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    Captulo 9

    Deus, Divindades e Poder Ancestralonde se discorre a respeito da concepo de Deus e da etimologia dapalavra orix; apresentam-se dados sobre algumas das principais

    divindades do panteo iorub e sobre o Poder Ancestral

    Olodumare - a respeito de Deus 1

    Deus possui muitos nomes, sendo o mais antigo Olodumare ouEdumare. A palavra Olodumare constitui contrao de Ol'(Oni) odu

    mare (ma re), o que significa Ol'(Oni) = senhor de, parte principal,lder absoluto, chefe, autoridade/ Odu = muito grande, recipiente

    profundo, muito extenso, pleno;Ma re = aquele que permanece, aqueleque sempre ;Mo are = aquele que tem autoridade absoluta sobre tudoo que h no cu e na terra e incomparvel; Mare = aquele que absolutamente perfeito, o supremo em qualidades.

    Alguns outro nomes de Deus so: Olorun, contrao de Ol' =Senhor / Orun = cu, significando Senhor do Cu;Orise contrao deOri = cabea / Se = origem, significandofonte da qual se originam osseres ou fonte de todos os seres; Olofin-Orun, contrao de Olofin =rei / orun = cu, significando Senhor do Cu; Olori, contrao de Oni =Senhor / ori = cabea, significando Senhor de tudo o que vivo.

    So atributos do Ser Supremo: nico, Criador, Rei, Onipotente,Transcendente, Juiz e Eterno. considerado Oyigiyigi Ota Aiku - a

    poderosa, durvel, inaltervel rocha que nunca morre. No recebecultos diretamente, porm sempre que uma divindade cultuada aorao inicia porA se (ax):Possa Deus aceitar isso.

    Irunmale - Orixs e Ancestrais

    As entidades que habitam a dimenso supra-sensvel sodenominadas irunmale e entre elas incluem-se os irunmale-divindades,

    1 Fonte bibliogrfica: Awolalu & Dopamu, 1979

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    associados criao e cujo ax advm de emanaes diretas deOlodumare e os irunmale-ancestrais, associados histria dos seres

    humanos. Os ancestrais masculinos, irunmale-ancestres da direita -Baba-egun - tmsua instituio na SociedadeEgungun e os femininos,irunmale-ancestres da esquerda - Iya-agba ou Iyami - tm suainstituio nas Sociedade Gelede e Egbe eleeko. Os ancestraismasculinos tm representaes individualizadas enquanto osfemininos, exceto em ocasies bem extraordinrias, so agrupados nosingularIyami (minha me), tema a ser abordado adiante. A frmula deinvocao dos irunmale diz:

    Os quatrocentos irunmale do lado direito

    e os duzentos irunmale do lado esquerdo2

    Os orixs, irunmale-divindades, esto relacionados estrutura danatureza enquanto os irunmale-ancestrais vinculam-se maisespecificamente estrutura da sociedade. Os antepassados sogenitores humanos e os orixs, genitores divinos. O orix representaum valor e uma fora universal e egun, um valor restrito a determinadogrupo familiar ou linhagem. Aquele define a pertena do ser humano ordem csmica e este, sua pertena a determinada estrutura social.Segundo Elbein dos Santos (1986), os orixs regulam as relaes como sistema como totalidade, enquanto os egun regulam as relaes, atica e a disciplina moral do grupo.

    Orixs

    Os orixs so, segundo Awolalu e Dopamu (1979), deuses com dminsculo. Emanaes do Ser Supremo, dele possuem atributos,qualidades e caractersticas e tm por propsito servir vontade divinano governo do mundo. Algumas destas divindades so primordiais, isto

    2 Segundo a interpretao apresentada por Elbein dos Santos (1988:74), 200 um nmerosimblico cujo significado grande quantidade. Nas referncias feitas grandequantidade de seres espirituais, agrega-se o 1 e fala-se em 201, representando estaunidade, Exu, que veicula o ax entre todos os elementos do sistema

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    , participaram da criao do mundo; outras so ancestrais que por suasvidas exemplares3, foram deificados e outras personificam foras e

    fenmenos naturais.

    Entre as divindades primordiais figuram, por exemplo, Orixal,tambm chamado Obatal ou Oxal; Orumil, tambm chamado IfeExu, conforme se pode ver no mito cosmognico4. Entre os ancestraisdeificados figuram Xang, o quarto rei de Oyo, identificado comJakuta, a primitiva divindade dos raios, relmpagos e troves.Personificando fenmenos e foras naturais, h milhares de espritos,associados s montanhas, montes, rios, rochas, cavernas, rvores,lagos, riachos, florestas. Como por exemplo, o monte rochoso Olumo,de Abeokuta, a quem os egba atribuem a ajuda diariamente recebida.

    Os nomes dos orixs so descritivos, informando sobre suanatureza, carter e funes ou possibilidades. Por exemplo, Jakuta,aquele que briga com pedras, a divindade do raio e com raio pune osfaltosos; Olokun (Ol'= Senhor / okun = mar) o Senhor do mar;Xapan (soponna = varola) a divindade que pune com varola, ou

    promove sua cura. De quantas divindades se compe o panteo? EmIle-If, Idowu foi informado que o conjunto soma 200, sendo o rei deIf considerado a 201a, o que perfaz um total de 201. Outras fontesorais referem-se a um total de 401, 600, 1060, 1440 ou ainda, 1700.

    Em cada localidade o panteo regido por uma arqui-divindade - oser espiritual mais importante abaixo de Deus. As divindades sosimultaneamente boas e ms, podendo trazer felicidade ou infortnioaos homens.

    A palavra orix de etimologia obscura. Entre as inmerastentativas de elucidao de seu significado, inclui-se um mitoapresentado por Idowu, que transcrevo a seguir: Olodumare designou

    3 Talvez seja oportuno assinalar que o conceito de vidas exemplares tambm obedece relatividade de valores culturais. O que se considera vida exemplarno Cristianismo, porexemplo, muito distinto da vida exemplar no quadro referencial iorub. Diferem asvirtudes morais segundo o contexto cultural

    4. Vide Captulo 5

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    Orix para vir ao mundo com Orumil. Passado algum tempo, a arqui-divindade quis possuir um escravo. Dirigiu-se ao mercado de escravos

    em Emure e comprou um, de nome Atowoda, aquele que algum trazsobre a prpria cabea. Prestativo e eficiente, trazia muita satisfaoao seu senhor. No terceiro dia de convivncia Atowoda pediu a Orixque lhe cedesse uma poro de terra para cultivo prprio. Teve seu

    pedido atendido e tornou-se proprietrio de terras na encosta damontanha que ficava prxima casa de Orix. Em apenas dois dias detrabalho limpou o mato, construiu uma cabana e cultivou uma fazenda,deixando seu amo muito bem impressionado. Mas o corao de

    Atowoda no era bondoso e nele germinou o desejo de destruir o amo.Procurando a melhor maneira para realizar seu intento, maquinou um

    plano: havia na fazenda grandes pedras e uma delas poderia, emmomento oportuno, ser deslocada do alto da montanha, de modo a rolarmorro abaixo e cair sobre Orix. Escolhida a pedra adequada,

    preparou-a para que pudesse ser facilmente deslocada. Uma ou duasmanhs depois, Orix encaminhou-se para a fazenda. Atowoda oespreitava sem esforo, pois seu senhor vestia roupas brancas,

    destacando-se, ntido, na paisagem verde. No momento oportuno,Atowoda movimentou a pedra e a arqui-divindade, entre surpreso eaterrorizado, no teve como escapar e sucumbiu sob o peso da pedra,

    partindo-se em muitos pedaos, que se espalharam por toda parte.

    A histria no termina a: Orumil tomou conhecimento doocorrido e, servindo-se de certas prticas ritualsticas recolheu os

    pedaos de Orix numa cabaa: Ohun-ti-a-ri-sa - o que foi encontradoe reagrupado. Alguns pedaos foram levados a Iranje, lugar de origem

    da arqui-divindade e outros foram distribudos por todas as partes domundo.A palavraOrix seria, pois, contrao de Ohun-ti-a-ri-sa e esseteria sido o incio do culto em todo o mundo. Este mito sugere queoriginalmente Orix era uma unidade da qual decorreram todas asdivindades. Sugere tambm que o Uno manifesta-se no mltiplo e queaquilo que dividido ser um dia reagrupado.

