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ALEXANDRE NOVELLI BRONZATTO
AÇÃO EXECUTIVA LATO SENSU
MESTRADO EM DIREITO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
SÃO PAULO
2006
2
ALEXANDRE NOVELLI BRONZATTO
AÇÃO EXECUTIVA LATO SENSU
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE
em Direito das Relações Sociais, sob orientação do
Prof. Dr. Donaldo Armelin
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
SÃO PAULO
2006
3
BANCA EXAMINADORA
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_____________________________________________
4
Aos meus pais,
Artur Bronzatto Filho e
Assunta Novelli Bronzatto
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RESUMO
A presente dissertação tem por objetivo examinar a ação executiva lato sensu e,
para tanto, estende-se por três capítulos. O primeiro aborda os institutos
fundamentais para compreensão dessa espécie de ação civil. O estudo se inicia
com a distinção entre pretensão e ação. Em seguida são expostas as
classificações tradicionais da tutela jurisdicional e do processo. Formula-se,
então, proposta de sistematização da tutela jurisdicional em duas categorias:
tutela cognitiva e tutela de repercussão física. Naquela estão incluídos os
provimentos declaratórios, os constitutivos e os condenatórios; nesta, os
provimentos mandamentais e executivos. No trabalho, reconhece-se a ação
executiva lato sensu como manifestação do sincretismo, que consiste na reunião
de atividades cognitivas e de repercussão física na mesma relação jurídica
processual. Levando-se em consideração o critério da atividade jurisdicional
desenvolvida, o processo sincrético coloca-se ao lado dos processos de
conhecimento e de execução. O segundo capítulo começa pelo exame das ações
e suas classificações tradicional (ternária), quinária e quaternária. São então
analisados os diversos conceitos de execução, bem como a delimitação das
características das executivas lato sensu, por sua estrutura processual e natureza
jurídica. Procura-se identificar os pontos em comum e as principais distinções
entre as executivas lato sensu e as mandamentais, rejeitando-se a limitação das
primeiras às execuções reais. Finalmente, no terceiro capítulo são estudados
aspectos do procedimento das ações executivas lato sensu, com ênfase na
efetividade da tutela jurisdicional e no direito à ampla defesa, ambos previstos na
Constituição Federal de 1988.
Palavras-chave: ação executiva lato sensu, classificação quinária e direito de
defesa.
6
ABSTRACT The objective of this dissertation is to examine the executive (lato sensu) action
and doing so in three chapters. The first covers fundamental institutes for the
comprehension of this kind of civil action. The study starts with a distinction
between claim and action. Following is the traditional classifications of this juridic
tutelage and of the process. Thus the systematization process of the juridic
tutelage is formulated: cognition tutelage and tutelage of fisical repercussion. In
that one are included the declaratory, constitutive and condemnatory sentence. In
this, the injunctions and executive provision. At work the executive action is
recognized, consisting in the reunion of cognitive activities and fisical repercussion
in the same juridic processual relation. Taking in consideration the criterion of the
evolved jurisdictional activity, the syncretic process is placed side by side with the
trial procedure (which in Brazilian system doesn’t includes the enforcement of the
decision) and executive process. The second chapter starts with the examination
of the actions and their classifications. Several execution concepts are then
analyzed, as are the delimitations of the executives procedural structure and
juridic nature. One tries to identify what they have in common, and the main
distinction between the executive and the injunctions, rejecting the limitation of the
first real execution. Finally, in the third chapter the aspects of the executive
procedures are studies, emphasizing on the effectivity of the jurisdictional tutelage
and the right to wide defence, both predicted in the 1988 Federal Constitution.
Key words: executive action, classification of actions, right to wide defence.
7
Lista de Abreviaturas Ac. – Acórdão ADIn – Ação Direta de Inconstitucionalidade Amp. – Ampliada Ap. Civ. – Apelação Cível At. – Atualizada CC – Código Civil CF – Constituição Federal cf. – Conferir Coord. – Coordenação CPC – Código Processo Civil Dec. – Decreto Des. – Desembargador DJ – Diário de Justiça DL. – Decreto-lei DO – Diário Oficial Doc. – Documento EC – Emenda Constitucional ed. – Edição EREsp – Embargos de Divergência no Recurso Especial Ex. – Exemplo f. – Folha j. – Julgado em Loc. cit. – Local citado nº – número OAB – Ordem dos Advogados do Brasil Ob. – Obra Ob. cit. – Obra citada Org. – Organização p. – Página p. ex. – Por exemplo RE – Recurso Extraordinário Ref. – Reformado, referente, referido Rel. – Relator REsp. – Recurso Especial Rev. – Revista RF – Revista Forense RJ – Revista Jurídica RT – Revista dos Tribunais S, ss – Seguinte, seguintes STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça Súm. – Súmula t. – Tomo T. – Turma Trad. – Tradução vol. – Volume
8
SUMÁRIO
I. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 9 II. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ......................................................................... 12 1. Tutela jurídica, pretensão e ação de direito material ....................................................... 12 2. Tutela jurisdicional .......................................................................................................... 16
2.1. Classificação tradicional da tutela jurisdicional ...................................................... 21 2.2 A tutela jurisdicional segundo a atividade desenvolvida.......................................... 24
2.2.1. Tutela cognitiva .............................................................................................. 27 2.2.2. Tutela de repercussão física............................................................................ 30
3. Processo........................................................................................................................... 32 3.1 Classificação tradicional do processo........................................................................ 33
3.1.1. Processo de conhecimento .............................................................................. 36 3.1.2. Processo de execução ...................................................................................... 38 3.1.3. Processo cautelar ............................................................................................. 42
3.2. Autonomia do processo de execução e execução específica.................................... 44 3.3. Classificação do processo segundo a atividade jurisdicional nele desenvolvida: o
processo sincrético.................................................................................................... 56 3.4. Executivas lato sensu como manifestação do sincretismo ....................................... 57
4. Processo sincrético e tutela jurisdicional diferenciada .................................................... 61 III. AÇÕES EXECUTIVAS LATO SENSU ........................................................................ 65 1. Classificação das ações.................................................................................................... 65
1.1. Classificação tradicional (ternária) ........................................................................... 68 1.2. Classificação quinária............................................................................................... 71 1.3. Classificação quaternária.......................................................................................... 73
2. Sobre os diversos conceitos de “execução”..................................................................... 76 3. Executivas lato sensu: apenas uma questão de “estrutura processual”? ......................... 79 4. Ações mandamentais e executivas lato sensu: coincidências e diversidades ................. 83 5. Execuções reais?.............................................................................................................. 85 IV. ASPECTOS DO PROCEDIMENTO DAS EXECUTIVAS LATO SENSU ................. 90 1. Aplicação dos princípios da execução aos processos sincréticos.................................... 90 2. Possibilidade de intercâmbio entre medidas de execução direta e indireta..................... 97 3. Convolação da executiva lato sensu em ação de execução comum.............................. 103 4. A defesa nas executivas lato sensu................................................................................ 105
4.1. Constitucionalidade do direito ao contraditório e à defesa ampla ......................... 106 4.2. Defesa endoprocessual ........................................................................................... 109 4.3. Defesa heterotópica................................................................................................ 112 4.4. Defesa incidental.................................................................................................... 115
5. Abuso do direito de defesa: atos atentatórios à dignidade da justiça ............................ 126 CONCLUSÕES................................................................................................................. 131 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 146
9
I. INTRODUÇÃO
A presente dissertação versa sobre a ação executiva lato sensu no direito
processual civil brasileiro. A escolha do tema teve influência direta de idéias
surgidas a partir de duas constatações: (i) a ineficácia da sentença condenatória;
e (ii) a inutilidade da autonomia do processo de execução, ao menos para o
sistema jurídico atual.
O trabalho desenvolve-se, basicamente, em três vertentes. Em primeiro
lugar, uma reflexão sobre as classificações tradicionais da tutela jurisdicional, do
processo e das ações. Como veremos no decorrer do trabalho, constatou-se que
tais classificações não são as mais adequadas à configuração atual de nosso
sistema jurídico.
A segunda vertente envolve a abordagem de aspectos gerais das ações
executivas lato sensu e do procedimento em que essas ações se desenvolvem.
Partindo da constatação inicial de que a sentença condenatória é ineficaz, pôde-
se verificar que, embora seja instituto jurídico dos mais tradicionais, ela não teve
ainda sua natureza jurídica precisamente delimitada. Ainda hoje doutrinadores de
escol limitam-se a conceituá-la pelos seus efeitos, sem, contudo, distingui-la das
sentenças declaratória e constitutiva com base em seu conteúdo.
Em outras palavras, observou-se que não subsistem os motivos que
levaram à criação de uma sentença cujo escopo principal é tão-somente autorizar
a incoação de um novo processo, destinado ao cumprimento daquela decisão.
Da mesma forma, a autonomia do processo de execução, embora tenha
desempenhado papel relevante historicamente, mostra-se cada vez mais ineficaz
– e até mesmo prejudicial – para os objetivos do processo civil contemporâneo.
10
Este, como se sabe, encontra-se assentado na integração entre processo e direito
objetivo e na exigência da prestação de uma tutela efetiva, adequada e
tempestiva.
A superação da autonomia do processo de execução e a redução da
importância da sentença condenatória conduziram ao reconhecimento de
relações jurídicas processuais nas quais as atividades jurisdicionais, em suas
diversas modalidades, se realizam de forma plena. Constatou-se, portanto, que
há uma tendência ao sincretismo processual, com a reunião de atividades
cognitivas e de alteração do mundo empírico num mesmo processo.
Finalmente, a terceira vertente desta dissertação está assentada no direito
de defesa daqueles que figuram no pólo passivo das executivas lato sensu.
Procura-se examinar, portanto, as modalidades de defesa previstas em nosso
sistema processual e apresentar alternativas para veiculação de matérias
defensivas por parte dos réus, inclusive na fase executiva.
Evidentemente, não se tem a pretensão de esgotar o tema, que é
vastíssimo e permite diversas abordagens. Optou-se por não examinar
peculiaridades das diversas ações executivas lato sensu, excluindo-se
propositadamente a análise casuística. O objetivo é o estudo dessas ações de
forma abrangente, evitando restringi-lo às executivas lato sensu presentes
atualmente no direito brasileiro.
Por opção metodológica, o trabalho limita-se ao sistema jurídico brasileiro
atual, sem passar pela abordagem comparatística com o direito estrangeiro e pelo
estudo histórico do Direito. Apenas de forma episódica e incidental é que serão
11
encontradas citações de direito alienígena e menções a aspectos históricos
relacionados ao tema.
Uma derradeira advertência é necessária: a análise da ação executiva lato
sensu não pode ser feita com os olhos voltados para o passado. As necessidades
atuais e a imperiosa adaptação do direito processual às peculiaridades do direito
material devem nortear o estudo sobre o tema, sempre com vistas ao
aprimoramento do sistema processual civil brasileiro.
12
II. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
1. Tutela jurídica, pretensão e ação de direito material
Tutela é sinônimo de “defesa, amparo, proteção”1. O Estado, ao proibir a
justiça de mão própria2, assumiu o dever de proteger, amparar, enfim, o dever de
tutelar o titular de um direito, e o faz por meio da tutela jurisdicional.
A tutela estatal, porém, não se limita à denominada tutela jurisdicional.3 A
proteção outorgada pelo direito material ao titular de um direito subjetivo integra a
tutela estatal e compõe o conceito restrito de tutela jurídica – ou tutela material4.
Em outras palavras, a tutela jurídica consiste, nas palavras de Luiz Guilherme
Marinoni, no “complexo abstrato de normas jurídicas composto pela totalidade do
chamado direito objetivo e pela parcela deste que autoriza o particular, ou quem
se coloque diante do ordenamento, a postular alegações fundadas naquelas
normas.”5
Pela tutela jurídica atuam as normas de direito substantivo
independentemente das normas de direito processual6. A ação de direito material
é exercida pela autotutela. Do direito subjetivo nasce a pretensão; e desta, o
direito de exigi-la. A ação é instrumento de tutela, é o meio de atuação da tutela
do direito substancial.7
1 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, “Dicionário Aurélio Eletrônico - Século XXI”, versão 3.0, novembro
de 1999. 2 Salvo casos excepcionais. 3 Como adverte Rogério Aguiar Munhoz Soares, “a compreensão do que seja a tutela jurídica antecede o que
se costuma denominar tutela jurisdicional.” (“Tutela Jurisdicional Diferenciada”, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 119).
4 Cf. Luiz Guilherme Marinoni, “Tutela inibitória (individual e coletiva)”, 2a. ed., São Paulo: RT, 2000, p. 400.
5 Idem. 6 Como se dá, por exemplo, na situação disciplinada pelo art. 510 do Código Civil. 7 Luiz Guilherme Marinoni, op. cit., p. 400.
13
A pretensão não se confunde com a ação. Aquela precisa de um ato
voluntário de cumprimento por parte do obrigado, ao passo que esta o dispensa,
pois caracteriza-se por ser uma atividade de realização de algum direito titular
daquele que age8.
A distinção foi posta em relevo por Pontes de Miranda no tomo I do
“Tratado das Ações”, especialmente nos §§ 5o. a 7o, anotando-se que “dever
corresponde a direito; obrigação, a pretensão”9 e que “toda pretensão tem por fito
satisfação: é meio para fim; a satisfação é pelo destinatário, porém não
necessariamente por ato ou abstenção sua”10. Enfim, “quem exige não age,
apenas exerce pretensão, não ação”.11
Afirma Ovídio Baptista da Silva que “o agir próprio de quem exerce ação
prescinde da colaboração do devedor. A ação é uma atividade, por si só, capaz
de realizar a pretensão”12 13.
Segundo Marinoni, a ação “é apenas um meio de atuação da tutela do
direito substancial e nessa perspectiva ela se apresenta, realmente, como
instrumento de tutela.”14
O que se observa é que a pretensão é a condição especial em que o direito
subjetivo se encontra, capaz de permitir que seu titular exija do devedor o
8 Ovídio Baptista da Silva, “Curso de Processo Civil”, vol. 2, 5a. ed., São Paulo: RT, 2002, pp. 254-255. 9 “Tratado das ações”, tomo I, São Paulo: RT, 1970, p. 51. 10 Ibidem, p. 52. 11 Ovídio Baptista da Silva, op. cit., p. 254. 12 Ibidem, p. 172. 13 Os exemplos trazidos por Ovídio Baptista da Silva são esclarecedores: “se o credor, valendo-se de todos os
imagináveis expedientes suasórios, exige do devedor o pagamento, esperando porém que este, por tal modo premido por essa exigência, espontaneamente cumpra a obrigação, terá exercido pretensão, não ação. Se exijo que o inquilino restitua-me o imóvel locado, estando findo o contrato, valendo-me, por exemplo, de uma notificação judicial, ou de qualquer outra forma de pressão, visando a obter a satisfação de meu direito a recobrar a posse do imóvel, ainda não estarei a exercer ação, pois minha exigência pressupõe que o inquilino voluntariamente desocupe o imóvel. Se confio no ‘cumprimento voluntário’, então ainda não estou a exercer ação.” (“Curso de Processo Civil”, vol. 1, 6a. ed., São Paulo: RT, 2002, p. 172.).
14 “Tutela inibitória (individual e coletiva)”, 2a. ed., São Paulo: RT, 2000, p. 400.
14
cumprimento de uma determinada conduta equivalente à prestação com que o
direito será satisfeito e realizado.
Ovídio Batista da Silva nos traça um exemplo que talvez possa ajudar a
esclarecer a diferença. O credor de uma nota promissória ainda não vencida é titular
do direito subjetivo de crédito, mas não pode exigir o pagamento. O direito subjetivo
existe, mas não existe ainda a pretensão (que faz o direito subjetivo exigível)15.
Portanto, a pretensão de direito material é definida como “a exigibilidade de
que todos os direitos, mais cedo ou mais tarde, necessariamente se haverão de
revestir”, destacando-se que sua atuação se dá necessariamente “antes da
violação do direito”16.
Tanto no campo do direito material, quanto no domínio do processo, a
pretensão é, sempre, o poder que o titular do direito tem de exigir de alguém a
satisfação de um certo dever (obrigação), capaz de tornar efetivo e realizado o
direito.17
A ação de direito material somente passa a existir quando o exercício da
pretensão se mostra impotente e inútil – o titular do direito, dotado de pretensão,
exige do obrigado a prestação e este resiste ao cumprimento: nesse preciso
momento nasce ao titular a possibilidade de agir (exercer ação) para a realização
do direito.
Conforme Ovídio Baptista da Silva, toda a estrutura das categorias de
pretensão e ação de direito material, especialmente o conceito de pretensão, está
ligada ao conceito de direito obrigacional (à actio). O conceito de pretensão
15 “Curso de Processo Civil”, vol. 1, 6a. ed., São Paulo: RT, 2002, p. 196. 16 Idem, vol. 2, 5a. ed., São Paulo: RT, 2002, pp. 197 e 199. 17 Ibidem, p. 203.
15
mostra-se inadequado para explicar o que seria, nos direitos absolutos, uma
pretensão real (vindicatio).
Então, a adequação é total nos direitos de crédito. Já nos direitos reais isto
não acontece. Pretensão real é o poder que o titular do direito real tem de exigir
dos demais (erga omnes) o respeito ao direito de modo que, com a abstenção de
todos, possa usufruir plenamente de sua propriedade. A pretensão real seria uma
pretensão à omissão, dirigida erga omnes.18
Retomando o estudo da tutela jurídica, convém esclarecer que o conceito
até agora utilizado não abarca toda sua amplitude.
Cândido Rangel Dinamarco esclarece que tutela jurídica, em sentido mais
amplo:
“é a proteção que o Estado confere ao homem para a consecução
de situações consideradas eticamente desejáveis segundo os
valores vigentes na sociedade – seja em relação aos bens, seja
em relação a outros membros do convívio.”19
Note-se que a tutela jurídica estatal atua em dois planos: o da fixação de
preceitos reguladores da convivência e o das atividades destinadas à efetividade
desses preceitos.
Um ordenamento que se limitasse a afirmar um direito – ou seja, a
estabelecer os preceitos reguladores – sem oferecer meios capazes de permitir
sua realização efetiva não poderia, conforme observa Marinoni, “sequer receber o
qualificativo de jurídico, pois não garantiria o direito exatamente no momento em
18 Ovídio Baptista da Silva, “Curso de Processo Civil”, vol. 1, 6a. ed., São Paulo: RT, 2002, p. 198. 19 Cândido Rangel Dinamarco, “Tutela jurisdicional”, in Revista de Processo n.° 81, São Paulo: RT, 1996, p. 61.
16
que ele mais necessita de proteção, isto é, na ocasião em que é ameaçado ou
violado.“20
Portanto, além da criação de uma ordem jurídica substancial – que já é, por
si só, um ato de tutela, ao menos em um de seus planos –, o Estado deve
oferecer meios de garantir a preservação do ordenamento constantemente
transgredido. Esta é, pois, a chamada tutela jurisdicional.21
2. Tutela jurisdicional
A tutela jurisdicional insere-se na ampla categoria da tutela jurídica, mas,
como se viu, não a exaure. A tutela estatal será jurisdicional quando realizada por
meio do exercício da jurisdição.22
É importante notar que a expressão tutela jurisdicional sempre esteve
vinculada ao direito processual. A finalidade que se atribui ao processo tem
profunda relação com a noção que se tem de tutela jurisdicional.
O processo – se entendido como desenrolar mecânico de atos tendentes a
um provimento final – possui relação direta com o conceito de tutela jurisdicional
como simples exercício da jurisdição ou como a mera “outorga do provimento
jurisdicional em cumprimento ao dever estatal que figura como contraposto do
poder de ação”.23
20 Luiz Guilherme Marinoni, “Tutela inibitória (individual e coletiva)”, 2a. ed., São Paulo: RT, 2000, p. 407. 21 Convém lembrar que a tutela jurisdicional não pode ser confundida com o próprio serviço realizado pelos juízes
no exercício da função jurisdicional. Tutela jurisdicional não é o mesmo que jurisdição. Como bem lembra Dinamarco, “a tutela é o resultado do processo em que essa função se exerce. Ela não reside na sentença em si mesma como ato processual, mas nos efeitos que ela projeta para fora do processo e sobre as relações entre pessoas.” (“Tutela jurisdicional”, in Revista de Processo n.° 81, São Paulo: RT, 1996, p. 63).
22 Cândido Rangel Dinamarco, “Tutela jurisdicional”, in Revista de Processo n.° 81, São Paulo: RT, 1996, p. 61.
23 Ibidem, p. 54.
17
Como destaca Cândido Rangel Dinamarco, os estudos dogmáticos do
século passado enxergavam o processo apenas pelo método introspectivo.
Atualmente o ponto de vista é outro. Passou-se a enxergar o sistema processual
pelo ângulo externo24, o que repercutiu, também, no modo de pensar a tutela
jurisdicional.
“O Estado”, nas precisas palavras de Donaldo Armelin, “na proporção que
reservou para o Poder Judiciário a faina de fazer atuar o direito objetivo
autoritariamente sobre hipóteses ou casos de conflito ou de negócios” atribuiu aos
jurisdicionados, ipso facto, o poder de exigir tal atuação. 25
O direito moderno – e, portanto, o sistema processual nele inserido – deve
oferecer aos litigantes “resultados justos e efetivos, capazes de reverter situações
injustas desfavoráveis. Tal é a idéia de efetividade da tutela jurisdicional, coincidente
com a da plenitude do acesso à justiça e a do processo civil de resultados.”26
De acordo com Ovídio Baptista da Silva,
“a vedação da defesa privada que, como se sabe, não só
acompanhou como em verdade plasmou o Estado moderno, gera
para a função jurisdicional uma alternativa inescapável sempre
que o Estado, para cumprir seu dever de prestar jurisdição,
encontre-se ante uma situação emergencial, onde a necessidade
de uma tutela imediata o impeça de averiguar, adequada e
serenamente, a verdadeira condição do demandante que se
afirme titular do direito ameaçado de sofrer dano iminente.”27
Não se pode afirmar, todavia, que a atual compreensão de tutela
jurisdicional está completamente vinculada à idéia de justiça – e talvez essa não
24 Cândido Rangel Dinamarco, “Tutela jurisdicional”, in Revista de Processo n.° 81, São Paulo: RT, 1996, p. 55. 25 "A tutela jurisdicional cautelar", Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo: n. 23, 1985, p. 129. 26 Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., p. 55. 27 “Do processo cautelar”, 3a. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 72.
18
seja efetivamente a função da tutela jurisdicional, já que a justiça ou injustiça de
uma decisão decorre também, e principalmente, do direito material.
Por outro lado, não deverá ser considerada justa a decisão concedida
tardiamente ou obstativa da utilização do instrumento processual adequado para
a situação apresentada, ainda que pautada estritamente nos preceitos emanados
do direito material.
É preciso, portanto, estender o alcance da tutela jurisdicional, sem
esquecer que garantir a efetividade e utilidade do processo é na verdade uma
forma de distribuir Justiça.
Conclui-se então, que tratar a efetividade do processo como o “acesso a
uma ordem jurídica justa” é incorrer em erro, pois a justiça ou injustiça do
ordenamento jurídico não tem qualquer relação com o processo.
O resultado justo, como assevera Flávio Luiz Yarshell, “é aquele fiel aos
valores consagrados no plano substancial do ordenamento”28 e isto, como se
sabe, nenhuma relação possui com o direito processual.
Não basta, portanto, um processo efetivo. Um ordenamento jurídico injusto
agregado a um processo efetivo não implicará na alteração da decisão de fundo,
mas, ao contrário, trará uma injustiça efetiva.
Essa visão do processo pelo ângulo externo faz com que a tutela
jurisdicional passe, por conseqüência, a estreitar a relação com o direito material.
E isso demonstra a atualidade daquela definição de tutela jurisdicional como o
resultado em favor do vencedor.29
28 Flávio Luiz Yarshell, “Tutela jurisdicional”, São Paulo: Atlas, 1999, p. 385 (sem destaque no original). 29 Idem, p. 28 (sem destaque no original).
19
Por outro lado, não se pode olvidar que por meio da expressão tutela
jurisdicional não se designa apenas o resultado30 do processo, mas também os
meios oferecidos pelo ordenamento jurídico para que se consiga atingir o
resultado pretendido.31
O resultado é o efeito substancial (jurídico ou prático) que o provimento
final projeta ou produz sobre dada relação material. Teria tutela apenas aquele
que está respaldado no direito material.
Nesse sentido, a tutela pode beneficiar também o réu, desde que o direito
material lhe ampare. No processo de execução, apenas em favor do exeqüente
existiria tutela. E no cautelar sequer haveria uma autêntica prestação de tutela –
salvo, é claro, se admitida a existência de um direito substancial de cautela.
Portanto, com relação ao resultado, pode-se considerar a tutela jurisdicional como
aquela prestada em prol do vencedor.32
Frise-se que constitui tutela jurisdicional, igualmente, a utilização dos meios
objetivando a consecução do resultado (tutela como meios colocados à
disposição do jurisdicionado). Constituem bons exemplos dessa acepção de tutela
jurisdicional as tutelas diferenciadas, as tutelas específicas e a própria
antecipação da tutela.
Essa noção – ou seja, tutela jurisdicional abarcando os meios necessários
para atingir o resultado pretendido com o processo – ganha destaque ainda maior
nos processos em que a atuação estatal se desenvolve também no plano fático,
30 A tutela, vista como resultado, como lembra Dinamarco, não reside na sentença em si mesma, “mas nos
efeitos (grifo do autor) que ela projeta para fora do processo e sobre as relações entre pessoas” (“Tutela jurisdicional”, in Revista de Processo n.° 81, São Paulo: RT, 1996, p. 63.)
31 Nesse sentido, v., Flávio Luiz Yarshell, op. cit., pp. 30-35. 32 Flávio Luiz Yarshell, op. cit., p. 51.
20
como é o caso dos processos sincréticos, sejam eles mandamentais ou
executivos lato sensu, como se verá oportunamente.
De acordo com nosso sistema processual, é possível que seja concedida a
antecipação da tutela (uma das modalidades de tutela jurisdicional) àquele que
não está garantido pelo direito material. Isto porque enquanto não houver a
prestação jurisdicional definitiva, fundada em cognição plena e exauriente, o
demandante – comprovando urgência e demonstrando razão tão-somente
aparente – poderá se beneficiar da tutela jurisdicional provisória.
Admitida a tutela como integrante dos meios que conduzem ao resultado, o
Estado também presta tutela jurisdicional até mesmo ao vencido. Para este, a
tutela manifesta-se no sentido de o Estado exercer a pacificação pela eliminação
da controvérsia (escopo social do processo).
Dessa forma, no processo de execução também há tutela em favor do
executado na medida em que este se beneficia do devido processo legal e da
execução mediante o menor sacrifício de seu patrimônio (art. 620 do CPC).
Ademais, também fica afastada a discussão quanto à existência de tutela no
processo cautelar, visto que ainda que não se reconheça a existência de um
direito substancial de cautela, o procedimento encerrado para obtenção da
cautela pretendida já é, por si só, uma manifestação da tutela jurisdicional.
Como se pode observar, uma das principais diferenças entre a tutela
material e a tutela jurisdicional é que aquela somente é prestada quando o juiz
reconhece a existência do direito afirmado pelo autor, enquanto esta, como visto
acima, pode ser proporcionada ao requerente independentemente de estar a
21
alegação contida na petição inicial amparada pelo direito material, ou seja,
mesmo em caso de sentença desfavorável ao autor.33
A tutela jurisdicional deve proporcionar a efetiva realização do direito
material. Por isso, o ordenamento jurídico deve garantir que essa tutela seja
capaz de permitir sua realização efetiva34. A tutela jurídica estatal, portanto, não
se limita a fixar os preceitos reguladores da atividade humana. Além disso, o
Estado deve disponibilizar meios de garantir a efetividade desses preceitos.
2.1. Classificação tradicional da tutela jurisdicional
A doutrina apresenta diversas classificações da tutela jurisdicional,
segundo variados critérios. Esses critérios tendem a destacar aspectos
processuais da tutela35, embora alguns, como se verá mais adiante, dêem ênfase
a traços do direito material.
A classificação clássica ou tradicional da tutela jurisdicional leva em
consideração a natureza do provimento. De acordo com Chiovenda, a ação “não
admite outra classificação que não a fundada na vária natureza do
pronunciamento judicial a que a ação tende.”36
Partindo desse critério, os doutrinadores destacam a existência de uma tutela
cognitiva ou de conhecimento, que visa, essencialmente, a declarar a existência de
um direito, uma tutela executiva ou de execução, que se caracteriza pela “realização
33 Luiz Guilherme Marinoni, “Tutela inibitória (individual e coletiva)”, 2a. ed., São Paulo: RT, 2000, p. 400. 34 Desde já convém destacar que “o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva jamais poderá ser
atendido por meio dos provimentos da classificação trinaria. Tal direito depende de provimentos mandamentais e executivos” (Luiz Guilherme Marinoni, “Técnica Processual e Tutela dos Direitos”, São Paulo: RT, 2004, p. 39)
35 Como, v.g., a eficácia processual do provimento jurisdicional. 36 Giuseppe Chiovenda, “Instituições de direito processual civil”, trad. Paolo Capitano, Campinas:
Bookseller, 1998, p. 67.
22
prática de um direito já reconhecido pelo Judiciário ou pelo sistema jurídico”37 e uma
tutela cautelar, que tem por objeto “a obtenção de providência destinada, não a
satisfazer diretamente o direito material afirmado, mas sim a garantir a eficácia da
tutela de conhecimento ou de execução”38. Nas palavras de Liebman, essa
classificação seria, “a única classificação legítima e importante”.39
Carnelutti trata a tutela de cognição, como aquela destinada a compor a
lide decorrente de pretensão contestada, ao passo que a de execução teria seu
lugar quando presente a pretensão insatisfeita.40
Efetivamente, o que distingue a tutela cognitiva da executiva é que apenas
nesta há realização de atividades de modificação no mundo empírico, tendentes à
satisfação de uma pretensão. Na tutela cognitiva os atos praticados ficam restritos
ao mundo jurídico, embora indiretamente possam provocar alterações no mundo
fenomênico. Na execução a atividade do órgão investido do poder jurisdicional é
mais prática, ao passo que na cognição os atos são prevalentemente lógicos.41
A tutela jurisdicional que se dispensa no processo de execução é a
satisfação de uma pretensão. Essa tutela só pode ser oferecida ao demandante
(exeqüente) e jamais ao demandado.42 A tutela jurisdicional executiva volta-se
não para a declaração do direito, mas para torná-lo efetivo no mundo empírico.
37 Donaldo Armelin, op. cit., p. 113. 38 Teori Albino Zavascki, “A antecipação da tutela”, 3ª. ed. rev. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 8. 39 Enrico Tulio Liebman, “Manual de Direito Processual Civil”, traduzido e anotado por Candido Rangel
Dinamarco, Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 162. 40 Francesco Carnelutti, “Instituições...”, apud Teori Albino Zavascki, “A antecipação da tutela”, 3ª. ed. rev.
e ampl., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 7. 41 Teori Albino Zavascki, op. cit., p. 8. 42 Cândido Rangel Dinamarco, “Tutela jurisdicional”, in Revista de Processo n.° 81, São Paulo: RT,1996, p. 76.
23
A execução forçada tem, portanto, a finalidade de satisfazer o direito.
Assim, sob o prisma do resultado, a tutela jurisdicional ocorrerá, normalmente,
“com a entrega do bem devido ao credor.”43
Como vimos, a expressão tutela jurisdicional abarca tanto o provimento
final, como também os meios tendentes à consecução do resultado pretendido. E,
neste sentido, adverte José Miguel Garcia Medina, que “podem ser consideradas
modalidades de tutela jurisdicional executiva tanto os meios executivos diretos (ou
de sub-rogação) quanto os indiretos (ou de coação).”44
Importa observar que a tutela jurisdicional executiva é prestada no
processo de execução, mas não exclusivamente nele. Assim, na atuação da
antecipação da tutela, por exemplo, é possível verificar-se claramente a
realização de atividades executivas, embora não exista processo de execução. O
mesmo se dá nos processos sincréticos, em que o processo de execução não
goza de autonomia, pois a satisfação se dá na fase subseqüente àquela em que
há o reconhecimento do direito e formação do título.
Às duas atividades (cognitiva e executiva) a doutrina acresce uma terceira,
tendente a obter providencia destinada não à satisfação, mas à garantia da
eficácia das tutelas executiva e cognitiva. Trata-se da tutela cautelar, que,
juntamente com as outras duas, constituem, nos moldes clássicos, ”as três
43 José Miguel Garcia Medina, “A execução da liminar que antecipa efeitos da tutela sob o prisma da teoria
geral da tutela jurisdicional executiva – o princípio da execução sem título permitida”, in “Processo de execução e assuntos afins – v. 2”, coord. Sérgio Shimura e Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo: RT, 2001, p. 510.
44 “A execução da liminar que antecipa efeitos da tutela sob o prisma da teoria geral da tutela jurisdicional executiva – o princípio da execução sem título permitida”, in “Processo de execução e assuntos afins – v. 2”, coord. Sérgio Shimura e Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo: RT, 2001, pp. 510 e 511.
