1
Da sapata e do pisar o cho: reflexes sobre a constituio do Mestre nas
Cambindas1
rika Catarina de Melo Alves
Mestranda PPGA-UFPB
Resumo
O presente trabalho busca analisar as relaes sociais estabelecidas por meio de uma
dana secular chamada de Cambinda, praticada no interior da Paraba. Ao mesmo
tempo em que objetiva traar um paralelo entre o conhecimento e a prtica da dana
com as outras tcnicas desenvolvidas por esses atores sociais. Para tal, as atividades
articuladas pela famlia Levino, detentora deste saber, sero apresentadas a partir de
uma perspectiva processual que coloque em relevo a relao estabelecida entre aqueles
sujeitos danantes e no-danantes e suas habilidades tcnicas para dentro e para fora do cortejo. Neste sentido, o papel de Mestre Cambinda ser apresentado como foco
central na articulao de uma tradio de conhecimento que est intrinsecamente
interligada a um arranjo de elementos que por sua vez agrupam e agregam
conhecimentos e redes de sociabilidades que viabilizam trocas simblicas e materiais
naquele ambiente. Se por um lado o Mestre do cortejo articula certas prticas atribudas
a seu papel, por outro o seu reconhecimento como Mestre de obra tm lhe garantido
prestgio naquele contexto em questo. Os processos de aprendizagem e de transmisso
de certos moldes operativos em cada ofcio sejam no cortejo das Cambindas ou na construo de uma casa seguem lgicas de usos conformadas no cotidiano dos objetos/sujeitos da ao.
Palavras-chave: Antropologia da Tcnica, Tradio de Conhecimento, Cambindas.
Introduo
A cidade est em festa/As Cambindas vo chegar/Toda alegre e
satisfeita/Para se apresentar/As Cambindas aonde passa/Todos dizem
presta ateno/Os caboclos Levinos/Todos eles tm ao. (Loa das
Cambindas Novas de Tapero-PB).
When different recipients hold different keys, they will learn different
things from the event, and a schema which represents the process as
one of expressing and transmitting bits of knowledge is inadequate.
(BARTH, 1987, p.78)
1 Trabalho apresentado na 29 Reunio Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de
agosto de 2014, Natal/RN.
2
Neste artigo pretendem-se trabalhar com conceitos/categorias que envolvam as
diversas dimenses da deteno de uma dana secular chamada de Cambinda, articulada
por uma parentela negra, conhecida como os Levinos. Neste sentido, cabe anotar que
o termo nativo dado a manuteno deste saber considerado como uma tradio ganha
variados significados para os que vivem naquele universo. Aqui, esta ser refletida a
partir de uma perspectiva processual, pois ao utilizar as condies da criatividade dos
que articulam este conhecimento, assim como os moldes e discursos que ali fazem
sentido, proponho refletir tal contexto em sintonia com algumas contribuies bastante
pertinentes no que se configura na antropologia do conhecimento e da tcnica.
Ao pesquisar o cotidiano dos sujeitos e as distintas maneiras pelas quais estes
geram representaes e subjetividades sobre o que entendem sobre a dana e a tradio,
percebi que para entender as Cambindas dentro destas relaes sociais e suas
interseces, nos distintos contextos e interesses em nomear e consagrar os diferentes
grupos sociais ali constitudos so, sobretudo constructos sociais que articulam redes de
conhecimento e reconhecimento social, apresentados e reapresentados nos espaos
revestidos pela organizao familiar e representao poltica. O esforo aqui
empreendido na anlise e reflexo sobre os modos de se ensinar, articular, propagar e
performatizar a dana Cambinda, deve ser compreendido atravs dos mecanismos dos
fluxos culturais2 daquele universo em questo.
Deste modo, operacionalizar os conceitos e as abordagens de uma antropologia do
conhecimento tem sido o caminho mais propositivo para entender e apreender as
relaes e as interaes dos atores da ao. No sentido de que falo de sujeitos que
vivem, avaliam, aprendem e ensinam um arranjo de conhecimentos que realizar-se
atravs de uma performance diante uma audincia (BRUNER, 1996). So espaos de
lutas e de criatividade, levando em conta que a Cambinda por vezes dana para
visitantes que em sua grande maioria pretendem v uma encenao do passado no
presente. Porm, no estou falando sobre um tipo de contraparte da cultura, como um
simulacro do que j fora vivo, isto fica evidente quando os sujeitos pesquisados em seus
discursos distinguem-se de outros grupos da cidade como as companhias de dana
folclricas, consideradas pelos Cambindas como expresses para-folclricas, que no
2 Tais questes foram formuladas levando em considerao as fronteiras culturais em diversos grupos e
suas especificidades tcnicas, mas tambm pode ser utilizada em outras circunstncias analticas
abordadas para alm de uma viso unitria e homognea como nos trabalhos de Theodore Schwartz
(1978), Ulf Hannerz (1992) e Fredririk Barth (2000c, 2000d).
3
possuem uma tradio, mas imitam os seus passos e de outras expresses artsticas
populares. Esta noo de volta ao passado resqucio de uma concepo de que a
tradio algo intrinsecamente interligado com a cultura popular, principalmente para o
olhar erudito, que a enxergava como algo a ser recuperado e salvo de uma eminente
extino (REVEL, 1989).
Deste modo, se torna necessrio que se explore a extenso e a natureza da
coerncia lgica da cultura, e no apenas descrev-la. A cultura no seria uma
unificao de smbolos e significados, pois as pessoas e os grupos agem e reagem de
acordo com sua concepo de mundo, os constituindo e os construindo tambm em
representaes coletivas. O mundo social dotado de ideias e concepes nem um
pouco estticas, tais paradigmas e concepes sobre muitas categorias analticas de uso
antropolgico devem ser percebidos em movimentos.
