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ACTAS DE BIOQUÍMICA VOLUME 1
“CONTRACTILIDADE MUSCULAR”
Editores
J. Martins e Silva
Carlos Ribeiro
1989
ii
ACTAS DE BIOQUÍMICA VOLUME 1 1989
As actas do Instituto de Bioquímica destinam-se fundamentalmente à
publicação dos textos completos, lições, conferências e outros trabalhos
apresentados em Cursos Avançados de Pós-Graduação ou Simpósios
Científicos organizados, no todo ou em parte, pelo Instituto de Bioquímica da
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Adicionalmente, poderão incluir artigos originais ou de revisão, fichas
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Instituto de Bioquímica
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Av. Prof. Egas Moniz 1600 LISBOA – PORTUGAL
Endereço Administrativo
Apartado 4098-1502 LISBOA CODEX
iii
1º CURSO AVANÇADO DE BIOQUÍMICA APLICADA À
MEDICINA
“CONTRACTILIDADE MUSCULAR”
Lisboa, 15 e 16 de Dezembro de 1986
iv
ACTAS DE BIOQUÍMICA VOLUME 1 1989
Agradecimento:
Os editores destacam e agradecem o trabalho do Secretariado encarregado
desta publicação, em particular a colaboração de Emília Alves, na preparação
dos textos e da edição final.
As posições científicas e os textos publicados neste volume pelos conferencistas
que participaram no referido curso são da exclusiva responsabilidade dos mesmos.
(C) INSTITUTO DE BIOQUÍMICA DA F.M.L., 1986
Não é permitida a reprodução total ou parcial desta publicação sem a autorização prévia dos
editores.
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ACTAS DE BIOQUÍMICA VOLUME 1 1989
1º CURSO AVANÇADO
DE BIOQUÍMICA APLICADA À MEDICINA
CONTRACTILIDADE MUSCULAR
Organização
Instituto de Bioquímica da Faculdade de Medicina de Lisboa
(dir.: Prof. Doutor J. Martins e Silva)
UTIC-Arsénio Cordeiro do Hospital de Santa Maria
(dir.: Prof. Doutor Carlos Ribeiro)
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Dr. António Pedro Machado
Dr. Daniel Ferreira
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Instituto Nacional de Investigação Científica
Reitoria da Universidade de Lisboa
Secretaria de Estado do Ensino Superior
Sociedade Portuguesa de Bioquímica
Sociedade Portuguesa de Cardiologia
vi
ACTAS DE BIOQUÍMICA VOLUME 1 1989
CONTRACTILIDADE MUSCULAR
Textos das lições proferidas no 1º Curso Avançado de Bioquímica Aplicada à Medicina,
realizado em Lisboa, nos dias 15 e 16 de Dezembro de 1986, organizado pelo Instituto de
Bioquímica da F.M.L.e UTIC-Arsénio Cordeiro do H.S.M.
Editores
J. Martins e Silva
Carlos Ribeiro
Publicado por
Instituto de Bioquímica
Faculdade de Medicina
Universidade de Lisboa
1987
vii
ACTAS DE BIOQUÍMICA VOLUME 1 1989
ÍNDICE
Aspectos microscópicos do tecido muscular esquelético ....................................................... 1
Trindade dos Anjos, R.
Aspectos funcionais das proteínas contrácteis - actina, miosina, tropomiosina
e troponina .............................................................................................................................. 7
Silva Carvalho, L.
Calmodulina e ATPase do cálcio .......................................................................................... 15
Saldanha, C.
Energética do músculo esquelético ...................................................................................... 27
Martins e Silva, J.
Adaptação do músculo ao esforço - hipertrofia e atrofia ...................................................... 45
Gomes Pinto, B.
Adaptação metabólica ao exercício físico .............................................................................. 57
Martins e Silva, J.
Bases fisiopatológicas da fadiga muscular no homem .......................................................... 109
Botas, L.
Anatomia, fisiologia e patologia da placa motora .................................................................. 125
Morgado, F.
Binómio excitação-contracção ............................................................................................... 131
Silva Carvalho, J.
Fisiofarmacologia dos inibidores da entrada de cálcio e perspectivas terapêuticas ........... 143
Polónia, J.; Guimarães, S.
Regulação purinérgica da contractilidade muscular ............................................................. 151
Ribeiro, J. A.
Aspectos microscópicos do tecido muscular liso .................................................................. 157
Trindade dos Anjos, R.
viii
ACTAS DE BIOQUÍMICA VOLUME 1 1989
Particularidades da electrofisiologia do músculo liso - potenciais de membrana,
potenciais de acção e junção neuro-muscular ...................................................................... 161
Silva Carvalho, L.
Aspectos microscópicos do tecido muscular cardíaco .......................................................... 173
Trindade dos Anjos, R.
Períodos refractários ............................................................................................................. 179
Longo, A.
Binómio excitação/contracção - particularidades da acção do cálcio e de outros iões........ 189
Bastos Machado, H.
Fisiopatologia da contracção do miocárdio isquémico ......................................................... 195
Ferreira, R.
Bases energéticas da contracção muscular cardíaca ............................................................. 207
Botas, L.
Registos da electrogénese cardíaca ....................................................................................... 221
Ribeiro, C.
Conclusões e encerramento do curso .................................................................................... 231
Martins e Silva, J.
Actas Bioq. 1989; 1:1-5 1
ASPECTOS MICROSCÓPICOS DO TECIDO MUSCULAR ESQUELÉTICO
R. Trindade dos Anjos
Departamento de Histologia e Embriologia da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa;
Universidade Nova de Lisboa
SUMÁRIO
O tecido muscular esquelético é constituído por células musculares estriadas,
envolvidas por tecido conjuntivo. As células ou fibras musculares são
alongadas, com diâmetro entre 10 e 100 m e de comprimento muito variável,
multinucleadas (várias centenas de núcleos por célula), com Os núcleos
localizados na periferia do citoplasma, sob a membrana celular ou sarcolema. O
citoplasma (sarcoplasma) e caracterizado pela existência de miofibrilhas
formadas sobretudo por miofilamentos de actina (finos) e miosina (espessos). O
padrão de “estriação” transversal da célula muscular esquelética reflecte a
organização estrutural das miofibrilhas. A disposição dos filamentos de actina e
miosina determina a formação de bandas alternadas claras (banda A) e escuras
(bandas I). No centro de cada banda I existe uma estrutura linear (linha Z); a
unidade funcional da miofibrilha - o sarcómero - é delimitada pelas linhas Z.
No sarcoplasma há a realçar a existência de numerosas mitocôndrias, com
disposição característica (aos pares) e a presença de um complexo sistema
rnembranoso, o retículo sarcoplasmático, que envolve cada uma das
miofibrilhas. O retículo está intimamente relacionado com outras estruturas
membranosas de disposição transversal. O sistema tubular T, que é continuo
com o sarcolema. No homem, como na maioria dos mamíferos, há uma grande
heterogeneidade do sistema muscular esquelético (células de contracção lenta,
contracção rápida e tipos intermédios). Cada um destes tipos celulares possui
características ultra-estruturais e propriedades citoquímicas particulares, que
serão analisadas.
Palavras-chave: Músculo, miofibrilha, filamentos, organelos celulares.
TRINDADE DOS ANJOS R.
2
O tecido muscular esquelético (ou estriado) é constituído por células ou fibras
alongadas, cilíndricas, de comprimento variável e diâmetro compreendido entre 10 e l00 m.
As suas dimensões estão dependentes, entre outros factores, do tipo citoquímico de fibra e do
grau de trabalho a que o músculo é submetido (1, 2).
O citoplasma da célula muscular estriada é caracterizado pela presença de
miofibrilhas, de 0,2 a 2 m. de diâmetro, dispostas longitudinalmente e constituídas por feixes
de filamentos finos (actina) e espessos (miosina). O padrão típico da estriação destas células
reflecte a organização estrutural das miofibrilhas em unidades regulares - os sarcómeros. Cada
sarcómero é delimitado pelas linhas Z e apresenta uma zona mediana densa, a banda A, e duas
zonas mais claras, as bandas I. A linha Z constitui o local onde os filamentos finos (de actina)
se inserem e interdigitam, unidos entre si por estruturas lineares que correm obliquamente,
criando um aspecto em zigzag (3). Em secções transversais das miofibrilhas ao nível da linha
Z, os filamentos finos apresentam uma disposição em quadrado, e as pontes que os reúnem
mostram padrões complexos (4). As bandas I, que ocupam as porções laterais do sarcómero,
devem o seu nome ao aspecto Isotrópico ou monorrefringente em microscopia de luz
polarizada. Em microscopia electrónica apresentam-se como zonas pouco densas, constituídas
exclusivamente por filamentos finos de actina que partindo da linha Z atravessam esta região
para penetrar na banda electrono-densa adjacente. A zona conhecida como banda A
(Anisotrópica ou birrefringente) é constituída por filamentos espessos e finos. Estes últimos
não alcançam a porção central do sarcómero, que é exclusivamente formada por filamentos
espessos, e esta zona mediada, menos densa do que a restante porção da banda A, é designada
por banda H. A linha M, na sua porção central, resulta da união dos filamentos espessos.
FIGURA I
Secção longitudinal de músculo estriado esquelético. Observam-se várias
miofibrilhas sobrepostas. Estão assinalados os vários componentes de um
sarcómero (X 17000)
Em secção transversal, os filamentos apresentam a nível da banda A um arranjo
particular, com os filamentos espessos colocados Segundo um padrão triangular. Na porção
mais externa daquela banda os filamentos finos apresentam um padrão hexagonal, de modo
que seis filamentos finos envolvem um filamento espesso (5). Observam-se ainda projecções
MICROSCOPIA DO MÚSCULO ESQUELÉTICO
Actas Bioq. 1989; 1:1-5
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laterais que partem dos miofilamentos espessos na direcção dos miofilamentos finos a
intervalos regulares (6).
Os filamentos finos são constituídos essencialmente por actina, mas também por
outras moléculas como a tropomiosina, a troponina, e a actinina. Os filamentos espessos, para
além da miosina, possuem em pequena percentagem proteína M.
Nas células musculares normais as mitocôndrias estão localizadas aos pares de cada
lado das linhas Z, no sarcoplasma. Em certos tipos de fibras dispõem-se longitudinalmente,
formando filas entre as miofibrilhas, podendo ainda localizar-se junto à membrana plasmática
ou aos pólos nucleares. O número de mitocôndrias é habitualmente elevado nas células
musculares esqueléticas, mas varia de acordo com o tipo de músculo (7).
O sistema T é constituído por invaginações da membrana plasmática, que correm
perpendicularmente ao eixo da célula muscular, a nível da junção A-I. Por vezes, pequenas
estruturas tubulares longitudinais estabelecem anastomoses entre túbulos T pertencentes ao
mesmo sarcómero (8,9). O interior dos túbulos T comunica directamente com o espaço extra-
celular, e esta relação estrutural facilita o mecanismo de condução dos impulsos que levam à
contracção muscular.
Cada miofibrilha está envolvida por um complexo sistema de membranas, formado
por túbulos e sáculos, que constituem o retículo sarcoplasmático. As porções tubulares
orientam-se ao longo das miofibrilhas, anastomosando-se entre si ao nível da banda. H, para
formar cisternas fenestradas (10); ao nível da junção entre a banda A e a banda I os túbulos
reúnem-se para formar grandes cisternas terminais, ou de junção, com material finamente
granular electrono-denso no seu interior. Em regra, um túbulo I fica localizado entre duas
cisternas terminais, sendo o conjunto desta estrutura designado “tríade”. A membrana de cada
cisterna invagina-se ao longo da superfície que se relaciona com o túbulo T, e entre os pontos
de invaginação fica apenas um espaço muito apertado, de 10 m, a separar as duas estruturas
(11). Neste espaço observam-se alternadamente zonas electrono-densas e zonas mais claras, o
que lhe confere urna aparência reticulada (12).
FIGUIRA II
Esquema de uma célula muscular esquelética, mostrando l- cisternas
terminais; 2- cisternas fenestradas; 3- mitocôndrias; 4-túbulo T; 5-junção A-
I; 6- linha Z.
TRINDADE DOS ANJOS R.
4
O aparelho de Golgi está muito pouco desenvolvido nas células musculares, e é
constituído por alguns sáculos localizados nos pólos nucleares. Os lisossomas, também raros,
ocupam a mesma área citoplasmática.
Ribossomas e retículo endoplasmático rugoso são encontrados sobretudo em células
em crescimento ou regeneração, mas são escassos nas células musculares adultas normais.
No citoplasma, ou sarcoplasma, localizam-se ainda grânulos de glicogénio sob a forma
de partículas B que preenchem a maior parte da região entre as miofibrilhas. Também existem
gotículas lipídicas abundantes junto das mitocôndrias. O g1icogénio e os lípidos constituem
os materiais energéticos necessários para o mecanismo da contracção muscular.
Os núcleos da célula muscular estriada são em número de várias centenas, encontram-
se localizados na zona adjacente à membrana plasmática e têm forma ovóide ou cilíndrica.
Pode apresentar indentações, em especial quando a célula está contraída (13). O invólucro
nuclear apresenta duas membranas, uma interna e outra externa, separadas por urna zona
pouco densa e interrompidas por inúmeros orifícios, os poros nucleares.
A membrana celular ou sarcolema é revestida externamente por uma lâmina basal
continua formada por lipoproteínas e associada a fibras de colagéneo e de elastina.
Adjacentes a algumas fibras musculares existem células mononucleadas designadas
células satélite. Os dois tipos celulares partilham urna lârnina basal comum. São células
fusiformes, com citoplasma escasso, pobres de organelos celulares. O seu número varia com a
idade, diminuindo rapidamente nos primeiros anos de vida. As células satélite são
consideradas precursores das células musculares estriadas, com um papel importante no
crescimento e na regeneração do tecido muscular esquelético.
Com base em diferenças citoquímicas e ultraestruturais, a que correspondem
propriedades fisiológicas distintas, existem vários tipos de células musculares que se associam
em percentagens variáveis no músculo esque1ético (14). As células do tipo I, pobres em
actividade ATP-ásica, são ricas em sarcoplasma, mitocôndrias, e gotículas lipídicas, e os
sarcómeros apresentam linhas Z caracteristicamente espessas. Contêm valores elevados de
enzimas oxidativos e mioglobina e são designadas por células vermelhas ou de contracção
lenta, estando envolvidas predominantemente nas reacções tónico-posturais. As células do
tipo II, ricas em actividade ATP-ásica, apresentam um retículo sarcoplasmático mais
desenvolvido e maiores quantidades de glicogénio. Estas células são chamadas células
brancas ou de contracção rápida e participam sobretudo em movimentos de curta duração (1,
15, 16). As fibras do tipo II são ainda subdivididas em tipo II A (actividade oxidativa
predominante) e tipo II B (actividade glicolítica mais importante). Algumas células
musculares modificadas constituem os elementos celulares dos fusos neuro-musculares. Estas
células intra-fusais apresentam características ultraestruturais e citoquímicas próprias e
possuem inervação sensitiva e motora. Estão descritos dois tipos distintos destas células, que
se agrupam em número de 4 a 12, e são envolvidas por uma cápsula de tecido conjuntivo. Os
fusos neuro-musculares encontram-se dispersos no músculo e participam na regulação da
contracção muscular, através das suas vias nervosas aferentes (17).
No tecido muscular, as céu1as estão separadas por tecido conjuntivo laxo, com alguns
fibroblastos e fibras de colagéneo. O tecido conjuntivo que envolve as fibras individuais é
denominado endomísio; o perimísio circunda grupos de fibras musculares e o epimísio
envolve o músculo.
Na junção mio-tendinosa os feixes de fibras colagéneas que constituem o tendão vão
inserir-se profundamente em invaginações membranosas da porção terminal da cé1ula
muscular. As fibras colagéneas estabelecem contacto íntimo com a lâmina basal. Nas céu1as
MICROSCOPIA DO MÚSCULO ESQUELÉTICO
Actas Bioq. 1989; 1:1-5
5
há zonas filamentares densas, semelhantes a linha Z, que constituem locais de união entre os
sarcómeros terminais e a membrana plasmática adjacente a junção mio-tendinosa.
BIBLIOGRAFIA
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Johannessen J (editor). Mc Graw-Hill, 1981,Vol 4, pp 257-292.
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16. FARDEAU M. Caracteristiques cytochimiques et ultrastructurales des differents types de
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17. BUTLER R. „A new grouping of intrafusal muscle fibers based on developmental
studies of muscle spindles in the cat. Am J Anat 156:115,1979.
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ASPECTOS FUNCIONAIS DAS PROTEÍNAS CONTRÁCTEIS - ACTINA, MIOSINA,
TROPOMIOSINA E TROPONINA
L. Silva Carvalho
Instituto de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Lisboa
RESUMO
As proteínas intra-celulares são classificadas em estruturais, contrácteis e
reguladoras. Assim são apresentadas, de forma esquemática, as estruturas
moleculares da miosina, actina, tropomiosina e troponina, com referência
especial à organização dos miofilamentos (grossos e finos), bem como à
actividade ATPásica da miosina. A contracção muscular é interpretada 'a luz da
teoria do filamento deslizante de Huxley e são apresentadas algumas
experiências que a contrariam parcialmente. O mecanismo de contracção do
músculo liso é comparado com o do músculo esquelético, sendo dado especial
relevo à regulação da interacção actina/miosina.
INTRODUÇÃO
Podemos considerar o músculo como uma máquina biológica de conversão de energia
química em mecânica. A sua compreensão envolve, por um lado, a análise dos processes
energéticos desta conversão, e por outro, o dos aspectos mecânicos. É desta última parte que se
ocupa esta breve revisão, ou seja, do modo como o movimento no músculo se dá a nível
molecular.
As proteínas intracelulares do músculo esquelético podem-se dividir (1) em solúveis em
água, ou miogénio, as quais representam 20 a 25% do total proteico; e em insolúveis, também
chamadas filamentosas. Estas últimas são as proteínas contrácteis, as quais podem ser
subdivididas em proteínas contrácteis propriamente ditas (miosina e actina), e proteínas
reguladoras (tropomiosina e troponina). Abordaremos sucessivamente: I - Miosina; II - Actina,
tropomiosina, troponina; III - Teoria do filamento deslizante; IV - Proteínas contrácteis no
músculo liso.
Palavras-chave: Contractilidade muscular, proteínas contrácteis, actina, miosina, tropomiosina,
troponina
SILVA CARVALHO L.
8
I – Miosina
A miosina é o componente principal dos filamentos grossos do músculo esquelético.
Trata-se de uma molécula comprida e assimétrica (Fig. I), que tem uma cabeça globular. Cada
molécula é formada por duas cadeias polipeptídicas pesadas, cada uma com cerca de 1800
resíduos de aminoácidos. Cada cadeia pesada tem uma conformação helicoidal. As duas
cadeias estão enroladas entre si. Ao nível da cabeça globular, as cadeias encontram-se
pregueadas. Assim, as cabeças globulares de miosina são formadas por pregueamentos das
cadeias polipeptídicas pesadas. Além destes pregueamentos das cadeias pesadas, as cabeças
globulares contém 4 cadeias leves. Duas são idênticas e tem um peso de 18000, e as outras
duas são diferentes, uma com peso de 16000 e outra com o peso de 21000.
FIGURA I
Representação esquemática da molécula de miosina. (segundo Lehninger)
PROTEÍNAS CONTRÁCTEIS
Actas Bioq. 1989: 1:7-15
9
A molécula de miosina pode ser separada em fragmentos. A exposição da molécula à
tripsina (2) ou à quimiotripsina (3) provoca a sua divisão em dois fragmentos: a meromiosina
leve (F 3) e a meromiosina pesada (F 1 + IP 2). A papaína (4), divide a molécula em dois
segmentos provenientes da cabeça (SF 1) e um longo fragmento constituído por (F 2 + F 3).
Verificou-se já há muito tempo (5), que as preparações de miosina tinham capacidade
de hidrolizar o grupo fosfato terminal do ATP, e que esta propriedade reside num dos
segmentos SF 1 (1). Cada segmento SF 1 contém dois grupos sulfohidrilo diferentes. O
bloqueio de um desses grupos aumenta a actividade ATPásica; o bloqueio do outro impede-o.
Existem assim, em cada segmento SF 1, dois grupos sulfohidrilo, um inibidor e outro
catalizador. É também nos segmentos SF 1 que reside a capacidade de união à actina.
Como atrás referimos, a miosina é o constituinte principal dos miofilamentos grossos.
Cada filamento grosso tem cerca de 1500 nm. de comprimento e cerca de 10 nm. de diâmetro.
É constituído por moléculas de miosina (cada uma com 160 nm. de comprimento) dispostas
paralelamente e com as cabeças dirigidas para fora do centro do filamento (Fig. II). De cada
lado da zona central a orientação de todas as cabeças de miosina é idêntica e oposta às do
outro lado. Deste modo em cada hemi-sarcómero todas as cabeças de miosina estão orientadas
no mesmo sentido e este é oposto entre os dois hemi-sarcómeros.
FIGURA II
Representação esquemática da disposição das moléculas de miosina nos
filamentos grossos (segundo Best y Taylor)
Um corte transversal dos filamentos revela-nos que em cada filamento grosso as
cabeças se projectam formando 6 pontes transversais. Estas cabeças de miosina têm a
capacidade de unirem a sítios sensíveis da molécula de actina.
Nos filamentos grossos além de miosina existem outras proteínas: a proteína M e a
proteína C, a quem têm sido atribuídas, respectivamente, as funções de manter unidas as
moléculas de miosina a nível da linha M, e a de manter a posição relativa das moléculas de
miosina.
II - Actina. Tropomiosina e Troponina.
A molécula de actina apresenta-se sob a forma de duas fitas de actina F (fibrosa), que
é um polímero de actina globular (G) (6), que se enrolam uma na outra para constituírem um
filamento fino. Esta hé1ice tem um diâmetro de cerca de 6 nm. Associadas à actina existem as
SILVA CARVALHO L.
10
proteínas reguladoras, a tropomiosina e a troponina. A tropomiosina é uma molécula
comprida com cerca de 40 nm. de comprimento e dispõe-se ao longo da actina. Cada
molécula de tropomiosina está em contacto com uma única fita de actina F Fig. III). Cada
molécula de tropomiosina estende-se ao longo de sete monómeros G. A outra proteína
reguladora importante presente nos filamentos finos a troponina.
FIGURA III
Disposição das moléculas de tropomiosina e troponina nos filamentos finos e sua
relação com as cabeças de miosina.
Nesta molécula existem 3 subunidade: T, C e I. A subunidade T fixa-se à
tropomiosina, a C tem a capacidade de fixar cálcio e a I (inibidora tem a capacidade de inibir
a interacção entre a actina e a miosina. A subunidade C quando fixa cálcio modifica a
conformação da molécula de troponina. Esta modificação leva a tropomiosina a "destapar" os
sítios de actina sensíveis a miosina.
III - Teoria do filamento deslizante (Huxley)
Os filamentos finos e grossos dispõem-se regularmente no sarcómero (Fig. IV). As
faixas I têm apenas actina, as A actina e miosina, e as H apenas miosina. O tamanho da faixa I
c H varia com o comprimento do sarcómero, enquanto a faixa A se mantém inalterada. Assim,
para os maiores afastamentos das linhas Z observam-se os maiores tamanhos da faixa I,
enquanto que para os menores as faixas I quase desaparecem. A contracção do músculo dá-se
em cada sarcómero pela aproximação das linhas Z, o que acontece por deslizamento dos
PROTEÍNAS CONTRÁCTEIS
Actas Bioq. 1989: 1:7-15
11
filamentos finos sobre os filamentos grossos. Huxley sintetizou o processo numa teoria,
conhecida actualmente por teoria do filamento deslizante de Huxley (7). Segundo esta, o
músculo contrai-se porque a miosina se une e separa ciclicamente a sítios sensíveis da actina
puxando-os para o centro do sarcómero e aproximando as duas linhas Z. O modo como
decorre este processo está esquematizado na Figura V. Nesta, vemos (à esquerda em cima)
um filamento fino de actina e uma ponte de miosina leve. Nesta situação o músculo está
relaxado. Quando se dá a excitação do músculo liberta-se cálcio, o qual se une à subunidade C
da troponina. As modificações de conformação subsequentes levam a tropomiosina a
"destapar" os sítios sensíveis da actina. Nestas condições, a cabeça de miosina projecta-se e
prende-se ao sítio sensível da actina (à esquerda em baixo e à direita em cima). Segue-se uma
rotação da cabeça de miosina (à direita em baixo) a qual "puxa" o filamento fino no sentido
indicado pela seta. Após esse movimento a cabeça de miosina separa-se da actina. A cabeça
de miosina retoma a sua orientação primitiva e "encaixa" noutro sitio sensível da actina. O
processo repete-se sucessivamente e o filamento fino, num movimento análogo ao verificado
numa cremalheira, aproxima-se do centro do sarcómero. Em cada ligação e rotura da miosina
e da actina há gasto de energia sob a forma de ATP. Todas as cabeças de miosina de um
hemi-sarcómero (Figura II) puxam o filamento fino para o centro do sarcómero. As cabeças
da miosina do hemi-sarcómero esquerdo puxam os filamentos finos da esquerda para a direita
e as do hemi-sarcómero da direita para a esquerda. Há assim aproximação das linhas Z e um
encurtamento do sarcómero. Tem sido proposta uma pequena modificação desta teoria: além
do movimento de rotação da cabeça de miosina, existiria um deslizamento de uma metade da
cabeça globular sobre a outra metade, o que aumentaria a eficácia do movimento de rotação.