24
espécies de tutela jurisdicional e com base nelas é que também o legislador
brasileiro de 1973 formulou a estrutura do sistema processual civil”.45
2.2 A tutela jurisdicional segundo a atividade desenvolvida
A classificação tradicional da tutela jurisdicional tem sido objeto de
críticas. Teori Albino Zavascki expõe ser relativa “a importância prática da
classificação tripartite da tutela jurisdicional, de seus ‘processos’ e suas
‘ações’”46, pois no processo de conhecimento, especialmente após as
alterações do Código de Processo Civil, muitas vezes são realizadas
atividades executivas, e vice-versa.
A inadequação da classificação tradicional para o processo civil
contemporâneo fica mais evidente quando se observa que não há como se extrair
o conceito de tutela cautelar a partir daquele critério. Afinal, como comenta
Zavascki, “o critério diferenciador adotado, baseado na natureza da atividade
jurisdicional, serve para distinguir a tutela cognitiva da executiva, mas não se
presta para diferenciar das duas a tutela cautelar.”47
A fim de expor o inconveniente da classificação, Calamandrei adota uma
figura bastante apropriada:
“a classificação tripartite das providencias jurisdicionais, porque
fundada em critérios heterogêneos, é uma classificação tão
45 Teori Albino Zavascki, “A antecipação da tutela”, 3ª. ed. rev. e ampl.,São Paulo: Saraiva, 2000, p. 9. 46 Idem, p. 13. 47 Ibidem.
25
ilusória como a que indica, ‘por exemplo, que os seres humanos
se dividem em homens, mulheres e europeus’”48 49.
No processo cautelar a atividade jurisdicional não é diversa da atividade
cognitiva ou executiva; a tutela cautelar é veiculada em processo sincrético, que
reúne, a um só tempo, cognição e execução50. Oportuna, a observação de Teori
Albino Zavascki, quando indaga:
“que diferença haveria, com efeito, no plano executivo, entre a
efetivação de um seqüestro ou de um arresto e a de uma
penhora?”, e então responde, categoricamente: “a rigor,
nenhuma.”51
A validade de uma classificação, como se sabe, depende do respeito à
aplicação do critério pré-estabelecido e da sua utilidade prática. Não há
classificação falsa ou verdadeira. Mas classificação útil ou inútil.
No que se refere à tutela jurisdicional, é mais útil a classificação que
possibilita a divisão das tutelas em classes sujeitas a princípios e normas
específicas, sem a zona cinzenta que se verifica, por exemplo, na tutela cautelar.
Afigura-se mais adequada, especialmente para os fins do presente trabalho, uma
classificação que tenha por critério a atividade desenvolvida pelo órgão
responsável pelo exercício da jurisdição.
48 “Instituciones...”, Calamandrei, apud Teori Albino Zavscki, “A antecipação da tutela”, 3ª. ed. rev. e
ampl.,São Paulo: Saraiva, 2000, p. 15. 49 Carnelutti, embora em tema diverso, foi vítima do mesmo equívoco, conforme apontado por Pontes de
Miranda:"Quando Francesco Carnelutti, nas Lezioni (II, n. 71), falou de 'declaração constitutiva', cometeu o êrro enorme (com razão, E. T. Liebman, Eficácia e Autoridade, 28s.) de tomar como classe de declaração a soma 'declaração mais constituição'. Procedeu como o jardineiro que, tendo peras e uvas para vinhos, dissesse que possui 'pereiral vinícola'" (“Tratado das ações”, tomo I, São Paulo: RT, 1970, p. 203).
50 Rectius: alteração no mundo empírico 51 “A antecipação da tutela”, 3ª. ed. rev. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 14.
26
Assim, segundo a atividade desenvolvida, a tutela jurisdicional pode ser
classificada em tutela meramente cognitiva e tutela de repercussão física52.
A expressão “provimentos de repercussão física”53 é utilizada por Eduardo
Talamini com o fito para identificar a categoria em que se reúnem os provimentos
condenatório, executivo lato sensu e mandamental54. Segundo o autor, o que une
esses provimentos judiciais e os distingue dos demais é que eles “impõem uma
prestação de conduta pela parte sucumbente”.55
No presente trabalho, porém, o termo “repercussão física” é adotado em
sentido ligeiramente diverso – de certa forma mais amplo –, incluindo alguns
provimentos de natureza acautelatória e excluindo a sentença condenatória, como
será detalhado a seguir. É que o provimento condenatório não traz consigo
qualquer força capaz de provocar medidas de alcance material, ele limita-se a
“exortar” o demandado ao cumprimento da decisão.
Advirta-se desde logo que a expressão não deve ser tomada em seu
sentido literal. Afinal, “nenhuma sentença, seja qual for, é capaz, só por si, de
produzir efeitos fora do mundo jurídico; para atingir o mundo dos fatos, necessita
sempre de alguma atividade subseqüente, que transforme a realidade para
conformá-la àquilo que se julgou”56.
52 Eduardo Talamini, “Tutelas mandamental e executiva lato sensu", in “Aspectos polêmicos da antecipação
de tutela”, São Paulo: RT, 1997, p. 284. 53 Empregada, conforme relata Eduardo Talamini, primeiramente por Barbosa Moreira, porém em sentido
equivalente a “sentenças condenatórias” (“Tutela relativa ao deveres de fazer e de não fazer”, 2ª. ed. rev. at. e ampl., São Paulo: RT, 2003, p. 205, especialmente nota 50).
54 “Tutela relativa ao deveres de fazer e de não fazer”, 2ª. ed. rev. at. e ampl., São Paulo: RT, 2003, p. 205; “Tutelas mandamental e executiva lato sensu, in “Aspectos polêmicos da antecipação de tutela”, São Paulo: RT, 1997, p. 285.
55 Eduardo Talamini, op. cit., p. 285. 56 José Carlos Barbosa Moreira, “Sentença executiva?”, in Revista de Processo n. 114, São Paulo: RT, 2004, p.
150.
27
2.2.1. Tutela cognitiva
Segundo a classificação proposta, entende-se por tutela cognitiva toda e
qualquer atividade jurisdicional restrita ao plano jurídico. Essa categoria é
composta pelos provimentos meramente declaratórios, os constitutivos e também
os condenatórios. Quanto aos dois primeiros não se afigura maior dificuldade em
incluí-los nesta categoria. Afinal, conforme esclarece Pontes de Miranda, nas
ações declaratórias
“só se pede que se torne claro (de-clare), que se ilumine o recanto
do mundo jurídico para se ver se é, ou se não é, a relação jurídica
de que se trata. O enunciado é só enunciado de existência. A
prestação jurisdicional consiste em simples clarificação”.57
Já os provimentos constitutivos, são aqueles que implicam a criação,
modificação ou extinção da relação jurídica. Como efeito principal, a ação
constitutiva “produz um estado jurídico novo”58. “A constitutividade muda em
algum ponto, por mínimo que seja, o mundo jurídico”.59
Essas duas sentenças (declaratória e constitutiva) por si só esgotam
inteiramente a tutela pleiteada, ou seja, satisfazem integralmente o autor.60
57 Pontes de Miranda, “Tratado das ações”, tomo I, São Paulo: RT,1970, p. 118 (destaques no original). 58 Araken de Assis, “Cumulação de ações”, 4a. ed. rev e at., São Paulo: RT, 2002, p. 95. 59 Pontes de Miranda, op. cit., p. 203. 60 “É o que se dá, por exemplo, quando ele tinha em vista unicamente fazer estabelecer a certeza oficial
acerca de relação jurídica (de sua existência ou inexistência, de seu conteúdo, de suas características), ou então fazer criar, extinguir, modificar certa situação jurídica. São, respectivamente, os casos de ação (e sentença) declaratória e de ação (e sentença) constitutiva” (José Carlos Barbosa Moreira, “Sentença executiva?”, in Revista de Processo n. 114, São Paulo: RT, 2004, p. 153). Note-se, todavia, que o critério adotado no presente trabalho para escandir a tutela de repercussão física da tutela cognitiva é diverso, razão pela qual incluiu-se o provimento condenatório nesta última classe.
28
A condenatória, dentre as eficácias tradicionais, é “a que se oferece mais
enigmática ao estudioso”61, principalmente no tocante à definição de sua natureza
jurídica.
Por isso, a despeito dos inúmeros estudos, e talvez por não mais fazer sentido
insistir no tema, Araken de Assis relata que no atual estágio do processo civil:
“resigna-se o processualista à compreensão da sentença
condenatória por seus efeitos, devidamente balanceados, ou seja,
uma certa dose de eficácia executiva (=efeito executivo) capaz de
ensejar, em etapa ulterior, a ação executória, e tão rarefeita que não
autorize a transformação física de modo automático e subseqüente
ao provimento, tal como na ação de força executiva”62.
Assim, embora não haja consenso sobre a natureza jurídica do provimento
condenatório63, não se põe em dúvida que ele é, por si só, incapaz de satisfazer o
demandante ou mesmo provocar alterações no mundo empírico.
A sentença condenatória limita-se a exortar o réu/condenado ao
cumprimento espontâneo da condenação64 e sequer “contém estatalidade
suficiente para exercer a força necessária à criação de uma razoável expectativa
de obediência”65. Ordem, efetivamente, não há66.
61 Araken de Assis, “Cumulação de ações”. 4a. ed. rev e at., São Paulo: RT, 2002, p. 96. 62 Idem, p. 98 (sem destaque no original). 63 Sobre o tema, com ampla análise das teorias existentes, confira-se o extraordinário trabalho de José Carlos
Barbosa Moreira, “Reflexões críticas sobre uma teoria da condenação civil”, in “Temas de Direito Processual” (Primeira Série), São Paulo: Saraiva, 1977. E ainda Flávio Yarschell, “Tutela jurisdicional meramente declaratória”, in RePro 76, pp. 42/54, especialmente item “4”. Confira-se, ainda, José Carlos Barbosa Moreira, “Questões velhas e novas em matéria de classificação das sentenças” - Temas de Direito Processual (Oitava Série), São Paulo: Saraiva, 2004, p. 133.
64 Enrico Túllio Liebman, “Embargos do executado (oposição de mérito no processo de execução)”, trad. port. J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1968.
65 Fábio Cardoso Machado, “Jurisdição, condenação e tutela jurisdicional”, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 257.
66 “Quando o juiz julga procedente o pedido de indenização, estará realmente ordenando o réu a pagar o montante fixado? Se assim fosse, a omissão em cumprir espontaneamente a sentença configuraria crime de desobediência – coisa de que jamais se cogitou.” (José Carlos Barbosa Moreira, “Questões velhas e novas em matéria de classificação das sentenças” - Temas de Direito Processual (Oitava Série), São Paulo: Saraiva, 2004, p. 134).
29
Em caso de não haver cumprimento voluntário, outra ação – de natureza
executiva – tem de ser proposta, evidenciando que, em si, a condenação não
contém atividades de modificação da realidade fática.
No entanto, a condenação, conforme observa Araken de Assis, integra o
ius positum67, razão pela qual a eficácia condenatória, segundo o ilustre
processualista gaúcho, “não constitui elemento artificial e aberrante do
processo”.68
Todavia, em que pese a observação de Araken de Assis, partindo-se da
distinção entre pretensão e ação, não há como se reconhecer a existência de
uma autêntica ação condenatória, porque as três ações não deveriam ser criação
do direito processual, mas decorrem do direito material69.
É preciso reconhecer que não faltam razões para, de lege ferenda, se excluir
a categoria “ação/sentença condenatória”. Não apenas em função da falta de
características intrínsecas individualizantes, capazes de justificar a existência de uma
sentença cognitiva de natureza jurídica diversa da declaratória ou constitutiva70, mas
especialmente em virtude da inutilidade da sentença condenatória após a superação,
em nosso sistema jurídico, da absoluta e imprescindível separação das atividades
cognitiva e executiva em processos distintos.
Efetivamente, “no plano do direito material, o titular do direito (verdadeiro
titular, porque no plano do direito material não existem os falsos titulares de
67 E cita como exemplos os art.s 466 e 584 do CPC e art. 31 da Lei 9.307/96 (“Cumulação de ações”. 4a. ed.
rev e at., São Paulo: RT, 2002, p. 99). 68 Araken de Assis, op. cit., p. 98. 69 Ovídio Baptista da Silva, “Curso de Processo Civil”, vol. 1, 6a. ed., São Paulo: RT, 2002, p. 173. Segundo
Ovídio, a ação condenatória é criação exclusiva do direito processual, diferentemente da declaratória e da constitutiva (“Curso de Processo Civil”, vol. 1, 6a. ed., São Paulo: RT, 2002, p. 173).
70 Diz Ovídio Baptista da Silva que “nenhuma das teorias que se dedicaram a estudá-la [a ação condenatória] conseguiu explicar o que seja, no plano do direito material, uma condenação” (“A ação condenatória como categoria processual”, in “Da sentença liminar à nulidade da sentença”, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 235).
30
direito) pode exigir (exercer pretensão) do destinatário do dever jurídico que ele
declare, crie ou desfaça certa relação jurídica, execute ou cumpra ordens,
derivadas de exercício regular do direito, porém não haverá lugar para que ele
exija do devedor um certo comportamento que se possa identificar como o
exercício ou o resultado de uma condenação”71.
Na esteira da doutrina de Ovídio Baptista da Silva, observa Fábio Cardoso
Machado:
“a sentença condenatória não corresponde a uma ação
condenatória, pois os processos de cognição e execução
correspondem a uma só ação de direito material. A ação dita
condenatória é criação do direito processual, não havendo, no
direito material, pretensão e ação material que lhe corresponda”.72
Segundo os autores acima citados, a classificação das ações deve ser feita
não em cinco classes, como o fez Pontes de Miranda, “mas em quatro –
declaratórias, constitutivas, executivas e mandamentais – posto que esta, como
as demais classificações possíveis, referem-se às ações de direito material”73.
2.2.2. Tutela de repercussão física
De acordo com o critério adotado, ou seja, da atividade jurisdicional
desenvolvida, apenas dando-se interpretação elástica ao vocábulo execução
pode-se utilizar “tutela executiva” em contraposição à tutela meramente cognitiva.
71 Ovídio Baptista da Silva, op. cit., p. 233. 72 Idem, “Jurisdição, condenação e tutela jurisdicional”. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 233 73 Fábio Cardoso Machado, “Jurisdição, condenação e tutela jurisdicional”. Rio de Janeiro: Lumen Juris ,
2004, p. 234. Sobre a classificação proposta por Ovídio Baptista, v. item “1.3”, infra.
31
Nas ações mandamentais há atos de alteração do mundo físico e,
conforme se verá detidamente mais adiante, é impróprio falar-se em “execução”
do provimento mandamental74, ao menos na acepção mais tradicional do termo.
Da mesma forma ocorre com provimentos cautelares que necessitam, para sua
efetivação, de atividades posteriores à decisão, mas sem cunho satisfativo.
A idéia, portanto, é reunir numa mesma categoria as atividades
jurisdicionais típicas das executivas lato sensu e mandamentais por aquilo que
têm em comum (e que as afasta das demais ações): a atividade jurisdicional
posterior à sentença, na mesma relação processual75, volta-se para alterações no
mundo empírico.
Além disso, pode haver tutela de repercussão física no processo de
conhecimento e no processo cautelar, como se dá, por exemplo, nos casos
antecipação de tutela e efetivação arresto cautelar.
Enfim, a tutela jurisdicional de repercussão física será prestada no bojo de
uma relação jurídica processual especialmente formada com esse objetivo, ou
então como fase de um processo já instaurado76.
A tutela de repercussão física pode ser definida como a tutela jurisdicional
voltada para alterações do mundo empírico. Trata-se de atividade jurisdicional
que envolve a realização de medidas de alcance material. Como ocorre em toda
atividade jurisdicional, há sempre alguma carga de cognição. Não há decisão
judicial sem cognição77. O que destaca a tutela de repercussão física, no entanto,
74 Ovídio Baptista da Silva, “Curso de Processo Civil”, vol. 2, 5a. ed., São Paulo: RT, 2002, p. 25. 75 Ibidem, p. 24. 76 Mutatis, mutandis, embora referindo-se à tutela executiva, v. Fredie Didier Jr., “Direito Processual Civil:
Tutela jurisdicional individual e coletiva”, 5ª. Ed., Salvador: JusPODIVM, 2005, p. 205. 77 Kasuo Watanabe, “Da cognição no processo civil”, 2ª. ed. atual., São Paulo: CEBEPEJ, 1999, p. 35.
32
é sua atuação, que se dá mediante modificação da realidade fática – e não
apenas jurídica, como ocorre com a tutela cognitiva.
3. Processo
Processo, entendido como seguimento, curso, marcha, ato de ir por
adiante78, é sempre um caminhar em direção a um fim. Conforme afirma Ovídio
Baptista da Silva, o processo:
“(...) envolve a idéia de temporalidade, de um desenvolver-se
temporalmente, a partir de um ponto inicial até atingir o fim
desejado. (...) A idéia de processo afasta a idéia de
instantaneidade da reação que o titular do direito ofendido poderia
ter, se não tivesse de submetê-lo, antes, ao crivo de uma
investigação sempre demorada, tendente a determinar sua própria
legitimidade.”79
O processo se inicia com a propositura da ação. Ele é, estruturalmente,
uma relação jurídica “estabelecida, basicamente, entre o autor e o Estado”.80 Diz
Pontes de Miranda:
“a relação jurídica processual é entre autor e Estado; costuma
completar-se pela angulação (autor, Estado; Estado, réu), porém
isso não é necessário, nem se exclui a reciprocidade nem a
pluralidade de autores, com ou sem pluralidade de réus”.81
78 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, “Dicionário Aurélio Eletrônico - Século XXI”, versão 3.0,
novembro de 1999. 79 Ovídio Baptista da Silva, op. cit., p. 13. 80 Araken de Assis, “Fungibilidade das medidas inominadas”, in Doutrina e Prática do Processo Civil
Contemporâneo, São Paulo: RT, 2001, p. 424. 81 Pontes de Miranda “Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo I, 5a. ed., Rio de Janeiro: Forense,
1995, p. XX.
33
O art. 263, primeira parte, do CPC, reforça a existência de processo entre o
autor e o Estado desde a propositura da demanda. Uma vez provocada a atuação
do Estado-juiz, ele necessariamente terá de se manifestar, ainda que seja tão-
somente para declarar a ausência do direito de ação. E essa manifestação se
dará por meio de sentença que irá extinguir o processo – ora, se o processo foi
extinto, é óbvio que ele já existia (arts. 267, I e 295, do CPC)82.
Para o demandado, no entanto, o processo só passa a ter eficácia quando
ele é validamente citado, completando-se, então, a relação jurídica processual,
isto é, quando a relação processual se angulariza.
O início do processo de execução não coincide com o início da execução83.
Esta ocorre quando se realiza a penhora ou a pré-penhora (CPC, art. 653), pois
este é o primeiro ato de execução forçada – a individualização de um ou mais
bens do executado.
Como visto anteriormente, a atividade jurisdicional pode se apresentar
meramente cognitiva, ou de forma a repercutir diretamente no mundo empírico.
Essa divisão, como será visto adiante, tem repercussões também na classificação
dos processos.
3.1 Classificação tradicional do processo
Processo, como anota José Maria Rosa Tesheiner, “é a relação jurídica
concreta que surge quando alguém exerce o direito de ação, exigindo que o
82 O mesmo se diga em relação ao art. 285-A do CPC, incluído pela Lei 11.277/06. 83 O que não deixa de ser mais uma demonstração de que há outras atividades jurisdicionais, além da
executiva, no processo de execução.
34
Estado lhe entregue determinada prestação jurisdicional, em face de outrem”.84
Essa relação jurídica é de direito público85, composta de relações menores que não
só ligam as partes com os órgãos da jurisdição, como também as partes entre si86.
Tradicionalmente, o processo acompanha a percepção clássica de que a
natureza do provimento é o critério que orienta a divisão em tutela cognitiva,
executiva e cautelar, resultando disso a separação, como entidades autônomas,
dessas três figuras em processos distintos.
O Código de Processo Civil de 1973, elaborado por Alfredo Buzaid sob a
influência da doutrina de Enrico Tullio Liebman, incorporou ao direito positivo
brasileiro a classificação ternária das ações e a separação dos processos em
conhecimento, execução e cautelar.
Os Livros I, II e III do Código de Processo Civil tratam, respectivamente,
dos processos de conhecimento, de execução e cautelar, refletindo, como não
poderia deixar de ser, o estágio em que se encontrava a doutrina processual na
época da elaboração de referido diploma legal.
Assim, essa divisão tripartite está na estrutura inicial do nosso Código de
Processo Civil87 e, por isso mesmo, possui relevância. Contudo, a sistematização
inicial do Código, o qual hoje já se encontra profundamente alterado, não serve de
empecilho para que se busque outra classificação mais adequada ao momento atual.
84 “Medidas cautelares”, São Paulo: Saraiva, 1974, p. 22. 85 Ovídio Baptista da Silva, “Curso de Direito Processual Civil”, vol. 1, 6a. ed., São Paulo: RT, 2002, pp.
16/21. 86 Eduardo J. Couture, “Fundamentos Del Derecho Procesal Civil”, 4a. ed., Buenos Aires: B de f, 2002, n. 86, p. 110. 87 “O Código de Processo Civil Brasileiro, de 1973, foi estruturado a partir da clássica divisão das espécies de
tutela jurisdicional em tutela de conhecimento, tutela de execução e tutela cautelar” (Teori Albino Zavascki, “Reforma do sistema processual civil brasileiro e reclassificação da tutela jurisdicional”, in Revista de Processo, n. 88, São Paulo: RT, 1997, p. 173).
35
Não se deve perder de vista que o Código foi elaborado sob a premissa da
autonomia do processo de execução frente ao processo de conhecimento. A
única mitigação possível estaria na existência de títulos executivos extrajudiciais.
Acreditava-se, naquele momento, que as atividades cognitiva e executiva,
por serem díspares – a primeira lógica e ideal e a outra prática e material, como
acentuava Liebman – deveriam, por isso mesmo, ser alocadas em processos
distintos. Além disso, o início do processo de execução dependia da prévia
realização da atividade cognitiva.
Destaque-se, desde logo, que a autonomia do processo de execução não
decorre de uma exigência teórica. Sua manutenção ou não num determinado
sistema processual decorre de opção política do legislador.
Aquelas noções, no entanto, não mais subsistem. Conseqüentemente, a
classificação dos processos deve também observar as alterações que o processo
civil sofreu e adaptar-se a elas.
Conforme expõe José Miguel Garcia Medina,
“os problemas surgidos após as reformas realizadas a partir de
1990 do sistema jurídico-processual evidenciam que sua análise
exige do processualista um novo modo de pensar, distinto daquele
apegado a premissas dogmáticas antigas, que influenciavam o
sistema de outrora. Por isso, não é possível analisar um problema
‘novo’ valendo-se de uma metodologia ‘antiga’, assim como não
se pode empregar os antigos conceitos jurídicos para explicar os
novos fenômenos. Esta opção metodológica tem o grave defeito
de, ao invés de elucidar os problemas, turvá-los, transmitindo a
36
falsa idéia de que não houve alguma transformação ou evolução
no direito processual civil”88.
Antes, porém, convém relembrar a classificação tradicional dos processos,
divididos em processos de conhecimento, execução e cautelar.
3.1.1. Processo de conhecimento
Na classificação tradicional, no processo de conhecimento busca-se,
precipuamente, declarar a existência de um direito, dando certeza da sua
existência, provocando alterações numa relação jurídica ou condenando, se for o
caso, o réu.
Conseqüentemente, o processo de conhecimento serve para veicular
pretensão a uma declaração, constituição ou condenação. Não haveria lugar,
nesse processo, para a realização de atividades práticas – estas teriam seu lugar
reservado no processo de execução.
No processo de conhecimento obtém-se a certeza necessária para que se
inicie a atividade executiva. Pressupunha-se que somente poderia haver
execução após a declaração da certeza. Mas essa concepção, como se sabe,
está ultrapassada.
Esclarece Ovídio Baptista da Silva que:
“a justificação teórica para a formação do conceito moderno de
processo de conhecimento decorre, fundamentalmente, da
necessidade de expurgá-lo de toda e qualquer atividade
executória, de modo que a relação processual declaratória que lhe
dá substância encerre-se com a prolação da sentença de mérito, 88 “Execução Civil – Teoria Geral, Princípios Fundamentais”, 2ª. ed. rev. at. e ampl, São Paulo: RT, 2004, p. 25.
37
tal como dispõe o art. 463 do nosso Código de Processo Civil,
transferindo-se para a subseqüente - e autônoma - relação
processual executória toda a atividade jurisdicional posterior à
decisão da causa.”89
Com o reconhecimento de títulos executivos extrajudiciais, ficou
evidenciado que o sistema jurídico poderia estabelecer meios para que se
iniciasse uma execução antes – ou independentemente – da obtenção da certeza.
Títulos executivos judiciais e extrajudiciais90 possuem idêntica eficácia executiva
em nosso sistema jurídico.91
Acontece que a ineficiência do processo de conhecimento, também reflexo
da excessiva lentidão na prestação jurisdicional e, portanto, da solução dos
conflitos apresentados ao Judiciário, alvo de constantes críticas, impulsionou o
legislador a reformá-lo.
A reforma processual implementada em 1994 trouxe relevantes alterações
no processo de conhecimento, com destaque para a introdução da tutela
antecipada genérica do art. 273 do CPC. A atual redação do art. 461 e seus
parágrafos, do Código de Processo Civil, não deixa dúvida: a presença das
tutelas mandamental e executiva lato sensu representa o rompimento do binômio
cognição prévia/execução, permitindo que atividades de modificação do mundo
empírico sejam realizadas a partir de decisão proferida no bojo do chamado
“processo de conhecimento” (que passa a ser, portanto, processo sincrético92).
89 “Curso de processo civil, vol. 2”, 5ª. ed., São Paulo: RT, 2002, p. 21-22. 90 Sobre o conceito e natureza jurídica do título executivo, v. José Miguel Garcia Medina, “Execução Civil –
princípios fundamentais”, São Paulo: RT, 2002, p. 107 e Teori Albino Zavascki, “Título executivo e liquidação”, São Paulo: RT, 1999, pp. 24 e 25.
91 Teori Albino Zavascki, op. cit., p. 66 e Enrico Tullio Liebman, “Manual de Direito Processual Civil”. Traduzido e anotado por Candido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 212.
92 Cfr. Item “3.3”, infra.
38
3.1.2. Processo de execução
O termo execução “significa a adequação do que é ao que deve ser: o juízo
faz conhecer o que deve ser; se o que deve ser não é conforme com o que é,
necessita-se da ação para modificar o que é no que deve ser; nesse sentido, já
que logicamente a ação pressupõe o juízo, tal ação aparece como algo que vem
depois (ex-sequitur) e se resolve em um cumprimento”93.
Segundo Chiovenda, execução processual:
“é a atuação prática, da parte dos órgãos jurisdicionais, de uma
vontade concreta da lei que garante a alguém um bem da vida e
que resulta de uma verificação; e conhece-se por execução o
complexo de atos coordenados a esse objetivo.”94
A finalidade do processo de execução, na concepção clássica, é atuar
praticamente a norma jurídica concreta que disciplinou a situação em litígio,
quando da discussão no processo de conhecimento, à exceção, naturalmente,
dos processos executivos embasados em título extrajudicial.95
A preocupação da doutrina moderna volta-se para a busca de mecanismos
jurídicos capazes de dar ao processo de execução a efetividade que dele se
espera. A demora da entrega da prestação jurisdicional é sentida em qualquer
processo, seja de conhecimento, cautelar ou executivo. Não há como discordar,
entretanto, que “para os usuários da tutela jurisdicional talvez seja mais frustrante
93 Francesco Carnelutti, “Instituições do processo civil”, vol. 1, trad. Adrián Sotero de Witt Batista, Servanda,
1999, p. 21.. 94 “Instituições de direito processual civil”, trad. Paolo Capitano, Bookseller, Campinas: 1998, p. 346. 95 Zaidem Gerage Neto, “O processo de execução no Brasil e alguns tópicos polêmicos”, in “Processo de
execução e assuntos afins – v. 2”, Sérgio Shimura e Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.), São Paulo: RT, 2001, p. 749.
39
essa demora quando referida ao processo de execução”, conforme observado por
Donaldo Armelin.96
Outra característica que não se deve negligenciar é a presença de
atividade cognitiva também no processo de execução. Conforme ressaltado por
Kazuo Watanabe, “inexiste ação em que o juiz não exerça qualquer espécie de
cognição; até mesmo na ação de execução por título judicial, o juiz é
‘seguidamente chamado a proferir juízos de valor’”.97
Durante o curso do processo de execução o juiz aprecia e decide diversas
questões, como aquelas atinentes à penhora (oferecimento de bens, sua
penhorabilidade), à higidez do título executivo, ao excesso de execução
(adequação da penhora ao valor do crédito) etc. Aliás, as matérias argüidas pelo
executado visam, muitas vezes, a levar o juiz a proferir sentença de extinção do
processo de execução, o que é atividade cognitiva (ex: quando o executado alega
ilegitimidade, impossibilidade jurídica do pedido etc.).
Processo de execução tem mérito, malgrado a dissensão doutrinária
existente.98 O mérito da execução é a satisfação do credor, que é realizada no
mundo empírico. Assim, o processo de execução não está voltado ao julgamento
de mérito; isso não impede, contudo, que ele exista ou mesmo que haja cognição.
E não se trata do conhecimento realizado nos embargos de executado, que, como
se sabe, constituem outro processo, de natureza cognitiva.
96 “O processo de execução e a reforma do Código de Processo Civil”, in “Reforma do Código de Processo
Civil”, Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord), São Paulo: Saraiva,1996, p. 680. 97 “Da cognição no processo civil”, 2a. ed., São Paulo: Central de Publicações Jurídicas, 1999, p. 37. 98 “É um preconceito que leva a pensar que o mérito seja idéia inerente e exclusiva do processo de
conhecimento, não guardando pertinência com o executivo. (...) Há o mérito, representado pela pretensão executiva deduzida mediante a demanda inicial. (...) O que é certo que não há ali é a sentença de mérito.” (Cândido R. Dinamarco, “O conceito de mérito em processo civil”, in RePro 34, São Paulo: RT,1984, pp. 36 e 37.)
40
Não se deve ignorar, também, a presença, no processo de execução, das
garantias processuais, como o contraditório e a ampla defesa. Afinal, reconhecida
a natureza jurisdicional da execução99, assim como assentada sua natureza de
processo judicial, há que haver contraditório no processo de execução por força
de imposição de norma constitucional (art. 5o., LV, da Constituição Federal de
1988). E, malgrado certa discrepância de parcela da doutrina, que insistia em
negar a existência de contraditório, ou em considerá-lo “excepcional”100,
efetivamente ele também orienta a conduta do juiz no processo de execução.
Direito ao contraditório que, como se sabe, envolve informação (dar-se ao
executado conhecimento da ação e dos atos processuais) e possibilidade de
reação. As intimações do executado e a admissão, por exemplo, de defesas
incidentais como a objeção de não-executividade, constituem exemplos de
contraditório no processo de execução.
O contraditório no processo de execução, segundo majoritária doutrina,
seria “eventual”, “parcial” ou “atenuado”. Afirma-se não existir, no processo de
execução, contraditório com a mesma presença que se observa no processo de
conhecimento, porque na execução parte-se de uma certeza de direito (ainda que
relativa) que constitui exatamente o objeto do processo de conhecimento.
Há, por outro lado, quem não veja restrições ao contraditório na execução.
Afinal, somente se poderia restringir o contraditório na execução caso houvesse
na lei alguma limitação à informação dos atos executivos ou à reação a eles, de
modo que é correta a conclusão de Paulo Lucon:
99 Em sentido contrário, sustentando a natureza jurissatisfativa da execução, por se tratar de atividade
meramente conseqüêncial, v. Celso Neves, citado por Kasuo Watanabe (ob. cit., p. 39). 100 Mandrioli, Frederico Marques, Tarzia, Moacir Amaral dos Santos, entre outros, cf. Sandro Gilbert
Martins, “A defesa do executado por meio de ações autônomas – defesa heterotópica”, São Paulo: RT, 2002, nota 67, pp. 52-54.
41
“Importa reconhecer, portanto, que o contraditório terá a
intensidade vinculada ao modelo constitucionalmente traçado para
o processo, não apresentando, em sede executiva, limitação
alguma. Daí parece correto assinalar que o contraditório na
execução se apresenta de forma plena – e, se assim não for, o
processo é nulo –, tendo as partes ampla informação e poder de
reação aos atos executivos, mesmo que esse momento seja
posterior à realização dos atos ou das decisões e mesmo que
essa reação, por vezes, também tenha restrições quanto à
verticalidade da cognição”101.
