024049-14_Obra Completa de Joaquim Nabuco

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    n II

  • OBRAS C O M P L E T A S DE JOAQUIM NABUCO

    X I V

  • JOAQUIM NABUCO

    CARTAS A AMIGOS

    Coligidas e anotadas por

    CAROLINA NABUCO

    VOL. II

    INSTITUTO PROGRESSO EDITORIAL S. A.30 -

    SAO PAULO BlhlieUc*

    de redo JiCtsquiia

  • DIREITOS AUTORAIS PARA O PORTUGUS: IP - INSTITUTO PROGRESSO EDITORIAL S. A.

    Impresso no Brasil Printed in Brazil

  • CARTAS A AMIGOS

  • 1899

    A Machado de Assis 12, rua Marqus de Olinda.

    Sexta-feira, 10 de fevereiro de 1899.

    Meu caro Machado,

    Como ningum escreve nesse estilo, etc. j o vi h dias na Gazeta antes do Jos Verssimo mostr-lo (1). Agora queira dizer-me como se vai formando em seu esprito a sucesso do Taunay na Academia. . . (2) O Loreto disse-me anteontem que na Revista, aonde no vou h muito, se falava em Arinos e Assis Brasil. Eu disse-lhe que minha idia era o Constncio Alves. O Taunay era um dos nossos, e se o substitumos por algum ausente, como qualquer daqueles, teramos dado um golpe no pequeno grupo que se rene e faz de Academia. Depois ficara-mos sem recepo. O Arinos talvez viesse fazer o elogio. . . Eu, pela minha parte, que entre os dois votaria nele, porque o elogio do Taunay pelo Assis Brasil (este pode ser reservado para outra cadeira mais congenial com o seu temperamento) podia ser uma pea forada, confesso-lhe que no vejo ningum como o Constncio mas se voc no pensa que o Constncio tem a melodia interior, a nota rara, que eu lhe descubro, submeto-me ao mestre. Com o voto do Dria (3) que me prometeu, e o meu, o Constncio j tem dois. Se voc viesse, era o tringulo, e po-damos at falsificar a eleio. Srio!

    Escreva-me uma linha j que no nos vemos mais. H de voc crer que no me entregava de quando em vez ao prazer de conversar consigo s por no saber que o seu nmero no Cosme Velho era 18! Sei que a carta dirigida ao Rio de Janeiro iria ter-lhe s mos, mas tenho a superstio de no escrever

    (1) Referncia ao artigo de Machado em homenagem a Almei-da Garrett publicado na Gazeta de Notcias, sem assinatura, por ocasio do centenrio do poeta, em 4 de fevereiro de 1899.

    (2) Taunay falecera em 25 de janeiro. (3) Franklin Dria, Baro de Loreto.

  • 4 JOAQUIM NABUCO

    sem endereo exato, e foi agora, vendo o amvel bilhete de ano bom, que voc gentilmente me remeteu, que me ocorreu a idia do agradvel passatempo, que acabo de ter sob pretexto de cabal-lo. Muitas afetuosas lembranas do amigo sincero e to admirador

    JOAQUIM NABUCO.

    ,4 Carlos Magalhes de Azeredo

    12, Rua Marqus de Olinda. Rio, 14 de fevereiro de 1899.

    Meu caro Amigo,

    Realmente estou em grande falta, mas se no lhe tenho escrito porque falamos tanto sempre a seu respeito que supo-nho lhe estar de contnuo escrevendo por intermdio dos nossos amigos comuns. Eles lhe tero dito a impresso geral causada pelas preciosas lembranas que constantemente nos est a reme-ter ou pelo correio ou pelos jornais. A sua bela Ode a Portugal foi lida em voz alta na Revista por um de ns e todos a acharam um primor. Procelrias, j Machado de Assis disse o que , ou o que so, porque no o conjunto s que belo, so todas as partes; tanto que le pde, o que raro se ter visto em crtica, escolher na Revista uma srie de espcimes e no Jornal do Com-mercio outra, como sendo o que a obra tem de mais perfeito, o que era um modo de citar tudo.

    Por outro lado causa-me grande satisfao ver a simpatia com que todos falam e escrevem a seu respeito como diplomata. H tempo o Tobias Monteiro dizia-me que havia de fazer tudo que lhe fosse possvel para avan-lo. Como o dr. Campos Sales, segundo me dizem, j o quer para seu secretrio, est claro que breve v-lo-emos promovido. um prazer para todos ns contar com essa segurana.

    Fico espera das suas Baladas e Fantasias e depois dos seus ensaios crticos. Seu talento, apesar de ter amadurecido cedo, est sempre a desenvolver-s, e eu espero viver bastante para v-lo dar o fruto, o fruto da vida, que lhe transmita as sementes

  • CARTAS A AMIGOS 5

    s novas geraes. Infelizmente sou dos que esto convencidos de que nossa decadncia nacional comeou; que entramos na' rbita americana, como Ouba ou as Filipinas, o Mxico ou Nica-rgua; que nossa evoluo far-se- no mesmo sentido que a dos outros satlites de Washington, e que s poderemos valer, ter vida prpria, intelectualmente, se produzirmos alguns brilhantes espritos que elevem nossa literatura acima das contingncias da absoro ou da eliminao poltica e material.

    Meus respeitos a Mme. Magalhes de Azeredo (Caries) bem como senhora sua me e me creia sempre muito afetuosa-mente seu

    JOAQUIM NABUCO.

    Ao Conselheiro Francisco de Carvalho Soares Brando

    Era muito ntima a amizade de Nabuco e sua esposa com seus vizinhos da rua Marqus de Olinda. Soares Brando, que fora ministro e senador do Imprio, era casado com uma per-nambucana, da famlia Pais Barreto, prima portanto de Joa-quim Nabuco. O contado entre as duas casas era de todas as horas. Nabuco tinha um carinho especial por esse amigo mais velho. No perfil de Soares Brando que traou para A Noticia ainda em vida deste, escreveu: Vim a conhec-lo intimamente e posso dizer que no conheci seu igual. Enumera-lhe as qua-lidades essenciais, a condescendncia natural do homem do mundo at o limite de sua responsabilidade, a dignidade de ma-neira, a cortesia que no diferenciava posies, simples, igual, espontnea em todas as circunstncias; a reserva, o critrio, o sangue-frio, o sentimento apurado da honra, a dedicao aos amigos; a sinceridade na palavra e no silncio; a prudncia, o nimo conciliador, o esprito arbitrai do juiz que ficou sendo ainda depois de despir a toga .

    Soares Brando falecera nesse mesmo ano de i8gg, a i9 de setembro.

  • JOAQUIM NABUCO

    Rio, 26 de fevereiro, 1899.

    Carssimo Brando,

    Dona Marocas (1) aqui esteve e no deixou boas notcias suas. Parece que Petrpolis lhe est desconvindo como costuma co-migo. Afinal de contas no h como a rua de Olinda. Voc talvez se esteja excitando com a atmosfera e a temperatura toda impregnada de esperanas e espectaes da vizinhana, que aqui pelo contrrio lhe era to deprimente e pessimista, ou antes fa-talista.

    H dias acordou-me aqui um telegrama do Phipps (2) con-vidando-me para ir passar uns dias com le. Eu quisera bem, tambm para continuar defronte de voc, mas o que Mme. Vidal no fz, desconfio que o meu amigo Phipps no poder fazer. Todavia so tantas para mim hoje as atraes (outrora teriam sido tentaes) de Petrpolis que bem possvel que eu por l aparea. As saudades j comeam tanto mais que quando voc vier so as nossas venezianas que provavelmente ho de ficar fechadas por algum tempo (3).

    Beije por mim a mo da marquesa de Villasis, lembre-me bela Maria e a D. Joo (4), e me creia sempre, carssi-mo Brando,

    Seu muito certo

    JOAQUIM NABUCO.

    (1) Dona Maria Ana Paes Barreto, esposa do conselheiro Soares Brando.

    (2) Sir Constantine Phipps, ministro da Gr-Bretanha. (3) O projeto de ausncia seria para uma temporada na fazenda

    do Pilar, em Maric, propriedade do baro de Inohan, sogro de Nabuco. Mudaram-se-lhes os planos, porm, com o convite do presidente Campos Sales para defender os direitos do Brasil no arbitramento resolvido entre os governos do Brasil e da Gr-Bretanha para se marcarem as fronteiras htigiosas entre o Brasil e a Guiana Inglesa, convite que Nabuco aceitou por se tratar de misso inteiramente alheia poltica e administrao republicanas.

    (4) Maria e Joo Soares Brando, filhos do Conselheiro.

  • CARTAS A AMIGOS

    A Soares Brando

    Rio, 8 de maro, 1899. Meu caro Brando,

    No quero que voc saiba pelos jornais que aceitei o encargo de defender a nossa causa na questo da Guiana Inglesa. Voc compreender que obedeo a um escrpulo patritico e fao um penosssimo sacrifcio, emprenhando-me depois da Vida de meu Pai pelo Tacutu e Rupununi ( 1 ) . Num servio desses seria im-prprio de mim invocar uma incompatibilidade poltica acima da qual o governo fora o primeiro a colocar-se. Foi sabendo-se de minhas idias que fui convidado, e foi afirmando-as que acei-tei. No h aqui nenhuma transao para amesquinhar um ato depois do qual eu poderia morrer com a conscincia tranqila. Procedi como o homem livre que s tem medo dela.

    com profundo pesar que o deixo. Tudo envidarei para que nossa ausncia seja curta. Como eu quisera guardar esta casa! Mas minha me no quer ficar nela. Prefere tomar um andar de Nen para estarem mais acompanhadas e Sinhazinha poder sair mais a mido. Parto com f viva que o tornarei a ver ao voltar, para ento no a deixar mais. Quer isto dizer que nesta casa estamos todos transtornados e cada um em guerra con-sigo mesmo pelo ato herico que vai praticar em tal separao.

    Recomende-nos muito dona Marocas, dona Sofia, Maria, Francisco e Joo e creia-me seu

    Verdadeiro amigo JOAQUIM NABUCO.

    A Domingos Alves Ribeiro

    Maro 8, 1899. Meu caro Domingos,

    No quero que voc saiba pelos jornais que aceitei o encargo de defender nosso direito na questo da Guiana Inglesa. um penosssimo sacrifcio que fao, o dessa viagem. Senti, porm, que no o podia recusar sem quebra de dever para com o pas.

    (1) Rios do territrio em litgio.

  • 8 , JOAQUIM NABUCO

    No olhei para a questo poltica tratando-se de uma causa na-cional. Seria mostrar-se estreitamente sectrio invocar uma incom-patibilidade que o Governo no julgou dever prevalecer para le, vindo buscar o defensor da causa nacional ao campo adverso.

    Sei, meu caro amigo, que esta notcia lhe causar muita sau-dade e aumentar o seu isolamento. Creia, porm, que voc viver no meu pensamento ainda mais por dobrar a distncia entre ns muitas vezes. Deixo minha me, e tenho f que Deus me dar a graa de tornar a v-la. Quem corre o maior risco sou eu, com esses invernos do Norte e aturados estudos longe talvez de toda a famlia.

    Do meu desterro, se Deus me der a vida, hei de trazer im-presso o meu livro (i) sobre as verdades que so o nosso consolo. J no ser pouco para mim.

    Sei que muitos no fariam o que eu fiz, mas se o fizessem, elevar-se-iam aos meus olhos, posso afirmar-lhe. Como acabo de dizer ao Eduardo: Procedi como homem livre, que s tem medo de sua conscincia.

    Eu quisera bem dar um pulo at l antes da partida. Quem sabe?

    Ponha-me aos ps da sra. dona Carlota, e creia-me seu sem-pre dedicado

    JOAQUIM NABUCO.

    A Rui Barbosa

    _ Rui e Nabuco conheceram-se na Faculdade de Direito de So Paulo, mas foram colegas apenas durante o terceiro ano, findo o qual Nabuco deixou So Paulo para completar seu curso no Recife, onde Rui iniciara o seu. Eram naquele tempo as duas nicas faculdades de Direito no Brasil.

