Ana Miranda - A Ultima Quimera

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8/9/2019 Ana Miranda - A Ultima Quimera http://slidepdf.com/reader/full/ana-miranda-a-ultima-quimera 1/97 Título: A Última Quimera. Autora: Ana Miranda. Gênero: Romance. Editora: Companhia das letras. Ano da publicaço: !""#. $umeraço de %&'inas: Rodap(. $)mero de p&'inas: *+*. ,i'itali-aço e correço: reuda /ranco. Colaboraço: Ra0ael /ranco. Tal1e- nin'u(m em nossa literatura tenha personi0icado com tamanha 0orça a 0i'ura do outsider2 do bi-arro2 do homem com uma sensibilidade 0ora do normal2 como Au'usto dos An3os 4!5567!"!687 ncompreendido em seu tempo e 9uase miser&1el 4como herança 0amília dei;ou pouco mais do 9ue os e;emplares encalhados de seu )nico li1ro82 o poeta paraibano 0oi um dos raros escritores a transpor o abismo entre as e;press<es liter&rias do 0inal do s(culo e a e;ploso do modernismo. =ua obra permanece 1i1a2 no apenas nos manuais de literatura mas nos poemas 9ue se incorporaram mem>ria popular. Em A )ltima 9uimera2 Ana Miranda parte dos pr>prios 1ersos e cartas de Au'usto a sua adorada me para recompor a atmos0era soturna de sua obra e o itiner&rio dram&tico de sua 1ida2 desde a in0?ncia no En'enho do %au d@Arco at( os )ltimos dias na cidade mineira de eopoldina. %articularmente not&1el2 neste li1ro2 ( a e1ocaço do Rio de Baneiro2 onde o poeta atra1essou anos cruciais de seu desen1ol1imento. Ali2 na9uela (poca de transiço2 9uando os primeiros autom>1eis disputa1am as ruas com os tílburis pu;ados a ca1alo2 ainda se 0a-iam sentir os )ltimos suspiros de uma belle (po9ue sensual e boêmia. %or esse cen&rio tumultuado2 onde ousados pro3etos de reurbani-aço da Capital con1i1iam com disputas políticas e liter&rias 9ue ma'neti-a1am toda a populaço2 des0ilam persona'ens reais e 0ictícios2 surpreendidos nos momentos mais si'ni0icati1os. E ( nesse conte;to inusitado 9ue emer'e2 como contraponto ao drama de Au'usto2 a 0i'ura ímpar de la1o Dilac. Tratado com sensibilidade e preciso2 ele cresce medida 9ue o li1ro a1ança. Escrita com todo o 0austo da nossa lín'ua2 esta obra re1ela7se2 no con3unto2 uma das mais belas criaç<es da autora e assinala um da9ueles momentos sublimes em 9ue o romance hist>rico alcança o ní1el da mais in1enti1a 0icço. Ana Miranda nasceu em /ortale-a2 em !"#!. Cresceu em Drasília e morou no Rio de Baneiro de !"" a !""". Atualmente 1i1e em =o %aulo. niciou sua 1ida liter&ria em !"F52 com um li1ro de poesia2 An3os e demnios. %ela Companhia das etras2 publicou Doca do n0erno 4!"5"H %rêmio Babuti82 retrato do rei 4!""!82 =em pecado 4!""*82 ,esmundo 4!""82 AmriI 4!""F82 $oturnos 4!"""82 Clarice 4!"""H primeira ediço pela Relume7,umar&8 e ,ias J ,ias 4+KK+8. Companhia ,as etras Ana Miranda A Última Quimera A mo 9ue a0a'a ( a mesma 9ue apedre3a. Au'usto dos An3os CopLri'ht !""#2 !"" bL Ana Miranda

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Título: A Última Quimera.Autora: Ana Miranda.Gênero: Romance.Editora: Companhia das letras.Ano da publicaço: !""#.$umeraço de %&'inas: Rodap(.

$)mero de p&'inas: *+*.,i'itali-aço e correço: reuda /ranco.Colaboraço: Ra0ael /ranco.

Tal1e- nin'u(m em nossa literatura tenha personi0icado com tamanha 0orça a0i'ura do outsider2 do bi-arro2 do homem com uma sensibilidade 0ora do normal2como Au'ustodos An3os 4!5567!"!687ncompreendido em seu tempo e 9uase miser&1el 4como herança 0amília dei;oupouco mais do 9ue os e;emplares encalhados de seu )nico li1ro82 o poetaparaibano 0oium dos raros escritores a transpor o abismo entre as e;press<es liter&rias do0inal do s(culo e a e;ploso do modernismo. =ua obra permanece 1i1a2 no apenasnosmanuais de literatura mas nos poemas 9ue se incorporaram mem>ria popular.Em A )ltima 9uimera2 Ana Miranda parte dos pr>prios 1ersos e cartas de Au'usto asua adorada me para recompor a atmos0era soturna de sua obra e o itiner&riodram&ticode sua 1ida2 desde a in0?ncia no En'enho do %au d@Arco at( os )ltimos dias nacidade mineira de eopoldina.%articularmente not&1el2 neste li1ro2 ( a e1ocaço do Rio de Baneiro2 onde opoeta atra1essou anos cruciais de seu desen1ol1imento. Ali2 na9uela (poca detransiço29uando os primeiros autom>1eis disputa1am as ruas com os tílburis pu;ados aca1alo2 ainda se 0a-iam sentir os )ltimos suspiros de uma belle (po9ue sensual eboêmia.%or esse cen&rio tumultuado2 onde ousados pro3etos de reurbani-aço da Capitalcon1i1iam com disputas políticas e liter&rias 9ue ma'neti-a1am toda a populaço2des0ilampersona'ens reais e 0ictícios2 surpreendidos nos momentos mais si'ni0icati1os. E( nesse conte;to inusitado 9ue emer'e2 como contraponto ao drama de Au'usto2 a0i'uraímpar de la1o Dilac. Tratado com sensibilidade e preciso2ele cresce medida 9ue o li1ro a1ança.Escrita com todo o 0austo da nossa lín'ua2 esta obra re1ela7se2 no con3unto2 umadas mais belas criaç<es da autora e assinala um da9ueles momentos sublimes em9ueo romance hist>rico alcança o ní1el da mais in1enti1a 0icço.

Ana Miranda nasceu em /ortale-a2 em !"#!. Cresceu em Drasília e morou no Rio deBaneiro de !"" a!""". Atualmente 1i1e em =o %aulo. niciou sua 1ida liter&riaem !"F52 com um li1ro de poesia2 An3os e demnios. %ela Companhia das etras2publicou Doca do n0erno 4!"5"H %rêmio Babuti82 retrato do rei 4!""!82 =empecado4!""*82 ,esmundo 4!""82 AmriI 4!""F82 $oturnos 4!"""82 Clarice 4!"""H primeiraediço pela Relume7,umar&8 e ,ias J ,ias 4+KK+8.Companhia ,as etras

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A mo 9ue a0a'a ( a mesma 9ue apedre3a.Au'usto dos An3os

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Capa: Ettore Dottini sobre de1aneio2 pastel e 'i- ne'ro de ,ante GabrielRosseti2 e desenho da autora 49uarta7capa8%reparaço: =tella de ucaRe1iso: =olan'e =cattolini sabel CurL =antanaA'radeço ao Minist(rio da Cultura e Diblioteca $acional o au;ílio decorrentedo %ro'rama de Dolsas para Escritores Drasileiros7 !""6 e ao Espaço Au'usto dos

An3os2em eopoldina2 MG,ados nternacionais de Catalo'aço na %ublicaço 4C%8 4C?mara Drasileira doi1ro2 =%2 Drasil8Miranda2 AnaA )ltima 9uimera N Ana Miranda. 7 =o %aulo : Companhia das etras2 !""#.=D$ 5#7F!676#67*!. Romance brasileiro !. Título."#7!*F5 C,,75"."*#índices para cat&lo'o sistem&tico:!. Romances : =(culo +K : iteratura brasileira 5"."*#+. =(culo +K : Romances : iteratura brasileira 5"."*#+KK6Todos os direitos desta ediço reser1ados E,TRA =COPARC T,A.Rua Dandeira %aulista2 FK+2 c3. *+ K6#*+7KK+ 7 =o %aulo 7 sp Tele0one: 4!!8*FKF7*#KK /a;: 4!!8 *FKF7*#K! .companhiadasletras.com.brA QSMERAa primera noticia de la Quimera est& en el libro de la lía7da. Abi est&escrito 9ue era de lina3e di1ino L 9ue por delante era un le>n2 por el m(dio unacabraL por el 0in una serpienteH ecbaba 0ue'o por la boca L la mat> el bermosoDelero0on7te2 bi3o de Glauco2 se')n lo habían presa'iado los dioses. Ca7be-a dele>n2 1ientrede cobra L cola de serpiente2 es la interpretaci>n m&s natural 9ue admiten aspalabras de Oomero2 pero la Teo'onía de Oesíodo la describe con tres cabe7-as2 Lasíest& 0i'urada en el 0amoso bronce de Are--o2 9ue data dei si'lo . En la mitaddei lomo est& la cabe-a de cabra2 en una e;tremidad la de serpiente2 en otra ladele>n.En el se;to libro de la Eneida reaparece Ula Quimera armada de liamosUH elcomentador =er1io Oonorato obser1o 9ue2 se')n todas as autoridades2 el monstruoera ori'in&riode icia L 9ue en esa re'i>n baL un 1olc&n2 9ue lle1a su nombre. a base est&in0estada de serpientes2 en as laderas baL praderas L cabras2 la cumbre e;balallamaradasL en ella tienen su 'uarida los leonesH la Quimera seria una met&0ora de esacuriosa ele1aci>n. Antes2 %lutarco babía su'erido 9ue Quimera era el nombre deun capit&nde a0iciones pir&ticas2 9ue babía becbo pintar en su barco un le>n2 una cabra Luna culebra.Estas con3eturas absurdas prueban 9ue la Quimera La esta ba cansando a la 'ente.Me3or 9ue ima'inaria era tra7ducirla en cual9uier otra cosa. Era demasiadohetero'êneaHel le>n2 la cabra L la serpiente 4en al'unos te;tos2 el dra'>rí8 seresistían a 0ormar un solo animal. Con el tiempo2 la Quimera tiende a ser Ulo9uim(ricoUH una broma 0amosa de Rabelais 4U=i una 9uimera2 bambolendose en el1acío2puede comer se'undas intencionesU8 marca muL bien la transici>n. a in7coberente0orma desapareceL la palabra 9ueda2 para si'ni0icar lo imposible. dea 0alsa21anaima'inaci>n2 es la de0inici>n de 9uimera 9ue ahora da el diccionario.0or'e uis Dor'es e Mar'arita Guerrero2 Manual de -oolo'ia 0ant&stica 4Cidade do

M(;ico2 /ondo de Cultura Econmica2 !"#F8

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%arte SMRio de Baneiro !+ de no1embro de !"!6A plenitude da e;istência!$a madru'ada da morte de Au'usto dos An3os caminho pela rua2 pensati1o2 9uandoa1isto la1o Dilac saindo de uma con0eitaria2 de 0ra9ue e calça ;adre-2 com

bi'odesencerados de pontas para cima e pincenê de ouro se e9uilibrando nas abas donari-. Embora este3a perto dos cin9Venta anos2 o poeta do amor carnal ainda tema9ueleolhar 9ue tanto a'rada s bur'uesas e s prostitutas ou2 para citar ele mesmo2s la1adeiras e s condessas.=into pudor de diri'ir7me a este homem ereto2 0amoso2 rutilante2 rec(m7che'adode %aris2 em seu tom de poeta supremo2 com 9uem um simples passeio na rua dou1idore9Vi1ale a uma consa'raço liter&ria. $o 9uero ser con0undido com umoportunista2 ou com um chaleirista. Mas sendo este um momento de pro0undatriste-a2 e a triste-a( uma esp(cie de anest(sico2 tomo cora'em2 3o'o 0ora o ci'arro2 paro em 0rentede Dilac e lhe di'o um 9uase inaudí1el bom7dia2 por(m percebendo lo'o o erro 9uecometime corri3o:UDoa noiteU.Ele me e;amina com estranhe-a2 tentando me reconhecer. Recua a cabeça2 aperta osolhos e responde2 ainda interro'ati1o2 ao meu cumprimento2 tocando de le1e nacartola.B& 1ai se a0astando de mim 9uando o interpelo no1amente2 di-endo al'o a respeitode Th(ophile Gautier2 a 9uem Dilac muito admira. Ele p&ra e se 1olta2 sorrindo./alamos al'uns minutos sobre!!o escritor 0rancês2 desde tolices como minha re0erência a suas calças 1erde7&'uae seu colete cere3a2 1aiados em plena rua e 9ue se tornaram uma polêmicamundial2at( coisas importantes2 9ue Dilac introdu- na con1ersa2 como coment&rios arespeito da arte pela arte2 dos poetas rom?nticos no cen&culo do beco de,oLenn(.%assamos a 0alar a respeito de Dan1ille e lo'o2 por uma associaço per0eita2sobre Daudelaire2 de 9uem uma 1e- disseram 9ue um odor 0(tido de alco1a porcaemana1adas suas poesias. Che'amos2 portanto2 onde eu dese3a1a./alar sobre Daudelaire tem o mesmo 'osto 9ue 0alar sobre Au'usto dos An3os.Relato a la1o Dilac a recente morte do poeta paraibano. Ele me pede 9ue repitao nome.UAu'usto dos An3osU2 repito.Dilac di- 9ue lamenta muito mas2 por um lapso2 no o conhece2 tem andado mais em%aris 9ue no Rio de Baneiro. Com o rosto sinceramente compun'ido pedein0ormaç<essobre Au'usto2 tal1e- pensando na pr>pria morte 7 seus )ltimos poemas no somais 1oluptuosos como no =arça de 0o'o2 por(m melanc>licos e re0le;i1osH e2 comocronista2no ( mais to irnico e 0escenino. ,i'o 9ue Au'usto dos An3os 0oi um 'randepoeta 0iloso0ante2 cienti0icista2 sim2 mas com um abismo dentro de sua alma 9uele1ao leitor de seus poemas s mais pro0undas es0eras da triste humanidade. Dilacre0lete al'uns instantes2 se'urando o 9uei;o com o indicador e o pole'ar.UTuberculoseWU2 per'unta2 e di'o 9ue no sei ainda a causa da morte de Au'ustodos An3os2 mas 9ue embora tenha morrido aos trinta anos decerto nunca 0oi tísico7era toda1ia asm&ticoH lo'o saberei o moti1o da sua morte2 pois pretendo partir

no primeiro trem para a cidade mineira de eopoldina2 onde ele morreu2 a 0im deassistir

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aos 0unerais. Dilac abana a cabeça ne'ati1amente2 num lamentoH pede 9ue eudeclame um 1erso 9ual9uer do poeta morto2 em se'uida se cala2 espera do poema.!++=ei de cor todos os 1ersos de Au'usto dos An3os2 posso recitar 9ual9uer um delesde 0rente para tr&s e de tr&s para a 0rente. Mas nunca conse'uirei imitar os

modosde Au'usto 9uando declama1a2 trans0i'urado2 sem 0a-er 9uase nenhum 'esto2 usandoapenas a 1o-2 numa 0rie-a e pai;o simult?neas2 as sílabas es7candidas com umasonoridademet&lica2 os olhos penetrantes2 os l&bios tensos. Tiro o chap(u2 aperto7o contrao peito e2 com uma 1o- trêmula2 anuncio o título do poema:Uersos íntimosU. Raspo a 'ar'anta. E inicio a declamaço: UêsWX $in'u(massistiu ao 0ormid&1el enterro de tua )ltima 9uimera. =omente a n'ratido 7esta pantera7 0oi tua companheira insepar&1elX Acostuma7te lama 9ue te esperaX Oomem9ue2 nesta terra miser&1el2 mora entre 0eras2 sente ine1it&1el necessidade detamb(mser 0era. Toma um 0>s0oro. Acende teu ci'arroX bei3o2 ami'o2 ( a 1(spera doescarro2 a mo 9ue a0a'a ( a mesma 9ue apedre3a. =e a al'u(m causa ainda pena atuacha'a2 apedre3a essa mo 1il 9ue te a0a'a2 escarra nessa boca 9ue te bei3aXU.Ao terminar estou suspenso2 0rio2 9uase tonto e abro os olhos. senhor Dilac me0ita2 im>1el2 os l&bios entreabertos2 os olhos um pouco arre'alados2 aindase'urandoo 9uei;o.U%ois bemU2 ele di-. UEh...U Tosse2 cobrindo a boca com a mo. ,epois se cala21isi1elmente perturbado. lha para os lados. $um impulso s)bito dese3a li1rar7sedemim. U%ois se!*9uem morreu ( o poeta 9ue escre1eu esses 1ersosU2 ele di-2 Uento no se perdeu'rande coisa.U E parte2 caminhando depressa2 como se 0u'isse.Conto seus passos pela calçada: tre-eH no d(cimo 9uarto ele começa a atra1essara rua2 no 1i'(simo oita1o cru-a com uma carrua'em e em se'uida desaparece naes9uina./ico so-inho. A'ora sou eu 9uem est& im>1el. Com 9ue2 ento2 o senhor Dilac noapreciou o poemaW Tal1e- eu de1esse ter escolhido outro2 onde no aparecessempala1rasto pouco po(ticas e sentimentos to 1is. Quiç& se3am 1ersos materialistasdemais. Mas esta ( a 1erdade2 sem m&scaras: la1o Dilac no apreciou o poema.ma'inoAu'usto estendido numa cama2 na pe9uena cidade perdida no interior de MinasGerais2 p&lido2 'elado2 l&bios a-ulados2 mos rí'idas2 e Esther debruçada sobreseupeito2chorando.!6*Esther. Como estar& elaW Tiro do bolso o 0>s0oro e acendo meu ci'arro. /umandocaminho na rua pensando nela2 Esther 1i)1a2 1estida de preto2 com um 1(utransparentene'ro2 lu1as escondendo suas mos delicadas. Mulher de uma bele-a an'elical2olhos escuros2 em amêndoa2 palide- de ma'n>lia2 sobrancelhas 'rossas2 cintura deprincesa1inda do reino de Catai ou =amarcanda2 seios eretos2 9ue no precisam deespartilho2 como os de uma adolescente. Esther ( no1amente uma mulher li1re. Aopensarnisso

me sinto sem ar. %ercebo 9ue estou no %asseio %)blico e saio em busca de umbanco para sentar7me e me re0a-er.

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%asseio %)blico ( um dos lu'ares onde mais 'osto de permanecer2 nas minhashoras de re0le;o. $o durante o dia2 9uando as crianças enchem as al(ias comsua presençaale're e os rapa-es 1êm corte3ar as 3o1ens ou procurar uma delas para seusde1aneiosH nem 9uando senhores e damas cru-am as alamedas entre os baob&s2 ou3o'am cartas2

ou ou1em a banda dos alemesH tampouco 9uando2 de noite2 os aristocratas passamem direço casa de Gla-iou ou os boêmios 1o ao ca0(7cantante. Gosto das horasraras em 9ue o %asseio est& deserto2 9uando apenas um ou outro transeuntecaminha silencioso2 9uase in1isí1el2 e homens da Guarda rondam atr&s de 1adios.$essesmomentos de solido as &r1ores parecem soberanas2 o la'o permanece limpoH as&'uas do cha0ari- do menino!#podem ser ou1idas como uma m)sica mon>tona2 propensa ao raciocínio e ruminaçode pai;<es secretas. Este ( um momento assim2 e me sento no primeiro banco 9uea1isto.A lua est& bai;a2 o bos9ue mer'ulhado em penumbra2 embora as copas de al'umas&r1ores brilhem sob uma lu- prateada. $o cho2 a1isto um 0ilhote de p&ssaroa'oni-ando:um corpo ma'ro2 os ossos delineados sob a pele2 o peito estu0ado pulsando. A1iso deste animal ainda mal emplumado2 9ue morre sem 3amais ter podidoe;perimentara plenitude de sua e;istência2 9ue ( o ato de 1oar2 me le1a no1amente a pensarem Au'usto. %or causa deste pe9ueno p&ssaro 9ue parece um 0eto2 rememoro uma dasmuitas1e-es em 9ue 1isitei Au'usto2 uns dois ou três anos atr&s. Ele era um obscuropro0essor de 'eo'ra0ia2 coro'ra0ia e cosmo'ra0ia do Gin&sio $acional do Rio deBaneiroe a'ente da Companhia de =e'uros =ul7Am(ri7ca. Mora1a2 com Esther2 ainda napraça do cais Mau&2 num sobrado de 3anelas altas e 'rades de 0erro batido nasacada.cupa1am apenas o se'undo andar 7 o primeiro ser1ia como residência de tiaAlice2 Debê e tio Dernardino. %ara che'ar aos aposentos de Au'usto2 era precisosubiruma escada de madeira 9ue ran'ia e tremia sob nossos p(s.Este era o se'undo lu'ar onde o casal morou. ,ali2 lo'o se mudariam para umacasa de penso na rua =o Clemente2 em Dota0o'oH depois para a Marechal Oermes2a se'uirpara a Mal1ino Reis2 depois para a OaddocI obo2 depois para um chal( na rua,el0ina2 uma rua deserta sem lu- el(trica2 e a0inal 0oram para a Aristides obo2onde1i1eram em duas di0erentes casas de penso2 antes de partirem para eopoldina2 eainda outros endereços dos 9uais no ti1e conhecimento2 sempre lu'ares pobres oudecadentes2 numa melanc>lica pere'rinaço2 no sei se em busca de al'o ou se0u'indo de al'uma coisa.!6$a9uela tarde em 9ue o 1isitei no sobrado2 Au'usto me pareceu um homem maisso0rido2 mais 1elho do 9ue os 1inte e al'uns anos 9ue tinha na realidade. estiaroupasordin&rias2 embora ele'antesH conser1a1a o ar de al'u(m 9ue 1i1ia nas alturas eesta1a nesta terra apenas descansando de suas 1ia'ens espirituais e dasanormalidadesde seu pensamento.Eu temia encontr&7lo sentado numa poltrona2 abatido por um de seus acessos dedispn(ia2 com os p(s numa bacia de &'ua 9uente e aplicando sinapismos naspernas.Mas

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no. Continua1a cioso de sua di'nidade2 alti1o e obcecado pelo eni'ma da morte 79ue parecia pairar sobre sua cabeça2 com asas ne'ras abertas mantendo7o numare'iode sombra./a-ia um 0rio de 9uebrar a ca1eira e Au'usto usa1a sobre os ombros uma 1elhamanta preta de l2 tricotada por Esther.

UComo 1ai esse pere'rino auda-WU2 per'untei.Au'usto me abraçou 0raternalmente2 me 0e- entrar e sentar7me na melhor poltronada sala. Oa1ia um piano encostado numa das paredes2 com a tampa do tecladoabertae uma partitura na estante2 entre as duas 1elas ainda acesas nos candelabros2 o9ue podia si'ni0icar 9ue Esther esta1a ali antes de eu che'ar e tal1e- ti1esseparadode tocar para re0a-er o penteado ou 1estir um casaco melhor a 0im de me receber.ma'inei Esther sentada ao piano2 tocando Uir'ens mortasU2 com seus dedos depontas 0inas2 numa preciso matem&tica2!F1arrendo tudo de minha mente2 impondo7se com irresistí1el 1iolência2 como me0a-endo mer'ulhar num sono2 a'itando meus 0antasmas amordaçados por minhasproibiç<es2suscitando meus imperiosos sentimentos. ,epois 0antasiei7a diante de umtoucador2 arran3ando os cabelos com uma coi0a2 dese3ando parecer mais bonita2como se 0ossepossí1el. Mas lo'o entrou tia AliceH cumprimentou7me com o mesmo ar crítico desempre2 retirou a partitura da estante2 apa'ou as 1elas e 0echou a tampa dopiano2desaparecendo em se'uida. Era ela2 e no Esther2 9uem tinha estado a tocara9uele instrumento.!5#Au'usto me deu di1ersas notícias 0amiliares. Ele esta1a a par de tudo o 9ue sepassa1a na %araíba 7 a'itaço política2 mo1imento armado no serto2 terrasin1adidas2arma-(ns sa9ueados pelas hordas 0amintas2 can'aceirismo por todos os lados2 asbri'as de Bo9ue2 9ue ainda era presidente da pro1íncia 7 pois de poucos empoucosdias recebia cartas de ,ona Mocinha. Quando demora1a a che'ar uma carta de suame2 Au'usto se torna1a in9uieto2 0uma1a ci'arrilhas de c?n0ora ou de eucaliptoparae1itar um ata9ue de asma2 toma1a banho de &'ua muito 0ria2 0ala1a a cadainstante na 0alta de notícias2 temeroso de si'ni0icar al'uma doença2 ou mesmo amorte2desua adorada me.UArtur2 $ini e %upu esti1eram no Rio de Baneiro2 'o-ando todos os esportes dacidade. Marica Cirne est& passando bem. ,onata 0e- sessenta anos e continuamaternal21ir'em2 dona de todas as 1erdades 0undamentais da nature-a. Generino escre1eu umsoneto para Esther. eio a9ui esta semana2 mesmo2 est& sempre conosco2 assa-interessadoem meus ne'>cios particulares. O& por dentro da9uela casca de es9uisiticespuramente te'umentar uma enorme bondade desconhecida 9ue o a'i'anta de modoe;traordin&rio2 lu- de ri'oroso crit(rio 3ul'ador. Ale;andre est& perto de se 0ormar2 dilonassistir& s 0estas. $o 1ai per'untar por tio Ac&cioW E... Marion CirneW,ecerto1ocê no 9uer 0alar neste assunto2 mas tenho 9ue di-er2!"at( ho3e ela no se casou. E nem 1ai se casar. ocê ( mesmo um estou1ado.

Aprí'io est& constipado. A boa ai&2 sempre re1i'orando as ener'ias pl&smicas dasa)de.

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rene /ialho e l'a possuem ainda a9uele ma'netismo. ,ona Mi9uilina continuasendo a companheira insepar&1el das 0ilhas. Rmulo est& no interior de Minas./aleceuo doutor %acheco2 o pai de Rmulo2 lembra7se deleWU=im2 eu me lembra1a de todos a9ueles persona'ens2 embora os nomes recriassempessoas distantes2 imateriais2 como se esti1essem todas mortas2 s 9uais eu

podia 1erapenas atra1(s de uma espessa neblina. %ara Au'usto2 ao contr&rio2 era como seesti1essem ao seu lado2 em carne e osso2 respirando e 0alando. Ele 1i1ia 1oltadoparaseu passado.+KCon1ersamos sobre o tempo em 9ue (ramos crianças e pass&1amos 0(rias 3untos2 no%au d@Arco. Ele lembrou7se do concri- de seu pai2 9ue 1i1ia numa das 'aiolas daco-inhae do 9ual sabíamos imitar com per0eiço o canto2 9ue por sua 1e- era umaimitaço do canto de um sabi& 9ue 0ica1a perto. embrou7se do per0ume das rosas9ue cresciampelas paredes de ti3olos da casa7'rande2 dos 1idros 1ioleta das 3anelas2 dastelhas to 1elhas 9ue pareciam plantaç<es de 0un'os. /alou2 como sempre2 dahist>riada moeda de ouro roubada por sua ama7de7leite2 9ue ainda o oprimia e o 0a-ia terpesadelos. ,os banhos. ,o trem. ,os morce'os. ,o tamarindo. ,o Mi7santropo.Em se'uida ele me mostrou uma 0olha de canela onde esta1a a escre1er com a pontade um al0inete a pala1ra =audade2 9ue iria mandar para sua meH pus a 0olhadiantede meus olhos2 contra a lu-2 elo'iei o trabalho minucioso de Au'usto2 mas euesta1a suspenso2 espera1a al'o acontecer2 era como se eu ainda no ti1esseche'adona9uelesobrado.,urante nosso encontro s 1e-es Au'usto se entre'a1a a olhar a paisa'em pela3anela e2 9uando ou1ia o apito de um na1io prestes a dei;ar o cais2 0ica1a emsilêncio2absorto2 dando a impresso de estar partindo 3unto com o 1apor. Tal1e- esti1essese lembrando do melanc>lico apito do bueiro no En'enho do %au dArco. Tudo otransporta1aao seu passado 3unto+!dos pais e irmos. =ei 9ue minha 1isita lhe era preciosa por este moti1oH eu lhele1a1a recordaç<es das &'uas ne'ras do Sna2 dos ares cosmopolitas de Cabedelo./oinum desses momentos de abstraço e silêncio 9ue a porta da parte íntima da casase abriu e2 com o coraço disparado2 eu a 1i sur'ir.++FEn1olta num ;ale de barbante2 p&lida2 ma'ra2 Esther entrou na sala para mecumprimentar e ser1ir uma ;ícara de ca0(. Oa1ia al'o di0erente nela2 uma sombraparecidacom a 9ue cerca1a Au'ustoH ela no era mais a moça colorida2 le1e2 ale're deantes2 a moça 9ue sorria e culti1a1a 0lores nas 3anelas e nos 3ardins. %s abande3asobre uma mesinha entre mim e Au'usto2 esboçou um sorriso2 cru-ou os braços sea9uecendo com o ;ale e 0icou ali2 im>1el2 distante da9uela sala escura 9ue elade1iadetestar. $a9uele momento 1i sob seus olhos as olheiras 0undasH suas mosesta1am enri3ecidas.Au'usto tratou de ser1ir2 ele mesmo2 o ca0( nas ;ícaras2 mas percebeu 9ue

0alta1a o aç)car e pediu 9ue Esther o 0osse buscar na co-inha. Quando ela1oltou2 com

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oaçucareiro2 ele a tocou ternamente na mo2 o 9ue a 0e- rubori-ar e lançar umbre1e olhar sobre mim.U& deitar2 no se canseU2 ele disse.Esther se retirou em se'uida2 9uase como um autmato.U%obre de minha esposaU2 disse Au'usto. UErrou ao se casar comi'o.U

%er'untei7lhe por 9ue di-ia isso.UO& em mim2 no sei por 9ue sortil('io de di1indades mal1adas2 uma tara ne'ati1airremedi&1el para o desempenho de umas tantas 0unç<es especí0icas da ladina'emhumana. 9ue eu encontro dentro de mim ( uma coisa sem 0undo2 uma+*esp(cie aberrat>ria de buraco na alma2 e uma noite muito 'rande e muito horrí1elem 9ue ando2 a todo instante2 a topar comi'o mesmo2 espantado dos ?n'ulos de meucorpo e da pertin&cia perse'uidora de minha sombra.USm silêncio pesado se instalou na sala2 at( 9ue Au'usto2 com a 1o- embar'ada2 mecontou sobre a morte2 num parto prematuro2 de seu primeiro 0ilho. $o dia + de0e1ereiro2s seis horas da tarde2 Esther abortara.+65A criança tinha sete meses incompletos 9uando nasceu2 de1ia ser al'uma coisa to0r&'il 9uanto este 0ilhote de passarinho 9ue 1e3o moribundo a meus p(s a9ui no%asseio%)blico. Tomo7o da maneira mais cuidadosa2 0ormo um berço para ele com a conchade minha mo e o a0a'o2 9uem sabe com o calor de meu corpo2 com o a0eto2 elepossase no recuperar7se ao menos sentir7se recon0ortado no momento de sua morte.Madame Morand dissera 9ue a criança ha1ia morrido no 1entre de Esther 9uatro oucinco dias antes. /ora uma sorte Esther ter escapado com 1ida.Madame GennL Morand era uma parteira 0rancesa de muito prestí'io e solicitadapor todos2 tanto 9ue s 1e-es se torna1a necess&ria a inter1enço de um 1ereadoroude um poderoso comerciante para se obter seu atendimento. $o era apenas umacuriosa2 mas uma mulher com curso cientí0ico na /rança e 9ue tinha enri9uecido a0aire!@Am(ri9ue. Tra0e'a1a num carro de lu;o 'uiado por um cocheiro de chap(u altocom roseta na copa./i9uei ima'inando como Au'usto tinha conse'uido tal madame para atender Esther2com sua parca comisso de corretor de se'uros e o pe9ueno sal&rio de pro0essor.Quemteria pa'o o atendimentoW A herança de ,ona Mocinha 0ora de mais de cin9Venta eoito contos de r(is2 por(m ela de1ia ter usado+#'rande parte disso comprando o sobrado na %araíba. A parte de Au'usto na 1endado en'enho2 di1idida entre sete irmos2 0ora 'asta nos primeiros meses de seucasamentoe de sua che'ada ao Rio de Baneiro. Mas isso no importa1a. =enti meu san'ue'elar 9uando pensei no peri'o 9ue rondara Esther.+"Madame Morand tinha 0eito muitas recomendaç<es2 9ue Esther esta1a cumprindo2 coma a3uda de tia Alice. Au'usto disse 9ue a9uela criatura natimorta teria sido2tal1e-2uma 1i'orosa representaço típica da mor0o'ênese de sua 0amília. Teria ele 1istoo cad&1erW Como aconteceu tudo issoW Esther 'ritando no 9uarto2 com madameMoranddiante de suas pernas a0astadas pu;ando a criatura2 tia Alice se'urando a mo dapar7turiente e secando sua 0ronte2 re-ando um terço2 Au'usto percorrendo a sala

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de um a outro lado2 as mos nas costas2 tio Der7nardino cabisbai;o 0umandocharuto2 a parteira tira1a a criança e 1ia 9ue esta1a morta e Esther dei;a1a desorrir2percebendo al'o de errado2 Au'usto empalidecia ao 1er o rosto contrito de madameMorand ao abrir a porta2 corria para o 9uarto e le1anta1a o lenço ensan'Ventado9ue cobria o corpo2 numa cesti7nha de po. /ui tomado por um horrí1el sentimento

de culpa2 como se eu mesmo ti1esse matado a criança. $o 9ueria 9ue Estherti1esseum 0ilho2 ainda 9ue 0osse de Au'usto.Com os dedos trêmulos2 tomei um 0>s0oro e acendi um ci'arro. Au'usto percebeumeu so0rimento e mudou de assunto2 0alando sobre as aulas particulares 9ue da1a2com'rande sacri0ício2 pois ia de casa em casa dos alunos para lecion&7los2 numacansati1a perambulaço pelas ruas 'eladas da cidade.UTenho me sentido bastante incomodado do estma'o e dos ner1osU2 ele disse. UMas( bem pro1&1el 9ue a outra 0ace+Fbrilhante da 1ida 1enha ocupar da9ui a pouco tempo o lu'ar ne'ro em 9ue os mausdemnios2 tal1e- por um mero 'race3o in0ernal2 me têm colocado.UEle era assim. Acha1a 9ue os so0rimentos 1êm do in0erno 7 e decerto 1êm 72 9ueso brincadeiras dos demnios. Tinha uma 1iso 3ocosa do in0erno. Ao contr&riodo9ue pensam dele2 era um homem surpreendentemente bem7humorado2 em sua essênciamais íntima. Ele mesmo se torna1a um demnio para escre1er seus 1ersos e ost)mulos2os 1ermes2 os es9ueletos m>rbidos2 a noite 0unda2 o poço2 os lírios secos2 oss&bados de in0?mias2 os de0untos no cho 0rio2 a mosca debochada2 as mosma'ras2aener')mena 'rei dos (brios da ur7be2 a est&tica 0atal das pai;<es ce'as2 o ni'irnos neurnios2 a promiscuidade das ade'as2 as subst?ncias t>;icas2 a mandíbu7lainchada de um mor0(tico de orelhas de um tamanho aberrat>rio2 um sonho inchado2podre2 todos estes elementos da ima'inaço de Au'usto no passa1am de 'race3osin0ernais.E2 de certa 0orma2 3u1enis.+5!K ca0( es0riou na minha ;ícara2 intocado. Eu me sentia por demais tenso com apresença de Au'usto e com a pro;imidade de Esther2 9ue de1ia estar ento deitadanacama2 descansando2 tal1e- pensando na criança 9ue perdera2 9uiç& pensando emmim2 3ul'ando7me mais ma'ro2 ou mais 0eio2 ou mais p&lido. Tal1e- ti1esse notadoos0ios brancos 9ue ha1ia em minha 0ronte. $a9uele tempo eu tinha apenas 1inte eseis anos2 mas meu aspecto era o de um senhor enco1ado 9ue 1i1ia de roupo nossubterr?neos.Au'usto me 0alou sobre as m&s condiç<es da9uele sobrado2 onde o 1ento penetra1anas 0restasH o 9uarto de dormir era 'eladoH a 3anela da co-inha2 onde Estherpassa1aa maior parte de seu tempo2 ha1ia muito 9ue no podia ser aberta e sua mulher0ica1a su3eita aos ares es0umaçados de car1o2 anda1a a tossirH paira1a no ar apoeiradelet(ria dos autom>1eis 9ue passa1am na rua2 o '&s 9ue escapa1a das m&9uinasdos na1ios2 o odor 0(tido de urina dos marinheiros e2 onde ha1ia marinheirosha1iaprostitutas e elas tamb(m e;ala1am ares perniciososH a9uele lu'ar tal1e- ti1essesido a causa do aborto do 0ilho de Esther. Ele no 0alou2 mas a pro;imidade docasalde tios2 9ue mora1am no andar de bai;o2 esta1a certamente atrapalhando a

intimidade de Au'usto2 o 9ue de1ia dei;&7lo neur>tico.+"

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=ua asma 1olta1a em acessos cada 1e- mais 0re9Ventes2 e nem &'ua com aç)car e'otas de l&udano de =Ldenham2 a tintura de >pio2 ou in3eç<es subcut?neas decloridratode mor0ina2 nem a inalaço de (ter iodídrico ou da 0umaça das ci'arrilhas deDarrai ou dos 1apores de papel antiasm&tico2 nem a tintura de ob(lia2 nem aspílulas

de t&rtaro istibiado de Trouette2 nem as lentículas antiasm&ticas G. Chanteaud2nem o ;arope de caracol d@Oenri Mure2 nem os 'r?nulos antimoniais de %apillaud2nemo ;arope sul0uroso Grosnier2 nem o ;arope de codeína de Derth(2 nem o em(tico deipecacuanha2 nenhum desses rem(dios lar'amente prescritos pelos m(dicos aosasm&ticose de e0eitos sutis e1ita1a 9ue Au'usto ti1esse suas recaídas. =eu 9uarto no eraespaçoso2 tampouco are3a7do2 entretendo uma 0raca lu- diurna. En0im2 ha1ia umn)meroimenso de inade9uaç<es na9uele lu'arH mas ao mesmo tempo me pareceu 1ir a ori'emdos males de dentro da pr>pria mente de Au'usto2 0ruto da insatis0aço de seu'ênio2de seu or'ulho abalado. casal ia mudar7se dali2 os donos do sobrado esta1am 1oltando das 0(rias eAu'usto procura1a outro lu'ar para habitarem. Ele pretendia en'ra1idar no1amentesuamulher2 9ueria ter no1e 0ilhos2 encher a casa de rapa-es2 como 0ora a de seuspais2 mas temia por al'um risco e consulta1a madame Morand. A 0rancesa lhe di-ia9ueEsther poderia tentar de no1o2 desde 9ue se alimentasse de carnes 'ordas e papade 0arinha. Esther esta1a demasiado ma'ra para 'erar crianças2 dissera MadameMorand.En;)ndia em torno dos 9uadris prote'ia as crianças contra as 0rialdades. 0ormato da bacia de Esther2 assim como sua pe9uena estatura2 su'eria 9ue seucorpo no0ora 0eito para a maternidade.*K!!%ensei em o0erecer a Au'usto minha ch&cara em Dota0o'oH embora 0osse distante2era um lu'ar de ares limpos2 silencioso2 Esther poderia caminhar pela areia dapraia2respirando sal ou tomar banhos no mar prescritos por um m(dicoH poderia assistirs carreiras de ca1alos2 s re'atas na baíaH ou 1er Am(rica esp)cia escalandoapedra do %o de Aç)car. $a casa ha1ia muitos 9uartos 1a'os2 onde o casal poderiase acomodar. Tenho at( ho3e a impresso de 9ue ele se ma'oou por eu nunca lhetero0erecido um pouso em minha casa2 mas como poderia eu di-er7lhe 9ue mora1a comCamilaWMuitas 1e-es pensei em mandar Camila embora para poder acolher Au'usto em minhacasa2 mas nunca ti1e cora'em. Che'uei per1ersamente a dese3ar 9ue ela morresse2eraa )nica maneira de me libertar dela. ,e 9ual9uer 0orma2 Au'usto 3amais 0alou2direta ou indiretamente2 sobre este assunto.UResponsabilidades pesadas me abarrotam a almaU2 ele disse2 Ue2 como um am&l'amane'ro2 en'endram em mim uma triste-a malsinada. A nomeaço-inha no Gin&sio$acional1eio sanear um pouco o meu abalado territ>rio cerebral.U%er'untei7lhe ento por 9ue no 1olta1a para a %araíba2 e se ainda se sentia1ítima de uma desiluso em sua pr>pria terra2 como ele mesmo me dissera aopartir2ap>sperder sua 9ueda7de7braço com o Bo9ue. Ele re0letiu lon'amente2 to lon'amente

*!