Embora se reconheça a existência de atividade cognitiva, de contraditório e
de mérito, não há coisa julgada no processo de execução. É que seu resultado se
dá, normalmente, no mundo fático, quando ocorre a satisfação do direito.102
Não é a sentença do art. 795 do CPC que realiza a finalidade substancial
do processo de execução – ou seja, a satisfação (que é atingida por atividades
realizadas no mundo empírico). Essa sentença tão-somente declara a extinção da
obrigação satisfeita103, com efeitos ex tunc.104
Afasta-se o reconhecimento de coisa julgada material porquanto ela é
“reputada, como realmente deve ser, atributo da sentença de mérito, isto é, a que
acolhe ou rejeita o pedido do autor”, de modo que “a coisa julgada não se faz
presente no processo de execução, no qual a lide não é composta pelo 101 Paulo Henrique dos Santos Lucon, “Execução, condições da ação e embargos do executado”. In:
“Processo civil - Evolução 20 anos de Vigência”, José Rogério Cruz e Tucci. (Org.). São Paulo: Saraiva, 1995, p. 214; Carlos Alberto Carmona, “Em torno do processo de execução”, in “Processo civil - Evolução 20 anos de Vigência”, José Rogério Cruz e Tucci. (Org.). São Paulo: Saraiva, 1995, p. 17; Sandro Gilbert Martins, ob. cit., pp. 57/59.
102 Para Sandro Gilbert Martins, no entanto, se na execução há mérito, “é forçoso reconhecer que a sentença que extinguir o processo nos termos do disposto nos arts. 794 e 795 do CPC deve ser considerada sentença de mérito” (ob. cit., p. 131).
103 E, no rigor da técnica legislativa, seriam desnecessários os incisos do art. 794, pois “bastaria estabelecer que a execução se extingue quando se extingue a dívida exequenda...” (José Carlos José Carlos Barbosa Moreira, “Notas sobre a extinção da execução (o art. 794 do Código de Processo Civil em confronto com suas fontes históricas”), in RePro 71, p. 10/11.
104 Leonardo Grecco, “O processo de execução”, v. 1, p. 242, apud Sandro Gilbert Martins, ob. cit., nota 101, pp. 131/132. No mesmo sentido, José Miguel Garcia Medina, “O art. 795 do CPC”, in RePro n. 88, São Paulo: RT, 1997, pp. 239/251.
42
julgamento e sim pela satisfação da pretensão do credor”.105 Ademais, para que
exista coisa julgada material é necessário que tenha havido cognição plena e
exauriente, o que não ocorre no processo de execução, no qual a cognição é
rarefeita.
3.1.3. Processo cautelar
O sistema processual, voltado a dar concretude aos escopos da jurisdição
– especificamente levando-se em conta o escopo social –, deve possuir meios ou
instrumentos aptos a tutelar eficazmente e tempestivamente o suposto direito
daquele que provoca o Poder Judiciário e lhe pede amparo. Isto se dá mediante a
adoção de tutelas diferenciadas e urgentes.
O processo cautelar visa proteger e resguardar as pretensões do autor nos
processos de conhecimento e de execução, garantindo-lhes a eficácia. A tutela
cautelar encontra-se inserida na chamada tutela de urgência, que prevê a
realização de atividades imediatas, sejam elas de natureza satisfativa (tutela de
urgência satisfativa) ou cautelar (tutela de urgência cautelar), de forma interinal
(antecipação de tutela, por exemplo) ou final (por exemplo, a sentença cautelar).
A tutela de urgência, pese embora sua provisoriedade, afigura-se como
instrumento imprescindível ao combate da morosidade da entrega da prestação
jurisdicional, ou ao menos à redução dos efeitos deletérios que a duração do
processo acarreta às partes. Ela é igualmente imprescindível quando se observa
que a prestação jurisdicional, por imperativo da Constituição Federal de 1988,
105 Egas Dirceu Moniz de Aragão, “Sentença e coisa julgada: exegese do Código de Processo Civil (arts. 444
a 475)”, Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 234.
43
deve ser tempestiva, sob pena de se esvaziar por completo o conteúdo do art. 5o.,
XXXV.
Conforme assevera Marinoni,
"um ordenamento que se limitasse a afirmar um direito, sem
garantir a tutela jurisdicional capaz de permitir sua realização
efetiva, certamente seria um ordenamento que não poderia sequer
receber o qualificativo de jurídico, pois não garantiria o direito
exatamente no momento em que ele mais necessita de proteção,
isto é, na ocasião em que é ameaçado ou violado".106
Em última análise, ao vedar a autotutela, o Estado assume o dever de
prever no ordenamento jurídico normas processuais idôneas a garantir a proteção
do direito material, o que torna a tutela de urgência indispensável à higidez do
sistema processual.
A existência da tutela de urgência no ordenamento jurídico se justifica tanto
em razão da freqüente demora do processo, ocasionando o chamado dano
marginal, como em virtude do risco de iminência de dano grave de difícil ou
incerta reparação.
O decurso do tempo pode ser deletério para a utilidade do processo,
ocasionando prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação para o titular da
pretensão, que pode, em razão da morosidade do processo, obter uma sentença
já inútil e de pouca valia".107
Essas razões justificam a previsão, em nosso ordenamento, de um
processo capaz de assegurar o resultado prático dos demais. A esse processo
106 Luiz Guilherme Marinoni, “Tutela inibitória (individual e coletiva)”, 2a. ed., São Paulo: RT, p. 407. 107 Marcus Vinícius Rios Gonçalves, “Processo de execução e cautelar”, Coleção Sinopses Jurídicas, 5ª. ed.,
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 84.
44
instrumental, temporário, porém autônomo em relação ao processo de
conhecimento ou executivo, dá-se o nome de cautelar.
Até o advento do Código de 1973, o processo cautelar era tratado como
acessório, situando-se como uma medida preventiva. Ganhou, porém, autonomia,
e atualmente encontra-se disciplinado no Livro III do Código de Processo Civil.
Uma das mais importantes características da tutela e do processo cautelar
é a referibilidade. A finalidade da tutela cautelar não é satisfazer uma pretensão,
mas viabilizar sua satisfação. “A tutela cautelar visará sempre à proteção, seja de
uma pretensão veiculada no processo de conhecimento, seja de uma pretensão
executiva.”108
O procedimento do processo cautelar é, efetivamente, sincrético, na
medida em que nele se encontram atividades cognitivas (embora fundadas em
juízo de verossimilhança) e de repercussão física109.
3.2. Autonomia do processo de execução e execução específica
A autonomia do processo de execução e a separação das atividades de
cognição e de execução, com a inserção entre elas do título executivo como
exigência do sistema para possibilitar o adimplemento voluntário, ou ainda como
chiave di volta110 para segregar aquelas duas atividades em processos
estanques, não mais se sustenta diante da necessidade de uma tutela
jurisdicional não só adequada, mas principalmente efetiva e tempestiva.
108 Marcus Vinícius Rios Gonçalves, op. cit., p. 84. 109 A rigor não se pode falar em “execução” pois esta pressupõe satisfatividade – incompatível portanto com as
cautelares. 110 Giovanni Verde, “Attualità del principio ‘nulla executio sine titulo’”, in Rivista di diritto processuale, ano LIV,
n. 4, Padova: CEDAN, 1999, p. 965.
45
Convém recordar que quando se afirma a autonomia de um instituto quer-
se com isso conceder-lhe disciplina própria, isolando-o de outras matérias em
razão de suas peculiaridades. Nesse sentido é que se diz, por exemplo, que a
tutela, o processo e o procedimento cautelares são autônomos em relação ao
chamado processo principal, seja em razão da sua natureza jurídica, seja pelo
que dispõem os arts. 796 e seguintes do Código de Processo Civil.
Cabe indagar, no que consiste, e principalmente qual a utilidade, da tão
propalada autonomia do processo de execução111. Cumpre investigar, ainda, a
relevância que se atribui à formação do título executivo judicial decorrente do
processo de conhecimento.
Quando se fala no processo de execução é corrente a idéia de que sua
autonomia reside no binômio condenação prévia/execução112, de modo que
somente poderia ser iniciado o processo necessário para obter-se a tutela
jurisdicional executiva se presente o titulo executivo, fruto de uma condenação ou
de uma presunção legal.
A rigor, não há novidade em se falar na autonomia entre cognição e
execução, pois a existência de duas atividades autônomas é evidente. Primeiro
conhece-se, depois se executa. Melhor seria dizer que o princípio da autonomia
determina a separação da atividade jurisdicional em processos distintos.
Afora as hipóteses em que a lei reconhece em determinado ato ou
documento características individualizadoras suficientes para lhe dar tratamento
diferenciado dos demais, erigindo-o à condição de título executivo, na sistemática
111 Na realidade, a autonomia é recíproca, ou seja, ela decorre também de características atribuídas ao
processo de conhecimento. (José Miguel Garcia Medina, “Execução Civil”, cit., p. 189). 112 Flávio Luiz Yarshell, “Efetividade do processo de execução e remédios com efeito suspensivo”, in
“Processo de execução e assuntos afins” – v. 2”, Sérgio Shimura e Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.), São Paulo: RT, 2001, p. 381.
46
inicial do Código de 1973 somente cabia ingressar com processo de execução
quando obtida uma sentença condenatória (execução lastreada em título judicial).
Assim, como observa Luiz Guilherme Marinoni, a tutela executiva teria
como pressuposto
“a declaração do direito do credor ou a coisa julgada material”,
existindo uma associação “muito íntima e evidente entre
‘descoberta da verdade’, realização plena do princípio do
contraditório, declaração, coisa julgada material e título executivo
judicial.”113
O processo de execução, ainda que tenha curso nos mesmos autos do
processo de conhecimento, foi pensado para ter autonomia porque a noção
clássica afirmava que ele “constitui ente à parte dos processos de cognição e
cautelar”114, de modo que a relação entre os processos de conhecimento e de
execução seria apenas acidental.115
O traço mais marcante da chamada autonomia da execução, como destaca
Teori Albino Zavascki,
“é a tendência, cada vez mais acentuada em nosso sistema –
contrariando antigas lições que recomendavam a prévia cognição
antes da tomada de medidas executivas (‘a espada do executor
não pode mover-se sem que antes o juiz tenha pesado
imparcialmente as razões da justiça’, dizia Calamandrei) –, de
admitir postulações diretas de tutela de execução”, como é o caso
das ações de execução fundadas em título executivo
extrajudicial.116
113 Luiz Guilherme Marinoni op. cit., pp. 22-23. 114 Araken de Assis, “Manual do processo de execução”, 5a. ed. rev e at. São Paulo: RT, 1999, n. 10.1, p. 96. 115 Idem, ibidem. 116 Teori Albino Zavascki, “Título executivo e liquidação”. São Paulo: RT, 1999, pp. 24 e 25.
47
A autonomia do processo de execução é tida como um dos fatores de
resistência para que sejam atingidos, de forma adequada, os escopos da
atividade jurisdicional executiva. Isso é posto em relevo por Giovanni Verde, que
identifica a existência de um “deficit” de tutela “onde o juiz emite provimentos de
tipo ordenatório, ligados às relações destinadas a se protraírem no tempo.”117
É importante destacar que referida autonomia não decorre de uma
exigência do sistema processual. A autonomia do processo de execução
depende, na verdade depende de opção política do legislador, que deve dotá-lo
de formas e procedimentos adequados ao fim a que se destina: a realização
segura, célere e efetiva do direito material”118.
Ao comentar o Código de Processo Civil de 1973, Pontes de Miranda já
atentava para o fato de a dicotomia em processos de cognição e de execução
“prende-se à época em que os processualistas não haviam classificados com
rigor científico, as pretensões e ações. Todavia, não esperemos que cedo se
libertem dela”119.
Arrematando, mais adiante: “o valor da dicotomia ‘procedimento de
cognição, procedimento de execução’, no plano teórico e no prático, é quase
nenhum. Pode-se tratar, a fundo, o processo civil sem qualquer alusão a ela”120.
Essa característica ficou mais evidente ainda com as alterações trazidas
pela Lei 11.232/05, que rompeu com a dicotomia processo de conhecimento/
processo de execução e fundiu as duas atividades, cognitiva e executiva, num
117 Giovanni Verde, “Attualità del principio ‘nulla executio sine titulo’”, in Rivista di diritto processuale, ano
LIV, n. 4, Padova: CEDAN, 1999, p. 983. 118 Teori Albino Zavascki, op. cit., p. 26. 119 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, “Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo I, 5a. ed., Rio
de Janeiro: Forense, 1995, p. 70. 120 Idem, p. 71.
48
único processo, reservando a execução autônoma apenas para poucas hipóteses,
com destaque para a execução de título extrajudicial.
Giovanni Verde, em artigo publicado na Rivista di Diritto Processuale121,
afirma “a necessidade de atribuir ao mesmo juiz a tarefa de emanar o provimento
de cognição e de assegurar sua atuação (...) reconhecendo a inevitável
interconexão entre cognição e execução”122. Entre nós, pode-se dizer que isso já
é uma realidade, como se observa no CPC após as reformas.123
Ao término do supracitado trabalho, aquele jurista italiano, conclui que
“o princípio nulla executio sine titulo, que pode conservar o seu
valor quando se trata de colocar remédio à violação do direito nos
quais os efeitos sejam todos predeterminados, se apresenta nas
outras hipóteses ora examinadas mais que desatualizado, como
um preconceito que, ainda, é de obstáculo à efetividade da tutela
jurisdicional dos direitos”.124
Flávio Luiz Yarshell sustenta, com razão, que não é o número excessivo de
instâncias e recursos que dão causa à ineficiência do processo de execução.
Para ele, o que impede maior rapidez no andamento dos processos e na
execução dos provimentos que a reclamam, é a suspensão da eficácia das
decisões recorridas, que retardam a satisfação do direito já reconhecido125.
Não obstante o acerto das conclusões do ilustre processualista, de acordo
com o que se pôde observar anteriormente, a questão atinente à compartimentar 121 Giovanni Verde, “Attualità del principio ‘nulla executio sine titulo’”, in Rivista di diritto processuale, ano
LIV, n. 4, Padova: CEDAN, 1999, p. 983. 122 Idem, p. 987. 123 João Batista Lopes, com razão, afirma que “há muito se superou, no direito brasileiro, o binômio
cognição-execução” (“Tutela antecipada no processo civil brasileiro”, São Paulo: Saraiva, 2001, nota de rodapé n. 71, p. 87).
124 Op. cit., p. 983. 125 Flávio Luiz Yarshell, “Efetividade do processo de execução e remédios com efeito suspensivo”, in
“Processo de execução e assuntos afins – v. 2”, Sérgio Shimura e Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.), São Paulo: RT, 2001, p. 383.
49
atividades cognitiva e executiva em processos distintos também constitui entrave
(certamente não o maior deles) para a efetividade.
Constata-se que não mais se justifica o hiato existente entre o fim do
processo de conhecimento e o início do de execução, que teoricamente seria
aproveitado pelos devedores para cumprir espontaneamente a obrigação e
“acaba por encorajá-los a aguardar até que a sentença realmente tenha peso e
carga de imposição”.126
Em razão disso, Rogéria Fagundes Dotti afirma que a possibilidade de
execução no próprio processo de conhecimento “aparece como uma forma de
contribuição para uma maior efetividade do sistema atual”.127
A necessidade de incoação de novo processo, autônomo em relação
àquele em que o título foi produzido, que, como visto, já vinha sofrendo
manifestações desfavoráveis na doutrina, teve seu tiro de misericórdia com a
aprovação do projeto de lei em que se passou a adotar no direito brasileiro
apenas uma fase executiva, na qual se realiza o cumprimento da sentença128.
O fim da necessidade de separação das atividades e instauração de nova
relação jurídica processual implica, em última análise, a “adoção generalizada129
126 Rogéria Fagundes Dotti, “A crise do processo de execução”, in Genesis Revista de Direito Processual
Civil, n. 2, Genesis Editora, Curitiba, 1996, p. 389 (apud Sandro Gilbert Martins, “A defesa do executado por meio de ações autônomas – defesa heterotópica”, São Paulo: RT, 2002, nota de rodapé n. 48, p. 18).
127 Idem. 128 Cfr. Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005. 129 Como se sabe, assumem a característica de executivas lato sensu a ação de imissão na posse, a ação
reivindicatória e a cão de despejo. Nesse sentido: “A ação de despejo e executória "lato sensu" e de instância única. A satisfação do julgado independe de instancia executória propriamente dita e da prestação de caução, pois o próprio imóvel e garantia bastante no caso de eventual reforma da decisão”. (STJ, RMS 500/SP, Rel. Ministro Gueiros Leite, Terceira Turma, julgado em 18.09.1990, RT vol. 666, p. 176).
50
das chamadas tutelas ‘executiva lato sensu’ e ‘mandamental’”130, veiculadas em
processo sincrético.
No âmbito legislativo, nota-se que se tem buscado, por meio de variadas
técnicas, dar maior celeridade ao processo de conhecimento, a fim de atender às
insatisfações com relação à demora da prestação da tutela jurisdicional. Essa
demora, no entanto, é mais sentida pelos jurisdicionados quando referida ao
processo de execução. Afinal, é nela que reside “o momento da atuação do direito
e, quando se frustra a satisfação do credor, não é apenas este quem perde, mas
igual e especialmente o Estado”131.
Também é importante observar que a imprescindibilidade da cognição
plena e exauriente a anteceder a formação de título executivo não pode ser vista
como pressuposto necessário para a concessão da tutela executiva. A existência
de tutelas interinais constitui condição para o respeito ao princípio constitucional
que garante a concessão aos jurisdicionados de tutela efetiva e tempestiva132. Em
outras palavras, “a certeza jurídica, ou a coisa julgada material, em vista das
novas necessidades de tutela, não pode mais constituir o pressuposto lógico-
jurídico para a instauração da execução.”133
Deve-se a Giuseppe Chiovenda a célebre frase que traduz a atual visão do
direito processual como instrumento, deixando consignado, já em 1911, que “o
130 Flávio Luiz Yarshell, “Efetividade do processo de execução e remédios com efeito suspensivo”, in
“Processo de execução e assuntos afins – v. 2”, Sérgio Shimura e Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.), São Paulo: RT, 2001, p. 383
131 Idem, p. 382. 132 A efetividade da tutela jurisdicional pode ser realizada pelo legislador também mediante instrumentos que
ofereçam à parte uma proteção provisória dos próprios direitos subjetivos, uma proteção a ser obtida durante o tempo necessário para fazer valer os próprios direitos pela via ordinária (Ferruccio Tommaseo, “Appunti di diritto processuale civile”, 4a. ed, Torino: G. Giappichelli, 2000, p. 23).
133 Luiz Guilherme Marinoni, “Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença”, 4a. ed. rev. e ampl., São Paulo: RT, 2000, p. 24.
51
processo deve dar, quando possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo
aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir.”134
Cada vez mais se reforça a idéia de que a tutela jurisdicional somente será
efetiva quando entregar, concretamente, o bem da vida almejado ao titular desse
direito. Perde espaço o sentido meramente declaratório da tutela jurisdicional,
mostrando o acerto de Luiz Guilherme Marinoni quando afirma que não há
“qualquer razão, digna de consideração, que impeça que um provimento sumário
constitua título executivo; (...) assim, é certo, a tutela jurisdicional passa a ser
muito mais execução do que declaração e coisa julgada material”.135
O erro, na realidade, como adverte Sandro Gilbert Martins,
“está na razão de que a tutela jurisdicional, sem dúvida, não
termina com a sentença condenatória, merecendo a continuidade
necessária para que o bem da vida em objeto realmente seja
entregue ao cidadão que buscou no Estado a resolução de seu
conflito, caso contrário, seria dizer que ele obteve, do Estado-juiz,
uma sentença para ganhar e não levar. Logo, ainda que se possa
soar estranho, o objeto final do processo não deve ser localizado
na sentença e sim na execução”.136
A doutrina que insistia no dogma de que o Estado somente pode prestar a
tutela executiva mediante a formação de uma nova relação processual posterior à
cognição está praticamente superada ante a realidade do direito positivo, mas
também em virtude da total interação entre cognição e execução, ”pois ambas
134 “Instituições de Direito Processual Civil”. Trad. Paolo Capitano, Bookseller, Campinas: 1998, p. 46. 135 Luiz Guilherme Marinoni, op. cit., p. 25. 136 Sandro Gilbert Martins, “A defesa do executado por meio de ações autônomas – defesa heterotópica”, São
Paulo: RT, 2002, p. 34.
52
são fases ou momento de uma atividade continuativa: o processo como
instrumento do direito material”137.
O princípio nulla executio sine titulo conserva seu valor quando se trata de
violação de direito em que os efeitos estão predeterminados, porém se apresenta
desatualizado noutras hipóteses, configurando obstáculo à efetividade.
Reconhece-se uma tendência atual do direito processual no abandono da
uniformidade procedimental por meio do estabelecimento de tutelas diferenciadas,
o que revela o caráter instrumental de que se reveste o processo138.
No tocante ao processo de execução é interessante notar que nele há
apenas procedimentos especiais e o estabelecimento de um procedimento
comum para execução forçada é inviável. Afinal, na execução, como esclarece
Teori Albino Zavascki, “o que se almeja não é uma sentença, mas um resultado
fático, que é variável, e suas variantes originam-se de situações e circunstâncias
que não são padronizáveis”.139
Mas não basta a existência de diferentes procedimentos dentro do
processo de execução. Alguns direitos se beneficiam quando a tutela executiva
(rectius: de repercussão física) é prestada independentemente da instauração de
um novo processo, nos moldes clássicos, mas de uma fase subseqüente e
imediata após a sentença, na mesma relação jurídica processual.
As obrigações de fazer e de não-fazer, por exemplo, como advertido por
Giovanni Verde, possuem características que reclamam meios de execução
137 Sandro Gilbert Martins, “A defesa do executado por meio de ações autônomas – defesa heterotópica”, São
Paulo: RT, 2002, p. 44. 138 Donaldo Armelin, “Tutela jurisdicional diferenciada”, Revista de Processo, n. 65, São Paulo: RT, 1992,
p. 45; e Rogério Aguiar Munhoz Soares, “Tutela jurisdicional diferenciada”, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 138. V., ainda ,o item “4”, infra.
139 Teori Albino Zavascki, “Título Executivo e Liquidação”. São Paulo: RT, 1999, p. 72.
53
diferenciados; necessitam do que se convencionou chamar de execução
específica. É o que afirma Giovanni Verde: “de um poder de astreinte se tem
necessidade quando existe a possibilidade de executar em forma específica as
decisões judiciais”140
Assim, em se tratando de obrigações, positivas ou negativas, o
ordenamento jurídico processual
“há de buscar meios imperativos para chegar ao resultado
desejado, seja motivando o obrigado a optar pelo adimplemento
(meios de pressão psicológica, ou astreintes), seja prescindido de
sua vontade (execução específica por meios sub-rogatórios que
levem ao atingimento do resultado prático equivalente)”141
Antes da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (Lei
8.078/90) e, principalmente, da nova redação dada ao art. 461 do Código de
Processo Civil, que trouxe a tutela específica para o bojo da nossa mais importante
lei adjetiva, o sistema processual era ainda mais falho. Como relata João Batista
Lopes, até então “o sistema do Código de Processo Civil mostrava-se ineficiente
para garantir a efetividade dessa modalidade de execução, que, em síntese, só
permitia a sub-rogação, a teor dos arts. 634, 637, 639 e 644 do CPC”.142
O Código de Processo Civil italiano, segundo esclarece José Eduardo
Carreira Alvim,
“ao regular a execução forçada das obrigações de fazer e não
fazer (art. 612) alude apenas à sentença de condenação, o que
não impediu a doutrina (Micheli, Carnelutti, Redenti, Satta, 140 Giovanni Verde, “Attualità del principio ‘nulla executio sine titulo’”, in Rivista di diritto processuale, ano
LIV, n. 4, Padova: CEDAN, 1999, p. 979. 141 Ada Pellegrini Grinover. “Tutela jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer””, in “Reforma do
Código de Processo Civil”. Sálvio de Figueiredo TEIXEIRA (coord). São Paulo: Saraiva, 1996, p. 255. 142 João Batista Lopes, “Tutela antecipada no processo civil brasileiro”, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 112.
54
Zanzucchi, C. Mandrioli) de preconizar a extensão dessa fórmula,
para compreender outros títulos judiciais igualmente idôneos para
embasar uma execução específica (v. g. arts. 610, 691 e 700);
não a estendeu, porém, aos títulos extrajudiciais.”143
Diante da nova sistemática processual brasileira há que se reconhecer a
forte mitigação do binômio condenação/execução forçada, pois o legislador cada
vez mais se preocupa com a efetividade do processo e da tutela jurisdicional,
fazendo com que se busquem novas alternativas.
Convém, portanto, afastar a idéia segundo a qual a execução deve ser
antecedida por um processo de cognição. Além disso, para que se dê um pouco
mais de efetividade à tutela executiva144, é imperioso abandonar o supracitado
binômio, que nos planos teórico e prático tem quase nenhum valor145, conferindo
auto-aplicabilidade à sentença.146
A técnica da utilização de meios coercitivos, com a execução indireta e a
expedição de uma ordem (tutela mandamental), já adotada na atuação das decisões
de processos que têm por objeto obrigações de fazer e não-fazer (art. 461 do CPC e
84 do CDC)147, atende aos anseios de maior efetividade da tutela executiva.
143 José Eduardo Carreira Alvim, “Tutela específica e tutela assecuratória das obrigações de fazer e não fazer
na reforma processual”, in “Reforma do Código de Processo Civil”. Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord). São Paulo: Saraiva, 1996, p. 272.
144 Evidentemente não é o fim da separação entre cognição e execução que vai, como num passe de mágica, solucionar os problemas da satisfação dos direitos, até mesmo porque a solução de muitos deles não se resume a alterações legislativas.
145 Pontes de Miranda, “Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo I, 5a. ed., Rio de Janeiro: Forense,1995, pp. 70 e 71.
146 José Roberto dos Santos Bedaque, “Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumária e de urgência (tentativa de sistematização)”, 2a. ed. rev. e ampl., São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 18, nota 17.
147 “No atual regime processual, em se tratando de obrigações de prestação pessoal (fazer ou não fazer) ou de entrega de coisa, as sentenças correspondentes são, segundo a linguagem da doutrina, "executivas lato sensu", a significar que o seu cumprimento se operacionaliza como simples fase do próprio processo cognitivo original. Dispõe, com efeito, o art. 644 do CPC, na redação dada pela Lei 10.444⁄02, que “a sentença relativa a obrigação de fazer ou não fazer cumpre-se de acordo com o art. 461, observando-se, subsidiariamente, o disposto neste Capítulo”. E o art. 461, por sua vez, estabelece que “na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”, providências essas que serão
55
É cada vez mais presente a coexistência de atos cognitivos e executivos na
mesma relação processual, o que, a bem ver, constitui novidade relativa, pois no
processo cautelar nunca houve uma distinção estanque entre atividade de
conhecimento e atuação das decisões148.
As alterações no ordenamento jurídico processual fizeram surgir situações
em que há simultaneidade, ou alternância, entre atividades cognitivas e
executivas numa mesma relação jurídica, num mesmo processo.
Bem se vê que a inovação do art. 273 do Código de Processo Civil, como
conclui acertadamente Humberto Theodoro Júnior:
“a um só tempo desestabilizou a pureza e autonomia
procedimental do processo de conhecimento e do processo de
execução. Em lugar de uma actio que fosse de pura cognição ou
de uma actio iudicati que fosse de pura realização forçada de um
direito adrede acertado, instituiu-se um procedimento híbrido, que
numa só relação processual procedia às duas atividades
jurisdicionais.”149
Essa técnica foi estendida a outras hipóteses, como já ocorreu com a Lei
10.444/02150 e, mas recentemente, com a Lei 11.232/05.
cumpridas desde logo, independentemente da propositura de ação de execução. Para tanto, pode o juiz “impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito” (§ 4º) e, ainda,”... determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial” (§ 5º). Esse mesmo regime é aplicável às obrigações de entregar coisa, a teor do que prevê o art. 461A do Código.” (STJ, Resp 738.424, 1ª T, julgado em 19.05.2005, relator para o acórdão Min. Teori Albino Zavascki).
148 Como se viu anteriormente, ao nos referirmos à crítica de Teori Albino Zavascki à classificação tradicional tripartite da tutela jurisdicional, de seus processos e suas ações (“Antecipação da tutela”, 3a. ed. rev. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2000, pp. 14 e 15).
149 Humberto Theodoro Júnior, “Curso de Direito Processual Civil”, vol. II, 39ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 11/12.
150 Nesse sentido: “O credor de obrigação de fazer, decorrente de título judicial, executa o julgado que lhe foi favorável nos próprios autos da ação de conhecimento, sem necessidade do ajuizamento de ação executiva, pois a sentença decorrente é executiva lato sensu.” (TJRS, Apelação Cível nº 70015086523, Segunda Câmara Cível, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, julgado em 12/07/2006).
56
Atualmente nota-se no sistema jurídico brasileiro a presença muito intensa
do que Medina denomina “princípio do sincretismo entre cognição e execução”.
Frise-se, porém, como ligeiro reparo, que o sincretismo não se dá entre cognição
e execução, pois essas atividades não são realizadas simultaneamente, mas sim
num mesmo processo, que então assume natureza sincrética.
Na realidade, após as diversas alterações impostas ao Código de Processo
Civil, finalmente deve ser reconhecido que a separação em ações distintas, ou a
reunião em uma única ação e procedimento, das atividades cognitivas e
executivas, são opções confiadas à conveniência de política legislativa.151
3.3. Classificação do processo segundo a atividade jurisdicional nele
desenvolvida: o processo sincrético
Uma classificação dos processos que adote como critério a atividade
jurisdicional desenvolvida conduz ao reconhecimento da existência de três
categorias: processo de conhecimento, processo de execução e processo
sincrético.
Ao processo de conhecimento estão reservadas as ações que não
necessitam de atividades jurisdicionais de alteração do mundo empírico. É o caso,
por exemplo, de qualquer ação meramente declaratória.
151 Adroaldo Furtado Fabrício, “Comentários ao Código de Processo Civil, 3a ed., v. VIII, tomo III, 8ª. ed.,
Rio de Janeiro: Forense, p. 30. No mesmo sentido, v. Pontes de Miranda, “Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo I, 5a. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 70; Humberto Theodoro Júnior, “A execução de sentença e a garantia do devido processo legal”, Rio de Janeiro: AIDE, 1987, p. 239. Fábio Cardoso Machado, “Jurisdição, Condenação e Tutela Jurisdicional”, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 232/242; José Miguel Garcia Medina, “Execução civil – princípios fundamentais”, São Paulo: RT, 2002, p. 201/215.
57
Processos em que se veicula a pretensão à satisfação de um direito são
considerados, nessa classificação proposta, processos de execução, como se dá
com as execuções por título executivo extrajudicial.
Finalmente, aqueles processos que envolvem atividades cognitivas e de
repercussão física fazem parte dos processos sincréticos, nos quais estão
incluídos tanto ações de procedimentos especiais, com as ações cautelares e
também aquelas em que seja concedida antecipação da tutela.
3.4. Executivas lato sensu como manifestação do sincretismo
Para que se entenda a existência de um processo sincrético é preciso
também compreender como o Código de Processo Civil foi elaborado e
estruturado, bem assim sua evolução.
Deve-se recordar, em primeiro lugar, que o Código de 1973 seguiu a
classificação ternária das “ações” e dos provimentos jurisdicionais e isso pode ser
constatado na própria sistematização da matéria. Os Livros I, II e III do Código,
como visto anteriormente, tratam dos processos de conhecimento, de execução e
cautelar., respectivamente.
A autonomia da execução, analisada anteriormente, está baseada em
premissas que podem ser resumidas em dois pontos principais: (a) cada atividade
jurisdicional deveria ser veiculada em processo distinto e (b) a atividade cognitiva
deveria anteceder lógica e cronologicamente a atividade executiva.
Atualmente, todavia, como tivemos a oportunidade de demonstrar nos itens
anteriores, a autonomia do processo de execução tem sido cada vez mais
infirmada. Pontes de Miranda já alertava para a possibilidade da realização de
58
atos executivos antes do exaurimento da atividade cognitiva, realçando o papel
fundamental do legislador na adoção de mecanismos de efetivação da decisão.152
O reconhecimento da existência de processos sincréticos ficou mais
evidente agora, por força de alterações no direito positivo, porém é fenômeno que
sempre esteve presente. Diversos procedimentos sempre reuniram, numa mesma
relação processual, atividades cognitiva e “executiva”, como é o caso, por
exemplo, da imissão na posse, do despejo e da monitória.
A existência de processos sincréticos – e de ações com a estrutura das
executivas lato sensu – justifica-se porque as atividades de conhecimento e
execução são, a rigor, indissociáveis. Não há execução (lato sensu) sem prévia
atividade cognitiva, por mais superficial ou “rarefeita” que esta seja. Assim,
mesmo no processo de execução essas atividades se entremeiam. O juiz primeiro
examina o requerimento de penhora (atividade cognitiva) para só então expedir o
mandado que irá individualizar o bem sujeito à execução (atividade executiva).
Não se deve olvidar que “à ação executiva é que compete, depois, ou
concomitantemente, ou por adiantamento, levar ao plano fáctico o que a
condenação estabelece no plano jurídico”153.
As executivas lato sensu têm estreita relação com as chamadas ações
reais154, isto é, quando por meio de uma demanda o autor busca obter a coisa, e
não o cumprimento de uma obrigação a que esteja sujeito o demandado. É, por
152 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, “A pretensão à execução especifica a pretensão à tutela jurídica.
