa entre os beneventos e os gregos, um território maior que mil milhas; depois a Saxônia,que constituía boa parte da Germânia e é avaliada como duas vezes mais comprida que o país habitadopelos francos, e quase igual em largura; no mais, as duas Panônias, a Dácia, além do Danúbio, e aÍstria, a Libúrnia, e a Dalmácia, exceto as cidades na costa, as quais ele deixou para o império grego,pelo bem da amizade e por causa do tratado que fez com eles. Bem, Carlos derrotou e cobrou impostosde todas as tribos selvagens e bárbaras, duelando na Germânia, entre o Reno e o Vístula, o Oceano e oDanúbio, contra todos que falavam bem a mesma língua, mas diferiam largamente em costumes evestimentas. Os chefes entre eles são os welabitanos, os suábios, os asbodritinos e os boêmios, e eleteve que fazer guerra contra eles, mas o resto, em número bem maior, foi subjugado por seus própriosacordos.

XVI. Relações exteriores

Ele aumentou a glória do seu reino ganhando a boa vontade de muitos reis e nações. Certamente foitão próxima a aliança do contrato com Afonso, rei da Galícia e das Astúrias que, mais tarde, quandomandava cartas ou embaixadores a Carlos, invariavelmente preparava pessoalmente seus homens. Suagenerosidade também conquistou os reis da Escócia, já que eles tinham consideração aos seus desejos,pois nunca lhe deram outro título a não ser o de lorde e a eles mesmos de subalternos ou escravos:existem cartas deles nas quais esses sentimentos a seu respeito são expressos.

Suas relações com Aaron , rei dos persas que governou por quase todo o Oriente, exceto a Índia,eram tão amigáveis que esse príncipe preferia mais seu auxílio que todos os reis e soberanos da Terra,e considerava uma dívida para ele os sinais de honra e munificência. Assim, quando os embaixadoresmandados por Carlos para visitar o mais sagrado Sepulcro e lugar de ressurreição de Nosso Senhor eSalvador se apresentaram com presentes e fizeram conhecidos os desejos de seu mestre, ele não sóconcedeu o que lhe pediam como deu posse daquele lugar abençoado e santo. Quando retornaram,ele despachou seus embaixadores com eles e mandou magníficos presentes, além de coisas, perfumes eoutros produtos ricos das terras do Oriente. Alguns anos depois, Carlos pediu a ele um elefante, e foienviado o único que tinha.

Os imperadores de Constantinopla, Nicéforo , Miguel e Leão fizeram adiantamentos a Carlos epediram sua amizade e aliança, afirmando que ele não poderia ter motivo para ofensa. Na verdade, opoder dos francos foi sempre visto pelos gregos e romanos com olhos invejosos, de onde vem oprovérbio grego “tenha os francos por amigos, mas não por vizinhos.”

XVII. Trabalhos gerais

Este rei que se mostrou tão grandioso em aumentar seu império e subjugar nações, e que estava tãoconstantemente ocupado com planos para essa finalidade, tomou também para si muitos trabalhospara adornar e beneficiar seu reino, concluindo muitos deles. Entre esses, os mais dignos de mençãosão a basílica da Santa Mãe de Deus, em Aix-la-Chapelle, construída da maneira mais admirável, euma ponte de meia milha de comprimento sobre o rio Mogúncia, da largura do rio, a essa altura. Essaponte foi destruída pelo fogo um ano antes da morte de Carlos, mas devido à sua morte tão breve,ela não pôde ser reparada depois, embora ele tenha planejado reconstruí-la em pedra. Ele iniciou doispalácios de belo artefato – um próximo à sua mansão chamado Ingelheim, não distante de

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Mogúncia , outro em Nijmegen, na correnteza Waal, que banha o lado sul da ilha dos batavianos.Mas acima de tudo, os edifícios sagrados foram objeto de seu cuidado durante todo o seu reinado, esempre que os encontrava em ruína pelo tempo ordenava aos padres e sacerdotes que tinhamresponsabilidade por eles que o reformassem, assegurando, através de representantes, que suasinstruções fossem obedecidas.

Ele também preparou uma frota para a guerra contra os homens do norte; os navios necessários paraeste propósito foram construídos no rio que flui da Gália e da Germânia até o oceano do extremonorte. Além disso, como os homens do norte estavam invadindo e devastando as costas da Gália e daGermânia, ele ordenou que uma vigilância assídua fosse mantida em todos os refúgios, e que nasbocas dos rios ela fosse grande o suficiente para permitir a entrada de navios e impedir que o inimigoembarcasse. No sul, na Narbonense e na Septimânia, junto a toda a costa da Itália e em Roma, eletomou as mesmas precauções contra os bárbaros, que tinham recentemente iniciado suas práticas depirataria. Por conseguinte, em seu tempo, a Itália não sofreu grandes danos nas mãos dos bárbaroshomens do norte, nem a Gália e a Germânia, embora os bárbaros tenham tomado posse de CivitaVecchia, cidade dos etruscos por traição, saqueando-a, e os homens do norte tenham saqueadoalgumas das ilhas na Frísia, na costa germânica.

XVIII. Vida privada

Assim, Carlos defendeu, expandiu e embelezou seu reino, como é sabido; e aqui deixe expressar minhaadmiração por suas grandes qualidades e sua extraordinária constância, tanto no bom quanto no maucaminho. Agora vou proceder a detalhar sua vida privada e familiar.

Após a morte de seu pai, enquanto dividia o reino com seu irmão, ele suportou sua inimizade e ciúmeo mais pacientemente possível, e, para maior maravilha, não podia ser provocado a se irar contra ele.Mais tarde, por insistência de sua mãe, ele se casou com a filha de Desidério, rei dos lombardos, mas arepudiou ao final de um ano por motivo desconhecido, e casou-se com Hidelgarda, uma mulher debom berço, originária da Suábia. Ele teve três filhos dela – Carlos, Pepino e Luís – e também muitasfilhas – Huodruda, Berta e Gisela. Ele teve outras três filhas além dessas – Teoderata, Hiltrude, eRuodaida – duas de sua terceira esposa, Fastrada, mulher da região leste dos francos , e a terceira deuma concubina, cujo nome no momento me escapa.