A tradio de conhecimento pela famlia Levino transmitida, pelo Mestre mantida,
e pela dana propagada, apontam que as relaes criativas desses conjuntos de situaes
e contextos locais so ampliadas se levarmos em considerao que as redes de contatos
articulados por estes sujeitos denotam outras dimenses destas relaes sociais. A
dimenso que aqui ser apresentada ser do papel do Mestre das Cambindas para alm
do cortejo, mais precisamente na sua posio de Mestre na cidade de Tapero3. Assim,
abrir-se um leque de reflexes que concatenadas com a bibliografia sobre uma
antropologia da tcnica pode elucidar o quanto de complexo e diversificado
disposio dos sinais diacrticos naquela realidade. Toda essa disposio processual,
que envolve os fluxos culturais aponta para uma tradio de conhecimento, a partir da
observao dos eventos festas, apresentaes pblicas, ensaios interpretados pelos
sujeitos, desencadeando, sobretudo, em processos de transmisso de conhecimentos e de
legitimao daquela viso de mundo a que a tradio est associada.
Sobre O Carter Distributivo Do Saber Fazer
3 O municpio hoje conhecido como Tapero, encontra-se encravado na mesorregio da Borborema e
microrregio do Cariri Ocidental paraibano. Seus limites territoriais fazem fronteiras ao norte com os
municpios de Areia de Baranas (68 km), Salgadinho (30 km), e Assuno (23 km); ao leste com Santo
Andr (25 km) e Parari (36 km); ao sul com Parari (36 km), So Jos dos Cordeiros (24 km) e Livramento
(30 km); e ao oeste com Desterro (33 km) e Cacimbas (25 km). Distante da capital Joo Pessoa a 243 km,
com uma populao estimada em 14.938 habitantes segundo o IBGE (2010) e com uma rea territorial total de 640 km, acima do nvel do mar com 533 metros de altitude, Tapero localiza-se no
permetro da seca, sendo suscetvel ao clima rido com longas estiagens de chuvas.
4
A explorao das vrias dimenses e efeitos da escala cultural nas sociedades
humanas tem sido tema de reflexo para muitos autores. Dentre estes destaco o
socilogo francs mile Durkheim (1979) e Theodore Schwartz (1978) como pontos de
partida para entendermos os jogos de escala presentes no campo de pesquisa em
questo. Se um aponta para a dimenso coercitiva dos elementos culturais da
coletividade sobre o indivduo, o outro aponta para um tipo de modelo de uma cultura
distributiva muito mais complexa.
Ao elaborar abordagens sobre o que seria a solidariedade social dividindo-as em
solidariedade mecnica e orgnica, Durkheim (1979) anota que uma precede a outra. O
que quero anotar aqui que diante desta perspectiva no se pode explicar a
diferenciao social a partir dos indivduos, pois a conscincia de individualidade no
pode existir antes da solidariedade orgnica e da diviso do trabalho social. Sendo a
solidariedade mecnica considerada a menos complexa, adotada tambm como uma
caracterstica inerente das sociedades ditas primitivas ou pr-capitalistas onde os
indivduos se identificam atravs da famlia, da religio, da tradio, e dos costumes,
por outro lado a solidariedade orgnica expressa nas sociedades capitalistas caracteriza-
se pela diviso e diferenciao de seus indivduos. Os indivduos no se assemelham,
so diferentes e necessrios, partes de um todo a partir de suas especificidades na
diviso do trabalho, sua corporao profissional. Assim, para Durkheim (op. cit.) os
fenmenos individuais devem ser explicados a partir da coletividade, e no a
coletividade pelos fenmenos individuais.
Em contraponto, ou mesmo numa construo de um dilogo com as asseres do
Durkheim, Theodoro Schwartz (1978) tece uma abordagem sobre os constructos sociais
e de como a cultura distribuda. Este denota quo complexa so as diversificaes e as
distines entre os indivduos de uma dada coletividade. A distribuio de um
determinado conhecimento est intrinsecamente relacionada com a vida social dos
atores, estabelecendo uma constante variao nos fluxos pelos quais estes elementos
culturais perpassam as coletividades humanas, impregnando-se nos indivduos de
maneiras variadas. Assim, a suposio de uma homogeneidade que dar coeso aos
indivduos seja em sociedades de pequenas ou grandes escalas por Schwartz (1978)
elaborada e questionada. O autor acredita que mesmo em comunidades mais mnimas
revelaria uma distino comparvel de variao de personalidade e de cultura. So esses
conjuntos de situaes que se acumulam nas experincias, nas personalidades e nas
biografias dos atores.
5
a partir de uma conceptualizao distributiva da cultura que recupero as
situaes empricas do esforo etnogrfico com os brincantes das Cambindas. Autores
como o Fredrik Barth (1987; 2000) e o Ulf Hannerz (1992) se tornaram caros nesta
abordagem e acrescentaram, por sua vez, mais reflexes no que at agora fora
apresentado na tica de Theodore Schwartz (1978). Os dados etnogrficos e as
asseres de tais autores sero apresentados em dois movimentos: (1) a discurso sobre
as concepes de fenmenos sociais e culturais em Barth e Hannerz, e de como as
modalidades de gerenciamento do conhecimento tradicional observado por estes
autores; (2) uma anlise da constituio do Mestre nas Cambindas, e as formas de
transmisso de conhecimento desta tradio para dentro e para fora da famlia Levino.