FIGURA IV
Diagrama da disposição dos filamentos finos e grossos no sarcómero e da
sua contribuição para a constituição das faixas I, A e H.
SILVA CARVALHO L.
12
FIGURA V
Esquema de dois mecanismos possíveis para a produção do movimento de deslizamento dos
filamentos de actina sobre os de miosina (segundo Huxley)
A teoria do filamento deslizante, hoje bastante difundida, deve, apesar de tudo, ser
encarada de forma crítica. Ela sugere que para a contracção e fundamental a disposição
especial relativa da actina e miosina. Experiências realizadas por Oplatka e col. parecem
indicar que essa relação aumenta a eficácia e o rendimento da contracção, mas não é essencial
para ela se processar (8).
Oplatka e col. removeram o citoplasma de células musculares expondo-as a uma
solução de glicerol a 50%. Estas fibras continham apenas proteínas estruturais e contrácteis.
Esta preparação contrai-se na presença de ATP. Em seguida extraíram a miosina. As fibras
não apresentavam filamentos grossos e não se contraíam. Estes investigadores incubaram em
seguida estas células num meio contendo meromiosina pesada. O músculo continuava a não
apresentar filamentos grossos, mas recuperava a capacidade de se contrair com força superior
a 1/3 da força de contracção da fibra íntegra. A estrutura filamentosa parece, segundo estes
resultados, não ser indispensável à contracção, embora aumente a sua eficácia.
IV - Proteínas contrácteis no músculo liso
No músculo liso podem ser encontradas miosina, actina, tropomiosina, mas não tem
sido identificada troponina (9).
A miosina é semelhante à encontrada no músculo esquelético, verificando-se
diferenças apenas a nível das cadeias leves. Apresenta actividade ATPásica a nível da cabeça
globular. A actina é muito semelhante à encontrada no músculo esquelético e no músculo
cardíaco, o mesmo acontecendo à tropomiosina.
PROTEÍNAS CONTRÁCTEIS
Actas Bioq. 1989: 1:7-15
13
Não existindo troponina, a regulação da interacção actina/miosina é diferente no
músculo liso. Na verdade, a miosina só pode ser activada pela actina depois de sofrer uma
modificação (Figura VI). O enzima quinase das cadeias leves de miosina transfere um grupo
de fosfato do ATP para um resíduo de uma cadeia leve da miosina, transformando a miosina
em miosina activável por actina. A referida quinase, para manifestar a actividade necessita da
presença de cálcio e da proteína ligadora de cálcio - a calmodulina. A actividade ATPásica do
complexo actina/miosina do músculo liso é inferior à do músculo esquelético.
FIGURA VI
Diagrama da molécula de miosina ilustrando a fosforilação das cadeias leves de miosina
(segundo Adelstein).
SUMARY
The intracellular proteins are classified as structural, contractile and
regulatory. The two last ones are identified with those involved in muscle
contractility. Structures of myosin (with a particular reference to its ATPase
activity and molecular organization of thick filaments), actin tropomyosin
and troponin (with reference to organization of thin myofilaments) are
presented. Muscle contractility is a result of interaction of thin and thick
filaments (Huxley). Some experiments contradicting that theory are
refereed. Contractile proteins of smooth muscle are compared with those of
skeletal muscle. Emphasis is put on mechanism of regulation of the actin-
myosin interaction.
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Actas Bioq. 1989; 1:15-25 15
CALMODULINA E ATP-ase DO CÁLCIO
Carlota Saldanha
Instituto de Bioquímica da Faculdade de Medicina de Lisboa
RESUMO
O processo de contracção do músculo esquelético inicia-se com a libertação de cálcio
existente no retículo sarcoplásmico despolarizado, após excitação nervosa. Os iões
cálcio ligam-se à troponina C e as alterações conformacionais ocorridas no complexo
resultante transmitem-se às moléculas de tropomiosina e actina, possibilitando a
interacção actina-miosina conducente à contracção muscular. O relaxamento muscular
ocorre por repolarização da membrana do retículo sarcoplásmico, acompanhada de
influxo de Ca2+
mediado pela bomba de Ca2+
(actividade ATPase). A calmodulina
(CaM) é uma proteína receptora de Ca2+
para o qual possui alta afinidade (Kd 10-6
M) e
especificidade, que intervém na contracção e relaxamento musculares de modos directo
e indirecto, respectivamente. O primeiro processo refere-se à interacção miosina-actina,
que é facilitada pela fosforilação das cadeias leves de miosina na presença da proteína-
cinase (da cadeia leve da miosina) dependente de Ca2+
e calmodulina. A fosforilação da
cadeia leve da miosina (extremidade globular) induz alterações conformacionais nesta
("cabeça"), favoráveis à ligação com a actina. A acção indirecta da calmodulina
manifesta-se pela calsequestrina (proteína da membrana interna do retículo
sarcoplásmico) que apresenta propriedades de proteína-cinase dependente da
calmodulina, e está envolvida na regulação da actividade enzimática da ATPase
Ca2+
Mg2+
. As alterações conformacionais existentes na ATPase Ca2+
Mg2+
(que ocorrem
na interconversão da enzima entre dois estados) e nas proteínas tropomiosina e actina,
estão associadas às funções biológicas de relaxamento e contracção musculares.
Palavras-chave: Conformação proteica, calmodulina, calsequestrina, ATPase Ca2+
Mg2+
,
fosforilação
CALMODULINA E ATPase DO CÁLCIO
Actas Bioq. 1989; 1:15-25
16
ABERTURA DOS CANAIS DE CÁLCIO POR ESTIMULAÇÃO NERVOSA
A propagação do impulso nervoso na placa motora induz despolarização na membrana
externa da fibra muscular. A passagem do potencial de acção resultante para o interior da fibra
muscular é mediada pelos túbulos T que transmitem um sinal A cisterna terminal, com
consequente abertura dos canais de Ca e saída do ião para o espaço mioplásmico (ou
sarcoplasma). Eizenberg (1) confirmou o mecanismo molecular explicativo da natureza do sinal
proposto por Fransini-Armstrong e Nunzi (2) e Shneider e Chandler (3), que consiste na indução
de alterações conformacionais numa enzima localizada na cisterna terminal com prolongamento
pelo túbulo T, (proteína juncional) pelos factores variação do potencial de membrana e
movimento de carga ocorrentes na membrana do túbulo T (Fig. 1). O produto resultante da acção
catalítica da enzima é um efector actuante nos canais de saída de cálcio, situados na cisterna
terminal.
FIGURA 1
a) Esquema estrutural de junções intracelulares constituídas entre regiões de cisterna terminal do
retículo sarcoplásmico que ladeiam um túbulo transverso T no músculo esquelético. b)
Ampliação de uma junção celular: aquando da despolarização do túbulo transverso T ocorrem
alterações conformacionais nos receptores localizados na membrana deste as quais são
transmitidas à proteína funcional com subsequente abertura dos canais de cálcio.
Outros mecanismos têm sido sugeridos, baseados no aumento da concentração de
Ca2+
citoplásmico como indutor da abertura dos canais (4).
ACÇÃO BIOLÓGICA DO Ca2+
INTRACELULAR
O aumento da concentração, de cálcio no sarcoplasma esta associado A contracção
muscular por estimulação de processes sequenciais, que envolvem (i) interacções do ião cálcio
com moléculas de troponina C com consequente alteração conformacional desta proteína, (ii)
SALDANHA C.
17
que é transmitida às moléculas de tropomiosina e actina, (iii) facilitando a posterior ligação à
actina da molécula de miosina (com actividade ATPásica), e inicio de contracção muscular (Fig.
2).
Segue-se o relaxamento muscular, por repolarização da membrana do retículo
sarcoplásmico e reposição dos níveis de Ca2+
no interior da cisterna terminal, à custa de um
processo activo mediado pela bomba de cálcio do retículo sarcoplásmico (caracterizado por
actividade ATPásica). Adicionalmente, a calsequestrina localizada na membrana externa do
lúmen da cisterna terminal contribui para a manutenção dos níveis normais de cálcio dentro do
retículo sarcoplásmico.
FIGURA 2
O processo de contracção do músculo esquelético induzido por estimulação nervosa
consiste no movimento dos filamentos finos (I) e grossos (A) resultante da ocorrência de
alterações conformacionais das proteínas (miosina, actina, tropomiosina e troponina) induzidas
pelo ião cálcio.
O processo bioquímico de contracção/relaxamento musculares requer a participação do
ião cálcio nas etapas de transporte passivo (canais de Ca2+
) e activo (ATPase Ca2+
) e da
interacção com as proteínas troponina e calsequestrina.
O ião cálcio intracelular ocorre em baixas concentrações (10-7
M a 10-8
M) e apresenta
propriedades atómicas (raio iónico e número de coordenação) que contribuem para o exercício
da função biológica de segundo mensageiro com características de universal, mercurial,
sincrónico e cominatório (5).
A concentração de cálcio intracelular pode ser alterada em alguns tecidos por um
processo dependente da renovação metabó1ica dos fosfoacilinositois, que são desdobrados pela
CALMODULINA E ATPase DO CÁLCIO
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18
acção da fosfolipase C em inositol trifosfato (IP3) e diacilglicerol (DG) (6). O IP3 induz a
mobilização do Ca2+
dos organelos intracelulares para o citoplasma e estimula as proteínas-
cinases dependentes da calmodulina; o diacilglicerol activa a proteína-cinase C (6). Assim, as
proteínas cinases activadas intervêm em reacções de fosforilação de proteínas intracelulares que
consequentemente participam nos processes conducentes à resposta celular - imediata
(dependente de IP3) e/ou sustida (dependente do DG) - ao estímulo inicial.
O grau de fosforilação das cadeias leves de miosina aumenta proporcionalmente à
frequência de contracção do músculo esquelético (7). No entanto, há discordância quanto ao
envolvimento do inositol-trifosfato na regulação da contracção do músculo esquelético (8, 9, 10).
Meyer (11) sugeriu que o ião cálcio, para exercer a acção de segundo mensageiro,
necessita da presença de proteínas ligantes. A primeira calciproteína a ser descoberta foi a
troponina C (12), seguida da calmodulina, cuja origem e composição da palavra estão ligadas a
Sheung e Kakinchi (13).
CARACTERIZAÇÃO DA MOLÉCULA DE CALMODULINA
A calmodulina (CaM) regula a concentração intracelular do cálcio em vários tecidos e
medeia múltiplas funções do ião actuando em enzimas-chave de sistemas de transporte e
sequências metabó1icas (proteína-cinases e fosfatases) (14-17). O Quadro 1 apresenta exemplos
de cé1ulas e/ou tecidos onde se localiza e actua a calmodulina (5, 16, 17).
QUADRO 1
EXEMPLOS DE ALGUNS PROCESSOS BIOLOGICOS MEDIADOS PELA
CALMODULINA
________________________________________________________________
LOCALIZAÇÃO PROCESSOS BIOLOGICOS
________________________________________________________________
Membranas pós-sinápticas Libertação de neurotransmissores
Espermatozóides Fertilização do óvulo
Células epiteliais do intestino Contractilidade muscular
Metabolismo do glicogénio
Fígado Metabolismo do glicogénio
Pâncreas Secreção da insulina
Coração, Cérebro Metabolismo dos nucleótidos
Cromossomas Mitose-polimerização e despolimerização dos
microtúbulos
________________________________________________________________
A calmodulina apresenta características acídias, estrutura terciária (18) com quatro locais
de ligação ao cálcio (19), cujo preenchimento pode ser parcial e/ou total (5) (Fig. 3).
SALDANHA C.
19
FIGURA 3
Representação esquemática do preenchimento dos quatro locais de ligação existentes na
molécula monomérica de calmodulina (CaM) pelos iões cálcio e consequentemente alteração
conformacional para a forma de monómero activo (Ca CaM).
Apesar do elevado número de estudos experimentais efectuados, para esclarecer o
processo de ligação cálcio/calmodulina, mantêm-se a controvérsia entre dois modelos que
propõem a existência na molécula de calmodulina de quatro centros de ligação, com afinidade
semelhantes ou dois pares de centros com afinidade distinta.
Os resultados obtidos com ensaios microcalorimétricos (20) e de antagonismo Ca2+
/H+
(21) apontam a presença de quatro centros de ligação independentes na calmodulina, com
valores de constantes de afinidade semelhantes para o cálcio.
Pelo contrário, a interpretação dos dados obtidos com estudos de ressonância magnética
nuclear (22) e de cinética rápida (23), suporta o modelo de dois pares de locais de ligação
orientados nas extremidades amina e carboxilo que apresentam relativamente ao cálcio valores
distintos de constantes de afinidade.
A calmodulina tem outros seis centros de ligação passíveis de serem ocupados por outro
ião que eventualmente module a ligação Ca2+
/calmodulina (24).
A ligação do ião à calmodulina induz nesta alterações conformacionais traduzidas pelo
aumento do conteúdo da estrutura , hé1ice e maior exposição à superfície de segmentos
hidrofóbicos, os quais constituem zonas de ligação a proteínas-alvo (5). Contudo, estas são
activadas pela calmodulina se, pelo menos, três centros de ligação estiverem ocupados pelo ião
cálcio (24).
A ligação entre o complexo Ca2+
calmodulina e as enzimas-alvo pode ser inibida por uma
variedade de compostos exógenos de natureza hidrofóbica (fenotiazinas (25),
naftalenosulfonamidas (26), antagonistas do cálcio (27) e macromoléculas endógenas (proteínas
de baixo peso molecular (28) e polipéptidos (29).
As proteínas-alvo que são activadas pela calmodulina não apresentam domínios
específicos comuns para a ligação; podem ser classificados com base nos locais de ligação
existentes na molécula de calmodulina que intervém no processo (30). Assim, existem três
classes consoante são activadas (i) pelo fragmento C-terminal e pelo complexo CAPP-
CALMODULINA E ATPase DO CÁLCIO
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20
calmodulina (calmodulina covalentemente ligada a um derivado de fenotiazina), (ii) pelo
complexo CAPP-calmodulina e interacção sem activação pela extremidade C-terminal, (iii) por
ligação a dois locais que não são os referidos (30).
A utilização de efectores em estudos experimentais contribui para o conhecimento do
mecanismo molecular de contracção muscular, em geral, e em particular da acção exercida pela
molécula de calmodulina.
Até à data, no que respeita aos túbulos T do músculo esquelético, não foi identificada
nenhuma proteína de características semelhantes à calmodulina em associação com o canal de
cálcio. Hidalge e colaboradores (31) isolaram e caracterizaram a partir de preparações de túbulos
T de músculo esquelético de coelho uma proteína que apresenta propriedades similares às
reveladas pela Ca2+
-Mg2+
-ATPase associada à bomba de cálcio, isto é, estimulada e inibida,
respectivamente, pela calmodulina e ortovanadato.
Meissner (32) e Plank e col (33) demonstraram in vitro que adições de calmodulina
exógena a preparações de vesículas da cisterna terminal do túbulo T regulam a libertação de
cálcio pelos canais de cálcio. Assim, Meissner (32) sugere que a repressão de saída de cálcio
exercida pela calmodulina impede a remoção total do ião do espaço mioplásmico durante a
actividade muscular prolongada.
No entanto não é controverso que a nível de cadeia leve de miosina (MLC)1
a
fosforilação que ocorre na zona designada por "cabeça", depende da presença do complexo Ca-
calmodulina (Ca-CaM) (Fig. 4). A ligação entre a cinase de cadeia leve da miosina (MLCK)1
(proteína-alvo) e o complexo Ca-CaM conduz ao aparecimento de alterações conformacionais
nas moléculas de calmodulina e de MLCK (34) e o grupo de Tokunaga (35) localizou
recentemente na molécula de miosina a disposição tridimensional dos locais de ligação para as
moléculas de actina e ATP e Ca-CaM.
FIGURA 4
Esquema da fosforilação da cadeia leve da molécula de miosina (MLC) (zona globular A) que
apresenta actividade hidrolítica (ATPasica) e é Ca2+
e calmodulina (CaM) dependente.
1 Siglas de nomenclatura anglo saxónica
SALDANHA C.
21
CARACTERIZAÇÃO DA ENZIMA Ca2+
ATPase NO RETÍCULO SARCOPLÁSMICO
A membrana do músculo esquelético dos túbulos transversos não contêm Ca2+
ATPase
dependente de calmodulina (36). No que respeita à membrana do retículo sarcoplásmico (RS), os
resultados dos estudos efectuados com inibidores de calmodulina sugerem que a fosforilação da
ATPase Ca2+
não é influenciada directamente pela calmodulina (5). A actividade cinase da
calsequestrina, estimulada pela calmodulina, está envolvida na regulação da Ca2+
ATPase (acção
indirecta da calmodulina) (37). A ATPase Ca2+
do RS pode existir nas formas mono (PM
110.000) e dimérica, prevalecendo a ocorrência de dímeros na presença de agente quelante do
ião cálcio (38). A estrutura proposta para a enzima é descrita por um modelo sequencial que
consiste em três domínios que correspondem, nomeadamente, aos locais de fosforilação, ligação
ao cálcio e zona transmembrana (39, 40). Este modelo permite explicar o "ciclo" de reacções que
ocorrem na translocação do ião cálcio do sarcoplasma para o lúmen por cada mole de ATP
hidrolisado, (Fig. 5).
Figura 5
Esquema em "ciclo" da reacção hidrolítica catalisada pela enzima Ca2+
ATPase (40; 41). A
ligação do ião Ca2+
à enzima (E), facilita a ocorrência de fosforilação pelo ATP da enzima (na
subcamada da membrana voltada para o citoplasma) (E1 P.Ca2+
). Subsequentemente a libertação
do ião cálcio no lúmen ocorre por conversão da enzima à forma E2 P.Ca2+
. Posteriormente há
hidrólise de fosfoenzima originando a forma E2 a que se segue isomerização para a forma E1.
No processo de transducção de energia, a enzima adopta dois estados conformacionais, El
e E2. O primeiro tem dois centros de alta afinidade para o ião cálcio, situados na face
citoplásmica da membrana do retículo sarcoplásmico, e o segundo apresenta dois locais de
menor afinidade situados no lúmen. A translocação do ião cálcio dos centros de maior para os de
menor afinidade ocorre em simultâneo com os processes de fosforilação e alteração
conformacional, que são acompanhados por movimentos estruturais no domínio de ligação ao
cálcio (rotação nas hé1ices) (42). A cedência do ião cálcio pela forma E2 é rápida e favorecida
pela presença dos iões amónio.
O proteolípido acídico, fosfolambano, existe na membrana do retículo sarcoplásmico em
igual proporção estequiométrica à da Ca2+
ATPase e é um efector da enzima (43). A forma
CALMODULINA E ATPase DO CÁLCIO
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22
fosforilada do fosfolambano induz alterações conformacionais na enzima, activa a hidrólise do
ATP e a translocação do ião cálcio a ela associado (44).
A diminuição de concentração do ião cálcio no sarcoplasma, resultante da acção da Ca2+
ATPase, induz a dissociação entre o ião e as moléculas de troponina C, ocasionando o
relaxamento. Assim, a energia na forma de ATP é necessária nos processos de contracção e
relaxamento muscular.
SUMMARY
Releasing of calcium ions from the sarcoplasmic reticulum after nervous
stimulation initiates the process of skeletal muscle contraction. Calcium ions
bind to troponin C and conformational alterations occur in the resulting
complexes that are transmitted to tropomyosin and actin molecules, leading to
muscle contraction. Relaxation occurs after repolarization of the sarcoplasmic
reticulum membrane, and is accompanied by calcium influx, which is mediated
by the calcium pump (ATPase activity). Calmodulin is a calcium binding
protein with great affinity (kd 10-6
M) and specificity. It is involved in muscle
contraction and relaxation respectively in a direct and indirect way. The former
process is related to myosin-action interaction, which is facilitated by myosin
light-chain phosphorilation in the presence of a calcium-dependent myosin
light chain protein kinase and calmodulin. Phosphorylation of myosin light
chain (globular extremity) induces conformational alterations on this "head",
which favour its binding to actin. The indirect action of calmodulin is
manifested by calsequestrin (a protein of the inner membrane of sarcoplasmic
reticulum), which presents calmodulin dependent protein kinase properties and
is involve in the regulation of Ca2+
Mg2+ ATP enzymatic activity. The
conformational alterations in Ca2+
Mg2+
ATPase (occurring in the
interconversion between the two states of the enzyme) and in the proteins
tropomyosin and actin proteins are related to the biologic function of relaxation
and muscle contraction.
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Actas Bioq. 1989; 1:27-44 27
ENERGÉTICA DO MÚSCULO ESQUELÉTICO
J. Martins e Silva
Instituto de Bioquímica, Faculdade de Medicina de Lisboa
SUMÁRIO
A contracção do músculo esquelético assenta num sistema de proteínas
filamentosas (particularmente, a actina e a miosina) que deslizam entre si em plano
paralelo. O processo ocorre na dependência de um mecanismo complexo, iniciado
por um impulso nervoso que, ao ser transmitido ao retículo sarcoplásmico, induz o
efluxo de iões cálcio para o sarcoplasma de cada célula muscular (miocito). Na
sequência, é desencadeado o ciclo de interacções da actina com a miosina que subjaz
à contracção muscular, o qual requer o consumo de energia química, por hidrólise do
ATP.
O ATP é indispensável à contracção e, também, ao relaxamento muscular. Os
níveis de ATP intracelular são assegurados, principalmente, pela oxidação completa
da glicose e ácidos gordos e também pelo que provém da fosfocreatina, a qual existe
nos miocitos em concentração cerca de cinco a seis vezes superior à daquele
nucleótido.
A contribuição relativa da glicólise e da fosforilação oxidativa na regeneração
do ATP varia com o tipo de fibras musculares. Enquanto a respiração celular
prevalece nas fibras vermelhas, de contracção mais lenta, a glicólise é fundamental
nas fibras brancas, de contracção rápida. A produção de ATP é controlada,
essencialmente, pelo estado energético celular, regulado pelo ATP e nucleótidos
derivados. Esta acção é exercida nas principais enzimas reguladoras das vias
metabólicas envolvidas no processo, com reflexo no consumo de oxigénio pelos
miocitos.
INTRODUÇÃO
Numa perspectiva global, poderá afirmar-se que qualquer tipo de músculo (esquelético,
liso e cardíaco) é um transdutor de energia química/potencial em energia cinética/mecânica
(Fig.1). Como tal, são indispensáveis vários componentes, em que se incluem os seguintes: (i)
sistema activador do processo, representado por estímulos emanados do sistema nervoso; (ii)
Estrutura com capacidade contráctil, constituída por fibras musculares, cada uma quais contém
Palavras-chave: ATP, fosfocreatina, oxidações metabólicas
MARTINS E SILVA J.
28
feixes de miofibrilhas com capacidade contráctil e capacidade de recuperação do estado original
(relaxamento muscular); (iii) Sistema fornecedor de energia química; (iv) Sistema regulador da
actividade muscular (força, rapidez e duração).
FIGURA 1
Factores intervenientes na transdução energética da actividade contráctil do músculo
esquelético.
Atendendo a que o desenvolvimento das alíneas (i), (ii), e (iv) faz parte das lições de outros
prelectores deste Curso, os respectivos temas serão aqui referidos muito resumidamente, como
base para se analisar o assunto central do presente trabalho (iii). Esta abordagem será circunscrita
ao músculo esquelético, ainda que os restantes tipos de músculo existentes no homem e restantes
vertebrados se lhe assemelhem, em parte, no aspecto estrutural e funcional.