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9ue se perdeu em seus pensamentos e se es9ueceu de minha per'unta2 9ue 0icou semresposta.Mas eu sabia a resposta. Al(m de ter um inabal&1el senso de 3ustiça2 Au'usto9ueria ser tratado como o 0ilho dileto2 mesmo 0ora de casa2 mesmo lon'e doen'enho2mesmo por 9uem no era seu pai ou sua me. Casti'a1a com a sua ausência os 9ue

no o corte3a1am2 como se 0osse a pior das puniç<es. E era. Quem um dia 1i1erapertode Au'usto so0ria sua 0alta. A %araíba se tornou o 0im do mundo ap>s a partidade Au'usto. %oucas semanas depois de me despedir dele no porto em Cabedelo2pe'ueio mesmo 1apor e 1im morar no Rio de Baneiro.Quando tia Alice retornou sala2 para a1isar 9ue o 3antar seria ser1ido nacopa2 notei um certo embaraço tanto nela como em Au'usto. $enhum deles mecon1idou aparticipar da re0eiço2 o 9ue era um contra7senso em se tratando de 'ente do$ordeste2 acostumada a compartilhar suas re0eiç<es com os 1isitantes.*+!+ assunto 9ue me le1ara ali custou a aparecer. Eu 9ueria saber 9uando Au'ustoiria publicar seu li1ro. Tinha prometido a mim mesmo 9ue se al'um dia Au'ustopublicasseseus poemas eu 9ueimaria os meus.$a9uela tarde ele 0e- di1ersos coment&rios sobre suas di0iculdades parapublicar. Esta1a desiludido com o Rio de Baneiro2 9ue pensara ser uma cidadecosmopolita2mas 9ue at( ento lhe parecia uma aldeia 7 embora hou1esse muitos 0ranceses ein'leses 72 repleta de in3ustiças sociais2 um espet&culo de miser&1eis ao ladodecaleçase autom>1eis 9ue torna1am as ruas tristes corredores.U Rio de Baneiro ( uma esp(cie de sereia 0alaciosa2 pr>di'a unicamente emsonoridades traidoras para os 9ue 1êm pela primeira 1e-.U,isse 9ue o Rio era uma cidade 9ue premia1a as 0alcatruas. s honestos2 ossonhadores2 eram considerados bestas idiotas. ,entre os poetas2 'rassa1a ocon1encionalismoimbecil de Aníbal Ta1ares2 Te>0ilo %acheco2 a camarilha inteli'ente2 competindoem bo1arismo com os letrados de Duenos Aires e %aris. s intelectuais s> sepreocupa1amcom 0utilidades2 como a est&tua a Eça de Queir>s. Gente como Coelho $eto2 Boodo Rio2 'randes homens da literatura2 enchiam p&'inas e p&'inas das 0olhas com oUassuntoto palpitanteU.**Esta1a ocorrendo a 'rita dos intelectuais para 9ue se 0i-esse uma est&tua doescritor portu'uês2 o 9ue Au'usto criticou2 di-endo ser uma tolice. Eu disse2citandoDilac2 9ue 1i1er no bron-e era melhor do 9ue no 1i1er nem no bron-e nem nacarne2 9ue no 1i1er nem no bron-e nem na carne era como no 1i1er nem no c(unem noin0erno2 e nem 1i1er em lu'ar nenhum. $o %asseio %)blico 7 passeei a9ui numentardecer com Au'usto2 lo'o 9ue che'uei capital 72 9uando parei nossacaminhada paraadmirar a est&tua de Gonçal1es ,ias2 ele prosse'uiu seu caminho di-endo Uas0ormas s> têm 1alor se um espírito as animaU.,e madru'ada2 por 1e-es2 9uando espero o tílburi para Dota0o'o2 0ico admirando aest&tua de Bos( de Alencar muito triste em sua cadeira de bron-eH sinto 1ontadede acariciar suas mos. $o Teatro =o %edro2 mais do 9ue ou1ir a DohYme aprecioa est&tua modelada em 'esso por Almeida ReisH trata7se da ima'em de Antnio

Bos(2

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no sombrio 1o de uma 3anela 0echada2 uma est&tua su3a2 9uebrada2 0altando trêsdedos na mo2 a ponta do nari-2 a aba do 'ibo e um dos p(s2 coberta de p>Hbraçosestendidos2 peito estu0ado2 olha para o alto como se declamasse um poema na9uelelu'ar imundo ao lado de um piano preto entre 'arçons em man'as de camisa e op)blico

do espet&culo2 9ue solenemente a i'noram. Tem uma di'nidade2 uma alti1e-2 um arpo(tico2 uma espiritualidade 9ue encantam.*6!*As di0iculdades de Au'usto me da1am uma imensa an')stia. Mas 9uando me depareicom a realidade de sua mis(ria 0ui tomado de uma 1erdadeira ternura e ti1e1ontadede chorar. 0ereci7lhe como empr(stimo uma boa 9uantia mas ele2 como sempreor'ulhoso2 recusou 9uase o0endido.$o momento em 9ue me despedia dele2 1i de relance a mesa da copa posta comapenas uma terrina de sopa e uma bande3a com 0atias 0inas de po. sso de1ia serhumilhantepara 9uem crescera num en'enho de cana7de7aç)car. Tal1e- no 0osse to dolorososuportar o 0rio do Rio de Baneiro2 a 0alta de espaço2 a su3eira2 a m&1i-inhança2o barulho. Mas a re0eiço de uma sopa rala de1ia ser para Au'usto o maior detodos os insultos. $o En'enho do %au d@Arco se ser1ia a mesa mais 0arta em todaa &r-eado %araíba. As comidas preparadas por ,onata e ibrada eram deliciosas2 s> depensar nelas sinto minha boca se inundar de sali1a2 meu nari- captura no ar alembrançados odores 1indos da co-inha.Aos domin'os comíamos sarapatel de porco2 ser1ido com 0arinha seca e pimentamala'ueta2 al'umas 'otas de limo sobre a carne. Debíamos 1inho 1erde portu'uês2compradoem pipa na mercearia de Antnio Maia2 na cidade da %araíba. Mesmo criança eu 3&'osta1a de bebidas espirituosas. At( ho3e perambulo pelos restaurantes do Rio deBaneiro em busca de um sarapatel parecido com a9uele2 mas em 1o. %ersi'o pelas*#ruas a m&'ica impresso do odor2 espalhado pela brisa2 de carne 0resca da ch7de7dentro2 mocot> ou chambarilH ao 0echar os olhos2 na cama2 1e3o o pirodouradoHminha boca se enche de sali1a 9uando penso no ma;i;e2 9uiabo ou 3erimum7de7leiteH passo a mo na seda de uma camisa e sinto a sua1idade dos molhos de cou1e9uecresciamno 9uintal da casaH 1erto l&'rimas com saudades da bacalhoada das se;tas70eirasHsinto meu estma'o se re1irando2 com dese3o de um bredo co-inhado no a-eite20ei3oe pei;e de coco2 ser1idos na Quaresma. E no h& nenhum $atal em casa lu;uosa noRio de Baneiro 9ue o0ereça al'o to delicioso como os past(is de nata daibrada2ou os 0ilhoses de palito embebidos em mel claro2 0eitos por ,o7nata.As sobremesas do en'enho tamb(m me dei;aram impresso pro0unda. As 0rutas erammais saborosas do 9ue todas as 9ue pro1ei no Rio de Baneiro2 mesmo as maçs ouperasimportadas no se i'ualam s bananas e laran3as 9ue ,onata prepara1a2 emtalhadas2 misturadas com 0arinha2 ou aos abaca;is2 s per0umadas man'as2 aosabacates.ca0( 9ue se toma1a ap>s as re0eiç<es era colhido na 0a-enda. $unca ha1iaa'uardente mesa2 mas sempre um licor de cacau2 ou de anis2 importados. $aceia2 como

no

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primeiro almoço2 comíamos an'u de caroço2 broas de milho seco2 can3ica de milho1erde2 pamonha2 raramente 0altando maca;eira e inhame2 e batata7doce2 co-ida ouassada.Ao lado da casa7'rande 0ica1a um pomar2 rodeado por uma cerca 1i1a de limoeiros.,a1a laran3a2 banana7maç?2 carambola2 'ra1iola2 araticum2 maçaranduba2 3amboamarelo2

abaca;i2 3atob&2 3enipapo2 ca3&2 uma in0inidade de 0rutas2 lembro7me de todaselas2 das cores de suas cascas2 de seus per0umes2 das (pocas em 9ue 0loresciam e0ruti0ica1ame de 9uais passarinhos 'osta1am de bicar essa ou a9uela. Culti1adas apenas paraos membros da 0amília e os a're'ados2 as 0rutas eram tantas 9ue at( as le1&1amospara serem 1endidas nas 0eiras aos s&bados2 no po1oado de Cachoeira2 assim como0arinha de*mandioca2 milho 1erde2 0a1a2 caldo de cana2 mel2 en0im2 tudo 9ue no era usadona alimentaço dos moradores da casa7'rande e dos cassacos. Em torno do pomar70ica1amas roças bem cuidadas2 9ue produ-iam com 0artura. A 1ida no en'enho tinha comocentro a mesa de mo'no da co-inha.*F!6Quando saí do sobrado do cais Mau&2 respirei 0undo. c(u tinha se tornadocin-a. Meus encontros com Au'usto eram cada 1e- mais su0ocantes. Sm ano depoisdessa1isita2Au'usto publicou seu li1ro de poesias2 chamado desa0iadoramente de Eu2 apenasisso.*5

Eu

!=oube da notícia 9uando entrei no Castell<es2 de madru'ada2 ap>s um sarau.Doêmios discutiam o li1ro de Au'usto2 poucos o de0endiam2 a maioria tinha asco2repulsa.,i-iam 0rases irnicas2 atira1am setas en1enenadas de -ombaria e remo9ue2pareciam o0endidos2 destemperados2 como se ti1essem sido atacados pessoalmenteem suahonra. =imbolista2 di-ia umH rom?ntico2 di-ia outroH parnasiano2 um terceiro. Smescrí7nio de o0ensas ao bom 'osto. ,iscípulo de RimbaudW BamaisX En1er'onhariaerlaine2causaria repu'n?ncia a Mallarm(.Uamos esperar as Causeries du undi do nosso =aint7Deu1eU2 di-ia al'u(m.Us olímpicos 1o des0erir pancadaria 'rossa.UUSma pedra no manso la'o a-ul.UUDilac 1ai odi&7lo2 ele 9uebra a o'i1a 0)l'ida e as coluna7tas do templo dosanto pontí0ice.UU título ( escandalosoXUU%ala1ras pleb(ias2 antipo(ticas.UUri'inalX ÚnicoX E;traordin&rioX %er0eitoXUU 9ue diriam as alunas dos cursos de declamaçoWU/oi o assunto da madru'ada. u1i tudo2 calado2 bebendo 1ermute.6!+$o dia se'uinte acordei antes do meio7dia para comprar %aís. Quando abri ap&'ina na 9ual se escre1iam tolices sobre a literatura de Usorriso dasociedadeU2 meucoraço palpitou: 1i a crítica 0eita por scar opes. Era uma nota pe9uena2 aolado de um lon'o elo'io ao li1ro do $ilo %eçanha e am&1eis re0erências2 tamb(m

derramadas2

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aos poemas de Canto e Melo. %ara muita 'ente2 Au'usto Upareceria apenas umdese9uilibradoU. Al'umas das composiç<es eram Uper0eitamente estranhas ecaracteri-adaspor um descaso por tudo 9uanto constituía a moeda correnteU2 di-ia o crítico.Chocado2 ap>s lou1ar a ori'inalidade do li1ro2 scar opes aconselha1a Au'usto ano

se entre'ar a assuntos 9ue repu'nam o coraço e desa0iam as normas.=imbolistas decidiram apoiar Au'usto2 escre1endo notas simp&ticas no /on /on2 noCorreio da Manh. 'rande Raul %ederneiras e s>rio ,u9ue Estrada2 o 0errabr&sda crítica2 escre1eram sobre o Eu2 um 0ato di'no de admiraço2 mesmo sabendo7se9ue eram conhecidos de Au'usto pois tinham participado con3untamente de umacomissodid&tica. ,i-ia %ederneiras 9ue Au'usto ( Uum 'rande talento trans1iado pelocienti0icismoU. Mostra1a sua 0oto'ra0ia caminhando na rua2 solit&rio2 ma'ro2 decasacae 'uarda7chu1a preto2 o 1elho cha7p(u7coco. /ala1a em Ue;tra1a'ante 1olume de1ersos2 em 9ue no poucas p(rolas se con0undem com o 'rosso cascalho dos6+e;otismos estapa0)rdiosU. A cada passo min'ua1a a poesia e a1ulta1am asaberraç<es. Au'usto era um poeta abortado do 1entre da 0iloso0ia. 9ue estaria ele sentindo diante da9ueles coment&riosW2 3o'ado entre osmalditos2 os rates2 os incon0ormados. Aberran7teX nclassi0ic&1elX Sm casopatol>'icoX$e'raputre0açoX ndi'esto liter&ria de um panta'ruel das pala1rasX Eletri-anteXAssombrosoX Teratol>'icoX ,ese9uilibradíssimoX E;tra1a'ante pirotecnia 3aponesa.%arece9ue o homem ( doidoX Alei3<es abortados de uma 0antasia deliranteX Erros delin'ua'em. terror como eitmoti1o ersos duros. As9uerosidade. AbstrusoXChuloX Abominaç<es.Oorror. =orri em meu íntimo: 0inalmente Au'usto esta1a trilhando o caminho dos'randes incompreendidos.Corri at( a Garnier e comprei um e;emplar do Eu. Conhecia de antemo al'uns deseus poemas2 mas 9uando me entre'uei leitura2 ah2 9ue cadência ma3estosa2 9ueê;tase2a 9ue ele1adas es0eras me le1ou o poeta2 en9uanto me 3o'a1a sem piedade nosprecipícios dos sentimentos mais 1erdadeiros2 nos eni'mas do uni1ersoH 9ue totalne'açoda e;istência material2 9ue morti0icaço moral2 9ue inteli'ência capa- de'randes cometimentosX6**Reuni todos os meus manuscritos2 espalhados pelas 'a1etas2 nos arm&rios2 entreas p&'inas de al'uns li1ros2 dentro de cai;as de chap(us2 de sapatos. Encontreinaco-inha uma 'arra0a de 9uerosene para candeeiros e uma cai;a de 0>s0orosHtran9uei7me no banheiro. Bo'uei os manuscritos dentro da banheira de m&rmore.Abri a 3anelao mais 9ue pude2 ela esta1a meio emperrada2 mas a abertura 9ue conse'uipermitiria 9ue a 0umaça saísseH e se eu morresse 9ueimado pelas chamas de meus1ersos seriauma morte di'na2 uma morte 9ue poderia ser2 1erdadeiramente2 chamada derom?ntica. romantismo esta1a2 mesmo2 morrendo.,erramei o 9uerosene sobre as 0olhas manuscritas2 sentindo 9ue meu peito seaperta1a. Ali esta1am minhas lembranças2 minhas mis(rias2 meus so0rimentos deamor2meu>dio2 minhas esperanças2 meu erotismo2 minhas pai;<es2 meus se'redos2 os sonetosescritos s mulheres 9ue amei2 9ue dese3ei2 cada um tendo como título um nome2

olina2

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Marion Cirne2 CamilaH ali esta1am os meus poemas s prostitutas da =enhor dos%assos 9ue eu admira1a de lon'e2 apai;onado2 lo'o 9ue che'uei da %araíbaH o meuEu.Ali esta1a toda a minha 1ida.Acendi um 0>s0oro e o apro;imei de uma das 0olhas2 na 9ual 1i escrito2 como sebrilhasse2 o nome Esther. =oprei a chama2 retirei o papel e li o soneto 9ue

0i-erapara Esther2 9uando ainda era solteira. A leitura me trou;e in)merasrecordaç<es266al'umas 9ue inunda1am meu coraço de ale'ria2 outras 9ue o dei;a1am comprimidocomo um bacalhau seco dentro de uma barrica.Resol1i adiar a 9ueima de minha obra po(tica. Sm dia eu iria 0a-ê7lo2 comoprometera a mim mesmoH mas ainda no sabia 9uando. Recolhi os pap(is2 separei7os2 pusnum 1aral para 9ue secassemH al'uns esta1am irremedia1elmente apa'ados2 outrosparcialmenteH 'astei di1ersas semanas retocando os borrados e 'uardei2 tudo2 de1oltaem seus lu'ares.6#6dilon dos An3os mora1a numa boa casa a3ardinada2 onde ha1ia um autom>1el de'randes rodas traseiras parado porta. Recebeu7me com 'entile-a2 mas sem omesmo a0etode Au'usto. e1ou7me a sentar com ele na biblioteca da casa2 onde con1ersamospor 9uase duas horas2 bebendo um 1inho de losna e cheirando rap(.U li1ro de Au'usto escandali-ou o super0icialíssimo meio intelectual destacidadeU2 eu disse2 espirrando. UApreciaç<es sur'iram em 9uase todos os 3ornais.UU,iscutiram7no na C?mara dos ,eputados. A pr>pria Academia $acional de Medicinao incluiu em sua biblioteca.UUComo se 0osse um tratado sobre a patolo'ia da alma humanaX... sso no se3usti0icaXUUh2 o li1ro aborda o haecIelianismo e o e1olucionismo spenceriano2 compreendo9ue os doutores da medicina o 9ueiram ter em mos. ocê sabe como ( Au'usto. =>pensaem OaecIel2 =pencer2 ,arin. ,e1ia ter se dedicado s ciências. ,e 9ue lhe 1aleser bacharel2 ou poetaW A Academia Drasileira de etras i'norou completamente oli1rode meu irmo. Mas a Academia de Medicina o incenti1a2 o 9ue no anula os e0eitosperniciosos de outra corrente2 de conspiraço mani0esta e 9uase a'ressi1a contraeleH mas so intelectuais irremedia1elmente nulos2 como ele mesmo disse. tioGenerino se entusiasmou com os 1ersos de Au'usto e lhe escre1eu uma6lon'a carta 9ue ser& publicada em bre1e. ocê 3& conhece a GlorinhaW $asceram7lhe os dentes. Au'usto e Esther me deram de presente uma m&scara da menina2 (lindaXEspere.Udilon abriu uma 'a1eta de uma papeleira e retirou dali um retrato em 0oto'ra0iada 0ilha de Esther e Au'usto. Era uma criança de sorriso triste2 olhos atentos2os cabelos como se 0ossem uma penu'em. Tentei reconhecer nos seus os traços deEsther2 mas 1ia apenas um animal-inho assustado2 um rosti7nho redondo e sem obruscoe in0alí1el romantismo do rosto da me.USma per0eita reproduço do nari- da a1> madrinhaXU2 disse dilon2 or'ulhoso. UZuma menina muito decidida. =abe2 estou pensando em me casar. ,e 9ue 0al&1amos2mesmoWUU/al&1amos sobre o Eu.U6F#

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%or dilon2 soube 9ue nenhum editor 9uisera publicar o Eu. Au'usto assinara umcontrato com o irmo2 9ue se encarre'ou de todos os custos de publicaço doli1roHdilon me mostrou o contrato: pre1ia com detalhe a di1iso dos lucros au0eridoscom a ediço2 bastante pretensiosa2 de mil e;emplares. s dois irmos espera1am'randes

resultados com as 1endas. Mas o li1ro no esta1a dando nenhum lucro2 aocontr&rio2 poucos se interessa1am em ad9uirir um e;emplar. A maioria era mandada'raciosamenteaos críticos2 s 'a-etas2 aos ami'os e ha1ia ainda as despesas de correio. Ascríticas 0oram 0ero-es em al'uns casos2 condescendentes em outros2 mas nin'u(m2absolutamentenin'u(m compreendeu Au'usto. Este 0icou ao mesmo tempo ma'oado e sentindo7se1itorioso. Ad9uiriu certa 0ama2 mas nada mudou em sua 1ida. Au'usto te1e a9ueladecepçodo 3o1em 9ue espera ardentemente completar seus de-oito anos achando 9ue tudo1ai estar di0erente2 mas no dia em 9ue che'a a idade to esperada se olha noespelhoe nada mudou.%obre Au'usto. %ensa1a 9ue o mundo era o En'enho do %au d@Arco. ma'ina1a 9uetodas as pessoas o compreenderiam e amariam como se 0ossem seu pai e sua me. Emcadahomem ele 1ia um papai oi Ale;andre e em cada mulher uma mame =inh& Mocinha.Esta ( uma conse9Vência típica de uma educaço com mimos. Au'usto era o ai73esusda casa265o pre0erido de ,ona Mocinha e do doutor Ale;andreH era o mais estudioso2 o demaior 0orça intelectual2 o mais inteli'ente2 o mais brilhante e al(m dissocarinhoso2obediente e caseiro como um co-inho de re'aço. Ao mesmo tempo e;cêntrico edom(sticoH et(reo e capa- de perceber as simplicidades mes9uinhas do cotidiano.Ao mesmotempo sonhador e realista2 distante e presente.,i-em os paraibanos 9ue 1êm bater a9ui por essas bandas 9ue2 mesmo 1elha edebilitada2 C>rdula ainda mant(m os 0ilhos sob seu 3u'o. E 9ue continua com suaanti'amania de 'rande-a. ,esde a morte da 0ilha Buliana2 mesmo antes do nascimento deAu'usto2 ,ona Mocinha dera sinal de loucura. Com a morte de Au'usto2 ela nacerta1ai sucumbir de des'osto. =onha1a para o 0ilho um 'rande 0uturoH preparou7o paraisso. Ele era a esperança da 0amília2 ele ia tirar da lama o p( dos Car1alhoRodri'uesdos An3os. Ele ia 1encer o mundo2 reali-ar todos os sonhos da me. =uainteli'ência o iria empurrar para al(m das 0ronteiras. A'ora est& morto2 e issoa 0ar& irremedia1elmentein0eli-2 da mesma maneira 9ue me 0a- irremedia1elmente in0eli-2 como se umaparte de mim ti1esse sido destruída2 como se eu mesmo ti1esse morrido. E depoisde morto2ele continua a ser insultado pela incompreenso humana.6"Mer'ulhado em meus pensamentos2 com o 0ilhote de p&ssaro2 9ue a'ora me parecemorto2 em minha mo2 sinto os dedos de al'u(m tocarem meu ombro. Ao le1antar osolhos1e3o2 surpreso2 la1o Dilac ao meu lado2 se'urando um pe9ueno embrulho.Ui o senhor entrando a9ui no %asseio %)blico e o se'uiU2 ele di-. U%ossosentar7meWU/aço um 'esto indicando o lu'ar 1a'o ao meu lado. senhor Dilac senta7se nobanco e cru-a ele'antemente as pernas. Escondo no bolso da sobrecasaca o corpo

inerteda a1e.

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U=obre a9uilo 9ue 0alei a respeito do poeta 9ue morreu... Espero no tê7loo0endido com minha le1iandadeU2 ele di-. U%eço desculpas.UU$o se preocupe2 o senhor no me o0endeu.UUZ 9ue tenho sentido uma 'rande irritaço com esses no1os poetas 9ue sur'emtodos os dias2 ou melhor2 todas as noites. Embria'am7se por9ue nasceram osprimeiros

pêlos em seus rostos e na manh se'uinte tiram de seus bolsos cadernos comrabiscos de 1ersos tortos. =o os o1os colocados pelo pessimismo 9ue andasoprando2 comouma 1entania dos in0ernos2 o pensamento 0ilos>0ico. %ensam 9ue so poetas2 masno passam de uma 0auna de paran>icos2 loucos morais2 epi7l(ticos2 tísicos21a'abundos2re0ormadores sombrios2 hist(ricos2 criminosos 1erbais. /alam apenas sobre mundosde'radados2#Kde modo 9ue a literatura ho3e parece uma en0ermaria onde se acolhem os doentes ese obser1am as mol(stias2 uma or'ia de pessimismos2 moa0a de satanismos2 umdestempero de blas0êmias pois ,eus2 a nature-a2 o ,iabo2 a mulher2 o homem2 a1ida e a morte ou1em coisas &speras e duras. A loucura se propa'a rapidamente.smoçosdespre-am a 0(2 o bom senso2 a m(trica2 a 'ram&tica e o decoro. %ara 9ue osla'os de amartine e as noites de MussetW Melhores as noites da Dabilnia2ban9uetesonde se comam em brochetes 0í'ados de papas2 toucinho de reis. $as chamas se1êem pa1ores de arrepiar2 cenas macabras2 1erti'ens para os demnios da corte doin0erno.s 3o1ens poetas 9uerem e;plicar a cor dos olhos de El1ira e de Madalena2 aal1ura dos seus dentes e o modo por 9ue sabem distribuir bei3os2 churreados elon'os2os 'emidos com 9ue amam2 a mei'uice com 9ue pisam2 o re9uebro da 1o-2 ocomprimento da trança2 escre1em uma poesia 0eita em casa2 comodamente2 emchinelos2 comumdicion&rio de rimas ao p(. Mas o de0eito disso no ( 0abricar 1ersos emchinelos2 tomando ch& 0rio. de0eito ( a 1ul'aridade. =o 1ul'ares ossimbolistas2 os decadentes2os sat?nicos2 os des1airados2 os líricos mei'os2 os parnasianos marm>reos. $osuporto mais isso. Tenho 1ontade de mandar s urti'as a poesia.UUh2 senhor2 no 0aça issoXU,iante de meu entusiasmo2 ele se en1aidece le1emente. Abre o embrulho e daliretira um pe9ueno li1ro cu3a 1iso me 0a- estremecerH na capa2 as duas letrasrubrasdo título: Eu.U%assei na Garnier e 1i no balco de saldos este delicado 1olume2 a um preço1il2 e decidi compr&7lo. Assim espero me redimir diante do pobre senhor An3os2mortoainda ho3e.U#!F senhor Dilac lê2 imerso. Ele tamb(m 0uma. $ossas 0umaças se misturam no ar.,epois de al'um tempo2 ele respira 0undo e 0echa o li1ro2 marcando a p&'ina comummarcador de papelo cedido pela Garnier.U$o compreendo como pude 0alar uma coisa da9uelasU2 ele di-. UApesar daserisipelas2 9ue3andas su3idades2 amor porcaria 9ue ressalta o monstruoso emseus 1ersos2apesar do podre2 da sali1a2 do pus2 dos 1ermes2 do cuspe2 do escarro2 apesar doidealismo meta0ísico meio p)trido2 do pessimismo ab)lico a ser1iço da 0iloso0ia

haecIeliana2

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do monismo2 da preocupaço com o macabro2 apesar do 0artum das podrid<es 9ue'ra1ita em suas poesias e das incestuosidades san'uin&rias2 o senhor Au'usto dosAn3os0oi um ma'ní0ico poeta. Misterioso2 sombrio.UU=im2 sombrio. $este li1ro ele empre'a 1inte e duas 1e-es pala1ras 9ue indicam acor ne'ra e suas 1ariantes en9uanto usa o cor7de7rosa somente uma 1e-. branco2

inclusi1e o ní1eo2 duas 1e-es. =o apenas cento e trinta e duas p&'inas2 mas eleusa cento e oitenta e seis 1e-es a pala1ra morte e suas met&0oras.UU%ercebo 9ue ele no consulta1a dicion&rio de rimas. ,esde 9ue 0oi publicado oprimeiro dicion&rio deste tipo2 as poesias rimadas perderam sua ra-o de ser2todasas rimas se repetem monotonamente. Toda1ia as combinaç<es sonoras do#+senhor Au'usto so esplendidamente ori'inais2 seno2 1e3amos2 um medíocrerimaria a pala1ra arma com o meta0isicis7mo de AbidarmaW Rimaria eras com ocosmopolitismodas mo7nerasW babilnico sansara com a 0ome incoercí1el 9ue escancaraW e3amosoutro e;emplo2 mais adiante. =an'ue e cal2 com brn-ea trama neuronialW Meu,eus2'oitaca-es com )lceras e antra-esW eonardo da inci com a 0orça 1isualística dolinceX Estas rimas so ímpetos puros. nseto com Ana;i7mandro de Mileto2 tudo0eitode prop>sito para nos hipnoti-ar. Rembrandtesca com coalhada 0resca. Duda comboca muda2 1e3a s>X Ele tem outros li1ros publicadosWUUApenas este.U embro7me do p&ssaro em meu bolso e o a0a'o2 para 1eri0icar seest& realmente morto. =eu corpinho es0riou e est& mole 0eito um tu0o de al'odo.=intoseus ossos 0inos como 'ra1etos.UQue in3ustiça2 um poeta como ele morrer tendo escrito somente um li1roU2 di- osenhor Dilac. Tira do bolso um pe9ueno caderno de couro e anota al'o2 com uml&pis.UQuando ( o apo'eu da 1ida de um homemWU2 per'unta.UTal1e- aos 9uarenta anos.UDilac 0ica um lon'o tempo re0letindo.UTal1e- aos cin9Venta e cincoU2 corri3o7me da impiedosa descortesia 9ue cometi.U senhor o conhecia bem2 me parece.UU$ascemos na mesma re'io. Quando criança2 eu ia passar 0(rias no en'enho ondeele mora1a. i1emos nossa 3u1entude 3untos2 estudando na mesma escola e morandonamesma rep)blica. Ele era o meu maior ami'o2 tal1e- o )nico.UUEstou curioso a respeito desse poetaU2 di- o senhor Dilac. UQuem sabe eu possaescre1er2 na 0olha2 al'o sobre sua precoce morte... %oderia me 0alar sobre eleWUU=im. 9ue o senhor dese3a saberWUUQuero compreender por 9ue moti1o ele era to sombrio2 o 9ue o le1ou a escre1ercoisas to in0ernais2 p&lidas2 martiri7-antes. %or 9ue chama um 0ilho morto de0etoes9uecido2 panteisticamente#*dissol1ido na noumenalidade do no ser2 0a- 1ersos aos ces2 aos embri<esin0ormes2 chama os 1ermes de deuses2 1ia3a ao lado do es9ueleto es9u&lidode (s9uilo2 di- 9ue ama o esterco2 a podrido lhe ser1e de e1an'elho e2 toda1ia2( to rutilante.U#65/ico mudo por al'uns instantes. Como e;plicar a alma de Au'ustoW Mesmo suapr>pria alma2 a do senhor Dilac2 to mais luminosa2 1isí1el2 9ue produ- umapoesia 1oltadapara o amor e as estrelas2 cont(m um eni'ma. Al(m disso2 o senhor Dilac ( umhomem nascido numa cidade e assim2 tal1e-2 3amais possa entender o 9ue ( al'u(m

1indo

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de uma 1&r-ea )mida por cu3o 0undo passa um rio de &'uas ne'ras2 de umacoloraço 9uase to escura 9uanto a noite e2 como ela2 de uma sombra densa2pro0unda mas2parado;almente2 repleta de mil mati-esH um rio to misterioso 9ue parececarre'ar em suas &'uas a pr>pria morte. Sm lu'ar onde mesmo as matas soescuras2 como

se 0ossem a habitaço de monstros da noite2 de hienas2 de 0antasmas. ndee;istem apenas en'enhos e cana1iais2 onde nada mudou desde 9ue os tra0icantesnormandos1inhamcarre'ar suas embarcaç<es com pau7brasil2 al'odo2 peles de animais sil1estresHonde o ran'er das rodas dos carros de boi parece um lon'o 'rito2 as en'rena'ensdasmoendas ressoam como um lamento de morte2 crepitam 0ornalhas 9ue parecem aentrada do in0erno2 as 0umaças 3amais cessam de sair das chamin(s e embaçam asestrelas.Sm lu'ar po1oado por uma aristocracia rural com antepassados portu'ueses2holandeses2 0ranceses2 3udeus2 uma 'ente 9uieta2 murcha2 de pele al1a2 olhosdescorados2cabelos 0inos2 pe9uena estatura e muitas aspiraç<es2 9ue 1i1e como morce'os20echada em suas alco1as2##nas casas de paredes 'rossas e poucas 3anelas2 com muito dinheiro2 al'um lu;o20artura2 con0orto2 cometendo em silêncio seus pecados e murmurando preces a ,eusem capelas de ouro.#

A lu- lasci1a do luar

!A3oelho7me num 'ramado2 aos p(s de uma &r1ore2 um lu'ar de muita pa-2 como umcemit(rio2 e tiro do bolso o 0ilhote de p&ssaro. Contemplo7o por al'unsinstantesnapalma de minha mo2 amassado2 ainda mais parecido com um 0eto humanoH deito7o narel1a2 ca1o uma pe9uena co1a entre as raí-es e o enterro2 cobrindo depois asepulturacom 0olhas secas2 pau-inhos2 sementes 9ue encontro por perto. $o sou reli'ioso2no acredito na 1ida eterna2 mas 0aço o sinal7da7cru- e re-o.U=enhorU2 di'o2 sem saber a 9ue senhor me diri3o2 U0a-ei com 9ue este pe9uenoanimal este3a em pa-. Que a morte no se3a o 0im de tudo. =enhor2 0a-ei com 9ueaatormentadaalma de Au'usto tenha encontrado al'uma resposta2 e 9ue Esther um dia 1olte aser 0eli-. Am(m.U e1anto7me e limpo a 'rama e a terra na altura dos 3oelhos dasminhascalças.$o c(u al'umas nu1ens pe9uenas correm2 iluminadas pelo luar. Toda1ia a lua 3&no se dei;a 1er. O& muitas estrelas2 mi)das ou 'randes2 como se o c(ucomemorassemeu encontro com o poeta do Ura 4direis8 ou1ir estrelasU. Assim como Au'usto0ala1a continuamente na morte e seus correlatos2 Di7lac trata das estrelas2 di-9uetêm olhos dourados2 9ue h& entre elas uma escada in0inita e cintilanteH suasestrelas 0alam2 abrem as p&lpebras2 o senhor Dilac 1i1e cercado de centenas2milhares2milh<es de estrelas2 da ia &ctea2 de uma nu1em coruscante2 da estrela7mulher2da estrela71ir'em2 perdido no#"

seio de uma estrela. Entretanto2 en9uanto con1ersa1a comi'o2 ele no le1antou osolhos se9uer um instante para apreci&7las. =uas estrelas2 presumo2 so as lu-es

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de seus pensamentos2 so seus sonhos2 suas amantes secretas ou 0ictícias.Oo3e2 na 1erdade2 no 0oi a primeira 1e- 9ue o 1i.K+O& al'uns anos2 ao me 0ormar em direito2 tomei um na1io e 0ui a %aris. Erade-embro2 ne1a1a2 eu nunca tinha 1isto ne1e2 nem mesmo espera1a 9ue esti1esse

to 0rio21estia roupas inade9uadas2 sapatos 9ue escorre'a1am e assim minha entrada nacidade 0oi decepcionante. Eu tremia e no tinha cora'em de sair do 9uarto dohotel20ica1a perto do aparelho de ca7le0aço es0re'ando as mos e olhando pela 3anelauma paisa'em in>spita2 a ne1e caía em sua1es 0locos mas ao pousar no cho 1ira1auma lama cin-enta. Raramente passa1a al'u(m e 9uando isso acontecia meu coraçose descompassa1a de 0elicidade. $unca me senti to s>.,epois de al'uns dias a ne1e parou2 tomei cora'em2 corri at( uma lo3a e compreium cachecol de l2 um capote2 um par de botas2 um 'orro2 lu1as. Como uma criança9ue ti1esse acabado de aprender a caminhar2 0ui e;plorar a cidade. lha1a aspessoas dentro dos carros2 dentro dos ca0(s2 dentro das carrua'ens2 dentro dosedi0ícios2dentro dos museus e eu do lado de 0ora2 como se 0osse um animal de outraesp(cie. $em 3unto aos poetas e bêbados 9ue permaneciam nos ca0(s eu conse'uiame sentirbem. Estudara 0rancês2 mas a9uilo 9ue eles 0ala1am era completamente di0erentedo 9ue tinham me ensinado. $in'u(m con1ersa1a comi'o2 de 9ual9uer 0orma2 a noseros 'arçons 9ue me per'unta1am o 9ue eu ia comer ou beber. $in'u(m me olha1a.$in'u(m sorria para mim. $in'u(m!tinha a9uela mania pro1inciana de reparar no corte de cabelo2 no sapato2 nossuspens>rios2 no 0ormato da 'ola da camisa2 na maneira de andar ou 0alarH napro1ínciaum sorriso mais 'eneroso era sempre moti1o de murm)rios2 olhares en1iesados.$ada disso acontecia em %aris. As pessoas se 1estiam e se comporta1am como bementendessem.$in'u(m repara1a. $enhuma mulher respondia ao meu olhar.$o 0undo2 con0esso 9ue 0ui a %aris para con9uistar uma mulher. As 0rancesastinham 0ama de serem as melhores. Oa1ia as modistas 0rancesas na rua do u1idor2masesta1am 1elhas2 as )ltimas tinham 1indo 0a-ia mais de 1inte ou trinta anos parao DrasilH suas 0ilhas2 muitas 1e-es dese3&1eis2 no eram autênticas. Creio 9uetodosos homens iam a %aris atr&s das 0rancesas. Menos la1o Dilac.+*$uma manh2 eu admira1a uma 0rancesa de l&bios 'rossos e rosto redondo2 cabelosa'uados2 nas costas um 'rande ;ale ne'ro2 de 0ran3asH detr&s de uma 1itrine2sentadanuma ban9ueta2 ela en0ia1a p(rolas numa a'ulha com linha2 0ormando um lon'ocolar. $o creio 9ue 0ossem p(rolas 1erdadeiras2 mas os seus olhos eram2 e seusdedostamb(m2 e sua doçura. Eu esta1a perto da praça da $otre7,ame e resol1i caminharum pouco2 pois minhas mos con'ela1am. Oa1ia um )nico homem na praça. %arado na0renteda catedral2 ele a olha1a com pai;o. Era la1o Dilac. =im2 s> podia ser ele2 euo conhecia apenas de al'umas 0oto'ra0ias em 3ornais2 9ue no so muito nítidas2mas ele tem uma e;presso incon0undí1el2 uma maneira peculiar de pr a cabeçasobre o pescoço e o nari- acima da testa2 o olhar de 9uem 1ê tudo redu-ido2 arde9uem

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sempre olha para lon'e. =eu 3eito de estran'eiro era e1idente. Mesmo ele2 9uemora1a numa cidade cosmopolita como o Rio de Baneiro2 em %aris era apenas umpro1incianoe;tasiado diante da alti1e- da catedral copiada das 0lorestas2 bela por suaspr>prias 0ormas2 mas tamb(m por suas analo'ias com o 9ue ha1ia em torno2 com acidade2

com a hist>ria 0rancesa. Dilac le1a1a um li1ro debai;o do braço.Entrou no templo e 0ui atr&s dele. Caminhou2 olhando a i're3a por dentro2 damesma maneira apai;onada2 com a mo pousada 0er1orosamente sobre o peito2parando diantedos altares2*a3oelhando7se 3unto aos 3a-i'os2 na 0rente da sa'rada 0onte2 a1aliando o passadoesculturado nas ab>badas2 entre'ando7se ao sentimento da di1indade. =entou7sea ler o li1ro2 parando de 9uando em 9uando para olhar al'um detalhe do templo2as tre1as do santu&rio2 as ima'ens cin-eladas2 as portadas pro0undas. %areciasera9uele um manual sobre a i're3a no 9ual ele estuda1aH tirando o caderno deescritor do bolso anota1a suas obser1aç<es2 decerto tomado pela insinuaço dereli'iosoterror2 pelos cala0rios2 pela opresso da na1e tenebrosa. $o ti1e cora'em dediri'ir7lhe a pala1ra2 at( 9ue ele se 0oi2 pelas ruas desertas2 caminhando meiosaltitadocomo se ti1esse um par de molas nos torno-elos e olhando para as nu1ens.66,epois disso2 1i la1o Dilac outras 1e-es2 no cais %ha7rou;2 na Garnier2 saindoda Casa Rolas2 con1ersando com al'u(m porta do %etit Trianon2 e sempre 9ue oencontra1a0ica1a um lon'o tempo matutando se ele seria mesmo o 'rande poeta 0inissecularou apenas um e9uí1oco causado pela e;citaço 9ue sua poesia ousada2 repleta deamore se;o2 pro1oca nos peitos dos leitores2 acompanhada do mito de sua 1ida boêmiacom casos de amores impossí1eis2 pris<es políticas2 disputas liter&rias atra1(sdos3ornais2 duelos a 0lorete2 como o sensacional epis>dio 9uando2 por al'uma0utilidade2 Dilac e Mallet decidiram se bater.A noite anterior ao duelo2 os dois ami'os a passaram 3untos2 tomando conha9ue e0umandoH antes do amanhecer 0oram para o 9uintal2 tiraram suas camisas e com ospeitosnus2 sem testemunhas2 cru-aram 0loretes. Mallet 0oi 0erido e Dilac atirou7se aele2 desesperado2 pedindo perdo2 e saiu correndo a procurar um m(dico. Oou1etamb(mo duelo com Raul %omp(ia2 do 9ual Dilac saiu 'lori0icado como um her>i.##Sm dia apareceu num 3ornal um te;to no assinado2 nem mesmo por pseudnimo2di-endo 9ue Raul %omp(ia se masturba1a at( altas horas da noite2 numa cama0resca2 pensandonas beldades 9ue 1ira durante o dia. A seço onde saiu a mat(ria era deresponsabilidade de la1o Dilac2 e muitos 3ul'aram ter sido ele o autor dain3)ria2 paraal'unsH indiscriço2 para outros.A cidade em peso discutia o assunto2 masturba7se ou no se masturbaW Dilac noassumiu publicamente a a'resso2 nem a desmentiuH tampouco procurou seu ami'oRaul%omp(ia para ne'ar sua participaço2 desculpar7se. ,i-em 9ue Raul era um homemde e;trema sensibilidade2 espírito dram&tico2 ape'ado a sua honra e di'nidade29ue

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so0reu terri1elmente por se 1er assim o0endido. =e'undo seus 0amiliares2 elepassou uma semana sem comer ou dormir2 perambulando pela casa2 cabis7bai;o2murmurando2com o cenho 0ran-ido.,epois de muito tempo2 0inalmente Raul resol1eu responder2 na mesma moeda2escre1endo em sua coluna 9ue2 embora se sentisse apenas respin'ado de lama2 os

tipos9ueo a0rontaram eram alheados ao respeito humano2 e marcados pelo esti'ma doincesto. sso 0oi su0iciente para desencadear uma a1alanche de maledicênciascontra Dilac.B& se di-ia2 boca pe9uena2 9ue o se'redo de Dilac era seu amor pela irm2Cora2 com 9uem teria um 0ilho2 Ernesto2 o 0amoso sobrinho de 9uem Dilac sempre0ala1a9ue era como se 0osse seu 0ilho2 3& 9ue no ti1era nenhum. Dilac copula com airmW2 ou no copula com a irmW2 Dilac ( pai do sobrinho ou no ( pai dosobrinhoW se'redo de Dilac ( o amor incestuosoW2 ou necro0iliaW $o ( ele um in1ertidoWSm uranistaWDilac parecia i'norar os debates2 mantendo7se acima das ocorrências 0a-ia7se deespantado e at( ria dos coment&rios. Mas2 uma tarde2 na Cailteau2 esta1a a umamesabebendo com %ardal Mallet2 %aula $eL2 Coelho $eto2 A-e1edo2 %atrocínio e outrosami'os 9uando entrou Raul %omp(ia. Oou1e discuss<es2 sa0an<es2 murros. Mais0orte2Dilac acertou o rosto de Raul 9ue2 san'rando2 humilhado at( o mais 0undo de seuser2 desa0iou o ad1ers&rio para um duelo. /oi embora2 e os ami'os tomaram oincidentecomo al'o 9ue seria bre1emente es9uecido2 pois sabiam 9ue Raul era des0a1or&1ela essa maneira de se limpar a honra. duelo esta1a em 1o'a2 desde 9ue %ardal Mallet tinha se batido2 atr&s doRestaurante Campestre do Bardim Dot?nico2 com um 3ornalista 9ue te1e o braço0erido por0lorete. A imprensa 0alou sobre o caso semanas se'uidas2 o 9ue causou uma ondade duelos2 mas sempre entre boêmios2 3ornalistas2 poetas e outros 3o1ensarrebatadospelo romantismo. Raul escre1eu2Fnessa (poca2 9ue considera1a os duelos repulsi1os2 brutais2 sel1a'ens2 emboraadmitisse seu espírito liter&rio e rom?ntico. ,epois do duelo entre seus ami'osDilac e %ardal Mallet2 Raul escre1eu 9ue2 embora os escritores lutassem paraintrodu-ir o m(todo no país2 parecia in)til2 pois os duelos esta1am semprecircunscritosaos pr>prios introdutores. $in'u(m se dispunha a testemunhar os duelos2 e apolícia os reprimia2 para e1itar 9ue se di0undissem como uma pra'a.Mas no mesmo dia do encontro desastroso na Cailteau2 Dilac recebeu um a1iso de9ue Raul o esperaria s seis da manh no Bardim Dot?nico2 num terreno baldio 9ueda1apara a la'oa2 escondido da rua por um pe9ueno bos9ue.5FQuando na hora pre1ista as testemunhas saltaram do bonde para se diri'irem aolocal2 al'u(m 1eio a1isar 9ue a polícia soubera do duelo e esta1a esperando osparticipantesatr&s das &r1ores2 com al'emas prontas. Al'u(m a1isara a polícia. Mas 9uemW Tudotinha sido 0eito com o maior si'ilo.Raul procurou ento seu ami'o Thoma- ,el0ino e pediu7lhe 9ue or'ani-asse outro

duelo com Dilac. ,el0ino 0icou bastante preocupado2 con1ersou com o comandante/rancisco

