Aguas Da Mata Atlantica

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Recursos Hídricos

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  • AGUAS DA MATA ATLNTICA PROGRAMA AGUAS E FLORESTAS DA

    MATA ATLNTICA

    Organizaco: Clayton Ferreira LINO e Heloisa DIAS

    C O N S E L H O NACIONAL DA RESERVA BIOSFERA DA MATA ATLNTICA Marco de 2005, Sao Paulo, Brasil

    ABSTRACT

    O documento "Aguas da Mata Atlntica" composto por tres captulos centrais: Principios e Diretrizes para urna poltica integrada de gesto de Aguas e Florestas na Mata Atlntica; Base Conceitual, que subsidia tcnica e cientificamente a proposta contida no captulo anterior e Instrumentos Legis e Polticas Setoriais que apontam os principis marcos legis para as aes preconizadas.

    Embora voltado para a Mata Atlntica, o presente documento sinaliza de forma estratgica para a gesto integrada do binomio gua-florestas e m todo o Brasil e busca contribuir para que as questes ambientis passem a fazer parte e a constiturem prioridade na agenda dos Governos, dos Parlamentos, dos Colegiados Gestores e de toda a sociedade .

    Construido coletivamente, este documento tem o ambicioso propsito de inspirar a sociedade brasileira a participar de u m grande programa para conservaao e recuperao das aguas e florestas da Mata Atlntica. Para tanto, entendem as instituies envolvidas que necessrio antes de mais nada promover a integrao das polticas de Recursos Hdricos e Florestais e m nosso pas. Este o objetivo maior do "Programa Aguas e Florestas na Mata Atlntica" realizado pelo Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlntica e m parceria c o m o W W F -Brasil ,a Fundao S O S Mata Atlntica, o Ministerio do Meio Ambiente, c o m os colegiados gestores de Bacias Hidrogrficas e da Reserva da Biosfera da Mata Atlntica e c o m dezenas de instituies regionais.

    W O R K I N G PAPER Ng 34, 2005, UNESCO (South-South Cooperation Programme), PARIS (France)

  • The authors acknowledge the suggestions from Dr. Claudia Santiago Karez (adjunt Specialist of Ecological Sciences Programme ( U N E S C O / R O S T L A C ) after the critical reading of this document.

    LINO and DIAS: Aguas da Mata Atlntica:Programa Aguas e Florestas da Mata Atlntica

  • NDICE

    Apresentaco 05

    1. Introduco A Mata Atlntica: Por urna Gesto Integrada de Aguas e Florestas 07

    2. Principios e Diretrizes 11 2.1 Principios Bsicos 11 2.2 Diretrizes Grais 12

    3. Base Conceitual 14 3.1 O que sao Recursos Hdricos e Florestais 14 3.2 A relao entre a Floresta e a Agua 15 3.3 O Bioma Mata Atlntica 18 3.4 Badas Hidrogrficas 19 3.5 Funes Hidrolgicas da Floresta 21 3.6 Gerao de Servios Ambientais 22 3.7 Gesto Participativa e Desenvolv ment Sustentvel na Bacia Hidrogrfica. 23 3.8 Conservao e Recuperaco das Florestas 24 3.9 Educao Ambiental e Mobilizao 27

    4. Instrumentos Legis e Polticas Setoriais 29 4.1 Polticas Nacionais de Meio Ambiente e Educao Ambiental 30 4.2 Instrumentos da Poltica de Recursos Hdricos 31 4.3 Instrumentos da Poltica Florestal 33

    5. Consideraes Finis 35

    6. Referencias Bibliogrficas 36

    7. Anexo 1 : Lista de Parceiros e Instituices Colaboradoras 39

    W O R K I N G PAPER NQ 34, 2005, UNESCO (South-South Cooperation Programme), PARIS (France)

  • Presentation

    INDEX

    44

    1. Introcuction Mata Atlntica: Towards Integrated Forest and Water Resources Manage-ment 47

    2. Principles and Guidelines 51 2.1 Basic Principles 51 2.2 General Guidelines 52

    3. Conceptual Framework 54 3.1 What are Forest and Water Resources? 54 3.2 The relationship between Forests and Water 55 3.3 The Mata Atlntica Biome 58 3.4 River Basins 59 3.5 Hydrological Functions of the Forest 60 3.6 Provision of Environmental Services 62 3.7 Participative Management and Sustainable Development in River Basins 63 3.8 Forest Conservation and Restoration 64 3.9 Environmental Education and Mobilisation 67

    4. Sectorial Policies and Legal Instruments 69 4.1 National Policies in the Environmental Area and that of Environmental

    Education 70 4.2 Political Instruments concerning Water Resources 71 4.3 Instruments of Forest Policy 73

    5. Final Considerations 75

    6. Bibliographical References 36

    7. Appendix 1 : List of Collaborating Institutions 39

    LINO and DIAS: Aguas da Mata AtlnticarPrograma Aguas e Florestas da Mata Atlntica

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    Apresentao

    Floresta da Tijuca, dezembro de 1861. A outrora exuberante mata virgem que recobria as blas montanhas da cidade do Rio de Janeiro estavam e m grande parte dizimadas. Desmatamentos e queimadas, antes para a cana-de-aucar e depois para o cultivo do caf, haviam substituido grandes reas de floresta por fazendas j pouco produtivas. A medida que sumiam as matas, secavam os crregos e escasseava a agua.

    O Governo imperial de D o m Pedro II iniciou ento o primeiro grande programa de recuperao de urna rea degradada na Mata Atlntica. C o m a misso de recompor as florestas e aguas dos mananciais da cidade, nomeou o Major Manuel G o m e s Archer c o m o administrador da Floresta da Tijuca. C o m ele, urna equipe de 6 escravos e alguns assalariados iniciou o trabalho de planto de "arvoredos do pas", que durou mais de urna dcada.

    " Durante anos e anos (Archer) replantou grande parte da floresta, encheu dentro da terra, a cisterna quase esgotada do lenol fretico e pos a correr de novo flor do solo, e morro abaixo, o Carioca, o Banana Podre, o dos Macacos, dos Canoas, todos os ros e arroios que nos do vida". (Antonio Callado, 1992)

    N o final do m e s m o sculo X I X , o trabalho de Archer inspirou a desapropriao das fazendas de caf e a recuperao da Serra da Cantareira, que c o m suas matas ainda hoje assegura a qualidade de nascentes que abastecem mais de 40% dos moradores da mtropole paulistana.

    Tijuca e Cantareira, os dois maiores maricos florestais urbanos do planeta, alm de agua, contribuem para o equilibrio climtico das cidades ao controlar a temperatura e umidade e ao seqestrar carbono, oferecendo paisagem, lazer e ecoturismo, conservando importantes especies da rica biodiversidade da Mata Atlntica e servindo de inspirao para grandes empreitadas na busca de u m desenvolvimento sustentvel.

    O presente documento, construido coletivamente, tem o m e s m o e ambicioso propsito de inspirar a sociedade brasileira a participar de u m grande programa para conservao e recuperao das aguas e florestas da Mata Atlntica. Para tanto, entendem as instituies envolvidas que necessrio antes de mais nada promover a integrao das polticas de Recursos Hdricos e Florestais e m nosso pas. Este o objetivo maior do "Programa Aguas e Florestas na Mata Atlntica" realizado pelo Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlntica e m parceria c o m a Fundao S O S Mata Atlntica, o W W F - Brasil, o Ministerio do Meio Ambiente, c o m os colegiados gestores de Bacias Hidrogrficas e da Reserva da Biosfera da Mata Atlntica e, c o m dezenas de instituies regionais.

    A escassez da agua constitui-se hoje n u m dos maiores e mais importantes desafios deste sculo. N o entanto esta questo no deve ser tratada de forma dissociada da questo ecolgica como u m todo. A s aes de conservao dos recursos florestais, de preservao ambiental, sao medidas de carter preservacionista tambm para agua e suas reservas.

    O Programa Aguas e Florestas na Mata Atlntica se fundamenta e m base conceitual resultante da anlise do processo de apropriao predatoria dos recursos naturais do Bioma pela sociedade brasileira; aponta principios e diretrizes para urna poltica integrada de gesto de aguas e florestas

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    c o m o fundamental para reverter o passivo ambiental que v e m se acumulando na regio desde o sculo X V I , e relaciona os principis instrumentos legis e poltico-institucionais para a consecuao desses objetivos.

    E m face grande extenso do Bioma Mata Atlntica e diversidade dos aspectos fsicos, ambientis e scio-culturais que caracterizam seu territorio, natural que se busque implantar estrategias diferenciadas para a gesto integrada de seus recursos naturais, adaptadas as peculiaridades das diversas sub-regies, sem que se perca urna viso integradora e que se traduza na sustentabilidade do Bioma. Assim, a bacia hidrogrfica surge c o m o urna alternativa importante para que se desenvolvam esses esforos de gesto.

    E m urna primeira fase do Programa, foram realizados workshops regionais e m bacias hidrogrficas do Nordeste (Rio Pirapama/PE), do Sudeste (Rio Ribeira/SP) e Sul (Rio Tramanda/RS). A partir destes subsidios e do trabalho de consultores contratados, foi elaborado u m novo documento discutido e m u m Workshop Nacional sobre Aguas e Florestas na Mata Atlntica realizado e m Sao Paulo e m julho de 2002, do quai participaram mais de 50 representantes de rgaos governamentais, O N G s , instituioes de pesquisa e rgaos colegiados, particularmente de Comits Gestores de Bacias Hidrogrficas e Comits Estaduais da Reserva da Biosfera da Mata Atlntica.

    C o m o resultado deste processo de discusso, foi elaborado o documento "Aguas e Florestas da Mata Atlntica: Por Urna Gesto Integrada ", publicado pelo C N - R B M A e Fundao S O S Mata Atlntica, e m 2003. Posteriormente, c o m a colaborao do W W F - Brasil e da Associao Mico-Leo-Dourado, e m 2004, foi publicado o Caderno 27 da R B M A - Srie Polticas Pblicas. O referido caderno agrega a rica experiencia desenvolvida n u m a segunda fase do Programa na Bacia Hidrogrfica do Rio Paraba do Sul, que abrnge os Estados do Rio de Janeiro, Minas Grais e Sao Paulo. O Programa Aguas e Florestas v e m sendo expandido, c o m sucesso, nesta e e m outras importantes e estratgicas bacias hidrogrficas do bioma Mata Atlntica, a exemplo da Bacia do Rio Doce, nos Estados de Minas e Espirito Santo.

    Este Documento de Trabalho: Aguas da Mata Atlntica parte das publicaces cima mencionadas e, composto por tres captulos centrais: Principios e Diretrizes para urna poltica integrada de gesto de Aguas e Florestas na Mata Atlntica; Base Conceitual, que subsidia tcnica e cientficamente a proposta contida no captulo anterior e Instrumentos Legais e Polticos Setoriais que apontam os principis marcos legis para as aoes preconizadas.

