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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE GEOCINCIAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
DISSERTAO DE MESTRADO
A DINMICA DA VIOLNCIA CRIMINAL NO ESPAO
URBANO DE SANTA MARIA-RS
ELIANE MELARA
ORIENTADOR: PROF. DR. OSCAR ALFREDO SOBARZO MIO
PORTO ALEGRE, ABRIL DE 2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE GEOCINCIAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
A DINMICA DA VIOLNCIA CRIMINAL NO ESPAOURBANO DE SANTA MARIA-RS
ELIANE MELARA
Orientador: Prof. Dr. Oscar Alfredo Sobarzo Mio
Banca Examinadora:
Profa. Dra. Maria Encarnao Beltro Sposito (PPG emGeografia/UNESP)
Prof. Dr. lvaro Luiz Heidrich (PPG em Geografia/UFRGS)
Prof. Dr. Paulo Roberto Rodrigues Soares (PPG emGeografia/UFRGS)
Dissertao de Mestrado apresentada aoPrograma de Ps-graduao em Geografiacomo requisito para obteno do Ttulo deMestre em Geografia.
Porto Alegre, Abril de 2008
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Melara, Eliane
A dinmica da violncia criminal no espao urbano de Santa Maria-
RS / Eliane Melara - Porto Alegre : UFRGS/PPGEA, 2008.
[181 f.] il.
Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Instituto de Geocincias. Programa de Ps-Graduao em Geografia,
Porto Alegre, RS - BR, 2008.
1. Geografia. 2. Violncia. 3. Criminalidade. 4. Organizao do
Espao Urbano. 5. Santa Maria-RS. I. Ttulo.
_____________________________
Catalogao na Publicao
Biblioteca Geocincias - UFRGS
Renata Cristina Grun CRB10/1113
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D edico este trabalho em mem ria da minha professora Vanda U eda pelo apoio, pela
confiana que depositou em mim, e pelo carinho com que me recebeu na Ps-graduao.
Agradeo por voc ter feito parte da minha vida, pela or ientao e am or que me dedicou
durante as or ientaes no mestrado e tambm durante as conversas am istosas... com certeza
voc estar sempre comigo, nos meus pensam entos e no m eu corao...
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Agradecimentos__________________________________________________________
Tenh o muito a agrad ecer... mu itas pessoas fizeram p arte desta difcil e satisfatria caminhada ...
Primeiramente tenho que agradecer a um a pessoa muito especial, minha querida professora Van daU eda, que apesar de no estar ma is entre ns, deixou saud ades e muitas aes a serem seguida s...
Agradeo ao meu orientador que me ajudou muito na elaborao deste trabalho, as crticas e sugestes foramimprescindveis para a construo do mesmo...
Meus pais, Joo e Zelinda Melara merecem todo reconhecimento pelo constante apoio, carinho e tolerncia
que m e dedicado deste o primeiro dia da minha vida...
M inha querida irm e meu querido cunhado, Adriane Melara e Fabio Soares Pires , por estarem semprepre se nte s, a ju dando nas ta re fa s da dis se rt a o e ale gra ndo m in ha vid a.. .
Ao meu namorado, Vinicius Flix e toda sua fam lia, principalmente minha querida sogra, Luci F lix, osquais me proporcionam os melhores momentos nesta rdua e feliz caminhada... Vini... te amo!
M eus amigos (as ) Circe Dietz, ngela Klein, Antnio Jos Bertuzzi, Jodival M aurcio da C osta, Gutemberg
Vilhena Silva, Lucilia Gilles, M auricio Scherer, Nola G amalho, G racieli Trentin, Maria M edianeira dosSantos, Elia Righi, Virgnia M ota, Rodrigo Aguiar, Eliane Tibola, Fernando Erthal, Zlia Zaghetto,Waldomiro da Silva Olivo... os quais estiveram presentes em muitos momentos nestes dois ltimos anos,
cada qua l teve sua importncia, seja nos mom entos de lazer, nas conversas sobre a dissertao, nasdiscusses acadmicas, nas alegrias, nos mom entos tristes, nas caminha das, nos almoos, nos trabalhos de
camp o, nas fofocas, nas festas...
M inha madrinha e esposo, Rosa M elara e Vagner, os quais sempre m e deram o m aior apoio para seguir oscaminhos da academia...
Agradeo a todos os professores que, de alguma forma, contriburam para minha formao profissional...
Agradeo ao Programa de Ps-graduao da UF RG S por ter apostado nas minhas qualidades enquanto ps-gra duanda, e, es per o te r atingid o os obje tivos es pera dos .. .
Agradeo ao CNPq pelo apoio financeiro indispensvel para a realizao das atividades desenvolvidas nodecorrer da p esquisa...
Agradeo a todos que de alguma forma est iveram ou esto relacionados com a minha vida. . .. queles que meajudaram e que gostam de m im.. .
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Hipocrisia ou ingenuidade acreditar que a lei feita para todomu ndo em nom e de todo mundo; que mais prudente reconhecer que
ela feita por alguns e se aplica a outros; que em princpio ela abriga
a todos os cidados, mas se dir ige principalmente s classes mais
num erosas e menos esclarecidas que, ao contrrio do que acontece comas leis polticas ou civis, sua aplicao n o se refere a todos da m esma
fo rm a; que nos tribunais no a soci edade in teira que ju lg a um de
seus mem bros, mas uma categoria social encarregada da ordem
sanciona outra fadada desordem .
M ichel Foucault
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Resumo__________________________________________________________
Props-se nesta pesquisa trabalhar a temtica da violncia, delimitando como objeto
de estudo a violncia criminal no espao urbano. A pesquisa tem como objetivo
analisar geograficamente a dinmica da violncia criminal no espao urbano de
Santa Maria-RS, por meio da espacializao dos dados criminais, considerando a
organizao scio-espacial da cidade. Desse modo, realizou-se um mapeamento de
crimes por bairro, constatando que a zona central, a zona norte e a zona oesteapresentaram as maiores taxas de criminalidade. Na contextualizao desta
pesquisa analisou-se que a violncia visvel pode influenciar o modo de vida das
pessoas e a organizao do espao urbano, assim como o medo da violncia faz
com que muitas pessoas modifiquem seus hbitos.Em Santa Maria, verifica-se que
a organizao do espao urbano de forma segregada, em certos casos, pode
exercer influncia no processo da criminalidade. Alm disso, constatou-se que a
visibilidade da violncia mais notria sobre as pessoas de baixo poder aquisitivo,
sendo menos perceptvel entre a populao maior renda. Contudo, tem-se a clareza
de que a prtica de crimes pode estar vinculada a qualquer estrato social.
Palavras-chave:
Violncia Criminalidade Organizao do Espao Urbano
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Abstract__________________________________________________________
The object of this research is to work with the violence issue, boundering as thestudy object the urban space violence. The research has the objective of analizegeographically the dynamics of criminal violence in the urban space of Santa MariaRS, by means of the spacial treatment of the related considering the social-space ofthis city. In such way we have traced the criminal cartographic distribution on everyneighborhood which came into the conclusion that the central zone, the north zoneand the west zone presented the highest rates of crimes. In this context, we haveseen that the visual violence can interfere in the people lifestyle and urban spaceorganization, in such a way that violence leads people to change their habits. InSanta Maria we saw that the organization of the urban space is done in asegregational way, and some cases can even influence the criminality. We also havedetermined that the violence is more often related to the poor people, being lessrelated to the rich. We also checked that criminal act can be related to any socialclass.
