MANIFESTAÇÕES DE ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL I DURANTE O DESENVOLVIMENTO DE UMA SITUAÇÃO DESENCADEADORA DE APRENDIZAGEM SOBRE FRAÇÃO COM BASE NA TEORIA DO ENSINO DESENVOLVIMENTAL

Patrícia da Rosa Zanelato [footnoteRef:1]; Drª Josélia Euzébio da Rosa[footnoteRef:2] (orientadora) [1: Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade do Sul de Santa Catarina - Unisul. pzanelato86@gmail.com] [2: Orientadora: Professora do Mestrado em Educação, do curso de Pedagogia e líder do Grupo de Pesquisa Teoria do Ensino Desenvolvimental na Educação Matemática - TedMat/Unisul. joselia.euzebio@yahoo.com.br]

RESUMO:

A temática de investigação consiste no modo de organização de ensino, sustentado nos fundamentos da Atividade Orientadora de Ensino e Teoria do Ensino Desenvolvimental. A docência em Matemática foi organizada a partir de uma situação desencadeadora de aprendizagem desenvolvida com os estudantes por meio de ações de estudo, controle e avaliação apresentadas por Davýdov. As reflexões e delimitações foram sustentadas no método dialético. Os resultados da pesquisa indicam que é possível mudar o conteúdo e a metodologia de ensino de Matemática hegemônico no Brasil, de modo que supere o empirismo. Ao orientarmos as reflexões dos estudantes do 4° ano do Ensino Fundamental de uma escola de Educação Básica da rede pública estadual localizada no município de Tubarão – SC, com base nos fundamentos da Atividade Orientadora de Ensino e da Teoria do Ensino Desenvolvimental, eles manifestaram indícios de apropriação de alguns elementos do conceito de fração em nível teórico.

INTRODUÇÃO:

A presente pesquisa está sustentada em dois dos desdobramentos da Teoria Histórico-Cultural, a Atividade Orientadora de Ensino (MOURA, et al., 2010) e a Teoria do Ensino Desenvolvimental (DAVÝDOV, 1982). Desenvolvemos, com estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental, uma Situação Desencadeadora de Aprendizagem elaborada por Moura (2015), por meio das seis ações Davydovianas. Durante o desenvolvimento, reproduzimos a necessidade vivenciada historicamente pela humanidade quando produziu o conceito de fração, para que os estudantes se apropriassem do mesmo.

Apropriação é o processo de reprodução, pelo indivíduo dos procedimentos historicamente formados de transformação dos objetos e da realidade circundantes, dos tipos de relação com eles e o processo de conversão destes padrões socialmente elaborados em forma da subjetividade individual. O desenvolvimento se realiza por meio da apropriação, pelo indivíduo, da experiência histórico-social (DAVÍDOV; MÁRKOVA, 1987, p. 321).

Assim, o estudante é colocado em ação investigativa a fim de encontrar soluções para resolver o problema em nível teórico. Para tanto, consideramos as quatro ações de estudo e as ações de controle e avaliação apresentadas por Davídov (1988) com o intuito de tentar superar as limitações empíricas do modo atual de ensino de Matemática predominante no Brasil, inclusive no ensino de fração (SANTOS, 2017).

Desde a constituição do projeto, as reflexões e delimitações estão sustentadas no método dialético. A pesquisa realizada foi participante, com estudantes de uma turma do 4° ano do Ensino Fundamental I, de uma escola de Educação Básica da rede pública estadual localizada no município de Tubarão – SC.

Os dados de pesquisa consistem nas manifestações orais e gestuais dos estudantes e da pesquisadora/estagiária capturados por meio de filmagem e fotografia durante a docência de estágio. Os dados foram transcritos em documento do Word, para posteriormente procedermos à seleção das cenas que constituiriam o episódio de análise. Para aprofundarmos o estudo sobre os elementos que constituem o pensamento empírico e o pensamento teórico. Estudarmos sobre o modo de organização do ensino que desencadeia aprendizagem teórica dos conceitos. Assim compreendermos o movimento interno do sistema conceitual constituído pelos conceitos de fração, divisão e multiplicação. E por fim analisar os limites e possibilidades de uma situação desencadeadora de aprendizagem desenvolvida com estudantes do Ensino Fundamental I.