ESTRUTURA E ACTIVIDADE CONTRÁCTIL
O conjunto de músculos esqueléticos do organismo humano perfaz cerca de 40% do peso
corporal. Cada músculo esquelético é constituído por inúmeras células multinucleadas,
fusiformes e longas (miocitos ou fibras musculares), em grande parte extensivas a todo o
comprimento do músculo e revestidas por uma membrana plasmática (sarcolema). Esta
membrana, electricamente excitável, apresenta na face interna minúsculos recortes, através das
quais são transportados (por pinocitose) nutrientes para as fibras musculares. Exceptuando cerca
de 2% das fibras, cada uma das restantes é inervada somente por uma extremidade nervosa que
entra em contacto (formando a placa motriz) sensivelmente ao meio de cada fibra (1,2).
Cada fibra contém um feixe de numerosos (centenas ou milhares) filamentos
(miofibrilhas), com cerca de 1000 nm de diâmetro, dispostos paralelamente ao eixo longitudinal
do músculo e envolvidos pelo citoplasma (designado por sarcoplasma). Este meio intracelular é
rico em glicogénio, fosfocreatina, ATP, enzimas glicolíticas, triacilglicerois, mioglobina,
mioalbumina, iões (em particular magnésio, fosfato e potássio), entre outras substâncias com
acção metabólica. Além de ter muitos núcleos, o músculo esquelético possui também número
muito abundante de mitocôndrias (dispostas entre e paralelamente às miofibrilhas), um aparelho
de Golgi e um retículo endoplásmico com funções mais específicas, designado por retículo
Energia potencial
(energia química)
MÚSCULO ESQUELÉTICO
Energia cinética
(energia mecânica)
Fornecedor Operador Regulador
ENERGÉTICA MUSCULAR
Actas Bioq. 1989; 1:27-44
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sarcoplásmico (3, 4). Esta formação é constituída por um sistema de túbulos fechados, disposto
ao longo do sarcoplasma de modo a envolver as proteínas contrácteis de cada miofibrilha, com
dilatações terminais (cisternas) a intervalos regulares, próximas das extremidades de cada
sarcómero (5).
As miofibrilhas incluem dois tipos de filamentos, espessos (cerca de 1500, cada um
com16 nm de diâmetro) e finos (cerca de 3000, com 6nm de diâmetro aproximado), constituídos
por centenas de moléculas. Estes filamentos, também dispostos longitudinalmente e alinhados
entre, si em paralelo, contêm as principais proteínas musculares com função contráctil ou
reguladora da contracção; os filamentos espessos são constituídos, principalmente, pela miosina,
enquanto nos filamentos finos sobressaem a actina, a tropomiosina e a troponina (Fig.2).
FIGURA 2
Constituição estrutural e molecular de uma fibra de músculo esquelético.
A miosina (do tipo II) é uma das proteínas motoras dependentes do ATP (nucleótido
adenosinotrifosfato), com actividade enzimática própria das fosfatases, neste caso, as ATPases
(6); perfaz cerca de 60-70% das proteínas musculares, enquanto a actina participa com cerca de
20-25% do total proteico muscular. Na forma estável, in vitro, a actina apresenta-se como
monómero (forma G), polimerizando (forma F) em meio salino e de catiões bivalentes, em
particular. O ATP, associado à actina como grupo funcional, é essencial para a polimerização da
actina (7).
A actina (na forma F, polimerizada), a miosina e a tropomiosina estão presentes em todos
os músculos e estruturas equivalentes, enquanto a troponina é restrita aos músculos esqueléticos.
A troponina é constituída, na realidade por um complexo de três polipéptidos: troponina T (liga-
se à tropomiosina), troponina I (inibe a interacção entre actina e miosina e a actividade da
enzima ATPase) e troponina C (cada molécula fixa quatro catiões Ca2+
).
As fibras estão alinhadas entre si em paralelo e no sentido longitudinal. O elevado nível de
organização estrutural destes filamentos confere a cada fibra (do músculo esquelético e também
do cardíaco) um aspecto estriado, de zonas alternadamente escuras e claras no sentido
longitudinal (devido a cada fibra conter muitas miofibrilhas) e transversal (pela variação regular
do conteúdo de cada miofibrilha). Por observação ultramicroscópica e luz polarizada das
Fibras (miocitos)
Miofibrilhas
Filamentos Espessos:
Miosina
Filamentos Finos: Actina (G e F) Tropomiosina Troponina (T, I, C)
MARTINS E SILVA J.
30
miofibrilhas foi verificado que as zonas mais escuras (anisotrópicas) representam as bandas A,
enquanto as zonas claras adjacentes (designadas por bandas I) são isotrópicas (isto é, não são
alteradas pela luz polarizada) (8). Deste modo, cada banda escura está ladeada por duas bandas
mais claras, seccionadas a meio por uma linha muito densa e escura, constituída por matéria
amorfa (linha Z) onde, através das moléculas proteicas da α-actinina, está ligada a actina. As
linhas Z delimitam, a intervalos regulares ao longo das miofibrilhas, segmentos contíguos com
cerca de 2000- 2200 nm de extensão no músculo em repouso, com estrutura e composição
idênticas (sarcómeros), cada um dos quais equivale a uma unidade funcional do músculo (9). No
centro de cada banda A existe uma zona mais clara, designada por zona H.(Fig3).
FIGURA 3
Representação da constituição de um sarcómero e estrutura de uma miofibrilha. Os
filamentos horizontais e paralelos mais finos no interior do sarcómero representam
filamentos de actina F. Os mais espessos, centrais, indicam os filamentos de miosina.
Os sarcómeros são envolvidos por uma membrana intracelular excitável (sistema tubular
T). Este sistema, originado por invaginação do sarcolema, é constituído por um conjunto de
túbulos transversos (de que deriva a designação T) localizada sobretudo junto da linha Z e, por
vezes também, nas proximidades das junções A-I; nestes pontos, o sistema T contacta com as
cisternas do retículo sarcoplásmico, embora permanecendo separados por sarcoplasma; é através
do sistema T que a despolarização eléctrica, iniciada por impulso nervoso, desencadeia a
contracção voluntária (no músculo esquelético) e involuntária (nos músculo liso e cardíaco).
A presença ou ausência de anisotropia depende do tipo (propriedades intrínsecas) de
filamentos existentes em cada banda. Enquanto os filamentos espessos estão localizados na
banda A, os mais finos existem na banda I de cada sarcómero (10). Por conseguinte, as bandas H
e I contêm somente filamentos espessos (miosina) ou finos (actina), respectivamente, enquanto a
banda A possui ambos os tipos (11).
Por observação ultramicroscópica de uma fibra muscular em corte transversal, verifica-se
que cada filamento espesso está como que rodeado por seis filamentos finos, ao passo que cada
Sarcómero (anterior) Sarcómero observado Sarcómero (seguinte)
Linha Z
Banda I Banda A
Zona H
Banda I
Linha Z
ENERGÉTICA MUSCULAR
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um destes fica envolvido por três filamentos espessos. A actina e a miosina apresentam
direccionalidade oposta; enquanto a actina está orientada da linha Z para o centro do sarcómero,
a miosina parte do centro para a periferia; desta disposição resulta que a parte mais interna dos
filamentos de actina intercala-se, simetricamente, com o segmento externo (extremidade S1) dos
filamentos de miosina (excepto na zona H). A zona central do sarcómero (H) contém somente os
segmentos de meromiosina sem a extremidade globular, dirigidos para a periferia do sarcómero,
ao encontro dos centros onde se une à actina. Por via desta interacção (12), ambos os tipos de
filamentos podem ligar-se entre si, do que resulta o encurtamento dos sarcómeros durante a
contracção muscular, sucedendo o inverso no período de relaxamento, com a dissociação dos
pontos de ligação (Fig.4).
FIGURA 4
Modelo de contracção e relaxamento muscular por “deslizamento dos filamentos”. A
contracção do músculo esquelético origina a diminuição de cada sarcómero no
sentido do eixo longitudinal (conversão de A em B). Este encurtamento resulta da
deslocação dos filamentos de miosina ao longo dos filamentos de actina adjacentes,
que são puxados até à zona H através das pontes de interacção estabelecidas entre
ambos. No relaxamento muscular sucede o oposto, pelo que aumenta o comprimento
dos sarcómeros à medida que os filamentos de actina se dissociam da miosina.
No decurso destas fases, o comprimento dos filamentos (finos e espesso) mantém-se
inalterável à custa do encurtamento das zonas H e I durante a contracção e ao seu aumento no
Contracção
(A)
(B)
Relaxamento
MARTINS E SILVA J.
32
relaxamento. De acordo com o modelo estabelecido para a contracção muscular (13-15), cada
uma das pontes cruzadas formadas entre os filamentos de miosina e actina resultam da união
transitória da extremidade livre flexível (cabeça) de cada filamento de miosina a centros de união
(intervalados entre si cerca de14 nm) dos filamentos de actina adjacentes. Esta disposição foi
visualizada por microscopia electrónica (16); à medida que a contracção prossegue, os
filamentos de miosina deslizam ao longo dos filamentos de actina adjacentes, onde se fixam, de
um ponto de união para o seguinte mais distante (a intervalos aproximados de 14 nm),
provocando o encurtamento de cada sarcómero (entre 2200e 1600 nm) e a subsequente
contracção de todo o músculo. Durante a contracção, altera-se o ângulo da cabeça da miosina
unida à actina (17). Por conseguinte, a contracção muscular resulta da fixação e destacamento
cíclicos da cabeça (segmento S-1) de cada filamento de miosina, relativamente aos seus pontos
de união nos filamentos de actina adjacentes (Fig.5). A tensão muscular gerada e mantida
durante a contracção (tensão activa) é proporcional à sobreposição de filamentos e ao total de
pontes formadas entre filamentos de miosina e actina. Por conseguinte, quanto maior for o
número de pontes, maior será a força de contracção.
FIGURA 5
Representação esquemática da interacção cíclica de filamentos de miosina com os de
actina. A contracção do músculo esquelético resulta da interacção dos filamentos de
miosina com as de actina que lhe estão adjacentes. A união da miosina com a actina
requer o dispêndio de ATP, hidrolisado pela ATPase existente nas duas extremidades
globulares (S1) de cada filamento de miosina. A força da contracção faz rodar a
cabeça da miosina, relativamente ao filamento fino, de modo a fixá-la num dos
pontos de união da actina (de a a g), puxando-a no espaço de interdigitação. Segue-se
o destacamento do subfragmento S1 do local onde se uniu com a actina, mediante a
utilização de uma molécula de ATP, e assim sucessivamente, até ser completado o
encurtamento muscular.
Um dos locais que a
molécula de actina
disponibiliza para as
extremidades S-1 da
miosina
g f e d a b c
Sentido da união da extremidade S-1 da
molécula de miosina a sucessivos pontos de
ligação da actina
Filamento de actina e centros de união para a miosina
ENERGÉTICA MUSCULAR
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A miosina exerce múltiplas funções, designadamente: formação de filamentos, actividade
catalítica (ATPase) e apetência para se combinar com a actina (18). Por cada vez que um
filamento de miosina se une a outro de actina é formado um complexo de actomiosina (actina-
miosina). Esta união potencia, em cerca de 100 a 200 vezes, a actividade catalítica da miosina,
localizada na extremidade flexível (S1) de um dos seus componentes estruturais, a meromiosina
pesada (19). Na presença de ATP, a actomiosina dissocia-se nos componentes originais e
produtos da hidrólise daquele nucleótido (ADP e Pi) dando reinício a nova união e formação de
actomiosina (20); caso contrário, se não houver ATP disponível no meio celular, a actomiosina
não se dissocia, originando a rigidez muscular característica do rigor mortis .
CICLO DE CONTRACÇÃO E RELAXAMENTO MUSCULARES
Durante a contracção muscular são identificáveis vários estados do ATP e ADP (21) e de
interacção dos filamentos de miosina e actina (15), enquanto a interdigitação destes filamentos
proteicos progride em ciclos sucessivos de aproximação dos filamentos de actina do centro dos
sarcómeros (15, 22).
No decurso do ciclo de contracção e relaxamento muscular são identificáveis quatro
principais etapas, nas quais o ATP e o catião Ca 2+
são essenciais (Fig.6):
1ª Etapa- Relaxamento muscular, após a hidrólise do ATP pela ATPase da miosina, de
que resulta a formação de um complexo de alta energia, constituído pela miosina, ADP e Pi. Os
centros de união para a miosina que existem nos filamentos de actina estão revestidos por
complexos de troponina C- filamentos de tropomiosina que impedem a formação de pontes
cruzadas.
2ª Etapa - Início da contracção muscular, potencial, após a estimulação nervosa do
músculo. Nesta fase, o efluxo do Ca2+
do retículo para o sarcoplasma fixa-se à troponina C (até
quatro catiões por molécula), induzindo a deslocação dos complexos troponina C- filamentos de
tropomiosina (que cobriam, em repouso, os centros de união existentes na actina). A união dos
complexos de miosina-ADP-Pi aos pontos de união acessíveis nos filamentos de actina, origina a
formação de complexos de actomiosina-ADP-Pi.
3ª Etapa – Segue-se a dissociação do ADP e Pi da actomiosina, ficando esta num estado
de energia mais baixo; esta alteração induz a flexão das cabeças dos filamentos de miosina em
relação às de actina, de que resulta algum arrastamento destas para o centro dos sarcómeros.
4ª Uma nova molécula de ATP liga-se à actomiosina, originando o complexo
actomiosina-ATP; segue-se a dissociação da actina, restando os complexos de miosina-ATP que
precedem o reinício do ciclo. Embora a actina tenha elevada afinidade para o complexo miosina-
ADP-Pi, passa a ter baixa afinidade para o complexo miosina – ATP.
A energia resultante da hidrólise do ATP é essencial para a dissociação da actomiosina e
para aumentar o potencial energético da miosina . Quanto maior for o trabalho muscular mais
elevada será a quantidade despendida de ATP e de energia libertada (efeito Fenn) (23). Por
conseguinte, o aumento da velocidade de hidrólise do ATP é proporcional à rapidez do ciclo de
formação e dissociação das pontes entrecruzadas (16, 24)). Este mecanismo requer também a
participação das proteínas reguladoras que coexistem nos filamentos finos, a tropomiosina e a
troponina. Os filamentos da tropomiosina (organizados em par e dupla hélice), localizados na
goteira formada dupla hélice em que se dispõem os filamentos de actina, asseguram que os
pontos de união potencialmente acessíveis para a fixação das cabeças de miosina permaneçam
inacessíveis á miosina, na ausência de Ca2+
e ATP.
MARTINS E SILVA J.
34
FIGURA 6
Ciclo de associação e dissociação da actina e miosina, dinamizado pelo ATP.
O anião cálcio é um regulador essencial da contracção muscular (25). No músculo
esquelético (e também no cardíaco), actua em associação com a actina, sendo os seus níveis
intracelulares dependentes do retículo sarcoplásmico (26) Em repouso, a concentração (entre 10-8
e 10-7
M) do cálcio presente no sarcoplasma é muito baixa; estes níveis são assegurados por um
mecanismo de transporte activo dependente da Ca2+
-ATPase da membrana do retículo
sarcoplásmico, através da qual os excedentes daquele anião são imediatamente removidos para
seu interior (27), onde se ligam a moléculas proteicas específicas (calsequestrina); os complexos
calsequestrina- Ca2+
armazenam o catião junto da face interna da membrana do retículo
sarcoplásmico até ser requerida a sua mobilização para o sarcoplasma (28). Este efluxo é
desencadeado por uma onda de despolarização, encaminhada através do sistema T, de que resulta
um rápido aumento da concentração de Ca2+
no sarcoplasma, até cerca de 10-5
M (ou pelo menos
10 vezes a concentração em repouso). No citosol, iões Ca2+
ligam-se à troponina C , de que
resulta a interacção desta com as moléculas de troponina T e I (29,30), as quais induzem uma
alteração alostérica na conformação da actina que torna acessíveis os seus pontos de união à
miosina, dando assim início à contracção muscular (31-33). A contracção prossegue enquanto a
concentração de Ca2+
se mantiver elevada no líquido sarcoplásmico (Fig.7).
(Estimulação da contracção)
Actina
ATP
Actina
Actina-Miosina Miosina-ADP-Pi
Miosina-ADP-Pi
Actina
ADP+Pi
(Contracção)
Miosina-ATP
H2O
(Relaxamento muscular) (Fim da contracção)
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FIGURA 7
FIGURA 7
Sequência de etapas que conduzem à contracção muscular após um impulso nervoso.
O processo inverte-se com a interrupção do influxo nervoso e a repolarização do sarcolema
e túbulos transversos; segue-se uma rápida diminuição da concentração do Ca2+
no sarcoplasma
para valores iguais ou inferiores a 10-7
M (34); na sequência da substituição do anterior efluxo
pela recaptação ião Ca2+
pela Ca2+
-ATPase, do sarcoplasma para o retículo endoplásmico; a falta
do ião Ca2+
no sarcoplasma para a torna inacessíveis os pontos de união necessários à formação
da actomiosina; havendo ATP são igualmente interrompidas as pontes entre os filamentos de
actina e miosina (Fig.8).
Por fim, a carência de ATP em situações de dispêndio excessivo ou menor regeneração
metabólica exerce um efeito duplo duas no ciclo de contracção e relaxamento muscular: (i)
Redução da actividade da Ca2+
-ATPase da membrana do retículo sarcoplásmico, de que resulta a
acumulação de iões no sarcoplasma e indução de ligações da miosina à actina; (ii) Ausência de
separação das cabeças de miosina das ligações a actina, com manutenção do complexo da
actomiosina e subsequente rigidez muscular, como sucede, em caso extremo, após a morte.
EXCITAÇÃO- CONTRACÇÃO MUSCULAR
Impulso nervoso- placa motriz
(Acetilcolina)
Despolarização do sarcolema e difusão a
toda a fibra, pelo sistema T
Efluxo de iões Ca 2+ do retículo sarcoplásmico
para o sarcoplasma
Fixação dos iões Ca 2+ ao componente TpC da troponina,
originando alterações de conformação local
Deslocação da tropomiosina relativamente à actina, de modo
a permitir, em ciclos sucessivos, a fixação da extremidade S1
de uma molécula miosina aos centros de união da actina
MARTINS E SILVA J.
36
FIGURA 8
Sequência de etapas que conduzem ao relaxamento muscular após a interrupção do
impulso nervoso.
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS METABÓLICAS DAS FIBRAS MUSCULARES
Existem, pelo menos, dois tipos de fibras nos músculos esqueléticos que, de acordo com
o seu aspecto e cor, se designam por fibras vermelhas ou fibras brancas. As primeiras são
habitualmente associadas a contracções mais lentas, sendo as segundas de contracção rápida
(35). Porém, na generalidade, todos os músculos esqueléticos têm ambos os tipos de fibras
musculares, ainda que em proporção variável, dependendo de características genéticas função
realizada, localização anatómica e treino físico (36-38).
A designação das fibras vermelhas advém do seu elevado conteúdo em mioglobina, ao
contrário do que sucede nas fibras brancas. Adicionalmente, as fibras vermelhas possuem maior
sarcoplasma mais abundância de triacilglicerol em suspensão, mais núcleos celulares,
mitocôndrias e citocromos mitocondriais do que as fibras brancas. Este tipo de estrutura justifica
a existência de características metabólicas mais comuns em determinado tipo de fibras do que
RELAXAMENTO
Interrupção do impulso nervoso
Repolarização do sarcolema
Remoção do Ca2+ que se encontrava
associado à TpC, permitindo a esta molécula
ligar-se à tropomiosina,
Diminuição da concentração de Ca2+ no
sarcoplasma abaixo de 10-7M, após o
respectivo transporte (activo) para o retículo
sarcoplásmico
As cabeças de miosina separam-se dos centros
em que estavam unidos nas moléculas de
actina e são impedidas novas uniões entre
aquelas moléculas miosina à actina
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Actas Bioq. 1989; 1:27-44
37
em outra (39). De facto, as fibras vermelhas (tipo I) apresentam maior capacidade respiratória e
reserva de oxigénio do que as brancas, mais adequado a um metabolismo oxidativo aeróbio,
sendo, por isso, preferencialmente utilizadas em contracções mais lentas e sustentadas. As fibras
brancas (Tipo IIb) privilegiam as contracções mais rápidas e de curta duração, dependentes da
activação glicolítica (40). Foi individualizado um terceiro tipo, o das fibras vermelhas de
contracção rápida (tipo IIa), caracterizado por uma mistura de características fisiológicas e
metabólicas daqueles outros dois tipos (Quadro I).
NUTRIENTES METABÓLICOS E ORIGEM DA ENERGIA QUÍMICA
A energética muscular deverá ser analisada sob duas perspectivas. Por um lado reflecte a
energia química (representada pelo ATP) consumida pelo sistema contráctil durante as fases de
contracção e relaxamento muscular. Por outro, engloba o conjunto de reacções metabólicas que,
em aerobiose ou anaerobiose, conduzem à recuperação da energia química utilizada nas
anteriores actividades. Em condições de equilíbrio, a quantidade de energia gasta equivale à
obtida.
Ainda que a maior parte (cerca de 70%) do ATP muscular seja consumido na formação
de pontes cruzadas entre a actina e a miosina, a restante quantidade é essencial para outras três
actividades dos miocitos: transporte activo do Ca2+
do sarcoplasma para o retículo
sarcoplásmico, actividade da Na+, K
+ -ATPase do sarcolema (que assegura o efluxo de K
+ por
troca com o Na+ através do sarcolema, possibilitando a repolarização e, portanto, as condições
iónicas adequadas nova propagação do potencial eléctrico) e todas as reacções metabólicas
comuns do metabolismo celular (41).
QUADRO I
MÚSCULO ESQUELÉTICO
Principais características metabólicas e fisiológicas das fibras constituintes
Características
metabólicas
Fibras vermelhas de
contracção lenta
(Tipo I)
Fibras vermelhas de
contracção rápida
(Tipo IIA)
Fibras brancas de
contracção rápida
(Tipo IIB)
Respiração celular Aumentada Aumentada Diminuída
Glicogenólise Diminuída Aumentada Aumentada
Mioglobina Aumentada Aumentada Diminuída
Actividade da
ATPase-miosina
Diminuída Aumentada Aumentada
Para que a actividade muscular seja preservada, o nível de ATP hidrolisado durante os
anteriores processos tem de ser reposto imediatamente, recorrendo a quatro proveniências e
mecanismos principais (Fig.): (i) Fosfocreatina; (ii) Duas moléculas de ADP; (iii) Glicólise, da
glicose (e outras hexoses) e ou do glicogénio muscular; (iv) Fosforilação oxidativa (dos resíduos
derivados de glícidos, lípidos e proteínas) (Fig. 9).
MARTINS E SILVA J.
38
A quantidade de ATP no músculo esquelético humano varia com o tipo de músculo
considerado, sendo mais elevada nos de contracção rápida do que nos de contracção
preferencialmente oxidativa; em média é, aproximadamente, igual a 8mM, ou seja, cerca de 10 a
concentração de ADP e 100 vezes a de AMP (42). Na quantidade descrita, o ATP muscular
sustém a actividade contráctil durante menos de um segundo, pelo que é indispensável preservar
um nível constante da sua regeneração em períodos mais prolongados de contracção muscular.
No músculo esquelético, em geral, a concentração de ATP e restantes nucleótidos adenílicos
permanece virtualmente constante durante o exercício sub-máximo, diminuindo 10 a 30%
durante um esforço intenso (43, 44). Em determinadas actividades mais intensas e sincopadas, o
gasto de energia pode variar cerca de 100 vezes ou mais, enquanto em outras o dispêndio é mais
contínuo.
A velocidade de renovação do ATP muscular depende de vários factores,
designadamente, intensidade do exercício, tipo de fibras musculares, temperatura, fadiga e
eficiência mecânica muscular. Quanto ao tipo do exercício realizado, a renovação do ATP é mais
rápida durante o encurtamento activo do que em contracção estática (45). Aquela renovação do
ATP durante a contracção máxima pode elevar-se centenas de vezes em relação aos valores em
repouso, enquanto a concentração daquele nucleótido permanece virtualmente constante. O valor
de renovação do ATP em cada músculo também depende da proporção das fibras (tipo) que o
compõem. O valor máximo atingido é cerca de três a quatro vezes mais elevado nas fibras do
tipo IIA e IIB do que nas de tipo I, correspondente a maior força e rapidez de contracção e
relaxamento (46).
FIGURA 9
A contracção e relaxamento musculares são assegurados por níveis constantes de
ATP proveniente de quatro origens: fosfocreatina, pares de moléculas de ADP e
oxidação metabólica em anaerobiose (dos glícidos) ou aerobiose (dos glícidos,
lípidos ou proteínas).