    Embora voltado para a Mata Atlntica, o presente documento sinaliza de forma estratgica para a gesto integrada do binomio gua-florestas e m todo o Brasil e busca contribuir para que as questes ambientis passem a fazer parte e a constiturem prioridade na agenda dos Governos, dos Parlamentos, dos Colegiados Gestores e de toda a sociedade. A s consolidaes e propostas aqu apresentadas nao desconhecem a necessidade de se ter urna poltica integrada dos recursos naturais para todos os biomas brasileiros, tarefa que a nosso ver prioritaria e deve ser coordenada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente - C O N A M A , organismo superior do Sistema Nacional de Meio Ambiente.

    Clayton Ferreira Lino e Heloisa Dias Organizadores

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    1. Introduo

    A Mata Atlntica: Por urna Gesto Integrada de Aguas e Florestas

    Embora menos conhecida internacionalmente que a Amazonia, e formando c o m ela as duas maiores e mais importantes florestas trapicis do continente Sul-Americano, a Mata Atlntica a floresta-me da Nao Brasileira. Nos dominios desse bioma comeou a Historia do pas e nessa rea vivem hoje cerca de 120 milhes de habitantes, e m milhares de cidades, concentrando grande parte dos maiores polos industriis, qumicos, petroleiros, portuarios e tursticos do Brasil.

    Depois de 500 anos de utilizao continua restam menos de 4 % de sua rea original de matas primitivas e outros 4 % de florestas secundarias. Apesar de toda essa devastao a Mata Atlntica ainda abriga u m dos mais importantes conjuntos de plantas e animais de todo o planeta.

    Levantamentos realizados entre 1985 e 2000 mostram, que embora n u m ritmo menor que dcadas atrs, mas ao m e s m o tempo c o m maior gravidade devido ao estgio avanado de degradao do Bioma c o m o u m todo, a Mata Atlntica brasileira continua sendo destruida.

    O Diretor-Executivo do Convenio sobre a Biodiversidade Ecolgica, Hamdallah Zedan, exemplificou, durante a Conferencia de Biodiversidade, Ciencia e Governabilidade, organiza-da pela U N E S C O erri Paris, e m fevereiro de 2005, que "45% das florestas originis e 10% dos coris desapareceram e os remanescentes esto gravemente ameaados. Calcula-se que cerca de 16 mil especies animais esto atualmente ameaadas de extino: u m e m cada quatro m a m -feros do planeta, u m e m cada oito pssaros e u m e m cada trs anfibios". Alertou tambm que: " O s primeiros relatrios sobre o fenmeno Tsunami indicam que as reas degradadas foram as mais atingidas pelas ondas. A s reas que mantiveram seus ecossistemas e m boa sade, c o m o os mangues, resistiram melhor do que as que tinham suas florestas degradadas".

    A s florestas trapicis, por suas condies de umidade e calor, so os ecossistemas terrestres que dispem da maior diversidade de seres vivos. Entre elas a Mata Atlntica, segundo estudos levados a efeito as ltimas dcadas, a floresta que apresenta a maior quantidade de diferentes especies arbreas. Levantamentos realizados pela Comisso Executiva do Plano de Lavoura Cacaueira - C E P L A C e o Jardim Botnico de Nova York, localizaram mais de 450 diferentes especies de rvores e m apenas u m hectare de floresta no sul da Baha, corredor central da Mata Atlntica. N u m a comparao simplificada existem mais plantas e animais diferentes e m u m hectare de Mata Atlntica do que e m toda a Alemanha" ( L I N O , C . E , 2003).

    A Mata Atlntica ocorre e m 7 das 9 maiores bacas hidrogrficas brasileiras. Suas florestas sao fundamentis para a manuteno dos processos hidrolgicos assegurando a quantidade e qualidade da agua potvel para mais de 120 milhes de brasileiras e m cerca de 3400 municipios, e para os mais diversos setores da economa nacional c o m o a agricultura, a pesca, a industria, o turismo e a gerao de energa.

    O s rios e lagos da Mata Atlntica abrigam tambm ricos ecossistemas aquticos, grande parte deles ameaados pela poluio, assoreamento, desmatamentos, barragens e pocos feitos sem os devidos cuidados ambientis.

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    A proteao, tanto das florestas como das aguas na Mata Atlntica deve ser realizada c o m urgencia e atravs de polticas e mecanismos de gesto integrada. Essa urna das prioridades da Reserva da Biosfera da Mata Atlntica atravs de seu Programa "Aguas e Florestas".

    C o m o e m diversas outras partes do planeta cada vez mais grave a situao de escassez, destes recursos naturais, especialmente na regies metropolitanas.

    N o Brasil temos mais de 13% da agua doce disponvel no planeta. M a s estes recursos esto distribuidos de forma bastante desigual. Cerca de 80% esto na regio amaznica. O s outros 20% restantes se distribuem pelas demais regies do pas, onde se encontram mais de 90% da populaco. A s regies Sul e Sudeste no Brasil possuem densidade demogrfica 20 vezes maior que a Amazonia, na regio norte e volume de agua 10 vezes maior. (DIAS, H . , 2004).

    E m seu artigo Por urna Geopoltica da Agua: conhea o Mapa dos Conflitos, o Professor Francisco Teixeira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ressalta que "o consumo da agua multiplicou-se por seis no sculo 20, duas vezes a taxa do crescimento demogrfico do planeta. Baseando-se e m tais dados, calcula-se que e m 2025 cerca de 3,5 bilhes de pessoas estarao sofrendo c o m a escassez de agua. Neste quadro a agua tornou-se urna questo de segurana e defesa do Estados-Naoes, devendo constar do planejamento estratgico de todos os pases, e m especial daqueles considerados como fontes hdricas", como o caso do Brasil.

    Pesquisa encomendada pelo WWF-Brasil ao I B O P E revelou que a populaco tem urna percepco equivocada sobre quem o grande "vilo" do consumo e da poluio de agua no pas. Nada menos que 41 % apontaram a industria, quando, na realidade, a agricultura consom cerca de 70% dos recursos hdricos utilizados no Brasil.

    O Deputado Federal Antonio Carlos Thame e m seu artigo Agua: Direito Humano Inalienvel, publicado e m marco de 2005, ressalta que "nao somente a agua necessria para produzir alimentos que est no limite da exausto. Falta agua para beber". " O Projeto do Milenio, plano de aao para combater a pobreza, a fome e doenas opressivas que afetam milhes de pessoas, lanado e m 2002 pelas Naes Unidas, divulgou e m Janeiro passado seu ltimo relatrio, e m que acusa a existencia de mais de 1 bilho de pessoas no mundo sem acesso agua potvel e 2,6 bilhes (mais de 40% da populaco mundial) sem coleta ou tratamento de esgoto, ou seja, sem saneamento bsico. E justamente esta ausencia de saneamento responsvel no somente por mais de 80% da mortalidade infantil, como tambm pela ocupao de mais de 50% dos leitos dos hospitais brasileiros por pessoas acometidas de doenas de veiculaao hdrica, ou seja, de

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    enfermidades transmitidas pela agua. Narealidade, este imenso desastre, ao m e s m o tempo ambiental e de sade pblica, fruto nao somente do crescimento e adensamento populacional, mas tambm do despejo indiscriminado de esgotos domsticos e industriis, dos lixes, do entulho jogado as margens dos cursos d'gua, da ocupao e impermeabilizaao das margens dos rios, do desmatamento irresponsvel, deixando as aguas inservveis para consumo humano. O item 42 do documento "Agua, fonte de vida", da Campanha da Fraternidade - 2004, destaca: "Se existe urna escassez progressiva, ela fruto da depredaco causada pela m o humana. O problema da agua mais urna questo de gerenciamento que de escassez"

    A anlise do Sistema Nacional do Meio Ambiente e dos rgaos gestores de recursos hdricos e florestais que o integram permite identificar alguns aspectos fundamentis para a formulao e a implementao de urna poltica integrada de gesto de aguas e florestas na Mata Atlntica.

    A s agencias ambientis encarregadas da proteo de florestas, ou seja os rgaos aos quais cabem a implantaao das Unidades de Conservao, a coordenaao da poltica florestal e a aphcao da legislao especfica, pautam-se muitas vezes por linhas de atuao marcadas essencialmente pelo preservacionismo, pela pequea integrao c o m as demais intervenoes de poltica ambiental e agrcola, pela dificuldade de lidarem c o m a dinmica de confutes vinculada ao processo de desenvolvimento e de estabelecerem urna interlocuco c o m os setores produtivos. Outros, quando desenvolvem programas de fomento florestal, privilegian! a monocultura de especies exticas de rpido crescimento, tratando de forma acessria a recuperao e o manejo sustentvel de matas naturais. Projetos florestais de maior porte raras vezes tem entre suas prioridades, o objetivo de assegurar a conservao de recursos hdricos e a biodiversidade aqutica e terrestre.

    A o m e s m o tempo, a poltica de recursos hdricos, cujo eixo organizacional a constituio de Comits de B acias embora venha evoluindo no sentido de urna integrao ao sistema ambiental e ao conjunto da poltica de meio ambiente, ainda tem a marca de urna cultura tcnica de gerenciamento quantitativo dos recursos hdricos, excessivamente voltada para obras, e acompanhada de urna viso de qualidade que se restringe bsicamente questo do saneamento. Agrava este quadro o fato do sistema de recursos hdricos, e m algumas regies, vincular-se ao setor de governo que representa grandes usuarios diretos destes recursos, c o m o por exemplo as reas energticas e agrcola, o que dificulta o estabelecimento de planos de mltiplo uso da agua que nao privilegie tais reas e m detrimento de outras.

    E m seu conjunto, a gesto ambiental brasileira ainda apresenta forte compartimentao, c o m pouca articulaco setorial, o que dificulta a integrao das polticas e sistemas de gesto vinculados aos recursos hdricos e florestais e, e m consequncia, restringido o alcance das iniciativas de desenvolvimento sustentvel as bacias hidrogrficas. Estas iniciativas ficam reduzidas, via de regra experiencias pontuais de prticas sustentveis, que esbarram e m regulamentos muito restritivos ou burocrticos e na falta de mecanismos econmicos viabilizadores de novas economas sustentveis.

    Para reverter este quadro no que tange aos recursos hdricos e florestais c o m vista sua gesto integrada, trs aspectos se destacam c o m o prioritarios:

    A articulaco das polticas setoriais, razo central deste documento proposto; A promoco de processos participativos e instrumentos integrados de gesto; A integrao de aes e m c a m p o a partir de u m recorte territorial adequado.

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    Neste sentido, as Bacas Hidrogrficas se apresentam c o m o o espao territorial mais promissor para urna gesto integrada de aguas e florestas, considerando-se tanto os aspectos naturais quanto os culturis e scio-economicos envolvidos.