    (i) Esse livro a que Nabuco se referia a mide como meu livro era a historia de sua converso religiosa. Chegou quase a acab-lo, mas depois desmembrou-o completamente em favor de outros trabalhos. Massangana depois includo ern Minha Formao pertencera primeiro a este livro. A Influncia de Renan, publicado em Escritos e Discursos Literrios, tambm E sobretudo grande nmero das reflexes religiosas; dos Pensa-mentos Soltos saram dessas pginas manuscritas que assim nunca che-garam a ser publicadas em conjunto, como fora a primeira idia de

  • CARTAS A AMIGOS 9

    Encontraram-se depois na Cmara, onde Rui, vindo da Bahia e Nabuco do seu estgio diplomtico, estrearam ambos em i8yg. Terminada essa legislatura, Nabuco partiu para a Inglaterra no desterro que se impusera, depois de ter sacrificado sua carreira poltica na defesa do abolicionismo. Regressou em 1884 quando o governo emancipador de Dantas assumiu o poder. Juntos, ele e Rui, associaram-se com Gusmo Lobo, Sancho de Barros Pimen-tel e Rodolfo Dantas na defesa do ministrio de 6 de junho nas colunas pagas do Jornal do Commercio. Rui, com o pseudnimo Grey e Nabuco, Garrison, foram os mais brilhantes do brUhante grupo de jornalistas que eram chamados oi ingleses do Dantas. As colunas editoriais dos grandes jornais no podiam, no Brasil de ento, atacar assim a escravido. A amizade comum de Rui e Nabuco com Rodolfo Dantas, filho do presidente do Conselho, e que desde a juventude na Bahia fora o mais ntimo amigo de Rui, constitui mais um lao entre os dois.

    A Repblica separou-os novamente e dessa vez de modo pro-fundo. Nabuco, monarquista apaixonado, no poupava crticas acerbas aos homens do novo regime, e acentuadamente ao mi-nistro da Fazenda do governo Deodoro, de cuja gesto discor-dava in ttum.

    O artigo generoso de Rui, exprimindo seu aplauso a Nabuco, quando este aceitou servir ao Brasil num litgio internacional varreu as nuvens das divergncias passadas e aproximou de novo de modo definitivo os velhos colegas que s tinham motivos para uma admirao recproca.

    Rio, 14 de maro de 1899.

    Meu caro Rui,

    -me grato depois de tanto tempo de separao ter que lhe agradecer o seu artigo de ontem, repassado da velha camarada-gem que nos ligou desde a adolescncia, quando fazamos parte do mesmo bando liberal da Academia. Os seus elogios no so outra coisa seno a munificncia do seu esprito, que pode fazer presentes desses sem se despojar.

    No aceitei o encargo que me era oferecido sem grave relu-tncia e constrangimento, nem sem ter procurado de diversos modos afastar de mim o clice. para mim com efeito um pe-noso sacrifcio e um grave compromisso esse de embrenhar-me intelectualmente durante anos pelo Tacutu e Rupununi , sobre-

  • IO JOAQUIM NABUCO

    tudo tendo que me separar de minha me, que breve completa a idade perfeita dos antigos, os 81 anos, e cuja velhice feliz hoje o meu maior empenho: consummatio tameji aetatis actae feliciter. No escuto, porm, tratando-se de minhas crenas pol-ticas, o obliviscerae populum tuum et domum patris tui, que retinia nos ouvidos de Newman ao deixar Oxford e a religio anglicana. A monarquia s poderia voltar com vantagem para o pas se os monarquistas se mostrassem mais patriotas do que os republicanos. Eu, pelo menos, em um duelo de patriotismo que queria ver a causa nobre e justamente decidida.

    Creia-me muito sinceramente convencido do que pratiquei. custa do maior dos sacrifcios, o de expor-me ao juzo dos fariseus e dos publicanos, em vez de acabar, j agora, no ref-gio meditativo da religio e das letras , mostro que, se morrer amanh, no levo para o tmulo somente um esprito monar-quista e liberal, levo tambm um corao brasileiro.

    Ningum dir que a poltica e a diplomacia brasileira podem ser hoje as mesmas que eram ontem quando a Federao America-na ainda se conformava ao conselho dos seus fundadores de no ter colnias, nem querer aliados. Todas as altas posies e fun-es polticas entre ns, seja do governo, seja da oposio, seja da imprensa tm pois dora em diante que ser aceitas sob a im-presso do terror sagrado prprio aos que elaboram os destinos nacionais em uma poca de crise e mutao. este o tempo para todas as imaginaes sugestivas e criadoras se aproximarem, para todas as dedicaes e sacrifcios se produzirem, se quisermos sal-var a honra e os crditos da nossa gerao qual veio a caber tais responsabilidades. Eu repito o que dizia meu pai em 1865: Deus no permita que a histria deplore a sorte de uma nao nova, cheia de recursos e de vida, mas infeliz por sua culpa! H um terreno superior ao das dissenes polticas em que esp-ritos de igual tolerncia, de igual elastrio, de igual patriotismo, podem e devem sempre colaborar uns com os outros no interesse comum do pas: esse terreno pertence a leaders de opinio, como Rui Barbosa, alargar cada vez mais, e dar-lhe a fora e a con-sistncia do granito.

    Creia-me com todos os meus velhos sentimentos de confrater-nidade liberal, amizade e admirao, sempre seu, meu caro amigo,

    JOAQUIM NABUCO.

  • CARTAS A AMIGOS I I

    A Soares Brando

    Rio, 27 de maro de 1899.

    Meu caro Brando,

    Queira desculpar-me, justificadamente, como dona Marocas, Francisco e dona Sofia, a minha falta de hoje. um dia tambm meu, como voc sabe bem, este que h um ano nos reunia em So Paulo (1) . Tenho, porm, dois doentes de febre em casa, e quando as crianas adoecem ficamos logo com a boca amarga, o que no me deixaria fazer justia aos pratos de Monsieur Diogo. No nada, eu sei bem, mas como cozinheiro, copeiro, tudo tem aqui a influenza, eu reservo-me para ir festejar o acon-tecimento fora da Semana Santa, quando a casa estiver em ordem.

    No se esquea de me deixar escrever o que a Noticia tiver de publicar a seu respeito.

    Muitas saudades a todos e muitos cumprimentos aos noivos de ontem.

    Do seu todo sempre JOAQUIM NABUCO.

    A Hilrio de Gouva

    Rio, 12 de abril (1899).

    Meu querido Gouva,

    Com o falecimento do pequeno Edie (2 ) , Nen, Pedro e os meninos vieram para a rua de Olinda, e assim Evelina poder partir comigo. Adiamos a partida para 3 de maio. Vou com esperana de que voc me restitua as foras e me garanta todo o prazo dos novos trabalhos em que me meti. Ontem esteve aqui

    (1) O casamento de Francisco de Carvalho Soares Brando Filho, com dona Sofia Botelho, filha dos condes de Pinhal.

    (2) Eduardo, filho do juiz Pedro Nabuco de Abreu e neto de Hilrio de Gouva.

  • 1 2 JOAQUIM NABUCO

    o dr. Feldhagen, que veio ver Nen ameaada de um parto prematuro; tranqilizou-nos e agora esperamos que tudo se pas-sar bem.

    Pobre criana! quanto sofreu! que terno mrtirzinho foi ate o fim, e que alegre, doce, vivo macaquinho era le! Quanto sinto no ter um retrato.

    Aqui os monarquistas esto furiosos com o meu ato, que o Eduardo Prado reivindicou nobremente. Vai uma carta que lhes dirigi. Voc como o Eduardo uma pedra fundamental, e o Rio Branco, e tantos! S me resta ver a atitude da Princesa, mas eu tenho bem viva a lembrana de 15 de Novembro.

    Saudades a Iai, s moas, e at breve. O Eugnio est certo de ir conosco.

    Seu do corao JOAQUIM NABUCO.

    Ao Almirante Jaceguai

    Artur Silveira da Mota, baro de Jaceguai, amigo dos mais chegados de Nabuco, cobriu-se de louros na mocidade, desta-cando-se na guerra do Paraguai em diversos combates e princi-palmente na passagem de Humait, que le foi o primeiro a transpor com seu navio. Escreveu suas memrias sob o ttulo De Aspirante a Almirante. Foi membro da Academia de Letras.

    Rio, 15 de abril de 1899.

    Meu caro Jaceguai,

    Deixe-me felicit-lo pela sua patritica idia de reunir os que ainda restam da campanha paraguaia, os nossos reduci delle patrie battaglie, das trs geraes, de 1860 a 1890, os que tive-ram incomparavelmente a mais bela parte. A honra de ter ser-vido no Paraguai a nica verdadeira aurola que hoje tenham brasileiros; a glria indisputada, aquela que tem cicatrizes e promoes no campo de batalha para contrastar as mutilaes da calnia e as baixas da inveja. Todos esses foram, pelo menos, em sua vida, anos (o que os outros no conseguiram nem sequer

  • CARTAS A AMIGOS *3

    em um momento de alucinao) brasileiros, por inteiro, na inte-gridade do seu ser, das suas aspiraes, do seu sangue. A unio dos que fizeram juntos aquela campanha, dos que conservam o trao indelvel dessa camaradagem patritica, figura-se-me no dia de hoje a evocao do esprito que fz grande e digna a nossa ptria, para conjurar a inrcia, a apatia, o entibiamento de todo ideal, com que a atual gerao a est vendo morrer. . . Podem os partidos na luta poltica achar-me em contradio com eles; ainda no me acharam, porm, incoerente comigo mesmo, com meus prprios sentimentos, que so os ideais a que servi. Foi assim que, no primeiro documento, de 1890, em que me recusei a aderir Repblica, em plena ditadura militar, depois de dizer: No pretendo desinteressar-me de nenhum dever de brasileiro. . . No preciso ser republicano sob a repblica, como no era preciso sob a monarquia ser monarquista, para cumprir os deveres de um bom brasileiro: basta ter clara a noo de que nunca se tem o direito de prejudicar a ptria para prejudicar o governo.. . , eu acrescentava: Eu julgo descobrir a Provi-dncia especial que protege o nosso pas contra a Nemesis Afri-cana , (referia-me insurreio do escravagismo contra a lei de 13 de Maio tomando a forma republicana), no fato de ter sido a revoluo feita pelo exrcito de modo que nem um ins-tante estremecesse a unidade nacional, e o meu mais ardente voto que se mantenha acima de tudo a unidade do esprito militar que considero equivalente quela. E pese bem, meu caro Mota, lembrando-se dos acontecimentos posteriores, essas palavras escritas em 1890: Para mim no era objeto de dvida que no dia em que abandonssemos o princpio monrquico, per-manente, neutro, desinteressado e nacional, teramos forosa-mente que substitu-lo pelo elemento que oferecesse nao o maior nmero daqueles requisitos, e esse era exatamente o mi-litar. . . Ningum mais do que eu respeitou nunca a farda do nosso soldado. Ainda o ano passado subi o Paraguai at Assun-o levado pelo desejo de fixar minha imaginao nos prprios lugares da sua glria e recolher vinte e tantos anos depois o bafejo imortal de patriotismo que se desprende daquele imenso tmulo para vencedores e vencidos igualmente. . . Por isso nin-gum mais ardentemente do que eu deseja que a revoluo de 15 de Novembro no atinja o nico substituto nacional possvel

  • 14 JOAQUIM NABUCO

    do prestgio monrquico, o militar, o qual depende antes de tudo da unio das duas classes, depois da unidade da disciplina, e por ltimo de abnegao, isto , de colocar o exrcito, a ptria acima de toda e qualquer superstio poltica, e de no abdicar sua responsabilidade em nenhuma classe, muito menos na classe pol-tica, exploradora de todas. Exploradora de todas, dizia eu, lembrando-me do apoio que ela prometera lavoura e da posi-o a que reduzira o exrcito. . . Isso era escrito em 1890. Que que respira essa pgina? O dever de colocar a ptria acima de toda e qualquer superstio poltica, como eu dizia, e est claro que eu no pediria aos republicanos que elevassem a ptria acima da Repblica sem mostrar-lhes que eu, pela minha parte, sabia tambm elev-la acima da monarquia. . . nesses senti-mentos que me inspiro em tudo quanto escrevo desde ento, sentimento condensado nos belos versos que uma vez repeti do poeta da Glia devastada:

    Securos levius crimen conten nere eives: Privatam repetunt publica damna fidem.

    crime menor esquecer os seus concidados na tranqi-lidade; o infortnio pblico reclama, porm, a fidelidade de todos.