Em consonância com o método de pesquisa, no presente artigo não apresentaremos o referencial teórico separado da apresentação e análise dos dados. Procederemos à análise, no diálogo com o referencial teórico elaborado a partir dos estudos realizados no interior de dois grupos de pesquisa, o Grupo de Pesquisa Teoria do Ensino Desenvolvimental da Educação Matemática (TedMat) da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) e Grupo de Pesquisa em Educação Matemática: Uma abordagem Histórico-Cultural (GPEMAHC) da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Ambos constituem a unidade catarinense da rede nacional de grupos de pesquisas, o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Atividade Pedagógica (GEPAPE).

Apresentamos o episódio de análise por meio de quatro cenas e cada uma reflete uma das quatro ações de estudo desenvolvidas com os estudantes. As cenas dos episódios formativos foram organizadas em flashes, nos quais consideramos as falas transcritas e as fotografias significativas captadas durante a experiência de docência em Matemática realizada no Estágio Supervisionado do Curso de Pedagogia.

PALAVRAS-CHAVE:

Educação Matemática, Teoria do Ensino Desenvolvimental, Atividade Orientadora de Ensino.

MÉTODO:

Desde a constituição do projeto as reflexões e delimitações estão sustentadas no método dialético. A pesquisa é de natureza participante e qualitativa do tipo experimental. Desenvolveremos um experimento didático desenvolvimental com estudantes de uma turma do 4° ano do Ensino Fundamental I de uma escola da Rede Estadual do Munícipio de Tubarão. A escolha da escola foi aleatória, por meio de sorteio, dentre as escolas interessadas em participar da pesquisa. Os dados foram levantados durante o desenvolvimento de um experimento didático desenvolvimental com duração de um período escolar.

Desenvolvemos uma situação desencadeadora de aprendizagem com os estudantes que envolveu a resolução de um problema cuja solução requer fração. Inicialmente selecionamos uma das situações desencadeadoras de aprendizagem elaboradas por Moura (2015) que possibilitou a reflexão sobre as limitações dos conhecimentos oriundos do senso comum. O enredo da história envolve um problema matemático que precisa ser resolvido pelos estudantes a fim de ajudar o personagem da história a sair de uma situação de dificuldade. Tal dificuldade, para ser superada, exige dos estudantes reflexões sobre o conceito de fração sustentado na relação de multiplicidade e divisibilidade entre grandezas, a partir da medição.

Organizamos o experimento didático desenvolvimental com a finalidade de impulsionar o desenvolvimento do pensamento teórico dos estudantes. Consideramos que é função do professor direcionar o pensamento dos estudantes e não deixá-los se orientar com base no senso comum, no conhecimento empírico, próprio das experiências extraescolares. Desse modo, organizamos um movimento de resolução do problema, sustentado teoricamente, na Teoria do Ensino Desenvolvimental para ser desenvolvido em sala de aula com os estudantes. A captura das manifestações dos estudantes aconteceu por meio de registros fílmicos e fotográficos. Utilizamos a máquina fotográfica para registrar as manifestações e produções escritas dos estudantes e a filmadora para capturar as falas e as manifestações corporais.

Transcrevemos os vídeos em um documento de Word e as fotografias foram incluídas nas transcrições, no contexto em que foram registradas. As manifestações dos estudantes foram organizadas em flashes, nos quais consideramos as falas transcritas e as fotografias significativas captadas durante o experimento.

RESULTADOS E DISCUSSÕES:

Tomamos como objeto de investigação a experiência de docência desenvolvida durante o estágio supervisionado de Pedagogia no 4° ano do Ensino Fundamental da rede pública estadual, durante um período de docência, de quatro horas aula cada.

Havia indícios de conhecimentos empíricos nas manifestações de estudantes e professora durante a abordagem do conceito de fração, tal como aprendemos na Educação Básica. Na busca por superar tais limitações, na docência em Matemática desenvolvemos uma Situação Desencadeadora de Aprendizagem elaborada por Moura (2015), cujo problema desencadeia a gênese do conceito de fração (Figura 1).

Figura 1 – História Virtual do conceito de fração: Cordasmil

Fonte: Moura (2015).

Inicialmente, distribuímos a história impressa para os estudantes lerem individualmente e, em seguida, procedemos à leitura no coletivo. O espaço da sala de aula já estava organizado para proporcionar seu desenvolvimento (Fotografia 1).