Para Hannerz (1992), a complexidade dos processos culturais, analisados em
dinmicas de sociedades de small-scale (pequena escala) deve ser contextualizada a
partir da organizao social do conhecimento compartilhados por padres. Esse arranjo
analisado em quatro molduras geradoras de articulaes de culturas: Form of life,
State, Market e Movements. As duas primeiras molduras, form of life e state conservam
e reproduzem o que foi recebido, enquanto que o market e os movements transformam e
contestam o processo cultural na contemporaneidade. Em tudo isso h maneiras de
pensar, trabalhar e experincias de modos de vida, pois so moldes atravessados pelas
instituies polticas e seus conflitos, e onde h disputas h jogos.
No entanto, o problema personificar estes moldes na observao desses
processos. Para tanto, deve-se ter ateno aos significados e interesses que permeiam
esses conjuntos de situaes, pois as experincias se acumulam e as biografias se
intercruzam, e so sobre elas especialmente que este artigo vai se debruar mais adiante.
As dimenses de escala apreendidas em tendncias de assimetria e simetria de
distribuio de cultura, apresentados por Hannerz (1992) aponta que as fronteiras de
conhecimento so compartidas para outros grupos em tipos de relaes de deteno do
saber. No caso das relaes assimtricas, o conhecimento que cada pessoa tem
diferenciado, mas h uma baseline que serve como abertura para o contato. J nos
relacionamentos simtricos a diferena de conhecimento entre os indivduos se
apresenta em menor grau. Para o autor os tipos de relacionamentos em uma sociedade
de pequena escala so necessariamente simtricos ao longo de cada uma dessas
dimenses, ou que as relaes nas sociedades complexas, dotadas de culturas mais
complexas, so todos assimtricos. A diferenciao destas detenes do saber
apresentadas pelo autor denotam posies de prestgios e trocas de materiais e
6
elementos culturais, e construes de especialidades na retrica do prprio
conhecimento.
The division of knowledge as discussed earlier provides examples of
how baseline asymmetries are built into complex cultures. Again,
when the division of knowledge creates specialists, it also creates
laymen. (Most people are, of course, both; specialists usually in one
field, laymen in all others.) The cultural constitution of these
categories implies that the boundaries between their areas of cultural
competence, and thus the forms of complementarity between them,
are defined, more or less clearly, by convention or negotiation. Often
enough, the social organization of meaning in these contacts is itself
worked into routines. (HANNERZ, 1992, p. 57).
O fluxo no livre para Hannerz, h processos de filtragem acesso ao
segredo/sigilo que retido por alguns, repassado para poucos e comunicado para muitos
geralmente no verbalizados. Estas distribuies de atributos significativos, que por
sua vez se baseiam em princpios atributivos oriundos de unidades sociais apontam que
Ethnicity thus channels social organization by having group members signal a general
kind of availability to one another and distance to outsiders, through their appearance
and conduct (HANNERZ, 1992, p. 111). Em sntese, o autor elabora uma crtica aos
conceitos sobre a conceptualizao de cultura. uma tentativa de entendimento sobre a
cultura em determinados processos flexveis em contraponto s barreiras culturais,
ilustrado com a imagem de um indivduo frente aos mecanismos de modernizao e
mundializao da cultura.
Em a Anlise da Cultura nas Sociedades Complexas, Barth (2000a) descreve
um individuo diante de uma diversidade desconexa. Um cenrio incoerente que deve ser
confrontado com as perspectivas e paradigmas da Antropologia, pois como profissionais
somos treinados a suprimir os sinais de incoerncia e de multiculturalismo
encontrados, tomando-os como aspectos no essenciais decorrentes da modernizao,
apesar de sabermos que no h cultura que no seja um conglomerado resultante de
acrscimos diversificados (op. cit. p.109). Se a realidade social construda por meio
da cultura, se torna necessrio apreender e compreender de onde surgem os padres
culturais atravs do esforo emprico. Deste modo, os padres culturais so resultados
de processos especficos e no se encontram em formas generalizadas. O grau de
padronizao na esfera da cultura e sua respectiva diversidade vo para alm das
7
abordagens funcionais e estruturalistas. Tendo em vista, que as expresses simblicas
nestas abordagens no conseguem mapear os contextos de pequenas escalas.
Portanto, a organizao social e as relaes cotidianas produzem diferenas entre
os grupos. Os eventos e os atos dos sujeitos so constantemente interpretados, nos
processos de transmisso de conhecimento e de sua contestao. Ao descrever a religio
bali-hindusmo Barth (2000a) destaca como uma tradio simblica-expressiva,
descrita como uma filosofia que se manifesta atravs de mitologias ndicas, rituais,
lendas, cultos, ensinamentos e preceitos morais apresentados muitas vezes em teatros de
sombra, nas msicas, na arte, na arquitetura e na dana. Esta religio aponta uma
cosmologia que possui um mundo repleto de seres e foras msticas, como deuses,
espritos, e os ancestrais mortos, que por sua vez participam da vida de seus
descendentes ativamente. Nas relaes entre os deuses e os homens, as almas se
fundem, transitam entre mundos nascendo e renascendo sucessivas vezes. A filosofia
expressada pelo bali-hindusmo da negao dos bens materiais contraposta aos
interesses que seus adeptos tm de adquirir objetos e bens alimentcios e vesturios
entre outros, para a manuteno de suas unidades familiares. Tal anlise desta religio
enxergada a partir de seu aspecto simblico e expressivo no explicaria as relaes e os
diferentes papis que os sujeitos articulam naquele contexto. As tradies do bali-
hindusmo so marcadas por diferenciaes de posies sociais, expressado na
diversidade das autoridades que existem naquela tradio de conhecimento, e os
conflitos internos entre tais indivduos, conotam posies que muitas vezes se opem na
interpretao ou mesmo na ao litrgica e na organizao social e sacerdotal ali
constituda.