    Ainda uma citao far-lhe-ei, meu caro amigo. do meu livro Interveno Estrangeira durante a Revolta; eu digo que a revolta no foi o encontro face a face das duas opinies, a monrquica e a republicana, e acrescento: A verdade que as duas opinies no se encontraram ainda, e se elas tm um dia que se encontrar, pode-se ter certeza de que no ser num campo de batalha; no sero inimigas, nem armadas: sero co-bertas do mesmo luto, feridas pelo mesmo golpe, prostradas pelo mesmo infortnio, apelando sinceramente, desinteressadamente, corajosamente, uma para a outra, talvez infelizmente tarde de-mais, como os patriotas italianos que s ouviram a voz de Dante e de Petrarca, pregando a unio, quando j os franceses e os espanhis tinham invadido o pas e as tropas alems se haviam apossado de Roma.

    Como v, meu caro Jaceguai, no foi ltima hora, foi logo desde a primeira que continuei minha marcha sob a Rep-

  • CARTAS A AMIGOS i r.

    blica pela mesma estrada, a cavaleiro dos partidos em que andei sempre sob a Monarquia, nica estrada que o Imperador trilhou em seu reinado, posso diz-lo perante veteranos do Paraguai. por isso para mim um verdadeiro regozijo assistir a um movi-mento como este, a este ressurgir da religio da ptria, no mo-mento em que o fogo sagrado se ia apagando e com le talvez a defesa dos lares nacionais. . . Nobres, grandes objetos se lhe deparam. . . Mas para isso preciso que o esprito de ptria se mostre inacessvel s invases, corrupo da poltica; * pre-ciso que em torno das relquia* da bandeira do Passo da Ptria de Humait, de Lomas Valentinas, da Cordilheira, se possam todos reunir. . . Receio muito, disse eu uma vez, num panfleto, que um dia, no futuro distante, quando se descobrir no estran-geiro o tmulo emprestado ao ltimo representante da nossa Monarquia, se reconhea que le foi sepultado, moda dos heris antigos, com o que mais caro lhe fora em vida: a liber-dade e a unidade de seu pas. margem o Imperador, que hoje seria dos vossos, se vivesse, escreveu a lpis: No! Nunca! Pois bem, para que esse nunca! venha a triunfar dos meus re-ceios, preciso que a voz da ptria abafe em nosso pas todas as outras. . . Esse o papel da associao, gloriosa, antes mesmo de nascer, que afinal agora se constitui... S ela quase tem o direito de invocar o nome de ptria; s ela provou ter o senti-mento que parece a todos o mais belo, mas pelo qual verdadei-ramente bem poucos fazem o sacrifcio de si mesmos. . . assim com os meus sentimentos de sempre que sado os heris do Paraguai reunidos ao seu aceno. Cabia a honra de os convocar quele de cuja estrela dependeu a mais arriscada talvez de todas as aes daquela campanha, e cuja figura a posteridade brasi-leira ver sempre atravs da fumaa e sob a chuva de balas de Humait. . . Compararam-me a Bazaine por ter aceitado do governo da Repblica o encargo de pleitear o direito do Brasil numa questo de fronteiras nacionais, isto , uma causa como Chateaubriand teria aceitado das mos de Lus Filipe, Thiers ou Berryer das mos de Napoleo III, o duque de Broglie das mos do. atual governo republicano... Bazaine, porm, exprime na histria militar a hesitao do patriotismo sob a influncia do partido, isto , o estado de esprito dos que me acusam, e no

  • iQ JOAQUIM NABUCO

    o meu que est resumido na resposta do duque de Aumale, quan-do Bazaine lhe dizia no saber ao servio de quem pusesse a es-pada por no ter ficado nada de p: Havia a Frana, senhor. A salvao do nosso pas dos transes mortais em que entrou est exclusivamente na formao de uma corrente patritica irresis-tvel. . . S o patriotismo pode fazer esse milagre; tudo mais so alternativas polticas sem alcance, que s satisfariam os prprios partidrios. . . Uma corrente patritica que leve de vencida todas as estreitezas e exclusivismos das frmulas opostas, das seitas contrrias, todos os antagonismos partidrios ou pessoais, a nica, a ltima esperana de salvao nacional.. . Estamos no momento supremo, aquele que vai decidir do futuro da nao, e cm tal momento, e no depois de proferido o consummatum est, o tudo est cumprido, que a energia moral que nos reste pode reagir contra o desfecho provvel. No so muitos ainda os que esto convencidos, como eu, de que o pas est sendo arrastado insensivelmente para um centro de perturbaes de que, s a intensidade de patriotismo pod-lo- tirar inclume. . . Da a importncia que dei sempre ao esprito de tolerncia e su-premacia do instinto de ptria sobre as dissenes partidrias. . .

    Tudo mais figura-se-me estril, insignificante, bizantino, pe-rante o perigo nacional iminente. O que me traz algum conforto, alguma esperana, so afirmaes como esta de que ainda no morreu entre ns o ideal de ptria, no de ptria poltica, mas de ptria territorial, isto , de ptria composta de um corpo, que o territrio, de uma alma, que a raa. . . Quanto nova Associao, meu caro Jaceguai, para que ela preste a esse ideal o mais assinalado servio, basta que ela avive as suas lembranas e reminiscncias e as reproduza para exemplo das novas gera-es. . . No seu seio, se se puderem todos reunir, o pas encon-trar alguns dos seus nomes mais ilustres... O esprito que os h de animar quando reunidos ser o esprito que dominava a Caxias, a Osrio, a Porto Alegre, a Tamandar, a Barroso, a Inhama. Eu, pela minha parte, tendo passado anos ultimamente a estudar essa mais bela pgina da nossa histria nacional, vejo com inexprimvel satisfao esta tentativa para no deix-la de todo esquecer. Pudesse vir da o alento energia patritica de que o pas precisa para salvar-se e cada um desses vetera-

  • CARTAS A AMIGOS \J

    nos do Paraguai teria prestado prpria existncia nacional um servio igual aos maiores que registra a sua f de ofcio.

    Creia-me, sempre, meu caro Jaceguai, muito afetuosamente seu

    JOAQUIM NABUCO.

    A Domingos Alves Ribeiro

    Sexta feira [1899]. Meu caro Domingos,

    Suas cartas so sempre um blsamo para mim. Eu tinha pen-sado em pedir-lhe o dr. Teodoro Sampaio (1), se voc pudesse valer-me junto com o Eduardo para decidi-lo. Tive, porm, a idia de que le no quereria e no lhe conviria. Agora no lhe diga a le.

    Recebi carta do Eduardo. De quem ainda nada recebi foi do nosso amigo Joo Alfredo, que est em Petrpolis, mas cujo silncio interpreto como a condenao do meu ato. Acho-me, entretanto, hoje to forte na minha conscincia como quando em 1888 me separava do partido Liberal para sustent-lo por ter le feito a abolio e o defendia sozinho contra o meu par-tido, furioso, na questo dos Loios, de que se queria fazer e se fz escada para o poder.

    Veja bem. O meu ato foi um desses atos de que o homem de conscincia no se pode desviar, mas teve para mim uma dupla utilidade, a de destacar-me do partido monrquico e a de deixar-me apurar os verdadeiros amigos. Passada esta tempes-tade, quando eu voltar aos meus livros e ao meu retiro, terei aquelas duas vantagens inapreciveis para quem quer acabar a vida com dignidade e gozar de toda a solene melancolia do cre-psculo. Voc sabe que, h anos, eu desejava muito isolar-me, ficar s, porque o meu modo de pensar sobre a monarquia, suas possibilidades, meios de traz-la, contingncias de sua volta, etc, diverso do de toda essa gente que forma a soca das antigas oligarquias de um e outro partido e que um impedimento

    (1) Nabuco procurava nesse momento os auxiliares para sua Misso Especial. Os nomeados de incio foram Graa Aranha e Caldas Viana.

  • l 8 JOAQUIM NABUCO

    volta da monarquia, enquanto ela depender do exrcito, mas que no hesitaria em tent-la em condies que comprometeriam a prpria independncia nacional ou ento teriam o veto norte--americano.

    Esses que me acusam so os mesmos que elogiaram e elogiam o Rio Branco ( i ) , e alguns deles no se acham impedidos de ser advogados contra o Tesouro, de tomar parte no saque da fortuna pblica, mas julgam que no se pode ser monarquista e ser ao mesmo tempo advogado da ptria em questo de limites! Que conscincias meticulosas, no lhe parece?!

    Voc sim, meu caro Domingos, tem o instinto certo do cora-o, a justia da prpria pureza e imaculabilidade. A importn-cia e as conseqncias polticas do meu ato s o futuro as pro-clamar, quando se compreender a verdadeira situao em que o Brasil est desde agora colocado. O que me inspirou foi o sentimento de que dora em diante nos devemos inteiramente ao pas, cuja prpria existncia eu acredito em jogo. A monar-quia deve ficar sendo at a ltima a nossa melhor alternativa, mas por isso mesmo s com toda a previso, cautela, e renncia, do verdadeiro patriotismo, no ser ela comprometida em algu-ma aventura estpida por mais de uma gerao.

    Adeus, no comunique nada destas minhas cartas imprensa; se no, no lhe posso mais escrever ex abundantia cordis.

    Seu do corao

    JOAQUIM NABUCO.

    A Francisco de Paula de Oliveira Borges

    Magistrado e agricultor. Foi deputado por So Paulo e pre-sidente da provncia de Paraba.

    ( 0 Rio Branco, monarquista de convices que talvez tenha levado ate ao tmulo (ao contrrio de Nabuco que se reconciliou por completo com os novos destinos do pas) no deixou por isso de servir a ptria sem interrupo at morrer.

  • CARTAS A AMIGOS ig

    Rio, 16 de abril de 1899.

    Meu caro Borges,

    Acabo de receber sua carta, a que respondo. Eu no duvidei nunca de que um homem educado como voc foi na escola do visconde de So Vicente aprovaria inteiramente o meu ato. Aqueles homens colocavam a ptria acima de tudo, e no .seria um So Vicente que faria valer em um caso como o meu a incompatibilidade poltica. Foi isto o que eu disse e escrevi ao ministro das Relaes Exteriores: Para recusar eu s poderia valer-me das minhas conhecidas idias monrquicas. Tratando--se, porm, de uma questo de carter todo nacional, como a reivindicao de territrio brasileiro contra pretenses estran-geiras, seria faltar mesmo tradio do passado que h anos procuro recolher e cultivar, invocar eu uma dissidncia poltica acima da qual o prprio governo republicano tivera o nobre desprendimento de elevar-se. Estou certo que So Vicente, ou Rio Branco, ou meu pai, teriam feito como eu.

    Os monarquistas que me atacam so representantes de um esprito contrrio, o de partidarismo ou faco, que s serve para tornar a restaurao impossvel atribuindo-lhe o carter de uma simples vindita partidria, se no de um novo terror branco. O exrcito tem naturalmente medo dessa gente porta-dora de desforra, hoje to tardia que seria anacrnica. A mo-narquia s poderia voltar como efeito de uma forte corrente nacional, patritica, sem prevenes polticas ou pessoais de ne-nhuma espcie.

    Vou prevenir o editor para mandar-lhe o terceiro volume quando aparecer.

    D sempre suas ordens para onde souber que me acho no desempenho da minha comisso, e me creia muito afetuosamente seu, meu caro Borges,

    Velho amigo e colega

    JOAQUIM NABUCO.

  • 2 0 JOAQUIM NABUCO

    A Domingos Alves Ribeiro Domingo.