    D a m e s m a forma, as instancias colegiadas c o m o Comits Gestores de Bacias Hidrogrficas e os Comits Estaduais da R B M A sao foros privilegiados para promover a desejada integrao transsetorial e a necessria interlocuo qualificada c o m os setores produtivos.

    igualmente importante que sejam articulados os instrumentos de conservao e gesto que tanto o setor hdrico quanto o florestal j dispe. Deste m o d o , as bacias hidrogrficas, a criao de unidades de conservao, as reservas legis, a efetivao das reas de preservao permanente, entre outros instrumentos da poltica florestal devem ter a conservao das aguas c o m o u m parmetro prioritario. O s programas de reflorestamento devem dar prioridades recuperao de reas erodidas, reas de recarga de aqferos e a formao de corredores ecolgicos e m matas ciliares. D a m e s m a forma, os mecanismos da poltica de recursos hdricos c o m o a cobrana pelo uso da agua, os planos de bacia e outros, podem e devem considerar c o m o prioritarios a conservao e a recuperao das florestas, contribuindo para a conservao da biodiversidade a elas associadas.

    Varios projetos de lei encontram-se e m tramitao no Congresso Nacional e, se aprovados resultaro e m avanos para a conservao dos recursos naturais dos biomas brasileiros. Dentre outros, destacamos o Projeto de Lei da Mata Atlntica n 3.285 de 1992, de autora do Deputado Federal Fbio Feldman, que h mais de 10 anos v e m enfrentando o "lobby" e a resistencia do setor madereiro para sua aprovao. E tambm o Projeto de Lei 1.339 de 2003, de autora do Deputado Federal Fbio Souto, que prope a aplicao da receita da cobrana pelo uso da agua na recomposio florestal das reas de preservao permanente.

    O Secretario Nacional de Recursos Hdricos, Joo Bosco Senra, reforou e m seus pronunciamentos durante o F O R U M das A G U A S , realizado e m fevereiro de 2005, que "o sentido da cobrana c o m o instrumento relaciona-se sempre, necessidade de disciplinar o uso, evitar o desperdicio e contribuir para reverter o passivo ambiental, e nunca deve se submeter lgica do lucro e da especulao mercantil."

    Para que tais objetivos sejam atingidos necessrio vontade poltica e u m claro compromisso c o m as populaes locis e o fortalecimento dos cais de participao das mesmas junto aos rgaos colegiados gestores. Para tanto, urgente capacitar a uns e outros, ampliar o conhecimento sobre as interrelaes entre aguas e florestas e a conscientizao sobre o valor desses recursos.

    a partir destas premissas, do arcabouo poltico-conceitual da Agenda 21, dos tratados internacionais, e m especial o da biodiversidade, que o presente documento foi elaborado. Espera-se c o m ele contribuir para urna "cultura hidra-florestal" na Mata Atlntica entendida c o m o u m dos pilares do desenvolvimento sustentvel nessa importante regio do Brasil.

    E m mbito nacional, Programa Aguas e Florestas na Mata Atlntica, foi iniciado e m dezembro 1999 por iniciativa e parceria entre o Conselho Nacional Reserva Biosfera Mata Atlntica e a Fundaao S O S Mata Atlntica. Alm de contar c o m o apoio de diversos organismos regionais, este Programa foi apoiado pelo Ministerio do Meio Ambiente, e m sua Fase I atravs da Secretaria de Recursos Hdricos, e e m sua Fase II atravs do Programa Nacional de Florestas,

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    da Secretaria de Biodiversidade e Florestas. Mais recentemente tem sido reforada a integraao deste Programa c o m novos programas que v e m sendo implantados no Brasil, voltados tambm para gesto integrada dos recursos naturais e m bacias hidrogrficas, a exemplo do Programa Aguas para a Vida do W W F - Brasil (2001) e do Programa de Conservao de Recursos Florestais e Hdricos - Projeto de Restaurao de Matas Ciliares das Bacias Hidrogrficas Fluminenses e do rio Paraba do Sul, do I B A M A / M M A (2004).

    O intresse especial do Programa Aguas e Florestas na Mata Atlntica subsidiar a formulaao e implementao de polticas integradas de conservao e gesto de recursos hdricos e florestais, resgatando a compreenso e a utilizao do papel estratgico das florestas para o equilibrio do ciclo hidrolgico regional, para a preservao da biodiversidade necessria aos ciclos de vida dos ecossistemas aquticos e terrestres, e c o m o recurso essencial aos diferentes tipos de usos sustentveis dos ambientes regionais.

    2. Principios e Diretrizes

    2.1 Principios Bsicos

    Para o pleno exerccio de urna poltica integrada de conservao e gesto de recursos hdricos e florestais, sao considerados c o m o Principios Bsicos:

    Reconhecer a importancia do B i o m a Ma ta Atlntica, tanto por sua elevada biodiversidade, quanto por seu papel na conservao das aguas para seus usos mltiplos e sustentveis, c o m destaque para o abastecimento de grande parte da populao brasileira;

    Considerar a bacia hidrogrfica c o m o u m importante espao de planej amento e de gesto ambiental integrada, c o m nfase na conservao simultnea do solo, da agua e da floresta, visando a manutenao dos ecossistemas naturais, a sustentabilidade dos processos produtivos e a garanta da boa qualidade de vida para os seus habitantes;

    Considerar como fundamental a reviso e integraao das polticas setoriais, especialmente das reas florestal e hdrica, b e m c o m o a integraao das mesmas c o m as demais polticas pblicas que afetem o uso e a preservao de recursos naturais, c o m o por exemplo a agrcola e a de saneamento ambiental;

    Reconhecer a necessidade da integraao dos aspectos sociais, econmicos, ambientis, ticos e polticos no processo de gesto ambiental por meio de aes inter e transdisciplinares, entre as ciencias naturais, humanas e exatas, entre os saberes cientfico e popular;

    Considerar fundamentis para a poltica de conservao e gesto integrada dos recursos hdricos e florestais, a informao, a participao social, a capacitao tcnica - cientfica e o compromisso efetivo do governo e m todas as suas instancias;

    Reconhecer a importancia da educaco ambiental c o m o processo explicitador das relaes de interdependencia entre florestas e aguas, integrando informaes e contribuindo para a internalizao de conceitos junto a todos os segmentos da sociedade;

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    Reconhecer a necessidade de garantir a gesto participativa, abrangente, representativa e descentralizada, que priorize a interveno por meio de aes institucionais integradas.

    2.2 Diretrizes Gerais

    Partindo dos principios anteriormente considerados e tomando-se c o m o referencia a contextualizaco da gesto ambiental no Brasil, o marco conceitual e legal especfico, sao propostas as seguintes Diretrizes Grais:

    Reconhecer na gesto ambiental por bacia hidrogrfica, a oportunidade da integraco dos esforos para a conservao da floresta e da agua, buscando-se a melhoria da qualidade de vida das populaces residentes e a gesto de conflitos no uso dos recursos naturais;

    Incorporar na gesto dos recursos hdricos o reconhecimento de sua importancia para conservao e integridade dos ecossistemas aquticos e os parmetros representados pelo papel estratgico das florestas, especialmente das unidades de conservao e demais reas protegidas, no regime hdrico regional.

    Compatibilizar intresses diversos e fortalecer os comits e demais organismos gestores de bacias hidrogrficas, enquanto instancias articuladoras das polticas integradas de aguas e florestas, de interlocuco c o m os setores produtivos e instrumentos de desenvolvimento sustentvel;

    Utilizar plenamente os instrumentos de gesto previstos na legislaao brasileira, dos estados e dos municipios, c o m nfase nos planos de bacias hidrogrficas, para induzir e assegurar a conservao integrada dos recursos hdricos e florestais;

    Estimular e apoiar a utilizaao de instrumentos econmicos, particularmente de mercados, na induao de iniciativas de conservao integrada de florestas e aguas, na perspectiva da sustentabilidade;

    Estimular e apoiar pesquisas que possibilitem u m maior conhecimento sobre os recursos hdricos e florestais existentes, assim c o m o mecanismos mais adequados de conservao integrada e de valorao dos servios ambientis;

    Estimular e potencializar as iniciativas de empresas, de instituies cientficas e de organizaes do terceiro setor nos programas e projetos scio-ambientais de proteao, recuperaao e uso sustentvel dos recursos hdricos e florestais, incluindo as redes de econegcios;

    Assegurar, facilitar e ampliar o acesso as informaces que possibilitem ao cidado a tomada de posico na defesa do meio ambiente, particularmente dos recursos hdricos e florestais;

    Proteger todos os remanescentes florestais existentes, c o m nfase naqueles que contribuem mais diretamente para a conservao da agua, a preservaao de especies endmicas ou e m extinao, ou a formao de corredores ecolgicos, buscando assegurar o desmatamento zero nos ecossistemas do bioma Mata Atlntica;

    LINO and DIAS: Aguas da Mata Atlntica:Programa Aguas e Florestas da Mata Atlntica

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    Resgatar e difundir a importancia da conservaco integrada dos recursos hdricos e florestais, junto as populaoes locis, aos usuarios da agua e da floresta, aos tomadores de deciso e sociedade e m geral;

    Criar, implementar e b e m administrar as unidades de conservaco e as zonas especiis de proteo dos recursos hdricos (nascentes, matas ciliares, entorno de lagoas e reservatrios, terrenos declivosos e reas de recarga de aqferos), estabelecendo o controle ambiental e a incorporao dos seus valores junto sociedade potencialmente beneficiara;

    Reverter a situaao de degradaao de reas prioritarias para a conservaco dos recursos hdricos e da biodiversidade, por meio da recuperao florestal multifuncional, que pressupe a geraao e o aproveitamento de beneficios ambientis, sociais e econmicos possveis, e do uso adequado do solo urbano ou rural;

    Desenvolver u m ampio trabalho de combate ao desperdicio dos recursos hdricos junto a todos os segmentos da sociedade e setores usuarios, c o m nfase para os de saneamento e de irrigao;

    Valorizar e promover a capacitaao e troca de experiencias e m gesto, e m recuperao florestal multifuncional inserida no contexto da scioeconomia florestal, e m educaao e mobilizao ambiental;

    Valorizar a educaao ambiental c o m o processo continuo e permanente, elemento chave na aproximaao dos conhecimentos popular e cientfico, na ampliao da conscincia, na formaao do pensamento crtico e na apropriao do conhecimento sobre o uso e proteo das aguas e das florestas;

    Valorizar a mobilizao social c o m o elemento chave para a organizao e autogesto pelas comunidades, principalmente as prticas de conservaco integrada, construindo relaes mais interativas e crticas, fortalecendo os processos de auto desenvolvimento e afirmaco da coletividade;

    Articular e envolver os governos federal, estaduais e municipals as decises polticas da gesto integrada dos recursos hdricos e florestais, de acord c o m as competencias de suas respectivas instituies;

    Estimular e garantir a participao dos diferentes setores da sociedade na discusso e definio das prioridades locis de conservaco integrada de florestas e aguas;

    Assegurar e incentivar a participao da populao as tomadas de deciso, na implantaao de aes e as atividades de controle social, atravs dos cais legis e institucionais existentes, c o m nfase para os Comits Estaduais da Reserva da Biosfera da Mata Atlntica e Comits Gestores de Bacias Hidrogrficas e para as aes que integrem estes dois fruns de gesto;

    Estimular projetos que tenham efeito demonstrativo para a proteo, recuperao e uso sustentvel dos recursos hdricos e florestais, dos seus produtos e beneficios;

    Reconhecer e fortalecer iniciativas b e m sucedidas de conservaco e gesto integradas

    W O R K I N G PAPER N s 34, 2005, UNESCO (South-South Cooperation Programme), PARIS (France)

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    de aguas e florestas, b e m c o m o , promover a construo de instrumentos comuns de apoio as intervenoes locis;

    Estimular as atividades produtivas que estejam compatibilizadas c o m a proteo ambiental e garantindo o equilibrio na relao solo-floresta-gua, c o m nfase naquelas desenvolvidas por microbacia hidrogrfica;

    Estimular que sejam incorporados no processo de escolha e manuteno das reservas legis os objetivos de conservao dos recursos hdricos;

    Unlversalizar os servios de saneamento ambiental, c o m nfase na incluso hdrica dos cidados sem acesso a esse beneficio, contribuindo para a reverso do processo de degradao e poluio dos recursos hdricos e florestais.