Key words:Violence criminality - urban space organization
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Localizao da rea urbana do municpio de Santa Maria-RS 18
Figura 2: Foto da rea urbana do municpio de Santa Maria-RS 19
Figura 3: Diviso dos bairros da cidade de Santa Maria 20
Figura 4: Organograma representando os procedimentos metodolgicosutilizados para realizao da pesquisa 23
Figura 5: Grfico representando o nmero de homicdios entre 2000 e2005 50
Figura 6: Grfico representando o nmero de leses corporais entre 2000e 2005 51
Figura 7: Distribuio da populao por bairro da cidade de Santa Maria 64
Figura 8: reas de ocupao clandestina 67
Figura 9: Distribuio por bairro dos responsveis pelo domiclio queapresentam uma renda mensal superior a 15 salrios mnimos 69
Figura 10: Distribuio por bairro dos responsveis pelo domiclio queapresentam uma renda mensal inferior a 2 salrios mnimos 70
Figura 11: Distribuio por bairro dos responsveis pelo domiclio queapresentam mais de 15 anos de estudo 74
Figura 12: Distribuio por bairro dos responsveis pelo domiclio queapresentam menos de 3 anos de estudo 75
Figura 13: Distribuio por bairro dos domiclios ligados rede geral deesgotos 78
Figura 14: Distribuio por bairro dos domiclios que no esto ligados rede geral de esgoto 79
Figura 15: Distribuio por bairro dos domiclios que possuem mais de 4banheiros 81
Figura 16: Distribuio por bairro dos domiclios que no possuembanheiro 82
Figura 17: Quantidade de ocorrncias criminais registradas nos anos de
1998 e 2003 86
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Figura 18: Distribuio por bairro do nmero total de ocorrncias criminaisregistradas no ano de 2003 87
Figura 19: Distribuio dos moradores por bairro que possuem menos de
29 anos 90
Figura 20: Distribuio por bairro do nmero de ocorrncias vinculadas aotrfico e consumo de entorpecentes 93
Figura 21: Distribuio por bairro dos responsveis pelo domiclio que nopossuem rendimento mensal 96
Figura 22: Organizao do trfico de drogas no Brasil e suas conexescom o exterior (SOUZA, 1996). 98
Figura 23: Organizao do trfico de drogas em Santa Maria 100
Figura 24: Distribuio por bairro das ocorrncias vinculadas ao nmerode furtos simples 105
Figura 25: Distribuio por bairro das ocorrncias vinculadas ao nmerode furto qualificado 107
Figura 26: Distribuio por bairro das ocorrncias vinculadas ao nmerode roubos 110
Figura 27: Distribuio por bairro das ocorrncias vinculadas ao nmerode agresses 116
Figura 28: Distribuio por bairro da densidade de moradores por domiclio 118
Figura 29: Distribuio por bairro das ocorrncias vinculadas ao nmerode homicdios 122
Figura 30: Distribuio por bairro dos presos albergados, de acordo com obairro de origem 126
Figura 31: Grfico representando o total de crimes cometidos pelos presosalbergados 129
Figura 32: Grfico representando o total de crimes cometidos pelos presosalbergados provenientes do bairro Salgado Filho e do bairro Nova SantaMarta 130
Figura 33: Localizao dos bairros Juscelino Kubitschek e Nova SantaMarta na cidade de Santa Maria 137
Figura 34: Foto da Vila Rigo pavimentao precria e falta de bueiros 138
Figura 35: Foto da Vila Prado pavimentao precria e falta de bueiros 139
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Figura 36: Foto da Vila Jokey Club pavimentao precria 139
Figura 37: Foto da Vila Cohab Santa Marta infra-estrutura urbana
satisfatria 140
Figura 38: Foto do Colgio Marista, na Vila Pr-do-Sol 146
Figura 39: Foto da Vila Sete de Dezembro ruas encontram-sepavimentadas 146
Figura 40: Foto da Vila Alto da Boa Vista precrias condies de infra-estrutura urbana 147
Figura 41: Foto da Vila Marista I precrias condies de infra-estrutura
urbana 147
Figura 42: Organograma representando uma sntese da disposio dacriminalidade na cidade de Santa Maria
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Nmero de homicdios, leses corporais, roubos e furtos a cada100 mil habitantes 52
Tabela 2: Populao rural e urbana de Santa Maria 60
Tabela 3: Nmero de habitantes por bairro 63
Tabela 4: Nmero de Ocupaes Clandestinas por Bairro 65
Tabela 5: Situao do escoamento de esgoto em relao ao total dedomiclio de cada bairro
77
Tabela 6: Distribuio dos bitos por causas externas no grupo de 20 a 29anos segundo algumas causas 2005 (%) 89
Tabela 7: Nmero de ocorrncias vinculadas ao trfico e consumo deentorpecentes 92
Tabela 8: Distribuio de bitos por causas externas (2005) 117
Tabela 9: Nmero de homicdios a cada 100 mil habitantes das capitais doBrasil 120
Tabela 10: Nmero de presos por bairro 125
Tabela 11: Idade e nvel de instruo dos presos albergados 132
Tabela 12: Cidades beneficiadas pelo PAC 148
Tabela 13: Caractersticas que representam situao de risco pessoal esocial da criana e do adolescente
156
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Locais beneficiados pelo PAC em Santa Maria 66
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Sumrio__________________________________________________________
INTRODUO 14
1. VIOLNCIA E CRIMINALIDADE 25
1.1. Definio 25
1.2. Fonte de dados 32
1.3. O Mito da Marginalidade 34
1.4. As Prises 38
2. VIOLNCIA CRIMINAL NO ESPAO URBANO 43
2.1. A Influncia da Violncia na Organizao do Espao Urbano 43
2.2. O Trfico de Drogas no Espao urbano 53
3. O ESPAO URBANO DE SANTA MARIA, CARCATERSTICAS SCIO-
ECONMICAS E DE INFRA-ESTRUTURA URBANA 59
4. ANLISE DA VIOLNCIA CRIMINAL NO ESPAO URBANO DE SANTAMARIA. 84
4.1. Trfico e Consumo de Entorpecentes 89
4.2. Anlise das Ocorrncias Criminais Contra o Patrimnio 99
4.2.1. Furto Simples 103
4.2.2. Furto Qualificado 106
4.2.3. Roubos 108
4.3. Anlise das Ocorrncias Criminais Contra a Pessoa 1134.3.1. Agresses 114
4.3.2. Homicdios 117
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4.4. Espacializao da Origem dos Presos de Santa Maria 124
5. A DINMICA DA CRIMINALIDADE NO BAIRRO JUSCELINO KUBITSCHEK E
NO BAIRRO NOVA SANTA MARTA 136
5.1. O bairro Juscelino Kubitschek 138
5.2. O bairro Nova Santa Marta 143
6. SNTESE DA DINMICA CRIMINAL NO ESPAO URBANO DE SANTA MARIA
155
CONSIDERAES FINAIS 162
REFERNCIAS 168
BIBLIOGRAFIA 176
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INTRODUO__________________________________________________________
O interesse pela temtica da violnciateve incio ainda na graduao quando
foram realizadas algumas pesquisas no espao urbano de Santa Maria, Rio Grande
do Sul (RS). Objetivava-se um estudo sobre a questo da infra-estrutura dos bairros
da cidade, fazendo um levantamento de dados por vila atravs de trabalho de
campo baseado em observaes e entrevistas. Destinou-se para realizao dessa
pesquisa os bairros Camobi e Salgado Filho,1 dois bairros bem diferenciados em
relao s condies scio-econmicas e de infra-estrutura.
Dentre os problemas levantados nos bairros, resumidamente pode-se dizer que
o bairro Camobi, apesar de ser um bairro onde a maioria dos moradores apresentou
um nvel de renda alto, a maior problemtica vinculou-se a destinao dos esgotos,
j que o bairro ainda no est ligado rede geral de esgotos da cidade, pois sua
localizao distante do centro dificulta esse servio. No bairro Salgado Filho, embora
existam muitos problemas de ordem infra-estrutural, principalmente nas reas
ocupadas irregularmente um baixo grau de instruo e um baixo nvel de renda ,
a principal preocupao dos moradores no estava relacionada a essas questes. Otema mais comentado pelos moradores foi problemtica da violncia no bairro.
Segundo os entrevistados, roubos e agresses ocorriam freqentemente no local.
Desse modo, adicionou-se s leituras que estavam direcionadas para
temticas ligadas ao espao urbano e questes de infra-estrutura urbana, tambm
bibliografias sobre a violncia. O estudo desta temtica foi de tamanha significncia
que ao escrever o projeto para o mestrado optou-se por dar continuidade a esse
trabalho de compreenso da violncia, enfocando a sua incidncia no espaourbano. Como os estudos iniciaram na cidade de Santa Maria, elegeu-se este
espao para dar seqncia pesquisa. Alm disso, os estudos urbanos sobre
violncia na maioria dos casos destinam-se a cidades de grande porte, logo, a
importncia de estudar o tema numa cidade de porte mdio, cuja dinmica espacial
da criminalidade, em teoria, pode se organizar de modo diferenciado.
1No decorrer deste trabalho observar-se- a localizao desses dois bairros.
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A violncia um fenmeno que afeta a sociedade numa escala global. As
grandes metrpoles do Brasil sofrem com essa problemtica, entretanto as cidades
mdias tambm vm apresentando significativos nveis de criminalidade.
Segundo Lederman & Loayza (1999), a violncia est aumentando em muitos
locais do mundo, com destaque para a Amrica Latina, o Caribe e a frica
Subsaariana. Segundo os autores, existe uma crescente preocupao mundial com
a elevada incidncia criminal e comportamentos violentos. O interesse por essas
questes justificado pelo fato de que a desenfreada ocorrncia de crimes e
violncias tem efeitos prejudiciais em relao s atividades econmicas e sobre a
qualidade de vida de muitos cidados. Desta forma, a violncia e o crime esto
emergindo como prioridade nas polticas nacionais e nas agendas do mundo todo,embora ainda se conhea pouco sobre os fatores econmicos, sociais, institucionais
e culturais, as quais so as causas, em alguns pases, para maiores taxas de
crimes, se comparadas com outros.
No Brasil, um dos fatores de transformao do espao urbano pode ser
representado pela dinmica da violncia criminal nas cidades. As classes mais
abastadas da sociedade, em busca de conforto e segurana, buscam moradias mais
seguras, localizadas em condomnios fechados.2
Esse processo vem influenciandona reestruturao do espao urbano, estimulando a problemtica da segregao
scio-espacial. Nesse sentido, Dornelles (1992) expe que nas cidades vem
ocorrendo uma forma de segregao que pode ser comparada a um sistema de
apartheid no assumido, em que a classe mdia-alta passa a viver em condomnios
e ruas fechadas, sem contato com a realidade.
Fala-se tambm, que a violncia um argumento utilizado como desculpa para
a proteo, quando se trata de justificar a edificao de elevados muros paraproteger as pessoas pertencentes s classes de um patamar econmico mais
elevado das patologias sociais. Estas patologias muitas vezes so associadas
populao desfavorecida pelo meio social e econmico. Pode-se considerar que
esta segregao imposta, no deixa de ser um ato de violncia contra a sociedade,
que no consegue reagir, ou simplesmente no quer pensar nos problemas sociais
(BOISTEAU, 2005).
2 Os agentes imobilirios, de certo modo, fazem uso do discurso da violncia e do medo parapersuadir as pessoas a comprar imveis representados pelos condomnios fechados, utilizando-se,muitas vezes, de dados parcialmente verdadeiros para alcanar seus objetivos.
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De acordo com Francisco Filho (2004, p. 27):
O espao urbano se apresenta como algo complexo, campo onde as
relaes humanas se estabelecem e cristalizam nas suas formas enas relaes entre elas. nesse espelhamento entre as aes e suadinmica no territrio que surge uma geografia do crime, em quecada ao de quebra da ordem e, conseqentemente, de um ato deviolao dos direitos do cidado, adquire uma dinmica epersonalidade prpria, estabelecendo um conjunto de aes que seinterligam a outros fenmenos urbanos, interferindo e moldando apercepo que cada indivduo passa a ter do espao onde vive,estabelecendo novas texturas e morfologias no crescimento dotecido urbano, como conseqncia final de todo o processo.
Conforme Flix (1996), a dinmica do crime pode ser um dos fatores detransformao e reorganizao espacial, e, nesse contexto, infere-se a importncia
da Geografia para o estudo desta temtica. Segundo Flix (1996, p.148):
[...] a Geografia do Crime no a simples cartografao de reas ousimples mapeamento da criminalidade. Ela tenta compreender ofenmeno de forma global, investigando a significncia de todos osprocessos que levam ao crime, como os ambientais, os scio-econmicos, polticos, culturais, etc. para chegar a percepo de
reas de ocorrncia.
nessa contextualizao que se prope trabalhar a temtica violncia ,
delimitando como objeto de estudo a violncia criminal no espao urbano de Santa
Maria. A violncia um tema complexo que envolve uma multiplicidade de
definies, contudo, nesta pesquisa dar-se- um enfoque especial ao estudo da
violncia criminal.
Utilizou-se o termo criminal para caracterizar o tipo de violncia que ser
enfocado neste trabalho, sendo que, a expresso criminal derivada da palavra
crime.Assim, ser dada nfase queles crimesque constam na Lei (Cdigo Penal).