    Meu caro Domingos,

    Saudades e lembranas afetuosas. Nossa partida est adiada para 3 de maio, o que me d tempo para encaixotar a nossa casa. S os livros! Afinal o feliz o que pode dizer: Omnia mea mecum porto. Deixar atrs o que nos costumava cercar, com perigo de no o tornar a ver, cruel, no s com os livros como com os mveis, objetos, etc.

    Estive em Petrpolis, onde o dr. Campos Sales me acolheu muito bem. Conversamos algum tempo sobre as nossas coisas e eu disse-lhe, no o v repetir, que o meu ato exprimia o pro-fundo pessimismo que me invadiu e a idia de que chegou o momento em que os patriotas de todos os credos polticos devem mostrar que colocam a ptria acima do partido. Falei-lhe como escrevo a voc e ao Eduardo, no mesmo tom de sinceridade e franqueza. No h dvida que o momento nacional o mo-mento crtico; depois no ser mais a crise, ser o inevitvel.

    Estou-me estimulando a dar um pulo at l, a abraar os dois amigos. O Eduardo foi leonino, e o arranco dele fz estre-mecer todo o campo Filisteu (1). O sentimento do partido est, porm, com os analfabetos e os estreis, como o Laet, cujo talen-to uma bolsa de veneno, nada mais, sem uma intuio, uma idia poltica. Esse tal partido parece s ter um fim: impedir que o sentimento monrquico do pas venha um dia a ser uma fora nacional. Cest bien triste. O Eduardo precisa ter mais conscincia de sua fora. Eu admito que le acompanhe os cha-mados chefes (2), at o Carlos Afonso passaria adiante dele!

    (1) Eduardo Prado escrevera um belo artigo enaltecendo o ato de Nabuco, aceitando servir ao Brasil. Foi a nica voz monarquista que se levantou na imprensa aplaudindo o amigo. O resto do campo atacou-o acerbamente.

    (2) O partido monarquista, guardando as precedncias do passado s admitia nos seus conselhos aqueles que houvessem sido chefes de um dos grandes partidos do Imprio, o Liberal e o Conservador. Nabuco que s havia chefiado um grupo de oposio os abolicionistas no fora admitido ao Diretrio do partido monarquista organizado sob Repblica. a

  • CARTAS A AMIGOS 2 I

    mas com a condio de os orientar. Eles no so seno uma torre de Babel.. . calada, e sem altura.

    Muitas recomendaes ao dr. Teodoro Sampaio.

    Do seu do corao JOAQUIM NABUCO.

    Ao baro de Penedo

    Rio, 19 de abril de 1899.

    Meu caro Baro,

    Muito prazer deu-me sua carta, sua to alevantada apro-vao do meu ato to mal julgado pelo estreito partidarismo monrquico. que a sua a tradio dos Eusbios, dos Parans, dos Paulinos, dos Nabucos, de D. Pedro I I ; da ptria antes e acima de tudo. O que eu quis foi sobretudo dar um exemplo em um momento que considero crtico e deci-sivo para o nosso pas que se est abismando. Os que esperam pelo cmbio a zero, pela bancarrota, pelo colapso completo da autoridade, e pela anarquia geral, como sendo os sinais precur-sores da Restaurao so como o mdico que esperasse pelo desaparecimento do pulso para anunciar a reao salvadora do organismo. S o patriotismo pode inspirar a alternativa monr-quica ao pas, e nunca o quanto pior, melhor.

    Partimos no dia 3 de maio prximo para Londres e assim em breve terei novamente o prazer de v-los. No os figuro em viagem para c. Antes, t-lo-ia sentido pelo senhor e pela Baro-nesa; agora o sentiria tambm por mim. A idia do Artur que ficassem em Lisboa; a eu poderia talvez retomar os meus hbi-tos de Grosvenor Gardens, que resume o prazer de viver para todos os seus convivas ainda fiis.

    Muitas saudades afetuosas de ns todos Baronesa e para o sr., e creia-me, meu caro Baro, sempre seu adido a latere ou a corde.

    JOAQUIM NABUCO.

  • 22 JOAQUIM NABUCO

    A Domingos Alves Ribeiro

    Rio, 19 de abril de 1899.

    Meu caro Domingos,

    Sua sade me est incomodando, mas atribuo tudo ao inver-no e ao reumatismo. No tempo frio voc devia fazer como a andorinha, vir calorizar-se um pouco.

    O Joo Alfredo est h dias na cidade, mas no o tenho visto, to ocupado me acho. No quero dar importncia ao mo-vimento de tristeza da parte dele que os monarquistas traduziram por censura, que hoje no seria possvel mais impedir de correr depois da carta de Frederico Martins. le disse palavras e teve expresses de fisionomia que o baro de So Joaquim ter levado Princesa, como o Estrela e outros fizeram circular na barca de Petrpolis, como afastamento e separao poltica entre ns (1). Foi um erro dele, estou convencido. No quero mais pensar nisso, mas no menos veVdade que algum tempo se passar sem que eu possa abrir-me com le com a mesma fran-queza e confiana. Alguma coisa quebrou-se entre ns. O que foi, s com o tempo e com a tranqilidade de nimo poderei, pela minha parte, saber. Aflige-me, entretanto, profundamente o estado dele sem vista e despeo-me dele com uma tristeza em que no entra nenhuma queixa pessoal.

    Adeus, meu querido amigo. Estou imaginando o que hei de fazer na Europa para iludir a nossa separao. Estou a querer comprar o privilgio para a transmisso de no sei quantas mil palavras por minuto que hoje se nos anuncia da Europa.

    Muitas saudades do

    Amigo certo

    JOAQUIM NABUCO.

    (1) A nomeao de Nabuco para a Misso Especial e depois para o quadro do Corpo Diplomtico separou-o definitivamente, e com grande pesar seu, de Joo Alfredo, que ficou irredutvel na sua reprovao do atn de SPII dr

  • CARTAS A AMIGOS 2 3

    A Domingos Alves Ribeiro

    Domingo.

    Meu caro amigo,

    -me com efeito impossvel dar em pessoa o pulo que o corao est sempre a dar at l. E no que o corao esteja leve, que os movimentos me esto atados at a partido. Nem, voc pense em vir embarcar-me, deixe sua vinda para a che-gada. Deixo minha me com 81 anos, e ambos tomamos o com-promisso de nos tratarmos para nos abraarmos daqui a dois anos e tanto. Voc s precisa de fortificar-se um pouco para com sua tempera cearense estar mais certo desse prazo do que eu assim vencemo-lo confiados em Deus que no me mandou isto para mal, porque a separao dos pseudo-amigos no chega a ser um mal. Os artigos do Laet (1) no tm a consistncia e a aspereza do cilcio que minha vida reclama de mim, mas ainda assim no me fizeram seno bem.

    Escrevamo-nos de longe, como de perto; acompanhemo-nos, e o tempo passar depressa, sobretudo se voc tiver a sempre o Eduardo e o dr. Sampaio. Fique certo que melhor ficar onde se est do que viajar, quando o esprito adquiriu o poder da finalidade e j se proferiu o omnia vanitas como ns dois.

    No tome ao trgico o que lhe escrevi sobre o Joo Alfredo, mas s o tempo poderia acabar o mtuo constrangimento em que hoje estamos. As palavras que le lhe mandou so uma satis-fao que le se deu a si mesmo, no exprimem a conformidade dos espritos e dos sentimentos. De fato vemos tudo diversamente. Cada um de ns imagina o seu fim diferentemente, devido aos hbitos intelectuais que nos so prprios ou o imaginamos do mesmo modo, no tendo le, porm, nem as molas nem os pon-tos de apoio em si mesmo que eu tenho para conformar meu procedimento ao meu sentimento prprio, sem me importar com os outros. No levo nenhuma queixa, s o que lhe disse foi que

    (1) Carlos de Laet, defensor militante da monarquia, diretor do jornal desse partido, Liberdade, no perdeu mais ocasio at o fim de sua vida de jornalista de atacar ferinamente Nabuco por ter aceito servir a Repblica.

  • 2 4 JOAQUIM NABUCO

    a confiana recproca deve ser espontnea para ser segura e capaz de confidencias e expanses, como eu tenho, por exem-plo com voc. O J. A. tem de mim a queixa ntima de o ter levado a colaborar com o Ouro Preto e o Lafaiete ( i ) depois do que se passara entre eles, e hoje sente-se mais isolado no par-tido com a minha ausncia. No lhe cabia, porm, outro papel seno aquele, e no foi minha culpa o ter-me le, na formao do Diretrio, deixado ficar sem voto nem de dentro nem de fora na direo do movimento monrquico (2 ) . No me quei-xei disso, mas no fui eu que o abandonei e o deixei s. Eu s fui generoso.

    Adeus, meu querido amigo. Tudo se paga em poltica e os menores erros tm funestas conseqncias. O esprito da velha oligarquia subsistiu na organizao do pequeno partido monar-quista, e eu sou dos que no aceitam responsabilidades sem pelo menos serem consultados. Que era eu no partido? Est-se vendo agora que le se atira contra mim com todos os seus ressenti-mentos acumulados: um excomungado in-petto. No, no fui eu que deixei s o Joo Alfredo. Se, depois de ficar eu de fora, devia reduzir-me a acompanh-los, o que deixo ao seu orculo de amigo decidir. H cinco anos quase que pratico nas relaes particulares, nos livros que produzo, na Revista Brasileira, na Academia de Letras, no Instituto Histrico, na correspondncia com os amigos, a poltica nacional e patritica de que resultou o meu ato. Este ato no foi outra coisa mais do que a orienta-o do meu tmulo: agora sim est le colocado no sentido da ptria. Nunca desejei sobre le a inscrio: fidelidade monr-quica; no fui, comparando somente a f pblica, um Berryer. Fui e sou monarquista, mas essa uma caracterizao secundria para mim, acidental; a caracterizao verdadeira, tnica, foi outra: liberal, liberal no no sentido partidrio, estreito mas

    ( i ) Os chefes liberais, antigos presidentes do Conselho, com quem Nabuco conseguiu que se reconciliasse Joo Alfredo, chefe conservador para se poder organizar na repblica um partido monrquico que repre-sentasse todas as correntes do antigo regime.

    (2) O Diretrio do partido constava do visconde de Ouro Preto dos conselheiros Joo Alfredo e Lafaiete Rodrigues Pereira de D ' ' gos de Andrade Figueira e Carlos Afonso de Assis F i g u e i r e d o 0 " ^ assinaram o Manifesto Nao Brasileira. Nabuco, embora tivesse .ido ele o redator do Manifesto, ficara em segundo plano no diretrio Ar. partido, com Carlos de Laet e Afonso Celso Jnior.

  • CARTAS A AMIGOS 2 5

    no sentido que decorre destas duas conscincias profundas que tenho em mim, de criatura de Deus e de membro da humani-dade. Essa a caracterizao poltica da minha vida, como a afetiva a brasileira. So essas trs grandes correntes morais Deus, Ptria, Humanidade, que formaram a zona temperada do meu liberalismo, a nica em que vivi. Por isso chamaram-me na Monarquia republicano e por isso fiquei na Repblica mo-narquista.

    Saudades mil. Com tantas cartas estou arriscado a perder a viagem.

    Seu do corao JOAQUIM NABUCO.

    A Carlos Magalhes de Azeredo

    Rio, 29 de abril de 1899. Meu caro amigo,

    Pelo mesmo vapor que nos leva vai este agradecimento pela sua to boa quanto elevada carta sobre o meu ato. Vou em nome do pas e espero ir com Deus. At l. O Jornal agora mesmo est publicando seu interessante estudo sobre Garrett.

    Ponha-me aos ps da sra. sua me e de Mme. Carlos Maga-lhes de Azeredo, a quem muito nos recomendamos.

    Seu sempre o mesmo JOAQUIM NABUCO.

    A Domingos Alves Ribeiro

    Rio, 2 de maio de 1899. Meu caro Domingos,

    Chegou o momento de dizer-lhe adeus, o que fao com ver-dadeira dor de separao. Deixo ao dr. Ingls de Sousa um retrato para voc. Durante a longa ausncia escrever-lhe-ei o mais que me seja possvel.

