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٢٠١٥

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Caroline Kalil Reimann

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO II

IDENTIFICAÇÃO CULTURAL NA PUBLICIDADE: UMA ANÁLISE SOBRE A

PUBLICIDADE DO MCDONALD’S VOLTADA PARA O PERÍODO DO RAMADÃ

Santa Maria, RS

2015

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Caroline Kalil Reimann

IDENTIFICAÇÃO CULTURAL NA PUBLICIDADE: UMA ANÁLISE SOBRE A

PUBLICIDADE DO MCDONALD’S VOLTADA PARA O PERÍODO DO RAMADÃ

Trabalho Final de Graduação II apresentado ao

Curso de Publicidade e Propaganda, Área de

Ciências Sociais, do Centro Universitário

Franciscano, como pré-requisito para aprovação

da disciplina de Trabalho Final de Graduação II.

Orientadora: Profª. Mª. Caroline De Franceschi Brum

Santa Maria, RS

2015

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Caroline Kalil Reimann

IDENTIFICAÇÃO CULTURAL NA PUBLICIDADE: UMA ANÁLISE SOBRE A

PUBLICIDADE DO MCDONALD’S VOLTADA PARA O PERÍODO DO RAMADÃ

Trabalho Final de Graduação II apresentado ao Curso de Publicidade e Propaganda, Área de

Ciências Sociais, do Centro Universitário Franciscano, como requisito para obtenção do grau

de Bacharel em Publicidade e Propaganda.

________________________________________

Prof.ª Me. Caroline De Franceschi Brum

Orientadora (Centro Universitário Franciscano)

________________________________________

Prof.ª Drª. Sibila Rocha

(Centro Universitário Franciscano)

________________________________________

Bel. Laíse Zappe Loy

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AGRADECIMENTOS

Seria um tanto irônico se a primeira pessoa a ser agradecida neste trabalho não fosse

Allah, aquele que conheci e aprendi a respeitar, aquele que em sua onipresença e bondade me

acompanhou em cada palavra e em cada parte desse trabalho. Sua força me fez acreditar na fé,

não só religiosa, mas a fé num mundo mais humano, mais digno, e, principalmente, um mundo

de paz.

Agradeço aos entrevistados, que colaboraram para esse estudo, expondo suas opiniões

e suas vidas. Obrigada pela acolhida em suas casas e trabalho, pelas palavras de incentivo, pelas

tâmaras, cafés e doces deliciosos.

Aos anjos, que para mim são mais que humanos, que me deram a vida e nela me

ensinaram meus principais valores, meus pais Maria do Carmo e Carlos. Obrigado por estarem

sempre ao meu lado, por compartilharem tantos momentos da minha vida e deste trabalho. Sem

vocês eu tenho certeza que não conseguiria estar aqui. Ao meu irmão Guilherme, que, mesmo

não estando presente todo o tempo, não faltou disposição para me incentivar. Ao Júlio César,

que mesmo sendo peixe, sempre me ouviu com paciência (ou não) e em seus poucos

movimentos encontrei o conforto de um abraço. Por vocês meu amor é incondicional e

inalterável. Amo vocês.

Ao meu tio Luís Kalil, que, mesmo sem saber, ensinou-me que a nossa descendência

árabe escondia encantamentos fascinantes e que a história vivida está mais viva que o próprio

presente. Em sua ausência compreendi a grandeza dessas descobertas. Como eu queria que você

estivesse aqui para podermos trocar informações e discutirmos os resultados, mas acima de tudo

queria te mostrar que esse trabalho também é uma ou mais uma de tantas homenagens que

recebeu.

Aos amigos de todas as horas, de todos os momentos, de todos os humores e sonhos.

Amanda, obrigado pelos quatro anos de muita amizade, de muitas risadas, de muitas lágrimas

e de muito companheirismo, foi intenso demais e verdadeiro. Eduarda, contigo aprendi que

amizade verdadeira se faz em pouco tempo e não precisou mais que isso para a gente estar,

literalmente, conectada. Minha amiga preciosa que vale mais que pedra de ametista! Guilherme,

entre diferentes sentimentos chegamos ao final da faculdade como começamos, juntos. Muito

obrigada pelo carinho e amizade que nutrimos, isso não se encontra em qualquer lugar.

Alexsandro, Alex, mas vulgo Tio, obrigada pelos conselhos de amigo, por mais que eu, às

vezes, não gostasse muito deles. Obrigada pela parceria e risadas. Faz quatro anos que eu

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agradeço todos os dias por vocês, meus amigos, terem cruzado meu caminho. Sem vocês as

aulas não teriam tanta graça e as risadas seriam poucas. Sempre acreditei que era possível amar

amigos e eu, sim, amo vocês.

Não posso dizer que agradeço a minha orientadora, porque seria muito pouco. Então

agradeço primeiro a minha amiga, minha confidente, minha parceira, minha inspiração, meu

exemplo de pessoa e profissional. Caroline Brum, nas nossas diferenças, descobri que somos

iguais, minha grande mim. Palavras são pouco para agradecer tantos conselhos e tantas ajudas

não só neste trabalho, mas na vida como um todo. Obrigada por ser exatamente assim, sensitiva,

verdadeira, exigente e afetiva. Obrigada por me fazer acreditar que a vida pode ser vivida com

muito mais intensidade e alegria, principalmente quando vivida ao teu lado.

A todas (os) as (os) professoras (res), Morgana, Cristina, Pauline, Cláudia, Angélica,

Janea, Laíse, Michele, Taís, Márcio, Sibila, Maicon e Elsa, que cruzaram pela minha vida e por

este trabalho, moldando minha formação como publicitária. Muito obrigada pelas suas

contribuições, ideias e críticas, desafios e ajudas.

À todos vocês que, lembrei ou acabei esquecendo, meu muito obrigada.

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RESUMO

Estar presente em diferentes países, como ocorre com as franquias do McDonald’s,

exige da empresa um planejamento baseado no contexto sociocultural do espaço em que está

inserida. A partir desta constatação, o presente estudo tem por objetivo compreender anúncios

da empresa McDonald’s a partir da sua relação com a cultura islâmica, divulgadas

especificamente no período do Ramadã. Para seu alcance, foram descritos os elementos do

discurso publicitário presentes nos anúncios, identificados a forma como cada elemento

encontrado faz relação com a cultura islâmica e analisadas a interpretação dos anúncios sob

uma visão de muçulmanos praticantes do Ramadã. Para o alcance de tais objetivos, o estudo

tem por natureza qualitativa, iniciando sua construção a partir de um estudo exploratório,

revisão bibliográfica e entrevistas semiestruturadas com cinco entrevistados de Santa Maria e

Bagé, ambas no Rio Grande do Sul.

Palavras-chave: Consumo; Publicidade; Cultura; McDonald’s; Muçulmano.

ABSTRACT

Being present in different countries, as occurs with McDonald's franchises,

requires from the company planning based on sociocultural space in which it operates. From

this finding, the present study aims to understand ads for McDonald's company from its

relationship with the Islamic culture, specifically disclosed in the Ramadan period. To reach,

the elements of advertising discourse present in the ads were described, identified how each

element found is related to Islamic culture and analyzed the interpretation of ads in a vision

practitioners of Ramadan Muslims. To achieve these objectives, the study is qualitative, starting

its construction from an exploratory study, literature review and semi-structured interviews

with five respondents Santa Maria and Bage, both in Rio Grande do Sul.

Keys-words: Expenditure; Advertisement; Culture; McDonald’s; Muslim.

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LISTA DE IMAGENS

Figura 1 – Burca................................................................................................ 18

Figura 2 – Niqab................................................................................................ 18

Figura 3 – Chador.............................................................................................. 18

Figura 4 – Hijab................................................................................................. 19

Figura 5 – Anúncio 1......................................................................................... 88

Figura 6 – Símbolo Islam...................................................................................89

Figura 7 – Anúncio 2......................................................................................... 90

Figura 8 – Anúncio 3......................................................................................... 92

Figura 9 – Anúncio 4......................................................................................... 94

Figura 10 – Anúncio 1..................................................................................... 105

Figura 11 – Anúncio 2..................................................................................... 106

Figura 12 – Anúncio 3..................................................................................... 106

Figura 13 – Anúncio 4..................................................................................... 107

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10

2 IDENTIDADE CULTURAL .............................................................................................. 16

3 CULTURA ISLÂMICA ...................................................................................................... 21

4 MARCAS E SUAS ADAPTAÇÕES CULTURAIS .......................................................... 26

5 ELEMENTOS DO ANÚNCIO PUBLICITÁRIO ............................................................ 29

6 METODOLOGIA ................................................................................................................ 33

6.1 NATUREZA, MÉTODO E TÉCNICA DE PESQUISA ............................................... 33

6.2 OBJETO DE PESQUISA .............................................................................................. 34

6.3 MATERIAIS DE ANÁLISE E CATEGORIAS DE ANÁLISE ................................... 36

6.4 INFORMAÇÕES RECOLHIDAS DAS ENTREVISTAS............................................ 37

6.4.1 Entrevistado 1 ........................................................................................................ 37

6.4.2 Entrevistado 2 ........................................................................................................ 45

6.4.3 Entrevistado 3 ......................................................................................................... 50

6.4.4 Entrevistado 4 ......................................................................................................... 57

6.4.5 Entrevistado 5 ......................................................................................................... 64

7 ANÁLISE A PARTIR DAS ENTREVISTAS ................................................................... 70

7.1 . OH QUE SAUDADES QUE EU TENHO, DA AURORA DA MINHA VIDA1/ DA

MINHA TERRA QUERIDA.................................................................................................... 70

7.2 PURIFICAÇÃO FÍSICA E ESPIRITUAL.....................................................................76

7.3 MUITO ALÉM DO HAMBÚRGUER...........................................................................82

7.4 ANÁLISE DOS ANÚNCIOS SELECIONADOS..........................................................86

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................97

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 100

Anexo A – ROTEIRO DA ENTREVISTA ......................................................................... 103

Anexo B – MATERIAIS SELECIONADOS PARA ANÁLISE ....................................... 106

1 Poema Meus Oito Anos de Casimiro de Abreu.

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1 INTRODUÇÃO

Estudar aspectos culturais como reflexo na comunicação exige do pesquisador

compreender o fluxo da influência que exercem um no outro, as formas como se modificam ou

permanecem e as suas relações com a sociedade em que atuam. Quando se estuda a cultura

voltada para o campo da comunicação, é preciso considerar estas duas áreas inseparáveis

(SANTAELLA, 1996) de forma que atuam unidas e são reflexos uma da outra buscando nelas

a compreensão dos valores e processos culturais atuantes e reproduzidos na sociedade. Mas

essa atuação não se dá através de uma só direção, mas pelos dois sentidos, em que os estudos

culturais também são transformados a partir da sociedade e, consequentemente, a comunicação

também expressa tais mudanças.

A evolução tecnológica dos meios de comunicação e a sua massificação e o sucessivo

crescimento da cultura de massa atrelado aos meios de comunicação, possibilitaram que a

comunicação one to one, ou pessoa a pessoa, fosse substituída pela comunicação de massa que,

segundo Abraham Moles (1986, p. 483 - 484) apud Santaella (1996, p. 33), “é aquele tipo de

comunicação que ocorre entre um emissor e uma multiplicidade de receptores espalhados

através de um campo geográfico e social, isto é, receptores sem qualquer conexão entre si”. O

estabelecimento desta relação, cultura de massa e os meios de comunicação, configura uma

proximidade em que caminham lado a lado, contribuindo para um crescimento mútuo e

possibilitando chegar ao ponto em que “quanto mais as mídias se multiplicam mais aumenta a

movimentação e interação ininterrupta das mais diversas formas de cultura, dinamizando as

relações entre diferenciadas espécies de produção cultural” (SANTAELLA, 1996, p. 31).

Entre as conexões e trocas culturais é possível identificar a publicidade, que busca

intermediar as relações dos campos culturais e o consumidor tornando-se necessária à medida

em que a “complexidade crescente do funcionamento do espaço social requer uma maior

utilização de formas de comunicação para estabelecer um contato, uma empatia com a

população” (SEMPRINI, 2006, p. 74). Marcas e empresas também interagem com tais

mudanças na forma de adaptações de seus materiais publicitários. Essas mudanças devem fazer

com que mensagens e imagem de marca sejam condizentes com as transformações

socioculturais, permitindo que haja um diálogo entre elas a partir do espaço no qual o

anunciante está inserido.

Empresas multinacionais que atuam em diferentes países trabalham suas estratégias

baseadas no contexto sociocultural na qual estão inseridas e assim precisam mais que uma

adaptação, mas uma reorganização e estudos mais aprofundados sobre as mudanças que

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materiais publicitários devem sofrer. Atuar em países com diferentes culturas, muitas vezes

completamente distintas, exige da marca a capacidade de moldar-se e buscar formas de estreitar

as relações com o seu consumidor, evitando riscos como o sentimento de ofensa, agressão e má

interpretação por parte do consumidor.

Uma adequação utilizada em campanhas publicitárias de empresas multinacionais está

no uso do idioma local e na inclusão de elementos representativos para aquela cultura. Essa

influência cultural é relevante a partir do momento em que se percebe que a comunicação mais

generalizada não consegue estabelecer os mesmos laços com o consumidor como a

comunicação pensada de forma sociocultural. É necessário que a comunicação da marca se

comprometa quanto a estas mudanças, já que as “estratégias de marketing que mantiveram as

características de seus lugares de origem não tiveram sucesso em outros culturalmente

diferentes” (UCELLA, 2009)2.

Empresas do setor alimentício, por exemplo, precisam adaptar mais que a linguagem

de seus materiais publicitários, mas, também, partes do planejamento de comunicação, que são

quase que padronizados entre os franqueados, como é o caso dos produtos oferecidos nos

cardápios do McDonald’s. A empresa precisou adaptar-se à cultura da Índia, em que os

hambúrgueres da marca não tinham como ingrediente a carne bovina. Consequentemente, o

trabalho comunicacional também deveria estar acordo com a cultura uma vez que “seria inútil

qualquer tentativa de inserir no costume dos indianos o hábito de se alimentarem com um

produto que para eles tem valor muito superior” (UCELLA, 2009)3.

Atuar em países que assumem a religião como principal regente da cultura e do

desenvolvimento da sociedade, como é o caso da Índia e de países de cultura islâmica, exige

das marcas e empresas um planejamento pensado nos fatores culturais que, neste caso, inclui a

religião, pois “tal mundo é naturalmente muito diverso quanto às suas histórias, nações e etnias,

línguas, maneiras de viver consigo mesmo, com seu meio ambiente e com seus vizinhos”

(DEMANT, 2004, p. 13).

Para se compreender os aspectos culturais relevantes que servirão de base para o

planejamento estratégico de uma multinacional, é preciso deter-se, inclusive, aos eventos,

2 UCELLA, Lidiane Carminatti. Influências culturais nas decisões de marketing. Disponível em: <

www.artigonal.com/marketing-e-publicidade-artigos/influencias-culturais-nas-decisoes-de-marketing-

1599236.html>. Data de acesso: Fevereiro de 2015. 3 UCELLA, Lidiane Carminatti. Influências culturais nas decisões de marketing. Disponível em: <

www.artigonal.com/marketing-e-publicidade-artigos/influencias-culturais-nas-decisoes-de-marketing-

1599236.html>. Data de acesso: Fevereiro de 2015.

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festividades e momentos importantes para determinada cultura. Por ter as raízes fixadas aos

costumes religiosos e ao livro sagrado Alcorão, os países de origem islâmica balizam suas

comemorações envolvendo as conexões com Allah, “Deus” escrito em árabe, e a purificação

espiritual e física do corpo. Um desses momentos pode ser identificado no período do Ramadã,

que representa um dos cinco pilares do Islam que norteiam a vida de cada muçulmano, sendo

um acontecimento muito respeitado e seguido por todos. É dentro desse contexto que essa

pesquisa se desenvolve, analisando materiais publicitários divulgados no período do Ramadã

com base nos preceitos seguidos pela cultura islâmica, investigando os elementos em comum e

não de forma isolada na sociedade.

A partir da delimitação quanto ao universo compreendido nessa pesquisa, tem-se, por

questão norteadora, quais os elementos da cultura islâmica identificados em anúncios impressos

do McDonald’s veiculados no Paquistão, Índia e Marrocos no período do Ramadã? Para buscar

responder a essa pergunta, estabeleceu-se o objetivo de compreender os anúncios do

McDonald’s a partir da relação com a cultura islâmica, divulgadas especificamente no período

do Ramadã e, a partir deste fim, descrever quais são os elementos do discurso publicitário

presentes nos anúncios do McDonald’s, identificar de que forma os elementos encontrados

fazem relação com aspectos da cultura islâmica e analisar de que maneira indivíduos que

praticam o Ramadã interpretam os elementos culturais presentes nos anúncios do McDonald’s.

Para justificar as escolhas definidas nesse trabalho, vale considerar que as pesquisas

voltadas para a área dos estudos culturais são estudadas principalmente pelos campos da

Antropologia, Filosofia e Ciências Humanas e Sociais, existindo diversos trabalhos que

abordam os diferentes significados da palavra e as suas características. Os estudos culturais

possibilitam que o seu conteúdo seja bastante rico, pois o pesquisador não precisa se limitar

somente a uma determinada disciplina, mas fazer com que diferentes disciplinas interajam,

buscando uma compreensão mais ampla da sociedade e informações mais completas quanto a

análise da mesma.

Especificamente se tratando dos estudos culturais na área da comunicação, poucas são

as pesquisas que conseguem abordar as relações socioculturais estudadas a partir da

publicidade. Mesmo que tais aspectos pareçam estar em contextos diferentes, eles possuem um

vínculo, já que o principal foco de qualquer material publicitário está no contato com o

consumidor e este é formado a partir de uma identidade constituída a partir da sociedade e,

consequentemente, da cultura na qual está inserido. Assim, materiais publicitários nada mais

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são que um reflexo da cultura e da sociedade de um povo, das suas atitudes como consumidor

e cidadão.

Previamente à construção desse trabalho, foram realizadas pesquisas a fim de verificar

se haveria outras explorações quanto a relação dos estudos socioculturais e a publicidade.

Identificou-se a escassez de materiais que poderiam servir como guias ou fontes de referência

para essa pesquisa, de forma que, a partir desta constatação, percebeu-se a necessidade de trazer

novos estudos para o campo da comunicação e tentar enriquecer o mesmo sobre o ponto de

vista cultural.

Quando se procura por um estudo cultural direcionado para alguma cultura que seja

considerada distante da Ocidental, percebe-se ainda mais a falta de trabalhos relacionados, de

modo que essa pesquisa quer buscar aspectos da cultura islâmica no contexto de anúncios

publicitários. Como forma de enriquecer ainda mais esta análise, procurou-se trazer objetos de

pesquisa que estejam vinculados a uma empresa que atue em diferentes países. Verificando os

trabalhos já publicados no Centro Universitário Franciscano, também não foram encontrados

materiais que tivessem relação com esse tema em específico. Em nível nacional, foram

encontradas apenas quatro referências que trazem a cultura islâmica para um contexto

comunicacional, elevando assim a importância do presente estudo na contribuição deste campo

de pesquisa.

Dentre todas as explorações realizadas por sites, revistas e materiais publicados para

fins de referência, foi encontrado um único artigo que possuía as mesmas diretrizes desse

trabalho, apenas com a mudança no objeto de pesquisa. O artigo tem por título Contexto

multicultural e persuasão na publicidade da Coca-Cola no Paquistão4, escrito pelas autoras

Mariza de Fátima Reis e Cessari Moara Beltrame, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie,

e publicado na Revista Inovcom, em 2014. O artigo trabalha com a relação da cultura e anúncios

publicitários da empresa multinacional Coca-Cola. As autoras selecionaram quatro cartazes de

uma mesma campanha da empresa para analisar a relação dos elementos identificados nos

materiais publicitários com a cultura paquistanesa. No decorrer da pesquisa, são destacados

elementos específicos que fazem relação com a cultura estudada, representados nos anúncios

pelos símbolos que estão posicionados como se estivessem saindo da garrafa de Coca-Cola,

representação muito utilizada pela marca em seus materiais publicitários. Esses elementos, que

4 REIS, Mariza de Fátima; BELTRAME, Cessari Moara. Contexto multicultural e persuasão na publicidade da

Coca-Cola no Paquistão. Revista Inovcom, 2014. Disponível em:

<http://www.portcom.intercom.org.br/revistas/index.php/inovcom/article/viewFile/1845/1670>. Data de acesso:

Abril de 2015.

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compõem a imagem de um truck art, traduzido por arte em caminhão, são considerados como

símbolos culturais no Paquistão, mas também existem outros elementos que fazem parte do

cotidiano do povo paquistanês. A língua também é um dos recursos utilizados como elemento

de identificação com a cultura do Paquistão e, neste caso, foi utilizado o idioma Urdu, que

também é um símbolo de reconhecimento e identificação do povo. Todos os anúncios trazem a

sensação de pertencimento ao povo paquistanês e aproxima o anunciante do consumidor. Esse

artigo também justifica a relevância e a importância dos estudos voltados para as estratégias

que grandes marcas têm ao se inserir em culturas diferentes, mostrando que a relação entre

cultura e comunicação se torna uma forma eficiente de se aproximar do consumidor.

A contribuição dessa pesquisa não se limita somente ao campo dos estudos culturais,

mas também ao da comunicação a partir do momento em que serão analisados anúncios

publicitários da empresa McDonald’s, trazendo uma reflexão sobre a identificação da cultura

islâmica na publicidade. Também mostra de que maneira a empresa multinacional McDonald’s

se comunica com a cultura do país e quais são os elementos utilizados. Compreender a cultura

islâmica a ser percebida de forma tão distante da brasileira a partir dos costumes, crenças,

hábitos, valores de vida e pensamentos sobre o mundo reflete na complexidade e diversidade

de temas que esse estudo apresenta.

Os poucos estudos voltados para a compreensão dos elementos da cultura muçulmana

sob análise de campanhas publicitárias do McDonald’s fazem com que esse trabalho tenha

relevância no campo das pesquisas acadêmicas tanto pela sua originalidade quanto pela

complexidade do tema. A escolha dessa pesquisa tem por fator principal a relação da

pesquisadora com a cultura islâmica. Mesmo não sendo de religião muçulmana, tem origens

familiares por parte de mãe, vindas de regiões árabes, como Beirute, no Líbano. Com eles, as

gerações familiares permaneceram cultivando os costumes deste povo desde hábitos

alimentares ou poucas frases e expressões do idioma de origem. Dessa forma, um dos principais

motivos pela escolha desse tema envolve a origem familiar da pesquisadora. Também como

fator influenciador na decisão do tema dessa pesquisa, tem-se a curiosidade por parte da

pesquisadora de buscar compreender de que forma a empresa McDonald’s se adapta a cultura

islâmica, especificamente no período em que acontece o Ramadã.

Para a construção deste trabalho, o conteúdo foi dividido em seis capítulos O primeiro,

intitulado identidade cultural, traz apontamentos quanto a formação da identidade dos

indivíduos a partir de experiências culturais vividas. São abordadas as inter-relações entre o

indivíduo, constituído de características próprias, e o próprio ambiente em que vive, também

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carregado de suas particularidades, estabelecendo relações que envolvem os dois lados, em que

indivíduos e sociedade acabam interferindo e modificando aspectos um no outro.

O segundo capítulo aborda aspectos da cultura islâmica, utilizada nessa pesquisa como

pano de fundo, em que contextualiza o meio em que os anúncios do McDonald’s foram

veiculados e as manifestações culturais vivenciadas no Ramadã, abrangendo todo o universo

dessa pesquisa. Tem-se no Alcorão a principal fonte de informações quanto a cultura islâmica,

trazendo os cinco pilares do Islam e suas práticas. Nesse capítulo, busca-se trazer a cultura

islâmica sem pré-julgamentos, mas explicando, de forma simples, como que a religião tem

relevância na vida de cada muçulmano.

O terceiro capítulo envolve o posicionamento de marcas quando atuantes em países

com culturas diferentes da sua de origem, trazendo as adaptações necessárias para que a relação

com o consumidor local seja harmônica. Para essas adaptações são levadas em consideração

principalmente as características culturais do povo, incluindo aqui festividades importantes

como o período do Ramadã.

O quarto capítulo dessa pesquisa compreende os elementos que compõem o anúncio

publicitário, assim como as funções de cada um identificado, permitindo que o leitor possa

compreender de que forma eles são apresentados num material e o porquê são empregados pelos

profissionais da comunicação.

O quinto capítulo apresenta a metodologia desse estudo, sua natureza, método e técnica

escolhidos. Também faz um breve resumo quanto a história do McDonald’s, o objeto de

pesquisa selecionado. Por fim, são transcritas as falas dos cinco entrevistados.

Após a descrição das entrevistas, o sexto e último capítulo incluem as análises, que

foram subdivididas em quatro categorias de forma a organizar as opiniões sobre diferentes

assuntos, incluindo as lembranças e saudade do país que deixaram, as práticas do Ramadã em

um país Ocidental, as formas de relação com a rede McDonald’s e as análises dos anúncios

selecionados. Por fim, a pesquisadora traz as considerações finais, buscando as respostas para

cada objetivo aqui proposto, concluindo esse estudo.

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2 IDENTIDADE CULTURAL

Pensar e estudar a cultura é trabalhar com diferentes significados, entre diversos

autores e áreas de estudo, de forma que seu conceito e características são difíceis de serem

delimitados, justamente por sua proximidade com as pessoas e a capacidade que tem de

incorporar e atuar como espelho da sociedade. Debates sobre cultura são constantes e a

dificuldade que se tem em chegar a uma única definição reflete na complexidade de aspectos

que formam uma cultura e o quanto ela pode influenciar nas transformações sociais e humanas.

O ser humano convive, interfere e é reflexo da cultura em que está inserido, tornando-a parte

do próprio indivíduo e da formação de sua identidade.

Os processos culturais, a sociedade e seus aspectos fazem parte da formação da

identidade do indivíduo, suas características pessoais e as dimensões que diferenciam cada ser

em um determinado espaço. São as identidades que transformam as relações do ser com a

sociedade e, para compreendê-las, não se deve trazer definições conclusivas ou fixadas a um

determinado ponto de vista já que seu conceito é “demasiadamente complexo, muito pouco

desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea” (HALL, 1992, p.

9). As identidades devem servir como pontos de referência para que seja possível identificar

quais são as formas de relação e níveis de influência existentes entre o indivíduo, a sociedade e

a cultura que ele está inserido.

Para entender de que forma essas relações se estabelecem, utilizam-se, nessa pesquisa,

as três concepções sobre identidade apontadas por Stuart Hall, definidas como o sujeito do

Iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno. O sujeito do Iluminismo era a pessoa

que possuía sua identidade formada a partir de um “núcleo interior” (HALL, 1992, p. 10), em

que essas características nasciam com o indivíduo e iam se desenvolvendo, ao longo do tempo,

juntamente com ele, de forma que não alterava a sua essência e o eu interior. Esse sujeito era

definido como “um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão,

de consciência e de ação” (HALL, 1992, p. 10). A partir destas definições, percebe-se um forte

valor individualista quanto a identidade do sujeito no período do Iluminismo, mostrando-se

distante das relações atuais e das citadas anteriormente, praticando contato somente consigo e

não com a cultura ou sociedade.

Quanto ao sujeito sociológico, suas características são voltadas para uma relação com

os espaços em que habita, ou seja, com a sociedade e tudo o que ela carrega. A pessoa já não

consegue ser individualista e se auto sustentar, a identidade deste sujeito passa a ser “formada

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na relação com outras pessoas importantes para ele, que mediavam para o sujeito os valores, os

sentidos e os símbolos – a cultura – dos mundos que ele/ela habitava” (HALL, 1992, p. 11).

Neste caso, a essência e o núcleo da identidade ainda permanecem, mas elas são moldadas a

partir das correlações existentes entre a cultura e a sociedade, e as próprias identidades que as

mesmas carregam (HALL, 1992).

Os constantes processos evolutivos na sociedade também não deixariam de interferir

nas formações das identidades, permitindo ao indivíduo compô-la a partir de outras identidades,

definindo assim o sujeito pós-moderno, que tem sua identidade “formada e transformada

continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos

sistemas culturais que nos rodeiam” (Hall, 1987 apud Hall, 1992, p. 11). O seu núcleo já não

permanece essencialmente intocável, mas o indivíduo agora o compõem a partir dessa

combinação de identidades e essas são continuamente mudadas de lugar à medida que uma

nova transformação na cultura acontece, tornando-se necessário também realizar os

deslocamentos das identidades no núcleo individual, como pode ser percebido nos jovens que

pertencem a uma cultura com preceitos bastante respeitados pela sociedade, como é o caso da

cultura islâmica, que tem como norteadores da vida os cinco pilares do Islam, seguidos e

realizados desde os tempos do Profeta Maomé até os dias de hoje. Além da cultura tradicional,

passada através de gerações, os jovens muçulmanos também convivem com os processos de

globalização e liquidez das relações humanas, que é a “fragilidade dos vínculos humanos”

(BAUMAN, 2004, p. 8). Dessa forma, a identidade do jovem muçulmano não se restringe à

cultura tradicional, mas é moldada a partir das transformações que aconteceram e acontecem

nas sociedades mundiais. É como pensar na evolução das vestimentas femininas na cultura

islâmica, que, apesar das transformações ocorridas, é perceptível o constante respeito aos

princípios pregados no Alcorão, em que afirma que as mulheres “não serão censuradas por

serem vistas (sem véu) por seus pais, filhos, irmãos, sobrinhos, nem pelas outras mulheres e

suas escravas” (ALCORÃO, 2012, p. 331). O traje utilizado pelas muçulmanas mais

conservadoras é a burca, que consiste em um longo véu, geralmente nas cores azul ou marrom.

A burca (Figura 1) cobre completamente a cabeça e o corpo da mulher, podendo enxergar o

mundo através de uma rede na parte dos olhos.5

5 PRESSE, France. Entenda as diferenças entre os principais tipos de véu islâmico. Disponível em <

http://g1.globo.com/mundo/noticia/2010/09/os-diferentes-veus-islamicos-hijb-niqab-chador-e-burca.html>. Data

de acesso: Abril de 2015.

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Figura 1 – Burca6

Seguindo esse processo evolutivo dos trajes das muçulmanas, está a Niqab (Figura 2),

que é semelhante a burca, já que cobre quase todo o corpo da mulher, deixando apenas os olhos

expostos. Algumas muçulmanas usam luvas e óculos para cobrir as partes do corpo que o Niqab

não alcança.

Figura 2 – Niqab7

Mulheres mais modernas passaram a adotar as vestimentas tradicionais expondo mais

o corpo com o uso do Chador (Figura 3), que cobre toda a parte de baixo do corpo da mulher,

deixando somente o rosto descoberto, revelando uma grande transformação quanto aos trajes

tradicionais islâmicos.

Figura 3 – Chador8

6 Fonte: http://www.abc.net.au/cm/lb/5785816/data/what-are-the-differences-between-the-burka-niqab-and-

hijab-data.png . Data de acesso: Abril de 2015. 7 Fonte: http://www.abc.net.au/cm/lb/5785816/data/what-are-the-differences-between-the-burka-niqab-and-hijab-

data.png. Data de acesso: Abril de 2015. 8 Fonte: http://www.abc.net.au/cm/lb/5785816/data/what-are-the-differences-between-the-burka-niqab-and-hijab-

data.png. Data de acesso: Abril de 2015.