Com a morte de Fastrada , ele se casou com Liutgarda, uma mulher alemã que não lhe deu filhos.Após sua morte , ele teve três concubinas – Gersuinda, mulher da Saxônia com quem teveAldaltrudes; Regina, que foi a mãe de Drogo e Hugo, e Estelinda, de quem ele teve Teodorico. A mãede Carlos, Bertrada, passou honradamente sua velhice com ele, que tinha a maior veneração por ela.Nunca houve nenhum desentendimento entre eles, exceto quando ele se divorciou da filha deDesidério, com quem se casou para agradá-la. Ela morreu logo após Hidelgarda, e após ter vivido osuficiente para ver três netos e também muitas netas na casa de seu filho. Ele a enterrou com grandepompa na Basílica de Saint-Denis, onde descansava seu pai. Ele tinha uma única irmã, Gisela, quemhavia se consagrado à vida religiosa desde a infância, e ele mantinha por ela tanta afeição quanto porsua mãe. Ela também morreu poucos anos antes dele, no convento onde passou sua vida.

XIX. Carlos e a educação de seus filhos

O plano que ele adotou para a educação de seus filhos foi primeiramente para que ambos, meninos emeninas, fossem instruídos nas artes liberais , para as quais ele também voltou sua atenção. Assimque suas idades permitiam, conforme os costumes dos francos, os meninos tinham que aprender acavalaria, praticar a guerra e a caça, e as meninas deveriam se familiarizar com a fabricação de roupas,a roca de fiar e o carretel, para que não crescessem indolentes pela preguiça. Ademais, ele encorajavanelas todos os sentimentos virtuosos. Ele somente perdeu três de seus filhos antes de sua morte, doisfilhos e uma filha, Carlos, o mais velho, Pepino, quem tinha feito rei da Itália, e Huodruda, sua filhamais velha, quem dera em casamento a Constantino , imperador dos gregos. Pepino deixou um filho,chamado Bernardo, e cinco filhas, Adelaide, Atula, Guntrada, Bertraide e Teoderada. O rei deu umanotável prova de sua afeição paterna no momento da morte de Pepino : indicou o neto para asucessão de Pepino e elevou as netas ao mesmo patamar das filhas. Quando sua filha e seus filhosmorreram, ele não ficou tão calmo quanto era o esperado por sua notável força de espírito, pois suaafeição era forte, e isso o levou às lágrimas.

Novamente, quando foi informado da morte de Adriano , pontífice romano que amava mais quetodos os seus amigos, ele lamentou tanto como se tivesse perdido um irmão ou um filho muitoquerido. Por natureza, ele era o mais preparado para ter amizades, não apenas para fazer amigosfacilmente, pois se unia a eles persistentemente, protegendo mais carinhosamente aqueles com quemtinha formado tais laços. Ele era tão cuidadoso na educação de seus filhos e filhas que nunca tinhasuas refeições sem eles quando estava em casa, e nunca fez uma viagem sem eles; seus filhoscavalgavam a seu lado e suas filhas o seguiam, enquanto um bom número dos de sua escolta, formadospara sua proteção, vinham na retaguarda. É estranho dizer, mas, embora elas fossem mulheres muito

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belas e ele as amasse muito carinhosamente, ele nunca se dispôs a casá-las com qualquer estrangeiroou homem de sua própria nação. Assim as manteve em casa até sua morte, afirmando que não podiacompartilhar a companhia deles. Embora feliz, ele experimentou a malignidade do destino,ocultando de seu conhecimento os rumores a respeito delas e as suspeitas à sua honra.

XX. Conspirações contra Carlos Magno

Ele teve um filho de uma de suas concubinas, belo de face, mas corcunda, chamado Pepino, quem euomiti na menção da lista de seus filhos. Quando Carlos estava na guerra contra os hunos e erainverno na Bavária , este Pepino desonrou-o doentiamente e conspirou contra seu pai nacompanhia de alguns líderes francos que o seduziram com promessas vaidosas de autoridade real.Quando sua traição foi descoberta e as conspirações foram punidas, sua cabeça foi raspada e ele sofreu,conforme seu desejo, a dedicar-se a uma vida religiosa em um mosteiro em Prum. Uma formidávelconspiração contra Carlos tinha sido anteriormente originada na Germânia, mas todos os traidoresforam punidos, alguns deles sem mutilação, enquanto outros tiveram seus olhos arrancados. Somentetrês deles perderam a vida, pois desembainharam suas espadas e resistiram à prisão e, após mataremmuitos homens, foram eliminados, pois não podiam ser subjugados de outra forma.

A crueldade da rainha Fastrada provavelmente foi a primeira causa dessas conspirações, duas delasdevido à aparente submissão, mas cruel conduta de sua esposa e desvio de sua costumeira bondade eseus modos gentis. Por todo o resto de sua vida ele foi cercado por todos com o mais extremo amor eafeição, tanto que nunca a acusação de rigor injusto foi feita contra ele.

XXI. O tratamento de Carlos Magno aos estrangeiros

Ele gostava de estrangeiros, e com grandes sofrimentos os tinha sob sua proteção. Eles eram tantosno castelo e no reino que poderiam ter provocado um dano razoável; mas ele, com sua vastahumanidade, quase não se perturbava com tais aborrecimentos, porque se sentia compensado dessesgrandes inconvenientes pelos louvores à sua generosidade e a recompensa de sua grande reputação.

XX. Aparência pessoal

Carlos era grande, forte e de alta estatura, embora não fosse desproporcionalmente alto – é bemsabido que sua altura era sete vezes o comprimento de seu pé; a parte superior de sua cabeça eraarredondada, seus olhos muito largos e vivos, o nariz um pouco largo, um belo cabelo e um rostorisonho e agradável. Assim, sua aparência era sempre grandiosa e digna, mesmo se estivesse de pé ousentado. Porém, seu pescoço era largo e pequeno, e sua barriga meio proeminente, mas a simetria doresto de seu corpo compensava esses defeitos. Seu andar era firme, toda sua postura era varonil e suavoz era clara, mas não tão forte quanto seu tamanho levava a supor. Sua saúde era excelente, excetodurante os quatro anos antes de sua morte, quando esteve sujeito a muitas febres; finalmente, eleainda mancou um pouco de um pé.

Mesmo naqueles anos, ele preferiu consultar suas próprias inclinações a ouvir os conselhos dosmédicos, que lhe eram quase odiosos porque queriam que ele abrisse mão das carnes assadas as quaisestava acostumado e comesse carne cozida em troca. Conforme o costume nacional, ele se exercitavafreqüentemente em cavalgadas e caçadas, feitos em que quase ninguém no mundo podia se equipararaos francos. Ele gostava das exalações do calor natural da Primavera, e freqüentemente praticava anatação, na qual era tão adepto que ninguém podia sobrepujá-lo.