    3. Base Conceitual

    Urna poltica de conservao e gesto integradas de recursos hdricos e florestais deve estar fundamentada e m urna base conceitual cientfica e argumentos scio-ambientais seguros. Neste sentido, procura-se oferecer urna contribuio para esta base, amadurecendo conceitos e apresentando argumentos que tornem esta poltica mais slida e menos vulnervel desinformao.

    3.1 O que sao recursos hdricos e florestais?

    A agua e a floresta sao considerados recursos naturais finitos. Isto porque, embora o hrnern ainda os utilize para suas mais diversas necessidades, a renovao natural desses recursos limitada, dependendo da capacidade de suporte do meio, da tecnologa utilizada e da intensidade de uso. A renovao da agua depende da capacidade dos processos biogeoqumicos e m recuperar a sua qualidade e disponibiliz-la outra vez e m sua quantidade original. D a m e s m a maneira, a floresta pode ser utilizada pelo hrnern, desde que dentro de urna estrategia de manejo que respeite sua capacidade natural de regenerao.

    O s recursos hdricos sao de usos mltiplos. O abastecimento pblico mundialmente reconhecido c o m o prioritario diante das demais demandas, c o m o as do abastecimento industrial, irrigao, dessedentao de animais, lazer, aquacultura, gerao de energia eltrica, navegao, conservao da biota aqutica e at m e s m o da recepo de efluentes tratados. N o Brasil, s o setor agrcola/ irrigantes demanda 6 0 % de recursos hdricos (Banco Mundial, 1994).

    Por sua vez, a floresta tambm se apresenta c o m o de usos mltiplos pelo hrnern ao longo da sua historia. Embora seu potencial madeireiro tenha sido o mais explorado ao longo dos sculos, dando suporte inclusive a economas locis, nacionais e internacionais, inmeros outros produtos e subprodutos tiveram e ainda tm importante significado econmico c o m o , por exemplo, a Piaava (Attalea funifera); o Palmito juara (Euterpe edulis); as Bromlias (varias especies); o X a x i m (Dicksonia sellowiana); a Erva Mate (Ilex paraguariensis); o Caj (Anacardium occidentale) e diversas outras frutas e plantas, inclusive medicinis. A explorao madeireira tem sido inclusive urna das fortes causas da destruio das florestas nativas, e por vezes, da degradao ambiental e m florestas plantadas. A lm disso, a floresta apresenta valor de uso tambm e m funo

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    de outros servios que presta, c o m o o da conservao da agua, e m qualidade e vazo.

    Cabe salientar, todava, que e m muitos casos o "uso" pode ser a preservao rigorosa da floresta ou do ecossistema aqutico, para que desempenhem melhor determinados papis ecolgicos, c o m o o da proteo de especies ameaadas de extino ou de preservao da biodiversidade, c o m o base para a pesquisa cientfica, proteo de solos e encostas, ou ainda c o m o regulador climtico.

    3.2 A relao entre a floresta e a agua

    cada vez maior o reconhecimento entre ambientalistas, acadmicos, rgaos pblicos e m e s m o entre outros setores sociais nao diretamente envolvidos c o m o tema, que existe urna relao de interdependencia entre a floresta e o ecossistema aqutico, e que a degradao ou escassez de u m perturba profundamente a existencia e a qualidade do outro.

    Porm, as bases cientficas e a dimenso da importancia desta relao nao sao amplamente conhecidas e avaliadas. Isso resulta e m alguns erros de expectativa e at e m fragilidade de argumentos na defesa de urna gesto integrada desses dois recursos, particularmente junto aos tomadores de deciso.

    A maneira mais fcil de entender a relao floresta-gua conhecendo o ciclo hidrolgico na floresta.

    A agua de chuva que se precipita sobre urna mata, segue dois caminhos: volta atmosfera por evapotranspirao ou atinge o solo, atravs da folhagem ou do tronco das rvores. N a floresta, a interceptao da agua cima do solo garante a formao de novas massas atmosfricas midas, enquanto a precipitao interna, atravs dos pingos de agua que atravessam a copa e o escoamento pelo tronco, atingem o solo e o seu folhedo. D e toda a agua que chega ao solo, urna parte tem escoamento superficial, chegando de alguma forma aos cursos d'gua ou aos reservatrios de superficie. A outra parte sofre armazenamento temporario por infiltrao no solo, podendo ser liberada para a atmosfera atravs da evapotranspirao, manter-se c o m o agua no solo por mais algum tempo ou percolar c o m o agua subterrnea. D e qualquer forma, a agua armazenada no solo que nao for evapotranspirada, termina por escoar da floresta paulatinamente, compondo o chamado deflvio, que alimenta os mananciais hdricos e possibilita os seus usos mltiplos.

    O processo de interceptao da chuva pela floresta, alm de afetar a redistribuio da precipitao e a economa da agua no solo, desempenha significativa influencia sobre a qualidade da agua. Isto particularmente evidenciado quando da remoo da cobertura florestal. ( L I M A , 1986)

    Segundo o autor citado, a cobertura florestal influ positivamente sobre a hidrologa no solo, melhorando os processos de infiltrao, percolao e armazenamento da agua, alm de diminuir o escoamento superficial. Influencia esta que no todo conduz diminuio do processo erosivo. Nesta ao protetora da floresta, muito importante a participao da vegetao herbcea e da manta orgnica, que normalmente recobrem o solo florestal, as quais desempenham papel decisivo na dissipao da energia das gotas das chuvas, cujo impacto c o m a superficie do solo d inicio ao processo de eroso.

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    O s impactos do desmatamento de urna floresta, traduzem-se e m : aumento do escoamento hdrico superficial; reduco da infiltrao da agua no solo; reduco da evapotranspirao; aumento da incidencia do vento sobre o solo; aumento da temperatura; reduco da fotossntese; ocupao do solo para diferentes usos; e reduco da flora e fauna nativas. ( B R A G A , 1 9 9 9 )

    Assim, como efeitos principis neste cenrio ambiental de degradaco, podem ser fcilmente identificados: alteraao na qualidade da agua, atravs do aumento da turbidez, da eutrofizaco e do assoreamento dos corpos d'gua; alteraao do deflvio, c o m endientes nos perodos de chuva e reduco na vazo de base quando das estiagens; mudanas micro e mesoclimticas, esta ltima quando e m grandes extenses de florestas; mudana na qualidade do ar, e m funao da reduco da fotossntese e do aumento da eroso elica; reduco da biodiversidade, e m decorrncia da supresso da flora e fauna local; e poluiao hdrica, e m funco da substituico da floresta por ocupao, e m geral inadequada, c o m atividades agropastoris, urbanas e industriis.

    Muitos estudos evidenciam a dinmica da agua na floresta tropical mida. Enfocam sobretodo a relaao entre a floresta e o clima, as vazes dos rios e os processos erosivos decorrentes do desmatamento. N a Amazonia brasileira, urna pesquisa realizada aplicando-se o mtodo isotpico para evidenciar a recirculaao do vapor d'gua na regio (SALATI, 1985), indica que o balano hdrico de urna bacia hidrogrfica as proximidades de Manaus (rea coberta c o m floresta densa) demonstrou que 25% da chuva (que totaliza 2.200 m m / a n o ) jamais atingem o solo, ficando retidos as folhas e voltando atmosfera por evaporaao direta; enquanto 50% da precipitaco so utilizados pelas plantas, sendo devolvidos atmosfera, na forma de vapor, por transpiraao. O s igaraps, que drenam a bacia hidrogrfica, removem os outros 25% da agua da chuva. Esses dados indicam que, naquele tipo de floresta densa, 75% da agua de precipitaco retornam atmosfera, resultado da influencia direta do tipo de cobertura vegetal. O s estudos da bacia amaznica c o m o u m todo, incluindo vegetaes distintas de cerrado e de regies montanhosas, indicam que, do total da agua precipitada, cerca de 50% saem pelo rio Amazonas e cerca de 50% voltam atmosfera na forma de vapor, atravs da evapotranspirao.

    A o contrario a que chega o autor, que a floresta nao simples conseqencia do clima. A o contrario, o equilibrio hoje existente, depende da atual cobertura vegetal. Portanto, o desmatamento ou a colonizao intensiva, ao substituir a floresta por outros tipos de cobertura (pastagem, agricultura anual) podem acarretar modificaes climticas, porque introduzem alteraes no balano hdrico da regio amaznica.

    Algumas informaes j so disponveis sobre a relaao entre agua e floresta na Mata Atlntica. U m estudo realizado no Parque Estadual da Serra do M a r e m So Paulo ( C I C C O et al, 1988) quantificou a interceptaao da agua de chuva por mata natural secundaria e m urna bacia experimental. A pesquisa evidenciou que 18,23% da agua das chuvas que chega floresta retorna atmosfera pelo processo de interceptaao. O restante atinge a superficie do solo, principalmente pela precipitaco interna (80,65%) e por urna pequea porao de agua escoada pelo tronco das rvores (1,12%). Segundo os autores, esses valores so compatveis c o m os obtidos e m floresta natural secundaria e m Viosa ( M G ) e e m floresta de terra firme na Amazonia.

    E m u m contexto de mata ciliar c o m urna vegetaao do tipo "cerrado", e m So Paulo (LIMA, 1998), a interceptaao da agua de chuva na copa das rvores foi de 37,6%. Isto evidencia que m e s m o nao sendo Mata Atlntica, a recuperaao de matas ciliares, e m processo de regeneraao para urna floresta diversificada e b e m estruturada, cumpre equivalentemente o papel de proteao do solo, amenizaao climtica e regularizaao do regime hdrico.

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    E m reas de Brejo de Altitude, no interior de Pernambuco e Paraba, onde por razes orogrficas existem formaes florestais e m regio de caatinga, verifica-se que essas formaoes disjuntas da Mata Atlntica Litornea, tm marcante dependencia de agua e ao m e s m o tempo influenciam os ciclos hidrolgicos. E m estudo realizado no Parque Ecolgico Municipal Vasconcelos Sobrinho, na localidade de Brejo dos Cvalos (Caruaru-PE), foi evidenciada forte concentraao de chuvas na rea, comparada c o m a do entorno ( C A B R A L et al, 1999). Considerando a pluviosidade e m cinco municipios vizinhos e e m reas do proprio municipio de Caruaru, no perodo de agosto/98 a julho/99, observou-se que neste Brejo de Altitude a precipitao foi cerca de quatro vezes superior.