  • 2 5 JOAQUIM NABUCO

    Aqui est o que escrevem a Evelina: A Princesa manda-lhe o recado seguinte: Que seu marido tinha feito muito bem e se o Imperador vivesse no admitiria outra coisa, etc. etc. Isto muito entre ns, mas, se todos entendessem como a Princesa, o significado poltico do meu ato teria sido, em vez de individual e personalssimo, coletivo, e obedeceria nica poltica para o partido monrquico, se quer ser um partido poltico: que a dinastia e seus partidrios esto igualmente ao servio da causa nacional qualquer que possa ser o governo.

    Adeus, querido amigo, ponha-me aos ps da sra. dona Car-lota, recomende-me a todos de casa, fazendo eu votos pelo res-tabelecimento da sra. dona Ins. Lembre-me tambm ao dr. Teodoro Sampaio, ao dr. F. de Albuquerque e a todos que for-mam seu crculo ntimo.

    Pedi ao Editor que lhe mandasse o meu 3 ' volume desde que chegue.

    Do seu muito dedicado

    JOAQUIM NABUCO.

    P. S. Estive hoje, a despedir-me, com o ministro do Exte-rior, o dr. Campos Sales e o general Mallet. Foram todos muito amveis e a amabilidade do Presidente com a referncia que faz ao meu nome na mensagem muito grande. Incluo um trecho sobre o Brando (1) que escrevi con amore como escreveria sobre voc. O nosso amigo e meu compadre est aqui, para o meu embarque. Nem me lembro de mais nada, s lastimo o erro poltico que cometeram, e o. no ter le sancionado publicamente o meu ato. Isto por le, no por mim. Parece que terei muita gente amanh, eu que vivia to afastado. O brasileiro real-mente muito generoso.

    Agora, meu caro amigo, um grande servio. O Rodrigo Ot-vio disse-me que chegou o esplio do Rebouas e que le o vai examinar, etc. H nesse esplio toda a minha correspondncia, a do Taunay, a do Imperador, a de amigos ntimos do Rebou-as, que lhe escreviam para le s, e eu penso que tal corres-

    (1) Nabuco escrevera para uma srie de perfis de homens pbli-cos em a Notcia um perfil de Soares Brando que le incluiu no seu volume Escritos e Discursos Literrios.

  • CARTAS A AMIGOS 27

    pondncia e a vida ntima dele no deviam ser conhecidas por ningum antes de o serem pelo irmo que auxiliado por pessoa de confiana que examinasse tudo com le, caso le no o qui-sesse fazer s, resolvesse acerca do destino a dar a esse depsito sagrado da amizade e confiana. Voc, que amigo do dr. Re-bouas, veja se d um jeito para que toda a correspondncia chegue a le intacta e s tenha o destino que le entender dever dar-lhe. um caso de grande importncia sobretudo pelos papis e cartas recebidos ou escritos por le depois de 15 de Novembro. Eu penso que tudo devia ser guardado in integrum para a histria.

    J. N.

    A Soares Brando

    Londres, 16 de junho de 1899. Querido Brando,

    Acabo de receber sua boa carta, que s eu mesmo sei o que vale, o que contm. No que escrevi a seu respeito, v-se logo, deixei somente extravasar o corao. Na Bahia, no Recife e em Buenos Aires publicaram essas minhas notas to imper-feitas, mas to sinceras sobre voc.

    Vejo pelo tom de sua carta que voc vai melhor, muito me-lhor. Sua alegria comunica-se-me no s pela frase como pelo prprio talho da letra. Eu desde que embarquei tenho ido sem-pre, graas a Deus, a melhor. Todavia. . . Ontem portei-me, por exemplo, bastante bem, em um grande jantar seguido de um concerto, fiquei at 1 hora da noite, o que para mim, habituado rua de Olinda e ao meu modo de viver, uma faanha.

    Evelina est em St. Germain-en-Laye perto de Paris com as crianas, encantados com a floresta e o ar puro, to diferente da vida de Paris para os nossos pequenos acostumados a viver no jardim da prpria casa. Eu vim a Londres coligir documentos e volto por estes dias para o Continente.

    Estive ontem com o velho F. Youle, que me disse estimar Sinhazinha Barros como uma filha e fz dela o mais agradvel retrato. Diga-lhe isso. le ainda est sofrendo dos efeitos de uma pssima queda que deu sobre a cabea e a espinha dorsal.

  • 2 8 JOAQUIM NABUCO

    Como vai dona Marocas? Maria? Dona Sofia? Francisco, Joo e Joo Sobrinho? A cada um dos seus habitantes d muitas lembranas minhas.

    No deixe de fazer sua a causa das irms ( i ) . Levemos a bom termo essa obra de restituio e justia.

    Meu corao est a, meu caro. Para mim a Europa no tem nenhum atrativo mais, todo o meu desejo seria viver a sem interrupes como esta. Prefiro passar a noite em sua casa, con-versando sobre dom Joo VI, a tudo que a sociedade europia, que estranhos me possam oferecer. sinal de que vamos enve-lhecendo! Achei aqui muita gente de minhas relaes bastante mudada; outros, porm, esto mais moos do que h oito ou dez anos. Isso, sim, eu acredito, que deste lado a vida se gasta mais de vagar, e tambm que no se mofa tanto.

    Mande-me de vez em quando um cordial, como o ltimo, uma carrinha escrita nos seus momentos satisfeitos e comunica-tivos, porque no quero que me chegue nenhuma tristeza sua. Eu pelo meu lado, logo que esteja instalado, far-me-ei uma doce obrigao de mandar-lhes notcias nossas, que sei quanto lhes interessam. Nada do que respeito ao nmero 10 indiferente para o antigo nmero 12. Quanto me custa dizer isso!

    Adeus, meu querido Brando, saudades a todos, felizes votos, e para voc um apertado abrao do amigo muito dedicado

    JOAQUIM NABUCO.

    O Garnier est pronto a dar um volume das minhas confe-rncias, artigos, ensaios, etc. L vir a despedida da Noticia s sinto que no seja acompanhada de um melhor retrato.

    J. N.

    (1) As Irms de Caridade de So Vicente de Paulo estiveram ameaadas de perder o terreno em que sua congregao havia estabe-lecido o colgio e a Igreja da Imaculada Conceio na praia de Bota-fogo. Nabuco, influindo na reforma dos estatutos da irmandade e conse-guindo a entrada de novos scios, como Soares Brando e outros traba-lhara para lhes salvar o direito disputado pela irmandade leiVa Rui Barbosa foi o advogado das Irms no processo que lhes foi intentado e que venceram.

  • CARTAS A AMIGOS 2Q

    Ao baro do Rio Branco

    17 Half Moon Street. Piccadilly. Sexta-feira.

    Meu caro Rio Branco,

    Muita sade etc. com fraternidade, est visto. Hoje escrevi ao Ministrio falando do seu monumental atlas.

    Em carta tinha dito ao dr. Olinto (1) que eu fora a Paris para encontrar-me com voc que viera de Berna no s em servio da sua misso (que estava agora na fase aguda) como tambm para entender-se comigo .

    Acabo de ler no Times a primeira reunio do Tribunal de Venezuela. Pelo que diz o advogado ingls, Venezuela reclama territrios de diversas naes. No pensa voc que devemos inter-vir perante o Tribunal pedindo ressalva dos nossos direitos? Se fosse um Tribunal qualquer eu no diria nada, mas um tribunal dessa ordem, se decidir que a margem esquerda do Essequibo espanhola e atribuir Venezuela a parte da Guiana que ns disputamos Inglaterra, no lhe parece que a questo fica morta para ns? Sobretudo sendo esse Tribunal uma criao norte--americana. Conforme fr a pretenso venezuelana apresentada, e note-se, por quem, por Mr. Harrison, ex-presidente dos Esta-dos Unidos, no pensa voc que devemos perante o Tribunal fazer declaraes que ressalvem o nosso direito, sem reconhecer--Ihe todavia reivindicao? Se fizermos le mort, no ser difcil depois a reivindicao contra Venezuela? Ou devemos entender--nos com Venezuela? Porquanto nossa interveno agora de alguma forma poderia enfraquec-la e enfraquecer-nos tambm em proveito dos ingleses. A mim parece que o nosso direito no pode assim ser liquidado entre terceiros, como se no existisse. Algum deve represent-lo. No sei bem at onde vai a preten-so real da Venezuela, nem se a sentena dos rbitros vai atri-buir a soberania desse territrio todo Venezuela ou somente excluir a Inglaterra dos territrios a oeste de certa linha. Em

    (1) Olinto de Magalhes, ministro das Relaes Exteriores.

  • 3 0 JOAQUIM NABUCO

    todo o caso um pleito que nos interessa muitssimo e que de-vemos acompanhar. Diga-me uma palavra, porque talvez eu deva telegrafar.

    Muitas saudades e at breve. Sei que Evelina esteve a com Mlle. Amlie, de quem voc

    no gosta de ouvir tudo o que se pensa ( i ) . Lembranas ao Raul (2).

    Do seu do C. JOAQUIM NABUCO.

    A Domingos Alves Ribeiro Londres, 16 de junho de 1899. (Endereo: Legao do Brasil).

    Meu querido Domingos,

    H muito que voc deve estar esperando por uma carta minha e h muito que estou para escrever-lhe. De um lado para outro, porm, sempre em movimento, no tive ainda um dia de verdadeiro sossego para comunicar-me com voc. Fao-o agora, ainda em atropelo, somente para voc no duvidar de mim.

    Tenho passado sempre bem desde que embarquei. O meu organismo estava meio mofado, meio enferrujado com a vida que eu levava de traa escrevente e precisava, preciso, uma reconstruo. esta a preliminar para os trabalhos srios em que tenho que entrar. O Hilrio manda-me s guas, sem mais nada. Tudo foi examinado e achado so. Assim Deus queira ser meu mdico.

    Parece que o Rodolfo chegou a Paris, doente, ictrico. Possa a mudana de clima, regime e tratamento melhor-lo. para mim uma tristeza sab-lo assim to mal. Para a semana estarei com le.

    B r a n c ^ f i m a V - B r * ^ ^ * ^ ^ * * * (2) Raul Paranhos do Rio Branco, filho mais velho do Baro.

  • CARTAS A AMIGOS 31

    Vim aqui coligir documentos, etc. Por muito tempo ser essa minha principal ocupao. O Eduardo ter prazer em saber que o Rio Branco apresentou ao rbitro suo um Atlas que um monumento geogrfico.

    Estou afinal separado da poltica, a uma distncia que sinto incomensurvel. No lhe posso dizer o alvio espiritual e moral que isso para mim. Rogo-lhe por favor no dar notcia minha aos jornais. Diro que eu lhe escrevo demais e eu quero no ter limites nossa correspondncia, o que no ser possvel com o receio de estranhos se ocuparem dela.

    O meu 39 volume est todo agora corrigido e vai entrar para o prelo. No creio que seja questo de muitos meses mais.

    Vou dar mais dois volumes. Um com a Minha Formao, um tanto alterado; outro, reunindo o que tenho publicado avulso.

    Muitas lembranas ao Eduardo e ao dr. Sampaio. Ponha-me aos ps da sra. dona Carlota e creia-me muito sinceramente seu dedicado

    JOAQUIM NABUCO.

    A Carlos Magalhes de Azeredo

    Londres, 18 de junho de 1899.

    Meu caro amigo,

    Muito lhe agradeo sua boa carta de 13. Tenho sempre pra-zer em ter notcias suas. Muito desejo eu teria de ir a Roma. Roma sempre Roma para os que uma vez a amaram. S se eu no puder dar-lhe essa prova de fidedade eterna. Ainda mais a sua companhia!

    Estou por uns dias somente em Londres. Esta semana volto para Paris, ou antes irei para St. Germain-en-Laye, que onde est a minha gente. Depois creio que irei para as guas de Pou-gues. O meu sistema nervoso se est comportando muito mal; tudo examinado, o Gouva acha que no tenho seno necessi-dade de faire une cure em Pougues o que me anima um tanto. No muito porque os efeitos que sinto indicam uma causa muito difcil de sujeitar.