Assim, em um ano ele construiu seu palácio em Aix-la-Chapelle, e morou lá constantemente duranteos últimos anos antes de sua morte. Ele costumava convidar para seus banhos não somente seusfilhos, mas também seus nobres e amigos, e vez ou outra, uma tropa de seus seguidores ou sua escolta,e assim algumas vezes cem ou mais pessoas se banhavam com ele.

XXIII. Vestimentas

Ele costumava usar a nacional, isto é, a franca, um vestido colado à pele com uma blusa de linho ecalções também de linho, ambos cobertos por uma túnica ornada com seda; as meias, apertadas porfaixas, cobriam seus membros inferiores e calçavam seus pés, e ele protegia seus ombros e cintura noinverno com um casaco justo de pele de lontra ou marta. Por cima de tudo ele se cobria com uma capaazul, e sempre tinha consigo uma espada embainhada, geralmente com punho e cinto de ouro ouprata; algumas vezes carregava uma espada lapidada, mas somente em dias de grandes festas ou emalguma recepção de embaixadores de nações estrangeiras.

Ele desprezava trajes estrangeiros, embora fossem belos, e nunca se deixava vestir com eles, excetoduas vezes em Roma, quando vestiu a túnica romana e sapatos. A primeira vez, a pedido do papaAdriano , a segunda, para agradar Leão , sucessor de Adriano. Em grandes dias de festa, ele usavaroupas bordadas e sapatos enfeitados com pedras preciosas; sua capa era apertada por uma fiveladourada, e ele aparecia coroado com um diadema de ouro e pérolas; mas noutros dias suas vestesvariavam pouco dos trajes normais das pessoas.

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XXIV. Hábitos

Carlos era moderado no comer e também no beber, pois abominava a bebedeira em qualquer pessoa,principalmente nele mesmo e naqueles sob sua proteção. Mas não podia se abster facilmente decomida, e sempre reclamava que jejuns feriam sua saúde. Ele raramente dava banquetes, somente emdias de grandes festas para um grande número de pessoas. Suas refeições normalmente consistiam emquatro pratos, isso sem contar os assados, que seus homens de caça costumavam trazer em espetos; eleera mais apegado a essa que a qualquer outra comida. Enquanto estava à mesa, ouvia leituras oumúsicas. Os assuntos das leituras eram as estórias e feitos de velhos tempos: ele se agradava tambémcom os livros de Santo Agostinho, especialmente aquele intitulado A Cidade de Deus.

Ele era tão moderado no uso do vinho e de outras bebidas que raramente se permitia mais que trêscopos de vinho nos pratos da refeição. No verão, após a refeição do meio-dia, ele comia uma fruta,consumia um único copo, colocava suas roupas e sapatos, como fazia à noite, e descansava por duas outrês horas. Tinha o hábito de acordar e se levantar da cama quatro ou cinco vezes durante a noite.Enquanto estava se vestindo e calçando os sapatos, ele não só dava audiência aos seus amigos, mas seo conde do palácio fizesse alguma petição na qual o julgamento fosse necessário, ele tinha as partestrazidas até diante de si, tomava conhecimento do caso e decidia, assim como se estivesse sentado nacadeira de juiz. Esse não era o único assunto que resolvia a essa hora, mas realizava qualquer tarefa dodia, mesmo que tivesse que atender, ou para seu próprio interesse, ou para dar uma ordem a seusoficiais.

XXV. Estudos

Carlos tinha o dom do discurso preparado e fluente, e podia expressar o que tivesse de dizer com amais extrema clareza. Ele não estava satisfeito meramente com o domínio de sua língua nativa, poisdeu atenção ao estudo de línguas estrangeiras; particularmente era tal mestre em latim que podiafalar tão bem quanto sua língua nativa; mas entendia melhor que falava o grego. Era tão eloqüenteque poderia ter passado por um professor de eloqüência. Ele cultivou mais zelosamente as artesliberais, mantendo por aqueles que o ensinavam uma grande estima e conferindo-lhes grandeshonras. Ele teve lições de Gramática com o padre Pedro de Pisa, àquele tempo, um homem idoso.

Um outro padre da Bretanha, Albino, de sobrenome Alcuíno, homem de origem saxônica, era omelhor educador daqueles dias, e foi seu professor em outros ramos do estudo. O rei passou muitotempo e trabalho com ele estudando Retórica, Dialética, e especialmente Astronomia; ele aprendeu acontar e costumava investigar e pesquisar com curiosidade e inteligência os movimentos dos corposcelestes. Ele também tentou escrever, e costumava manter tábuas e folhas em branco na camaembaixo do travesseiro, para que, nos momentos de ócio, pudesse acostumar sua mão a formar asletras; porém, como não começou seus esforços no tempo devido, somente tarde da vida, eles nãoforam bem-sucedidos.

XXVI. Piedade

Ele adorava com grande fervor e devoção os princípios da religião cristã, a qual foi introduzido desdea infância. Assim, ele construiu a bela basílica de Aix-la-Chapelle, que adornou com ouro, prata,candelabros, grades e portas de bronze maciço. As colunas e mármores para esta estrutura foramtrazidas de Roma e Ravena, pois não se podia encontrar mais adequadas em outro lugar. Ele era umconstante devoto nessa igreja, enquanto sua saúde o permitiu, indo de manhã, à tarde e mesmodepois que a noite caía. Além de atender às massas, cuidava para que todos os cultos lá conduzidosfossem administrados com a mais extrema propriedade, e freqüentemente avisava os sacristãos paraque não deixassem coisas impróprias ou impuras serem trazidas para dentro da construção oupermanecerem nela.

Ele providenciou tal número de bacias de ouro e prata e roupas clericais, que nem mesmo oshostiários, que preenchiam os mais humildes cargos na igreja, eram obrigados a vestir roupas normaisdurante o exercício de suas funções. Com grandes esforços, ele fez com que melhorassem as leituras esalmodias da igreja, pois era bem capacitado em ambas, embora não lesse em público nem cantasse,exceto em baixo tom e com os outros.