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    Segundo outra interpretao, a palavra orisa seria uma corruptelada palavra orise, contrao deIbiti-ori-ti-se, ou seja, origem (oufonte)

    dos ori, designao do Ser Supremo. Esta interpretao enfatiza antima participao das divindades na obra de Deus na terra. Os orixsso designados por muitos outros nomes, entre os quais,Imale, palavratalvez originria da contrao de Emo-ti-mbe-n'ile, que significa seressupra-normais na terra.

    Quais so os principais orixs e qual a hierarquia estabelecida entreeles? Algumas divindades so cultuadas por toda a terra dos iorubs.Outras so particularmente reverenciadas nesta ou naquela regio.Assim, a divindade prioritariamente cultuada em determinadalocalidade, como Oxum em Osogbo, por exemplo, torna-se a lder do

    panteo local.

    Selecionar algumas dessas divindades para apresentao e, emseguida escolher os traos mais significativos de cada uma delas, traossuficientes para caracteriz-las, constitui tarefa rdua pois os dados sonumerosos e sua articulao, complexa. Espero que os orixs no

    mencionados, seus devotos e simpatizantes, possam desculpar a lacuna.Peo-lhes que no a interpretem como sinal de irreverncia, descaso oudesrespeito.

    Exu5

    Exu Odara omokunrin Idolofin

    Exu Odara, o homem forte de Idolofin

    Paapa-wara; A tuka mase isa

    O apressado, o inesperadoEle, que quebra em fragmentos que no se pode juntar

    Exu personagem controversa, talvez a mais controversa de todasas divindades do panteo iorub. Para alguns considerado como noexclusivamente mau, enquanto para outros tido como a prpria

    5 Fontes: Idowu, 1977; Abimbola (1975, 1976); Awolalu & Dopamu, 1979; Dopamu, 1990

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    personificao do Mal6. Segundo Dopamu (1990), a maioria dosiorubs compartilham a opinio de que Exu personifica o Mal e

    atribuem a ele a responsabilidade por situaes de briga, perigo,confuso, tumulto, m conduta e loucura. comum ouvirmos umiorub orando Oloorunma je ki a ri ija Esu - Possa Deus nos ajudar aevitar o combate com Exu..

    No mito cosmognico Exu figura como responsvel pelaconservao do ax, o grande e divino poder com o qual as divindades

    realizam seus feitos sobrenaturais. (Abimbola, 1976). Em outrosmitos, mostra-se freqentemente associado a Orumil. Vejamos umdesses mitos, transcrito por Dopamu(1990):

    Um dia Exu recebeu de Orumil 120 mil bzios7 economizados eprometeu negociar com eles. Mas como desejava ver o trabalho de seucompanheiro arruinado, com esse dinheiro comprou uma velha e atrouxe para ele. No passaram trs dias e a velha morreu. Mas Orumil,conhecendo muito bem as intenes maldosas de Exu, aceitou oincidente com calma e providenciou rituais fnebres com todas as

    honras para a falecida. Pois bem. A velha era me de dois grandes reis -o Oba de Ibini (Benin) e o Oba de Oyo, que estavam procurando-a portoda parte, preparados para pagar por ela um resgate real. Ao tomaremconhecimento do ocorrido, compraram de Orumil o cadver da me

    por incontveis bolsas de bzios. Assim, Exu no conseguiu criarobstculos no caminho de Orumil.

    Outro mito esclarecedor a respeito das relaes entre essas duasdivindades o seguinte: Certa feita, Orumil sofreu a ingratido das

    pessoas do mundo e partiu para o cu, levando um feixe de varas elamentando o ocorrido. No caminho encontrou Exu que lhe perguntou

    para onde ia. Ouvindo o relato, Exu considerou que, se os seres

    6 Remeto o leitor particularmente interessado por este tema aos trabalhos de Abimbola(1975, 1976), Idowu (1977), Awolalu & Dopamu (1979) e Dopamu (1990)

    7 Os bzios eram usados como moeda corrente

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    humanos podiam dizer coisas to feias contra Orumil, sempre togeneroso para com eles, o que no diriam dele prprio, sempre to

    cruel? Ento, acompanhou o amigo at o cu, carregando o feixe devaras para ele e l chegando, ao ver as pessoas do mundo irou-se.Pegou algumas varas e comeou a bater nelas. As pessoas clamaram aOlodumare por ajuda, dizendo que o promotor de desordens as haviaseguido at o cu para mat-las. Olodumare enviou seus mensageiros

    para deter Exu e perguntou a Orumil por que se recusara a proteger aspessoas entregues a seus cuidados. Este defendeu-se dizendo que Exuera responsvel por todos os distrbios do mundo e que dera, no cu,

    apenas uma demonstrao de seu comportamento habitual na terra. Exudisse s pessoas que Orumil as protegia no mundo mas no poderia

    proteg-las no cu. Ento Olodumare disse a Orumil que no levassemais Exu ao cu e que cuidasse pessoalmente do bem-estar das pessoasno mundo. Aqui vemos Exu como gerador de distrbios, dotado de

    poder para promover discrdias controlveis somente por Olodumareatravs de Orumil (Dopamu, 1990).

    Para Dopamu,Exu o inimigo invisveldo homem que, ardiloso ehbil, arremete sem descanso. Ao descrever as relaes entre o homeme essa divindade, usa termos como estratgia e inimigo, denotando umaluta travada entre o Bem e o Mal, em dois campos de batalhaarticulados: o visvel, na vida de relaes sociais e o invisvel, nontimo da cada ser humano: Exu uma realidade externa, bem comoum demnio psicolgico em ns. Embora Dopamu8 o considere comouma entidade exclusivamente malvola, outros autores o descrevemcomo uma divindade simultaneamente malvola e benvola (desde que

    receba seu tributo).

    8 Cabe observar o fato de ter havido uma mudana na opinio desse autor a respeito danatureza de Exu. Na obra escrita em co-autoria com Awolalu, Dopamu mostra-se deopinio queExu no deve ser inteiramente identificado com o Sat das Escrituras crist emuulmana, por possuir carter duplo, portanto, com traos de benevolncia. Nodecorrer de seus estudos sua opinio se modifica e a obra Exu, o inimigo invisvel doHomem - publicada em 1990 em portugus, por esta editora, constitui uma espcie de"retratao pblica", conforme podemos ver no prefcio da obra referida

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    Seu santurio geralmente construdo fora da cidade ou da aldeia,podendo tambm ser encontrado em albergues para estrangeiros e

    encruzilhadas. simbolizado por uma laje de pedra ou pedao delaterita bruta enterrado obliquamente no cho. s vezes simbolizado

    por uma imagem feita de barro ou madeira. Cultuado e aplacado portoda a terra iorub, aceita em sacrifcio bzios, galos, cachorros e

    bodes, bem como uma parte dos sacrifcios oferecidos s demaisdivindades. Em algumas regies realiza-se festivais anuais em suahomenagem, ocasio em que as pessoas lhe pedem bnos para aagricultura e proteo contra o mal.

    Oxal9

    Aiye won a toro bi omi a-foro-pon!

    Suas vidas sero puras e lmpidascomo gua apanhada na nascente,logo cedo pela manh!

    Oxal, tambm chamado Obatal e Orixal (Orisa-nla), adivindade criadora, incumbida pelo Ser Supremo de criar a terra slida,

    povo-la e modelar a forma fsica do homem, sendo por isso,freqentemente descrito como o representante de Olodumare na terra.Oxal possui outros nomes descritivos de sua natureza e carter:Obatala, contrao de Oba-ti-o-nla, o rei que grande ou Oba-ti-ala,o rei em vestes brancas.