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Para as mulheres ainda mais modernas, o uso do Hijab (Figura 4), que significa se

ocultar dos olhares, cobre somente os cabelos, orelhas e o pescoço das muçulmanas. Mais

conhecidos como véus, o Hijab é usado pelas mulheres mais jovens, que começaram a utilizar

tecidos mais coloridos e com estampas, além destas combinarem os véus com elementos da

cultura mundial, como calça jeans e sandálias abertas. Essas evoluções no uso dos trajes

femininos islâmicos mostra que a cultura também sofre influência das transformações da

sociedade, mas ela não perde totalmente as suas características de origem, neste caso, o uso de

uma roupa que proteja alguma parte do corpo feminino.

Figura 4: Hijab9

A formação cultural se dá não somente pelas transformações advindas da sociedade,

mas também pelas articulações proporcionadas pelos indivíduos que dela se abastecem para

construir suas próprias identidades. São esses sujeitos que ajudam a construir a chamada

identidade cultural, que é formada a partir dos “aspectos de nossas identidades que surgem de

nosso ‘pertencimento’ a culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e, acima de tudo,

nacionais” (HALL, 1992, p. 9).

Através da formação cultural, a partir das identidades dos sujeitos e as transformações

da sociedade, é possível encontrar os processos de criação publicitária, que nesta esfera buscam

dialogar com o consumidor. Por ser um elemento que está vinculado a formação e espelho da

sociedade, exige-se da publicidade uma interação com a cultura em que ela está inserida, de

forma que ela deve trabalhar a seu favor e respeito e, em alguns casos, até adaptar a sua

estratégia ou linguagem para buscar a interação cultura versus consumidor.

São essas adaptações que aproximam marcas e empresas de seus consumidores,

tornando-as fundamentais, já que a comunicação se desenvolve a partir de um reflexo da cultura

em que atua e “a análise do papel e da presença da comunicação no espaço social nos permitirá

9 Fonte: http://www.abc.net.au/cm/lb/5785816/data/what-are-the-differences-between-the-burka-niqab-and-hijab-

data.png. Data de acesso: Abril de 2015.

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compreender melhor a evolução das marcas e seu verdadeiro lugar na sociocultura

contemporânea” (SEMPRINI, 2006, p. 74).

Semprini reflete quanto às relações cultura versus sociedade e a relevância com que

marcas e empresas, juntamente com seus respectivos produtos e serviços, devem dar à sua

inserção em uma cultura diferente e as possibilidades de adaptações que seus materiais devem

sofrer. É necessário, assim, que elas estejam alinhadas à cultura em que estão inseridas, de

acordo com os costumes, crenças, celebrações típicas, idioma e qualquer manifestação

comportamental de um povo para que o público-alvo consiga estabelecer contatos de

identificação com o que está sendo anunciado. Independente da cultura, a marca deve usar de

sua habilidade de elasticidade e da sua “multiplicidade de manifestações, a marca pode variar

seus discursos, diferenciar seus objetivos, dirigir-se de forma quase personalizada a cada

consumidor” (SEMPRINI, 2006, p. 71), ou seja, ela deve usar da capacidade de flexibilidade e

adaptabilidade ao estar inserida em culturas distintas.

Dialogar com o consumidor requer da marca criar situações para que o público possa

ter contato com a marca, que servem como pontos de identificação, manifestados através de

três maneiras: a primeira quando ocorre do público ter uma preferência pessoal com

determinada publicidade ou a própria marca; segundo quando o consumidor se identifica com

a publicidade ou marca através de uma semelhança com o seu estilo de vida; e, por fim, a

identificação do consumidor quanto aos aspectos culturais e sociais refletidos no universo em

que habita. Tais contatos de relação e proximidade podem ocorrer separados ou de forma

combinadas.

São a partir das relações da cultura, com a sociedade e as próprias contribuições das

identidades dos indivíduos, que se torna possível obter informações necessárias para se refletir

quanto a forma de comunicar de uma empresa ou marca. São essas relações que diferenciam

uma publicidade planejada de forma sociocultural, de qualquer material divulgado sem relação

com a cultura vigente. Buscar adequar-se às características de uma cultura e refletir sobre a

recepção deste consumidor não deve ser tratada como uma obrigatoriedade, mas como parte do

crescimento e desenvolvimento da empresa ou marca a nível global.

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3 CULTURA ISLÂMICA

Ao definirmos um povo como judeu, cristão, islâmico ou qualquer outra denominação

que designe a nacionalidade atrelada a religiosidade de um indivíduo, está se determinando a

cultura e o universo ao qual pertence. O indivíduo se auto identifica e permite que outros povos

o caracterizem por tal denominação, de forma que este reconhecimento se estabelece a partir

do momento em que o sujeito se sente “como um membro de uma sociedade, grupo, classe,

estado ou nação, de algum arranjo, ao qual ele pode até não dar um nome mas que ele reconhece

institivamente como seu lar” (Scruton 1986, p. 156 apud Hall, 1992, p. 29).

Assim como a identidade do sujeito é formada e transformada a partir das relações que

estabelecemos com a cultura, com a sociedade e todos os elementos que fazem parte dela,

incluindo a publicidade e os meios de comunicação, a identidade de uma nação também é

construída através da cultura vigente, que corresponde a todas as manifestações artísticas,

sociais, linguísticas e comportamentais desta civilização.

Mesmo quando se reflete sobre uma cultura distante da qual o indivíduo pertence,

deve-se pensar em todos os símbolos que para ele são relevantes e essenciais em seu modo de

vida e analisá-los na busca por uma compreensão da mesma, sem se basear em pré-julgamentos.

É como analisar a cultura islâmica sobre o ponto de vista cultural brasileiro, em que há um

longo distanciamento tanto no modo de vida como nas próprias relações que os habitantes

estabelecem com a sociedade. Na cultura islâmica, a religião é um dos pilares mais influentes

na vida do povo muçulmano, que são todos os indivíduos que possuem sua fé ligada ao

islamismo É através dos princípios propostos no livro sagrado, o Alcorão “que contém o código

religioso, moral e político” (ALOCORÃO, 2012, p. 1), que o sujeito muçulmano toma as

decisões na sua vida e através dele recebe suas consequências, sejam elas boas ou ruins.

Em todas as interfaces culturais do islamismo, a religião possui papel primordial, desde

as celebrações, os hábitos sociais entre os indivíduos e a importância que os princípios do

Alcorão têm na vida do povo. A influência da religião na cultura se estabelece de forma que

“cada religião viva e saudável tem uma idiossincrasia marcante. Seu poder consiste em sua

mensagem especial e surpreendente e na direção que essa revelação dá a vida” (Santayana apud

Geertz, 2008, p. 65). Na cultura islâmica, tal importância se estabelece principalmente pelo

papel que Allah, que significa Deus na língua árabe, representa na vida de cada muçulmano,

que para a religião islâmica é aquele que

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irá julgar a todos no dia do juízo final, segundo a tradição todos serão julgados

baseados nos atos e pensamento terrenos, e tudo será pesado em comparação a

confissão de fé que o homem pode oferecer a Deus, segundo a crença ele terá o céu e

terra na sua mão direita no momento do fim. (NUNES, 2013)10.

É baseado na religião islâmica e no Alcorão que se estruturam os cinco pilares

fundamentais para o povo muçulmano, que se constituem como pontos norteadores em suas

vidas (SAIFI, 2010)11. Cabe declarar que, além de todos os pilares estarem vinculados à religião

islâmica e aos preceitos propostos no livro sagrado, são obrigações a todo muçulmano, que

devem realizar tais pilares pelo menos uma vez em sua vida.12

O primeiro pilar diz respeito a Shahada, que, em português, significa testemunho. Essa

manifestação se estabelece através de dois princípios, o muçulmano testemunhar a sua fé

incondicional a Allah e o testemunho quanto ao mensageiro de Allah, o Profeta Muhammad.

Esse pilar é pregado diariamente por todos os muçulmanos, pronunciando a Shahada quando

acordam pela manhã e antes de irem dormir à noite. Ela também é repetida cinco vezes na

chamada para a oração diária em todas as mesquitas, que são os locais onde acontecem os cultos

sagrados do islamismo. Também se acredita na cultura islâmica que pronunciar Shahada como

as últimas palavras em vida guardam ao muçulmano a ida ao Paraíso.

O segundo pilar trata da ligação direta entre Allah e os muçulmanos, que acontece

através das cinco orações diárias e obrigatórias e é denominada Salat, em árabe. O período das

orações é muito importante, já que, como descrito no Alcorão, “a oração preserva (o homem)

da obscenidade e do ilícito; na verdade, a recordação de Deus é mais importante” (ALCORÃO,

2012, p. 313). Não há um horário fixo para que as orações aconteçam, mas elas são dispostas

durante o dia de acordo com o posicionamento solar, sendo realizadas ao amanhecer, ao meio-

dia, no meio da tarde, ao anoitecer e a noite. Durante as orações, os muçulmanos devem se

posicionar em direção à Caaba, que é uma construção cúbica reverenciada pelos muçulmanos,

10 NUNES, ALAN ARAGÃO. História e cultura muçulmana. Disponível em

<http://sabiochronos.blogspot.com.br/2013/04/historia-e-cultura-muculmana.html> Data de acesso: Novembro de

2014. 11 SAIFI, ZIAD AHMAD. Os cinco pilares do Islam. Disponível em:

<http://islambr.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=65&Itemid=61>. Data de acesso:

Novembro de 2014. 12 Os cinco pilares dos Islam, tiveram como referência as seguintes fonte:

ISBELLE, Sami. O jejum no mês de Ramadan: quarto pilar do Islam. Disponível em <

http://extra.globo.com/noticias/religiao-e-fe/sami-isbelle/o-jejum-no-mes-de-ramadan-quarto-pilar-do-islam-

1796263.html>. Data de acesso: Abril de 2015.

Os cinco pilares da religião islâmica. Disponível em: <http://www.islam-norte-brasil.org/Cinco_Pilares.htm>.

Data de acesso: Abril de 2015.

Algumas Dicas para o Mês Sagrado de Ramadan. Disponível em:

<http://www.religiaodedeus.net/dicas_para_ramadan.htm>. Data de acesso: Abril de 2015.

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situada em uma mesquita na cidade de Meca, considerada pelos islâmicos como o local mais

sagrado do mundo. Antes de cada oração, o muezim, que é o responsável por anunciar todas as

orações em voz alta, faz uma chamada pública para que todos os muçulmanos se preparem para

a oração. Não é obrigatório aos muçulmanos procurar uma mesquita para realizar suas orações,

podendo este ritual ser cumprido em qualquer outro espaço. Todos os muçulmanos saudáveis

devem obedecer ao ritual das orações a partir do momento em que se entra no período da

adolescência. Quanto as mulheres, elas devem orar quando não estiverem no período menstrual

e sangramento pós-parto. Se, por ventura, alguma pessoa não possa orar naquele momento,

como médicos em trabalhos operatórios, o mesmo deve fazer as suas orações atrasadas assim

que possível.

O terceiro pilar é a Zakat, caridade em português, que corresponde a caridade que

todos os muçulmanos que são financeiramente estáveis devem dar aos membros necessitados

da comunidade. Esse pilar encoraja os muçulmanos mais abastados financeiramente a

compartilhar suas riquezas com os outros, ajudando pessoas que podem se tornar mais

produtivas dentro da sociedade islâmica. Nos ensinamentos pregados no Alcorão, o dono de

qualquer riqueza não é o homem, mas sim Allah, que por meio de cada indivíduo busca o bem

estar de toda a sociedade. A caridade é uma obrigação a todos os muçulmanos que possuem

condição de ajudar o próximo e este auxílio deve ser realizado preferencialmente em segredo e

de forma voluntária, sem pensar em obter qualquer recompensa.

O quarto pilar corresponde ao Sawn, jejuar em português, que está relacionado com o

mês do Ramadã, que nessa pesquisa servirá como delimitação do período selecionado. O jejum

entre os muçulmanos ocorre uma vez a cada ano e tem duração de 29 a 30 dias de acordo com

o nono mês lunar do calendário islâmico, que corresponde ao mês do Ramadã, pois “ foi o mês

em que foi revelado o Alcorão, orientação para a humanidade e vidência de orientação e

Discernimento” (ALCORÃO, 2012, p. 46). Jejuar para a cultura islâmica significa mais que a

abstenção do alimento, mas é o período em que o muçulmano terá a oportunidade de praticar o

autocontrole e a limpeza do corpo e do espírito, permitindo estar puro e em harmonia para

estabelecer contato com Allah. O jejum também serve para que o povo muçulmano reflita

quanto ao sofrimento dos pobres e possa praticar a Zakat, reafirmando a importância da

caridade entre a cultura islâmica. O mês do Ramadã é praticado por todo muçulmano saudável,

desde os 12 anos de idade, sendo impraticado por qualquer mulher que esteja grávida ou em

seu período menstrual, também por doentes, idosos, deficientes ou pessoas que se encontram

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em viagem, sem que essa pessoa, segundo preceitos do Alcorão “jejuará, depois, o mesmo

número de dias” (ALCORÃO, 2012, p. 46).

Mas o mês do Ramadã não se restringe somente a abstenção do alimento, mas também

a qualquer bebida, inclusive água, a prática de atividades sexuais, do fumo, assim como levantar

o tom de voz, falar palavrão, insultar outra pessoa ou qualquer outra atividade que já seja

considerada proibida como roubar e mentir. A abstenção de comida e bebida se dá somente

enquanto houver sol, de forma que muitos restaurantes fecham suas portas durante o dia neste

mês e abrem para a quebra do jejum que acontece ao anoitecer. Durante o mês do Ramadã, os

muçulmanos realizam apenas duas refeições diárias, a primeira acontece antes do nascer do sol,

na chamada sohour, e, depois que o sol se põe, é quebrado o jejum na refeição chamada iftar

Nestes dois momentos, os muçulmanos podem comer livremente sem qualquer culpa. Por ser a

primeira refeição ou a quebra do jejum, tais momentos também são considerados como

momentos de integração da comunidade, como colocado por Celino (2012)13

durante o mês de Ramadan é comum visitar os amigos e familiares, assim como a

realização de quebras de jejum em conjunto nas mesquitas, onde os muçulmanos

compartilham os benefícios e as experiências obtidas neste mês sagrado. Isso faz com

que a união entre eles prevaleça por intermédio do exercício religioso, já que todos

estão sintonizados no mesmo espírito do jejum, mantendo a unidade da Ummah

(nação islâmica).

No Alcorão também está descrito que as primeiras refeições ao amanhecer e à noite

sejam realizadas com amigos, familiares e pessoas de quem gostamos, tornando este momento

mais que uma refeição qualquer, mas uma comemoração de mais um dia completado no mês

do Ramadã e também uma preparação para o início de mais um dia, como proposto no livro

sagrado

Estás-vos permitido, nas noites de jejum, acercar-vos de vossas mulheres, porque elas

são vossas vestimentas e vós o sois delas. Deus sabe o que vós fazíeis secretamente;

porém, absorveu-vos e vos indultou. Acercai-vos agora delas e desfrutai do que Deus

vos prescreveu. Comei e bebei até à alvorada, quando podereis distinguir o fio branco

do fio negro. Retornai, então ao, jejum, até ao anoitecer, e não vos acerqueis delas

enquanto estiverdes retraídos nas mesquitas (ALCORÃO, 2012, p. 47).

Ao final do mês do Ramadã, é celebrada, com a quebra do jejum, a Eid al-Fitr,

considerada a festa mais importante na cultura islâmica. Durante as celebrações, os

13 CELINO, FERNANDO. A importância e o significado do Ramadan para os muçulmanos. Disponível em

<http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=15679&cod_canal=83> Data de acesso:

Novembro de 2014.

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muçulmanos vestem seus trajes mais finos, decoram suas casas com luzes coloridas e visitam

os amigos e familiares. A Eid al-Fitr tem por tema a generosidade, a gratidão e as boas práticas

desenvolvidas durante o Ramadã.

O quinto e último pilar das práticas e instituições islâmicas fundamentais refere-se à

peregrinação à Meca, o Hajj. A peregrinação acontece em direção a Caaba, que, como dito

anteriormente, está situada na cidade de Meca, na Arábia Saudita. Meca é o local mais sagrado

do mundo segundo a cultura islâmica e todos os rituais da peregrinação são realizados

exatamente como Abraão, ao ser chamado por Allah para reerguer a Caaba, realizou e

posteriormente também reproduzido pelo Profeta Muhammad. Os muçulmanos caminham

pelos mesmos locais da história, atirando pedras nas paredes e sacrificando animais a serem

distribuídos aos pobres, simulando de forma fiel os passos do profeta. Por estar entre os cinco

pilares do islamismo, os muçulmanos devem realizar a peregrinação a Meca pelo menos uma

vez na vida e ela simboliza um ritual de desapego, podendo o peregrino utilizar somente uma

túnica branca, o arrependimento dos pecados cometidos e reflexão sobre a vida futura. No final

da peregrinação, há o festival de Eid-Al-Adha, que é a segunda celebração mais importante na

cultura islâmica, atrás somente da Eid al-Fitr, celebrada no mês do Ramadã. Nessa festa, os

peregrinos trocam presentes e fazem suas últimas orações em Meca.

Os cinco pilares do Islam são a base para se compreender a cultura islâmica, o modo

de vida do povo muçulmano, as suas crenças, as celebrações típicas e a importância que cada

parte, que cada forma dessa cultura tem na vida do indivíduo. Nessa pesquisa, ela será analisada

a partir das relações do povo muçulmano com a sua cultura e os aspectos que possam explicar

de forma mais aprofundada em que níveis de adaptações culturais a publicidade atua nestes

países e que elementos podem ser identificados em materiais publicitários com relação ao

evento de manifestação cultural muçulmana, o Ramadã. Os materiais do McDonald’s serão

analisados a partir das adaptações realizadas quando o mesmo se comunica com o consumidor

muçulmano.

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4 MARCAS E SUAS ADAPTAÇÕES CULTURAIS

Marcas e empresas que estão presentes em diferentes segmentos atuam em constante

adaptação quanto as suas atuações no mercado global. Essas adaptações estão principalmente

voltadas para a reorganização de seus sistemas, processos e formas de se comunicar com o

consumidor perante a sociedade e cultura em que estão inseridos. É através dessa

contextualização cultural que é possível “avaliar o funcionamento complexo das marcas, sua

adaptabilidade, mas também lembrar os desafios a que elas se submetem” (SEMPRINI, 2006,

p. 103). São a partir de todas estas transformações propostas pelas marcas que o consumidor se

identifica com a mesma, considerando-a adequada a cultura de seu povo, mesmo ela atuando

em diversos países.

Para analisar os componentes essenciais da marca, Semprini organiza seu pensamento

através da criação de três dimensões que “estrutura a noção geral da marca” (SEMPRINI, 2006,

p. 105). Dentro dessa percepção, está presente a relação da marca com o consumidor, que se

estabelece a partir da necessidade com que as mensagens que são transmitidas pela empresa,

carregadas de significado e de seu posicionamento no mercado, sejam claras e coerentes, além

de atrativas, para que dessa forma o receptor possa compreendê-las na mesma intensidade e

sentido com que foi enviada. Para o autor essa dimensão de relação se configura na “natureza

semiótica”, que “consiste em saber selecionar os elementos no interior do fluxo de significados

que atravessa o espaço social, organizá-los em uma narração pertinente e atraente e a propô-los

a seu público” (SEMPRINI, 2006, p. 106). Isso acontece, por exemplo, quando uma empresa

como o McDonald’s trabalha em seus materiais publicitários a imagem de seus atendentes e

funcionários felizes com o emprego, buscando transmitir tal mensagem para o consumidor, mas

ela acaba tornando-se incoerente quando este consumidor é atendido por funcionários mal-

humorados e infelizes. Assim, não conseguindo transmitir com uniformidade a ideia semiótica

construída na comunicação da empresa, de forma que “mesmo uma proposta de sentido

absolutamente clara e coerente pode fracassar, seja porque ela não consegue ser reconhecida

pelo público-alvo como tal, seja porque as propostas das marcas concorrentes a tornam

ultrapassada ou menos atraente” (SEMPRINI, 2006, p. 107).

Para que uma empresa cresça e se desenvolva é preciso que haja uma conexão entre

os diferentes processos e seus entrecruzamentos, em que ambos são permeados e formados por

profissionais e grupos de profissionais, que são responsáveis para que as diversas esferas do

projeto de marca estejam em constante sinergia. Esses profissionais são denominados

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protagonistas por Semprini e o mesmo os reorganiza para que se enquadrem em três grandes

polos da empresa.

Dentro do processo do discurso da marca, existe o grupo que “detêm ‘um direito de

enunciação fundamental’” (SEMPRINI, 2006, p. 109), que são representados pela própria

empresa, denominada polo da produção. Suas funções tornam-se fundamentais quando, por

exemplo, uma empresa que atue com franquias mundiais, como o Sub Way, que mantêm uma

linha de produtos oferecidos de forma padronizada em todas as lojas, recebe um relatório que,

por fatores culturais e religiosos, uma determinada loja, situada na Índia, está enfrentando

quedas bruscas nas vendas. Ninguém e nenhum outro grupo da empresa poderia tomar alguma

decisão sobre esta situação, somente o polo da produção. Um exemplo de decisão para este caso

seria a alteração de certos produtos no cardápio oferecido nesta franquia em especial. Problemas

quanto a contextualização de uma empresa que atua em diferentes países cultural e socialmente

fazem com que “algumas das decisões que dizem respeito ao projeto da marca [sejam] tomadas

por uma equipe em um país e por outra diferente em outro país” (SEMPRINI, 2006, p. 109).

Na construção e nos processos de comunicação de uma empresa, é preciso levar em

consideração que qualquer diálogo com o consumidor não está restrito somente a recepção do

público-alvo da empresa ou da campanha. A partir do momento que uma empresa está inserida

no fluxo comunicacional (emissão, mensagem transmitida, recepção da mensagem e

decodificação da mesma), ela está dialogando com um público muito mais amplo, sejam eles

virtuais ou não, que possuem a formação das identidades individuais diferentes, com percepções

distintas sobre o mundo, influenciando também nas interpretações sobre a comunicação

(SEMPRINI, 2006).

Retomando o exemplo das empresas que atuam com franquias em diferentes países,

percebe-se que a marca precisa estar em conexão, não somente com a empresa em si (produção)

ou com o consumidor em geral (recepção), mas também com todo o contexto do ambiente que

está inserido e este “deve ser considerado como um verdadeiro e próprio protagonista, como

um conjunto de instâncias que desempenham um papel decisivo na construção do projeto de

marca e que interagem de maneira sistemática com os dois outros pólos” (SEMPRINI, 2006, p.

111). Grandes empresas que trabalham com franquias, como McDonald’s, não poderiam

inserir-se em um mercado distinto do seu país de origem sem antes compreender o contexto

geral daquele espaço, como as atividades de seus concorrentes, as “tendências socioculturais,

preocupações políticas e sociais” (SEMPRINI, 2006, p. 112). As análises feitas a partir desse

contexto, sejam quais forem as observações apontadas, são fundamentais para a implementação

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e consolidação do projeto de marca, de forma que ela estará buscando estar em sinergia, tanto

com a empresa, com seus consumidores e com os aspectos do contexto que, além de fazerem

parte da formação das identidades dos indivíduos, também são fatores influenciadores na

tomada de decisões.

Toda marca é uma resultante, ou seja, é o produto de uma somatória de diferentes

aspectos, como os três polos formados pelos protagonistas, todos os processos que estão

envolvidos na construção do projeto de marca e as próprias mudanças do contexto sociocultural

do mundo. Este “caráter dinâmico mutável” (SEMPRINI, 2006, p. 117) da marca é chamado

por Semprini de “natureza evolutiva”, que através das interações está situada no meio deste

conflito, estando em constante tensão e mudança (SEMPRINI, 2006). Vale ressaltar que a

constante transformação das marcas, frente as tendências da sociedade, não deve abandonar a

história e origem da mesma. Para que uma marca saiba como “perenizar seu projeto e perdurar

no tempo” (SEMPRINI, 2006, p. 118), é seu dever estar de acordo com as mudanças da

sociedade, mas ainda estar encadeada as suas origens.

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5 ELEMENTOS DO ANÚNCIO PUBLICITÁRIO

Para começar a analisar o material publicitário, é preciso antes compreender a origem

do objetivo da publicidade, que tem por função primária “comunicar informações e, ao mesmo,

tempo motivar o público alvo, criando uma pré-disposição para, pelo menos, entrar em contato

com o produto ou serviço” (GOMES, 2003, p. 199). Esse objetivo faz com que a mensagem

seja ouvida e vista pelos consumidores, mas, acima de tudo, busca uma efetividade a tal ponto

que movimente atitudes, ações e opiniões (GOMES, 2003). É através desse contato estabelecido

com o consumidor que será possível verificar se os elementos de composição de um anúncio,

por exemplo, foram eficazes e a forma como este material interagiu com o contexto em que foi

veiculado. O contexto cultural, social, econômico e político de uma sociedade são fundamentais

para que um anúncio consiga ter a receptividade daquele povo, principalmente se o anunciante

tiver em seu histórico outra cultura.

A criação de um material publicitário envolve diferentes aspectos que devem ser

ponderados quando se trabalha na sua constituição. Além dos “aspectos técnicos e estéticos”

(PINHO, 2012, p. 217), que comporão a mensagem a ser transmitida ao consumidor, é preciso

também dar importância às transformações sociais e culturais do ambiente em que este material

está inserido, já que estas comunidades são formadas por indivíduos dotados de identidades e

características particulares, formadas a partir de cada experiência de vida. Para o início da

análise sobre os componentes de um anúncio publicitário, é preciso observá-los em suas funções

individuais, mas é válido lembrar que, para o consumidor estes elementos são apresentados em

sincronia, ou seja, na prática o “título, texto e ilustração são elementos indissociáveis” (PINHO,

2012, p. 222). Estes componentes selecionados são parte construtiva do anúncio, com relação

a suas expressões gráficas e visuais, que podem ser identificadas em quase todos os materiais

publicitários.

Em uma peça publicitária, os elementos componentes também podem ser divididos em

linguagem verbal e visual, definidos por Tânia Hoff e Lourdes Gabrielli, através de um processo

de decodificação da mensagem. A linguagem verbal é aquela que se apresenta de forma

“convencional e sistematizada” (HOFF e GABRIELLI, 2004, p. 104), que possui uma ordem

definida, e seu aprendizado acontece através de convivências sociais e escolarização. Já a

linguagem visual não possui nenhuma ordem estabelecida e é caracterizada pelo movimento

em que “os olhos do leitor passeiam pela imagem e são atraídos pelas informações novas que

se destacam em detrimento das informações conhecidas, ou seja, aquelas que já fazem parte do

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seu repertório” (HOFF e GABRIELLI, 2004, p. 104). Como esta linguagem não pode ser

aprendida, como a verbal, necessita-se que a peça publicitária conduza a leitura da linguagem

verbal para visual de forma que ela seja transmitida com efetividade. Essas duas linguagens

possuem uma função e finalidade específicas e não cabe a elas buscarem uma comparação,

evidenciando quem tem maior potencial de persuasão, já que “cada uma a seu modo tem

eficiência expressiva e informativa” (HOFF e GABRIELLI, 2004, p. 106) e a questão que

permeia a criação dos materiais publicitários é saber como utilizar a linguagem verbal e visual.

O primeiro item a ser observado nesta pesquisa é o título e o mesmo tem a função de

“fixar a atenção, despertar o interesse e conduzir à leitura do texto”, aliado à imagem/ilustração

(SANT’ANNA, 2009, p. 156) nos materiais publicitários. Em casos de anúncios all type,

quando é composto apenas por texto, ou anúncios sem título ou sem imagem, ainda é possível

a efetividade da transmissão da mensagem, mas é preciso que a responsabilidade seja passada

para outros elementos. Como em peça sem imagem, a responsabilidade é do título e da

diagramação da criação em chamar a atenção do público. Assim, quando não há título, é a

imagem que irá assumir a função principal (HOFF e GABRIELLI, 2004, p. 107). O título tem

a função de “selecionar o leitor, detê-lo e convencê-lo a ler o texto” (SANT’ANNA, 2009, p.

156). Por isso, deve provocar uma ação rápida e impulsionada no consumidor. O título servirá

como um gancho para o texto e ainda estará complementando a imagem/ilustração, a fim de

compor um anúncio homogêneo.

O segundo elemento é a imagem/ilustração, definida por Pinho (2012, p. 228) como

“qualquer imagem (fotografia, desenho, gravura e outras) utilizada com o propósito de

expressar uma mensagem e tem de servir para reforçar a atenção, a compreensão e a

credibilidade do texto”. Quando se pensa na relação entre título-imagem, é necessário “ pensar

sua complementariedade” (HOFF e GABRIELLI, 2004, p. 107) se construídos a partir desta

relação, a mensagem se enriquece e ganha mais força ao ser transmitida. Essa relação pode ser

estabelecida através de três tipos, apontadas por Celso Figueiredo. A primeira é definida por 1

+ 1 = 1, este é o formato mais simples de relação, em que há uma redundância entre o título e a

imagem. Aqui tanto imagem como título estão comunicando a mesma mensagem, “acreditam

que a repetição é a forma mais eficaz de lembrar o consumidor de determinada marca”

(FIGUEIREDO, 2005, p. 14). O segundo modelo é 1 + 1 + = 2, é o mais utilizado na

publicidade. Aqui acontece justamente a complementariedade entre título e imagem, em que

“uma série de elementos visuais e textuais que compõem o anúncio e, por consequência, criam

um universo conceitual em torno da marca anunciante” (FIGUEIREDO, 2005, p. 16). Esse

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modelo funde título e imagem na construção de uma única mensagem sem qualquer dispersão.

O último modelo é definido como 1 + 1 = 3, que compõe “um processo criativo de composição

de múltiplas ideias” (FIGUEIREDO, 2005, p. 18). Aqui a imagem passa uma mensagem

carregada de significado por si só e o título também transmite uma mensagem completa se

combinados título-imagem, constrói uma outra mensagem. Essa combinação enriquece o

anúncio e possibilita a transmissão de múltiplas mensagens.

O terceiro e último, mas não menos importante, é o elemento intitulado texto, que

desenvolverá a ideia central da mensagem daquele anúncio e será como uma extensão do título,

precisando “explicá-lo, falar no mesmo tom e apresentar uma evidência que lhe dê apoio”

(PINHO, 2012, p. 224). Cabe ao texto, diferentemente do título, expor por meio de fatos e

figuras os benefícios do produto ou serviço anunciado o mais claro e persuasivo possível

(PINHO, 2012). O conteúdo desse texto deve estar coerente com a mensagem que a empresa

e/ou marca quer transmitir, buscando um comportamento ou ação por parte do consumidor de

forma que os materiais publicitários possuem a capacidade de informar e motivar seu público

(MARTINS, 2010). Para eficácia da mensagem, é interessante que a mesma apresente uma

“estrutura circular”, ou seja, “que principie e termine no mesmo tema, no mesmo assunto”

(FIGUEIREDO, 2005, p. 40). Isso permite que a mensagem seja compreendida com clareza e

como um todo, facilitando a aceitação do consumidor pelo está sendo anunciado. Como já

citado nessa pesquisa, o contexto de veiculação de um material publicitário interfere no

processo de criação do mesmo e o idioma também é um dos recursos utilizados, principalmente

por empresas globais que atuam em diferentes culturas para aproximar a marca do público,

servindo como um elemento de conexão.