Em qualquer dos casos, e independente do valor da velocidade de renovação, é essencial
a reposição do ATP consumido. Para tal, a refosforilação do ATP de subprodutos da sua
hidrólise (sobretudo o ADP mas, ainda, em menor concentração, o AMP) pode ser imediata
(baseada em grupos fosfato da alta energia em reserva celular) ou mais lenta (por oxidação
metabólica) (47).
Fosfocreatina
2ADP Respiração
celular
Glicólise
anaeróbia
ATP muscular
ENERGÉTICA MUSCULAR
Actas Bioq. 1989; 1:27-44
39
O mecanismo de actuação imediata depende de uma reserva de grupos fosfato de alta
energia (fosfagénio) de utilização prioritária, constituída por moléculas de fosfocreatina. O
potencial de transferência de energia livre da fosfocreatina (-10,3 Kcal/mole, a pH 7) é
substancialmente superior ao do ATP (-7,3 Kcal/mole), o que favorece a refosforilação do ADP
em ATP, catalisada pela fosfocreatina cinase:
A localização daquela enzima no citosol e associada às miofibrilhas, sarcolema e retículo
sarcoplásmico é importante para o controlo metabólico estabelecido pela relação [ATP] / [ADP].
No músculo em repouso, a concentração de fosfocreatina é três a seis vezes superior à de ATP
mas, no seu conjunto, também não assegura mais do que cerca de dez segundos de contracção
muscular intensa. No músculo activo, a concentração de ATP diminui assim que se esgotam as
reservas de fosfocreatina. Até que tal suceda, a fosfocreatina total tende a manter os níveis de
ATP muscular. Explica-se assim, p. ex., que a fosfocreatina total diminua até cerca de 90%
durante a contracção muscular enquanto o ATP celular consumido não ultrapassa os 10% (48).
Na realidade, a redução de fosfocreatina varia com as necessidades energéticas e com a
intensidade e velocidade do trabalho executado. No exercício sub-máximo, a fosfocreatina
diminui até determinado nível, depois mantido ao longo da actividade, sendo a concentração de
ADP o principal estímulo para desfosforilação da fosfocreatina e, também, para a fosforilação
oxidativa. Esta interdependência explica como o nível de fosfocreatina varia inversamente com a
intensidade do exercício (49)
Quando o exercício termina e o ATP recupera os níveis habituais, a fosfocreatina é
rapidamente regenerada, em cerca de um minuto (50); o equilíbrio da reacção (reversível,
também catalisada pela fosfocreatina cinase) desloca-se no sentido da fosfocreatina, a partir do
substrato não fosforilado (creatina), permitindo que a respectiva concentração celular seja
recuperada durante o relaxamento muscular e período de repouso:
A continuidade do exercício muscular depende, também, da regeneração dos níveis de
ATP a partir de moléculas de ADP (resultantes da hidrólise do ATP) e da oxidação metabólica
dos principais nutrientes celulares (glícidos e lípidos e, em situações de carência crítica, também
das proteínas). No músculo, quase todo o ATP e cerca de 50% do ADP formam quelatos com o
catião Mg 2+, sendo nesta forma que interactuam com as enzimas. Pelo contrário, o ADP
restante e, virtualmente, todo AMP estão ligados a proteínas (sobretudo a actina e a miosina), o
que limita a sua participação, em estado livre, nas reacções químicas dos miocitos (51). A
formação de uma molécula de ATP e outra de AMP por acção da enzima adenilato cinase
(existente em grande actividade no músculo esquelético) sobre duas moléculas de ADP (no
estado livre), consiste na transferência de um grupo fosfato de uma destas moléculas de substrato
Fosfocreatina + ADP
Creatina + ATP
(fosfocreatina
cinase) (Fosfocreatina cinase)
ATP + Creatina Fosfocreatina +ADP
(Fosfocreatina cinase)
MARTINS E SILVA J.
40
(ADP) para o seu par, deste modo fosforilado, enquanto a molécula que cedeu o grupo fosfato se
transforma no nucleótido AMP:
Ainda que não exista especificidade directa, esta reacção (reversível) pode ser
particularmente útil em associação com a hidrólise do ATP pela ATPase da miosina, durante a
contracção muscular. Relativamente à reacção catalisada pela creatina fosfocinase, a velocidade
de formação de ATP pela adenilato cinase é de cerca de um terço. A irreversibilidade da
remoção do AMP (catalisada pela AMP desaminase, activada pela acidose intracelular)
desequilibra a reacção para a direita, favorecendo a obtenção de ATP (52).
Uma parte substancial da energia contida nos alimentos e reservas metabólicas corporais
(em caso de necessidade suplementar) é, igualmente, utilizada na regeneração do ATP. Neste
aspecto prevalecem os glícidos (sobretudo a glicose e o seu polímero, o glicogénio), como
principais fornecedores de energia química. Além desta função predominante, os glícidos
participam, secundariamente, na constituição do esqueleto carbonado de aminoácidos e outras
biomoléculas importantes ao organismo. Contudo, relativamente ao músculo, o tipo de
biomoléculas preferencialmente consumidas varia com estado de repouso ou de exercício,
situação alimentar (em jejum ou em período pós-prandial) em anóxia ou na contracção tetânica.
Assim, a glicose captada da circulação é o principal nutriente utilizado pelo músculo após as
refeições (53), enquanto no exercício sub-máximo prolongado (54,55), na anóxia (56) e na
contracção tetânica (57) a glicose provém da activação da glicogenólise muscular, sendo esta
cerca de duas vezes mais pronunciada nas fibras do tipo II do que nas do tipo I (58); após a
depleção do glicogénio muscular, a actividade muscular sub-máximo ou o exercício prolongado
prossegue à custa da glicose e ácidos gordos livres provenientes da circulação, em particular no
período final, após depleção das reservas de glícidos musculares (59). Em repouso e em jejum é
dada preferência aos ácidos gordos livres; se o jejum for de curta duração podem também ser
utilizados os aminoácidos ramificados (valina, leucina e isoleucina), também parcialmente
oxidados após as refeições (60); no jejum mais prolongado, aumenta o consumo de ácidos
gordos livres e corpos cetónicos (acetoacetato e β-hidroxibutirato), ainda que o trabalho
muscular desenvolvido seja de baixa intensidade (59, 61); mesmo na presença de cetonemia
elevada, a quantidade de corpos cetónicos oxidados no músculo não contribui em mais do que
7% do metabolismo muscular, em exercício ou em repouso (62).
As principais características e mecanismos de controlo das vias metabólicas que
contribuem para o potencial energético do músculo esqueleto, assim como as adaptações mais
relevantes em período de exercício físico, serão abordados em outro artigo deste volume
(Adaptação Enzimática ao Exercício).
SUMMARY
The contraction of skeletal muscle is based on a system of filamentous proteins
(particularly actin and myosin) to slide between them in a parallel plane. The process
is dependent on a complex mechanism, initiated by a nerve impulse which, when
transmitted to the sarcoplasmic reticulum, induces the efflux of calcium ions into the
sarcoplasm of each muscle cell (myocyte). Following is triggered the cycle of
2 ADP ATP+ AMP
(Adenilato cinase)
ENERGÉTICA MUSCULAR
Actas Bioq. 1989; 1:27-44
41
interactions of actin with myosin that underlies muscle contraction, which requires
the consumption of chemical energy by ATP hydrolysis.
ATP is essential for contraction, and also to muscle relaxation. The levels of
intracellular ATP are provided mainly by the complete oxidation of glucose and fatty
acids and also from phosphocreatine, which is, in the myocytes, in a concentration
about five times higher than that nucleotide.
The relative contribution of glycolysis and oxidative phosphorylation in the
regeneration of ATP varies with the type of muscle fibers. While cellular respiration
prevails in red fibers of slower contraction, glycolysis is central in the white fibers of
rapid contraction. ATP production is controlled mainly by the cellular energy state,
regulated by ATP and nucleotide derivatives on the main regulatory enzymes of
metabolic pathways involved in the process, which reflects on oxygen consumption
by myocytes.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Emília Alves o apoio de secretariado concedido a este trabalho.
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ASPECTOS MICROSCÓPICOS DO TECIDO MUSCULAR ESQUELÉTICO
ADAPTAÇÃO DO MÚSCULO AO ESFORÇO - HIPERTROFIA E ATROFIA
B. Gomes Pinto
Instituto de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Lisboa; Serviço de Cardiologia dos
Hospitais Civis de Lisboa, Portugal
SUMÁRIO
O Autor começa por recordar factos demonstrativos da relação entre a
actividade física e o grau de desenvolvimento das massas musculares, bem
como os conceitos de Hipertrofia a Atrofia do músculo. A respeito destes
processos, indica os métodos de estudo e critica os protocolos usados nas
investigações. De seguida, o A. refere modificações histológicas e fisiológicas
envolvidas na Hipertrofia e Atrofia muscular. Aponta para a diferenciação do
tipo e doutras características da fibra muscular consoante a modalidade de
exercício ou de treino (inactividade, postura, "endurance", força/velocidade ou
mixto) e correlaciona os dados estruturais com os do diagrama
força/comprimento/velocidade. Por último, o Autor debruça-se sobre o
significado fisiológico e fisiopatológico dos processos de Hipertrofia e Atrofia
muscular, considerando sucessivamente a adaptabilidade ao desempenho
funcional, em regra dependente do estado inotrópico, a reversibilidade das
situações e a predisposição para a inviabilidade celular.
INTRODUÇÃO
Desde a Antiguidade que é bem conhecida no Homem (e noutros seres vivos) a existência
de uma relação entre a actividade física e o desenvolvimento das massas musculares
esqueléticas. O facto torna-se sobretudo evidente em indivíduos com determinadas profissões ou
práticas desportivas.
Embora o miocárdio não constitua o objectivo principal da presente exposição, também
em relação a este músculo a influência da actividade física é flagrante, como nós próprios
recentemente demonstrámos (TELES MARTINS e GOMES PINTO; in "Aspectos
Palavras-chave: Músculo, Hipertrofia, Atrofia, Fisiologia muscular
GOMES PINTO B.
46
anatomo-funcionais do coração de indivíduos jovens adultos, saudáveis induzidos pelo
sedentarismo, treino físico ligeiro e programado e alta competição"' em publicação).
As modificações do tamanho dos músculos ligadas ao exercício físico atribuem-se a
processos ocorridos a nível estrutural. A Hipertrofia consiste num aumento de volume das fibras
a daí maior tamanho do órgão, enquanto a Atrofia resulta da diminuição de volume das fibras por
perda da substância celular. Hipertrofia e Atrofia distinguem-se assim de outras situações que
podem igualmente alterar o volume da massa muscular (por exemplo displasias, tumores,
quistos, edema, hematoma a miopatias) (1) (2) (3) (4) e possuem certas características inerentes à
estrutura e à função, que procuraremos analisar na presente revisão.
MATERIAL E MÉTODOS
A Hipertrofia a Atrofia muscular têm sido estudadas pelo recurso às mais variadas
técnicas: de observação clínica, morfométricas, radiológicas a ultrassonográficas, bioquímicas a
imunológicas, ultra estruturais, fisiológicas a biofísicas, isotópicas e a aplicação de Rmn e Laser.
Além das dificuldades próprias destas investigações, as diferenças nos protocolos utilizados
levam a resultados nem sempre comparáveis. É notória a heterogeneidade no tocante às técnicas
de estudo, ao animal utilizado (espécie, idade, sexo, dieta, etc.) e no modo de indução do
aumento ou redução da actividade muscular (por exemplo intervenção neuronal directa,
tenotomia isolada de sinergistas ou antagonistas, fixação esquelética, bloqueio do receptor ou do
efector do arco reflexo, acamamento, anulação da força da gravidade e, em especial, variável
duração, frequência e força/velocidade dos exercicios).
No entanto, considerável número de trabalhos leva a aceitar a interdependência entre o
tipo de actividade física e modificações ocorridas a nível muscular.
RESULTADOS
As principais particularidades morfo-funcionais observadas no músculo estriado a longo
prazo em consequência da (in) actividade física foram por nós condensadas no Quadro I. Assim,
(começando por considerar as fibras musculares) o treino físico ou a inactividade, embora não
comprometam a distribuição das fibras dentro do músculo, afectam o seu número. Com efeito,
no treino de força/velocidade, aumentam todos os tipos de fibras, mas sobretudo as do tipo II B.
Por sue vez, o treino de "endurance" e exercício de "postura" levam ao aumento do número de
fibras de tipo I. Pelo contrário, na atrofia por inactividade, estas aparecem reduzidas. Por isso, a
relação entre as fibras tipo II/tipo I diminui após o treino de "endurance", mas eleva-se tanto com
o treino de força como com a inactividade. Os exercícios ditos mixtos-aeróbicos a anaeróbicos
aumentam sobretudo as fibras de tipo II C (intermédias) (5) (6) (7) (8) (9) (10).
HIPERTROFIA E ATROFIA MUSCULAR
Actas Bioq.1989; 1:45-56
47
QUADRO I
O diâmetro (ou a área de secção transversal) das fibras, bem como os dados com este
directamente correlacionados, isto é, o número de miofibrilhas e de sarcómeros em paralelo, o
GOMES PINTO B.
48
volume a peso do músculo e a força muscular mostram: - aumento significativo após treino de
"força"; - diminuição com a inactividade; - falta de alteração apreciável após treino de
"endurance". De modo análogo, o comprimento da fibra muscular (e do músculo) e vários
factores com este(s) em estreita relação, e designadamente o número de sarcómeros em série, o
ângulo de mobilização articular, a amplitude do movimento e a força isométrica máxima,
aumentam com o treino de "potência", diminuem após a inactividade prolongada e não variam
nitidamente após treino de "endurance". Modificações ocorridas no mesmo sentido e induzidas
pelos mesmos tipos de actividade foram descritas relativamente ao sarcolema (superfície e
núcleos) a ao volume do sarcoplasma a do retículo sarcoplasmático (11) (12) (13).
Contrariamente ao que se observa na atrofia por inactividade, o volume e a densidade
mitocondrial (bem como o conteúdo em glicogénio e em mioglobina) aumentam com o treino de
"endurance".
Os núcleos celulares diminuem nitidamente com a inactividade, mas parecem
desenvolver-se com o treino de "força", como voltaremos a referir adiante (10) (12) (13) (14).
O fenómeno de crescimento capilar (aumento de densidade, isto é, do número de
capilares por fibra), tem sido evidenciado após o treino, quer de "força", quer de "endurance",
como também veremos posteriormente (15) (16) (17).
Foram referidas modificações da trama conjuntiva do músculo após treino de
"endurance" especialmente à custa do endo e do perimísio que conferem maior resistência à,
tracção a aos traumatismos (10) (12) (18) (19).
O aumento do número de fibras por motoneurónio e o maior recrutamento de unidades
motrizes foram apontados em relação com o treino de "força". Após inactividade, observa-se o
contrário (7) (9) (10) (13) (20).
Como é sabido, a intervenção do motoneurónio é fundamental no comportamento
estrutural, bioquímico e funcional das fibras musculares. Assim, como é sabido, consideram-se
três tipos de unidades motrizes: 1 - unidades possuidoras de fibras de tipo II B - inervadas por
motoneurónios , com elevado número de fibras por motoneurónio, resposta contráctil rápida e de
grande amplitude, mas com notável vulnerabilidade à fadiga; 2 - unidades com fibras de tipo I -
motoneurónio de menor dimensão, número de fibras por unidade motriz geralmente menor,
abalos prolongados e de baixa amplitude e grande resistência à fadiga; 3 - unidades com fibras
de tipo II A - características intermédias em relação às que acabámos de indicar.
A importância decisiva do neurónio motor na diferenciação das fibras musculares tem
sido bem demonstrada em experiências de desnervação e reinervação cruzada do músculo.
Nestas condições, a fibra muscular modifica o seu comportamento estrutural, bioquímico e
funcional, de acordo com as características da, sua inervação (10) (21) (22) (23).
A possível variabilidade do número de fibras por motoneurónio em função do treino tem
sido bastante investigada. Diversos dados sugerem que ao fim de algumas semanas de treino, são
aparentes fenómenos de hipertrofia das fibras e multiplicação das células mononucleadas
satélites ao miocito. Várias hipóteses têm sido aventadas para explicar estes factos. Assim, por
um lado, e contrariamente às ideias clássicas (de Morpurgo) (24), há defensores da existência
duma hiperplasia. ou multiplicação do miocito (7) (8) (10) (20). Outros autores, mais cépticos,
atribuem os resultados daquelas observações a artefactos da, técnica (25). Segundo uma corrente
de opinião (26) estaria em causa um fenómeno de fissuração, cujo desencadeamento seria mais
fácil numa fibra hipertrofiada e com maior susceptibilidade à clivagem. Em corte transversal a
fissuração daria a impressão do aparecimento de novas fibras (Fig. 1). Por outro lado, certos
investigadores (25) admitem que uma célula mononucleada, em geral após fusão com uma fibra
HIPERTROFIA E ATROFIA MUSCULAR
Actas Bioq.1989; 1:45-56
49
muscular, divide-se em várias fibras filhas (Fig. 2) que seriam possuidoras de potencial
miogénico. Da fusão destas células ou fibras filhas resultaria uma fibra contráctil.
Fig. 1 Fig. 2
Fig. 3
O aumento do número de núcleos no miocito tem sido explicado por alguns autores do
seguinte modo: uma célula satélite serie activada com posterior divisão mitótica. Uma das
células filhas seria englobada na fibra muscular adjacente e o fenómeno repetir-se-ia (Fig. 3)
(segundo Monod a cols). Quanto à densidade capilar (D) (número de capilares/fibra), sabe-se que
esta: 1 - varia consoante o tipo de fibras (é maior no tipo I); 2 - correlaciona-se directamente
GOMES PINTO B.
50
com: a) o diâmetro do músculo, b) a concentração mitocondrial, c) a superfície das trocas entre
sangue e fibras, d) o treino físico (Fig. 4)
Fig. 4
Os parâmetros fisiológicos utilizados no estudo da contractilidade muscular 1 sofrem
modificações na atrofia a hipertrofia, conforme indicamos no Quadro II. Tais modificações
processam-se em regra em sentido oposto. Assim, o músculo hipertrofiado torna-se capaz de
desenvolver mais força e trabalho. Além disso, a hipertrofia muscular acompanha-se dum
aumento de potência, velocidade, rendimento e resistência à fadiga. Na atrofia todos estes
parâmetros se reduzem (4) (5) (8) (9) (10) (27).
Pelo que respeita às bases estruturais implicadas no ganho ou perch de força muscular,
tem-se demonstrado que as características histológicas do tecido muscular condicionam a força
do músculo. Entre as diversas ultra estruturas responsáveis encontram-se o tipo de fibras (ou de
unidades motrizes), a área de secção transversal e o comprimento do miocito e do músculo, o
número de miofibrilhas, de sarcómeros em série a em paralelo, de fibras por motoneurónio,
densidade capilar, etc. Como vimos, ao invés do que sucede na atrofia, na hipertrofia observa-se
desenvolvimento de todos aqueles elementos (1-5) (6) (8) (10) (12) (13) (19) (21) (28).
1 Não nos ocuparemos dos problemas ligados aos potenciais de acção a correntes catiónicas.
HIPERTROFIA E ATROFIA MUSCULAR
Actas Bioq.1989; 1:45-56
51
QUADRO II
O papel do comprimento muscular como gerador de força está exemplificado na Figura 5.
A força isométrica máxima (Fo) desenvolve-se a um determinado comprimento, o chamado
comprimento de repouso. Será o ponto óptimo para a conjugação de forças elásticas e
musculares dos músculos agonistas e antagonistas (cit. 10).
Fig. 5
A diferença entre músculos rápidos e lentos é apreciável nas curvas força/velocidade. Os
primeiros apresentam a curva relativamente desviada para cima a para a direita (Fig. 6).
Os valores da força e da velocidade condicionam por seu turno os valores da potência, como se
indica na Figure 7, de PERTUZON (cit. 10)
GOMES PINTO B.
52
Fig. 6
Fig. 7
DISCUSSÃO
Os dados atrás apontados levam-nos a uma reflexão sobre o significado fisiológico a
fisiopatológico da Hipertrofia a da Atrofia muscular
Assim, com base nos dados clínicos e experimentais, pode considerar-se a Hipertrofia e a
Atrofia como processos adaptativos ao desempenho funcional. Na Hipertrofia. há ganho de força
ou de "resistência", enquanto na Atrofia sucede o contrário. Seguindo um conceito finalista,
haveria, perante uma ou outra daquelas situações, uma necessidade de se gerar mais ou menos
força (ou resistência), que seria satisfeita fundamentalmente através duma variação do "estado
inotrópico".
HIPERTROFIA E ATROFIA MUSCULAR
Actas Bioq.1989; 1:45-56
53
Sabe-se que modificando a actividade é possível a reversibilidade dos dois processos (9)
(29) (30) (31). Todavia em certas observações, detectaram-se na evolução do processo atrófico,
lesões de necrose (1) (2) (3). Por outro lado, na hipertrofia, devido ao crescimento da massa
muscular é exigido maior débito circulatório local. Deste modo (tal como no músculo cardíaco),
o músculo esquelético hipertrofïado apresenta maior predisposição para a isquémia e
consequente inviabilidade celular (15) (32) (33) (34). O facto do débito circulatório local
diminuir no músculo atrofiado poderá por sua vez constituir um mecanismo circulatório
adaptativo benéfico face a uma dada diminuição do débito cardíaco geral como a verificada em
certas afecções, na idade avançada, no acamamento e sedentarismo prolongados etc. (29) (30)
(31). Recordemos que normalmente o débito muscular já representa cerca de 80% do débito
cardíaco total (Figure 8) (4) (5) (7) (9) (10) (15) (16).
Os factores subjacentes aos processos de Hipertrofia e Atrofia têm certamente relação
com o crescimento muscular. É assunto que interessa aos estudiosos da cultura física e da
problemática, da regeneração muscular (35) após necrose, quer do músculo esquelético, quer do
miocárdio.
Fig. 8
A complexidade do tema é muito grande tal como pretendemos representar no esquema
junto (Figure 9). O exercício físico está longe de ser o único factor implicado (1) (2) (3) (4).
Com efeito, não obstante o trabalho (carga ou tensão) muscular ser importante indutor da
actividade metabólica do miocito e da síntese proteica, de membranas e de miofilamentos,
devemos ter em conta as múltiplas influências nervosas, nutritivas, metabólicas, hormonais,
circulatórias, térmicas, genéticas ou outras eventualmente ainda desconhecidas. Estas estão
sempre envolvidas e intimamente ligadas entre si, constituindo por isso uma teia de abordagem
naturalmente difícil. Minuciosos estudos têm vindo progressivamente a esclarecer esta matéria e
futuras investigações continuarão por certo a revelar novos dados
GOMES PINTO B.
54
Fig. 9
SUMMARY
The A. starts to review some facts demonstrating the interrelationship between physical
activity and muscular mass development, as well as the concepts of muscle hypertrophy and
atrophy. Afterwards he refers the techniques of study and protocols used in these investigations.
The histological and physiological changes involved in hypertrophy and atrophy are equally
mentioned. The differentiation of the type and other muscle fiber characteristics according to the
exercise or training modality - endurance, strength, inactivity (or combined) and the correlation
between structural data and the strength/length/velocity diagram are explained. The A. discuss
also the physiological and physiopathological significance of Hypertrophy and Atrophy,
considering: a) the adaptability to the functional requirements related in rule to the "isotropy
status"; b) the reversibility of the two situations and c) the predisposition for the cellular
inviability.
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Actas Bioq. 1989, 1:57-107 57
ADAPTAÇÃO METABÓLICA AO EXERCÍCIO FÍSICO
J. Martins e Silva
Instituto de Bioquímica, Faculdade de Medicina de Lisboa
SUMÁRIO
Este trabalho inclui duas vertentes. A primeira refere as vias metabólicas e
principais factores de regulação que intervêm na oxidação dos principais nutrientes
consumidos pelo músculo esquelético. Na segunda parte é revista a resposta
metabólica ao exercício físico.