Este leque de posies monta um arranjo de papis sociais dotados de
diferenciados prestgios, habilidade e competncias. Nem todas as autoridades ou
indivduos da sociedade possuem tais atributos. Ao propor uma reconceptualizao da
cultura, Barth (2000a) aponta que a produo da cultura dinmica, e que cada ator
possui uma constelao particular de experincias e que os atos e as relaes entre as
pessoas talvez no estejam em suas formas, mas sim em suas distribuies e padres
de no-compartilhamento (op. cit. p. 128). Os atores esto posicionados em seu mundo
social e na construo de vises de mundo a partir de suas tradies de conhecimento.
Ao criar retricas cotidianas e representaes diante deste quadro de referncia, as
transaes de saberes servem de base analtica da prpria moldagem da cultura em
determinados contextos, e sobre estes aspectos que seguirei os argumentos a seguir.
8
Transmisso E Performance Nas Cambindas Novas De Tapero-PB
Ao analisar duas tradies de conhecimento, uma no norte de Bali e outra no
interior da Nova Guin, Barth (2000a, 2000b) demonstra atravs dos dados de campo as
transaes e moldagens das transmisses de saberes por meio da figura do guru (Bali) e
do iniciador (Nova Guin). Tal comparao servir de base na abordagem que pretendo
realizar ao contrastar o Mestre das Cambindas com as perspectivas das prticas locais e
as relaes entre os que aprendem a danar por meio de seus ensinamentos. Para tanto, a
figura do guru e do iniciador nas etnografias de Barth (1987; 2000b) so aqui muito
importantes e cabe aqui decorr-las.
O guru Ali Akbar descrito como um mestre mulumano, que tem dentre seus
atos religiosos os estudos e as viagens. Todo seu conhecimento s tem reconhecimento
e mrito quando este ensina a algum. Suas atividades so uma espcie de estoque
cultural, a cada passo que seus ensinamentos e modos de educao so frequentemente
obtidos em outros centros religiosos, fazendo com que sua atuao se estenda
largamente pela regio. H por parte deste, uma ativa reproduo, deteno e
propagao de suas atividades culturais, organizadas sistematicamente na manuteno
do seu status de educador.
Na Nova Guin tradicional, o iniciador opera atravs da manuteno do segredo.
Por meio da manipulao de objetos concretos ele constri uma tradio de
conhecimento bastante complexa. O autor descreve esta performance no cotidiano e na
articulao que este realiza com os smbolos sagrados, em atividades que envolvem
cultos, crenas, rituais msticos da fertilidade com bnos dos ancestrais. Os
conhecimentos do iniciador no so ensinados, so empregados e articulados quando
este ritualiza performances pblicas na iniciao dos novios.
So papis sociais construdos culturalmente a partir de conjuntos de
premissas e conceitos coexistentes. O guru alcana sua realizao
como tal ao reproduzir o conhecimento, enquanto o iniciador, ao
proteg-lo. As injunes dos seus respectivos papis implicam
demandas completamente distintas quanto forma de lidar com o
conhecimento. O guru deve oferec-lo continuamente: deve explicar,
instruir, saber e exemplificar; com isso, contribui para incutir nas
mentes de seus pupilos e de seu pblico elementos de uma tradio
bastante prolfica. J o iniciador guarda tesouros secretos at o dia de
clmax em que deve criar uma performance, um drama que ocasiona a
transformao dos novios. (BARTH, 2000b, p. 145-146).
9
A diferena e a semelhana esto na maneira pela qual estes dois atores
administram seus estoques culturais na interao social. O conhecimento se torna um
valor que articulado, no caso do guro na obteno de mais informaes, por outro lado
o sacerdote do culto dos mistrios da Nova Guin o conhecimento est na preservao
das verdades essenciais da iniciao.
Em Cosmologies in the Making: a generative approach to cultural variation in
inner New Guinea (1987), Fredrik Barth analisa as variedades das expresses
cosmolgicas de uma determinada populao. Os processos de reproduo naquela
tradio de conhecimento so elementos explicativos do contedo e do padro de
distribuio da cultura. Pois, o iniciador um agente articulador de processos criativos
na sua performance. Conquanto, em numa tradio que se preserva segredos, as
cognies e as emoes de cada rito so componentes significativos na reflexo da
constituio do universo local, dos grupos, os status e as relaes ali presentes. Para
Barth (1987), os Baktaman e os outros ritos Ok so formas e modos de lutas com o
entendimento com o cosmo, e no se restringe apenas a meras representaes da
sociedade, mas devem ser analisados por meio das tradies de conhecimento sobre o
qual estes se sustentam. H uma gama de papis e premissas na enunciao destes. Os
atos do iniciador tem efeitos cumulativos de performance, baseados na transmisso das
tradies. Mesmo quando este se resguarda em longos perodos, preparando e
guardando seus conhecimentos na preparao dos iniciados, a apresentao pblica o
momento crucial na demonstrao de seus saberes, que por sua vez so percebidos pelo
pblico no seu desempenho performtico.