Para a anlise da violncia criminal na cidade, recorreu-se aos dados vinculados
principalmente s ocorrncias criminais registradas no espao urbano de Santa
Maria, enfocando a sua espacializao nos bairros da cidade. Trata-se de estudar
um tipo de violncia, denominado neste trabalho como violncia criminal, j que os
crimes institudos pelo Cdigo Penal no deixam de representar uma modalidade de
violncia.
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Apesar desse estudo estar preocupado com a identificao dos lugares de
ocorrncia dos crimes, sabe-se da importncia de considerar, como colocado por
Flix (1996), os processos sociais, econmicos, polticos, os conflitos de classe, as
formas de percepo, etc. Nesse sentido, de acordo com Flix (1996), a Cincia
Geogrfica vem procurando contribuir para a anlise da violncia. Segundo essa
autora:
[...] se a Geografia est ou no conseguindo explicarconvenientemente as causas do crime aplicado, ainda prematuroafirmar. O que parece importante que ela est investindo tempo eenergia na compreenso de tpicos muito explorados por vriascincias, especialmente Sociologia e Criminologia, mas abordados
ainda timidamente pela Geografia como avaliao das variveisdemogrficas no estudo da gnese criminal (FLIX, 1996, p. 164).
Assim, a problemtica desta pesquisa consiste no mapeamento da
criminalidade no espao urbano de Santa Maria, considerando, para a anlise dessa
espacializao, variveis sociais, econmicas, de infra-estrutura urbana e questes
de percepo. A anlise da organizao espacial da cidade e dos padres espaciais
da violncia, associados a outras dimenses da qualidade de vida urbana, permite
uma melhor compreenso do fenmeno.Deve-se salientar que a organizao social e espacial urbana tambm pode, de
certa forma, influenciar na produo de violncias. A segregao scio-espacial e a
excluso social so fatores que podem contribuir para a ocorrncia de alguns tipos
de violncia, como o caso do trfico de drogas, onde a pobreza torna-se funcional
para o seu funcionamento.
Para a realizao desta pesquisa definiu-se como rea de estudo o espao
urbano de Santa Maria-RS (Figuras 1 e 2). A proposta vincula-se numa anlisesobre a violncia criminal nos bairros da cidade. De acordo com a Lei Municipal N
2770/86, de 02 de setembro de 1986, a cidade era composta por 24 bairros.
Entretanto, no ano de 2006, com a implantao do novo Plano Diretor, de acordo
com a Lei Complementar n 042, de 29 de dezembro de 2006, o espao da cidade
foi dividido em oito Regies Administrativas e 41 bairros. Optou-se por realizar este
trabalho levando em considerao a diviso territorial de 1986, j que a maior parte
dos dados pesquisados foram originados de um perodo temporal anterior ao ano de2006 (Figura 3).
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Figura 1: Localizao da rea urbana do municpio de Santa Maria-ROrg.: MELARA, E., 2008
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Figura 2: Foto da rea urbana do municpio de Santa Maria-RSOrg.: MELARA, E., 2008
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Figura 3: Diviso dos bairros da cidade de Santa Maria
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A pesquisa tem como objetivo geral analisar a dinmica da violncia criminal
no espao urbano de Santa Maria-RS, atravs da espacializao dos dados
criminais, considerando a organizao espacial da cidade e suas caractersticas
sociais, econmicas e de infra-estrutura urbana.
Especificamente objetiva-se:
Caracterizar os bairros da cidade, considerando questes sociais,
econmicas e de infra-estrutura.
Espacializar os dados criminais no espao urbano de Santa Maria.
Analisar a dinmica da criminalidade na cidade, considerando as
caractersticas scio-econmicas e de infra-estrutura urbana.
Para realizar este trabalho, foram utilizados os seguintes procedimentos
terico-metodolgicos:
Levantamento de um referencial bibliogrfico da problemtica em foco,
trabalhando temticas vinculadas violncia e organizao do espao urbano.
Levantamento de dados da Brigada Militar, relacionados quantidade de
crimes registrados nos anos de 1998 e 2003. Para a espacializao dos dados
foram utilizadas as informaes referentes ao ano de 2003. Destacaram-se para
este estudo as seguintes modalidades de crimes, vinculados s ocorrnciascriminais (de acordo com o Cdigo Penal, 1997 ver Anexo):
a) Contra a pessoa:
- Homicdio
- Leso corporal (agresses)
b) Contra o patrimnio
- Furto simples e furto qualificado
- Roubod) Trfico e consumo de entorpecentes
Em relao a esses dados, importante destacar a dificuldade de obt-los. Na
Delegacia Policial Regional de Santa Maria (3 Regio Policial) estariam registradas
todas as ocorrncias criminais da cidade, j que neste local so agrupados os dados
das ocorrncias criminais de todas as delegacias da cidade. A permisso para
acessar os dados era destinada somente aos funcionrios da delegacia referida,
contudo, os mesmos no possuam tempo disponvel para realizar estelevantamento, j que para ter acesso aos endereos das ocorrncias, deveria ser
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verificada, cada ocorrncia no sistema computacional, o que demandaria muito
tempo. Dessa forma, depois de uma visita Brigada Militar, constatou-se que esta
instituio possua o registro das ocorrncias por bairro do ano de 1998 at 2003.
Eles tinham desenvolvido um programa para mapeamento da criminalidade na
cidade, mas devido a problemas de investimentos governamentais, o trabalho no
foi continuado aps 2003.
Deve-se salientar que a Brigada Militar se disps a contribuir para a pesquisa,
fornecendo todos os dados que possuam. Dessa forma, utilizaram-se para o
trabalho os dados de 2003, organizados pela Brigada Militar.
Levantamento de dados fornecidos pela Delegacia Penitenciria Regional de
Santa Maria em relao aos presos detidos no Albergue Estadual de Santa Maria.3Coleta de dados do Censo Demogrfico do IBGE de 2000, sobre variveis
demogrficas e scio-econmicas: populao, renda, instruo e questes de infra-
estrutura urbana.
Elaborao de mapas, grficos e tabelas, a fim de quantificar e espacializar
as informaes obtidas, utilizando-se de aplicativos como o Adobe Illustrator CS2,
Corel Draw 11 e Arc Gis 9.1.
Consulta s informaes criminais nos principais jornais da cidade: Dirio deSanta Maria e A Razo, verificando as reportagens mais importantes sobre a
violncia na cidade.4
Realizao de conversas informais com alguns delegados da cidade,
agentes penitencirios e funcionrios da Prefeitura Municipal: Secretaria de
Assistncia Social e Direitos Humanos, Secretaria de Assuntos de Segurana
Pblica, Secretaria de Habitao e Regularizao Fundiria e funcionrios
responsveis pelo Programa de Acelerao do Crescimento (PAC).Trabalhos de campo nos bairros Juscelino Kubitschek e Nova Santa Marta,
com a realizao de conversas informais junto aos moradores.
Anlises e snteses das questes abordadas e redao dos diversos tpicos
da dissertao.
3Os dados foram fornecidos pela Delegacia da Penitenciria Regional de Santa Maria, sendo dados
atuais (maio de 2007), com o foco sobre o endereo dos presos, a fim de verificar de qual bairro opreso proveniente. Os dados incluem cerca de 317 detentos, considerando tambm qual o crimecometido por cada um deles.4Verificaram-se reportagens desde 1999 at 2007.
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Na Figura 4, visualiza-se um esquema sistematizando os procedimentos
metodolgicos utilizados para a realizao da pesquisa.
Figura 4: Organograma representando os procedimentos metodolgicos utilizados pararealizao da pesquisa
Org.: MELARA, E., 2008
A estruturao da dissertao organiza-se em seis captulos. No primeiro
trabalha-se a temtica da violncia sobre um prisma terico, comentando questes
de definio dos termos violncia e criminalidade e sobre a tipologia criminal que
ocorre no espao. Tambm so abordadas as questes das fontes de dadoscriminais, relacionadas a ocultao ou distores das informaes. Estuda-se ainda
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neste captulo o assunto relacionado violncia e sua associao com a pobreza,
as crticas de muitos tericos sobre esta proposio, e, seguindo nesta perspectiva,
o estudo direcionado para a questo das prises.
No segundo captulo aborda-se sobre a influncia da violncia no espao
urbano, versando sobre a problemtica da propagao do medo e da sensao de
insegurana modificando os hbitos das pessoas e a organizao do espao
urbano. Comenta-se tambm acerca da influncia da organizao espacial urbana
no aumento ou na reduo da criminalidade.
No terceiro captulo realiza-se um estudo do espao urbano de Santa Maria,
analisando-se a organizao espacial da cidade atravs da espacializao de
informaes vinculadas s questes scio-econmicas e de infra-estrutura urbana.No quarto captulo analisado a dinmica criminal no espao urbano de Santa
Maria, atravs da espacializao dos dados criminais. Os dados foram mapeados
considerando a diviso de bairros da cidade. Para a realizao desta anlise foi
avaliada a caracterizao scio-espacial da cidade, identificando os tipos de crimes
e as possveis relaes com variveis scio-econmicas.
O quinto captulo dedicado ao estudo dos bairros Juscelino Kubitschek e
Nova Santa Marta, em conseqncia das altas taxas de criminalidade apresentadase evidenciadas nas anlises realizadas no decorrer da pesquisa.
O sexto captulo apresenta uma sntese da dinmica criminal na cidade de
Santa Maria.
Por ltimo, apresentam-se as consideraes finais que sintetizam as anlises
realizadas durante a pesquisa sobre a dinmica da violncia criminal no espao
urbano de Santa Maria, o diagnstico dos bairros onde a criminalidade est mais
presente, ou mesmo onde a violncia mais visvel. Alm disso, avaliado ainfluncia da organizao do espao urbano no processo da violncia e a influncia
da criminalidade na organizao espacial das cidades.
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1. VIOLNCIA E CRIMINALIDADE__________________________________________________________
1.1. Definio
Odalia (1983) afirma que o ato agressivo, ou mesmo uma ao homicida
apresenta-se como uma primeira impresso do que violncia. Contudo, o termo
violncia abrange um grande nmero de elementos. Est ligada privao, e privar
significar tirar, destituir, despojar, desapossar algum de alguma coisa. De acordo
com o autor, a violncia hoje pode ser considerada como uma forma de expressar o
inconformismo radical em relao s imperfeies da sociedade.
Moraes (1981) conceitua que violncia est em tudo o que capaz de imprimir
sofrimento ou destruio do corpo humano, bem como o que pode degradar ou
causar transtornos sua integridade psquica. Segundo o autor, violentar o homem
arranc-lo da sua dignidade fsica e mental.