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de Mattos2 ami'o e correli'ion&rio político de ambos. ,ecidiram tomar aspro1idências para o duelo2 ali esta1am en1ol1idas 9uest<es no apenas pessoaismas tamb(mpolíticas2 os 0lorianistas no podiam so0rer calados tamanha a0ronta. Mesmoassim2 chamaram Raul e tentaram demo1ê7lo da id(ia2 su'erindo outras maneiras dela1ar

sua honra. Raul2 por(m2 continuou irredutí1el.A1isado2 Dilac escolheu suas testemunhas. Mattos per'untou a Raul 9ue arma sabiautili-ar melhorH ele respondeu 9ue nenhuma. As 9uatro testemunhas se reuniramparadecidirem a 0orma do duelo. capito su'eriu 9ue os duelistas portassempistolas carre'adas2 3unto ao peito2 e disparassem ao mesmo tempo. Mattos disse9ue no9ueria assistir a um assassinato duplo e su'eriu duas pistolas2 uma municiada eoutra2 no2 sorteadas entre os contendores. debate entre as testemunhas seacendeu2at( 9ue o comandante Mattos 0e- recordarem"9ue Raul e Dilac eram2 na 1erdade2 ami'os de lon'a data2 a9uilo era um epis>diosem maior import?ncia e 9ue seria es9uecido com o tempo2 9ue ambos de1iam tersua di'nidade preser1ada2 assim como suas 1idasH no era imprescindí1el umcad&1er. Sm duelo com espadas seria o ideal no caso2 pois ao primeiro 'olpe astestemunhaspoderiam suspender a luta.Assim 0icou decidido o duelo com espadas2 para o dia se'uinte2 no t)nel do RioComprido2 com a presença de um m(dico2 9ue poderia ser o doutor Oeitor Murat2irmodo poeta das ondas.FK5Mattos le1ou Raul para o Clube $a1al. Trancaram7se na sala de es'rima2 cada umcom uma espada2 e o comandante ensinou ao romancista os primeiros mo1imentos dede0esae de ata9ue. A cada 'esto2 o pincenê de Raul caía no cho e ele 0ica1a bramindosua espada2 sem 1er mais 9ue 1ultos2 desa3eitado2 atabalhoado2 como1ente./icaramali at( altas horas da madru'ada.Dilac 0oi se adestrar com Mallet2 e;ímio espadachim2 embora intuiti1o.$a hora do duelo2 meia7noite2 a polícia tinha cercado o t)nel e para nosuspenderem por mais tempo a deciso2 as testemunhas e os duelistas 0oram para oateliêde Dernardelli2 na rua da Relaço. Trancaram as portas2 cerraram as cortinas2retiraram os m>1eis e 9uadros 9ue entulha1am o caminho2 puseram as espadas nosbaldeshi'iênicos.$er1oso2 a'itado2 co0iando o bi'ode2 Dilac caminha1a pelo salo como se omedisse por meio de seus passos2 parecendo 9uerer se 0amiliari-ar com o local.Raul permaneceusentado2 melanc>lico2 com e;press<es eni'm&ticas no rosto.As armas desin0etadas 0oram secas com toalhas e uma testemunha 0e- o sinal. Raule Dilac caminharam at( o centro do salo. Mattos lhes 0e- um )ltimo discurso2lembroumais uma 1e- a anti'a ami-ade entre os duelistas2 ressaltou suas 9ualidades comohomens e como patriotas2 3o1ens2 intr(pidos2 9ue 3&F!tinham demonstrado su0icientemente sua cora'em de ca1alheiros honrados. %ediu9ue desistissem do duelo. Dilac disse 9ue2 como o0ensor2 cabia7lhe decidir e 9ueseda1a por satis0eito2 retira1a7se do embate. Estendeu a mo para Raul2 9ue

hesitou2 suspeita1a dos 1erdadeiros moti1os 9ue le1a1am Dilac a pareceraco1ardado2 mas

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no te1e outra 0orma seno apertar a mo de seu ad1ers&rio2 terminando assim oepis>dio2 sem luta2 sem san'ue.As testemunhas escre1eram a ata e 0oram embora2 satis0eitas. Dilac 0oi comemorarbebendo cer1e3a. Raul 0icou no ateliê at( o amanhecer2 estendido num di12absorto.,i-em 9ue Raul suicidou7se por causa desse duelo. Ele teria 0icado abatido2

melanc>lico2 en0ermo2 mesmo depois 9ue tudo a9uilo 0oi es9uecido no podiadormir empa-2 assaltado pelos demnios noturnos. A 1erdade ( 9ue Dilac ( um homem'eneroso2 e se retirou por9ue sabia de sua superioridade 0ísica sobre RaulH no9ueria0eri7lo2 considerou uma co1ardia bater7se com um homem to terri1elmente míope edes'o1ernado em seus mo1imentos.%ara Dilac2 ao contr&rio2 a9uele duelo no te1e nenhuma import?ncia.F+"la1o Dilac esta1a tentando 0a-er a re1oluço. Com os re1oltosos2 1isita1a,eodoro nas pausas de suas apn(ias. %&lido2 o0e'ante2 o deposto sussurra1a 9ueno 9ueriades'raças2 esta1a 0ora da con0uso.Sma turbamulta no Catete des0ilou aos berros e2 diante do pal&cio2 se 0i-eramdiscursos incendi&rios2 pedindo a 1olta de ,eodoro. Todos 0oram at( o campo [email protected] ali a multido parou2 em silêncio2 na 0rente do 9uartel7'eneral 'uarnecidopor homens 0ortemente armados. Apenas Mena Darreto entrou2 com os o0iciais./loriano2 9ue mora1a na %iedade2 ou1indo as notícias dos tumultos calçou seussapatos e correu para o campo2 a p( mesmo. iu seu ami'o Mena Darreto 0rentedosre1oltosos e disse7lhe U1ocê est& preso2 seu malu9uinhoU. =ua 0rie-a eradesconcertante. Ele atra1essou a rua e entrou no tamaratL2 se'uido pelamultido curiosa.Mandou prender um monte de 'ente2 inclusi1e Bos( do %atrocínio2 %ardal Mallet ela1o Dilac.Com outros conspiradores2 todos encapotados e armados2 Dilac tinha ido ao altode um morro encontrar o homem de aço 9ue ia diri'ir o mo1imento. Mas o homem deaçoapareceu s> de ceroulas e 'orro na cabeça2 espirrando e disse 9ue no ia 0a-erre1oluço nenhuma por9ue esta1a Uende0lu;adoU. Uou tomar um ch& de 3aborandiU2disse.F*!K,urante 9uatro horas Dilac 0oi interro'ado. ,epois o remeteram para o 9uartel doDarbonosH em se'uida para o Arsenal de GuerraH al'emado2 embarcou no A9uidaban edesapareceu. Resultado da con0uso: estado de sítio. /oram para a 0ortale-a daa'e e para o 0orte de ille'ai'non centenas de re1oltosos. A lua7de7mel daRep)blicacom a ditadura. sso era a liberdade de imprensa prometida pelos republicanosWOa1ia mais de uma d)-ia de 3ornalistas presos. A lin'ua'em decota7da 0oiproibida.s diretores dos 3ornais 1i1iam nas antec?ma7ras das dele'acias2 esperando paradar e;plicaç<es.,ormindo na 0ria palha das celas2 Dilac comia e en'orda1a. $ada mais. i1ia nomais pro0undo t(dio. carcereiro abria suas cartas e escolhia as 9ue podia ounoreceber. Cinco meses depois Dilac 0oi posto na rua2 U'ordo como um b&7coro eaborrecido como um peruU2 como ele mesmo disse.,isse tamb(m2 em p( sobre uma mesa do Ca0( ondres2 discursando aos poetas eboêmios2 9ue %ardal Mallet 0ora 1er tartaru'as na 0ronteira do %eru e ele 1erna1ios

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na 0ortale-a da a'e. Tinha se metido na re1oluço apenas por um impulso decuriosidade2 1ontade de conhecer por dentro um mo1imento político2 por umaconduta platnica2por 1ocaço para m&rtir. =im2 ele tinha 1ocaço para o so0rimento2 com seusolhos caídos2 suas sobrancelhas melanc>licas2 seu 9uei;o 0ino.F6

!!Dilac passou a 1i1er na redaço de Combate2 escre1endo desa0oros 1ermelhos2b&rbaros. Buntou7se a %atrocínio e com seus pseudnimos 7 durante sua 1ida eleusoude-enas2 como /ant&sio2 /loreal2 /lamíneo2 BacI2 %ucI2 ,iabo es'o2 ,iabo Co;o2lí1io2 li1eira2 /ebo7Apolo2 Asmodeu2 Dob2 saldo2 %ierroth2 ilith2 %(7Oo2Marcos2%olichinelo2 Astarot2 Bu1enal 7 destilou urti'a2 0el2 'alho0as2 remo9ues2cascalhadas2 1inhetas re1olucion&rias2 achincalhando os bur'ueses enri9uecidos custados ne'ros2 perse'uindo um m(dico 9ue esterili-a1a mulheres pobres e 0a-endooutras campanhas no 'ênero. Ataca1a os republicanos mas odia1a os monar9uistas.s monar9uistas conspira1am nos subterr?neos. Eram ar7'ent&rios 9ue tinhamcriado o Encilhamento2 9ue lhes proporcionara 0ortunas do dia para a noite2criando empresasima'in&rias. /loriano e;tin'uiu a 3o'atina na Dolsa de alores e os e;(rcitos dedescontentes se 3untaram nas sombras para conspirar. s anderbilt e osRothschild2os nababos e os tetrarcas2 esta1am em todas as es9uinas. Mendi'os bebiamchampanhe em lustrosas e insolentes carrua'ens2 cru-ando os imensos dep>sitos deli;o2 aossola1ancos pelos buracos das ruas. s brasileiros 9ue che'a1am em na1iostenta1am impedir os estran'eiros de passearem em terra2 com 1er'onha dassarabandas das0raudes2 do cheiro de urina e dos urubus comendo carniça.F#s ricos pensa1am 9ue eram ricos. ,i-ia7se 9ue era um tempo de 'randeprosperidade2 mas o país esta1a ruindo.Dilac a'rediu /loriano de todas as maneiras 9ue pde. %or isso2 te1e 9ue partirpara Minas2 em e;ílio. /oi pensando em trabalhar2 escre1er sua obra7prima.F!+Em torno dele paira uma aura de mist(rio. =ua dipsoma7nia2 suas obscenidadesescritas nas 0olhas2 suas s&tiras2 seu interesse por mulheres2 t)mulos2catedrais2suas 1ia'ens a %aris2 seus discursos irre1erentes nos saraus liter&rios2 tudo emsua 1ida parece per0eito para coroar um homem com a 'uirlanda po(tica. /altam7lheapenasas olheiras2 a palide- e a ma're-a da tuberculoseH apesar disso2 ele cumprelon'as estaç<es de cura na 0loresta da Ti3uca ou nas &'uas de %oços de Caldas.,i-em 9ue la1o Dilac so0re de necro0iliaH tamb(m de pa7to0obia e tem pa1or detuberculose2 como se a dese3asseH so0re de abulia2 ( incapa- de persistir emal'oHtem antropo0obia2 pois 0o'e dos seres humanos e culti1a uma cela0obia2 pa1or dasal'a-arras. $as noites de insnia2 recita a celebraço de immermann2 dasdelíciasda solido. Essas hist>rias rom?nticas o tornam um poeta mais substancial do 9uesua poesiaWFF!*$o compreendo por 9ue penso tanto em la1o Dilac2 na 1erdade ele no temnenhuma import?ncia em minha 1ida2 a no ser pelo 0ato de eu 9uerer me tornar

al'u(m como

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ele. $o 9ue alme3e sua obra liter&ria2 ou sua 'l>riaH o 9ue me 0ascina em Dilac( ser ele em sua essência um poeta2 9ue respira poesia2 se embria'a de poesia2sonha poesia2 se alimenta de poesia. $o importa o 9uanto seus 1ersos se3amdur&1eis2 isso nin'u(m pode saber. Como podemos 3ul'ar um poeta 9ue ainda est&1i1oWE Au'ustoW Ter& ele terminado para sempreW Sm li1ro2 apenas2 ser& su0iciente

para perpetuar um poetaW Como Rim7baud2 morto bem 3o1em2 Au'usto dei;ou al'o 9uenosen0ei7tiça2 um encontro 0ortuito da sombra com a e1idência2 do riso com o 0o'o2do coito com os cr?nios. 9ue ser& dele2 a'oraW Certo2 Rimbaud morreu aostrintae sete anos. Mas silenciou aos de-eno1e2 para 1i1er suas a1enturasH e suaimport?ncia s> 0oi reconhecida perto da morte2 9uando 3& tinha perdido uma pernae as esperançasna humanidade. ,ei;ou muito mais 9ue apenas um so0rido li1ro2 escrito com san'ueno tinteiro2 arrancado 0orça da tipo'ra0ia. E [l1ares de A-e1edo2 9ue morreuaos 1inte e um anos2 puro2 imaturo2 sem ter publicado nada a no ser uns poemase discursos de estudante2 em 3ornaisW =eu satanismo2 sua morbide-2 sualibertina'em2sua pretensa 1ida boêmia 0i-eram com 9ue seus poemas e dramas2F5publicados postumamente por seu pai2 lhe concedessem al'uns anos de 'l>rialiter&riaH mas a'ora 0oi es9uecido2 tal1e- para sempre. 9ue ser& de Au'ustoW 9uesi'ni0ica sua morte precoceWF"!6eopoldina 0ica a on-e horas de 1ia'em. Tiro do bolso o rel>'io. %reciso ira'ora mesmo estaço2 tenho 9ue comprar o bilhete com antecedência. =e noti1er passa'emno 1a'o de primeira2 irei ento no de se'unda2 ou no de terceiraH ou mesmo node 9uarta classe2 se preciso 0or.=e no hou1er lu'ar no trem2 irei 3unto com as 1acas2 ou sobre os sacos 1a-iosde ca0( no 1a'o de car'aH caso se3a impossí1el2 tomarei meu coche2 no semantes1eri0icar a e;istência de uma estrada at( eopoldina 9ue no sir1a apenas paramulas e ca1alos. =ei 9ue de autom>1el ( impossí1el dei;ar esta cidade. Mal sepodeche'ar Ti3uca2 ao Corco1ado.Terei eu de ir numa carroçaW A ca1aloW Quanto tempo demoraria uma 1ia'em 0eitaassimW ,iasW =emanasW Mesmo 9ue se3a a p(2 no posso dei;ar de partir o maisbre1epossí1el. /erida de triste-a2 0r&'il2 Esther tal1e- precise de mim2 se ( 9ue noestou me dando demasiada import?ncia. Tenho medo de 9ue Esther nem mesmo me1e3a2se9uer se recorde de mim2 9ue nem possa me apro;imar dela. Tenho pa1or de 9ue mecompreenda mal2 creio 9ue me mataria se isso acontecesse.=into uma a0liço me tomar. Como posso eu no estar ao lado de Esther nummomento como esteW %or 9ue no 0ui para l& lo'o 9ue recebi a notícia de 9ueAu'usto esta1adoenteW =empre soube da sa)de 0r&'il de meu ami'o. $o teria me5Kcustado nadaH tal1e- eu pudesse ter sal1o sua 1ida2 mas em 1e- disso 0i9ueia9ui2 perambulando pelas noites estreladas2 tomando absinto2 0ornicando ascocotes eas damas das cam(lias e;7tísicas.5!

A triste dama das cam(lias

!

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A lataria do carro brilha como um ní9uel ao sol. $o topo do motor 0ica aestatueta de uma ênus met&licaH mais abai;o2 dois 0ar>is. s pneum&ticos deborracha emtorno de raios amarelos têm tamanhos di0erentes2 as rodas traseiras menores 9ueas dianteiras. motor locali-a7se na 0rente. Atr&s dele 0icam as poltronas docho0er

e de seu a3udante2 o 'uido direita2 a bu-ina em 0ormato de corno de boi e a'rande 3anela p&ra7brisa 9ue separa o cho0er dos passa'eiros. Estes 1ia3am emumacabine 0echada2 com teto2 portas laterais2 3anelas de 1idroH do lado de 0ora h&um de'rau para a3udar as damas a tomarem seus lu'ares2 assim como duas l?mpadassinali-adoras2em 0orma de peras. E2 por 0inal2 acima da cabine de passa'eiros2 como se 0osseuma dili'ência2 0ica uma 'rade para se atrelar ba)s. Trata7se2 propriamente2 deumacaraia'em na 9ual os ca1alos 0oram substituídos por um animal mec?nico 9ue em1e- de capim e al0a0a in'ere combustí1el in0lam&1el. Z um Dra-ier2 de !"K5.Comprei7o num leilo2 h& poucos dias. %ertenceu a um 1isconde2 depois a umsenador da Rep)blica. Oo3e2 9ual9uer pessoa 9ue tenha dinheiro2 ou 9ue dese3e0in'irtê7lo2 pode possuir um autom>1elH est& se tornando al'o bastante comum.Quando tra0e'ou nas ruas do Rio de Baneiro o primeiro autom>1el2 umapara0ern&lia mo1ida a 1apor2 com 0ornalha2 caldeira e chamin(2 as crianças e os1adios o se'uiam5#pelas ruas2 aos 'ritos de ale'ria2 ou 3o'ando pedras se o motor 0alha1a. ,i-em9ue o senhor Dilac aprendeu a diri'ir nesse carro2 9ue pertencia ao seu ami'oBos( do %atrocínioH e 9ue um dia2 embria'ado2 3o'ou7o contra uma &r1ore2inutili-ando7o.Em !"KK che'ou de %aris o primeiro autom>1el propriamente dito2 um ,ecau1ille2mo1ido a ben-ina comprada nas 0arm&cias2 diri'ido por 'uido2 como umabicicletaHterminou seus dias aos pedaços2 depois de uma 1iolenta e;ploso. Sns cinco anosdepois 3& ha1ia do-e autom>1eis na cidade. Oo3e2 cator-e anos mais tarde2 h&de-enastra0e'ando por aí e pouca 'ente se espanta com as m&9uinas 0umacentas.5+/umando um U0u-ileiroU2 o cho0er la1a o autom>1el2 ainda 1estido com as calçasde pi3ama e uma camisa. Z um homem 'ordo2 especialmente no t>ra;2 o 9ue o 0a-manteros braços a0astados do corpo2 pendurados. Alerta2 a1ista7me 9uando ainda estoudistante. ,i'o7lhe 9ue estou atrasado2 de1e se preparar depressa a 0im de irmosparaa 'are.,iante do porto de 0erro esmiuço os bolsos2 at( 9ue me 1em mente o 0ato de9ue no tenho mais cha1es de minha casa2 desde 9ue Camila est& morando comi'o.Aopensar em Camila2 sinto minha 0ronte molhar7se de suor. Como irei eu di7-er7lhe9ue preciso 1ia3arW%assei a noite 0ora de casa2 o 9ue no ( nada incomum2 mas a hist>ria de la1oDilac2 9ue para mim parece um sonho2 para Camila ser& um pesadelo. Como sempre2ela1ai suspeitar 9ue esti1e com uma mulher. E 9uando eu 0alar na morte de Au'usto2ela 1ai sentir ci)mes de Esther. ai me per'untar sobre isso. Mas 1ou mentir.$o ( di0ícil en'anar as mulheres. As mentiras so mais coerentes 9ue arealidade2 portanto2 mais 1erossímeis. 9ue ( a mentira2 seno uma 1erdade na9ual noacreditamosW

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A 1erdade2 por outro lado2 ( al'o to precioso 9ue de1emos 'uard&7la num co0recomo se 0osse a nossa pr>pria 1ida. A 1erdade ( um se'redo a latir como um conoabismo de nossa alma2 a 1erdade ( uma pe9uena estrela a brilhar na escurido damentira. A 1erdade ( um apostema2 um l)'ubre ciclone2 uma 0êmea alucinante. =ecoa testa com o lenço.

5F* porto se abre 9uando o empurro. =ubo as escadas2 trêmulo2 toco a aldra1adi1ersas 1e-es2 com impaciência. 1aso de 0olha7de70landres com leite est& aoladoda porta. ,esde 9ue proibiram o leiteiro de le1ar sua 1aca de casa em casa2 oleite 9ue bebemos perdeu a 9ualidade2 o sabor2 a densidade2 at( mesmo a hi'iene2presumo.%or outro lado2 no chocalham mais as campainhas nas coleiras2 as ruas no têmmais tanto estrume e a populaço no acorda mais com mu'idos. As bu0ari7nheirascontinuam0a-endo barulho de manh2 mas como so2 muitas delas2 moças airosas2 nin'u(mtoma uma pro1idência. A 'o1ernanta2 dona /rancisca2 abre uma 0resta e 0ica meolhandocom um olho s>2 ressentida2 demora a abrir a porta2 como se 9uisesse mecasti'ar.$a sala2 a mesa est& posta para uma pessoa2 com prato de louça2 talheres deprata2 candelabro2 uma 'arra0a de 1inho2 c&lices de cristal2 'uardanapo decambraia.A cesta de po est& coberta por um pano.U senhor no 1eio para 3antarU2 ela di-.UA dona Camila est& acordadaWUUEla no dormiu essa noite2 chama1a pelo senhor a cada instante2 pedia 9ue eu0osse olhar se o senhor esta1a che'ando2 pois ou1ia os passos. Quando escuta1aumcachorro latir2 manda1a 9ue eu 0osse olhar se era o senhor. =e passa1a um ca1aloela ou1ia os cascos e pensa1a 9ue era o senhor.U55/in3o no perceber as insinuaç<es de dona /rancisca2 estou acostumado com suasironias 3ocosas2 ela me tem como a um seu 0ilho e ao mesmo tempo marido pois sep<eno lu'ar de Camila2 apieda7se dela2 conspira contra mim na co-inha2 no 9uarto2nos 3ardins. %eço7lhe 9ue 1& ao meu 9uarto de 1estir e separe duas mudas deroupa2prepare a maleta com os esto3os de 1ia'ens curtas2 pe'ue meu capote no ba)2 a(charpe e a cartola. Ela desaparece no corredor.5"6/ico im>1el2 no meio da sala. uço a 1o- rouca de Camila2 1inda do andar decima2 chamando por mim. =ubo as escadas2 atra1esso a sala de ch&2 a sala deleituraHempurro a porta do 9uarto2 entreaberta.Camila est& deitada2 como sempre. este uma camisola desarran3ada2 de maneira9ue lhe dei;a os ombros descobertos. =eu corpo parece 0eito no de carne e seu0ul'orcompacto2 mas de uma 9uase impalp&1el 'elatina2 uma mat(ria con'elada nebulosa.O& meses ela no sai de casa2 nem mesmo para tomar um pouco de sol no 3ardim.Malse mo1e sobre a cama2 onde passa a maior parte do dia2 0eito uma lesma2 lendo as'a-etas e como1endo7se com os romances de ola2 uma triste dama das cam(lias2semre'eneraço por9ue no hou1e pecadoH dei;a7se 0icar nas estaç<es intermedi&riasentre o sono e o despertar2 entre o sonho e a realidade2 entre a 1ida e a morte.

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Z uma rapari'a rom?ntica 9ue con0unde2 como tantas outras2 o 9ue se passa na1ida real com o 9ue lê nos li1ros de romances. lha para 0ora apenas atra1(s da3anelaprote'ida pela cortina de renda. A palide- de sua pele me 0a- ima'inar Estherchorando por Au'ustoH sorrio. Camila sorri.UAh2 1ocêXU2 ela di-. U,emorou a che'ar.U

Uocê est& bemWUU=im. Mas no conse'ui dormir.UUEsperando por mimW B& lhe pedi 9ue no 0i-esse isso.U"KUTi1e suores noturnos. Mas a Chica me 0e- a 0ricço com 1ina're e sal2 emelhorei. $o dormi por causa do barulho2 te1e 0esta na casa de Rui Darbosa2 osautom>1eische'a1am e saíam2 roncando2 a m)sica no para1a de tocar2 as pessoas 0ala1amalto2 riam2 solta1am 0o'uetes2 os cachorros latiam a cada estranho 9ue passa1ana rua20oi um in0erno. Em um momento2 por(m2 uma mulher cantou2 acompanhada ao piano2uma canço 9ue me embalou e me 0e- 0eli-. E 9uanto a 1ocêW /icou a noite inteiracom os boêmios con1ersando sobre poesiaWUUocê no pode ima'inar o 9ue me aconteceu: encontrei la1o Dilac.UUla1o DilacWUU=im2 Camila.UU$o pode ser. i na 'a-eta 9ue la1o Dilac est& numa de suas 0re9Ventes 1ia'ens Europa. ,e1e ser al'um outro poeta.UU%elo 9ue me consta2 o senhor Dilac che'ou de %aris recentemente.UU tio Dernardino este1e a9uiU2 ela di-2 Up&lido como um boneco de cera. Acaboude sair.UUEle 1iu 1ocêWUU$o2 claro 9ue no. Mas 0ui at( a beira da escada e o 1i na sala2 no mudoumuito2 desde a9uele tempo2 apenas en'ordou um pouco e seus cabelosembran9ueceram aindamais. Ele precisa1a 0alar com 1ocê. %arecia ter al'o terrí1el a di-er2 muitas1e-es se entre'a1a a um choro con1ulsi1o2 depois se re0a-ia2 en;u'a1a asl&'rimase 0ica1a sentado2 soluçando2 com o lenço na mo. Ti1e tanta pena dele. Ssa1a umsapato preto e um marrom2 pode ima'inar al'o assimW Coisa de 1elho. Esperou por1ocêdurante 9uase uma hora. Creio 9ue al'uma coisa de terrí1el aconteceu.UUAu'usto morreu.UUhX Que des'raçaX %obre rapa-.UCamila se torna ainda mais sombria2 e re0le;i1a. Creio 9ue est& 0a-endo0antasias a respeito de Esther.UEsta 0oi a noite mais triste de minha 1idaU2 di'o."!#UConte7me seu encontro com la1o Dilac.UUSma coisa realmente e;traordin&ria. /oi de madru'ada. Encontrei7o na rua e oabordei. senhor Dilac e eu con1ersamos al'uns instantes. Ele parecia terbebidoum pouco2 seu h&lito cheira1a a &lcool. ,epois ele me se'uiu.UU=e'uiu 1ocêW Mas por 9uêWUU,ecerto dese3a1a con1ersar. $o %asseio %)blico2 sentou7se no banco ao meu ladodurante um lon'o tempo2 com o li1ro de Au'usto sobre as pernas.UUEle esta1a so-inhoW u acompanhado de al'uma baronesa2 ou uma 1i)1a ne'raWUU=o-inho. %or 0a1or2 no o o0enda.UU,esculpe7me. E 1ocêW %retende ir para eopoldina assistir aos 0uneraisWUU$o posso dei;ar de ir2 Camila.UUComo 1ocê soube da morte de Au'ustoWUUA mensa'em 1eio pelo tel('ra0o. Eu perambula1a pela rua 9uando encontrei um

3ornalista conhecido meu2 9ue trabalha no %aís2 e tremendamente embaraçado eleme disse

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9ue Au'usto tinha acabado de morrer. $o acreditei2 podíamos estar 0alando depessoas di0erentes2 a0inal 0oi uma con1ersa to bre1e2 o 3ornalista esta1aapressado2ha1ia al'u(m esperan7do7o numa tasca. /ui aos Correios e Tel('ra0os2 acordei otele'ra0ista2"+

passei um tele'rama para eopoldina e de l& me responderam con0irmando a mortede Au'usto.UCamila mer'ulha em pensamentos. &'rimas rolam dos seus olhos2 0inas como se0ossem despe3adas de um conta7'o7tas. =eco7as com o meu lenço. Mas no ( a mortedeAu'usto 9ue a 0a- chorar."*U$o se preocupeU2 di'o. Uo'o 1ou 1oltar. ocê est& pensando nela2 no (W Est&pensando na Esther.UCamila ne'a2 acenando com a cabeça.U$o pense tolicesU2 di'o2 U1ou apenas assistir a um 0uneral2 nem sei se poderei0alar com Esther2 1ou dar7lhe os meus pêsames2 o0erecer7lhe meus pr(stimos2 1ocêsabe2 ela de1e estar precisando de a3uda2 e Au'usto era como um irmo para mim.$o so0ra2 por 0a1or.UU$o estou so0rendoU2 ela di- com uma triste-a per0eitamente dissimulada.=ei 9ue Camila est& so0rendo2 apesar do sorriso em seu rosto. Ela esconde seussentimentos2 e 9uando os re1ela ( apenas para con0undir7me ainda mais. =eti1essem& índole2 seria terri1elmente peri'osa2 pois sabe en'anar com destre-a2 ( capa-de di-er uma 1erdade ou uma mentira com a mesma naturalidade. =endo boa e'enerosa2usa sua aptido apenas para me sedu-ir e para en'anar a si mesma.U$o 0i9ue assim2 Camila2 est& despedaçando meu coraço.UUAssim comoW Estou cansada2 apenas isso2 no dormi direito essa noite.U%enso em Esther2 em seu sorriso e;tro1ertido2 sua imediata li'aço com o mundo2na sua 0acilidade em trocar pala1ras com os seres humanos2 em sua mobilidade0ísicae mental2 como"6se ti1esse o destino e o espírito le1ados pelo 1ento entre 0urnas lbre'as2clareiras radiantes2 solid<es alpestres2 0ecundos 1alesH dese3o escre1er umapoesiasobre ela2 sobre seus olhos 9ue de pedras de 'elo em um instante se trans0ormamem brasas."#FCamila ( delicada2 intro1ertida2 re0le;i1aH tem traços sua1esH seu corpo searruina como se 0osse uma casa abandonada. Quando a conheci2 na %araíba2 era umameninae;cit&1el2 9ue 1i1ia sob os cuidados de pessoas por demais condescendentes. =uaintrospecço le1a1a a um desen1ol1imento anormal de sua mente sensí1el num corpo0r&'il. Aos de-oito anos de idade cuspiu san'ue e descobriu7se 9ue esta1atísica2 A doença lhe a0etou os ossos e as articulaç<es2 tinha dores persistentese inchaçoHsuas cordas 1ocais tamb(m 0oram contaminadas e ela passou a 0alar com essa 1o-rouca. Ema'receu mais de de- 9uilos em poucas semanas. eio para o Rio deBaneiroHinternou7se num sanat>rio para tísicos2 sendo tratada com descanso absoluto ere'ime de leite2 o1os2 0rutas e 1erduras2 e;posiço lu- solar e respiraço dearpuro2 9uando escre1ia um melanc>lico di&rio onde cita1a o %araíso a cada p&'ina./e- uma operaço de pneumot>ra;. Em pouco tempo esta1a recuperada e pde 1oltar

1ida normal2 1indo passar al'uns dias comi'o antes de 1oltar para sua casa na%araíba.

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Toda1ia nunca mais 0oi uma pessoa comum. %assa os dias e as noites comendo'uloseimas2 mas 1omita o 9ue comeu e no en'orda um 'rama se9uer. lha7se noespelho2per'unta centenas de 1e-es se est& ma'ra demais2 se seus olhos esto enco1ados epor mais 9ue eu lhe di'a 9ue seu aspecto est& bom 7 o 9ue ( uma piedosa mentira2Camila est& cada dia

"mais branca2 de olheiras ro;as2 sua pele colou7se ao es9ueleto 72 ela repete asper'untas obsessi1amente.Est& comi'o h& cerca de dois anos. o'o 9ue 1eio para c&2 seus pais e seusirmos2 desesperados2 buscaram7na em hospitais2 recolhimentos2 con1entos2 at( emnecrot(rios.,e-enas de cartas 0oram en1iadas a ami'os e conhecidos2 retratos de Camila 0orampublicados em 3ornais2 sua 0amília prometeu uma recompensa para 9uem desse umindíciode seu paradeiro2 mas tudo 0oi em 1o./alei7lhe por di1ersas 1e-es sobre a an')stia 9ue esta1a causando a seusparentes2 por(m ela mante1e7se irredutí1el2 acha1a 9ue so0reriam ainda mais se a1issemto ma'ra e p&lida. Oo3e nin'u(m mais de sua 0amília a procura. ,e1em pensar 9uemorreu."F5Dei3o a 0ace de Camila.UTenho tanta 1er'onha da minha ma're-a. ocê acha 9ue estou ma'ra demaisWUU$o pense nisso.UUA Chica disse 9ue estou muito ma'ra2 9ue ma're-a demais ( 0eio. =e o tioDernardino me 1isse2 tenho certe-a de 9ue iria desmaiar.UU$a Cochinchina2 Camila2 as mulheres tin'em os dentes de ne'ro2 isso lhe parecemuito 0eio2 no pareceW %ois para os homens de l& ( e;citante. A tribo dostrarsas2entre Tali0et e Tun'ubutu2 obri'a as rapari'as a en'olirem imensas panelas demantei'a2 para 9ue 0i9uem 'ordas. iuW &2 so bonitas as mulheres 'ordas. Mas2paramim2 so bonitas as ma'ras2 isso no 9uer di-er 9ue 1ocê este3a ma'ra demais21ocê en'ordou um pou9uinho nos )ltimos dias2 no percebeuW ou cantar uma m)sicapara1ocê2 ( assim: @Tu (s beeeeeela2 so ma'ros os teus meeeeeembros2 mas2 minhaamada2 inda ser&s mais beeeeeela se beberes o leite de [email protected] ElasorriH dessa1e-2 creio2 sinceramente. Dei3o seus p(s. U%reciso ir2 minha 9uerida2 o carroest& me esperando2 a9ui em 0rente.UU carro 9ue 1ocê comprou no leiloWUU=im.UU$a 0rente da casaWUU=im.U"5U%osso 1ê7loWUU=im2 e1identemente. enha.U=urpreso com sua deciso2 a3udo Camila a le1antar7se da cama e le1o7a 3anela.Camila solta um balido triste ao 1er o autom>1el na rua. Tal1e- sonhe com uma1ia'em2com a mobilidade ne0elib&tica das outras mulheres2 com o mundo passando por seusbraços como se 0osse um 1ento. cho0er con1ersa com um rapa- das 1i-inhanças.Tenho a impresso de 9ue 0alam a meu respeito2 pois o rapa- ou1e atento e s1e-es 1olta o rosto e olha para a minha casa2 balança a cabeça ne'ati1a oua0irmati1amente20a- per'untas2 se'ura o coto1elo do cho0er. $a casa de Rui Darbosa2 em 0rente2lu-es de 3anelas permanecem acesas2 posso 1er 1ultos de homens idosos2 sentados2

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con1ersando seriamenteH nos 3ardins2 empre'ados recolhem louças2 mesas2cadeiras2 'arra0as 1a-ias2 'uardanapos su3os2 uma lu1a perdida. Em al'unsautom>1eis estacionadosna0rente da casa2 os cho0eres dormem sentados ao 1olante. =empre ti1e 1ontade deir s 0estas em sua casa2 0re9Ventadas por belíssimas mulheres2 de peles de

leiteou pêsse'o2 bailarinas2 cantoras2 pianistas2 sendo a mais esplendorosa de todassua 0ilha2 Maria Ad(lia2 9ue tem o 0rescor de uma menina do =ion.Em muitas manhs eu o 1e3o sair para o trabalho. Rui aparece porta2 comosempre 1estido em palet> a-ul7marinho cortado na Raunier2 chap(u de 0eltro2camisa depeito duro. Respira o ar da manh2 olha o c(u. Tem sempre nas mos uma pasta compap(is2 certamente decretos2 pareceres2 discursos2 o 9ue se3a. Ao passar no3ardim2p&ra diante de 0lores2 co0ia seu bi'ode prateado2 d& ordens a um 3ardineiro2caminha apressado e entra no carro2 em direço a seu escrit>rio2 na Cidadeelha. Temum 3eito meio londrino ad9uirido no e;ílio2 apesar de ner1oso. =eus olhosparecem soltar 0aíscas el(tricas. $unca repete uma 'ra1ata. =ei 9ue nos 0ins desemanaculti1a rosas2 prote'ido por um a1ental lon'o2 com tesoura na mo enlu1a7da2 s1e-es acompanhado de Maria Ad(lia.""U%ensei 9ue o seu carro 0osse a-ulU2 di- Camila. UMas ( preto e amarelo.UU%or 9ue pensou 9ue 0osse a-ulWUU=onhei2 h& al'umas noites2 9ue 1ocê 0u'ia num ca1alo a-ul.UU$o pense mais nisso2 Camila. o'o depois dos 0unerais2 1olto para casa.UUe1e7me de 1olta para a cama2 estou 0icando com as pernas trêmulas.U,eito7a na cama2 bei3o7a no rosto.UEu no estarei a9ui 9uando 1ocê 1oltarU2 ela di-2 se'urando com 0orça a minhamo.U$o di'a boba'em2 Camila. $ada 1ai lhe acontecer. Est& bem2 9ueridaWUCamila se debruça sobre a bacia2 tosse repetidas 1e-es2 cospe. e3o uma pe9uenamancha 1ermelha na bacia2 9ue me 0a- estremecer por um instante. Camila est&no1amentecuspindo san'ue.Ela empurra a bacia para debai;o da cama2 escondendo7a.!KK" san'ue na bacia tem um terrí1el si'ni0icado. ,e1o 0icar a seu lado para a3ud&7la2 chamar um m(dico com ur'ência2 0a-er com 9ue ela se trate2 le1&7la a umaestaçode cura2 Camila precisa de mim2 sou a )nica pessoa 9ue ela tem neste mundo2 elame ama sinceramente2 daria sua 1ida por mim2 dei;aria de ir ao enterro de suaa1>2de seu pai2 de sua me para 0icar ao meu lado se eu esti1esse doente2 e tenho9ue 0a-er o mesmo por ela2 0icar. Mas desço as escadas2 correndo.Cada de'rau me parece a descida ao in0erno. uço a tosse rouca de Camila2 no9uarto2 ima'ino7a soltando uma 'ol0ada de san'ue2 e depois o silêncio2 aimobilidade2a morte2 o corpo 0rio de Camila estendido na camaH a cada passo me sinto mais1il e e'oísta2 por(m al'o me empurra para adiante2 ( como se eu ti1esse 9ueatra1essaruma parede2 Camila se hospedou em minha casa2 com toda sua doçura tomou posse do9uarto2 da sala de banhos2 da sala de costura2 das outras salas2 a0inal de todoo se'undo andar2 sua 0r&'il presença2 sua 1o- rouca2 seu per0ume 0oramimpre'nando as paredes2 os tapetes2 as cortinas2 as louças2 os candelabros2 elase apossou

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de tudo2 os empre'ados passaram a 1i1er para ser1i7la2 depois 9ue ela 1eio morara9ui nunca mais me senti bem nesta casa2 era como se eu 0osse um estranho2 eentre'uei7mea perambulaç<es pelas ruas2 dia e noite2 para me 1er li1re de sua triste-ainsol)1el2 de sua presença ine1it&1el2 ( di0ícil ima'inar como!K!

al'u(m to d(bil pode ter tamanha 0orça2 ( como se ela ti1esse de-enas de pernase braços. Camila me 0a- relembrar um passado 9ue me an'ustia2 9ue 'ostaria dees9uecerpara sempre2 mas no consi'o2 muitas 1e-es desperto no meio da noite com umsentimento amar'o de al'um sonho 9ue no me recordo2 mas 9ue sei do 9ue trata1a.Quando piso o )ltimo de'rau2 meu corpo perde o peso2 9uase 0lutua. Entre'o7me aopra-er da impresso de ausência de 0orça de 'ra1idade2 de1e ser o 9ue sentiuAu'ustoao dei;ar este mundoH uma libertaço total.!K+!K$a sala2 dona /rancisca2 a3udada pela criada de 9uarto2 p<e a maleta sobre umm>1el e esco1a a l do capote preto. ou ao 9uarto de 1estir2 abro um ba) e daliretiroum co0re de 0erro2 dentro do 9ual 'uardo uma boa soma em dinheiro. =eparo umaparte2 9ue meto no bolso. resto2 entre'o para dona /rancisca.UA senhora cuide de dona Camila2 no dei;e 0altar nada nesta casa.UAo transpor o 3ardim2 por um instante hesitoH ouço ao lon'e a tosse de Camila.!K*

Morce'o Tísico

! autom>1el causa7me uma sensaço de 1erti'em. A 0umaça me d& n&useas. motorem 0uncionamento 0a- trepidar meu corpo e a 1elocidade acelera meu coraço.%onho7mebem encostado 3anela. As ruas esto desertas e o carro prosse'ue2 semobst&culos. =into medo dos a1anços do mundo2 no sei aonde 1o le1ar. Tenho1er'onha depossuir al'o to caro2 numa cidade em 9ue tantas pessoas passam pri1aç<es.As copas das &r1ores se sucedem com 1elocidade2 lo'o depois 0achadas de sobradosen0ileirados. %ostes da no1a iluminaço p)blica cortam a paisa'emH ainda h&al'umas'ambiarras de lu- a '&s2 embora raras. %assamos pelo cais %ha7rou;2 onde turcose ci'anos dormem nos canteiros dos 3ardinsH nos 9uios9ues2 carre'adores2cocheiros2malandros2 boêmios tomam ca0(2 apenas um prete;to para beberem uma parati lo'opela manh. A1isto 1itrines de botica2 um espelheiro2 uma charutaria2 uma casade0oto'ra0ias2 uma con0eitaria2 um ou outro boêmio cambaleando na rua em seupalet> de alpaca2 ci'arro nos l&bios.!KF+ carro passa diante do sobrado de 3anelas altas2 com escadas 9ue ran'iam2 ondemorou Au'usto. A'ora parece outro. A morte paira sobre as paredes2 pelas3anelas2pousa no telhado como uma a1e a'ourenta e empresta sua nobre-a casa. Com seuinabal&1el prestí'io2 seu per0eito senso de 3ustiça2 cometeu toda1ia2 no caso deAu'usto2 um ato e'oístaH mas a0inal ela sempre ( 3usta.UMais depressaU2 di'o ao cho0er. O& um tílburi no meio da rua2 9ue nos obri'a air de1a'ar. cho0er toca a bu-ina do autom>1el. s ca1alos se assustam eempinam2desimpedindo a passa'em.