Estamos falando de tipos de transao de conhecimento onde a primeira seria
caracterizada por uma transao de conhecimentos de cima para baixo, entre mestres e
discpulos, com os saberes sendo verbalizados e eventualmente escritos, e os contedos
ricos em massa e podendo ser divulgados com facilidade, enquanto que a segunda seria
articulada para cima, com os deuses, e para baixo, com os nefitos, manifestando-se
apenas por performances, baseadas em danas e uso de imagens e objetos com forte
poder simblico (MURA;BARBOSA, 2011, p.24). No muito longe desta perspectiva,
realizo um paralelo com a performance das Cambindas. Pois, no manejo dos corpos e
na desenvoltura que os danantes realizam perante o pblico e nos ensaios internos que
o cortejo formado, ensinado e difundido. Mas, todo esse cenrio s montado a partir
10
dos conhecimentos transmitidos pelo Mestre Cambinda. Para tanto, cabe aqui
compreender o contexto no qual os interlocutores da pesquisa esto envolvidos e as
posies destes atores em seus lugares de enunciao e evocao de uma origem em
comum.
Segundo a famlia Levino, a Cambinda chegou a Tapero no final do sculo XIX,
por meio de um andarilho descendente de escravos por nome de Joo Melquades. Este
conheceu um outro negro, o conhecido Joo Levino e lhe ensinou esta dana que
provinha da terra de seus ancestrais na frica. Desde ento, os descendente de Joo
Levino, guardam o que eles chamam de tradio, sobre a recomendao de quem lhe
ensinou a dana, que esta no podia ser passada para outra famlia, devia permanecer
com os Levinos. Na sua quarta gerao, tendo como Mestre o bisneto de Joo Levino,
Ednaldo Levino, conhecido localmente como Ngo Nal, o cortejo vem por ele sendo
articulado.
As Cambindas da famlia Levino formada por Rei, Rainha, Vassalos, Dama do
passo, Dama da Boneca, Dona Leopoldina, duas Porta-Estandarte, Mestre,
Contramestre e Cambindas. Segundo Nal, o saber da dana, ou a tradio da dana,
passada de gerao em gerao, desde seu bisav. Mas, no todo membro da famlia
que pode gerir o cortejo. Pois, dado esse papel a todo homem primognito. No toa
que seu pai e seu av eram filhos primognitos, assim como ele.
Figura 1: Cortejo das Cambindas Novas de Tapero-PB
Contudo, ser mestre das Cambindas no se dar apenas neste fato, mas este
gerado na medida em que apreender as msicas (loas), os passos (coreografias), e a
histria da dana. Esta ltima aprende-se desde cedo, com o pai falando na sala de casa
como eles receberam a tradio. As loas so ensinadas mais adiante, quando a
11
criana capaz de repetir as estrofes e os refros. A dana pode ser ensaiada, levando o
garoto ao final do cordo e vendo o desenvolvimento de sua performance. E este s
segura o marac quando considerado apto para a apresentao pblica. O Mestre antes
de ser Mestre Cambinda. Da segue na posio de baliza e depois de contramestre
auxiliando neste contexto o seu progenitor at que este no possa mais levar o cortejo.
A condio de nascimento a todo instante contestada, pois para se tornar mestre diante
dos membros da prpria famlia, o que herdou a posio deve provar ser habilidoso na
maneira pela qual envolve todos os danantes e os ensina a danar.
Quando iniciei o meu trabalho de campo com as Cambindas, o grupo e
consequentemente aquela famlia vivenciava o luto causado pelo falecimento do Mestre
Pedro Delmiro4, pai de Nal. Motivo pelo qual, o cortejo se ausentou de algumas
festividades na cidade por um perodo. Atentei que por diversas vezes mencionei Nal
como mestre, alguns membros da famlia me corrigiram dizendo que ele ainda estaria se
tornando Mestre. Considero que mesmo a morte de seu pai e sua recolocao naquele
determinado papel, constantemente avaliada seguindo o critrio de que preciso saber
ensinar a dana a algum. Foi nos momentos dos ensaios que pude observar como era
ensinado aos novos danarinos os arranjos daquela performance. E no s se transmite
este saber a parentes, tambm se ensina aos amigos, vizinhos, e afilhados. Tendo em
vista que as interaes entre os que praticam a Cambinda em Tapero, envolvida pelas
relaes de afinidades, de parentesco, e polticos.
Ao contrastar ao que fora percebido no trabalho de campo, anoto que os
status/posies inseridos dentro das relaes do grupo quando o Mestre passa e repassa
o que sabe, a meno de Barth (2000a) sobre como o Guru Ali Akbar ensina a algum.
Tal contexto de anlise pode servir de paralelo entre esses dois papis que articulam
conjuntos de conhecimentos em uma determinada localidade. No entanto, na
apresentao pblica e performtica que o reconhecimento do grupo amplamente
propagado. Contudo, a posio de Mestre do cortejo das Cambindas Novas no est no
meio caminho entre o guru e o iniciador das experincias etnogrficas de Barth (1987,
2000) no sudeste asitico e na melansia. Como polos distintos e contrastivos de
propagao e difuso de certos tipos de conhecimento carregados de cdigos
informativos, a posio que o papel de Mestre Cambinda oferece nesta anlise de que
na performance, e menos no contedo que este reconhecido e legitimado.
4 Pedro Levino ficou conhecido como Pedro Delmiro, pois Delmiro era nome do seu pai.
12
A observao participante realizada no momento dos ensaios do grupo para as
apresentaes pblicas tm oferecido elementos para embasar este tipo de assero. A
dana moldada pelo Mestre, composta de um mote de organizao dividida em
quatro cordes5, direcionados para ao contramestre
6, este tm a competncia de marcar
os passos com o apito, e auxiliar o Mestre em toda a apresentao e principalmente na
preparao para exibio pblica.