    Muito antigo, diretamente originado do Ser Supremo, compartilhacom Ele alguns nomes:A-te-rere-k-aiye = O que se expande por toda aextenso da terra; Eleda = Construtor; Alabalase = o regente queempunha o cetro (smbolo da autoridade divina); Ibikeji Edumare =Representante de Olodumare; Adimula = Aquele que suficientementeforte para nos dar segurana. Freqentemente representado pela figurade um ancio com trajes e ornamentos brancos, todos os objetos a eleassociados so igualmente brancos, incluindo-se roupas e ornamentosde seus sacerdotes, sacerdotisas e devotos.

    9 Fontes: Idowu, 1977; Awolalu & Dopamu, 1979

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    As pessoas que nascem defeituosas so chamadas Eni Orisa =Devotos do Orix e devem respeitar certos tabus alimentares. Os

    albinos esto includos entre osEni Orisa e seus tabus alimentares soparticularmente pesados. Em algumas regies costume dizer-se a umamulher grvidaKi Orisa ya 'na 're ko ni o = Possa Orix realizar umbelo trabalho de arte para ns. Ouve-se dizer tambm:Ki 'se ejo eleyingan-n-gan; Orisa l'o se e ti ko fi awo bo o = Os dentuas no devem

    envergonhar-se. Foi Orix quem os fez e no providenciou cobertura

    suficiente para seus dentes.

    Oxal cultuado por toda a terra iorub. Segundo narra a tradio,seu lar de origem Igbo: Enit nwon bi l' ode Igbo ti o re j' obal' odeIranje = Ele que nasceu em Igbo e foi reinar em Iranje. Em Ile-If cultuado, pelo menos, sob trs nomes.Em Ifon onde segundo algumastradies a me de Oxal (!) teria nascido, chamado Olufon; em Ijaye,Orisa Ijaye; em Owu, Orisa-Roowu; em Oba, Orisa Oloba e assim pordiante10. Mulheres estreis pedem a beno de conceber; mulheresgrvidas bebem gua de seu santurio para terem filhos bonitos;invlidos so tratados com essa mesma gua, colhida de manh bemcedo, devendo a pessoa que vai apanh-la, permanecer em silncio totaldurante a realizao dessa tarefa. A gua de seu santurio deve sertrocada todos os dias para manter-se pura.

    Antigamente apenas as mulheres virgens ou as j velhas, mulheressem atividade sexual e de indiscutvel reputao moral podiam apanhargua em sua nascente. Durante todo o percurso de ida fonte e retorno,

    para evitar que lhe dirijam a palavra, a pessoa que apanha a gua faz

    soar continuamente o agogo, informando tratar-se de um cortejosagrado. Oxal recebe em sacrifcio igbin (caracol da terra) e banha deori.

    10 Pode ser oportuno assinalar que exatamente a mesma divindade que recebe distintosnomes, dependendo da regio em que cultuada e as chamadas "qualidades" de Orixreferem-se, de fato, s qualidades de suas aes nas diferentes localidades por ondepassou (conforme o mito)

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    Totalmente identificado com a pureza, Oxal exige alto senso demoralidade por parte de seus cultuadores, que devem sercomo a gua

    da nascente. O procedimento do devoto de Oxal deve ser correto elimpo seu corao: Aiye won a toro bi omi a-f'oro-pon! = Suas vidassero puras e lmpidas como gua apanhada logo cedo pela manh!Oxal d a seus filhos motivo para rir e eles riem. Oxal torna seus

    filhos prsperos:

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    Alase!

    Oh, Portador do Cetro!Oh, voc que multiplica uma nica pessoa por 200 !

    Multiplique-me por 200

    multiplique-me por 400

    multiplique-me por 1460 !

    Orumil (If)11

    Okitibiri, a-pa-ojo-iku-da

    O grande transformador,que pode alterar a data da morte

    Orumil, ou If, a divindade oracular dos iorubs, respeitado porsua sabedoria. A palavra Orunmila forma-se da contrao de orun-l'o-mo-a-ti-la = Somente o Cu conhece os meios de libertao; resultatambm da contrao de orun-mo-ola = Somente o cu pode libertar. A

    palavra If, por sua vez, tem por raiz fa, que significa acumular,abraar, conter, indicando que todo o conhecimento tradicional iorub

    acha-se contido no Corpus literrio de If. Abimbola, um dos maissignificativos expoentes no estudo da cultura iorub, de opinio que oempenho em traar rotas de origem de palavras antigas como os nomesdos orixs tarefa inglria dado que a estrutura dessas palavrasimpossibilita uma anlise autntica.

    Orumil teria morado num lugar conhecido como Oke Igeti, sendopor isso que alguns de seus oriki o chamam Okunrin kukuruOke Igeti=Homem baixo do Monte Igeti; Akere-f'inu-sogbon - Pessoa pequenacuja mente plena de sabedoria.

    Segundo um de seus mitos, teve oito filhos e alguns discpulos aosquais ensinou os mistrios da adivinhao. Todos os filhos tornaram-seimportantes, espalhando-se por muitas regies da terra iorub. Deacordo com outro mito, If, nascido em If, era um eminente

    11 Fontes: Idowu, 1977; Awolalu & Dopamu, 1979. Maiores particularidades a respeito dosistema divinatrio de If vide Captulo 11

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    adivinhador e um grande curador. Depois de tornar-se famoso, fundouuma cidade chamada Ipetu, dela tornando-se rei passando a ser

    chamado Alaketu. Era muito popular e considerado grande profeta,sendo procurado por muitas pessoas desejosas de aprender a artedivinatria. Entre todos, ele selecionou dezesseis homens, cujos nomesso idnticos aos dos signos divinatrios chamados Odu.12

    Outro mito conta que o culto de If foi introduzido na terra iorubpor um nupe chamado Setilu, que nascera cego. Seus pais haviamdesejado mat-lo, por causa de sua deficincia. Mas ao crescer Setilufoi se revelando uma criana muito especial, surpreendendo os pais porseu poder divinatrio. Desde os cinco anos comeou a apresentar

    poderes, contando aos pais por exemplo, quem os visitaria e o quetrariam. medida que foi crescendo dedicou-se mais e mais prticade oogun, magia/medicina tradicional13 servindo-se, no incio, de 16seixos para adivinhar. Mas os muulmanos sentiram inveja dele e oexpulsaram do pas. Atravessou o rio Niger rumo cidade de Benin,dali para Owo e de l para Ado, alcanando finalmente If onderadicou-se e veio a ser famoso. Iniciou muitos de seus seguidores nosmistrios da adivinhao de If, o orix que viria a ser o orculo detodo o povo iorub.

    Outros mitos narram que If (Orumil), em companhia de outrasdivindades primordiais veio para a terra participar do processo decriao. Teria descido em If, considerada ponto de origem da espciehumana. Orumil recebeu deOlodumare a incumbncia de acompanhare aconselhar Orixal, seu senhor e superior hierrquico, e o privilgio

    de conhecer a origem de todos os orixs, de todos os seres humanos ede todas as coisas. Por isso responsvel pela tarefa de guiar osdestinos.

    12 Conforme exposto no Captulo 11

    13 Vide Captulo 10

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    Eleri-ipin - a testemunha (ou defensor) do destino humanopresencia o nascimento de todos os seres humanos, momento em que o

    destino de cada homem selado. Somente Orumil conhecedor do ipinori - destino do ori pode adequadamente sondar o futuro e orientarquem o procura. Por isso consultado nos momentos crticos daexistncia - fundao de aldeias; incio da construo de casas;realizao de contratos; negociaes; incio e trmino de guerras;casamentos; nascimentos.