  • o 2 JOAQUIM NABUCO

    Quero ver se dou pelo Garnier dois livros mais. le mostra-se pronto a edit-los. Um seria uma coleo de escritos e confe-rncias, outro o que tenho publicado na Revista com o ttulo Minha Formao.

    No recebi ainda a sua brochura. Mande-me sempre suas cartas para Londres, onde tenho que vir de vez em quando, a menos que me saiba com demora em algum lugar.

    Meus respeitos sra. sua me e a Mme. Carlos Magalhes de Azeredo. Creia-me sempre seu muito afetuoso e sincero amigo e grato colega,

    JOAQUIM NABUCO.

    A Caldas Viana

    Joo Caldas Viana era redator do Jornal do Commercio e advogado do escritrio de Rui Barbosa. Era tambm grande xadrezista, citado como tal em diferentes pases, em tratados e revistas sobre o jogo. Nabuco tinha-o em alta conta e convi-dou-o para secretrio da sua Misso Especial, funes que Caldas Viana aceitou, mas, por motivos de famlia, exerceu apenas por alguns meses, regressando logo ao Brasil.

    Londres, junho 20, 1899.

    Meu caro dr. Caldas Viana,

    Acredito tanto na sua vinda pelo Danube que lhe escrevo esta carta para Lisboa a fim de lhe ser entregue a bordo. Espero que a viagem lhe tenha corrido do melhor modo e que os sustos de sua Senhora se tenham j de todo dissipado. H de t-la im-pressionado o infortnio que tanto nos penalizou a todos do nosso amigo Graa Aranha perdendo a filhinha no mar (1), mas

    (1) Graa Aranha, tambm secretrio da Misso Especial che-fiada por Nabuco, viajou com este e as respectivas famlias para a Eu-ropa em maio de 1899. Sua filhinha Almira, de trs anos, que ao em-barcar, parecia gozar de perfeita sade, falecera a bordo de febre ama

    m r m - *1 * ***- Vl/ll_ ama

    rela contrada no Brasil.

  • CARTAS A AMIGOS 33

    ela deve ter pensado que tais contingncias so da prpria vida humana e no das resolues que tomamos num sentido ou noutro.

    O objeto desta carta comunicar-lhe que conviria mais de-sembarcar em Cherburgo do que em Southampton. Eu amanh ou depois volto para Paris, ou melhor vou para St. Germain--en-Laye, a meia hora de Paris, onde ficou Evelina enquanto eu vim a Londres, e em Paris deixei o dr. Graa Aranha. Meu endereo para suas comunicaes deve assim ser Pavillon Louis XIV, St. Germain-cn-Laye, France. Vir a Paris desembarcando em Southampton com a famlia seria muito dispendioso. Se por algum motivo de doena ou outro quiser ficar em Lisboa para vir por outro paquete (por terra seria uma grande despesa) de-more-se o tempo que lhe fr preciso.

    Fico espera de seu telegrama avisando chegada e contando ter em breve o prazer de abra-lo; peo-lhe que me recomende muito sua Senhora e que me creia sinceramente seu muito obrigado e dedicado

    JOAQUIM NABUCO.

    A Tobias Monteiro

    O jornalista e historiador Tobias Monteiro, ento redator do Jornal do Commercio, foi um dos intelectuais da gerao mais jovem, com quem Nabuco conviveu nos anos do seu retraimento poltico. Amigo igualmente do presidente Campos Sales, Tobias Monteiro foi encarregado por este de convidar e conseguir a aceitao de Nabuco para a misso sobre a questo de limites entre o Brasil e a Guiana Inglesa.

    St. Germain-en-Laye. Junho 29, 1899.

    Meu caro Tobias,

    Muito senti partir do Rio sem t-lo abraado, mas voc estava entregue s delcias de Petrpolis onde seria talvez indis-creto da minha parte ir surpreend-lo. O Caldas Viana deve

  • 3 4 JOAQUIM NABUCO

    ter-lhe dado os meus ltimos recados e lhe ter entregado o re-trato que lhe prometi.

    Desde que cheguei estou para lhe escrever, mas a vida de hotel e de viajante, que ainda estou levando por causa da incer-teza sobre o lugar em que mais convir instalar-nos at ficar resolvido em Londres o tratado de arbitramento, a causa da demora, em comunicar-me com voc e dar-lhe notcias minhas. O Corra ( i ) , como voc sabe, quem est tratando com lord Salisbury, eu no tenho ttulo algum para dirigir-me ao Foreign Office, nem conviria que tivesse, estando a questo afeta ao Corra, que tem a situao que voc conhece e procederia sem-pre de acordo comigo. O que me parece que o Foreign Office quer andar de acordo com o Colonial Office, o qual est neste momento todo ocupado com o Transvaal, e quanto Guiana Inglesa entende talvez que basta um arbitramento de cada vez, desta agora o de Venezuela. A Inglaterra est fazendo um gran-de esforo perante o Tribunal de Paris, e, como a questo his-trica e de direito internacional nos dois casos idntica e em parte a mesma, eu suponho que quer aproveitar contra ns a mesma legio de advogados, peritos, etc.

    O Hilrio quer que eu v tomar as guas de Pougues, feliz-mente a quatro horas de Paris. Achou-me sem nenhuma leso, sendo o meu estado de fraqueza nervosa puramente funcional. O mesmo pensa o meu mdico de Londres. Assim tenho espe-rana de estar em pouco tempo pronto para afrontar o que h mais temvel nesta vida diplomtica, os convites incessantes e as caceteaes de toda ordem.

    Tenho estado com o Rio Branco, estive em Londres muito com o Corra, e por toda parte encontro amigos seus. O Corra o , grande, e tanto o estima quanto o admira, sendo que essa admirao dele pelas suas qualidades de homem que apanha tudo num relance, v claro e certo, lhe poder talvez ainda ser til.

    O Rodolfo chegou mudado, de se o no poder ver sem emo-o. O Hilrio disse logo que no era o que presumiam, e sim uma obstruo por algum clculo do conduto biliar. Foi ope-rado anteontem com sucesso, diz-me o Hilrio. No fui v-lo

    (i) Artur de Sousa Corra, ministro do Brasil em Londrei.

  • CARTAS A AMIGOS 3 5

    depois da operao por no ser permitido; meu cunhado, porm, me informa de tudo.

    O meu 3 ' volume est a sair do prelo, vou mandar-lhe como lembrana a obra toda. Voc, porm, s a receber mais tarde, depois de encadernada e quando eu tenha portador seguro.

    D muitas lembranas afetuosas aos nossos camaradas do Jornal; de Pougues escreverei ao Rodrigues, no o fazendo hoje, porque tenho j dito a voc o que lhe diria a le e querer reser-var esse prazer para os dias que vou ali passar sem nenhuma distrao para o esprito seno a de corresponder-me com os amigos.

    Adeus, meu caro Tobias, um aperto de mo ao dr. Zacarias, (1) e para voc as mais afetuosas expresses de amizade do seu muito dedicado

    JOAQUIM NABUCO.

    A Jos Carlos Rodrigues

    Jos Carlos Rodrigues foi, desde o primeiro ano da Rep-blica, quando assumiu a direo do Jornal Commercio, cuja influncia sobre a opinio pblica no tinha ainda rival, at sua morte em ig, o homem de imprensa mais destacado do seu tempo, alm de grande propulsor do progresso brasileiro em outras atividades ligadas finana e erudio.

    Sua amizade com Nabuco vinha da mocidade. Haviam sobre-tudo convivido muito em Nova York quando Rodrigues dirigia ali um jornalzinho em lngua portuguesa, O Novo Mundo, e Nabuco era adido de legao.

    Pougues, 21 de julho de 1899. Meu caro Rodrigues,

    O Corra deu-me notcias suas e eu j lhe teria escrito se tivesse alguma coisa que lhe dizer mesmo a meu respeito. Desde que cheguei o Hilrio tomou conta de mim para pr-me em good working order, mandando-me para Pougues e para Gastein.

    (1) Zacarias do 'Rego Monteiro, magistrado, irmo do Tobias Monteiro.

  • 3 6 JOAQUIM NABUCO

    Em Londres pouco me demorei e no vi quase seno o Corra (apenas jantei com o Alfred Rothschild). Imagine que cheguei na semana de Ascot e que a enchente em Londres era tal que o Poole no me pde dar nenhuma roupa nos 15 dias que l estive, de modo que andei evitando convites. Daqui mesmo estou em correspondncia constante com o Rio Branco e o Corra, e, depois da nota que este acaba de receber de lord Salisbury, espero que > tratado de arbitramento ser concludo sem maiores em-baraos.

    Estou tanto mais ansioso pela concluso do tratado quanto da escolha do rbitro depender tambm a escolha do lugar onde eu v preparar a nossa Memria, porque no se faz o mesmo trabalho para um alemo (1) que para m sueco ou para o Papa, e vice-versa.

    O meu 3.*- volume est a sair do prelo e quando tenha sado enviar-lhe-ei um exemplar pelo correio, que voc assim receber, um ms talvez, antes de sair a o livro da Alfndega.

    Na Europa o elemento relacionado com o Brasil tem grande confiana no Presidente sem acreditar muito que as nossas finan-as se possam concertar verdadeiramente. A impresso parece ser esta: que um conforto estar testa do pas um Presidente que presta ateno ao crdito do Brasil no estrangeiro em vez de algum qui s'en moquerait.

    Muitas lembranas ao ilustre Gerente, e recomendaes a todos os seus de Petrpolis, de quem to grata recordao con-servo. Creia-me sempre, meu caro Rodrigues, sinceramente seu

    Obrai*-- Am9 Velho e Colega JOAQUIM NABUCO.

    A dona Maria Ana Soares Brando

    Dona Marocas Soares Brando foi a esposa e, depois, a viva inconsolvel do conselheiro Soares Brando. Do seu marido, Nabuco escrevera: Sua vida passou-se na torre de marfim do seu primeiro e nico ideal. le colocou sua ambio de moo

    (1) O rbitro mais provvel ento nas discusses no Foreign Office seria o Gro Duque de Baden.

  • CARTAS A AMIGOS 37 em um sonho, em um amor to alto que, realizado, foi para le o perptuo encantamento .

    Com sua bondade, sua simpatia e animao, seu gnio aco-Ihedor e expansivo, dona Marocas fizera de sua casa um centro, onde Nabuco, seu vizinho e parente, e amigo afetuosssimo do seu marido, era dos freqentadores mais assduos, seno visi-tante dirio.

    Pougues, 21 de julho de 1899.

    Minha cara dona Marocas,

    As notcias que me chegaram suas no foram o que eu podia desejar, mas, como no tive outras depois, suponho que seu incmodo desapareceu e que a atmosfera dessa excelente casa est outra vez sem nuvens. Imagino que a vida a sempre a mesma que era, que os dias se passam conforme o horrio que eu conheo, e confesso-lhe que tenho grande saudade e que imaginativamente passo a parte do meu tempo; vejo o Brando chegar da cidade; discuto com o Joo; observo a Sinhazinha sem ser Anatole France; lano um olhar para o grupo em que figura dona Sofia ao lado de dona Cota, lembrando-me uma to agra-dvel viagem do Clyde; ouo a Condessa Dagmar, escrita para a Lucinda, e por fim at janto, "o que hoje me permite o meu estado de sade que muito melhor, graas a Deus. Como v, fao parte sempre da sua roda pela lembrana e pelo desejo de voltar. Com a sade precisa para cumprir todos os deveres de amizade, no haveria para mim vida to doce e to agrad-vel como a da nossa terra, ainda que no deixe de ser um prazer sentir-me distncia de certas'ms vontades que me queriam roubar o ar e a suavidade dela.

    Vi o nosso amigo Alcoforado em Londres, mais magro, com o esprito, porm, mais assentado, satisfeito de viver assim, lendo os jornais, todos, de Londres, Paris e do Rio, acompanhando as questes, interessando-se por tudo e por todos, em uma pequena casinha, ao lado do grande movimento do West End, bastante confortvel, cheia de livros e quadros e mveis do Cipriano.