Alguns autores preferem falar em violncias, a fim de abarcar todas formas de
definio, e fenmenos relacionados violncia:
Uma outra viso, ou discurso sobre as violncias, seria um discursoanaltico, que exige um distanciamento crtico em relao aos valorese juzos que muitas vezes guiam os pesquisadores sem que eles seapercebam disso. Neste discurso analtico, deve-se perceber apluralidade dos fenmenos que caem dentro do rtulo de violncia.Por este ponto de vista, mais adequado falar de violncias:violncia urbana, rural, simblica, cognitiva, fsica, instrumental,subjetiva, policial, intrafamiliar, domstica, de gnero, esportiva,grupal, de massa, militar, blica, entre muitas outras (CHAGASRODRIGUES, p. 30-31, 2006).
De acordo com Dornelles (1992), a violncia criminal apenas uma das formas
de expresso da violncia nas grandes cidades. Segundo o autor, o crime no um
fenmeno igual em todas as sociedades e em todos os momentos da histria. A
criminalidade no Brasil vincula-se a diversos fatos: fraudes da Previdncia Social,
pssima distribuio de renda, mortalidade infantil, acidentes de trnsito, entre
outros. No entanto, normalmente a mdia, o Estado e a populao tendem a
relacionar a problemtica da violncia com a figura do criminoso comum,
estereotipando determinados indivduos como criminosos.
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Segundo Boisteau (2005) em cada sociedade o crime se expressa de uma
forma diferenciada e tratado conforme as normas locais. Um ato ser percebido
como violento ou no violento em funo das normas da cidade, do pas. Por
exemplo, a violncia sul-americana, a violncia colombiana, a violncia francesa,
constituem como delitos e aes distintas, cada uma qualificada de acordo com as
normas institudas em cada sociedade, sendo que a reao pblica perante o
comportamento violento varia de acordo com o espao no qual se manifesta.
Uma distino de fundamental importncia para este estudo aquelaentre violncia e crime. Crime qualquer infrao a lei. , portanto,um julgamento de uma ao com base em argumentos legais.
Considerar a violncia como sinnimo de crime reduzir discussoapenas queles atos que a lei prev. A violncia uma noo maisampla e mais sutil. Alm disso, a confuso no se justifica tambmpelo fato de que nem todos os crimes so necessariamente violentos(MELGAO, 2005, p.17).
Souza (2005) expe que a violncia ao mesmo tempo geral e especfica e
tambm pode ser trabalhada numa viso de escala. Para o autor, a violncia pode
estar relacionada a problemas como a pobreza e o desemprego, a falncia ou
corrupo das/nas instituies de represso e punio (polcias, instituiesprisionais, sistema judicirio), a crise de valores do mundo contemporneo e de
instituies sociais como a famlia. Todos estes problemas podem ser identificados
como violncias que geram outras violncias, as quais tm uma abrangncia
nacional e internacional. Segundo o autor esses fatos emergem e operam em escala
local e tem a ver com decises ou processos que vo desde a dinmica do sistema
mundial capitalista at polticas macroeconmicas nacionais.
Lus Eduardo Soares, MV Bill & Celso Athayde (2005), citados por ChagasRodrigues (2006), analisam que existe uma certa dificuldade de conceituar a
violncia e analisar os fenmenos e fatos que esto vinculados a ela. Para os
autores a palavra violncia guarda muitos sentidos diferentes, podendo representar:
[...] agresso fsica, um insulto, um gesto que humilha, um olhar quedesrespeita, um assassinato cometido com as prprias mos, umaforma hostil de contar uma histria despretensiosa, a indiferenaante o sofrimento alheio, a negligncia com idosos, a deciso
poltica que gera conseqncias sociais nefastas, a desvalorizaosistemtica dos filhos por seus pais ou das mulheres por seusmaridos, as presses psicolgicas exercidas no contexto de
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interaes opressivas, a orientao econmica que se abate sobresetores da populao como um desastre da natureza, e a prprianatureza, quando transborda seus limites normais e provocacatstrofes (SOARES, MV BILL & ATHAYDE, 2005, p.245-246 apudCHAGAS RODRIGUES, 2006, p. 32).
Violncia e crime so termos abrangentes e complexos. Na discusso
realizada anteriormente observa-se que existem autores que categorizam crime
como algo sancionado pela lei, enquanto que violncia, uma expresso mais
abrangente. Outros consideram tanto o termo crime, como o termo violncia,
expresses que agrupam vrios significados. Existem autores que utilizam a
expresso crime violento, considerando os crimes contra pessoa agresses e
homicdios , como tais.
Pode-se avaliar que todo crime uma violncia, afetando as pessoas, seja de
forma fsica, moral ou psquica. Neste trabalho considerou-se como violncia alguns
tipos de crimes ponderados pela lei, fruto das ocorrncias criminais: homicdio, leso
corporal, roubo, furto e trfico de drogas. importante colocar que esses crimes, ou,
essas violncias, muitas vezes so conseqncias de outras violncias, e, outras
vezes, funcionam como causas para outras formas de criminalidade.
Para Raufer & Haut (1997), a criminalidade est passando por transformaes.De uma criminalidade caracterizada por regras e princpios, passou-se
progressivamente para uma criminalidade afetiva, instintiva, violenta, e,
aparentemente, irracional. Dependendo do tipo de crime, da vtima, do agressor, do
local, difcil interpretar as causas. Essas mudanas nas propriedades da
criminalidade tm como conseqncia uma alterao da percepo da sociedade
sobre a segurana. Se a delinqncia sempre foi uma preocupao da populao,
atualmente est no centro dos assuntos que preocupam, tornando-se um elementorecorrente dos discursos polticos e um desafio nas campanhas eleitorais.
Souza (2005) afirma que essa dificuldade de entender a dinmica criminal se
d pelo fato de que existem tipos de crimes especficos e cada tipo apresenta uma
dinmica prpria, em cada espao no qual se manifesta. De acordo com o autor,
difcil comparar determinados crimes e as circunstncias de sua ocorrncia. O autor
exemplifica atravs de um questionamento: como comparar um crime cometido por
um marido ciumento, integrante da classe mdia-alta, com o roubo praticado por um
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adolescente de rua, armado com um caco de garrafa, contra um motorista de um
carro parado no sinal fechado?
Para Cerqueira & Lobo (2004) entender os motivos que levam as pessoas a
cometer crimes tambm pode ser considerado como uma questo difcil de
compreender. Os autores colocam outro questionamento sobre os motivos que
levam as pessoas a cometerem crimes: como explicar, ou entender que, num
mesmo espao, numa mesma comunidade, estejam vivendo na mesma famlia dois
irmos gmeos, e, um deles resolva entrar para o mundo do crime, enquanto que o
outro prefira seguir o caminho da legalidade?
Mesmo analisando a dificuldade de compreenso das diversas formas que se
manifesta violncia, alguns autores tentam organizar uma tipificao da mesma.Moser (2006) coloca que esta tipificao pode ser categorizada como: violncia
social, econmica, institucional ou poltica. A violncia social refere-se violncia
tnica, disputas territoriais, violncia entre grupos, violncia contra mulher, abuso
infantil. A violncia econmica manifestada por um ganho material associado a
crimes de rua, roubos, assaltos incluindo mortes, trfico de drogas entre outros. A
violncia institucional est vinculada a instituies do estado, bem como polcia e o
sistema judicirio, escolas, hospitais, empresas de vigilncia. E a violncia poltica,est relacionada ao poder poltico, incluindo guerrilhas, conflitos militares,
assassinatos polticos, entre outros fatos.
Nessa mesma perspectiva, Odalia (1983) faz uma categorizao similar,
classificando como: violncia institucionalizada (a fome, a misria, a segregao
espacial, a excluso social, os problemas de trnsito, o desemprego, a discriminao
racial, entre outros); violncia poltica (um assassinato poltico, a invaso de um pas
por outro, a legislao eleitoral que frauda a opinio pblica, a corrupo,determinadas leis, etc.) e violncia revolucionria (que tambm pode ser
considerada poltica greves, organizao de estudantes.).
Rosenberg (1999) subdivide a violncia de duas formas: violncia contra si
mesmo e violncia interpessoal. A violncia contra si mesmo est relacionada ao
suicdio ou a tentativa de suicdio. A violncia interpessoal subdivide-se em violncia
familiar (abuso de crianas, abuso contra o companheiro e abuso contra pessoa
idosa), violncia entre jovens, assdio sexual, violncia de grupo e violncia
econmica.
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No livro Violncia e cidade organizado por Renato Raul Boschi, Oliven
(1982) faz algumas consideraes sobre a criminalidade no Brasil, relacionando o
tipo de infrator com o tipo de crime (crimes institucionalizados na Lei). O autor
concluiu que, em geral, cerca da metade dos criminosos de cor branca, mas
existem algumas variaes significantes. Segundo Oliven, estelionato, txicos e
crimes contra a pessoa apresentam maiores concentraes de brancos, indicando
forte contribuio negra para o roubo e o furto, carreiras criminais de baixo prestgio.
Isso pode ser explicado, por exemplo, pelo fato de que o crime organizado, como o
trfico, a corrupo poltica, os crimes do colarinho branco, queima de arquivo, entre
outros tem os seus dirigentes entre a populao mais rica e mais instruda da
sociedade, o que acontece com maior freqncia entre as pessoas de cor branca.Ao passo que, pequenos furtos e roubos so praticados por pessoas que, na maioria
dos casos, so pobres e, muitas vezes, de cor negra.
De acordo com uma pesquisa realizada por Flix (1996) a ocorrncia de
determinados tipos de crimes em determinadas reas do espao geogrfico leva em
considerao alguns pontos. Segundo a autora, certas manifestaes espaciais so
similares facilitando a aplicao de estratgias preventivas. Conforme os estudos
realizados, foi observado que algumas ocorrncias criminais apresentam as maiorestaxas de incidncia nas reas centrais das cidades, que os crimes de propriedade
tem maior ocorrncias nas reas mais ricas do espao urbano, que nas reas mais
pobres e nas zonas rurais mais freqente a ocorrncia de crimes contra pessoa,
que a vulnerabilidade do ambiente pode provocar maior atrao de crimes.