    A palavra Orumil designa a divindade, enquanto a palavra Ifdesigna, simultaneamente, a divindade e o sistema divinatrio a elaassociado. Para orientar os que o procuram, o sacerdote de If,chamado babalawo (pai do segredo), reporta-se ao Odu Corpus,conjunto riqussimo de conhecimentos esotricos e registros histricosda milenar tradio iorub. Veste branco e geralmente raspa a cabea.As regras que deve obedecer incluem a de no aproveitar-se das

    prprias prerrogativas. Como possui amplos e profundosconhecimentos procurado por grande nmero de pessoas, muitas dasquais em situao de crise, fragilizadas pelas circunstncias difceisque enfrentam, mergulhadas num sofrimento do qual querem escapar,literalmente, a qualquer preo. Esta configurao favorece o abuso de

    poder. Entretanto, recebem a advertncia de no agirem em benefcioprprio (para enriquecer, por exemplo), nem de recusarem servir aquem no possa pagar. Se necessrio, alm de realizar o jogodivinatrio sem nus para o consulente, devem dar-lhe o necessrio

    para encaminhar a soluo do problema. Entende-se que o grandeprivilgio e a grande riqueza do sacerdote de Orumil reside na

    oportunidade de estar a seu servio. Atentemos para o fato de que Ifpode compreender todos os idiomas da terra, o que lhe possibilitaaconselhar todos os seres humanos, sem exceo. O corpus narrativode If guarda a histria da maioria dos orixs. Guarda ainda, oensinamento de curas atravs do uso de ervas. Por isso, seus sacerdotesdevem conhecer, alm da prtica divinatria, o preparo de remdios.

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    Orumil tem por irmo mais novo, Ossaim, a divindade da cura, decujo auxlioserve-se h 1460 anos14.

    If cultuado em toda a terra iorub. Seu santurio fica na casa dosacerdote. Seus pertences incluem 16 sementes de palmeira (ikin),

    bzios e pedaos gravados de presa de elefante, guardados numreceptculo colocado em lugar alto num canto ou no centro do cmodo.Aceita em sacrifcio leo de palmeira, ob, orob, sendo que sacrifciosmais elaborados, podem incluir aves, porcos ou bodes, dependendo da

    prescrio do orculo.

    Obaluaiye15

    A-soro-'pe-l'erun

    Aquele cujo nome no deve ser pronunciado durante a

    estao das secas

    Obaluaiye, palavra constituda pela contrao de Oba-'lu'aiye, o reique o senhor da terra tambm chamado Oluwa Aiye, Senhor daterra. A ele se pede licena para o uso da terra. Por exemplo, quando

    um iorub vai jogar gua fora da casa, no cho, normalmente diz: Agoo Olode! Desculpe-me, Olode! Olode palavra originria dacontrao de Ol', abreviao de Oni (Senhor ou dono) e ode (aberto),significando, pois, Senhor (ou dono) do aberto. Sua permisso solicitada em festas:

    Deixe-me obter a permisso do senhor da terra,

    Se ele nos permitir danar;

    A hospitalidade de Obaluaiye solicitada no cultivo da terra:

    O fazendeiro poderia ser extraordinariamente agradado,

    O algodo no queimaria

    e desagradaria o fazendeiro;

    14 Aqui temos o nmero 1460 mencionado outra vez, indicando quantidade incomensurvel15 Fonte: Awolalu & Dopamu, 1979

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    O fazendeiro poderia ser extraordinariamente agradado,

    o manuseamos as ferramentas e desagradamos Olode;

    Olode poderia ser extraordinariamente agradado.

    invocado pelos nomesIle-gbona, terra quente eBaba,Pai, e nopor seu nome original - Soponna16, palavra que em iorub significavarola. Senhor da varola, inspira terror e respeito por punir com essadoena os faltosos.

    Seu castigo, como o de Xang, considerado punio nobre.Assim, quando algum morre de varola, sua morte no deve ser

    lamentada. Pelo contrrio. Deve ser aceita com alegria e gratido. Daorigina-se outro de seus nomes: Alapadupe - o que mata e a quemdevemos ser agradecidos por haver morto. Alguns ancios dizem queObaluaiye irmo mais novo de Xang17. Esta crena leva os devotosde Xang a considerarem-se imunes fria de Obaluaiye e os vice-versa. Uma expresso disso a seguinte: o h dano que o irmomais velho possa infligir aos filhos do irmo mais novo. Estes orixsso to familiares entre si que, segundo narraes tradicionais,

    Obaluaiye freqentemente refere-se a Xang em tom de brincadeira,dizendo, por exemplo, que quando Xang vai destruir uma nica

    pessoa, faz enorme alarde, com extraordinrios efeitos de luz e som(relmpagos e raios), enquanto ele prprio destruir centenas de

    pessoas silenciosamente.

    Obaluaiye probe a mentira, o envenenamento e a magia negra. Usaroupa vermelha e viaja quando o sol est bem quente. Por isso, as

    pessoas so desaconselhadas a usarem roupa vermelha e andarem sobo sol para no lhe causarem aborrecimento. Cuidados especiais devemser tomados durante a estao das secas, de modo a no adotar nenhum

    procedimento que possa ofend-lo. Isto compreensvel porque avarola mais freqente e espalha-se mais facilmente durante esse

    16 Em portugus, Xapan, cf.DicionrioAurlio17 Chamo a ateno do leitor para o fato de haver um elemento comum s duas divindades -

    o fogo (calor): as febres de Obaluaiye e o poder incendiador de Xang

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    perodo. Por ser particularmente atuante durante a estao das secas chamado A-soro-'pe-l'erun, Aquele cujo nome no deve ser

    pronunciado durante a estao das secas.

    Seu santurio fica normalmente fora de casa ou da aldeia, s vezes,no bosque. Entretanto, pode permanecer no interior de casa ou daaldeia. Em seu assentamento encontramos um pote de barro de bocalarga, chamado agbada, repousando sobre um montculo de terra. Aolado, fica uma vassoura especial, feita de ose potu (sida carpinifolia) euntada com osun.

    Ogum

    18

    Ogun ko ni je o si ewu lona wa

    Com a proteo de Ogum no haver nenhum perigo em nossocaminho.

    Ogum, divindade do ferro, da guerra e da caa, patrono dos

    ferreiros, caadores, guerreiros e todos os que lidam com ferro e ao,

    incluindo-se entre eles os profissionais que realizam tatuagens e

    circuncises, os policiais e os cirurgies.A tradio narra que Ogum era caador e costumava descer do orun

    por meio de uma teia de aranha, para caar. Narra ainda, que quando

    todas as divindades vieram ao mundo, tiveram dificuldades para

    encontrar o caminho, competindo a ele abrir clareiras na selva com seu

    faco mgico, para que pudessem passar. Em conseqncia disso, foi

    aclamado por todos como Osin Imale, chefe entre as divindades.

    Ogum considerado muito feroz. Qualquer contrato ou juramentoselado em seu nome deve ser cumprido. So costumes tradicionais

    beijar um pedao de ferro ou morder uma chave para demonstrar

    compromisso com a verdade e a justia, em nome de Ogum. Caso o

    compromisso no seja cumprido ou haja juramento falso, considera-se

    que o faltoso sofrer srias conseqncias.

    18 Fontes: Awolalu & Dopamu, 1979 e Salami, 1996. Este ltimo trabalhoexclusivamente dedicado a Ogum

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    Seu santurio construdo na parte fronteira das casas e oficinas de

    ferreiros. Tem por smbolos mais importantes o ferro, a rocha,

    fragmentos de metal, a plantaporogun (dracaena fragrans), a presa doelefante ou sua cauda. Aceita em sacrifcio aves, tartaruga, carneiro,

    obi, orob, car, leo de palmeira e, preferivelmente, cachorros. Sua

    bebida favorita o vinho de palmeira.

    Xang19, senhor dos raios, relmpagos e troves

    Sango oluaso akata yeriyeriOlukoso, eegun ti n yona lenu

    Sango Oluaso, o drago faiscanteOlukoso, a divindade que lana fogo pela boca.

    Xang, o quarto rei(Alafin) de Oyo, pertencia a uma famlia temidae respeitada. Governava a cidade de Eyeo (Katunga). Filho de Oranyan,o poderoso guerreiro, por sua vez, filho de Odudua, teve muitasesposas, entre as quais Oy, Oxum e Ob. Destemido, poderoso egrande conhecedor de magia, gostava de exibir seu poder, por exemplo,lanando labaredas de fogo pela boca, ao falar. De ndole irascvel, seu

    procedimento o levou a perder o respeito de seus conselheiros e dopovo em geral.