    Muitas felicidades lhe desejo no dia de hoje, minha cara dona Marocas, bem como, o que desnecessrio acrescentar, a

  • gg JOAQUIM NABUCO

    todos que a cercam, e que bem sabem a amizade que lhes tenho. U m abrao para cada um a comear pelo meu querido Brando.

    Do seu muito dedicado amigo

    JOAQUIM NABUCO.

    A Domingos Alves Ribeiro

    Pougues, julho 26, 1899.

    Meu caro Domingos,

    Estou ansioso por uma carta sua. Vi com grande prazer, apesar da ocasio, o seu nome na lista dos que acompanharam ao seu descanso final a graciosa e boa dona Cocota Prado. a prova de que voc est bom e forte. U m a boa notcia a respeito de sua sade seria o melhor presente que eu pudesse receber da.

    A minha vai melhorando sensivelmente e j espero ter foras para ir alm na tarefa que aceitei. Nada sei do que se est pas-sando por l seno o que vem nos jornais, suas cartas so o fio que me poderia dirigir no labirinto e por esse motivo ainda sinto a privao delas.

    Breve receber voc o meu 3 ' volume (1 ) . Mande-me contar tudo que lhe diga respeito, certo que nada do que lhe concerne me indiferente. Estou a recordar-me agora as primeiras impres-ses do nosso encontro no Recife, as cenas em Palcio com o Sancho, as Conferncias do Santa Isabel, o Freitas, que esse no teria perdido as eleies do Dantas, nem homens como le (voc por exemplo), o Tibrcio, e por ltimo a fria, o cime do M., que s voc depois veio a explicar-me e que figurar na minha galeria como a representao perfeita do mais perigoso de todos os amores, porque na idade em que as paixes as idias fixas, se tornam facilmente em loucura, o amor como a avareza e a desconfiana o amor senil. E eu inocente!

    (1) O terceiro e ltimo volume do Um Estadista do Imprio' apareceu nesse ano de 1900.

  • CARTAS A AMIGOS 39

    Estamos nas vsperas do final do drama, o ltimo ato a comear e confesso que agora me sinto tomado de interesse pela pea (1). De Paris, ou de onde estej, mandar-lhe-ei os jornais que tiverem o compte-rendu mais perfeito. Suponho que ser de grandes revelaes e surpresas esse processo de Rennes, que ser um acontecimento da maior gravidade para a Frana.

    Beije a mo sra. dona Carlota por mim e creia-me seu muito dedicado

    JOAQUIM NABUCO.

    A Hilrio de Gouva

    Bex, 3 de setembro, 1899.

    Meu caro Gouva,

    O dia de hoje faz-me pensar em voc de um modo muito particular apesar de no ser preciso uma recordao de data como essa para quem o est acompanhando agora dia por dia. Espero em Deus que esta viagem s lhe ser til e s lhe cau-sar boas impresses e nenhum arrependimento do sacrifcio que voc fz com sua separao de Iai e das moas. Ns vamos sem novidade neste desterro para onde voc nos mandou; o par-que do hotel o maior que tenho encontrado e o mais agradvel; quanto barateza, porm, uma histria. Pagamos aqui mais do que em Paris sem termos sala como l. Hei de ver o Rio Branco antes de deixar a Sua e espero que o Rodolfo que ainda est nas montanhas venha a Bex.

    Estou ansioso por notcias suas, no s de sua travessia (2), que o que neste momento mais me importa, como do seu aco-lhimento a, das suas impresses, dos resultados de sua viagem e de sua deliberao quanto ao futuro. Imagine que falta voc nos far durante a nossa estada na Europa voltando para a, mas se fr para o bem seu e da famlia resignar-nos-emos nossa prpria privao.

    (1) O processo Dreyfus. (2) Hilrio de Gouva fora ao Brasil em curta viagem.

  • 4 0 JOAQUIM NABUCO

    Quanta coisa vai voc ver, ouvir, observar nestes meses de viagem ao Brasil e com que interesse eu ouvi-lo-ei de volta! Pare-ce-me uma viagem decisiva, e foi por isso principalmente que desejei que voc a fizesse.

    Deixe-me recomendar-lhe a o nosso amigo Joo Alfredo a quem desejaria que voc procurasse para verificar o estado da vista dele. Tambm recomendo-lhe o Soares Brando, a respeito de cuja sade estimaria infinitamente que voc me tranqili-zasse ( i ) . Do Artur tambm e de Carlotinha d-me notcias mdicas.

    De minha me no lhe falo porque voc no me falar de outra coisa seno do estado dela, se ela se sente bem e confor-tvel.

    Logo que acabe o tratamento tratarei de voltar para Paris por algum tempo, para reunir o material, que ainda no est todo publicado, sobre a questo de Venezuela e ver se fao sobre o conjunto dos trabalhos de Tribunal um trabalho do nosso ponto de vista, estudando as relaes de argumentos e sentena com o nosso caso.

    Muitas saudades de todos ns, querido Gouva. Deus aben-oe essa sua ida nossa terra!

    Do irmo muito dedicado JOAQUIM NABUCO.

    A Caldas Viana

    Grand Hotel des Salines Bex (Suisse). Set. io, 1899.

    Meu caro dr. Caldas.

    Rogo-lhe a favor de mandar-me de modo que no se estra-guem no correio, o melhor faz-lo por intermdio da prpria livraria que os encardenou (sem perda, porm, de tempo), os

    (1) Soares Brando havia falecido a 1. de setembro. A notcia no chegara ainda a Nabuco.

  • CARTAS A AMIGOS 41

    quatro primeiros volumes das diferentes encadernaes para eu escrever as dedicatrias e remet-los, se ainda houver tempo, para que seja o portador.

    Queira tambm ser o portador para o Ministrio (1) da coleo dos debates sobre Venezuela e conseguir da legao que as remessas depois de sua partida sejam feitas para 33 Avenue Friedland, (prevenindo l para guardarem), exceto o do Rio Branco que poderia vir por intermdio da legao sem demora.

    Recebi hoje sua excelente carta, que mandarei por cpia. No h receio de que a publiquem. Diga-me se quer que o recomende especialmente ao dr. Campos Sales. Um redator de sua conciso, finura, substncia, e flexibilidade, deixe-me diz-lo, deve sempre ser aproveitado em negcios de Estado que exijam a mo ao mesmo tempo segura, pausada e leve do diplomata de nascena. No creio que o sr. seja atrado para a Chance-laria; quero-o ver, porm, mesmo na imprensa, tratando como de interesse nela as questes de interesse nacional.

    Ontem mandei-lhe um cheque no valor de 89.9.4 para despesas de suas passagens.

    Outro tambm de 40.1 o. 6 sendo 156 francos para o pa-gamento que teve a bondade de fazer das encadernaes do meu livro; 6.50 saldo da pequena conta que me remeteu de 14 francos; 3.8.0, sua parte num acrscimo de 13-12-2 que o governo nos concedeu na conta das passagens de vinda, e 30-12-6 (272$222) dos 14 dias de setembro.

    Queira mandar-me o recibo das quantias que lhe pago ofi-cialmente separadamente.

    Creia-me seu sempre muito dedicado

    JOAQUIM NABUCO.

    No lhe posso escrever hoje sem dizer-lhe a triste impresso sob a qual nos achamos (2). Meu prognstico para a Frana de guerra civil; infelizmente no vejo outra coisa no horizonte.

    (1) Caldas Viana, depois de poucos meses de secretrio da Misso Especial, pedira demisso por motivos de famlia e regressava ao Brasil.

    (2) Depois da condenao de Dreyfus por suposta traio Frana.

  • 42 JOAQUIM NABUCO

    A Soares Brando

    Bex (Suisse). Set. 14, 1899.

    Meu caro Brando (1) e cara dona Marocas,

    Consintam que apesar de ter recebido duas cartas to am-veis hoje porque eram dois a escrever-me, eu no dia de hoje no os separe, e os rena para mandar-lhes as minhas saudades e sentimento de no estar a para brind-los mesa da ceia, presente dona Germana, como fiz anos atrs.

    O Gouva a est e eu lhe escrevo que veja a voc, meu querido Brando, e me tranqilize a seu respeito. Estou certo que voc com algum descanso e indo a Lambari, sobretudo fazendo uso das duchas quentes veja como lhe estou recei-tando em lugar do Gouva! veria desaparecer todo esse estado nervoso que o aflige e a ns que tanto o estimamos. Fico espera da resposta do Gouva, que para mim o mdico por exce-lncia.

    Grande prazer nos causa saber que minha me sempre est com a senhora dona Marocas, e que lhes faz boa companhia. uma dupla boa notcia, porque se, por um lado, mostra que a amizade dela, na linguagem do Penedo, no dorme, por outro significa que ela vai bem de sade e est forte. A letra com que ela me escreve no podia ser melhor.

    Espero que lhe tenha chegado o meu 39 volume, meu caro Brando, e que voc me d a honra de o ler, como leu o in. Saiu maior do que outros, mas a encadernao de algum modo disfara a diferena. O que falta obra um ndice geral ana-ltico.

    Nossa sade boa. A minha refez-se grandemente com as guas de Pougues e as duchas, que tenho continuado aqui. Vie-mos a este lugarzinho da Sua por causa dos banhos salinos receitados ao Joaquim. um lugar delicioso como no imagi-nava. O hotel muito bom, mas o parque em que le est

    (1) Quando Nabuco dirigiu esta carta aos caros vizinhos da rua Marqus de Olinda, o correio do Brasil no havia ainda tido tempo de lhe trazer a triste notcia do falecimento do velho amigo.

  • CARTAS A AMIGOS 43

    simplesmente nico pela extenso e pela beleza. Ao longe temos montanhas nevadas; se no fosse isso, era uma reproduo arran-jada de Petrpolis, de alguns dos vales de Petrpolis. O Rodolfo, que veio por horas, ficou encantado e aqui est h dias e fica ainda mais tempo. Veja voc, eu que nem conhecia Bex (pro-nuncie B) sou agora um tributrio deste terrozinho suo.

    Daqui vou a Berne para estar com o Rio Branco, depois a Baden-Baden, que ser talvez, se no fr mesmo a capital do ducado, minha residncia futura ( i ) em seguida a Frankfort, para ver se a Alemanha me seduz, e por Bruxelas outra vez a Paris. Questo tudo isso de um ms.

    Neste momento no se fala em outra coisa na Europa seno na sentena Dreyfus. A inocncia deste no pode mais ser posta em dvida; as declaraes oficiais da Alemanha e da Itlia satis-fazem a conscincia humana, mas infelizmente no valem nada para a conspirao militar, que jurou no abandonar a sua vti-ma. Nunca, em toda a histria, uma causa impressionou a hu-manidade toda seno essa. Em toda parte um verdadeiro delrio contra a Frana, que responde, coitada, pela loucura anti-semita!

    No sei em que jornal vi uma notcia sobre a Condessa Dagmar (2) e . . . a Duse. Provavelmente foi em uma folha platina. O Roca (3) devia ter ficado impressionado com a leitura.

    Muitas saudades nossas. Evelina, no preciso dizer-lhe, a maior amiga que esse casal tem. No h dia no qual no pen-semos muito no que se estar passando no n.9 10. Temos o quadro sempre diante dos olhos dessa boa vizinhana de tantos anos. Ela e eu lhes mandamos mil saudades e todos os nossos votos, e no esquecemos de pedir a Deus que lhes d uma grande pro-

    (1) J estava assentado que o rbitro do litgio em que Nabuco defenderia os interesses do Brasil contra a Inglaterra seria o gro duque de Baden. Do Brasil, porm, chegaram instrues para que, de acordo, naturalmente, com a Inglaterra, se mudasse a indicao inicial, convi-dando para rbitro o rei da Itlia, Vitor Emanuel I I I . Constou no Rio que a mudana no teve melhor justificao do que o pedido insistente de um jornalista talo-brasileiro bem apadrinhado.

    (2) Romance de Pedro de Barros, amigo dos Soares Brando e de Nabuco, irmo de Adolfo de Barros.

    (3) Jlio Roca, presidente da Argentina.