Além desses três elementos que compõem um anúncio publicitário, há ainda a

identificação do anunciante, que é sinalizada com a identidade visual da empresa e/ou marca,

acompanhada de seu slogan, que é “uma frase concisa, marcante, geralmente incisiva, atraente,

de fácil memorização, que apregoa as qualidades e a superioridade de um produto, serviço ou

ideia (...)”. (RABAÇA; BARBOSA, 1978, p. 435 apud PINHO, 2012, p. 229). A criação de

uma identidade visual e slogan é fundamental, não só para identificação da empresa, mas ela,

em si mesma, também carrega significados e conduzirá tal mensagem como complemento do

anúncio.

Os componentes básicos formadores de uma peça publicitária foram aqui analisados

de forma individual e também através de suas relações enquanto material. Cabe lembrar que,

além desses elementos fundamentais, a empresa também deve realizar processos de análise

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voltadas tanto para o público-alvo desejado quanto para o contexto cultural em que este anúncio

será veiculado, pois cada mensagem será interpretada de diversas formas por cada indivíduo.

Por isso é válido que todos os três elementos aqui apresentados, mais a marca e o slogan,

possibilitem um “arranjo de harmonia e contrastes entre suas partes” (PINHO, 2012, p. 229),

de forma a serem trabalhados em sincronia na peça.

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6 METODOLOGIA

Um trabalho bastante recorrente entre sociólogos, antropólogos, filósofos e atuantes

dos campos das Ciências Sociais e Humanas são os estudos culturais. Tais estudos permitem

que o pesquisador possa olhar para a cultura de forma ampla, não a analisando de forma isolada

da sociedade. As explorações voltadas para os estudos culturais devem conseguir dialogar entre

os aspectos que compõem uma cultura e como se estabelece suas relações com a sociedade.

Estes vínculos podem estar presentes em três momentos, como proposto por Richard Johnson

(2004), em que a primeira se baseia no vínculo entre os processos culturais, as relações e

formações de classe, a segunda está direcionada para a capacidade que os indivíduos têm em

definir o que os satisfazem e o que necessitam e, por fim, unindo as duas premissas anteriores,

a cultura precisa estabelecer tais relações, já que não atua sozinha e seu campo não consegue

ser totalmente delimitado.

6.1 NATUREZA, MÉTODO E TÉCNICA DE PESQUISA

Essa pesquisa tem natureza qualitativa, já que a pesquisadora “participa, compreende

e interpreta” (MICHEL, 2009. p.37) os objetos de estudo, nesse caso são anúncios da empresa

McDonald’s veiculados no Marrocos, Índia e Paquistão, durante o acontecimento das

celebrações do Ramadã. A natureza dessa pesquisa também foi determinada com o objetivo de

não querer trazer resultados de forma numérica e estatística, mas quer buscar uma análise

na forma da experimentação empírica, a partir de análise feita de forma detalhada,

abrangente, consistente e coerente, assim como na argumentação lógica das ideias,

pois os fatos em ciências sociais são significados sociais, e sua interpretação não pode

ficar reduzida a quantificações frias e descontextualizadas da realidade (MICHEL,

2009. p.37).

Essa natureza da pesquisa se torna necessária principalmente por se tratar do estudo

de uma cultura tão distinta da que a pesquisadora vive, impossibilitando que a interpretação

cultural seja realizada, interpretada e analisada somente com base em números.

Para início da construção dessa pesquisa, foi necessário um estudo exploratório, que,

segundo Michel (2009, p. 40), “trata-se da fase inicial da pesquisa; busca o levantamento

bibliográfico sobre o tema”. Para Gil (1993, p. 45) apud Michel (2009, p. 40) essa forma de

pesquisa busca “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais

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explícito ou a construir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm por objetivo principal

o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições”.

Nesse trabalho, a revisão bibliográfica foi realizada a partir da busca por livros,

trabalhos e apresentações publicadas sobre o assunto, analisando pesquisas que estejam

relacionadas ao tema determinado nesse trabalho. Como antes mencionado, a partir de uma

pesquisa prévia sobre trabalhos já realizados, não se conseguiu obter conteúdo totalmente

relacionando com esse tema, já que o mesmo é bastante inovador para o campo dos estudos

culturais e da comunicação.

Para compreender as relações entre a cultura e o material publicitário, esse trabalho

terá por técnica a análise de conteúdo, que fará um levantamento posterior a publicação dos

materiais escolhidos. A análise de conteúdo, segundo Michel (2009, p. 70), “é adequada para

analisar... intenções de um publicitário, análise de conteúdo das mensagens, propagandas,

veracidade em propostas de campanha...”. Para Roesch (2006) realizar a análise de conteúdo

necessita seguir alguns passos, sendo que um deles é interpretar os resultados obtidos a partir

de teorias conhecidas buscando levantar hipóteses.

O entendimento por parte dos indivíduos que praticam ou já praticaram o Ramadã e

interpretam os elementos presentes nos anúncios do McDonald’s foi realizada a partir de

entrevistas presenciais, de modo que os entrevistados são residentes de Santa Maria e Bagé,

ambas no Rio Grande do Sul. A escolha dos entrevistados se estabeleceu por base não

probabilística, por conveniência da pesquisadora. A entrevista foi escolhida como técnica de

coleta de dados, pois permite ao entrevistador explicar aos entrevistados, com mais eloquência,

sobre os objetivos da pesquisa e por também impedir equívocos, permitindo ao entrevistador

ter controle sobre as questões e sobre o direcionamento das respostas (ROESCH, 2009). Será

uma entrevista com questões semiestruturadas (ver Anexo A), que permitirão ao entrevistador

nortear a sua entrevista, deixando espaço para perguntas que possam surgir no seu

desenvolvimento. Serão entrevistadas cinco pessoas, sendo todos praticantes do Ramadã.

6.2 OBJETO DE ESTUDO

Para se compreender de que forma os estudos culturais estão em constante relação com

a sociedade, tornou-se necessário buscar quais são os principais elementos que os caracterizam,

como a "abertura e versatilidade teórica, seu espírito reflexivo e, especialmente, a importância

da crítica" (JOHNSON, 2004, p. 10). Mas essa crítica não deve ser vista como apontamentos

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negativos, mas sim como uma reflexão sobre as formas de contribuição e inibição da cultura

enquanto atuante na sociedade (JOHNSON, 2004). Os estudos culturais possibilitarão a essa

pesquisa a base para a análise dos anúncios publicitários da empresa McDonald’s a luz do

contexto cultural islâmico.

A empresa McDonald’s é um exemplo quando se fala em adaptações comunicacionais,

já que estão presentes em 119 países espalhados pelo mundo.14 A empresa teve que se adaptar

a cultura de cada local para continuar atuante em cada mercado e, assim, ter o reconhecimento

do consumidor. Mas sua história começa muito antes, em 1937, com os irmãos Richard (Dick)

e Maurice (Mac) McDonald’s, que “abriram seu pequenino drive-in logo a leste de Pasadena”,

em que “o primeiro McDonald’s representava um modesto esforço, mesmo para os padrões de

drive-ins. Enquanto Dick e Mac cozinhavam as salsichas (não hambúrgueres), batiam milk

shakes e atendiam os fregueses sentados numa dúzia de banquinhos” (LOVE, 1986, p. 24).

Inicialmente o cardápio do McDonald’s possuía 25 itens, com destaque para os sanduíches de

porco e vaca, e costeletas grelhadas (LOVE, 1986).

Anos depois os irmãos se mudaram para a cidade de San Bernardino, na Califórnia,

onde abriram um restaurante com o nome de McDonald’s Bar-B-Q, mas chegando à conclusão

de que “quanto mais martelávamos sobre o churrasco, mais vendíamos hambúrgueres” (DICK

apud LOVE, 1986, p. 27). A partir dessa constatação, os irmãos passaram a remodelar toda a

estrutura da empresa, desde seu cardápio, aumentando as opções de hambúrgueres, até o seu

funcionamento, como afirma McDonald apud Love (1986, p. 27) “todo nosso conceito era

baseado em rapidez, preços baixos e volume”, “buscávamos volumes grandes, bem grandes,

reduzindo os preços e fazendo com que o próprio cliente se servisse”

Com o tempo os irmãos começaram a investir em comidas como hambúrguer,

cheeseburguer, Milkshake, batata-chips, refrigerantes, cafés e pedaços de torta, e mais tarde as

batatas fritas entraram para o cardápio, tornando o pequeno restaurante um grande sucesso.

Franquias começaram a se espalhar primeiramente pelos Estados Unidos e com o tempo se

difundiram pelo mundo, construindo a rede de fast food mais conhecida no mundo15.

Atualmente, a marca possui mais de 33.500 restaurantes McDonald’s e empresa possui

1,7 milhões de colaboradores.16 “A rede vende aproximadamente 190 hambúrgueres por

14 Mc Donald’s. Disponível em < https://www.mcdonalds.pt/mcdonalds/historia/>. Data de acesso: Abril de 2015. 15 Mc Donald’s. Disponível em <http://mundodasmarcas.blogspot.com.br/2006/05/mcdonalds-inveno-do-fast-

food.html>. Data de acesso: Abril de 2015. 16 Mc Donald’s. Disponível em <https://www.mcdonalds.pt/mcdonalds/historia/>. Data de acesso: Abril de 2015.

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segundo e um novo restaurante é inaugurado a cada dez horas”.17 Tamanho crescimento da

marca possibilita que seja feita uma reflexão quanto à necessidade e dimensão que o

McDonald’s tem em se adaptar quanto à cultura de outros países. Essa adaptação ocorre em

dois momentos, o primeiro quanto ao cardápio oferecido em diferentes países e o segundo

quanto às estratégias comunicação.

Quanto ao cardápio, o McDonald’s utiliza pratos típicos e ingredientes regionais para

compor novos sabores de hambúrgueres e criar versões adaptadas como acontece na Austrália,

em que o McOz leva ingredientes regionais nos lanches do país, como o pão de hambúrguer e

beterraba. Ou na Índia, em que foi aberto o primeiro McDonald’s vegetariano, que corresponde

a 50% da população indiana18. A rede ainda oferece a opção do McAloo Tikki, feito de uma

massa de batata e ervilha e o Maharaja Mac, um Big Mac feito com frango no lugar da carne

bovina, que preservam os costumes indianos de não comer carne de vaca por ser um animal

sagrado na religião hinduísta. Na cultura muçulmana não poderia ser diferente, já que em países

do Oriente Médio foi introduzido, em 2003, o McArábia, disponível em duas versões, Grilled

Chicken de frango e o Grilled Kofta com carne bovina e condimentos, que levam ingredientes

como alface, tomate, cebola, maionese de alho e dois hambúrgueres (frango ou carne), tudo

embrulhado em pão árabe19, sendo que o segundo hambúrguer é vendido exclusivamente no

Egito.

6.3 MATERIAIS DE ANÁLISE E CATEGORIAS DE ANÁLISE

A escolha dos materiais de análise estabeleceu-se pela conveniência em que foram

encontrados e selecionados, assim, por possuírem elementos de rápida identificação tanto com

relação à marca McDonald’s quanto pelos elementos que remetem à cultura islâmica, mais

especificamente ao período do Ramadã. O primeiro material selecionado, intitulado The Moon

(ver Figura 10 – Anexo B), é um anúncio impresso, criado pela agência Leo Burnet Casablanca,

em 2003, e foi veiculado no Marrocos. O segundo (ver Figura 11 – Anexo B) também é um

anúncio impresso, criado pela agência Leo Burnett de Nova Déli, na Índia, e foi veiculado no

17 Mc Donald’s. Disponível em <http://mundodasmarcas.blogspot.com.br/2006/05/mcdonalds-inveno-do-fast-

food.html>. Data de acesso: Abril de 2015. 18 McDonald’s abre sua primeira loja vegetariana do mundo na Índia. Disponível em

<http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,mcdonalds-abre-sua-primeira-loja-vegetariana-do-mundo-na-

india,181959e> Data de acesso: Abril de 2015. 19 Mc Donald’s. Disponível em <http://mundodasmarcas.blogspot.com.br/2006/05/mcdonalds-inveno-do-fast-

food.html>. Data de acesso: Abril de 2015.

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mesmo país. O terceiro anúncio selecionado (ver Figura 12 – Anexo B) também é um material

impresso, veiculado no Paquistão, no ano de 2014. O quarto e último material impresso (ver

Figura 13 – Anexo B) que irá compor a análise também foi veiculado no Paquistão, no ano de

2012.

A seleção desses materiais se estabeleceu principalmente por possuírem características

de fácil identificação com a cultura islâmica e é através desses elementos que serão

estabelecidas categorias de análise para os quatro anúncios. A primeira categoria refere-se ao

quarto pilar do Islam, correspondente ao período do Ramadã, buscando verificar quais

elementos fazem relação com este período. A segunda categoria irá integrar as imagens que

compõem o anúncio em cada caso, sejam elas referentes ao Ramadã ou ao McDonald’s. E a

terceira categoria irá contemplar a mensagem escrita e o produto que faz parte do anúncio. As

análises desses materiais servirão para mostrar de que forma a rede mundial McDonald’s está

adaptando a sua comunicação a partir de uma reflexão sobre o ponto de vista cultural islâmico.

6.4 INFORMAÇÕES RECOLHIDAS DAS ENTREVISTAS

Para construir as informações que servirão como base para as análises dessa pesquisa

foram realizadas cinco entrevistas com residentes da cidade de Santa Maria e Bagé, ambas no

Rio Grande do Sul. Todas as entrevistas foram realizadas presencialmente, o que necessitou

que as falas dos entrevistados fossem gravadas e transcritas nesse trabalho. As transcrições

também sofreram algumas adaptações quanto a língua, já que alguns dos entrevistados são

naturalizados brasileiros, não tendo a Língua Portuguesa como sua língua nativa. Tais

adaptações servirão para que o leitor possa compreender, na íntegra, o pensamento e opiniões

dos entrevistados selecionados.

6.4.1 Entrevistado 1

O entrevistado 1 é comerciante, tem 77 anos, é palestino da região de Ramallah, o

principal centro comercial do país, e está situada a aproximadamente 15 quilômetros de

Jerusalém. O entrevistado foi naturalizado brasileiro na cidade em que reside atualmente, em

Bagé, no interior do Rio Grande do Sul. Sua família é bastante numerosa, como relata “tenho

filhos e filhas, e a esposa está aqui, ao meu lado. Cada um [deles] exerce sua profissão. Uma

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tem comércio e se formou ali na Urcamp20, está se dedicando ao comércio, [ela tem a loja] a

Vestisul, que continua em reforma, mas está ficando muito bonito. A outra [filha] se formou e

está trabalhando no centro de oncologia [da cidade]. Meu filho está fazendo, em Porto Alegre,

na UFGRS, o mestrado em engenharia da computação. E minha outra filha é fisioterapeuta e já

me deu netos. Todos são muçulmanos. Graças a Deus está todo mundo encaminhado. É com

dedicação, porque não é fácil, é importante se dedicar a família e orientá-los”.

Quando questionado sobre sua relação com a cultura islâmica, afirma que “o

islamismo, o Islam, não se fala islamismo, quer dizer a paz. Hoje tem mais de 1 bilhão e 700

milhões de adeptos ao Islam. Se baseia, nos fundamentos, de acreditar em um Deus único, não

tem pai nem filho, o único, eu. O Profeta Maomé, que é o mensageiro de Deus, foi o profeta

que veio com a mensagem. Cada época, cada religião surgiu por um motivo que Deus mandou

para a humanidade, então [Maomé] foi o último profeta e não terá mais nenhum depois dele”,

e continua “realmente a maioria dos árabes são muçulmanos, eu também sou muçulmano.

Sabemos que o islamismo, hoje, ocupa mais ou menos o mesmo que o cristianismo. Tem 1

bilhão e 700 milhões de muçulmanos no mundo. [O islamismo é] uma religião da paz”. Como

muçulmano, o entrevistado 1 profere sobre os pilares norteadores da cultura islâmica e,

consequentemente, da sua vida também, “o Islam, nas bases do islamismo, você tem que

acreditar em Deus, em Allah como nós falamos, e o profeta Maomé é o mensageiro de Deus,

que recebeu a mensagem através do [anjo] Gabriel. [A religião] se fundamentou em fazer as

orações, cinco orações ao dia, [que acontecem] antes do nascer do sol, ao meio dia, à tarde, lá

pelas 15 horas e 16 horas, ao pôr do sol e depois à noite, essas aí são as orações. Essas são as

rezas que a gente faz, são obrigações a todo muçulmano. Esse é um dos pilares. A reza é

considerada como um pilar, é um pilar do islamismo, como se estendesse uma tenda, e o que

sustenta a tenda venha ser o pilar. Quando Deus mandou o homem, ele não mandou à toa, ele

mandou para que o ser humano obedecesse e reconhecesse e com isso foi definido, por Deus

mesmo, que sejam rezadas essas cinco rezas, a salat, que é diferente de qualquer outra religião.

Você pode rezar dentro da sua casa, na rua, ou na mesquita que é uma vez por semana, ou se

estiver perto, na mesquita, porque cada reza dentro de uma mesquita, ela tem retorno, o

benefício de 40 vezes, do que a gente rezar separadamente”. Então os pilares são “depois de

acreditar em Deus, o primeiro [pilar] né, aí rezar, depois jejuar, fazer jejum do Ramadã, praticar

a caridade e quem puder visitar Meca, que é o centro do mundo islâmico, onde o Profeta

salAllahu Aleihi w salam recebeu uma mensagem”.

20 Universidade Regional da Campanha, situada na cidade de Bagé, no Rio Grande do Sul.

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Expressando seus conhecimentos a respeito do período e da prática do Ramadã, o

entrevistado 1 afirma “hoje estou em jejum. O Ramadã é um dos pilares do islamismo, sabe que

o islamismo é uma religião monoteísta, sabendo que as religiões monoteístas são três, o

islamismo, o cristianismo e o judaísmo. Aliás todos os outros [profetas] que vieram antes, como

Abraão e outros que seguiram, o Adão, vieram quantos profetas depois. O Ramadã se

caracteriza por uma questão da pessoa se voltar para si mesma, para se conscientizar na

existência de Deus, em praticar o bem, visitar o próximo, é mais um mês de renovação anual

da fé do ser humano. Então no Ramadã você tem que fazer o jejum e esse jejum do Ramadã é

de 30 dias, desde o nascer do sol até o pôr do sol. E [o período em que se faz o jejum] muda em

cada região, conforme o clima, às vezes pegando o inverno é umas sete ou oito horas, às vezes

pegando o verão [muda]. Esse é um ato que tem muito benefício para o ser humano, ele mostra

que ele tem que ter paciência, é o comportamento, rezando que ele sempre está com os

pensamentos voltados para Deus, para seu semelhante, ele estando em jejum, você sente a

necessidade das outras pessoas. E nesse [período] você começa a ver nas outras pessoas, olha

para as outras [pessoas], se lembra dos parentes, volta para rezar. E além disso já foi

comprovado cientificamente que o jejum do Ramadã, de um mês, regula o sistema cardíaco e

psicológico também, porque as pessoas que praticam regulam o colesterol, eliminam a gordura

e a glicose também”.

Anteriormente à realização da entrevista, o entrevistado fez uma pesquisa a respeito

do Ramadã e nesse momento ele leu o que estava escrito “é recomendado ao muçulmano que

antes do início do jejum faça uma refeição leve, o suhur, ao amanhecer que se faz o suhur,

comam coisas leve, um copo de leite, um sanduíche, alguma coisa leve e que sustentam todo o

dia. Isso facilita o cumprimento ao decorrer de tudo [do jejum], você sabe, o nosso organismo

precisa de energia e precisa de água. E na hora de quebrar o jejum, dê preferência a fazer com

coisas de origens muçulmanas, aqui não tem muito, mas na Arábia tem bastante, milhares de

palmeiras, [e você pode quebrar o jejum] com um copo de água e uma tâmara. E come

naturalmente, tem a oração para chamamento de tardezinha e ao pôr do sol, aí todo mundo faz

e reza”.

“Vamos agora falar do Ramadã em si mesmo. Como ele é obrigatório, se você praticar,

vamos supor que você está viajando a menos de 80km, ou duas horas para cima, Deus perdoa,

e você tem que cumprir em outro dia. O homem, por exemplo, faz o jejum, não tem que o

impede, mas a mulher tem o seu ciclo, então ela pode recompensar outro dia ou pode dedicar

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duas refeições, por dois dias, para pessoas mais necessitadas, convidar para jantar ou almoçar,

é a caridade, no fundo tem uma questão social”.

Quando questionado sobre a diferença entre a prática do Ramadã no Brasil e em seu

país de origem, comenta que “a única diferença é a família, lá com pai, mãe, irmão, o ambiente,

o clima, mas aqui nós fizemos tudo, vamos na mesquita, no nosso centro islâmico, e olha que

não tem diferença nenhuma. Para nós muçulmanos todas as terras são de Deus, é onde você

esteja a estar cumprindo o mandamento de Deus. Vocês têm a Páscoa, que é um tipo de jejum,

os judeus tem outro, e para outros Profetas que vieram antes, todos tiveram, veem o jejum como

parte da obrigação”.

“Tudo depende da necessidade da pessoa, da condição, tem pessoas que comem no

café da manhã um sanduíche, tem gente que não tem um prato de feijão, um bife ou o que tiver,

mas existem pessoas que se reúnem com a família, chamam os outros, convidam outras pessoas

para participar no jantar, mas a gente come normal, não tem nada de especial. A não ser quando

no fim do Ramadã, é tipo o Natal para vocês, é uma celebração, é considerada uma das maiores

festas do mundo islâmico, porque todo mundo islâmico, adota no mesmo dia, na mesma hora,

ou conforme o ciclo, mas no mesmo dia, se festeja essa prática”.

“Todos meus filhos praticam o Ramadã, só se tiver alguma coisa que os impeça, por

motivo de saúde que não permite, mas assim que melhorar ele poderá cumprir”.

“Eu vim em 1956, 58 anos, faz muito tempo. Minha senhora veio também, chegou

mais tarde, né. Nós éramos solteiros e nós deu o destino, graças a Deus, e a esposa veio, é

responsável e eu estou muito feliz graças a Deus”.

O entrevistado 1 também foi questionado sobre seu conhecimento sobre a rede

McDonald’s, “conheço sim. O muçulmano come tudo que os outros comem, mas tem comidas

que temos que comer de acordo com o Alcorão. Não comemos a carne que não sai todo o

sangue, eles abatem de uma forma diferente, onde o animal jorra o sangue, e a gente fala em

nome de Allah, para conscientizar que você está comendo uma coisa limpa e sadia. Não

comemos o porco, pois ele não é higiênico, como as coisas da gordura que afeta o organismo

humano. Tudo o que é proibido na religião muçulmana é para o benefício do ser humano.

Porque eliminamos o sangue do animal, se você é uma pessoa e adoece, você vai no médico e

faz exame de sangue, porque no sangue tem todas as doenças e sintomas que o organismo tem.

O Alcorão é constituição que Deus mandou para o ser humano. O Alcorão é como a

Bíblia, como o evangélico, como outros livros que vieram. Então eles possuem as nossas

condutas.

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Eu chego aqui no balcão, qualquer coisa que tem aqui eu como, um biscoito, uma fruta,

de preferência algo leve. Mais tarde um copo de água. Não há motivo para não ir no

McDonald’s, pode comer outras coisas, mas tem que saber se aquela carne é limpa, não tem

mortadela. O significado do Ramadã é a união da família, é importante chamar pessoas da

família. Quanto as marcas, eu não percebo as marcas, e acho que as marcas fazem mais para o

consumidor, é mais para o adolescente que para o adulto. Todo mundo é mais saudável se tiver

um suco de frutas ou um refrigerante, isso aí não tem nada que proíbe ou inibe, a pessoa

diabética toma diet”.

Foram apresentados ao entrevistado 1 o primeiro anúncio, em que comenta, “tem

relação, o ano lunar é 10 dias menos que o ano normal, então o Ramadã é diferente do calendário

solar, a rotação da lua é completamente diferente. Cada ano o Ramadã é em período diferente,

por exemplo se iniciamos o nosso jejum no dia 18 deste ano, ano que vem é no dia 8, e no

próximo é dia primeiro. Então ele é para o ano inteiro, para as pessoas experimentarem o jejum

em diferentes épocas, experimenta o frio, calor, chuva”.

Quando apresentado o segundo anúncio, comentou “batata quem é que não come. Esse

hambúrguer vem geralmente com carne de porco, então de preferência a gente não come,

porque não sabe como é feito.

A princípio o McDonald’s vai para cidades com mais de 200 mil habitantes, então

você pode chegar lá e escolher. Até eu fui uma vez, da última vez que estava voltando da

Jordânia, faz uns dois anos, eu pedi halal, que não tem nada de graxa, de porco e nada de

gordura. Nos países árabes eles cuidam dessa parte e eles querem o consumidor. Não há

diferença entre a comida, só que eles fazem halal que é de acordo com ritual islâmico e aqui no

Brasil não tem essa preocupação. Aqui em Bagé temos um frigorífico que exporta para países

islâmicos, Irã, Arábia Saudita, Egito, eles mandam pessoas para examinar os animais, eles

escolhem animais que sejam sadios, e mandam degolar como diz o ritual. A gente elimina o

sangue para a carne ficar mais saborosa, mais limpa e traz mais benefícios para o corpo”.

Quando questionado sobre sua vida como muçulmano na cidade em que vive, afirma,

“aqui em Bagé o povo está integrado, tanto muçulmano, católico e evangélico, aqui não existe

distinção racial. Porque é um país que já saiu dessa fase com libertação dos negros.

Só para falar em libertação, o islamismo é uma religião de liberdade e igualdade. Em

1650, mais ou menos, a escravidão era muito mais ferrenha, então a primeira coisa foi a

libertação da escravidão, tinham escravos morenos e eles se tornaram muçulmanos, eles

começaram a libertar, começou a pagar pela sua libertada, e se tornar livres. Nós temos aqui

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três ou quatro africanos que rezam na mesquita, porque todos os muçulmanos rezam para um

deus só, não importa se são ricos, pobres, magro, gordo, perante Deus quando a gente existe

nós temos essa grandeza, mas quando a gente morre todos nós vamos pelo mesmo caminho,

ninguém leva nada, leva somente as ações boas perante o semelhante, o que ele cumpriu como

religioso, tanto como muçulmano, como católico, perante Deus, que Deus que mandou a gente,

não é só para ser por ser, é para agradecer Deus e para obedecer. Porque as leis de Deus são

diferentes das leis atuais, as leis atuais procuram afastar um pouco, mas as leis de Deus são

completas para a felicidade, para o ser humano, para a família e para a nação.

No islamismo, se você mata uma pessoa propositalmente é como se tivesse matado

toda a humanidade, ainda a gente foge um pouco do radicalismo, em qualquer parte, tivemos

na época da Cruzadas, é radicalismo por motivos econômicos invadiram o mundo Islam. Agora

tivemos o radicalismo em nome da fé, as potencias utilizam aqueles elementos e doutrinam e

mandam fazer coisas que Deus não mandou fazer e vai contrário a tudo o que a religião prega.

Aqui, por exemplo, eu não vou falar dos judeus, mas eu estive lá agora, e onde já se viu proibir

as pessoas de rezar, aonde você viu o que eles fazem de ler uma coisa que não existe, mas eles

são doutrinados, fanáticos, por um fundo político, ambicioso, de racismo, de segregação racial,

por dependência de outras pessoas, a serviços de outras potências, para fazer maldade como

fizeram a outros palestinos, como eles fizeram, ou quando expulsaram 70% dos palestinos que

viviam lá, porque o Ocidente criou o estado de Israel e este estado foi criado para ser uma base

para os interesses daquele lado lá né, assim entraram na Palestina. Olha que naquela época,

você viu o que fizeram em Gaza, todo o pessoal de Gaza é formado pelas pessoas que os judeus

tiraram da Palestina, daquela cidade. Quando Israel foi criada, foi criada com o objetivo de

concretizar uma base militar para dominar o petróleo, o mercado, manter aqueles países

divididos. Planejaram, depois da Primeira Guerra, dividiram o mundo árabe, como o Brasil, em

estados, em que cada estado foi dominado por uma potência. Alemanha pegou uma parte,

Inglaterra outro e outro. Com o tempo estes estados se tornaram livres, mas em princípio

dependendo desses países Agora que estes países estão ricos fabricaram essa divergência

religiosa, porque na região não tem nada, e recrutar mercenários de tudo que é lado, tanto no

Afeganistão, no Paquistão, como no Iraque.

Então eles usam da religião para interesses das multinacionais, das potências, não é

em benefício do ser humano. Essa divisão antiga, mesmo que ele já estivesse dividido no

passado, o projeto deles é dividir o individido. Aqui em Bagé, vamos supor, vamos dividir esses

aí, os gaúchos e o catarinenses, esses são católicos, esses são protestantes. Então, além de viver

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em estados heterogêneos, que é o mundo árabe, uma língua só, todo mundo é, ninguém tem

aquela briga por religião, por divergência religiosa porque todas as religiões são voltadas para

Deus. No Iraque, por exemplo, tem armas químicas, foram lá e não encontraram nada,

destruíram o pais, porque? Eles querem destruir para eles mesmos, depois dividir entre xiitas e

sunitas, como católico e protestantes. Esse é um ato que eles fazem para dividir, para explorar

essas pessoas, esses países. Com isso eles destruíram uma cultura milenar, e que que deu?

Ascenderam aquele ódio. Eles mesmos, ultimamente lá no Iraque, pegaram agência da CIA

com os elementos e mandava bombardear uma mesquita e outra, vendiam armas, porque como

é que crescem essas potências, é o poder econômico, a fonte de sustentação é a guerra. Pode

ver quando não tem uma guerra na África, tem na China, ou na América Central, a fonte de

divergência que dá sustento. Fizeram essa divergência nessa terra, destruam aqueles países com

suas armas, direta ou indiretamente, e depois eles mesmos tomam lá, colocam uma

administração e começam a comprar o petróleo a troco de banana e eles que refinam e o dinheiro

vai para os bancos dos EUA. É outro tipo de pensamento do colonialismo antigo, eles querem

voltar para lá. Mas quando tem Deus em que o povo acredita, eles podem se perder, mas o

retorno é uma coisa certa”.

O entrevistado 1 também contou sobre sua vinda para o Brasil, “quando eu saí de lá

eu era guri, nem sabia o que era o Brasil. Eu tinha um parente aqui, eu era estudante, eu senti

que eu estava fora do país depois que eu passei pela, sai Palestina, Jordânia, Líbano e Beirute,

quando estava em alto mar eu senti que eu realmente estava só, eu chorei de solidão, da saudade

da família, eu tinha 17 anos nem pensava, e ainda a propaganda que falavam era que o Brasil

era uma floresta, cheia de lixo de índio, eu não sabia como seria o Brasil. Quando enxerguei de

longe, primeiro eu cheguei na Bahia, mas ficamos em alto mar, depois cheguei no Rio de

Janeiro, e eu abri meu coração, eu vi aquela civilização, aquele povo, eu achava que ia encontrar

índio, eu vim com essa propaganda. Nunca vimos nada sobre a China, e agora se vê tudo, eles

usam o meio de comunicação como arma, a comunicação está nas mãos deles, e fazem tudo

para ninguém saber nada daquele povo. Graças a Deus, temos que agradecer a Deus pelo

progresso tecnológico, não precisamos mais olhar só na tv, aqui a televisão está nas mãos dos

judeus, Manchete, Globo, e eles estão conectados com o EUA, a serviço do capitalismo, tudo

que eles falam não é verdade, eles falam do interesse deles. Eu não sou contra as novelas, mas

tem tanta coisa que eles fazem para destruir as famílias, desintegrar a família, será que são as

palavras que Deus mandou para a humanidade? Não é um plano diabólico dessas potencias para

manter os seres humanos longe de Deus?