    Tendo causado desentendimento entre dois de seus conselheirosestimulou a discrdia gerada, provocando uma briga que culminaria namorte de um deles. Esse fato repercutiu e ele tornou-se odiado por seussditos. No podendo suportar tal situao, fugiu da cidade de Oyo,sem destino. Andava a esmo acompanhado apenas por Oy, Oxum e

    Ob, pois seus mensageiros, entre os quais, Osunare, Dada, Oru e Timi,j o tinham abandonado. Ao chegar ao limite da cidade, antes de deixarOyo, voltou-se para trs e viu que apenas Oy o acompanhava. Suatristeza aumentou e, sem saber o que fazer, aproximou-se de umarvore chamada ayan, plantada beira da estrada e ali se enforcou.Esse lugar viria a ser chamado Koso (no se enforcou). Aps sua

    19 Fontes: Awolalu & Dopamu, 1979 e Salami, 1990. Este ltimo, exclusivamente dedicadoa Xang, Oy, Oxume Ob

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    morte, Oy caminhou rumo cidade de Ir e no caminho transformou-se no rio que ficaria conhecido como rio Oy (odo Oya).

    Quando a notcia de que o rei se enforcara chegou cidade, o povoclamava: "Oba so! Oba so!" - O rei se enforcou! O rei se enforcou!Isto provocou irritao nos amigos que haviam permanecido fiis aorei. Porm, estes constituam minoria, sem poder de revide. Dirigiram-se ento cidade de Ibariba, aprenderam artes de magia e voltaram

    para vingar o nome do amigo. Capazes agora, de provocar fogoespontneo, comearam a incendiar as casas dos ofensores. A situaose agravava quando ao fogo associavam-se vendavais, aumentando onmero de casas destrudas. Atemorizados e desejando apaziguar ofuror de Xang, os cidados de Oyo mudaram a expresso Oba so - Orei se enforcou, para Oba Koso - O rei no se enforcou.

    Xang tornou-se orix em Oyo e seu culto espalhou-se rapidamentepela terra dos iorubs, vindo ele a ser um dos orixs mais cultuados.Considerado no apenas feroz, mas tambm generoso, provedor defilhos, dinheiro, curas e, especialmente, justia, abomina falsidades,

    mentiras, roubo e envenenamento.H uma grande quantidade de mitos nos quais Xang figura como

    personagem principal. Alguns apresentam muita semelhana com estesaqui apresentados e outros, muitas diferenas. Um deles, por exemplo,o apresenta como filho de Iemanj, conforme o oriki: Omo olomi ti njeIyemoja, Filho da me d'gua que se chama Iemanj. geral,entretanto, sua identificao comJakuta - aquele que briga com pedras- a primitiva divindade dos raios, relmpagos e troves.

    Somente os -Baba-mogba, sacerdotes de Xang ou as Iya-Sango,suas sacerdotisas, podem responsabilizar-se pelos ritos fnebresrealizados para as vtimas de raio. As punies de Xang soconsideradas nobres e as mortes por raio no devem ser lamentadas.Sendo a casa atingida por um raio, seus moradores se afastam delatemporariamente, cedendo lugar aosBaba-mogbapara que ali realizemos rituais necessrios.

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    Os devotos de Xang usam colares de contas vermelhas e brancas eseu sacerdote, que geralmente no corta o cabelo, trana-o como as

    mulheres. Seus santurios, espalhados por toda a terra dos iorubs,consistem numa estaca de trs pontas, em cuja forquilha fica umagamela contendo machados comuns e de pedra, chamados edun ara(pedra de raio), considerados os instrumentos de punio. Xang aceitaem sacrifcio, bzios, cabras, carneiros, touros e aves. O povo lhe pede

    paz, vida longa, bem-estar material, prosperidade e proteo contra operigo de males ocultos.

    Divindades femininasOy, Iemanj, Oxum, Ob, an Buruku (Omolu)

    Oy20, senhora dos ventos e tempestades

    Oya Oriri

    Oy to lindaque no se pode tirar os olhos de cima dela

    Ekun ti nje ewe ataLeopardo fmea que come pimenta crua

    Assim como os raios, relmpagos e troves so atribudos a Xang,os fortes ventos e as tempestades so considerados expresses dodescontentamento de Oy. A origem mtica do rio Niger (Odo Oya) associada, tambm, a esta divindade. Um odu de If, apresentado porSalami (1990), faz a seguinte narrao dessa origem: Em tempos deguerra, o rei dos nupe consultou o orculo para saber como prevenir-secontra uma invaso. If disse ao rei que, caso encurralado, desse uma

    pea de tecido negro para ser rasgado por uma virgem. Entre asvirgens, o rei elegeu sua prpria filha. Diante do pai, dos orculos egenerais, a jovem rasgou o tecido negro: O ya - Ela cortou. Atirou asduas partes no cho, sob o olhar esperanoso do povo nupe. O panotransformou-se em negras guas que comearam a fluir, transformandoo ncleo do reino numa ilha protegida.

    20 Fonte: Salami, 1990

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    Alguns mitos a apresentam como originria da cidade de Ir.Outros, como nascida na ilha fluvial de Jebba, em terra nupe, tambm

    local de origem de Torosi, me de Xang. Oy era esposa de Ogum elutava lado a lado com o marido, usando espadas forjadas por ele. Umdia Xang, elegante e atraente, chegou Forja de Ougam. Envolveu-seem amores com Oy e, ao surgir uma oportunidade fugiram juntosenquanto Ogum estava muito compenetrado em seu trabalho. Maistarde, ao dar-se conta do ocorrido, procurou a mulher por toda parte eterminou por encontr-la na floresta. Golpearam-se mutuamente com asespadas, sendo Ogum partido em sete e Oy em nove partes. Conforme

    Salami (1990), havia dezesseis rainhas rivais, competindo peloprivilgio de ter a preferncia de Xang. Oy foi a vitoriosa, graas a

    seu charme, personalidade e elegncia de movimentos.

    Alguns de seus oriki assim a evocam:

    Ela grande o bastante para carregar o chifre do bfalo

    Oy, que possui um marido poderoso

    Mulher guerreira, mulher caadoraOy, a charmosa,

    que dispe de coragem para morrer com seu marido

    Vendaval da Morte

    A mulher guerreira que carrega sua arma de fogo

    Quando anda, sua vitalidade como a do cavalo que trota

    Eepa, Oy, que tem nove filhos, eu te sado!

    O que Xang disser, Oy vai interpretar

    Vocs no sabem que Oy vai entender

    o que Xang nem acabou de dizer?

    O que ele quiser dizer, Oy quem dir

    Oy, Leopardo fmea que come pimenta crua

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    Oy, o orix que apoia seu marido

    Mulher poderosa e forte, possui um corpo perfeito

    Oy, a charmosa e elegante, a mulher bela

    O Grande Vendaval, que tambm venta suavemente.

    H um mito que a descreve como tendo nascido em Iwo. Essaverso a apresenta como uma mulher que vivia triste por no conseguircasamento e que aps perambular pelas cidades a esmo, foi encontrada

    por sua famlia em Ir. No retorno para casa encontraram Xang

    acompanhado de uma de suas esposas: Oxum. Assim que viu Oy, quiscasar-se com ela e foi aceito imediatamente. Ela veio a ser sua esposa

    predileta:Entre os dezesseis orixs femininos nas mos de Xang, Oyse destacou por sua beleza, elegncia e fora.

    Recebe cultos em toda a terra iorub, principalmente por parte dasmulheres. Seu santurio guarda objetos simblicos - a espada, o chifrede bfalo e pedras originrias do rio Oy; um pote com agbo (gua

    para banhar os iniciados); gua pura, para ser bebida por mulheres quedesejam tornar-se frteis ou por pessoas doentes; o assentamento deXang ou uma estatueta que o represente. Os iniciados preferem beberdesta gua em lugar de outra qualquer, pois ela contem o ax do orix.As contas dos colares dos devotos de Oy so de cor marrom.

    Iemanj21, senhora de todas as guas

    Diante da casa da senhora dos barcos brota a prosperidade

    o quintal da senhora dos barcos brotam prolasIemanj de seios fartos, somos os filhos das guas

    Oxum, senhora das guas que fluem suavemente, senhorados rios, dos metais nobres, da fertilidade e da prosperidade

    Oxum, graciosa me, plena de sabedoria!

