Post on 10-Jul-2015
1 www.raizeditora.pt Filosofia 10.º ano | Adília Maia Gaspar; António Manzarra
A ética utilitarista
Título: O critério de moralidade do utilitarismo
Autor e obra: Stuart Mill, Utilitarianism
Texto
O critério de moralidade do utilitarismo
«A doutrina utilitarista defende que a felicidade é desejável, e é a única coisa
desejável enquanto fim, sendo as outras coisas desejáveis apenas enquanto meios
para atingir esse fim.
A única prova que pode ser dada de que um objeto é visível é que as pessoas de
facto o veem. A única prova de que um som é audível é que as pessoas o ouvem e o
mesmo acontece para outras fontes da experiência. Do mesmo modo, penso, a única
evidência que é possível estabelecer de que alguma coisa é desejável é que as
pessoas a desejam. Se o fim que a doutrina utilitarista propõe não fosse, em teoria e
na prática, reconhecido como um fim, nada poderia convencer quem quer que fosse
de que o era. Não pode ser dada qualquer razão de que a felicidade em geral é
desejável, exceto que cada pessoa, na medida em que acredita que ela pode ser
atingida, deseja a sua própria felicidade. Assim, sendo isto um facto, temos não
apenas toda a prova que o caso admite, mas toda a que é possível para provar que a
felicidade é um bem, que a felicidade de cada pessoa é um bem para essa pessoa e
que, consequentemente, a felicidade geral é um bem para todas as pessoas. A
felicidade confirma assim o seu direito ao título como um dos fins da conduta e
consequentemente um dos critérios de moralidade.
Mas não provou ainda ser o único critério. Para o fazer, seria preciso mostrar não
apenas que as pessoas desejam a felicidade, mas que elas nada mais desejam. Ora é
óbvio que elas desejam coisas que, na linguagem comum, são decididamente
distintas da felicidade. Desejam, por exemplo, virtude e ausência de vício, não
menos do que prazer e ausência de dor. O desejo de virtude não é tão universal mas
é um facto tão autêntico como o desejo de felicidade. E por isso os oponentes do
padrão utilitarista consideram que tem o direito de inferir que há outros fins da ação
humana para além da felicidade, e que a felicidade não é o único padrão de
aprovação ou desaprovação.
[…]
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Em principio não há nada mais desejável acerca do dinheiro do que acerca de
qualquer monte de seixos da praia. O seu valor é somente o das coisas que com ele
se comprarão – o desejo por outras coisas que ele permite satisfazer. Todavia, o
amor do dinheiro é não apenas uma das mais poderosas forças da vida humana, mas
é em muitos casos desejado em si mesmo; o desejo de possui-lo é por vezes mais
forte do que o desejo de o usar e aumenta quando todos os desejos que apontam
para fins para além dele decaem. Pode dizer-se então que o dinheiro é desejado não
para se alcançar um fim, mas como parte do fim. Em vez de ser um meio para a
felicidade, torna-se o principal ingrediente da conceção individual de felicidade. […]
A virtude, de acordo com a conceção utilitarista, é um bem deste tipo.
Originariamente não há desejo dela, ou motivação, a não ser que ela conduz ao
prazer e protege da dor. Mas através da associação assim formada, pode vir a ser
sentida como um bem em si mesma e desejada enquanto tal com tão grande
intensidade como qualquer outro bem; e com uma diferença entre ela e o amor do
dinheiro, do poder ou da fama, a de que estes podem, e frequentemente
conseguem, tornar o indivíduo prejudicial aos outros membros da sociedade a que
pertence enquanto nada há que o transforme numa maior bênção para os outros do
que o cultivo do amor desinteressado da virtude. Consequentemente, o padrão
utilitarista, na medida em que tolera e aprova aqueles outros desejos adquiridos,
desde que eles não atinjam o ponto em que poderão ser mais prejudiciais para a
felicidade geral do que para promovê-la, impõe e requer o cultivo do amor da virtude
com a maior força possível, como sendo de todas as coisas a mais importante para a
felicidade geral.
Das considerações precedentes decorre que, de facto, nada há que seja desejável
exceto a felicidade.»
John Stuart Mill, Utilitarianism, Collins, 1969, pp. 288-292
Conteúdo
Neste texto, Stuart Mill defende a tese de que só a felicidade é intrinsecamente boa e
de que só a felicidade é autêntico critério de moralidade – é aquilo que se deve
procurar: devemos procurar ser felizes, temos a obrigação moral de procurar ser
felizes. A prova para esta tese é de natureza empírica: aquilo que todas as pessoas
querem é ser felizes e, consequentemente, isso permite estabelecer que a felicidade
é critério de moralidade.
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Todavia, para além de mostrar que a felicidade é critério de moralidade, Mill vai
ainda mostrar que a felicidade é o único critério de moralidade; para o conseguir,
antecipa uma objeção a esta tese e refuta essa mesma objeção. Assim, começa por
admitir a posição daqueles que defendem que não é a felicidade mas a virtude o
critério de moralidade; defendem, ainda, que devemos ser virtuosos e que uma
pessoa moralmente boa é a que procura ser virtuosa.
Para refutar esta objeção, Mill utiliza uma hábil analogia entre o dinheiro e a virtude;
e mostra que, assim como o dinheiro é um meio para se ser feliz, que por vezes
alguns transformam em fim em si mesmo, também a virtude é desejável enquanto
meio imprescindível para sermos felizes e contribuirmos para a felicidade das outras
pessoas. E é um meio tão poderoso que alguns veem a virtude, erroneamente, como
um fim em si mesma.
Interesse do texto
Este texto revela uma mente descomplexada que consegue, numa época de
puritanismo algo hipócrita, defender uma visão otimista da felicidade,
compatibilizando-a com a virtude, apresentada como meio para a felicidade.
Estrutura do texto
Texto com uma interessante estrutura argumentativa, ao longo do qual as ideias se
vão desenvolvendo, por meio de ligações subtis, mas consistentes. A partir da tese,
corroborada por um argumento experiencial, imagina-se uma objeção à tese,
refutada através de um argumento por analogia.
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Proposta de exploração
Reorganização da informação através do preenchimento do quadro.
O critério de moralidade do utilitarismo
Tese defendida
por Stuart Mill
Argumento em
apoio da tese
Objeção à tese
Concessão à
objeção
Refutação da
objeção
Fundamento da
refutação
Oficina de escrita
Depois de preenchido o quadro, responda à questão:
O que é que prazer e felicidade podem ter a ver com dever moral?