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Quando saí de lá faltava 1 semestre para terminar o bacharel, como era guri e foi

impulso, eu tinha parente, um primo um outro lá, e outro motivo, quando Israel invadiu a

Palestina sabe quantas cidades eles destruíram, é como pegar uma faixa de Uruguaiana ao Chuí.

Tinham 8 mil judeus lá e tinha 700 mil palestinos, questão de 4 ou 5 anos, na época da segunda

guerra mundial, todos recebiam os judeus de braços abertos, quando os árabes palestinos se

deram contam já estavam em 100 mil, 200 mil, e naquela época em que se dividiu o mundo

árabe em estado, o único estado que ficou sob mandato, ou seja, uma criança que não tem

capacidade, é de menor e precisa de prescritura, aí colocaram em Israel. Aí colocaram Inglaterra

que tomou a Jordânia, na França, a Síria, a Itália na Líbia, a Alemanha não sei onde. Então, na

Palestina, por uma faca você poderia ser preso, o povo se revoltou, então uma coisa que nunca

esqueço, meu pai tinha viajado para a Colômbia, eu tinha uns 6 ou 7 anos, aí chegou um cerco

inglês que invadiram e passou um tanque da Segunda Guerra, eu saí correndo para ver como

era. Aí um tempo depois eles chegaram e entraram na casa. Mas eu sabia que qualquer pessoa

que tem 5 ou 6 cartuchos vazios, é humano de cadeia, se tem uma arma, aquela antiga, e por

sinal a na frente da minha casa explodiram a casa porque tinha um rifle. Enquanto para os judeus

eles criaram um centro de treinamento com arma e tudo, e começaram a recrutar. Quando

terminou a guerra e prometeram dar a Palestina a liberdade, os palestinos estavam desarmados,

sem nada mesmo, até com uma faca. Então pegaram 40 mil soldados que serviam a eles, então

pegaram do Chuy a Uruguaiana, e entraram. O povo não queria, mas não podia falar nada. Era

uma revolta com pedra, tu vê os palestinos lutando hoje com pedra, abertos contra a ocupação

de Israel. Os outros países não podiam intervir porque eles estavam de uma maneira direta

estavam comprometidos, colocaram os militares, por sinal a Jordânia, que era responsável da

Liga Árabe, botaram um que era filho do inglês, para tu ver. Eles destruíram 252 aldeias e

cidades, e quando chegaram na cidade, as pessoas saíam com a roupa do corpo, corridos. O que

isso causou, muito refugiados.

Meu pai falou que era uma situação inviável para as pessoas que estudavam e

trabalhavam, quando eu estava em Portugal, quando eu estava vindo, eu conheci um português,

ele me ensinava português e eu o ensinava o árabe para ele. Quando eu vi a civilização no Rio

de Janeiro, eu fiquei bem contente, adorei. Antes de sair, meu pai me disse 3 princípios. Você

não fique até as 8 ou 9 horas dormindo na cama, trabalhe, se não dá num dia, dá no outro, viva

do teu trabalho, segundo, seja honesto, o que é teu é teu, e outro procura uma boa companhia e

pode comer do melhor e que Deus te acompanhe. A gente se emociona. Graça a Deus depois

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eu fiz minha vida nesses princípios, trabalhando honestamente, eu tive a felicidade de ter a

esposa e os filhos.

Comecei a estudar no segundo ano que cheguei, estudei ciências econômicas, ciências

biológicas, tenho carteira de professor e depois conclui com dois anos, contabilidade. Mas

sempre trabalhando, de maneira honesta, vivendo de maneira harmônica, mas que me ajudou

muito a encontrar esse povo carinhoso, amigo, eu acho que não existe povo melhor que o

brasileiro, eu me integrei muito bem. Eu cheguei aqui, as pessoas brincam, tem horas que a

gente que está esquentado, mas eu encontrei amor, apoio, amigos, encontrei trabalho e eu me

realizei através dos princípios que eu tenho lá e dos que complementei aqui, usei esses

conhecimentos para me expandir, chegou uma hora que eu tinha uma rede de loja, mas agora

deixo para os outros, eu cumpri minha missão como cidadão, eu agradeço a deus, estou

satisfeito. A gente tem esse laço com lá e aqui, o mundo é um só, o ser humano está aqui ou na

lua, ele pensa na sua família e no seu irmão. Eu agradeço a deus por ter me ajudado, minha

família, meus amigos que me apoiaram, a Luis Kalil, essa vida não para, hoje estamos aqui,

com coisas materiais, nossa pregação é aqui, mas lá é que vamos levar a convivência, a

honestidade, o amor, a serenidade, isso é que vamos levar conosco e a parte que se fez aqui na

terra, fica como exemplo para os filhos. E Deus existe, hamdulillah21.

6.4.2 Entrevistado 2

O entrevistado 2 é comerciante, tem 45 anos, é natural de Brasília no Distrito Federal

e atualmente mora em Bagé, no Rio Grande do Sul. É bacharel em Direito e empresário. Quando

questionado sobre sua relação com a cultura islâmica, responde “não digo relação. Eu sou

muçulmano, filho de pai e mãe muçulmanos. Nasci muçulmano e pretendo morrer, se Deus

quiser, muçulmano”.

Quanto à prática do quarto pilar, o Ramadã, o entrevistado 2 afirma “já pratiquei. Esse

é o sétimo ou oitavo ano que eu pratico o Ramadã, um dos pilares do Islã. Na verdade, o

Ramadã, que é o jejum, ele quer dizer uma data especial, diga-se de passagem, no mundo

Ocidental existem muitas datas especiais como Dia dos Pais, Dia das Mães, Namorados,

Criança, e esse tipo de data não se comemora no mundo muçulmano. Nós comemoramos uma

data especial depois do [término do] Ramadã, que quer dizer a época em que foi revelado o

21 Palavra em árabe que significa Graças a Deus.

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Alcorão, que é o terceiro Livro Sagrado, quer dizer, é a terceira religião depois do judaísmo,

cristianismo, vem o islamismo. Então essa data do Ramadã nosso tem uma atenção especial aos

muçulmanos, porque foi revelado o Alcorão, [período em] que foi revelado as suras, que se diz

em português, os versículos, pelo Profeta Maomé. Também, diga-se de passagem, o Profeta

Maomé é como Jesus Cristo para nós, é o mensageiro de Deus. E como Maomé foi o último

mensageiro, foi revelado vários versículos em que se encerrou o segmento religioso, os livros,

que Deus enviou, isso no mundo muçulmano.

Nós vimos hoje, por exemplo, quem realiza o Ramadã são os muçulmanos, nós vimos

hoje um Brasil principalmente, o crescimento muito forte do islamismo, principalmente no

interior de São Paulo, em um nível intelectual gradual, um nível cultural mais elevado, como

por exemplo na Europa, hoje na Europa, tanto na Alemanha, como na França, somos um quarto

da população, quer dizer, são um quarto da população não origem árabe, são um quarto

população de origem alemã, de origem francesa que se converteram ao Islamismo. Então

isso que nós estamos vendo hoje no Brasil é um crescimento muito forte, apesar da imprensa

brasileira hoje infelizmente ser comandada por uma empresa judaica sionista22, em que ela tenta

pregar a imagem do terror do mundo muçulmano, nós temos dificuldade, mas estamos tentando

mudar esse lado. Diferente da Europa, em que o crescimento praticamente foi uma explosão,

que representa um quatro da população.

Para o muçulmano quebrar o jejum, que [acontece] por volta das 18 horas hoje, ou

cinco para seis da tarde, seria uma tâmara com um copo de água. Mas não é todo mundo que

consegue comprar uma tâmara, ou aquele que não tem a tâmara, que quebre o jejum com um

copo de água. Com relação à alimentação, o tipo de alimentação não se tem uma regra, o que

não se pode comer no mundo muçulmano, na religião islâmica, ano inteiro, tu não pode comer

agora. Por exemplo, a carne suína e o álcool são altamente condenados pelo mundo muçulmano.

Não se come nem antes [do Ramadã] nem depois.

Já pratiquei, se não me engano, três anos o Ramadã no mundo muçulmano. Já fiz na

Turquia, na Jordânia e já fiz na Palestina. Claro, lá [a cultura] é mais presente, é mais marcante.

Aqui a gente sente dificuldade porque tu vive em um mundo Ocidental, tu vive em um mundo

em que não é igual a cultura. Por exemplo uma coisa o que eu acho bonito lá na Palestina, no

Ramadã, eu conheci vários restaurantes cristãos, e os cristãos em respeito aos muçulmanos, eles

fechavam os restaurantes. Quer dizer, eles não comercializavam, não abriam [o restaurante],

22 Sionismo foi um movimento que impulsionou a decisão da criação de um Estado independente para os judeus no

território palestino, que depois veio a ser chamado de Estado de Israel. Fonte:

http://www.infoescola.com/historia/sionismo/. Data de acesso: Agosto de 2015.

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não vendiam nesses dias e pronto, esse mês, que é o período do Ramadã, é mês de férias do

cristianismo. Nós [os restaurantes] não vendemos alimentação antes da quebra do jejum.

Engraçado que muitas pessoas dizem que existe uma rivalidade, uma rixa, mas isso é mentira,

não existe nenhuma rivalidade contra a religião Cristã, muito pelo contrário, os cristãos lá na

Palestina ou no mundo do Oriente Médio nos respeitam nesse sentido, não abrem o restaurante

em respeito aos muçulmanos. Se eles têm um empregado muçulmano, por exemplo, ele não o

deixa trabalhar, manda para casa por estar muito calor e ele está fazendo o jejum, e isto está

dificultando [a prática]. Ele também não come na presença do funcionário, é um respeito

radical. Se tu ver um cristão, como eu vi na Jordânia ou na Turquia em Istambul, eu achei que

o Cristão estava fazendo o Ramadã, mas, na verdade, em respeito [ao muçulmano], ele não

come, então existe esse tipo de cultura [e respeito] lá. Claro, como o Islã não é então divulgado

no Brasil, estamos a recém em processo gradativo, ainda temos essa dificuldade”.

Com relação à prática do Ramadã na família do entrevistado 2, responde “tenho filhos,

meu filho de 12 anos faz [o Ramadã] e meu filho de 8 anos também faz. No islamismo, ele dá

a obrigação ao pai ensinar os filhos [a praticar o Ramadã], as regras do islamismo, o que se

passa daqui depois da vida terrena. Quer dizer é obrigação da família, é até obrigação do pai

bater nos filhos em caso de não cumprir [o Ramadã]. Mas isso eu não fiz com nenhum dos meus

filhos, os dois fazem o Ramadã, praticam normalmente”.

Quando questionado sobre a sua relação com a empresa McDonald’s, responde “já

comi do McDonald’s, mas eu particularmente rejeito o McDonald's, porquê é uma

empresa sionista judaica, é uma empresa que destina dois e meio por cento do seu faturamento

a compra de armas em Israel, que essas mesmas armas mataram recentemente, há mais de um

ano, 2.500 pessoas em Gaza, quero dizer, como que eu, na condição de muçulmano, de

palestino ou qualquer outra pessoa contra a guerra a favor da paz, eu daria dinheiro ao

McDonald’s. Então essa é minha posição radical, eu não compro só do McDonald's também

existem outras empresas como Café Três Corações e a Coca Cola. Então existem outros

segmentos que patrocinam os suprimentos israelenses, isso nós rejeitamos, eu particularmente

rejeito.

Acho que pelos meus filhos eu iria no McDonald’s, mas eu evitaria ao máximo de

quebrar o jejum no McDonald’s, até porque eu não sei que produtos o McDonald's tem. Hoje se

utiliza muito porco aqui no Brasil, quando a carne cai é tudo na base do suíno. Mas se tivesse

que levar, por uma questão deles, pela minha parte eu rejeito particularmente o McDonald's.

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No Brasil não há mudança de horário pensando no Ramadã, o islamismo não avançou

no Brasil, agora no Oriente, diga-se de passagem, o mundo muçulmano não pertence aos árabes.

Os árabes, se não me engano, correspondem a 20% a 30% muçulmanos, 70% por cento não são

muçulmanos, as pessoas têm essa ideia de que os árabes são muçulmanos, mas não. Por

exemplo na Indonésia, na Malásia, a China, só a China, por exemplo, puxa todo Oriente

Médio com relação a religião, quer dizer, existe países que são totalmente opostos à nossa

cultura e são muçulmanos. Quer dizer que para ser muçulmano não precisa ser árabe, é claro

que tem coisas que tem que se abster, que é o álcool, o suíno, a usura, o dinheiro a juro e outras

coisas tipos de normas, mas lá eles cumprem”.

Com relação a presença de marcas no período o Ramadã, o entrevistado 2 responde,

“Lá tem bastante [a presença] das marcas, nas viagens que fiz, porque eu gosto de fazer, eu

nunca gostei do Ocidente, eu gosto do Oriente, coisas antigas, históricas, é como quando tu vai

para uma Europa ver um prédio bonito, é igual aqui no Brasil. Então lá tu realmente percebe [a

presença] de marcas. Hoje, aqui no Brasil, Bagé manda quase 600 cabeças de gado por dia para

o Irã, um país muçulmano, inclusive vem veterinários do Irã, inspetores do Irã, vem inspetores

do Oriente Médio, muçulmanos, vistoriar a carne brasileira. Toda a carne hoje que vai para o

Oriente Médio, tem um muçulmano que vê gado por gado, boi por boi na hora do abate, antes

de fazer a exportação. Ou seja, existe sim controle rigoroso nas empresas muçulmanas”.

Ao serem apresentados os anúncios, o entrevistado 2 observou “eu vejo a lua. A lua é

porque o nosso calendário é lunar, por exemplo, no Ramadã, no ano que vem, ele vai iniciar 10

dias antes. É pela lua não é pelo calendário de vocês, do Ocidente. E isso eu vejo uma jogada

de marketing do McDonald's, porquê ele como uma empresa judaica sionista em um país

Marrocos que é muçulmano, ele quer atrair os seus consumidores, isso é mais do normal”.

Quanto ao segundo anúncio apresentado, comenta “Eid Mubarak, aqui eu entendi que

as batatas querem dizer as mãos, os cinco dedos. Ela quer dizer a duá, que em português quer

dizer que tu faz as tuas preces, a tua reza pedindo perdão para Deus. O McDonald1s está

tentando atingir, sensibilizar o mundo muçulmano com seus marqueteiros, isso que eu vejo”.

No terceiro anúncio comenta, “eu acho que neste caso aqui eu vejo também uma

mesquita em cima do outro anúncio, eu não acho que nem é uma questão do preço, a questão

para mim aqui é do marketing religioso, porque como Marrocos um país muçulmano, e ele pára

praticamente [no período do Ramadã], eles estão apostando todas as fichas no Ramadã. Eu,

sinceramente, eu acho um desperdício o McDonald's [usar o período do Ramadã para se

promover], porquê nenhum muçulmano vai quebrar o jejum no McDonald's. Claro, como eu

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falei, se você está viajando ou o teu carro quebrou quando tu estava indo para casa, como já

aconteceu comigo quando estava viajando, tive que quebrar o jejum em um posto de gasolina,

em qualquer lugar simples, quebrei, comi e jantei. Mas eu não acredito que um muçulmano vai

pegar a sua família e vai quebrar o jejum no McDonald's, sinceramente eu acho que muitas

pessoas, inclusive meus convidados do Oriente Médio, nas vezes em que eles vem para

Bagé, às vezes eu colocava uma Coca Cola em cima da mesa, e eles gritavam comigo, me

questionavam o porquê da Coca Cola. Eles estão custando o sangue do nosso povo e nós dando

dinheiro para Coca Cola. Quero dizer, existe uma restrição e existe hoje um boicote a nível

mundial contra as empresas israelenses, existe muito forte. A Esquerda Brasília está

promovendo. Até na última viagem que fiz, que visitei uns 4 ou 5 países, eu estranhei, até

comentei com os guris daqui da loja que tu não via Coca Cola, tu olhava nas lojas uns 10 ou 15

freezers cheios, mas não tinha Coca Cola, então o boicote é forte, não vou comprar e pronto.

Quer dizer, [esses anúncios] são uma tentativa do McDonald's e do marketing deles.

O McDonald's jamais faria o incentivo da prática do Ramadã. O McDonald’s é uma

empresa inconfiável, é uma empresa sionista, judaica, uma empresa de judeus israelenses, de

judeus sionistas, porque nem todo judeu é contra nós [palestinos], os judeus sionistas defendem

Israel. Todo sionista é judeu, mas nem todo judeu é sionista, tem judeu que defende a Palestina,

mais do que eu inclusive. Então essa empresa McDonald’s jamais vai incentivar o Ramadã, ela

é uma empresa mercenária que visa o lucro, ela quer se infiltrar no mundo muçulmano como

uma pessoa da paz, mas na verdade ela quer o seu dinheiro, quer seus fins lucrativos. Cito até

um exemplo, na Palestina o McDonald's quebrou, ela não rodou, ela teve prejuízo total, houve

um repúdio muito forte na Palestina. As pessoas da Palestina, as crianças de lá, não comem, eu

te dou certeza, porque nosso tipo de cultura alimentar é bem melhor do que a do Ocidente, a

comida árabe, te digo com todas palavras, é um milhão de vezes melhor comida do Ocidente.

O ketchup, as batatas fritas, isso tudo é um veneno, o refrigerante, a carne com diferentes tipos

de processamento, a nossa comida é mais natural e mais saborosa. Quer dizer lá eu não vejo

mudança de hábito. Aqui meus filhos gostam, mas eu creio que com a idade, com a consciência

política que eles vão ter, eles vão começar a repudiar, porque essas empresas israelenses, essas

empresas judaicas, se elas não pressionarem o seu governo a dar o direito ao povo palestino, a

dar o direito ao mundo muçulmano, ela vai ser sempre repudiada.

Como nós muçulmanos somos oprimidos no mundo inteiro, se nós não repudiar eles,

então nós vamos ficar como covardes. Nossa única forma de reprimir eles são nas suas

empresas, inclusive as maiores e mais fortes empresas no mundo são deles, mas nós

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reprimimos, eu particularmente, muitas pessoas reprimem, muitas pessoas do Brasil, brasileiros

reprimem. Porque se a empresa, que quer o Ramadã, o jejum, que quer a paz, ela vai lá e financia

por baixo dos panos, armas para matar civil e criança, isso não é uma empresa, e o mundo sabe

disso, é por isso o desespero deles em fazer esse tipo de marketing”.

6.4.3 Entrevistado 3

O entrevistado 3, tem 46 anos, é comerciante, dono de uma loja de roupas, filho de pai

e mãe palestinos, é casado há 12 anos, tem dois filhos. O entrevistado 3 é natural de Santa Maria

e sua esposa de Caçapava do Sul, mas ambos moram em Santa Maria. A esposa é muçulmana

brasileira convertida. É formada em enfermagem, mas não atua na profissão, como contou

“[meu marido] falou que se eu quisesse trabalhar, eu poderia, mas ele tinha condição de me

manter quando eu tivesse as crianças, então eu prefiro ficar em casa cuidando deles. Eu acho

mais fácil do que entregar na mão de outra pessoa”. Ambos foram entrevistados, de forma que

nesta pesquisa serão identificados como entrevistado 3, mas cada resposta será identificada

quando for respondida pelo marido ou pela esposa.

Quando questionado sobre a relação com a cultura islâmica o marido respondeu,

“procuro seguir como têm que seguir, como diz os ensinamentos do Alcorão, as tradições”.

A esposa foi questionada sobre o seu processo de conversão ao islamismo, “eu me

converti, foi quando a gente casou que eu me converti e hoje em dia eu uso o hijab por opção,

o lenço, no caso, é um dos segmentos da religião, mas tem muita muçulmana que não usa

também, tudo depende. Foi uma opção minha. Eu poderia ter casado com ele e ser de uma

religião diferente, desde que ele aceitasse e a família aceitasse, fui eu que optei. Eu conheci

mais da religião, gostei e resolvi seguir”.

Quanto à prática do Ramadã, ambos responderam “nós estamos praticando, estamos

no mês do Ramadã”. O entrevistado 3 completou, “no começo, nos primeiros dias, é mais

difícil, depois vamos nos acostumando. Mas a gente não pode comer nada, nem tomar água,

nem nada, até um olhar assim, que tu faz um olhar intencionado para uma pessoa já anula o teu

jejum. [O Ramadã] é um momento de reflexão, por exemplo, a gente tem certeza que as 17:45

a gente vai comer alguma coisa, mas e aquelas pessoas que não vão ter o que comer? Você

entende. E também faz bem para a saúde, imagina o nosso corpo ele dura entre 50 e 70 anos e

fica sem parar, ele trabalha direto, aí quando vem o mês do jejum, pelo menos ele dá uma

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aliviada, dá um descanso”. A esposa do entrevistado continua, “a partir do momento que tu se

reverte muçulmana, ele [o Ramadã] é um dos pilares da religião. Ele faz parte, todo muçulmano

faz o jejum, prática do Ramadã. Para mim foi normal, porque a gente não pode comer do nascer

ao pôr do sol, mas durante a noite a gente come normal”.

Quando questionada sobre a prática do Ramadã com relação a seus filhos, comenta, “a

partir 7 anos, eles começam a tentar fazer o Ramadã, não são obrigados. Meus filhos são

pequenos e não fazem ainda”. E continua, “eu faço comida normal para eles, eles comem

normal, como agora ao meio dia, eu fiz almoço e dei comida para eles, mas eu não como. Esse

ano o jejum está bem mais fácil, porquê dá para comer cedo, diferente dos meses no verão, que

tu ia comer lá pelas 20 horas ou 21 horas, hoje às 18 horas já escuro. Igual minha cunhada que

mora na Jordânia, eles estão com 17 horas de jejum, é bastante tempo né.

Mas aqui a comunidade é pequena, nesses lugares maiores, inclusive no Brasil, como

Foz do Iguaçu ou em São Paulo, eles se reúnem na Mesquita para quebrar [o jejum], aí cada

família leva um prato para fazer aquela refeição. Aqui nós quebramos o jejum em hoje em casa,

a gente reúne a família, convida uma família para comer aqui em casa, e depois no outro dia

essa família nos convida para comer na casa dela”.

O entrevistado 3 também comentou sobre as visitas a família, “eu já visitei a cidade da

minha família, metade da minha família está aqui e a outra lá, a parte do meu pai mora na

Palestina, e a outra parte na Jordânia”.

Quanto à alimentação do muçulmano no período do Ramadã, o entrevistado 3 comenta

“como a comunidade é um pouco pequena [aqui no Brasil], é muito difícil comer como diz a

religião. O que a gente pode comer como o animal abatido através dos preceitos do Islã, a gente

não pode comer carne de porco, a gente não pode ingerir álcool essas coisas. Mas a gente come

normal, como os brasileiros. Claro o que tem alguns pratos que a minha mulher faz, que são

diferentes da culinária brasileira, ela sabe fazer comida árabe”. A esposa completa, “mas a gente

tenta comer o mais caprichado possível, como a gente ficou o dia inteiro de jejum, para que a

gente consiga ficar mais um dia inteiro de jejum. Mas a gente tem que valorizar a comida, não

adianta fazer um banquete sendo que tu não vai consumir toda aquela comida, sendo que no

outro dia tu vai fazer o jejum novamente e tem um monte de gente sem ter o que comer”.

O marido afirma, “tem duas opções, no caso, tem gente que vai fazer compras por

causa do jejum, esbanjam dinheiro. Nós não, claro, a gente come bem, mas tem pessoas que

passam dos limites, esbanjando comida que acaba indo fora”. A esposa completa, “não é o

propósito do Ramadã. Para nossas crianças, quando termina o Ramadã, é como se fosse o nosso

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Natal, no caso tu presenteia as pessoas que tu gosta, tu compra uma roupa nova, usa a melhor

roupa para comemorar aquele mês inteiro que tu fez o jejum”. O entrevistado 3 continua “é o

mês em que foi revelado o Alcorão”.

Quando questionados sobre a relação da família com a rede McDonald’s, a esposa

afirmou “a gente não consome. A gente conhece, ela é mundialmente conhecida, mas a gente

não consome. Que nem para nós, a Coca Cola, o McDonald’s, esses produtos assim, eles

financiam os israelenses que na verdade são contra os palestinos, que matam as nossas crianças,

torturam e prendem. É muito abuso. A partir do momento em que a gente consome um

produto do McDonald's ou dessas empresas, a gente está financiando ele para fazer o mal ao

nosso povo”. O marido completa, “nós mesmos estamos matando nós mesmos”. A esposa

continua, “por isso que se tu pesquisar na internet, tu vai ver o boicote que existe a certas

marcas, a certos produtos e o McDonald's é um deles. O boicote é forte”.

O entrevistado relata, “aqui no Brasil eu não percebo as marcas atuando no período do

Ramadã. Outra coisa que algumas marcas fazem é incentivar o pessoal para fazer a

peregrinação a Meca, porque o Hajj é feito nos últimos dias no mês do Ramadã. Muita gente

vai, milhões de pessoas”. A esposa completa, “mas entre a comunidade muçulmana, inclusive

nos meses do Ramadã vem bastante Sher, que para nós seria o padre da religião católica, eles

ensinam, eles vêm de vários países para ficar no jejum aqui no Brasil, para incentivar, para

ensinar”.

Com relação a prática dos pilares em Santa Maria, o entrevistado 3 comenta, “ o

pessoal vai na mesquita para rezar, fazer as orações. A gente faz as orações ali, na Rua Vale

Machado”. Sua esposa completa, “aqui em Santa Maria, o pessoal fecha as lojas e vai no

local da reza e depois volta [ao trabalho] Aqui na mesquita as mulheres não vão muito.

Geralmente eu rezo em casa”. E o marido afirma, “aqui eles só rezam na sexta-feira, porque

aqui eles são mais afastados da religião, aí não querem saber muito, querem saber mais do

dinheiro do que de Deus. Nesses lugares maiores que tem Mesquita, eles rezam as cinco vezes.

E não precisa ir longe, em Livramento o pessoal não falha uma reza”.

Após a apresentação dos anúncios da rede McDonald’s, a esposa do entrevistado 3

comenta, “tem bastante McDonald’s em países islâmicos. Na França, a comunidade muçulmana

é muito grande também. Que nem para mim, nesse [anúncio] eles usaram o hambúrguer do

McDonald’s como se fizesse a posição da Lua ou o anoitecer, que seria o horário em que a

pessoa pode comer no Ramadã, mas jamais uma pessoa quebraria o jejum comendo

McDonald’s, porque é totalmente industrializado. No Ramadã jamais, em um outro dia até

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poderia ir, como a gente tem filhos, não posso dizer que nunca vou levar se um dia eles

quiserem, mas a gente faz o possível para evitar”. Seu marido completa, “o correto é quebrar o

jejum com copo d'água e uma tâmara, esse é o correto”. Analisando o segundo anúncio, a esposa

afirma, “aqui é como se fosse a mão na hora de uma oração”. No terceiro anúncio analisa, “aqui

no caso, eles quiseram dizer que são bênçãos para compartilhar, tu pode dividir com outra

pessoa. No caso dos [anúncios] promocionais, eles sabem, por exemplo, aqui a gente é uma

comunidade pequena, mas em países maiores, a comunidade é muito grande, então eles tentam

puxar as pessoas por causa desse boicote”. Com relação ao quarto anúncio comenta, “esse

anúncio também, é promocional, e mostra o horário em que a pessoa pode comer lá [no

McDonald’s].

A esposa completa sua observação com relação a empresa McDonald’s, “mas a

respeito da mídia, o McDonald's ou qualquer outra empresa, eu acho legal esse incentivo à

prática [do Ramadã], porque eles estão valorizando a cultura da gente, embora seja para o lucro

financeiro, eles estão divulgando de uma maneira, porque para as pessoas que não tem

conhecimento nenhum do eles estão falando, não é só aquela coisa, eu vou ficar com fome, tem

um propósito de você ficar com fome. Inclusive eu sei de religiões de amigas minhas brasileiras

que fazem o jejum, mas é uma coisa diferente. E no caso dessas empresas, eu acho legal eles

divulgarem, pelo menos as pessoas tem a oportunidade de conhecer um pouco mais da gente. O

Ramadã serve para a purificação, mesmo quando a mulher, por exemplo, está menstruada ou

ela está no pós parto, não pode jejuar, quando ela está grávida, ela não pode jejuar, porque vai

fazer mal para o bebê. Se tu é dependente de algum tipo de medicação, se é diabético ou

hipertenso e necessita de uma medicação, também não é necessário fazer o jejum, porque tu vai

ser prejudicado”. O entrevistado 3 continua, “tu está impuro, né”.

Quando questionados se trocariam a quebra de jejum em casa para irem com a família

em uma franquia da rede McDonald’s, comenta a esposa, “não trocaríamos, nós não podemos

comer porco, eu sei que lá [na religião islâmica] é pecado, mas se for um caso de emergência,

de extrema necessidade que a gente não tem opção de comer outra coisa, outra comida que a

gente possa comer, a gente acaba comendo [o McDonald’s], mas é um caso quase impossível,

é muito extremo”. O marido afirma, “tem gente que morre de fome, mas não come”. A esposa

continua, “[em relação ao] McDonald’s, eu não sei se tem alguma coisa viciante, o que tem nele

que as pessoas não param de comer”. O entrevistado continua, “quando a gente vai sair, assim

para jantar fora, envolve muito o horário, por exemplo, é 17:45 e não tem nada aberto para a

gente poder fazer uma refeição, uma janta. Às vezes a gente pode comer uma coisinha para

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enganar o estômago no momento da quebra, depois a gente sai para jantar”. Sua esposa afirma,

“mas a gente procura uma comida mais saudável, até para nos dar energia para passar outro dia

em jejum”.

A diferença entre a prática do Ramadã aqui no Brasil e em países do Oriente Médio, o

entrevistado afirma, “é totalmente diferente, é mil vezes melhor lá do que aqui. Aqui é só eu e

ela. Lá todo mundo está fazendo [o Ramadã]”. A esposa continua “todo mundo faz, as crianças

de 8 anos já começam a fazer [o Ramadã]. Durante o Ramadã, as lojas e os lugares ficam abertos

à noite, as pessoas saem na rua”. O marido continua, “ o ambiente é diferente”. Sua esposa

segue “todo mundo vai para mesquita rezar, as famílias se reúnem. É bem diferente, parece que

tem um valor maior, não desfazendo o que tem aqui, mas parece que lá tem um valor maior”.

O entrevistado 3 lê uma postagem na rede social Facebook feita por um familiar que mora em

São Paulo, “por favor irmãos, vamos ter mais consciência nos jantares da quebra do jejum.

Entendemos que todos estão com fome, mas não encha seu prato com aquilo que você não

precisa, coloque metade e depois, se ficar com fome, coloque mais um pouco. Pense em nossos

irmãos que sofrem por falta de comida. O desperdício não é conduta islâmica”. A esposa afirma

“eles têm essa consciência de não botar a comida fora sabendo que tem irmãos pelo mundo

inteiro passando fome ou sentindo sede, que não tem nada para comer.