Num estudo desenvolvido em Chicago, Brown (1982 apud FLIX, 1996)
analisando a dinmica criminal em espaos diferenciados de acordo com sua
tipificao, constatou que os crimes contra a pessoa, o crime desarmado ou crimesde no-profissionais, como o praticado por pessoas pobres, e muitas vezes por
negros ou adolescentes criminosos no-profissionais, tendem a ocorrer em locais
onde a vtima e o agressor estejam prximos espacialmente, e que sejam
pertencentes a uma mesma classe social. J os crimes contra o patrimnio, o
armado, o cometido por brancos, adultos e criminosos profissionais ocorrem em
locais mais distantes da residncia do criminoso, e normalmente entre pessoas de
classe sociais diferentes.
A autora coloca tambm que, a delinqncia no campo ou em regies menos
desenvolvidas parece ser violenta, no caso de ser mais freqente o crime de morte,
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o praticado contra a pessoa, como para salvar a honra (passionais). Na cidade, a
delinqncia mais planejada e organizada, segundo Flix (1996, p. 152):
Atualmente, a violncia praticada nas cidades, em especial nasgrandes metrpoles, como So Paulo e Rio de Janeiro, praticadauma violncia planejada e intelectual, mas tambm extremamentesanguinria, como as chacinas e todo tipo de morte provocada porgrupos organizados como os de extermnio, de trfico de drogas etc.Geralmente, nas zonas com maior desenvolvimento urbano-industrialdestacam-se as taxas de crimes de propriedade (falsificao,trapaa, roubo, seqestro, etc).
Pelos estudos de Flix (1996) verifica-se de uma forma geral, os crimes que
ocorrem com mais freqncia nas reas mais pobres, ou nas zonas mais rurais, so
crimes contra pessoa. J nas zonas mais ricas, o crime contra propriedade tem
maior evidncia. Nas reas urbanas, destacam-se tanto os crimes contra pessoa,
como tambm os crimes contra propriedade. Em relao vtima e agressor, na
maioria dos casos de crimes violentos (contra pessoa) observa-se que este ocorre
entre pessoas prximas e da mesma classe social, geralmente de classe baixa. Os
crimes de propriedade tendem a ocorrer mais entre pessoas de classe sociais
diferentes, e que esto distantes no espao. Mas essas consideraes dependemmuito das especificidades dos locais de ocorrncia, dos tipos de crimes praticados,
das pessoas e bens envolvidos. Como ser visto no decorrer da pesquisa, no
espao urbano Santa Maria, os crimes contra propriedade tambm apresentam
nmeros elevados entre as pessoas pobres, que esto prximas e pertencem
mesma classe social, pois a dinmica criminal nesta cidade obedece a outros
padres de causa para anlise.
No estudo da temtica da violncia muitos autores escrevem sobre o quepoderiam ser pensadas como causas da violncia. Segundo Cano & Soares (2002
apud CERQUEIRA & LOBO, 2004, p. 236), possvel distinguir as diversas
abordagens sobre as causas do crime:
a) teorias que tentam explicar o crime em termos de patologiaindividual; b) teorias centradas no homo economicus, isto , no crimecomo uma atividade racional de maximizao do lucro; c) teorias que
consideram o crime como subproduto de um sistema social perversoou deficiente; d) teorias que entendem o crime como umaconseqncia da perda de controle e da desorganizao social na
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sociedade moderna; e e) correntes que defendem explicaes docrime em funo de fatores situacionais ou de oportunidades.
Segundo Felix (2002) as grandes cidades tornam-se locais privilegiados paradesencadear desintegrao dos laos sociais, caracterizada por diferenas, intrigas,
ostentaes e iniqidades, assim como pelo anonimato e perda de identidade.
Nessa perspectiva, Mello Jorge et al (1997) consideram que a ocorrncia de
homicdios nos espaos urbanos pode estar relacionada com alguns fatores
existentes nesses locais, como: a concentrao populacional elevada, muitas
pessoas dividindo o mesmo espao, desigualdades scio-econmicas entre as
pessoas, iniqidade na sade, impessoalidade nas relaes, alta competio entre
os indivduos e grupos sociais, fcil acesso a armas de fogo, violncia policial, abuso
de lcool, impunidade, trfico de drogas, estresse social, baixa renda familiar,
formao de quadrilhas, entre outros fatores.
Em relao densidade populacional, Francisco Filho (2004) expe que um
aspecto perceptvel da caracterstica do comportamento urbano est relacionado a
um ambiente com altas taxas de ocupao territorial. Tm-se indivduos convivendo
com outros indivduos em grande nmero e muito prximos uns dos outros. Este fato
gera uma certa tensoque estabelece um comportamento caracterstico do homem
urbano. Nesta anlise, podemos falar no somente de prdios localizados um do
lado do outro, ou das favelas, com barracos sobrepostos uns por cima dos outros,
mas tambm do excesso de pessoas num mesmo espao. Mes, irmos, padrastos,
todos dividindo o mesmo cmodo, cozinhando, dormindo, descansando no mesmo
local. Associados a falta de espao, tem-se a falta de emprego, de comida, locais
insalubres, e inicia um processo de tenso que, muitas vezes, pode desencadear
atos criminosos, como uso abusivo de drogas e lcool, agresses ou at homicdios.
Em muitas periferias pobres, ou mesmo em muitas favelas, o ambiente
favorece um tipo de tenso, uma vez que se observa ao redor uma triste visibilidade:
casas mal acabadas, lixo jogado pelos becos, no existe calamento, poeira
quando tem muito sol, e lama quando chove, o esgoto corre a cu aberto, agresses
e tiroteios ocorrem freqentemente.
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1.2. Fontes de dados
Muitos pesquisadores utilizam, freqentemente, fontes de dados para a
realizao de seus estudos. Nas pesquisas direcionadas para questes de violncia
urbana tambm importante a utilizao de dados. Por isso, faz-se necessrio que
saibamos das limitaes que estas fontes trazem para a realizao de pesquisas,
muitas vezes contornando para determinados resultados, os quais no so de todo
verdadeiros.
Flix (1996) afirma que, em muitos casos, as pessoas no registram os crimes
dos quais formam vtimas, seja por descrena na instituio, falta de provas, no
considerar o fato importante ou medo de represlia. Conforme a autora, os registroscriminais podem limitar o objetivo da investigao para uma pequena proporo da
criminalidade, podendo direcionar interpretaes de que sejam os pobres os
maiores criminosos.
A autora coloca tambm que:
[...] Os registros estatsticos variam no tempo-espao e estocondicionados aos procedimentos policiais e polticos e s regras de
interpretao. Desse modo, uma multiplicao de delitos podesignificar mais esforos por parte da polcia ou maior eficincia dostribunais, ao invs de aumento real (FLIX, 2002, p. 98).
Segundo a autora a deciso de efetuar um registro de ocorrncia criminal varia
conforme o estrato social e cultural dos envolvidos e a tipologia criminal. Os crimes
vinculados violncia domstica, por exemplo, raramente so comunicados,
especialmente quando a vtima e/ou o agressor so de classe mdia-alta, visto que
estas pessoas esto preocupadas com a preservao da reputao antes de efetuaruma ocorrncia desse tipo. J os crimes que envolvem prejuzos materiais, exceto
os de pequena relevncia, como furtos simples, so conhecidos e registrados,
principalmente quando h cobertura de seguros.
Acrescentando ao assunto, Raufer & Haut (1997) afirmam que certos crimes
so subestimados pelas vtimas, por razes vinculadas ao medo das represlias, ao
pudor, em relao s violncias sexuais ou a uma verdadeira ausncia de vontade.
Numerosas infraes no so reveladas porque o prejuzo econmico sofrido mnimo. Certas pessoas no revelam as infraes das quais foram vtimas porque
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no tm mais confiana nas autoridades, pois no crem mais na eficcia das foras
de polcia ou as instituies judiciais. Algumas pessoas consideram determinados
delitos no importantes, como por exemplo, algazarras noturnas, degradaes, por
isso estes no so reportados a polcia.
Cardia, Adorno & Poleto (2003) afirmam que as estatsticas de homicdios
podem apresentar problemas. Segundo os autores, os dados produzidos pelo
Ministrio da Sade e os produzidos pelas Secretarias Estaduais da Segurana
Pblica so bem diferenciados, fazendo com que a consulta a cada um deles tende
a se obter resultados distintos, contribuindo na dificuldade do tratamento objetivo e
preciso das informaes.
Segundo esses autores, os dados do Ministrio da Sade tm como fonteprimria de informao o registro do atestado de bito. Essa fonte de informao
permite conhecer a causa da morte e as caractersticas sociais da(s) vtima(s),
entretanto no possvel ter acesso s informaes relacionadas ao(s)
agressor(es). Em relao aos dados fornecidos pela Secretaria de Estado da
Segurana Pblica foram verificadas pelos autores muitas outras limitaes. Por
exemplo, a questo das elevadas cifras negras, a interveno de critrios
burocrticos de avaliao e desempenho administrativo, as negociaes paralelasentre vtimas, agressores e autoridades, a implementao de determinadas polticas
de segurana pblica que, conjunturalmente, privilegiam a conteno de uma outra
modalidade delituosa (CARDIA, ADORNO & POLETO, 2003).
Ainda na viso desses autores os registros das ocorrncias criminais so as
informaes mais completas, visto que podem reunir elementos sobre o tipo de
crime, possvel agressor, vtima e o local onde aconteceu o crime. No entanto, existe
uma enorme dificuldade de acesso a essas informaes, j que para aceder aosdados preciso consultar um a um os Boletins de Ocorrncia e os Inquritos
Policiais instaurados. Esse fato se traduz num impedimento para os pesquisadores,
em funo do trabalho manual que deve ser dedicado para verificar cada ocorrncia,
e, soma-se a isso, as dificuldades de acesso fonte, pois em muitas delegacias
somente os funcionrios da instituio so autorizados para fazer esse
procedimento, que demanda muito tempo para sua realizao, e muitas vezes,
esses no tm disponibilidade para isso.
Melgao (2005) acrescenta que preciso ter em mente que a polcia, muitas
vezes, age a partir de esteretipos na hora de abordar um suspeito, dando maior
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visibilidade aos crimes relacionados populao pobre e negra. Segundo o autor, as
estatsticas super-representam crimes cujas vtimas so de bairros ricos e sub-
representam aqueles nos quais as vtimas so de bairros pobres, ao mesmo tempo
em que super-estimam a quantidade de agressores relacionados com esteretipos
de pobreza e sub-estimam os praticantes de crimes da classe mdia-alta.