    Alm de afetar o regime hdrico, refletindo no clima e as vazes dos cursos d'gua, a floresta tropical mida tem relevante papel no controle da eroso. A Z E V E D O (1995) salienta que solos e m b o m estado de agregaco, com elevadas quantidades de materia orgnica e umidade, alm de elevado contedo microbiano ativo, sao mais resistentes eroso. Esta condio se d justamente e m solos sob a cobertura de urna floresta b e m estruturada.

    O efeito da proteo vegetal sobre o escoamento superficial e sobre as prprias perdas de solo por eroso, tem sido observado e m diversos experimentos, como o apresentado por C R O F T & B A I L E Y (1964), indicando que a manutenao de urna boa cobertura vegetal de fundamental importancia para o controle do processo erosivo.

    N a bacia hidrogrfica as zonas riparias apresentam-se essenciais para conservao. So reas situadas as margens de cursos d'gua e reservatrios e as nascentes dos rios, onde se instalam as matas ciliares, tambm chamadas florestas de galera, veredas e matas de vrzea ( M A N T O V A N I et al, 1989).

    Caracterizam-se pela condio de saturaao do solo, pelo menos na maior parte do ano, e m decorrncia da proximidade do lenol fretico. So reas das mais dinmicas, tanto e m termos hidrolgicos, quanto geomorfolgicos e ecolgicos ( L I M A & Z A K I A , 2000). Pedolgicamente considera-se que seus solos variam essencialmente e m funao do maior ou menor hidromorfismo. Ocorrem desde solos orgnicos e m reas permanentemente encharcadas, at solos aluviais e m reas mais altas ( J A C O M I N E , 2000).

    Devido as oscilaes na umidade e no encharcamento do solo, e m decorrncia dos perodos de chuva e estiagem, a vegetaao que ocupa as zonas riparias apresenta urna alta variao e m termos de estrutura, composiao e distribuiao espacial ( R O D R I G U E S & S H E P H E R D , 2000).

    A s reas de acentuada declividade tambm merecem urna ateno especial na sua proteo com cobertura florestal, e m funao do risco de eroso e de deslizamentos do solo, acarretando e m problemas de aumento da turbidez e de assoreamento nos corpos d'gua.

    Nao s para o meio rural que a boa relao entre floresta e agua importante. Cada vez mais, e principalmente as reas urbanas da zona costeira brasileira, a conservao e recuperao das reas de proteo dos mananciais hdricos tornam-se essenciais. Nesta regio o aumento populacional, com consquente incremento no consumo de agua e na produo de esgoto e lixo, levam a u m eminente colapso na disponibilidade hdrica para abastecimento humano. A poluiao e escassez de agua decorrentes da ocupaco urbana inadequada, so fatores determinantes na degradaco da floresta, especialmente no bioma Mata Atlntica. A o m e s m o tempo, o desmatamento e m terrenos declivosos e a destruio das vrzeas para ocupaco urbana

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    desordenada, cria reas crticas de risco, particularmente para as populaes de baixa-renda.

    3.3 O Bioma Mata Atlntica

    O Bioma Mata Atlntica u m dominio c o m mltiplas fitofisionomias, formado por u m conjunto de ecossistemas florestais e ecossistemas associados.

    Segundo a legislao vigente (Decreto Federal 750/93), e tendo-se por base o mapa de vegetaao do Brasil (IBGE, 1993) o Dominio da Mata Atlntica corresponde (I) totalidade da Floresta Ombrfila Densa que acompanha o litoral, desde o Rio Grande do Norte at o Rio Grande do Sul; (II) as Florestas Estacionis Deciduais e Semideciduais do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paran, Sao Paulo, Rio de Janeiro e Espirito Santo; (III) as Florestas Estacionis Semideciduais de Mato Grosso do Sul, incluindo os vales dos rios da margem direita do rio Paran; Minas Grais, nos vales dos rios Paranaba, Grande e afluentes; Minas Grais e Bahia, nos vales dos rios Paraba do Sul, Jequitinhonha, rios intermediarios e afluentes; e de regies litorneas limitadas do Nordeste, contiguas as florestas ombrfilas; (IV) a totalidade da Floresta Ombrfila Mista e aos encraves de Araucaria nos estados de Sao Paulo, Rio de Janeiro e Minas Grais; (V) as formaes florsticas associadas, como manguezais, vegetaao de restingas e das ilhas ocenicas; (VI) aos encraves de cerrado, campos e campos de altitude compreendidos no interior das reas citadas cima; (VII) as matas de topo de morro e de encostas do Nordeste, particularmente os brejos de altitude de Pernambuco e Paraba e as chas do estado do Cear, na Serra de Ibiapaba e de Baturit, e na da Chapada do Araripe; e (VIII) as formaes vegetis nativas de Fernando de Noronha.

    Originalmente a Mata Atlntica se estendia por mais de 1.362.548 K m 2 , correspondendo a cerca de 15% do territorio brasileiro, espalhando-se por 17 Estados.

    A Mata Atlntica, embora situada na rea mais urbanizada do pas, reduzida a cerca de 8% de sua cobertura original, e m grande parte fragmentada e ainda sob ameaa de destruio e m varias regies, representa urna das mais importantes florestas trapicis do planeta. Possui imenso valor paisagstico, cientfico, turstico e cultural, presta inmeros servios ambientis c o m o a conservao dabiodiversidade, proteo de solos, das aguas e encostas, dentre outras e contribu significativamente para a economa brasileira tanto no nivel local, quanto nacional e internacional (LINO, C. F., 2002).

    Nesse conjunto florestal encontra-se urna diversificada fauna, caracterizada pelo grande nmero de especies raras e endmicas, e m muitos casos ameaadas de extino. A s estimativas indicam que a regio abriga 261 especies de mamferos (73 deles endmicos), 620 especies de pssaros (160 endmicos), 260 anfibios (128 endmicos), alm de aproximadamente 20.000 especies de plantas vasculares, das quais mais da metade sao rsultas Mata Atlntica. Mais de 2/3 dos primatas da Mata Atlntica sao endmicos a essa regio ( S M A , 1996; Fonseca, 1996).

    Saliente-se, que a destruio est levando perda acelerada da biodiversidade deste bioma. A Lista Oficial da Fauna Brasileira Ameaada de Extino foi atualizada e m 22 de maio de 2004. Encomendada pelo Ministerio do Meio Ambiente ( M M A ) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis ( I B A M A ) , a elaboraco da nova lista foi coordenada pela Fundao Biodiversitas e m parceria c o m a Sociedade Brasileira de Zoologa, a Conservation International do Brasil e o Instituto Terra Brasilis e contou c o m o trabalho de

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    mais de 200 cientistas. E m 13 anos, desde a publicaao da lista anterior, o nmero de especies ameaadas quase dobrou, passando de 219 para 395.

    N o mapa da extinao, destaque negativo para a Mata Atlntica, c o m seus fragmentados 7,3% de florestas remanescentes. A situao do bioma mais crtico do pas prova que o desaparecimento de especies da fauna est diretamente ligado destruio de seu habitat. Das 265 especies de vertebrados ameaados, 185 ocorrem na Mata Atlntica (69,8%). Dlas, 100 especies (37,7%) sao endmicas ao bioma, ou seja, se desaparecerem aqui, no podero ser encontradas e m nenhum outro lugar. (Site R B M A , 2005)

    Por isso, a Mata Atlntica encontra-se entre os cinco "hotspots" para a conservao da biodiversidade do m u n d o , de acord c o m a Conservao Internacional.

    Porm, o patrimonio representado pela Mata Atlntica vai muito alm da riqueza de sua biodiversidade ou de sua exuberancia paisagstica. Ele est intimamente ligado proteo dos solos e de mananciais de agua potvel. Sua importancia igualmente bsica na cultura nacional e na beleza de nosso litoral. A propria imagem e identidade brasileira est impregnada de Mata Atlntica. as artes, na mitologa popular, na arquitetura e e m todos os campos da cultura brasileira e Mata Atlntica deixou e deixa sua influencia e, mais que qualquer ecossistema no pas, essa floresta guarda os marcos de nossa historia. Inmeros sitios arqueolgicos indicam a presena humana nessa regio h milhares de anos. A esses povos extintos, seguiram outros ainda que e m grande parte ameaados e marginalizados pelas injustias de nossa sociedade. Atualmente mais e 70 reas indgenas subsistem na rea da Mata Atlntica e sua influencia persiste forte na cultura nacional, mesclada c o m a contribuio africana que veio c o m os escravos, a europia dos colonizadores e imigrados e, mais recentemente a dos imigrantes asiticos.

    exatamente as comunidades tradicionais indgenas, camponesas e de pescadores que talvez persiste alguns de nossos maiores patrimonios: a diversidade tnica e cultural, o conhecimento ancestral sobre a ecologia da floresta e a experiencia concreta de alternativas de maneja-las de forma sustentvel. ( L I N O , C F 2003)

    3.4 Bacas Hidrogrficas

    Entende-se por bacia hidrogrfica toda a rea de captao natural da agua da chuva que escoa superficialmente para o rio ou u m seu tributario. O s limites da bacia hidrogrfica sao definidos pelo relevo, considerando-se c o m o divisores de agua os terrenos mais elevados. Portanto, a depender do relevo, a bacia hidrogrfica pode apresentar diferentes formas, variando de estreita e alongada a larga e curta.

    O rio principal, que d o n o m e bacia, recebe contribuio dos seus afluentes, sendo que cada u m deles apresenta inmeros tributarios menores, alimentados direta ou indiretamente por nascentes. Assim, e m urna bacia existem varias sub-bacias e muitas microbacias. Estas, sao as unidades fundamentis para a conservao e o manejo, urna vez que a caracterstica ambiental de urna bacia reflete a somatria ou a sinergia dos efeitos das intervenes ocorridas no conjunto das microbacias nela contidas.

    A l m de aspectos c o m o rea, forma e estrutura de drenagem, importante conhecer as caractersticas hidrolgicas, c o m o vazo e qualidade da agua. Sao considerados c o m o principis

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    parmetros fsico-qumicos de qualidade a temperatura, p H , turbidez, salinidade, oxignio dissolvido, teor de materia orgnica e a concentrao de alguns nutrientes, c o m o nitrognio e fsforo. E m termos microbiolgicos usual mensurar a concentrao de colonias de conformes totais e fecais.

    Todos esses parmetros, e muitos outros, variam e m resposta as formas de uso da agua e do solo na bacia hidrogrfica. Assim, para compreender o que acontece na bacia fundamental considerar os usos mltiplos da agua e seus potenciis confutes, sobrenado e m relao irrigao, ao atendimento industrial e ao uso urbano, seja quanto captao para abastecimento ou quanto ao destino dos efluentes. Deve ser considerado tambm o importante papel e valor ecolgico dos ecossistemas aquticos para conservao das florestas e dos demais recursos naturais.