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=into 9ue Au'usto no morreu completamente2 pois a )nica maneira de se morrercompletamente ( ser es9uecido e ele permanece na mente de muitas pessoas. %araEstherele est& ainda caminhando pela casa2 deitando7se com ela na cama2 0alando2 naalco1a bei3ando7a2 0echando a porta com delicade-a ao sair para dar aulas. %ara,ona

Mocinha ele ( ainda e sempre ser& a9uele menino 9ue toma1a aulas debai;o dotamarindo2 0ala1a so-inho e arranca1a p&'inas dos li1ros para ler escondido2 omenino9ue 0ica1a a contar as telhas da casa7'rande e as estrelas nas noites de medo2 omenino 9ue escre1ia poesias -ombeteiras2 o adolescente de 'alochas 9ue acena1ada 3anela do trem2 o 3o1em 9ue escre1ia Useu 0ilho e;cordeU e a consulta1a antesde tomar 9ual9uer deciso.!K5$as minhas lembranças Au'usto no est& mortoH mesmo 9uando penso nele deitadodentro de um cai;o2 ele est& 1i1o2 por9ue em se'uida o 1e3o caminhando numaal(ia2ou sentado num ca0( tomando 1ermute ou rindo s 'ar'alhadas em um cinemat>'ra0oHa mente i'nora o tempo.!K"*\ direita est& o cais2 com seus belos e altos na1ios2 os 'uindastes de 0erro2 osarma-(ns. Esta 0oi2 durante al'um tempo2 a paisa'em 9ue Au'usto 1ia de sua3anela.Tal1e- tenha se hospedado diante do cais por9ue dese3asse ir embora. Quem sabe2pressentisse seu 0racasso no Rio de Baneiro. Au'usto morreu sem reali-ar nemmesmoseu mais tri1ial dese3o2 de conse'uir uma colocaço na capital2 9ue desse a si ea sua 0amília al'uma se'urança. Como pode ter acontecido isso a uma pessoa comoAu'ustoW Como pode um homem criado pela 0amília com toda atenço e cuidados2 bempreparado2 nota m&;ima nos estudos2 com 0ama de o mais sabido2 o maisinteli'ente2o mais erudito2 o mais estudioso2 o melhor tradutor de 're'o2 o melhordeclinador de latim2 o melhor con3u'ador de 1erbos 0ranceses2 o melhor em'ram&tica2 hist>ria2'eo'ra0ia2 portu'uês2 ciências2 o de mais 0arto 1ocabul&rio2 mais s>lidaar'umentaço2 imbatí1el em 9ual9uer e;e'ese2 o 9ue leu mais li1ros2 o maiorhumanista2o de maior lucide-2 de mais a'rad&1el ret>rica2 mais brilhante elo9Vência2'rande palestrador2 not&1el de0ensor de id(ias nos 3ornais2 smartíssimo2 sabedorde teoriasas mais comple;as2 ele mesmo te>rico2 9ue sabia citar os mais remotos autores2al(m dos menos remotos2 casado com mulher decente2 cannica2 um homem limpo2cheiroso2cabelos lisos2 pele branca2 com todos os dentes etc. e tal ter uma 1ida tomelanc>lica e sem!!KoportunidadesW $em mesmo um empre'o para al0abeti-ar 0ilhos de prolet&rios29uando 9ual9uer pro0essora 9ue conhece um pouco mais do 9ue o abc tem uma 1a'a suaespera numa escola.!!!6=ei das tribulaç<es de Au'usto atr&s de um trabalho no Rio de Baneiro. =uapartida da %araíba Umadrasta monstruosa en7;otadora de seus 0ilhosU 7 lembro7meper0eitamentede sua ima'em no porto2 ao lado das malas2 usando um cha7p(u7de7sol e um par debotinas clarI 7 0oi ap>s o desentendimento e sua en(r'ica reaço contra adiatribe

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do Bo9ue2 presidente da pro1íncia2 admirador de Au'usto e 9ue2 no entanto2 a'iucomo se 0osse seu inimi'o. 0ato 0oi 9uase uma tolice2 uma dessas pe9uenascoisas9ue mudam enormemente o destino de uma pessoa. Mas para Au'usto representa1amuito.,epois de 0ormado 0icou s>cio de um col('io para crianças2 uma esp(cie de

Iinder'arten 0roebeliano com duas sess<es prim&rias. Ap>s seis meses2 mesmotendo in1estidotodo o seu dinheiro2 desistiu da empresa e 1endeu sua cotaH esta1a en1ol1ido comos tr?mites administrati1os do col('io2 9uando pre0eria o ma'ist(rio2 o estudo2o contato direto com os alunos. %ouco depois ele recebeu sua parte na 1enda doEn'enho do %au dArco e decidiu passar um tempo no Rio de Baneiro2 onde 3&esta1amdilon e Al0redo e para onde iam os desassosse'ados em busca de um mundo maisamplo. Au'usto tinha entrado numa competiço pela cadeira de hist>ria daliteraturano iceu %araibano e no 0oi escolhido2 mesmo sendo culto e de 'rande talentoHem seu lu'ar nomearam2 por interesses políticos2 um deputado apani'uado deCa-u-a!!+trombone2 9ue 3amais ocuparia o car'o2 0icando ele apenas como interino. Au'ustosentiu7se ma'oado2 mas pre0eriu se calar diante da in3ustiça.%or(m2 como resol1eu ir para o Rio de Baneiro2 pediu ao Bo9ue para licenci&7locom a 'arantia de 9ue2 se 1oltasse da metr>pole2 seu lu'ar de interino estaria1a'o.A 0amília do 'o1ernador2 especialmente dona Delinha2 era ami'a dos Car1alhoRodri'ues dos An3os. Artur dos An3os2 9ue era promotor p)blico na %araíba2 tinhaa3udadoo Bo9ue em di1ersas ocasi<es2 inclusi1e mandando re9uerer a apreenso de1inilentos pas9uins2 o %apa'aio e o Chicote2 9ue 0a-iam oposiço ao 'o1erno.Mesmo assimBo9ue ar'umentou 9ue no poderia licenci&7lo pois era contra a lei2 uma 1e- 9ueAu'usto tinha o car'o de apenas pro0essor interino. As licenças eram permitidassomente aos pro0essores e0eti1os. ra2 Au'usto no era e0eti1o por causa de umatrapaça cometida contra ele2 e disse mais ou menos isso ao presidente2 com aa'uda0ine-a 9ue sempre o caracteri-ou. Mas Boo Machado se ne'a1a termi7nantemente aconceder o pe9ueno pri1il('io. Ami'os e 0amiliares intercederam 3unto aopresidente2a0inal2 Au'usto era um poeta de talento2 um homem ilustre2 9ue 3& tinha certa0ama na pro1íncia2 embora 3o1em esta1a perto da 1enerabilidade2 iria en'randecero nome da %araíba entre as hostes intelectuais da metr>pole2 iria incendiar comseus 1ersos as 0olhas das 'a-etas e poderia estender ao resto do país ainteli'ênciae demais 1irtudes paraibanas. B& tinha merecido um rodap( no A Snio2 escritopor nada mais nada menos 9ue Rodri'ues de Car1alho2 a respeito da publicaço dopoemaUAs cismas do destinoU2 de 1ersos Uri3os2 con0usos2 0rios e il>'icosU2 ondeha1ia a consciência misteriosa de um mundo artístico e 0ilos>0ico 9ue sepressente e;istirmas 9ue no nos ( dado compreender. Au'usto 0oi chamado de Utalento 9ue toca adecantada neurose do 'ênioU2 e te1e seu nome li'ado ao do maior poeta italiano2Upassandoa outro círculo do n0erno2 ao ceticismo modernoU2 e ao de %oe: o maior de todosos poetas atuais da!!*%araíba2 o rapa- tímido2 em sua postura natural2 9ue Utoma as proporç<es de umEd'ar Allan %oeU. 3o1em 9ue 3& era2 aos 1inte e 9uatro anos2 discutido nastert)lias

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noturnas reali-adas na redaço de Com(rcio2 na casa da Daro do Triun0o2 ondeo consa'raram como o brasileiro 9ue poderia ter escrito /leurs du mal. 9uecusta1adar7lhe uma licençaW!!6#

Bo9ue mante1e7se irredutí1el. ei ( lei2 di-ia2 embora ti1esse poder paraconcess<es especiais e o 0i-esse sem parcimnia2 9uando era de seu interessepolítico oupessoal. %or 9ue Bo9ue no 9uis 0a-er um pe9ueno 0a1or a Au'ustoWA aula inau'ural de Au'usto 0ora anunciada nos 3ornais2 alardeada de boca emboca pela capitalH a ela compareceram2 al(m dos alunos inscritos2 os maisrespeitadosintelectuaisH ele 0oi considerado uma 'rata e 0a'ueira esperança da %araíba2 umsol rodeado de sat(lites escuros 9ue em torno dele 'ra1itam. s elo'ios so0acasa0iadas2 9ue atin'em per1ersamente as pessoas s 9uais se diri'em2 se3a porcriarem nelas 1aidades2 se3a por despertarem in1e3a nos outros.Au'usto passou por cima de seu or'ulho e insistiu2 'entilmente disse ao doutorRocambole 7 assim cham&1amos o presidente 7 9ue2 se 9uisesse2 poderia resol1er oproblema2basta1a um pouco de 1ontade. Bo9ue se irritou e disse a Au'usto para retirar7se da sala. U$o me amole maisXU /oram essas as pala1ras 9ue usou2 paradispensarde sua sala2 e de sua 1ista2 um homem com a sensibilidade de Au'usto.Ele pediu demisso de seu car'o e partiu para o Rio de Baneiro2 com a promessade 9ue nunca mais 1oltaria %araíba.!!#Muitos poetas e intelectuais ami'os de Au'usto ameaçaram dei;ar a %araíba2 emrepres&lia atitude do Bo9ue2 inclusi1e eu. Mas ir para o Rio de Baneiro 3& eraumsonho anti'o na cabeça de todos n>s. Rio de Baneiro si'ni0ica1a demais para ospro1incianos2 era uma cidade atraente2 onde corria o san'ue do país2 onde 1i1iamos poetas 0amosos2 as cocotes2 as tinatatis2 os políticos 9ue decidiam2 as0rancesas e in'lesas2 os 'randes bailes do Rio eram imitados na pro1íncia2 todoo paíscopia1a o comportamento dos homens 0luminenses2 os duelos dos boêmios no Rio semultiplica1am pelo interior2 as no1idades 0emininas eram ditadas pelo Rio deBaneiro2disputa1am7se a1idamente os 3ornais 0luminenses nas estaç<es de trem ao lon'o detodas as linhas2 esper&1amos notícias pelos tel('ra0os e 9uando as 0olhas notinhamre0erências ao 9ue se passa1a na capital 0ic&1amos decepcionados2 no nosbasta1am nossas cidade-inhas pro1incianas2 nem nossos poetas imitadores2 nemnossos lupanarescom 0êmeas 'ordas2 ma7camb)-ias e mono'lotas2 nem nossas escolas rí'idas2 nemnossos 0ra9ues cortados por al0aiates desatuali-ados2 nem nossas 0arras e nossosesc?ndalossem repercusso nacional2 nem nossos incêndios2 nossas ca1alarias2 nossoscombates ou nossas re1oltas. A 1iolenta política local no nos satis0a-ia29ueríamos estarpr>;imos da descontraída cidade onde tudo se decidia. 9ue se passa1a nasalco1as2 nos escrit>rios2!!nos parlamentos2 nos est&dios2 nos campos esporti1os2 nas con0eitarias e ca0(s2nos palacetes2 nas sar3etas2 nas 0umeries2 nas ruas do Rio de Baneiro erae;atamente a 1ida2 a 'rande ida2 era o 9ue 0a-ia nosso coraço bater mais 0ortee nossos membros 0icarem para cima. E os 3o1ens dei;a1am suas pro1íncias2 aos

ma'otes2rumo 'l>ria cosmopolitana.

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!!FFo'o 9ue Au'usto che'ou ao Rio2 muitos políticos lhe prometiam empre'o2 no seise por delicade-a con1encional de momento ou se mo1idos pelo intuito sincero delheprestarem reais bene0ícios. 3ornalista diretor de %aís2 o Ma;imiano de

/i'ueiredo2 deputado pela %araíba2 prometeu a Au'usto arran3ar7lhe uma colocaçoimportante.,outor Ma;imiano disse a Au'usto 9ue poria de lado uma le'io inteira de outrosprote'idos para coloc&7lo em primeiro lu'ar2 por seus m(ritos reconhecidos.=e era diretor de um 'rande 3ornal2 no podia ele o0erecer a seu conterr?neo umlu'ar de cronistaW inotipistaW ,atilo'ra0oW arredor da redaçoW $adaW %or 9ueinsistiamna id(ia de Au'usto dar aulasW Quem insistia nissoW Ele mesmoW $a pro1íncia oma'ist(rio era o meio 9ue melhor possibilita1a uma ascenso social2 ou políticaHaati1idade 9ue tra-ia mais prestí'io e solide-. Au'usto acha1a 9ue no Rio deBaneiro ocorria o mesmo. =eria muito bem apro1eitado escre1endo nas 0olhas2 como0i-erana %araíba. u tinham receio de 9ue seu estilo desa'radasseW tempo passa1a enada de empre'o. s políticos dei;a1am7no esperando nas ante7salas2 ou manda1amdi-er9ue esta1am 0ora. %or 9ue todos pareciam 9uerer se li1rar de Au'usto2 como se0osse uma peste ne'raW Que peri'o ele representa1aW!!5An'ustiado com a situaço2 ele escre1eu cartas a ami'os2 na %araíba2 solicitandoau;ílioH con1ersou com dilon2 9ue se prestou a a3ud&7loH recorreu ao e;7presidenteda %araíba2 [l1aro Machado2 irmo do Bo9ue2 contou7lhe todas as min)cias doincidente. [l1aro respondeu 9ue Uo Boo ( assim mesmo2 estouradoU e 9ue o atode repulsaimediata por parte de Au'usto ha1ia sido corretoH toda1ia no tomou nenhumaatitudeH sua esposa no 0ora ao cais %harou; recepcionar Au'usto e Esther29uando che'aramda %araíba a bordo do Acre2 embora ti1esse sido a1isada com antecedênciaH donaAmanda deu uma desculpa es0arrapada mas prometeu 1isitar Esther2 o 9ue2 pelo 9uesei2nunca cumpriu. Todos 0icaram moscando7se e subindo a serra2 ou se3a2 sees9ui1ando das di0iculdades 9ue impediam a resoluço do problema.!!"5Com as mos estra'adas de calos pelo o0ício a1iltante da ca1aço2 o Ubachareldepenado2 anti'o pro0essor de pro1íncia e possuidor de outros títulos con'êneresdedesmorali-açoU2 como di-ia Au'usto de si mesmo2 continuou sua pere'rinaço3unto aos políticos 9ue lhe prometiam empre'os mas nunca 0a-iam nada paracumprirem suaspromessas. Quase um ano depois de lutar2 0inalmente Au'usto 0oi nomeadopro0essor de uma das turmas suplementares do Gin&sio $acionalH mas em car&terinterino2 esperandooutros empre'os nos estabelecimentos de ensino da cidade2 de acordo com suasmodestas aspiraç<es.o'o 0icou desempre'ado no1amente. En9uanto isso2 pere'rina1a de casa em casados alunos2 'anhando um miser&1el pa'amentoH e tenta1a 1ender ap>lices de se'uroparao espanhol da =ul7Am(rica2 al'o to contr&rio a seu temperamento 9ue em poucassemanas desistiu.Sma 1e- o surpreendi perambulando pela rua2 com uma maleta de couro na mo2 semter cora'em de o0erecer as ap>lices. $unca o tinha 1isto to arrasado. Tal1e-

0osse

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menos di0ícil 1ender cani1etes2 ou bolas de 'ude. A morte era al'o muito s(rio eintenso para 9ue ele a misturasse com o com(rcio.%arou diante de uma porta. /icou2 est&tico2 olhando as al7mo0adas de madeira2at( desistir. =aiu caminhando2 determinado2 como se ti1esse tomado uma decisoHhesitou2parou no

!+Kmeio da rua2 9uase 0oi atropelado por uma 1it>ria2 1oltou para a calçada2 olhoudesconsolado a 0ileira de sobrados2 escolheu um e parou diante da porta2 dessa1e-com mais cora'emH depois de lon'a hesitaço bateu de le1e. Como demorassem aatender ele 0oi saindo2 9uando a porta se abriu e uma moça o atendeu com umsorriso29ue se des1aneceu s primeiras pala1ras 9ue Au'usto balbuciouH a 3o1em acenoune'ati1amente com a cabeça2 sorriu de no1o2 penali-ada2 tentou con1ersar mais umpoucomas ele saiu2 apressado2 como se 9uisesse se esconder.Quis 0alar7lhe2 mas seria uma humilhaço maior ainda para ele saber 9ue eu otinha 1isto em tal situaço. /i9uei to perturbado com a cena 9ue entrei numca0( ebebi 1&rios drin9ues2 pensando 9ue se Au'usto 0osse um co 1adio certamenteseria mais bem tratado pela 1ida. %elo menos no seria to in0eli-2 ces nosentem triste-aHou sentemW 9ue esta1a acontecendo com eleW 9uanto ele mesmo era respons&1elpor seu dilemaW E;iste destinoW Esta1a ele se mirando nos e;emplos dos 'randespoetas9ue ti1eram 1idas tr&'icasW $o ha1ia nada de tr&'ico na9uiloH a tra'(diapressup<e uma 'randiosidade2 o 9ue acontecia com ele era mes9uinho2 eramelanc>lico2 seriamelhor 9ue lhe dessem um tiro2 9ue lhe cortassem a cabeça2 9ue o e;ilassem ou9ue o 3o'assem numa cela )mida. Mas ele 0oi condenado indi0erença. $ada piordo9ue isso. Au'usto de1eria se 3o'ar ao mar2 ou meter a cabeça num 0orno paramostrar ao mundo sua dimenso di1ina. Em 1e- disso2 batia de porta em portao0erecendoap>licesde se'uro de 1ida2 triste como um macaco numa 3aula. Teria ele necessidade datriste-a para se inspirarW =eriam as 1icissitudes um alimento para seu espíritoW9uanto somos donos de n>s mesmosW Todas essas d)1idas a0erroa1am meu coraço.%or 9ue nin'u(m lhe da1a um trabalhoW %or 9ue nin'u(m o a3uda1aW %or 9ue eu nooa3uda1aW!+!"Embora 0ssemos 'randes ami'os2 ha1ia uma barreira intransponí1el entre n>sHtal1e- 0osse entre ele e o mundo. Au'usto no se comunica1a com o e;terior21i1ia mer'ulhadoem suas sombras numa tal pro0undidade 9ue nin'u(m conse'uia alcanç&7lo. Tal1e-nem mesmo Esther. Como de1eria ser para ela a 1ida ao lado de um homem toan'ustiadoWEntre conhecidos2 Au'usto era 0alante2 elo9Vente2 en'raçadoH entre ami'os maisíntimos2 era 'ra1e e con0essional. Com Esther tal1e- 0osse silencioso2 ausente2at(mesmo 0rio. noi1ado deles 0ora imerso em nostal'ia. As di0iculdades0inanceiras de1iam estar tornando a 1ida do casal um in0erno. =ei 9ue Estherpedia a Au'usto9ue a dei;asse dar aulas particulares2 mas ele 3amais permitiu 9ue sua mulhertrabalhasse. %re0eria passar 0ome.

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casado com 0ilha de 0amília rica2 no era 0re9Ventador do clube dos ,i&rios nemdos domin'os petropolitanos2 no saía nas p&'inas das 0olhas2 no era cronista2en0im2nada tinha para dar em troca de um empre'o2 a no ser suas 9ualidades pessoaiscomo pro0essor e eaidito2 o 9ue traria bene0ícios somente aos seus alunos. stoera

pouco. E Au'usto se 1ia empurrado de um lado a outro2 le1a1a pontap(s como se0osse uma pedra da rua. ,outor Ma;imiano no lhe conse'uiu nada2 en1ol1ido com o0er1edourodos ne'>cios políticos.!+5!*Entendo as di0iculdades do doutor Ma;imianoH a cidade 2 7 at( posso di-er2 opaís e o mundo 7 esta1a em permanente con0lito. As coisas se sucediamatropeladamente.o'o 9ue che'aram ao Rio de Baneiro2 Au'usto e Esther assistiram pela 3anela dosobrado suble1aço da marinha'em2 podiam 1er os couraçados parados no marH oscanh<esdos dreadnou'hts2 1erdadeiras m&9uinas de destruiço2 durante a re1olta 0icaramassestados sobre di1ersos pontos da cidade2 como o Catete2 o =enado2 o ArsenaldaMarinha2 para a 9ual9uer momento bombarde&7la2 criando entre a populaço umterror 9ue Uapertou a alma pací0ica da populaço2 'erando7lhe2 na e;citabili7dade anormalda 1ida ner1osa2 a mais desoladora de todas as e;pectati1asU2 como disseAu'usto. s marinheiros 9ueriam 9ue 0ossem abolidos os casti'os corporais 7chibata e outros7 9ue Ude'radam a personalidade2 redu-indo7a a uma trama biol>'ica passi1a2e9uipar&1el das bestas acorrentadasU.,urante os dias da re1olta dos marinheiros che'uei ao Rio de Baneiro. Meu 1apor0icou preso al(m do cais2 sem poder atracar2 durante lon'as ne'ociaç<es2 at( 9ueos re1oltosos deram licença para os passa'eiros desembarcarem. $in'u(m 0oi mereceber a bordo2 embora eu ti1esse a1isado com a de1ida antecedência sobre minha1ia'emHmas minha triste-a lo'o se des1aneceu diante dos moti1os 3ustos 9ue impedirammeus ami'os e parentes de me receberem com amabilidade. Rio!+"de Baneiro esta1a em pol1orosaH as 0amílias toma1am atabalhoadamente os bondes etrens2 em direço aos sub)rbios. s landaulets2 os double 0aetons2 as carroças2as 1it>rias2 os tílburis2 os cabs2 tudo 9ue ti1esse roda le1a1a 'ente e suasba'a'ens para lu'ares a sal1o da mira dos destruidores canh<es. /ilas depedestres2com malas e sacos2 caminha1am apressadamente pelas ruas em direço ao interior29uando começaram a atirar. Estilhaços de 'ranada 0eriram di1ersas pessoas emataramduas crianças no morro do Castelo. sobrado onde mora1am Au'usto e Esther 0ica1a perto do Arsenal da Marinha2principal al1o dos re1oltosos. As 'ranadas e;plodiam a pouca dist?ncia de mim ecaminheipor entre a 0umaça2 as pessoas em p?nico2 com o papel no 9ual esta1a escrito oendereço de Au'usto. Encontrei7o na casa de tio Dernardino2 no andar de bai;o2demos dadas com Esther. Tia Alice e Debê re-a1am o terço. %rote'ido atr&s daparede2 tio Dernardino olha1a pela 3anela cu3as 1idraças tremiam a cada disparo.=entei7meali 3unto 0amília e re-ei2 tamb(m.Ao anoitecer os disparos cessaram2 e Au'usto e Esther2 3untamente com os tios emais al'uns parentes e a're'ados2 partiram para a Ti3uca em busca de abri'o. Euno

9uis ir. /i9uei ali2 tomando conta do sobrado2 9ue me ser1iu tamb(m dehospedaria.

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%or(m a anistia lo'o 0oi sancionada 'raças2 entre outras coisas2 aos discursosde Rui Darbosa e Darbosa ima ap>s al'uns acordos políticos. s acordospolíticosso como as salsichas: nunca ( bom sabermos como 0oram 0eitos. ,i-em 9ue osmaru3os anistiados 0oram presos a bordo do =at(lite e sumariamente 0u-ilados notombadilhoH

no Minas Gerais e no =o %aulo2 0oram cobertos de cal2 como casti'o pelaindisciplinaH no sei se acredito nisso. Oermes 'o1erna1a com sua cabeçamarechalícia2 masera um tanto eni'm&ticoH al'uns o acredita1am autorit&rio2 capa- de rebeldiasanti7racionais e il>'icas2 como permitir o 0u-ilamento de anistiadosH outrosdi-iamser at( capa- de transi'ir2 9ue no passa1a de um mercador pacato!*Ke cheio de boas intenç<es. Au'usto di-ia ser a espada do marechal umaUinest(sica 0aca de ponta2 sem rele1o ornamental apreci&1el2 3a-endo inocuamentena bainhacaipora de seu dono2 mas 9ue dese3a1a abalar o colosso das oli'ar9uiasU.!*!!6Em se'uimento s con0us<es da (poca2 rebentou o con0lito ítalo7turco2 9ue a'itoua boca da multidoH al'uns 0ala1am at( em 'uerra2 o 9ue me parecia2 na (poca2umatolice sem tamanho. ,epois hou1e o estado de sítio em pleno $atal. Ento 1ieramas mani0estaç<es nas praças2 no =enado e na C?mara2 a 0a1or do ci1ilismo. Emse'uidahou1e uma epidemia de in70luen-a2 s> se 0ala1a nos espirros e nas tosses2en9uanto se espirra1a e se tossiaH o doutor Ma;imiano tamb(m caiu doente. A0inal1eioo anunciado eclipse 9ue2 por causa de um dia nublado2 decepcionou a le'io des&bios cientistas 9ue 1ieram de todas as partes do mundo obser1ar o 0enmenoprodi'iosona dia0aneidade de nossos c(us. ieram as candidaturas e as diuturnasdiscuss<es2 o po1o 9uerendo Rui Darbosa como presidente para acabar com a'endarmaria abusi1a./ala1a7se na 1olta da monar9uia2 para Usal1at(rio dos cr(ditos periclitantesU.Al'umas 'a-etas ridiculari-a1am o Oermes 7 9ue resol1eu contrair no1as n)pciascomdona $air de Te00(2 a desenhista 0ilha do baro2 causa de se1eras críticas porparte do po1o. A anormalidade parecia ser a norma 'eral. E o empre'o de Au'ustonosaía das promessas 0)teis./oi assim 9ue ele amar'ou anos de sua 1ida2 desde 9ue se 0ormou2 ao deus7dar&das miseric>rdias alheias2 sem 3amais conse'uir a 0i;ide- com a 9ual sonha1a.At( 9ueem 3unho mandou chamar7me uma noite a sua casa.!*+!#Au'usto mora1a na Aristides obo2 +*2 em uma penso modesta2 com um 3ardim na0rente e um amplo 9uintal onde se podiam colher 0ramboesas. cupa1a um dos9uartos23untamente com Esther e seus a'ora dois 0ilhos2 a menina Glori7nha e Guilherme2nascido recentemente. Recebeu7me com ale'ria e deu7me a notícia: tinha sidonomeadodiretor do Grupo Escolar de eopoldina.,isse7me 9ue poderia 1ir sempre ao Rio de Baneiro2 pois a cidade-inha 0ica1apr>;ima e dispunha de linha 0(rrea li'an7do7a capital em apenas on-e horas de1ia'emHas condiç<es de 1ida na9uele lu'ar eram as melhores possí1eis2 se'undo ele

soubera. Oedonista e intelectual2 eopoldina era chamada de UAtenas da MataU. Smdeputado

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mineiro2 doutor Ribeiro Bun9ueira2 tinha conse'uido a colocaço2 a pedido doconcu7nhado de Au'usto2 Rmulo %acheco2 casado com l'a /ialho e 9ue eradele'ado nape9uena cidade.UA 1ia'em ser& no dia ++ de 3unhoU2 ele disse.Esther no apareceu na sala para me cumprimentarH Au'usto a desculpou2 di-endo

9ue 3& se encontra1a recolhida2 com as crianças. Garantiu 9ue Esther esta1aali1iadacom a nomeaço e 0eli- com a id(ia de 1i1er perto das irms. UE eu tamb(mU2disse2 embora seu olhar parecesse anu1iado por al'uma m&'oa.!**Uou destarte descansar um pouco da a0anosíssima e;istência 9ue tenho arrastadoat( esta data com uma heroicidade muito acima das ener'ias humanas comuns.U,ecertoAu'usto no esta1a 0alando sobre a morte2 mas este 0oi o 1erdadeiro descanso 9ueencontrou na cidade mineira. Era como se2 sem ter consciência2 ti1esse escolhidoa9uela cidade para morrer.!*6!$a9uela noite esta1a 0alante como nos 1elhos tempos da %araíba. /e- uma esp(ciede con0isso de sua alma. %risioneiro da luta pela 1ida ha1ia tantos anos2sentia7seobri'ado a su0ocar lo'o2 na estreite-a prodrmica do nascedouro2 seus dese3osmais intensos.U,e sorte 9ue a minha 1ida aparenteU2 ele continuou2 Upara 9uem lhe no temconhecido a subst?ncia dolorosa2 ( a de um indi1íduo dotado muito parcamente dea0eti1idade9ue (2 ali&s2 no meu 1er2 o 0undamento da e;istência humana.UAu'usto no 9ueria maldi-er a 0ase an'ustiosa 9ue pesara sobre sua 1ida2 nacapital da pro1íncia e no Rio de Baneiro. ,ada a compreenso superior 9ue eletinhado mundo2 0oi7lhe a in0elicidade mais propícia do 9ue ad1ersa inte'raço desua indi1idualidade moral e at( mesmo intelectual. Ele aceita1a em 0iloso0ia o/inalismotimista de =>crates2 o 9ual2 em termos 1ul'ares2 pode ser assim enunciado: tudo9uanto sucede ( unicamente para o bem. E nessa disposiço de espírito calou7se2como um p&ssaro necr>0a'o na sua solido.=ua eni'm&tica re1elaço 9uanto a0eti1idade rondou minha cabeça 0eito umanu1em de mos9uitos -umbindo. %ensei 9ue se re0eria a seu amor por Esther2 9ue seacabara7 9uiç& nunca e;istiraH h& homens 9ue no sabem amar2 9ue 3amais se entre'am aoamor. amor tal1e- se3a uma esp(cie de 0ra9ue-a de espírito2 um 1ício ao 9ualnosape'amos apenas para!*#nos desincumbirmos de nossa natural 0unço e nos despirmos de nossa 1erdadeiraalma. Au'usto parecia estar se e;plicando a mim por al'uma 9uei;a 9ue Esther lheteria0eito2 de sua Uaparência de um indi1íduo dotado parcamente de a0eti1idadeU.nundou7me uma terrí1el iluso de 9ue Esther dei;aria Au'usto. =enti medo. Estaimpressosoturna se a'ra1ou 9uando 0ui dar adeus ao casal2 na estaço da estrada de0erro.!*!FEles esta1am porta do 1a'o de terceira classe2 despedindo7se de al'unsparentes. Esther usa1a um 1(u a-ul caído do chap(uH mantinha7se silenciosa2tomada de umar melanc>lico2 9uase dram&tico. =eca1a o nari- com um lenço2 como se ti1esse

chorado. Au'usto le1a1a ao colo o menino2 e se'ura1a a mo da 0ilhaH con1ersa1acom

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tio Generino em 1o- bai;a2 sem dar muita atenço mulher. Esther olha1a emoutra direço2 e1ita1a se apro;imar demasiadamente de Au'usto. Todo ocomportamentodo casal me le1ou a pensar 9ue tinham bri'ado2 9ue esta1am tendo con0litos.Tal1e- ela no 9uisesse ir para o interior2 mas a Au'usto no sobra1a nenhumaalternati1a.

$enhum dos dois parecia disposto a capitular.Entraram no trem sem 9ue Au'usto desse a mo para a3udar Esther a subir ode'rauH lo'o ele sur'iu 3anela2 en9uanto o 1ulto de Esther se mo1imenta1a2delineadopor um halo de lu- 9ue 1inha das 3anelas do outro lado2 seu busto2 sua cintura2seus braços er'uendo7se para tirar o chap(u2 seu cabelo 0arto preso num co9ue2 a'ola de seu 1estido. Au'usto trocou ainda al'umas pala1ras com tio Generino29uando o trem apitou pela )ltima 1e-H e partiu.!*F

%arte dois

A 1ia'em

Terror como eitmoti1

!Corro pelo hall 1a-io da estaço de trens2 acompanhado do cho0er2 9ue carre'aminha maleta. %or sorte o trem para eopoldina se atrasou mais do 9ue eu e aindanopartiu. cho0er me entre'a um bilhete de passa'em2 9ue comprou no 'uichê2 semter 9ue en0rentar nenhuma 0ila.$uma pilastra2 h& o an)ncio dos preços para a 9uarta classe: pessoa calçadamaior de do-e anos2 mil e 9uinhentos r(isH pessoa calçada menor de do-e anos2oitocentosr(isH pessoa descalça maior de do-e anos2 seiscentos e 9uarenta r(isH pessoadescalça menor de do-e anos2 tre-entos e oitenta r(isH por cada arroba de peso2oitentar(isH por cada pipa ou 1olume correspondente2 mil du-entos e oitenta.utro an)ncio in0orma o percurso e as 9uilometra'ensH so de-enas de cidades2sendo as mais pr>;imas de eopoldina2 3& na ona da Mata: =apucaia2 %orto $o1o2oltaGrande2 %irapi7tin'a2 %ro1idência2 =o Martinho2 =o Boa9uim2 =anta sabel2Recreio2 onde se 0a- uma baldeaçoH toma7se o ramal ca0eeiro at( Campo impo2istaAle're.%or um instante che'o a acreditar na e;istência do destino2 ima'inando 9ue seAu'usto no ti1esse ido para eopoldina2 mas2 por e;emplo2 para ista Ale're2noteria morrido. condutor anuncia 9ue 1ai 0echar a porta2 o trem 1ai partir.Tomo um 1a'o. En9uanto procuro meu lu'ar2 tenho a impresso de 1er Camilaacenando atr&s de uma 3anela29uase!6*chorando2 lo'o aparece em outra e na se'uinteH apresso o passo2 mudo de 1a'o eno a 1e3o mais. A mancha ne'ra de sua ima'em continua2 por(m2 marcada em minhasretinas. Encosto7me numa lateral e respiro 0undo.!66+$o consi'o descobrir a cadeira onde de1o sentar7me2 cru-o com pessoastransitando em ambas as direç<es2 passo entre 'aipos 9ue con1ersam2 noscorredores2 peço licença

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a pessoas 9ue acomodam suas ba'a'ens ou2 como eu2 perdidas2 buscam seus lu'ares.$o 1a'o de 9uarta classe a maior parte dos passa'eiros ( de camponesesmaltratados2mal 1estidos2 possuídos por um instinto melanc>lico2 um ar le1emente de animaldo7mesticadoH carre'am sacos2 'aiolas cobertas com pano2 cachos de bananaHe;alam

um odor de estrume e capimH suas roupas so 3ustas demais no corpo2 ou lar'asdemais2 1elhas2 desbotadasH no usam sapatos e 9uando os têm carre'am7nos nasmos2por 0alta de costume2 ou para 9ue no se estra'uem2 ou por9ue machucam7lhes osp(s2 ou para pa'arem uma passa'em mais barata.$o 1a'o da terceira classe h& muitos rapa-es2 decerto estudantes das 0aculdadesno Rio de Baneiro e 9ue moram7nas pe9uenas cidades do interior. O& tamb(mal'umasmulheres em um 'rupo 9ue con1ersa animadamente. $a se'unda classe2 três ou9uatro 0amílias 3& esto acomodadas2 como se ali 0osse a sala de suas casas. Smmenino2em roupa com 'ola de marinheiro e uma menina2 com um imenso laço de 0ita sobre acabeça2 so cuidados por uma empre'ada de a1ental branco2 9ue se'ura suas mos.Sma senhora2 1estida com demasiado apuro e e;a'ero nos adornos2 demonstrae;citaço2 0ala2 d&!6#ordens s crianças e criada. Sm senhor2 calado2 olha com ar sombrio pela3anela2 tal1e- preocupado com dí1idas2 3o'os ou mulheres.Com a a3uda do condutor 0ico sabendo onde de1o me acomodar. Ele me le1a ao 1a'ode primeira classe2 um lu'ar mais silencioso2 atapetado2 composto de cabines0echadaspor portas. $o h& nin'u(m no corredor e no se ou1em 1o-es 1indas doscompartimentos. %aro diante da cabine 9ue o condutor me indicou. Abro a porta.!6*O& apenas uma mulher acomodada. Ssa um chap(u sin'elo2 um ;ale preso por umbroche ao peito2 roupas em tons matinais. /ico um instante em p( porta dacabine2embaraçado.Z /rancisca dos An3os2 a boa ai&2 a irm de Au'usto.,e maneira surpreendente2 ela est& 0eli-2 9uase sorri2 como se no soubesse damorte do irmo. Oesito em 0alar7lhe2 no 9uero dar7lhe a terrí1el notícia2 ela (perspica-e certamente perceberia al'o errado2 iria me 0a-er per'untas2 eu acabaria porcontar7lhe e ela 0aria uma horrorosa 1ia'em. Z melhor 9ue saiba da tra'(diaapenas9uando che'ar2 na casa da cunhada ter& uma cama2 um copo de &'ua com aç)car2 umsedati1o2 um padre2 um m(dico2 o 9ue necessitar. Z melhor 9ue no me 1e3a.Ento2antes 9ue ela se 1ire para olhar 9uem che'a2 0echo a porta da cabine.!6F6ia3o no 0im do corredor2 olhando pelo 1idro a paisa'em a'ora campestre2 poucascasas esparsas2 bois pastando2 um rio2 montanhas ao lon'e2 uma delas marcada poruma mancha de terra 1ermelha. Tenho uma desa'rad&1el sensaço de estar 0u'indo.=er& 9ue /rancisca me 1iuW Como estar& CamilaW =er& 9ue chamou um m(dicoW Eude1eriater2 ao menos2 incumbido dona /rancisca de 0a-ê7loH mas seria re1elar 9ue eutinha conhecimento da recaída de Camila. Arrependo7me do 9ue 0i-.Eu de1eria ter ido me puri0icar2 tomar todos os banhos2 re-ar em todas asi're3as2 meditar em todas as lín'uas. %ara re1er Esther2 eu de1eria ter limpadomeu coraçode todas as maldades e sacudido de minha sobrecasaca o e;cesso de 0umaça dos

cabar(s2 de1ia ter 'asto uma bisna'a de denti0rício para limpar a boca antes depronunciar

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o nome dela. $o a mereço. $enhum homem a merece.Au'usto tampouco. Era um homem bom2 mas um tanto e;cêntrico. Au'usto escapou porpouco de ser um misantro7po2 como seu tio Ac&cio2 o irmo mais no1o de donaC>rdula.Tal1e-2 se 1i1esse mais al'uns anos2 se tornasse i'ual ao tio.!65

#Ac&cio 1i1ia solit&rio2 trancado em seu 9uarto na casa7'rande do en'enho2 sem3amais aparecer 3anela2 9ue mantinha 0echada2 e sem abrir a porta para 9uem9uer9ue 0osse2 e;ceto para pe'ar o prato de comida e dei;ar o 1aso com seus de3etos.,i-em 9ue Ac&cio saía 0urti1amente nas noites sem lua2 embrenha1a7se noscana1iaise ui1a1a como um co triste2 retornando para o 9uarto antes do amanhecer.$in'u(m o 1ia2 apenas escuta1am seu melanc>lico lamento 9ue 0a-ia palpitar omais 0riodos coraç<es.As noites sem lua eram de 'elar a minha alma de criança. Eu 0ica1a deitado narede pensando em como seria a9uele homem. 9ue 0a-ia2 trancado num 9uartodurantetantos anos2 sem se encontrar com nin'u(m2 sem trocar uma s> pala1ra com umapessoaW %or 9ue ele 1i1ia assimW Eu tinha medo dele2 de sua e;istênciamisteriosa2de sua sombra alta na 1ene-iana2 da lu- trêmula do candeeiro 9ue se mo1ia de umlado a outro do 9uarto2 tinha medo do ruído de seus passos2 de sua tosse rouca2doran'erdos 'anchos 9ue prendiam sua rede2 tinha medo dos olhares 9ue os adultos setroca1am sempre 9ue al'u(m 0ala1a no Misantropo. Eu sentia como se hou1esse umamisteriosali'aço entre n>s dois. Temia 9ue ele soubesse da minha e;istência2 como eusabia da dele. ma'ina1a 9ue meus pensamentos in1adiam a9uele 9uarto e sechoca1am comos dele. Tinha pa1or de me contaminar com sua doença. Quanto mais eu e1ita1apensar em Ac&cio2 mais ele permanecia em minha cabeça.!6"=uas re0eiç<es eram colocadas diante da porta pela criada de 9uarto2 noprincípio uma mocinha2 9ue depois 0oi substituída pela pr>pria ,onata2 1ir'em2idosa2 sematrati1os2 pura e 9ue 3amais se entre'aria a 9ual9uer homem.,e manh2 no corredor2 eu encontra1a o 1aso de barro no cho2 diante da porta.,onata retira1a o 1aso2 ia at( a beira do rio2 derrama1a nas &'uas pretas aurinae as 0e-es2 la1a1a7o e o punha de 1olta 0rente da porta do 9uarto de Ac&cio.Eu passa1a di1ersas 1e-es no corredor2 com o intuito de 0la'rar o Misantropodepositandoseu 1aso pela manhH ou para 1ê7lo a retirar2 ou de1ol1er2 o prato de comida.Entre1i apenas2 uma 1e-2 sua mo ossuda2 desenhada por 1eias2 de dedos lon'os eunhas su3as2 coberta por uma pele branca2 de uma tonalidade 9uase es1erdeadaHassimme lembro dela. Em noites sem lua eu para1a no 0inal do corredor e espera1a.Acaba1a adormecendo e2 9uando acorda1a2 1ia no cho diante da porta o 1asorecendendoa urina2 ou o prato 1a-io e a 9uartinhaH paira1a no corredor o cheiro deest&bulo 9ue ha1ia no 9uarto de Ac&cio.Sma 1e- por semana ,onata dei;a1a diante da porta uma bacia com um 'omil cheiode &'ua morna para o banho2 mas isso s 1e-es ele despre-a1a. $uma dessas noitesde

1i'ília2 1i a sombra r&pida de um homem ma'(rrimo2 cur1ado2 de cabelos e barbaslon'os at( a cintura2 com um ca3adoH mas era um

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!#Kser to alto 9ue me pareceu irreal e concluí 9ue tinha sido apenas um sonho.=onha1a continuadamente com o Misantropo2 sempre o mesmo pesadelo: ele mata1aAu'usto com uma 0aca e depois 1inha se apro;imando de mim2 en1olto em tirasesmolamba7dasde pano2 com as mos san'rentas2 para matar7me tamb(mH eu no conse'uia sair do

lu'ar e antes 9ue ele en0iasse em meu peito a 0aca eu acorda1a2 suado2 o0e'ante2apa1orado. Eu dormia no primeiro 9uarto do corredor 9ue da1a acesso aosaposentos ocupados pela 0amília: um para o casal2 um para o doutor Aprí'io2 umpara o padre2um para a 0ilha /rancisca e um para os rapa-es. )ltimo 9uarto era o do Ac&cio. Misantropo parecia adi1inhar minha presença no corredor e 3amais se dei;ou1erHche'uei a suspeitar 9ue era um ser sobrenatural2 uma in1enço de nossas mentes2um espectro c&rmico2 uma sombra do al(m. Quem saía de seu 9uarto nas noites semlua no era um corpo2 mas uma alma.!#!