Pode-se inferir que existem diferenas entre os diversos tipos de crimes contra
o patrimnio, por exemplo, o volume de dinheiro e o valor dos crimes de colarinho
branco so bem superiores aos roubos e furtos comuns e cotidianos praticados pela
populao de classe mdia-baixa. Assim como nos outros crimes, existem muitas
diferenas que devem ser pensadas, por exemplo, crimes contra pessoa, no caso
agresses. Podem ocorrer muitas agresses, mas essas so diferentes conforme ograu de prejuzos fsicos e morais, as causas, os envolvidos quem so as vtimas e
agressores, de qual classe social os motivos etc.
Nesta pesquisa, a utilizao de dados sobre violncia criminal fez-se
necessria para construo da mesma. A maior parte das informaes oriunda das
ocorrncias criminais. Entretanto, como foi verificado no texto apresentado, sabe-se
das limitaes desses dados, no podendo consider-los como uma fonte conclusiva
para o trabalho.
1.3. O Mito da Marginalidade
Normalmente os grupos mais pobres so facilmente estigmatizados como
suspeitos de atos de vandalismo e banditismo. A violncia, em muitos casos,
relacionada a uma classe caracterizada como os pobres.Zaluar (1999) nos da um exemplo sobre porque no se pode concluir que a
misria leva violncia. Segundo a autora os nveis salariais no Sudeste da sia
so incrivelmente baixos, os operrios no tm direito trabalhistas como os operrios
brasileiros e, no entanto, os nveis de crimes violentos no aumentaram como no
Brasil. Outro exemplo que a autora coloca em relao Europa: na Inglaterra e na
Frana do sculo XIX quando a misria era uma realidade visvel nas ruas de suas
cidades, a taxa de homicdio no passava de dois por cada 100 mil habitantes.
Em relao a isso, Zaluar (1999) coloca que essa associao entre pobreza e
crime existe h muito tempo. As instituies ligadas polcia e justia sempre
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direcionaram suas acusaes para esteretipos criados contra as pessoas da classe
baixa. Segundo a autora muitos crimes so praticados por pessoas da classe mdia-
alta, mas pouco o conhecimento sobre tais fatos. As atividades criminosas
organizadas, ligadas ao trfico de drogas ilegais, aos assaltos profissionais e
seqestros, enriquecem muito uns poucos, os quais transferem seus milhes para
algum dos muitos parasos fiscais da economia globalizada. Mas, como as
investigaes no esto direcionadas para este tipo de criminoso difcil saber, ou
no se quer saber, onde os muitos milhes arrecadados nos crimes de elevado valor
econmico no Brasil foram parar, ao passo que, muitos jovens pobres, alm de no
lucrarem com o negcio, perdem a placidez na vida, em conflitos com outros
traficantes, ou com a polcia.Segundo Flix (1996) justifica-se a tese de associao entre pobreza e a
criminalidade pelo fato de determinadas variveis criminolgicas concentrarem-se ou
apresentarem maior visibilidade em regies de baixo nvel scio-econmico.
Conforme a autora, essa tese muito contestada em razo das distores nos
dados oficiais e a prpria ao das agncias oficiais de controle e represso do
crime. Os delitos contra a propriedade cometidos por indivduos de classe baixa so
tratados pelos tribunais com mais severidade que os cometidos pela classe mdia-alta.
Foucault (1994) lembra que o delinqente se distingue do infrator pelo fato de
no ser tanto o seu ato criminoso, mas sim, a sua vida, a sua condio scio-
econmica, o que mais o caracteriza. Conforme o autor, as estatsticas, a polcia, o
sistema judicirio, em muitos casos, procuram mais por delinqentes do que por
infratores, a priso, o processo, depende da classe social.
Muitos autores vm trabalhando esta idia como o mito da marginalidade. Emmuitos casos as periferias das cidades so estigmatizadas como locais insalubres e
violentos. As favelas so os territrios urbanos que mais sofrem com esse estigma.
De acordo com Souza (2005) muitas pessoas, sejam da classe alta, mdia ou at
mesmo da classe baixa, criam esteretipos em relao os moradores favelados.
Apresentam uma ideologia que esses seriam economicamente parasitrios,
culturalmente desajustados, pois, muitos deles, recm-chegados do campo,
vivenciaram pouco a pouco a cidade e no se adaptariam muito bem vida urbana,
e politicamente perigosos porque, potencialmente subversivos. Segundo Souza
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(2005), contrariando estas hipteses, vrios estudos realizados na dcada de 19705,
concluem que: os moradores das favelas no podem ser considerados parasitrios,
porque so imprescindveis economia urbana, como mo-de-obra abundante e
barata: de operrios, porteiros, empregadas domsticas, auxiliar de pedreiro, etc.;
no possvel caracteriz-los como desajustados, pois na verdade se adaptam
rapidamente as grandes cidades e acabam conhecendo-a at melhor que os
integrantes da classe designada como os ricos; e no plausvel afirmar que
sejam revoltados politicamente, pois muitos deles trocam votos e apoio poltico por
benefcios materiais ou promessas, e acabam votando em candidatos e partidos
conservadores, contra seus prprios interesses e objetivos.
Perlman (1977, p. 235) coloca que:
[...]os esteretipos vigentes quanto marginalidade social, cultural,econmica e poltica so claramente desmentidos pela realidade.Existem fortes evidncias a comprovar que os favelados no somarginais, mas de fato integrados na sociedade, ainda que nummodo que vai contra os seus prprios interesses. Certamente no seencontram separados do sistema, ou sua margem, mas esto a eleestreitamente ligados de uma forma muitssima assimtrica.Contribuem para o seu rduo trabalho, suas elevadas esperanas, e
sua lealdade, mas no tiram proveito dos bens e servios do sistema.Eu sustento que os moradores da favela no so econmica epoliticamente marginais, mas so explorados e reprimidos; que noso social e culturalmente marginais, mas so estigmatizados eexcludos de um sistema social fechado. No so passivamentemarginais em termos de suas prprias atitudes e comportamento, aocontrrio, esto sendo ativamente marginalizados pelo sistema epela poltica oficial.
O que no comentado pela mdia que a maior parte das vtimas da
violncia so pessoas da classe baixa. Por exemplo, em relao ao trfico dedrogas, muitos so os jovens pobres que perdem suas vidas na disputa por bocas
de fumo, ou em confrontos com a polcia. Alm disso, pode-se comentar tambm
das pessoas que convivem na mesma rea que os traficantes, como por exemplo,
muitos moradores das favelas, avaliando que, em muitos casos o comportamento da
maioria dos favelados se ope ao praticado no trfico, mas, mesmo assim precisam
conviver com a criminalidade desencadeada pelo trfico de drogas.
5PERLMAN, J. O mito da Marginalidade: favelas e poltica no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1981 (1977); KOWARICK, L. A espoliao urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979 (citadospor SOUZA, 2005).
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Existem muitos casos que as diferenas sociais, a falta de emprego, a
segregao scio-espacial podem ser fatores indutores de determinadas violncias.
Francisco Filho (2004) nos coloca uma pergunta: Ser que a violncia algo
pertencente a uma classe prpriado fenmeno urbano ou a materializao de um
processoque comea com a sociedade altamente segregada e excluda do espao
urbano, passa pela pobreza e termina na agresso ao indivduo, num processo de
causa e conseqncia?
Nessa perspectiva, Guareschi et al(2005, p. 50) afirma que:
Conforme Soares (1999), pobreza e desigualdade podem ou noestar associados violncia, pois tudo depende do tipo de violncia,do contexto intersubjetivo e cultural do qual falamos. Estaperspectiva aponta para o conceito de vulnerabilidade social, quetem como um de seus efeitos o rompimento da ligao hegemnicaarbitrria realizada entre pobreza e violncia. A noo devulnerabilidade social remete a uma situao de desvantagem social,que diz respeito articulao de recursos materiais e simblicos paradar conta de uma demanda social, cultural, econmica, que temcomo desdobramento possvel a produo de um sujeito exposto aorisco; entendida como uma posio de fragilidade ou desvantagemde sujeitos ou grupos frente ao acesso s condies de promoo egarantia de seus direitos de cidadania.
Desta forma torna-se invivel a relao pobreza e criminalidade, pois existe
todo um processo de excluso do ser humano, antes que esse torne-se um pobre
violento,alm de que a visibilidade dos fatos violentos caem normalmente sobre os
mesmos esteretipos, isto , os pobres. A segregao scio-espacial urbana pode
se caracterizar como um tipo de violncia, o desemprego tambm pode ser
considerado um tipo de violncia, desvios de verbas pblicas realizadas por polticos
milionrios, o controle do trfico que est nas mos de pessoas que detm o poderpoltico e econmico, entre outros, representam diferentes formas de violncia, que
podem desencadear outras formas de expresso da criminalidade.
Muitas violncias se manifestam, ou apresentam maior visibilidade nas reas
mais pobres, ou entre as pessoas de classe baixa. Por exemplo, a violncia gerada
pelo trfico de drogas envolve tambm muitas pessoas da classe mdia-alta,
entretanto, na mdia, focado o trfico nas favelas, como se esse problema
comeasse ali e terminasse ali mesmo. So violncias maiores que vm gerandooutras formas de violncia, que so praticadas por pessoas de classe baixa, a qual
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segue estigmatizada pela mdia e pela sociedade, como pessoas violentas. Alm
disso, estas acabam sofrendo outro tipo de violncia, quando so encarceradas nos
presdios. So o resultado de um processo de excluso de um sistema que no abre
espao para todos.
1.4. As prises
As prises so instituies criadas para o encarceramento dos excludos pelo
sistema. Como comenta Streck (1999), o sistema capitalista atual vigente, ao mesmo
tempo em que cria os excludos, utiliza-se das prises para puni-los, segreg-los,enfim, exclu-los definitivamente num sistema institucional fechado.
No seu livro Vigiar e Punir, Foucault (1994) fala da histria das prises.
Segundo o autor a priso surgiu para controlar a sociedade e as pessoas.
Objetivava-se repartir os indivduos, fix-los e distribu-los espacialmente, classific-
los, tirar deles o mximo de tempo e o mximo de foras, treinar seus corpos,
codificar seus comportamentos, constituir sobre eles um saber que se acumula e
que se centraliza.De acordo com o autor, os mecanismos punitivos teriam como papel trazer
mo-de-obra adicional e constituir um tipo de escravido. Com o feudalismo, e numa
poca em que a moeda e a produo esto pouco desenvolvidas, a punio estava
relacionada aos castigos corporais, sendo o corpo na maior parte dos casos o nico
bem acessvel os suplcios. A manufatura penal aparecia com o desenvolvimento
da economia do comrcio. Mas com o sistema industrial exigia-se um mercado de
mo-de-obra livre, dessa forma, o trabalho obrigatrio diminuiria no sculo XIX nosmecanismos de punio e seria substitudo por uma deteno com fim corretivo as
prises.