E não é só a comida, por exemplo, eu uso o hijab e as minhas roupas não deveriam ser

assim normais, eu deveria usar saia comprida, ou uma roupa mais larga. Porque o princípio do

hijab é a modéstia, e tu não chamar atenção na rua, mas quando eu chego em casa, por exemplo,

eu tiro [o hijab], uso maquiagem, uso uma roupa curta e bonita para o meu marido. Por que que

a gente não mostra o cabelo? Porque o cabelo é a beleza da mulher, e tu vai mostrar para o teu

marido em casa. Aqui [em Santa Maria], é mais difícil, inclusive a roupa e o lenço. Mas como

a gente tem filho, e tu quer ensinar um pouco [da religião], acho que é mais fácil assim desde

pequeno. Como a minha filha, nos primeiros dias na escola, eu achei que ela ia ser tratada

diferente, por eu ser a única mãe assim, mas pelo contrário, acharam o máximo, ela me

apresenta, todos os colegas querem me conhecer, as colegas perguntam se podem me ver sem o

lenço. Eles têm mais curiosidade porque é diferente. A minha filha está na escola e, por

exemplo, no dia em que ela tem aula de religião, a gente busca ela para não dar esse conflito.

Porque não adianta a gente ensinar uma coisa, embora seja praticamente a mesma coisa, mas aí

tu confunde a cabeça da criança, e ela entende tudo tranquilo. Em casa nós ensinamos a religião

para eles. A gente tem a antena árabe, que pega os canais de lá, a maioria dos canais são

religiosos. Tem um inclusive, que ensina as crianças desde pequena a falar e escrever [em

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árabe], embora seja bem difícil, o árabe é bem difícil”. E continua, “é muito mais fácil poder se

acostumar com a cultura, com o jeito daqui, do que tu ser diferente. Quando eu coloquei [o

lenço], a minha cunhada, que veio da Jordânia, que retirou o lenço, disse que tinha se

arrependido. Quando fazia uns dois anos que eu estava usando, ela colocou também, e eu fiquei

bem feliz. Como ela falou, foi um arrependimento muito grande que ela tinha. Imagina, ela se

criou assim, lá as meninas usam [o lenço] na escola. Aqui é muito complicado, minha filha ia

acabar não querendo isso para ela, de tanto que os outros iriam mexer. Inclusive na escola

islâmica, em São Paulo, não é obrigado a usar o lenço. É uma opção tua, geralmente a menina

usa o hijab depois da primeira menstruação, quando ela se torna mulher. Mas a minha filha, se

Deus quiser, vai usar”.

O casal também foi questionado sobre a sua relação na comunidade santa-mariense, a

esposa responde “normal. Eu não sei se é porque a gente mora aqui no centro, aqui todo mundo

conhece a gente, conhecem meus filhos, chamam a gente pelo nome. Mas quando é uma pessoa

de fora, já tive bastante preconceito, das pessoas debocharem, falarem, mas, por incrível que

pareça, geralmente é um pessoal mais velho, mais maduro, ou de alguma religião [diferente], o

que é mais intolerante. Porque no caso a gente respeita qualquer tipo de religião, a gente não

tem esse tipo de preconceito, como mostra na mídia. Se a tua opção é ser católico, é tua opção,

cabe a mim ser muçulmana e seguir no caminho certo, que se Deus quiser, um dia tu vai ver o

caminho certo também, mas não querer te obrigar. Por exemplo, existem religiões que falam da

gente, criticam, usam dos ataques terroristas, para dizer que todo muçulmano é assim, e não é,

muito pelo contrário, o muçulmano é uma pessoa pura, tu não pode fazer maldade, desejar o

mal. Não pode planejar uma maldade contra uma pessoa, independente da religião dela, dela

acreditar ou não no que a gente acredita”.

Com relação ao preconceito que sofre, a esposa comenta “o que eu sofro não é

preconceito, quando eu saio na rua, é deboche, é aquela coisa sarcástica das pessoas, é como

existe em qualquer outra religião. O diferente incomoda muita gente. Um sher nunca vai

converter uma pessoa sem ela antes frequentar uma mesquita, sem ela saber o que realmente

quer, porque não é brincadeira”. Seu marido comenta “para nós [muçulmanos], a pior coisa que

tem é procurar saber, se converter e depois abandonar”. A esposa continua “por isso que eu

comecei a usar o hijab faz quatro anos, e eu sou muçulmana há bem mais tempo, mas porque

eu sabia que era uma coisa séria, tu não vai brincar, é mais fácil tu não usar, do que usar por um

tempo e depois tirar, e depois colocar de volta, eu vou estar brincando”. O entrevistado completa

“e tem muita gente que faz isso”. A esposa continua “é uma coisa séria, muda tudo, jamais tu

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vai me ver na rua com manga curta, nunca mais, embora eu vá em uma praia ou eu vá em

qualquer lugar, vai ser sempre a essa vestimenta”. Seu marido diz “a gente foi na praia, e ela

foi de lenço, tudo normal”. A esposa continua “por isso mesmo que tu tem que estudar, saber

se realmente é isso que tu quer, para não acontecer isso, porque há uns anos atrás estava

acontecendo que muitas mulheres conheciam um árabe e queriam casar, se convertiam, mas

não levavam a sério, calma aí, tu pode casar, mas não tem nada a ver com a religião. Uma coisa

é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Aí começou umas funções de que eles enganavam às

mulheres, e não é isso, de repente a mulher se propôs a fazer uma coisa que ela não estava

pronta para fazer, porque muda tudo. Quando eu conheci meu marido, eu tive dificuldade, é

mais complicado, até para eles te conhecerem bem, tu conhecer a família, se é uma guria boa,

uma guria pura. Eu me converti no momento em que a gente casou, mas eu não usava lenço, eu

usava roupa normal, porque eu queria conhecer mais [da religião]. Quando eu comecei a usar

hijab, [meu marido] não estava [em casa], ele estava viajando para São Paulo. Quando eu liguei

e falei pra ele que estava usando, ele me perguntou se era sério, se não era brincadeira, aí eu

disse que eu sabia e que por isso mesmo eu preferia fazer em um período em que ele não

estivesse na cidade, pra ninguém pensar que meu marido me obrigou. Muita gente me perguntou

se foi o meu marido que tinha pedido, me obrigado. Foi uma escolha minha, opção minha, eu

optei por isso”.

O casal também comentou sobre o sher mais conhecido no Brasil, o sher Rodrigo

Rodrigues23, “ele que é o chefe da comunidade”. A esposa continua “ele era da mesquita de

Porto Alegre, foi convidado para morar em São Paulo para dar aula na escola islâmica. Porque

em São Paulo a gente tem a escola islâmica e é bem forte o ensino, mas lá ele puxou para o lado

da religião. Ele é professor lá e ele é chefe na mesquita [do meu marido], umas das maiores

mesquitas de São Paulo e ele é brasileiro convertido. Porque não tem nada a ver a tua

descendência, tem muito árabe católico, inclusive lá. Quando a gente vai pra Porto Alegre, o

[meu marido] sempre vai na mesquita, que tem o sher Jamal, que também é a coisa mais

querida. [Meu marido] viaja bastante para Livramento, porque lá tem sher, aqui em Santa Maria

deveria ter também, para ensinar as crianças, ter uma escolinha, coisas assim né”. O

entrevistado 3 afirma “o problema lá em Bagé, eu participo de alguns grupos religiosos no

estado, o que acontece, vêm uns cinco ou seis sher muçulmanos e eles saem lá do país deles

para visitar o Brasil. Eles, [os muçulmanos], ficam sabendo em São Paulo, aí em São Paulo, se

23 Nascido em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, é professor de religião na Escola Islâmica Brasileira, na Zona

Leste de São Paulo, e sheik na Mesquita do Pari. Fonte: http://www.vice.com/pt_br/read/rodrigo-rodrigues-o-

sheikh-do-facebook. Data de acesso: Agosto de 2015.

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avisa o lugar em que eles vão visitar, é tudo uma conexão, e às vezes eles vêm para o Rio

Grande do Sul. Eles têm que ir para todas as cidades, eles ficam três, cinco ou seis dias, em

cada cidade. Quando eles vão para Bagé, acho que lá não tem mesquita, é só uma salinha. Pra

ti ver, os sher deixam o trabalho deles, porque eles tem muito dinheiro, dinheiro que os árabes

nem imaginam, aí eles chegam lá nessa salinha em Bagé e pegam um cobertorzinho, se tapam

no chão e dormem. E os caras com muito dinheiro, eles fazem isso para poder ajudar as outras

pessoas. Eles saem do conforto da casa dele, abandonam o negócio, dinheiro, filho, mulher,

tudo, para chegar aqui e falar da religião para as pessoas e tem pessoas ainda que não recebem

eles”.

6.4.4 Entrevistado 4

A entrevistada 4 tem 66 anos de idade, atualmente já está aposentada, mas trabalhava

como comerciante em uma loja de roupas e artigo de viagem, é casada há 50 anos, tem cinco

filhos, um médico, uma farmacêutica, uma pedagoga, um que atua na área de processamento

de dados e administração e um filho que seguiu na área do comércio. A entrevistada nasceu na

Palestina, na região de Ramallah, na qual afirma, “a maioria dos árabes vieram desse município,

são cidades pequenas, são várias cidades vizinhas, tudo ao redor de Ramallah. [Isso acontece]

porque ela é o centro comercial da Palestina, é uma cidade que tem muito comércio, todas as

compras são feitas ali”. Atualmente a entrevistada mora em Santa Maria, juntamente com seu

marido e dois de seus filhos. Os outros filhos estão em cidades como Porto Alegre,

Florianópolis, em Santa Catarina, e em Brasília, no Distrito Federal.

Quando questionada sobre a sua relação com a religião islâmica, comenta “eu nasci

muçulmana, mas eu saí do meu país com 15 anos. Quando eu saí do meu país, eu vim casada,

eu casei com 15 anos, aí o meu marido veio primeiro, depois de três meses, eu vim e estou aqui

no Brasil faz 50 anos. Eu nunca pratiquei o islamismo, eu sabia o que era certo, e o que era

errado, mas eu não rezava, não tinha feito a peregrinação [a Meca], eu fazia o jejum, sempre fiz

o jejum no Ramadã, mas eu não rezava, eu não lia o Alcorão. Depois de casada fazia vários

anos, [eu fui fazer a peregrinação], faz uns sete anos que eu fui para Meca, aí eu comecei a

praticar o islamismo sem parar e eu não pretendo parar por nada nesse mundo.

Para mim o islamismo representa muito, eu me arrependo de não ter começado antes,

porque agora eu me sinto tranquila, me sinto em paz, sinto uma paz interna dentro de mim, eu

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não consigo me imaginar sem rezar, sem ler o Alcorão todos os dias, sem lembrar de Deus, eu

não consigo. Eu me achava uma pessoa vazia antes, agora eu me sinto tranquila, em paz. Eu

acordo as cinco da manhã, faço a oração, leio o Alcorão diariamente, não deixo passar um dia

sem fazer isto, depois que eu fiz isso, me sinto em paz, me sinto segura. Eu não consigo passar

um dia sem ler o Alcorão, minha reza é cinco vezes por dia e ainda tem horários opcionais, que

faço lá pelas 8:30, 8 horas da manhã, também pode fazer de madrugada, se você quiser fazer

depois da meia noite, quando tu acordar, mas eu faço as cinco [orações]. Mas graças a Deus eu

me sinto em paz.

Meu marido é muçulmano, ele começou a fazer as orações antes de mim, porque ele é

mais velho que eu, ele é 20 anos mais velho que eu. O que fez eu praticar o islamismo, é graças

a ele, na verdade graças a Deus e a ele, porque meu marido queria ir para Meca, ele me disse

‘olha eu já estou com a idade avançada e quero ir para Meca, mas eu não posso ir sozinho, tu

tem que me acompanhar’. Aí no primeiro pedido eu disse que no ano que vem a gente ia, mas

quando chegou no outro ano, ele me disse ‘esse ano nós vamos’, então eu conversei com meus

filhos, ‘o pai está com vontade de ir a Meca’. Só que eu fui mais como se fosse uma viagem de

turismo, eu não tinha noção do que era a peregrinação, o que a gente fazia lá, qual era o benefício

dessa peregrinação. Mas quando eu cheguei lá, parece que algo muda dentro da gente, se sente

outra pessoa, parece que a religião entra no teu coração de verdade. Eu voltei de lá outra pessoa,

até meus filhos estranharam, me diziam ‘você voltou de Meca e não é mais a mesma’, e eu

realmente não voltei a mesma, passo o tempo todo orando, lendo o Alcorão, rezando. Eu não

sei, mas essa é a única coisa que eu posso fazer depois que eu passei tempo longe de Deus, sem

fazer nada, eu quero tirar o atrasado. Foi ali que começou, porque antes de ir para Meca eu não

tinha interesse nenhum, eu tinha 5 filhos para sustentar, para dar estudo, eu não tinha tempo

para pensar a religião. Graças a Deus e ao meu marido, quem insistiu para eu levar ele, que me

fez acordar e seguir e praticar a religião. Porque antes eu era muçulmana, mas não fazia nada.

Agora eu tenho que rezar, fazer o Ramadã, tem que fazer a zakat, tem que fazer doação, tem

que querer o bem das pessoas, tudo o que tu não quer que te façam, não pode fazer para os

outros. Então tudo isso aí, graças a Deus, eu sabia o que era certo e o que era errado, mas não

praticava, agora eu pratico graças a Deus.

Quando ele foi para casar, meu marido me conheceu lá, aí ele falou para a mãe dele

para falar com minha família, nós somos primos, né, lá primeiro se procura os parentes, depois

pessoas de fora, se não tiver algum parente. A mãe dele falou com meu pai e deu tudo certo,

nos conhecemos e casamos. Quando eu vim [para o Brasil] não sabia nem uma palavra em

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português. Naquela época, nós tínhamos um tio aqui no Brasil e ele mandava notícias, mandava

o dinheiro para família, e todo mundo se encantou, em pouco tempo ele já mandou dinheiro. Aí

o meu marido veio também, ele trabalhou, fez dinheiro, que naquela época era mais fácil de se

fazer a vida. Meu marido veio pra cá com 20 dólares no bolso, quando ele chegou aqui, ele

botou numa carta e mandou os 20 dólares para a mãe dele que estava necessitada. Ele começou

a comprar dos patrícios, vendia e pagava eles. Ele ficou morando num hotel, aí, depois de 11

anos, ele foi para a nossa terra para casar comigo. Nos casamos e em seguida ele veio primeiro,

depois de três meses eu vim.

Eu cheguei aqui em São Paulo na época do carnaval, quando cheguei em São Paulo

parecia que estava em outro planeta, todo mundo com roupas coloridas, fantasiados, pintados,

eu queria ir embora na mesma hora. Mas meu marido disse que em Santa Maria não era assim,

que era só em São Paulo. Aí eu falei ‘vou ficar só um ano aqui no Brasil’, e esse um ano foram

50 [anos]. E agora eu prefiro morar aqui, a gente está em paz, não temos guerra, não temos

problemas, graças a Deus. Eu vou na minha terra só para passear. A última vez que eu fui faz

oito anos. Eu não viajo com frequência, porque é muito caro. Tenho parentes, irmãos e primos

lá, mas agora mesmo todos meus irmãos estão nos Estados Unidos, mas eles vão seguido para

visitar, passam as férias e voltam para os Estados Unidos. Esse mês de agosto, a maioria vai

passar o verão lá, ficam dois ou três meses. E volto para minha terra, eu tenho bastante parente

lá, sobrinhos, tios e tias.

Agora por telefone eu converso seguido com eles, falo todos os dias com eles pelo

WhatsApp. A gente fala o tempo inteiro, antes era mais difícil, cada minuto eu pagava 4 ou 5

reais, mas agora facilitou, dá para conversar à vontade. Antes eu pagava 800 reais de telefone

agora não preciso mais”.

Com relação à prática do Ramadã, a entrevistada 4 afirma, “desde criança eu pratico o

Ramadã, desde que me lembro, acho que eu devia ter uns nove ou dez anos, a minha família é

grande, somos onze irmãos, e todo mundo fazia o jejum. Se tu não fazia o jejum, praticamente

jejuava, porque não saia comida para aqueles que faziam o jejum durante o dia, então já que

tem que fazer ficar sem comer, a gente fazia o jejum. Isso era para a criança se adaptar, ou

comia o que tinha sobrado de ontem ou então a criança se adaptava ao jejum, daí ela começa a

fazer por prazer, porque o jejum faz tu valorizar o alimento que tu come, não importa que tipo

de prato tu gosta, é um banquete, de tanta fome que a pessoa está. Ela não fica pensando que

ela gosta desse ou daquele prato, quando os filhos falam isso ‘não gosto disso’, faz um jejum

para tu ver que o prato vai ser importante, para ti valorizar cada prato, não tem nada que tu não

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goste. Então a alegria que a pessoa tem é muito grande na hora refeição, é aquela comida que

Deus te deu, depois tu imagina as pessoas, por exemplo, eu passei fome todo dia, mas à noite

tenho o que comer, agora aqueles que passam fome de dia e à noite. Isso também é para a gente

valorizar, para fazer doações, para gente ajudar os necessitados, esse é o segredo do Ramadã.

Aqui em casa moramos eu, meu esposo e minha filha. Infelizmente só eu e meu marido

praticamos o Ramadã, minha filha não pratica porque ela trabalha acha que fazendo o jejum vai

ficar com mau hálito. Ela tem vergonha de falar com as pessoas com mau hálito, então não faz

por isso se ela não estivesse trabalhando fora, faria.

O primeiro dia do Ramadã é o dia em que Deus mandou o Anjo Gabriel até Maomé

para iniciar a luta contra os descrentes, para ele seguir islamismo. O mês do Ramadã serve para

tu entrar em contato com Deus, diariamente, porque tu está jejuando, não é só comida, tu tem

que jejuar a comida, o líquido, nada entra na tua boca, tem que jejuar a língua, não falar mal de

ninguém, o olho, não falar ‘a porquê que o outro tem, que eu não tenho’, tem sempre que

agradecer o que tem, mesmo que pouco, sempre tem alguém que tem menos do que tu. Se tu

diz ‘ah, eu sou gorda’, agradeça a Deus por ser gorda e poder caminhar, porque tem muita gente

na cadeira de rodas que deseja ser bem gorda e bem feia, mas estar caminhando. Então a gente

sempre tem que agradecer e não reclamar porque tem isso ou porque tem aquilo. No Alcorão

diz assim, agradeça que eu terei mais. Não adianta dizer eu agradeço para ter um avião

particular, agradeça por você ter as pernas para andar. Essa é a bênção de Deus”.

Com relação à alimentação no período do Ramadã, a entrevistada 4 responde “na

quebra do jejum, o certo é quebrar com alguma coisa natural, que não foi ao fogo, pode ser uma

fruta, um copo de água, pode ser uma tâmara, pode ser passa de uva, pode ser uma fruta seca

ou natural, nada é exigido, água todo mundo tem. Então pode quebrar o jejum com água. No

período do Ramadã, sempre temos tâmara porque Maomé quebrava o jejum com uma tâmara,

que é um a fruta citada várias vezes no Alcorão, é uma fruta sagrada. Então quebramos o jejum

e, depois do alimento, comemos normal, não sendo carne de porco, qualquer alimento a gente

come. Só não pode comer carne de porco. Muçulmano não come carne de porco. O abate do

animal, infelizmente, aqui não tem, é errado comermos um animal que não foi abatido pelo

sistema do Islã, mas não temos opções, se eu, por exemplo, comprar uma carne ali no

[supermercado] Nacional mal abatida, e se tem lá no [supermercado] Big a abatida conforme o

sistema do Islã, aí é condenado, mas não temos opções. E mesmo assim Deus ainda mandou

para nós várias opções, tem peixe, verduras, frutas, legumes. Por que qual é a melhor, comer

isso ou ir para o inferno? Mas infelizmente comemos carne. Não tem outra opção, se tivesse a

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carne abatida corretamente, comeríamos. Nas capitais têm abatedouro de frango, de vaca, de

acordo com o sistema do Islã, mas aqui Santa Maria não tem.

[No Ramadã] preferimos ficar em casa, porquê geralmente nos restaurantes tem carne

de porco, assam o churrasco de porco junto com a carne de gado, não pode misturar porco, não

podemos ingerir nada de porco. Então no Ramadã preferimos comer em casa, que é mais

garantido”.

Com relação as diferenças nas práticas do Ramadã na Palestina e no Brasil, a

entrevistada comenta, “na nossa terra, desde que começa o Ramadã até o dia em que termina,

todos os dias tem festa casa de um e de outro, e de outro. Os parentes convidam, mas aqui,

como não temos parentes, eu tinha irmãos, mas eles foram para Curitiba, um dos meus filhos

mora em Brasília e outro em Florianópolis, só um mora aqui [em Santa Maria] e come aqui [em

casa] quando está de jejum. Não temos parentes para fazer [festa] todos os dias. Lá, o costume

é o meu marido, hoje, convidar as irmãs e todos os familiares dela, aí amanhã convida outro

[parente] e todos os familiares. Então em todo mês de jejum praticamente a família come duas

ou três vezes em casa, porque é convidada para comer na casa dos outros. É um mês muito

festejado. O final do Ramadã é uma comemoração na [minha] terra, porque todas as crianças

usam roupa nova, roupa bonita, fazem doces, fazem comidas gostosas. Naquele dia, eles vão

cumprimentar todos os parentes. Lá a mulher é considerada o sexo frágil, então todas as

mulheres do sangue [da família do meu marido], ele tem que visitar elas e cumprimentar todas,

além de dar dinheiro, mas não é presente, é dinheiro mesmo. No meu caso, por exemplo, se o

meu marido está ausente, eu tenho que fazer no lugar dele, visitar todos os parentes da parte

dele. E convidamos para almoçar ou jantar, mas principalmente da família, geralmente,

comemoramos junto [da família].

É que o Ramadã em grupo é muito mais gostoso, porque lá [na Palestina] todos fazem

[o jejum], daí na hora de comer é um monte de gente comendo no mesmo lugar, na mesma

mesa ou no mesmo chão, a gente faz no chão, para comer como antigamente. As pessoas ficam

guardando a chamada que a mesquita faz para a hora de comer. Então as pessoas ficam ali,

esperando em silêncio. Quando faz a chamada, é aquela alegria, das crianças e dos adultos, para

todo mundo é uma festa. Aqui só fizemos eu e meu marido, então não temos reuniões, não

temos mesquita para poder rezar, na verdade até tem mesquita, que é ali na Rua Vale Machado,

mas ela está praticamente abandonada, a maioria das [pessoas] velhas morreram, e os que tem

não podem subir aquela escada, são um cinquenta e poucos degraus. Os jovens, que nasceram

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aqui, praticamente rezam somente na sexta-feira, eles rezam, mas muitas vezes ninguém vai lá

[na mesquita]”.

Com relação à rede McDonald’s, a entrevistada 4 comenta, “eu conheço McDonald’s.

Eu consumo quando estou viajando, aqui não. Para eu comer fora, somente em viagens, eu

prefiro comer em casa, porque é mais tranquilo de comer, tu sabe que a comida não tem porco,

não tem não tem nada. Eu vejo a presença do McDonald's nos comerciais. É que hoje em dia,

o mundo inteiro é praticamente comércio. Pode ver, essas questões religiosas, a Romaria aqui

[em Santa Maria], tudo é comércio, tudo é dinheiro. Se tu vai perguntar na Romaria se eles

lembram que Deus existe, a maioria está ali para se divertir, só para vender ou comprar. Mas

esse assunto do McDonald’s eu não sei muita coisa. As pessoas querem vender não importa que

religião é. Eu não iria no McDonald's quebrar o jejum. Como eu te falei, porque geralmente

nesses restaurantes tem mortadela, salame, carne de porco, tudo na mesma churrasqueira, isso

pinga no outro, isso para nós não pode. Quando você estiver em jejum, se não pode comer.

Então se não tiver outra opção, quando estiver viajando, eu sou obrigada a comer, mas eu estou

em casa, prefiro comer em casa no Ramadã ou na casa de um parente”.

Ao ser apresentado o primeiro anúncio da análise dessa pesquisa, a entrevistada

comentou, “aqui o pão com gergelim simboliza a lua, eles estão simbolizando a lua, porque o

símbolo do islamismo é a meia lua. Eles estão usando o pão e esse símbolo que é do islamismo

é a parte que está iluminada, a parte acesa. Agora este assunto não posso dizer porquê, não sei

te dizer, tu que trabalha com isso entende mais. Eu sei que esse pãozinho simboliza a lua do

islamismo”.

Com relação ao segundo anúncio apresentado, responde, “esse outro aqui representa a

reza, as mãos para reza. Parece que posso estar enganada, acho que diz ‘não há divindade a

não ser em Deus’. Tu não pode crer em ninguém a não ser em Deus, só Deus é maior, por

exemplo, se tu vai pedir para Nossa Senhora, isso não existe no islamismo, no Alcorão diz ‘não

peça nada aos mortos, nem a Maomé’, porque todos os milagres que os profetas fizeram foram

através de Deus, ele mandou o Anjo Gabriel para acontecer um milagre, ter a força de Deus, os

profetas não fizeram um milagre nenhum, cada milagre que acontecia é porque Deus estava por

trás disso, através do anjo Gabriel. Então não tem porque pedir para Mohammed, nem para

Jesus, nem para Maria, os mortos morreram e acabou. Se eu quero pedir ajuda, eu quero orar,

só peça a Deus e mais nada. É até um pecado você pedir para uma estátua, tem pessoas que se

ajoelham e pedem, porque eu vou pedir para a estátua, se Deus é maior, se Deus existe, não

importa onde tu está, Deus está sempre junto. Deus ouve tudo que tu fala, pode ser na sacada

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do quarto, pode ser numa caixa fechada, Deus está ali. Então não tem necessidade de pedir para

terceiros, por que morreram, nem para estátuas, se empurra a estátua ela cai e se quebra, agora

eu quero ver se alguém vai derrubar Deus”.

Com relação ao terceiro e quarto anúncio apresentado, a entrevistado afirma, “esses

[anúncios] falam da venda dos produtos na hora em que se pode comer. Eu sei te dizer que é o

horário em que as pessoas podem comer”.

Com relação ao preconceito vivido, a entrevistada comenta “olha, no início foi muito

difícil, porque todo mundo olha, chama atenção, principalmente no verão, chama muita atenção,

as pessoas criticam, olham um para o outro, mandam alguém olhar. No inverno, graças a Deus,

ninguém fala nada, não chama atenção, só porque acham que eu me visto assim por causa do

frio.

Mas parece que as pessoas estão se acostumando. As pessoas que entendem da nossa

história, elas não falam nada, mas essa molecada que não sabe nada de religião acha engraçado,

acham que vai dar sarampo. Como aconteceu uma vez, que uma guriazinha estava segurando a

mão da mãe e do pai [ai eu passei por eles] e a menina falou para a mãe ‘se a tia tinha dodói na

cabeça’, aí a mãe disse ‘não minha filha, vamos pedir para ela nos explicar’. Aí ela perguntou

porque que eu estava usando o véu na cabeça, expliquei assim, que era por causa da religião.

Ai a criança ainda disse ‘ah, eu achei que tu estava dodói”. Tem estranhamento muito grande.

Tenho três filhas mulheres e nunca tive problema. Elas sabem desde que nasceram,

mas eu não praticava, não usava lenço, mas depois que fui para Meca nada me faz tirar. Nada

me faz mudar, nada me deixa mais feliz, graças a Deus, encontrei o caminho do islamismo.

Fiquei muito distante da religião, mas graças a Deus eu voltei e estou arrependida. Desde que

a pessoa se arrependa, não importa o tempo perdido, o importante é daqui por diante, mas não

adianta lembrar do islamismo na hora que estiver morrendo, isso não vale. Tem que começar

enquanto tem saúde, para Deus o que ficou para trás passou.

Na época que eu estava lá na minha terra não tinha McDonald’s e não tinha essas

empresas, era 50 anos atrás, nem existia McDonald’s aquela época, eu acho, eu nem conhecia

McDonald’s, eu fui conhecer aqui no Brasil. Agora tem McDonald’s e muitas marcas. A

geração nova, todos vão [nessas empresas], os seus pais geralmente não, mas os filhos vão.

Olha os jovens são poucos que seguem a religião muçulmana, exige bastante da pessoa, e como

os jovens estudam, trabalham e querem fazer dinheiro, querem cuidar dos filhos, querem dar

tudo para eles, estão sempre correndo. Então poucos seguem como mandam as regras

muçulmanas. Com tempo que eles amadurecem, crescem, estudam e começam a praticar. Mas

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eles podem fazer o jejum, mas eles não leem o Alcorão com intensidade, não acordam cedo

para fazer as rezas, a oração fora de hora não pode. Nossa primeira reza é as 5:50 da manhã,

então tu tens que levantar cedo, para quando chegar a hora da reza tu já estar pronto, não pode

esperar, ‘mais um pouquinho vou rezar às 7 horas’, não, tem que ser na hora. Então eles vão

deixando, principalmente a reza da manhã, eles fazem atrasados, perto das 8 ou 9 horas.

Depois de uma certa idade acordamos até às 5 para ler o Alcorão antes da reza. Quero

aproveitar o tempo que me resta. Essa foi a decisão certíssima, graças a Deus ele tem me guiado

para Meca, para seguir a religião. Então, tem que fazer o Ramadã, tem que fazer doação, por

cada habitante da casa, é um certo peso de alimento que tu deves doar aos pobres. Por exemplo,

se tu tens 100 mil reais por ano, agora no mês de agosto, tu tens que doar 2% para os pobres.

Se tu tens 50 reais, tu vais ter que doar sobre os 50. Mas tudo o que entrou em agosto, o que

entrou depois eu tenho que fazer doação dois meses depois, isso na religião muçulmana. A

prática da caridade no islamismo não permite que tu tenhas três refeições em casa e o teu vizinho

passe fome, mas agora as pessoas têm milhões de refeições em casa, muito mais que três, e tu

acha que eles pensam no vizinho? Ninguém se lembra de ninguém, eu não vou dizer que eu sou

100% correta, todos nós temos nossos defeitos, mas eu procuro [ser correta] ao máximo que eu

posso. Deus perdoa as nossas falhas, os nossos erros e a gente está indo devagarinho e vai

aprendendo”.

6.4.5 Entrevistado 5

O entrevistado 5 é estudante, está no oitavo semestre de Engenharia Química, tem 21

anos, nasceu e mora em Santa Maria.

Com relação a islamismo, o entrevistado comenta, “ [sou] muçulmano desde que me

conheço”. O entrevistado também se manifesta sobre a prática do Ramadã, “Pratico o Ramadã

desde os meus 14 anos. Minha família me ensinou desde pequeno, eu comecei a praticar com

10 anos, mas eu não conseguia completar, era muito difícil, mas depois dos 14 anos eu consegui

fazer direitinho, desde então sempre fiz. Para mim, o Ramadã é um momento de reflexão, de tu

saber esperar as coisas, de não se apegar a elas. Tu não podes ter o pecado da gula, eu acho bom

[que nesse período] tu cria uma humildade, porque tu vê e vive a situação como outras pessoas

que passam fome vivem. É certo que tu vais comer no final do dia, mas tu pensa em uma pessoa

que trabalha e pratica o Ramadã, ela vai ficar o dia inteiro sem comer, praticando, daí ela vai

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ficar o dia inteiro convivendo com pessoas que não praticam, que vão comer na tua frente.