Croqui 1: Cortejo das Cambindas Novas
Nas Cambindas o prprio cordo geracionalmente organizado. Nas
apresentaes e nos ensaios, notei que a posio de baliza que o Cambinda que guia
os passos do cordo pelos mais velhos danarinos ocupados. Os mais jovens, ou
mesmo os que esto iniciando no cortejo, seguem no final do cordo.
5 Dois encarnados e dois azuis.
6 Atualmente ocupado pelo filho de Ednaldo Levino.
13
Durante os ensaios os danarinos so observados por no-danarinos, no h
recluso por parte destes, embora h relatos que o grupo j tenha escondido seus passos
em anos atrs da expiao da plateia. O que h nesses momentos so contestaes que
consagram a apresentao do grupo para alm daquele espao, assim como h na
performance do iniciador (BARTH 1987; 2000b). Porm, no h uma constituio de
uma atmosfera de segredo ou sigilo, na apresentao das Cambindas Novas, mas h sim
uma espcie de ideia de eficcia performtica do saber danar e do saber ensinar.
Deste modo, a performance tem um carter dinmico que se estende daqueles que
danam, mas tambm por meio deste que se sabido o quanto o Mestre capaz e
habilidoso de ensinar o que lhe foi herdado. Neste sentido, a anlise processual sobre a
transmisso de uma dana, atravs de seus laos de afinidades, de parentesco e polticos
circunscrevem certos aspectos que as vises totalizantes sobre folguedos populares no
conseguem descrever sem demonstrar certo tipo de fragilidade sobre as conjunturas
pelas quais os indivduos esto envolvidos. Sendo a dana Cambinda praticada em
Tapero e articulada por uma famlia h muitos anos, cabe anotar que tais elementos so
intersticiais nos moldes e maneiras de se fazer e gerar contrastes e aproximaes entre
os grupos familiares ali presentes e os jogos de poder e prestgio por eles articulados.
Prticas E Lgicas De Uso Dos Recursos Materiais
A literatura sobre os fenmenos tcnicos tende se sustentar na capacidade humana
de produzir materiais e modos de interao com o ambiente a sua volta. Por vezes este
tipo de abordagem centra-se no processo produtivo e muito menos nas maneiras e
lgicas de uso agregados aos conjuntos de conhecimentos. O ato de produo
analisado a partir de sua solidificao em objetos e utenslios, considerados apenas
como resultados das construes proporcionadas pela ao humana sobre a matria.
Demonstrando assim, a interveno do Homem sobre a Natureza7, moldando-a e a
aperfeioando-a, lhe dando sentido e ordem. Parte destas concepes advm das
tentativas do pensamento cientifico em demarcar diferenas na relao entre o homem e
a matria, entre a Cultura e a Natureza. Esta situao relacional que coloca em polos
distintos e em contraste o mundo social/humano com o mundo natural/animal acentua
uma dicotomia que pouco tem a contribuir na anlise dos processos produtivos
7 Para este debate os trabalhos de Ingold (1995) sobre o pensamento ocidental em separar em polos de
oposio o Homem e a Natureza, pode elucidar parte das questes relativas ao universo da pesquisa.
14
aglomerados em saberes expressos no universo do Mestre das Cambindas em Tapero-
PB.
O conjunto de noes descritas pelo antroplogo francs Andr Leroi-Gourhan
(1984, 1987) considerado como um clssico nos estudos sobre os fenmenos tcnicos e
da tecnologia com destaque para as categorias analticas como tendncia tcnica e fato
tcnico, tem me auxiliado no esforo de pesquisa com os praticantes das Cambindas. O
autor compreende tendncia como todas as extenses e dimenses possveis e
previsveis do aperfeioamento das tcnicas de um determinado grupo a partir de seu
contato e troca com outros grupos. A relao entre as tendncias com o meio, fato
tcnico resultado da experincia em um determinado lugar, caracterizado por certa
materialidade, unida capacidade de inveno e/ou obteno de emprstimos de
princpios tcnicos, levaria justamente a se poder realizar mudanas no prprio nvel
tcnico, bem como configurar um perfil tcnico especfico (MURA, p.100). As
circunstncias pelas quais tais saberes e informaes so recebidas/captadas no
ambiente tcnico fariam com que os conjuntos tcnicos fossem pelos grupos articulados
e agrupados com reflexo nas aes sobre a matria.
Assim, no se pode deixar de lado certos processos produtivos conectados aos
contextos culturais. E quando coloco aqui, a anlise sobre o contexto para anotar as
dimenses histricas numa viso processual. Cabe tambm dialogar com o espao fsico
pelo qual os dados etnogrficos esto situados.
O processo de colonizao do espao geogrfico a qual a cidade de Tapero est
localizada data do final do sculo XVII e incio do sculo XVIII, sendo fruto de umas
das duas estratgias de ocupao e dominao territorial do Estado da Paraba
(CAVALCANTE NETO, 2013). A ocupao daquele espao territorial inicialmente se
deu por meio de um investimento e estratgia econmica no mercado de couro bovino e
no abastecimento daquela carne para a populao que ali recebia sesmarias ou/e se
deslocavam para outras localidades a fim de estabelecer relaes comercias. Em fins do
sculo XIX e boa parte do sculo seguinte, as lavouras de algodo ganharam o destaque
e o foco da economia local e regional. O algodo rendeu a cidade de Tapero sua
emancipao poltica em 1886 e lhe garantiu intervenes urbanas como nas
construes dos armazns e moendas naquela localidade. O desenvolvimento do ncleo
urbano trouxe, ou mesmo foi rota de passagem para alguns indivduos que acabaram
transacionando alguns tipos de conhecimentos especficos. A histria contada e
recontada pela famlia Levino sobre um andarilho, por vezes lembrado como um negro
15
funileiro descendente de escravos que esteve em Tapero para a construo de uma obra
na cidade e que acabou passando/ensinado ao um colega de trabalho tambm negro,
uma dana que corteja seus ascendentes pode apontar um cenrio muito complexo
centrado nas competncias individuais.