A priso moderna se caracteriza pela privao da liberdade e quantificao
temporal. Segundo Alencar (2002) este tipo de instituio surge sem dar
significncia discusso sobre que espao este e suas implicaes impostas na
forma de vida das pessoas que transgrediram a lei, a importncia foi dada em
relao ao tempo. De acordo com a autora a pena de priso um produto da
sociedade capitalista:
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[...] no capitalismo, o trabalhador considerado livre; ele oferecerno mercado a sua mercadoria sua fora de trabalho. Como todamercadoria, o tempo que determinar o valor dela (ele a vende porhora, dia, semana ou ms). Assim, o que se constitui em bem dotrabalhador, e aparece como possibilidade dele acumular ouascender socialmente, o seu trabalho. Se ele pago pelo tempo detrabalho, ao ser sentenciado pena de priso suprimido dele essetempo para vender sua fora de trabalho. assim que a puniorecai sobre o tempo, porque este valor, o bem que o trabalhadorpossui (ALENCAR, 2002, p. 31).
Segundo a autora as prises surgiram para alojar aquele grupo de indivduos
que se encontravam fora do mercado do trabalho e das regras da sociedade. Eram
caracterizados como homens pobres, vagabundos, doentes, criminosos,
camponeses expulsos de suas terras e prioritariamente, os loucos. Atualmente, nas
prises brasileiras, observa-se que o trabalho no muito valorizado, mas ainda so
presas as pessoas, que, como diz a autora, esto fora do mercado de trabalho e do
convvio social, na sua maioria, pessoas pobres.
Como tambm mencionado por Foucault, duas pessoas de classes sociais
diferentes podem praticar um determinado crime, contra o patrimnio, por exemplo,
analisando que esses aconteceriam em instncias diferenciadas no que se refere ao
volume de dinheiro e valor do bem roubado, sendo o crime praticado pela pessoa declasse mdia-alta tenha efeitos muito mais graves sobre a sociedade, entretanto,
dificilmente o praticante desse crime seria acusado ou preso, ao passo que o
criminoso da classe designada como pobre, mesmo sendo o bem roubado de
pouco valor a priso sempre se faz necessria. Dessa forma analisa-se que as
instituies de segurana e de justia, e mesmo a sociedade, esto julgando a
pessoa que praticou crime e a classe social a qual pertence, e no o ato criminoso.
Nesta perspectiva Foucault (1994, p. 243) afirma que :
Hipocrisia ou ingenuidade acreditar que a lei feita para todo mundoem nome de todo mundo; que mais prudente reconhecer que ela feita por alguns e se aplica a outros; que em princpio ela abriga atodos os cidados, mas se dirige principalmente s classes maisnumerosas e menos esclarecidas que, ao contrrio do que acontececom as leis polticas ou civis, sua aplicao no se refere a todos damesma forma; que nos tribunais no a sociedade inteira que julgaum de seus membros, mas uma categoria social encarregada daordem sanciona outra fadada desordem.
Nesse sentido, Streck expe que:
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[...] Paulo Srgio Pinheiro, analisando a crise do sistemapenitencirio brasileiro, diz que fcil apontar os usurios habituaisdas prises no pas: os clientes das prises, dos internatos, dos
orfanatos, dos reformatrios, dos manicmios so as classespopulares, o proletariado e o subproletariado. E acentua: Para umobservador que de repente desembarcasse no Brasil, poderiaparecer que, exceto rarssimas excees de alguns pequenosburgueses encarcerados, a delinqncia atributo de uma ssociedade. Dados resultantes de pesquisa realizada pelaprocuradora da Repblica, Ela Castilho, do conta de que, de 1986 a1995, somente 5 dos 682 supostos crimes financeiros apurados peloBanco Central resultaram em condenaes em primeira instncia naJustia Federal. A pesquisa revela, ainda, que nove dos 682 casosapurados pelo Banco Central tambm sofreram condenaes nostribunais superiores. Porm e isso de extrema relevncia nenhum dos dezenove rus condenados por crime do colarinhobranco foi para a cadeia. A pesquisa ressalta que o nmero de 682casos apurados extremamente pequeno em face dos milhares decasos de crimes de colarinho branco que ocorrem todo ano no pas(STRECK, 1999, p. 461).
Nesta contextualizao Wacquant (2001) coloca que, nos Estados Unidos, por
exemplo, existe o que se pode chamar de uma criminalizao da pobreza. Para o
autor, a criminalidade no est relacionada apenas aos incivilizados que se
multiplicam em um bairro, dando visibilidade violncia, acarretando assim sua
decadncia, mas tambm considera que o declnio econmico e a segregao scio-
espacial que alimentam os distrbios de rua, desestabilizando a estrutura social local
e minando as oportunidades de vida das populaes. [...] esta suposta exploso
de violncia urbana dos jovens cados numa suposta e recente delinqncia de
excluso que motiva ou serve de pretexto para a deriva para o tratamento penal
da misria (WACQUANT, 2001, p. 69).
Contrariamente imagem cor-de-rosa projetada pelas mdiasnacionais e suas dceis sucursais no exterior, os americanosdesafortunados tampouco podem se apoiar no mercado de trabalhopara melhorar suas condies de vida. [...] os ndices dedesemprego ultrapassam 30 a 50% nos bairros segregados dasgrandes cidades (WACQUANT, 2001, p. 79).
Neste sentido, Bicudo (1994) afirma que a condenao penal caracterizada
por uma pena criminal vazia de contedo, sendo um procedimento injusto, que visasobretudo o aniquilamento fsico e psquico do encarcerado. O sistema carcerrio
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brasileiro caracterizado pela superlotao, no qual, muitas vezes os presos so
espancados ou mortos covardemente pela polcia ou pelos seus companheiros de
cela. Nesse contexto, as rebelies so freqentes e a atuao das tropas de choque
tambm, agredindo e atirando nos presos. Desta maneira importante salientar que,
a cadeia no educa, no socializa, apenas destri e aniquila. Quando o preso tem a
oportunidade de se inserir na sociedade novamente, encontra-se ainda mais
marginalizado, enfrenta o preconceito, e normalmente volta prtica criminal,
facilitando sua reincidncia priso. Sobre isso Foucault (1994, p. 234) acrescenta
que as prises no diminuem as taxas de criminalidade, pelo contrrio, podem
aument-las, multiplic-las, transform-las, a quantidade de crimes e criminosos
permanece instvel, ou, ainda pior, aumenta.Assim, preciso pensar sobre a constituio da penalidade moderna, onde o
tempo se destaca como um fator essencial para se pensar a prpria instituio.
Alencar (2002) afirma que no preciso muitas argumentaes para saber que as
pessoas que cumprem pena, ao sarem da priso, dificilmente conseguem se
reintegrar ao mercado de trabalho.
O que entra em questo com a pena de priso uma sentenageralmente infinita, porque a pessoa que cumpre pena no ter maisoportunidade de vender seu bem, sua mercadoria. [...] A formade penalidade moderna o tempo de priso, esse tempo que tempo de vida perdido (ALENCAR, 2002, p. 37).
De acordo com Wacquant (2001), os EUA optaram pela criminalizao da
misria, assim como o Brasil. Contudo, o autor coloca que existem pases que esto
buscando alternativas para solucionar este problema.
A Europa est numa encruzilhada, confronta com uma alternativahistrica entre, de um lado, h um tempo, o encarceramento dospobres e o controle policial e penal das populaes desestabilizadaspela revoluo do trabalho assalariado e o enfraquecimento daproteo social que ela requer e, de outro lado, a partir de agora, acriao de novos direitos do cidado tais como o salrio desubsistncia, independentemente da realizao ou no de umtrabalho, a educao e a formao para a vida, o acesso efetivo moradia para todos e a cobertura mdica universal , acompanhadade uma reconstruo efetiva das capacidades sociais do Estado. [...]Dessa escolha depende o tipo de civilizao que ela pretendeoferecer a seus cidados (WACQUANT, 2001, p.151).
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O aprisionamento das classes menos favorecidas social e economicamente
tambm evidenciado nesta pesquisa. Os dados pesquisados e analisados
permitem observar que, na cidade de Santa Maria, os detentos, na sua grande
maioria, so provenientes de bairros caracterizados por uma quantidade elevada de
pessoas com um baixo nvel de renda e um baixo nvel de instruo, o que assinala
sua condio scio-econmica. Tambm so caracterizados por estarem
desempregados ou empregados em profisses de baixos salrios. Na cidade de
Santa Maria percebido que a visibilidade dos crimes dada sobre as classes
menos favorecidas do espao urbano. As prises da sociedade brasileira, assim
como a priso de Santa Maria tende a ser direcionada para as classes classificadas
como os pobres, como j explicitado por Foucault (1994). As prises, asnormativas do Cdigo Penal, as instituies de justia foram criadas por uns e
aplicadas a outros, ao invs de atingir toda sociedade brasileira. Como colocado por
Wacquant (2001), existe uma criminalizao da pobreza.
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2. VIOLNCIA CRIMINAL NO ESPAO URBANO__________________________________________________________
2.1. A Influncia da Violncia na Organizao do Espao Urbano
No Brasil, como no mundo inteiro, parece que o medo um trao cada vez
mais marcante da vida contempornea. Entretanto, importante salientar que as
aes violentas se caracterizam por ser cada caso diferente do outro. Em alguns
lugares o medo se associa principalmente criminalidade comum, isto , assaltos,
furtos, agresses domsticas, enquanto em outros tambm pode estar vinculada aoterrorismo ou violncia de raiz religiosa ou tnica (SOUZA, 2005).