Fotografia 1 – Organização do espaço da sala de aula

Fonte: Acervo do TedMat/UNISUL, 2018.

Durante o desenvolvimento, com os estudantes, do problema apresentado na Situação Desencadeadora de Aprendizagem, orientamo-nos pelas seis ações propostas por Davídov (1988, p. 181), para planejar as operações que seriam realizadas, conforme quadro a seguir (Quadro 1).

Quadro 1 – Ações e operações desenvolvidas na docência

Ações

Operações

1ª Revelação dos dados que constituirão a relação universal.

2ª Modelação da relação universal nas formas objetal, gráfica e literal.

3ª Transformação do modelo da relação universal para o estudo de suas propriedades.

4ª Dedução e resolução de um sistema de tarefas particulares e singulares a partir da relação universal.

5ª Controle da realização das ações.

Aconteceu no decorrer das ações anteriores.

6ª Avaliação da aprendizagem do procedimento universal.

Fonte: Elaboração da autora, 2019.

O procedimento de redução do concreto ao abstrato foi percorrido desde a primeira ação até a terceira, quando revelamos e modelamos a relação universal de medição. Na sequência, da terceira para a quarta ação, procedemos ao movimento de ascensão do abstrato ao concreto por meio da dedução e resolução de um sistema de tarefas particulares e singulares a partir da relação universal.

Além das quatro ações de estudo, Davýdov também propõe as ações de controle e avaliação. Estas são realizadas, tanto pelo professor quanto pelos estudantes (autocontrole e autoavaliação), durante todo o desenvolvimento das quatro ações de estudo que subsidiam a decisão do professor sobre prosseguir para uma nova ação. A quarta ação de estudo é, em si, uma avaliação. Possibilitou-nos verificar se os estudantes haviam se apropriado, ou não, do procedimento geral de solução da tarefa de estudo. Caso contrário, precisamos abordar a relação universal em estudo a partir de outros experimentos, envolvendo outras grandezas e, a partir de então, reiniciar o movimento de redução do concreto ao abstrato.

Não podemos afirmar que todos os estudantes se apropriaram do conceito, pois foi apenas um período de docência em Matemática. Assim como, também, nem todos se apropriaram com a mesma intensidade das reflexões desencadeadas a partir da situação virtualmente vivenciada por Cordasmil. Mas podemos afirmar que alguns estudantes apresentaram indícios de apropriação da relação universal em estudo, tal como se pode constatar nos flashes que constituem as cenas anteriormente apresentadas.

CONCLUSÕES:

O processo de ensino e aprendizagem de Matemática desenvolvido atualmente nas escolas brasileiras geralmente parte dos conhecimentos que as crianças já possuem, de suas vivências cotidianas, ou seja, dos conhecimentos empíricos, para posteriormente conduzir aos conhecimentos mais abstratos, porém, sem sair da empiria (CRESTANI, 2016; GALDINO, 2016; HOBOLD, 2014; SANTOS, 2017; SILVEIRA, 2015).

Os livros didáticos já apresentam os conhecimentos prontos para serem repassados aos estudantes pelo professor (GALDINO, 2016). A formação do professor, por sua vez, também é sustentada nessa mesma lógica, por isso, acaba reproduzindo-a (FONTES, 2019; ISIDORO, 2019; MATOS, 2017).

Porém, os resultados da presente pesquisa indicam que é possível interromper esse ciclo, mudar o conteúdo e a metodologia de ensino de modo que supere o empirismo. Ao orientarmos as reflexões dos estudantes 4° ano do Ensino Fundamental com base nos fundamentos da Atividade Orientadora de Ensino e da Teoria do Ensino Desenvolvimental, eles manifestaram indícios de apropriação de alguns elementos do conceito de fração em nível teórico.

Finalizamos a presente pesquisa, conscientes de que não esgotamos a temática, além disso, surgiram outras questões que precisam ser investigadas e aprofundadas: como os estudantes aprendem o conhecimento científico? Como desenvolvem o pensamento teórico? Como motivá-los para entrarem em atividade de estudo? Como envolver uma geração que nasceu e cresceu na era digital em situações desencadeadoras de aprendizagem desenvolvidas em salas de aulas obsoletas do ponto de vista das tecnologias? Estas e outras questões fazem parte de nossas pretensões futuras de pesquisa com a finalidade de garantir que todos os estudantes, sejam eles de escolas públicas ou privadas, apropriem-se de conhecimentos científicos essenciais para alcançarmos a transformação social humanizadora

REFERÊNCIAS:

CRESTANI, S. Organização do ensino de matemática na perspectiva do desenvolvimento do pensamento teórico: uma reflexão a partir do conceito de divisão. 2016. 124 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2016. Disponível em: http://pergamum.unisul.br/pergamum/pdf/111291_Sandra.pdf. Acesso em: 25 ago. 2018.