Se há de vir depois ou antes da cognição completa, isso depende da lei processual” (“Tratado das ações”, tomo VII, Campinas: Bookseller, 1999, § 6o., p. 53).
153 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, “Tratado das ações”, tomo I, São Paulo: RT, 1970, p. 122. 154 Mas não se resumem a elas. Em sentido contrário, entendendo que as executivas lato sensu são,
efetivamente, apenas as execuções reais, v. Ovídio Baptista da Silva, “Curso de Processo Civil”, vol. 2, 5a. ed., São Paulo: RT, 2002, pp. 19/28 e 183 e ss.
59
exemplo, o caso da ação reivindicatória e da imissão na posse.155 Em todas elas
a sentença de procedência reconhece que a coisa pretendida pelo autor está
ilegitimamente na posse do réu e, portanto, não faz sentido que simplesmente se
“condene” o vencido a entregar a coisa, quando já é possível desde logo
determinar a realização de atos de modificação da situação reconhecida156.
A ineficácia da sentença condenatória157, que apenas “exorta” o condenado
a adimplir a obrigação, revela a inadequação do direito processual em estabelecer
mecanismos adequados de tutela do direito material. Evidencia, também, a
necessidade de adoção das executivas lato sensu para tutelar direitos
obrigacionais.
Como o condenado tem a opção de satisfazer ou não a obrigação, a
sentença condenatória mostrou-se completamente inapta a garantir o direito do
credor. Se a sentença condenatória – que, na essência, é também materialmente
uma sentença declaratória (declara o direito e, para alguns, declara a sanção) –
não tem utilidade, pois o devedor poderá pagar a dívida voluntariamente
independentemente de ter sido “exortado” por sentença a fazê-lo, é melhor
eliminá-la, suprimindo-se, assim, o intervalo existente entre a condenação e a
execução.
É verdade que, na sua origem, a sentença condenatória se identificava
com o direito das obrigações. Mas a não ser por essa razão histórica ou
genealógica não há nada mais que possa impedir a eliminação do intervalo entre
a cognição e a execução; não há porque impedir que a execução se dê na
mesma relação processual em que foi proferida a sentença, mesmo nos casos de 155 Quanto a esta última, desde que se adote a posição defendida por Ovídio Baptista da Silva, “Curso de
Processo Civil”, vol. 2, 5a. ed., São Paulo: RT, 2002, pp. 219, 231 e 323. 156 Luiz Guilherme Marinoni, “Técnica processual e tutela dos direitos”, São Paulo: RT, 2004, p. 94. 157 Cfr. Itens “2.2.1” e “3”, supra.
60
uma obrigação, de um dever de prestar a que está vinculado o demandado – e
não de um direito real. Humberto Theodoro Jr. procura demonstrar a exatidão
desse raciocínio e defende que a “execução ‘por créditos’ decorrente de sentença
condenatória se faça no mesmo processo de conhecimento em que a sentença
fora pronunciada”158.
A sensível diminuição da importância da sentença condenatória constitui
um dos reflexos do sincretismo. A reunião de atividades cognitivas e de
repercussão física no mesmo processo confirma-se como tendência cada vez
mais presente em nosso ordenamento jurídico. Portanto, a autonomia do
processo de execução é princípio que já não pode mais ser considerado absoluto.
Por processo sincrético entende-se a relação jurídica processual em que se
encontram reunidas atividades de cognição e modificação do mundo empírico159.
A relação que se estabelece entre a ação executiva lato sensu e o
processo sincrético é que onde houver aquela, haverá um processo sincrético. A
recíproca, no entanto, não é exata; é possível um processo sincrético sem ação
executiva lato sensu160. Um é o processo, como relação jurídica, a outra é o
instrumento necessário para invocar a tutela jurisdicional, ou melhor, é a ação
classificada pela pretensão, pelo conteúdo da sentença de procedência.
Assim, outras pretensões podem ser veiculadas em processos sincréticos,
evidentemente. É o caso da ação mandamental, que também envolve cognição e
alteração do mundo empírico numa mesma relação jurídica processual.
158 Ovídio Baptista da Silva, ob. cit., p. 255. 159 Para José Miguel Garcia Medina, “a distinção existente entre a ação condenatória e ação executiva lato
sensu seria eminentemente procedimental, isto é, bastaria a unificação das atividades cognitivas e executivas num único processo para que se estivesse diante de uma ação executiva ‘lato sensu’” (“Execução civil – princípios fundamentais”, São Paulo: RT, 2002, p. 225).
160 Hipótese, por exemplo, da ação mandamental.
61
O reconhecimento da existência de processos sincréticos – e de ações
com a estrutura das executivas lato sensu – tornou-se mais evidente agora, por
força de alterações no direito positivo. Porém, cuida-se de fenômeno que sempre
esteve presente. As atividades de conhecimento e execução são indissociáveis e
permeiam diversos procedimentos especiais. Como já se disse, inexiste execução
(lato sensu) sem prévia atividade cognitiva, por mais superficial ou “rarefeita” que
esta seja, e no processo de execução entremeiam-se essas atividades.
4. Processo sincrético e tutela jurisdicional diferenciada
A existência de provimentos judiciais que importem em mera declaração,
em ordem a ser coercitivamente cumprida ou em atividades sub-rogatórias já
demonstra que a tutela jurisdicional não é única, mas diferenciada161.
A idéia de uma tutela jurisdicional diferenciada insere-se no contexto das
medidas voltadas a refletir, no processo, as peculiaridades do direito material. Ela
constitui “a consagração da função verdadeiramente instrumental assumida pelo
processo, em sua missão realizadora da ordem jurídica material”162. Mas
diferenciada, aí, não tem apenas o sentido de resultado substancial que pode ser
obtido pelo titular de uma pretensão, mas também, e principalmente, “dos meios
predispostos à consecução desse resultado”163.
Afinal, conforme precisa lição de Donaldo Armelin:
161 Donaldo Armelin, “Tutela jurisdicional diferenciada”, in Revista de Processo n. 65, São Paulo: RT, 1992,
p. 45. 162 Ovídio Baptista da Silva, prefacio à obra “Tutela jurisdicional diferenciada”, de Rogério Aguiar Munhoz
Soares, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 12. 163 Flávio Luiz Yarshell, ob. cit., p. 31.
62
“presentes diferenciados objetivos a serem alcançados por uma
prestação jurisdicional efetiva, não há por que se manter um tipo
unitário desta ou dos instrumentos indispensáveis à sua
corporificação. A vinculação do tipo da prestação à sua finalidade
específica espelha a atendibilidade desta; a adequação do
instrumento ao seu escopo potencia o seu tônus de
efetividade”164.
Não há, efetivamente, grandes novidades na formulação teórica da tutela
diferenciada, dado o inegável caráter instrumental do processo. O que se busca
salientar com a expressão tutela diferenciada são “os diferentes instrumentos que
veiculam, em um sentido, o pedido de tutela jurisdicional e, em outro, a tutela
prestada, na medida em que se adaptam funcionalmente ao tipo de tutela”165.
É por isso que se pode dizer que o aprofundamento dos estudos em torno
das tutelas jurisdicionais diferenciadas nada mais é senão “a busca da forma
adequada da prestação da tutela jurisdicional em face da pretensão deduzida”166.
Por tutela jurisdicional diferenciada pode-se, portanto, extrair dois
conceitos. Adotando-se a própria tutela em si mesma como referencial, tem-se
que tutela diferenciada, de acordo com Donaldo Armelin, “é o provimento
jurisdicional que atende a pretensão da parte, segundo o tipo da necessidade de
tutela aí vinculado”167. E, por outro lado, ela pode ser qualificada pelo prisma “de
sua cronologia no iter procedimental em que se insere, bem assim como a
164 Donaldo Armelin, “Tutela jurisdicional diferenciada”, in Revista de Processo n. 65, São Paulo: RT, 1992,
p. 45. 165 Idem. 166 Rogério Aguiar Munhoz Soares, “Tutela jurisdicional diferenciada”, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 142. 167 Donaldo Armelin, “Tutela jurisdicional diferenciada”, in Revista de Processo n. 65, São Paulo: RT, 1992,
p. 45.
63
antecipação de seus efeitos, de sorte a escapar das técnicas tradicionalmente
adotadas nesse particular.”168
A tutela jurisdicional diferencia-se, segundo Rogério Aguiar Munhoz
Soares:
“na medida em que o ordenamento proporciona formas de
proteção diferenciadas em relação às já previstas, proporcionando
alternativas ao demandante em face do processo de cognição
exauriente, ou inserindo nos diversos modelos processuais
medidas que o capacitem a propiciar tutela jurisdicional
adequada”169.
Como se vê, o sistema processual deve ser capaz de oferecer alternativas
ao processo de cognição exauriente ou então de permitir a inserção, nos diversos
modelos processuais, de medidas que os capacitem a propiciar tutela jurisdicional
adequada, efetiva e tempestiva.
A tutela jurisdicional diferenciada, como afirma Ovídio Baptista da Silva,
“outra coisa não é senão o ressurgimento dos procedimentos especiais, de tipo
monitório e interdital, quando não se obtém através da utilização do processo
cautelar, o que a obsolência do processo (conservador) ordinário impede, em
termos de ‘instrumentalidade’ – quer dizer, aderência do instrumento processual
às peculiaridades do direito material posto em causa –, que é a função tantas
vezes proclamada pelos processualistas e nem sempre observada”.170
A diferenciação das tutelas atende ao princípio da adequação das formas,
impondo, como afirma Teori Albino Zavascki, “que o procedimento deve ser
168 Idem. 169 Rogério Aguiar Munhoz Soares, “Tutela jurisdicional diferenciada”, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 136. 170 Ovídio Baptista da Silva, “Curso de Processo Civil”, v. II, p. 192 (apud, Rogério Aguiar Munhoz Soares,
“Tutela jurisdicional diferenciada”, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 138).
64
adequado e compatível com a natureza e o conteúdo das providências a serem
cumpridas.”171
A diferenciação, portanto, consiste em estabelecer procedimentos diversos
daquele considerado comum. Ao mesmo tempo em que o processo passa a
reunir atividades cognitiva e de alteração do mundo empírico, o procedimento se
diferencia e volta-se no sentido de atender as peculiaridades do direito subjetivo.
O sincretismo, portanto, revela-se manifestação da tutela diferenciada na
medida em que implica unidade processual e multiplicidade de procedimentos172.
171 Teori Albino Zavascki, “Antecipação da tutela”, 3a. ed. rev. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 94. 172 “O processo civil também se constitui em mecanismo de proteção dos direitos fundamentais, seja para
evitar a violação ou o dano ao direito fundamental, seja para conferir-lhe o devido ressarcimento. (...) O que se deseja evidenciar é a necessidade de o juiz conformar o procedimento ao caso concreto em todos os casos em que a técnica processual não for capaz de atender ao direito material e à realidade social” (Luiz Guilherme Marinoni, “Técnica Processual e Tutela dos Direitos”, São Paulo: RT, 2004, p. 223 e 224, nota 95).
65
III. AÇÕES EXECUTIVAS LATO SENSU
1. Classificação das ações
Diversas são as correntes doutrinárias acerca do conceito de ação. O
Código de Processo Civil de 1973 adotou uma variante doutrinária introduzida no
Brasil por Liebman e, desde então, diversas críticas lhe foram formuladas173,
principalmente quanto à forma vaga e genérica com que está enunciada.
A idéia de ação está ligada ao impulso inicial que é dado para
movimentação do aparato estatal no sentido de pôr fim à lide.
Superada a teoria civilista – ao menos para o atual momento do direito
processual –, fica afastada a noção de ação como mero estágio do direito
subjetivo privado. Assim, assentada a autonomia da ação em relação ao direito
subjetivo, o debate passou a centrar-se na sua abstração ou concretude.
Para Chiovenda, a ação é direito potestativo do autor frente ao réu. Critica-
se essa posição, já que atualmente não se põe em dúvida o fato de a ação
(entendida como direito ou poder) ser exercida contra o Estado. O pedido do autor
dirige-se ao órgão que tem o dever de solucionar o conflito, e não diretamente ao
demandado.
Por sua vez, os partidários da teoria abstrata definem a ação como o direito
à atividade jurisdicional. A principal característica dessa teoria, como adverte
Couture, é que têm ação “até mesmo aqueles que promovem a demanda sem um
direito válido a tutelar. A ação, diz-se com deliberado exagero, é o direito dos que
173 A ponto de ilustre processualista qualificá-la como “inconveniente” (Araken de Assis, “Da ação no novo
Código de Processo Civil”, in “Doutrina e prática do processo civil contemporâneo”, São Paulo: RT, 2001, p. 20).
66
têm razão e também dos que não tem razão”.174 Essa noção, portanto, afigura-se
mais adequada ao atual momento do estudo do direito processual.
Como se observa, a ação é autônoma em relação ao direito material,
porquanto o ordenamento jurídico não impede que o pretenso titular de um direito
invoque a manifestação do Estado-juiz ainda que ele não seja titular de direito
subjetivo material violado ou ameaçado.175
Além de autônoma, a ação é abstrata. Exercer o direito de ação é exercer o
direito de obter uma manifestação dos órgãos jurisdicionais, seja esta
manifestação positiva ou negativa, favorável ou desfavorável, acolhendo,
rejeitando ou simplesmente não apreciando a pretensão.176
O exercício do direito de ação é também incondicionado. As chamadas
“condições da ação” aparecem no Código, na realidade, como condições para o
exame do mérito177. Elas, como obtempera Araken de Assis, “não têm o efeito de
limitar o exercício da ‘ação’, impedir a formação do processo ou obliterar a
natureza jurisdicional dos provimentos que o juiz, no curso da relação processual,
dispara para regular o caso que as partes lhe trazem”.178
A categoria “condições da ação” não se justifica. Efetivamente, o mais
correto, ao menos de lege ferenda, “seria proscrever as condições da ação da
dogmática jurídica e, por tabela, do sistema jurídico, pois, ou compõem o mérito 174 Araken de Assis, “Da ação no novo Código de Processo Civil”, in “Doutrina e prática do processo civil
contemporâneo”, São Paulo: RT, 2001, p. 33. 175 Na doutrina brasileira a autonomia da ação parece ser praticamente inquestionável, cf. Araken de Assis,
“Da ação no novo Código de Processo Civil”, in “Doutrina e prática do processo civil contemporâneo”, São Paulo: RT, 2001, pp. 28/35, e também Antonio Carlos de Araújo Cintra; Ada Pellegrini Grinover; Cândido Rangel.Dinamarco. “Teoria Geral do Processo”, 14a. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 249.
176 Quando se propõe uma ação, qualquer que seja, exerce-se a pretensão pré-processual, que é a pretensão à tutela jurídica (...) e exerce-se, com o remédio jurídico processual adequado, a ação de direito material.” (Pontes de Miranda, “Tratado das ações”, tomo I, São Paulo: RT, p. 94-95).
177 Essa é a marca do direito positivo, em vista dos pressupostos teóricos de Liebman que informaram a elaboração do Código de Processo Civil, adotando a divisão entre condições da ação, pressupostos processuais e mérito.
178 Araken de Assis, op. cit., p. 59.
67
da causa, ou podem ser enquadradas na categoria dos ‘pressupostos
processuais’ ou dos requisitos de admissibilidade do processo”179
A ação, portanto, é autônoma em relação ao direito material, abstrata e
incondicionada. Nesse sentido, pode ser definida como “o poder jurídico que tem
todo sujeito de direito, de acudir aos órgãos jurisdicionais para reclamar-lhes a
satisfação de uma pretensão”180.
Não se trata de obter efetivamente a satisfação da pretensão (o pedido
pode ser julgado improcedente), mas simplesmente de acudir aos órgãos
jurisdicionais para (visando, buscando) essa satisfação. Além disso, é importante
frisar que se objetiva a satisfação de uma pretensão – e não a “composição da
lide” ou a “solução de um conflito de interesses”. Afinal, a atividade jurisdicional
tem também outra natureza, como é o caso daquela veiculada por meio do
processo de execução.
Há, ainda, o sentido de ação como exercício do direito constitucional de
ação. Trata-se da “ação exercida”, “ação processual”, “que no caso é sempre
concreta, porque relacionada a determinada situação jurídico-substancial”181. É
com a ação exercida que “se concretiza a pretensão à tutela jurídica processual,
se individualizam os sujeitos da relação que então se determina e se fixa a
natureza da tutela pretendida”182.
179 Fredie Didier Jr., “Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo”,
São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 215/216. Embora o trabalho citado, publicação da tese de doutoramento de Didier, seja mais completo, vale conferir também, pela contundência e inegável brilhantismo, aquela que pode ser considerada sua semente: “Um réquiem às condições da ação. Estudo analítico sobre a existência do instituto”, in Revista Forense n. 351, Rio de Janeiro: Forense, 2000.
180 Eduardo Couture, “Fundamentos Del Derecho Procesal Civil”, 4a. ed., Buenos Aires: B de f, 2002, n. 34, p. 47.
181 Fredie Didier Jr., “Direito Processual Civil: Tutela jurisdicional individual e coletiva”, vol. I, 5ª. ed.,, Salvador: JusPODIVM, 2005, p. 180.
182 Celson Neves, “Estrutura fundamental do processo civil”. Rio de Janeiro: Forense, 1995, pp. 117/118.
68
1.1. Classificação tradicional (ternária)
Há na doutrina diversas classificações da ação civil. Como bem
observado por Couture, o critério que informa essas classificações nada tem
que ver com a ação, mas ora com a pretensão por ela veiculada, ora com o
processo por ela originado, ou com a jurisdição em que é exercida, entre
outros critérios.183
Assim, quando se fala em ações ordinárias e extraordinárias – nestas
incluídas as sumárias e executivas – tem-se efetivamente uma classificação de
processos e não de ações. É considerada ordinária a ação que se faz valer
num processo ordinário, ou seja, aquele que reúne as máximas garantias
processuais.
Da mesma forma, a classificação das ações em penais, civis e mistas é
uma divisão que interessa muito mais à jurisdição, no sentido de competência em
razão da matéria. Também a divisão em ações reais, pessoais e mistas revela-se
uma classificação dos direitos invocados nas pretensões. Ações petitórias e
possessórias, por sua vez, resultam de uma classificação que toma como critério
a pretensão (petitória ou possessória) e o fundamento jurídico da demanda.
Por fim, a classificação das ações em públicas e privadas leva em consideração
a iniciativa da demanda, pois se consideram públicas as ações que são promovidas
por órgãos do Poder Público, normalmente o Ministério Público184.
Feitas essas ressalvas, pode-se afirmar que a classificação das espécies
de ação, quanto ao processo de conhecimento, admite a existência de três ações:
183 Eduardo Couture, “Fundamentos Del Derecho Procesal Civil”, 4a. ed., Buenos Aires: B de f, 2002, p. 65. 184 Idem, pp. 65/72.
69
declaratória, constitutiva e condenatória185. Mas qual o critério utilizado para se
estabelecer referida classificação?
Para responder essa indagação, não se pode olvidar, em primeiro lugar, que
os pronunciamentos judiciais entram no mundo jurídico munidos de imperatividade.
Aquilo que é produzido pelo ato na esfera do direito material – externo, portanto, ao
conteúdo da sentença – é que se chama de efeito. Não é o trânsito em julgado que
produz os efeitos da sentença. Eles preexistem a tal momento.186
Não se deve confundir a eficácia com efeito. Aquela é o próprio conteúdo
da sentença, dotado de imperatividade; é a força da decisão. Denomina-se efeito,
por sua vez, aquilo que é concretamente produzido pela sentença na esfera do
direito material. Eficácia é efeito em potência.187
Com a precisão habitual, sintetiza Barbosa Moreira:
“uma sentença pode conter elementos diversos e produzir, por via
de conseqüência, efeitos também diversos. O elemento
declaratório, em particular, está presente em qualquer sentença. A
cada elemento corresponderá um efeito próprio, sem que isso nos
autorize a identificar este com aquele, nem embutir no conteúdo
da sentença aquilo que ela projeta no mundo exterior”188.
185 “Quando se diz que as ações – e as respectivas sentenças de procedência – podem ser declaratórias,
constitutivas ou condenatórias, está-se a indicar ações de direito material afirmadas existentes, na correspondente petição inicial, e que na perspectiva da relação processual concreta onde elas se apresentam não serão mais do que simples hipóteses de trabalho com que o magistrado se depara.” (Ovídio Baptista da Silva, “Curso de Processo Civil”, vol. 1, 6ª. ed., São Paulo: RT, 2002, p. 160).
186 A exceção é a sentença de declaração, cujo efeito (certeza) somente surge com a coisa julgada material. 187. Araken de Assis, “Da execução de alimentos e prisão do devedor”, São Paulo: RT, 2001, pp. 43/60; e
também “Execução da tutela antecipada”, in “Processo de execução e assuntos afins – v. 2”. Shimura, Sérgio; e Wambier, Teresa Arruda Alvim (coord.), São Paulo: RT, 2001, pp. 44/47.
188 José Carlos Barbosa Moreira, “Conteúdo e efeitos da sentença: variações sobre o tema”, in Revista de Processo n. 40, São Paulo: RT, 1985, p. 11.
70
As ações e os provimentos judiciais189 são objeto de várias classificações,
legais e doutrinárias. Ainda hoje persiste o debate na doutrina entre quem
sustenta que os provimentos são apenas três – declaratórios, constitutivos e
condenatórios – e aqueles que reconhecem cinco provimentos – declaratórios,
constitutivos, condenatórios, mandamentais e executivos190.
A chamada doutrina clássica sempre teve predileção pela teoria
tripartida, e ainda hoje há certa relutância em se aceitar a classificação
quinária, embora ela tenha aceitação muito maior do que antes. A exceção
sempre foi Pontes de Miranda. Afinal, deve-se justamente a ele a
consolidação, entre nós, além da afirmação de que toda sentença é composta
por um feixe de eficácias, a formulação teórica dos traços característicos dos
provimentos mandamentais e executivos lato sensu.
A doutrina majoritária, porém, entendendo que a classificação ternária seria
suficiente,
"encontrava dificuldades em explicar as ações de despejo e as
possessórias, em que, como se sabe, não há processo de
execução subseqüente à sentença, por desnecessário. (...) A
experiência com as ações de despejo, as possessórias e o
mandado de segurança habilitou o legislador a introduzir, no
sistema, o preceito do art. 84 do CDC, cujo alcance é
inquestionável. Estava aberto, assim, o caminho para a
admissibilidade, na legislação processual, das tutelas
mandamental e executiva lato sensu, orientação que se
189 Diz-se provimento para abarcar indistintamente sentenças, acórdãos e decisões interlocutórias. Não se
desconhece, contudo, a crítica de Barbosa Moreira à utilização, nesse contexto, do substantivo provimento, empregado tradicionalmente para indicar o julgamento favorável de recurso (“Questões velhas e novas em matéria de classificação das sentenças” - Temas de Direito Processual (Oitava série), São Paulo: Saraiva, 2004, p. 137). A lei, no entanto, fugindo à tradição da nossa linguagem processual, encampou o uso (art. 14, V, do CPC, introduzido pela Lei 10.358/01)
190 Além da classificação quaternária de Ovídio Batista, que não reconhece a existência da ação condenatória, como se verá detidamente mais adiante (cfr. Item “1.3”, infra).
71
ratificou com a nova redação dada ao art. 461 do CPC, que, no
essencial, repete o citado art. 84".191 192
A classificação ternária, porém, mostra-se incapaz de esclarecer
situações que se sucedem diariamente. Não há como se considerar
“condenatória” a sentença que reconhece um bem ilegitimamente na posse do
réu e determina desde logo a prática de atos para passar esse bem ao
demandante.
Esse sistema, que supõe que a sentença é sempre condenatória, abrindo
ensejo à demanda executiva, “não resiste ao fato de que as tutelas de restituição
de coisa e de imissão na posse dispensam a condenação”193.
1.2. Classificação quinária
Deve-se a Pontes de Miranda o grande mérito de observar, argutamente,
que nenhuma ação ou sentença é pura194. Conforme anota Araken de Assis, o
jurista alagoano “teve a notável intuição de considerar a ação um conjunto de
eficácias, e de classificá-la através da eficácia principal”195.
191 João Batista Lopes “Tutela antecipada no processo civil brasileiro”, São Paulo: Saraiva, 2001, pp. 117-119. 192 A natureza executiva lato sensu das ações possessórias é reconhecida também na jurisprudência: “A
sentença de procedência na ação possessória tem natureza executiva lato sensu, sendo, portanto, efeito lógico do acolhimento do pedido deduzido na inicial a expedição de ordem de desocupação do imóvel, independentemente de pedido expresso na inicial.” (TJRS, Apelação Cível nº 70014365696, Décima Oitava Câmara Cível, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 22/06/2006).
193 Luiz Guilherme Marinoni, “Técnica processual e tutela dos direitos”. São Paulo: RT, 2004, p. 95. 194 “Não há nenhuma ação, nenhuma sentença, que seja pura. Nenhuma é somente declarativa. Nenhuma é
somente constitutiva. Nenhuma é somente condenatória. Nenhuma é somente mandamental. Nenhuma é somente executiva.” (“Tratado das ações”, tomo I, São Paulo: RT, 1970, p. 124).
195 Araken de Assis, “Cumulação de ações”, 4ª. Ed., São Paulo: RT, 2002, p. 89.
72
Divergindo da classificação tradicional196, Pontes de Miranda enxergou nos
provimentos jurisdicionais cinco eficácias distintas e, segundo ele, todas
necessariamente presentes em qualquer decisão judicial, em menor ou maior grau,
mas sempre “inelimináveis”197 198. O critério dessa classificação, dita quinária, leva
em conta a eficácia preponderante da decisão de procedência, identificando-se na
decisão “o elemento eficacial que sobressai, que prevalece sobre os outros”199.
Cumpre esclarecer que a ação é classificada conforme aquilo que se
espera da sentença, se o pedido for julgado procedente. “Se for de força eficacial
declarativa a sentença que se espera, declarativa chama-se a ação. Se
constitutiva a eficácia da sentença que se espera, constitutiva chama-se a ação.
Se condenatória, mandamental, ou executiva a sentença que se espera,
condenatória, mandamental, ou executiva diz-se a ação”.200
Depois de Pontes de Miranda outros autores nacionais defenderam a
classificação quinária, dos quais se pode destacar Ovídio Baptista da Silva, autor
196 “As classificações de ações de que usaram os juristas europeus estão superadas. Assim a classificação binária
com a classificação ternária (ação declaratória, ação constitutiva, ação condenatória) não resistem às críticas e concorrem para confusões enormes que ainda hoje estalam nos espíritos de alguns juristas (...)” (Pontes de Miranda, “Tratado das ações”, tomo I, São Paulo: RT, 1970, p. 118). E ainda: “O que importa é que se conheçam, a fundo, as classes das ações, livrando os que estudam direito, no Brasil, das defeituosas, e até mesmo repudiáveis, classificações dos juristas estrangeiros” (Pontes de Miranda, “Tratado das ações”, tomo VII, Campinas: Bookseller, 1999, p. 382).
197 Pontes de Miranda, “Tratado das ações”, tomo I, São Paulo: RT, 1970, p. 142 e, também, quando afirma categoricamente: “(...) não há qualquer sentença em que não haja elementos declarativo, constitutivo, condenatório, mandamental e executiva” (ob. cit., p. 127).
198 Essa última observação, aliás, é objeto de criticas procedentes, pois, como bem observa Barbosa Moreira, “impregnava a construção boa dose de artificialismo. Por exemplo: para demonstrar a presença de eficácia condenatória na sentença declarativa, apontava Pontes de Miranda a condenação ao pagamento das custas. Ora, tal condenação nem sempre tem cabimento: por exemplo, no processo perante os Juizados Especiais Cíveis, somente se condena o vencido em custas quando haja litigado de má-fé” (“Questões Velhas e Novas em Matéria de Classificação das Sentenças”, in “Temas de Direito Processual Civil” (Oitava Série), São Paulo: Saraiva, 2004, p.129).
199 Eduardo Talamini, “Tutelas mandamental e executiva lato sensu", in “Aspectos polêmicos da antecipação de tutela”, São Paulo: RT, 1997, p. 144; Pontes de Miranda, “Tratado das ações”, tomo I, São Paulo: RT, 1970, p. 117/130.
200 Pontes de Miranda, op. cit., p. 95.
73
de obra importante para individualização dos traços peculiares das sentenças
mandamentais.201
Eduardo Talamini, outro processualista que já se debruçou sobre o tema,
sugere uma classificação diversa ao reunir os provimentos condenatório,
executivo lato sensu e mandamental na categoria de provimentos de repercussão
física.202 Para ele, o que une esses provimentos judiciais e os distingue dos
demais é que eles impõem uma prestação de conduta pela parte sucumbente.
A classificação proposta por Talamini é útil e interessante, mas não há como
concordar inteiramente com ela, porquanto a execução se dá mediante atividade sub-
rogatória, prescindindo da colaboração “da parte sucumbente”. Ademais, não nos
parece adequado incluir o provimento condenatório entre aqueles de repercussão
física. A condenação é atividade intelectual, lógica, não se dá no plano da modificação
do mundo empírico e nem determina que essa modificação se realize. Ao condenar, o
juiz apenas declara a existência do direito e impõe a sanção – sem nenhuma
repercussão física imediata – e “exorta” o condenado ao adimplemento.
1.3. Classificação quaternária
A proposta de uma classificação das ações em quatro categorias distintas
surge a partir do exame feito por Ovídio Baptista da Silva acerca da doutrina de
Pontes de Miranda203, especialmente em relação à ação condenatória204.
201 Eduardo Talamini, “Tutelas mandamental e executiva lato sensu", in “Aspectos polêmicos da antecipação
de tutela”, São Paulo: RT, 1997, p. 138. 202 Idem, pp. 135/151. 203 Cfr. item 2.2.1, supra. 204 Sobre o tema, constitui leitura indispensável, o texto “A ação condenatória como categoria processual”, de
Ovídio Baptista da Silva (in “Da sentença liminar à nulidade da sentença”, Rio de Janeiro: Forense, 2002, pp. 233/251).
74
Segundo essa classificação, as ações são declaratórias, constitutivas,
executivas ou mandamentais. Parte-se da classificação quinária, porém a
divergência está na ação condenatória, cuja existência é negada por Ovídio
Baptista da Silva.
Pondo em relevo a distinção entre pretensão e ação, Ovídio anota que,
surpreendentemente, escapou a Pontes de Miranda que não há uma autêntica
ação condenatória.205 Exercer ação, conforme já mencionado206, é praticar
atividade que seja suficiente, por si só – sem a colaboração do devedor –, para
realizar a respectiva pretensão. Por outro lado, “‘exercer pretensão’ é praticar uma
conduta incapaz – sem a colaboração do devedor – de tornar concretamente
realizada ação”207.
No plano do direito material há ações declaratórias e constitutivas, mas não
existe uma ação condenatória. O autor, ao exercer essa espécie de ação, está
apenas exigindo o cumprimento da obrigação por parte do devedor – e isso,
efetivamente, é exercer pretensão condenatória208. “A verdadeira ação, neste
caso, é executiva ou, se quisermos, ‘condenatótório-executiva’”209.
Após a sentença condenatória não há ainda exercício de ação, porquanto a
satisfação da pretensão dependerá do cumprimento voluntário do condenado210.
205 “A contradição entre seu conceito de ação (de direito material) e a pretendida existência de uma ação
condenatória parece-nos tão óbvia que surpreende que ele não a tenha percebido” (“Curso de Processo Civil”, vol. 1, p. 172).
206 V. item 1, supra. 207 Ovídio Baptista da Silva, “Curso de Processo Civil”, vol. 1, 6a. ed., São Paulo: RT, 2002, p. 172. 208 Idem, pp. 171/173. 209 Ibidem, p. 174. 210 Fábio Cardoso Machado, “Jurisdição, condenação e tutela jurisdicional”, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2004, p. 172.
75
Assim, a ação condenatória “é realmente uma categoria criada pela ciência
processual”211, diferentemente das ações declaratórias e constitutivas, que não
são. Essas duas ações apenas prescindem de uma atividade executória
subseqüente à sentença.
Isso não significa, no entanto, que para Ovídio não exista uma sentença
condenatória. Ela existe como criação do direito processual. A nota conceitual que
caracteriza esse tipo de sentença, segundo Ovídio, é a “exigência do segundo
processo”212, em virtude da impotência dessa decisão para satisfazer a
pretensão213.
De acordo com essas premissas, conclui-se que “só será legítimo falar em
sentença condenatória enquanto subsistir esta característica formal, e para o fim
exclusivo de exprimir o fenômeno atualmente inexplicável, senão por razões
históricas desaparecidas, da dualidade de processos”214.
Convém notar que a ação de quem busca a “condenação” é voltada para o
pagamento, e não para um comportamento do condenado. Quer-se o dinheiro,
não o ato de pagar. A ação, diz Fábio Cardoso Machado, é portanto executiva,
assim como a sentença. “O fato de se fazer necessário um procedimento
subseqüente para eleger e expropriar os bens em que recairá a execução não
infirma a executividade da sentença a ponto de transformá-la em condenatória.215
211 Fábio Cardoso Machado, “Jurisdição, condenação e tutela jurisdicional”, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2004, p. 173. 212 “A ação condenatória como categoria processual”, in “Da sentença liminar à nulidade da sentença”,
Forense, Rio de Janeiro: 2002, p. 247. A exigência de “outro processo”, como se sabe, está relacionado à uma opção do legislador, conforme se pode observar nas recentes alterações introduzidas em nosso sistema processual (especialmente pelas Leis 10.444/02 e 11.232/05).