Dependendo do pas, estado ou cidade, as aes violentas so mostradas pela
mdia como sendo causadas pelas classes menos favorecidas economicamente, o
que tende a ser tomado como verdade pelo senso comum, sendo que somente
algumas pessoas tendem a filtrar os acontecimentos que lhes so reportados. Um
trabalho desenvolvido pelo Instituto de Criminologia de Paris explora esta questo
do medo, da mdia e a distoro dos fatos. Segundo Raufer & Haut (1997) ateleviso regularmente desacreditada e criticada quando trata do assunto
violncia. A forma como a mdia expe os problemas das periferias pobres pela
televiso contribui para veicular uma imagem negativa das cidades, acentuando o
sentimento de excluso e de temor sentido pela populao. Fazendo passar as
atividades legais que acontecem nos bairros pobres para fatos excepcionais,
construindo uma imagem distorcida destas zonas falando sobre fatos como:
violncia, gangs, droga, guetos, circulao de armas, etc. Aquelas pessoas quepossuem como nico meio de informao este tipo de veculo informacional tendem
a sentir mais medo, por acreditar no que lhes passado.
Glassner (2003) escritor norte-americano em seu livro Cultura do Medo,
faz algumas colocaes importantes a respeito desta questo. Segundo o autor, o
mundo ocidental, o americano, os EUA esto vivendo numa cultura do medo. O
autor constata que em muitos casos existe uma propagao do medo e da violncia,
que nem sempre ocorrem. Est sendo investido muito dinheiro pblico e/ou
privado no combate de uma violncia, sem ter certeza do alcance da problemtica
da violncia. Nessa perspectiva, o autor coloca um exemplo: nos Estados Unidos,
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enquanto so gastas fortunas para proteger crianas de perigos que poucas delas
enfrentam (pedofilia, por exemplo), aproximadamente 11 milhes de crianas no
tem seguro sade, 12 milhes esto subnutridas e as taxas de analfabetismo esto
aumentando.
O medo da violncia um assunto relevante que vem sendo discutido
atualmente. Nas cidades, muitos atores da sociedade vm utilizando-se do discurso
da violncia para aumentar o seu poder econmico. No que a violncia nas cidades
no exista, mas, muitas vezes, o discurso do medo e da violncia vem sendo
colocado na sociedade de uma forma exacerbada, e sendo utilizado para chegar a
determinados objetivos. Os agentes imobilirios e a mdia so exemplos de atores
econmicos que podem desenvolver o potencial de disseminar o medo.No espao urbano a expresso do medo torna-se mais visvel, modificando a
estrutura espacial e os modos de vida das pessoas. Conforme Souza (2005, p. 102):
[...] A cidade do medo, a fobpole, , precisamente a grandecidade. Antes smbolo de civilizao, de passeios ao ar livre empraa em parques e em meio a monumentos e chafarizes, deconcentrao de cultura e civilizao, as grandes cidades vo setornando lugares onde, cada vez mais, o mais sensato parece ser
ficar em casa, assistindo a um vdeo na segurana (cada vez maisrelativa) do lar. Muros, cercas eletrificadas, guaritas com vigiasarmados, cancelas para fechar ruas (no s ruas particulares, masat mesmo logradouros pblicos!), cmeras de TV: quem pode, fazda residncia um verdadeiro bunker, ou passa a morar em umcondomnio exclusivo, ou vai para o interior, para uma cidademenor, em busca de paz e tranqilidade. Como se tudo issoadiantasse...
Para Francisco Filho (2004, p. 6-7) os moradores das grandes metrpoles,
esto divididos diariamente entre duas questes:
Quem vive nas grandes metrpoles, atualmente, depara-se no dia-a-dia com uma situao aparentemente paradoxal: se por um ladoviver em reas urbanas ter a garantia de acesso a toda umaestrutura de apoio vida, por outro lado h a sensao de que ascondies geradas nessa estrutura sufocam e oprimem cada cidadonum constante estado de agresso. Vm tona discusses sobrequalidade de vida nos centros urbanos, e percebe-se que essaqualidade, dependendo dos valores em jogo, muito relativa. Numasociedade segregada social, econmica e espacialmente, o acesso qualidade de vida, num primeiro momento, est diretamenterelacionado classe a que pertence cada cidado e,conseqentemente, sua capacidade de compra das benesses que a
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cidade oferece. Em princpio, se o cidado tem acesso a uma boaeducao, a um sistema de sade eficiente, dispe de toda umainfra-estrutura de lazer, tem uma fonte de renda estvel, pode-seafirmar que tem uma boa qualidade de vida. O que acontece, narealidade, que essas benesses presentes nas grandes cidades nogarantem que cada cidado no fique exposto a uma situao diriade stress e angstia. Certamente muitos fatores contribuem paraisso, mas a exposio violncia , sem dvida, um dos maioresfatores que contribuem para a queda da qualidade de vida nasgrandes cidades. A violncia faz com que no se desfrute dasqualidades que um grande centro oferece, e os cidados vo aospoucos se encastelando em seus refgios, cada vez maistransformados em fortalezas, que os afastam da sociedade e ostransformam, por conseguinte, em portadores de atitudessegregacionistas. Talvez seja nisso que os cidados urbanos setransformaram: numa massa de indivduos segregados em seus
mundos, isolados em ilhas, como por exemplo, os condomnios.
Analisa-se que a violncia e o medo so alguns fatores que influenciaram e
influenciam essa nova reestruturao das cidades representadas pelos condomnios
fechados. Alm deles, percebe-se outras formas segregacionistas no espao
urbano, tais como: os shopping centers, as favelas, as grades, os muros, os
sistemas de segurana so caractersticas dessa nova cidade. E a mdia tende a
agravar essa condio do medo, mostrando todos os dias nos noticirios atos
violentos, dando uma maior visibilidade da violncia existente (FRANCISCO FILHO,
2004).
Segundo Glassner (2003) em algumas pesquisas realizadas durante trs
dcadas, verificou-se que as pessoas que obtm a maioria das informaes apenas
sob um prisma televisivo apresentam maior tendncia do que outras de acreditar que
o lugar onde vivem inseguro. Ao mesmo tempo em que, tendem a acreditar que os
ndices de criminalidade esto aumentando e superestimar a probabilidade de se
tornar vtimas da violncia.
Nesse contexto, essas pessoas tendem a se proteger mais, comprando mais
fechaduras, alarmes e armas. Tendem a aceitar e inclusive a apoiar medidas
repressivas como o aumento das prises, a insero da pena de morte, de
sentenas mais duras, medidas que no reduzem o crime, mas, por outro lado, no
deixam de dar votos aos polticos (GLASSNER, 2003).
Para Rifiotis (1999), citado por Chagas Nogueira (2006), diante das
reportagens apresentadas pela mdia, cria-se uma impresso de que a violncia estaumentando, contudo, o que est crescendo, principalmente, a visibilidade dos
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fenmenos associados a ela. Rifiotis (1999) no texto sobre violncia policial,
considerando o caso da Favela Naval (Diadema, So Paulo) realizou um estudo
sobre matrias publicadas aps a divulgao do caso pela Rede Globo de
Televiso, no dia 31 de maro de 1997, nos jornais Folha de So Paulo (FSP) e O
Estado de So Paulo (OESP), constatando que:
Tomando como referencial o caso da Favela Naval identificamosuma matriz que circunscreve o seu leitor-modelo: a ambigidade. Asua indignao frente violncia policial mostrada na televiso no um princpio, mas uma afirmao parcial que depende de umoperador que a condio de trabalhador da vtima. Conferenteou mecnico (sic), a vtima fatal no apenas um cidado morto
pela polcia. Simbolicamente, opera-se a identificao da premissadas classes perigosas e a construo da imagem da favela com umlugar onde se desenrola mais um drama; a rua Naval passa a ser aFavela Naval. a violncia policial passa a ser vista como umafonte sem controle se deslocando contra a populao pobre. O quedeveras j vinha acontecendo h anos. Trata-se, portanto, de umaindignao modulada. O mesmo se pode afirmar da volpia punitivaque a acompanha: condenao expeditiva. a operao simblicade construo ao mesmo tempo da inocncia da vtima, mas tambma resposta ao leitor-modelo que se pergunta contra quem os policiaisagiram, distinguindo se eram ou no criminosos. Pressupondo que aprtica policial tenha como atribuio definir a culpabilidade, que
cabe justia. a imagem do suspeito que tratado comocriminoso, sem respeito ao princpio da inocncia pressuposta atque a justia estabelea a condenao (RIFIOTIS, 1999, p. 39).
Analisando o exposto pelo autor percebe-se que, muitas vezes, a imprensa tem
a tendncia de estereotipar a ao policial, condenando a violncia desencadeada
por ela, dando visibilidade a determinados fatos, em detrimento de outros. Ao
mesmo tempo, essa ao policial desmedida contra a populao pobre justificada
quando ela direcionada para criminosos suspeitos, j que os moradores das
favelas normalmente so tratados como suspeitos dos crimes que ali acontecem.
como se determinados instrumentos da mdia e a viso de determinadas pessoas da
sociedade no soubessem diferenciar, por exemplo, um integrante de uma quadrilha
do trfico de um trabalhador assalariado que mora na favela. E, mesmo que
tivessem a capacidade de efetuar essa diferenciao, ser que saberiam analisar a
contexto pelo qual levou determinado morador a se integrar a uma quadrilha do
trfico?
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O medo e a necessidade de proteo crescente esto se refletindo no espao,
transformando todo o desenho das cidades. Segundo Flix (1996) os espaos
urbanos esto se modificando, diminuindo a acessibilidade. Por um lado, as classes
mais abastadas da sociedade utilizam-se de meios para proteo das patologias
sociais, sendo que uma dessas patologias est relacionada a violncia. Surgem,
desse modo, modalidades residenciais que tentam oferecer o mximo de segurana
com guaritas, circuitos fechados de TV, porteiros eletrnicos, especialmente na
forma de condomnios fechados. Por outro lado, deve-se analisar que, quanto mais
difcil for o acesso, mais aprimoradas sero as tcnicas utilizadas para a prtica dos
crimes.
Sobre a organizao do espao urbano Souza (1996) afirma que, em muitoscasos, o discurso da segurana est presente na produo do espao urbano, no
qual se manifestam novas tendncias da produo imobiliria, com novos estilos
arquitetnicos, um novo paradigma urbanstico e uma nova cultura urbana.
Analisando esse assunto Souza (1996, p. 54) acrescenta que:
Os condomnios exclusivos so o smbolo mximo do que se podedesignar como auto-segregao, o qual representa o contraponto da
segregao induzida (que se refere basicamente aos loteamentosirregulares das periferias urbanas e s favelas; no caso, asegregao induzida pela pobreza, pelo menor poder aquisitivo,que fora uma parcela considervel da populao a morar emespaos quase desprovidos de infra-estrutura, negligenciados peloestado e at mesmo insalubres).
Comple
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