São revistos os principais intermediários e etapas enzimáticas da glicólise (em
aerobiose e anaerobiose) e do metabolismo do glicogénio. Segue-se a análise da
formação e oxidação do acetil-CoA, que inclui o ciclo de Krebs e a fosforilação
oxidativa mitocondrial. Este processo, que faz parte da respiração celular e depende do
consumo de oxigénio, é também partilhado pelos resíduos provenientes da oxidação de
aminoácidos e ácidos gordos. É destacada a proveniência dos ácidos gordos livres
(alimentar. reservas do tecido adiposo ou do próprio tecido muscular), mecanismos de
transporte pelo sangue, captação transmembranar, transporte intracelular e utilização
metabólica (regeneração de depósitos de triacilglicerol ou oxidação). São focados os
principais intermediários e etapas enzimáticas da β-oxidação, cetogénese hepática e
consumo dos corpos cetónicos e respectiva intervenção na geração de ATP pelo
músculo. É revista a proveniência (digestão alimentar ou de outros tecidos) dos
aminoácidos captados do sangue pelos miocitos, destacada a importância da renovação
proteica e das etapas de conversão enzimática essenciais (transaminação e
desaminação oxidativa) na degradação dos aminoácidos, síntese proteica e ou
formação de derivados azotados dos aminoácidos. É abordada a origem e destino dos
grupos aminados removidos dos aminoácidos, quer para a geração de aminoácidos
diferentes ou a serem eliminados, após conversão em amoníaco e ureia. É focada a
utilização dos cetoácidos como precursores da glicose e glicogénio, através da
gliconeogénese.
O tipo de contracção e movimento produzidos dependem, em grande parte, da
estrutura e capacidade metabólica dos músculos esqueléticos envolvidos; enquanto
Palavras-chave: Exercício físico, metabolismo aeróbio e anaeróbio dos glícidos,
oxidação metabólica dos ácidos gordos e aminoácidos
MARTINS E SILVA J.
58
um esforço continuado, baseado nas fibras vermelhas musculares, requer constante de
energia obtida, preferencialmente, em aerobiose, as variações bruscas de actividade
que se baseiam na contractilidade das fibras brancas utilizam energia imediatamente
disponível, sob a forma de fosfocreatina e ATP pré-existentes e ou com recurso à
glicólise anaeróbia. Verifica-se que o tipo de nutrientes mais utilizados pelo músculo
esquelético para a obtenção energia total requerida depende de diversos factores, com
destaque para a intensidade e duração do exercício físico, e as características
morfológicas e composição em fibras musculares. Os glícidos são o material
energético mais consumido em todos os tipos de actividade física, sobretudo durante o
exercício moderado e intenso, enquanto os lípidos (ácidos gordos e corpos cetónicos),
utilizados pelo músculo esquelético e outros tecidos em períodos de repouso, são
primordiais no esforço de resistência. A adaptação do músculo esquelético ao esforço
assenta em modificações na actividade metabólica, induzidas por moduladores
alostéricos e hormonais, que tendem a reverter ao nível basal após um período de
inactividade. É referida a importância do glicogénio para o esforço físico continuado.
Em condições normais, o glicogénio hepático (em grande parte formado a partir de
precursores gliconeogénicos) assegura o fornecimento da glicose requerida pelo
músculo esquelético, sendo modificado pelas condições e dieta alimentar. Nos
músculos em fase de recuperação do esforço físico, o lactato pode ser consumido
como material energético e, em menor proporção, na gliconeogénese. A lactatemia,
aumentada durante o esforço, diminui no período de repouso subsequente,
particularmente se este incluir algum exercício. Admite-se que a redução acentuada do
pH intramuscular, resultante da acumulação de lactato no músculo durante o exercício
intenso, contribua para o desenvolvimento da fadiga e menor rendimento físico. O
consumo de ácidos gordos pelo músculo esquelético depende da intensidade do
esforço físico, do treino existente e da dieta. Cerca de metade dos AGL oxidados
durante o exercício moderado e prolongado resulta da fracção captada do sangue,
sendo a restante derivada da lipólise das reservas de triacilglicerol muscular. O treino
físico aumenta a capacidade de utilização dos corpos cetónicos pelos miocitos. O
exercício prolongado tende a induzir o aumento da proteólise (corporal e muscular)
aumentando o efluxo de aminoácidos para o plasma (que reverte ao normal no período
de recuperação, a par com a redução da síntese proteica). Alguns dos aminoácidos
naturais (alanina, aspartato, glutamato e glutamina) têm particular envolvimento
durante as fases de exercício e repouso muscular, enquanto os aminoácidos
ramificados (valina, leucina e isoleucina) são importantes fornecedores de energia
química nos períodos de actividade prolongada. Deste tipo de consumo resulta o
aumento do amoníaco e da ureia, em conjunto com o reaproveitamento dos cetoácidos
pela gliconeogénese.
INTRODUÇÃO
O trabalho muscular é uma função especializada, executada por células com
características morfológicas e funcionais adequadas, no contexto de um organismo em que
prevalece a diferenciação estrutural, funcional e metabólica. As células musculares possuem vias
ADAPTAÇÃO METABÓLICA AO EXERCÍCIO FÍSICO
Actas Bioq. 1989; 1:57-107
59
metabólicas e mecanismos de regulação com aspectos comuns aos dos restantes tecidos
corporais, embora evidenciem algumas particularidades específicas.
Numa perspectiva global, a actividade muscular não é um acto isolado, pois que depende,
funcional e metabolicamente, com maior ou menor relevância, dos nutrientes recebidos e da
participação dos restantes tecidos e órgãos, de modo integrado e coordenado por mecanismos de
acção global, designadamente endócrinos e do sistema nervoso. Assim, para citar alguns
exemplos desse conjunto cooperativo, enquanto o músculo promove o movimento, o fígado tem
um desempenho central no armazenamento e distribuição de nutrientes e produtos do
metabolismo pelos restantes tecidos, o tecido adiposo contém reservas energéticas para todo
organismo e o cérebro (e restante sistema nervoso) induz a formação e distribuição de estímulos
sinais eléctricos.
A composição estrutural e estado energético do músculo esquelético, assim como a
origem e importância da excitação nervosa para a contracção muscular, foram referidas
anteriormente neste trabalho.
Recorde-se que os nutrientes preferencialmente utilizados no metabolismo muscular
variam em função do estado alimentar do indivíduo (pós-prandial ou em jejum), em anoxia,
tetania e exercício. Esta diferenciação será particularizada no decorrer do texto.
Importa agora dar realce às particularidades metabólicas dos tecidos, em geral, e às do
músculo esquelético, em particular, quanto ao processo de obtenção de energia química, em
grande parte sob a forma de ATP. A contribuição integrada do metabolismo hepático e adiposo
será mencionada a propósito da adaptação do organismo ao exercício físico e necessidades
energéticas do músculo.
METABOLISMO OXIDATIVO DOS PRINCIPAIS NUTRIENTES
No músculo esquelético (assim como na generalidade dos tecidos corporais), a oxidação
metabólica final dos glícidos (sob a forma de monossacáridos) ocorre em anaerobiose (glicólise
anaeróbia, Fig.1a) e ou em aerobiose (pelo mecanismo mitocondrial de respiração celular
(Fig.1b), sendo este último processo comum para a oxidação final dos constituintes de lípidos
(ácidos gordos) e proteínas (aminoácidos). Em alguns tecidos (p. ex., retina, eritrocitos), a via
glicolítica é o único processo de obtenção de energia química necessária à sua sobrevivência e
funcionalidade.
A glicose é o nutriente privilegiado de todas as células corporais no período pós-prandial,
a partir do qual obtêm ATP por oxidação. Exceptuando menos de 2% da glicose metabolizada
pela via das fosfopentoses, a quase totalidade é consumida exclusivamente através da glicólise
anaeróbia ou, em condições de boa oxigenação, pela glicólise e fosforilação oxidativa. A
quantidade de ATP gerada em aerobiose pela oxidação de glícidos, lípidos e proteínas (de
origem alimentar ou reservas corporais) é de cerca de 95 % do total (1,2); a fracção energética
(ATP) restante provém da oxidação anaeróbia dos monossacáridos (de origem alimentar ou em
depósito sob a forma de glicogénio) através da glicólise. Esta via existe em todas as células
humanas, tendo como principal vantagem a rapidez (cerca de 2,5 vezes a das oxidações aeróbias)
com que extrai a energia química da glicose (e, indirectamente, de outras hexoses e pentoses) na
ausência de oxigénio, através da qual são formadas moléculas de ATP. Por via deste atributo, a
glicólise é particularmente útil em muitos tecidos, em particular nas situações que requeiram
grande rapidez de acção e ou haja limitação crítica de oxigénio tecidual (2-5). É o que sucede,
MARTINS E SILVA J.
60
p.ex., durante a actividade contráctil, dependente de músculos em que prevalecem as fibras
brancas de contracção rápida (6).
De momento, interessa focar a utilização metabólica da glicose, preferencialmente
utilizado pelo músculo como fonte energética em período pós-prandial, assim como as condições
em que aquela opção dá lugar ao consumo privilegiado de ácidos gordos, corpos cetónicos e
aminoácidos.
(Desaminação oxidativa)
(β-
Oxidação)
2H
O2
MITOCÔNDRIA (1b)
Cadeia respiratória n2H
H2O
Acetil-CoA
Ciclo de Krebs
Piruvato
Glicose 6-fosfato Glicos
e
Glicogénio
Lactato
Ácidos gordos Aminoácidos Monossacáridos
ADP ATP
CITOSOL (1a)
Glicose
ADAPTAÇÃO METABÓLICA AO EXERCÍCIO FÍSICO
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61
FIGURA 1
Representação esquemática da utilização metabólica da glicose (proveniente do
plasma) pelas células. 1ª: A glicose presente no citosol, depois de fosforilada na
posição 6, contribui para a formação da reserva de glicogénio celular (quando não é
utilizada) ou é oxidada pela via glicolítica para a formação imediata de ATP; dessa
oxidação resulta o piruvato que, na ausência de oxigénio, é reduzido em lactato; 1b:
Oxidação aeróbia, intramitocondrial, dos principais nutrientes energéticos celulares,
designadamente, o piruvato (proveniente da oxidação dos glícidos em aerobiose),
ácidos gordos e aminoácidos, com recurso ao ciclo do ácido cítrico e à cadeia
respiratória mitocondrial. Da oxidação em aerobiose pela glicólise e ciclo do ácido
cítrico resultam equivalentes redutores (2H+), transportados pela cadeia respiratória
até ao seu aceitador final (o oxigénio molecular), originando a formação de
moléculas de ATP por fosforilação oxidativa.
METABOLISMO DO GLICOGÉNIO E OXIDAÇÃO DA GLICOSE
Relativamente ao metabolismo glicídico, o músculo apresenta três características
próprias: (i) O glicogénio, assim como a glicose, são para uso próprio, (ii) A quantidade de ATP
requerido varia substancialmente entre a fase de repouso e o exercício máximo; (iii) A
gliconeogénese muscular é pouco relevante, pelo que a maior parte da glicose indispensável para
consumo metabólico do músculo provém da circulação ou das reservas de glicogénio do próprio
músculo.
Influxo celular da glicose - A captação da glicose em circulação no sangue pelo músculo
depende da presença de insulina, a qual activa um transportador específico da glicose (GLUT-4)
a nível do sarcolema. A insulina é secretada pelas células β dos ilhéus de Langerhans
pancreáticos à medida que aumenta a glicemia no território da veia porta. Esta evolução justifica
que a glicemia e a insulinemia aumentem quase a para após a ingestão alimentar (7,8). A insulina
também estimula a captação de ácidos gordos pelo músculo esquelético, ainda que aquela acção
exiga a presença de glicose (9).
Para que a glicose proveniente do compartimento extra-celular seja metabolizada pela
célula tem de ser previamente fosforilada pelo ATP em glicose 6-fosfato; esta etapa, catalisada
pela hexocinase dá que início à glicólise. Porém, após a sua formação, a glicose 6-fosfato, tem
como opções metabólicas não só a glicólise mas também a sua polimerização em glicogénio
(glicogénese) (10).
Síntese e degradação do glicogénio- O glicogénio é um polímero que funciona como
depósito transitório da glicose, designadamente no músculo e fígado. A concentração de
glicogénio hepático (cerca de 5%, do peso tecidual) supera a que existe no músculo (inferior a
1%). Porém, o facto de a massa muscular (cerca de 50% do peso corporal) ser muito superior à
daquele órgão, justifica que nos músculos exista cerca do triplo da quantidade de glicogénio
hepática (11). Tal como no músculo, a síntese de glicogénio hepático aumenta no período pós-
prandial (12).
Ainda que a captação da glicose pelos hepatocitos seja independente da insulina, esta
hormona estimula a glicogénese e inibe a glicogenólise em ambos os tipos celulares (13). A
MARTINS E SILVA J.
62
baixa actividade enzimática da glicose 6-fosfatase no músculo (excepto em jejum, em que
aumenta substancialmente) explica que a glicose seja aqui encaminhada exclusivamente para as
vias de oxidação intracelular (14). Pelo contrário, os depósitos intra-hepáticos de glicogénio são
utilizados essencialmente para assegurar a manutenção da glicemia, na sequência da estimulação
da glicogenólise e efluxo da glicose desfosforilada para a corrente sanguínea (15,16).
O glicogénio disponibiliza quantidades extra de glicose aos miocitos quando as
exigências energéticas excedem os níveis captados do sangue pelos miocitos, como sucede no
exercício ou em jejum (17).
O facto de o glicogénio ser uma molécula muito ramificada reflecte-se nos múltiplos
pontos da molécula em que a glicogenólise tem início, simultaneamente; segue-se uma rápida
libertação de muitas moléculas de glicose 1-fosfato, o que é particularmente útil para suprir as
exigências energéticas da actividade muscular, sobretudo em situações de emergência (18)
(Fig.2). Pelo contrário, a glicogénese muscular processa-se mais lentamente do que a
glicogenólise. Estas duas vias partilham substratos e algumas enzimas mas têm regulação distinta
e finalidades opostas (19).
Glicogénio
Glicose -1- fosfato
Glicose -6- fosfato
Glicogénio fosforilase
Enzima desramificante
Glicano-transferase
Enzima ramificante
Glicogénio sintase
UDP glicose pirofosforilase
Fosfoglicomutase
FIGURA 2
Representação da glicogénese e glicogenólise
A glicogenólise é regulada, sobretudo ao nível da etapa catalisada pela fosforilase do
glicogénio, por dois tipos de mecanismos, alostérico e hormonal. Aquela enzima induz a
clivagem de ligações α- [1-4] nos segmentos periféricos da molécula de glicogénio, de que
resulta a remoção de sucessivos resíduos de glicose 1-fosfato (20). O processo requer duas
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enzimas auxiliares: a glicano transferase, que transfere unidades de trissacárido de um ramo para
outro, expondo as ligações α- [1-6], hidrolisadas pela enzima desramificante. A abertura destas
ramificações permite a continuação da fosforólise das ligações α- [1-4] de um novo segmento,
até faltarem cerca de 4 resíduos de glicose para outra ligação α- [1-6],onde intervêm novamente
a glicano transferase e a enzima desramificante, e assim sucessivamente, até à degradação
(quase) completa do glicogénio existente. Os resíduos de glicose 1- fosfato resultantes são, por
acção da fosfoglicomutase, convertidos no substrato iniciador da glicólise, a glicose 6-fosfato.
O controlo da glicogenólise no músculo difere do que se passa a nível do fígado, embora
haja alguns aspectos comuns. Assim, a glicogenólise muscular é inibida ao nível da fosforilase
(a) do glicogénio pelo ATP e pela glicose 6-fosfato pré-existentes. Acresce que a fosforilase do
glicogénio muscular, ao contrário da sua isoenzima hepática, disponibiliza um centro de fixação
para o AMP (resultante da reacção catalisada pela adenilato cinase ou da hidrólise do ATP), o
qual actua como activador da forma inactiva (b) da fosforilase. Durante a contracção muscular
intensa, o AMP, cuja concentração intracelular aumenta em resultado da hidrólise de ATP, liga-
se e activa a fosforilase do glicogénio, induzindo a dissociação sequencial de moléculas de
glicose 1-fosfato, imediatamente convertidas em glicose 6-fosfato para oxidação intra-celular.
Deste modo, a concentração de AMP sinaliza o estado energético celular, ao indicar a
necessidade de maior formação de ATP (20). Quando o músculo entra repouso, o aumento
imediato da concentração de ATP nos miocitos, induz a inibição do sítio alostérico para o AMP
nas moléculas de fosforilase do glicogénio, em simultâneo com a remoção dos grupos fosforilo
da fosforilase (a), inactivando-a.
A glicogenólise muscular pode ser também activada por outro processo, dependente do
aumento da concentração de Ca2+
no sarcoplasma e síncrono com o início da contracção
muscular (21,22). A fixação de 4 iões unidos na molécula de calmodulina na subunidade δ da
fosforilase cinase induz a conversão (activação) da fosforilase (b) do glicogénio em fosforilase
(a) (22), provocando um aumento rápido da quantidade de substrato indispensável a um ritmo
glicolítico centenas de vezes superior, próprio da contracção muscular (23).
Enquanto a fosforilação da fosforilase (b) origina uma enzima activa (a), sucede o inverso
com a sintase do glicogénio, cuja forma activa (a) é desfosforilada. Esta particularidade justifica
que aquelas duas enzimas, fundamentais na regulação da glicogenólise e glicogénese, dependam
de efeitos recíprocos, em que a activação de uma das vias decorre a par da inactivação da outra, e
vice-versa. Nesta regulação é crucial a concentração de AMPc intracelular (24, 25), na mediação
de acção hormonal em tecidos–alvo (26). Quando o AMPc aumenta no músculo, p.ex., por acção
da epinefrina, promove a activação de uma proteína cinase específica, de resulta a activação da
fosforilase cinase (b) em (a) e, desta, a fosforilação da forma (b) da fosforilase do glicogénio em
forma (a), que desencadeia a glicogenólise (27). Em simultâneo, a glicogénese permanece
inibida enquanto os níveis de AMPc estiverem elevados, devido à fosforilação da glicogénio
sintetase (a) em (b). Inversamente, a desfosforilação das enzimas mencionadas pela fosfoproteína
fosfatase -1 (por diminuição do AMPc) conduz ao aumento da glicogénese e inibição da
glicogenólise (28). Esta regulação é reforçada pela insulina, com acção contrária à induzida pelo
AMPc, que, ao activar fosfoproteína fosfatase e inactivar a fosforilação da sintase do glicogénio,
provoca a inibição da fosforilase do glicogénio, (29,30).
Adicionalmente, a insulina, ao aumentar a captação de glicose no miocito e a respectiva
conversão em glicose 6-fosfato, reforça, por acção alostérica deste intermediário metabólico, a
inibição da activação da fosforilase (b) (31,32). Deste modo, a insulina estimula a actividade da
MARTINS E SILVA J.
64
sintetase do glicogénio (que promove a glicogénese) e, simultaneamente, inibe a fosforilase do
glicogénio (anulando a glicogenólise), o que, em conjunto, favorece a glicogénese muscular.
Glicólise - A glicólise evolui através de onze etapas enzimáticas que, no total,
correspondem a uma sequência oxidativa sob regulação metabólica (Fig. 3). Cada reacção evolui
com determinado diferencial energético relativamente à que a antecede e à que se lhe segue (33).
1, 3-bisfosfoglicerato (C3)
Frutose 6-fosfato (C6)
Frutose 1, 6- bisfosfato(C6)
Glicose 6-fosfato (C6)
1, 3-bisfosfoglicerato (C3)
3-fosfoglicerato (C3)
2-fosfoglicerato (C3)
Fosfoenolpiruvato (C3)
Piruvato
Lactato
Gliceraldeído 3-fosfato (C3) Diidroxiacetona-fosfato (C3)
(Fosfofrutocinase -1) ATP
ADP
(Fosfoglicose isomerase) ATP
ADP
(Fosfoglicerato cinase)
(Fosfoglicerato mutase)
(Enolase)
ADP
ATP
(Piruvato cinase)
(Lactato desidrogenase) NADH+H+
NAD+
(Aldolase)
(Triose fosfato isomerase)
(Gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase)
NAD+
NADH+H+
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FIGURA 3
Diagrama da glicólise. Todas as etapas enzimáticas decorrem no citosol, em duas
fases. Na primeira fase são requeridas duas moléculas de ATP por cada molécula de
glicose 6-fosfato inicial, de modo a elevar a energia livre dos intermediários
metabólicos imediatos e provocar a clivagem em duas trioses fosfato. Na segunda
fase da glicólise, que termina no piruvato (em aerobiose) ou lactato (em
anaerobiose), são recuperadas quatro moléculas de ATP por cada molécula de
glicose 6-fosfato oxidada.
No conjunto da via, são geradas quatro moléculas de ATP em duas das etapas em que é
maior a libertação de energia livre (34, 35).
Como já referido, a glicólise é iniciada após a fosforilação da glicose livre em glicose 6-
fosfato e subsequente conversão em frutose 6-fosfato, com gasto de uma molécula de ATP; na
etapa seguinte, a frutose 6-fosfato é fosforilada, por nova molécula de ATP, em frutose 1,6-
bisfosfato. No total, na primeira parte da glicólise são consumidos duas moléculas de ATP por
cada molécula de glicose oxidada (Fig. 4):
FIGURA 4
Esquema das reacções de fosforilação na 1ª parte da glicólise
Na segunda parte daquela via ocorre a clivagem de cada hexose-fosfato em duas
moléculas de triose-fosfato, interconversíveis (36).
Todavia, para que a glicólise possa prosseguir, a diidroxicetona-fosfato tem de ser
convertida em gliceraldeído 3-fosfato (37). Por conseguinte, a partir desta fase, a oxidação incide
em duas moléculas de gliceraldeído 3-fosfato por cada molécula de glicose 6-fosfato iniciadora
da via (Fig. 5)
A terceira parte inclui reacções de oxidação-redução e a síntese do ATP. A sequência
recomeça com a oxidação do gliceraldeído 3-fosfato, catalisada por uma desidrogenase
específica, de que resulta a remoção de um protão (H+) e um electrão (e
-) do substrato da reacção
e a formação do seu produto, 1,3-bisfosfoglicerato (38). Estes equivalentes redutores são
captados pela coenzima nucleótido nicotinamida adenina difosfato (NAD), gerando a sua forma
reduzida (NADH). Pelos motivos atrás apresentados, cada molécula de glicose oxidada na via
origina duas de NADH (39).
Frutose 6-fosfato + ATP Frutose 1,6-bisfosfato +ADP
ATP (Fosfrutocinase)
Glicose + ATP Glicose 6-fosfato + ADP (Hexocinase)
MARTINS E SILVA J.
66
FIGURA 5
Clivagem de uma hexose-fosfato (frutose 1,6- bisfosfato) em duas trioses- fosfato
(gliceraldeído 3-fosfato e diidroxiacetona-fosfato), por acção da aldolase. A triose-
fosfato isomerase interconverte, reversivelmente, ambas a trioses-fosfato. Na
glicólise, a reacção desequilibra-se no sentido da formação do gliceraldeído 3-
fosfato, que é o único substrato aceite na sua oxidação pela gliceraldeído 3-fosfato
desidrogenase.
Na glicólise, o ATP é formado em duas das etapas exergónicas com o maior diferencial
energético de toda a via, n um total de quatro moléculas daquele nucleótido (Fig.6).
FIGURA 6
Etapas exergónicas da glicólise
Considerando que há um dispêndio de duas moléculas de ATP na primeira parte da
glicólise e a formação de quatro moléculas de ATP na segunda parte, o rendimento da via é de
duas moléculas de ATP por mole de glicose oxidada.
As moléculas de NADH geradas na glicólise têm duas finalidades optativas. Na glicose
anaeróbia (e nas células sem mitocôndrias), intervêm na redução do penúltimo metabolito da
glicólise (piruvato) no produto final da via (lactato), na reacção (reversível) catalisada por uma
desidrogenase específica; a reoxidação do NADH possibilita a continuidade da glicólise em
anaerobiose, atendendo a que o NAD+ existe em quantidade limitada no citosol (Fig. 7) (39).
Gliceraldeído 3-fosfato
(Aldolase) (Isomerase)
Diidroxiacetona-fosfato
Frutose, 1,6-bisfosfato
(Fosfoglicerato cinase)
2(3-Bisfosfoglicerato+ATP) 2 (1,3-Bisfosfoglicerato+ADP)
(Piruvato cinase)
2(Fosfoenolpiruvato +ADP) 2(Piruvato +ATP)
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FIGURA 7
Reutilização dos equivalentes redutores (transferidos como NADH+H+) da glicólise
aeróbia.
Observa-se este resultado metabólico quando a quantidade de trabalho produzido pelo
músculo esquelético (em particular, pelas fibras brancas) excede a capacidade de oxigenação
tecidual e, consequentemente, os níveis de ATP gerados pela respiração celular; a contracção
muscular em hipoxia relativa passa a depender, como recurso de pouca duração, da glicólise
anaeróbia, que conduz ao aumento à acumulação de lactato no tecido muscular e aumento da
lactatemia (40,41). Neste último caso, o lactato, ao reduzir o pH intracelular, tem o
inconveniente de limitar a actividade glicolítica, e, consequentemente, a contracção máxima
além de um minuto, ao actuar (sobretudo) a nível da sua principal enzima reguladora, a
fosfofrutocinase (42).