  • 4 4 JOAQUIM NABUCO

    va de amor e carinho igual a que lhe deu com o casamento do Francisco.. . Realmente dona Sofia a ltima palavra do in-teresse da Providncia por voc e dona Marocas. Onde andam eles? Por So Paulo, por Petrpolis, ou na bonita casinha da rua dos Voluntrios?

    Se eu pudesse conversava com voc todos os dias por escrito. Prometo, porm, faz-lo mais a mido do que tenho feito. A culpa desta vida errante que tenho levado por hotis e da cura a que me estou submetendo. No devo fazer o que fazia, e voc sabe quanto o trabalho que tenho em mos sempre me absorve. Acabado este ms de villegiatura e com um pouco de sade armazenada vou meter-me em mapas e tratados, e viagens pela Guiana, como me meti no arquivo de meu pai. O que me alivia muito que o trabalho de excavao que tinha que fazer j est em grande parte feito pela Inglaterra e pela Venezuela que imprimiram tudo o que havia nos arquivos holandeses e espanhis sobre as exploraes e estabelecimentos holandeses no interior da Guiana, o ~que a base da nossa questo tambm com a Inglaterra. Meu trabalho por ora estudar e digerir essa massa de informaes que as duas partes publicaram e os de-bates perante o Tribunal Anglo-Americano de Paris.

    Uma vez regularizada a minha vida voc ter o seu dia no meu Memorando e de vez em quando receber notcias nossas.

    Muitas recomendaes a Maria, dona Sofia, Francisco (ao Joo escrevi agradecendo sua boa memria) e aos ntimos. Ningum me fala na nossa Duse. . . do Senado. Espero, porm, que Caxambu, ou foi Lambari?, lhes tenha aproveitado a todos, e recomende-me ao Senador. Saudades tambm ao chefe da ilustre famlia pernambucana, o nosso Xavier.

    Se no parar aqui, perco a festa de hoje . . . Lembro-me muito bem a ltima vez que tomei parte nela. Deus a faa este ano to alegre e feliz como sempre.

    Um apertado abrao a ambos do

    primo e amigo muito dedicado

    JOAQUIM NABUCO.

  • CARTAS A AMIGOS

    A Domingos Alves Ribeiro

    45

    Genebra, 23 de set. 1899.

    Meu querido Domingos,

    Estou, estamos, sob a profunda impresso da perda do Soares Brando com o qual ultimamente me tinha to estreitamente ligado na nossa convivncia da rua de Olinda. um luto grande para mim. Nossa dor e saudade vm logo depois das da famlia. Esta deve ter conhecido o ltimo dos transes da vida.

    Suas cartas vm cada dia mais tristes. No sei se no por-que voc me escreve s em momentos de melancolia. O prin-cipal efeito da religio dissipar a tristeza, e se a sua aumenta sempre que voc no est vivendo a sua f.

    O Rodolfo est agora conosco, e o Graa Aranha. Amanh ou depois partimos para Berne onde nos encontraremos com o Rio Branco e com le passaremos o 28 de setembro. O Eduardo nesses dias dever sentir arderem-lhe as orelhas, porque, quando o Paranhos, o Rodolfo e eu nos reunimos, chamamo-lo logo a fala, a completar a partida de whist, e um de ns joga as car-tas dele.

    Mando-lhe hoje a bela carta de Zola a Mme. A. Dreyfus. Com a anterior e a primeira so o quq le escreveu de melhor e o que mais viver dele.

    Espero pelo Hilrio notcias do Joo Alfredo. certo que no tenho escrito a este nosso amigo como a voc, mas somente porque a intimidade de alguma forma se quebrou entre ns dois no da minha parte, o sentimento. Com voc meu corao se expande. Com le eu teria que ser mais formal e calculado. Voil tout.

    Muitas saudades, meu caro Amigo, muitas. A vida tem dessas surpresas, como a que me atirou para to longe e por tanto tempo. No h nela, porm, nenhum acaso, tudo decretado e tudo se prende. Meu sonho seria viver a entre os amigos ver-dadeiros que tenho, mas minha sade exigia uma transplantao prolongada para eu poder gozar desse inefvel contentamento que viver entre os que nos so caros. Quando eu me tiver reconstitudo espero da bondade divina que me faa voltar para

  • 4 6 JOAQUIM NABUCO

    onde est o meu corao. Com um pouco de filosofia e de calma a poltica no tem para ns nada que possa alterar o prazer de viver em nossa terra. Voc precisaria muito ter-me a, o que vejo, para p-lo de novo em equilbrio, no seu antigo estado.

    Creia-me sempre to ansioso por notcias suas, boas, quanto voc se mostra pelas minhas. Um apertado abrao do

    Amigo sincero JOAQUIM NABUCO.

    Suponho que o meu 39 volume est em quarentena. Lem-bre-se de que eu deixei ordem no Rio Casa Garnier para lho mandarem logo.

    A dona Maria Ana Soares Brando

    Paris, novembro, 14, 1899.

    Minha cara dona Marocas,

    Eu sempre calculei que seria assim mesmo, que a separao, primeira e ltima, dos dois vizinhos (1) que nunca se deixavam, seria um golpe insustentvel para o que ficasse, e por isso no me surpreendeu as notcias que recebo a respeito do seu estado inconsolvel, mas preciso que a senhora tenha coragem e resig-nao . . . Resignar-se , acabo de ler em um dos livros que eu mesmo tomo para me retemperar de tantos desgostos, como tm sido para mim as perdas consecutivas de tantos amigos que eram parte de mim mesmo, resignar-se ( um belo pensa-mento de uma mulher superior, Mme. Swetchine), colocar Deus de permeio entre ns e a nossa dor. Ponha o crucifixo, que me dizem estar sempre em suas mos, entre seu corao ferido e a saudade que o dilacera e pouco a pouco, sem que a saudade diminua, ver que a ferida ir cicatrizando e a senhora readquirindo foras para carregar a sua cruz em conformidade com a vontade de Deus e para aceitar as consolaes que le lhe queira dispensar. . . Assim mais completo o quadro de sua

    (1) Vizinhos de Nabuco na rua Marqus de Olinda.

  • CARTAS A A MICOS 47

    vida: viver como o Brando desejaria que a senhora vivesse depois da partida dele, como nas suas oraes ntimas le deve ter pedido a Deus em recompensa da vida que lhe tocou, toda de trabalho, amor e desprendimento pessoal. No lhe peo que o perca um s instante de vista, que o esquea em nenhum dos seus pensamentos, mas somente que se conforme sorte que Deus lhe destinou, e que por amor dele se submeta em esprito e humildade provao que lhe foi mandada. Assim a sua lembrana viver sempre nele e com le, sem que a senho-ra se recuse s obrigaes e deveres inerentes ao seu estado e herana que le lhe deixou, que so seus filhos e agora essa nova alegria, essa flor de esperana que parece ter brotado sobre o seu tmulo, sua netinha, segundo me dizem, que deve ser, que tem que ser, um novo prazo de vida, um novo motivo de gra-tido para a senhora...

    Ah! se eu tambm lhe fosse dizer o que perdi nele, e como sem le o Rio de Janeiro me parece mudado, os anos que passei na rua de Olinda perdidos, porque no posso lembrar-me deles sem o ver a cada instante e to vivamente que o imagino vivo. . . A Fabiana diz-me que le no parecia morto, tal era a sereni-dade do seu rosto. que a infinita benevolncia daquele carter no podia deixar de ser o ltimo, o definitivo trao que se lhe visse estampado no semblante.

    Ningum fora da famlia o amava mais verdadeiramente do que eu, nem viveu tanto com le dentro de si mesmo, porque eu tinha em mim, comigo, grande parte dele, que a cada ins-tante me volta ao pensamento, voz, quase que vista, como se fizesse parte de mim mesmo... No me consolo quando penso que voltando no o verei mais, e, como a senhora, quisera ter o amargo prazer de ir conversar com le no seu tmulo.

    Compreendo que as relquias que le deixou, tudo que o lembra, em que h um contacto, um uso seu, como as roupas, os livros, os mveis, os aposentos, a cadeira em que se sentava, o caminho que fazia, tenha para a senhora, como me dizem, o poder, o condo de arrancar um mar de lgrimas. . . Mas com tudo isso, por amor de tudo isso mesmo, preciso a resignao e viver para a felicidade dos que devem represent-lo, aos seus olhos de me, melhor do que os objetos inanimados que o tocaram.. .

  • 4 8 JOAQUIM NABUCO

    Pelo Rodolfo Dantas mandei uma cruz para o tmulo, espero que no tenha chegado partida. A impresso dos cartes tem sido demorada por causa do retrato, o pequeno que me mandou no servia, dei o grande que eu tinha e saiu magnfico: j cor-rigi as provas dos pensamentos e por estes dias terei os exem-plares que mandei tirar. Remeterei alguns pelo correio, os outros seguiro pelo Eugnio. No uma encomenda sua, como recebi por Sinhazinha, uma idia que nos ocorreu logo e que Evelina lhe oferece, porque ningum a acompanha mais de corao do que ela, que admira o Brando mais do que nunca.

    Quanto s palavras para o epitfio desde o primeiro recado do Joo tenho pensado nelas, mas no sei verdadeiramente o que dizer, porque no sei o que no dizer. Sobre le posso escre-ver, pginas; palavras, porm, somente? no sei o que preferir. Tambm no sei que monumento vo levantar e que espao h para a inscrio.. . Brevemente lhe remeterei umas idias. O tmulo ideal do Brando deveria, segundo penso, ser cons-trudo somente depois que a senhora se fr reunir a le. Deus afaste esse dia quanto possvel, porque. . . por muitas razes. Para a memria dele, para o culto dele, melhor que a senhora, cuja saudade no morre, viva ainda longos anos. . . Depois quando o dia inevitvel chegasse, o tmulo ideal seria um desses sarcfagos romanos sobre os quais se vem reclinados, sentados como no triclnio, o marido e a mulher que se amaram eterna-mente . . . Para mim no h assunto para a escultura como esse que lhe daria o seu amor comum, o seu e o dele recproco. Para esse monumento, sim, eu quisera compor de antemo o epitfio e como sinto no ter um cinzel a minha disposio para esboar tambm o desenho. Separado o Brando da senhora, que dizer dele que no lhe parecesse incompleto? Na morte sobretudo que eu no os quisera separar. Assim como tive a idia do mo-numento definitivo que lhes cabe, inutilizei-me imaginativamente para idear um epitfio parcial e efmero, como seria o dele s.

    Adeus, minha cara dona Marocas. Aceite muitas recomen-daes de Evelina para a senhora, Maria, Joo, Francisco e dona Sofia e creia-me seu muito dedicado e afetuosamente

    Amigo sincero

    JOAQUIM NABUCO.

  • CARTAS A AMIGOS 4 9

    A Domingos Alves Ribeiro

    Paris, 6 de dezembro de 1899.

    Meu caro Domingos,

    Voc compreende que desejo escrever-lhe constantemente para trazer esse esprito especado pela amizade e a prumo. Se o no fao mais vezes porque os pequenos deveres me tomam todo o tempo que me deixam os trabalhos da difcil empresa em que me meti.

    Mando-lhe hoje uma lembrana que fiz tirar para consolo de dona Marocas do nosso bom amigo Soares Brando. No o esqueo um momento, vivo com os mortos e os ausentes em torno de mim em uma doce penumbra em que vivos e mortos se confundem.

    Hoje fui missa do Imperador, onde bem poucos havia, e quase todos de cabelos brancos. O culto dele h de ser cada vez mais a religio dos velhos, de gente do passado, como ns. As novas geraes no cogitam da soluo antiga, que se figura a mais adequada aos que tm as nossas reminiscncias. um curioso problema o futuro da tradio dinstica brasileira; como falaro dela os brasileiros do sculo que comea, como ser ela utilizada, incorporada vida nacional, sob que forma ficar (viva) como a tradio dos Bourbons (Chambord) da Frana ou (morta) como a dos Bourbons de Npoles (Francisco II) ? Hlas! Os problemas que nos interessam interessaro a bem poucos dos que vierem depois de ns.