XXVII. Generosidade

Ele estava muito ansioso em ajudar os necessitados, com aquelas generosidades gratuitas que osgregos chamam de esmolas, de modo que não montou somente um ponto de ajuda em sua própriaregião e em seu próprio reino, mas assim que descobriu que havia cristãos vivendo em pobreza naSíria, no Egito e na África, perto de Jerusalém, de Alexandria e de Cartago, teve misericórdia daquelescarentes e habituou-se a mandar para além dos mares uma quantidade de dinheiro a mais para eles. Arazão daquele fervor de se empenhar para fazer amizades com os reis que estavam além do mar erapara obter ajuda para socorrer e aliviar os cristãos que viviam sobre seus governos.

Ele cuidou da Igreja de São Pedro, o apóstolo romano, mais que todos os outros lugares sagrados e

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consagrados, e acumulou sua riqueza com uma vasta abundância de ouro e pedras preciosas. Elemandou inumeráveis e consideráveis presentes para os papas e, durante seu reinado, a vontade quetinha em seu coração era restabelecer a antiga autoridade da cidade de Roma que estava sobre seucuidado e sobre sua influência, para defender e proteger a Igreja de São Pedro, para embelezá-la eenriquecê-la com seu próprio estoque de riqueza, mais até que outras igrejas. Embora mantivesse talveneração, ele restaurou Roma somente para pagar seus votos e fazer suas suplicações quatro vezesdurante todos os quarenta e sete anos de seu reinado.

XXVIII. Carlos Magno coroado imperador

Quando fez sua última jornada, ele também tinha outros fins em vista. Os romanos tinham infligidogrande número de injúrias ao pontífice Leão, arrancando seus olhos e cortando sua língua, de modoque ele teve de chamar o rei para socorrê-lo. Desse modo, Carlos foi a Roma restabelecer a ordemnos assuntos da Igreja que estavam bastante confusos, e lá passou todo o inverno. Foi então querecebeu os títulos de imperador e augusto, os quais primeiramente teve aversão quando declarou quese soubesse dos projetos do papa não teria entrado na igreja no dia em que lhe foram conferidos,mesmo sendo um dia de celebração. Ele suportou muito pacientemente a suspeita que os imperadoresromanos demonstraram de sua atitude de assumir estes títulos, pois eles aceitaram istodoentiamente; e à força das freqüentes embaixadas e cartas nas quais destinou a eles como irmão, feza soberba deles render-se à sua magnanimidade, uma qualidade que era inquestionavelmente superiora eles.

XXIX. Reformas

Foi depois de ter recebido o título imperial que, descobrindo que as leis de seus povos eram muitodefeituosas (os francos tinham duas séries de leis muito diferentes em muitas particularidades), eledeterminou adicionar o que faltava para reconciliar as discrepâncias e corrigir o que estava errado, eincorretamente citado nelas. Contudo, em relação a esse assunto, ele não fez nada além desuplementar as leis com algumas capitulares imperfeitas. Mas fez com que as leis consuetudinárias detodas as tribos que estavam sobre seu governo fossem compiladas e reduzidas para a escrita; fez comque os velhos e grosseiros cantos que celebravam os atos e as guerras dos antigos reis fossem escritospara serem transmitidos para a posteridade; começou uma gramática de sua língua nativa; deu onome dos meses em seu próprio idioma, substituindo o latim e os nomes bárbaros, que eramconhecidos antigamente entre os francos. Ele igualmente designou os ventos por doze nomesapropriados, pois havia apenas mais que quatro nomes distintos em uso anteriormente.

Ele chamou Janeiro, Wintarmanoth; Fevereiro, Hornung; Março, Letzinmanoth; Abril,Ostarmanoth; Maio, Winnemanoth; Junho, Brachmanoth; Julho, Heuvimanoth; Agosto,Aranmanoth; Setembro, Witumanoth; Outubro, Windumemanoth; Novembro, Herbistmanoth;Dezembro, Heilagmanoth. Ele denominou os ventos da seguinte maneira: Subsolanus, Ostroniwint;Eurus, Ostsundroni, Euroauster, Sundostroni; Auster, Sundroni; Austro-Africus, Sundwestroni;Africus, Westsundroni; Zephyrus, Westroni; Caurus, Westnordroni; Circius, Nordwestroni;Septentrio, Nordroni; Aquilo, Nordostroni; Vulturnus, Ostnordroni.

XXX. Coroação de Luís – a morte de Carlos Magno

Perto do fim de sua vida, em 813, assim que foi derrotado pela má saúde e pela avançada idade, elechamou Luís, rei da Aquitânia, seu único filho sobrevivente com Hildegarda, e reuniu todos os chefeshomens do reino dos francos em uma assembléia solene. Ele designou Luís, com a consenteunanimidade de todos, para governar com ele sobre todo o reino e nomeou-o herdeiro do títuloimperial. Então, colocando a coroa sobre a cabeça de seu filho, convidou-o a ser proclamadoimperador e isto foi aplaudido por todos os presentes, pois parecia que Deus tinha sugerido que eleseria um bom reinante. Isto aumentou a dignidade do rei, e causou muito medo às naçõesestrangeiras.

Depois de mandar seu filho de volta à Aquitânia, como de costume ele saiu para caçar, embora fracode idade, perto de seu palácio em Aix-la-Chapelle, e passou o resto do outono na caçada, voltando porvolta de primeiro de novembro de 813. Nesse mesmo inverno, no mês de Janeiro, ele foi tomado poruma alta febre , que o fez ficar de cama. Quando compreendeu que estava doente, prescreveu para simesmo abstinência de comida, como sempre estava acostumado a fazer em caso de febre, pensandoque aquela enfermidade poderia ser diminuída, ou no mínimo aliviada, por meio do jejum.Juntamente com a febre, ele teve uma dor em seu lado que os gregos chamam de pleurisia, maspersistiu em jejuar, e sustentou sua única força se expondo ao ar por muitos e longos intervalos. Elemorreu no dia 28 de Janeiro, sete dias depois que ficou de cama, às nove horas da manhã, depois departicipar da sagrada comunhão, no septuagésimo segundo ano de sua idade e no quadragésimosétimo de seu reinado, em 28 de janeiro de 814.