Formação do acetil-CoA e respiração celular - Em aerobiose, a oxidação glicídica não
termina no lactato, antes prossegue com o precursor imediato, o piruvato. Este metabolito, depois
de atravessar as duas membranas mitocondriais, é convertido em acetil-CoA, também o produto
final da β-oxidação dos ácidos gordos (43, 44). A formação do acetil-CoA inicia as etapas finais
da oxidação aeróbia das principais biomoléculas, que inclui o ciclo de Krebs, do ácido cítrico ou
do citrato e a fosforilação oxidativa mitocondrial (Fig 1). O conjunto destas transformações
oxidativas, em que o oxigénio molecular participa como aceitador final dos electrões
provenientes das moléculas oxidadas e veiculados através da cadeia respiratória mitocondrial,
recebe a designação de respiração celular (45).
O acetil-CoA e alguns dos intermediários do ciclo de Krebs são, igualmente, produtos
finais da oxidação dos aminoácidos (44.) Aqueles e outros dos constituintes do ciclo do citrato
têm a particularidade de serem, também, o ponto de partida da biossíntese dos hidratos de
carbono, lípidos e proteínas corporais. O facto de participar em actividades catabólicas ou
anabólicas, caracteriza o ciclo de Krebs como um processo anafibólico. Esta característica é
estreitamente regulada por sinais metabólicos que, através de enzimas reguladoras das vias
anabólicas ou catabólicas, assinalam a existência ou ausência de energia química ou dos
produtos finais essenciais à manutenção e renovação da actividade e estrutura celulares.
Em aerobiose, os equivalentes redutores (2H+ e 2e
-) provenientes do par NADH são
transferidos para a matriz (citosol) das mitocôndrias através de um duplo sistema de vaivém
transmembranar, específico e irreversível, o do glicerol-fosfato (Fig.8) e o do malato-aspartato
(46) (Fig.9). Os equivalentes redutores transferidos da glicólise em aerobiose contribuem, assim,
D-Gliceraldeído 3-fosfato + NAD+ +Pi 1,3-Bisfosfoglicerato +NADH +H+
(Gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase)
Piruvato + NADH +
H+
L-Lactato + NAD+
(Lactato desidrogenase)
MARTINS E SILVA J.
68
para a formação de ATP pela fosforilação oxidativa mitocondrial (47). Nesta situação, a glicólise
termina, virtualmente, no piruvato que, após atravessar a membrana interna mitocondrial, origina
o acetil-CoA por descarboxilação oxidativa (Fig 1). No músculo esquelético, bem como no
cérebro, prevalece o sistema de transferência do malato-aspartato.
FIGURA 8
Sistema de transferência do glicerol-fosfato. Cada par de átomos de hidrogénio do
NADH, ao ser captado por uma molécula de diidroxiacetona-fosfato, origina uma
molécula de glicerol 3-fosfato e outra de NAD+. A reacção é catalisada por uma
desidrogenase do glicerol-fosfato presente no citosol, sendo os dois equivalentes
redutores transportados até à face externa da membrana interna mitocondrial pelo
glicerol-fosfato (o qual não entra na mitocôndria). Neste ponto, a isoenzima
mitocondrial da desidrogenase do glicerol 3-fosfato regenera a diidroxiacetona-
fosfato, ao ceder os equivalentes redutores para uma molécula de FAD e, desta, para
a ubiquinona, com entrada na cadeia respiratória.
ATP
MITOCÔNDRIA
Cadeia respiratória
Glicólise
NADH + H+
NAD+
Diidroxiacetona fosfato
Glicerol 3-fosfato
CITOSOL
Membrana interna mitocondrial
FADH2
FAD
(Glicerol 3-fosfato desidrogenase) (Glicerol 3-fosfato desidrogenase)
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FIGURA 9
Sistema de transferência do malato-aspartato, operacional na maioria dos tecidos,
principalmente no miocárdio, fígado e rim. Os equivalentes redutores são
transportados do citosol para a matriz mitocondrial pelo NADH, onde são aceites
pelo oxaloacetato (Oxal), de que resulta a formação do malato (Mal), por acção da
desidrogenase do malato (D). O malato é, seguidamente, transportado para a matriz
mitocondrial por troca com o α-cetoglutarato, por um transportador (1) comum. Os
equivalentes redutores são, na matriz, transferidos (por uma reacção inversa à
verificada no compartimento anterior, catalisada pela malato desidrogenase
mitocondrial) do malato para o NAD+, do que resulta a formação de oxaloacetato e
NADH, sendo este oxidado pela cadeia respiratória. Para voltar ao citosol e dar
continuidade ao sistema, o oxaloacetato, para atravessar a membrana interna, é
transformado noutro intermediário, o aspartato, numa reacção de transaminação (T,
pela aspartato aminotransferase), com recurso a um grupo amina do glutamato. Ao
ser desaminado, o glutamato é transformado em α-cetoglutarato, por sua vez
transferido para o citosol pelo transportador 1. A saída do aspartato para o citosol
ocorre através do transportador glutamato-aspartato (2), por troca com o glutamato,
que segue o sentido inverso. Ao ceder no citosol o seu grupo aminado ao α-
cetoglutarato, o aspartato (por acção da aspartato aminotransferase do citosol)
transforma-se em oxaloacetato e origina glutamato, numa reacção de sentido
contrário à verificada na matriz mitocondrial. A formação do oxaloacetato citosólico
possibilita a continuidade deste sistema de transferência de equivalentes redutores,
transportados das reacções oxidativas pelo NADH.
(T) (T)
CITOSOL/ESPAÇO INTERMEMBRANAR MATRIZ MITOCONDRIAL
(Membrana interna mitocondrial)
(D)
Mal
Oxal
Asp Glut
α-Cet
NAD+
NADH
+H+
+ H+
NAD+
NADH
+H+
Oxal
Mal
α-Cet
Asp Glut
(D)
H+ H+
1
2
MARTINS E SILVA J.
70
Na célula muscular, a glicólise é regulada por modulação alostérica, principalmente a
nível de três das suas enzimas: hexocinase, fosfofrutocinase e piruvato cinase. A actividade da
hexocinase depende da presença de ATP, sendo inibida pela acumulação do seu produto final, a
glicose 6-fosfato. A fosfofrutocinase é estimulada por níveis elevados de AMP e frutose 2,6-
bisfosfato, e inibida pelo ATP, pH ácido, citrato, entre outros produtos formadas na via oxidativa
a jusante. A piruvato cinase é activada pela frutose 1,6 bisfosfato e inibida pelo ATP e alanina.
Um outro ponto de regulação está localizada na etapa catalisada pela desidrogenase do
gliceraldeído 3-fosfato, estimulada quando a relação [NAD+] / [NADH] é superior a 1, e inibida
quando <1 (33; 39).
Em aerobiose, cada molécula de piruvato (anião) utiliza o gradiente de H+
transmembranar para entrar nas mitocôndrias, através de um sistema simporta (1 piruvato- +1H
+)
localizado na membrana interna mitocondrial. A oxidação descarboxilativa (irreversível) do
piruvato em acetil-CoA decorre na matriz mitocondrial, por acção do complexo enzimático da
piruvato desidrogenase. No músculo, esta etapa é regulada por mecanismo alostérico e
modulação covalente, sendo estimulada por níveis elevados de piruvato, NAD e CoA e inibida
pelo ATP, acetil-CoA e NADH (39,48).
Formação e oxidação do acetil-CoA - O acetil-CoA produto comum do catabolismo dos
glícidos (piruvato), lípidos (ácidos gordos e corpos cetónicos) e proteínas (alguns aminoácidos) -
é oxidado pelo ciclo de Krebs (ou do ácido cítrico/citrato). Deste modo, o ciclo de Krebs
constitui a parte final de um processo oxidativo comum das principais moléculas nutrientes,
decorrente em aerobiose (Fig.10). Para que o ciclo funcione, o acetil-CoA conjuga-se com o
metabolito final do ciclo (o oxalacetato) numa reacção irreversível catalisada por uma enzima
limitativa (citrato sintase) que forma o citrato, molécula com 6 carbonos e três grupos
carboxílicos. Nas nove reacções subsequentes (catalisadas por enzimas livres ou aderentes à
membrana interna mitocondrial) obtém-se a regeneração do oxalacetato, são removidas duas
moléculas de CO2 (nas etapas da isocitrato desidrogenase e complexo da α-cetoglutarato
desidrogenase) e oito equivalentes redutores (nas duas etapas anteriores e em outras duas, estas
sob a acção catalítica da succinato desidrogenase e da malato desidrogenase) e é formada uma
molécula de ATP (por fosforilação associada ao substrato, pela enzima succinil-CoA sintetase)
(49).
Na conversão do piruvato em acetil-CoA e oxidação deste metabolito pelo ciclo de Krebs
há a redução de coenzimas intervenientes (designadamente, NAD+ e FAD), depois re-oxidados
no processo de formação do ATP por fosforilação oxidativa (50). Neste processo, genericamente
designado por respiração celular, é essencial a presença de oxigénio molecular, utilizado como
aceitador final de electrões e oxidante das coenzimas reduzidas. No conjunto das etapas de
oxidação envolvidas por cada molécula de piruvato inicial (tomando em conta a síntese do acetil-
CoA, uma volta do ciclo e a reoxidação do NADH e FADH2 associada à cadeia respiratória) são
formadas cerca de doze moléculas de ATP (51,52).
Poderá concluir-se que, à semelhança das vias oxidativas referidas anteriormente, o ciclo
de Krebs depende, em grande parte e em cada momento, dos níveis existentes de NAD+
(para a
captação de equivalentes redutores) e de ADP (para a formação de ATP, à custa da energia livre
obtida no processo oxidativo) (53). Neste conjunto, sobressaem, como enzimas reguladoras, a
desidrogenase do piruvato, a citrato sintase e a desidrogenase do α-cetoglutarato. A enzima
citrato sintase é activada pelos seus substratos (acetil-CoA e oxaloacetato) e inibida
alostericamente pelo ATP e cadeias longas de acil-gordo CoA (proveniente da β-oxidação dos
ácidos gordos). A isocitrato desidrogenase é activada pelo ADP e inibida pelo ATP e NADH. O
ADAPTAÇÃO METABÓLICA AO EXERCÍCIO FÍSICO
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complexo da α-cetoglutarato desidrogenase tem regulação semelhante à da piruvato
desidrogenase. A succinato desidrogenase é inibida pelo oxalacetato, enquanto a enzima malato
desidrogenase é estimulada pelo NAD+ (
54,55). Adicionalmente, no músculo, algumas das
enzimas oxidativas referidas são também activadas pelo aumento da concentração de Ca2+
na
fase de contracção (56,57).
OXALOACETATO
ACETIL-CoA
PIRUVATO
CITRATO
ISOCITRATO
α-CETOGLUTARATO
SUCCINIL-CoA SUCCINATO
MALATO
FUMARATO
CICLO DE
KREBS
FADH
2
NADH+H+
½ O2
O2
ATP
MARTINS E SILVA J.
72
FIGURA 10
Diagrama da respiração celular, que inclui o ciclo de Krebs e a fosforilação
oxidativa. O acetil-CoA, após conjugar-se com o oxaloacetato, origina a formação de
um composto de 6 carbonos, o citrato, primeiro intermediário de um ciclo de
transformações oxidativas de que resulta a perda de duas moléculas de CO2 e de 4
moléculas de H2. A oxidação destes equivalentes redutores pelo oxigénio, no
extremo final da cadeia de transporte de electrões, promove a fosforilação de
moléculas de ADP em ATP.
METABOLISMO OXIDATIVO DOS ÁCIDOS GORDOS
Origem, transporte e captação - Os ácidos gordos livres (AGL), ou ácidos gordos não
esterificados, constituem uma das mais importantes fontes energéticas do organismo, quer em
repouso quer durante o exercício (58). Cerca de 80% da quantidade energética necessária às
actividades do fígado e coração provém da oxidação local de ácidos gordos de cadeia extensa em
acetil-CoA e do subsequente consumo pelo ciclo de Krebs, em associação com a cadeia
respiratória.
No músculo, à semelhança de outras células corporais, os AGL derivam da hidrólise de
moléculas de triacilglicerol de origem alimentar ou das reservas lipídicas (existentes no próprio
tecido e, sobretudo, do tecido adiposo) (59,60). Devido à sua baixa insolubilidade no plasma, o
transporte de AGL e de outros lípidos pela circulação requer que se associem a proteínas
solubilizantes, originando complexos de AGL-albumina ou lipoproteínas.
Os AGL em circulação associados à albumina (cerca de 10 AGL por molécula proteica),
embora representem somente cerca de 4% dos lípidos plasmáticos, são a sua forma
metabolicamente mais activa; provêm da lipólise do triacilglicerol depositado no tecido adiposo
e, ainda, da acção lipolítica da lipoproteína lipase sobre o triacilglicerol transportado pelos
quilomicra aos tecidos-alvo (adiposo, glândula mamária, músculo esquelético e miocárdio)
(61,62).
No endotélio dos capilares que irrigam aqueles tecidos é detectada uma abundância de
moléculas da enzima lipoproteína lipase; da sua acção catalítica resulta a remoção progressiva
dos ácidos gordos das moléculas originais de triacilglicerol, até à obtenção final de AGL e
glicerol, captados rapidamente pelas células adjacentes (63). Exceptuando uma fracção dos AGL
que refluem para a circulação sanguínea, a maior parte é, na continuidade, oxidada para obtenção
de energia (sobretudo no músculo) ou formar ésteres de glicerol, com regeneração de
triacilglicerol (particularmente no tecido adiposo) (64). A captação de AGL pelas células
depende directamente da concentração presente no plasma; este valor aumenta em jejum, sendo
em grande parte determinado pelo grau de actividade lipolítica do tecido adiposo. Por seu lado, o
jejum, assim como o exercício físico, são factores determinantes no aumento da oxidação dos
AGL provenientes das lipoproteínas ou das reservas de triacilglicerol existentes em outros
tecidos, designadamente, nos músculos, esquelético e cardíaco (65). O aumento da concentração
plasmática de AGL, particularmente depois do exercício físico, induz uma redução acentuada do
consumo de glicogénio hepático e muscular, sugerindo que a oxidação lipídica minimiza a da
glicose (66). Este efeito será potenciado pela inibição exercida pelos ácidos gordos e corpos
cetónicos sobre a captação e acumulação da glicose nos miocitos (67).
ADAPTAÇÃO METABÓLICA AO EXERCÍCIO FÍSICO
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A entrada dos AGL nas células-alvo é precedida pela sua dissociação da albumina
(61,68), de modo a ligarem-se a outra proteína membranar, num processo de co-transporte com
Na+ que conduz os AGL ao citosol, onde se fixam a outra proteína que viabiliza o seu transporte
intracelular (69).
Ainda que lipoproteína lipase não esteja activa a nível do fígado, cerca de 20% dos AGL
provenientes dos quilomicra (na composição do triacilglicerol) são recebidos pelos hepatocitos
(70), na sequência da endocitose hepática dos quilomicra remanescentes (71). O resto de
triacilglicerol ainda existente nos quilomicra remanescentes, recebido pelos hepatocitos depois
de clivado nos seus constituintes, viabiliza a obtenção de energia através da oxidação de ácidos
gordos, originando ainda precursores de corpos cetónicos; em alternativa, se os ácidos gordos
excederem a quantidade necessária para o seu consumo imediato, são re-esterificados em novas
moléculas de triacilglicerol (64,72). Seguidamente, estas moléculas (formadas com ácidos
gordos provenientes do plasma ou sintetizados nos hepatocitos a partir do acetil-CoA) são
exportadas pelas lipoproteínas endógenas de muito baixa densidade (VLDL) para o tecido
adiposo e músculo, nos quais, à semelhança do processo da captação referido para os quilomicra,
a lipoproteína lipase promove a hidrólise de triacilglicerol, com subsequente captação dos seus
constituintes, designadamente os ácidos gordos (73,74). Estes são metabolizados na formação de
triacilglicerol pelos adipocitos (75), enquanto no músculo, pelo contrário, são preferencialmente
oxidados para o fornecimento de energia à actividade contráctil (60,67).
Oxidação dos ácidos gordos – A utilização metabólica dos ácidos gordos de cadeia
extensa como fonte energética do músculo segue um mecanismo semelhante (designado como β-
oxidação) ao de todos os tipos celulares onde ocorre, integrado num sistema mitocondrial
comum ao de outras biomoléculas (77,78). As cadeias longas de hidrocarboneto dos ácidos
gordos são estruturas com grau elevado de hidrogenação, pelo que, ao serem completamente
oxidadas, libertam mais do dobro da energia de oxidação das moléculas glicídicas ou proteicas
com peso equivalente (78). A oxidação dos ácidos gordos termina com a formação de moléculas
de acetil-CoA1, também obtidas pela oxidação da glicose e de alguns aminoácidos (Fig.1). Tal
como na oxidação dos glícidos, a oxidação progressiva dos ácidos gordos em acetil-CoA, depois
oxidado pelo ciclo de Krebs, produz equivalentes redutores e utiliza o mesmo tipo de nucleótidos
(NAD+ e FAD) para os transportar até à cadeia de transporte de electrões para a obtenção de
ATP (79,80). A oxidação dos ácidos gordos tem, porém, algumas particularidades. Assim, o
consumo de ácidos gordos como fonte energética varia (por vezes muito) de tecido para tecido e
é influenciado pelo estado metabólico, alimentar e actividade física do organismo. Enquanto a
oxidação de ácidos gordos pelo tecido nervoso é irrelevante, a sua utilidade para a actividade
muscular é muito acentuada. Adicionalmente, o acetil-CoA oxidado não conduz exclusivamente
à formação directa de ATP, pois que, a nível do fígado, é precursor da cetogénese (81,82).
A β-oxidação dos ácidos gordos processa-se na matriz mitocondrial, o que requer a
passagem daqueles lípidos do citosol para as mitocôndrias através da dupla membrana destas
estruturas (83). Os ácidos gordos com 12 ou menos átomos de carbono atravessam directamente
a membrana mitocondrial, mas a maioria, com cadeia mais extensa, são pré-activados (por acil-
sintetases) para que o seu transporte seja possível através de um sistema de vaivém, que inclui
uma molécula proteica transportadora, particularmente abundante no músculo (a carnitina) e
1 A oxidação completa dos ácidos gordos com número par de carbonos termina com duas moléculas de aceti-CoA
Cada uma com 2 átomos de carbono), enquanto os de número ímpar originam uma molécula de acetil-CoA e outra
de propionil-CoA (com 3 carbonos).
MARTINS E SILVA J.
74
duas isoenzimas (carnitina aciltransferase I e II) (Fig. 11) (84-87). A activação dos AG consiste
na sua união (por uma ligação tioéster) a uma molécula de coenzima A, com consumo de ATP e
formação de um composto de alta energia (acil gordo-CoA). Este intermediário metabólico tem
dois destinos principais: participa na formação dos lípidos membranares ou, o que é mais comum
no músculo, atravessa a barreira mitocondrial para ser convertido em acetil-CoA e contribuir
para a formação de ATP.
A oxidação das moléculas de acil-gordo-CoA derivadas de ácidos gordos saturados
decorre em três fases (83,88). Na primeira (β-oxidação), o composto inicial é submetido a ciclos
repetidos de reacções enzimáticas (com a intervenção de quatro enzimas diferentes, em
sequência: acil-CoA desidrogenase, enoil-CoA hidratase, β-hidroacil-CoA desidrogenase e acil-
CoA acetiltransferase); no termo de cada ciclo é removida uma molécula de acetil-CoA (Fig.
12).
Acil gordo-CoA
Acil gordo - carnitina Carnitina
CoA
Acil gordo - carnitina
CAT II T
MATRIZ
CAT I
Ácido gordo Acil gordo-CoA
ATP+CoA AMP+PPi
AS CITOSOL
Acil gordo-CoA
Acil gordo - carnitina Carnitina
CoA
M.I.M.
M.E.M.
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FIGURA 11
A passagem dos ácidos gordos para a matriz mitocondrial é precedida pela sua
activação, pelo ATP, num composto da alta energia, o acil gordo-CoA. A reacção,
catalisada por acil-CoA sintetases (ACS) específicas, requer a clivagem do ATP em
AMP e PPi. Cada uma das moléculas de acil-gordo atravessa sem dificuldade a
membrana externa mitocondrial (M.E.M.) após o que se associa a molécula de
carnitina. Desta reacção, catalisada pela carnitina-acil transferase I (CAT I), resulta a
formação de uma molécula de acil gordo-carnitina e a dissociação do CoA. A
membrana interna mitocondrial M.I.M.) permite a passagem moléculas de acil
gordo-carnitina para a matriz, por acção de uma translocase (T).Na matriz, as
moléculas de acil gordo-carnitina reagem com o CoA intramitocondrial, originando,
por acção da carnitina-acil transferase II (CAT II), a regeneração do acil-gordo-CoA
e a dissociação da carnitina, seguidamente devolvida ao espaço intermembranar pela
anterior translocase, dando possibilidade à endocitose de outras moléculas de acil-
gordo.
Recorrendo ao exemplo de AG mais comum (ácido palmítico, com 16 carbonos), a β-
oxidação requer 7 ciclos de sequência oxidativa, com a formação final, aproximada, de oito
moléculas de acetil-CoA e a remoção de 14 H2 (7 como NADH+H+
e 7 FADH2). Na segunda
fase, cada molécula de acetil-CoA, oxidada pelo ciclo de Krebs, origina 4 H2 (removidos por 3
moléculas de NAD+ e 1 de FAD). Na terceira fase, estes equivalentes redutores (a que acrescem
os produzidos na primeira fase) são transferidos para a cadeia respiratória, através da qual a
reoxidação de cada molécula de NADH e de FADH2 origina, respectivamente, cerca de 3 e 2
ATP.
A oxidação de ácidos gordos insaturados ou com nº ímpar de carbonos apresenta algumas
particularidades (88). No primeiro caso, são requeridas duas reacções adicionais (catalisadas por
uma isomerase e outra redutase), enquanto no segundo, a última etapa da β–oxidação gera uma
molécula de acetil-CoA e outra com 3 carbonos, o propionil-CoA, cuja oxidação final termina na
formação de um dos intermediários do ciclo de Krebs, o succinil-CoA.
Cetogénese – Em condições de jejum, fome ou consumo exagerado de ATP (p. ex., no
exercício físico prolongado), assim como na diabetes mellitus, verifica-se um acentuado
incremento da β-oxidação dos ácidos gordos no fígado, de que resulta grande quantidade de
acetil-CoA e, simultaneamente, de NADH (89-91). Na sequência do aumento da relação
[NADH]/[NAD+] intramitocondrial, o ciclo de Krebs tende a ser inibido, limitando a oxidação
do acetil-CoA (92). Quando este intermediário metabólico excede a quantidade de oxalacetato
disponível (para a formação de citrato e subsequente oxidação pelo ciclo de Krebs), aumenta
substancialmente a concentração intramitocondrial de acetoacetil-CoA, convertido em corpos
cetónicos (acetoacetato, β-hidroxibutirato e acetona) (93-95) (Fig. 13).
Aparte a acetona (derivada da descarboxilação do acetoacetato e eliminada do sangue sob a
forma de gás), os dois outros compostos, transportados pela circulação sanguínea, representam
uma fonte energética importante aos tecidos extra-hepáticos (em alternativa à glicose,
designadamente, no músculo esquelético e miocárdio) (96). Nas células- alvo, o acetoacetato e o
β-hidroxibutirato são reconvertidos em acetil-CoA e, desta forma, oxidados pelo ciclo de Krebs.
A conversão do β-hidroxibutirato em acetoacetato é o inverso da reacção da cetogénese,
catalisada pela mesma enzima, a 3-hidroxibutirato desidrogenase. Na etapa seguinte, é requerida
MARTINS E SILVA J.
76
a activação do acetoacetado em acetoacetil-CoA, à custa do CoA transferido do succinil-CoA
por uma transferase específica. Desta reacção resulta o succinato, outro dos intermediários do
ciclo de Krebs. Segue-se a dissociação do acetoacetil-CoA em duas moléculas de acetil-CoA
(por acção da tiolase) e a respectiva oxidação pelo ciclo de Krebs (97,98) (Fig.14).