213 Apenas razões históricas e opções do legislador podem explicar a dualidade de processos, com a interposição, entre eles, da sentença condenatória.
214 Fábio Cardoso Machado, op. cit., p. 189. 215 Idem, p. 190.
76
Como se vê, ao contrário do que sustenta Ovídio, que sempre contrapôs as
execuções reais (sentença executiva) às execuções obrigacionais (sentença
condenatória), para Fábio Cardoso Machado não há razão para defender a
subsistência de uma categoria processual correspondente à sentença
condenatória.
A sentença condenatória tem, verdadeiramente, eficácia executiva. “O fato
de se fazer necessário um procedimento subseqüente para eleger e expropriar os
bens em que recairá a execução não infirma a executividade da sentença a ponto
de transformá-la em condenatória. O demandado não será exortado a cumprir
uma prestação, cujo inadimplemento posterior à sentença vá só então resultar
num outro processo de execução”216 Segundo Machado, a distinção possível está
na dose de eficácia executiva, que é maior nas execuções reais217.
2. Sobre os diversos conceitos de “execução”
Sabe-se que não há conceito legal de execução. Na doutrina, a falta de
esclarecimento acerca de qual sentido do termo é utilizado acaba gerando
divergências muitas vezes evitáveis.
O termo execução é equívoco. Amplamente, até mesmo o cumprimento de
uma obrigação pode ser considerado execução.
No âmbito processual, porém, o mais largo conceito de execução é aquele
que identifica essa atividade com qualquer alteração no mundo empírico
provocada por atividade jurisdicional. Segundo esse conceito, não só os
216 Fábio Cardoso Machado, “Jurisdição, condenação e tutela jurisdicional”, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2004, p. 190/191. 217 Idem, p. 184.
77
provimentos condenatórios seriam executados, como também o seriam os
provimentos mandamentais e até mesmo os cautelares.
Por sua vez, tomando-se por execução apenas a alteração no mundo
empírico, de cunho satisfativo, provocada pela atividade jurisdicional, exclui-se da
sua abrangência os provimentos cautelares, mas não os condenatórios e
mandamentais. Assim, se a chamada execução indireta218 é também execução,
não há como negar que as ações mandamentais teriam seus provimentos
executados.
Para as classificações quinária e quaternária, o conceito mais pertinente,
por outro lado, é aquele em que se reconhece que haverá propriamente execução
apenas quando forem realizadas atividades jurisdicionais de alteração no mundo
empírico com caráter de satisfatividade, mediante atividades sub-rogatórias que
transfiram valor existente no patrimônio de uma pessoa para outra. Um conceito
restrito, que limita execução às atividades sub-rogatórias de cunho satisfativo.
Os provimentos voltados para alteração dos fatos, ainda que satisfativos,
mas que se cumprem mediante imposição de ordem ao demandado, não são
considerados, estritamente, execução. Nesse sentido, seria incorreto falar-se em
execução nas ações mandamentais. Adotado o conceito restritivo de execução,
não se pode falar em execução do provimento mandamental.
Nas ações verdadeiramente cautelares – e não naquelas que apenas se
utilizam do procedimento previsto no Livro III do CPC mas não têm natureza
cautelar – não pode haver, por definição, atividade satisfativa. Não há de se
confundir segurança-da-execução com execução-para-segurança.
218 Isto é, a utilização de mecanismos de pressão psicológicos destinados a influir na vontade do demandado.
78
Se por execução pressupõe-se a retirada de um valor do patrimônio do
demandado para pô-lo no do demandante, consequentemente não há como falar
em executividade no processo cautelar, nem mesmo no arresto e no seqüestro.
Afora isso, nas cautelares, grande parte dos provimentos é de natureza
mandamental, e não executiva. Portanto, ainda que se adote o conceito mais
amplo de execução, é preciso tomar com reserva a afirmação de que existe
executividade lato sensu nas ações cautelares.
A doutrina mais tradicional defende que a verdadeira atividade executiva
pressupõe a realização do direito independentemente da vontade do demandado.
Em outros termos, “o caráter peculiar da execução consiste propriamente em
obter, sem o concurso da vontade do obrigado, a subordinação do seu interesse,
que corresponde ao adimplemento da obrigação“219.
Essa execução que ocorre sem a participação do executado é chamada
execução por sub-rogação. O Poder Judiciário, para efetivar a prestação devida,
prescinde da colaboração do executado. Afinal, o magistrado toma as
providências que deveriam ter sido tomadas pelo devedor, “sub-rogando-se na
sua posição. Há substituição da conduta do devedor por outra do Estado-juiz, que
gere a efetivação do direito do exeqüente”220.
Em resumo, são três, basicamente, os conceitos processuais de execução.
O primeiro, mais amplo, abrange toda e qualquer atividade jurisdicional voltada
para alteração no mundo empírico, seja ela de cunho satisfativo ou não221. Um
pouco menos abrangente é o conceito que restringe a execução apenas às
219 Francesco Carnelutti (apud Luiz Guilherme Marinoni, “Tutela específica”. 2a. ed. rev. São Paulo: RT,
2001, n. 2.2., p. 34). 220 Fredie Didier Jr., “Direito Processual Civil: Tutela jurisdicional individual e coletiva”, 5ª. ed., Salvador:
JusPODIVM, 2005, p. 207. 221 Equivale à tutela de repercussão física, vista no item “2.2.2”, supra.
79
atividades satisfativas, deixando de lado atividade de cunho eminentemente
cautelar222. E, finalmente, há o conceito restrito de execução, como atividade
jurisdicional em que o Estado retira bem do patrimônio do devedor e o coloca no
patrimônio do credor (execução por sub-rogação)223.
3. Executivas lato sensu: apenas uma questão de “estrutura
processual”?
Mas, enfim, o que caracteriza as executivas lato sensu é apenas e tão-
somente a reunião das atividades de cognição e alteração do mundo empírico na
mesma relação jurídica processual? Basta que essas duas atividades estejam
reunidas num processo para que se identifique a presença de ação executiva lato
sensu? Em outras palavras, a existência de uma ação executiva lato sensu está
sujeita aos desígnios do legislador?
A questão, como se vê, parte da análise de dois aspectos: (a) o meramente
estrutural (processo e procedimento) e (b) o da eficácia preponderante (força) do
provimento veiculado no processo (conteúdo, natureza jurídica).
Para Eduardo Talamini, apesar de a reunião de atividades cognitivas e
executivas numa mesma relação processual ser um dos pressupostos, a
caracterização das executivas lato sensu não se resume a isso.224
Ao tratar da monitória, referido autor esclarece que
222 É nesse sentido que se admite a distinção entre execução direta (sub-rogação) e execução indireta
(coerção). 223 Adotado esse conceito, a chamada “execução indireta” passa a ser tratada como uma das formas de
efetivação da decisão. 224 Eduardo Talamini, “Tutela monitória”, 2ª. ed. rev. e ampl., São Paulo: RT, 2001, p. 181.
80
“a simples junção na mesma relação processual da fase cognitiva
com uma fase executiva operada nos moldes do Livro II do Código
não basta para caracterizar o provimento principal proferido no
processo monitório como executivo lato sensu.” E conclui em
seguida: “portanto, a ‘ação monitória’ é condenatória, não
obstante instaure processo que reúna cognição e execução em
duas fases sucessivas”.225
Mais adiante se observa que Talamini esclarece que a nota essencial das
executivas lato sensu (além da reunião de atividade cognitiva e executiva numa
mesma relação processual) é a não submissão do juiz às “formas relativamente
fixas, descritas na estrutura procedimental do processo executivo”, pois a atuação
das executivas lato sensu “não se subordina a modelo rígido e preestabelecido”226.
Em crítica à orientação de Ovídio Baptista da Silva, Eduardo Talamini esclarece
que não se pode considerar como elemento identificador da eficácia executiva o fato
de o bem se destacar do patrimônio do demandado para ser colocado no patrimônio
do demandante, “mas sim o de determinar providencias de sujeitação
independentemente de novo processo com parâmetros rígidos e tipificados”227.
Justifica-se, portanto, o posicionamento adotado por Talamini no sentido da
inexistência de executiva lato sensu no procedimento monitório, porquanto “ele
não é, pura e simplesmente, processo de natureza executiva. Sua primeira fase
destina-se à obtenção de permissão para executar (o que a lei chamou de
‘constituição do título executivo’) e tem natureza cognitiva (...) não há, de início,
‘execução’, não se autorizam atos constritivos do patrimônio do réu desde logo
225 Eduardo Talamini, “Tutela monitória”, 2ª. ed. rev. e ampl., São Paulo: RT, 2001, p. 173. 226 Idem, p. 172. 227 Eduardo Talamini, “Tutela relativa ao deveres de fazer e de não fazer”, 2ª. ed. rev. at. e ampl., São Paulo:
RT, 2003, p. 196.
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(ressalvada a antecipação de tutela, quando a constrição ocorrerá precisamente
porque se adiantou a ordem normal dos atos)”.228
Não há, porém, como concordar com a idéia de se excluir a possibilidade
de existir ação executiva lato sensu quando a fase executiva está sujeita ao
modelo “rígido e preestabelecido”229. Conforme adverte Araken de Assis, “a ação
não nasce executiva tão só porque a lei processual estabelece um tratamento
privilegiado para entregar o bem da vida ao vitorioso”230.
Ademais, independentemente de qual tenha sido o modo de atuação das
executivas lato sensu imaginado por Talamini, o modelo para efetivação das
decisões não pode ignorar a aplicação do devido processo legal. Afinal, é
evidente que também nas pretensões executivas lato sensu vigora a garantia de
que não haverá incursão no patrimônio do demandado senão em conformidade
com o modelo legal (rígido ou não) previamente estabelecido.
Posicionamento diverso é o apresentado por José Miguel Garcia Medina,
visceralmente ligado à questão estrutural. Para ele, a distinção entre ação
condenatória e ação executiva lato sensu é “eminentemente procedimental, isto é,
bastaria a unificação das atividades cognitivas e executivas num único processo
para que se estivesse diante de uma ação executiva lato sensu”.231 232
Será, no entanto, que a mera previsão da possibilidade de se efetivar
provimentos “condenatórios” no bojo do processo de conhecimento (por exemplo
228 Eduardo Talamini, “Tutela monitória”, 2ª. ed. rev. e ampl., São Paulo: RT, 2001, p. 189. 229 Idem, p. 172. 230 Araken de Assis, “Teoria geral do processo de execução”, in “Processo de execução e assuntos afins – v.
1”, Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.), São Paulo: RT,1998, p. 39. 231 Diz Medina, coerentemente, que entre as executivas lato sensu encontra-se a monitória (“Execução civil –
teoria geral, princípios fundamentais”, 2ª. ed. rev. at. e ampl, São Paulo: RT, 2004, p. 225). 232 “Porquanto [a monitória] possibilita a realização de atos cognitivos e executivos na mesma relação
jurídico-processual” (“Execução civil – teoria geral, princípios fundamentais”, 2ª. ed. rev. at. e ampl, São Paulo: RT, 2004, p. 261, o trecho entre colchetes não consta no original).
82
mediante antecipação de tutela) acarreta a transformação dessas ações em
executivas lato sensu?
É importante não perder de vista que a classificação (ternária, quaternária
ou quinária) toma por base a eficácia preponderante da sentença de procedência
(rectius, do provimento final – sentença ou acórdão)233.
Algumas ações são executivas não em virtude da estrutura – que
normalmente decorre de política legislativa – mas em razão do seu conteúdo, e é
inegável que isso fica mais evidente nas execuções reais.
Conforme bem observa Araken de Assis, a ação executiva
“surge com tal força, em alguns casos, quando a própria sentença
já individualiza o bem a ser entregue ao autor, como acontece na
ação de despejo ou na ação reivindicatória, simplificando, na fase
subseqüente de seu cumprimento forçado, os atos executivos de
encontrá-la, tomá-la e entregá-la ao exeqüente”.234
As antecipações de tutela (arts. 273, I e 461 do CPC), sob o aspecto
meramente estrutural, se inserem como forma de alteração procedimental no
curso do processo sincrético (antecipando atos de efetivação dos provimentos).
Todavia, com base na idéia de eficácia preponderante do provimento exclui-se a
possibilidade de alteração da natureza jurídica da ação (de “condenatória” para
executiva lato sensu) apenas em virtude do deferimento da tutela antecipada.
A ação condenatória não nasce executiva. Uma opção legislativa de direito
processual (efetivação da sentença em processo distinto ou no mesmo processo)
não tem o condão de alterar a força da sentença. Assim, ao menos naquele
233 Cfr. Item “1.2”, supra. 234 Araken de Assis, “Cumulação de ações”. 4a. ed. rev e at., São Paulo: RT, 2002, p. 101.
83
sentido dado por Pontes de Miranda, não se pode falar em convolar uma ação em
outra apenas por alterações no seu procedimento. A direta realização do
resultado por determinação do magistrado (o que não ocorre nas ações
condenatórias) é atividade executiva (lato sensu)235.
4. Ações mandamentais e executivas lato sensu coincidências e
diversidades
Procurou-se evidenciar nos capítulos anteriores a afinidade existente entre
as ações mandamentais e executivas lato sensu236. Ambas inserem-se na classe
das tutelas de repercussão física, pois a atividade jurisdicional posterior à decisão
realiza-se na mesma relação processual e está voltada para alterações no mundo
empírico.
Nas executivas lato sensu e mandamentais, conhecimento e “execução”
(rectius: efetivação) acham-se entremeados no mesmo processo.237 A atuação
prática do comando sentencial (efetivação) se dá na mesma relação processual
em que foi proferida a decisão; não há “processo de execução” subseqüente, mas
apenas fase executiva ou fase de cumprimento.
O elemento comum às executivas lato sensu e mandamentais, portanto, é
a circunstância de existir, em ambas, alguma atividade posterior à sentença de
mérito, na mesma relação processual, como resposta jurisdicional a uma
pretensão inclusa na petição inicial.
235 Eduardo Talamini, “Tutela relativa ao deveres de fazer e de não fazer”, 2ª. ed. rev. at. e ampl., São Paulo:
RT, 2003, p. 236. A sentença condenatória, como visto anteriormente, caracteriza-se por sua “função processual”, ou seja, no dizer de Calamandrei, citado por Talamini, “define-se a condenação não tanto pelo que ela é, mas pelo que ela prepara” (ob. cit., p. 189).
236 V., especificamente, o item 2.2.2 supra. 237 Ovídio Baptista da Silva, “Curso de processo civil”, v. II, São Paulo: RT, 2002, pp. 24/25.
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Por outro lado, distinção entre provimento executivo lato sensu e o
mandamental acontece porque enquanto aquele “traz em sua parte dispositiva a
determinação de imediata atuação de meios de sujeição (sub-rogatórios), (...)”
este dirige ao devedor “ordem cuja inobservância caracteriza desobediência à
autoridade estatal e pode implicar a adoção de medidas coercitivas”.238
Na sentença mandamental, conforme diz Pontes de Miranda, “o ato do juiz
é junto, imediatamente, às palavras (verbos), -- o ato, por isso, é dito imediato.
Não é mediato, como o ato executivo do juiz a que a sentença condenatória alude
(anuncia); nem é incluso, como o ato do juiz na sentença constitutiva. Na
sentença mandamental, o juiz não constitui: ‘manda’”239.
Enquanto na execução há sub-rogação o juiz substitui a parte e realiza
aquilo que ela deveria ter feito espontaneamente – o magistrado, no dizer de
Pontes de Miranda, realiza “não o que devia ser feito pelo juiz como juiz, sim o
que a parte deveria ter feito” –, na ação mandamental há ordem (“ato que só o juiz
pode praticar, por sua estatalidade”), coagindo o destinatário à prática do ato.240
Em síntese, as executivas lato sensu e as mandamentais coincidem nos
seguintes pontos: a) provocam alterações no mundo empírico; b) possuem
cognição e efetivação numa mesma relação jurídica processual (não dependem
de “processo de execução” subseqüente).
Afastam-se, no entanto, porque: a) nas executivas lato sensu o Estado atua
substituindo o devedor (atos sub-rogatórios); na mandamental, o Estado atua
impondo ao devedor o cumprimento forçado (imperium), e isto se dá por meio de
238 Ovídio Baptista da Silva, “Curso de processo civil”, v. II, São Paulo: RT, 2002, pp. 24/25. 239 Pontes de Miranda, “Tratado das ações”, tomo I, São Paulo: RT, 1970, p. 211; “Comentários ao Código de
Processo Civil”, tomo V, 3ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 48. 240 Nesse sentido, v., por todos, João Batista Lopes, “Tutela antecipada no processo civil brasileiro”. São
Paulo: Saraiva, 2001, pp. 119/121.
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ordem dirigida ao devedor (na executiva há sub-rogação; na mandamental,
coerção); b) na execução há mandados no correr do processo, mas a solução
final é ato que poderia ter sido praticado pelo credor, não fosse o monopólio
estatal da jurisdição; na mandamental o juiz realiza o que somente ele, como
representante do Estado (estatalidade, imperium), pode realizar.
5. Execuções reais?
Ovídio Baptista da Silva limita as executivas lato sensu às execuções
reais241. É importante destacar, porém, que as ações reais e ações pessoais
(obrigacionais) não se distinguem porque derivam ou não de um direito real. A
ação é real, segundo Ovídio Baptista da Silva, quando por meio dela o autor
busca obter a coisa, e não o cumprimento de uma obrigação a que esteja sujeito
o demandado. Será ação pessoal quando fundada no direito das obrigações; há
um dever de prestar a que está vinculado o demandado242.
Para Ovídio Baptista da Silva as executivas lato sensu devem ser
chamadas simplesmente de ações executivas ou execuções reais. A execução
real, primitivamente, não fazia parte da jurisdição; já a execução obrigacional foi
produto de um estágio mais evoluído do fenômeno processual, por isso, se
pretendêssemos separá-las hoje, às obrigacionais é que caberia a classe das lato
sensu. A atividade jurisdicional de natureza executória é preenchida
completamente pelas ações executivas (lato sensu) e pelas ações de execução
(por crédito)243.
241 Ovídio Baptista da Silva, “Curso de Processo Civil”, vol. 2, 5a. ed., São Paulo: RT, 2002, p. 195. 242 Idem, p. 199. 243 Ibidem, p. 184.
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Pontes de Miranda identificava as executivas como ações cuja sentença
favorável “retira valor que está no patrimônio do demandado, ou dos
demandados, e põe-no no patrimônio do demandante. Pode ser pessoal ou
real”.244
É que, segundo o mestre das Alagoas,
“quem reivindica, em ação, pede que se apanhe e retire a coisa,
que está, contrariamente a direito, na esfera jurídica do
demandado, e se lha entregue. Nas ações de condenação e
executivas por créditos não se dá o mesmo: os bens estão na
esfera jurídica do demandado, acorde com o direito”245
Todavia, a limitação das executivas lato sensu às pretensões de natureza
real não se justifica. Conforme adverte Sérgio Muritiba, “não é simplesmente o
fato de haver uma relação real entre o autor da ação e a coisa litigiosa que faz ser
dispensada a prestação do réu”246.
Efetivamente, há uma relação muito intensa entre as ações reais e as
executivas lato sensu. Essa relação decorre do direito material, e da necessidade
de adequação da tutela. Pode-se dizer que toda ação real deve se traduzir numa
executiva lato sensu, mas nem toda executiva lato sensu tem por objeto uma
ação real.
Conforme esclarece Marinoni com precisão, “dizer que a ação real gera
uma sentença executiva não é afirmar que apenas esta ação pode dispensar o
244 E exemplifica: “A ação de despejo é pessoal; a ação executiva pignoratícia, a hipotecária, e as
possessórias são reais“ (Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, “Tratado das ações”, tomo I, São Paulo: RT, 1970, § 38, p. 212).
245 Idem, mesma página. 246 Sérgio Muritiba ,“Ação executiva lato sensu e ação mandamental”, São Paulo: RT, 2005, p. 166.
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processo de execução”247. A ação de despejo, que tem caráter obrigacional, e
portanto não se enquadra entre as ações reais, tem natureza executiva248.
Há que se distinguir, portanto, as hipóteses em que o próprio direito
material impõe a executividade da sentença, das hipóteses em que ela decorre do
direito processual. Uma ação necessariamente executiva, como a ação real, não
deve ser desfigurada pelo processo, com uma sentença condenatória.
Conclui, com acerto, Marinoni, ao afirmar que “a ação real é executiva em
razão do direito material, enquanto dar ação executiva ou condenatória ao direito
obrigacional é problema do direito processual.” 249
Portanto,
“o direito processual não pode deixar de conferir ação executiva à
ação real, mas pode dar ação condenatória ou executiva ao direito
obrigacional. No primeiro caso, a negação da ação executiva
implica na mutilação do direito material, ao passo que, na segunda
hipótese, a opção entre uma ou outra é problema de técnica
processual’250.
Assim, a repercussão no processo da distinção entre dever e obrigação,
entre execução real e obrigacional, limitando as executivas lato sensu apenas à
primeira, não se justifica. Conforme destacado por José Miguel Garcia Medina,
essa distinção somente seria possível se se admitisse que a ação condenatória
fosse idêntica à condemnatio do antigo direito romano251.
247 Luiz Guilherme Marinoni, “Técnica processual e tutela dos direitos”. São Paulo: RT, 2004, p. 500 (grifos
no original). 248 Veja-se, ainda, o cumprimento de sentença para obrigações de crédito, introduzido no Código de Processo
Civil pela Lei 11.232/05. 249 Luiz Guilherme Marinoni, op. cit., p. 495 (grifos no original). 250 Idem, p. 495 (grifos no original). 251 José Miguel Garcia Medina, “Execução civil – princípios fundamentais”, São Paulo: RT, 2002, p. 248.
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O processo civil atual volta-se para o sincretismo. A realização de atos
cognitivos e de repercussão física – executivos ou mandamentais – numa mesma
relação processual não depende exclusivamente da natureza do direito (se real
ou obrigacional). Deve-se dar ao demandante todas as formas possíveis para
obtenção do mesmo resultado que obteria caso o demandado cumprisse
voluntariamente a obrigação. Isso deve ser feito no menor tempo possível e
independentemente da natureza desse direito. A efetividade da tutela jurisdicional
não se harmoniza com limitações como a que pretende restringir a executiva lato
sensu às ações reais.
Como assevera Medina, “a natureza do direito a tutelar (posse ou
propriedade, direito real ou pessoal) não é, em princípio, relevante para os atos
executivos que se vão realizar”.252
O artificialismo fica evidente diante da observação de Humberto Theodoro
Jr., para quem a existência de argumentos elaborados para justificar a diferença
de tratamento processual em relação à tutela dos direitos reais e de crédito
“representa apenas uma tentativa de explicar o que existe no
sistema processual vigente, sem, contudo, evidenciar a
obrigatoriedade de que assim devesse ser, invariavelmente. (...)
Não há razão, no plano lógico, para continuar a considerar, nas
ações condenatórias, a força executória como diferida, se ações
especiais a execução pode ser admitida como parte integrante
essencial da própria ação originária”.253
Tanto o crédito inadimplido, como a posse esbulhada, são satisfeitos no
processo por meio da ação executiva, sendo possível conclui-se que “não há, seja
252 José Miguel Garcia Medina, “Execução civil – princípios fundamentais”, São Paulo: RT, 2002, p. 239. 253 Humberto Theodoro Jr., “A execução de sentença e a garantia do devido processo legal”, Rio de Janeiro:
AIDE, 1987, ns. 19 e 29.1, pp. 238 e 239.
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sob o prisma do direito processual, seja em decorrência do direito material,
oposição a que se tutelem também os direitos de crédito por meio da técnica das
ações executivas ‘lato sensu’”.254
Efetivamente foi esse o caminho adotado pelo legislador pátrio, que fundiu
numa única relação processual as atividades de conhecimento e alteração do
mundo empírico255.
Ademais, a executividade presente nas ações pessoais ditas condenatórias
não é infirmada pelo só fato de se fazer necessário um procedimento posterior à
sentença.256 O que se busca, efetivamente, não é a mera exortação do executado
a cumprir voluntariamente a obrigação, mas o pagamento. Portanto, a presença
de eficácia executiva nas ações pessoais não pode ser ignorada, nem
obscurecida por uma opção de política legislativa que, ademais, cada vez mais se
mostra menos presente em nosso ordenamento jurídico.
254 José Miguel Garcia Medina, “Execução civil – princípios fundamentais”, São Paulo: RT, 2002, p. 248. 255 Sobretudo após a edição das Leis 11.444/02 e 11.232/05. 256 Fábio Cardoso Machado, “Jurisdição, condenação e tutela jurisdicional”, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2004, p. 190/191.
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IV. ASPECTOS DO PROCEDIMENTO DAS EXECUTIVAS LATO SENSU
1. Aplicação dos princípios da execução aos processos sincréticos
Na doutrina não há consenso acerca de quais são os princípios
fundamentais do processo de execução. É bem ver, no entanto, que, embora com
certa variação – inclusive quanto à nomenclatura –, costuma-se indicar os
seguintes: princípio da autonomia257; princípio do título258; princípio da
realidade259; princípio do exato adimplemento260; princípio do menor sacrifício do
devedor261, princípio do contraditório262 e princípio da tipicidade das medidas
executivas263.
Tais princípios, no entanto, embora pensados inicialmente para o processo
de execução, têm, atualmente, maior abrangência. Observa José Miguel Garcia
Medina que “a doutrina trata, de modo geral, dos princípios do processo de
execução, e não da tutela jurisdicional executiva. Como visto retro, a tutela
jurisdicional executiva manifesta-se predominantemente no processo de
execução, mas não exclusivamente neste”264.
Na maioria dos casos as regras e princípios têm total aplicação a qualquer
atividade jurisdicional de repercussão no mundo empírico, seja ela satisfativa ou
257 O processo de execução constitui relação processual distinta daquela verificada nos processos cognitivo e
cautelar. 258 Resumido no brocardo “nulla executio sine titulo”, ou seja, somente poderá haver execução se existente
título executivo que lhe dê suporte. 259 É sobre o patrimônio do devedor, e não sobre a sua pessoa, que deve recair a execução. 260 A execução deve ser capaz de possibilitar ao credor o resultado igual ou mais próximo possível daquele
que obteria com o adimplemento voluntário do devedor. 261 Embora se faça em proveito do credor, podendo a execução ser realizada de várias formas, deverá ser
utilizada daquela menos onerosa para o devedor. 262 O executado tem direito a ser cientificado dos atos realizados no processo de execução, manifestar-se
sobre eles e se defender. 263 O executado somente poderá ter sua esfera jurídica afetada mediante a utilização de meios de execução
taxativamente previstos pela lei. O principio oposto é, naturalmente, o da atipicidade das medidas executivas.
264 “Execução civil – princípios fundamentais”, São Paulo: RT, 2002, p. 53.
91
não. Acompanhando a crescente mitigação do princípio da autonomia da
execução, deve-se buscar dar maior utilidade às disposições que estão previstas
na parte do Código reservada ao processo de execução, mas que na realidade
referem-se mais à atividade executiva do que ao processo de execução em si.
O problema da definição do que se entende por execução, já abordado
anteriormente265, repercute largamente. A falta de uniformidade implica a
utilização indiscriminada do termo para designar fenômenos distintos. Assim,
qualquer tomada de posição em relação à conceituação da execução reflete em
outras áreas.
De fato, uma vez entendida a execução como a atividade exclusivamente
sub-rogatória, a efetivação (cumprimento ou atuação) da decisão mandamental
não se sujeitaria aos princípios da tutela jurisdicional executiva, o que implicaria
admitir, em última análise, que ela não estaria sujeita, por exemplo, ao princípio
da menor onerosidade. Por outro lado, considerando-se a execução como toda
atividade que provoque alteração no mundo empírico, ter-se-ia que reconhecer a
existência de “execução” nas ações mandamentais e até mesmo nas cautelares.
Aliás, mesmo o cumprimento voluntário da obrigação é, muita vez, designado por
execução266, o que só vem a reforçar a evidente equivocidade inerente ao
vocábulo.
Daí a constante utilização, neste trabalho, da expressão tutela jurisdicional
de repercussão física como a mais apropriada para abarcar as atividades
jurisdicionais que se desenvolvem a fim de efetivar as decisões. Na maioria das
vezes, embora com abrangência maior, ela substitui com vantagens a expressão 265 Cfr. Item “2”, supra. 266 Conforme adverte Pontes de Miranda, esse seria o mais largo emprego do vocábulo execução, e, nesse
sentido, “executa o devedor sua obrigação” (“Tratado das ações”, tomo VII, Campinas: Bookseller, 1999, p. 38).
92
tutela jurisdicional executiva – que pode ser compreendida de forma mais
limitada, vinculando-se às atividades sub-rogatórias.
O conjunto dessas atividades, porém, requer tratamento principiológico
uniforme. O cumprimento de provimentos de repercussão física – sejam eles
mandamentais ou executivos, tenham cunho satisfativo ou acautelatório – produz
alterações no mundo empírico – e é isso que os une e justifica o tratamento
equivalente.
Como se viu anteriormente, ao lado da atividade jurisdicional cognitiva
encontra-se a atividade jurisdicional de repercussão física267. É justamente por
isso que surge a conveniência de se estabelecer princípios comuns a todas as
atividades que provoquem ou possam vir a provocar alteração no mundo
empírico, sejam elas de natureza satisfativa ou cautelar, cumpridas por meios
sub-rogatórios ou coercitivos. O traço que as une é a alteração fática, física, real,
empírica. São princípios que se relacionam à fase final dos processos sincréticos.
Por meio de interpretação sistemática, lógica e histórica é possível aplicar
aos processos sincréticos alguns dos princípios e disposições previstos
(originariamente) para o processo de execução.
Assim, reconhecido que pode haver atividade jurisdicional executiva – e, de
forma mais ampla, atividade de alteração no mundo empírico – fora do processo
de execução, é preciso investigar se aqueles princípios têm, todos eles, aplicação
restrita apenas ao processo de execução, ou se efetivamente referem-se à
atividade executiva propriamente dita. Melhor dizendo, é conveniente identificar
os princípios aplicáveis a todo e qualquer provimento jurisdicional que seja
cumprido mediante atividades de alteração do mundo empírico.
267 Cfr. Item “2.2.2”, supra.
93
Dentre os princípios acima arrolados, há alguns que conflitam com a
própria configuração das ações executivas lato sensu. Assim, não há como
aceitar como absoluto o princípio da autonomia e, ao mesmo tempo, reconhecer a
presença de executivas lato sensu, a qual pressupõe realização de atividades
cognitivas e executivas numa mesma relação jurídica processual268. Embora se
pudesse enxergar certa “mitigação” do princípio, são idéias que se contrapõem269.
Além disso, nem sempre é necessária a existência de título executivo para
que se inicie a fase executiva das executivas lato sensu. A aplicação do princípio
do título a essas ações não é absoluta. Deve-se reconhecer a eficácia executiva
imediata do provimento judicial, suficiente para realização de atos voltados para
alteração do mundo empírico.
É bem ver, no entanto, que a autonomia do processo de execução e o
princípio do título, apesar de possuírem estreita ligação, não são a mesma coisa. “A
existência ou inexistência do título não se relaciona, absolutamente, com a execução
in simultaneo processu ou não”270, trata-se, efetivamente, conforme enfatizados
outras vezes no decorrer do presente trabalho, de opção de política legislativa.
Por outro lado, há princípios que norteiam toda e qualquer atividade de
repercussão física; esses princípios são aplicáveis às executivas lato sensu (e
268 Daí a idéia de contraposição representada pelo “princípio do sincretismo entre cognição e execução”,
conforme sustentado por José Miguel Garcia Medina (“Execução civil – princípios fundamentais”, São Paulo: RT, 2002, p. 53 e passim).
269 São “‘princípios opostos’, que de mera exceção ganham a textura de princípios, a partir da influência que passam a ter no ordenamento jurídico” (José Miguel Garcia Medina, “Execução civil – princípios fundamentais”, São Paulo: RT, 2002, p. 58).
270 Araken de Assis, “Sentença Condenatória como Título Executivo”, in Aspectos polêmicos da nova execução de títulos judiciais, São Paulo: RT, 2006, p. 14.
94
também às mandamentais). Referimo-nos, basicamente, aos princípios que se
relacionam à limitação dos meios executivos e dos poderes do juiz271.
A fase executiva das executivas lato sensu deve ser capaz de possibilitar
ao credor resultado igual ou mais próximo possível daquele que obteria com o
adimplemento voluntário do devedor. Perfeitamente aplicável, portanto, o princípio
do exato adimplemento a essa categoria de ação.