    21 Fonte: Salami, 1990

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    A estreita associao entre Iemanj e Oxum permite que essas duasdivindades sejam apresentadas em conjunto. Narra o mito, ter sido

    Oxum a primeira filha de Iemanj. Esta, no conseguindo engravidar,consultou If, recebendo a recomendao de dirigir-se ao rio prximo asua casa antes do alvorecer, a cada cinco dias, levando oferendas ecarregando um pote pintado de branco sobre a cabea, sempreacompanhada por um grupo de crianas cantando em coro. Asoferendas incluam egbo (canjica branca), yanrin (verdura), ekuru(inhame cozido e amassado com dend), eko (mingau de milho branco),obi e orogbo. Chegando ao rio deveria encher o pote de gua e

    retornar, sempre acompanhada pelo coro infantil. A gua devia serdespejada num pote chamado awe e durante o intervalo entre ascaminhadas ao rio deveria beber dessa gua e banhar-se com ela.

    Aps repetir esse ritual durante muito e muito tempo, Iemanjfinalmente engravidou. No interrompeu as prticas rituais que foramse tornando cada vez mais penosas medida que o processogestacional se adiantava. Uma manh, logo aps entregar as oferendas,sentiu forte dor. Pediu s crianas que se afastassem, ajoelhou-se e logoouviu o choro do beb: nascera Oxum! Chamou as crianas e pediu auma delas que fosse dar a notcia a Orumil que, muito feliz, enviouum mensageiro para saud-la.

    No terceiro dia o umbigo da criana comeou a sangrar e a despeitodos cuidados de Iemanj, o sangue no estancava. If foi consultado econfigurou-se o Odu Ose Orogbe22:

    A que possui uma gamela onde guarda dinheiro

    Graciosa me, dona de muitos conhecimentos

    que enfeita seus filhos com bronze

    If orientou quanto aos novos rituais necessrios, complexos rituaisque incluam um agbo tutu, banho frio. Por isso, crianas nascidas

    22 No jogo erindilogun, dos dezesseis buzios, ose a fala de Oxum

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    graas ajuda de Oxum, chamadas olomi tutu, aquele que usa guafria, devem banhar-se com gua fria, seja qual for a temperatura

    ambiente23.

    Iemanj sentia-se insegura quanto sade da filha e pediu ajuda aOgum. Oxum estava apenas com seis dias de vida, quando ele adentroua mata e, sob orientao de Ossaim, orix da essncia do mundovegetal, apanhou folhas de yanrin e pimentas verdes e as colocouinteiras no pote. Somente quando a sade da criana firmou, foi seunome revelado por Ogun: Ose-n'ibu omi - Ox nas profundezas dasguas.

    Oxum

    Um texto citado por Elbein dos Santos (1986) refere-se a Oxum daseguinte maneira: o tempo da criao, quando Oxum estava vindodas profundezas do orun, Olodumare confiou-lhe o poder de zelar por

    cada uma das crianas criadas por Orix, que nasceriam na terra.

    Oxum seria a provedora de crianas. Ela deveria fazer com que as

    crianas permanecessem no ventre de suas mes, assegurando-lhesmedicamentos e tratamentos apropriados para evitar abortos e

    contratempos antes do nascimento ... o deveria encolerizar-se com

    ningum a fim de no recusar crianas a inimigos e conceder gravidez

    a amigos. Foi a primeira Iya-mi encarregada de ser Olutoju awom

    omo - aquela que vela por todas as crianas e Alawoye omo - a que

    cura crianas.

    Em seus oriki assim evocada:

    Oxum, graciosa me, plena de sabedoria!

    Que enfeita seus filhos com bronze

    Que fica muito tempo no fundo das guas gerando riquezas

    23 No esqueamos que qualquer temperatura ambiente na terra iorub sempretemperatura elevada. Pode ser um equvoco aplicar o mesmo princpio em pases declima frio

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    Que se recolhe ao rio para cuidar das crianas

    Que cava e cava a areia e nela enterra dinheiro

    Mulher poderosa que no pode ser atacada

    Mulheres louvam a fertilidade trazida por Oxum, repetindo: Yeye o,yeye o, yeye o. Oh, graciosa me, oh, graciosa me, oh, graciosa me!

    Alguns mitos referem-se a ela como Osun Osogbo - Oxumda cidade deOsogbo, outros enfatizam sua proximidade com Loguned, oraapresentado como filho, ora como mensageiro, havendo entre ambosto estreita relao que chegam a ser considerados complementares.Outros mitos, ainda, a apresentam como esposa de If. E aqueles que aapresentam como esposa de Xang narram que ao tomar conhecimentoda morte do marido, ficou desesperada, transformou-se num rio.

    Bastante cultuada em Osogbo, considerada tambm, a divindadeprotetora de Abeokuta. Seus devotos freqentemente dedicam-lhe umcrrego ou rio, chamando-o de odo Osun - rio de Oxum, ao lado do

    qual colocam o santurio. Chamada me das crianas, a ela pertence afertilidade de homens e mulheres. Todo ano, por ocasio do festivalrealizado em sua homenagem, mulheres estreis tomam gua de seusanturio esperando retornar no ano seguinte com os filhos por elaconcedidos, para agradecerem a graa alcanada. No apenas afertilidade pertence a Oxum. A prosperidade tambm. Alm disso,confere a seus devotos a desejada proteo contra acontecimentosadversos. Assim sendo, invocada nas mais distintas circunstncias,

    pois no h o que no possa fazer para ajudar seus devotos.Os sacerdotes de Oxum, normalmente, tranam os cabelos de modo

    feminino e usam colares feitos de contas transparentes da cor dombar24, tornozeleiras, braceletes e diversos objetos de bronze e metaisamarelos. Seu assentamento guardaoota (pedra); uma espada de metalamarelo ou um leque; uma tornozeleira; alguns bzios; moedas; pente;

    24 Essas contas transparentes cor de mbar so um dos principais tens no preparo de awure- magia que traz sorte

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    peregun; tecido branco. Ao lado fica um pote de gua com seu ax. Emmuitos assentamentos encontramos, tambm, estatuetas representando

    uma mulher de cabelos tranados, segurando um beb ouamamentando. comum encontrarmos o assentamento de Loguned

    junto ao de Oxum.

    Aceita em sacrifcio: galinha, gin, osun (espcie de giz vermelho),obi, ole (prato preparado com feijo modo), akara (bolinho parecidocom o acaraj brasileiro) e eko (mingau preparado com amido de milho

    branco).

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    Ob25

    E ke s'obinrin Sango

    Para um caso que no se sabe como resolverchame a mulher de Xang.

    Entre as esposas de Xang, Ob ocupava o ltimo posto.Inferiorizada em relao s demais por julgar-se incompetente paracozinhar e para vestir-se com elegncia, de natureza frgil e dcil, pordemais condescendente, tolerava muitas coisas que a desagradavam.Foi a primeira esposa a abandon-lo quando ele ficou desesperado porhaver destrudo com magia seus bens e parte de seu povo. Ao deixar acasa, sem saber para onde ir nem o que fazer, ps-se a choraramargamente, desfazendo-se em lgrimas at transformar-se porcompleto num rio - o odo Oba. O grande estrondo verificado naconfluncia dos rios Oxum e Ob, atribudo rivalidade entre ambas.