    DOMNIO MATA ATLNTICA E SUAS BACAS HIDROGRFICAS

    / Bjci.1 do Atlntico Sul/ Sudeste

    f r

    A o m e s m o tempo, indispensvel avaliar o uso do solo e m funo das suas potencialidades e limitaes ecolgicas, tendo-se c o m o referencia a sustentabilidade dos recursos naturais. N o caso das florestas, as iniciativas de preservao, recuperao ou uso sustentado devem contribuir para a conservao dos recursos hdricos, sob a tica da gesto integrada da microbacia, da sub-bacia e finalmente da bacia hidrogrfica c o m o u m todo.

    Sahente-se que urna correta gesto da bacia nao deve contemplar apenas as aguas superficiais, m a s considerar as aguas sub-superficiais ou freticas (que alimentam as nascentes e os cursos d'gua). T a m b m devem ser adequadamente protegidas as aguas profundas, geralmente confinadas ou sub-confinadas a dezenas de metros da superficie, formando preciosos aqferos. Tais mananciais nao respeitam os limites definidos pela projeo vertical do contorno das bacias

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    hidrogrficas, transcendendo-os. Assim, as aguas dos aqferos subterrneos conectam-se sob diversas bacas vizinhas, podendo a sua contaminao por m a u uso ou a sua super-exploraao, gerarem conseqencias nefastas distancia.

    A agua nao o nico elemento natural do ambiente. Por isso nao deve ser vista isoladamente ( L A N N A , 1997). S e m dvida que a presena ou ausencia de cobertura florestal e m urna baca hidrogrfica influencia a qualidade e a quantidade da agua, da m e s m a forma e m que as formas de uso do solo sao determinantes para a conservao dos mananciais hdricos. Verifica-se portante, que a gesto ambiental de urna bacia hidrogrfica deve contemplar a qualidade e o gerenciamento da oferta e da demanda dos outros recursos naturais, como o solo, o ar, a fauna, a flora e a energia.

    3.5 Funes hidrolgicas da floresta

    A mata desempenha inmeras funes ecolgicas. Entre elas a da proteao da biodiversidade, garantindo habitat e condies prprias de alimentaao, reproduo e evoluo para as especies nativas, da flora, da fauna e dos microorganismos. Outra importante funo a da conservao dos ecossistemas aquticos, inclusive da biota a eles associada.

    O papel da floresta na conservao dos recursos hdricos exercido atravs da influencia sobre diferentes processos hidrolgicos. O s principis processos sao:

    Atenuaco dos picos de vazo

    O escoamento direto o volume de agua que escoa na superficie e na subsuperficie, causando o aumento rpido da vazo de microbacias durante e imediatamente aps a ocorrncia de urna chuva.

    Apenas parte da bacia contribu para o escoamento direto das aguas de urna chuva, sobretudo se esta for coberta por floresta. Porm, c o m o prolongamento do perodo de chuvas, essas reas tendem a se expandir, nao apenas e m decorrncia da ampliao da rede de drenagem, c o m o tambm pelo fato de que as reas crticas da microbacia, saturadas ou de solo mais raso, comeam tambm a participar da gerao do escoamento direto ( L I M A & Z A K I A , 2000). Tal constatao levou ao reconhecimento da chamada "rea varivel de afluencia" - A V A ( H E W L E T T & HIBBERT, 1967).

    Portante, e m u m primeiro momento a floresta capaz de segurar a vazo do rio, atenuando as enchentes. Aps as chuvas, a agua liberada gradativamente, amenizando as baixas vazes no perodo de estiagem.

    Assim, a recuperao da vegetao contribu para o aumento da capacidade de armazena-mento da agua na microbacia, o que eleva o nivel de vazo no perodo de estiagem, se comparada c o m a que seria gerada na situaao de urna rea desmatada. Anlogamente, atena o pico de cheia na estaao chuvosa.

    Influencia da qualidade na agua

    A mata ciliar desempenha urna aao eficaz na filtragem superficial de sedimentos. A l m disso, pode reter por absorao, nutrientes e poluentes, vindos por transporte e m soluao durante o escoamento superficial.

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    R H O D E S et al (apud L I M A , 1986) evidenciaram que a mata ciliar funciona muito efetivamente na remoo de nitrato, principalmente devido as transformaoes bioqumicas por ao de bacterias denitrificadoras presentes as condioes aerbicas de reas saturadas da zona riparia e absoro pelas raizes da vegetao ciliar. Por sua vez, M U S C U T T (1993) evidenciou a remoo do fsforo pela mata ciliar, atravs da reviso de extensa literatura. J A S M U S S E N et al (apud O L I V E I R A , 1998) indica fenmeno equivalente para reduo da carga de pesticidas.

    Ciclagem de nutrientes

    A ciclagem de nutrientes e m florestas trapicis, e m grai rpida, devido as altas velocidades de decomposio e dos fluxos de agua no sistema. Porm, segundo P A G A N O & D U R I G A N (2000), existem alguns processos de transferencia exclusivos de matas ciliares, que sao: entrada de sedimentos a partir das reas adjacentes, transportados pelas aguas das chuvas ou do rio, sendo retidos pela faixa florestal que atua c o m o filtro; entrada de nutrientes atravs do fluxo lateral do lenol fretico, transportando-os das partes mais elevadas para a faixa ciliar; e perda de nutrientes c o m o arrastamento da serrapilheira pela agua dos rios e m reas inundveis.

    D e acord c o m os autores citados, nessas condioes a ciclagem de nutrientes entre os diversos compartimentos passa a ser totalmente aberta e imprevisvel. Assim, relaes de adio e perda de nutrientes do sistema sao, alm de complexas, de difcil quantificao.

    Proteo dos corpos d'gua

    A l m do papel desempenhado pelas razes na estabilizao das margens, a mata ciliar abastece continuamente o rio ou o reservatrio c o m material orgnico, diretamente atravs das folhas e dos frutos que caem na agua, ou indiretamente pelo carreamento de detritos e solutos orgnicos, de origem local. A o m e s m o tempo, a copa das rvores situadas na franja, atena a radiao solar incidente as margens do corpo d'gua.

    3.6 Gerao de Servios Ambientais

    C o m o se verificou at aqui, a cobertura florestal e m urna bacia hidrogrfica contribu decisivamente para regularizar a vazo dos cursos d'gua, aumentar a capacidade de armazenamento as microbacias, reduzir a eroso, diminuir os impactos das inundaes e manter a qualidade da agua. Alm dessas contribuies hidrolgicas, as florestas propiciam conservao da biodiversidade, alternativas econmicas de explorao sustentvel da biota, educao e pesquisa cientfica, desfrute de belezas cerneas, turismo e lazer, e at contribuio para a reduo do efeito estufa, atravs da captura do carbono atmosfrico.

    Nesse contexto, as matas que protegem nascentes, reservatrios e os prprios cursos d'gua, desempenham u m papel estratgico na gerao desses servios ambientis. Todos os servios ambientis aqui citados, esto sendo gradativamentereconhecidos pelas autoridades responsveis por polticas pbcas e pelo estabelecimento de mecanismos financeiros e institucionais para a proteo e recuperao dessas reas.

    A Organizao dos Estados Americanos ( O E A ) , tem recomendado as empresas de aguas a custear a proteo de bacas hidrogrficas e sua biodiversidade ( T N C , 1999). Nesta direo, na Costa Rica a Empresa de Servios Pblicos de Heredia, reajustou suas tarifas de abastecimento LINO and DIAS: Aguas da Mata Atlntica:Programa Aguas e Florestas da Mata Atlntica

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    de agua para custear atividades de proteo e recuperao de florestas nas zonas de infiltraao das fontes de abastecimento de agua potvel ( C A M A C H O , 2001).

    E m So Paulo, u m movimento pioneiro no mbito da baca do rio Corumbata gerou urna iniciativa exemplar pelo poder pblico, apoiada pela sociedade civil organizada. O municipio de Piracicaba decidiu investir, atravs da sua Companhia de aguas e esgotos - S E M A E , e m aes de conservaao e recuperao florestal, para garantir o suprimento de agua e m qualidade e quantidade, necessrias sua populaao de quase meio milho de habitantes. Para isso, a S E M A E recolhe R $ 0,01 por cada m 3 de agua captada, possibilitando a execuao de projetos de sementeiras, reflorestamento e educao ambiental. Recentemente os recursos arrecadados propiciaran! a elaborao de u m Plano Diretor Florestal para a Bacia do Rio Corumbata (IPEF, 2002).

    Por outro lado, a reorientao de parte do I C M S destinado aos municipios - para aes de conservaao de florestas e mananciais hidricos - tambm evidencia o reconhecimento pelo poder pblico dos servios ambientis gerados. Estados c o m o o Paran, Sao Paulo e Minas Grais j apresentam resultados a serem considerados.

    N o Brasil, o Programa Nacional de Florestas (PNF), reconhece a importancia das florestas na proteo dos mananciais hdricos de abastecimento pblico e prope a aplicao de parte da tarifa de agua na recuperao de reas de preservao permanente de bacias hidrogrficas (Ministerio Meio Ambiente, M M A , 2000).

    A proposta da Poltica Nacional de Biodiversidade ( M M A , 2002) reconheceu a necessidade da identificao de reas crticas e m nivel de bacias hidrogrficas para conservaao dos recursos hdricos e produo de agua. Prioriza

    :'-. ;-:HKIUKV , simultneamente, medidas mitigadoras, de recuperao e de restaurao da biodiversidade nessas reas crticas.

    E m julho de 2002, foi anunciada oficialmente a Agenda 21 Brasileira ( C P D S , 2002), apresentando as aes prioritarias a serem desenvolvidas c o m a participao dos governos e da sociedade civil. Dentre elas, a agenda se .-H-Alib-A j^, .-prope a "assegurar a preservao dos mananciais, pelo estabelecimento de florestas protetoras das margens dos rios, recuperando c o m prioridade absoluta suas matas ciliares".

    3.7 Gesto participativa e desenvolvimento sustentvel na bacia hidrogrfica

    O conceito de desenvolvimento sustentvel pode ser visto c o m o u m guia para a poltica pblica de conservaao e gesto integradas de recursos hdricos e florestais e m urna bacia hidrogrfica.