Quanto ao princípio da tipicidade das medidas executivas, convém
observar que, antes das diversas reformas na legislação processual, tal princípio,
“queria dizer que as formas de execução eram apenas aquelas previstas e
determinadas no Livro II do Código de Processo Civil”, e que, além disso, “tinha
uma íntima relação com a necessidade de segurança jurídica, já que a necessária
tipificação das modalidades executivas garante que a esfera jurídica do réu não
será atingida senão através das formas executivas expressas na lei”.272
Esse princípio surge “à época do liberalismo clássico (...) a partir da
necessidade de segurança ou de garantida da liberdade”273 e tem estreita relação
com a sentença condenatória, cuja correlação necessária com a execução
sempre esteve relacionada àquelas garantias274.
Todavia, a tutela diferenciada repercute também no modo de efetivação
dos provimentos judiciais. O reconhecimento de que devem ser elaboradas
tutelas jurisdicionais compatíveis com as situações de direito substancial implica
271 José Miguel Garcia Medina divide em três grandes grupos os princípios da tutela jurisdicional executiva,
relativos: “(a) aos pressupostos básicos da execução; (b) à estrutura ou forma da execução e sua relação com a cognição; (c) aos poderes do juiz e sua limitação quanto aos meios executivos suscetíveis de serem utilizados, notadamente em relação à tutela das partes quanto a tais meios executivos” (“Execução civil – princípios fundamentais”, São Paulo: RT, 2002, p. 57).
272 Luiz Guilherme Marinoni, “Tutela inibitória (individual e coletiva)”. 2a. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 185. 273 Idem, “Técnica processual e tutela dos direitos”, São Paulo: RT, 2004, p. 41/43. 274 “(...) o conceito de condenação, estabelecido a partir de sua correlação com os meios de execução
tipificados na lei, tem origem na necessidade de garantia de liberdade do cidadão” (Luiz Guilherme Marinoni, “Técnica processual e tutela dos direitos”, São Paulo: RT, 2004, p. 44).
95
que seja abandonada a tipicidade das formas executivas. Conforme afirma
Marinoni, “é possível dizer que o legislador da ‘reforma’ renunciou à ‘segurança
jurídica’ em nome da necessidade de maior plasticidade da tutela jurisdicional e,
assim, de maior efetividade da tutela dos direitos”275.
Em outro extremo encontra-se a ausência de modelo predefinido a ser
observado, ou seja, o princípio da concentração dos poderes de execução do juiz276
(ou da atipicidade das medidas executivas277). Afinal, “o juiz, na fase executiva, tem a
possibilidade de determinar as medidas necessárias para que seja obtida a tutela
específica da obrigação ou um resultado prático equivalente”278. Essa noção está
contida na regra segundo a qual o juiz pode determinar a “medida necessária”,
conforme expressamente prevê o §5º. do art. 461 do Código de Processo Civil.
Os arts. 273, 461 e 461-A do Código de Processo Civil
“demonstram a superação do princípio da tipicidade, deixando
claro que, para o processo tutelar de forma efetiva as várias
situações de direito substancial, é indispensável não apenas
procedimentos e sentenças diferenciados, mas também que o juiz
tenha amplo poder para determinar a modalidade executiva
adequada ao caso concreto”279 280.
275 Luiz Guilherme Marinoni, “Tutela inibitória (individual e coletiva)”. 2a. ed. São Paulo: RT, 2000, p.
186/187. Por “reforma” o autor está se referindo à Lei 8.952/94, especialmente em relação ao art. 461 do CPC (alteração do cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer).
276 Idem, “Tutela inibitória (individual e coletiva)”. 2a. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 187. 277 José Miguel Garcia Medina, “Execução civil – princípios fundamentais”, São Paulo: RT, 2002, p. 298. 278 Luiz Guilherme Marinoni, op. cit., p. 187. 279 Idem, “O Controle do poder executivo do juiz”, disponível em http://www. professormarinoni.com.br
/admin/users/22.pdf, acesso em 10/3/2006. 280 Em se tratando de antecipação de tutela de soma em dinheiro, Luiz Guilherme Marinoni, é enfático ao
admitir a possibilidade da utilização de outros meios executivos, além da sub-rogação: “é errado supor que o juiz deva aplicar as modalidades executivas que servem à tradicional ‘execução de quantia certa’, apenas porque não foi expressamente prevista medida executiva adequada, como a multa. Diante dessa hipótese, basta ao juiz justificar a necessidade dessa técnica executiva, aludindo à situação carente de tutela, para que então a multa possa ser aplicada com base no direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva”(“Técnica processual e tutela dos direitos”, São Paulo: RT, 2004, p. 235; grifos do original).
96
Por outro lado, o princípio da atipicidade das medidas executivas não pode
ser analisado isoladamente – como, de resto, nenhum princípio poderia. Uma das
suas limitações é exigência da menor onerosidade, positivada no art. 620 do
Código de Processo Civil, que não deixa de ser reflexo do princípio constitucional
da proporcionalidade, o qual deflui “do próprio conceito-mãe do Estado
Democrático de Direito” .281
O juiz, na determinação da modalidade executiva, “deve estar atendo ao
princípio da necessidade, ou à denominada proibição de excesso. A proibição de
excesso, como já foi dito, por remeter às idéias de ‘equilíbrio’ e de ‘justa medida’,
visa a evitar que o direito do autor seja tutelado mediante a imposição de
conseqüências ‘desmedidas’ ao demandado”282.
O princípio da proporcionalidade orienta todo o sistema e “não deve ser visto
apenas como um direito fundamental, mas também como o ideal central do moderno
direito processual”283. Conforme bem observa Gisele Góes, é “inquestionável a
inclusão do princípio da proporcionalidade no processo de execução”284
Segundo José Miguel Garcia Medina, “no direito brasileiro, há manifestação
dos dois princípios ora analisados [tipicidade e atipicidade das medidas
executivas], bem como à execução para entrega de coisa, prepondera o princípio
da tipicidade das medidas executivas. Diversamente, a partir da entrada em vigor
do art. 84 do CDC e, depois, com a modificação da redação do art. 461 do CPC,
281 Gisele Santos Fernandes Góes, “Principio da proporcionalidade no processo civil”, São Paulo: Saraiva,
2004, p. 77. 282 Luiz Guilherme Marinoni, “Técnica processual e tutela dos direitos”, São Paulo: RT, 2004, p. 188. 283 Cândido Rangel Dinamarco, “Instituições de direito processual civil”, v. 1, São Paulo: Malheiros, 2001, p. 115. 284 Gisele Santos Fernandes Góes, op. cit., p. 134.
97
deu-se ensejo à instituição do princípio da atipicidade das medidas executivas em
relação às obrigações de fazer ou não fazer”285 286
2. Possibilidade de intercâmbio entre medidas de execução direta e
indireta
Como visto no item precedente, ao juiz deve-se franquear a possibilidade
de utilizar a medida mais adequada e efetiva à obtenção da tutela, fornecendo-lhe
mecanismos para atingir o resultado determinado no provimento jurisdicional.
O processo, como cediço, jamais deve ser visto como um fim em si
mesmo. A visão contemporânea que se tem do processo é no sentido de
considerá-lo sempre em relação ao direito material287 nele veiculado. Justamente
por isso, e para que seja possível tratar adequadamente as situações que
envolvem as tutelas de repercussão física, é preciso conferir ao juiz maior
flexibilidade na adoção de medidas de efetivação dos provimentos judiciais.
O sistema processual, voltado a dar concretude aos escopos da jurisdição
– e especificamente levando-se em conta o escopo social –, deve possuir meios
(i.e., instrumentos) aptos a tutelar eficazmente o suposto direito daquele que
provoca o Poder Judiciário e lhe pede amparo.
285 José Miguel Garcia Medina, “Execução civil – princípios fundamentais”, São Paulo: RT, 2002, pp.
303/304 (o trecho entre colchetes não consta do original). 286 Saliente-se, ainda, que após a entrada em vigor da Lei 11.232/05, a utilização subsidiária à fase de
cumprimento da sentença das normas (princípios e regras) que regem o processo de execução de título extrajudicial decorre de expressa previsão legal (art. 475-R do CPC).
287 Na verdade, em termos mais precisos, a relação jurídica objeto do processo normalmente é de direito material. Casos há em que o processo tem por objeto norma de direito processual, como se dá, p. ex., na ação rescisória. Conforme pertinente observação de Pontes de Miranda, “é mediante o processo que o Estado consegue realizar o direito objetivo, inclusive (o que é de relevância notar-se) o direito processual mesmo” (“Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo I, 5a. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 36 – sem destaque no original).
98
A autonomia do direito processual não pode ser confundida com
indiferença em relação ao direito material Existe interdependência entre os dois
ramos do Direito. Afinal, “o fato de o processo civil ser autônomo em relação ao
direito material não significa que ele possa ser neutro ou indiferente às variadas
situações de direito substancial”288.
Os meios de efetivação das decisões que implicam repercussão física podem
ser agrupados em duas grandes classes: a sub-rogatória (que abrange atividades de
expropriação, desapossamento e transformação) e a coercitiva (imposição de multa
e ameaça de prisão).289 A execução que se utiliza de meios sub-rogatórios é
denominada direta, ao passo que aquela que se utiliza da coerção (ou de um prêmio)
para influir na vontade do executado é chamada indireta.
A execução indireta tem sido cada vez mais utilizada para se obter o
cumprimento dos provimentos judiciais. Trata-se de aplicação de instrumentos
processuais consistentes em medidas de indução a fim de se obter o
adimplemento de obrigações ou, de um modo geral, a satisfação de um direito
subjetivo (de crédito ou não).
O importante é reconhecer que não há relação absoluta entre a natureza
jurídica de um bem (em sentido amplo) e o meio executório. Como adverte
Araken de Assis, as obrigações de fazer fungíveis ”tanto admitem execução
“direta”, através de terceiro e às expensas do executado (art. 634 do CPC),
quanto autorizam a “indireta”, a pressão psicológica do pagamento de multa
extremamente gravosa (art. 644)”.290
288 Luiz Guilherme Marinoni, “Técnica processual e tutela dos direitos”, São Paulo: RT, 2004, p. 55. 289 Araken de Assis, “Da execução de alimentos e prisão do devedor”, 5ª. ed. rev. e atual. São Paulo : RT,
2001, p. 73-74. 290Idem, p. 72.
99
A multa pecuniária diária ou com outra periodicidade (astreinte), atuando
sobre a vontade do devedor, é forma de execução indireta porquanto o compele
(psicologicamente) ao adimplemento, sancionando a recalcitrância com a
imposição de multa.
Além da imposição de multa, a execução indireta pode ser realizada por
meio da coerção pessoal. No direito brasileiro há apenas duas hipóteses
constitucionais em que a prisão civil por dívida é admissível: inadimplemento
voluntário e inescusável de obrigação alimentar e depositário infiel (art. 5º., LXVII,
da Constituição Federal de 1988).
Em razão da efetividade alcançada pela execução indireta, a doutrina,
conforme visto anteriormente, chega a preconizar a imposição de multa como
meio coercitivo até mesmo para obter o cumprimento de decisão interlocutória
concessiva de antecipação do pagamento de soma em dinheiro291. Todavia, essa
forma de execução “só tem sentido em relação ao devedor que possui patrimônio
suficiente para responder ao crédito”.292 293
Convém mencionar, ainda, o comtempt of court, presente no sistema da
comon law e tido por muitos como solução para os problemas do descumprimento
de ordem judiciais – e, conseqüentemente, da efetividade da tutela jurisdicional. O
291 V. nota n. 280, supra. 292 Luiz Guilherme Marinoni, “A antecipação da tutela”, 6a. ed. rev. e ampl., São Paulo: Malheiros,2001, p.
194. 293 Em sentido contrário, v. Araken de Assis, para quem a aplicação da pena pecuniária é mais difícil de ser
admitida na execução de prestação pecuniária “em virtude da remissão do art. 273, § 3º., aos parágrafos 4º. e 5º., do art. 461, porque a cominação não se mostra compatível com a obrigação, conforme exige o sobredito § 4º.” (“Da execução de alimentos e prisão do devedor”, 5ª. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2001, p. 73) Todavia, “o fato de o art. 273, §3º, sinalizar para o art. 588, não quer dizer que a execução da tutela antecipatória de soma somente possa ser feita através das regras da execução por expropriação, mas sim que a tutela antecipatória de soma executada mediante expropriação deve observar o inciso II e o §2º do art. 588. Entender que a execução dessa tutela antecipatória deve ser feita de acordo com as normas relativas ao processo de execução de quantia certa, realizando-se por meio de expropriação, é desconsiderar as situações de direito material que tal tutela visa a amparar e negar a própria urgência que a legitima.” (Luiz Guilherme Marinoni, “O Controle do Poder Executivo do Juiz”, disponível em http://www.professormarinoni.com.br. Acesso em 10/3/2006, p. 15)
100
comtempt of court, que apenas pelo costume poderia ser traduzido por
desacato294, consiste na “ofensa ao órgão judiciário ou à pessoa do juiz, que
recebeu o poder de julgar do povo, comportando-se a parte conforme suas
conveniências, sem respeitar a ordem emanada da autoridade judicial”.295
No direito brasileiro, a Lei 8.953/94, ao modificar o art. 601 do CPC, prevendo a
aplicação da pena de multa ao devedor recalcitrante, contemplou uma pena pelo
desacato, à semelhança daquela do contempt of court sob a forma definitiva.296
Com a edição da Lei 10.358, de 27 de dezembro de 2001, pode-se dizer
que ocorreu a generalização da sanção pelo contempt of court na redação dada
ao art. 14, V, e parágrafo único. Isso fica claro na exposição de motivos do
anteprojeto de lei que posteriormente foi convertido na supracitada lei, onde se lê:
“o inciso V, que o Anteprojeto acrescenta, bem como o parágrafo único, visam
estabelecer explicitamente o dever de cumprimento dos provimentos
mandamentais, e o dever de tolerar a efetivação de quaisquer provimentos
judiciais, antecipatórios ou finais, com a instituição de sanção pecuniária a ser
imposta ao responsável pelo ato atentatório ao exercício da jurisdição, como
atividade estatal inerente ao Estado de Direito. Em suma: repressão ao contempt
of court, na linguagem do direito anglo–americano”.297
Pois bem, à idéia de atipicidade dos meios executivos, soma-se a
grande afinidade das tutelas executiva lato sensu e mandamental. Os pontos
em comum entre essas tutelas permitiram que abalizado processualista
294 Não obstante o termo não retrate a exata acepção do vocábulo tal como utilizado no direito anglo-saxão.
Nesse sentido, v. Araken de Assis, “O contempt of court no direito brasileiro”, in Revista de Processo n. 111, São Paulo: RT, 2003, p. 20.
295 Araken de Assis, “O contempt of court no direito brasileiro”, in Revista de Processo n. 111, São Paulo: RT, 2003, p. 20.
296 Idem, mesma página. 297 Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, Exposição de Motivos do Anteprojeto
convertido na Lei 10.358, de 27 de dezembro de 2001.
101
advogasse a substituição da nomenclatura “execução por sub-rogação” e
“execução indireta”, a fim de colocar em relevo a estreita relação entre elas:
“embora já esteja consagrada, a terminologia merece reparos: o melhor seria:
a) ação executiva lato sensu por coerção direta; b) ação executiva lato sensu
por coerção indireta”298.
Enfim, a fase de efetivação (ou fase executiva) de um processo
sincrético visa a alterar a realidade física para adequá-la ao comando contido
na sentença. Apesar da distinção teórica entre as ações mandamentais e
executivas lato sensu, suas semelhanças são profundas e justificam o
intercâmbio dos meios de efetivação tradicionalmente ligados a cada uma
dessas ações, já que ambas integram a ampla categoria da tutela de
repercussão física299.
A utilização de meios sub-rogatórios muitas vezes não é suficiente, ou
mesmo adequado, para que se consiga entregar ao credor o bem objeto da ação.
Nesse caso, principalmente diante do direito fundamental à tutela jurisdicional
efetiva, não há restrição para que sejam utilizadas medidas coercitivas, influindo
na vontade do devedor300.
298 Fredie Didier Jr., “Direito Processual Civil: Tutela jurisdicional individual e coletiva”, 5ª. Ed., Salvador:
JusPODIVM, 2005, p. 209. 299 Cfr. Item “2.2.2”, supra. 300 Segundo Marinoni, até mesmo a prisão pode ser admitida como meio de influir na vontade do devedor de
alimentos (lato sensu): “(...) os alimentos não têm fonte apenas no direito de família, mas também no ato ilícito. Isso quer dizer que a prisão pode ser utilizada, como meio de coerção, quando o juiz entende que o autor precisa imediatamente de alimentos indenizativos. Ora, se a tutela antecipatória é concedida porque se supõe que o autor necessita da soma, não admitir a sua execução por intermédio da prisão, apenas pela razão de que os alimentos não se fundam em direito de família, é negar a evidência de que o jurisdicionado tem o direito à execução tempestiva da tutela antecipatória.” (“O Controle do Poder Executivo do Juiz”, disponível em http://www.professormarinoni.com.br. Acesso em 10/3/2006, p. 19).
102
O emprego de medidas tradicionalmente relacionadas às mandamentais
não implica alteração da natureza da demanda301. Trata-se, apenas, de mais um
meio de cumprimento da decisão previsto em lei e que pode ser adotado para o
cumprimento da sentença de uma ação executiva lato sensu.
Embora a sentença seja dotada de executividade imediata, autorizando o
uso de medidas sub-rogatórias, pode ocorrer o insucesso, por exemplo, da busca
e apreensão do bem. Em casos assim, não há impedimento – o contrário, o direito
fundamental à tutela jurisdicional efetiva autoriza – para que se permita a
utilização de mecanismos de pressão sobre a vontade do demandado, forçando-o
a entregar o bem (coerção indireta). A idéia segundo a qual só se deve utilizar a
multa (ou outro mecanismo de coerção indireta) quando for impossível a
realização do direito sem a colaboração do demandado encontra-se superada302.
O uso da multa nos casos em que a obrigação pode ser cumprida por
terceiro, conforme afirma Marinoni, tem por objetivo “eliminar os tortuosos
percursos do processo civil voltado à execução por sub-rogação, ou, mais
precisamente, tem por meta eliminar as suas complicações, e, especialmente, o
seu custo e a sua demora”303.
301 “Os provimentos mandamentais concedidos pelo juiz no curso da ação não desnaturam a natureza
executiva lato sensu desta, porquanto aqueles provimentos participam desta ação como medidas coercitivas, não servindo para atribuir a esta demanda natureza mandamental”. (José Miguel Garcia Medina, “Execução civil: princípios fundamentais”, São Paulo: RT, 2002, p. 255).
302 Nesse sentido, v. Luiz Guilherme Marinoni, “Técnica processual e tutela dos direitos”, São Paulo: RT, 2004, p. 517. Além disso, não se pode olvidar dos custos, muitas vezes elevados, da busca e apreensão, e “conferir a efetiva obtenção da coisa àquele que teve o seu direito reconhecido pela sentença apenas mediante o pagamento de determinado valor é subordinar o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional ao desembolso de dinheiro ou, ainda, subordinar tal direito à boa vontade do réu” (Luiz Guilherme Marinoni, “Técnica processual e tutela dos direitos”, São Paulo: RT, 2004, p. 255).
303 Luiz Guilherme Marinoni, “Técnica processual e tutela dos direitos”, São Paulo: RT, 2004, p. 500.
103
3. Convolação da executiva lato sensu em ação de execução comum
Como já afirmado, o Código de Processo Civil de 1973 foi elaborado e
estruturado segundo a classificação ternária das ações e dos provimentos
jurisdicionais, o que se constata na própria sistematização da matéria nos Livros I,
II e III. Assim, o Código foi pensado de forma a garantir e reforçar a autonomia do
processo de execução frente o processo de conhecimento. Atividades cognitiva e
executiva foram alocadas em processos distintos e sucessivos.
Atualmente, todavia, a autonomia do processo de execução tem sido
infirmada cada vez mais, como se pode constatar pelas alterações ocorridas no
Código de Processo Civil 304.
Além disso, foram identificados procedimentos em que as atividades
cognitiva e executiva encontram-se reunidas numa mesma relação processual,
constituindo ações executivas lato sensu, como é o caso da imissão na posse305 e
do despejo306.
Acompanhando a crescente mitigação do princípio da autonomia, não se
afigura adequado impedir a aplicação de disposições que estão previstas no
processo de execução aos processos sincréticos apenas porque estão
localizadas na parte do Código destinada ao processo de execução. A
interpretação sistemática e histórica do Código de Processo Civil vem em socorro
daqueles que reconhecem a tendência do processo civil contemporâneo ao
estabelecimento de um processo sincrético.
304 Especialmente com a introdução da antecipação de tutela genérica (arts. 273 e 461 do CPC) e o
cumprimento da sentença (Lei 11.232/05). Conforme mencionado anteriormente, José Miguel Garcia Medina sustenta, mesmo antes do fim do processo de execução autônomo para cumprimento da sentença, a existência de um principio contraposto ao da autonomia, o princípio do sincretismo entre cognição e execução (“Execução civil – Princípios fundamentais”, São Paulo: RT, 2002, p. 216).
305 Pontes de Miranda, “Tratado das ações”, tomo VII, Campinas: Bookseller, 1999, p. 208. 306 Idem, p. 212.
104
O sincretismo não se resume apenas ao amálgama de atividades
cognitivas e executivas numa mesma relação processual. O sincretismo deve ser
compreendido como a realização prática e efetiva da tutela jurisdicional (em
qualquer de suas modalidades) numa mesma relação processual. A tendência,
como visto anteriormente, é a coexistência de atividades cognitivas e de
repercussão física, tenham elas natureza cautelar ou satisfativa, numa mesma
relação jurídica processual.
Essa mudança começou, como já se disse, com a criação da antecipação
de tutela genérica, mas continua a ocorrer. Isso se verifica, por exemplo, pela
introdução explicita, e também genérica, da tutela cautelar no bojo do “processo
de conhecimento” (§ 7o. do art. 273) e da nova sistemática para execução de
títulos judiciais (“cumprimento da sentença” - Lei 11.232/05).
Essas manifestações e conseqüências do sincretismo não podem ser
afastadas, a priori, afigurando-se como alternativas efetivas ao credor.
Assim, tratando-se de execução real e havendo necessidade de
transformá-la em execução por crédito, convertendo a obrigação em perdas e
danos (como no caso de perecimento da coisa com responsabilidade do
possuidor réu307), fica autorizada a alteração do procedimento para o da execução
por quantia certa, inclusive com a possibilidade de se fazer a liquidação
intercalada, caso necessário.
Insiste-se uma vez mais na necessidade de se examinar as executivas lato
sensu com o objetivo de lhes extrair o maior proveito possível para a tutela
jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva.
307 V., a respeito, embora sem expressar claramente opinião favorável a alteração do procedimento, a posição
de Pontes de Miranda (“Tratado das ações”, tomo VII, Campinas: Bookseller, 1999, p. 158).
105
Além disso, não sendo encontrado o bem objeto da execução, justifica-se,
por exemplo, a aplicação do art. 794, III, do Código de Processo Civil, mediante
interpretação extensiva, permitindo assim a suspensão do processo a
requerimento do credor.
4. A defesa nas executivas lato sensu
Ao réu de uma ação executiva lato sensu deve-se garantir a possibilidade
do exercício de defesa, inclusive na fase executiva. Trata-se de determinação
prevista na Constituição Federal (art. 5º., inc. LV), cuja redação não excepciona
nenhum processo ou procedimento308. Conforme afirma Barbosa Moreira,
“constituiria rematado absurdo negar-lhe a possibilidade de reagir, seja qual for o
caminho que para tanto se abra”309.
A semelhança da fase executiva (ou de efetivação) das executivas lato
sensu com o processo de execução permite que se estabeleça a divisão, para fins
didáticos, das formas de defesa tal como se dá naquele processo.
De um modo geral, as defesas podem ser sistematizadas em duas
categorias, conforme realizadas no próprio processo em que são praticados os
atos de efetivação ou em processo distinto. As primeiras constituem as chamadas
defesas endoprocessuais, como o incidente de não-executividade310. Quando
realizadas em processo autônomo (extraprocessuais, portanto), as defesas
podem se dar de forma incidental (como é o caso dos embargos de executado) ou 308 Convém observar que referido dispositivo refere-se não apenas à defesa, mas à defesa ampla, e tal
circunstância não pode ser negligenciada no momento de se franquear ao demandado a oportunidade de se opor aos atos de efetivação das decisões. A respeito, v. item seguinte.
309 José Carlos Barbosa Moreira, “Sentença executiva?”, in Revista de Processo n. 114, São Paulo: RT, 2004, P. 155.
310 Sobre a divergência doutrinária acerca da expressão que melhor designa essa modalidade de defesa, v. item “4.2”, infra.
106
mediante ajuizamento de ações autônomas prejudiciais, também designadas
defesas heterotópicas 311.
São, portanto, três as categorias em que se podem classificar as formas
de defesas: endoprocessuais (incidente de não-executividade e, mais
recentemente, impugnação), incidentais (embargos do executado, embargos
de segunda fase, embargos de retenção) e heterotópicas (ações autônomas
prejudiciais)312.
Nas executivas lato sensu não se exclui, a priori, qualquer das formas de
defesa. Cabe, porém, ao legislador infraconstitucional a tarefa de estabelecer
limites ao exercício da defesa, sempre considerando, no mínimo, as
particularidades do direito material e o direito à tutela efetiva, por um lado, e a
necessidade de garantia de defesa, por outro.
4.1. Constitucionalidade do direito ao contraditório e à defesa ampla
Atualmente é inegável que a previsão de contraditório alcança também o
processo de execução313. Trata-se, afinal, de imposição constitucional,
segundo a qual se deve assegurar a todos os litigantes em processo judicial o
311 Sandro Gilbert Martins, “A defesa do executado por meio de ações autônomas: defesa heterotópica”, São
Paulo: RT, 2002, p. 101-105 e passim; Rosalina P.C Rodrigues Pereira, “Ações Prejudiciais à Execução”, São Paulo: Saraiva, 2001, passim.
312 Cf., com ligeiras alterações, Sandro Gilbert Martins, “A defesa do executado por meio de ações autônomas: defesa heterotópica”, São Paulo: RT, 2002, p. 80/81.
313 Nesse sentido, v., por todos, Cândido Rangel Dinamarco, “Execução civil”, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 206; e Nelson Nery Jr., “Princípios do processo civil na Constituição Federal”, 4a. ed., São Paulo: RT, 1997, p. 124 e seguintes..
107
direito à ampla defesa e ao contraditório (Constituição Federal, art. 5o., inc.
LV)314.
A peculiaridade do contraditório no processo de execução, segundo muitos,
é que ele não poderia ter a mesma intensidade daquele exercido no processo de
conhecimento. Isso porque, ao contrário do que se dá neste processo, na
execução o demandante é detentor de um título executivo (judicial ou
extrajudicial), ao qual a lei atribuiu eficácia executiva, militando em seu favor a
presunção de que tem direito ao crédito.
Todavia, a restrição do contraditório na execução dependeria da existência,
na lei, de alguma limitação à informação ou à reação aos atos executivos. Porém,
“como não existe qualquer restrição, não há por que se referir a um contraditório
eventual, parcial ou atenuado”.315
O mesmo se aplica à fase de cumprimento da sentença nas executivas lato
sensu, não obstante se saiba que o contraditório é exercido desde antes, já na
fase cognitiva, principalmente por meio da contestação.
Afirma, com propriedade, Barbosa Moreira que
“para os casos de efetivação da norma sentencial independente
de processo executivo nos moldes originários do Livro II, não se
poderá deixar, à evidência, de abrir ao vencido alguma via
314 A Constituição Federal de 1969, porém, não tinha regra semelhante, limitando-se a garantir o
contraditório somente para o processo penal (art. 153, § 16), porém a doutrina manifestava-se pela aplicação do princípio também ao processo civil e ao administrativo (nesse sentido, v. Nelson Nery Jr., “Princípios do processo civil na Constituição Federal”, 4a. ed., São Paulo: RT, 1997, p. 124 e nota 216).
315 Sandro Gilberto Martins, “A defesa do executado por meio de ações autônomas – defesa heterotópica”, São Paulo: RT, 2002, p. 57.
108
análoga; que se lhe chama de ‘embargos’ ou se opte por dar-lhe
outra denominação é ponto, a nosso ver, secundário.”316
O exercício do contraditório, contudo, encontra limite no direito do
demandante à satisfação de seu crédito, não se admitindo, em regra, medidas
defensivas que inviabilizem a possibilidade de recebimento do crédito. Além disso,
em se tratando de cumprimento de sentença judicial, o contraditório não poderá
atingir a própria existência do crédito, pois milita a favor do credor a abstração do
título e, principalmente, a imutabilidade decorrente da coisa julgada material.317
A própria existência de uma ação incidental de natureza mista (embargos
de executado) constitui forma de limitação do exercício indiscriminado do
contraditório no bojo do processo de execução. Ela permite que as defesas do
executado sejam alocadas em incidente apartado, reservando o processo de
execução, precipuamente, para os atos que digam respeito à atividade executiva.
Por outro lado, é importante reforçar que a abolição do processo de
execução autônomo para cumprimento da sentença longe está de abalar a
garantia constitucional do contraditório. Diversas ações executivas, conforme afirma
Humberto Theodoro Júnior, “seguem milenarmente o padrão unitário (acertamento
e execução numa só ação e num único procedimento318) sem que jamais se
316 José Carlos Barbosa Moreira, “Sentença executiva?”, in Revista de Processo n. 114, São Paulo: RT, 2004,
P. 156. 317 Cuja existência acarreta também a chamada “imutabilidade panprocessual”, terminologia proposta por
Rendeti e utilizada, entre nós, por Machado Guimarães ("Preclusão, coisa julgada, efeito preclusivo", in “Estudos de Direito Processual Civil”, Rio de Janeiro - S. Paulo, 1969, págs. 15, 32), Barbosa Moreira (“A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil brasileiro”, in Temas de Direito Processual, 2a. ed., São Paulo: Saraiva, 1988, p. 99) e Donaldo Armelin, “Tutela jurisdicional diferenciada”, in Revista de Processo n. 65, São Paulo: RT, 1992, p. 47.
318 Apenas no tocante ao termo “procedimento”, manifestam-se em sentido diverso, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, ao sustentarem acertadamente, que a reunião das atividades de cognição e execução se dá no mesmo processo. Vão além, afirmando que para início das atividades executivas, conforme dispõe o art. 475-J, faz-se necessária a apresentação de petição inicial, e que são duas ações: a de conhecimento (que inaugura a primeira fase do processo) e a de execução (que inicia a fase executiva). ("Código de Processo Civil Comentado e legislação processual em vigor", 9ª . ed. São Paulo: RT, 2006).
109
tivesse erguido voz alguma para qualificá-las como violadoras da garantia do
contraditório e ampla defesa.”319
4.2. Defesa endoprocessual
A necessidade de garantia do juízo, que muitas vezes mostra-se
excessivamente dificultosa, levou à criação, na prática, de uma defesa no curso
do processo de execução. Essa modalidade de defesa é objeto de diversas
controvérsias, a começar pelo nome.
Por não estar disciplinada em lei, essa defesa não encontrou na doutrina
um nome único; há mais de dez expressões que são utilizadas para designá-la:
“exceção de pré-executividade”320, “objeção de pré-executividade”321 322,
“exceção pré-processual”, “exceção processual”323, “oposição pré-
processual”324, “objeção” ou “objeção na execução”325, “incidente de pré-
executividade”326, “objeção de não-executividade”327 328. Embora a discussão
319 Humberto Theodoro Jr., “Curso de Direito Processual Civil”, vol. II, 39ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 16. 320 Araken de Assis, “Manual do processo de execução”. 5a. ed. rev e at., São Paulo: RT,1999, p. 428. “Direito
processual civil brasileiro”, vol. 3, 12ª. ed. at., São Paulo: Saraiva, 1997, p. 52. Alberto Camiña Moreira, “Defesa sem embargos do executado – exceção de pré-executividade”, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 34.
321 Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, "Código de Processo Civil Comentado e legislação processual em vigor", 9ª . ed. São Paulo: RT, 2006, p. 1.184. Arruda Alvim, “Manual de direito processual civil”, vol. 2, 6a. ed., São Paulo: RT, 1997, p. 5. Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Rodrigues Wambier, Sobre a objeção de pré-executividade”, in: Teresa Arruda Alvim Wambier et. al. “Processo de execução e assuntos afins”. São Paulo: RT, 1998, p. 412. Eduardo Arruda Alvim, “Exceção de Pré-Executividade”, in: “Processo de Execução e assuntos afins”, vol. 2, Sérgio Shimura; Teresa Arruda Alvim Wambier. (coord.). São Paulo: RT, 2001, p. 215.
322 Será “exceção” ou “objeção de pré-executividade” conforme a matéria alegada (Sérgio Shimura, “Título Executivo”, São Paulo: Saraiva, 1997, p. 70).
323 Pontes de Miranda, ”Dez anos de pareceres”, p. 130 (apud Rita Dias Nolasco, “Exceção de pré-executividade”, São Paulo: Método, 2003, p. 188).
324 Galeno Lacerda e José Frederico Marques (cfr. Carlos Renato de Azevedo Ferreira, “Exceção de pré-executividade”, in Revista dos Tribunais, vol. 657, São Paulo: RT, 1990, p. 243).