    Em seus oriki assim evocada:

    Oh Ob, mulher ciumenta, esposa de Xang

    vem correndo ouvir a nossa splica

    Ob, Ob, Ob

    Orix ciumento, terceira esposa de Xang

    Ela, que por ciumes fez incises ornamentais na pele

    Que fala muito de seu marido

    que anda nas madrugadas com as ay

    Ob, paciente, que come cabrito logo pela manh

    Ob no foi com o marido at Koso

    ficou para discutir com Oxum sobre comida

    ... tomaram o marido de Ob

    Ob entristeceu

    25 Fonte: Salami, 1990

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    Aceita em sacrifcio: cabrito, galinha, galinha d'Angola, patobranco, pombo, igbin (caracol), ob, orogbo,pimenta da costa,canjica,

    eko e gin.

    an Buruku26

    Oh, Buruku, o que te peo, se no quiseres conceder, da tua conta! (orao ewe)

    Oh, Buruku, deixa-me negociarsem nenhum proveito! (orao iorub)

    Entre os ewe e os fon da Repblica do Benin (Daom) Deus

    conhecido como an Buluku. Adotada pelos egba sob o nome

    Buruku, veio a ser cultuada entre os iorubs como divindade e no

    como o Ser Supremo. Em ewe e fon, a expresso ana Buruku tem o

    seguinte significado: ana = velho ou antigo / buruku o nome de

    Deus. Assim, an Buruku significa Deus Antigo. Foi levada para

    Abeokuta pelos sabe, um povo vizinho, mais especificamente, por uma

    mulher escrava e considerada particularmente poderosa por ser filha

    do Ser Supremo. Por essa razo chamado tambm de Omolu,literalmente,filho de Deus (Omo Oluwa: Omo = filho /Oluwa = Deus).

    Tanto os ewe como os egba consideram Buruku andrgino. Entre

    os iorubs, chamado Buruku, o aspecto masculino e Omolu, o

    feminino27. cultuada principalmente por mulheres, sendo as formas

    ritualsticas semelhantes s adotadas pelos ewe e fon em seus cultos a

    an -Buruku, o Ser Supremo.

    Buruku, considerado uma divindade de temperamento difcil,responsvel por muitas misrias e adversidades, se devidamente

    26 Fonte: Awolalu & Dopamu, 197927 interessante assinalar que no Brasil Omolu e Obaluai so considerados como a

    mesma divindade (masculina), enquanto an Buruku considerada uma divindadefeminina, sincretizada com Sant'Ana, a av materna de Jesus

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    apaziguada, revela-se poderosa e benevolente. Seus iniciados no

    devem faltar s obrigaes de culto, sob pena de tornarem-se vtimas

    de infortnios. Os recm-nascidos, mulheres em adiantado estgio degravidez, mulheres menstruadas ou que acabaram de ter relaes

    sexuais so proibidas de aproximarem-se do santurio. Apenas aps a

    menopausa podem as mulheres tornarem-se sacerdotisas de an

    Buruku e so as nicas autorizadas a oferecer sacrifcios, devendo os

    demais permanecer do lado de fora do santurio.

    Seu santurio possui, geralmente, dois aposentos, num dos quais se

    guarda os objetos sagrados, nele podendo entrar apenas a sacerdotisa equatro ou cinco de suas co-oficiantes. Entre os ewe, os assentamentos

    de Buruku freqentemente ficam a cu aberto. Consistem num

    montculo de barro no qual esto embutidos dois ou trs potes de

    cermica de boca voltada para baixo. Tais potes permanecem ocultos a

    olhos profanos. Nan aceita em sacrifcio gua fria, obi, orob, leo de

    palmeira, banana, mingau e animais.

    Em seu santurio guardado o edon (metal), que consiste emimagens gravadas em ferro, uma representando o aspecto masculino da

    divindade e outra o feminino. Ali so guardadas tambm outras

    imagens belamente esculpidas em madeira, com distintos formatos,

    algumas representando mulheres grvidas ou carregando bebs s

    costas, ou oferecendo o seio ao filho. Tais imagens, expresses dos

    tabus da divindade, so retiradas do santurio e carregadas em

    procisso nos festivais anuais, que duram trs meses.

    Durante o festival em sua homenagem os aspirantes iniciao

    recebem instrues e perdem temporariamente a capacidade de falar:

    regridem a estgios anteriores do desenvolvimento e falam como

    criancinhas que estivessem ainda aprendendo. No final desse perodo,

    resgatam a capacidade lingstica e retornam para casa entre canes e

    outras expresses de regozijo.

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    Ancestrais

    Quando Olorun procurava matria apropriada paracriar o homem todos os ebora partiram em busca da

    tal matria. Trouxeram diferentes coisas masnenhuma era adequada. Foram buscar lama, elachorou, derramou lgrimas e nenhum ebora quistomar da menor parcela. Ento Iku, ojegbe-alaso-ona,apareceu, apanhou um pouco de lama - eerupe - e noteve misericrdia de seu pranto. Levou-a aOlodumare, e este pediu a Orisala e a Olugama que a

    modelassem e foi Ele mesmo quem lhe insuflou seuhlito. Mas Olodumare determinou a Iku que, por tersido ele a apanhar a poro de lama, deveriarecoloc-la em seu lugar a qualquer momento. E porisso que Iku sempre nos leva de volta para a lama.(Elbein dos Santos, 1988:107)

    Neste fragmento de uma das verses do mito de origem do homemencontramos Ik, a morte, palavra que em iorub do gnero

    masculino, participando significativamente do processo de criao.Retomando o que foi dito no incio deste captulo, os irnmal-entidades divinas acham-se associados origem da criao, enquantoos irnmal-ancestrais, associam-se histria dos seres humanos.

    Os ancestrais masculinos, chamados Baba-gn e os ancestraisfemininos, chamados Iy-gb ou Iy-mi, possuem instituies

    prprias. Assim como os ancestrais masculinos tm instituio naSociedadeEgngn, sua contraparte feminina, os ancestrais femininos,tm instituio na Sociedade Gld e tambm na Sociedade EgbElk.

    Gelede, o poder ancestral feminino:

    restituir para restaurar a fora

    A Sociedade Gelede, integrada por homens e mulheres, cultua asIya-agba, tambm chamadasIyami, que simbolizam aspectos coletivos

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    do poder ancestral feminino. Dirigida pelas erelu, mulheres detentorasdos segredos e poderes de Iyami, cuja boa vontade deve ser cultivada

    por ser essencial continuidade da vida e da sociedade, o culto temporfinalidade apaziguar seu furor; propiciar os poderes msticosfemininos; favorecer a fertilidade e a fecundidade e reiterar normassociais de conduta. Seu festival realizado anualmente, por ocasio dacolheita de inhame, e dura sete dias.28Quando Iku devolve terra o quelhe pertence, tornam-se possveis os renascimentos. Assim considerada,a morte instrumento indispensvel de restituio.

    King Sikiru Salami e Akin Agbedejobi registraram em vdeo oFestival de Gelede realizado em Ago-Egun na cidade de Abeokuta,estado de Ogun, Nigria, no ano de 1990. A ttulo de ilustrao, odescrevo para tecer depois, algumas consideraes sobre o poderancestral feminino, elegendo, dentre as mltiplas possibilidades deabordagem desse tema, a que privilegia a restituio como

    possibilidade de restaurao da fora e que convida a refletir sobre ovalor da restituio no quadro tico e moral dos iorubs.

    Breve descrio do Festival de Gelede em Ago-Egun, 1990

    Os tambores falantes permanecem fixos na praa. A msica fala porsi. Em torno dos tambores dana Gelede incorporada em homens, umavez que apenas homens incorporam essa fora. Inicia-se o festival coma sada de Ogum, que dana carregando sobre a cabea um recipientede metal onde ardem altas chamas de fogo. Seguem-no quinze outrosorixs. Sai finalmente Gelede, incorporada nos homens ou meninos que

    por recomendao de If so ou esto sendo preparados comosacerdotes do culto. O auge do festival marcado pela sada dosuperior hierrquico do grupo, representado nessa ocasio particular,

    pela figura de um gorila com aproximadamente dois metros e meio de

    28 No Brasil (Bahia), a festa de Gelede, realizada no candombl do Engenho Velho, eracomemorada no dia 8 de dezembro, em Boa Viagem sob a conduo da ialorix MariaJlia Figueiredo, que recebia o nobre ttulo deIyalode-erelu

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    altura, longos braos rigidamente estendidos na horizontal, ao lado docorpo. O lder sai apenas no terceiro e no stimo (ltimo) dias para

    participar dos festejos. Gelede, incorporada nesse sacerdote, danacontinuamente e seus longos braos ameaam tocar as pessoas quetambm danam alegres a seu redor. Todas as pessoas realizammovimentos de modo a evitar qualquer contato fsico com esses longos

    braos porque, segundo a crena, tornar-se-iam irremediavelmentesurdas. A vestimenta dos demais homens e meninos que incorporamGelede caracteriza-se por uma grande mscara representativa de algumanimal e as vestes so constitudas por grandes tiras de pano colorido -

    osgele - panos usados diariamente como turbantes pelas mulheres. Asmscaras usadas no Festival so os assentamentos de Gelede.