Sma simplicidade campesina

! trem 0a- cur1as e mais cur1as2 passa por t)neis2 9uando tudo escurece como se0osse uma noite sem luar. condutor se apro;ima2 em suas calças meio curtas2 umpesado casaco 1erde com bot<es de lato. Ele me di- 9ue no posso 1ia3ar nocorredor2 de1o sentar7me em meu lu'ar e me indica a cabine. A'radeço7lhe a'entile-a.Dato de le1e. Aciono em se'uida o trinco e abro a porta de1a'ar./rancisca tirou o ;ale 9ue prendia sobre o peito com um broche e os bot<es demadrep(rola em sua camisa cintilam sob raios de lu- 9ue penetram pela 3anela.=eu rostomuito parecido com o de Au'usto2 de l&bios carnudos2 9uei;o 'rande2 sobrancelhaspr>;imas dos olhos 9ue e;pressam uma discreta ironia2 me enche de an')stia. =eusorriso ( pro1inciano2 suas roupas so pro1incianas2 9uase pobres2 le1ementedesbotadas. Tenho 1ontade de me a3oelhar a seus p(s por causa de seu chap(u2 deumasimplicidade campesina. =eus sapatos no1os2 en1erni-ados2 compradosespecialmente para a 1ia'em2 brilham sob a barra da saia. Embora este3a so-inhana cabine2 tema 0ras9ueira no colo2 decerto para no ocupar mais do 9ue o lu'ar pelo 9ualpa'ou.Ela estende a mo2 sem lu1a. Tomo sua mo-inha mole como um 0ilhote de la'arti;ae a bei3o. Ainda tem as unhas roí das.!##UO& 9uantos anos no nos 1emosWU2 ela per'unta. U%or essa 1ocê no espera1a2 no(W Eu tamb(m no ima'ina1a 1er 1ocê a9ui. Est& indo 1isitar Au'ustoW Ele tamb(mo chamouWUUDem2 ele...UUEstou muito preocupada com Au'ustoU2 ela di-. UEle tem uma sa)de 0raca2 1ocêsabe2 e pe'ou uma pneumonia. ou 0icar ao seu lado2 Esther ( muito boa2 mas noconhecemeu irmo. => eu e mame sabemos 0a-er o ca0( 9ue ele 'osta2 e a broa de milho.ocê sabe 9ue ele comp<e seus sonetos tomando ca0(. Esther no 'osta decon1ersarsobre poesia2 ele se sente muito s> ao lado dela2 ( uma boa moça2 mas no ser1epara meu irmo2 ela mesmo reconhece. Acho 9ue ela nunca 'ostou dele.U!#+/rancisca 0ala i'ual a ,ona Mocinha2 com uma 1o- doce mas 9ue imp<e autoridade.$a )ltima 1e- em 9ue esti1emos 3untos2 ela era ainda uma adolescente2 muito

p&lida

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e de l&bios ro;osH tinha cabelos lon'os arrumados em cachos2 testa lar'a e alta2um constante ar -ombeteiro. Ssa1a a1ental da escola 9ue cursa1a no Reci0e2 deal'odocom estampa em ;adre- a-ul sobre uma camisa branca2 o nome bordado no bolso2 emlinha 1ermelha. Era uma menina ner1osa2 a'itada2 tímida2 9ue roía as unhas2 osdedos

esta1am sempre san'rando2 era descon0ort&1el 1ê7la pu;ar com os dentes os 0iaposde unha e arrancar as peles das cutícu7las2 como um coelho 0aminto2 um es'arsardnicona boca.=endo a )nica 0ilha mulher2 e a mais 1elha de todos os 0ilhos2 uma 1e- 9ueBuliana morreu ao nascer2 /rancisca tinha um senso de responsabilidade 0ora docomum2mas 9ue a impedia de ser 0eli-H suas obri'aç<es esta1am sempre acima de seuspra-eres2 ela nunca se di1ertia2 9uando ia s 0estas da i're3a ou dos en'enhosera paraa3udar na co-inha2 na 1enda de prendas2 na arrumaço dos an3os ou das 0lores.=empre 1i1eu para a3udar os outrosH era ela 9uem cuida1a de doentes da 0amília29uemassistia os partos di0íceis das mulheres dos cas7sacos2 9uem cerra1a os olhosdos mortos no en'enho2 9uem ia representar a 0amília nos enterros2 9uem 0a-iacompanhiaaos 1elhos 9uando os rapa-es 9ueriam se di1ertir. Era 9uase uma escra1a dosirmos.!#F*Tenho 1ontade de per'untar7lhe se est& casada2 de1e ter2 a'ora2 mais de trintaanos e aos de-oito2 9uando ainda mora1a no %au d@Arco2 parecia a todos 9ue2 porseutemperamento retraído2 por sua estreita ami-ade com os irmos2 especialmenteAu'usto2 ela 3amais dei;aria a 0amília para 0ormar outra. ,ona Mocinha che'ou amandartrocar toda a lenha das 0ornalhas do en'enho por causa da 0ilha. Sma lenha deboa 9ualidade 0a-ia as 0umaças saírem claras dos bueiros. A 0umaça limpapermitia 9uea estrela menor do Cru-eiro do =ul 0osse 1ista. Oa1ia um di&lo'o entre a 0umaçadas 0ornalhas e as estrelas da constelaço. Quando a 0umaça saía ne'ra2 olha1a7separa o c(u e no se 1ia a 9uinta estrela da Cru-. casti'o era 9ue as moçassolteiras do en'enho no se casariam nunca mais2 di-iam as ne'ras2 os cassacos2osretirantes.Embora 0osse uma mulher culta2 ,ona Mocinha acredita1a nessas crendices.UAu'usto me mandou muitas cartas do Rio de BaneiroU2 di- /rancisca2 Utamb(m deeopoldina2 at( cair doente. %obre do meu irmo. Eu bem lhe disse para nodei;ara %araíba2 se na pro1íncia as coisas so di0íceis2 na metr>pole ainda mais.UEle escre1eu ma'ní0icos sonetos para a irm2 outros para a me. Mandou7lhes maisde 1inte 0olhas de canela com a pala1ra =audade2 ou ento embranças2 escritascom 0urinhos de!#5al0inete. %reocupa7se at( com o marceneiro 9ue 0oi 0a-er o arm&rio de ai&.U=abe 9ue a'ora ele anda muito bem de 1idaWU2 ela di-. UEst& 'anhando 9uase9uatro contos de r(is. pior 3& passou2 o Bo9ue ainda 1ai ter 9ue se cur1ar na0rentede Au'usto2 9uando ele 0or um poeta 0amoso2 to importante e rico como la1oDilac2 9uando um dia seus 1ersos 0orem declamados nos sal<es da capital2 3&ima'inouWA um carneiro morto@ U2 ela declama2 imitando Au'usto2 o 9ue 0a- muito bem2 Uou

ento2 @ersos a um co@XU2 ela continua. UGraças a ,eus o Bo9ue no ( mais opresidente

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da pro1íncia.UU=im2 soube 9ue entrou o Castro %into2 a9uele pro0essor do liceu.U/rancisca tra- os salicilatos do irmo2 a ma'n(sia2 o bicar7bonato2 a biopluminade cola 0os0atada e o 1elho Dromil2 esse o Au'usto nunca dei;ou de tomar. Tra-dois9uilos de pol1i7lho para a tapioca2 um de 0ub& para o cuscu- e uma 'oiabada

casco 0eita pela ,onata2 ele 1ai enlou9uecer de pra-er. Tamb(m um cachecol 9uetricotoupara ele2 nas suas cores pre0eridas2 1ermelho e a-ul.UEspero 9ue ele este3a me esperando na estaço2 com as 0aces coradas2 cheio desa)de. =im2 ser& dessa maneira. ocê sabe o 9uanto ele 'osta de mim. Ele sempremeper'unta1a2 nas cartas2 @9uando estar&s a9ui em minha companhiaW@ ocê sabe 9ueAu'usto no pode 1i1er sem sua 0amília. Ele escre1eu: @o humílimo lar em 9ueestamos( absolutamente teu e de todos de nossa 0amília@. Escre1i para ele este poema.=er& 9ue meu irmo 1ai 'ostarWUeio o papel 9ue ela me estende2 de linho2 per0umado2 com o manuscrito de umpoema ardente2 um rondei de di0ícil la1or2 diri'ido a um homem soberbamentesensí1elcom 9uem ela con1ersa nas noites de insnia.!#"6/rancisca e Au'usto dormiam 3untos2 numa rede2 abraçados2 s escondidas dospais. Apesar de saber disso2 e dos lon'os passeios a ca1alo do casal de irmos2e dosbanhos 9ue toma1am 3untos2 3amais suspeitei de sentimentos incestuosos entreeles. %or(m al'uns anos mais tarde encontrei casualmente na rua o doutor Ca>29ue medisse ter s(rias suspeitas de 9ue Au'usto en'ra1idara sua irm2 9uando aindamora1am no en'enho. /rancisca teria 0eito um aborto.Sma 1e- Au'usto me disse 9ue no sabia por 9uê2 mas lhe 1inha sempre lembrançao estma'o es0a9ueado de uma criança e um pedaço de 1íscera escarlateH che'ou2mesmo2a escre1er sobre isso uma poesia. %arecia a lembrança de um aborto2 mas no eraindício de incesto.Este pensamento 1enenoso toda1ia me assaltou a mente e tornou7se uma obsesso.Realmente2 hou1e uma (poca em 9ue Au'usto 0ica1a ensimesmado2 re0letindo2 as1eiasda 0ronte la7te3andoH 9uando /rancisca entra1a no mesmo aposento ele tremia20ica1a 1ermelho e abai;a1a a cabeçaH ela roda1a nos calcanhares e se retira1a2tamb(mrubori-ada2 com o rosto escondido entre as mos. %or 9ue Au'usto 0ica1a totrêmuloW u era apenas minha ima'inaço2 posteriormente estimulada pelassuspeitas dodoutor Ca>WEu no sabia ainda o 9ue era o amor2 como poderia suspeitar de 9ue os irmos seamassem de maneira incestuosaW!KQuando 1ia uma menina atraente2 eu 3& so0ria pancadas no coraço2 por(m nosabia 9ue a9uilo era o amor2 mas apenas um sentimento semelhante 0ome.!!#,i-iam tamb(m 9ue Au'usto se apai;onara por uma empre'ada do en'enho. Enciumada2,ona Mocinha teria mandado a rapari'a para outro en'enho nas redonde-as. Au'ustodescobrira o paradeiro de sua amada e continuara a encontrar7se com ela. C>rdulasoube dos encontros secretos e mandou seus cabras darem uma surra na moça. Maselaesta1a 'r&1ida2 e assim teria abortado e morrido. utros 0alam 9ue Au'usto tem

um 0ilho natural2 de uma ne'ra do en'enho. Ele sempre ne'ou este 0ato. Mas a1erdade

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( 9ue mora com C>rdula2 no sobrado2 um menino chamado Manuel. $o ( tratado como0ilho2 nem recebeu o nome da 0amília2 mas ( muito parecido com Au'usto2 emboratenhaum ar saud&1el2 esporti1o2 m)sculos no corpo2 luminosidade nos olhos. =uae;presso2 toda1ia2 su'ere seu esti'ma.Sma 1e- per'untei a Au'usto se ele 3& se apai;onara por al'u(m2 e ele respondeu

9ue sim. 9ue ele sentiraW2 per'untei.U/oi como se eu ti1esse in'erido trinta 'ramas de nu;71omicaU2 ele disse2 Uosolhos dela sobre mim eram como pin'os ardentes de cem 1elas a caírem sobre meuscentrosner1osos.U ,isse 9ue nunca 1ira uma bele-a to misteriosa2 nem num an3o decemit(rio2 9ue ela si'ni0ica1a para ele um labirinto2 9ue seu monismomaterialista deEpicuro se trans0ormara num monismo espiritualista de eibni-.!+%er'untei7lhe se sabia o 9ue era copular. A ima'em 9ue ele tinha de um homemcopulando com uma mulher era assim: uma contorço neur>tica de um bichomisturada 0erocidade de uma horda de ces 0amintos2 9ue ( o homemH de1orando um serilus>rio 0eito de mist(rio e lu-2 9ue ( a mulher.!*U,epois 9ue Au'usto partiu2 a %araíba nunca mais 0oi a mesma2 1ocê podeima'inarU2 di- /rancisca2 melanc>lica. U$em a nossa 0amília. Mame est& cada diamais arro'ante2bri'a com todo mundo2 at( com a Marica e a Corinha2 mas ( apenas para escondersua triste-a. ocê a conhece bem2 sabe como ela (. Est& com as pernas inchadas2coitada./oi proibida de comer rapadura. \s 1e-es acho 9ue est& 0icando louca. %assahoras sentada na cadeira de balanço2 relendo intermina1elmente as cartas deAu'usto.Quando tento 0alar7lhe ela chora2 dei;a cair as cartas no cho e maldi- Au'usto2depois se arrepende2 a3oelha7se e re-a.U/rancisca conta 9ue s 1e-es sua me 0ica diante da 3anela2 mer'ulhada empensamentos e numa esp(cie de despertar chama a 0ilha e di- U1e3a ali2 ai&2Au'usto2( ele mesmo2 est& 1indo para c&U. /rancisca olha2 mas no h& nin'u(m na rua.Sma semana antes de /rancisca 1ia3ar2 sua me 9uebrou as louças da casa2 e os1idros das 3anelasH ras'ou as roupas dos 0ilhos2 como 0a-ia anti'amente2 9uandomora1amno en'enho. %obre ,ona Mocinha. Grita1a de noite2 tinha pesadelos2 ui1a1a 0eitoum co do mato.Uocê continua o mesmo de sempre. %arece um pouco p&lido2 est& doenteWUUComo est& Ale;andreWU2 per'unto2 apenas para no irrit&7la com meu silêncio.!6U%ap& est& bem. ,i- 9ue 1ai escre1er um romance onde os prota'onistas somosAu'usto e eu2 com outros nomes2 ( claro.U/rancisca este1e no %au d@Arco2 0oi uma 'rande triste-a para ela re1er oen'enho. Est& tudo mudado2 at( o nome ( outro2 En'enho Dom =enhor2 =enhor doDon0im2 al'oparecido. s bichos derrubaram as cercas2 o mato se espalha pelo p&tio2 aindabem 9ue pelo menos no cortaram o tamarindo. ai& recita uma poesia 9ue Au'usto0e-sobre o pai 9ue corta a &r1ore e o 0ilho morre. %e'ou al'umas 0olhas dotamarindo2 9ue tra- para o irmo. /rancisca abre a 0ras9ueira e me mostra2dentro de um&lbum2 as 0olhas secas do tamarindo. Sm per0ume de colnia se espalha na cabine.U=abe 9ue Esther so0reu mais um abortoWUUZ 1erdadeWU2 per'unto2 trêmulo. %or um instante2 ima'ino 9ue aconteceu um

'rande e9uí1oco2 9uem morreu no 0oi Au'usto2 mas Esther2 a senhora Au'usto dosAn3os.

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Minha testa se cobre de 'otas de suorH tiro o lenço do bolso.UAu'usto escre1eu numa carta 9ue Esther 1ai passando bemU2 di- /rancisca. UMas (9uem de1e estar so0rendo mais com a monotonia2 as pe9uenas cidades no so paraum tipo como ela. %obre Au'usto2 9ueria ter no1e 0ilhos2 e de 9uatro s> temdois. A Esther no nasceu para parir. =abe o Raul Machado2 9ue escre1eu o soneto@&'rimas

de cera@W Recebeu uma carta de Au'usto2 onde ele comunica 9ue ir& passar as0(rias escolares na %araíba. Acho 9ue ( uma surpresa 9ue Au'usto est& preparandoparamame. Estamos to 0eli-esX $atal ser& um dos mais ale'res de nossas 1idas2at( 3& começamos os preparati1os. remos con1encer nosso irmo a 0icar napro1íncia2esti1e con1ersando com um deputado2 o 9ual no posso di-er o nome2 a 0im de 9ueele consi'a uma nomeaço para Au'usto na %araíba. Meu irmo de1e estar cansadodesseramerro de cidade pe9uena2 no 1ai ser di0ícil con1encê7lo a 1oltar para casa2es9uecer tudo2 a0inal o Bo9ue no manda!#mais l&. Au'usto est& escre1endo um no1o li1ro. B& soube da %upu com o m(dico2doutor =indul0o %e9ueno de A-e1edoWUUai&2 preciso di-er7lhe uma coisa2 muito importante.UU 9ue (WUUAu'usto... ele est& muito doente.UUra2 eu sei disso. Mas ele estar& bem2 9uando che'armos. A Esther 1ai estaresperando 1ocê na estaçoW =abe o 9ue a $ini me disseW Que 1ocê ainda (apai;onadopor Esther. Z 1erdadeW $a9uele tempo 1ocê era apai;onado por ela.UUTodos (ramos apai;onados por todas2 ai&.U!FEla abai;a a cabeça. ,epois 0a-7me relembrar um bal mas9u(2 no palacete docomerciante Eduardo /ernandes2 na rua das Trincheiras.Todo de preto com um 0io de san'ue escorrendo da testa2 tinta 1ermelha2 Au'usto0oi a maior sensaço. Artur 1estia cetim preto e encarnado2 costurado em9uadrados2e sapatos de cetim das mesmas cores. dilon esta1a de smoIin' de 1eludo 1erdee dourado. Eu me 0antasia1a de toureiro espanhol. A %upu2 de borboleta. A rene/ialho2 de bailarina russa2 com botas brancas de arminho.i uma colombina ne'ra ao lado de dona Mi9uilina2 e assim a tomei por Esther.=abia 9ue ela ia estar de colombina ne'ra. Eu me apro;imei2 pedi colombinaparabailar comi'o e 0icamos 3untos a noite inteira. embro7me de tudo o 9ue disse9uando 0omos sacada olhar as estrelas2 pensando 9ue era Esther 9uem me ou1ia.Masera /rancisca.U,e1e ser muito bom sentir7se amada assim por um homem.U Ela suspira2 rom?ntica.!F5/rancisca di- 9ue Esther parecia 'ostar das con1ersas de Au'usto2 sobreliteratura2 mas o 9ue aprecia1a2 mesmo2 era ir aos teatros2 s 0estas2 ou entotocar m)sicasale'res ao piano. Sm dia Au'usto 0icou aborrecido por9ue Esther no 9uiscon1ersar com ele sobre a permanência da 0amília híbrida2 de OaecIel. Oou1e oesc?ndalodo soneto da noite de n)pcias.Au'usto escre1eu 9ue tinha a sensaço de 9uem se es0ola e inopinadamente o corpoatola numa poça de carne li9Ve0eita. Mas ele escre1eu esse soneto antes da noitede n)pcias. Sm pouco antes. ,e 0orma 9ue2 presumo2 este1e com a Esther na cama9uando eram ainda apenas noi1os.

UA Esther no tem mesmo uma carne 9ue parece suco de abaca;iWU2 di- /rancisca.

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U$o e;atamenteU2 di'o. U admirador dela escre1eu um soneto di-endo 9ue Esthertinha um corpo esp)meo de ambrosia 0rapp(e.UUu1i di-er 9ue 1ocê escre1eu este soneto.U primeiro 0ilho de Esther2 o natimorto2 nasceu oito meses ap>s o casamento.=uspeito 9ue Esther casou7se 'r&1ida. \s 1e-es acho 9ue o Au'usto 9ueria mesmoera

se casar com a eopoldina2 a 0ilha do /ernandes. ,e1eras2 todos 9ueriam se casarcom a %upu. Au'usto comps 1ersos para ela2 no $one71ar2 um 3ornal-inho 0eito s>paraa'radar as mulheres2 durante a 0esta de $ossa =enhora das $e1es. Au'usto e eucostum&1amos!5chamar de estonteantes bele-as2 miniaturas de deusas 're'as2 síl0ides2plenipotenci&rias da bele-a mesmo as moças mais 0eias. Elas adora1am2 ainda 9uesuspeitassemtratar7se de ironias.$o eram ironias2 9ueríamos apenas a'rad&7las2 de1eras. Toda mulher ( bonita.!""/rancisca tira um lenço da bolsa e seca as l&'rimas 0inas 9ue escorrem de seusolhos. UQue in3ustiça2 di-erem 9ue Au'usto odeia a mame.UU$o dê ou1idos a essas tolices2 ai&.UUEle no saiu da %araíba por causa dela.UUClaro 9ue no.UU po1o ( buliçoso e a'ressi1o. =abe o [ureo2 a9uele ser'ipano 9ue escre1ia acoluna @Golpe de 1istaW ,isse 9ue Au'usto era hist(rico. =ei 9ue meu irmosemprete1e medo de 0icar louco2 por causa da mame2 9ue ( meio louca2 mas Au'usto 0oichamado de hist(rico s> por causa do sonho 9ue te1e2 9ue lhe caíam todos osdentes.U%obre Au'usto2 era pro0undíssimamente hipocondríaco. =o0ria tanto com suascrises artríticas. Ele morria de medo de 0icar ce'o2 por causa da con3unti1ite'ranulosa9ue ti1era. ,i-ia sempre 9ue um dia iria dei;ar de 1er. Tudo ia 0icar escuropara ele2 muito escuro. \s 1e-es ele caminha1a pela casa com os olhos 1endados2treinandopara o dia em 9ue 0icasse ce'o. Era en'raçado 1ê7lo tatear as paredes2 mas aomesmo tempo da1a um 0rio no peito.UEstou sentindo uma an')stiaU2 di- /rancisca2 Uno sei por 9ue moti1o. Tal1e-se3a o trem2 1ocê sabe 9ue tenho as piores recordaç<es de um trem2 nunca mees9ueçoda 1ia'em 9ue ti1emos de 0a-er2 do Cob(2 no trem alu'ado Great Pestern2!FKle1ando o corpo de papai para ser enterrado na %araíba. ocê esta1a no trem2 nose lembraW %obre papai2 1ítima de surme7na'e. Ainda 9uerem 0a-er mame crer 9ueelemorreu de sí0ilis2 s> por9ue ele 0oi proibido de chupar laran3as.UUEle toma1a ;arope de iodureto.UU%apai nunca andou por lupanares2 nem por catres de ne'ras.U/rancisca olha2 triste2 pela 3anela.Uma'ino o 9ue Au'usto sentiu ao tomar este trem para eopoldina2 tal1e- tenhase lembrado o tempo todo do cai;o de papai estendido no corredor do 1a'o2 apaisa'emcorrendo detr&s das 3anelas.U!F!!KUEstamos demorando a che'arU2 di- /rancisca. %ede7me 9ue responda a per'untas emseu &lbum: a 9ue horas costumo deitar7me e le1antar7meW2 se aprecio ir aoteatro2

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>pera líricaH se tenho admiraço pela pintura2 pela m)sicaH se 0umo2 e 9ueci'arros pre0iroH se amo os charutos2 os cachimbosH se leio ictor Ou'o2 Musset2Maupassant2erlaine2 %eladanH se sou cat>lico2 ou budistaH se escre1o 1ersos2 se entre'o7meao estudo das ciências ocultasH se moro nas mansardas coleti1as. =e 'osto debei3ar.

=e tenho al'um amor. =e sou casado ou se pretendo me casar.Sm lon'o tempo se passa. /rancisca con1ersa animadamenteH tem a mesma elo9Vênciade Au'usto2 a mesma cabeça repleta de assuntos para abordar2 desde a cura pelohipnotismoat( as pre1is<es de madame i-ina2 passando por coment&rios a respeito do bar7restaurante7balne&rio onde 0oi2 no Rio de Baneiro2 no 9ual se pode patinar numrin9ueou praticar tiro ao al1o2 e cu3o terraço2 9ue d& para o mar2 ( muito 0re9Ventadonas noites de canícula. Ela est& hospedada na casa de tio Generino2 9ue pa'ousuapassa'em. Compra empadas no em7pad&rio da Carceller. /ico ali1iado por9ue elano suspeitou da morte de Au'usto2 embora este3a escrita em meus olhos.Mas2 de 1e- em 9uando2 tomada por uma suspeita intuiti1a2 ela se a0unda empensamentos2 seus olhos 0icam sombrios e ento per'unta2 como se 0alasse consi'omesma2User& 9ue Au'usto est& bemWU.!F+

%arte três

eopoldina2 MG

a'arta ne'ra

!Ainda no ( noite. Sm cheiro de ca0( torrado impre'na o ar. =alto na estaço2construída diante de uma praça com um obelisco no centro. O& um intensomo1imentode passa'eiros e de car'as destinadas cidade e aos distritos 1i-inhosHretiradas dos 1a'<es2 postas em carros de boi ou carroças 9ue2 em 'rande n)mero2ocupamolar'o.$a plata0orma e;terna e ao lon'o do passeio h& um suporte de trilho para ampararo encosto dos 1eículos em marcha a r( na car'a e descar'a de ca0( em sacos2 ouaç)car2 0arinha2 milho2 arro-2 0ei3oH rolos de 0umo2 barris de a'uardente2lat<es de mantei'a2 dormentes2 toras de madeira2 0ei;es de lenha2 ti3olos.Cai;otes contendoblocos de 'elo embalados com serra'em soltam uma 0umaça branca. ,uas o1elhas2 umpe9ueno rebanho de 'ado 1acum e al'uns suínos so postos diante de uma rampa2poronde sero pu;ados para dentro dos 1a'<es de car'a.,entre os passa'eiros2 saltam do trem tio Dernardino com tia Alice. /ranciscasur'e na 'are2 apro;ima7se do condutor e lhe 0a- al'umas per'untasH acenapositi1amentecom a cabeça2 olha para os lados2 procurando al'u(m2 decerto Au'usto e Esther2ou mesmo rene /ialho2 l'a e Rmulo. A1ista tio Dernardino2 tia Alice e oschamaHeles a abraçam2 com ar tr&'ico2 trocam al'umas pala1ras 9ue paralisam /ranciscapor um instante2 ento ela acena ne'ati1amente com a cabeça2 d& um!FF'rito de dor2 a'arra os pr>prios cabelos2 cai no cho2 desmaiada.Sm homem le1anta /rancisca do cho e le1a7a no colo at( uma se'eH os tios tomam

o mesmo carro e partem2 desaparecendo na rua 9ue sai diante do obelisco2 laterala um arma-(m.

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!F5+eopoldina ( uma cidade-inha apra-í1el2 num 1&le2 cercada de distantes montanhas1erde3antes2 um mata'al com ipês2 paus7d@alho2 paineirasH tem ruas arbori-adas2correres de casas2 chal(s2 al'uns edi0ícios mais solenes2 por(m tudo comsin'ele-a. Em sua silhueta destaca7se um ren9ue de palmeiras imperiais2

cortando7a 9uasede um a outro lado e 9ue lhe d& alti1e-. A1istam7se as torres e cru-es de duasi're3as2 uma delas mais imponente2 9ue de1e ser a matri-. Entre uma usinaleiteira4de onde emana um cheiro de estrume8 e um par9ue sai uma cerca de arame 0arpado9ue delimita o perímetro urbano2 em linha reta2 mar'eando a linha 0(rrea2 at(umarua no e;tremo do lado es9uerdo./ico ima'inando por 9ue moti1o os moradores da9ui se preocuparam em cercar acidade2 mas de um lado s>H tal1e- por causa de al'um animal 9ue desce a montanha noite2ou por al'uma disputa de terras. Adiante da cerca h& porteiras2 ch&caras2al'umas estradas onde tra0e'am carros de boi carre'ando lat<es de cobre contendoleiteHnum terreno ala'adiço2 pantanoso2 brota a 1e'etaço dos bre3ais. Que tipo depessoas mora a9uiW Que esp(cie de 'ente suporta tanto bucolismoW %astoresW i1imuitosanos na cidade da %araíba2 9ue no che'a aos p(s do Rio de Baneiro no sentido demo1imentaço e ale'riaH mas a capital da pro1íncia era um lu'ar estrepitoso2animadopor hostilíssimas relaç<es políticas2 por tradicionais!F"inimi-ades entre 0amílias2 por tiros2 0estas2 perto de um imenso porto ondedesembarca1a 'ente do mundo inteiro2 tra-endo de tudo2 desde doenças 1en(reasat( pap(isde paredeH as cidades portu&rias sempre têm mais 1ida2 mesmo as pe9uenas.Embora ha3a a9ui uma estaço do trem2 no de1e acontecer nada de maissurpreendente 9ue a che'ada de um poeta ra9uítico ou o desmaio de uma mulher na'are. A pessoaprecisa ter um car&ter especial para morar num lu'ar como esse. %rimeiro2 nopode 'ostar da solido2 a solido ( al'o 9ue s> encontramos nos desertos2 nasca1ernas2nas 'randes cidadesH depois2 no pode 'ostar de sonhar2 pois se sonhar acabaindo embora da9ui.!5K*Al(m do bre3o2 numa estrada al'uns dos 1ia3antes 9ue 1ieram no trem sedistanciam2 em ca1alos2 mulas2 carroças2 na direço das 0a-endas ou das cidades1i-inhas.Quase na encosta do morro h& uma 'rande 1ala por onde corre um riacho 9ue se'ue2canali-ado2 por uma rua. $o alto de um morro 0ica um patíbulo para en0orcamentose um cemit(rio2 na certa heranças do tempo da escra1ido. ,esse mesmo ladoedi0icaram o imenso reser1at>rio de &'ua da cidade2 em pedra e cimento. Maisadianteh& um 'racioso prado para carreiras de ca1alos.%asso por uma casa banc&ria numa construço onde est& escrito em letras 'randes-ona da mataH pelo pr(dio dos Correios e Tel('ra0osH cru-o a linha do trem emdireço usina leiteira 9uando ouço o som de 'aitas2 de-enas delas2 e 1o-es 'ritandonuma lín'ua estran'eira2 o 9ue me dei;a desorientado2 com a iluso de 9ue tal1e-eutenha ido parar numa cidade do riente2 em =hira- ou De3aia.$a praça das palmeiras imperiais2 acampados em torno do coreto e ao p( dos

estipes2 mascates sírios e libaneses 1endem mercadorias em ba)s de 0olhas7de70landres2

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tocando 'aita de lata numa al'ara1ia in0ernal para chamar a atenço dospassantes e dos passa'eiros 9ue 1ieram no trem.!5!6Adiante das palmeiras h& um pomar e uma rinha de 'aios2 onde um 'rupo de homens0a- suas apostas. Continuo meu caminho2 procurando a rua onde mora1a Au'usto2

sentindoo cheiro da 0&brica de mantei'a e 9uei3os da leiteria /lor de Minas2 olhando asmulheres da cidade2 um autom>1el 9ue passa 0ume'ante2 as bicicletas2 at( mesmocomrapari'as na 'arupa2 a ar9uitetura das casas2 os 3ardins. $a rua principal h& umteatro chamado Cine Teatro AlencarH o com(rcio ( de pe9uena monta2 arma-(ns desecose molhados2 boticas2 lo3as de tecidos2 instalados em casas de uma ou duasportas. A companhia distribuidora de eletricidade e a sede da Ga-etaeopoldinen7se 0icamnessa mesma rua. Al'umas das pedras de 'elo 9ue 1ieram no trem esto sendoentre'ues numa sor1eteria2 sob o olhar atento de crianças 9ue tocam o dedo naspedrase 'ritam. %essoas com malas desapeiam dos animais2 ou saltam dos carros2 diantede residências.s sinos da i're3a tocam e 0a-em a cidade silenciar. A lu- est& di0usa2 0iltradapor nu1ens2 o sol se esconde detr&s de uma montanha2 9ue tem delineada sua 0ormaem dourado e ro;o. O& uma sensaço de pa-2 como em todo lu'ar assim todistante2 pe9ueno2 onde o tempo no passa. cansaço da 1ia'em e da noite sem dormir 0a- com 9ue eu me sente num banco dapraça da i're3a2 antes de per'untar a al'u(m onde 0ica a rua Cote'ipe 7 Au'ustomeescre1eu2!5+um dia2 9ue no era necess&rio nem mesmo anotar no en1elope das minhas cartas oseu endereço2 pois todos o conheciam na cidade2 embora esti1esse nela ha1iapoucotempoH basta1a escre1er: %ro0essor Au'usto dos An3os2 eopoldina2 Minas Gerais.Mas no 1e3o nin'u(m de luto2 ou chorando2 nem mesmo com ar triste2 parece 9uenemtodos o conheceram e se o conheceram no se importam com sua morteH com um ar derotina con1ersam s portas de seus estabelecimentos2 atra1essam a praça2 paramnumaroda a9ui2 noutra ali2 entram 7 apenas homens 7 numa ta1erna com uma placaescrito ta1erna italiana2 e mais abai;o2 1inos2 9ue3os2 salame2 pane2 assim2dessa maneira29ue me d& uma 1ontade louca de entrar para comer al'uma coisa.!5*#uço distante um sino. %ouco tempo depois sur'e2 na es9uina2 um amontoado depessoas se'urando 1elas2 maneira de uma procisso2 silenciosa de tal 0orma 9uetenhoa sensaço de ou1ir o ru0ar dos panos das roupas2 dos passos no cho. A lon'ala'arta ne'ra 0eita de pessoas aparece aos poucos e toma a praça.Carre'am um cai;o escuro2 de 1erni- brilhanteH est& sem a tampa e posso 1er oper0il deitado de Au'usto2 p&lido2 ma'ro2 de bi'ode2 a 'rande testa redonda2 comamorte estampada nos ossos e na pele. =eus p(s descalços2 brancos2 saem do mantocin-ento de l. =obre seu peito est& um ramo de palmeira.Sm 1ento sopra2 como se 1iesse de montanhas 'eladas. $u1ens pesadas tomaram oc(u2 dando a impresso de 9ue uma 0orte chu1a 1ai cair sobre a cidade. ,iante deAu'usto1em um padre paramentado e meninas 1estidas de an3os2 com roupas de cetim preto2

asas de penas ne'ras. Amparada por tio Dernardino2 /rancisca2 de luto 0echado2caminha

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lo'o atr&s do es9ui0e. rene /ialho e l'a 1êm ao lado de Rmulo. $o 1e3oEsther. Tal1e- se3a uma das mulheres de 1(u ne'ro 9ue andam um pouco adiante2com 1elasem cones de papel recortado e 0lores nas mos.As 3anelas das casas e as portas das lo3as se 0echam2 os moradores e oscomerciantes se 3untam ao corte3o. O& senhores

!56de sobrecasacas de l in'lesa acompanhados de damas 1estidas de seda ou 1eludo2assim como 0amílias descalças2 'ente com roupas remendadasH 1elhos2 3o1ens2meninose meninas2 em uni0ormes escolares2 carre'ando pesadas pastas de material nasmos2 'uiados por pro0essores. O& policiais 0ardados2 oper&rios das 0&bricas commarmitasnas mos2 o barbeiro em seu a1ental2 um alei3ado sendo empurrado num carrinho.$o 0inal do corte3o2 se'es com ca1alos ne'ros e cocheiros de cartola le1am a'entemais pr>spera da cidadeH de1em ser milion&rios do leite2 0a-endeiros2 donos deen'enhos2 de escolas2 de plantaç<es2 de 'ado. A rebo9ue2 carroças transportamcamponesescom suas en;adas e 0oices. %essoas choram.!5#A al'uma dist?ncia2 um 'rupo de mulheres se'ue a procisso2 cobertas com ;alespretos. estem7se de maneira discreta e no usam pintura no rosto2 mas aoprimeiroolhar reconheço7as2 pela maneira de se mo1erem2 pela posiço no corte3o2 pelosolhos ousados2 e;pressi1os2 9ue se comunicam com os homens de uma maneiraíntima2como se 'uardassem todos os nossos se'redos. =o as prostitutas da cidade.Tal1e- nem mesmo saibam 9ue Au'usto escre1eu um lon'o e belo poema para asmeretri-es. Sma noite ele me mostrou esses 1ersos2 ainda inacabados2 9ue poreste moti1o2ima'ino2 no constaram no seu li1ro. As putas2 0êmeas casti'adas2 0uncion&riasdos instintos2 0ilhas do in0erno2 (brias e lasci1as2 escurid<es dos 'ineceus0alidos2des'raças de todos os o1&rios2 as bacantes de es9ueleto irritado2 de corpose;piat>rios al1os e desnudos2 so persona'ens tr&'icos e amados nos poemas deAu'usto.Especulo se nas madru'adas 0rias de insnia ele 0oi ao rende-1ous de eopoldina2se essas mulheres o conheciam2 se o ou1iam recitar seus 1ersos macabros2 se paraele 'aniam instinti1amente de lu;)ria2 se ele as e;cita1a com o açoite doincêndio 9ue lhes in0lama a lín'ua esp)ria2 se ele se entre'ou aos t&citosapelos dascarnes e dos cabelos2 a toda a sensualidade tempestuosa dos apetites b&rbaros dose;o. se;o no combina com ele2 apenas o se;o te>rico pode ser relacionado a sua maneira de ser. ma'ino7o na cama com!5uma prostituta. ,iante do esplendoroso corpo al1o2 nu2 ele declama seus Uersosa um co1eiroU. A mulher o adora.Sma das 9ue acompanham o enterro2 a 9ue tem os cabelos 1ermelhos2 como ameretri- do poema de Au'usto2 sentindo7se obser1ada me encontra com os olhos esorri. =outomado de dese3o por ela.!5FF corte3o 0a- um caminho sinuoso2 passa na 0rente da pre0eitura2 da residênciade al'um 0i'uro2 das duas i're3as da cidadeH en1ereda por um bairro pobre.=i'o7os.Ao me apro;imar do cemit(rio2 subindo penosamente uma ladeira2 tenho a sensaço

de 9ue dentro de mim se repetem os sentimentos de triste-a de Au'usto por tersido

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re3eitado em sua terra natal e2 depois2 no Rio de Baneiro2 cidade 9ue escolheu e9ue o 0e- e;perimentar apenas amar'ura2 melancolia2 desespero. eopoldina no0oiescolhida por Au'ustoH a cidade o escolheu. E 9uando2 0inalmente2 ele pareciater7se libertado de sua inse'urança 0inanceira2 no momento em 9ue pde teral'uma

pa- espiritual para dedicar7se tamb(m a produ-ir suas poesias2 a morte oatin'iu. Creio 9ue neste momento sinto e;atamente o 9ue sentiu Au'usto9uando pensou: Estou morrendo.A 1iso do muro do cemit(rio2 das primeiras cru-es2 causa7me um le1eestremecimento no peito. =into medo2 como se o cho 0osse racharH a 9ual9uerinstante2 sema1iso posso parar de respirar2 meu coraço sem nenhum moti1o pode cessar debater2 estou 1i1o apenas por um acaso. Bunto a esta inse'urança e;istencial2 1ema noçodo mist(rio da morte2 acompanhada de um 0ascinio pelo mist(rio da ressurreiço2da e;istência da alma. O&2 misturado a tudo isso2 o sentido de abandonoH e osentimentode perda de al'o insubstituí1el.!55En0im che'o ao alto do morro. A rua est& completamente tomada pelas pessoas2 epor um 'rande silêncio. Z estranho 1er uma multido assim2 parada numa ladeira2silenciosa2os rostos 1oltados para o mesmo lado. Cria uma sensaço de Apocalipse2 de Buí-o/inal. Est&tuas se ele1am acima do muroH al(m delas2 no 0lanco nu da colina emterraocre duas cru-es assinalam sepulturas 9uase in1isí1eis. Abro caminho por entre amultido2 cru-o um porto de 0erro batido. A escadaria estreita2 de de'raus0inos2ca1ada no 0lanco da colina ( 9uase totalmente coberta por um emaranhado detrepadeiras podadas 9ue 0ormam um t)nel 1e'etalH a rampa 1ai dar no adro dacapela2 deonde emana um cheiro de cera das 1elas acesas. ,entro da capela o cai;o com ocorpo de Au'usto 3& te1e 0i;ada a tampa2 sobre a 9ual /rancisca chora debruçada2soltando 'emidos lon'os e tristes como o correr das &'uas ne'ras do Sna.!5"5 cemit(rio sur'e de pouco em pouco2 primeiro ao ní1el de meus olhosH medida9ue subo os de'raus2 me ele1o do cho2 o 9ue d& uma estranha impresso de 9ueestousaindo de dentro da terra2 ou che'ando no c(u. Z um cemit(rio pe9ueno2 'racioso2com t)mulos bem cuidados2 numa cidade de 'ente 9ue tem tempo de trocar as 0loresdos 3arros2 de desempoeirar as asas dos an3os e colar seus nari-es 9uebrados.A maior parte dos t)mulos ( cercada por uma 'rade de 0erro batido2 como umberço2 com uma cru- 1a-ada2 em 0erro 1olteado. Al'uns so simplesmente meiocilindro emcimento caiado ao r(s do cho2 com uma cru- e as inscriç<esH este tipo ( o maisan'ustiante pois su'ere a 0orma do corpo2 d& a sensaço de 9ue uma pessoa est&aliemparedada. %or detr&s do t)nel de trepadeiras2 co1eiros2 ao lado de seuscarrinhos de mo2 de suas p&s e 0oices2 ne'ros2 1estem um uni0orme tamb(m preto2com chap(u7de7solHmas no têm ar sinistro2 ao contr&rio2 parecem seres ale'res2 descontraídos. cai;o ( le1ado at( a co1a. padre 0a- um lon'o sermo2 0ala sobre o mestremais de1otado2 o bem7sucedido diretor de 'rupo escolar2 o honrado pai e marido.corpo ( enterrado direita do cemit(rio2 o lado mais simples2 onde apenas umdos t)mulos ( coberto de m&rmore e tem uma est&tua2 um an3o branco2 encolhido2a3oelhado2

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sobre a l&pide. s co1eiros 0incam uma cru- no cho2 em madeira2 com a data denascimento e morte de Au'usto2 assim como seu nome. %ouco a pouco as pessoas seretiram.!"K"Sma 1ontade de tamb(m morrer me toma. Gostaria de poder 0alar com Au'usto2 ou1ir

ainda sua 1o-. Ele est& a'ora reunido maior de todas as suas pai;<es2 ao maispro0undo de seus eni'mas2 mulher de 9uem mais 0alou2 musa 9ue mais cantou etentou des1endar. E nada pode me di-er sobre ela. $este momento a Morte ( umse'redos> dele. Tal1e- tenha descoberto se o mundo ( 0eito de uma )nica subst?ncia2 senossas id(ias sobre o monismo eram procedentes. Quem sabe sinta a 1ol)pia da9ualtanto me 0alou2 de estar debai;o do cho. nde est& Au'ustoW oando sobremontanhas de 0o'o ou de san'ue2 tal1e-2 no (ter2 nas teias de car1o sombrio2 noradiantear ou 9uiç& na &'ua 9ue brilha com 0ul'or sinistro.Est& a escalar os c(us e os apo'eus2 con1ersando com ,eus e ou1indo =ua 1o-ca1ernosíssima2 9ue antes escuta1a apenas no ui1o dos 1entos nos ar1oredos2 no0ar0alhardos 'alhos do tamarindeiro. =eu corpo est&2 a'ora2 to escondido 9uanto sempre9uis2 em sua ren)ncia budística do mundo. Encontra7se diante da sombra domist(rioeterno2 sendo su'ado por uma boca s0re'a 9ue lhe es1a-ia a carne2 9ue otrans0ormar& em ossos e depois em cin-as. Est& caindo2 caindo2 caindo numabismo. u ascende20lutua2 1oa como um p&ssaro de 'randes asasW u1e a 1o- da alma das coisasWEntra nas ca1ernas das consciênciasW E;iste mesmo a pa- 0un(reaW ,>i seu cr?nioW!"!=ei 9ue Au'usto est& an'ustiado por9ue no pode 0alar2 mas eu o ouço2 est& a medi-er 9ue sente 0rio2 como as a1es em uma tarde de tempestade2 e 9ue h& cru-es emais cru-es em seu caminho2 9ue ( noite2 o 0im das coisas mostra7se medonho comoo des'uadouro atro de um rio. Continua2 por(m2 a arder2 na imortalidade dasubst?ncia.Ele adora1a os n)meros. =eu )ltimo n)mero: sepultura !6".Queria simplicidade no epit&0io2 9ue apenas se inscre1esse ap>s seu nome: %oetaparaibano. %or mim2 seu corpo seria enterrado sombra do tamarindo no %audArco2como ele mesmo escre1eu em seus poemas mais anti'os2 antes de sua disputa com oBo9ue. Mas como ousaria eu su'erir al'o assimW Teria ele pedido 9ue seusrestos mortais0icassem em eopoldinaW %or ,eus2 9ue casti'o Au'usto le'ou %araíba2 9uesentimento o le1ou a dei;ar 9ue o enterrassem to distante de onde nasceram seusantepassadosXSma chu1a le1e cai. Caminho apressado para o porto de saída. $o sei se tenhomais medo da 1ida ou da morte2 pois estaco no porto2 perple;o2 sem saber para9uelado me diri'ir.!"+!KEstou com 0ome. %reciso acomodar7me num hotel. Sm passante me e;plica 9ue2 napraça da estaço2 h& dois hot(is2 o Ootel da Estaço e o Ootel %imenta. OoteldaEstaço pertence a um homem muito bom2 o seu Gomes2 9ue tem um co-inheiro chinêschamado %un7Ts(. /ica ao lado da 1ila Armin7da2 encostado na estaço2 no seicomono 1i 9uando saltei do trem. Z rosa7claro2 tem dois andares2 uma porta e duas3anelas embai;o e três portas73anelas em cima2 de um lado2 e do outro lado trêsportas

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e três portas73anelas2 pintadas de branco2 0ica do lado do arma-(m do senhorRaphael ,omin'ue-2 onde se 1endem 0a-endas2 roupas 0eitas2 bot<es2 linha2a'ulhas20echaduras de portas2 tinta2 ;ícaras2 sapatos2 chap(us7de7sol e de cabeça2 sal2cal 9ue custa dois mil e tre-entos r(is o saco2 9uerosene2 0ormicida2pistolas2 tudo isso no atacado e no 1are3o.