325 Paulo Henrique dos Santos Lucon, “Objeção na execução (objeção e exceção de pré-executividade)”, in “Processo de Execução e assuntos afins”, vol. 2, Sérgio Shimura; Teresa Arruda Alvim Wambier. (coord.). São Paulo: RT, 2001, p. 572.
326 Olavo de Oliveira Neto, “A defesa do executado e dos terceiros na execução forçada”, São Paulo: RT, 2000, p. 118. 327 José Carlos Barbosa Moreira, “Exceção de pré-executividade: uma denominação infeliz”, in “Temas de Direito
Processual” (Sétima Série), São Paulo: Saraiva, 2001, pp. 119/122. 328 Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, Projeto de Lei 4.497/2004, referente ao Livro II do CPC.
110
terminológica seja relevante329, para os fins do presente trabalho seria excessivo
analisar cada um dos termos, bastando verificar que é o mais relevante é o conteúdo
dessa forma de defesa, e não o apelido330. Adota-se, no presente trabalho, a
expressão “incidente de não-executividade”331.
Pois bem. Nas executivas lato sensu deve ser admitida a apresentação
dessa modalidade de defesa endoprocessual
Esse incidente, no entanto, tem aplicação restrita, sendo que parcela
significativa da doutrina entende que somente poderão ser nele veiculadas as
chamadas objeções processuais, matérias de ordem pública que o juiz poderia
conhecer ex officio. Segundo outro entendimento, o incidente de não-executividade
somente seria admissível se a matéria nele veiculada (objeção ou exceção
processual) pudesse ser provada de plano pelo réu, sem a necessidade de dilação
probatória, pois o que importa “é que o juiz possa fazer cognição exauriente sobre
a matéria objeto do incidente”332.
Parece-nos que um sistema processual efetivo (e a efetividade também
interessa ao réu) deve permitir a apresentação de quaisquer defesas ao
demandado, desde que não obstruam o curso do processo. É de se admitir,
portanto, tanto objeções como exceções processuais, desde que sua prova possa
ser realizada de plano.
329 A respeito, convém sempre lembra a precisa e bem humorada lição de José Carlos Barbosa Moreira “Está claro
que o ponto não interessará a quem não dê importância à terminologia – a quem suponha, digamos, que em geometria tanto faz chamar triangulo ou pentágono ao polígono de três lados, e que em anatomia dá na mesma atribuir ao fígado a denominação própria ou a de cérebro... Mas – digamos com franqueza – tampouco interessará muito o que esses pensem ou deixem de pensar” (“Exceção de pré-executividade: uma denominação infeliz”, in “Temas de Direito Processual” (Sétima Série), São Paulo: Saraiva, 2001, p. 121)
330 Como diz Camiña Moreira, “o apelido na defesa é irrelevante; vale o nela contido” (“Defesa sem embargos do executado – exceção de pré-executividade”, São Paulo: Saraiva, 2001, nota 146, p. 42).
331 Que tem ao menos a virtude de escapar das críticas de Barbosa Moreira, citadas anteriormente (cfr. “Exceção de pré-executividade: uma denominação infeliz”, in “Temas de Direito Processual” (Sétima Série), São Paulo: Saraiva, 2001, p. 119/121).
332 Olavo de Oliveira Neto, “A defesa do executado e dos terceiros na execução forçada”, São Paulo: RT, 2000, p. 117/118.
111
Assim, o incidente de não-executividade pode ser conceituado como
incidente processual defensivo apresentado em processo de execução ou na
fase executiva dos processos sincréticos333, visando obstar total ou
parcialmente o prosseguimento do processo mediante a veiculação de
matérias que não demandem dilação probatória.
De todo modo, é fora de dúvida que há situações em que o incidente não é
capaz de assegurar a defesa do demandado na sua plenitude.
Além do incidente de não-executividade, é preciso assegurar outro tipo de
defesa, capaz de veicular as pretensões que demandem dilação probatória. Um
tipo de defesa que atende a essa finalidade é a heterotópica, ou seja, ações
autônomas e prejudiciais às executivas.334
333 Para Camiña Moreira, nas executivas lato sensu não haveria “exceção de pré-executividade”, mas de
“simples petição”, “petitio simplex”, pois a exceção, segundo esse autor, “pressupõe processo de execução” (“Defesa sem embargos do executado – exceção de pré-executividade”, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 144). Parece-nos que não há aí distinção alguma, pois a forma de apresentação do incidente de não-executividade é, justamente, “simples petição”.
334 No entanto, “isso não significa que o sistema processual esteja negando ao executado o direito de se defender, nesses casos. Com efeito, não se pode descartar que, na prática de atividades executivas de sentença relativas a obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa, haja excessos ou impropriedades ou outras das hipóteses elencadas no art. 741 do CPC. Se não se assegurasse ao demandado o direito de se opor a tais medidas, estar-se-ia operando ofensa ao princípio constitucional da ampla defesa (CF, art. 5º, LV). Ao contrário de negar o direito de se defender, o atual sistema o facilita. É que, inexistindo ação autônoma de execução, a defesa do devedor pode ser promovida e operacionalizada como mero incidente do processo, dispensada a propositura da ação de embargos. Bastará, para tanto, simples petição, no âmbito da própria relação processual em que for determinada a medida executiva. Terá o devedor, ademais, a faculdade de utilizar as vias recursais ordinárias, notadamente a do agravo, quando for o caso. Quanto à matéria suscetível de invocação, seus limites são os mesmos estabelecidos para os embargos à execução fundada em título judicial, de que trata o já referido art. 741 do CPC, aí incluída a hipótese de inexigibilidade do título, prevista no parágrafo único. É inevitável e imperioso, no particular, que, nos termos do art. 644 do CPC, haja aplicação subsidiária desse dispositivo às ações executivas lato sensu” ( STJ, Resp 738.424, 1ª T, julgado em 19.05.2005, relator para o acórdão Min. Teori Albino Zavascki).
112
4.3. Defesa heterotópica
Heterotópico é o que apresenta heterotopia, ou seja, é aquilo cujo
posicionamento ou localização é diverso da normal ou habitual335. Segundo
Pontes de Miranda, “diz-se heterotópica a regra jurídica que, sendo da natureza e
classe A, está incluída em lei ou outro instrumento jurídico em que só deveriam
achar-se regras jurídicas da natureza e classe B. Exemplo: regra de direito
processual que se inseriu no Código Civil, ou vice-versa”336.
Para se entender a defesa heterotópica é necessário, antes, entender o
conceito de prejudicialidade no âmbito do direito processual. Ensina Sandro
Gilbert Martins que a prejudicialidade consiste num vínculo lógico – e não apenas
cronológico – entre dois julgamentos, sendo certo que “não há prejudicial jurídica
que não seja antes prejudicial lógica, mas o inverso não é verdadeiro”337. O autor
acrescenta, ainda, um segundo elemento, de ordem técnica ou jurídica,
consistente na idoneidade da questão prejudicial poder ser objeto (em abstrato)
de processo autônomo338.
A questão prejudicial se caracteriza, portanto, conforme esclarece Antonio
Scarance Fernandes, “por ser um antecedente lógico e necessário da questão
prejudicada, cuja solução condiciona o teor do julgamento da questão
335 Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, versão 1.0, dezembro de 2001, Editora Objetiva. A
utilização da expressão defesa heterotópica, no sentido de designar genericamente as ações autônomas intentadas pelo executado com a finalidade de obter a extinção da execução ou sua adequação aos limites da obrigação executada deve-se a Sandro Guilbert Matins (“A defesa do executado por meio de ações autônomas – defesa heterotópica”, São Paulo: RT, 2002, p. 104-105 e passim).
336 Francisco Cavalcanti Pontes Miranda, “Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo I, 5a. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 35.
337 Sandro Gilbert Martins, “A defesa do executado por meio de ações autônomas – defesa heterotópica”, São Paulo: RT, 2002, p. 110.
338 “A defesa do executado por meio de ações autônomas – defesa heterotópica”, São Paulo: RT, 2002, p. 110.
113
subordinada, trazendo ainda consigo a possibilidade de se constituir em objeto de
processo autônomo”339.
A prejudicialidade é fenômeno processual. Ela se manifesta no processo
como forma de conexão, e pode ser classificada em: (i) total (prejudicial que
condiciona integralmente o mérito) ou parcial; (ii) interna (se solucionada no
mesmo processo em que é resolvida a prejudicada) ou externa; (iii) homogênea
(quando a prejudicial pertence ao mesmo ramo de direito da prejudicada ou, se de
ramo diverso, está dentro da mesma jurisdição) ou heterogênea; (iv) em sentido
positivo (quando a existência da relação prejudicial é condição da existência da
subordinada) ou em sentido negativo (quando a existência da subordinada
depende da inexistência da prejudicial)340.
Diferenciam-se questão prévia, prejudicial e preliminar. Denomina-se prévia
toda questão que deva ser resolvida, lógica e necessariamente, antes do
julgamento final da causa, ela é gênero do qual as demais são espécies.
Preliminares são as questões que, resolvidas antes da questão subseqüente,
tornam dispensável ou impossível a solução desta.
Finalmente, prejudicias são aquelas questões que condicionam o conteúdo,
o teor da decisão subseqüente, predeterminando o sentido em que há de ser
resolvida. Conseqüência disso é que se houver julgamento positivo quanto à
preliminar, o juiz não terá de analisar a questão subseqüente; seja qual for o
julgamento da prejudicial (positivo ou negativo), o juiz terá de analisar a questão
339 Antonio Scarance Fernandes “Prejudicialidade”, São Paulo: RT, 1988 (apud Sandro Gilbert Martins, “A
defesa do executado por meio de ações autônomas – defesa heterotópica”, São Paulo: RT, 2002, nota 23, p. 111).
340 Sandro Gilbert Martins, “A defesa do executado por meio de ações autônomas – defesa heterotópica”, São Paulo: RT, 2002, pp. 113-114.
114
prejudicada, cuja solução sofrerá influência do que antes foi determinado341.
Segundo Thereza Alvim, prejudicial tanto pode se referir ao mérito da causa, às
condições da ação, como igualmente aos pressupostos processuais342.
Os embargos de executado e as ações autônomas cujo resultado podem
influenciar na execução são ações prejudiciais (ou defesas prejudiciais) à execução.
Os embargos de executado, todavia, não são, por assim dizer, heterotópicos, pois
estão inseridos no Livro II do Código de Processo Civil como forma “normal” de
defesa do executado. É por essa razão que Sandro Gilbert Martins prefere qualificar
as ações autônomas prejudiciais de defesa heterotópica, e não de defesa prejudicial,
já que nesta está incluída também a defesa realizada por meio dos embargos343.
Pode-se afirmar, portanto, que prejudicial heterotópica é a questão cuja
solução deve, por razões lógicas, ser decidida previamente a outra, que sofrerá
sua influência, mas que se encontra fora dos meios (ou tópicos) normais. As
ações autônomas cuja solução deva ser dada antes da satisfação do credor, por
serem capazes de influenciar seu resultado, podem ser consideradas prejudiciais
heterotópicas em relação à executiva lato sensu.
Existe um vínculo de subordinação lógica entre as questões debatidas na
ação autônoma e o processo de onde emanam os provimentos de repercussão
física. “Enquanto visa a execução satisfazer o direito do exeqüente, busca o
executado, via a ação autônoma, declarar inexistente ou desconstituir a relação
jurídica de direito material constante do título que serve à execução, estando,
341 Sandro Gilbert Martins, “A defesa do executado por meio de ações autônomas – defesa heterotópica”, São
Paulo: RT, 2002, pp. 114-115. 342 Thereza Alvim, “Questões prévias e os limites objetivos da coisa julgada”, São Paulo: RT, 1977, p. 88.
Segundo Thereza Alvim, prescrição não é preliminar, nem prejudicial, é mérito (ob. e loc. cit.). 343 Sandro Gilbert Martins, op. cit., p. 105.
115
assim, plenamente caracterizado que a ação autônoma é prejudicial à execução,
como são os próprios embargos”.344
Os efeitos que as ações prejudiciais são capazes de produzir nas
executivas lato sensu relacionam-se ao momento em que são ajuizadas. Assim,
uma ação desse tipo tanto pode obstar o início da fase executiva das ações
executivas lato sensu (prejudicial antecedente inibitória), como pode paralisar as
atividades executivas (prejudicial suspensiva).345
4.4. Defesa incidental
A defesa incidental se realiza mediante embargos de executado (embargos
à execução), equivocadamente denominados no Código de Processo Civil como
“embargos de devedor” 346, e embargos de retenção.
Os embargos de executado têm, formalmente, natureza jurídica de ação
incidental e conteúdo (isto é, substancialmente) de defesa.347 A doutrina
amplamente majoritária considera que os embargos possuem natureza jurídica de
ação, mas não se pode deixar de mencionar a posição de Haroldo Pabst348 e,
344 Sandro Gilbert Martins, “A defesa do executado por meio de ações autônomas – defesa heterotópica”, São
Paulo: RT, 2002, n. 41, p. 264. 345 Nesse sentido, em relação ao processo de execução, Sandro Gilbert Martins, op. cit., p. 264. 346 Nem sempre o embargante é, efetivamente, devedor (como se dá, p. ex., quando os embargos são julgados
procedentes e é reconhecido que o crédito exeqüendo inexistia); todavia, opta-se por manter a nomenclatura, feita a ressalva, pela sua presença em nosso direito positivo.
347 Arruda Alvim, “Manual de direito processual civil”, v. 1, 6a. ed., São Paulo: RT, 1997, p. 347; Sandro Gilbert Martins, “A defesa do executado por meio de ações autônomas – defesa heterotópica”, São Paulo: RT, 2002, p. 95; Vallisney de Souza Oliveira, “Embargos à execução fiscal”, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 83.
348 Haroldo Pabst, “Natureza jurídica dos embargos do devedor”, São Paulo: RT, 1986, p. 137.
116
mais recentemente, de Alberto Camiña Moreira349, que sustentam terem os
embargos do executado a natureza jurídica de contestação350.
Eles constituem, portanto, ação de conhecimento, na qual é veiculada a
defesa daquele que sofre a execução, seja ela referente a matérias processuais
ou substanciais. A natureza da ação de embargos é bastante discutida na
doutrina, mas, pelas peculiaridades que apresenta, não há como preestabelecer
que ela possui natureza meramente declaratória ou constitutiva. A natureza da
ação de embargos à execução pode ser meramente declaratória ou constitutiva,
tudo depende da defesa nela veiculada – e, portanto, da pretensão, do pedido
que é formulado pelo embargante.
Convém recordar a posição de Ovídio Baptista da Silva, para quem “se nos
embargos alegar o autor nulidade da citação no processo de conhecimento,
haverá sem dúvida eficácia preponderantemente mandamental, a que se seguirão
eficácias desconstitutivas do título executório e declarativa de ineficácia da
sentença condenatória”351.
A legitimidade ativa nos embargos à execução é tanto daquele que figura
como executado como daquele que efetivamente tem ou que pode vir a ter seu
patrimônio afetado pela execução. Todavia, há quem sustente posição diversa.
Sobre a legitimidade ativa para oposição de embargos há, basicamente, duas
posições: a) apenas o executado (aquele que se encontra no pólo passivo da
demanda executiva) pode opor embargos; b) a legitimidade se afere não em
349 Alberto Camiña Moreira, “Defesa sem embargos do executado – exceção de pré-executividade”, São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 13. 350 Trata-se, no entanto, de posição que não tem praticamente nenhuma acolhida na doutrina nacional,
verdadeiramente “iconoclasta”, como destacado por Donaldo Armelin em prefácio à obra de Alberto Camiña Moreira (“Defesa sem embargos do executado – exceção de pré-executividade”, São Paulo: Saraiva,2001, p. 6).
351 Ovídio Baptista da Silva, “Curso de Processo Civil”, vol. 2, 5a. ed., São Paulo: RT, 2002, p. 159.
117
razão da posição ocupada na execução, mas em virtude de ter o patrimônio
afetado pela execução.352
O responsável secundário, malgrado o dissenso doutrinário, tem
legitimidade para opor-se à execução por meio de embargos “de devedor”. Negar
ao terceiro responsável essa possibilidade é, muitas vezes, negar-lhe o direito de
se defender eficazmente, pois os embargos de terceiro não se prestam à
discussão acerca da existência da dívida ou da validade do processo de
execução. Os embargos de terceiro têm por finalidade apenas possibilitar que
terceiro injustamente atingido por ato de apreensão de bens possa livrá-los da
execução, e não é cerebrina a hipótese de o responsável secundário não querer
discutir o ato de constrição judicial, mas a própria dívida, a higidez do título
executivo ou a validade do processo de execução.
O caso do proprietário que adquire imóvel hipotecado, exemplo típico de
responsável executivo secundário, é esclarecedor. Admitindo-se que ele não
tenha legitimidade para embargar a execução, “teríamos dificuldade em
considerá-lo ‘terceiro’, para embargar a constrição judicial incidente sobre bem de
sua propriedade, de que resultaria a concepção de um processo jurisdicional sem
demandado!”353. Também o cônjuge do executado tem legitimidade para opor
embargos à execução para discutir o crédito e a validade da relação processual
executiva, podendo, além disso, opor embargos de terceiro com a finalidade de
352 Araken de Assis, “Manual do processo de execução”. 5a. ed. rev. e at., São Paulo: RT, 1998, p. 255; Luiz
Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini, “Curso avançado de processo civil”, vol. 2, 3a. ed., São Paulo: RT, p. 314; Ovídio Baptista da Silva, “Curso de Processo Civil”, v. 2, 5a. ed., São Paulo: RT, 2000, n. 19.6, p. 163.
353 Ovídio Baptista da Silva, “Curso de Processo Civil”, vol. 2, 5a. ed., São Paulo: RT, 2002, pp. 161-162.
118
defender sua meação ou bens reservados indevidamente atingidos pela
penhora354.
Até o advento da Lei 11.232/05, alterando a forma de cumprimento das
sentenças, a maior divergência doutrinária no tocante à defesa nas executivas
lato sensu residia na possibilidade de utilização, ou não, dos embargos de
executado para veicular a defesa do demandado. Como nas ações executivas
lato sensu não há incoação de novo processo para se efetivar a sentença – e o
mesmo se aplica à antecipação de tutela –, a possibilidade da utilização da
defesa prevista para o processo de execução acabava por gerar grandes
discussões355.
A doutrina costuma justificar a exclusão da possibilidade de o devedor opor
embargos nas executivas lato sensu basicamente por duas razões. Ao tratar da
ação de despejo, Ovídio Baptista da Silva afasta o cabimento dos embargos de
executado por não ser essa ação (despejo), no plano do direito material, uma
ação condenatória356. Eis, portanto, o primeiro fundamento doutrinário: somente
seriam cabíveis embargos nas execuções decorrentes de provimentos
condenatórios. Como as executivas lato sensu são consideradas execuções reais
– ao menos esse é o entendimento de Ovídio Baptista da Silva –, a elas não
poderiam ser opostos embargos de executado. 354 Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini, “Curso avançado de
processo civil”, vol. 2, 3a. ed., São Paulo: RT, p. 314; Ovídio Baptista da Silva, “Curso de Processo Civil”, v. 2, 5a. ed., São Paulo: RT, 2000, p. 314.
355 A jurisprudência inclina-se para a rejeição da possibilidade de embargos à execução nas ações executivas lato sensu: “Os embargos do devedor constituem instrumento processual típico de oposição à execução forçada promovida por ação autônoma (CPC, art. 736 do CPC). Sendo assim, só cabem embargos de devedor nas ações de execução processadas na forma disciplinada no Livro II do Código de Processo. No atual regime do CPC, em se tratando de obrigações de prestação pessoal (fazer ou não fazer) ou de entrega de coisa, as sentenças correspondentes são executivas lato sensu, a significar que o seu cumprimento se opera na própria relação processual original, nos termos dos artigos 461 e 461-A do CPC. Afasta-se, nesses casos, o cabimento de ação autônoma de execução, bem como, conseqüentemente, de oposição do devedor por ação de embargos.” (STJ, REsp 721808/DF, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 01.09.2005, DJ 19.09.2005 p. 212).
356 Ovídio Baptista da Silva “Curso de Processo Civil”, vol. 2, 5a. ed., São Paulo: RT, 2002, p. 332.
119
A distinção entre uma ação executiva e as execuções por crédito,
segundo Ovídio Baptista da Silva, está em que, nestas, a controvérsia sobre o
mérito da própria ação executória destacou-se para ser veiculado em ação
autônoma incidental, denominada embargos do executado””357.
Nas ações executivas, segundo Ovídio Baptista da Silva, derivadas de uma
pretensão real,
“a atividade executória convive com a função cognitiva, na mesma
relação processual, de modo que a matéria que nas execuções
por crédito, daria substância aos embargos deve ser suscitada
como contestação. Dir-se-ia, para reproduzir os pressupostos
teóricos que definem os embargos opostos à execução por
crédito, como “oposição de mérito” à pretensão executória, que,
nas ações executivas, derivadas de uma pretensão real, essa
oposição de mérito faz parte da demanda de conhecimento, não
tendo aquela autonomia que o direito processual lhe atribui na
primeira hipótese, em virtude da qual a execução por créditos
esvazia-se de cognição.”358
Na realidade, o maior empecilho não estava nos embargos em si, mas no
efeito suspensivo decorrente da sua admissão. Todavia, não se pode esquecer
que a suspensão da execução, como afirma Barbosa Moreira, “está longe de ser
essencial à caracterização dos embargos (...) A questão é, pois, de política
legislativa, e a oscilante preferência do legislador por um ou por outro regime não
autoriza ilações de maior envergadura”359.
A razão de existência dos embargos de executado não pode ser
esquecida. Admitida a autonomia da execução, com a separação da atividade
357 Ovídio Baptista da Silva, “Curso de Processo Civil”, vol. 2, 5a. ed., São Paulo: RT, 2002, p. 332. 358 Idem. 359 José Carlos Barbosa Moreira, “Sentença executiva?”, in Revista de Processo n. 114, São Paulo: RT, 2004, p. 156.
120
exclusivamente cognitiva do âmbito do processo de execução, os embargos
seriam o meio idôneo para o devedor exercer plenamente seu direito de defesa. A
cognição no processo de execução é considerada restrita (sumária ou “rarefeita”)
no plano vertical. A relação entre cognição e processo de execução repercute,
segundo parcela da doutrina, na admissibilidade da defesa pelos embargos, pois
“sendo somente compatível, dentro da execução, um juízo de probabilidade,
deste não pode fazer surgir a imutabilidade própria à coisa julgada material”360.
Portanto, a oposição de embargos de executado deve ter cabimento
restrito nas executivas lato sensu, limitando-se aos casos em que a execução se
dá antes da realização de cognição plena e exauriente, notadamente nos casos
de antecipação de tutela.
A hipótese de efetivação da antecipação de tutela merece atenção
especial361. Como se sabe, a antecipação de tutela funda-se em decisão
provisória, proferida mediante cognição sumária.
A antecipação de tutela normalmente constitui manifestação de uma tutela
de urgência, assim entendida a tutela jurisdicional concedida mediante cognição
superficial e de forma temporária ou provisória, destinada a assegurar o resultado
360 Sandro Gilbert Martins, “A defesa do executado por meio de ações autônomas – defesa heterotópica”, São
Paulo: RT, 2002, p. 50. 361 Saliente-se que a doutrina, de um modo geral, afirma que a antecipação de tutela se aplica “a qualquer
processo” Cf. José Roberto dos Santos Bedaque, “Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumária e de urgência (tentativa de sistematização)”, 2a. ed. rev. e ampl., São Paulo: Malheiros Editores,2001, pp. 291/292; Teori Albino Zavascki, “Antecipação da tutela”, 3a. ed. rev. e ampl., São Paulo: Saraiva,2000, p. 70; No sentido de que a tutela antecipada aplica-se apenas ao processo de conhecimento, João Batista Lopes, “Tutela antecipada no processo civil brasileiro”, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 91 e Cândido Rangel Dinamarco, “A Reforma do Código de Processo Civil”, 5a. ed. rev., ampl. e atual., São Paulo: Malheiros,2001, pp. 140/142. Inadmitindo expressamente a antecipação da tutela no processo de execução: Rodolfo de Camargo Mancuso, “Tutela antecipada: uma interpretação do art. 273 do CPC”, in Reforma do Código de Processo Civil, Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord), São Paulo: Saraiva, 1996, pp. 184-185 e Ernani Fidélis dos Santos, “Novos perfis do processo civil brasileiro”, Belo Horizonte:Del Rey,1996, p. 35. Expressamente admitindo a antecipação de tutela no processo de execução: Marcelo Lima Guerra, “Antecipação de tutela no processo executivo”, in Revista de Processo n. 87, São Paulo: RT,1997, pp. 22/31.
121
prático de outro processo ou a satisfazer antecipadamente a pretensão do titular
do alegado direito material.362.
Sendo assim, pelas características da antecipação de tutela, conforme
observa de Araken de Assis, “é absurdo negar ao executado, na execução
provisória, as garantias que possui na execução definitiva”363.
Advirta-se que a simples possibilidade se requerer a revogação ou
modificação da decisão antecipatória não é suficiente. Pressupondo-se que o
processamento da execução da tutela antecipada não tenha se dado em autos
próprios, o requerimento serviria para: a) controverter eventuais mudanças no
estado de fato; b) influir no convencimento do magistrado após nova reflexão e
exame de provas apresentadas pelo réu; e, ainda, c) apresentar questões
passíveis de conhecimento ex officio (pressupostos e condições da pretensão de
executar). Todavia, como ficaria a impugnação acerca, por exemplo, do excesso
de execução, prevista nos arts. 741, V e 743, I, do CPC?364
Se o provimento antecipatório for ilíquido e o autor fornecer planilha, deve-
se permitir ao executado impugnar o quantum debeatur e, se for o caso, produzir
prova técnica. E isso é incompatível com o prosseguimento da ação de
conhecimento (art. 273, § 5o.), além de não se ajustar aos moldes do incidente de
não-executividade, e poderia ser resolvida mais facilmente, não sendo o caso de
ajuizar-se ação autônoma apenas com essa finalidade.
Negar meios de reação ao executado contra execução injusta ou abusiva,
“transferindo-os, vagamente, ‘para depois’ é particularmente ofensivo à cláusula
362 Fica claro, portanto, que no gênero tutela de urgência estão compreendidas tutelas de natureza cautelar e
satisfativa. 363 Araken de Assim, “Execução da tutela antecipada”, in “Processo de execução e assuntos afins – v. 2”.
SHIMURA, Sérgio; e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.), São Paulo: RT, 2001, p. 73. 364 Idem, mesma página.
122
do procedural due process. (...) Assim como também é ofensivo subsumir os
meios de reação do executado à possibilidade de requerer a revogação ou
modificação do pronunciamento”.365
Convém observar que a execução do provimento antecipatório poderá
atingir, segundo entendimento manifestado por parcela considerável da doutrina,
a efetiva entrega do dinheiro penhorado ou do produto da arrematação ao autor.
Todas essas situações demonstram que no sistema anterior à Lei 11.232/05,
tem razão Araken de Assis ao afirmar que “só os embargos servem ao justo propósito
do executado”366, ao menos em relação à efetivação da antecipação de tutela em
ações que têm por objeto o pagamento de prestações pecuniárias.
Assim, parte da doutrina apontava que seria manifesta injustiça negar ao
demandado, numa execução completa (embora fundada em título provisório
obtido mediante cognição sumária e superficial) a defesa que teria numa
execução incompleta fundada em título obtido mediante cognição plena e
exauriente (como se dava na execução de sentença pendente de recurso, onde a
possibilidade de oposição de embargos era indiscutível).
De todo modo, ainda que se entendesse incabível os embargos à
execução, a defesa apresentada não deveria ser desconsiderada, mas
examinada nos próprios autos em que se realiza o cumprimento da decisão que
está sendo efetivada367.
365 Araken de Assim, “Execução da tutela antecipada”, in, “Processo de execução e assuntos afins – v. 2”.
SHIMURA, Sérgio; e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.), São Paulo: RT, 2001, p. 62/63. 366 idem, p. 73. 367 “Tendo o devedor ajuizado embargos à execução, ao invés de se defender por simples petição, cumpre ao
juiz, atendendo aos princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas, promover o aproveitamento desse ato, autuando, processando e decidindo o pedido como incidente, nos próprios autos. (STJ, REsp 738424/DF, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 19.05.2005, DJ 20.02.2006, p. 228).
123
A Lei 11.232/05 trouxe diversas alterações ao sistema do Código de
Processo Civil. Uma delas é a que diz respeito ao modo de se realizar a defesa
após a sentença, na fase do seu cumprimento.
Outra forma de defesa incidental são os embargos de retenção por benfeitoria,
que assim como os embargos de executado, têm natureza jurídica de ação de
conhecimento. Como se tem decidido, os embargos de retenção por benfeitorias se
inserem “no conceito de embargos do devedor (arts. 736 e 744, do CPC)”.368
Com relação à oportunidade em que os embargos de retenção podem ser
ajuizados, Álvaro Bourguignon sustenta que nas executivas lato sensu, “havendo
apenas contestação, que encerra em si uma ação executiva, em que por isso a
execução da sentença é fase, e não actio judicati, não comportando embargos, impõe-
se ao demandado o ônus processual de deduzir o direito emergente da regra de direito
material por ocasião da defesa. Se não alegar na contestação o direito à indenização
por benfeitorias, torna-se precluso o direito de oposição de embargos”.369
Todavia, decidindo acerca do direito de retenção em ação reivindicatória –
ou seja, ação de natureza executiva lato sensu – o Min. César Asfor Rocha, do C.
Superior Tribunal de Justiça, apresenta solução diversa, apontando três situações
possíveis: a) o direito de retenção foi argüido na fase de conhecimento
(contestação) e foi reconhecido na sentença; b) o direito de retenção foi argüido
na fase de conhecimento e foi rejeitado na sentença; c) o direito de retenção não
368 RESP 432361, DJ 07/10/2002, Min. Félix Fischer. E, por via de conseqüência, conforme destacado na
própria decisão: “a apelação contra a sentença que os julga improcedentes deve ser recebida apenas no efeito devolutivo, ex vi do art. 520, V, do Estatuto Processual”.
369 Álvaro Bourguignon, “Embargos de retenção por benfeitorias”, São Paulo: RT, 1999, pp. 146/147.
124
foi argüido na contestação e, portanto, não foi discutido na fase de
conhecimento370.
Nas hipóteses “a” e “b”, conforme destacado na decisão, não parece haver
maiores dificuldades: no primeiro caso (“a”), uma vez reconhecido na sentença o
direito de retenção, poderá o demandado opor embargos para evitar o
desrespeito a esse direito já reconhecido, com aplicação, inclusive, do art. 743,
IV, do CPC (excesso de execução), conforme lição de Celso Neves371. Por outro
lado, na hipótese descrita no item “b” descaberia reiterar esse direito em sede de
embargos, pois isso afrontaria a autoridade da coisa julgada372.
A hipótese que suscita discussão é aquela descrita no item “c”. A ausência
de coisa julgada material – já que a questão, se não foi apresentada pelo réu,
também não foi decidida na sentença – e a existência de um direito material a ser
tutelado (o direito de retenção, conforme art. 1.219 do Código Civil373) são razões
suficientes para que se admita a oposição de embargos de retenção nas
executivas lato sensu, evitando, destarte, o enriquecimento indevido do autor da
ação, como, aliás, ficou decidido no acórdão supracitado374 375.
370 REsp 111968-SC, DJ 2/10/2000, RSTJ 140/415. 371 Celso Neves, “Comentários ao Código de Processo Civil”, t. VII, São Paulo: RT, 2000, p. 231. 372 Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior, “Processo de execução”, Rio de Janeiro: Forense, 1990, cap. XXIV, n.
9, p. 383 e Celso Neves, “Comentários ao Código de Processo Civil”, t. VII, São Paulo: RT, 2000, p. 231. 373 “Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como,
quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.” (sem destaque no original)
374 RSTJ 140/485. Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior (“Processo de execução”, Forense, Rio de Janeiro: 1990, cap. XXIV, n. 9, p. 383), Celso Neves (“Comentários ao Código de Processo Civil”, t. VII, São Paulo: RT, 2000, p. 231.) e Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (“Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante Processual Civil em Vigor", 3ª ed., São Paulo: RT, 1998, nota 1 ao art. 744, p. 892).
375 Para Humberto Theodoro Júnior, no entanto, “como não há embargos nessas execuções, o direito de retenção que acaso beneficie o devedor haverá de ser postulado na contestação, sob pena de decair de seu exercício” (“Curso de Direito Processual Civil”, v. II, 39ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 241). No mesmo sentido, “em se tratando de ação de despejo, o exercício do direito de retenção - art. 35, da Lei n.º 8.245/91, deve ser exercido por ocasião da contestação. Assim, em razão da preclusão, não há se falar na possibilidade de oposição de embargos de retenção por benfeitorias quando da execução da ação de despejo” (STJ, AgRg no REsp 685.103/MT, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 20.09.2005, DJ 10.10.2005 p. 421).
125
Em síntese, desde que o pedido de indenização não tenha sido rejeitado
na fase de conhecimento, pode o demandado, nas ações executivas lato sensu,
apresentar embargos de retenção na fase de cumprimento da sentença376 377.