    Durante todos os sete dias do Festival os participantes abandonama praa e caminham pelas ruas, acompanhando Gelede que,incorporada em vrios homens, durante o dia todo, recolhe-se aoanoitecer. Muitas cantigas so entoadas. Entre elas as chamadascantigas de efe que referem-se, a comportamentos inadequados dehomens, mulheres e crianas do grupo durante o ano transcorrido, emtom de brincadeira, tornando-os de conhecimento pblico.

    Ao discorrer anteriormente sobre o ax, fiz referncia ao fato deestar essa fora sujeita a algumas leis uma das quais determina que,uma vez transferido a seres e objetos, neles mantm e renova o poderde realizao. Como tudo o que vive necessita de ax e este desgastvel, imperiosa a necessidade de reposio. Consideremos aquesto da morte e dos renascimentos. A representao coletiva dos

    ancestrais Iku, Morte, smbolo masculino relacionado com a terra. Osrenascimentos dependem dos ancestrais e sua matria de origem alama.Iku, conforme narra o mito29, restitui terra o que lhe pertence,

    permitindo, assim, os renascimentos e, desse ponto de vista, Morte um instrumento indispensvel de restituio e um smbolo importante.Restituir restituir o ax.

    29 Vide mitos cosmognicos no Captulo 5

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    Poder genitor feminino

    A unidade formada pela conjuno orun/aiye, dois nveis deexistncia inseparveis, simbolizada porigba-odu ou igbadu, cabaacuja metade inferior representa o aiye e a superior, o orun. Em seuinterior acham-se contidos elementos-smbolos. A metade superior dacabaa, representativa de orun, dimenso espiritual, princpiomasculino, cobre a metade inferior, representativa de aiye, dimensomaterial, princpio feminino. Oxal e Odudua, respectivamente

    princpio masculino e feminino, disputam entre si o ttulo de orix dacriao, numa expresso da disputa entre o homem e a mulher pelasupremacia.

    Os irunmale da esquerda, liderados por Odudua, constituem ogrupo de todas as entidades espirituais que detm o poder genitorfeminino. Novos seres tm origem no interior da matria genitorafeminina fecundada. A terra e a gua - dos mares, rios, lagos emananciais, gua-sangue da terra, so os elementos veiculadores do

    ax genitor feminino (a gua das chuvas gua-semen, portantomasculina). Odudua, representao coletiva suprema do poder genitorfeminino, recebeu o elemento terra das mos de Olorun, o SerSupremo, e com ele criou aiye, o mundo.

    Alguns orixs femininos, irunmale-divindades da esquerda, acham-se relacionados s Iya-agba, ancestrais femininos, do Egbe Eleye,sociedade das possuidoras de pssaros. Dentre eles, Nan, comoexpressa seu oriki: Omo Atioro oke Ofa/Filha do poderoso pssaro

    Atioro, da cidade de Ofa; Oxum,Iyami-Akoko, me ancestral supremae Iemanj, Ye omo eja/Me dos peixes-filhos, esta ltima, relacionadaao poder genitor mais do que gestao. Entre elas, a maisestreitamente associada morte, terra, lama e aos lagos e fontes -guas contidas na terra, Nan. a, raiz proto-sudnica ocidental,significa me. Sua qualidade maternal e sua relao com a lama e aterra mida a associam agricultura, fertilidade e aos gros. Seuaspecto de fora genitora a faz pertencer ao branco, conforme revela

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    um de seus oriki, mencionados por Elbein dos Santos ( 1986:82) -ana funfun lele/ an branca branca-neve. Simultaneamente, por

    estar associada a processo e interioridade, pertence ao preto. So seusfilhos os mortos e os ancestrais e o segredo ou mistrio que se operaem suas entranhas expresso pela cor azul-escuro que a representa.

    As Iya-agba (as ancis, pessoas de idade, mes idosas erespeitveis), tambm chamadas Agba, Iyami (minha me), IyamiOsoronga (minha me Oxorong), Aj, Eleye (Senhora dos pssaros),representam os poderes msticos da mulher em seu duplo aspecto -

    protetor e generoso / perigoso e destrutivo. Verger (1994) recorreu aalgumas histrias de If para demonstrar a ambivalncia no que dizrespeito s Iyagba. Quando Olodumare pergunta a Iyami como seservir dos pssaros e do prprio poder, responde que matar aquelesque no a escutarem e conceder dinheiro e filhos aos que pedirem.Uma histria do Odu Ogbe Osa conta que, quando as Iya-mi-eleyechegaram ao aiye, distriburam-se sobre sete rvores, representandosete tipos de atividades distintas: sobre trs dessas rvorestrabalharam para o bem; sobre outras trs, trabalharam para o mal;

    sobre a stima elas trabalharam tanto para o bem quanto para o

    mal.30

    Verger refere-se ao fato de serem as Iyami conhecidasprincipalmente como mulheres velhas, proprietrias de uma cabaa queguarda um pssaro, podendo transformar-se elas prprias em pssaros.Apreciadoras de sangue humano, realizam trabalhos malficos eorganizam reunies noturnas na mata. No entanto, longe de serem

    excludas da sociedade so, ao contrrio, tratadas com grande respeitoe considerao. O poderio de Iyami, principalmente atribudo smulheres j velhas, pode, em certos casos, pertencer igualmente a

    jovens que o recebem por herana ou o adquirem das mais velhas. DizSantos que o significado de Iya-mi foi deteriorado pelo trabalho de

    pesquisadores estrangeiros, transformando a Iya-mi, nossa me,sustentadora do mundo, em bruxa, no sentido pejorativo do termo.

    30 Verger, P. - "The Yoruba High God" in Odu, vol. 2, n. 2, p. 147

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    Despojada de sua funo primordial de geradora da vida, ficoureduzida condio de fora destrutiva.

    Gelede

    Durante o festival as representaes litrgicas enfatizam afecundidade e a feminilidade. O poder das Iyami representado porefe, o pssaro-filho, smbolo do masculino e do elemento procriado. A

    presena de efe, que sai do mato na escurido da noite como se sassedo interior de igba-nla, a grande cabaa, assegura a boa vontade das

    Iyami e seu poder de fecundao e gestao. Mencionamosanteriormente que entre as cantigas entoadas por ocasio do Festival deGelede incluem-se as cantigas de efe, que fazem referncias, em tomde brincadeira, a comportamentos inadequados de homens, mulheres ecrianas do grupo durante o ano transcorrido entre um festival e outro,tornando-os de conhecimento pblico. Cumprem pois, entre outras, afuno de controlador social, por veicularem normas e regras derelaes, de tica, de disciplina moral do grupo, sob a autoridade do

    poder ancestral que est sendo cultuado. Transcrevemos, para ilustrar,um orinGelede (cantiga de Gelede) recolhido por Salami (1993):

    Quando algo cai e quebra

    revela-se o segredo de seu interior.

    Quando algo cai e quebra

    revela-se o segredo de seu interior.

    Quando um ovo cai no chose despedaa.

    Quando algo cai e quebra

    revela-se o segredo de seu interior.

    Quando o ovo cai no cho

    se despedaa, revelando o segredo de seu interior.

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    Aqui est Gelede, o segredo das sbias.

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    morte e, na outra via, de existncia genrica a individualizada, nonascimento e renascimento de descendentes-pores, cada qual parte

    integrante de um nico todo.

    Toda restituio demanda destruio de matria individualizadaque, uma vez reabsorvida, nutre a massa genitora restaurando seu ax.Talvez esteja nessa necessidade imperiosa de ser constantementeressarcida e umedecida para poder procriar com abundncia a razo da

    j mencionada ambivalncia do poder feminino, to freqentementeexpressa em mitos e ritos.