U=abe 9ue a9ui tem um 'round de 0utebol e um rin9ueWU2 di- or'ulhoso o passante.Ele acrescenta 9ue o Ootel da Estaço 0unciona num pr(dio todo re0ormado2 comcama de casal2 bastante asseado2 os lenç>is cheirando a alecrim. $a sala de3antarser1em bons 1inhos2 cer1e3a e &'uas minerais. Ootel %imenta2 atr&s da estaçode trem2 caprichosamente iluminado2 tem a co-inha diri'ida pela 0amília do dono.0erece dois bilhares para di1erso. A cidade toda recebe lu- el(trica de umausina. $o Ootel da Estaço!"*h& um tele0one 9ue 0a- li'aç<es com cidades 1i-inhas e 0a-endas da re'io. %ossopassear numa 0a-enda das redonde-as2 ca1al'ar2 tomar banho de cachoeira2 almoçarsobre a rel71a2 ou1ir o canto dos p&ssaros2 pescar. %osso ir ao boliche ou aobilhar.\ porta do Ootel da Estaço est& parado o autom>1el be'e 9ue 1i passar na rua. cho0er con1ersa numa roda de su3eitos 9ue dei;aram seu trabalho e se diri'em2pro1a1elmente2para a Ta1erna taliana e deram uma parada ali a 0im de admirarem o autom>1el2discutirem sobre a 1elocidade2 sobre a superioridade desses 1eículos em relaçoaosde traço animal e 1ice71ersa2 9ue ( o 9ue 'eralmente os homens con1ersam 9uandoesto em torno de um autom>1el2 e tamb(m de1em ter comentado o enterro deAu'ustoe o desmaio de /rancisca na estaço. Mas silenciam por um instante2 curiosos arespeito do ma'ro ca1alheiro 9ue entra no hotel.$as cidades pe9uenas as pessoas têm tempo de olhar7se umas s outras e recebemcom 'rande curiosidade as 9ue 1êm de 0ora.!"6!!=empre 9ue entro em um 9uarto de hotel2 antes de apalpar a cama2 1eri0icar oespaço no arm&rio2 ou as condiç<es da sala de banho2 costumo olhar pela 3anela.=edali se descortina uma bela paisa'em2 no importa2 as nature-as mortas meentediam. Gosto 9uando da 3anela posso 1er outras 3anelas2 com as 9uais medi1irto lon'as

horasa obser1ar al'um mo1imento de pessoas2 especialmente mulheres a pentearem oscabelos2 ou a bordarem sentadas numa poltrona. Em seus momentos de solido asmulheresso mais naturais e belasH 9uando sentem7se obser1adas2 ad9uirem uma postura9uase sempre teatral.,a 3anela deste 9uarto 1e3o a praça do obelisco2 a estaço2 uma rua ladeada dea'laias2 o arma-(m2 o correio2 al'umas das palmeiras do ren9ue2 a torre dai're3a.Sm homem caminha nos trilhos do trem2 le1ando um ca1alete2 uma maleta2 tela e umbanco. %&ra diante de uma 'rande &r1ore. Monta seu ca1alete2 ap>ia nele a tela2tira da maleta tintas2 pinc(is e outros apetrechos e pinta seu 9uadro ali2 nostrilhos do trem.A ima'em do artista 9ue 0a- seu ateliê na estrada de 0erro ( perturbadora2tal1e- essa se3a a sua arteH no propriamente o 9uadro2 mas a in9uietaço 9uecausa naspessoas. =abemos 9ue o trem no 1ai passar a'ora por ali2 mas sua atitude su'ereperi'o2 0ra'ilidade2 arrasta7nos para as emoç<es e su'ere os horrores da arte

tal

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como ela (2 e;presso das partes pro0undas do ser2 no cupidinhos nus tan'endoliras.!"#

Esther em ne'ro

!Cote'ipe2 a rua principal da cidade2 le1emente inclinada2 0ica na aba de ummorro. O& um correr de casas apenas de um lado2 encostadas umas nas outras2todas comtelhados de duas &'uas2 uma porta2 duas 3anelas2 >culo no s>to2 sendo al'umaspara residências e outras para com(rcio. Como 3& ( noite as 0lores das a'laiasespalhamno ar um per0ume 0ortíssimo2 9uase insuport&1el. =ementes pontilham a rua e aestreita calçada de cimento. chal( !! tem as 3anelas abertas e iluminadas porumalu- delicada de l?mpadas el(tricas.Atra1esso a rua at( a calçada do outro lado2 onde h& um muro coberto por umatrepadeira sil1estre. Acendo um ci'arro. Conto as a'laias plantadas na rua2desde aes9uina at( a 0rente do chal(: oito &r1ores2 o $obre ctuplo Caminho do budismo.Au'usto de1e ter 0eito esta conta2 para sua numerolo'ia 0ilos>0ica. Muitas 1e-esme per'unto se ele era realmente budista2 ou se isso 0a-ia parte de suas0antasias a respeito de si mesmo. A 0iloso0ia budista especula pro0undamenteacerca doso0rimento2e a dor moral tal1e- 0osse a maior preocupaço de Au'usto. UToda 1ida (dolorosaU2 ele di-ia.!""+Au'usto me parecia 3ainista2 at( mesmo por menospre-ar as mulheres e o mundo. \s1e-es enrola1a um lençol na cintura e 0ica1a durante muito tempo sobre uma s>perna2com os braços le1antados2 as mos unidas acima da cabeça2 passando 0ome2 sede oucomendo apenas 0olhas secas. Austeridades tolas e in0rutí0eras2 assim asconsidera1a,ona Mocinha2 com seu terrí1el ar de desd(m.%ara ele o principio da 1ida era a interpenetraço de subst?ncia eimaterialidade2 0orças opostas e inimi'as. =omente a separaço desses princípiosincompatí1eispoderia sal1ar o homem. Mas a separaço do espírito e mat(ria era a mortecorporal. A 1ida de1ia ser estancada como se 0osse uma hemorra'ia de 1erdades0undamentais9ue se lança1am no lodo do mundo. ideal de 1irtude era a puri0icaço2 acon9uista da imobilidade absoluta. A porcaria 0a-ia parte da essência do se;o.s est&'iosnaturais da 1ida 7 nascimento2 alimentaço do corpo2 a nutriço2 a eliminaçodos de3etos corporais2 a morte2 a 'estaço de 1ermes e insetos 9ue de1oram ocad&1er7 eram imundos. Era preciso pur'ar as impure-as2 tanto no microcosmo al9uímicodo ser 9uanto no macrocosmo do no7ser2 a 1ida era uma or'ia 'enerali-ada deindecênciasdiante da 9ual o espírito ensimesmado podia2 unicamente2 renunciar. ,isse7meAu'usto numa noite 9ue seu maior pra-er2 seu $ir1ana2 seria trocar sua 0ormahumanapela imortalidade+KKdas id(ias. /ala1a sobre o pra-er da morteW Acredita1a 9ue todas as 0>rmulas dointelecto humano eram inade9uadas para e;pressar a parado;al 1erdade2 acima de

nossa

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compreenso. Ao mesmo tempo 9ue tenta1a e;plicar o uni1erso2 aceita1a sua ori'emindeci0r&1el. Acredita1a e simultaneamente re0uta1a suas pr>prias crenças2 eramU0eitiços m>rbidos da i'nor?nciaU. Tudo e;iste e se des1anece2 tudo ( sua1e eduro2 tudo ( claro e escuro2 tudo ( 0also e 1erdadeiro. Au'usto no se emaranhounateia da 1ida e escolheu a morte2 onde acredita1a estar o conhecimento absoluto.

$a 1ida2 tudo o 9ue conhecemos no e;iste. $o 9ue o mundo e;terior se3a umamerailuso2 mas o 9ue sabemos dele ( 0ruto de nossas 1is<es deturpadas ou peloencantamento ou pela repu'n?ncia.+K!*A doçura b)dica de Au'usto me como1ia. $a %araíba2 da1a aulas sentado com aspernas cru-adas como um asceta indiano2 a0a'ando os ded<es dos p(s para 1er setinhaal'uma iluminaço nir1?nica. aluno senta1a7se2 abismado2 na 0rente dele.A cada dia da semana Au'usto leciona1a uma mat(ria2 0alando pausadamente2parando a 0im de tomar canecas e canecas de U'eneralU2 um ca0( 0raco combastante aç)car29uase 'arapa.Aos s&bados ele saía do protocolo e 0ala1a tudo o 9ue lhe ia cabeça2 desdepolítica at( a essência do mundo2 tenta1a 0a-er com 9ue a9ueles meninoscompreendessemo monismo e o dualismo de OaecIel2 a concepço da alma2 da 1ida psí9uica2 oconsciente e o inconsciente2 o tanatismo e o atanatis7mo2 a imortalidade c>smicae aimortalidade pessoal2 a unidade material e ener'(tica do cosmos2 os mecanismos eo 1italismo2 como ele tinha compreendido2 9uando ainda era criança. ,e =pencer2ensina1a os conceitos de mem>ria2 ra-o2 instinto2 sentimentos ou estados deconsciência2 a 1ontade2 a 'ênese dos ner1os.Teria ele2 realmente2 lido na adolescência as cinco mil p&'inas da %hilosophiesLntheti9ueW Certamente. Muitas 1e-es o 1i debruçado sobre calhamaços.$o meio da aula2 in1aria1elmente2 al'u(m os interrompia+K+para uma pe9uena re0eiço: 0rutas2 como pinhas2 mamo de corda ou man'as do9uintal2 ou ento bolo de milho seco2 bei73u-inhos de mandioca2 an'u de caroço2coisasassim. E o U'eneralU era constantemente reno1ado na caneca. pa'amento era 0eito no 0im do mês2 da maneira mais discreta possí1el: o alunoen0ia1a um en1elope com o dinheiro no bolso de Au'usto2 9ue 0in'ia no 1er o'esto.,epois ele entre'a1a o en1elope ainda 0echado a ,ona Mocinha2 sem ao menos olh&7lo2 tal1e- com medo de se conspurcar com al'o to in0erior.=eus alunos sempre aprendiam a mat(ria e melhora1am na escola. Au'usto tinha omais per0eito dom para pro0essor 9ue 3amais 1i em minha 1ida. /oi ele 9uem29uandoainda era um menino de seis anos2 me ensinou a ler e escre1er um monte depala1ras2 usando 0i'uras de 3a1ali2 tatupeba2 'a1io7de7penacho.+K*6A casa de Au'usto na rua Cote'ipe ( uma residência modesta2 como cabe a um 3o1empro0essor e poeta2 com uma escada de poucos de'raus entrada2 antes da portaHnotelhado er'ue7se uma chamin(2 de onde se desprende um 0io de 0umaça2 branca comoa das 0ornalhas do en'enhoH os beirais so en0eitados por uma tira de madeirarendilhada2pintada de branco. Sm detalhe me dei;a como1ido: nas 3anelas2 dois 1asos estorepletos de 0lores2 as 9uais no posso distin'uir2 mas a silhueta me 0a-ima'inar

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,epois2 no banheiro de três canos2 perto do al'ero-2 toma1a duchas de &'ua'elada e adormecia.Este chal( onde Au'usto 1i1eu seus )ltimos meses tamb(m ( parecido com ele2despido de ornamentos2 austero2 alti1oH tem poucos m>1eis2 lustres modestospendendodo teto2 portas e 3anelas altas2 com 1idros coloridos. A pintura est& um pouco

descascada nas madeiras. s aposentos so pe9uenosH o piso ran'e2 como asescadasda9uele sobrado na 0rente do cais Mau&.+KF$um corredor direita2 0ica a porta da sala de banhos e em se'uida uma pia demetal2 redonda2 3unto a um 0iltro de barro coberto por pano de crochê. A co-inha(o aposento mais amplo da casaH embora se3a estreita ( bastante comprida. %ertodo 0o'o duas pessoas con1ersam em tom bai;o de 1o-2 a9uecendo as mos no calordasbrasas. Tia Alice estende massa com um rolo2 sobre uma t&bua. rene /ialho2incans&1el2 me;e in'redientes numa panela com uma colher de pau. Mulheresa3udam7nas.Embora tenha se passado um bom tempo desde 9ue 1i rene pela )ltima 1e-2 elacontinua a ter sua not&1el bele-a 9ue partia tantos coraç<es na %araíba e 9ueinspirouAu'usto a escre1er uma ode2 chamando7a de mais bela do 9ue a 1ir'em de Corre''ioe os 9uadros di1inais de Guido Reni 7 para rimar com e'r('io e rene.UQual um crente em asi&tico pa'ode2 entre timbales e ana70is estrídulos2 cati1o2bei3a os &ureos p(s dos ídolos2 assim2 rene2 e eis o moti1o por9ue 0i- estaode.U,emoro7me a admirar o nari-2 os l&bios2 o 9uei;o de rene iluminados pelaschamas do 0o'o. Tem os traços muito parecidos com os de Esther2 mas o resultado( di0erente2mais 0rio2 aristocr&tico. $unca me es9uecerei do momento em 9ue 9uase sucumbi aseus encantos2 9uando 0ui le1ar uma partitura musical para Esther em sua casa ereneabriu a portaH 1estia uma roupa preta 9ue marca1a seu busto2 o tecido esta1a+KFcoberto de 0iapos e a impresso era 9ue um c(u estrelado se tinha aberto diantede meus olhos. Mas 9uando Esther sur'iu atr&s de rene2 com seus 0ulminantesolhosne'ros2 para me receber2 ti1e certe-a de 9ue era a ela 9ue eu ama1a.+K55$o e;tremo da co-inha h& uma pe9uena 1aranda2 de onde sai uma escada at( um9uintal2 tamb(m comprido2 9ue termina num c>rre'o. 3ardim est& 0lorido. O&1estí'iosde trabalho de 3ardina'em: um par de lu1as2 uma tesoura de poda2 balde parare'ar2 um ancinho. ,e1e ser um recanto de Esther2 Au'usto nunca se interessoupor 0lores2ama1a as &r1ores 0rondosas2 as 0lorestas sel1a'ens2 as montanhas.Sma rede est& armada entre as &r1ores2 presa com cordasH de1ia ser1ir para asesta de Au'usto2 ou para ele se embalar com os 0ilhos. %erto da rede2brin9uedos 0orames9uecidos pelas crianças.$um 1aral esto dependuradas peças de roupas de mulher2 tin'idas de preto2secando. =o per0umadas2 macias2 modestas. Em al'umas delas a tinta no pe'oumuito bem2e apresentam manchas ou desbotados. 1elho ;ale de barbante de Esther tamb(m0oi tin'ido.=ob a casa 0ica uma porta2 9ue d& num poro. Est& aberta e l& dentro h& um ba) e

uma cadeira. Tal1e- neste ba) este3am manuscritos de Au'usto2 ou as cartas 9uerecebeu

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trincheiras2 atiram com canh<es2 en0iam baionetas nos peitos dos inimi'os2 9uemuitas 1e-es têm o rosto de seus pr>prios pais ou irmos. A 'uerra2 para n>s2 (apenasuma 0antasia. Drasil permanece numa insuport&1el pa-2 como se no 0i-esseparte do mundo.+!+

Al'umas 1e-es caminhamos pela rua e ou1imos al'u(m 'ritar U i1e la /ranceNU2mas ( uma 1o- solit&riaH os bondes continuam a passar2 o c(u tem somenteestrelas2os mares apenas ondas e pací0icos barcos. As mulheres continuam de braços dadoscom seus maridos2 nin'u(m 0oi lutar2 nin'u(m 1ai morrer pela p&tria.U po1o brasileiro s> 1ai empunhar suas escopetas no dia em 9ue o pri1arem deseus ma'ní0icos ci'arros anill(U2 di- Rmulo2 e su'a a 0umaça do seu charuto.s russos continuam a a1ançar em territ>rio alemo. %r-em-Ll se prepara para osítio. s turcos e os russos esto tra1ando um san'rento combate perto deEr-erum.s alemes sa9uearam e incendiaram um castelo em Quere0ond. U,e 9ue lado 1ocêest&WU2 ele per'unta. ,iscutimos a 'uerra. Quando terminamos de 0umar2retornamosparao interior da casa. Ele est& um tanto irritado2 sempre ti1emos nossas di0erençasde id(ias. Ele me considera um su3eito estranho2 apenas por9ue eu 'osta1a deesma'arbichos nas paredes com os dedos2 dei;ando marcas de san'ue dos mos9uitos2 de1ísceras das baratas ou moscas. Eu parei com essa mania2 mas ele continua a terumrostode padre.+!*!!$a sala2 Esther d& um 'emido. Muitas pessoas2 entre elas rene2 correm parasocorrê7la. homem 9ue me pareceu um 0armacêutico tira de sua maleta um 0rasco2molhaseu lenço com o lí9uido 9ue o 0rasco cont(m e 0a- Esther aspir&7lo. Ela tomba acabeça para tr&s2 emite um ruído como se 0osse o relinchar de um potro epermanecerecostada2 im>1el2 os l&bios entreabertos2 os dentes cintilando2 o corpo se'uropelas mos do 0armacêutico. Ele con0abula com tio Dernardino2 em se'uida seabai;a2en0ia os braços por detr&s das esp&duas e das 3ar7reteiras de Esther2 pe'a7a emseu colo como se 0osse uma noi1a des0alecida2 atra1essa a sala ao lado edesaparececom ela num dos aposentos íntimos. chap(u de Esther 0ica caído no cho2 e permaneço obser1ando7o at( 9ue tiaAlice 1em apanh&7lo e o le1a para o 9uarto. rene passa por mim2 apressada2le1andouma bande3a com uma chaleira de &'ua 9uente2 toalhas2 um esto3o met&lico21idros. ,o lu'ar onde estou2 posso 1er o 9ue se passa no 9uarto. s p(sdescalços de Estherparecem 'elados2 p&lidos2 na borda da camaH seus sapatos esto no tapete2 seuchap(u 0oi colocado sobre um ba) onde cintila uma lamparina. $a cama2 Estherchoracon1ulsi1amenteH rene desabotoa sua blusa2 o 9ue me 0a- estremecerH em se'uidadesnuda o ombro de Esther. 0armacêutico2 9ue contra a lamparina su'a1a umaampolacom a serin'a2 aplica uma in3eço na 1i)1a. Aos poucos suas con1uls<es 1operdendo intensidade e a0inal ela adormece.+!6!+

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Meus so0rimentos sempre 0oram menores diante dos de Au'usto2 sempre competimosde certa maneira sobre 9uem so0ria mais 'randiosamente2 como um 3o'o de ;adre-em9ue as peças no 0ossem ca1alos2 bispos2 torres2 reis2 rainhas mas a an')stia2 ador 0ísica2 a dor mental2 o 1a-io e;istencial2 a depresso2 as 0orçassubterr?neas2

a morbide-2 a neurose2 o pesadelo2 a con1ulso do espírito2 a ne'aço2 o noser2 a m&'oa2 a mis(ria humana2 o ui1o noturno2 as carnaç<es abstêmias2 osl)bricosarroubos2 a 0ome incoercí1el2 a pai;o pelas mulheres impossí1eis2 a morteH enesse momento ele parece -ombar de mim2 como se dissesse: Uê2 como so tolosseusso0rimentosW ocê perdeu um ami'o e eu perdi a 1idaU.,ou um riso idiota2 diante de meu pensamento. Sma mulher me surpreende e 0icaindi'nada com minha risada. Tal1e- a alma de Au'usto este3a pairando pela casa esentindo2ainda2 um pedaço de 1ida. Sm cheiro de ca0( se espalha na sala.Sm 9uarteto de mulheres 7 rene2 l'a2 tia Alice e dona Mi9uiliina2 a me deEsther 7 sur'e do corredor da co-inha2 com bande3as2 e o0erece lanches aospresentes.Tia Alice passa com ;ícaras de ca0(2 p&ra diante de mim a 0im de 9ue eu mesir1a2 cumprimento7a de le1e com a cabeça2 ela no responde2 0in'e 9ue no mereconhece.Z 9uase certo 9ue me odeia2 por causa de minha e;7noi1a2 Marion Cirne. Al(mdisso2 de1e me considerar um 0an0arro2 um perturbador da ordem2 no 9ue+!#tem ra-o. ma'ino o 9ue ela dir&2 o 9ue todos diro2 9uando souberem 9ueescondi Camila em minha casa e2 muito pior2 dei;ei7a so-inha2 cuspindo san'uenuma bacia.Recuso a ;ícara de ca0(2 embora este3a precisando do recon0orto 9ue este lí9uidoestimulante nos ( capa- de 0ornecer. Tamb(m recuso os biscoitos2 as empadinhas2os pastei-inhos 9ue as outras mulheres ser1em. A1isto num canto escuro umacon1ersadeira e sento7me2 sentindo um 'rande cansaço.A toalha 9ue cobre a mesa2 rebordada em ponto de cru- com ramos de 0lores2 de1eter sido 0eita por Esther2 9ue sempre 0oi habilidosaH 9uantas 1e-es a 1i sentadacom seu bastidor a bordar2 atenta liço 9ue Au'usto ensina1a a al'um aluno.Quase todos os ob3etos desta sala me tra-em recordaç<es da %araíba. s castiçaisdeprata eram do aposento de re0eiç<es da casa7'rande do %au d@Arco. 9uadro naparede 0ica1a no sobrado onde Esther e Au'usto 0oram morar lo'o ap>s ocasamentoH representauma paisa'em da &r-ea2 com as &'uas li1res do Sna. A &'ua sendo libertadacausa1a em mim uma emoço mista de medo e pra-er. %or causa dessa cerimnia daDotada2ti1e durante anos pesadelos com 'randes massas de &'ua ne'ra me arrastando2 mea0o'andoH pousado no 0undo eu sentia o peso do rio sobre mim. A &'ua pretalibertadaparecia nossas almas contidas de adolescentes oprimidos por uma rí'ida educaço2nossos dese3os de se;o2 e;plodindo2 nossos se'redos sendo re1elados.+!!*Sm 1ento 0rio entra pela 3anela do chal(. =er& 9ue Esther acordouW lho para arua2 o autom>1el e as se'es se 0oram. Sm homem em p( do outro lado da calçada2cobertopor uma capa e capu-2 0uma um ci'arro2 olhando para o chal(2 como se esperasseal'u(m. %arece7me uma pessoa 0amiliar2 apro;imo7me mais da 3anela2 por(m no oreconheço2( al'u(m 9ue nunca 1i. =ento7me no1amente2 sentindo cansaço nas pernas e muitosono. \ medida 9ue o tempo passa2 o ambiente na sala 0ica mais 0resco. Tia

Alice2

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com sua bande3a2 recolhe as ;ícaras espalhadas sobre os m>1eis2 depoisdesaparece no corredor. /a-7se um silêncio mortal.%osso ou1ir o ar entrando e saindo de meu peito2 as batidas de meu coraço2 orelincho de um ca1alo l& 0ora2 distante. /eito uma 1iso2 Esther sur'e derepente21estida com uma camisola nacarada. $o diri'e nem um simples olhar em minha

direço2 como se eu no e;istisse. ,& uma 1olta na sala2 9uase son?mbula. E sai./icoesperando Esther 1oltar. %ressinto2 toda1ia2 9ue no estou mais so-inho2 al'u(msentou7se ao meu lado sem 9ue eu percebesse. iro o rosto e 1e3o Au'usto.+!F

A lua pro1inciana

!Muito p&lido2 Au'usto tem seu chap(u7coco pousado sobre as pernas cru-adas2 osbraços esticados e as mos sobre o 'uarda7chu1a preto. Cumprimento7o com umacenode cabeça e Au'usto responde2 sorrindo.U 9ue est& achando da minha morteW DelaW TristeW oluptuosaWU2 ele per'unta.U=im2 tudo istoU2 di'o.UMas ela ( horrenda como o mais horrendo dos monstros. =abe o 9ue 1ai acontecera'ora com o meu corpo 0rioW s 1ermes 1o me comer2 1o 0a-er incharem minhasmos23& esto espreitando meus olhos para roê7los e 1o dei;ar7me apenas os cabelos.E os cristos 9ue a9ui chora1am a'ora 0oram para casa2 e 1o ui1ar com a bocaaberta2a mostrar as carnes de seus corposH 0aro o trabalho 'en(sico dos se;os. odançar2 parodiando saraus cínicos2 os es9ueletos 9ue ainda no se des0i-eram desuascarnes 1o rodopiar nos lupanares2 acoi7tar7se nas ta1ernas e se entre'ar aossaracoteamentos da lascí1ia.UUMeu ,eusX ocê 0ala mesmo como Au'usto. $o h& d)1idas de 9ue 1ocê ( Au'usto.UUAh2 esta ( a noite dos 1encidos2 meu 1elho2 e dessa 0utura ultra0atalidade deossatura a 9ue nos acharemos redu-idos. $o 1ai me bei3arW $o parece ale're pormere1er.U++!UQue bom 1er 1ocê.U E dou7lhe um bei3o na 0ace2 0ria como uma pedra de 'elo.U%or 9ue est& suandoW Tome meu lenço2 en;u'ue sua testa.UEm 1e- de me dar um lenço2 ele me estende uma cai;a de 0>s0oros. Como no a pe'ode sua mo2 ele a abre e acende um palitoH pe'o um ci'arro turco na ci'arreira2ele estende at( minha boca a pe9uena chama e acende meu ci'arro.Uocê no est& apai;onado por Esther2 est&2 meu 1elhoWU2 ele per'unta.U$oX $oXUUAinda no conse'uiu es9uecê7la2 no (2 meu 1elhoWUSma terrí1el an')stia me toma. Quero continuar a 0alar com Au'usto2 mas noconsi'o di-er nada. Camila aparece. Er'ue o braço e esbo0eteia meu rosto. =intoa dormais no peito do 9ue no rosto2 9uero 'ritar2 pedir 9ue al'u(m me a3ude2 mas noconsi'o2 meu corpo treme2 solto 0inalmente um 'emido2 descubro 9ue estoudormindo2dese3o acordar2 0aço um imenso es0orço para emer'ir do sono2 e 9uando consi'oabrir os olhos 1e3o2 bem perto de meu rosto2 o de tio Dernardino.UEst& tendo um pesadelo2 meu 0ilhoWU2 ele per'unta2 com sua 1o- a0etuosa.U=im2 creio 9ue sim.UUQuer tomar al'uma coisaWUU=im2 um conha9ue2 tal1e-.UUsso 1ai ser di0ícil de encontrar a9ui2 e na rua nada de1e estar aberto a esta

hora. & para casa descansar2 como os outros 0i-eram. Amanh de manh estar&melhor.

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eio no trem de ho3eW $o o 1imos. ou lhe tra-er um ca0( 0orte.U++++A sala est& 1a-ia. lho as tristes 1elas apa'adasH nos castiçais um monte depin'os de cera escorre. A 3anela dei;a entrar um 1ento ainda mais 0rio. /echo asobrecasaca.

estranho 9ue 1i'ia1a a casa se 0oi. Meu coraço se acalma.Tia Alice entra com uma bande3a pe9uena2 na 9ual esto uma ;ícara 0ume'ante e umpratinho de biscoitos. Minhas mos tremem le1emente 9uando penso 9ue 1ou ter deen0rentar mais uma 1e- seu despre-o. Ela senta7se ao meu lado e p<e a bande3a napalhinha da con1ersadeira.U=ir1a7se2 meu 0ilho.U Tira um pincenê de um sa9uinho preso cintura e o p<ediante dos olhos2 enru'a a testa2 a0asta um pouco o rosto como se procurasse o0oco.Ela 1ai me censurar2 di-er pala1ras amar'as2 incriminat>rias2 sensatas.UMeu 9uerido sobrinhoU2 di-. U$o o 1i por a9ui2 s> a'ora ( 9ue soube 9ue 1ocê1eio2 desculpe7me2 estou mais míope do 9ue antes. Como sinto pra-er em re1ê7lo.%or9ue nunca nos deu notíciasW Bamais escre1eu uma cartaW Esta1a morando no Rio deBaneiro e nunca nos 0oi 1isitar2 comer um bei3u-inho2 um cuscu-.UU,esculpe2 tia.UUu um sarapatel-inho2 da9ueles2 claro 9ue no sei 0a-er como a ,onata e aibrada2 mas d& para ter al'um pra-er2 meu a0ilhado 9uerido. Est& morando aindana ch&caraem Dota0o'oWU++*U=im.UUComa esses biscoitinhos. ocê 3antouWUU$o se preocupe2 tia. Estou sem 0ome.UU$o nos 1iu na estaçoW ra2 ( claro 9ue no nos 1iu2 ou teria 'ritado paran>s. Est& no hotelW %or 9ue no 1em 0icar a9uiW2 ( um pouco apertado mas tem umarede21ocê dorme em rede ou em camaW %ode economi-ar o dinheiro do hotel. =ua bocaest& inchada2 9uer uma compressa de salWUU$o se preocupe2 tia.UUComa2 meu 0ilho2 mais um2 9uer 9ue eu tra'a um prato de 0ei3o com carne7secaWocê adora1a carne7seca com 0ei3o2 lembraW ou na co-inha preparar um pratinho0undo21ocê 'osta de prato 0undo e colher2 no ( mesmoW u no 'osta maisWU Apro;imaseus l&bios de minha orelha. U=e ti1er 1er'onha de comer de colher na 0rente dosoutros2pode comer na co-inha2 no h& nin'u(m l&2 coitada da Esther2 no tem nin'u(mpara a3ud&7la na co-inha2 a Ale;andrina se ocupa o tempo todo com as crianças.ocê9uer 1er os 0ilhos de Au'ustoWUU=im.UUEnto 1enha2 1enha2 meu 0ilho.U=i'o7a pela sala2 passamos ao lado da mesa onde este1e o cai;o2 ela se persi'nae d& al'uns soluços dolorosos2 1ira7se para mim e mostra sua 0ace contraída dedor20a- sinal para 9ue eu continue a se'ui7la. Sma 0reira cru-a por n>s2 se'urandoum terço. Z uma mulher ainda 3o1em2 de per0il 0amiliarH tento reconhecê7la por(mela1ira de costas e 1e3o apenas o 0ormato da cabeça2 9ue i'ualmente me parececonhecido2 assim como a maneira de ela se mo1erH mas tia Alice entra numa ante7c?maraescura e 1ou atr&s dela. $o 0undo da sala de 3antar 0ica a porta do 9uarto dascrianças.++6

*

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A chama tênue de um candeeiro espalha uma lu- dourada 9ue 0orma na parede asombra do per0il de uma mulher. A 0iel portu'uesa Ale;andrina adormeceu sentadanumacadeira2 com um terço na mo. ,esperta com nossa entrada no 9uarto e 1olta are-ar.Sma 3anela 0echada dei;a entrar2 pela 0resta2 o cheiro das 0lores das a'laias.

$a parede do 0undo 0ica encostada uma cama 'radeada2 ao lado de um berço cobertoporum 1(u de 0ilo. Tudo tem o to9ue da mo de Esther2 0irme2 cuidadosa com asmin)cias2 e;pressando um 9uê de primiti1o2 cores 0ortes2 ?n'ulos retos2 'estosbruscos2r&pidos2 conscientes. Tia Alice pe'a a candeia2 abre o mos9uiteiro e iluminaGuilherme2 3& 'rande para o berço.U$o ( imenso para a idadeWU2 ela di-. menino dorme com as pernas dobradas2 a camisola le1antada. Z uma criança0orte2 de co;as s>lidas e p(s 'randes. Tia Alice cobre as pernas do 'aroto2 eled& um'emido2 ensaia um choro2 a tia balança o berço2 canta uma canço de ninar e o0a- adormecer no1amente.U$o ( lindoWU2 murmura tia Alice. URosado como um bombom. ai serdesembar'ador2 tem cara de estudioso2 no temW Z um menino a0etuoso2 come a papatoda sem reclamar.B& sabe 0alar al'umas pala1ras. ,isse meu nome direitinho. s meninos somelhores 0ilhos do 9ue as meninas2 so mais++#obedientes2 pelo menos en9uanto crianças. As meninas so umas diabinhas. Gl>ria3& tem um &lbum. Ela est& aprendendo umas pala1ras em 0rancês2 9ue o pai ensina2

ensina1a2ah ,eus2 o 9ue 1ai ser dessas criançasWU E solta um lamento2 mais paracomportar7se da maneira 9ue acha 9ue espero 9ue se comporte do 9ue para e;primirseus pro0undossentimentos de triste-a. Ale;andrina soluça.Uenha 1er GlorinhaU2 di- tia Alice. U%arece um pouco comi'o2 Esther mesma medisse. Tem o meu temperamento2 pelo menos.UA lu- do candeeiro clareia o rosto de Gl>ria2 9ue eu 3& conhecia da 0oto'ra0ia9ue dilon me mostrou. Ela dorme com as mos sobre o peito2 respira bem epro0undamente.Tem os traços da me2 a'ora 9ue seu rosto ( mais de menina 9ue de um nen(m.Curiosamente2 embora tenha a e;presso pl&cida do sono2 parece so0rerH tal1e-por causada posiço da cabeça2 um tanto 1irada2 como se esti1esse tentando olhar paraal'o muito acima dela2 muito acima das nu1ens2 dos sonhos2 das 9uimeras. TiaAlicearrumaa cabeça da menina numa posiço mais con0ort&1el. %<e o candeeiro sobre a cmodae 1amos para a co-inha.++6Ela me 0a- sentar mesa2 manda 9ue eu espere2 1ai preparar al'o para eu 0a-eruma re0eiço. Mas 9uando est& tirando uma panela do paneleiro2 ou1e7se um 'ritodeEsther2 depois seu choro. Tia Alice lar'a a panela sobre a pia e se diri'eapressada para a porta.UEspere um pouco2 meu 0ilho2 1ou 1er o 9ue se passa com a pobre2 3& 1olto paralhe preparar uma comida.U/ico so-inho2 sentado mesa2 olhando a panela na 9ual eram preparadas asre0eiç<es 9ue Au'usto comia. $o 0o'o2 al'umas brasas ainda brilham2 sob um'rande bule.

=into7me obser1ado e 9uando me 1iro2 1e3o de relance o 1ulto da 0reira2desaparecendo no corredor.

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Sma 9uantidade de ;ícaras2 pires2 pratos2 colheres seca sobre um pano. =obre acopa de man'ueiras sur'e uma lua 0ina2 tímida2 uma silhueta 9ue me lembra a daluado %au d@Arco. A lua2 na metr>pole2 ( di0erente da lua na cidade pe9uena ou nocampo2 embora se3a a mesma. E essa lua anti'a2 pro1inciana2 0amiliar2 me atraide

tal maneira 9ue2 9uando percebo2 estou caminhando na rua a olhar para ela.++F

s tristes 1idros 1ioleta

!$o tenho 1ontade de entrar no hotel. =ento7me no de'rau do coreto da praça. ,as3anelas iluminadas 1em o ruído de 1o-es2 de talheres. Sm cachorro 1adio 0are3aochoH lo'o 1em sentar7se aos meus p(s2 os cachorros sarnentos das ruas me se'uemcomo se eu 0osse um deles2 sabem 9ue eu os compreendo e sentem minha compai;o.A tenda dos UturcosU2 iluminada por dentro2 transl)cida2 parece um aba3urH assilhuetas dos mascates sentados2 con1ersando2 ou se mo1endo em al'uma tare0a2 oupreparandocomida2 ou comendo2 ou dobrando peças de tecidos2 me entretêm por muito tempo.Esses homens 1êm de lon'e2 do outro lado do mundo2 da terra do e1ante2 dasmontanhas0rias2 se estabelecem em =o %aulo e dali partem2 carre'ando nas costas ba)smais pesados 9ue eles mesmosH caminham l('uas e l('uas para 1enderem suasmercadorias.,ei;am suas mulheres2 seus 0ilhos2 seus pais2 sua lín'ua2 seus campos de tri'o e1o 0a-er com(rcio pelo mundo a0ora. ,e1e ser uma 1ida dura2 mas 0ascinante.$uma 'aita de lata2 um deles tenta e;ecutar uma melodiaH erraH repete as notas2recomeça2 tenta mais uma 1e-2 impro1isaH o resultado ( sempre oriental2 sinuoso2parecido com a 1ida arrastada2 pesada2 1ariada2 a1entureira 9ue esses homensle1am pelas estradas e matos2 pelas aldeias e 0a-endas. ,e1em ter acampado nestapraçano apenas por causa de sua situaço+*!'eo'r&0ica2 pois a praça da estaço ( mais central e mais mo1imentadaHescolheram 0icar sob as palmeiras2 de1em sentir7se em casa2 olhando as copas das&r1ores9ue lembram um pouco os cedros do íbano.+*++Sma mulher 1em 3anela de um chal(2 0ica al'um tempo debruçada2 tal1e- tamb(molhando os turcosH em se'uida 0echa a 3anela. Sm homem muito 1elho2 cur1adosobreuma ben'ala2 atra1essa penosamente a praçaH demora a che'ar ao outro ladoHatra1essa a rua e desaparece2 numa es9uina onde est& um rapa- 0umando2 com um p(na parede.,e uma das casas sai uma moça2 ela 1ai at( o rapa-2 bei3a7o e os dois 1o pelarua2 de mos dadas2 tímidos2 0eli-es2 atraídos um pelo outro.Em eopoldina todos os moradores têm al'o em comum2 tal1e- mo1imentos maislentos2 ou uma concentraço no espíritoH so uma 'ente contida2 in'ênua2 ei1adade pure-ae paciência. => as pessoas assim continuam em cidades como eopoldinaH osa'itados2 os impacientes2 procuram lu'ares 9ue correspondam a seu ritmointerior. reli'ioso 9ue 0e- o sermo no enterro de Au'usto aparece no p&tio da i're3a2tranca a porta lateral do templo2 'uarda a cha1e no bolso e sai caminhando2 asmospara tr&s2 com ar de 9uem no 9uer ir a lu'ar nenhum. %&ra perto do coreto e

0ica um lon'o tempo olhando a tenda estampada de arabescos2 como se 9uisesseentrar

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nela2 de1e saber o 9ue ( a 1ida de um mascate2 muitos padres so nmades2desenrai-ados. Quando me 1ê so-inho2 olhando a mesma cena 9ue ele olha1a2apro;ima7seesenta7se ao meu lado. ,i- 9ue se chama padre /iorentini. ,e seu nari- e de suasorelhas saem pontas de pêlos. =ua batina cheira a palha e est& puída na 'ola2 o

9ueme enche de ternura por ele.+***UEsses aí se matam de trabalharU2 di-2 com um distante sota9ue italiano. UA essahora ainda esto contando o dinheiro.U padre di- 9ue o po1o da cidade o procura e;i'indo 9ue e;pulse os turcos2 pedemao pre0eito 9ue no os dei;e acamparem na praça. s homens di-em 9ue elescarre'ampunhais nas botas e têm sede de san'ue. As mulheres reclamam 9ue no podem tocarnos panos 9ue eles 1endem2 9ue eles o0erecem 1idro como rubi2 ta0et& como seda2lata como ouro2 9ue eles ro'am pra'as e as 0a-em ter pesadelos de noite2 9uandono compram mercadorias. Que nem cat>licos so2 al(m de tudo2 mas do islamismo.9ue se pode 0a-erW Tamb(m so 0ilhos de ,eus.Z bonita a m)sica deles. u1e7se de noite em todas as ruas2 mesmo as maisdistantes2 como se dominasse a cidade. As pessoas têm medo dos turcos2 mas opadre sentepena deles.Ele di- 9ue me 1iu che'ar no trem2 sabe 9ue 1im do Rio de Baneiro. iu7me nocemit(rio2 no hotel2 na rua2 na casa de Esther. E a'ora na praça. %arece terconhecimentode todos os meus passos.U=abe2 meu 0ilho2 esta cidade est& de luto2 h& um 'rande pranto em eopoldina2como se lhe ti1essem sa9ueado toda a prata e ouro e os 1asos preciosos e ostesourosescondidos. s príncipes e os ancios 'emem2 as 1ir'ens e os 3o1ens perderam+*6as 0orças2 a 0ormosura das mulheres desapareceu2 como no luto de srael no%rimeiro i1ro dos Macabeus. s homens se entre'am ao pranto e as mulheres2assentadassobre seu leito2 derramam l&'rimas. Estamos perple;os. A9ui2 todos nos sentimosculpados pela morte do poeta.UUAh2 mas 9ue tolice.UU=im2 uma tolice2 mas os coraç<es so tolos. po1o no dei;a a casa da 1i)1a2todos 9uerem dar7lhe a0eto2 9uerem ter a iluso de 9ue o poeta no morreu.U+*#6UEu 'osta1a desse rapa-U2 di- o padre. USm dia ele 0oi 1isitar7me em minha casa2sabe2 ele tinha o costume de ir minha casa2 sendo um homem de ele1adaespiritualidadee muita 1i1ência2 no sentia medo dos meus animais2 como as pessoas da9ui. Tenhomuitos animais2 por(m so todos empa7lhados2 eu mesmo os empalho. senhorAu'ustoera um 'rande con1ersador. %assamos noites a'rad&1eis a 0alar sobre a subst?nciado mundo2 bebendo ;ícaras de ca0(2 ele punha &'ua no ca0( para 0icar bem ralo2euma imensa 9uantidade de aç)car em pedras 9ue tra-ia de sua casa2 enroladas num'uar7danapo. ,iscutíamos os problemas mais essenciais da e;istência2 ele eracapa-de 0ormular o sentido da humanidade em poucas pala1ras. Era budista2 masperdoando7lhe esta 0ra9ue-a um te>lo'o poderia deliciar7se com suas obser1aç<esabsolutamente