Então é, mais ou menos, a situação que o pobre passa. Tu tentas se assemelhar a essa situação,

para tu ver como é, para mim isso dá uma humildade maior, em certos aspectos.

Com meus amigos é normal, eles entendem, às vezes me oferecem comida, eles dizem

‘vamos lá comer’, mas eu digo que não posso. Eu nunca falo que é porque eu estou no Ramadã,

eu só falo que eu não posso, eles sempre entenderam, nunca me questionaram, só digo que não

posso comer.

Geralmente procuro comer em casa, porque eu sei mais ou menos o horário que acaba

o período, daí venho para comer em casa, geralmente a gente não come todo mundo junto,

porque alguns estão trabalhando, mas a gente tenta. Por ora, enquanto eu sou estudante, eu tento

fazer isso, mas quando eu começar a trabalhar, talvez eu tenha que quebrar [o jejum] fora [de

casa]. No Ramadã eu como comida normal, mas eu como menos, a sensação que as pessoas

têm é que parece que tu vais comer tudo que tu não comeu durante o dia, mas isso é mentira, tu

sacias a fome muito rápido, tu comes umas duas refeições geralmente, só já te deixa satisfeito.

Claro, nutricionalmente vão falar que isso está errado, mas nunca deu problema, o maior

problema mesmo é a água, que tu não podes beber, o líquido, principalmente no verão. Mas

geralmente bebemos bastante água antes de acabar o tempo, também procuramos acordar de

madrugada para fazer alguma refeição. Aqui em casa toda a minha família prática. Na quebra

do jejum meu pai sempre diz para gente quebrar com copo de água, a minha mãe às vezes

também fala, mas a tâmara, como não é daqui, não é uma coisa que a gente come. Mas o copo

de água de vez em quando eu tomo, para quebrar o jejum. Mas não é sempre, porque o olho é

maior, o cheiro de comida atrai.

Eu pratiquei o Ramadã somente em Santa Maria, mas se a gente viaja para longe da

onde a gente mora, a partir de 80 quilômetros, tu não és obrigado a praticar o Ramadã, pessoas

doentes também não são obrigadas, grávidas, ou se tu tomas algum remédio que tu precises,

pessoas mais velhas, [o Ramadã] não é uma tortura, tem muita gente que pensa que é tortura,

mas quem não tem condições não precisa praticar. Acho que antigamente, quando o homem

andava a cavalo e ele tinha que ir para uma cidade, que era cerca de 200 quilômetros, imagina

ele ficar sem comer, em cima do cavalo, sem beber nada, daí tinha essa brecha. Aí tu tens que

pagar, para aqueles que conseguir, tem que pagar outro dia depois do período”.

Quanto as práticas dos outros pilares da religião islâmica, o entrevistado afirma “eu

não pratico todos os pilares. Eu acho que eu não pratico o mais importante e eu não faço as 5

orações. Todos [os pilares] são importantes né, mas esse eu acho que é o principal. Quando eu

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era menor eu fazia as rezas, mas hoje não. O meu pai pratica [os cinco pilares], mas ele vai

rezar ali na mesquita da Rua Vale Machado, mas um dia eu quero, sim, quero praticar todos os

pilares. O momento que eu parei foi momento em que eu não conseguia, porque o estado

Ocidental, laico ou não, ele não conhece os períodos religiosos, por exemplo, eu ter que rezar

a uma e meia da tarde, só que é uma e meia da tarde, tu tens que estar em outro lugar. Eu

entendo que a religião, se tu acreditas nela, no final é o que importa, é tu respeitar em Deus. Só

que o problema é que tu ficas nesse dilema, porque o mundo físico não vai te respeitar, não vai

querer saber se tu acreditas ou não em Deus, daí tu vai ficar pensando, se eu ficar rezando aqui,

vou perder aquilo, talvez eu vá ficar muito bem espiritualmente, mas como pessoa física, na

terra, eu não vou progredir. Isso é um problema, porque eu acho que é muito difícil achar essa

sinergia. Por exemplo, meu pai deve ter achado a sinergia dele, mas ele tem a facilidade de

morar em cima da loja [onde trabalha], daí se ele precisa de alguma coisa, ele sobe e faz tudo o

que ele precisa fazer e volta. Às vezes aqui no Brasil tu trabalhas longe [da onde tu mora], são

vários fatores. É como eu estar no meio da aula e eu ter que sair para rezar, é um dilema, isso é

difícil a sociedade entender”.

Quando questionado sobre a diferença entre a vida do muçulmano em países Orientais

e aqui no Brasil, responde “eu já fui pra Jordânia e lá é tudo diferente, eu me lembro que eu vi

que alguém comentou, ‘ah, meu filho já está fazendo o Ramadã’, daí a outra, tem aquela

expressão mashalá, que como se fosse ‘meu Deus, que bom que ele já está fazendo’, eles veem

isso como algo honroso, nas mesquitas tocam o alarme para rezar em todos os horários, no

Ramadã também toca para chamar para quebra do jejum. Então eles são bem mais suscetíveis,

mais esquematizados com relação a isso. As pessoas são mais calorosas, elas te tratam melhor,

te dão ‘oi’, se elas te conhecem, ou te viram uma vez, eles já vão te cumprimentar. Mas pensa,

a cultura lá é milenar, na China, no Japão e no Oriente Médio, tu vês que a base cultural de

respeito entre as pessoas é muito parecido, [as pessoas] mais velhas são considerados sábios,

enquanto aqui colocam as pessoas mais velhas direto no asilo. Lá não, o tratamento é bem

diferente, lá tem uma hierarquia. Já aqui em Santa Maria acho que a gente até tem uma

comunidade grande, só que eles não se relacionam muito, eu não sei o porquê, até temos a

mesquita, que é um espaço de convivência, mas a nossa relação geralmente é entre parentes

mesmo. Aqui em Santa Maria nossa família não é muito grande. Quando tem alguma festa

maior nós chamamos os amigos.

Em casa nós cultivamos muito o islamismo. Nós comemos com a mão direita, a mão

esquerda é utilizada para coisas mais sujas, coisas ruins, como pegar dinheiro, com a direita, a

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gente cumprimenta as pessoas, é uma coisa que boa para pessoa, só se faz coisas boas com a

mão direita. Não que a outra vá estar suja. A gente também entra com pé direito em casa, e sai

com pé esquerdo, ou seja, entra com Deus em casa, e estaria saindo com um diabo ou com as

coisas negativas. É ao mesmo tempo é algo religioso, mas também é um hábito. Ele facilita as

coisas. Tu também te vestes com a direita e tira as roupas pela esquerda. No banheiro é

diferente, porque a gente entra com a pena esquerda e sai com a direita. O banheiro é o lugar

mais sujo da casa, lá a gente se limpa. E no banheiro também nunca se pode falar coisas

religiosas, não pode levar comida para o banheiro, não pode comer lá dentro. É engraçado que

às vezes eu estou comendo chocolate e quero ir no banheiro, aí eu fico na porta esperando até

eu comer todo chocolate para entrar. Mas tudo isso é uma coisa que eu já estou acostumado,

não que eu seja doido ou louco. A gente está seguindo uma regra, como se fosse uma tabuada,

eu já decorei e isso não é uma loucura.

Em casa a gente também não come porco, nem casa nem fora, mas caso a gente coma

sem querer, isso não é considerado pecado, porque o que vale é a intenção da pessoa.

Alucinógenos também não podemos consumir, o álcool, e tudo aquilo que muda a consciência,

que deixa a pessoa com psicológico afetado. Tudo que mude o seu estado mental é proibido no

islamismo”.

O entrevistado 5 também apontou sua relação com a rede McDonald’s “conheço a

empresa. No McDonald’s eu como lá de vez em quando, desde que abriu o Subway, eu prefiro

Subway Mas eu fui lá faz muito tempo. Comparado ao resto [dos restaurantes], o McDonald's

é barato, tirando Xis, mas eu não gosto de lá, faz mal para saúde. Comparado com Subway, que

é quase o mesmo preço, o sanduíche [do Subway] é muito melhor, é mais natural. Eu percebo

bastante os materiais publicitários do McDonald’s. Até a última campanha que eu vi, acho que

foi no Facebook, era algo como, compre um McDonald’s para ajudar crianças carentes, isso é

uma certa publicidade. Quando era menor eu comia bastante McDonald’s. Geralmente meu tio

e minha mãe vão pegar os lanches lá no McDonald's, nós dificilmente vamos comer lá”.

Já a presença de marcas que utilizam do período do Ramadã em sua comunicação, o

entrevistado comenta, “No Brasil eu nunca vi nenhuma marca utilizar o Ramadã para se

promover. Eu acho que em outros lugares, também é um tema religioso, geralmente as empresas

não vão querer se promover [com base nisso], está certo que a maioria dos feriados religiosos

são promovidos por empresa, mas eu nunca vi uma marca usar esse período, o Ramadã. Acho

que trocar a comida da minha casa para ir no McDonald’s eu não faria. Comida de casa é sempre

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melhor. Porque tu comes junto, mas eu não trocaria, só se eu estivesse com muita pressa, mas

muita, muita pressa”.

O entrevistado 5 também opinou quanto aos anúncios apresentados “nesse [primeiro]

anúncio, a lua é um símbolo religioso do Islã, o hambúrguer está substituindo a lua aqui, que é

o símbolo do Islã. Ali colocaram o hambúrguer para lembrar a religião, que na hora que ele, [

o consumidor], olhar para o céu, para saber se já é a hora de comer, ele vai ver a lua, no caso

aqui um hambúrguer e vai pensar ‘ah, vou comer um McDonald’s’. A lua representa o começo

do Ramadã, quer dizer que tu vais comer um Mac, quando começar o Ramadã. Todos os dias

os muçulmanos olham para a lua, para sabe quando é hora da quebra do jejum. Já a luz do fundo

[do anúncio] também parece que é a noite. Talvez se fosse um pouco mais azul claro, que esse

tom tão escuro, acho que o azul claro pareceria que a noite está recém começando, o que ficaria

melhor, do que essa cor tão escura que eles usaram.

Quanto ao segundo anúncio, tem a posição que tu fazes para rezar com as mãos, em

que tu olha para o céu. Pelo meu entender, isso aqui é uma mão e essas outras batatas são a

outra mão. Daí seria uma prece para Deus, só que é comida, no caso as batatas. Não sei, eu não

acho que eles deveriam explorar essas datas religiosas utilizando comida, não dessa maneira,

esse primeiro anúncio não é tão agressivo, mas esse segundo está mostrando a prece a Deus e

está misturando com McDonald’s, então eu acho mais ofensiva. Esse primeiro anúncio é mais

legal, que tu olhas para o céu para ver se é o período que se pode comer, aí tu ver o McDonald’s,

daí tu pensa em comer no McDonald’s, ela é mais inteligente, já esse segundo anúncio é mais

direto.

E esse terceiro anúncio, eles estão fazendo uma promoção no período em que se pode

comer, é mais normal dizer ‘aproveite e como aqui, que aqui é mais barato’, mas eu não vejo

nenhuma comparação com Ramadã. O McDonald’s está usando o Ramadã só para se promover,

não está pensando no muçulmano, eu acho que o McDonald’s não vai se importar com qual é

a sua religião ou que religião ele tem, mas ele quer vender. E sabendo que tu achas que vai

ganhar duas bênçãos porque tu está comendo ali, ele vai fazer isso, ele não se importa. Se tu

queres comer McDonald’s não precisa comprar duas bênçãos, tu podes ir lá e comer,

independente ou não do anúncio, só se tu fores muito fanático, cego, que tu vais pensar que essa

comida vai te dar duas bênçãos. Quem é muçulmano não vai comer no McDonald’s, porque

não precisa comer essas coisas para Deus te abençoar, isso tu pedes direto para Deus”.

Com relação a sua vida como jovem muçulmano, o entrevistado conta “eu

particularmente não gosto de festas, para mim, quem vai para festa, vai para beber, fumar e

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pegar mulher, a última coisa que faz na festa é se divertir. Mas meus amigos nunca falaram

nada com relação à bebida. Eles sempre me convidam para sair com eles, eu nunca vi alguém

falar que não vai me convidar porque eu não bebo ou fumo. Claro, nenhum amigo meu vai me

convidar para beber quando estiver sozinho, porque eu não vou poder acompanhar ele, mas fora

isso eles sempre me convidaram. Eu não sei se por coincidência ou obra do destino, mas meus

melhores amigos também não bebem, por opção deles, e isso sempre ajuda né. Um ou outro

começou a beber, mas não é sempre. Isso me ajudou a não querer experimentar. Mas sabe como

é, sempre tem pessoas que me incentivam a beber. Mas eu sou ciente, eu não quero beber, eu

não posso beber, então para mim nunca teve problema. Eu não dou bola com essas coisas. Eu

sempre entendi, eu me acostumei. Se um dia me disserem para beber e eu puder beber, talvez

eu nem vá querer, não sinto falta disso. Um exemplo de quando eu era menor, eu era muito

gordo e eu vivia a base da Coca Cola e hoje em dia eu não tomo e não sinto falta. Eu sei que é

bom, mas hoje não me faz falta, eu já me acostumei e estou mais saudável. Assim como o

McDonald’s, eu comia bastante e hoje não como, é algo que não me faz falta. Quando eu

comecei a emagrecer, decidi que eu não queria mais isso no meu corpo. Eu não sinto mais

vontade de beber Coca Cola, quando era menor eu sentia falta e o McDonald’s também. Acho

que eu sou uma pessoa que não sente falta das coisas, eu não sou muito apegado aos bens

materiais.

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7 ANÁLISE A PARTIR DAS ENTREVISTAS

Em um primeiro momento, a análise parte do apontamento feito pelos entrevistados

quando se referem às adaptações culturais necessárias para que os ensinamentos do Alcorão

sejam mantidos diante da distância estabelecida entre seus países e culturas de origem,

refletindo tanto na prática do jejum quanto dos outros pilares. Também são analisados aspectos

apontados por todos os entrevistados que, em suas falas, tangenciaram o objeto de estudo desta

pesquisa, a rede de fast food McDonald’s, mas que não deixam de fazer parte da construção da

identidade cultural dos entrevistados. Como afirma Hall (1992), essa identidade é formada a

partir do vínculo estabelecido entre o indivíduo e a cultura, não se restringindo somente a

questões éticas, mas linguísticas e religiosas também que, no caso desta pesquisa, resgataram

em suas origens familiares e em algumas situações em seus territórios de origem, opiniões e

representações simbólicas quanto a prática do quarto pilar da religião islâmica, o jejum no

Ramadã.

Os dois últimos pontos de análise desse trabalho são destinados especificamente ao

objeto de pesquisa, o McDonald’s que, assim como qualquer outro consumidor, os

entrevistados estabeleceram suas relações com a rede e trouxeram diferentes pontos de vista

quanto aos objetivos da empresa. A análise dos quatro anúncios selecionados, que foram

veiculados em países de maioria muçulmana, compõem a última categoria de análise.

7.1 OH QUE SAUDADES QUE EU TENHO, DA AURORA DA MINHA VIDA24/

DA MINHA TERRA QUERIDA

Estar distante de seu país de origem revela muito mais que um idioma diferente, mas

apresenta todo o comportamento de um povo e a maneira como eles pensam e interagem com

o mundo. O processo de formação da cultura de um país envolve desde características trazidas

por seus colonizadores, passando pelas próprias modificações estabelecidas dentro do país, a

exemplificar o que aconteceu no Brasil, em que o idioma português, vindo de Portugal, foi

mesclado com a língua dos povos nativos, que já habitavam as terras brasileiras antes da

chegada dos colonizadores. Mas a cultura não pode ser estudada somente como um reflexo de

processos que se constituíram no passado e que permanecem até os dias atuais, sem muitas

vezes a população entender o porquê tais comportamentos e hábitos se mantém vivos. Assim

24 Poema Meus Oito Anos de Casimiro de Abreu.

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como cada indivíduo possui a sua identidade formada a partir de diferentes culturas com os

quais interage, a própria cultura também pode ser modificada pelos indivíduos que dela se

abastecem.

Essas modificações acontecem, muitas vezes, quando grupos de estrangeiros e

imigrantes escolhem o Brasil como sua nova terra, buscando oportunidades de emprego e a

possibilidade de construir as suas famílias longe de conflitos religiosos e políticos, guerras e

condições desumanas de vida. É o que aconteceu com dois entrevistados que, coincidentemente,

moravam na mesma região na Palestina, Ramallah, e vieram para o Brasil quando ainda muito

jovens. As situações que os trouxeram são bastante diferentes, mas carregam igualmente um

sentimento de medo quanto ao novo e a saudade da família que deixaram. Foi pelos conflitos

religiosos e políticos, que ainda fazem parte da realidade do mundo do oriente, que o

entrevistado 1 veio para o Brasil quando era adolescente, alimentado pelo discurso da mídia

internacional que apontava a terra brasileira como um local de índios, cheio de floresta e

animais, revelando toda a dificuldade que se tinha em obter informações, verídicas, quanto as

características da nação, mostrando ao entrevistado um outro mundo em sua chegada, como

relata: “a propaganda que falavam era que o Brasil era uma floresta, cheia de lixo, de índio,

eu não sabia como seria o Brasil. Quando enxerguei de longe, primeiro eu cheguei na Bahia,

mas ficamos em alto mar, depois cheguei no Rio de Janeiro, e eu abri meu coração, eu vi aquela

civilização, aquele povo. Eu achava que ia encontrar índio, eu vim com essa propaganda.

[Mas] quando eu vi a civilização no Rio de Janeiro, eu fiquei bem contente, adorei”.

Já a entrevistada 4 veio para o Brasil por causa de seu marido, que já estava trabalhando

no país havia algum tempo, e a buscou na região de Ramallah. Diferente do entrevistado

anterior, sua chegada foi marcada pelo período do carnaval, o que em um primeiro momento

chocou já que usar roupas de carnaval, que mostram partes do corpo em público, são

consideradas incorretas na cultura islâmica, mas logo foi tranquilizada pelo marido, como

afirmou “eu cheguei aqui em São Paulo na época do carnaval, quando cheguei em São Paulo

parecia que estava em outro planeta, todo mundo com roupas coloridas, fantasiados, pintados,

eu queria ir embora na mesma hora. Mas meu marido disse que em Santa Maria não era assim,

que era só em São Paulo. Aí eu falei ‘vou ficar só um ano aqui no Brasil’ e esse um ano foram

50 [anos]”.

Mas não é somente na chegada que muçulmanos e outros estrangeiros são impactados

pelas diferenças culturais entre o Ocidente e Oriente. Durante suas vidas em terras brasileiras,

os muçulmanos, que constituem uma comunidade muito menor, se comparada ao restante da

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população brasileira, precisam ultrapassar obstáculos como o idioma, a compreensão do

comportamento dos brasileiros, seus hábitos alimentares e suas crenças, mas, acima de tudo,

essas comunidades islâmicas buscam manter vivas os próprios aspectos de sua cultura,

percebendo na cultura brasileira poucas adaptações para recebê-los. Os poucos espaços

islâmicos, aqui não se limitando somente a mesquitas, mas escolas, sociedades, centros,

federações, assembleias e cemitérios, que se constituíram no Brasil, estão localizados

principalmente no Estado de São Paulo e no Paraná, que representam as duas regiões com as

maiores comunidades islâmicas do país, além de terem sido fundadas, em sua maioria, por

representantes muçulmanos.

Essa distância enfrentada por famílias que moram longe desses espaços desencadeia

uma série de problemas, desde a formação cultural e religiosa de crianças muçulmanas que, por

não terem acesso ao ensino islâmico em suas cidades, estudam e convivem em colégios

católicos, franciscanos ou de qualquer outra forma de religião, mas que, paralelamente, são

ensinadas pelos pais os escritos e práticas do Alcorão. Esse processo exige das crianças um

discernimento quanto a religião em que devem acreditar e uma maturidade muito grande, já que

estão no começo da formação sobre as percepções do mundo, podendo confundir ou atrapalhar

o seu desenvolvimento, como é colocado pelo entrevistado 3 “a minha filha está na escola e,

por exemplo, no dia em que tem aula de religião, buscamos ela para não dar esse conflito.

Porque não adianta ensinarmos uma coisa, embora seja praticamente a mesma coisa, mas aí

tu confundes a cabeça da criança, e ela entende tudo tranquilo. Em casa nós ensinamos a

religião para eles”. Mas não é somente com relação ao aprendizado da religião que esses

problemas se manifestam. Os próprios hábitos também sofrem modificações, como o uso do

hijab que, segundo o islamismo, só pode ser utilizado pela mulher depois do seu primeiro ciclo

menstrual. No Brasil, acontece que a própria família prefere que sua filha deixe de usar o hijab

quando jovem, procurando protegê-la do possível preconceito na escola e na rua, deixando essa

decisão para quando ela estiver mais velha, podendo assimilar com clareza tal decisão.

Manter as práticas islâmicas em um país que não está preparado o suficiente para

aceitar e compreender os seus costumes dificulta a inserção de tais comunidades na sociedade

brasileira e isso se estabelece não por desrespeito à cultura, mas por falta de conhecimento sobre

a mesma, interpretando-a a partir de relatos extremistas expostos nos meios de comunicação. A

dificuldade em seguir as práticas como são professadas no Alcorão faz com que os

muçulmanos, incluindo aqui os entrevistados dessa pesquisa, tenham que se adaptar a situação

em que cada um vive. Muitos por morarem perto do trabalho, por já estarem aposentados ou

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ainda como dono do estabelecimento, conseguem parar o seu trabalho durante o dia,

possibilitando a realização das rezas, praticando as cinco vezes, como diz no Livro Sagrado. Já

para outros, que não tem condição de frequentar a mesquita todos os dias para rezar, que

trabalham longe de casa, não podendo parar durante o expediente, ou ainda jovens e estudantes

que muitas vezes estão no período de aula, acabam não sendo dispensados por seus professores

para praticar as rezas. Essas adaptações que os muçulmanos realizam são necessárias para que

possam conviver em harmonia com a sociedade brasileira, mas é preciso esforço e perseverança

para que a cultura prevaleça, mesmo que adaptada.

Diferente das rezas, em que os muçulmanos se adaptam, buscando rezar em períodos

que estiverem em casa, ou deixando de lado a prática das cinco rezas, a prática do Ramadã não

se estabelece somente pelas adaptações, mas pela dificuldade em praticar o jejum no Brasil. A

própria prática do Ramadã, tanto no Ocidente como no Oriente, já exige do muçulmano um

esforço em jejuar corretamente durante os 30 dias e quando se vive em uma cultura que não

consegue compreender tais atitudes, pelo fato de não a conhecerem, dificulta ainda mais. Aqui

no Brasil as pessoas que estão em jejum precisam conviver com outras que comem

normalmente na sua frente. Muitas vezes, funcionários que estão praticando o jejum não

recebem dispensa do seu trabalho, de forma que o patrão não compreende a dificuldade em se

trabalhar 8 horas por dia, estando no mês Ramadã, como relatou o entrevistado 2, em que

compara esta prática com a vivida no Oriente, “aqui a gente sente dificuldade porque tu vives

em um mundo Ocidental, tu vives em um mundo em que não é igual a cultura. Por exemplo,

uma coisa o que eu acho bonito lá na Palestina, no Ramadã, eu conheci vários restaurantes

cristãos, e os cristãos, em respeito aos muçulmanos, fechavam os restaurantes. Quer dizer eles

não comercializavam, não abriam [o restaurante], não vendiam nesses dias e pronto, esse mês,

que é o período do Ramadã, é mês de férias do cristianismo. Nós [os restaurantes] não

vendemos alimentação antes da quebra do jejum. Engraçado que muitas pessoas dizem que

existe uma rivalidade, uma rixa, mas isso é mentira, não existe nenhuma rivalidade contra a

religião Cristã, muito pelo contrário, os cristãos lá na Palestina ou no mundo do Oriente Médio

nos respeitam nesse sentido, não abrem o restaurante em respeito aos muçulmanos. Se eles têm

um empregado muçulmano, por exemplo, ele não o deixa trabalhar, manda para casa por estar

muito calor, ele está fazendo o jejum e isto está dificultando [a prática]. Ele também não come

na presença do funcionário, é um respeito radical. Se tu veres um cristão, como eu vi na

Jordânia ou na Turquia, em Istambul, eu achei que o Cristão estava fazendo o Ramadã, mas

na verdade, em respeito [ao muçulmano], ele não come, então existe esse tipo de cultura [e

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respeito] lá. Claro, como o Islã não é tão divulgado no Brasil, estamos a recém em um processo

gradativo, ainda temos essa dificuldade”.

Quando questionados sobre a diferença em se praticar o Ramadã no Brasil e em seus

países de origem, todos os entrevistados afirmaram que realmente existem diferenças e que elas,

muitas vezes, não podem ser tangibilizadas, já que envolve a atmosfera, o ambiente e o clima

em que se encontra a cidade de quem pratica, como é colocado pelo entrevistado 3 “é totalmente

diferente, é mil vezes melhor lá do que aqui. Aqui é só eu e ela. Lá todo mundo está fazendo [o

Ramadã]”. A esposa continua “todo mundo faz, as crianças de 8 anos já começam a fazer [o

Ramadã]. Durante o Ramadã, as lojas e os lugares, ficam abertos à noite, as pessoas saem na

rua”. O marido continua, “o ambiente é diferente”. Sua esposa segue “todo mundo vai para

mesquita rezar, as famílias se reúnem. É bem diferente, parece que tem um valor maior,

não desfazendo o que tem aqui, mas parece que lá tem um valor maior” e pela entrevistada 4

“não temos parentes para fazer [festa] todos os dias. [...] É que o Ramadã em grupo é muito

mais gostoso, porque lá [na Palestina] todos fazem [o jejum], daí na hora de comer é um monte

de gente comendo no mesmo lugar, na mesma mesa ou no mesmo chão, a gente faz no chão,

para comer como antigamente. As pessoas ficam guardando a chamada que a mesquita faz

para a hora de comer. Então as pessoas ficam ali, esperando em silêncio. Quando faz a

chamada, é aquela alegria, das crianças e dos adultos, para todo mundo é uma festa. Aqui só

fizemos eu e meu marido, então não temos reuniões, não temos mesquita para poder rezar, na

verdade até tem mesquita, [...] mas ela está praticamente abandonada”.

As diferenças culturais envolvem não somente o povo muçulmano, mas tantas outras

civilizações com hábitos e comportamentos distintos que constroem a cultura brasileira de

forma miscigenada. É interessante apontar que o Brasil é visto no mundo justamente por ser um

país que acolhe muitas nações, refugiados e pessoas de diferentes origens, mas isso não pode

transparecer somente em um conceito internacional do Brasil, é preciso que a população consiga

compreender as diferenças entre culturas e acima de tudo respeitá-las, para que muçulmanos,

africanos, judeus e os próprios brasileiros possam conviver em harmonia. A falta de respeito se

manifesta pela escassez de conhecimento sobre os hábitos e costumes praticados pelos

muçulmanos, são essas pessoas que manifestam suas aversões ao diferente, expressando tais

opiniões em nome de palavras de baixo calão, que ofendem não somente a pessoa, mas todo o

seu povo, como relata a entrevistada 3 “o que eu sofro não é preconceito, quando eu saio na

rua, é deboche, é aquela coisa sarcástica das pessoas, é como existe em qualquer outra

religião. O diferente incomoda muita gente”. Mas assim como guerra e paz convivem lado a

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lado, o desrespeito também encontra pessoas que ajudaram muitos muçulmanos a reconstruir

suas vidas no Brasil, convivendo em harmonia. Apesar do medo na chegada ao novo país, ou a

saudade da família deixada, os entrevistados afirmam que também encontraram no Brasil,

especificamente em Santa Maria e Bagé, espaço para viver bem e pessoas receptivas, como

afirma o entrevistado 3 “eu não sei se é porque a gente mora aqui no centro, aqui todo mundo

conhece a gente, conhecem meus filhos, chamam a gente pelo nome”.

O principal retrato da vida de muçulmanos vindos para o Brasil não é caracterizado

somente por momentos de saudade do Oriente, da família, da cultura vivida intensamente, com

todas as suas características, mas, a partir dos relatos dos cinco entrevistados, é possível

perceber que a nova terra possibilitou uma nova vida e uma oportunidade de crescer e sustentar

a cultura islâmica. O fortalecimento da comunidade muçulmana no Brasil é uma busca

constante, tanto por mais espaço quanto pela necessidade do desprendimento do conceito do

senso comum do que representa ser muçulmano. As terras brasileiras proporcionaram mais que

um refúgio para tantos islâmicos, mas constituíram, junto com o suor e dedicação de cada um

deles, um lar feito coração de mãe, como é comentado pelo entrevistado 1 “eu cheguei aqui, as

pessoas brincam, tem horas que a gente que está esquentado, mas eu encontrei amor, apoio,

amigos, encontrei trabalho e eu me realizei através dos princípios que eu tenho lá e dos que

complementei aqui, usei esses conhecimentos para me expandir, chegou uma hora que eu tinha

uma rede de loja, mas agora deixo para os outros, eu cumpri minha missão como cidadão, eu

agradeço a Deus, estou satisfeito. A gente tem esse laço com lá e aqui, o mundo é um só, o ser

humano está aqui ou na lua, ele pensa na sua família e no seu irmão. Eu agradeço a Deus por

ter me ajudado, minha família, meus amigos que me apoiaram, a Luís Kalil25. Essa vida não

para, hoje estamos aqui, com coisas materiais, nossa pregação é aqui, mas lá é que vamos

levar a convivência, a honestidade, o amor, a serenidade, isso é que vamos levar conosco e a

parte que se fez aqui na terra fica como exemplo para os filhos. E Deus existe, hamdulillah26”.

A formação da identidade cultural de cada indivíduo e de cada entrevistado dessa

pesquisa é reflexo de diferentes experiências de vida, presenciadas tanto do lado ocidental como

oriental do mundo. Em suas opiniões, os entrevistados evidenciam a seu “sujeito do

Iluminismo” (HALL, 1992, p. 10), quando trouxeram de suas origens, do seu eu interior, as

características que nasceram com eles e que os acompanham durante toda a vida, interferindo

e modificando nos demais aspectos que serão desenvolvidos na sua identidade. Ao mesmo

25 Luís Simão Kalil: médico, escritor, ex-vereador e ex-prefeito da cidade de Bagé no Rio Grande do Sul. Também

é tio da pesquisadora. Faleceu em 27 de janeiro de 2013. 26 Palavra em árabe que significa Graças a Deus.

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tempo, este sujeito tão individual convive em uma ou mais sociedades que também o transforma

e desenvolve assim um “sujeito sociológico” (HALL, 1992, p. 10) que, mesmo saindo de seu

país de origem, não se fecha a nova sociedade em que vive, como aconteceu com muitos

muçulmanos, que encontraram no Brasil uma sociedade com aspectos distintos com relação a

sua, mas descobriram formas de adaptar sua cultura e mesclá-la com suas raízes. As próprias

velocidades das mudanças no mundo, como a globalização, trazem a identidade do ser definida

não somente a partir de um núcleo central e fechado, sequer somente das interferências da

sociedade em que convive, mas passa a conectar o ser com as outras identidades, de outros

indivíduos, que também são capazes de formar novas identidades, caracterizando o “sujeito

pós-moderno” (HALL, 1992, p. 11). Essa composição que forma a identidade é essencial para

compreender como que indivíduos, como os entrevistados dessa pesquisa, que vivem distantes

de sua cultura de origem e que agora buscam se adaptar a um novo país, pensam sobre o mundo

e a sua participação nele, na qual também podem interferir na construção de uma identidade e

cultura da própria sociedade.