O que quero mostrar aqui que o domnio de certos conhecimentos se entrelaa
no universo Cambinda, com nfase na figura do Mestre. Entendendo, que os elementos
culturais em fluxo, so permeados por valores e ideias, que so ordenados e organizados
por pessoas que so dotadas de saberes especficos. Estes atores movimentam-se
partilhando seus contedos culturais atravs de habilidades e meios que permitem
moldar esquemas de ordenamento das tradies de conhecimentos que possuem
(BARTH, 1987; 2000a; 2000b).
Figura 2: Fotografia esquerda Mestre Pedro Levino (Pedro Delmiro). direita Mestre Ednaldo Levino
(Nal)
A formao do Mestre no pode ser algo do tipo que s diz respeito somente a seu
aprendizado, mas tambm as prprias relaes sociais que sua famlia estabeleceu ao
longo dos anos. Como as alianas polticas e de afinidades para dentro e para fora da
cidade de Tapero. Outro fator importante de observao que o prprio ofcio de
pedreiro uma habilidade tcnica ensinada internamente naquela organizao
domstica. E que muitos dos seus membros transitaram e ainda transitam em grandes
16
centros urbanos do pas como Braslia, So Paulo e Rio de Janeiro apreendendo e
aperfeioando tais tcnicas.
Exemplo claro deste tipo de transao de conhecimento do antigo Mestre Pedro
Delmiro. Este foi um dentre tantos candangos na construo do Distrito Federal na
dcada de 1950. De l, ele trouxe uma srie de aprendizados e estratgias de moldar o
cimento nas fachadas das casas mais ilustres da cidade. As viagens de Ednaldo
Levino para a cidade do Rio de Janeiro, por sua vez lhe garantiu uma habilidade de
realizar sapatas, base pela qual as casas se sustentam, com maior profundidade e
solidez para suportar uma laje.
Foto 3: Na fotografia da esquerda a sapata de uma casa em construo no loteamento privado Novo Horizonte na cidade de Tapero. possvel notar que tal sapata tem suporte de ferro para bater laje e
formar um primeiro piso.
Seja em atividades como Mestre das Cambindas seja como Mestre-de-obras, Nal
percebido e tambm reconhece indivduos que possuem e transmitem tradies de
conhecimentos. Ou seja, o status de mestre tambm confeccionado a partir do mtuo
reconhecimento entre esses sujeitos.
The distribution of the items of knowledge and ideas on the
interacting parties in a population is a major feature of the
organization of that body of knowledge and ideas; it is not only a
matter of social structure but simultaneously a matter of cultural
struc-ture. It is self-evident that a particular pattern of social
organization will pro-duce and reproduce a particular pattern of
distribution of knowledge and skills. Equally, a certain distribution of
these cultural elements between persons motivates their interactions
and exchanges, and thus animates a particular social organization and
infuses it with its constitutive qualities. Again and again in social
science, it has proved useful to distinguish these two aspects of
17
system, so as to rejoin them in a dynamic model. (BARTH, 1987, p.
77).
A distribuio de conhecimento est intrinsecamente atrelada vida social e seus
distintos arranjos, constituindo variao constante nos fluxos. So esses conjuntos de
situaes que se acumulam nas experincias e biografias dos atores (HANNERZ, 1992).
Fica evidente que nem todos possuem o mesmo prestgio, e/ou competncia para
sintetizar muitas vezes performaticamente uma expresso simblica e profissional.
Ce sont en effet les rapports sociaux qui determinent trs largement la
transmission des savoir-faire, et donc leur repartition entre les classes
d'individus. Ils font l'objet de procs d'appropriation social, et
inversement d'expropriation. Ces procs se manifestent sous des
formes diverses: luttes et conflits parfois violents, systmes de
reprsentations et valeurs, rgles institutionneles... On se trouve de ce
fait au coeur du problme de la division du travail et de son historie.
(CHAMOUX, p.73).
A tentativa aqui justamente pontuar estes distintos mecanismos e nveis de saber
distribudos pelo saber danar Cambinda e de como tais habilidades esto concatenadas
com as atribuies e tcnicas produtivas dos ofcios de pedreiros. Tais circunstncias
esto em certa medida relacionadas rede de sociabilidades a qual a famlia Levino
possui. As estratgias familiares com relao gesto econmica, onde alguns
indivduos se deslocam para trabalhar em regies metropolitanas do pas, lideram a
dana, fazem acordos chamados de empeleitadas para fazer uma sapata, rebocar
e/ou bater laje denotam a conformao de determinadas competncias nas habilidades
tcnicas.
A interao Mestre e aprendiz, no apenas se procede apenas na esfera da dana
Cambinda. Como Mestre-de-obra8, Nal ensina, avalia e legitima os ajudantes de
pedreiros. Em tudo isso, h um movimento de flexionar os instrumentos a sua volta, se
na Cambinda segurar o marac e marcar o passo constantemente por ele friccionado,
no campo de obras o manejo do martelo e bater o cimento passam por sua superviso.
Pois, a transao de conhecimento est relacionada ao manejo e utilizao dos recursos
matrias utilizada na construo das casas.
8 Por vezes, o termo utilizado encarregado da obra, tal noo deriva do universo das firmas de
construo civil nas regies do Sudeste do pas onde os interlocutores da pesquisa realizaram atividades.