XXXI. Enterro

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Seu corpo foi lavado e carregado de uma forma usual, transportado para a Igreja e enterrado em meioa grandes lamentações do povo. Houve um questionamento sobre o lugar onde seria enterrado, poisem toda a sua vida ele não indicou o local para seu enterro. Entretanto, em toda a extensão do reinonão havia parte mais honorável que a basílica que ele pôde construir dentro da cidade com seuspróprios gastos, para o amor do rei Jesus Cristo, e em honra da Sagrada e Eterna Virgem, Sua Mãe. Elefoi enterrado ali, no mesmo dia em que morreu, e um arco dourado foi erguido acima de sua sepulturacom sua imagem e uma inscrição com as seguintes palavras: “Nesta sepultura está o corpo doortodoxo imperador Carlos, o Grande, que gloriosamente estendeu o reino dos francos e reinouprosperamente por quarenta e sete anos. Ele morreu perto dos setenta anos, no ano 814 de NossoSenhor, na sétima assembléia eclesiástica, no vigésimo oitavo dia de Janeiro.”

XXXII. Presságios da morte

Uma verdadeira multidão tinha pressagiado a aproximação de seu fim, fato que ele reconheceusatisfatoriamente como nenhum outro. Eclipses tanto do Sol quanto da Lua foram vistos muitofreqüentemente durante os três últimos anos de sua vida, e um ponto escuro esteve visível no Sol noespaço de sete dias. A galeria entre a basílica e o palácio que ele construiu com grande dor e trabalho,cedeu subitamente em ruínas pela terra no dia da ascensão de nosso rei. A ponte de madeira sobre oReno, em Mayence, que ele incentivou com admirável habilidade para ser edificada com o custo dedez anos de trabalho duro e de modo que ela pudesse permanecer eternamente, foi completamenteconsumida em três horas por um acidente com fogo que a estilhaçou, exceto o que ficou sobre a água.

Além disso, um dia, em sua última campanha na Saxônia contra Godofredo, rei dos dinamarqueses, opróprio Carlos viu uma bola de fogo cair subitamente dos céus como uma grande luz, exatamente nomomento em que ele deixava a marca, antes que o sol nascesse. Este fato ocorreu no céu da direitapara a esquerda, e todas as pessoas ficaram surpreendidas com o seu significado, quando então ocavalo em que ele estava montado deu um salto súbito, elevou a cabeça e, caindo, derrubou-o no chãotão pesadamente que a fivela de seu manto quebrou e sua espada se esfacelou.

Depois, seus servos se apressaram para socorrê-lo, ele e suas armas, pois ele não podia levantar-se semaquela assistência. Ao cair, ele tinha uma lança em sua mão, e esta feriu seu punho com tal força quefoi encontrada caída a uma distância de vinte pés ou mais do local. Novamente o palácio de Aix-la-Chapelle estremeceu freqüentemente, mas os telhados de todas as construções resistiram esustentaram um ininterrupto e estrépito barulho. A basílica em que ele mais tarde foi enterrado foiatingida por um raio, e a bola dourada com a qual ele enfeitou a abóbada do telhado foi destruída peloraio e arremessada sobre a casa dos bispos adjacentes. Nesta mesma basílica, sobre a margem dacornija interna , entre a parte de cima e a da fileira debaixo dos arcos, uma legenda foi escrita emletras vermelhas, declarando quem foi o construtor do templo, e as últimas palavras que estavam eram“Príncipe Carlos”.

No ano em que ele morreu, alguns observaram, poucos meses antes de sua morte, que as letras dapalavra “Príncipe” estavam apagadas e só muito demoradamente eram decifráveis. Mas Carlosdesprezou ou fingiu desprezar todos esses presságios, como se não tivessem relação com ele.

XXXIII. Vontade

Ele tinha a intenção de realizar um desejo na herança para suas filhas e para as crianças de suasconcubinas, e que pôde pronunciar a poucos; mas isto começou muito tarde e não pôde ser finalizado.Entretanto, três anos antes de sua morte, ele fez a divisão de seus tesouros, dinheiros, roupas, outrosmóveis e mercadorias, na presença de seus amigos e servos, e falou então para as testemunhas, quepuderam assegurar a ratificação e a disposição feita. Ele tinha o resumo redigido com os votos arespeito da distribuição de suas propriedades, e os termos e o texto estão a seguir:

“Em nome do Rei Deus, o Todo-Poderoso Pai, Filho e Espírito Santo. Esse é o inventário e a divisãoordenada pelo mais glorioso e piedoso rei Carlos, imperador e augusto, no octogésimo primeiro anoda encarnação de nosso rei Jesus Cristo, quadragésimo terceiro ano de seu reinado na França etrigésimo sétimo na Itália, décimo primeiro de seu império, e durante a quarta assembléia eclesiásticaem que ele determinou a consideração da piedade e da prudência e o favor que Deus o capacitou paraapurar seus tesouros e dinheiros neste dia em sua câmara de tesouros. Nesta divisão, ele desejouespecialmente prover não apenas as generosas esmolas das almas que os cristãos normalmente fazemcom suas posses – e que deverão ser feitas em seu nome e em um curso adequado e fora de sua riqueza– mas também que seus herdeiros deverão ser livres de todas as suspeitas, saber claramente o quepertence a eles, e serem capazes de participar de suas propriedades em uma repartição conveniente,sem litígio ou combate.”

“Com esta intenção e para este fim, ele primeiro dividiu em três lotes todos os seus recursos, móveis emercadorias apurados em sua câmara do tesouro no dia mencionado, ouro, prata, pedras preciosas eornamentos reais, lotes que foram subdivididos, e partiu dois dos mencionados lotes em vinte e umapartes, conservando o terceiro completo. Os dois primeiros lotes foram subdivididos dessa forma em

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vinte e uma partes, porque havia em seu reino vinte e uma cidades metropolitanas reconhecidas, deforma que cada arcebispo estava autorizado a receber, através de esmolas, nas mãos de seus herdeiros eamigos, uma das ditas partes, e que o arcebispo que administrasse estes assuntos aceitaria a parte dadae a cota semelhante com seus bispos subordinados, de forma que um terço deveria ir para a Igreja,permanecendo dois terços para serem divididos entre os bispos subordinados.”

“A vigésima primeira parte em que os primeiros dois lotes foram distribuídos, de acordo com onúmero de cidades metropolitanas reconhecidas, teria sido deixada de lado, e cada uma teria sidocolocada à parte pessoalmente por ele em uma caixa classificada com o nome da cidade destinada. Osnomes das cidades que essas esmolas – ou seja, generosidades – serão enviadas está como se segue:Roma, Ravena, Milão, Friuli, Grado, Colônia, Mayence, Salzburgo, Trèves, Sens, Besançon, Lion,Rouen, Reims, Arles, Vienne, Moutiers-en-Tarantaise, Embrun, Bordeaux, Tours, e Bourges.”