É importante, observar, que “a prévia segurança do juízo é imprescindível à
admissibilidade dos embargos de retenção por benfeitorias378, podendo
considerar-se como preenchedores desse requisito as hipóteses de: 1) depósito
da coisa, ou seja, oferta voluntária da garantia, com evidente vantagem para o
embargante que deverá, salvo excepcionalidade, permanecer com ela a título de
depositário ou 2) imissão na posse ou busca e apreensão por ausência de
depósito, quando a coisa passará às mãos do exeqüente, provisoriamente, com
evidente desvantagem para o embargante.”379
Saliente-se que o depósito da coisa em juízo, previsto no art. 737, II, do
Código de Processo Civil, “não anula a posse do embargante, posto que o
depósito judicial cria apenas a posse direta do juízo que, como se sabe, pode
perfeitamente coexistir com a indireta que lhe preexistia"380.
Questão ainda mais intrincada – e que não raras vezes acontece na prática
forense – é aquela que envolve o direito de retenção em ação executiva lato
376 É bem notar que, de um modo geral, se tem admitida a convivência dos embargos de executado com os de
retenção por benfeitorias. É o que ocorre, por exemplo, na hipótese dos embargos de devedor julgados improcedentes e o embargante ter interposto recurso de apelação, pois não há, nesse caso, efeito suspensivo, segundo a regra do art. 520, V, do CPC.
377 Em sentido contrário, v. Humberto Theodoro Júnior, para quem a parte, embora não perca o direito de ser indenizado por eventuais benfeitorias, só poderá “exercitá-lo por meio de ação ordinária que, nessa altura porém, não prejudicará o cumprimento do mandado de entrega oriundo da primeira demanda” (“Curso de Direito Processual Civil”, v. II, 39ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 242).
378 Nesse sentido, STJ, REsp. nº 739/RJ, Rel. Min. Athos Carneiro, j. 21/08/1990, RSTJ vol. 17, p. 293, onde se lê: “as edificações, conquanto acessões industriais, equiparam-se as benfeitorias úteis, admitida a pretensão a retenção. indispensável, todavia, na ação de execução de sentença para entrega de coisa, a segurança do juízo pelo deposito, como pressuposto a admissibilidade dos embargos de retenção”.
379 Álvaro Bourguignon, “Embargos de retenção por benfeitorias”, São Paulo: RT, 1999, p. 201/202. 380 Humberto Theodoro Júnior, “Curso de Direito Processual Civil”, v. II, 39ª. ed., Rio de Janeiro: Forense,
2006, p. 388.
126
sensu na qual foi deferida liminar inaudita altera parte (como pode ocorrer em
ação possessória de força nova).
É que a invocação do direito de retenção pressupõe que o réu ainda esteja
com a coisa. Se a liminar for cumprida antes da contestação, o réu estará
impossibilitado de invocar a retenção, relevando o fato de, em nenhum momento,
lhe ter sido dada oportunidade de fazê-lo.
Para essa hipótese não há previsão de uma modalidade de defesa que
tutele completamente os direitos do demandado. Nessa hipótese, o réu deverá
interpor agravo de instrumento e pleitear seja concedido efeito suspensivo ao
recurso, a fim de evitar que o mandado liminar não seja imediatamente cumprido.
Além disso, o réu poderá levar ao conhecimento do juiz a existência das
benfeitorias, para que a liminar seja revista ante a existência do fato novo
representado pelas benfeitorias e pelo direito de retenção.381
5. Abuso do direito de defesa: atos atentatórios à dignidade da justiça
Os casos de atos atentatórios à dignidade da justiça encontram-se
relacionados no art. 600 do Código de Processo Civil, a saber: (I) fraudar a
execução; (II) opor-se maliciosamente à execução, empregando ardis e meios
artificiosos; (III) resistir injustificadamente às ordens descritas taxativamente; (IV)
não indicar ao juiz onde se encontram os bens sujeitos à execução.
381 Marcus Vinícius Rios Gonçalves, “Novo curso de direito processual civil”, vol. 2, São Paulo: Saraiva,
2005, p. 294.
127
De acordo com Cândido Rangel Dinamarco,
“trata-se de hipóteses típicas, descritas em numerus clausus pela
lei e sem possibilidade de ampliação em via interpretativa
justamente por causa de sua natureza repressiva. Todos esses
casos são de deslealdade perpetrada pelo executado, nunca pelo
exeqüente (v. caput); e isso corresponde à deliberada intenção do
legislador, no sentido de agilizar a execução forçada, combatendo
a lentidão da Justiça e reprimindo atos que lhe impeçam o curso
normal, em seu desprestígio”382.
Antes de atuar como perdas e danos, a previsão de atos atentatórios à
dignidade da justiça tem por escopo desestimular a prática de determinadas
condutas, tidas como prejudiciais ao adequado desenvolvimento do processo383.
Convém esclarecer que os casos típicos de atos atentatórios à dignidade
da justiça, no processo de execução, previstos no art. 600 do CPC, não se
relacionam com o resultado da demanda. Em outras palavras, o devedor dispõe
de meios legais – ou criados pela jurisprudência, como é o caso do incidente de
não-executividade – para se opor à execução, não havendo justificativa para
fraudá-la, se opor maliciosamente ao processo ou resistir injustificadamente às
ordens judiciais. A condenação ao pagamento da indenização e multa pode ser
feita ex officio384.
382 Cândido Rangel Dinamarco, “Execução civil”, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 111/112. 383 “Instrumento da jurisdição e com escopos jurídico, político e social, o processo contemporâneo, além de
prestigiar a lealdade, tem perfil predominantemente público, razão pela qual incumbe ao juiz que o dirige prevenir e reprimir, de ofício, qualquer 'ato contrário à dignidade da justiça'" (STJ, EREsp 36718/RS, Rel. Ministro Claudio Santos, Rel. p/ acórdão Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Segunda Seção, julgado em 09.11.1994, DJ 13.02.1995, p. 2195).
384 Mesmo antes da atual redação do art. 18 do CPC (dada pela Lei 9.668/98) havia o entendimento de que a sanção poderia ser imposta de ofício: “A condenação do litigante de má-fé a indenização independe de pedido da parte contraria” (STJ, REsp 23.384/RJ, Rel. Ministro Fontes de Alencar, Quarta Turma, julgado em 22.06.1993, DJ 30.08.1993, p. 17297)
128
Somente não será possível aplicar o art. 600 do CPC a todos os
procedimentos dos processos de execução caso, pela natureza da obrigação, a
adequação do ato tipificado não se amoldar a ela. Assim, na fraude à execução
exige-se alienação de bens depois do inicio da ação capaz de reduzir o devedor à
insolvência. Esse caso de ato atentatório à dignidade da justiça evidentemente
não é aplicável ao procedimento previsto para cumprimento forçado das
obrigações de fazer ou não fazer.
As condutas previstas no art. 600 do Código de Processo Civil, conforme
esclarece Donaldo Armelin, “são manifestamente direcionadas a postergar e até
inviabilizar a prestação jurisdicional (...) Todas elas implicam maior dispêndio de
tempo e de atividades processuais em detrimento da satisfação do direito do
credor e da efetividade da prestação jurisdicional na tela executiva”.385 386
Tais condutas podem ocorrer também em processo diverso do de
execução.
Assim, embora inserido no Livro II do Código de Processo Civil, que trata
do processo de execução, não se pode negar aplicação do art. 600 às executivas
lato sensu (e, de um modo geral, ao cumprimento das decisões judiciais).
A idéia que dá sustentação à existência de condutas específicas para a
execução foi bem exposta por Antônio Carlos Marcato: 385 Donaldo Armelin, “O processo de execução e a reforma do Código de Processo Civil”, in “Reforma do
Código de Processo Civil”, Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord), São Paulo: Saraiva, 1996, p. 701. 386 No âmbito do Superior Tribunal de Justiça já se decidiu que “o processo é instrumento de satisfação do
interesse público na composição dos litígios e dois princípios de igual importância convivem e precisam ser respeitados - o da celeridade e do contraditório, que, muitas vezes, tidos como antagônicos, em verdade, não o são. Deve o Magistrado usando de seu bom senso, para não infringir o princípio do contraditório, coibir atos que atentem contra a dignidade da justiça, impedindo que o processo se transforme em meio de eternização das ações e seja utilizado como arma para o não cumprimento das decisões judiciais. A aplicação da multa do artigo 601 decorreu da regular incidência do artigo anterior, entendendo os julgadores que os recorrentes estão a procrastinar o andamento da execução ao se insurgirem contra mera atualização de conta, utilizando-se de argumentos já expendidos quando impugnada a homologação anteriormente feita”. (STJ, REsp 165285/SP, Rel. Ministro Waldemar Zveiter, Terceira Turma, julgado em 20.05.1999, DJ 02.08.1999 p. 184).
129
“no processo de execução, tendo em vista que se trata de
processo de desfecho único (onde a atuação jurisdicional é
francamente favorável ao exeqüente, que presumivelmente tem
razão, já que ostenta a seu favor título executivo), aumenta a
necessidade de repressão às condutas tendentes a frustrar o
resultado objetivado pelo credor, razão pela qual foram
relacionados alguns atos típicos desta fase da atividade
jurisdicional"387
Como exposto anteriormente, o Código de Processo Civil de 1973 foi
elaborado tendo em vista a plena autonomia do processo de execução. A
interpretação das normas não pode ser feita sem levar em consideração as
mudanças ocorridas.
Embora não exista processo de execução, porém fase de cumprimento da
sentença (ou fase executiva), é inequívoco que ocorre realização de atos
jurisdicionais executivos (ou, mais amplamente, atos de repercussão física),
produzindo alterações no mundo empírico. O tratamento jurídico equivalente se
justifica diante da afinidade e, principalmente, da interpretação sistemática dos
dispositivos.
De todo modo, o dever de lealdade e boa-fé processual não encontra
limites na modalidade processual. Afinal, acha-se inserido no art. 14 do Código de
Processo Civil, com aplicação a todos os processos e procedimentos civis.
Conforme adverte Pontes de Miranda,
“as partes e seus representantes e presentantes ou advogados
têm o dever de fazer as suas comunicações de fato e enunciados
de fato com inteireza e veracidade (= sem omissão, que lhes
altere a verdade) (...) As partes têm a escolha dos fatos que hão
387 Antônio Carlos Marcato, "Código de Processo Civil Interpretado", São Paulo: Atlas, 2004, p. 1764.
130
de apontar ao exame judicial, mas, no expô-los, qualquer delas
não pode deformá-los, podá-los, aumentá-los, no que tenham
importância para o processo.”388
Constatado o abuso do direito de defesa do executado, ou, de um modo
geral, a ocorrência de conduta contrária à boa-fé processual, justifica a aplicação
das sanções previstas no art. 18 do Código de Processo Civil. Tais sanções
podem ser exigidas na mesma relação processual389.
A utilização indevida dos meios de defesa disponíveis, o uso distorcido dos
instrumentos de reação e a atuação incompatível com a boa-fé processual devem
ser contidos, pois além de representarem atitudes repelidas por nosso sistema
jurídico, atuam contrariamente à efetividade da tutela jurisdicional.
388 Pontes de Miranda, “Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo I, 5a. ed., Rio de Janeiro: Forense,
1995, p. 340 389 Nesse sentido: “A oposição maliciosa à execução caracteriza ato atentatório à dignidade da justiça
passível de multa exigível na própria execução, consoante dispõe o art. 601 do CPC” (STJ, REsp 690206/PB, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 24.05.2005, DJ 01.08.2005 p. 412).
131
CONCLUSÕES
1. Pretensão é a condição especial em que o direito subjetivo se encontra,
capaz de permitir que seu titular exija do devedor o cumprimento de uma
determinada conduta equivalente à prestação com que o direito será satisfeito e
realizado. Pretensão não se confunde com ação. Aquela precisa de um ato
voluntário de cumprimento por parte do obrigado, ao passo que esta o dispensa.
2. A ação de direito material somente passa a existir quando o exercício da
pretensão se mostra impotente e inútil – o titular do direito, dotado de pretensão,
exige do obrigado a prestação e este resiste ao cumprimento; nesse preciso
momento nasce ao titular a possibilidade de agir para a realização do direito.
3. A tutela jurídica estatal atua em dois planos: o da fixação de preceitos
reguladores da convivência e o das atividades destinadas à efetividade desses
preceitos. A tutela estatal será jurisdicional quando realizada por meio do
exercício da jurisdição.
5. A tutela jurisdicional pode ser proporcionada ao autor
independentemente de estar a alegação contida na petição inicial amparada pelo
direito material – ou seja, mesmo em caso de sentença desfavorável ao
demandante. A tutela material, no entanto, somente é prestada quando o juiz
reconhece a existência do direito afirmado pelo autor.
6. Efetividade do processo não se confunde com acesso a uma ordem
jurídica justa. A justiça ou injustiça da ordem jurídica não tem relação com o
processo. Um ordenamento jurídico injusto agregado a um processo efetivo não
implicará na alteração da decisão de fundo, mas, ao contrário, trará injustiça
efetiva.
132
7. A expressão tutela jurisdicional designa não só o resultado do processo,
mas também os meios oferecidos pelo ordenamento jurídico para que se consiga
atingir o resultado pretendido.
8. Nosso sistema processual permite que seja concedida antecipação de
tutela (uma das formas de tutela jurisdicional) a quem não está garantido pelo
direito material. Até a prestação jurisdicional definitiva, fundada em cognição
plena e exauriente, o demandante – comprovando urgência e demonstrando
razão aparente – poderá se beneficiar da tutela jurisdicional provisória.
9. Ao executado também se presta tutela jurisdicional. Ele se beneficia, por
exemplo, do devido processo legal e da execução mediante o menor sacrifício de
seu patrimônio.
10. Tradicionalmente, a tutela jurisdicional é classificada com base na
natureza da atividade jurisdicional, subdividindo-se em tutela cognitiva, tutela
executiva e tutela cautelar.
11. A tutela cognitiva visa à declaração da existência de um direito; a tutela
executiva busca a realização prática de um direito já reconhecido; e a tutela
cautelar objetiva assegurar a eficácia das outras duas tutelas.
12. A tutela executiva é prestada no processo de execução, mas não
exclusivamente nele.
13. O critério diferenciador adotado para a classificação tradicional
(natureza da atividade jurisdicional) tem sido objeto de críticas da doutrina, por ser
incapaz de distinguir a tutela cautelar das tutelas cognitiva e executiva. A
atividade jurisdicional realizada no processo cautelar não é diversa da atividade
cognitiva ou executiva.
133
14. Baseando-se no critério da atividade desenvolvida, a tutela jurisdicional
pode ser classificada em tutela cognitiva e tutela de repercussão física.
15. A tutela cognitiva envolve toda e qualquer atividade jurisdicional lógica
e ideal, restrita ao plano jurídico. Compõem essa categoria os provimentos
declaratórios, os constitutivos e os condenatórios.
16. Provimentos declaratórios são aqueles em que o juiz limita-se a
reconhecer a existência da relação jurídica; a prestação jurisdicional consiste em
simples clarificação.
17. Provimentos constitutivos são os que implicam a criação, modificação
ou extinção da relação jurídica. A ação constitutiva produz um estado jurídico
novo.
18. Os provimentos condenatórios, ao contrário dos declaratórios e
constitutivos, não são definidos por seu conteúdo, mas por seus efeitos: são
provimentos capazes de ensejar, em etapa ulterior, a ação executória. A sentença
condenatória limita-se a exortar o demandado ao cumprimento espontâneo da
condenação. Trata-se de decisão que é, por si só, incapaz de provocar alterações
no mundo empírico.
19. A sentença condenatória é criação do direito processual e não encontra
correspondência numa autêntica ação condenatória.
20. Com a superação da idéia de que é imprescindível separar as
atividades cognitivas e executivas em processos distintos, o provimento
condenatório cada vez mais tem se tornado obsoleto e inútil.
21. A tutela de repercussão física é a tutela jurisdicional voltada para
alterações do mundo empírico. Sua atuação se dá mediante modificação da
134
realidade fática. Ela pode ser prestada no bojo de uma relação jurídica processual
especialmente formada com esse objetivo, ou então como fase de um processo já
instaurado, que pode ter natureza cautelar ou satisfativa.
22. O processo se inicia com a propositura da ação. A relação jurídica
processual se dá entre autor e Estado; completa-se pela angulação, com a
citação do réu (autor, Estado; Estado, réu).
23. O Código de Processo Civil de 1973 incorporou ao direito positivo
brasileiro a classificação dos processos em conhecimento, execução e cautelar,
estruturados sistematicamente nos Livros I, II e III, respectivamente. Ele foi
elaborado sob a premissa da autonomia do processo de execução frente ao
processo de conhecimento. Entendia-se que as atividades cognitiva e executiva
deveriam ser alocadas em processos distintos e sucessivos.
24. Segundo a classificação tradicional, no processo de conhecimento
busca-se, precipuamente, declarar um direito, dando certeza da sua existência
(declaração), provocando alterações numa relação jurídica (constituição) ou
condenando o réu (condenação). No processo de conhecimento, em tese, não
haveria lugar para realização de atividades práticas.
25. A finalidade do processo de execução, na concepção clássica, é atuar
praticamente a norma jurídica concreta que disciplinou a situação em litígio,
quando da discussão no processo de conhecimento ou em decorrência do
reconhecimento dado pelo sistema jurídico.
26. No processo de execução há também atividade cognitiva, pois o juiz
tem que proferir juízos de valor, decidindo questões atinentes, por exemplo, à
penhora e à higidez do título executivo.
135
27. O processo de execução não é voltado para o julgamento de mérito,
mas sim para a prática de atos de modificação da realidade física. Tal
constatação não impede, porém, que se reconheça a existência de mérito,
consistente na satisfação do credor.
28. O direito ao contraditório faz-se presente também no processo de
execução, envolvendo informação necessária e reação possível.
29. Embora se reconheça a presença de atividade cognitiva, de
contraditório e de mérito, não há coisa julgada no processo de execução, que não
é vocacionado para o julgamento de mérito e apresenta cognição rarefeita – e não
plena e exauriente.
30. O processo cautelar visa proteger e resguardar as pretensões do autor,
nos processos de conhecimento e de execução, garantindo-lhes a eficácia. A
finalidade da tutela cautelar não é satisfazer uma pretensão, mas viabilizar sua
satisfação.
31. A tutela cautelar encontra-se inserida como subespécie de tutela de
urgência, ao lado da tutela de urgência satisfativa. A tutela de urgência pode ser
concedida de forma interinal (antecipação de tutela, liminar em ação cautelar) ou
final (sentença cautelar).
32. No procedimento do processo cautelar encontram-se reunidas
atividades cognitivas (fundadas normalmente em juízo de verossimilhança) e de
repercussão física. Trata-se, portanto, de processo sincrético.
33. A autonomia do processo de execução é um dos fatores – não o único,
nem o principal – de resistência para que sejam atingidos os escopos da atividade
136
jurisdicional executiva. A autonomia do processo de execução não decorre de
uma exigência teórica. Trata-se de opção política do legislador.
34. Atualmente não há mais motivo para sustentar a necessidade da
autonomia do processo de execução mediante a separação das atividades
cognitivas e executivas em processos distintos.
35. O hiato entre o fim do processo de conhecimento e o início do processo
de execução, teoricamente com a função de possibilitar aos devedores o
cumprimento espontâneo da obrigação, acaba por encorajá-los a adiar a
satisfação.
36. A certeza jurídica não deve ser pressuposto lógico-jurídico para a
instauração da execução. A presença de tutelas interinais constitui condição para
o respeito ao princípio constitucional que garante aos jurisdicionados a concessão
de tutela efetiva e tempestiva.
37. O rompimento do sistema da autonomia do processo de execução
contribuiu para o reconhecimento das tutelas executiva lato sensu e
mandamental, veiculadas em processo sincrético.
38. A tendência do direito processual contemporâneo é o abandono da
uniformidade procedimental, mediante adoção de tutelas diferenciadas,
reforçando o caráter instrumental de que se reveste o processo.
39. Algumas obrigações, pelas suas peculiaridades, exigem que o
ordenamento jurídico processual ofereça meios imperativos para chegar ao
resultado desejado.
137
40. A adoção do critério da atividade jurisdicional desenvolvida conduz ao
reconhecimento da existência de três categorias: processo de conhecimento,
processo de execução e processo sincrético.
41. Ao processo de conhecimento estão reservadas as ações que não
necessitam de atividades jurisdicionais de alteração do mundo empírico, como é o
caso da ação meramente declaratória.
42. Processos de execução são aqueles em que se veicula a pretensão à
satisfação de um direito. Caso, por exemplo, das execuções por título
extrajudicial.
43. Processos sincréticos são aqueles em que se desenvolvem atividades
cognitivas e de repercussão física. Nessa categoria estão incluídos
procedimentos especiais, cautelares e demandas em que seja concedida
antecipação da tutela.
44. As recentes alterações no direito positivo evidenciam a existência de
processos sincréticos. Trata-se, porém, de fenômeno que sempre esteve presente
em nosso sistema jurídico.
45. As executivas lato sensu têm estreita relação com as chamadas ações
reais, porém não se resumem a elas.
46. Ação executiva lato sensu pressupõe processo sincrético. Estes podem
veicular pretensões diversas das executivas lato sensu, como se dá no caso da
ação mandamental.
47. A realização de atos executivos independe do exaurimento da atividade
cognitiva. A lei processual, resguardadas as garantias constitucionais, pode
138
estabelecer que a execução se dê antes da realização da cognição completa.
Trata-se, portanto, de questão afeta à política legislativa.
48. A busca pela adequação do processo às peculiaridades do direito
material levou ao reconhecimento da denominada tutela jurisdicional diferenciada.
49. A tutela jurisdicional diferenciada é tanto o resultado substancial que
pode ser obtido pelo titular de uma pretensão, como também os meios
predispostos à consecução desse resultado. A tutela diferencia-se mediante
alternativas ao processo de cognição exauriente ou por meio da inserção, nos
diversos modelos processuais, de medidas que os capacitem a propiciar tutela
jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva.
50. O sincretismo, na medida em que implica unidade processual e
multiplicidade de procedimentos, constitui manifestação da tutela diferenciada.
51. A ação é autônoma, abstrata e seu exercício é incondicionado. A
doutrina, de um modo geral, entende que as chamadas condições da ação são,
na realidade, condições para o exame do mérito. Porém, na categoria condições
da ação encontram-se institutos jurídicos que ou compõem o mérito da causa, ou
podem ser enquadrados entre os pressupostos processuais.
52. Algumas classificações da ação civil utilizam critérios que não têm a ver
com a ação, mas com a pretensão por ela veiculada, com o processo por ela
originado, ou com a jurisdição em que é exercida.
53. A classificação tradicional (ternária) admite a existência de três – e tão-
somente três – ações: declaratória, constitutiva e condenatória.
54. Nenhuma ação ou sentença é pura. Em cada ação existe um feixe de
eficácias, em menor ou maior grau, sendo que uma delas prevalece sobre as
139
outras. Eficácia não se confunde com efeito. Aquela é o próprio conteúdo da
sentença, dotado de imperatividade. Efeito é o que a sentença concretamente
produz na esfera do direito material. Eficácia é efeito em potência.
55. A classificação quinária tem por critério a eficácia preponderante e
divide as ações em cinco categorias distintas: declaratória, constitutiva,
condenatória, executiva e mandamental.
56. A classificação quaternária prevê quatro categorias de ações:
declaratórias, constitutivas, executivas e mandamentais. Levando-se em conta a
distinção entre pretensão e ação, nega-se a existência de uma autêntica ação
condenatória. Tanto ela, quanto a sentença respectiva constituem criação do
direito processual.
57. O termo execução é equívoco. No âmbito processual, ele é utilizado
para designar tanto as alterações no mundo empírico provocadas por atividade
jurisdicional (conceito amplo), como tão-somente as modificações de cunho
satisfativo realizadas mediante atividade sub-rogatória (conceito restrito). Além
desses dois conceitos, emprega-se o vocábulo execução também para designar
toda alteração, de cunho satisfativo, do mundo empírico – ainda que realizada
mediante o uso de coerção indireta.
58. A ação executiva lato sensu pode ser analisada sob dois aspectos: o
meramente estrutural e o da eficácia preponderante do provimento.
59. Adotado o critério da estrutura processual, para configurar a ação
executiva lato sensu basta que se encontrem reunidas atividades cognitivas e
executivas numa mesma relação processual.
140
60. Com base na força da sentença (eficácia preponderante), não bastam
modificações no procedimento para que se reconheça a presença de uma ação
executiva lato sensu.
61. Ações executivas lato sensu e mandamentais aproximam-se na medida
em que ambas necessitam de atividade jurisdicional posterior à sentença para
realização de atos de modificação no mundo empírico. Essa atividade
desenvolve-se na mesma relação jurídica processual.
62. O cumprimento típico de uma ação executiva lato sensu se realiza
mediante atos sub-rogatórios, ao passo que as mandamentais normalmente
adotam medidas coercitivas.
63. A forma de cumprimento não integra a essência dos provimentos
mandamentais e executivos, sendo possível a adoção de medidas sub-rogatórias
ou coercitivas para efetivação de quaisquer deles. Ao magistrado incumbe
ponderar qual a medida de efetivação mais adequada para atingir resultado
prático equivalente ao adimplemento.
64. Ação real é aquela em que o autor busca obter a coisa, e não o
cumprimento de uma obrigação a que esteja sujeito o demandado. Ação pessoal
é a fundada no direito das obrigações; há um dever de prestar a que está
vinculado o demandado.
65. A identidade entre ações reais e ações executivas não é absoluta. Não
há hierarquia entre direitos reais e pessoais, nem entre ações pessoais e reais.
Estas são executivas, mas o direito processual pode também conferir ação
executiva a direitos obrigacionais.
141
66. São princípios do processo de execução: autonomia, título, realidade,
exato adimplemento, menor sacrifício do devedor, contraditório e tipicidade das
medidas executivas.
67. Embora inicialmente ligados ao processo de execução, aqueles
princípios têm abrangência maior, relacionando-se com a tutela jurisdicional de
repercussão física. Parte desses princípios é comum a todas as atividades que
provoquem ou possam vir a provocar alteração no mundo empírico, sejam elas de
natureza satisfativa ou cautelar, cumpridas por meios sub-rogatórios ou
coercitivos.
68. A aplicação desses princípios aos processos sincréticos é possível
mediante utilização de interpretação sistemática, lógica e histórica.
69. Alguns dos princípios do processo de execução, por absoluta
incompatibilidade, não podem ser aplicados às ações executivas lato sensu
(como é o caso do princípio da autonomia).
70. Princípios que se relacionam à limitação dos meios executivos e dos
poderes do juiz norteiam as atividades jurisdicionais de repercussão física e,
portanto, são aplicáveis às executivas lato sensu.
71. A fase executiva das executivas lato sensu deve ser capaz de
possibilitar ao credor resultado igual ou mais próximo possível daquele que
obteria com o adimplemento voluntário do devedor (princípio do exato
adimplemento).
72. O princípio da tipicidade das medidas executivas, surgido à época do
liberalismo clássico a partir da necessidade de segurança ou de garantida da
liberdade, tem estreitas ligações com a sentença condenatória. Tutelas
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jurisdicionais adequadas às diversas situações de direito substancial justificam o
abandono da rigidez contida na tipicidade das formas executivas.
73. A ausência de modelo predefinido a ser observado na efetivação dos
provimentos implica a concentração dos poderes de execução do juiz (princípio
da atipicidade das medidas executivas). Tal princípio não pode ser analisado
isoladamente; na determinação da modalidade executiva o juiz deve estar atendo
aos princípios da proibição de excesso e da menor onerosidade.
74. O processo civil, autônomo mas não indiferente ao direito material,
deve fornecer ao juiz mecanismos para atingir o resultado determinado no
provimento jurisdicional. Por não ser um fim em si mesmo, o processo deve ser
sempre considerado em relação ao direito objetivo nele veiculado. Por isso, é
preciso conferir ao juiz maior flexibilidade na adoção de medidas de efetivação
dos provimentos judiciais.
75. Os meios de efetivação das decisões que implicam repercussão física
podem ser agrupados em duas classes: (i) sub-rogatória (que abrange atividades
de expropriação, desapossamento e transformação) e (ii) coercitiva (imposição de
multa e ameaça de prisão). A execução que se utiliza de meios sub-rogatórios é
denominada direta, ao passo que aquela que se utiliza da coerção para influir na
vontade do executado é chamada indireta.
76. A relação entre a natureza jurídica de um bem e o meio executório não
é absoluta.
77. A fase de efetivação de um processo sincrético visa a alterar a
realidade física para adequá-la ao comando contido na sentença. A grande
afinidade entre as ações mandamentais e executivas lato sensu justifica o
143
intercâmbio dos meios de efetivação tradicionalmente relacionados a cada uma
dessas ações, porque ambas integram a ampla categoria tutela de repercussão
física.
78. A executiva lato sensu não sofre alteração na sua natureza jurídica
caso para sua efetivação sejam empregadas medidas tradicionalmente
relacionadas às mandamentais – como é o caso da coerção indireta.
79. Admite-se a convolação da execução real em execução por crédito,
convertendo-se a obrigação em perdas e danos – é o que ocorre na hipótese de
perecimento da coisa com responsabilidade do possuidor réu. O procedimento
passa a ser o da execução por quantia certa, com a possibilidade de se fazer a
liquidação intercalada, caso necessário.
80. O art. 5º., LV, da Constituição Federal de 1988 não excepciona nenhum
processo ou procedimento, de modo que ao réu de uma ação executiva lato
sensu deve-se garantir a possibilidade do exercício de defesa, inclusive na fase
executiva.
81. As defesas podem ser realizadas no próprio processo em que são
praticados os atos de efetivação das decisões (defesa endoprocessual) ou em
processo distinto (defesa extraprocessual). As formas de defesa podem ser
classificadas em três categorias: (i) endoprocessuais (incidente de não-
executividade e, mais recentemente, impugnação), (ii) incidentais (embargos do
executado, embargos de segunda fase, embargos de retenção) e (iii)
heterotópicas (ações autônomas prejudiciais).
144
82. Nas executivas lato sensu não se exclui, a priori, qualquer das formas
de defesa. Ao legislador infraconstitucional cabe a tarefa de estabelecer limites ao
exercício da defesa.
83. A previsão de contraditório alcança também o processo de execução,
até mesmo por imposição constitucional (Constituição Federal de 1988, art. 5º.,
inc. LV). À fase de cumprimento da sentença nas executivas lato sensu também
se aplica o contraditório, que pode ser exercido desde antes, na fase cognitiva.
84. O incidente de não-executividade constitui defesa endoprocessual
admissível nas executivas lato sensu. Pode ser conceituado como incidente
processual defensivo apresentado em processo de execução ou na fase
executiva de processos sincréticos visando obstar total ou parcialmente o
prosseguimento do processo mediante a veiculação de matérias que não
demandem dilação probatória. Dadas suas limitações, há situações em que o
incidente de não-executividade é incapaz de assegurar a defesa do demandado
na sua plenitude.
85. Prejudicial heterotópica é a questão cuja solução deve, por razões
lógicas, ser decidida previamente a outra, que sofrerá sua influência, mas que se
encontra fora dos meios (ou tópicos) normais. As ações autônomas cuja solução
deva ser dada antes da satisfação do credor, por serem capazes de influenciar
seu resultado, podem ser consideradas prejudiciais heterotópicas em relação à
executiva lato sensu. As ações prejudiciais, dependendo do momento em que são
ajuizadas, podem obstar o início da fase de cumprimento da sentença das ações
executivas lato sensu (prejudicial antecedente inibitória), como podem paralisar as
atividades executivas (prejudicial suspensiva).
145
86. Os embargos do devedor têm natureza jurídica de ação de
conhecimento incidental e conteúdo de defesa. Neles podem ser veiculadas
matérias processuais ou substanciais. O provimento final terá sua natureza
vinculada ao pedido formulado pelo embargante, podendo ser meramente
declaratório ou (des)constitutivo.
87. Da mesma forma que os embargos de devedor, os embargos de
retenção por benfeitoria também têm natureza jurídica de ação de conhecimento
e conteúdo de defesa. Desde que o pedido de retenção por benfeitorias não tenha
sido rejeitado na fase de conhecimento, pode o demandado apresentar embargos
de retenção na fase de cumprimento da sentença das ações executivas lato
sensu.
88. As hipóteses de atos atentatórios à dignidade da justiça previstos no
art. 600 do Código de Processo Civil revelam a intenção do legislador em agilizar
a execução, reprimindo atos impeçam seu curso normal e procurando
desestimular a prática de condutas prejudiciais ao adequado desenvolvimento do
processo. Referido artigo, embora previsto no Livro II do Código de Processo
Civil, aplica-se às executivas lato sensu.
89. O dever de lealdade, inserido no art. 14 do Código de Processo Civil,
não encontra limites na modalidade processual, podendo ser aplicado a todos os
processos e procedimentos civis.
90. A utilização indevida dos meios de defesa disponíveis, o uso distorcido
dos instrumentos de reação e a atuação incompatível com a boa-fé processual
devem ser contidos, pois além de representarem atitudes repelidas por nosso
sistema jurídico, atuam contrariamente à efetividade da tutela jurisdicional.
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