    Segundo S A C H S (1993), a sustentabilidade apresenta algumas dimenses bsicas: a sustentabilidade ecolgica, que implica na garanta do respeito a parmetros de renovao dos processos ecolgicos essenciais, na conservaao da biodiversidade e na sade do planeta; a sustentabilidade econmica, que implica no reconhecimento da necessidade do desenvolvimento e do respeito ao dinamismo da economa c o m o base para as oportunidades de atendimento as necessidades humanas; a sustentabilidade social, referenciada na busca da diviso equnime dos beneficios do desenvolvimento e das oportunidades associadas aos aproveitamentos e

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    desaproveitamentos dos recursos ambientis; a sustentabilidade poltica, que acarreta na construo de estrategias de desenvolvimento e seus processos decisorios c o m base e m mecanismos democrticos de consulta, formulao, debate e deciso; e a sustentabilidade espacial, que implica e m reconhecer o destaque que assume no contexto das questes ambientis urna melhor distribuio das atividades humanas no territorio

    Assim, na perspectiva do desenvolvimento sustentvel e m urna bacia hidrogrfica, o trinomio scio-economico-ecolgico funciona c o m o o tripe de suporte apoiado por urna viso poltica e espacial. Esse entendimento do desenvolvimento exige objetivos claros, refletidos e m polticas pblicas que orientem as iniciativas da sociedade civil e do poder pblico. D e ve ser tambm democrtico, c o m efetiva participao dos diferentes segmentos sociais as decises dos orga-nismos gestores de bacia.

    Pesquisa encomendada pelo W W F - Brasil ao I B O P E revelou que embora existam, atualmente, 100 comits de bacias hidrogrficas e mais de 40 consorcios intermunicipais de bacias, 70% dos brasileiros dizem jamais ter ouvido falar dos comits. Apenas 29% afirmaram ter ouvido falar. Entre estes, 92% nao conhecem ningum que participe de u m comit de bacia. "Estes dados sao extremamente perturbadores, tendo e m vista que os comits de bacias, alm de nao serem poucos, sao a forma da sociedade participar da gesto e conservao dos recursos hdricos", disse Samuel Barrete coordenador do Programa Aguas para a Vida. E nao por falta de intresse: 65% dos entrevistados declararam estar dispostos a "participar de u m grupo para decidir sobre o uso da agua no local onde mora, ou fazer trabalho voluntario para proteo da agua", e 76% participariam de campanhas e abaixo-assinados para recuperao de mananciais e uso responsvel da agua.

    Por isso, h necessidade de que os comits de bacias constituam e m fruns reais de planej amento e de tomada de deciso e m temas relacionados ao desenvolvimento sustentvel na bacia, acrescendo ao seu papel de gestor das aguas, responsabilidades mais ampliadas.

    Neste sentido, o sistema de gesto da Reserva da Biosfera da Mata Atlntica e outros organismos gestores de florestas devem interagir cada vez mais c o m os organismos gestores de bacias, reforando a viabilizao de iniciativas que atendam tais objetivos comuns.

    3.8 Conservao e recuperao das florestas

    A Conservao da Natureza, conforme a Lei Federal n 9.985 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza - S N U C (IB A M A , 2002), entendida c o m o o manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservao, a manuteno, a utilizao sustentvel, a restaurao e a recuperao do ambiente natural, para que possa produzir o maior beneficio, e m bases sustentveis, as atuais geraoes, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspiraes das geraoes futuras, e garantindo a sobrevivencia dos seres vivos e m geral.

    A conservao das florestas tem se dado e m boa parte c o m a criao e utilizao de instrumentos legis, c o m o os j referenciados anteriormente nesse documento. T m sido ampliadas e tornadas mais eficazes as prticas de gesto ambiental que visam conservao. Geralmente esto ligadas a projetos e programas ambientis mantidos por instituioes pblicas e privadas, mas ainda sao insuficientes c o m o atividades de rotina.

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    A criaao, implantao e manuteno de reas Protegidas, reas especialmente dedicadas proteo e manuteno da diversidade biolgica e de seus recursos naturais e culturis associados, e manejadas por meio de instrumentos legis ou outras meios efetivos ( M M A , 2002), poderia ser urna das principis forma de preservar, manter e usar sustentavelmente os remanescentes florestais existentes. N a prtica brasilea, a efetividade das reas protegidas ainda u m grande problema, quaisquer que sejam os nveis de governo onde estas sao criadas e geridas.

    A criaao e gesto de reas Protegidas tomou impulso nos ltimos anos ao receberem maior ateno por parte do Governo Federal e de alguns governos estaduais e municipals. O Programa Parques do Brasil, por exemplo, conduzido pela Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministerio do Meio Ambiente estabeleceu c o m o meta atingir a proteo de 10% de cada u m dos biomas brasileos, tendo e m vista garantir a proteo da biodiversidade brasilea, a gerao de emprego e renda e a melhoria da qualidade de vida da populao brasilea.

    Entre os varios tipos de reas Protegidas esto as Unidades de Conservao, espaos territorials e seus recursos ambientis, incluindo as aguas jurisdicionais, c o m caractersticas naturais relevantes, legalmente instituidos pelo Poder Pblico, c o m objetivos de conservao e limites definidos, sob regimes especiis de administrao, as quais se aplicam garantas adequadas de proteo. Estas foram recentemente abrigadas sob a Lei do S N U C onde dividem-se e m dois grupos distintos. A s Unidades de Proteo Integral, que tem por objetivo a preservao da natureza e admite o uso indireto dos recursos naturais, e as Unidades de U s o Sustentvel, que permitem compatibilizar a conservao da natureza c o m o uso sustentvel de parte dos seus recursos.

    A s Areas de Preservao Permanente, c o m o outro tipo de Areas Protegidas, sao definidas pelo Cdigo Florestal c o m o sendo certas reas pblicas, ou particulares, as quais a supresso total ou parcial da vegetao natural s permitida, mediante previa autorizao do Poder Executivo Federal, quando necessria execuo de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pblica ou de intresse social. Garantir a integridade das reas de Preservao Permanente tem sido u m grande desafio. O papel da cobertura florestal nelas existentes j foi amplamente discutido nesse documento sob tica da melhoria da disponibilidade e qualidade das aguas.

    A s Reservas Legis sao reas de cada propriedade particular onde nao permitido o corte raso da cobertura vegetal. Esse tipo de rea Protegida deve ter seu permetro definido, sendo obrigatrio sua averbao margem da inscrio da matrcula do imvel do registro de imveis competente. Ainda que a rea m u d e de titular ou seja desmembrada vedada a alterao de sua destinao. A escolha e manuteno das Reserva Legais de urna propriedade poderia objetivar conservao dos recursos hdricos. Se assim fosse, a obrigatoriedade de manter 2 0 % da rea da propriedade c o m o reserva tambm traria grande significado para a qualidade e disponibilidade das aguas da regio. Enttetanto, a legislao que estabelece a obrigatoriedade desse procedimento parcamente cumprida.

    Existem diversas alternativas para tomar esta legislao mais efetiva e que poderiam ser adotadas pelos rgaos governamentais encarregados do licenciamento ou do fomento para o meio rural e urbano. Isso ampliara significativamente o somatrio das reas de reserva legal no solo brasileo. Alguns Estados v m inovando nesse sentido vinculando a obteno de financiamentos ou licenas ao cumplimento da legislao ou criando programas especficos que atuam sobre o assunto.

    U m enorme incremento nos beneficios gerados pela floresta para a qualidade e disponi-bilidade das aguas superficiais e subterrneas poderia ser obtido apenas c o m a efetivao das

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    reas Protegidas j definidas por lei e c o m as metas estabelecidas pelas polticas governamentais de conservao. M e s m o assim, necessrio intervir fortemente na recuperao das florestas, inclusive naquelas reas de preservao permanente que encontram-se degradadas.

    A partir de urna proposta inicial apresentada pelo Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlntica, posteriormente discutida e complementada pela Cmara Tcnica da Mata Atlntica, o C O N A M A estabeleceu as "Diretrizes para a Poltica de Conservao e Desenvolvimento Sustentvel da Mata Atlntica" ( C O N A M A , 1998). Entre os principios definidos est "a recuperao das reas degradadas e a recomposio das formaces florestais".

    A recomposio, c o m o forma de recuperao da floresta, entende a busca de urna situao o mais assemelhada possvel da floresta original. Difere da restaurao, onde seriam reproduzidas as condies exatas do local tais c o m o eram antes da alterao, e tambm da reabilitao, que estabelece-se e m funo de urna proposta de uso ou reaproveitamento da rea ( N O F F S , G . ; G A L L I , F. & G O N A L V E S L.,1996). A recuperao pode se dar c o m maior ou menor interferencia humana, por meio de instrumentos e formas de manejo que propiciaro o restabelecimento dos processos de sucesso fitoecolgica, de forma natural ou dirigida, at atingir urna condio desejada.

    E m urna Poltica Integrada de Conservao e Gesto dos Recursos Hdricos e Florestais, ao tratarmos da relao positiva entre cobertura florestal, disponibilidade e qualidade das aguas superficiais e subterrneas, nao poderamos deixar de lado outros servios ou beneficios ambientis proporcionados pelas florestas. Alguns exemplos como a biodiversidade, o seqestro de carbono, as alternativas de uso mltiplo de seus produtos madeireiros e nao madeireiros, a alimentao animal, o turismo ecolgico, o conforto climtico e o prazer paisagstico ilustram a complexidade destes beneficios diretos e indiretos que u m sistema florestal pode proporcionar. Por isso pretendemos reforar aqu a perspectiva da recuperao florestal multifuncional, entendida c o m o aquela que, sob a tica do desenvolvimento sustentvel, traz e m si a gerao e aproveitamento da complexidade dos beneficios ambientis, sociais e econmicos possveis.

    Essa diversidade de servios pode se manifestar e m diversos tempos caracterizando a recomposio c o m o u m processo que gradativamente acrescenta qualidade ao ambiente degradado at atingir u m estado mais equilibrado. Nessa perspectiva, vale a pena estabelecer estrategias de c o m o alcanar o estado de ambiente recomposto aproveitando o m x i m o de beneficios que podem ser gerados ao longo desse processo. Isso permite a adoo de varias formas de interferencia, conforme o tipo de degradao existente, as condies scio-economicas dos agentes de recuperao e as metas intermediarias que forem estabelecidas.

    A interveno pode se dar por meio da potencializao dos processos de recuperao natural, caso o estado de degradao nao seja extremo e existam condies fsicas e biolgicas dos solos, b e m c o m o fontes de sementes e dispersores naturais para que o repovoamento de especies venha a ocorrer a b o m termo. o caso do uso de creamente das reas de capoeira evitando a presso de pastoreio do gado.

    N o caso de haver dificuldades para o sucesso do processo natural, urna interferencia mais intensa e qualificada pode ser realizada, desde que respeitadas as sucesses fitoecolgicas e a interao planta-animal (REIS A . et al, 1999). o caso de reflorestamentos c o m especies nativas, dotados de diferentes momentos de interveno pelo planto sucessional de especies pioneiras, secundarias e tardas, associados valorizao, proteo e potencializao da interveno de

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    animais "semeadores" e "plantadores" no restabelecimento natural de especies vegetis.

    A implantao de sistemas produtivos c o m caractersticas ecolgicas pode ser outra alternativa. O s sistemas agroflorestais podem conter metas intermediarias de manejo e utilizaao de produtos de especies exticas associados aos de especies florestais nativas. Por meio deles possvel reduzir os cusios de recuperaao das reas de Preservao Permanente e de Reserva Legal ( R U S S O R . , 2002) e as especies exticas podem ser eliminadas do sistema e o manejo gradativamente reduzido at que, e m urna meta de tempo, a cobertura florestal nativa da A P P se restabelea.