“O terceiro lote, que ele manteve completo, será concedido como se segue: enquanto os doisprimeiros lotes serão divididos nas partes já mencionadas e postos à parte sobre um selo, o terceirolote será utilizado para os que possuem carência diária, como uma propriedade com a qual não haveránenhuma obrigação de satisfazer qualquer promessa, por tanto tempo como se estivesse na carne ouconsiderado necessário para seu uso. Mas por causa de morte ou renúncia voluntária dos assuntosdesse mundo, este dito lote deverá ser dividido em quatro partes, e uma delas deverá ser adicionadasàs já mencionadas vinte e uma partes; a segunda parte deverá ser designada para seus filhos, filhas epara os filhos e filhas de seus filhos, para serem distribuídas entre eles em justa e igual repartição; aterceira, conforme o hábito comum entre os cristãos, deverá ser destinada aos pobres, e a quartadeverá ir para o sustento dos homens e moças servas de serviço no palácio.”

“É seu desejo que a este dito terceiro lote da quantidade total, que consiste, como o restante, de ouroe prata, deverão ser adicionadas todas as vasilhas e utensílios de bronze, ferro e outros metaisjuntamente com as armas, vestuários e outros móveis e mercadorias, caras e baratas, adaptados paradiversos usos, como cortinas, colchas, tapetes, tecidos de lã, roupas e artigos de couro, selas deanimais, e tudo o que será estabelecido em sua câmara do tesouro e do armário para aquele tempo, afim de que as partes desse lote possam ser aumentadas e as esmolas distribuídas ao maior número depessoas.”

“Ele ordenou que sua capela, isto é, as propriedades da igreja, tanto o que tinha fornecido e recolhidoquanto o que chegou a ele por herança de seu pai, deveria permanecer intacto, e não ser dividido porqualquer partilha. Se, de qualquer modo, algumas vasilhas, livros ou outros artigos certamenteconhecidos forem estabelecidos para não serem doados por ele para a dita capela, deverão terqualquer carência sobre eles pagando um valor decentemente calculado. Ele igualmente ordenou queos livros em grande número e que tinha colecionado em sua livraria fossem avaliados para seremvendidos para tal carência, e o dinheiro recebido dessa venda seria doado ao povo. E são conhecidasentre suas outras propriedades e tesouros três bandejas de prata e uma imensa e maciça bandeja deouro.”

“Ele ordenou que a bandeja quadrada de prata, sobre a qual está a representação da cidade deConstantinopla, fosse enviada para a basílica de São Pedro, o apóstolo de Roma, com os outrospresentes dali destinados; que uma bandeja redonda adornada com uma delineação da cidade deRoma fosse doada para a igreja episcopal de Ravena, e que a terceira, que ultrapassa e muito as outrasduas em peso e formosura de trabalho manual e é feita em três círculos demonstrando o plano detodo o universo, desenhada com habilidade e delicadeza, deveria, juntamente com a bandeja de ouro,a quarta acima mencionada, aumentar aquele lote consagrado para seus herdeiros e para as esmolas.”

“Atestado isto e as demais disposições, ele fez e autorizou na presença dos bispos, abades, e contandohabilidosamente para os presentes, cujos nomes estão subscritos. Bispos: Hildebald, Ricolf, Arno,Wolfar, Bernoin, Laidrad, John, Teodulfo, Jesse, Heito e Waltgaud. Abades: Fredugis, Adalung,Angilbert, Irmino. Condes: Walacho, Meginher, Otulf, Stephen, Unruoch Burchard Meginhard,Hatto, Rihwin, Edo, Ercangar, Gerold, Bero, Hildiger e Rocculf.”

Luís, filho de Carlos, que pela graça de Deus o sucedeu, depois de examinar este inventário, aceitoureligiosamente satisfazer todas as condições o mais cedo possível após a morte de seu pai.

Notas

Einhard (770-840)

Ou, incorretamente, Eginhard (ou Eginhardo). “Seus estudos no mosteiro de Fulda e sua aplicaçãofizeram com que o abade Baugulf o enviasse à corte de Carlos Magno, onde sua educação foi

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concluída na Escola do Palácio. Teve como um de seus mestres Alcuíno de York (735-804), quetestemunhou seu notável talento para a Matemática e a Arquitetura. Logo se destacou comoconselheiro do imperador. Carlos Magno encarregou-o de construir a catedral de Aix-la-Chapelle e ospalácios de Aix-la-Chapelle e Ingelheim, quando ficou conhecido nos círculos reais como Beseleel. Oimperador também se valeu de sua prudência e de seu tato para enviá-lo em várias missõesdiplomáticas. Assim, em 802 colocou em suas mãos as negociações para a troca de reféns saxões, e em806 foi enviado a Roma para obter a aprovação papal para a divisão do império decidida peloimperador. Durante o reinado de Luís, o Pio (778-840), manteve sua posição de confiança, e provou serum fiel conselheiro do filho de Luís, Lotário (818-855). No entanto, foi mal sucedido em estabelecer asucessão real por causa da imperatriz Judith da Baviera. Incapaz de reconciliar Luís e seus filhos,Einhard se retirou em 830 para Mühlheim, propriedade concedida em 815 (além de outras) como umsinal do favor imperial. Transferiu as relíquias de São Marcelino e São Pedro, e chamou o lugar deSeligenstadt. Além disso, entre 831 e 834 estabeleceu ali uma abadia beneditina, onde, após a morte desua esposa, Emma (ou Imma), irmã do bispo Bernhar (e não a filha de Carlos Magno), ingressou nomosteiro, ou como padre ou como monge. Seu epitáfio foi escrito por Rábano Mauro. O maisimportante de trabalhos de Einhard é o Vita Caroli Magni, a melhor biografia do período. Escrita deforma a copiar o estilo de Suetônio (particularmente sua Vita Augusta), ela mostra o imperador emuma visão bastante íntima, com uma tentativa de estabelecer um retrato fiel de Carlos Magno. Escritoelegantemente, porém não muito culto”. In: Catholic Enciclopedia

Einhard se refere a Marco Túlio Cícero (106 a.C. - 43 a.C.), cônsul e o maior dos oradores romanos.Ver The Cicero Home-page.