FIGURA 12
Diagrama da β–oxidação dos ácidos gordos saturados e com número par de
carbonos, neste caso o palmitato (16 carbonos). Em cada etapa, catalisada por um
conjunto comum de quatro enzimas sequenciais, um resíduo com dois carbonos
(acetilo) é removido da extremidade carboxílica do palmitoil-CoA- CoA, sob a forma
de acetil-CoA.
Acil gordo-CoA (C16)
Acil-CoA desidrogenase
Enoil. CoA hidratase
β-Hidroxiacil-CoA desidrogenase
Acil-CoA aciltransferase
Acetil-CoA+ FADH2+NADH+H+
Acil gordo-CoA (C14)
Acil gordo-CoA (C12)
Acil gordo-CoA (C10)
Acil gordo-CoA (C8)
Acetil -CoA (C2)
Acil gordo-CoA (C6)
Acil gordo-CoA (C4)
Acetil-CoA+ FADH2+NADH+H+
Acetil-CoA+ FADH2+NADH+H+
Acetil-CoA+ FADH2+NADH+H+
Acetil-CoA+ FADH2+NADH+H+
Acetil-CoA+ FADH2+NADH+H+
Acetil-CoA+ FADH2+NADH+H+
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FIGURA 13
Formação de corpos cetónicos, a partir de duas moléculas de acetil-CoA e ou de uma
molécula de acetoacetil-CoA. Todas as enzimas da cetogénese existem e actuam nas
mitocôndrias hepáticas: (1) tiolase; (2) 3-hidroxi-3-metilglutaril-CoA sintase; (3) 3-
hidroxi-3-metilglutaril-CoA liase; (4) 3-hidroxibutirato desidrogenase. A acetona é
formada por descarboxilação espontânea.
METABOLISMO OXIDATIVO DOS AMINOÁCIDOS E GLICONEOGÉNESE
Origem e aproveitamento metabólico dos aminoácidos – Os miocitos, assim como a
generalidade das células, recebem (pelo sangue) aminoácidos (essenciais e não essenciais)
provenientes da digestão alimentar ou de outros tecidos corporais (99). Os aminoácidos são
transportados através da membrana plasmática por moléculas específicas de natureza proteica,
quer do meio extracelular para o intracelular, ou o reverso (2). Quando, devido a ingestão
proteica excessiva, os aminoácidos em circulação excedem a capacidade de utilização utilização
metabólica na formação de proteínas celulares ou compostos azotados e, adicionalmente, não
podem ser armazenados nem excretados, são aproveitados pelas células receptoras de dois
modos: oxidação ou transformação em glícidos e lípidos (99,100).
Etapas finais da β-Oxidação
CoA
Acetoacetil-CoA
2 Acetil-CoA
Acetil-CoA
(1) CoA
( 2)
β- Hidroxibutirato
Acetil-CoA
β-Hidroxi- β-metilglutaril-CoA
Acetoacetato
Acetona
(3)
CO2 NADH+H+
NAD+
(4)
MARTINS E SILVA J.
78
Além do músculo esquelético, também o fígado e os intestinos são particularmente
importantes no aproveitamento dos aminoácidos em excesso.
FIGURA 14
Consumo de corpos cetónicos por uma célula muscular. Genericamente, as
transformações conducentes à regeneração do acetil-CoA seguem um sentido inverso
ao da cetogénese, catalisadas pelas mesmas enzimas. Exceptua-se a etapa de
activação do acetilacetato por uma molécula de CoA, transferida do succinil-CoA
pela succinil-CoA-acetoacetato-CoA transferase (2).
O músculo esquelético contém cerca de 80% dos aminoácidos livres do total corporal,
enquanto o plasma, pelo contrário contém somente entre 0,2 a 6% (7,8). Entre os aminoácidos
essenciais livres existentes mo músculo, aproximadamente 80% são representados pelo
glutamato, glutamina e alanina; os dois últimos são, também, os principais transportadores de
grupos amina entre os diversos órgãos (101,102). Os aminoácidos ramificados (valina, leucina e
isoleucina) da alimentação são utilizados preferencialmente no músculo, em particular como
fonte energética (13).
β-Hidroxibutirato
Acetoacetato
NAD+
NADH
Acetoacetil-CoA
Succinil-CoA
Succinato
Citrato
Oxaloacetato
2 Acetil-CoA
(1)
(2)
(3)
CICLO DE KREBS
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Os aminoácidos exógenos e os intra-celulares (sintetizados de precursores, ou resultantes
da proteólise local) partilham opções metabólicas diversificadas: síntese proteica, formação de
derivados azotados e ou degradação oxidativa. Por conseguinte, a energia química pode ser
obtida pela oxidação dos aminoácidos das proteínas alimentares e das que constituem as
estruturas celulares; neste último caso, os aminoácidos utilizados como fonte energética provêm
de uma contínua renovação proteica e ou de um aumento excessivo da sua degradação em
condições especiais, fisiológicas ou patológicas (99, 103).
A renovação proteica caracteriza-se por um equilíbrio dinâmico entre a quantidade
degradada e a que é sintetizada diariamente (cerca de 1 a 2% do total proteico do organismo
humano) (104), ainda que em proporção variável de tecido para tecido, quer devido a diferenças
na vida média proteica ou da massa corporal (105). O músculo esquelético, ao totalizar cerca de
metade da massa corporal, representa um dos mais importantes sectores em que decorre a
renovação proteica (106,107). Em condições normais, cerca de 75% dos aminoácidos resultantes
da proteólise são reutilizados pelas mesmas células ou por células e tecidos diferentes, quer na
síntese de novas proteínas e derivados proteicos ou, ainda, como material energético. Quando em
excesso (e por não formarem depósitos), os aminoácidos tendem a ser rapidamente
transformados em outros produtos ou intermediários metabólicos com destinos distintos (108).
Também atendendo à fracção ponderal que representa, o músculo esquelético é
(potencialmente) a principal fonte energética não lipídica do organismo humano adulto. Esta
particularidade assume particular importância em situações de desnutrição prolongada ou
patológica (diabetes mellitus), ao possibilitar a oxidação preferencial dos aminoácidos nas
situações em que escasseiam ou existem deficiências na utilização metabólica de outros
nutrientes energéticos (108).
Os aminoácidos provenientes da alimentação são transportados para o fígado, onde
decorre a maior parte da sua metabolização (109). Neste processamento sobressaem dois tipos
essenciais de reacção: transaminação e desaminação. Pelo facto de as enzimas respectivas
(aminotransferases e desidrogenases) catalisarem reacções em equilíbrio relativo, podem
promover a degradação ou a síntese de aminoácidos em circunstâncias bem definidas. Nas
transaminações, a transferência do grupo amina de um aminoácido para um aceitador cetoácido
(geralmente o α- cetoglutarato), possibilita que este se transforme noutro aminoácido
(glutamato), enquanto o composto dador ( outro tipo de aminoácido) adquire a estrutura de
cetoácido (110). Na desaminação, o grupo amina dissocia-se do aminoácido, originando um
resíduo de 3 ou 4 carbonos com um grupo funcional cetona (cetoácido) (111). Os cetoácidos
derivados de qualquer daqueles tipos de reacções podem ser reutilizados (a) na regeneração de
aminoácidos, (b) intermediários das vias oxidativas, gerando energia química ou, havendo ATP
suficiente disponível, (c) na regeneração da glicose e glicogénio pela gliconeogénese. Interessa
para o presente texto analisar as duas últimas opções metabólicas.
Aproveitamento metabólico dos grupos amina -Os grupos aminados, depois de removidos
dos aminoácidos (e de se converterem em amoníaco, NH3), podem ser reciclados em diversas
reacções metabólicas ou, quando em excesso, excretados do organismo como ureia ou ião
amónio (NH4+) (109, 112- 114). Neste processo, o glutamato e a glutamina contribuem, em
particular, para a captação de grupos aminados, enquanto a glutamina, em conjunto com a
alanina (em apenas 1/10 do total), promovem o seu transporte entre os diversos órgãos, para
aproveitamento local.
No fígado, os grupos aminados são transferidos (no citosol) para o α- cetoglutarato (por
acção da glutamato aminotransferase), gerando glutamato. Enquanto a maior parte deste
MARTINS E SILVA J.
80
aminoácido intervém na síntese de outros aminoácidos (designadamente, o aspartato) ou em
outras funções metabólicas, uma fracção menor, depois de entrar nas mitocôndrias, é desaminada
(pelo glutamato desidrogenase); desta reacção resulta o grupo NH4+ para a síntese da ureia e um
resíduo de α-cetoglutarato, a ser consumido como material energético ou na gliconeogénese. O
ião amónio formado no intestino e rim é igualmente veiculado para o fígado e, no caso do rim
(na acidose metabólica), também eliminado pela urina. No fígado, o amoníaco/ião amónio
proveniente de todas as origens contribui para a síntese da ureia.
Nos tecidos que utilizam os aminoácidos com fonte energética por oxidação do
respectivo cetoácido, os grupos aminados são preferencialmente utilizados na formação de
glutamato e, deste, em glutamina, que os transporta até ao fígado (102,115). O músculo
esquelético tem ainda a particularidade de os grupos aminados excedentes serem transportados
para o fígado pela alanina, formada a partir do piruvato (pela alanina amino transferase)
(116,117).
FIGURA 15
Intermediários do ciclo de Krebs que derivam do esqueleto de carbono de
aminoácidos.
OXALOACETATO
ACETIL-CoA
PIRUVATO
CITRATO
ISOCITRATO
α-CETOGLUTARATO
SUCCINIL-CoA SUCCINATO
MALATO
FUMARATO
Alanina
Cisteína
Glicina
Hidroxiprolina
Serina
Treonina
Isoleucina
Leucina
Triptofano
ACETOACETIL-CoA
Leucina
Lisina
Fenilalanina
Triptofano
Tirosina
Asparagina
Aspartato
Tirosina
Fenilalanina
Isoleucina
Metionina
Valina
Arginina
Histidina
Glutamina
Prolina
Glutamato
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Esta via alternativa é particularmente importante nos períodos de exercício muscular
intenso em anaerobiose, em que são produzidas grandes quantidades de piruvato e lactato, a que
acresce o amoníaco resultante da proteólise (118). A par da formação da alanina e da glutamina
(119,120), aqueles produtos finais da glicólise são transportados para o fígado e aqui
reaproveitados para formar glicose (pela gliconeogénese), por seu lado reencaminhada para os
músculos e outros tecidos, completando-se assim uma sequência de transformações designadas
como ciclos da glicose-alanina (121,122) e da glicose - lactato e piruvato (ciclo de Cori)
(123,124).
Oxidação dos aminoácidos e gliconeogénese – Em condições fisiológicas, somente 10 a
15% da energia produzida pelo organismo provém da degradação de aminoácidos. Por seu lado,
o contributo de cada aminoácido naquela transformação depende de vários factores: composição,
utilização em biossínteses e disponibilidade.
Os aminoácidos cuja degradação termina em piruvato (alanina, cisteína, glicina, serina,
treonina e triptofano), α-cetoglutarato (glutamato, glutamina, arginina, histidina, prolina),
succinil-CoA (isoleucina, metionina, treonina, valina), fumarato (fenilalanina, tirosina) e ou
oxaloacetato (asparagina, aspartato) podem formar, a partir destes intermediários metabólicos, a
glicose e ou glicogénio pela via da gliconeogénese. Outros aminoácidos (fenilalanina, tirosina,
leucina, isoleucina, triptofano, lisina e treonina) que, ao serem degradados no fígado, originam
acetil-CoA e ou acetoacetil-CoA como produtos finais, são, a partir destes compostos,
convertidos em corpos cetónicos, sobretudo em situações de fome ou na diabetes descontrolada.
Alguns dos aminoácidos mencionados (fenilalanina, tirosina, triptofano, isoleucina e treonina)
são simultaneamente cetogénicos e glicogénicos (109,127,128). No conjunto, a sequência
catabólica específica para os vinte aminoácidos naturais termina em seis compostos que, directa
ou indirectamente, são oxidados pelo ciclo de Krebs, contribuindo para a formação de ATP
(109,113; 125-127).
Além dos aminoácidos glicogénicos (através dos respectivos cetoácidos), também o
lactato, glicerol e propionato são precursores da síntese de novo da glicose e glicogénio, que
ocorre, sobretudo, no fígado e (cerca de 1/10) no córtex renal. A gliconeogénese tem a
particularidade de partilhar muitas das enzimas da glicólise, ainda que actuando em sentido
inverso quando as reservas corporais de glicose e glicogénio ficam aquém do necessário; oferece
ainda a vantagem de reutilizar alguns dos produtos finais do catabolismo dos aminoácidos,
lipólise e glicólise, e assegurar os níveis adequados de intermediários do ciclo de Krebs. É o caso
oxaloacetato, p. ex., proveniente por desaminação do glutamato, ou por carboxilação oxidativa
do piruvato, é essencial para a oxidação das quantidades excessivas de acetil-CoA produzido em
situações de acentuada lipólise (126, 129).
RESPOSTA METABÓLICA AO EXERCÍCIO DINÂMICO
Fibras musculares, ATP e exercício físico - O sistema muscular encontra-se em
permanente actividade, em resposta a estímulos de intensidade e duração variáveis. Sendo o tipo
de contracção e movimento produzidos dependentes, em grande parte, da estrutura e capacidade
metabólica dos músculos esqueléticos envolvidos. Explica-se assim que um esforço continuado,
baseado nas fibras vermelhas musculares, requeira um fornecimento constante de energia,
enquanto as variações bruscas de actividade utilizam energia imediatamente disponível, utilizada
preferencialmente pelas fibras brancas (130).
MARTINS E SILVA J.
82
FIGURA 16
Via da gliconeogénese, em que se salientam os ciclos da glicose-alanina e de Cori. O
lactato (e também o piruvato), produzidos pela glicólise do músculo em exercício
intenso anaeróbio, é veiculado para o fígado. No fígado, aqueles produtos, bem como
outros metabolitos precursores da glicose/glicogénio, são convertidos em
fosfoenolpiruvato. A conversão do piruvato em fosfoenolpiruvato não é directa.
Primeiro, o piruvato, após entrar nas mitocôndrias é carboxilado em oxaloacetato
pela piruvato carboxilase; segue-se a redução do oxaloacetato em malato pela
respectiva desidrogenase (invertendo o sentido de oxidação do ciclo de Krebs);
depois de passar a membrana mitocondrial para o citosol, o malato é reconvertido,
por oxidação, em oxaloacetato pela isoenzima local, seguindo-se a descarboxilação
deste metabolito em fosfoenolpiruvato pela respectiva carboxicinase. Nas situações
em que há aumento da proteólise muscular, os grupos aminados resultantes da
degradação dos aminoácidos são transferidos para o piruvato, com formação de
alanina, transportada pela circulação para o fígado. Neste órgão, a alanina dissocia-se
em piruvato e grupos amina; enquanto estes são eliminados na ureia, o piruvato,
junto com outros precursores da glicose, são metabolizados pela gliconeogénese.
Glicose
Alanina
-NH2
Ureia
Pi
Glicogénio
Glicose 6-fosfato
Piruvato
Lactato
Fosfoenolpiruvato
Oxaloacetato
Reacções de
transaminação e
desaminação
Glicose 6-fosfato
Piruvato
Lactato
Alanina
-NH2
ADAPTAÇÃO METABÓLICA AO EXERCÍCIO FÍSICO
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A distribuição e proporção do tipo de fibras em cada músculo varia em função da actividade
desenvolvida, de acordo com observações em atletas e indivíduos sujeitos a determinado tipo de
actividade repetida (131). Acresce que características metabólicas e estruturais de cada tipo de
fibras musculares podem ser modificadas pela duração, intensidade e tipo de exercício e treino
físico mais intenso (132). O mesmo sucede com o alargamento das fibras, dependente da
intensidade do exercício, e subsequente aumento de volume dos grupos musculares envolvidos,
nos treinos de resistência ou força (133,134). Pelo contrário, a imobilização temporária ou
interrupção do treino físico revertem aquelas modificações ao estado inicial (135,136),
culminando na atrofia e na distribuição alterada das fibras musculares, como sucede em
situações de imobilidade prolongada ou definitiva (135) e, também, no envelhecimento (137).
A actividade metabólica das fibras brancas, em que escasseiam as mitocôndrias, depende
quase integralmente do ATP formado na glicólise, enquanto nas fibras vermelhas, ricas em
mitocôndrias, a glicose é completamente oxidada, originando, in vivo, cerca de 13 vezes mais
quantidade de ATP (138).
A concentração de ATP no músculo esquelético (cerca de 8mM) é, aproximadamente, 10
vezes superior à de ADP e 100 vezes à de AMP. Estes níveis mantém-se virtualmente constantes
durante o exercício sub-máximo, embora tendam a diminuir com a fadiga (139,140). Por seu
lado, a concentração de fosfocreatina é cerca de 3 vezes superior à de ATP, sendo 20% mais
elevada nas fibras do tipo II do que nas de tipo I (141). Porém, enquanto os níveis de ATP
permanecem constantes, a concentração da fosfocreatina diminui proporcionalmente ao esforço
físico desenvolvido, até a um valor constante; este nível é inversamente proporcional à
intensidade do exercício e, também, ao da VO2. Na origem desta interrelação está a concentração
de ADP, que não só estimula o consumo de fosfocreatina (para formar ATP) como aumenta a
fosforilação oxidativa mitocondrial e, consequentemente, o valor o consumo total de oxigénio
(VO2) (142). A situação é revertida pela interrupção do exercício, com a rapidíssima recuperação
dos níveis iniciais da fosfocreatina muscular (143).
A oxidação metabólica em aerobiose que predomina nos músculos vermelhos - ricos em
oxigénio (associado às moléculas de mioglobina), indispensável à fosforilação oxidativa
mitocondrial - possibilita a manutenção da contracção muscular durante horas; este tipo de
exercício utiliza cerca de 1/4 do ATP (por unidade de tempo) do que é dispendido no exercício
muscular máximo em anaerobiose, e consome cerca de 100 vezes mais nutrientes do que em
repouso, ainda que a concentração plasmática daquelas substâncias permaneça virtualmente
inalterada. Por seu lado, o exercício físico vigoroso e rápido, desenvolvido em anaerobiose,
aumenta a renovação do ATP muscular cerca de 1000vezes, ainda que a sua concentração
tecidual quase não varia. Numa posição intermédia, p.ex., em corridas de meia distância
desenvolvida no máximo da capacidade física, o ATP consumido provém, em partes iguais, do
metabolismo anaeróbio e aeróbio; à medida que aumenta a distância é também maior a
proporção de energia produzida em aerobiose. Em repouso, a glicólise e o ciclo de Krebs actuam
a cerca de 10%, ou menos, da respectiva capacidade máxima, com produção mínima de lactato,
ao passo que, durante a actividade física normal, o consumo de glicose e de oxigénio tende a
aumentar cerca de 20 vezes (144,145).
Em condições de equilíbrio dinâmico, o ATP é essencialmente formado por fosforilação
oxidativa, sendo a renovação do seu total corporal determinada directamente pelo valor da VO2.
Enquanto em repouso o consumo máximo de oxigénio varia entre 0,2-0,3 l/min, no esforço
máximo pode aumentar cerca de 20 vezes, de modo a possibilitar a síntese de ATP necessário
(146.).
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84
De facto, no músculo, ao contrário do que sucede na generalidade dos tecidos, verifica-se
grande variação das exigências energéticas em função do tipo de actividade desenvolvida. A
intensidade do exercício físico é o principal determinante da renovação do ATP, entre outros
factores, tais como a composição (em fibras musculares), eficiência mecânica, temperatura e
fadiga muscular. No exercício intenso de curta duração (p.ex., uma corrida de 100 metros), a
renovação do ATP corporal aumenta cerca de 3 vezes relativamente ao valor verificado durante
uma corrida de maratona e cerca de 50 vezes superior ao de repouso. Todavia, em outro tipo de
exercício, p.ex, contracção isométrica de curta duração, a renovação de ATP é cerca de 2/3 da
que se observa após pedalar vigorosamente durante 10 s, a que correspondem valores entre 300 e
400 vezes superiores aos de repouso (145). Estas diferenças na renovação do ATP foram
confirmadas em fibras musculares humanas isoladas, sujeitas a modos contrácteis distintos;
p.ex., a renovação de ATP das fibras musculares do tipo II é 3 a 4 vezes superior ao das fibras do
tipo I (147).
A concentração de ATP muscular, habitualmente constante e que raramente diminui mais
do que 30% no nível inicial durante actividades contrácteis mais exigentes, não parece ser um
factor determinante da fadiga muscular. Esta tem sido associada, entre outros factores
presumíveis, à desaminação dos nucleótidos adenílicos musculares. A desaminação do AMP em
IMP aumenta com a redução dos níveis de fosfocreatina e pH (148,149) e da capacidade
contráctil (144,150). Este tipo de situação verifica-se quando o exercício decorre em isquemia ou
hipoxia, de que resulta a diminuição dos níveis de fosfocreatina, maior formação de IMP (149), e
maior susceptibilidade à fadiga (151). A concentração de IMP aumenta com esforços energéticos
de curta duração ou mais prolongados de intensidade moderada, aparentemente associada à
redução do nível de glicogénio muscular e desenvolvimento da fadiga (151).
Nutrientes, formação de ATP e características do exercício físico - Diversos factores
influenciam o tipo de nutrientes mais utilizados pelo músculo esquelético para a obtenção
energia total requerida; entre outros, destacam-se a intensidade e duração do exercício físico, as
características morfológicas e composição em fibras musculares, o estado de ansiedade e
nutricional de cada indivíduo, e o ambiente em a actividade decorre).
Os glícidos são o material energético mais consumido em todos os tipos de actividade
física, sobretudo durante o exercício moderado e intenso, enquanto os lípidos (ácidos gordos e
corpos cetónicos), utilizados pelo músculo esquelético e outros tecidos em períodos de repouso,
são primordiais no esforço de resistência. Em qualquer dos casos, a utilização daqueles
nutrientes é determinada pelas características e funcionalidade das vias metabólicas
intervenientes na formação máxima de ATP. Numa perspectiva geral, e como termo de
comparação (por não pertencer à categoria de nutriente), verifica-se que o valor máximo
(mmol.s-1
.kg-1
) de formação do ATP no quadricípede crural em exercício dinâmico (152) provém
da degradação da fosfocreatina, em que o contributo deste composto é cerca do dobro do obtido
na glicogenólise e glicólise anaeróbia (152), 5 vezes o da oxidação completa do glicogénio
muscular (153) e, aproximadamente, 10 vezes o da oxidação aeróbia da glicose proveniente do
glicogénio hepático ou glicose obtida da alimentação (154) e dos ácidos gordos recebidos do
tecido adiposo (155). A oxidação conjunta glicose e ácidos gordos transportados pelo sangue ao
músculo é particularmente importante no período final do exercício prolongado (após serem
consumidas as reservas glicídicas endógenas), quase totalizando a quantidade de ATP formado a
partir o glicogénio muscular (Fig.17).
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FIGURA 17
Contributo relativo dos principais nutrientes, em termos de consumo de oxigénio,
durante o exercício físico prolongado até à exaustão. As reservas de glicogénio
muscular preenchem grande parte das exigências metabólicas durante a 1ª hora, a par
com um aumento da gradual do consumo de glicose e dos AGL em circulação. A
partir desse período e nas duas horas seguintes, virtualmente esgotadas as reservas de
glicogénio muscular, os AGL e a glicose (regenerada por gliconeogénese e resultante
da glicogenólise hepática) partilham o fornecimento de nutrientes indispensáveis à
continuidade do esforço físico. O período final é possibilitado, em grande parte, pela
oxidação dos AGL. Esquema adaptado de Fox EL ( 156).
Ainda que os ácidos gordos constituam o substrato energético preferencial do músculo
em repouso ou em actividade ligeira, as limitações impostas pela lipólise e transporte dos ácidos
gordos até ao músculo explicam (pelo menos inicialmente) que haja também algum consumo de
glicose. À medida que aumenta o esforço desenvolvido, é gradualmente maior o contributo da
oxidação glicídica. No seguimento da depleção das reservas de glicogénio muscular continuam a
Duração da actividade física (h)
100
50
0 4 2 3 1
Contributo de nutrientes
comuns para o VO2 (%)
Glicogénio muscular
Ácidos gordos livres
Glicose
MARTINS E SILVA J.
86
ser utilizados a glicose e ácidos gordos provenientes da circulação. Este último recurso não evita,
porém, que o rendimento físico diminua rapidamente à medida que se esgota a glicose, pois que
os ácidos gordos dão seguimento somente a actividade pouco intensa. Por seu lado, o consumo
da fosfocreatina e a glicólise anaeróbia são reservados para esforços físicos enérgicos (156).