    N a implantao de sistemas silviculturais c o m especies nativas, prticas de manejo podem ser adotadas para u m melhor rendimento na produo da floresta nativa, desde que os cuidados necessrios para a manuteno de bancos de germoplasma das especies retiradas sejam tomados. A m b o s os casos podero tratar, inclusive, de urna recomposio florstica onde a interferencia humana propicia o repovoamento ou o enriquecimento de urna determinada formao florestal c o m especies nativas de ocorrncia natural que tenham sido levadas ao desaparecimento, c o m o no caso do palmiteiro Euterpes edulis ( N O D A R I R . et al, 2000).

    Percebe-se ai urna variedade de abordagens para a recuperaao florestal na busca daquela que melhor ajusta-se as condies locis da rea sob interferencia. Desde a recomposio c o m finalidades conservacionistas e de proteo ambiental, at aquela interveno que assume este m e s m o compromisso, mas associado ao manejo e utilizaao sustentvel dos produtos e servios. Qualquer urna dlas, porm, poder ter u m maior ou menor grau de qualidade, conforme disponha-se de conhecimento, planejamento e investimento. Retoma-se aqui a noo de processo, onde toda a iniciativa que propicie o restabelecimento da sucesso fitoecolgica poder atingir u m estado recomposto.

    N a o podemos deixar, claro, de inserir a recuperaao florestal multifuncional no contexto da socioeconomia florestal, sob pena de estarmos preconizando algo socio-cultural e econmicamente invivel. A sustentabilidade as prticas de manejo florestal tem, de m o d o geral, se apresentado inconsistente e constrangedora por urna srie de motivos: competio e m condies desiguais c o m produtos ilegais; falta de conhecimento da legislao; falta de orientao e assistncia tcnica; lentido dos rgaos licenciadores; falta de regularizao fundiria; dificuldades de acesso ao mercado; dificuldades gerenciais e falta de crdito e/ou incentivos fiscais ( S I M E S , L . e L I N O , C . R , 2002). S o m a m - s e os aspectos culturis que determinam urna preferencia pelos processos meramente extrativistas de origem colonial, sem qualquer forma de manejo sustentvel. Isso estabelece a necessidade de urna interveno sistmica que permita abordar o conjunto de fatores determinantes das dificuldades para o sucesso do manejo florestal sustentvel, ou pelo menos sobre os mais importantes.

    3.9 Educao Ambiental e Mobilizaco

    A educao ambiental deve ser u m processo crtico, participativo, atuante e sensvel que reforce o elo entre a sociedade e rgaos que atuam na questo ambiental e m busca da conscientizao e da aquisio de valores, comportamentos e prticas mais ticas e responsveis e m relao ao meio ( M M A / M E C , 1 9 9 7 ) . Este processo deve afastar-se da pedagoga exclusivamente informativa e da abordagem moralizadora e convencional, incorporando vivencias de sensibilizao e criao, praxis e reflexo.

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    A conscientizaao s poder ser atingida quando gerada na propria comunidade e nao a partir da doao externa de valores. D e maneira geral, quanta maior a participaco da sociedade na construo dos instrumentos de educao, maiores os seus resultados. Para que as pessoas, de fato, se preocupem e se responsabilizem por suas aes, desenvolvendo o sentido de cuidado e de conservao, fundamental que se construam relaes mais interativas, crticas e mobilizadoras.

    Algumas intervences e m educao ambiental e mobilizao abordam os problemas ambientis de forma pontual, as vezes de u m a maneira ingenua e utilitarista, relevando a construo de u m processo sistmico. Infelizmente essas abordagens tem sido frquentes, se nao predominantes no tratamento das questes relacionadas aos recursos hdricos e florestais. U m a abordagem mais profunda necessria, pois proporciona u m a percepo ampia e integrada das relaes ser humano/ambiente. Nela estaro sendo considerados os aspectos polticos, ticos, sociais, tecnolgicos, cientficos, econmicos, culturis e estticos, principalmente quando conduzida n u m a perspectiva transdisciplinar, global e equilibrada.

    ainda fundamental que se estabelea u m a slida coerncia entre as concepes e prticas educativas e os principios que regem o paradigma ecolgico emergente. Por isso, a importancia de ser avaliada a ideologa subjacente a todas as prticas, m e s m o os jogos e as brincadeiras infantis. O s valores auto-afirmativos de competio e dominao devem ser substituidos por aes mais solidarias e cooperativas baseadas na convivencia, parceria e integrao.

    Nessa perspectiva, importante a realizao de trabalhos, mosteas e aes conjuntas que valorizem processos de auto-desenvolvimento e afirmao da coletividade, e m especial no caso da gesto de recursos coletivos e de intresses difusos como os representados pelas aguas e florestas.

    Cabe ressaltar que todos os elementos integrantes das aes planejadas precisam ser avaliados c o m extrema profundidade quanto ao peso de seus valores culturis, afetivos e estticos, frente aos econmicos e utilitarios. N a o possvel construir u m sentimento natural de respeito, cuidado e proteo dos seres vivos quando estes sao transformados e m objetos ou considerados c o m o meros recursos a serem explorados. Por isso, u m a vez que admitimos o termo "recurso" ao referir-se as florestas e aguas, vital do ponto de vista da conscientizaao ambiental que o seu significado seja reavaliado c o m as comunidades locis frente aos principios da educao holstica e da ecologa profunda abordados por F E R R Y (1994), B O F F (1999), H E E M A N N (1998), H U T C H I S O N (2000), C A P R A (1996).

    Nos processos de mobilizao e conscientizaao importante a implementao de recursos didticos e instrucionais atualizados, diversificados e motivadores. Da o valor de estrategias que propiciem outras leituras da realidade, de envolvimento poltico, sensvel, esttico e ldico (Congresso Internacional e m Educao e Formao Ambiental - Congresso de Moscou, 1987). A sua abrangncia nao deve depender de espaos formais do sistema educacional, m a s atingir a sociedade c o m o u m todo, diferentes grupos de interesse e diversas geraes. A l m disso, poder extrapolar o espao local, buscando u m a identidade regional, estadual ou nacional sobre u m a temtica c o m u m , c o m o no caso das bacas hidrogrficas.

    N a preparao e adaptao de materiais didticos, importante tambm que docentes e educandos participem diretamente. A temtica especfica deve ser definida conjuntamente c o m professores e agentes multiplicadores a partir da anlise da realidade e m questo. Isso reconhece o professor como u m verdadeiro agente de construo e cooperao do processo de Educao Ambiental. A

    LINO and DIAS: Aguas da Mata AtlnticaPrograma Aguas e Florestas da Mata Atlntica

  • pedagoga crtica e libertadora de Paulo Freir, apoiada e m processos dialgicos e adaptada as situaes concretas que se impe a cada realidade, pode ser aqui tomada como urn referential.

    A educaao ambiental c o m o processo continuo e permanente dever fomentar a realizao de experiencias coletivas para todas as idades atravs de instrumentos e estrategias sistemticos que explorem a ludicidade, a sensibilizaao, a criatividade e a cultura local, b e m como a organiza-cao e auto-gesto de grupos da comunidade. Assim, na conservao e gesto integrada de aguas e florestas de urna dada regio fundamental garantir a continuidade e permanencia das aces, o que pode ser obtido c o m o reconhecimento e fortalecimento de iniciativas existentes nos diversos setores da sociedade, e m especial os fruns colegiados (Comits de Bacia, Comits da R B M A , Conselhos de Gesto de U C s entre outros) e instituies de ensino. Isso reduz os riscos de paralisao do processo nos momentos e m que urna ou outra instituio apresenta deficiencia ou dificuldade de atuao.

    Estimular iniciativas de formao e atualizao de professores e outros agentes multiplica-dores e o intercambio de experiencias algo essencial. O estabelecimento de redes de comuni-cao e troca de experiencias no mbito das bacias hidrogrficas pode prever, alm do uso da internet, a realizao de encontros e seminarios locis ou regionais que, entre outros aspectos, promovam a integraao escola-comunidade relacionando o conhecimento cientfico e o "saber popular" sobre a conservao e gesto integrada de aguas e florestas. A s iniciativas devem contemplar a realidade local sem, no entanto, perder de vista as perspectivas regionais e globais. Neste sentido, outros instrumentos podero estar sendo utilizados, c o m o os temas transversais dos Parmetros Curriculares Nacionais ( M E C , 1997), as Agendas 21 Locis ( N O V A E S , W . (Org.); R I B A S , O . ; N O V A E S , R , 2000), os Planos de Gesto Ambiental e os fruns permanentes de Educaao Ambiental.

    oportuno tambm evidenciar a necessidade de ampliaao dos horizontes ambientalistas e de construao de urna viso mais abrangente e profunda da questo ambiental. O papel das O N G s e dos movimentos sociais fundamental e j apresenta u m histrico consistente e m muitas reas no bioma Mata Atlntica, por isso a necessidade de fortalecer as cooperaces interinstitucionais existentes e de estabelecer novas relaces c o m O N G s atuantes.

    recomendvel urna atenao especial as relaces entre o desenvolvimento socioeconmico e a melhoria do meio ambiente, reforando os aspectos positivos entre florestas e aguas e o papel das comunidades e empresas sobre estas. A s atividades de agricultores, empreendedores do setor madeireiro, empresas concessionrias de agua e energia, entre outras, incidem direta-mente sobre a qualidade do meio. Por sua vez, as restries impostas pelas necessidades ecolgicas e pela legislaao tambm apresentam reflexos sobre as condies sociais e econ-micas. A mobilizaao e a capacitaco devero pensar especialmente nos usuarios da bacia hidrogrfica, construindo alternativas conjuntas e ampliando a compreenso dos beneficios da conservao e gesto integradas de aguas e florestas.

    4. Instrumentos Legais e Polticas Setoriais

    O s instrumentos legis, que respaldam urna poltica de integraao na conservao e gesto de florestas e aguas, encontram-se especialmente na Lei 6.938/81 da Poltica Nacional do Meio

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    Ambiente , na Lei 9 .433/97 da Poltica Nacional dos Recursos Hdricos e na Lei 4 .771/65 do Cdigo Florestal Brasileiro, seguido de outras leis, decretos e resolues federis decorrentes.

    O s Estados e municipios abrangidos pelo D o m i n i o da M a t a Atlntica, possuem t a m b m suas legislaes ambientis especficas que no sero enfocadas aqui pela sua amplitude e diversidade, ressaltando-se que muitas vezes ratificam e reforam a propria legislaao federal.

    4.1 Polticas Nacionais de Meio Ambiente e Educao Ambiental

    A Lei federal 6 .938/1981, que dispe sobre a Poltica Nacional do M e i o Ambiente possui urna grande abrangncia, definindo os seus objetivos, principios, diretrizes e sistema de gesto. Define t a m b m os seus instrumentos, que sao:

    I - o estabelecimento de padres de qualidade ambiental; n - o zoneamento ambiental; III - a