Disputationes Tusculanae, obra escrita em 45 a.C. Ver S. A. White, “Cicero and the Therapists,” p. 219-46, de J. G. F. Powell (ed.), Cicero the Philosopher: Twelve Papers, Oxford, 1995.

Childerico III, rei dos francos (†755).

Einhard se refere ao papa Estêvão (II ou III, 752-757), mas, na verdade, foi o papa Zacarias (741-752)quem ordenou a deposição de Childerico III, em março de 752, Estevão II, seu sucessor, confirmou oumandou executar a ordem, coroando Pepino a 28 de julho de 754. Ver ESPINOSA, Fernanda. Antologiade textos históricos medievais. Lisboa: Sá da Costa Editora, 1981, p. 139, n. 2.

Isto é, a chamada recomendação do vassalo a seu futuro senhor. Ver GANSHOF, F. L. Que é oFeudalismo? Lisboa: Publicações Europa-América, s/d, p. 42-43.

Os reis merovíngios eram conhecidos como reis com crina (rex crinitus); “rei Sansão com crina,seguido de villa em villa por alguns escribas, escravos domésticos e uma guarda de antrustiões(voluntários a serviço do príncipe).” – LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente medieval. Lisboa:Editorial Estampa, 1983, vol. I, p. 60.

“Oitenta anos depois, escrevendo sua Vida de Carlos Magno, Eginhardo utilizará os panfletos redigidospor volta de 750 para denegrir os merovíngios” – FAVIER, Jean. Carlos Magno. São Paulo: EstaçãoLiberdade, 2004, p. 42.

Passagem do texto que mostra bem a profunda regressão econômica do período e a decadência doperíodo final da dinastia merovíngia. Ver LOT, Ferdinand. O Fim do Mundo Antigo e o princípio daIdade Média. Lisboa: Edições 70, 1985, p. 298-351.

Isto é, em 755.

Chamado de Pepino, o Breve, isto é, o Baixo (†768).

Trata-se do avô de Carlos Magno por linha paterna, chamado de Carlos Martel (715-741) pelos cronistasdo século IX pelo fato dele gostar de lutar com um martelo, isto é, com uma maça.

Batalha de Poitiers, que ocorreu em 732.

Batalha que ocorreu em 759 e marcou definitivamente o fim da presença muçulmana em territóriofranco Ver DELORME, Jean. As Grandes Datas da Idade Média. Lisboa: Publicações Europa-América,s/d, p. 46.

Carlomano (†771), rei dos francos.

Em 747.

Em 754.

“Ainda que Eginhardo doure a pílula mostrando-nos um Carlomano no monte Soratte, fatigado dasincessantes visitas dos grandes do reino franco, que vinham ver seu ‘antigo senhor’ por ocasião dasperegrinações a Roma, é certo que Carlomano se entediava no Monte Cassino. Em 754, ele se pôs aserviço do rei Lombardo Astolfo, atravessou os Alpes e assumiu a chefia dos insatisfeitos. Pepino

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prendeu-o e mandou-o de volta à vida monástica, mas dessa vez num monastério mais bemcontrolado, em Vienne. Carlomano lá morreu, no ano seguinte. Eginhardo falsearia a história, fazendo-o morrer em seu retiro em Monte Cassino” – FAVIER, Jean. Carlos Magno, op. cit., p. 35-36.

752-768.

24 de setembro de 768.

9 de outubro de 786.

“Da infância de Carlos não se sabe quase nada. Em sua Vida de Carlos, Eginhardo frustra nossacuriosidade erguendo uma cortina de fumaça, tendo consciência de que com isso contraria a intençãode um paralelismo com as Vidas dos doze Césares, de Suetônio, obra cuja organização ele procuraseguir, em todos os demais aspectos, o mais fielmente possível (...) É difícil acreditar em Eginhardo.Será preciso lembrar que ele foi amigo e confidente do rei? (...) Se Eginhardo não diz nada é porquetem suas razões, relacionadas às atitudes do rei. Digamos que é de bom-tom, aos olhos deste e semdúvida de todo o seu entourage, não falar em voz alta dos primeiros anos do imperador.” – FAVIER,Jean. Carlos Magno, op. cit., p. 133-134.

A primeira campanha de Pepino, o Breve, na Aquitânia, foi concluída em 760. A Aquitânia havia sidodominada precariamente; Carlos Martel impusera um protetorado politicamente muito tênue. Oduque Waifre insurgiu-se contra a tutela de Pepino, mas foi derrotado. “A Aquitânia nunca foiefetivamente integrada à realidade política do reino franco (...) É para conter os bascos que os reismerovíngios dão um duque a essa Aquitânia (...) o duque só reconhece a autoridade do rei na medidaem que é exercida com moderação, e os grandes senhores se acostumam a essa autoridade de umduque que é mais próximo do que o rei.” – FAVIER, Jean. Carlos Magno, op. cit., p. 50.

Kunold, ou Hunaldo (II), duque da Aquitânia.

O conde Waifre foi assassinado em 768. Nesse mesmo ano Carlos baixou uma capitular para aAquitânia, após derrotar o duque Hunaldo II.

Trata-se de Lobo II, que se autodenominava o Príncipe. No século VII a Gasconha (Vasconia) era umducado independente. Os vascones (ou gascões) são os gascões que foram expulsos pelos visigodos eatravessaram os Pireneus na segunda metade do século VI.

“Seriam necessários dez anos de uma guerra terrível para submeter a Aquitânia. Ela está arruinada, osmonastérios foram queimados, as cidades sufocadas, os campos devastados. Os rebeldes não serãotratados como os visigodos do Languedoc. Carlos Magno impõe sua lei na Aquitânia, e aí coloca oscondes francos.” – FAVIER, Jean. Carlos Magno, op. cit., p. 203.

Einhard se refere à morte de Carlomano II em 771, irmão de Carlos Magno.

"Adriano, bispo da cidade de Roma..." - Trata-se do Papa Adriano I, 772-795.

Em 773.

Papa Estêvão II ou III, 752-757.

Em 754. Astolfo havia se tornado rei dos lombardos em 749.

Em 773.

Em 774.

Em 776.

Em 781.

Em 772.

Em 804.