DAVÍDOV, V. V. La enseñanza escolar y el desarrollo psíquico: investigación teórica y experimental. Trad. Marta Shuare Moscú: Editorial Progreso, 1988.

DAVÍDOV, V. V.; MÁRKOVA, A. La concepción de laactividad de estudio de los escolares. In: DAVIDOV, V.; SHUARE, M. La psicología evolutiva y pedagógica en la URSS: antología. Moscou: Editorial Progreso, 1987. p. 316-336.

DAVÝDOV, V. V. Tipos de generalización en la enseñanza. 3. ed. Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1982.

DAVÝDOV, V. V. Análise dos Princípios Didáticos da Escola Tradicional e Possíveis Princípios do Ensino em Um Futuro Próximo. In: LONGAREZI, A. M.; PUENTES, R.V. (Org.). Ensino Desenvolvimental. Antologia. Livro 1. 1. ed. Uberlândia: Edufu, 2017. v. 1. 240p. Tradução: Josélia Euzébio da Rosa e Ademir Damazio. p. 211-223.

FONTES, M. da S. Experimento Didático Desenvolvimental em Matemática no contexto do curso de Pedagogia. 2019. 127 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade do Sul de Santa Catarina, 2019.

GALDINO, A. P. S. O conhecimento matemático de estudantes do 3º ano do ensino fundamental sobre o conceito de multiplicação: um estudo com base na Teoria Histórico-Cultural. 2016. 110 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2016.

HOBOLD, E. S. F. Proposições para o Ensino da tabuada com base nas Lógicas Formal e Dialética. 2014. 199 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2014.

ISIDORO, L. C. N. Modo de organização do ensino desenvolvimental de fração: o conhecimento revelado por acadêmicas de Pedagogia. 2019. 107 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Sul de Santa Catarina, 2019.

MATOS, C. F. Modo de organização do ensino de matemática em cursos de pedagogia: uma reflexão a partir dos fundamentos da teoria histórico-cultural. 2017. 139 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Sul de Santa Catarina, UNISUL, Tubarão, 2017.

MOURA, M. O. Números racionais Arquivo. 2015. Disponível em: https://disciplinas.stoa.usp.br/mod/resource/view.php?id=155570. Acesso: 09 out. 2018.

MOURA, M. O. et al. Atividade orientadora de ensino: unidade entre ensino e aprendizagem. Revista Diálogo Educ., Curitiba, v. 10, n. 29, p. 205-229, jan./abr. 2010.

QEDU. Use dados. Transforme a Educação. 2017. Disponível em: https://www.qedu.org.br/. Acesso em: 22 out. 2018.

ROSA, J. E. Proposições de Davydov para o ensino de Matemática no primeiro ano escolar: inter-relações dos sistemas de significações numéricas. 2012. 244 f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2012.

SANTA CATARINA. Governo do Estado. Secretaria de Estado da Educação. [Proposta Curricular de Santa Catarina: formação integral na educação básica] /Estado de Santa Catarina, Secretaria do Estado da Educação – [S.I.]: [S.n.], 2014

SANTOS, C. O. O movimento conceitual de fração a partir dos fundamentos da logica dialética para o modo de organização do ensino. 2017. 89 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2017. Disponível em: https://www.riuni.unisul.br/handle/12345/2071. Acesso em: 16 mar. 2019.

SILVEIRA, G. M. Unidade entre lógico e histórico no movimento conceitual do sistema de numeração proposta por Davýdov e colaboradores para o ensino das operações da adição e subtração. 2015. 186 f. Dissertação (Mestrado em Educação) -Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2015.

FOMENTO

O trabalho teve a concessão de Bolsa pelo Programa Unisul de Iniciação Cientifica (PUIC), da Universidade do Sul de Santa Catarina. (Unisul). A pesquisa também contou com recursos materiais do grupo de pesquisa Teoria do Ensino Desenvolvimental na Educação Matemática (TEDMAT).