7.2 PURIFICAÇÃO FÍSICA E ESPIRITUAL

Diferentemente de como é colocado na mídia global, a religião islâmica não é vista

por seus praticantes como sinônimo de fanatismo, terrorismo e organização que, em um

primeiro momento, convence seus fiéis e depois os ludibria com relação a realidade do mundo,

levando-os a praticar o mal e cometer atos extremos, como oferecer a própria vida em nome de

Allah. O povo muçulmano vê na mídia práticas discursivas distorcidas daquilo que é ensinado

no Alcorão e a forma como a sua sociedade pensa e interage com o mundo. São os poucos

grupos muçulmanos extremistas, com a ajuda de forças capitalistas, que procuram se beneficiar

dos conflitos e dos rótulos estabelecidos que se constrói uma imagem heterogênea da nação

islâmica. É a exposição destas imagens que, segundo os entrevistados, são deturpadas, que dá

vazão em países Ocidentais a cultura do senso comum em que muçulmanos, terrorismo,

atentados e extremismos religiosos são jogados dentro de um mesmo conceito. São essas

associações que fortalecem comunidades muçulmanas que vivem distante de seus países de

origem, consolidando e restringindo os laços familiares e afetivos, além de buscar na religião e

principalmente no Alcorão fórmulas de manter viva a cultura e os ensinamentos islâmicos. Em

todas as entrevistas realizadas, percebeu-se a necessidade de afirmar o quanto a religião é

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importante na orientação da vida e que toda essa imagem apresentada em noticiários e jornais

não faz parte da realidade de cada entrevistado.

No Livro Sagrado, é possível encontrar as atividades e obrigações que o muçulmano

correto deve realizar, de forma que os entrevistados apresentaram que, quanto mais o indivíduo

se aproximar deste modelo, menor serão as penas sofridas no dia em que morrerem. Diferente

do pensamento Ocidental, a prática dos pilares do Islam não são vistas como sacrifícios ou

práticas fúteis, pelo contrário, já que todos os entrevistados quando questionados

especificamente sobre a prática do Ramadã, que corresponde ao quarto pilar do Islam, faziam

questão de afirmar, demonstrando orgulho, que estavam em jejum. É o caso dos muçulmanos

que foram entrevistados quando ainda estavam no período do mês do Ramadã, como afirma o

entrevistado 1 “hoje estou em jejum”, o entrevistado 2 “já pratiquei. Esse é o sétimo ou oitavo

ano que eu pratico o Ramadã, um dos pilares do Islam” e o entrevistado 3 em que o marido e

a esposa responderam “nós estamos praticando, estamos no mês do Ramadã”. Mas é

importante apontar que, como a prática do Ramadã envolve a não ingestão de alimentos e

líquidos, avistar um prato de comida ou o seu próprio cheiro podem ser tentadores para quem

está praticando, como ocorreu nesta última entrevista, em que, no momento que iria começar,

por volta das 14 horas, um cheiro de comida muito forte entrou no apartamento do casal,

fazendo com que a esposa tivesse uma reação imediata de fechar rapidamente todas as janelas.

Apesar dos outros entrevistados não terem sido questionados durante o mês do

Ramadã, também fizeram questão de afirmar que praticam o jejum há muito tempo,

fortalecendo não só o sentimento de orgulho com relação a atividade, mas, como é proposto

por Hall, grupos que vivem distantes de suas origens tendem a praticar o Ramadã com o intuito

de fortalecer o sentimento de pertencimento a sua própria cultura, vendo no jejum um caminho

de nutrir as raízes de seus antepassados. Tais expressões podem ser observadas no relato da

entrevistada 4 “desde criança eu pratico o Ramadã, desde que me lembro, acho que eu devia

ter uns nove ou dez anos, a minha família é grande, somos onze irmãos e todo mundo fazia o

jejum. Se tu não fazias o jejum, praticamente jejuava, porque não saia comida para aqueles

que faziam o jejum durante o dia, então já que tem que fazer, ficar sem comer, a gente fazia o

jejum” e do entrevistado 5 “pratico o Ramadã desde os meus 14 anos. Minha família me

ensinou desde pequeno, eu comecei a praticar com 10 anos, mas eu não conseguia completar,

era muito difícil, mas aí, depois dos 14 anos, eu consegui fazer direitinho, desde então sempre

fiz” e ainda completa , “eu já fui para a Jordânia e lá é tudo diferente, eu lembro que vi que

alguém comentou, ‘ah, meu filho já está fazendo o Ramadã’, daí a outra, tem aquela expressão

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mashalá, que é como se fosse ‘meu Deus, que bom que ele já está fazendo’, eles veem isso, [a

prática do jejum] como algo honroso”.

Como a leitura do Alcorão é uma obrigatoriedade ao muçulmano, que deve ser

realizada diariamente, revela-se um conhecimento muito maior deles com relação ao

entendimento do islamismo e as razões pelas quais são realizados os pilares se comparada ao

conhecimento sobre a religião católica pelos próprios fieis. Isso se identifica porque se o

indivíduo não for um praticante ativo, que frequenta missas católicas regularmente, ou recebe

um incentivo em casa, para ler e praticar os ensinamentos da Bíblia, o contato com o livro

cristão só ocorreu quando o indivíduo era ainda criança com, em média, 7 anos. Esse processo

de conhecimento acontece quando a criança é colocada na catequese, passando posteriormente

pela primeira comunhão e então para a crisma, de forma que esta relação, fiel e religião católica,

não se estabelece ao longo da vida do indivíduo, mas se limita a prática destes processos

estabelecidos pela igreja católica. É nessa relação que o islamismo se diferencia, já que é dever

da família ensinar aos filhos os ensinamentos do Alcorão durante toda a sua criação, formando

um muçulmano conhecedor e praticante do Islam com a capacidade de, no futuro, transmitir

tais sabedorias a seus filhos.

É por essa questão que se mostrou evidente a relação entre a fala dos entrevistados e

trechos escritos no Alcorão, em que trazem as razões pela qual existe o Ramadã e porque esse

é um momento é tão celebrado. Cabe aqui analisar a proximidade das escritas no Livro Sagrado

que relata tal momento,

foi no mês de Ramadã que o Alcorão foi revelado, um guia para os homens, com

provas manifestas para a orientação e o discernimento. Quem, pois, estiver presente

durante esse mês, que jejue; e quem estiver doente ou viajando, que jejue durante

outros dias em substituição. Deus deseja facilitar, não dificultar. E Ele quer que jejueis

durante todo o mês e proclameis Sua grandeza pela orientação que d’Ele recebestes.

E possais ser agradecidos! (ALCORÃO, 2012, p. 46)

A mesma linha de pensamento e ação é observada no discurso do entrevistado 2 “na

verdade, o Ramadã, que é o jejum, quer dizer uma data especial, diga-se de passagem, no

mundo Ocidental existem muitas datas especiais como Dia dos Pais, Dia das Mães,

Namorados, Criança, e esse tipo de data não se comemora no mundo muçulmano. Nós

comemoramos uma data especial, depois do [término do] Ramadã, que quer dizer a época em

que foi revelado o Alcorão, que é o terceiro Livro Sagrado, quer dizer é a terceira religião

depois do judaísmo, cristianismo vem o islamismo. Então essa data do Ramadã nosso tem uma

atenção especial aos muçulmanos, porque foi revelado o Alcorão, [período em] que foi

revelado as suras, que se diz em português, os versículos, pelo Profeta Maomé. Também, diga-

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se de passagem, o Profeta Maomé é como Jesus Cristo para nós, é o mensageiro de Deus. E

como Maomé foi o último mensageiro, foram revelados vários versículos em que se encerrou

o segmento religioso, os livros que Deus enviou, isso no mundo muçulmano”, e da entrevistada

4 “o primeiro dia do Ramadã é o dia em que Deus mandou o Anjo Gabriel até Maomé para

iniciar a luta contra os descrentes, para ele seguir o islamismo”.

As próprias diferenças culturais entre Ocidente e Oriente constroem estereótipos

bastante primários, que são estabelecidos pela imagem que se tem do governo islâmico e do

comportamento de seu povo, incluindo aqui as práticas culturais e religiosas, como o jejum no

Ramadã. Desmistificando a ideia de que o jejum consiste em uma prática quase que desumana

e absurda, alguns entrevistados também foram além dos apontamentos escritos no Alcorão,

apresentando outras partes do corpo que também estão inclusas no jejum deste período, como

foi apontado pelo entrevistado 3, “no começo, nos primeiros dias, é mais difícil, depois vamos

nos acostumando. Mas a gente não pode comer nada, nem tomar água, nem nada, até um olhar

assim, que tu faz um olhar intencionado para uma pessoa, já anula o teu jejum”, e também

pela entrevistada 4 quando afirma que “o mês do Ramadã serve para tu entrar em contato com

Deus, diariamente, porque tu está jejuando, e não é só a comida, tu tem que jejuar a comida,

o líquido, nada entra na tua boca, tem que jejuar a língua, não falar mal de ninguém, o olho,

não falar ‘porquê que o outro tem, que eu não tenho’, tem sempre que agradecer o que tem,

mesmo que pouco, sempre tem alguém que tem menos do que tu”.

Mas engana-se quem acredita que, por seguirem os ensinamentos do Alcorão e por

acreditarem no islamismo, os muçulmanos são fieis somente replicadores de tais preceitos. A

prática do Ramadã não é realizada somente com o intuito de obedecer ao que está escrito no

Livro Sagrado, como uma forma de cumprir um dos pilares ou sequer veem a prática como uma

imposição. Os entrevistados conseguiram relatar que a atividade vai muito além de abster-se do

alimento ou do líquido enquanto houver sol, mas também é benéfica para o físico e psicológico

de quem pratica, como afirmou o entrevistado 1 “esse é um ato que tem muito benefício para o

ser humano, ele mostra que tem que ter paciência, é o comportamento, rezando ele sempre está

com os pensamentos voltados para Deus, para seu semelhante. Estando em jejum, você sente

a necessidade das outras pessoas. E nesse [período] você começa a ver nas outras pessoas,

olha para as outras [pessoas], se lembra dos parentes, volta para rezar. E além disso já foi

comprovado cientificamente que o jejum do Ramadã, de um mês, regula o sistema cardíaco e

psicológico também, porque as pessoas que praticam regulam o colesterol, eliminam a gordura

e a glicose também”, e o casal da entrevista 3 “[o Ramadã] é um momento de reflexão, por

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exemplo, temos certeza que as 17:45 a gente vai comer alguma coisa, mas e aquelas pessoas

que não vão ter o que comer? Você entende. E também faz bem para a saúde, imagina o nosso

corpo ele dura entre cinquenta e setenta anos e fica sem parar, ele trabalha direto, aí quando

vem o mês do jejum, pelo menos ele dá uma aliviada, dá um descanso”. A entrevistada 4

também se manifestou a este respeito “então a alegria que a pessoa tem é muito grande na

hora refeição, é aquela comida que Deus te deu, depois tu imaginas as pessoas, por exemplo,

eu passei fome todo dia, mas à noite tenho o que comer, agora aqueles que passam fome de dia

e à noite. Isso também é para a gente valorizar, para fazer doações, para a gente ajudar os

necessitados, esse é o segredo do Ramadã”, assim como o entrevistado 5 “para mim, o Ramadã

é um momento de reflexão, de tu saber esperar as coisas, de não se apegar a elas. Tu não podes

ter o pecado da gula, eu acho bom [que nesse período] tu crias uma humildade, porque tu vês

e vives a situação como outras pessoas que passam fome vivem. É certo que tu vais comer no

final do dia, mas tu pensas em uma pessoa que trabalha e pratica o Ramadã, ela vai ficar o dia

inteiro sem comer, praticando, daí ela vai ficar o dia inteiro convivendo com pessoas que não

praticam, que vão comer na tua frente. Então é mais ou menos a situação que [uma pessoa]

pobre passa. Tu tentas se assemelhar a essa situação, para tu veres como é, para mim isso dá

uma humildade maior em certos aspectos”.

Assim como em outras culturas do Oriente, a família é considerada o grupo de pessoas

mais importante na cultura islâmica, em que a sabedoria adquirida ao longo dos anos se

distancia da velhice e inutilidade empregada pela cultura Ocidental, em que ser jovem é

sinônimo de vitalidade e energia. A exemplificar tal valor que a família representa na

comunidade muçulmana, está na relação estável da entrevistada 4, que está casada há 50 anos

com seu primo, como afirma “quando ele foi para casar, meu marido me conheceu lá, aí ele

falou para a mãe dele para falar com minha família, nós somos primos né, lá primeiro se

procura os parentes, depois pessoas de fora, se não tiver algum parente. A mãe dele falou com

meu pai e deu tudo certo, nos conhecemos e casamos”. Se distanciando de um pensamento de

senso comum Ocidental, em que casar com alguém da própria família é pecado ou algo

inaceitável na sociedade, os muçulmanos veem nas relações entre a própria família uma forma

de segurança, ou seja, o casamento, como uma representação simbólica, representa a passagem

da mulher, que sai de sua casa para morar com sua nova família, a do marido. Neste caso, com

um homem já conhecido e do mesmo sangue familiar, a confiança é transmitida tanto para a

noiva quanto para sua família.

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Mas não é somente com relação a construção familiar que este grupo é importante na

vida do muçulmano, a própria prática do Ramadã é uma conquista transmitida através de

gerações, na qual o exemplo dos pais, dentro de casa, torna-se fundamental para que seus filhos

possam praticar o jejum completo, a prática dos 30 dias exige dedicação e persistência e eleva

o papel da família na prática deste pilar, como afirma o entrevistado 2 “tenho filhos, meu filho

de 12 anos faz [o Ramadã] e meu filho de 8 anos também faz. No islamismo, ele dá a obrigação

ao pai ensinar os filhos [a praticar o Ramadã], nas regras do islamismo, o que se passa daqui

depois da vida terrena. Quer dizer, é obrigação da família, é até obrigação do pai bater nos

filhos em caso de não cumprir [o Ramadã]. Mas isso eu não fiz com nenhum dos meus filhos,

os dois fazem o Ramadã, praticam normalmente”. Dentre os entrevistados também houve casos

em que os pais são praticantes e seus filhos, por serem pequenos, ainda não conseguem jejuar,

como é o caso da família do entrevistado 3 “a partir dos 7 anos, eles começam a tentar fazer o

Ramadã, mas não são obrigados. Meus filhos são pequenos e não fazem ainda”. E continua,

“eu faço comida normal para eles, eles comem normal, como agora ao meio dia, eu fiz almoço

e dei comida para eles, mas eu não como”. As dificuldades em se praticar o Ramadã em um

país Ocidental também se mostram presentes quando, por questões de adaptação cultural,

alguns muçulmanos deixam de lado a sua própria cultura para não sofrerem qualquer forma de

descriminação, como acontece na família da entrevistada 4 “aqui em casa mora eu, meu esposo

e minha filha. Infelizmente só eu e meu marido praticamos o Ramadã, minha filha não pratica

porque ela trabalha e acha que fazendo o jejum vai ficar com mau hálito. Ela tem vergonha de

falar com as pessoas com mau hálito, então não faz por isso se ela não estivesse trabalhando

fora, faria”.

O Ramadã, como um evento cultural atrelado a religiosidade, traz na sua prática as

principais características da sociedade islâmica e da formação identitária e cultural de seu povo,

que encontram na fé em Allah o ser superior, base dos pilares do Islam e das suas ações. No

jejum também se encontra a prática da caridade, outro pilar fundamental, que torna o evento

não somente uma reflexão sobre si, mas também sobre os seus atos com o próximo. As orações

diárias, ou Salat, realizadas pelos muçulmanos, também são intensificadas nestes 30 dias,

revelando que a prática do Ramadã, além do comprimento deste quarto pilar e da purificação

do corpo e espírito para receber Allah, representa um compilado de quatro dos cinco pilares do

Islam, restando apenas a peregrinação a Meca. O Ramadã reafirma a potencialidade dos pilares

se manterem vivos na cultura muçulmana enquanto praticados, evidenciando uma sociedade

ligada a fé, aos costumes, aos ensinamentos do Alcorão, mas também um povo que busca a

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prática do bem com o próximo e a construção de uma sociedade islâmica melhor, distanciando-

se dos aspectos apontados pelos meios de comunicação.

7.3 MUITO ALÉM DO HAMBÚRGUER

Por ser uma empresa global, a rede de fast food McDonald’s é conhecida no mundo

inteiro por diferentes culturas, que conseguem compreender o tipo de alimentação que vendem

e a que preço. Além da empresa ser caracterizada pelos seus tradicionais hambúrgueres,

acompanhados de refrigerante e batata frita, também é considerada como símbolo de seu país

de origem, os Estados Unidos, e consequentemente do sistema econômico vigente, o

capitalismo. Isso se explica porque ao pensar na maior rede de alimentação fast food do mundo,

logo os pensamentos são voltados para a estilo de vida americano, o American way of life, ou

ainda o próprio sistema capitalista, de forma que o McDonald’s é uma empresa que, desde que

deixou de ser um pequeno restaurante em Pasadena e se espalhou pelo mundo, é caracterizada

pela sua visão incansável de obter lucro, deixando de lado a preocupação com os próprios

colaboradores, funcionários ou o consumidor. Esse estereótipo se estabeleceu pelas longas

discussões sobre a origem dos ingredientes utilizados nos lanches e sobre a imagem que a

empresa transmite a partir da comunicação, que se mostra desconexa da realidade vivida dentro

de uma franquia.

A importância do consumidor na formação da imagem de marca vem se tornando cada

vez mais evidente, fazendo com que muitas empresas, incluindo o McDonald’s, busquem

mudar essa visão a tanto já concretizada. A diversidade de locais em que o McDonald’s se

encontra exige da rede e de seus dirigentes análises mercadológicas em cada território para que

possam ingressar em cada país de uma forma única e diferenciada. Cada McDonald’s aberto

em algum lugar do mundo faz com que a empresa assuma para si a cultura, o comportamento e

as crenças daquele povo, por mais que a franquia seja mais uma entre as 33.500 espalhadas pelo

mundo. Essas adaptações realizadas nas franquias também estão presentes nos países islâmicos,

principalmente pela grande distinção entre as culturas ocidental e oriental.

É importante analisar que quatro dos cinco entrevistados são naturalizados brasileiros,

permitindo que os mesmos tenham tanto a visão da atuação do McDonald’s aqui no Brasil e em

países islâmicos, como pode ser identificado no relatado do entrevistado 1 “não há motivo para

não ir no McDonald’s, pode comer outras coisas, mas tem que saber se aquela carne é limpa,

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não tem mortadela. A princípio o McDonald’s vai para cidades com mais de 200 mil habitantes,

então você pode chegar lá e escolher. Até eu fui uma vez, da última vez que estava voltando da

Jordânia, faz uns dois anos, eu pedi halal, que não tem nada de graxa, de porco e nada de

gordura. Nos países árabes eles cuidam dessa parte, eles querem o consumidor. Não há

diferença entre a comida, só que eles fazem halal que é de acordo com ritual islâmico e aqui

no Brasil não tem essa preocupação”. O comentário do entrevistado traz questões específicas

sobre a adaptação cultural, sendo que nos países de maioria muçulmano a empresa modifica

não só alguns ingredientes, como a não utilização do bacon em alguns hambúrgueres, mas

também se preocupa com a forma como os alimentos são preparados, evitando qualquer mistura

com a comida preparada normalmente. A origem dos ingredientes também é um fator

importante, principalmente quando se trata da carne bovina, na qual precisa ser manipulada de

acordo com os preceitos islâmicos, problema que acontece em muitos países que não possuem

uma estrutura para receber essa comunidade, como pode ser observado na afirmação da

entrevistada 4 “eu conheço o McDonald’s. Eu consumo quando estou viajando, aqui não. Para

eu comer fora, somente em viagens, eu prefiro comer em casa, porque é mais tranquilo de

comer, tu sabes que a comida não tem porco, não tem não tem nada”. Vale lembrar que estas

adaptações são apresentadas a partir da compreensão e conceito que se tem do significado da

comida halal, a empresa McDonald’s não tem nenhum material comunicando ou comprovando

a prática de tais apontamentos.

Além da influência na economia americana e global e a sua forte presença nos rankings

das redes alimentícias com maior potencial de mercado, o McDonald’s também é apontado

pelos entrevistados como participante indireto na rivalidade entre Israel e Palestina. O

financiamento ao Estado de Israel ocorre de forma indireta, já que fatores como impostos e

taxas fazem com que o McDonald’s destine uma parte de seu lucro ao governo americano, que

auxilia Israel com armas, munições e mantimentos ao exército nos conflitos contra a Palestina.

Essa rede que forma tanto aliados como rivais caracteriza esse conflito como algo disfarçado,

ao que os Estados Unidos não são delegados como os detentores das crueldades vividas pelo

povo palestino, de forma que são acobertados pelos atos dos israelenses, que nutrem desde o

final do século XIX conflitos territoriais com a Palestina. É importante destacar que não há

qualquer comprovação sobre a destinação de dinheiro para a compra de armamentos ou

materiais bélicos, tanto por parte do McDonald’s, de Israel, assim como divulgados na mídia

mundial.

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Essa relação dos entrevistados com o McDonald’s mostrou-se muito mais profunda

que o simples não gostar da comida, por ela não ser preparada de acordo com os preceitos

islâmicos ou não ter a origem de seus ingredientes identificados como confiáveis. A rejeição

para com a rede de fast food prova mais uma vez a forte ligação entre a comunidade muçulmana,

em que mesmo muitos estando longe de seus locais de origem procuram proteger e preservar o

seu povo, como pode ser percebido no comentário do entrevistado 3 “a gente não consome. A

gente conhece, ela é mundialmente conhecida, mas a gente não consome. Que nem para nós a

Coca Cola, o McDonald’s, esses produtos assim, eles financiam os israelenses que na verdade

são contra os palestinos, que matam as nossas crianças, torturam e prendem. É muito abuso.

A partir do momento em que a gente consome um produto do McDonald's ou dessas empresas,

a gente está financiando ele, para fazer o mal ao nosso povo”. O marido completa “nós mesmos

estamos matando nós mesmos”. Outro fato importante a ser observado é a forte rejeição, não

somente ao McDonald’s, mas também a outras marcas, como é apontado pelo entrevistado 2

“já comi do McDonald’s, mas eu particularmente rejeito o McDonald's, porquê é uma

empresa sionista judaica, é uma empresa que destina 2,5% do seu faturamento a compra de

armas em Israel, que essas mesmas armas mataram recentemente, há mais de um ano, 2.500

pessoas em Gaza, quero dizer, como que eu, na condição de muçulmano, de palestino ou

qualquer outra pessoa contra a guerra a favor da paz, daria dinheiro ao McDonald’s. Então

essa é minha posição radical, eu não compro só do McDonald's, também existem outras

empresas, como Café Três Corações e a Coca Cola. Então existem outros segmentos que

patrocinam os suprimentos israelenses, isso nós rejeitamos, eu particularmente rejeito”. Esse

ponto de vista também é observado na afirmação do entrevistado 3 “por isso que se tu

pesquisares na internet, tu vais ver o boicote que existe a certas marcas, a certos produtos, e o

McDonald's é um deles. O boicote é forte”.

Esse boicote corresponde a rejeição por parte dos muçulmanos e de outros povos que

discordam das práticas governamentais americanas, principalmente quando uma multinacional

busca se consolidar em territórios orientais, usufruindo dos períodos religiosos e das crenças do

povo para promover a sua marca e o seu produto. Com o Ramadã não é diferente, por

representar uma das principais celebrações vividas no mundo oriental, estabelecida como um

dos pilares do Islam, muitas empresas procuram se beneficiar de tal momento. Mas esse tipo de

prática não é visto como algo positivo pelos próprios muçulmanos, que aqui são representados

pelos entrevistados, em que percebem a marca não como incentivadora da prática do jejum,

mas que deseja estimular as vendas de seu produto e/ou serviço, como é observado no

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depoimento do entrevistado 2 “o McDonald's jamais faria o incentivo da prática do Ramadã.

O McDonald’s é uma empresa inconfiável, é uma empresa sionista, judaica, uma empresa de

judeus israelenses, de judeus sionistas, porque nem todo judeu é contra nós [palestinos], os

judeus sionistas defendem Israel. Todo sionista é judeu, mas nem todo judeu é sionista, tem

judeu que defende a Palestina, mais do que eu inclusive. Então essa empresa McDonald’s

jamais vai incentivar o Ramadã, é uma empresa mercenária que visa o lucro, quer se infiltrar

no mundo muçulmano como uma pessoa da paz, mas na verdade quer o seu dinheiro, quer seus

fins lucrativos. Cito até um exemplo, na Palestina o McDonald's quebrou, não rodou, teve

prejuízo total, houve um repúdio muito forte na Palestina. As pessoas da Palestina, as crianças

de lá, não comem, eu te dou certeza, porque nosso tipo de cultura alimentar é bem melhor do

que a do Ocidente, a comida árabe, te digo com todas palavras, é um milhão de vezes melhor

comida do Ocidente. O ketchup, as batatas fritas, isso tudo é um veneno, o refrigerante, a carne

com diferentes tipos de processamento, a nossa comida é mais natural e mais saborosa. Como

nós, muçulmanos, somos oprimidos no mundo inteiro, se nós não repudiarmos eles então nós

vamos ficar como covardes. Nossa única forma de reprimir eles são nas suas empresas,

inclusive as maiores e mais fortes empresas no mundo são deles, mas nós reprimimos, eu

particularmente, muitas pessoas reprimem, muitas pessoas do Brasil, brasileiros reprimem.

Porque se a empresa que quer o Ramadã, o jejum, que quer a paz, ela vai lá e financia por

baixo dos panos armas para matar civil e criança, isso não é uma empresa e o mundo sabe

disso, é por isso o desespero deles em fazer esse tipo de marketing”.

É possível perceber que questões políticas e religiosas circundam não só a forma como

o povo muçulmano consume produtos e marcas, mas também fazem parte das próprias relações

afetivas entre os familiares, em que os pais muitas vezes abrem mão de suas práticas e

convicções para satisfazer os desejos de seus filhos. Paralelamente a satisfação dos filhos, os

desejos paternais agarram-se a ideia de que a maturidade adquirida ao longo dos anos, a própria

consciência política, civil e patriótica de seus filhos, possam formar cidadãos mais críticos com

relação aquilo que consomem, como pode ser observado no relato do entrevistado 2 “Acho que

pelos meus filhos eu iria no McDonald’s, mas eu evitaria ao máximo de quebrar o jejum no

McDonald’s, até porque eu não sei que produtos o McDonald's tem. Hoje se utiliza muito

porco aqui no Brasil, quando a carne cai é tudo na base do suíno. Mas se tivesse que levar,

por uma questão deles, pela minha parte eu rejeito particularmente o McDonald's. Quer dizer,

lá eu não vejo mudança de hábito. Aqui meus filhos gostam, mas eu creio que com a idade,

com a consciência política que eles vão ter, começarão a repudiar, porque essas

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empresas israelenses, essas empresas judaicas, se elas não pressionarem o seu governo a dar

o direito ao povo palestino, a dar o direito ao mundo muçulmano, ela vai ser sempre

repudiada” e no relato do entrevistado 3 “no Ramadã jamais, em um outro dia até poderia ir,

como a gente tem filhos, não posso dizer que nunca vou levar se um dia eles quiserem, mas a

gente faz o possível para evitar”.

A relação entre os muçulmanos e o McDonald’s reaviva questões muito mais

profundas e amplas que envolvem política, religião, consumo e conflitos passados, que

perduram nos dias atuais. O não consumo dos alimentos da rede fast food representa a ponta

visível de um gigante iceberg. O boicote estabelecido em regiões islâmicas afirma o alto índice

de rejeição contra essas empresas, aqui não incluindo somente McDonald’s, mas Coca-Cola,

Café Três Corações e tantas outras, que aproveitam as próprias diferenças culturais para se

promoverem e para se estabelecerem nestes países. A relação do McDonald’s com seu

consumidor mostra-se bastante complexa quando a empresa é percebida e caracterizada para

além de suas políticas alimentícias e estruturais, mas envolve questões que englobam conflitos

entre nações. Os conflitos e afirmações aqui usadas para formar as conexões com o

McDonald’s são trazidas pelos próprios entrevistados muçulmanos que compõem esta pesquisa.

São opiniões não divulgadas na mídia, ou pelo McDonald’s, se quer pelos governos americanos,

israelenses ou islâmicos. O financiamento não faz parte somente de uma rejeição, mas da

convicção de muitos muçulmanos, que em meio a tantos conflitos e prejulgamentos da

sociedade Ocidental buscam manter a sua nação e a sua cultura vivas.

7.4 ANÁLISE DOS ANÚNCIOS SELECIONADOS

Quando uma empresa atua em diferentes países, acaba por se inserir em um novo

mercado, em uma cultura distinta da sua de origem, fazendo com que seja necessária a

reorganização dos processos estabelecidos pela marca. Esta reorganização se desenvolve

através de três processos, o operacional, que trabalha na forma como serão produzidos os

produtos e/ou serviços, e na logística relacionada aos fornecedores, capacidade dos

equipamentos, funcionários e demais partes necessárias para desenvolvimento da produção. O

segundo processo traz a avaliação da própria empresa, ou seja, por mais que ela já esteja

estruturada e com seu produto e/ou serviço bastante definido, ela precisa verificar se a sua

formação atual está condizente com a região em que irá se instalar. É o que acontece com a rede

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de franquias McDonald’s, que possui em seu histórico um nicho de mercado bastante definido,

mas realiza, em cada país que começa a atuar, um processo de análise da empresa, na qual avalia

se as suas linhas de produtos estão adequadas à cultura e, consequentemente, ao público de cada

região. É nesta fase que podem ocorrer adaptações como a mudança de ingredientes nos

produtos e a criação de novos lanches para satisfazer aquele determinado consumidor. Mas

essas adaptações não servem somente para satisfazer o consumidor local, ela também é utilizada

como uma estratégia de inserção da empresa que, adaptada à cultura local, reduz,

consideravelmente, o atrito com os costumes daquela nação, favorecendo a consolidação da

mesma no país.

O terceiro processo aqui estabelecido, envolve a forma como a empresa se comunica

com o seu público, ela pode ser replicada a partir de uma comunicação já divulgada em algum

outro país ou também pode informar as próprias modificações estabelecidas no processo

anterior. Esta terceira parte envolve a publicidade e a propaganda da marca que está relacionada

diretamente com a estratégia de inserção em determinada cultura, pois é através da comunicação

que muitas empresas podem comunicar ao público que ela está engajada com as práticas

culturais e com o pensamento daquele povo. As características de envolvimento da marca com

os costumes da nação podem ser identificadas em seus materiais publicitários, que recorrem a

eventos e temas relevantes para a sociedade e que servirão como pontos de conexão entre marca

e consumidor.

Em países islâmicos, muitas empresas visualizam no período do Ramadã uma

oportunidade para se promover diante de um evento religioso praticado por todos os

muçulmanos e que possui relevância na comunidade Islam por compor um dos pilares.

Contrariando a lógica do período de jejum, empresas do setor alimentício também divulgam os

seus produtos, criando materiais de comunicação que expressam o seu envolvimento com a

cultura islâmica.