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ori'inais sobre o Sni1erso. E2 apesar de ateu e pessimista2 culti1a1a umadolorosa ami-ade pelos seres humanos2 uma desesperada 0raternidade crist.Tamb(m 0al&1amossobre política2 sobre a escra1ido humana2 ah2 ele tinha boas id(ias.UUEle te1e uma 0ormaço humanista pro0unda. i1ia uma 'rande a1entura no espíritoem busca de uma de0iniço de si mesmo a 0im de compreender o mundo.U

URimou um hino 1irtude2 para a 0esta da Casa de Caridade eopoldinense. B&pensouW Sm poeta 1indo do Rio de Baneiro dar7se a esse trabalhoX %or 9ue ele eratotristeWU+*#Au'usto nunca 0oi criança. a d(3 la 'ra1ite d@un adul7te2 di-ia ,ona Mocinhade seu 0ilho. Ele parecia mesmo um adulto2 com sua 0atiota preta sobre umacamisatoda abotoada2 sapatos limpos e meias2 os cabelos penteados2 os olhos 'ra1es2debruçado sobre um li1ro2 ou atento a al'uma e;plicaço.Ao dei;&7lo na 'are do Rio de Baneiro2 na )ltima 1e- em 9ue o 1i2 1i1o2 ele erao mesmo menino com ar de adulto2 imerso numa melancolia ne0asta2 9ue 3& de1iatera mo da Morte sobre sua cabeça.Al'umas 1e-es che'uei a pensar 9ue os culpados da triste-a de Au'usto 0oram os1idros 1ioleta das 3anelas da casa do en'enho. Cria1am no interior da residênciaumalu- com ar noturno2 uterina. %elas 3anelas sempre era a hora do lobo. A lu-arro;eada o deprimia. s seres e os ob3etos se cobriam de uma lu- p)rpura2 comose 0osse=emana =anta2 9uando as ima'ens de santos 9ue ha1ia na casa eram cobertas porpanos ro;os.As lon'as in1ernadas2 de chu1as 0inas 9ue como um 1(u de triste-a demora1am umaou duas semanas se'uidas2 tal1e- 0ossem2 i'ualmente2 causa de melancolia paraAu'usto.$esses dias no podíamos sair de casa2 pois a lama toma1a tudo. As 1e-esdesaba1am tempestades2 rel?mpa'os cintila1am nos 1idros2 raios caíam nos cumesdas &r1ores2tro1<es e;plodiam em nossos ou1idos2 corríamos para a saia das mulheres naco-inha.+*F,onata e ibrada no tinham medo das tempestades2 di-iam as pala1ras m&'icas etran9Vili-adoras2 UEita2 pai da coalhadaXU. Quando o sol 1olta1a a brilhar2os cana1iais se torna1am campos dourados2 o c(u ad9uiria uma pro0undidadein0inita2 as nu1ens 0ica1am paradas2 como se 0ossem uma pintura. sol2 para opo1o da&r-ea2 era uma bênço2 da mesma 0orma 9ue para os moradores do A'reste era umapra'a.U=abe2 0ilhoU2 di- o padre2 Udepois da morte do senhor Au'usto esti1e muitopensati1o2 so0rendo e0eitos do desassosse'o em meu coraço. $o sei se erramoscom ele.$o sei se dei;amos de 0a-er al'o 9ue de1eríamos ter 0eito. $in'u(m espera1a 9ueele 0osse morrer. /oi uma 0atalidade. u noW /ui 1isit&7lo 9uando caiu doente.Ti1e uma intuiço de 9ue era al'o 'ra1e2 mas nada 0i-. =e errei2 a'ora ( tardedemais para me redimir. => me resta o arrependimento e esperar 9ue as dores nomeulombo no me encur1em mais. Que eu no 0i9ue como o pelicano no deserto nem acoru3a nas ruínas2 9ue no dormem. Que ,eus se apiede de mim. Que Ele nosretribuaconsoante nossas ini9Vidades.U+*5

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,e madru'ada2 como o pelicano no deserto ou a coru3a nas ruínas2 no consi'odormir. %enso em Camila. A mancha de san'ue se espalhando na bacia se repetecontinuamenteem minha lembrança. Tento pensar em outras coisas2 mas a ima'em 1olta2torturando7me.+*"

rosto da morte

!%ela manh2 ap>s tomar minha re0eiço no hotel2 1ou estaço e compro os3ornais de ontem do Rio de Baneiro e a Ga-eta eopoldinense. Este ( um 3ornalbem impresso2com 9uatro p&'inas2 e 9ue se u0ana de ser o )nico di&rio da re'io2 al(m do deBui- de /ora. $a primeira p&'ina h& um e;tenso arti'o lamentando a morte deAu'usto.ou barbearia. eio o necrol>'io en9uanto espero o barbeiro me atender. sdois homens 9ue a'uardam2 sentados nos bancos2 tamb(m lêem os 3ornais2 emsilêncio. barbeiro 0ala com o senhor a 9uem escanhoa2 sobre o dia de ho3e2 uma se;ta70eira2 !* 7 ,i- 9ue todas as iniciati1as tomadas neste dia ne0asto teroinsucesso.Este ( o primeiro dia de Au'usto no al(m. Z uma se;ta70eira2 !*. Ele tamb(m'uardou2 dos antepassados2 a superstiço do mist(rio dos n)meros. êm minhamente1ersosde Dau7delaire2 UAu3ourd@hui2 date 0atidi9ue2 1endredi trei-eU. Tenho desuportar a maldiço de ser ao mesmo tempo materialista e supersticiosoH blas0emoe contritoHdi1idido entre a 0( e as d)1idas.+6*+As 3anelas e a porta do chal( de Au'usto esto 0echadas2 parece no ha1er nenhummo1imento na casa2 como se todos ainda dormissem. =ubitamente a porta se abre edona Mi9uili7na sai2 de mo dada com a 0ilha de Au'usto2 ao lado de /ran7cisca29ue tem o menino no colo2 todos 1estidos de pretoH caminham at( o 0im da rua edesaparecemna es9uina. /ico um lon'o tempo hesitando entre bater ou no porta. Estherde1e estar so-inha em casaH ou2 9uem sabe2 na companhia das irms. Atra1esso arua.uço2 1indo de dentro da casa2 o ruído contínuo de uma 1assoura 1arrendoH umm>1el ( arrastado2 depois retorna ao seu lu'ar2 em se'uida outro m>1el. Al'u(mlimpaa casa. Esther de1e estar na cama2 ainda entorpecida pela dor. As 0lores nos1asos2 s 3anelas2 so realmente mar'aridasH esto bem tratadas2 têm coresintensase p(talas bem desen1ol1idas. nesperadamente uma das 3anelas se abre e duas mosde mulher sacodem um pe9ueno tapete2 9ue espalha poeira pelo ar. ,ou al'unspassosatr&s e 1e3o Esther 3anela.+66*Ao me 1er2 ela p&ra de sacudir o tapete2 estende7o no pa7rapeito e desaparece.$em ao menos me cumprimentou. ,ou meia71olta para ir embora 9uando a porta dochal(se abre. Esther acena para mim.Ueio 0a-er7me uma 1isitaWU2 ela di-. =ua 1o- est& 0irme2 ( a 1o- de 9uem notem nada a perder2 ou de 9uem 3& perdeu tudo. Ui7o ontem a9ui em casa2 depoisdo

enterro.$o pude 0alar7lhe2 desculpe7me2 esta1a... 1ocê 1iu.U

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U=im2 eu 1i. $em sei di-er como me sinto. $em sei o 9ue di-er.UUEnto no di'a nada. $o o ou1i bater. Entre. Quer tomar um 'eneralWU=ubo os de'raus da entrada2 atr&s de Esther. O& uma 1assoura encostada pumcanto. Sma poeira dourada 0lutua dentro da casa2 iluminada pelos raios de solmatinal9ue entram pela 3anela..

UAs crianças 0oram missa2 com ai& e mame. Minha me e minhas irms esto mea3udando muito2 no sei o 9ue 0aria sem elas. ocê 1iu meus 0ilhos2 como esto'randesWUUntem tia Alice me le1ou ao 9uarto das crianças e as 1i dormindo. =o lindas2saud&1eis2 muito especiais.UEsther me manda se'ui7la at( a co-inha. /a- um sinal para 9ue eu me sente mesa. Aspiro o per0ume de ca0(. Ela tira de uma prateleira uma ;ícara e a p<ediantede mim. Est& trincada+6#na borda. Esther a troca por outra2 9ue tem uma le1e ra7chadura.U%obres dos meus 0ilhosU2 ela di-. U$o sei o 9ue de1em estar pensando sobre amorte do pai. $o têm consciência do precioso tesouro 9ue perderam. ocê acha9ueas crianças so capa-es de compreender a morteWUU$in'u(m compreende a morte.U+66Esther derrama um ca0( a'uado na minha ;ícara. UB& tem aç)car.U%er'unto7lhe se 1ai 1oltar para a pro1íncia.UAinda no sei2 no pude pensar em nada. /oi to 0ulminante. ocê no podeima'inar2 no me ( possí1el descre1er a dor 9ue me est& causando a separaço deAu'usto.Que desoladora situaçoXUU/oi uma con'esto pulmonarWUU=im2 de'enerou em pneumonia. Todos os recursos da medicina acompanhados dosmeus cuidados 0oram baldados diante da mol(stia atro-. ocê recebeu a cartadele2 0alandosobre a doençaWUU=im2 e arrependo7me de no ter 1indo antes. a sempre estaço do trem e aostel('ra0os2 em busca de notícias. =e eu pudesse ima'inar...UU$o começo ele adoeceu de um res0riamento comum2 mas no 0icou sem rem(dios. $o0im de outubro ele caiu na cama com muita 0ebre2 0rio e dor de cabeça. Mandeichamaro m(dico2 9ue imediatamente e;aminou7o2 auscultou7o2 encontrando a base dopulmo direito con'estionada. %assados dois dias2 no cedendo a con'esto2 om(dico 0e-o e;ame de escarro e encontrou o bacilo da pneumonia. Au'usto per'un7tou7lhese o e;ame bacteriol>'ico no demonstra1a o bacilo da tuberculose.U+6FUEle sentia muito medo de 0icar tuberculoso.UU=im2 mas o m(dico disse 9ue ele 0icasse tran9Vilo2 nada tinha de tuberculose.Apesar da mol(stia ter atacado somente o pulmo direito2 e no pensarmos 9ue elalhe0osse 0atal2 no perdemos um instante se9uer para medic&7lo. Tudo 0oi empre'ado:compressas 0rias2 banhos mornos2 cataplasmas sinapi-a7das2 in3eç<es intra1enosasde electrar'ol2 in3eço hipod(rmica de >leo can0orado2 de ca0eína2 deesparteína. a1a'ens intestinais2 la;ati1os2 uma 'rande 9uantidade de poç<es eoutros rem(dios.Al(m das pessoas da 0amília2 o seu ,omin'os Ribeiro cuidou do Au'usto2 0oi seuen0ermeiro dedicadíssimo. $o poupa1a es0orços2 0ica1a ao lado do Au'usto desdeascinco da manh at( depois do almoço. s rem(dios e a comida eram dados com toda

cautela2 tudo era por escrito2 desde o 'rau da temperatura de suas 0ebres2 comos

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hor&rios e a duraço2 at( a &'ua 9ue toma1a2 e em 9ue 9uantidade. Apesar disso2nada detinha a mol(stia. Quando meu marido piorou2 o seu ,omin'os 1inha a9ual9uerhora da noite2 ou da madru'ada2 toda 1e- 9ue eu o manda1a chamar. Au'ustodelira1a de 0ebre2 sua1a2 re1ol1ia7se na cama2 di-ia coisas alucinantes. $os)ltimos dias

esta1a to 0raco 9ue mal podia mo1er a mo. Tomou in3eç<es de soro 0isiol>'icocom aim2 mas nem mesmo este en(r'ico rem(dio pde reanim&7lo. ocê sabe como ocorpodo Au'usto era 0ran-ino.UU=im2 sei.UEsther dei;a escaparem duas l&'rimas2 9ue escorrem r&pidas pelo rosto. Ela 1ai0alar sobre o momento da morte de Au'usto2 seu rosto ( dominado por umae;presso9uase 0ria2 como se dese3asse esconder sua dor. Ela luta contra si mesma.%recisa conse'uir terminar o relato sobre a morte de Au'usto.+65#UEle esta1a l)cido todo o tempo2 e;ceto 9uando a 0ebre subia muito e eledelira1aU2 ela di-. U,e noite2 9uando me ou1iu chorar2 mandou me pedir 9ue noso0ressetanto por ele.U%ela rachadura da ;ícara 0orma7se uma 'ota de ca0( 9ue2 ao se a1olumar2 escorre2espalhando7se no pires. Esther percebe 9ue o ca0( est& escapando pela rachaduramas2 contrariando seu espírito ri'oroso e met>dico2 no se importa2 continua a0alar sobre a morte de Au'usto. A'ora no pode mais 1oltar atr&s.Tento mudar de assunto2 para poup&7la. U%ercebi a pro0unda ami-ade e simpatia em9ue o Au'usto era tido a9ui2 com to poucos meses de sua residência nestacidade.UU=im. ,urante os dias em 9ue este1e doente2 a nossa casa era 1isitada por todosos 9ue o conheciam. As menores e mais pobres crianças do Grupo 1inham saber se odoutor Au'usto esta1a melhor. Muitas entra1am e 0ica1am perto da cama2 olhando.Ele sorria para todas. Sm dia antes2 o Au'usto cha7mou7me ao 9uarto e despediu7sede mim2 di-endo 9ue mandasse suas l&'rimas para ,ona Mocinha. %ediu 9ue mandasselembranças a seus ami'os do Rio. ,isse7me para tratar bem dos nossos 0ilhos2paradar lembranças s meninas do Grupo. %ediu7me 9ue no 0icasse a9ui2 seno aGl>ria e o Guilherme morriam de pneumonia. Mandou 9ue eu 1oltasse para o $orte.+6"Recomendou7me 9ue 'uardasse com cuidado todos os 1ersos e os en1iasse para seremeditados no Rio.UUO& muitos 1ersosWUU=im2 creio 9ue so muitos2 ainda no ti1e cora'em para olhar o ba) com osmanuscritos. Au'usto permaneceu consciente at( 1inte minutos antes de... Tinhauma calmae uma resi'naço 9ue admira1a. %ediu um espelho. lhou seu rosto ma'ro e disse:esta centelha nunca se apa'ar&. Recebeu a e;trema7unço. E morreu.U Quando pediuo espelho2 no 9ueria 1er seu rosto2 mas o da Morte.+#KUZ como se ele continuasse 1i1oU2 di'o. U=into7o mais perto de mim.UUAinda assim2 a eterna separaço ( a realidade cruel2 di0ícil de se aceitar.Tenho 1ontade de 1oltar para o $orte2 a 0im de satis0a-er o )ltimo dese3o doAu'usto.Mas acho di0ícil uma colocaço na capital.UU%osso2 tal1e-2 a3ud&7la.UU$o ( preciso. Quando ,eus 9uer2 o homem tudo conse'ue. Gostaria de 0a-er7lheuma per'unta delicada.U

U=im2 pode per'untar o 9ue 9uiser.U

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Uocê conhece bem ,ona Mocinha. Tenho medo de 9ue ela possa acusar7me de no tertomado as de1idas pro1idências 9uando Au'usto adoeceu. 9ue 1ocê achaWURe0lito al'uns instantes. Esther tem ra-o. Embora /rancis7ca este3a a9ui2 epossa ou1ir dos ami'os de Au'usto o testemunho sobre os cuidados tomados porEsther2sei 9ue uma me2 no momento da morte do 0ilho2 torna7se um ser irracional. ,ona

Mocinha ( impulsi1a. ,ela pode7se esperar 9ual9uer comportamento.UTal1e- a senhora de1a escre1er7lhe uma carta2 e;plicando o tratamento 9ue 0oiministrado a Au'usto.UU/oi o 9ue eu pensei em 0a-er. Meus cunhados no apareceram a9ui.UU,ecerto ainda no ti1eram tempo.U+#!UMas 1ocê te1e.UU/oi um acaso. /oi uma coincidência. Eu esta1a perambulando de madru'ada nasruas e...UUocê continua o mesmo. Sm in1eterado. Anda com os notí1a'os da rua do u1idorWCom as @alca-arinas@ W Ainda destr>i sem piedade os coraç<es das mulheresWUUAh2 no 0ale assim. =ou um outro homem. Eu e;isto apenas para amar uma mulher29ue ( a )nica em meus pensamentos.UUEsta1a me re0erindo a Marion. /alou com ela ultimamenteWUU$unca mais a 1i.UU%ois 1ai 1ê7la2 ela est& a9ui2 1eio para a3udar7me com as crianças2 9uandoAle;andrina este1e em sua terra. Marion tem uma 'rande 0orça espiritual.U=into7me su0ocar com a id(ia de re1er Marion. Espero ter a sorte de no nosencontrarmos. Toda1ia2 'ostaria de poder 1ê7la de lon'e2 dissimuladamente2 sem9ue elapercebesse. Queria re1er seus cabelos2 seus l&bios 9ue 3amais bei3ei2 1er seurosto2 9ue 3& se encontra nebuloso em minha mem>ria2 a ponto de se apa'ar. =eriaumaemoço candente re1er essa parte de meu passado. ma'inei muitas 1e-es minha1ida li'ada de Marion2 estaríamos tal1e- morando na %araíba2 ou no en'enho 9ueherdeide meus paisH teríamos 0ilhos louros e ela daria aulas2 tocaria harpa2 iria 1eras carreiras de ca1alos2 0a-er as apostas2 pois adora1a apostar.UEsta 0oi a )nica cidade 9ue acolheu a Au'usto com os braços abertosU2 di-Esther. U=abe 9ue ele morreu ma'oadoWUU=im2 posso ima'inar. Gostaria de a3ud&7la. s pap(is 0oram pro1idenciadosWUU Eduardo de =ou-a PernecI pe'ou o atestado m(dico com o doutor Cust>dio e 0oiao cart>rio2 1ai me tra-er ainda ho3e a noti0icaço do >bito. Rmulo est&cuidandodessas coisas para mim.UUEu daria minha 1ida para a3ud&7la2 dona Esther.UEla a'radece e me le1a porta. Quando se 0echa no1amente em casa2 ouço o ruídoda 1assoura2 o arrastar dos m>1eis.+#+

Sm urubu pousou na minha sorte

!=ei 9ue a sorte 0a1orece os audaciosos. Animado pelo bom resultado de minhaprimeira 1isita2 apesar de ter sido numa se;ta70eira2 !*2 decido 1oltar casade Esther.Oo3e ( domin'o2 a cidade est& ainda mais calma e deserta. s sinos da i're3atocaram anunciando a missa. %aro diante do chal(2 re0lito al'uns instantes sobreo9uedi-er a Esther. Cada pala1ra de1e ser escolhida2 pensada e repensada2 no possocometer nenhum erro. ,e1o di-er coisas 'entis2 0ormais2 por(m a0etuosas. $oposso

demonstrar minha ?nsia de tê7la para mim2 isso poderia assust&7la. pensamentode1e ser uma se9Vência e nunca uma re1elaço. A inteli'ência precisa atuar sob o

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domínio dos sentidos. ,e1o 0alar7lhe sobre o Rio de Baneiro2 a bele-a da cidade2o mo1imento nos teatros e ca0(s2 con1ersar sobre as >peras2 sobre os persona'ens0emininos2 de 0orma a demonstrar meu pro0undo amor pela 0i'ura da mulher2 meurespeito e minha admiraço por ela. ,e1o 0alar7lhe sobre minha ch&cara2 su'erirapaisa'em2

o bairro buc>lico2 a calma das sombras dos 3ardins2 a brisa2 o cheiro de 0ei3ona panela2 o calor da brasa do 0o'o2 a ale'ria das empre'adas2 o banho morno debacia2 a criada de 9uarto. A mais preciosa cha1e para penetrarmos o coraço deuma mulher2 toda1ia2 ( demonstrarmos a0eto por seus 0ilhos. Mas tudo precisa serditosem 9ue pareça 0orçado2 ou intencional. Esther ( alerta2 sensí1el2 capa- deperceber as nuanças mais sutis. ,e1o se'uir a in1e3&1el ordem dos matem&ticos2 aincans&1el1i'ília dos na1e'adores.+##+$a sala de 3antar2 a mesa est& posta para o almoço. $a mesma poltrona da outranoite2 sentada2 im>1el2 com a mesma roupa2 o mesmo chap(u2 como se o tempoti1esse1oltado atr&s2 Esther con1ersa com um homem de pele morena2 cabelos arrumadoscom brilhantina 0rancesa2 bi'odes encerados2 nem um 0io 0ora do lu'arH >culoscomarosdourados de metal2 terno cin-a7claro de linho e na mo um chap(u %anam&H emitelu-2 per0ume de sabonete2 sin'ele-a pro1inciana. Reconheço7o. Z o homem 9ue1i'ia1aa casa2 na noite do enterro de Au'usto.Cumprimento Esther2 cerimoniosamente2 sentindo minhas mos trêmulas. Ela meapresenta o su3eito2 um pro0essor do Gin&sio eopoldinense. Z poeta e 1eio doAma-onas.U=ou o maior admirador da poesia de Au'usto dos An3osU2 ele di-. E olha paraEsther2 com re1erência.U pro0essor pretende criar um 'rêmio lítero7artístico2 com estudantes doGin&sio eopoldinense2 para 9ue os 3o1ens no se es9ueçam da poesia de Au'usto.UU=im2 reuni<es semanais.UUSma >tima iniciati1aU2 di'o2 enciumado.$este momento sinto o cho desaparecer sob meus p(s. Quando percebo2 estou nocho2 como um cachorro2 de 9uatro.+#*Cair na 0rente de uma mulher desconhecida2 na rua2 ( al'o humilhante. =e amulher ( 3o1em2 ou bonita2 temos ainda mais moti1o para nos lamentarmos. %or(m2cairdes'raçadamentediante da pessoa 9ue se dese3a con9uistar ( uma das piores sensaç<es 9ue al'u(mpode e;perimentar. Z como se admitir de antemo um 0racasso. =into >dio de mimmesmo.Antes ti1esse caído num despenhadeiro.Estaria eu2 no 0undo2 dese3ando um 0racassoW Sm ami'o disse7me2 certa 1e-2 9ue9uando um homem se apai;ona por uma mulher est& apenas pro3etando nela um estadodealma. A'ora compreendo melhor o 9ue ele 9ueria di-er com isso. e3o os p(s deEsther2 ao lado dos p(s do pro0essor2 com po7lainas. Re0aço7me num instante e mele1anto.Minha mo san'ra.+#F6Esther me le1a co-inha2 tira a abotoadura do punho da minha camisa2 arre'aça a

man'a2 manda 9ue eu ponha a mo numa baciaH la1a bem a 0erida2 com sabo.U corte 0oi 0eioU2 di-.

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Concentro7me em sentir suas mos 1i'orosas la1ando a minha2 o to9ue de sua pele2a pro;imidade de seu corpo2 seu per0ume. Acompanho a linha de seu per0il2emolduradopelo ne'ror das roupasH o contraste dei;a sua pele ainda mais p&lida.Uocê soube 9ue eu so0ri outro abortoWU2 ela per'unta2 inesperadamente.U=im2 eu soube. =into muito.U

UZramos para ter 9uatro 0ilhos. $osso sonho de termos no1e crianças 0oi por &'uaabai;o.U,i'o7lhe 9ue ela ainda est& muito 3o1em2 pode ter mais 0ilhos2 9uantos 9uiser.U$o 0ale uma coisa dessas.UUAu'usto 0icaria 0eli-2 tenho certe-a. Ele me apareceu num sonho e disse 9ue o9ue ele mais 'ostaria no mundo era 0a-ê7la 0eli-.UUE o 9ue mais ele disseWUUQue eu cuidasse da senhora.UUEu mesma sei cuidar de mim.U+#5Ela p<e borra de ca0( sobre a 0erida e enrola a minha mo com seu pr>prio lenço2dando um n> com bastante 0orça.Us homens ( 9ue precisam de cuidadosU2 ela di-. U$o sabem 0a-er nadaso-inhos.U a1a o meu lenço. A &'ua da bacia 0ica a1ermelhada. pro0essor sur'e na co-inha2 sorrindo2 mas com um ar enciumado e suspeitoso.UEle ( como se 0osse um irmo de Au'ustoU2 di-7lhe Esther2 apontando para mim. Esai.+#"#U$o sabiaU2 ele di-. U,e1e tê7lo conhecido muito bem2 portanto.UU=im2 (ramos bastante ami'os.UUQue 'rande pri1il('io. 9ue o senhor acha2 a poesia de Au'usto dos An3os (parnasiana2 simbolista2 cienti0icista2 rom?nticaWUrritado com sua per'unta2 0alo sobre minha teoria de 9ue Au'usto 3amaisrepresentou al'uma escola liter&ria. Como poderia ser simbolista2 se era adeptoda racionalidadeWComo poderia ser rom?ntico2 se era to realistaW pro0essor di- 9ue os temas deAu'usto so rom?nticos2 hu'uianosH di'o 9ue nem todos2 na 1erdade apenas al'uns2o 9ue no ( su0iciente para en9uadr&7lo no romantismo. U=eus decassílabos soconstruídos da maneira parnasianaU2 ele di-. Mas sua morbide- e'oística (e;atamenteoposta salutar impessoalidade parnasiana. Tampouco a pala1ra cienti0icista (su0iciente para e;plicar Au'usto2 uma 1e- 9ue ele insinua todos os sentimentos2esua poesia ( dotada de uma sub3eti1idade 0ilos>0ica.UA 0iloso0ia ( o espírito da ciênciaU2 di- o pro0essor.Ento todos os poetas do mundo2 de todos os tempos2 seriam cienti0icistas2 poisa poesia como1e7se diante dos 0enmenos da nature-a2 das leis 9ue normali-am ae;istência2dos mist(rios do Sni1erso2 a poesia e;plora e obser1a a terra2 o ar2 a &'ua2 o0o'o2 a hist>ria2 a 1ida. A poesia ( a espiritualidade do mundoH o poeta senteestaespiritualidade e a interpreta.+K=im2 mas a maneira de interpretar ( o estilo. E o estilo 9uase nunca (característica de apenas um poetaH sempre h& a maldiço da (poca. Oo3e todos soparnasianose todos rene'am o parnasianismo. Dilac2 por e;emplo2 du1ida2 mesmo2 dae;istência dessa escola2 assim como detesta o romantismo sentimental de amoresp&lidos2 platnicos2melí0luos. 9ue ele tenta ( um estilo asseado. Acompanha 0riamente osimbolismo2 o satanismo2 o ne0elibatismo2 o decadentismo2 os e0emerismos. Masno to 0riamente

assim.

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U senhor Dilac ( um poeta decadenteU2 di- o pro0essor2 Uobsceno2 idolatrado porum2 0eli-mente2 pe9ueno n)mero de tolos. ,esculpe7me 0alar dessa maneira2 noestou9uerendo atin'ir a nin'u(m2 pessoalmente. Mas e;iste o parnasianismo2 sim.%arnasiano ( a9uele 9ue despe3a sobre seus leitores tudo 9ue e;iste nosdicion&rios.

suas poesias rolam sobre o 1ocabul&rio como se 0ossem pedaços dis0ormes de 0errodespenhando sobre 9ual9uer coisa 9ue tente detê7lo em seu cio delirante2 em seu

pandemnioalucinante. s poemas do parnasiano so um monstro escamoso2 corcunda2 tortuoso2hipertr>0ico. poeta parnasiano empre'a as pala1ras apenas por9ue no tem maiso 9ue 0a-er com elas2 usa uma procisso de ad3eti1os2 pronomes ca1al'ando1erbos. =eus poemas2 se 0ossem comparados a uma mulher2 seriam uma rainharecamada deal0aias e pedrarias2 cetins adamascados em ouro2 coroa de diamantes2 por(m aspernas tortas como as da condessa de An3ou e olhos 1es'os2 n&de'as murchas2seiosen'elhadose a boca de ,ante2 uma cat&stro0e a 0a-er 9ual9uer homem perder sua potência.sto ( o parnasianismo.UU$o e;iste parnasianismoU2 insisto2 para implicar com o pro0essor2 emboraconcorde com ele2 odiando sua erudiço2 sua elo9Vência e ao mesmo tempo 9uerendome li1rardele a 0im de ir para o lado de Esther. U 9ue h& ( uma 0ebre de per0eiço2 asa'rada batalha da 0orma a ser1iço da id(ia e da concepço.U+!=ei 9ue a reaço ao parnasianismo e sua impassibilidade2 busca da per0eiço da0orma2 ( um mo1imento to salutar 9uanto o pr>prio %arnasianismo. B&come2Colatino2Queiro-2 Cru- e =ou-a pretenderam substituir as descriç<es e ob3eti1idades doparnaso pela intensidade da essência2 mas se entre'aram mania da onomatop(ia2dossons inde0iní1eis2 e tudo se amal'amou numa salada de caprichos e;traordin&riosde estilo. inde 1er 1iolinos 1ora-es2 1inde 1er 1olteios de 1arandas2 1inde21>rtices1elo-es2 1iolar as 1ioletas 1ítimas da 1en(rea 1ol)pia 1ibrante do 1ina're1i'ilante da 1idralhada das 1o-es 1oti1as das 1ir'ens 1ilipendiadas. Z issomelhor 9ueh2 ca1alo alado nascido do san'ue da Medusa2 oh =alam&cida2 0onte de C&ria2 oh2estrelas2 B)piter precipita =almoneu no T&rtaro depois de 0ulmin&7loW h2 Zbulo2arranca de meu coraço o mau au')rioWAu'usto esta1a 0ora disso2 era um iluminado2 sua poesia tem a centelha di1ina2no precisa da turbamulta dos escre1inhadores an>dinos das con0rarias e suas0rioleiras.Ele sempre te1e liberdade de raciocínio2 sua ra-o e seus sentimentos sempre0oram soberanos.As escolas so 0ormadas por um su3eito 9ue tem talento acompanhado por umamultido de medíocres2 como di- o parado;o de /rancis de Croisset. A poesia ( oelementoabstrato2 o espírito do ob3eto2 o eni'ma da subst?ncia. As pai;<es++despertam nossos sentimentos2 mas nos tornam ce'osH os apai;onados so osartistasH a pai;o e a arte so as )nicas cha1es para se des1endar os se'redosda 1ida.=e o sat?nico Daudelaire ti1esse se'uido al'uma escola2 no teria escrito aspreciosidades 9ue escre1eu.Au'usto partia do real e mer'ulha1a no ideal. $esta ascenso2 tinha seu ne'ror2

sua sin0onia2 sua alma tocada de lu-. A poesia de Au'usto no ( simbolista2 nemcienti0icista2

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+#de Esther. sto si'ni0ica 9ue ela ( to importante para ele 9uanto para mim.Ela 1ai deitar7se no 9uarto com as crianças e com /rancis7ca. Est& no1amenteabatida2 alterna entre o desespero e a 0orça espiritual. ,epois de con1ersaral'unsinstantes comi'o2 rene /ialho 1ai embora2 apressada2 le1ando uma panela e uma

0rma de bolo. chal( 0ica silencioso. uço nitidamente o pêndulo do rel>'ioda salaH um ca1alo relincha2 distante.+"%e'o minha sobrecasaca2 meu chap(u e minha ben'ala no chapeleiro para ir embora9uando irrompe tempestuosamente na sala2 com um ros&rio de cristal nas mos2 uma0reira2 a mesma misteriosa 0reira 9ue 1i de relance nesta casa2 di1ersas 1e-es2na noite do enterro de Au'usto. Ela estaca diante do corredor2 olha para mim2enrubesce2d& meia71olta e sai correndo. ,esta 1e-2 1i seu rosto.Minha mente no tem descanso. =uspiro. /ico em d)1ida se de1o me le1antar e iratr&s dela2 tentar 0alar7lheH ela no h& de 9uerer nem ou1ir minha 1o- nemdi-er7menenhuma pala1ra2 decerto seu dese3o ( a0astar7se de mim. Mas ouço um 'emido naco-inha e 1ou para l&.Marion Cirne est& em p(2 encostada a uma parede2 despe3ando 'rossas l&'rimaspelos olhos2 as mos postas como se re-asse. =eu rosto2 9ue sempre me pareceusua1e2a'ora2 sem a moldura dos cabelos de cachos louros2 escondidos pelo 1(u oucortados2 ( amar'o2 ressentidoH a pele colou7se aos ossos2 pode7se 1erprecisamente ocontornode seus -i'omas2 de seus ma;ilares2 o nari- est& maior2 a boca tamb(m cresceu eos olhos2 9ue eram apertados2 a'ora ocupam 9uase toda a parte superior da 0ace.Ma'ra2 tem uma e;presso eni'm&tica2 menos e;uberante2 uma bele-a 1isí1el apenasaos olhos pes9uisadores. corpo tamb(m est& ma'ro2 o 9ue criaa iluso de ela ser mais alta do 9ue ( na 1erdade. h&bito ne'ro 1ai at(+Fseus p(s2 calçados com um par de sapatos en1erni-ados e de bico 0ino2 amarradospor cadarços./icamos em p(2 um diante do outro2 nenhum dos dois sabe o 9ue di-er2 tal1e- notenhamos nada a nos di-er2 mas preciso ali1iar meus sentimentos de culpa.+5!KU,ei;e7me e;plicar2 MarionU2 peço.U$o 9uero e;plicaç<es.UU%or 0a1or2 preciso desa0o'ar meu coraço2 h& anos 9ue o carre'o como a umapedra em meu peito.UU$o con1ento eu aprendi a perdoar. Mas 1ocê ( a )nica pessoa no mundo a 9uem3amais perdoarei. Mesmo 9ue isso se3a pecado2 'uardarei em minha alma todo o meu>diocontra 1ocê.UU$o me 9ueira to mal. Eu nunca 0aria a9uilo por 'osto. Eu 3& esta1a 1estido29uando me apareceu uma mulher chorando e7Uocê 3& contou essa hist>ria ao meu pai2 ele no atirou em 1ocê por9ue ( umhomem muito bom. =e 0osse outro2 1ocê estaria morto.UA mulher 9ue me apareceu2 na9uele dia2 era a me do Temporal2 um rapa- 9ueestudara comi'o em Reci0e. Temporal esta1a preso e mandou a me chamar7me parasolt&7lo2ou a mim ou ao Au'usto2 mas ela ha1ia procurado Au'usto por toda a cidade e noo encontrara. Eu lhe disse 9ue no podia ir2 dali a uma hora2 ou menos2 iriapara

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a i're3a casar7me2 mas ela chorou2 a'arrou7me pela casaca2 repu;ou os cabelos2caiu de 3oelhos ao cho2 'ritando2 suplicando. $o posso 1er al'u(m chorar2aindamais uma pobre mulher sem dentes. 'entil Temporal sempre 0ora meu ami'o2Au'usto de1ia 0a1ores+"

a ele2 n>s homens temos 9ue ter nossa honra2 ento 0ui at( a dele'acia. =imeoeal era ainda muito 3o1em2 temer&rio2 metido a ca1alo7do7co2 'osta1a do peri'oe tinha 0o'o nas 1entas. Quando me 1iu de casaca e calça listrada2 cartola depêlo2 cra1o na lapela2 mandou 9ue me trancassem no ;adre- para 0a-er uma bla'ue.Uocê sabe2 Marion2 9ue nosso lema era %oesia2 bla'ue e absinto.U=imeo 0oi chamado para o local de um crime e es9ueceu7se de mim. /i9ueidesesperado2 tentei con1encer os 'uardas de todas as maneiras2 mas eles acha1am9ue euesta1ana or'ia2 =imeo no 1oltou e s> 0ui solto na manh se'uinte2 sem poder 0alarcom nin'u(m2 sem poder a1isar Marion2 9ue me esperou por duas horas2 1estida denoi1a2no altar2 en9uanto os cabras de seu pai me procura1am pela cidade.U =imeo con1ersou com meu pai2 1ocê este1e mesmo na or'ia2 ha1ia mulheresde1assas presas 3unto com o Temporal2 tudo 0oi uma desculpa para no noscasarmos2 1ocênunca 9uis casar7se comi'o.UU$o ( 1erdade. =e no 9uisesse2 por 9ue moti1o teria pedido sua moWUU%ara 0a-er ci)mes outra. ocê nunca me amou.UU$o di'a isso2 Marion.UU=ei o 9ue ( o amor. Eu percebia 9ue ha1ia al'u(m a 9uem 1ocê ama1a2 ah2 comoseus olhos se perdiam nela2 9uando ela se apro;ima1a 1ocê respira1aentrecortado2en9uanto9ue2 ao me sentir perto2 dese3a1a repelir7me. ocê nunca me acariciou. Sm homem9ue ama uma mulher 9uer sempre tê7la ao seu lado2 e 1ocê aprecia1a mais acompanhiamasculina do 9ue a minha2 9ueria estar sempre com Au'usto2 1ocê ( como a maiorparte dos homens2 so poucos os 9ue apreciam 1erdadeiramente as mulheres comoami'ase companheiras2 Au'usto tamb(m era assim2 di-ia 9ue o amor ( uma carne moída 7UUCana a-eda.U+FKUCale7se. $o sei por 9ue estou di-endo tudo isso a'ora2 3& 0a- tanto tempo2nada mais importa2 ( passado. Como 1ocê pode 1er2 0i- outra escolha na 1ida2entre'ueiminha alma a ,eus. E no pense 9ue nin'u(m 9uis casar7se comi'o2 depois 9ue 1ocême lar'ou2 no altar. Ti1e outros pretendentes2 no me casei por9ue no 9uisU2eladi- esta )ltima pala1ra com bastante ên0ase.U%or 0a1or2 Marion2 no me odeie2 eu no poderia 1i1er sabendo 9ue 1ocê meodeia.UUMas 0icou todos esses anos sem me procurar para saber se o odeio ou no.UUEscre1i7lhe uma centena de cartas2 1ocê nunca as respondeu.UUCartasW $o recebi nenhuma carta sua. =abe o 9ue aconteceu com a CamilaWUUCamilaW 9ue aconteceu com elaWUU,esapareceu. ,epois 9ue saiu da casa de repouso2 em 1e- de 1oltar para casaescondeu7se em al'um lu'ar e nunca mais nos escre1eu uma carta2 nem mandounenhumanotícia2nin'u(m2 absolutamente nin'u(m sabe onde ela anda. %or ,eusX at( a polícia andouatr&s de Camila. Mame este1e desesperada e at( ho3e no se con0ormou. Comoesta1a

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tísica2 supomos 9ue Camila tenha morrido2 9ue ,eus a tenha. Minha )nica irm2acabar dessa maneira2 mas 1ocê se lembra2 Camila no tinha os para0usos bemapertadosna cabeça. Che'ou a pe'ar a espin'arda de papai para matar 1ocê2 9uando soube9ue 1ocê tinha me abandonado no altar2 mas depois descobri 9ue... pobre de minhairm2

ela esta1a apai;onada por 1ocê2 9uando eu 9uis 9ueimar o meu en;o1al de noi1aela no dei;ou. Certa noite2 sem 9uerer abri a porta do 9uarto dela e a 1idiantedo espelho2 com o meu 1estido de noi1a2 parada como se 0osse uma est&tua2admirando7se2 enle1ada2 9uase em ê;tase2com os olhos enco1ados. Coitada da minha irm. ,e1e ter sido enterrada como umamendi'a.UUTal1e- este3a 1i1aU2 di'o.+F!

Et perde71ous encore le temps a1ec des 0emmesW

!%rocuro as ruas mais 1a-ias2 1ou para o deserto 3e3uar e meditar2 como BesusCristo 0e-2 para encontrar7se com o diabo e aprender a resistir s tentaç<es.%araele2 a primeira tentaço 0oi a da 0omeH a se'unda2 a da 'l>riaH e a terceira2 ada morte. Minhas tentaç<es seriam2 primeiro a do se;o2 depois a da 0ome e por0ima daimortalidade. Tal1e- 0ome e se;o se3am a mesma tentaço2 assim como morte eimortalidade. E a 'l>ria ser1e2 para 9ue mais2 seno para se amarrar rapari'asWQuando al'um bur'uês rico 1ai ao sub)rbio2 sempre ( em busca do pecado. $oslu'ares ermos encontram7se pessoas necessitadas 9ue 0ariam 9ual9uer coisa poruns trocados20orça de trabalho barata2 mulheres para a'enciamento2 biroscas discretas2lupanares. Apesar de saber disso2 penetro pelas ruas de eopoldina em busca dasantidade.\ medida 9ue me a0asto do centro2 os chal(s 'eminados desaparecem e em seu lu'arsur'em casas mi)das2 pobres2 com 3ardins 0loridos na 0rente e 9uintais compomaresde &r1ores carre'adas de 0rutos. =ob as man'ueiras h& uma lama de man'asmaduras2 de onde se desprende um per0ume adocicado. Crianças brincam na rua.Al'umas2 uni0ormi-adas21oltam para suas casas2 1indas do 'rupo escolar2 com os sapatos 9ue Au'usto lhesconse'uiu. Aos balc<es dos bares e arma-(ns das es9uinas2 al'uns homens tomama'uardenteap>s dei;arem o trabalho. $o bairro da Grama2 senhores 3o'am suas partidas debocha. Mulheres se+F#diri'em para suas casas com imensas bacias na cabeçaH outras recolhem roupas em1arais. Ca1alos das carreiras esto sendo la1ados beira do c>rre'o. Oomens emulheres3o1ens retornam das 0&bricas2 do campoH so uma 'ente saud&1el2 ale're.=ubo uma colina e me encontro no cemit(rio de ne'ros2 ao lado da cai;a7d@&'ua dacidade. Z um lu'ar deserto2 e;atamente o 9ue eu dese3a1a. %reciso de solido2paraespairecer. Esta cidade est& me an'ustiando terri1elmente. =into7me su0ocado2preso entre as montanhas2 enredado pelas mulheres.Z bom 1er a cidade assim pe9uenina2 tenho a sensaço de 9ue ( apenas umbrin9uedo. riacho do /ei3o Cru se'ue em seu intermin&1el trabalho de iradiante2 limpo2banhando rel1as2 cobras2 crianças2 patas de 1acas2 pedras2 cana1iais2 ca0e-ais.

A cidade est& atra1essada por um arco7íris nítido sobre o ren9ue das palmeiras.

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%elo ar limpíssimo a lu- ni9uelada do sol se espalha sem obst&culos. ,a9uia1isto a praça da estaço2 o mo1imento das pessoas em torno da leiteria2 abarbearia0in7de7siYcle2 a Taberna taliana2 os mascates no lar'o das palmeiras tocandosuas 'aitas2 uma ou outra carroça ou tílburi2 os palacetes2 a i're3a do padreta;idermista.