18
A diviso das tarefas, deriva das competncias dos sujeitos em filtrar tais saberes.
Os atores sociais esto posicionados, por meio de suas interaes sociais. Seus atos so
interpretados a partir das experincias dos eventos conferidos e aferidos pelos sujeitos
da ao. As modalidades de organizar o conhecimento, dinamizar, transmitir, e valorizar
o conhecimento Cambinda pode ser comparado ao desempenho do iniciador do interior
da Nova Guin. A organizao do fluxo cultural partilhada numa rede de significados,
pois as pessoas geram sentidos a partir de seus pontos de localizao nestes conjuntos
de situaes (BARTH, 1987, 2000c, 2000d).
Consideraes Finais
Ao percorrer noes e categorias analticas concatenadas aos dados e a
experincia etnogrfica com o universo dos praticantes das Cambindas, foi possvel
compreender as relaes sociais ali apresentadas e a constante presena de uma histria
contada e recontada por aqueles sujeitos. Uma dana pode ser apresentada e vivida
como uma dentre muitas situaes possveis revestidas pelas interaes sociais
(MITCHELL, 2010). O que tem denotado um quadro complexo das transaes de
saberes e distribuio dos elementos culturais organizados por uma famlia.
No h, portanto uma uniformidade de pensamento, mas uma diversidade de
vises de mundo dirigidas aos contextos que envolvem tais sujeitos. Contudo,
dependendo das caractersticas dos conhecimentos ali expressos, quem possui tal
legitimidade de enunciar, evocar e agir de acordo com a tradio de conhecimento,
consequentemente dotado de competncia em transitar em diversos espaos e
relacionar variadas escalas de interao e modos de ser e fazer parte de redes de
afinidades e habilidades tcnicas. Mais uma vez a noo de que os atores esto
posicionados, uma referncia na prpria construo do objeto da pesquisa, mas,
sobretudo de como tais posies so notadas, constitudas, contestadas e por que no,
transformadas, visibilizadas, ou mesmo despercebidas. So elementos contrastivos,
distribudos e acionados quando necessrios.
Bibliografia
19
BARTH, F. A anlise da cultura nas sociedades complexas. In: BARTH, F. (compilao de Tomke Lask), O guru, o iniciador e outras variaes antropolgicas. Rio
de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000a.
__________. Cosmologies in the Making: a generative approach to cultural variation in
Inner New Guinea. Cambridge; Cambridge University Press, 1987.
__________. O guru e o iniciador: transaes de conhecimento e moldagem da cultura no sudeste da sia e na Melansia. In: BARTH, F. (compilao de Tomke Lask), O guru, o iniciador e outras variaes antropolgicas. Rio de Janeiro: Contra Capa
Livraria, 2000b.
__________. Os grupos tnicos e suas fronteiras. In: BARTH, F. (compilao de Tomke Lask), O guru, o iniciador e outras variaes antropolgicas. Rio de Janeiro:
Contra Capa Livraria, 2000c.
__________. Etnicidade e o conceito de cultura. In: BARTH, F. (compilao de Tomke Lask), O guru, o iniciador e outras variaes antropolgicas. Rio de Janeiro:
Contra Capa Livraria, 2000d.
BRUNER, E. Tourism in the Balinese Borderzone. In: Gmelch, S. (ed.). Tourists and Tourism: a reader. Long Grove: Waveland Press. [1996]2004.
CAVALCANTE NETO, F. T. Tapero: apontamentos para sua Histria. In: SOUZA, A. Clarindo B (org). Histria dos Municpios Paraibanos. V. 2. Editora da
Universidade Federal de Campina Grande. Campina Grande, 2013.
CHAMOUX, Marie-Nolle. Les Savoir-Faire Techniques et Leur Appropriation: les cas des Nahuas du Mexique. LHomme. V. 21, N, 3, pp. 71-94. 1981 DURKHEIM, E. Da Diviso do Trabalho Social. So Paulo: Abril Cultural, 1979.
HANNERZ, U. Cultural Complexity: studies in the Social Organization of Meaning.
New York, Columbia University Press, 1992.
INGOLD, T. Humanidade e animalidade. Revista Brasileira de Cincias Sociais, ano
10, n. 28, p. 39-53, jun. 1995.
LEROI-GOURHAN, A. Evoluo e tcnicas. (traduo de Fernanda Pinto Basto). So
Paulo, Edies 70, 2v. 1984.
___________________. O gesto e a palavra (traduo de Emanuel Godinho). Lisboa:
Edies.70, 2v. 1987.
MITCHELL, J. C. A dana Kalela. In: FELDMAN-BIANCO, Bela. A Antropologia das Sociedades Contemporneas. So Paulo, Editora UNESP, 1956 [2010].
MURA, F; BARBOSA, A. Organizao Domstica, Tradio De Conhecimento E Jogos Identitrios: Algumas Reflexes Sobre Os Povos Ditos Tradicionais. Revista Razes; v.33, n.1, Jan-Jun, 2011.
MURA, F. De Sujeitos E Objetos: Um Ensaio Crtico De antropologia Da Tcnica E Da Tecnologia. Horizontes Antropolgicos, Porto Alegre, ano 17, n. 36, p. 95-125, jul./dez. 2011.
REVEL, J. A beleza do morto: o conceito de cultura popular. In: REVEL, Jacques. A Inveno da Sociedade. Rio de Janeiro, RJ. Editora Nova Fronteira, 1989.
SCHWARTZ , T. The size and shape of a culture. In: F. Barth (ed.), Scale and social organization. Oslo, Bergen: Universitets-forlaget, 1978.
Top Related