Para essa pesquisa, foram selecionados quatro anúncios da rede McDonald’s, todos

veiculados no período do Ramadã, em diferentes lugares, como no Marrocos, Paquistão e Nova

Déli, nos anos de 2003, 2012 e 2014. Para compreender de que forma o McDonald’s utilizou

as características do período do Ramadã para se promover, foram apresentados aos cinco

entrevistados os materiais escolhidos para que verificassem quais são os elementos do anúncio

que fazem relação com esse período. Todas as opiniões aqui relatadas foram expressas por

pessoas que não atuam na área da comunicação, de forma que a análise foi realizada de maneira

livre por parte dos entrevistados, sem qualquer intervenção da pesquisadora.

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O primeiro anúncio (Figura 5) apresentado corresponde a um material veiculado em

2003 no Marrocos. Esse anúncio é caracterizado por elementos que fazem relação com o

produto vendido na franquia, o hambúrguer e o gergelim, mas amplia a percepção do público,

quando insere outros elementos ou quando estes mesmos elementos apontados trazem

conotações distintas, estabelecendo uma relação com a cultura local onde o material foi

divulgado. É o que pode ser percebido no pão de hambúrguer que, analisado sem o contexto de

veiculação, representa uma imagem do pão utilizado pela rede, posicionado sobre um fundo

escuro, com gergelim espalhados pelo anúncio. É nesta interpretação que o contexto se mostra

fundamental para a funcionalidade do anúncio, já que o pão de hambúrguer é posicionado

estrategicamente sobre um fundo escuro, cor que representa a noite e o gergelim, também

colocado de maneira proposital, como representação das estrelas, acompanhando o tom escuro,

que remete à noite, formando assim uma imagem que simboliza a lua à noite. A própria

iluminação feita no pão de hambúrguer reforça a representação da lua. Quando esta análise é

relacionada às características do Ramadã, faz com que ela se refira ao período em que os

muçulmanos podem comer, antes do nascer do sol ou após o pôr do sol, durante 30 dias.

Figura 5: Anúncio 127

Texto em francês: À tout moment, un bon moment.

Tradução em Português: A todo momento, um bom momento.

27 Fonte: http://files1.coloribus.com/files/adsarchive/part_526/5267005/file/mcdonalds-moon-small-13399.jpg.

Data de acesso: Janeiro de 2015.

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Mas ainda é possível ir mais a fundo na representação do hambúrguer sobre um fundo

escuro ou do período em que se pode comer no Ramadã, já que na sociedade islâmica a

orientação do calendário é lunar, enquanto aqui no Brasil é solar, como pode ser observado na

interpretação do entrevistado 2 “eu vejo a lua. A lua é porque o nosso calendário é lunar, por

exemplo, no Ramadã, no ano que vem, ele vai iniciar 10 dias antes. É pela lua, não é pelo

calendário de vocês, do Ocidente”. No Islam, a lua também possui mais um significado, já que

representa um dos símbolos da religião islâmica (Figura 6), em que a fase crescente da lua evoca

a renovação da vida e da natureza, que ligada a estrela pode ser interpretada como a união, o

casamento c’1om a estrela d’alva ou a indicação das pontas da estrela, como os cinco pilares

do islamismo: a oração, a fé, a caridade, o jejum e a peregrinação a Meca.

Figura 6: Símbolo Islam28

Essas diferentes representações e significados, não somente do pão de hambúrguer

como lua, da cor escura do fundo como noite, do gergelim como as estrelas, mas da lua que

remete ao período de jejum, ao calendário ou ainda ao símbolo do Islam, podem ser observados

nas interpretações dos entrevistados, “que nem para mim, nesse [anúncio] eles usaram o

hambúrguer do McDonald’s como se fizesse a posição da Lua ou o anoitecer, que seria o

horário em que a pessoa pode comer no Ramadã, mas jamais uma pessoa quebraria o jejum

comendo McDonald’s, porque é totalmente industrializado”, “aqui o pão com gergelim

simboliza a lua, eles estão simbolizando a lua, porque o símbolo do islamismo é a meia lua.

Eles estão usando o pão e esse símbolo que é do islamismo, é a parte que está iluminada, a

parte acesa. [...] Eu sei que esse pãozinho simboliza a lua do islamismo” e na entrevista 5

“nesse [primeiro] anúncio, a lua é um símbolo religioso do Islam. O hambúrguer está

substituindo a lua aqui, que é o símbolo do Islam. Ali colocaram o hambúrguer para lembrar

a religião, em que na hora que [o consumidor] olhar para o céu, para saber se já é a hora de

comer, ele vai ver a lua, no caso aqui um hambúrguer e vai pensar ‘ah, vou comer um

28 Fonte: http://www.dicionariodesimbolos.com.br/simbolos-religiosos/. Data de acesso: Outubro de 2015.

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McDonald’s’. A lua representa o começo do Ramadã, quer dizer que tu vais comer um Mc

[Donald’s] quando começar o Ramadã. Todos os dias os muçulmanos olham para a lua, para

saber quando é hora da quebra do jejum. Já a cor do fundo [do anúncio] também parece que

é a noite. Talvez se fosse um pouco mais azul claro, que esse tom tão escuro, acho que o azul

claro pareceria que a noite está recém começando, o que ficaria melhor do que essa cor tão

escura que eles usaram”.

Além dos elementos visuais apresentados no anúncio, também há a redação, escrita

em francês, por ser o principal idioma do Marrocos, em que diz “A todo momento, um bom

momento”. Esta frase refere-se ao consumo dos produtos do McDonald’s em que, mesmo

estando em um período reduzido ao consumo de alimentos, ainda assim os lanches da franquia

são uma boa opção, dentre os demais concorrentes, para quebrar o jejum. Então comer um

lanche do McDonald’s é bom em qualquer momento do dia, seja de manhã, tarde ou noite,

como sugerem as cores no anúncio. A partir dos modelos de relação entre imagem, redação e

mensagem transmitida, proposto por Figueiredo, esse anúncio se enquadra na categoria 1 + 1 =

2, já que, se analisados individualmente, apresentam significados mais relacionados com a

empresa McDonald’s, mas ao estarem combinados no anúncio e vinculados ao contexto, trazem

características da prática do Ramadã e da própria cultura islâmica.

Assim, como no primeiro anúncio, é possível verificar que no segundo material

selecionado também existe uma mescla entre interpretações voltadas para a rede McDonald’s,

o período do Ramadã e os hábitos culturais dos muçulmanos. O segundo anúncio (Figura 7)

apresentado aos entrevistados foi veiculado em Nova Déli, na Índia, e apresenta um elemento

central, que faz relação a outro lanche conhecido na franquia, as batatas fritas. Neste caso as

batatas fritas estão posicionadas no centro do anúncio, dispostas, propositalmente, em tamanhos

diferentes que, se relacionado à prática do Ramadã, lembra-se que este é um período em que os

muçulmanos rezam muito mais que as cinco vezes praticadas durante o ano, além delas estarem

sobrepostas em um fundo azul escuro, trazendo novamente a noite como simbolismo do

momento permitido para fazer as refeições nesse período. Esse fundo também é composto por

estrelas e a lua, que volta a parecer em sua fase crescente, remetendo ao símbolo do islamismo.

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Figura 7: Anúncio 229

Texto em árabe: Eid mubarak.

Tradução em Português: Abençoado seja o seu feriado.

Entretanto as batatas fritas não estão colocadas aleatoriamente, elas representam as

mãos do muçulmano no momento da reza, em que as palmas ficam voltadas para si. Esta

representação é bem característica da cultura islâmica, que também tem a oração como um dos

pilares do Islam, mostrando que empresas buscam simbolizar práticas do cotidiano do povo

local, mas que são igualmente importantes em suas vidas. Estas percepções podem ser

observadas na fala de quatro dos cinco entrevistados “Eid Mubarak, aqui eu entendi que as

batatas querem dizer as mãos, os cinco dedos. Ela quer dizer a duá, que em português quer

dizer que tu fazes as tuas preces, a tua reza pedindo perdão para Deus. O McDonald’s está

tentando atingir, sensibilizar o mundo muçulmano com seus marqueteiros, isso que eu vejo”,

“aqui é como se fosse a mão na hora de uma oração”, “esse outro aqui representa a reza, as

mãos para reza. Quanto ao segundo anúncio, tem a posição que tu fazes para rezar com as

mãos, em que tu olhas para o céu. Pelo meu entender, isso aqui é uma mão e essas outras

batatas são a outra mão. Daí seria uma prece para Deus, só que é comida, no caso as batatas”.

Além da relação das batatas fritas com os dedos das mãos, um dos entrevistados ainda

conseguiu identificar uma frase, na forma como cada batata estava posicionada, segundo ele

“parece que posso estar enganada, acho que diz ‘não há divindade a não ser em Deus”, tal

interpretação, só poderia ser identificada por alguém que soubesse escrever e ler em árabe, já

que a entrevistada conseguiu identifica-la neste idioma. É interessante perceber o quanto o

conhecimento de cada entrevistado, aqui incluindo a formação da identidade cultural de cada

um, faz com que seja possível apontar, além dos elementos com significados comuns aos

entrevistados, pontos que se distanciam do óbvio e imergem de forma mais profunda na cultura

29 Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-EZsDSm9n8js/TjVBKMgCpHI/AAAAAAAABgs/YtQzP6LHjL0/s16

00/Screen-shot-2010-08-25-at-21.09.02.png. Data de acesso: Janeiro de 2015.

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deste povo. Mas há quem diga que a apropriação de empresas a temas delicados, como é o caso

da religião envolvendo o Ramadã, podem causar certos conflitos com o consumidor, já que a

empresa está usando este momento de fé, de renovação e dedicação do fiel a Allah para se

promover e, consequentemente, lucrar com isso. Diferente do primeiro, este segundo anúncio

está voltado diretamente para a reza, podendo ser considerado como ofensivo, como apontado

por um dos entrevistados, “não sei, eu não acho que eles deveriam explorar essas datas

religiosas utilizando comida, não dessa maneira, no primeiro anúncio ele não é tão agressivo,

mas esse segundo está mostrando a prece a Deus e está misturando com McDonald’s. Então

eu acho mais ofensiva. Esse primeiro anúncio é mais legal, que tu olhas para o céu para ver se

é o período que se pode comer, aí tu vês o McDonald’s e pensa em comer no McDonald’s. Ela

é mais inteligente, já esse segundo anúncio é mais direto”.

A redação no segundo anúncio também marca a relação do McDonald’s com a cultura

islâmica, já que “Eid Mubarak” é uma frase em árabe que significa “Abençoado seja o seu

festival”, que na tradição muçulmana é uma saudação dita nos festivais de Eid ul-Adha e Eid

ul-Fitr. O primeiro festival, também conhecido como Festa do Sacrifício, marca o fim da

peregrinação a Meca e tem duração de quatro dias. A festa recebe este nome pois celebra a

memória do filho do profeta Abraão, que foi sacrificado por seu pai, tendo seu consentimento,

em nome de Allah. A segunda festa é comemorada após a realização dos 30 dias de jejum, por

acontecer no último dia de Ramadã. Essa festa tem a maior quebra de jejum na comunidade

muçulmana. Assim como o primeiro anúncio, este também é caracterizado por uma relação 1

+ 1 = 2, já que, a partir de diferentes elementos, incluindo imagem e redação, a mensagem

consegue ser transmitida de uma forma completa, quando esses elementos estão combinados

no anúncio.

O terceiro anúncio (Figura 8) foi veiculado no Paquistão, em 2014, e se distancia dos

outros dois anúncios de forma que apresenta o preço dos lanches oferecidos e o produto, aqui

não representado pelo alimento em si, mas pela embalagem que será entregue ao consumidor.

Nesse anúncio, as três opções de combo recebem destaque, revelando uma intenção mais

promocional de oferta de produtos. A utilização de combos faz relação direta com a prática do

Ramadã, já que as refeições feitas antes do nascer do sol e após o pôr do sol devem ser bastante

ricas e precisam dar sustância para que o organismo consiga aguentar ficar tantas horas em

jejum.

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Figura 8: Anúncio 330

Texto em inglês: Blessings to share.

Offer valid from 9 pm till sehri.

Tradução em Português: Bênçãos para compartilhar.

Oferta válida das 21 horas até o sehri.31

Outro aspecto relevante a ser observado nesse anúncio é a forma como a cor azul

escuro de fundo se mantém com relação aos demais materiais selecionados, remetendo assim

ao período noturno em que os muçulmanos podem comer durante a prática do Ramadã. A

imagem posicionada acima da chamada do anúncio também traz elementos da cultura islâmica,

pois está representando uma mesquita, que é o local de culto dos muçulmanos, onde o povo se

encaminha para rezar as cinco orações diárias, opinião que foi confirmada por um entrevistado

“eu acho que neste caso aqui, eu vejo uma mesquita em cima do anúncio”. A forma como a

mesquita foi desenhada neste anúncio traz os principais elementos arquitetônicos do local,

como o minarete, que é a torre mais alta, utilizada para convocar os fieis para as orações. Por

isso, geralmente, essa torre é o ponto mais alto da cidade. Nos dois lados do minarete, existem

as cúpulas, que são os elementos mais associados às mesquitas e representam o universo visto

por Allah. E o último projeto arquitetônico da mesquita são os salões de oração, que não

recebem qualquer mobília, nem bancos ou cadeira, favorecendo o espaço para que mais

muçulmanos possam ingressar na mesquita. A localização da mesquita também é importante,

para que todos os fieis possam rezar voltados para Meca. Assim como em outros espaços de

convivência, como festas, restaurantes e até mesmo na rua, mulheres e homens rezam separados

30Fonte: http://www.deals.com.pk/wp-content/uploads/2014/07/McDonalds-Share-Box-Ramadan-Deals-2014-

Pakistan.jpg. Data de acesso: Janeiro de 2015. 31 Palavra em árabe que significa amanhecer em português.

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nas mesquitas, já que a estrutura oferece todo uma arquitetura que faz com que as mulheres não

tenham nenhum contato com os homens, a começar por entradas diferentes.

A redação desse anúncio também é uma parte relevante na sua interpretação, a primeira

parte diz “Bênçãos para compartilhar.” Essa frase se relaciona de duas formas, uma com os

próprios combos oferecidos pelo McDonald’s, que podem servir mais de uma pessoa, prática

que geralmente ocorre no Ramadã, em que família e amigos se reúnem para quebrar o jejum,

ou ainda o compartilhar voltado para a prática da caridade, em partilhar o alimento com o

próximo, com alguém que não tem condições de comprá-lo, como afirma um entrevistado “aqui

no caso, eles quiseram dizer que são bênçãos para compartilhar, que tu pode dividir com outra

pessoa”. A segunda relação dessa frase fica restrita a palavra bênçãos, que coloca o alimento

como uma benção na hora da quebra do jejum, pois feliz é aquele muçulmano que, ao final de

um dia de Ramadã, terá comida em sua mesa. A outra frase da redação do anúncio “Oferta

válida das 21 horas até o sehri32.” faz referência ao horário de funcionamento da rede

McDonald’s, que muitas vezes é alterado durante o mês do Ramadã, funcionando durante toda

a noite, como é mencionado na frase, das 21 horas até a hora de amanhecer, então os combos

nestes preços serão oferecidos somente no período permitido.

O quarto e último anúncio (Figura 9) apresentado aos entrevistados foi veiculado no

Paquistão, em 2012, e possui alguns elementos que se assemelham ao terceiro anúncio, a

começar pelo foco promocional, em que utiliza os preços e os lanches do McDonald’s para se

promover. Diferente dos combos no terceiro anúncio, nesse são apresentados duas combinações

com hambúrguer, batatas fritas, nuggets e refrigerante, utilizando a imagem, meramente

ilustrativa, dos alimentos para sensibilizar o consumidor. A cor azul escuro também volta a

compor o anúncio, retomando o tema noturno, presente em todos os materiais selecionados. A

lua também é utilizada para compor o anúncio, tanto para reafirmar a noite, acompanhada de

algumas estrelas, como para se relacionar com o símbolo do islamismo.

32 Palavra em árabe que significa amanhecer em português.

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Figura 9: Anúncio 433

Texto em inglês: McDonald’s Iftar

Two Blessed!.

Tradução em Português: McDonald’s Iftar34.

Duas bênçãos.

A redação nesse anúncio também se aproxima da anterior, quando utiliza a frase “Duas

bênçãos! ”, em que se refere tanto aos dois lanches do McDonald’s representados nas imagens,

como a graça em se ter o alimento na hora de quebrar o jejum, tem-se assim o agradecimento a

Allah pela comida na mesa ou a condição financeira em poder comprá-la. Já a primeira frase,

“McDonald’s Iftar.”, volta-se para a prática do Ramadã, para a quebra do jejum, em que a rede

se coloca como uma opção de refeição na hora em que o sol se por. Tanto o terceiro como o

quarto anúncio utilizam essa abordagem, mesmo sendo veiculados em anos diferentes, como

foi apontado pelos entrevistados “esses [anúncios] falam da venda dos produtos na hora em

que se pode comer. Eu sei te dizer que é o horário em que as pessoas podem comer” e “e nesses

anúncios, eles estão fazendo uma promoção no período em que se pode comer, é mais normal

dizer ‘aproveite e coma aqui, que aqui é mais barato’, mas eu não vejo nenhuma comparação

com Ramadã”. Diferente do primeiro e do segundo anúncio, o terceiro e quarto, se caracterizam

por uma relação 1 + 1 = 1, segundo o modelo de Celso Figueiredo, já que imagem e redação

33 Fonte:http://www.pakreviews.com/sites/default/files/McDonald's%20Pakistan%20Ramadan%20Deals

%202012_0.jpg. Data de acesso: Janeiro de 2015. 34 Nome em árabe dado a refeição de quebra de jejum no período do Ramadã.

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transmitem uma mesma mensagem, não funcionando de forma complementar na construção da

mensagem.

A forma como o McDonald’s busca usufruir do Ramadã para se promover é vista de

diferentes formas pelos entrevistados. A forma mais adequada de uma empresa se posicionar,

com relação à prática do Ramadã, é através do seu incentivo, de uma maneira a fazer com que

os muçulmanos saibam que a empresa está apoiando a sua cultura e sua religião. Mas essa visão

foi apontada somente por um dos entrevistados, como pode ser observado, “mas a respeito da

mídia, o McDonald's ou qualquer outra empresa, eu acho legal esse incentivo à prática [do

Ramadã], porque eles estão valorizando a cultura da gente, embora seja para o lucro

financeiro, eles estão divulgando de uma maneira, porque para as pessoas que não tem

conhecimento nenhum do eles estão falando, não é só aquela coisa, ah, eu vou ficar com fome,

tem um propósito de você ficar com fome. Inclusive eu sei de religiões de amigas minhas

brasileiras que fazem o jejum, mas é uma coisa diferente. E no caso dessas empresas, eu acho

legal eles divulgarem, pelo menos as pessoas tem a oportunidade de conhecer um pouco mais

da gente”. É possível perceber que, mesmo o entrevistado acreditando que o McDonald’s está

apoiando de uma forma positiva o Ramadã, o fundo lucrativo desta divulgação se mostra

presente e é através desse viés que outros entrevistados rejeitaram a posição da franquia ao

buscar na prática religiosa vantagens para sua empresa, “o McDonald’s está usando o Ramadã

só para se promover, não está pensando no muçulmano, eu acho que o McDonald’s não vai se

importar com qual é a sua religião, ou que religião ele tem, mas ele quer vender. E sabendo

que tu achas que vai ganhar duas bênçãos porque tu está comendo ali, ele vai fazer isso, ele

não se importa. Se tu queres comer McDonald’s, não precisa comprar duas bênçãos, tu podes

ir lá e comer, independente ou não do anúncio, só se tu fores muito fanático, cego, que tu vais

pensar que essa comida vai te dar duas bênçãos. Quem é muçulmano não vai comer no

McDonald’s, porque não precisa comer essas coisas para Deus te abençoar, isso tu pedes

direto para Deus”, e “isso eu vejo uma jogada de marketing do McDonald's, porque ele como

uma empresa judaica sionista em um país, como no Marrocos, que é muçulmano, quer atrair

os seus consumidores, isso é mais do que normal. [...] Eu não acho que nem é uma questão do

preço, a questão para mim aqui é do marketing religioso, porque como o Marrocos um país

muçulmano, ele para praticamente [no período do Ramadã], eles estão apostando todas as

fichas no Ramadã”.

A posição do McDonald’s pode ser dúbia quanto a prática do Ramadã, ou qualquer

outro momento relevante para a cultura muçulmana, mas enquanto tais materiais continuarem

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a dar resultados positivos a empresa, falando especificamente de questões financeiras, pouco

serão as preocupações quanto ao que será ofensivo ou não. Estar em uma cultura diferente faz

do McDonald’s mais que uma empresa adaptada à cultura local, mas uma rede de franquias

para qualquer tipo de consumidor. A partir desse caráter mutável da marca, proposto por

Semprini, o McDonald’s precisa encontrar uma harmonia com os diferentes aspectos que

convive, incluindo os consumidores, a sociedade em que a franquia atua e as suas próprias

características. Para o autor isso representa a “natureza evolutiva” (SEMPRINI, 2006, p. 117)

da empresa, que revela as constantes interferências que o contexto social e o meio tem na

definição dos atributos da marca e de seus materiais publicitários. Essa evolução apontada

refresca a ideia da necessidade de empresas globais em ver as adaptações culturais como

elementos fundamentais para que o planejamento de comunicação e para o fortalecimento da

relação com o consumidor local.

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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A identidade cultural de um povo como o muçulmano, são o reflexo da reunião entre

diferentes culturas e experiências vividas, principalmente daqueles que deixaram seu país de

origem e sua família em busca de novas oportunidades para construir uma vida melhor. Esse

povo, é composto por indivíduos que lutam contra uma sociedade que não respeita seus hábitos

e cultura por simplesmente não compreender. A falta de conhecimento sobre a comunidade

islâmica, alimenta o sentimento de pertencimento deste povo a cultura muçulmana, deixando-

a mais forte e enraizada. Em meio a uma cultura tão rica, baseada na fé incondicional a Allah e

nas práticas dos cinco pilares, que marcas encontram a necessidade de se estabelecerem em

sociedades distintas, analisando nesse trabalho a rede de franquias McDonald’s.

Além dos boicotes apresentados pelos entrevistados, selecionados nessa pesquisa por

conveniência da pesquisadora, também é possível encontrar associações entre a empresa e os

conflitos entre Israel e Palestina. Em meio a tantas acusações, vindas tanto do produto e serviço

oferecido pela empresa quanto pelas suas participações na economia americana, é que o

McDonald’s trabalha a sua comunicação para ser reconhecida em todo o mundo, dialogando

com diferentes culturas e povos na forma de adaptações de seus cardápios e processos de

funcionamento. Ao buscar a sensibilização dos muçulmanos, o McDonald’s enfrenta

dificuldades, não pelos elementos que escolhe utilizar em seus anúncios, já que todos fazem

relação direta com a prática do Ramadã e características dessa cultura, mas, principalmente,

pela falta de entrosamento com a comunidade muçulmana. É possível observar que os materiais

selecionados e analisados nessa pesquisa são criações destinadas muito mais ao consumidor em

geral do que propriamente para o local. As adaptações realizadas apresentam ser mais uma

política de boa vizinhança com a comunidade muçulmana do que realmente uma convivência

com os próprios costumes. Aos dirigentes do McDonald’s cabe a continuação deste processo

de adaptação cultural, principalmente das franquias em países islâmicos que envolvem questões

que vão além do consumo em si, como conflitos religiosos e territoriais. Se mostraria mais

vantajoso tanto para o progresso como para a imagem de marca a atribuição de uma posição

como empresa multinacional para turistas.

Aos entrevistados utilizados nesse trabalho como fonte de informações sobre o olhar

dos muçulmanos, cabe a interpretação das atividades do McDonald’s em países islâmicos, que

utiliza de datas importantes da comunidade para se promover. Foram indivíduos que em suas

falas trouxeram recordações, vivências e saudade de uma terra que deixaram, expuseram a

opinião, tanto sobre a sociedade brasileira em que vivem atualmente como a muçulmana, de

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uma comunidade oprimida e pré-julgada, recebendo o espaço e o respeito que merecem para

dialogar com o mundo.

A partir da questão que norteou esta pesquisa quais os elementos da cultura islâmica

identificados em anúncios impressos do McDonald’s veiculados no Paquistão, Índia e Marrocos

no período do Ramadã analisou-se que em todos os materiais selecionados o McDonald’s

apostou em diferentes elementos que estavam diretamente relacionados ao islamismo,

especificamente ao período de jejum. Esses componentes dos anúncios puderam ser

identificados através de cores, imagens que fazem relação tanto com a empresa como com o

islamismo e as próprias mensagens que veicularam aspectos promocionais e mensagens de

felicitações da rede para a boa prática do Ramadã.

Para responder ao objetivo geral do presente estudo, que busca analisar os anúncios do

McDonald’s a partir da relação com a cultura islâmica, divulgadas especificamente no período

do Ramadã, foi preciso decompor os materiais por elementos individuais, possuindo significado

único e separando-os dos demais componentes do anúncio, trazendo neste momento as

respostas para primeiro objetivo específico, que quis descrever quais são os elementos do

discurso publicitário presentes nos anúncios do McDonald’s. Essa descrição serviu para separar

os elementos do anúncio de forma a deixar claro quais seriam os pontos analisados naqueles

materiais, possibilitando verificar que muitos dos elementos presentes nos anúncios não foram

identificados pelos cinco entrevistados, justamente pelo distanciamento com a área da

comunicação, mas pela pesquisadora, que estuda tais componentes.

Depois que os elementos foram expostos individualmente, foram compostos a partir

do contexto apresentado tanto do anúncio como da sociedade em que foi veiculado,

respondendo ao segundo objetivo específico de identificar de que forma os elementos

encontrados fazem relação com aspectos da cultura islâmica. Foram identificados elementos

aos quais estão ligadas as principais características do Ramadã e da vida dos muçulmanos,

apontado através das informações dos entrevistados, símbolos do Islam e das práticas que

realizam, como a reza. Foi a partir da opinião dos cinco entrevistados que foi respondido o

terceiro e último objetivo específico do presente estudo, que pretende analisar de que forma

indivíduos que praticam o Ramadã interpretam os elementos culturais presentes nos anúncios

do McDonald’s. Essa interpretação foi reveladora à medida que extrapolou as interpretações

prévias feitas pela pesquisadora, na qual foram percebidas mensagens a partir da posição de

batatas fritas até aspectos que vão além dos anúncios, mas que trazem análises sobre as

participações do McDonald’s como empresa americana e global.

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Desde o princípio dessa pesquisa seu tema se mostrou relevante para o campo da

comunicação, quando nenhum outro trabalho, além de um artigo, abordava a cultura islâmica

sobre um viés publicitário. Suas conclusões revelam o quanto a cultura, independente qual seja,

é essencial para a construção de um material publicitário e como empresas globais como o

McDonald’s podem utilizar tais recursos para estabelecer relações com o consumidor local.

Tais estudos servirão para que outros pesquisadores possam explorar a cultura islâmica sem

focar somente nos conflitos religiosos, territoriais e no senso comum divulgado em meios

massivos. O presente estudo é apenas uma amostra do quanto juntos, islamismo e comunicação,

tem a oferecer para o enriquecimento do campo como um todo, além de ser um tema pouco

conhecido e explorado pelos comunicólogos. Para a pesquisadora, que conclui a pesquisa,

derivam-se ainda mais questionamentos e assuntos para discutir quanto a identificação cultural

de muçulmanos a partir de materiais publicitários, oferecendo subsídios e coragem para a

iniciação de outros projetos na área.

Não cabe a essa pesquisa julgar os hábitos e crenças dos muçulmanos, mas apontar

suas diferenças com relação às demais culturas e religiões, promovendo a construção de um

pensamento sobre o ponto de vista dos entrevistados, naturalizados brasileiros ou não. Esse

trabalho não constrói um panorama concebido a partir da mídia noticiada, sequer se baseia no

senso comum que se tem sobre a nação islâmica, mas busca, nas experiências e relatos dos

cinco entrevistados, a percepção sobre a sua própria cultura e sobre o seu povo, não deixando

de lado as particularidades e emoções de cada entrevistado.

Muçulmanos que vivem em terras brasileiras são indivíduos que mantém viva sua

cultura, mesmo estando distante de seu país de origem, mesmo lutando contra os rótulos pré-

estabelecidos por pessoas que não têm conhecimento suficiente acerca do assunto para

compreender e aceitar as diferenças culturais e dos seus comportamentos. Alguns trazem de

suas origens ensinamentos que perpetuam durante toda a sua vida no Brasil e que também

contribuem para a formação da miscigenação cultural brasileira. São indivíduos que

descobriram que em terra de carnaval e futebol também é possível usar o hijab e praticar o

Ramadã.

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ANEXO A – ROTEIRO DA ENTREVISTA

1- Nome.

2- Idade.

3- Profissão.

4- Situação civil.

5- Cidade onde mora.

6- Cidade natal.

7- Qual é a sua relação com a cultura islâmica?

8- Você já praticou/ou pratica o Ramadã?

9- O que o Ramadã significa para você?

10- Como você costuma se alimentar no período do Ramadã? Em casa? Com amigos? Com

a família?

11- Qual é a sua relação com a rede McDonald’s? Frequenta com frequência? Conhece só

de nome? Conhece os materiais publicitários da marca?

12- Você percebe a ação de marcas e empresas no período do Ramadã? Como?

13- Você percebe a relação da cultura islâmica, especificamente falando do período do

Ramadã, presente em anúncios publicitários?

14- Você trocaria uma das refeições em família, no período do Ramadã, para comer no

McDonald’s?

15- O que estes anúncios do McDonald’s representam para você?

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16- Quais são os elementos que você identifica nestes anúncios?

17- A partir dos anúncios do McDonald’s quais são os elementos que você, como praticante

do Ramadã, percebe que fazem relação com a cultura islâmica?

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ANEXO B – MATERIAIS SELECIONADOS PARA ANÁLISE

Figura 10: Anúncio 135

Texto em francês: À tout moment, un bon moment.

Tradução em Português: A todo momento, um bom momento.

35 Fonte: http://files1.coloribus.com/files/adsarchive/part_526/5267005/file/mcdonalds-moon-small-13399.jpg.

Data de acesso: Janeiro de 2015.

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Figura 11: Anúncio 236

Texto em árabe: Eid mubarak.

Tradução em Português: Abençoado seja o seu feriado.

Figura 12: Anúncio 337

Texto em inglês: Blessings to share.

Offer valid from 9 pm till sehri.

Tradução em Português: Bênçãos para compartilhar.

36 Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-EZsDSm9n8js/TjVBKMgCpHI/AAAAAAAABgs/YtQzP6LHjL0/s16

00/Screen-shot-2010-08-25-at-21.09.02.png. Data de acesso: Janeiro de 2015. 37Fonte: http://www.deals.com.pk/wp-content/uploads/2014/07/McDonalds-Share-Box-Ramadan-Deals-2014-

Pakistan.jpg. Data de acesso: Janeiro de 2015.

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Oferta válida das 21 horas até o sehri.38

Figura 13: Anúncio 439

Texto em inglês: McDonald’s Iftar

Two Blessed!.

Tradução em Português: McDonald’s Iftar40.

Duas bênçãos.

38 Palavra em árabe que significa amanhecer em português. 39 Fonte:http://www.pakreviews.com/sites/default/files/McDonald's%20Pakistan%20Ramadan%20Deals

%202012_0.jpg. Data de acesso: Janeiro de 2015. 40 Nome em árabe dado a refeição de quebra de jejum no período do Ramadã.