Cine Teatro Alencar brilha em sua brancura. Contemplo os telhados 3ontudos doschal(s.+F+=empre amei as mulheres e o &lcool. Quando era menino2 ia passear pelo Darroermelho para 1er as moças s 3anelas2 1estidas para o 1ero2 com tarlatanas2musselinas2deita1a os olhos em seus seios2 em suas cinturas e seus ombros com arti0íciosempre'ados para e;citar a 1ol)pia. Eu ia s 0estas2 s retretas2 s no1enas2se'uiaa procisso de /ornicoco2 as cerimnias pro0anas na Me dos Oomens2 apenas paraolhar as mulheres da cidade da %araíba. $os cord<es2 s> in1adia as casas ondemora1ammoças bonitas. $as praias de banhos re'ados a cauim2 0ica1a dissimuladamenteolhando as senhoras com suas roupas listradas e toucasH 9uando me apai;ona1a2 eissosempre acontecia2 eu toca1a modinhas amorosas sob as 3anelas.Quando eu era 'aroto2 acredita1a 9ue as putas eram damas belíssimas recostadasem camas de dossel2 l&bios san'rentos2 en1oltas em musselinas2 pernas cobertaspormeias pretasH deusas de pele de leite 9ue2 para receberem um homem2 seper0uma1am e se adorna1am com 0lores e;primindo ao mesmo tempo embaraço e1ol)pia. $a primeira1e- em 9ue esti1e no porto e um ami'o meu disse 9ue eram meretri-es certasmulheres 9ue perambula1am por ali2 miser&1eis e des'raçadas2 e;postas ao 0rio e chu1a2descabeladas2 encostadas nas portas das espeluncas2 de roupas remendadas2pronunciando incitantes pala1ras e praticando 'estos despudorados2+FFem trepidaç<es2 0a-endo 0er1ilhar a rua2 3o'ando7se nos braços do primeiro 9ueaparecesse2 custei a acreditar. ,epois descobri 9ue h& 1&rias classes deprostitutas.$a a1enida Central2 9ue a'ora se chama Rio Dranco2 passeiam entre os andaimesdas construç<es muitas cocotes2 re1oantes em or'andis2 diante das 1itrinas dacasade chap(us2 ou passando na porta das con0eitarias2 das redaç<es dos 3ornais.o'o 9ue che'uei ao Rio de Baneiro2 0ascinado2 eu 0ica1a entrada da GaleriaCru-eiro2olhando tais damasH ao anoitecer ia para a porta do Cinema deon 1er asestran'eiras 1estidas de branco 9ue ali toca1am 1iolinoH em se'uida eu corriapara a sessode animat>'ra0o a 0im de assistir aos 0ilmes obscenos2 os mesmos 9ue se e;ibiamnos bord(is de %aris2 bem realistas2 com moças se despindo diante de espelhos2ou1estidas apenas com uma 'rinalda2 sentadas num balanço 9ue ia e 1inha2 oudeitadas nas rel1as em torno de la'os2 como nin0as2 bei3ando7se2 moças sempremuito al1ase carnudas2 de olhos 0undos2 cabelos soltos e 'estos l?n'uidos. As sess<es eramanimadas por putas da =enador ,antas2 do beco das Carmelitas2 do cais Mau&2 embuscade seus clientes2 deputados2 senadores2 comerciantes2 3ornalistas 9ue0re9Venta1am o animat>'ra0o. Ap>s a sesso eu ia perambular pelas ruas para 1ero tr&0e'o

carnal2

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os homens de cartola e ben'ala entrando e saindo da casa da polaca =ophie2 ou dapenso de uma deslumbrante 0rancesa2 e;7dançarina de canc 9ue tinha recebido oM(rite A'ricole pois possuía 'randes 1inhedos em sua terra. Eu ia 1er as atri-ese rapari'as das pens<es da Gl>ria subirem no bonde2 todas elas me dei;a1am loucocom a 1iso de seus torno-elos2 ou batatas da perna cobertas por meias de seda eornadas de li'as a-uis2 ou dos seios transbordando nos decotes.

+F5*$uma certa (poca2 passa1a dias e dias perambulando pela cidade tentando es9uecerEsther2 mas de noite 0a-ia poemas de amor para ela. Queria encontrar al'umamulher9ue me 0i-esse apa'ar da mem>ria o rosto da namorada de Au'usto. Debia aa'uardente do Rattacaso. Mas a embria'ue- no me 0a-ia es9uecer Esther. coraço de umamulher ( um laço2 e suas mos so emboscadas2 di- o Eclesiastes. Eu 1i1ia nosnamoros enrascados2 nos raptos de mulheres2 nos rebuliços2 nos lupanares2 nostiroteios2nas batalhas de rua contra os soldados da ca1alaria. Tudo isso era parasedu-irmos as damas com nossa cora'em 1aronil. s su3eitos muito 3o1ens acham9ue as mulheres'ostam da 0orça brutaH s> mais tarde descobri 9ue elas apreciam tamb(m a doçurano homem2 a delicade-a2 desde 9ue no se3a despro1ida de 1irilidade. %or causadosentimento maternal2 elas tamb(m 'ostam dos homens desamparados e dos 9ue têmsobrancelhas caídas e assim ad9uirem uma e;presso desconsolada.+F"6 mesmo homem de outro dia caminha no1amente pela linha do trem2 cabisbai;o2como se tomasse uma deciso. Al'u(m me disse 9ue ele se chama /unchal Garcia29ue andanos trilhos buscando inspiraço2 presume7se2 ou ra-o para 1i1er. %recisamos2todos2 de uma ra-o para 1i1er. Mesmo 9ue se3a o >dio. encontro com Marion 0oi doloroso. =eu ressentimento me entristece2 'ostaria deser amado por todos2 especialmente pelas mulheres. A a0irmaço de 9ue Camila eraapai;onada por mim2 embora no se3a uma 'rande no1idade2 causa7me des'ostoHsinto7me terri1elmente culpado de no am&7la2 e a'ora ainda mais2 por tê7laabandonadono momento em 9ue mais precisa1a de mimH e2 tamb(m2 por tê7la a3udado a seesconder da 0amília2 pro1ocando assim mais so0rimentos a uma 'ente para com 9uemeu 3&tinha uma dí1ida impa'&1el.%enso na palide- de Camila2 re1e3o7a deitada na cama a olhar os primeiros raiosde sol penetrando os espaços 1a-ios da renda 9ue 0orma a cortinaH suas olheirascausadaspelas noites insonesH o san'ue na bacia. $em mesmo distante dela sinto7me li1rede sua possesso. Como estar& CamilaW =er& 9ue so0re muito por ci)mes de EstherWCerta 1e- Camila me disse 9ue amo Esther apenas por9ue 0oi a mulher escolhidapor Au'usto2 numa esp(cie de amor 1ic&rio. Tal1e- se3a 1erdade2+5Ksempre h& al'um moti1o 9ue nos le1a a amar esta2 e no a9uela mulher.Esther est& em seu pedestal2 sobre7humana e cl&ssica. =e penso em al'umaintimidade com ela2 ( possuído pela santi0i7cada e 0unda re1erência diante dosa'rado atoda reproduço humana 9ue preser1a a nossa esp(cie. Esther tamb(m ( uma deusa 9uehabita minha alma2 e 9ue no possui nenhum car&ter demoníaco.Re1e3o o rosto de Marion Cirne no momento em 9ue saí da co-inha2 com umae;presso 9ue de1e ser a mesma de 9uando a dei;ei esperando7me inutilmente paranos casarmos2um ar de 1a-io2 abandono2 perple;idade2 ressentimento2 compai;o por si mesma2

alí1io2 1er'onha2 dese3o de 1in'ança2 tudo ao mesmo tempo. Esta e;presso de1eter

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sido to dolorosa e pro0unda 9ue 3amais a dei;ou. Z o mesmo rosto de Camila29uando me disse 9ue eu 0u'ira num ca1alo a-ul2 em seu sonho.+5!#=urpreendo7me sentindo 1ontade de ir embora. rosto p&lido de Camila me atrai.embro7me de sua peleH de seus olhos mei'os2 de suas tristes per'untas.

$unca le1ei Camila a passeios distantes2 nunca lhe contei a hist>ria das ruas doRio de Baneiro2 nunca lhe mostrei as est&tuas nas praças2 nunca a le1ei aosca0(spara apresent&7la aos poetas2 aos teatros para assistir a >peras ou 1ariedades2aos ca70(s7cantantes2 aos cinemas2 ao %asseio %)blico. $unca a le1ei para colher0lores no En'enho elho2 tomar sor1ete na Carcel7ler2 banhos em Copacabana2 nempara subir a estrada do Corco1ado de autom>1el. =im2 preciso 1oltar para casa2para perto dela. %edirei perdo a Camila2 a3oelhado. /arei tudo o 9ue ela mepedir. Bantaremos lu- de 1elas2 9uando lerei para ela poemas de amorHcelebrareiseusencantos de mulherH adorarei sua 0orma2 seu per0ume2 suas pala1ras2 seussentimentos. Eu a 0arei descansar sua cabeça em meu peito2 tomarei com ela'arra0as de1inho numaade'a2 beberemos leite todas as manhs porta da casa2 nos a9ueceremos nasnoites 0rias 3unto ao 0o'o a lenha. ou cur&7la e sua doença2 ela nunca maiscuspir&san'ue na bacia. Camila ( a minha redenço.+5+

%arte 9uatro

,e 1olta ao Rio de Baneiro

Marca de 0o'o

!Oo3e ( o dia da la1a'em semanal obri'at>ria das 0achadas das casasH centenas deempre'ados2 a maioria ne'ros2 com baldes2 tachos2 esco1<es2 estopas2 3& es0re'amas paredes2 montam pelas sacadas2 sobem como aranhas2 s 1e-es em situaç<es deperi'o. Muitos usam escadasH al'umas so uma lon'a 1ara de bambu com 1aretaslateraisalternadas2 outras so 0r&'eis amarraç<es de cordas 9ue pendem dos 0ront<es.En9uanto 0aço o tra3eto da 'are at( minha casa2 sacole3an7do no tílburi2 respiroo ar c&lido da cidade2 reconheço a paisa'em2 as montanhas sob uma n(1oadelicada2as bandeiras no alto do morro do Castelo2 as &r1ores de imensas copasH oscandelabros esto repletos de delicados 0aitos cilíndricosH as &r1ores7do7po2as amei;eiras2as bananeiras2 os bambus das índias rientais 1erde3am2 re1i'orados pelas)ltimas chu1as. A &'ua dissipou a neblina 9ue costuma 0lutuar sobre a cidade. Ao1er ocampo de =antana2 sinto7me realmente che'ando no Rio de BaneiroH pouca coisa h&de mais parecido com esta cidade do 9ue as ne'ras 9ue la1am roupa neste campo2debruçadassobre o muro bai;o2 ou pendurando as peças la1adas2 9ue ocupam 'rande parte dapraçaH o 0lame3ar das roupas al71íssimas2 estendidas ao sol2 me causa umasensaçode 9ue pode e;istir limpide-2 sinceridade2 pure-a.$o cais Mau& atra1esso uma multido de oper&rios2 passo sob o molhe coberto de0erro 'al1ani-ado e ondulado2 sentindo+5F

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o cheiro delicioso do ca0( nas sacas empilhadasH canoas2 barcos de pesca21apores2 cascos abandonados2 se en0ileiram ao lon'o do caisH a 0umaça 9ue saidos na1iosene'rece o ar2 meu rosto se cobre de partículas ne'ras de car1oH o barulho dosmartelos 0a- um trinado nos meus ou1idos. ,iante do Arsenal cru-o com pilhas deco9ueH

canh<es en0erru3ados2 1elhos tan9ues e caldeiras esto 3o'ados num terrenobaldio. Al'umas lo3as 3& 0i-eram seus en0eites para o $atalH port<es de al'umascasasesto ornados com ninhos e 0itas 1ermelhas ou an3os de louça 0ranceses.Ao passarmos na a1enida2 o tilburi toma uma incrí1el 1elocidade2 cru-ando comoutros 1eículos tamb(m r&pidos2 como se 0osse a morte 'alopando em todas asdireç<es.%eço ao cocheiro 9ue 1& mais de1a'ar. Ele conta 9ue uma chu1a ala'ou parte dacidade2 0oi uma cat&stro0e2 parecia 9ue todos iriam se a0o'ar2 casas 0icaram com&'uaat( pela metade das paredes2 pessoas perderam tudo o 9ue tinham. Ainda se pode1er em al'uns bairros a lama em des1os2 nas sar3etas2 entre as pedras dopa1imento.,epois reclama da 9uantidade de autom>1eis e carros tirados a ca1alos ou burros2tudo se esbarrando numa 'rande patuscadaH 3& e;istem mais de du-entos autom>1eislicenciados na cidade2 ele lamenta.+55+Em Dota0o'o encontramos di0iculdade para atra1essar a multido 9ue toma a rua dapraia2 as pessoas em seus tra3es esporti1os descem dos bondes2 caminham depressaa 0im de conse'uirem um bom lu'ar nas ar9uibancadas em torno dos prados2 paraassistir carreira de ca1alos. Al'uns dos animais 9ue 0aro parte da competiçopodemser 1istos na entrada da raia2 cercados por cordas 9ue isolam a multidobarulhenta2 a maior parte dela 1inda nos 1a'<es atulhados pu;ados pelaslocomoti1as daCentral.s ca1alos demonstram in9uietaço2 um deles relincha. O& mulheres bonitas emtra3es claros prote'idas do sol por sombrinhas 9ue mal cobrem os imensos chap(usdeplumas ou 0lores de pano2 0itas2 rendasH seus 1estidos têm estampa'ens dechicotes2 de loros2 de cas9uete de 3>9ueiH elas 9uerem ser 1istas2 brilham como0o'uetes20in'em se esconder atr&s de le9ues para despertarem dese3o nos homens 9ue porali as admiram. Estes usam suas melhores roupas de esporte2 e na 'ra1ataostentamal0inetesem 0orma de 0erraduraH 0alam a 'íria do desporte2 conhecem os nomes dos animais9ue iro competir2 0itam as mulheres 9ue passam. Sma coisa estranha se passacomi'o:no rosto de todas as mulheres 1e3o os traços de Camila.$a raia inundada de lu-2 os ca1alos disparam le1antando uma nu1em dourada depoeira. A multido alterna silêncios tensos e urros. $as ruas de Dota0o'o2cru-amoscom o carro de+5"Rui DarbosaH seus cabelos e bi'odes prateados cintilam2 assim como sua 'olabranca. Mesmo 1isto de relance2 ele me parece en1elhecido2 menos ereto2 como secomeçassea perder a alti1e-2 cada 'olpe 9ue recebe de1e encurtar em al'uns anos sua 1ida.As acusaç<es2 as cal)nias2 as derrotas 9ue permeiam sua 1ida política o abatempoucoa pouco2 como um mal in1isí1el. s so0rimentos morais condi-em per0eitamente com

sua 0isionomia 'ra1e2 de homem coberto de responsabilidades2 de um e;tremoinstinto

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patri>tico. =eu corpo ma'ro e 0r&'il no d& a menor id(ia da 0orça de sua alma.Como estar& CamilaW+"K* porto est& aberto2 com uma das partes desabando2 as dobradiças soltas. /olhassecas2 pap(is2 li;o cobrem o 'ramado do 3ardim 9ue h& na 0rente da casa. s

arbustosno 0oram podados e pontas de 'alhos crescem desordenadamente para todos oslados. As til&pias do tan9ue desapareceram2 em seu lu'ar h& apenas 0olhas secas2'ra1etos.A bu'an1ília deu 0lores de um ro;o intenso2 seus 'alhos se pro3etam acima dotelhado da 1aranda. ancinho2 a en;ada2 a 0oice de capim2 o balde2 a ca1adeira2atesoura de podar e outras 0erramentas esto espalhados pelo 'ramado2 ao tempo2su3eitas 0erru'em2 es9uecidas pelo 3ardineiro. $as 'rades 9ue cercam as1arandasdo se'undopa1imento esto dependuradas al'umas peças de roupas desbotadas2 lenç>is2toalhas2 panos.Tenho um horrí1el pressentimento2 olho para a 3anela do 9uarto onde durmo2 est&aberta. A 3anela do 9uarto de Camila2 com as 1ene-ianas abertas2 dei;a o sol e oar penetrarem2 o 9ue tamb(m ( bastante incomum. Estar& ela se tratando numsanat>rioW uço as 1o-es das crianças dentro da casa. Sm rolo de 0umaça seespalha noc(u2 por detr&s do telhado.+"!6Dato porta e espero al'um tempo. uço um assobio2 depois outroH um p&ssarocanta. Como nin'u(m 1em me atender2 dou a 1olta para entrar pela porta dos0undos29uecostuma 0icar aberta. $uma clareira do 9uintal2 entre as 'oiabeiras e oslimoeiros2 numa imensa 0o'ueira arde uma cama2 com colcho2 uma mala de roupas2sapatos0emininos2 coisas 9ue me parecem diademas2 chap(us2 pentes2 tudo retorcido29uebrado2 preto. =o ob3etos pessoais de Camila. Em 1olta da 0o'ueira2 estoal'unsempre'ados da casa2 um deles com um bu3o de 9uerosene2 outro com uma lon'a 1ara9ue ser1e para empurrar os ob3etos para as labaredas.Eles se 1iram para mim e 0icam me olhando2 em silêncio.Meu coraço 9uase p&ra2 sinto7me p&lido2 tonto2 meu corpo es0ria2 sento7me nopedestal de uma 0onte 9ue tem a 0orma de uma nin0a despe3ando de uma 3arra um0iocontínuode &'ua. Molho o rosto e assim me reanimo2 caminho at( a porta e entro na casa29uase tropeço numa 'aiola 9ue aprisiona um corrupio de asas e cabeça ne'ra2peito1ermelho7coral com um colar no mesmo tom2 uma a1e muito parecida com o concri-9ue o pai de Au'usto cria1a na casa7'rande do %au d@Arco. p&ssaro canta.$a co-inha2 im>1eis2 os empre'ados me olham2 arre'alados. A tonalidade da cenaparece a de um 9uadro de pintor espanhol2 com muitos 1ermelhos2 0o'o2 brasas no0orno2panela+"+de cobre2 0ume'anteH um 'alo preto sobre a mesa2 maços de rabanetes2 pilhas depratos e talheres su3os numa bacia 9ue esta1am sendo la1ados por uma mulher dea1entale turbante. Sm pe9ueno macaco2 preso a uma corrente2 d& um salto repentino noombro de uma das crianças.

A 'o1ernanta 0a- o sinal7da7cru- e bei3a o cruci0i;o 9ue carre'a ao pescoçopreso numa corrente de prata. E;clama em se'uida uma e;presso a0ricana.

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=ubo as escadas2 correndo.+"*#Abro o mos9uiteiro. ,eitada numa esteira2 Camila tem o rosto t)r'ido2 um ar decansaço. =eus l&bios esto inchados2 a boca ressecada e cin-enta. Em suas mos eem sua 0ace h& manchas ro;as escuras2 9uase ne'ras. tra1esseiro no 9ual se

recosta est& respin'ado de san'ue. Espero um 'esto de rai1a2 uma pala1ra deressentimento2mas ao me 1er seu rosto se ilumina2 ela me olha com doçura e sorri.U$o se apro;ime maisU2 di-.=e'uro sua mo. Camila a retira.U$o sei como pude dei;ar 1ocê a9ui2 so-inha. Quem ( o m(dico 9ue est& tratandode 1ocêWUU$o h& nenhum m(dico.UU%or 9ue no mandou chamarem um m(dicoWUU,ei;e7me morrerU2 ela di-.Uocê 1ai 0icar boa2 como da outra 1e-. ou le1&7la para o sanat>rio.UUTarde demais.UU$o me dei;e2 Camila.UTenho 1ontade de chorar2 toda1ia penso 9ue choraria mais por mim mesmo2 porminha miser&1el alma2 e me controlo. Camila adormece.Tele0ono para um m(dico. Sm pouco mais tarde ele entra no 9uarto2 tra-ido pela'o1ernanta. A3oelhado ele abre sua maleta2 retira al'uns instrumentos2 e;aminaosolhos da paciente2 0a-7lhe per'untas simples 9ue ela responde aos sussurros2+"6pousa a cabeça no peito dela e ou1e2 atentoH mete um termmetro em sua boca20a-7me di1ersas per'untas 9ue no sei responder2 sobre a e1oluço do mal2critica7mepor no ter chamado antes um au;ílio m(dico2 Uo tempo ( o 0ator mais importantenuma doençaU2 a0inal dia'nostica a tuberculose2 e1idente2 no h& d)1idas2 emborano e;istam dois casos de tísica i'uais. Apro;ima7se da 3anela e abre mais ascortinasH a lu- solar inunda o 9uartoH manda 9ue o ambiente 0i9ue o mais claro eare3adopossí1el. %er'unta a idade dela2 1inte e três anos2 di'o2 ele balança a cabeça20ala 9ue ainda no se descobriu por 9ue moti1o a maioria dos casos 0atais detuberculoseocorre com 1ítimas entre de-oito e 1inte e cinco anos2 tal1e- por serem os3o1ens pessoas muito a'itadas2 ou por se alimentarem mal2 por tomarem constantesbanhosde mar e se res0riarem2 ou por estudarem demasiadamente2 ou por participarem de3o'os 1i'orosos e e;ercícios atl(ticos2 ou por serem boêmios2 ou poetas2 9uiç&por so0rerem intensas mudanças se;uais 9ue debilitam o corpo. caso de Camilaest& num est&'io bastante a1ançado2 ela de1e ser le1ada o mais depressa possí1elparao sanat>rio a 0im de iniciar tratamento2 apesar de o m(dico ter d)1idas seapenas o repouso completo2 a alimentaço e o clima podem cur&7laH combina comi'oal'umaspro1idências de ordem pr&tica2 inclusi1e para e1itarmos a disseminaço dos'ermes2 aconselha7me a no 'astar dinheiro com rem(dios de propa'anda2 no h&dro'aspara a tísicaH e sai.Tento 0alar com Camila2 mas ela no responde mais2 parece distante2 separada domundo por uma n(1oa 9ue no a dei;a en;er'ar nem ou1ir. Ela contorce o rosto ea0inalconse'ue balbuciar o meu nome. Em se'uida cai num sono pro0undo2 atirada alipelo cansaço do imenso es0orço em di-er uma pala1ra. Ooras se passam2 en9uantopermaneço sua cabeceira2 obser1ando seu rosto im>1el2 cada 1e- mais p&lido. Tiro sua

temperatura di1ersas 1e-es e anoto num papel2 seco sua 0ronte2 dou7lhe &'ua emcolheradas.

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+"#Ao entardecer o coche branco2 com uma cru- 1ermelha2 p&ra 0rente da casa. m(dico salta2 se'uido de dois en0ermeiros com uma macaH entram pelo porto edesaparecempor bai;o do toldo. o'o ouço seus passos subindo a escada e 1ou recebê7los

porta do 9uarto./aço um relato detalhado ao doutor sobre o 9ue ocorreu com sua paciente nashoras em 9ue este1e 0ora2 ele balança a cabeça ne'ati1amente2 1ai ao leito2a0asta ocortinado e escuta mais uma 1e- o peito de Camila. =e'ue os mesmos procedimentosda 1isita anteriorH 9uando abre os l&bios de Camila para introdu-ir o termmetroela desperta. m(dico lhe 0a- per'untas mas ela no responde2 nem mesmo pareceentender o 9ue ele di-2 estende os braços ao lon'o do corpo2 entre'a7se a cra1aras unhas no colcho2 como se tentasse ca1ar2 de 0orma obsessi1a2 durante umlon'o tempo2 com o rosto crispado2 o 9ue lhe d& um ar de 1elhice. m(dicoaplica7lheuma in3eço.UC?n0oraU2 ele di-. UAssim ela dormir& no 0inal2 e ter& sonhos amenos.UCamila no demonstra sentir a picada da a'ulha. m(dico se'ura seu punho.UA pulsaço est& 9uase imperceptí1el. Ela no sente mais nada. $em dor2 nemale'ria.UU,e1em se apressar em le1&7la ao sanat>rioU2 di'o.+",a boca de Camila e;plode um 3ato de san'ue 9ue mancha sua roupa2 o tra1esseiro2a cama2 salpica as man'as de minha camisa e o a1ental branco do en0ermeiro.$esse momento Camila res1ala no tra1esseiro. m(dico a ampara. Ela parece2 porum se'undo2 reconhecer7meH tenho a sensaço de perceber em seus olhos a mesmae;pressode Marion 9uando me re1iu2 na sala do chal( de Au'ustoH uma cintilaço de >dio2misturada dor do amor. =eus olhos se paralisam como se 0ossem de 1idro2tornam7se1a-ios. s m)sculos de seu rosto se soltam2 sua e;presso a'ora ( de pa-. Atur'ide- desaparece num instante2 a bele-a retorna sua 0ace2 9ue 0ica 3o1em.s en0ermeiros a deitam na maca e a le1am.+"FFSma sensaço de 1a-io se apodera de mim2 o mesmo 1a-io do 9uarto penetra minhaalma e por al'uns instantes 0ico sem pensar em nada2 com um abismo em meu ser2comose eu mesmo 0osse um precipício. Sma misteriosa suspeita toma o lu'ar do 1a-io2e desço correndo as escadas2 na sala sobre o piano 1e3o o porta7retrato sem a0oto'ra0iade EstherH entro na rouparia 9ue 0ica no andar t(rreo2 abro a porta do arm&riode palet>s. Meu coraço bate descompassadamente2 um pa1or imenso me 0a- suar2sintomeu corpo outra 1e- 0rioH abro a cai;a de chap(us e constato 9ue est& 1a-ia2assim como a cai;a de sapatos2 e a 'a1eta de 'ra1atas2 e a cai;a de lu1as2 todas1a-ias.Cambaleio at( a co-inha onde encontro a 'o1ernanta2 per'unto7lhe onde esto ospap(is 9ue eu 'uarda1a nas cai;as e 'a1etas2 ela di- 9ue Camila2 lo'o depois deminhapartida para eopoldina2 pediu 9ue a criada de 9uarto lhe le1asse a9ueles pap(isassim como o retrato 9ue 0ica1a sobre o pianoH a senhorinha passa1a lon'as horaslendo o 9ue esta1a escrito na9ueles pap(is e olhando tristemente a 0oto'ra0ia.Quando precisaram 9ueimar o 9ue no podia ser 0er1ido2 tudo 9ue dona Camilaha1iatocado2 a9ueles pap(is2 assim como o retrato2 9ue 0ica1am espalhados noslenç>is2 ou 3unto ao corpo da doente2 0oram le1ados para o 9uintal2 tudo 0oi

molhado com9uerosene e incinerado.

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+"5,estruíram o )nico retrato 9ue Esther me dera um dia2 com uma a0etuosadedicat>ria2 e todos2 absolutamente todos os poemas 9ue escre1i em minha 1ida.+""

mundo in0inito

!e3o2 numa manh2 la1o Dilac caminhando na rua e 9uase o paro a 0im decon1ersarmos. %or(m ele est& to apressado 9ue no o 9uero atrasar.=eu pincenê no tem mais a corrente de ouro pendendo do aro. este7se comcorretos tra3es matinais: barba 0eita2 sapatos brancos2 calça de 0lanela2 palet>de 0antasia2camisa de colarinho mole2 'ra1ata a la alliYre. Caminha com o nari- ainda maiser'uido. =oube 9ue essa sua maneira de andar2 9ue parece um 'esto de arro'?ncia2uma pose de alti1e-2 no decorre de problemas na 1istaH na 1erdade2 re1ela umainsu0iciência a>rtica2 mal 9ue os 0ranceses chamam de le si'ne de Musset2 pois oternoe cínico poeta das 0antasias le1es so0ria de uma ana0ila;ia emoti1a2 al'o assim2e caminha1a olhando o c(u. As crnicas de Dilac nas 0olhas têm sido cicl>ides2alternamuma 3o1ial ale'ria com a mais 0unda depresso da almaH se um dia ele acordacantando a lu- do c(u2 as 0olha'ens 1erde3antes2 a cintilaço das &'uas da baía2nooutroper'unta7se por 9ue acordou2 1ê apenas 3ardins lamacentos2 nu1ens de chumbo2co'umelos inchados. h2 miser&1el homem2 um mundo in0inito se re1elaH mas nelenoh& lu'ar para ti.Creio 9ue a'ora est& indo para al'uma palestra liter&ria. ,esde 9ue começou a'uerra europ(ia2 ele se empenhou na campanha de propa'anda de ser1iço militarcompuls>rioe tem sido homena'eado pelo E;(rcito2 militares de alta patente*K*o 0este3am em suas casas com ban9uetes2 o clube $a1al o recebe com cerimnias.Ele a'radece as honrarias atra1(s dos 3ornais. Acredita 9ue somente por meio doser1iço obri'at>rio se poder& al0abeti-ar os 3o1ens brasileiros. $o ( precisopensar muito para 1er 9ue os moti1os de1em ser outrosH 0osse apenas o problemadaerradicaço do anal0abetismo2 o ser1iço militar de1eria ser obri'at>rio para osanal0abetos.*K6+Dilac tra0e'a como 9ual9uer pedestre plebeu2 e 0o'e dos des1anecimentos pelocaminho da mod(stia. Mas ( o poeta do %alace Theatre2 muitas 1e-es %ríncipe dos%oetaseleito por not&1eis2 o poeta da Cultura Artística2 o poeta da A'ência Americana2ami'o dos poderosos2 autor de planos e;traordin&rios2 um 'entleman2 diretor do%eda'o'ium2 secret&rio do pre0eito e2 para sua des'raça2 com 0ama de rico2 o 9uede1e ser a causa maior da in1e3a 9ue pro1oca por aí.Esse in0eli- solit&rio2 9ue 1i1e a escre1er cartas para si mesmo2 ou parapessoas ima'in&rias2 ( a'ora o al1o predileto dos 9ue 9uerem tomar seu lu'ar.nebriadoscom rum2 ]umel2 'enebra2 a'uardente2 uís9ue2 ou tudo isso 3unto2 despe3am suasmaledicências sobre o e;7dipsomaníaco poeta das e;altaç<es políticas. Todosa9ueles9ue 0oram idolatrados2 um dia sero odiados. A idolatria est& a um passo dorancor. As i're3as um dia sero trans0ormadas em ruínas. As est&tuas dos deuses1iraro

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p>. ,epois de morto2 Dilac passar& por al'uns anos de es9uecimento2 depoisressuscitar& em 'l>ria plena. u no. Mas mesmo 9ue sua poesia mostre ter sidolo'rada2ele e seus ami'os tero re1olucionado o mundo liter&rio brasileiro. Antes deDilac2 ser poeta ou romancista era al'o 1er'onhoso. ,iplomatas2 1ereadores2pro0essores2

ricos entediados2 9ue publica1am li1ros diletantes2 escondiam7se com medo dasmurmuraç<es. $o ha1ia homens de letras no Drasil. s intr(pidos*K#boêmios da rua do u1idor no apenas le1aram adiante a roda liter&riabrasileira2 dos rom?nticos aos simbolistas2 passando pelos parnasianos2 comotamb(mamadureceram a 0i'ura do escritor e a nossa nacionalidade.*K

%arte cinco

Epílo'o

A roda da 1ida

! 1elho sobrado da praça do cais Mau& est& sendo demolido. Z preciso ser muito0rio para 1er al'o assim e 0icar indi0erente2 mas a'ora a ordem ( derrubar o 9ue(1elho2 abrir bule1ares2 dei;ar o 1ento correr2 arrancar tudo o 9ue impede o0uturo de se mo1er adiante2 at( as montanhas de1em 1irar cascalho. passadoprecisa1irar p>. ,entre as pessoas 9ue passam por ali2 poucas 1oltam os olhos para asruínas2 al'umas nem mesmo percebem a poeira ocre 9ue paira no ar. %ara mim2entretanto2( como se esti1essem demolindo meu coraço.%rimeiro tiram os lustres2 os 1idros da clarab>ia2 das 3anelas e das portasHdepois as pr>prias 3anelas e portas2 e tudo o 9ue ( de madeira2 como al'umasestruturas2o piso de 'rossas t&buas. Em se'uida arrancam os m&rmores dos peitoris2 dosmarcos2 das pias. s 0erros batidos em 1olutas2 das sacadas2 assim como os dosbasculantes2da clarab>ia2 so le1ados para serem derretidos nas 0or3as de uma 0undiço9ual9uer. Torneiras2 trincos2 0echaduras2 tudo ( carre'ado numa charrete. Astelhas 0icamempilhadas no terreno durante al'um tempo2 at( 9ue uma carroça 1em busc&7las2 emdi1ersas 1ia'ens. ,epois de retiradas as peças 9ue possam ter al'um 1alor2 restaapenas a essência da casa2 tal como uma mulher de 9uem se ti1essem tirado todosos adornos e depois as roupas. Ela 0ica ali2 diante da praça2 dos na1ios2 dos'uindastes2nua2 debai;o das estrelas de la1o Dilac2 como se esti1esse dando adeus.*!!%elos buracos 1e3o os aposentos onde Au'usto 1i1eu2 comeu2 respirou2 so0reu2amou2 escre1eu seus 1ersos. Ali con1ersamos2 sentados 0rente a 0rente2 eu namelhorpoltrona da sala e ele começando a se decepcionar com o Rio de Baneiro2 e 0icoima'inando se os sons de nossas 1o-es se perderam pelo tempo ou se 0lutuam noar.A'ora 9ue a casa no tem mais telhado nossas 1o-es de1em ter se espalhado pelacidade2 se 3untado a outras2 parece 9ue s> a'ora as 'ranadas da Re1olta daChibataencontraram seu al1o2 e somos n>sH cada marretada 9ue um oper&rio d& na paredeme 0a- tremer.

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$o posso ter certe-a2 mas creio 9ue o su3eito com 9uem Esther se casou2 umpro0essor do Grupo Escolar eopoldinen7se2 chamado Caboclinho2 ( o mesmopro0essor 9ueespreita1a sua casa em eopoldina e 9ue a procurou para 0alar sobre a criaço deum 'rêmio liter&rio. casal mudou7se para Sb&2 tal1e- para escapar da polêmicasobre sua unio2 tal1e- por outros moti1os. Apesar de no1e anos se terem

passado2 muitos condenaram o casamento de Esther. Mas no eu. Sma mulher temdireito derecomeçar sua 1ida2 ter os 0ilhos 9ue dese3a. Ela passou por momentos di0íceis2tendo 9ue educar so-inha duas crianças2 sem um trabalho nem uma renda. o'odepoisda morte de Au'usto2 precisou mudar7se da casa onde mora1a2 por no poder maispa'ar as despesas e o alu'uel. /oi para uma penso e ps 1enda m>1eis eob3etosdo chal( da rua Cote'ipe: as cadeiras e a mesa da sala de 3antar2 a cama da0ilha e o berço do 'aroto2 os ba)s2 os utensílios da co-inha2 as roupas de camado en;o1al2bordadas por ela mesma e por suas irms e sua me2 lenç>is e 0ronhas de linhocom as iniciais de Au'usto e EstherH toalhas de banho e de mesa com 'uardanapos2i'ualmentebordados2 um 0a9ueiro incompleto2 uma bacia e seu 'omil2 em louça2 a m&9uina deescre1er2 9ue 0oi de dilon e na 9ual ele e Au'usto datilo'ra0aram o contrato depublicaço do li1ro2 apetrechos de co-inha2 lustres2 candeeiros2 o delicadoterço de cristal de Esther2 os mos9uiteiros2 as mesinhas2 um arm&rio de roupas2umapoltrona2 a mar9uesa*!#de palha na 9ual Adormeci e sonhei com Au'usto2 uma con1ersadeira2 aescri1aninha na 9ual Au'usto trabalha1a2 e sua ele'ante cadeira2 muito parecidacom ele2ma'ra e alti1aH e a mais si'ni0icati1a de todas as peças da mobília2 a maiscomo1ente: a cama do casal.$a penso2 os moradores da cidade le1a1am para Esther bolos de 0ub&2 latas demantei'a2 'oiabada2 espi'as de milho2 9uei3o curado2 0ran'o2 at( mesmo umleito-inho.$o lhe 0alta1a a presença de 1i-inhos e ami'os. $o lhe da1am dinheiro2 poisseria humilhante2 mas 0a-iam7lhe companhia2 le1a1am Glorinha e Guilherme apasseiosem 0a-endas da re'io2 a banhos nos c>rre'os2 a torneios de esportes2 paratomarem sor1ete ou para olharem a che'ada do tremH os m(dicos a atendiam'raciosamente2os comerciantes lhe 1endiam a cr(ditoH as 1i)1as 1isita1am7na e lhe da1amconselhos2 acompanha1am7na ao cemit(rio e capela. Mas isso no basta1a.Esther construiu para Au'usto um t)mulo de 0erro batido2 com uma cru- numa dase;tremidades2 al'o muito simplesH pretendia2 mais tarde2 cobrir a sepultura comm&rmoree pr uma est&tua na cabeceira2 tal1e- $ossa =enhora do Ros&rio2 a santa dacapela do En'enho do %au d@Arco. ,iante do t)mulo2 a3oelhada2 ela re-a1a para aalmade Au'usto e chora1a de saudades.Ela mesma la1a1a sua roupa e a das crianças2 9ue estendia num 1aral nos 0undosda penso. ,e manh saía com os 0ilhos a passear na praçaH s 1e-es entra1a nai're3ae chora1a2 a3oelhada diante do altar. Recebia 1isitas do padre /iorentini e dopre0eito da cidade. \s 1e-es ia 'ente de Cata'ua-es2 ou de ista Ale're2 at(mesmode =apucaia para 1ê7laH a 1i)1a do poeta se tornara a atraço do momento. pintor 9ue passea1a de tarde na linha do trem2 /unchal Garcia2 0e- um retrato a>leo

de Esther2 em roupas ne'ras.

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%assou a ter hor&rios2 1ida re'rada. Quando era 3o1em e 0ica1a en0ermo2hospeda1a7se nos hot(is das montanhas urbanas2 ou os das serras 1erdes de %oçosde Caldas2distantes2 calmosH dessa 1e-2 a )ltima2 trancou7se em seu 9uarto2 com as 3anelas0echadas e as cortinas 1edando a lu-.*!"

F,epois 9ue Dilac morreu2 esti1e em sua casa con1ersando com a irm2 Cora. Quandoela abriu a porta para mim2 0i9uei paralisado por al'uns instantes2 como se aconhecesseha1ia muitos anos. ,isse7lhe 9ue 0ora ami'o de Dilac2 Cora estranhou2 nunca otinha ou1ido 0alar em mim2 mas meus modos 'entis 'anharam aos poucos suacon0iançae ela con1ersou lon'amente comi'o. Mostrou7me o 9uarto do irmo2 sua camacoberta por um cortinado branco7leitoso2 a decoraço 0in7de7siYcle2 o lu'ar decerta 0ormalu;uoso2 con0ort&1el2 onde ele teria escrito2 UAma tua arte sobre todas ascoisas e tem a cora'em 9ue eu no ti1eU.$enhum m(dico satis0a-ia la1o Dilac. Ele tinha pe9uenos escarros san'Víneos2dispn(ias noturnas. =eus pulm<es o 0a-iam roncar2 sibilar2 crepitar2 estertorar.ssoera tomado pelos m(dicos como problemas de ori'em ner1osa. Sm boletim2entretanto2 re1elou 9ue seu coraço esta1a hipertro0iado. Cora me mostrou aradio'ra0ia 9ueDilac trou;era de %aris2 9uando de sua pere'rinaço pelos consult>rios ehospitais 0ranceses. Ele começou a se emaciar. %assou a e1entualmente noreconhecer aspessoas2 a 0a-er per'untas absurdas2 a pensar 9ue esta1a em %aris2 ou a esperaro pai 1ir da Guerra do %ara'uai. Repetia liç<es das aulas de medicina2 a tabuadaou o bê7&7b& da escola de 9uando era criança. Con1ersa1a com Alberto de li1eiracomo se esti1esse ainda 1i1o2 com Bos( do*+K%atrocínio2 com Raimundo de li1eira e 0a-ia declaraç<es de amor adesconhecidas. $essa 0ase de sua doença 0oi atin'ido pela pandemia de 'ripe 9ueatacou o Riode Baneiro. Ainda assim continuou seu ,icion&rio anal>'ico2 para a Academia.Sma noite2 depois de 3antar no 9uarto2 pediu a seu sobrinho2 Ernani2 9ue 0ossebuscar o 0o'areiro no 9ual Cora costuma1a co-inhar doces. ,iante dos olhosestarrecidosdo rapa-2 9ueimou seis maços de manuscritos2 com os poemas U=alom(U2 U=atanU eUBobU2 al(m de di1ersos sonetos e al'uns dramas em 1erso. Mer'ulhou depois numapsicose2numa con0uso mental2 como se esti1esse nos 1elhos tempos de bebedeira. ,elirousem parar2 por 9uin-e dias. e1aram7no para uma casa de sa)de. Ap>s uma melhora2ele pediu para 1oltar casa da irm. Mas 3& esta1a de partida. Ele espera1a amorte e anunciou 9ue ela 1iria 9uando o rel>'io de parede da casa parasse de0uncionar.A partir desse dia2 olha1a obsessi1amente o carrilho.%erto do $atal2 sentado numa poltrona 9ue comprara em ondres2 ele adormeceu. ,emadru'ada pediu um ca0( irm. Cora 0icou ao seu lado at( o amanhecer2derramandol&'rimas silenciosas. Ele tirou por um instante os olhos do carrilho2 olhoupara a 3anela e pediu 9ue abrissem as cortinas. A lu- da manh inundou o 9uarto.UBe 1eu; (crireU2 ele disse.Cora lhe deu papel e uma caneta. Ele se'urou 0irmemente o papel numa das mos ea caneta na outra. Recostou a cabeça na poltrona e morreu. Cora olhou o rel>'iodaparede. pêndulo esta1a im>1el.*+!

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$uma madru'ada2 estou saindo de uma 0arm&cia 9uando ouço a 1o- de al'u(m a mecumprimentar. Z uma 3o1em num 1estido escuro2 ;ale sobre os ombros2 um sin'elochap(ude 0eltro cobrindo seus cabelos. Tem rosto p&lido2 e;presso de al'u(m dotado deuma intensa e so0rida 1ida espiritual. Ela me olha2 tímida.Respondo ao seu cumprimento tocando de le1e na cartola e 3& 1ou me a0astando2

9uando ela me interpela no1amente2 di-endo al'o a respeito de Au'usto dos An3os.%aroe me 1olto2 sorrindo. /alamos al'uns minutos sobre Au'usto2 ela demonstraconhecer muito bem a obra e a 1ida do poeta2 che'a a comentar al'o sobre minhain0?nciapassada 3unto dele2 no En'enho do %au [email protected] me di- 9ue leu meus li1ros de poesias2 9ue me admira muito2 9ue 0icou 0eli-de me 1er eleito o %ríncipe dos %oetas2 9ue ela tamb(m escre1e 1ersos2 e pedepararecitar um deles para mim. $o espera 9ue eu responda e inicia a decla7maço.Apressado2 com os rem(dios de Camila nas mos2 mal ouço as pala1ras 9ue a moçarecita.Quando termina2 abre os olhos e me 0ita2 espera de uma pala1ra. Mas no tenhotempo para con1ersar. Camila est& se sentindo mal e tenho 9ue che'ar em casa2precisome li1rar lo'o*++dessa desconhecida 9ue me impede a passa'em. lho pra os lados.U%reciso irU2 di'o.E saio2 caminhando depressa2 como se 0u'isse.*+*