Por sua vez, Alcuíno de York (735-804) sugere, em 796, moderação na evangelização dos saxões, e,para começar, que Carlos deixe-os em paz com o dízimo: “Se é bom impor aos povos rudes opagamento do dízimo, que ele seja cobrado de cada casa. Mas seria conveniente se perguntar se,tendo recebido as lições de Cristo e tendo sido enviados para pregar, os apóstolos exigiam o dízimo oupediam por toda a parte que lhes fosse dado. Sabemos que a cobrança do dízimo de nossosrendimentos é uma boa coisa. Mas melhor seria deixá-lo de lado que perder a fé. Nós, que nascemos efomos criados na fé católica, mal começamos a pagar essa décima parte de nossos rendimentos. A féfrágil, a alma muito jovem e o espírito avaro dessa gente é muito mais relutante em aceitar essaliberalidade.” – Carta de Alcuíno a Carlos, citada em FAVIER, Jean. Carlos Magno, op. cit., p. 223.

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Em 783.

Em 804.

Em 772.

No dia 15 de agosto de 778.

Essa emboscada aconteceu em Roncesvales, mais tarde celebrado na Canção de Rolando. A tradiçãobaseada na Canção de Rolando situa esse desfiladeiro próximo a Pamplona, “mas nem osAnaisreais nem Eginhardo nomeiam o desfiladeiro, e os poetas da língua de oil que precederam Turold nãoconhecem mais do que este último a geografia dos Pireneus...” – FAVIER, Jean. Carlos Magno, op. cit.,p. 214. Este importante documento medieval já foi traduzido para o português: A canção deRolando (trad. Lígia Vassalo). Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.

Em 786.

Em 787.

Aragis, ou Arichis, duque de Benevento.

Arigis capitulou e prestou juramento de fidelidade, “...promete pagar um tributo anual de sete milsoldos de ouro, e envia reféns, entre os quais propõe que se incluam seus filhos Romualdo eGrimoaldo. Só este último é mantido como refém, mas em companhia de doze membros da aristocraciabeneventina. Carlos faz apenas uma concessão: Arichis é dispensado de vir pessoalmente prestar ojuramento. O duque jura diante dos missi. Estes, em seguida, percorrem o ducado para ouvir ojuramento de todos os homens livres. É efetivamente a dominação franca que se estabece.” – FAVIER,Jean. Carlos Magno, op. cit., p. 193-194.

Também no ano de 787.

Tassilo ou Tássilo (I), duque da Baviera e sobrinho materno de Pepino, quem o tornou duque(portanto, primo de Carlos Magno). “A exemplo do reino com os merovíngios e da Austrásia com osdescendentes de Pepino, o Velho, e de Arnulfo, o ducado da Baviera se tornou hereditário na famíliadita dos agilulfianos ou dos agilolfíngios. Leais ao rei merovíngio, esses duques não vêem por quedevem sê-lo também aos descendentes de Pepino, esses vizinhos que a seus olhos não são mais queseus iguais, e defenderão ardorosamente sua autonomia” FAVIER, Jean. Carlos Magno, op. cit., p. 54.

Liutberga.

Rio Lech.

Theodo (ou Teodo)

Em 788.

Tassilo foi convocado à presença de Carlos Magno porque se sublevou mais uma vez. Preso, foicondenado à morte por felonia. Contudo, Carlos Magno se apiedou dele e o enviou para Jumièges. “Seutúmulo e o de Teodo por muito tempo passarão a pertencer aos filhos de Clóvis II, outrora supliciadosdepois de uma revolta contra sua mãe Batilde. Criar-se-á a lenda dos enervados de Jumièges.” –FAVIER, Jean. Carlos Magno, op. cit., p. 206.

Wilzis ou wilzes, pequeno povo que dominava a Lusácia. Com sua vitória, na qual teve o apoio decontingentes saxões (de quem Einhard tem grande desconfiança, como se vê nessa passagem), CarlosMagno chegou pela primeira vez ao rio Oder. Os wilzis se insurgiram contra a dominação franca em808, e Carlos só conseguiu uma vitória decisiva em 812.

Isto é, o Mar Báltico.

Do nome aïsti deriva o moderno nome Estônia.

Em 789.

791.

Os ávaros se constituíram entre os séculos V e VI através da fusão de duas tribos da Ásia Central.Eram tão próximos dos hunos que os francos – e Einhard – falam deles como se fossem um só povo. Naverdade, os ávaros eram apenas um ramo distante dos hunos.

Na verdade, trata-se do título de rei dos ávaros (cagã), não do nome do rei.

Tarsata ou Tersato, próximo a Fiume. O duque Eric foi preso e executado em 799.

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799.

805-806.

808.

O rei saxão Godofredo foi assassinado por um servo a mando de um rival em 810, fato queproporcionou a Carlos Magno por fim às hostilidades.

Afonso II (791-842).

Isto é, Harun al-Rashid (786-809).

Isto é, Jerusalém.

Nicéforo I (802-811).

Miguel I (811-813).

Leão V (813-820).

Maio de 813.

Este castelo estava situado a quatro léguas de Mogúncia, e foi reconstruído pelo imperador Frederico I,bem como o de Nijmegen. Ver ESPINOSA, Fernanda. Antologia de textos históricos medievais. Lisboa: Sáda Costa Editora, 1981, p. 156, n. 2.

Da Germânia.

Em 794.

No dia 4 de junho de 800.

As sete artes liberais: Gramática, Retórica e Dialética (trivium) e Aritmética, Lógica, Música eAstronomia (quadrivium).

Constantino VI, 780-802.

Em 810.

Em 796.

Em 792.

Papa Adriano I, 772-795.

Leão III, 795-816.

Pedro de Pisa foi um gramático na Escola de Pavia quando Carlos Magno se apoderou da cidade em774. Em 776 foi chamado à corte para ensinar latim na Academia do Palácio, mas sua estância foibreve. Ver GORMAN, Michael. “Peter of Pisa and the Quaestiunculae Copied for Charlemagne inBrussels II 2572: With a Note on the Codex Diezianus from Verona”. In: Revue Bénédictine 110 (2000), p.238-260.

24 de novembro de 800.

22 de janeiro de 814.

Cornija (do it. corníce) = “Elemento arquitetônico saliente e contínuo, composto de moldurascombinadas, que faz o coroamento da cobertura, a borda de um elemento arquitetônico (porta, janela,etc.)” – ARGAN, G. C.História da arte italiana 1. Da Antiguidade a Duccio. São Paulo: Cosac & Naif, 2003,p. 434.

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