Adaptação muscular ao exercício – O músculo esquelético reage ao esforço através de
modificações na actividade metabólica, induzidas por moduladores alostéricos e hormonais.
Estas alterações têm sido confirmadas por biopsia muscular em diversos tipos de exercício físico.
Verificou-se que o treino repetido e prolongado de exercício isométrico aumenta a
oxidação aeróbia de glícidos e lípidos, originando uma maior produção da ATP mitocondrial, a
par com o aumento da densidade capilar e do conteúdo de mioglobina muscular. Estas alterações
revertem ao estado inicial após algumas semanas de inactividade (157; 158). Por seu lado, o tipo
de nutriente utilizado é determinado pelo intensidade e duração do exercício físico, Assim, no
exercício intenso em que o consumo de oxigénio é superior a 70%, são consumidos quase só
glícidos, enquanto no exercício prolongado de intensidade moderada, a percentagem de energia
resultante da oxidação dos ácidos gordos a supera progressivamente a da glicose (159).
A adaptação do metabolismo glicídico ao esforço físico parece resultar de uma maior
capacidade oxidativa do ciclo de Krebs e da cadeia respiratória, em resposta ao aumento da
concentração de ADP e Pi resultantes da hidrólise do ATP consumido durante o exercício. O
ciclo de Krebs seria regulado pela actividade da α-cetoglutarato desidrogenase, cerca de 40% ou
90% mais elevada, respectivamente, no quadricípede crural de atletas treinados, com preparação
média ou boa. Nos mesmos indivíduos, acrescia um aumento 20 ou 50%. da capacidade de
captação de oxigénio muscular. Desta adaptação resultou um aumento substancial da produção
de ATP com o treino (18), que se reflectiria em menor actividade da glicólise (160-162) e da
glicogenólise (163,164) muscular, compensada por maior contributo (simultâneo) da β–oxidação
dos ácidos gordos (80,81) e da capacidade de utilização do triacilglicerol (165). O ATP e a
fosfocreatina diminuíam menos como o exercício após 3 e 7 meses de treino, enquanto se
registava um menor aumento de lactatemia (166).
A adaptação metabólica ao exercício máximo de curta duração segue um padrão distinto,
devido a uma necessidade imediata de energia, a níveis que excedem o valor máximo de
formação de ATP em aerobiose e, por consequência, induzem a intervenção do ATP sintetizado
pela glicólise anaeróbia e da fosfocreatina. Este tipo de adaptação, com aumento relevante da
concentração de ATP e fosfocreatina (166-168), bem como da actividade da miosina ATPase,
miocinase, fosfocreatina cinase (169) e enzimas reguladoras a glicólise (167,170), acentua-se
após um período de treino máximo, com substancial melhoria da capacidade física e resultados
subsequentes. Adicionalmente, o treino repetido de exercício máximo de curta duração parece
aumentar capacidade de adaptação à acidose muscular subsequente à acumulação de ácido
láctico (171).
Importância do glicogénio hepático para o exercício físico – Em condições normais, o
glicogénio hepático existente assegura o fornecimento da glicose requerida pelos tecidos
corporais, designadamente o músculo esquelético; cerca de 40% da glicose disponibilizada
provém de precursores gliconeogénicos. (172). Esta proporção aumenta gradualmente durante o
jejum, sendo quase total ao fim de 30 horas de privação alimentar (173). Entretanto, a quantidade
de glicogénio acumulado no fígado depende da proporção de glícidos ingeridos na refeição
anterior e da que é gerada por gliconeogénese, sendo virtualmente nula após 1 dia de jejum ou
em estado de privação alimentar total (172,174). A ingestão de dieta sem glícidos ou jejuns
repetidos diminuem substancialmente as reservas de glicogénio hepático, bem como e glicose em
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circulação. Pelo contrário, a substituição da anterior dieta por outra rica em glícidos, ainda que
com idêntico valor calórico, eleva o depósito de glicogénio para níveis superiores aos resultantes
de uma alimentação mista (174,175).
O exercício físico é também uma das causas de espoliação do glicogénio hepático (176),
sobretudo quando executado em jejum ou após uma dieta pobre em glícidos. (176). Nestas
condições, o rendimento físico e a glicemia diminuem, podendo a carência de glicose impedir a
continuidade do exercício (178,179). As reservas de glicogénio podem ser inteiramente
consumidas ao fim de 1 a 3h de esforço físico excessivo, sendo por isso aconselhável a ingestão
prévia de uma dieta rica em glícidos. Pelo contrário, se a alimentação for pobre em glícidos, a
recuperação do glicogénio fica aquém do que deveria, originando hipoglicemia durante o
exercício e reduzindo o respectivo rendimento (180). A quantidade de glicogénio hepático
regenerado pós-exercício varia, ainda, com o tipo de glícido administrado, além de influenciar
também o rendimento físico.
A glicose fornecida pelo fígado ao músculo esquelético aumenta com a carga de esforço
físico sendo também proporcional ao valor de VO2 (181-183). Esta variação seria desencadeada
pelo início da contracção muscular e respectiva intensidade, a que associaria a diminuição da
glicemia durante o exercício, com estimulação directa (pela glicose) e ou intervenção hormonal
(catecolaminas, glicagina e insulina) da respectiva fosforilase (184). Todavia, o esforço ligeiro
não altera, virtualmente, a glicemia habitual em repouso (183). No exercício desenvolvido em
jejum aumenta a participação da oxidação lipídica e a concentração de epinefrina em circulação,
enquanto diminui a insulinemia; este mecanismo como que compensa a hipoglicemia e a menor
disponibilidade de glicose para consumo muscular (179,185).
Variações do glicogénio muscular com a dieta e exercício - A quantidade de glicogénio
muscular, à semelhança do hepático, depende da actividade física e da qualidade da alimentação;
nos indivíduos sedentários com dieta normal mista, o conteúdo de glicogénio muscular
praticamente não se altera. Todavia, após 4 dias de jejum ou com uma alimentação pobre em
glícidos, a quantidade de glicogénio pode ser, respectivamente, 40 % ou 30% inferior; estes
depósitos pouco variam, também, se a alimentação for rica em glícidos e mantiver o
sedentarismo (186).
A situação modifica-se quando as alterações alimentares se associam ao exercício. Assim,
o glicogénio muscular dispendido durante o exercício pode ser regenerado lentamente durante o
jejum mas, se for administrada uma dieta rica em glícidos, a quantidade de glicogénio sintetizado
não só aumenta rapidamente no período de recuperação como atinge valores muito superiores
aos de repouso (187). Esta particularidade tem sido atribuída a diversos mecanismos,
intervenientes no transporte transmembranar da glicose e ou na activação da glicogénese
muscular (186).
A concentração de glicogénio muscular condiciona a capacidade para executar o
exercício físico. A execução intermitente (em períodos de 15 minutos) de um esforço sub-
máximo até à exaustão, intercalado por períodos de igual duração para repouso, induzia a
redução do valor de glicogénio do quadricípede crural até quase a zero ao fim de pouco mais de
uma hora de exercício, causando ainda incapacidade para a sua repetição (153). Porém, a
duração do esforço poderia duplicar ou triplicar se, durante 3 a 7 dias antes de um exercício sub-
máximo prolongado, os indivíduos estudados recebessem alimentação rica em glícidos
(178,186). Dietas de composição diferente mas valor calórico idêntico influenciavam, também, a
concentração de glicogénio muscular, repercutindo-se na duração de esforço até ao esgotamento
físico, em que este coincidia com a depleção total do glicogénio (186). A administração de uma
MARTINS E SILVA J.
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dieta rica em glícidos durante um período de repouso de 3 dias possibilitava a recuperação rápida
dos níveis de glicogénio muscular, sobretudo em indivíduos com treino físico (186).
No músculo em repouso, a fosforilase (a) do glicogénio perfaz somente cerca e 5 a 10%
do total daquela enzima, maioritariamente na forma inactiva, (b) (188). Ainda que ambas as
formas de fosforilase tenham igual capacidade glicogenolítica, a forma activa, ao contrário da
(b), responde directamente a diversos estímulos associados à contracção muscular. Acresce que a
sensibilidade da fosforilase (a) aos principais moduladores (ADP, AMP, IMP, Pi) é muito
superior à da forma (b). O facto de a fosforilase fazer parte de um complexo com o glicogénio,
retículo sarcoplásmico e outras enzimas (cinase e fosfatase da fosforilase), justifica a eficácia do
Ca2+
que, ao passar daquele compartimento subcelular para o citosol, induz a activação da
fosforilase, desencadeando a glicogenólise em conjunto com a contracção muscular (22,189). A
estimulação dos receptores β-adrenérgicos pela epinefrina induz o aumento do AMPc e a
subsequente cascada de activação, que termina na conversão da forma (b) em forma (a) da
fosforilase pela respectiva cinase (22, 189).
A activação da fosforilase (b) em (a), ainda que decisiva para o início da glicogenólise
não é, porém, suficiente. Aparentemente, o aumento da concentração do Pi, resultante da
hidrólise do ATP e da fosfocreatina durante o exercício muscular, é essencial para desencadear a
degradação do glicogénio (22,188, 189) A continuação do exercício muscular tende a reverter a
fosforilase (a) em (b), o que poderá ser devido à redução do pH, ao inibir a fosforilase cinase
(190).
Formação e remoção do lactato muscular – O lactato tende a acumular-se no músculo
esquelético (e daí passar para o sangue venoso periférico) sujeito a exercício intenso, em
resultado de duas causas principais: (a) início rápido da glicólise com o exercício dinâmico e (b)
grande incremento da glicólise anaeróbia, que atinge níveis muito superiores aos da fosforilação
oxidativa. Esta, por seu lado, é limitada pela quantidade de oxigénio fornecido ao músculo em
contracção intensa, podendo ser insuficiente para dar continuidade ao metabolismo aeróbio. No
fim do período deste tipo de exercício muscular, a concentração de lactato pode exceder 30
mmole.kg-1 nos músculos utilizados e mais de 20 mM no sangue (191,192).
O lactato produzido pode ter dois destinos metabólicos: (a) gliconeogénese e (b) oxidação
nos tecidos periféricos (incluindo os músculos em repouso). Nos músculos em fase de
recuperação do esforço físico, o lactato pode ser consumido como material energético e, em
menor proporção, na gliconeogénese.
A gliconeogénese ocorre no fígado (a maior proporção), no rim (cerca de 1/10 do valor
anterior) e, também, no músculo esquelético. Em músculos de rato (193-195) e homem (\96),
menos de 20 % do lactato muscular produzido em exercício máximo era convertido em
glicogénio no período de recuperação, sendo o restante re-oxidado pelos miocitos. Nos
mamíferos, a gliconeogénese muscular prevalece nas fibras de tipo II, enquanto nas de tipo I
predomina a oxidação do lactato (176, 197). Outros estudos mostraram que a regeneração do
glicogénio muscular aumentava a par com o aumento do lactato produzido e acumulado naquele
tecido. Concentrações de lactatemia superior a 13 mM (com correspondente redução do pH
sanguíneo) tendem a limitar o efluxo do lactato, repercutindo-se na sua acumulação prolongada
no músculo no período de recuperação do exercício (198); adicionalmente, limitam a glicólise
(por inibição da fosfofrutocinase) e favorecem a regeneração do glicogénio (199), em particular
nas fibras do tipo II. Se a deposição de lactato no músculo for baixa não há regeneração do
glicogénio, ainda que este tenha sido espoliado pelo exercício (200).
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Ao contrário do que se pensava anteriormente (201), menos de 20% do lactato é
veiculado pelo ciclo de Cori para o fígado, convertendo-se em glicogénio, sendo a maior parte
consumida perifericamente por oxidação (195,202).
Entretanto, o excesso de lactato em circulação, bem como a fracção acumulada no
músculo após um exercício intenso, diminuem mais rapidamente se o período de recuperação
incluir algum exercício (196,189). Esta particularidade deve-se ao aumento do fluxo sanguíneo,
que induz uma maior remoção do lactato para a regeneração de glicogénio no fígado ou para
oxidação em outros tecidos.
A redução acentuada do pH intramuscular, resultante da acumulação de lactato no
músculo durante o exercício intenso (203, 204) seria uma das causas do desenvolvimento da
fadiga e menor rendimento físico ainda a requerer confirmação.
A lactatemia aumenta durante o exercício sub-máximo, primeiro gradualmente e depois
de modo mais acentuado à medida que o exercício se intensifica (205). Este tipo de variação
resultará de uma combinação de processos que influenciam a síntese e efluxo do lactato
muscular para o sangue e a sua remoção pelos tecidos que o reutilizam. No inicio do esforço, a
produção de lactato excede um pouco a sua remoção do sangue mas, quando a intensidade do
exercício aumenta, a formação do lactato torna-se marcadamente excedentária. Em
consequência, aumenta a concentração de lactato nos músculos em actividade e no sangue e,
progressivamente, também nos restantes músculos inactivos e outros tecidos (101,206).
Admitiu-se que o aumento da lactatemia durante o exercício intenso resultaria de um
desequilíbrio entre o oxigénio disponível e o requerido pelos músculos em actividade (207),
Contudo este mecanismo foi posto em causa por resultados contraditórios (208,209). O lactato
produzido não seria somente um desperdício metabólico a eliminar em condições de exercício
mais intenso e ou hipoxia. Em alternativa, afigura-se como produto metabolicamente útil
permutado entre compartimento e tecidos diversos. A atestar a hipótese de “vaivém do lactato”
invoca-se o facto do fluxo metabólico do lactato ser, em determinadas condições (p. ex., no
esforço físico, moderado ou mais intenso, e em altitude) superior ao da glicose (206). O músculo
esquelético, pela grande proporção da sua massa corporal e tipo de actividade desenvolvida, seria
o principal tecido interveniente naquele sistema, não só pela vertente da produção mas também
como principal consumidor metabólico do lactato durante os períodos de repouso, actividade ou
recuperação do exercício (210,221). A captação e consumo de lactato da circulação sanguínea
pelo músculo esquelético, cardíaco ou fígado são influenciados por diversos factores,
nomeadamente: actividade metabólica do tecido recipiente, gradientes de lactato e pH
(tecido/sangue e líquido intersticial envolvente), fluxo sanguíneo e treino físico.
A captação pelo músculo esquelético verifica-se já em repouso (ainda que pouco
relevante), aumentando no período de recuperação do exercício intenso e durante o exercício
(ligeiro, moderado ou prolongado). Esta captação ocorre nos músculos em repouso ou em
actividade, nos quais o lactato, captado do sangue ou acumulado, é oxidado (212). A fracção
restante do lactato eliminado para a circulação é utilizada na gliconeogénese hepática (213) ou
muscular (em algumas fibras glicolíticas em repouso) (176,189) ou é oxidada pelo miocárdio
(214) e fibras oxidativas do tipo I do músculo esquelético em repouso (176). No miocárdio, o
consumo de lactato pode perfazer até 40% das necessidades energéticas em repouso, aumentando
até cerca de 60% (como substrato preferencial em substituição da glicose) quando o fluxo
sanguíneo e a captação de oxigénio também se elevam (215).
Contributo dos lípidos para a actividade muscular – Parte da energia requerida pelos
diversos tipos de exercício dinâmico provém dos lípidos, primariamente como ácidos gordos
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90
livres (216,217) e, em fracção mínima, como corpos cetónicos (218,219). A contribuição dos
lípidos para as exigências energéticas do exercício é particularmente relevante quanto este
decorre ao longo de várias horas. Na actividade física de intensidade moderada, o consumo dos
lípidos aumenta entre cerca de 46% em repouso até quase 90% ao fim de 4 horas de esforço
físico, a par com uma diminuição gradual da fracção de glícidos utilizados no metabolismo
oxidativo, entre cerca de 80% e pouco mais de 10% no mesmo período (159). As fibras
musculares de contracção lenta são as principais consumidoras dos ácidos gordos oxidados
durante o exercício moderado e prolongado (220). Eventualmente, a concentração elevada de
AGL registada neste tipo de actividade inibe a glicogenólise e a oxidação da glicose (221,22);
em alternativa, a existência de concentração elevada de glicogénio no músculo inibiria a
oxidação dos ácidos gordos não esterificados. Este mecanismo explicaria que o aumento dos
AGL em circulação durante o exercício físico prolongado fosse menor depois de uma refeição
rica em hidratos (223), do mesmo modo que a ingestão de glicose durante aquele tipo de
exercício diminui a lipólise (224).
A principal fracção dos AGL deriva da lipólise no tecido adiposo, constantemente
estimulada desde o início do exercício dinâmico prolongado (159,225,226). Desta acção resulta
um aumento rápido de AGL em circulação na primeira hora e mais discreto até à sua conclusão.
O exercício desencadeia a lipólise local na sequência da activação (fosforilação pela
proteína cinase A) da lipase hormono-dependente, pelo aumento das catecolaminas em
circulação e respectiva união aos receptores β-adrenérgicos da superfície membranar dos
adipocitos (227). O efeito lipolítico anterior é contrariado pela insulina, que, ao unir-se aos
receptores α- adrenérgicos dos adipocitos, induz a desfosforilação da referida lipase (228. Deste
modo, a lipólise pode variar em função de efeitos hormonais opostos, na dependência de
estímulos distintos, tais como o estado de actividade física e o estado de repouso em determinado
momento. Por seu lado, a quantidade de ácidos gordos postos em circulação pelos adipocitos
reflecte um balanço entre a actividade lipolítica e a capacidade de remoção dos AGL pelo sangue
de perfusão local, em contraponto à sua reesterificação, com regeneração de triacilglicerol
(225,229). O aumento da perfusão sanguínea do tecido adiposo que acompanha o exercício
prolongado (230.) promove a remoção dos AGL da lipólise local (231). Porém, um factor
determinante da mobilização dos AGL do tecido adiposo será a sua utilização pelo músculo
durante o exercício (232). Pelo contrário, no período pós-exercício parece aumentar
substancialmente a retenção e reesterificação dos AGL no tecido adiposo (233).
O treino prolongado tende a diminuir a resposta catecolaminérgica (234) assim como a
insulinemia (225), o que não obsta a que os AGL sejam mais utilizados pelos indivíduos
treinados do que pelos sedentários submetidos a esforço físico equivalente (234,236). Este efeito
parece resultar de uma maior capacidade lipolítica induzida pelo treino físico (237), que atinge o
seu máximo ao fim de alguns meses de exercício regular (238), na dependência de uma maior
sensibilidade dos receptores β- adrenérgicos dos adipocitos e eventual aumento da actividade da
lipase hormono-dependente (239,240). Ao fim de alguns dias de inactividade física, a capacidade
lipolítica tende a reverter ao nível inicial (241).
Os ácidos gordos transportados pelas lipoproteínas ao músculo esquelético, provenientes
da dieta (pelos quilomicra) ou do fígado (veiculados pelas VLDL) são captados, sobretudo pelas
fibras do tipo I, após a lipólise do triacilglicerol pela lipoproteína lipase membranar. A
actividade desta enzima é modulada por diversos factores, designadamente pelas exigências
metabólicas do momento que determinam o destino dos ácidos gordos para consumo energético
ou formação de depósitos de triacilglicerol (242). A regulação do triacilglicerol muscular e
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subsequente obtenção de ácidos gordos parece depender de uma lipoproteína lipase intracelular,
estimulável pelas catecolaminas (243). O contributo das lipoproteínas circulantes para o
fornecimento de ácidos gordos ao músculo é pouco relevante, ainda que seja evidente durante o
exercício intenso prolongado (244). Esta variação seria apoiada pelo aumento de actividade da
lipoproteína lipase muscular (duplica) e do tecido adiposo (cerca de 20 vezes mais) no exercício
físico com duração superior a uma hora (245), também constatada nos indivíduos treinados,
relativamente aos sedentários (246).
O consumo de ácidos gordos pelo músculo esquelético depende da intensidade do esforço
físico, do treino existente e da dieta. A captação dos ácidos gordos exógenos é um processo
rápido, independente de energia química e, em parte, dependente da concentração transportada
no sangue pela albumina; deste modo, a quantidade de ácidos gordos captados seria afectada
pelo mecanismo que regula a lipólise do tecido adiposo e, ainda pela capacidade da sua
utilização metabólica pelos miocitos (247).
Cerca de metade dos AGL oxidados durante o exercício moderado e prolongado é
proveniente da fracção transportada pela circulação sanguínea, sendo o resto derivado da lipólise
muscular. A actividade lipolítica dependeria de uma lipase intracelular activada pelas
catecolaminas e pela contracção muscular (243)., o que justificaria a redução do nível de
triacilglicerol intramuscular durante o exercício (248,249) e a recuperação dos valores iniciais
horas ou dias depois da sua interrupção (250,251).
Relativamente aos ácidos gordos, a oxidação dos corpos cetónicos muscular perfaz no
máximo, cerca de 7% da energia requerida. Em animais de laboratório e humanos constatou-se
que o treino físico aumentava a capacidade de utilização de corpos cetónicos (e ácidos gordos),
pelo que os indivíduos treinados beneficiavam mais da cetose associada ao exercício do que os
não treinados (252,253).
Utilização metabólica de aminoácidos e proteínas durante o exercício físico – Ao
contrário do que se pensava, o exercício físico promove alterações no balanço do azoto e do
metabolismo proteico em humanos, das quais resulta que a proteína degradada contribui para 3 a
10% do total energético consumido em esforços com duração superior a 1 hora. O exercício
prolongado tende a induzir o aumento da proteólise (corporal e muscular) e, por consequência,
maior efluxo de aminoácidos para o plasma (254- 256), o qual reverte ao normal no período de
recuperação (257). Por seu lado, a síntese proteica no músculo esquelético diminui com a
actividade contráctil (256-259), em particular no exercício exaustivo (256), normalizando após
seu termo (259).
No exercício de curta duração, a concentração plasmática de alanina, aspartato, glutamato
e glutamina aumenta na sequência das reacções( nos miocitos) de transaminação e da sintase da
glutamina (260,261, enquanto a dos aminoácidos ramificados permanece inalterada. Todavia, a
oxidação dos aminoácidos mantém-se praticamente inalterada naquele tipo exercício (254,255,
262).
O efluxo de alanina do músculo para a circulação sanguínea aumenta em proporção com
a intensidade do exercício (263). Parte daquela alanina (cerca de 10%) existe no estado livre,
sendo a restante formada por aminação do piruvato (264), à custa do grupo aminado resultante
do catabolismo de outros aminoácidos presentes no músculo, designadamente os ramificados
(116), mas sem exclusão de outros (265). O aumento da síntese da alanina muscular, permite que
os grupos amina em excesso que dela derivam sejam transportados pelo sangue ao fígado sob
uma forma não tóxica. A subsequente formação da glicose pela gliconeogénese a partir da
alanina recebida do músculo completa o ciclo da glicose-alanina (263), pelo qual a glicemia pode
MARTINS E SILVA J.
92
ser estabilizada enquanto a glicose transportada ao músculo melhora um pouco a sua
funcionalidade durante o exercício e em período de recuperação (264,266).
O glutamato, abundante no músculo, intervém na formação de amoníaco e da glutamina.
A concentração plasmática deste aminoácido, bem como a do aspartato, também aumenta com a
carga de esforço físico (256,267), diminuindo até cerca de 25% do valor após 1hora de exercício.
Durante o exercício sub-máximo, a concentração de glutamina muscular aumenta a par com a
redução do nível de glutamato, confirmando-se assim a intervenção da glutamina como aceitador
e transportador de amoníaco do músculo para outros órgãos (268). Porém, o aumento de
glutamina ocorre durante a primeira hora de exercício prolongado (de intensidade moderada ou
mais intenso), diminuindo no período seguinte até valores inferiores aos basais de acordo com
uma redução da sua síntese muscular (254,256,269).
A concentração plasmática de aminoácidos ramificados mantém-se relativamente estável
durante os primeiros 90 minutos de exercício prolongado, diminuindo até 40% no período
seguinte, o que estaria de acordo com sua participação na síntese da glutamina, sendo os
respectivos cetoácidos encaminhados para oxidação pelo ciclo de Krebs (254,269).
Entretanto, a quantidade de amoníaco produzido pelo músculo esquelético aumenta
proporcionalmente ao esforço realizado (267,270), em associação com a produção de lactato
(270,271). No exercício intenso, em que a quantidade de ATP utilizado pelo músculo tende a
exceder a da sua formação, o ADP acumulado (por acção da miocinase) participa na regeneração
de quantidades suplementares de ATP, junto com a acumulação de AMP. A desaminação deste
nucleótido, que ocorre rapidamente nas fibras musculares do tipo II (mas não nas de tipo I)
(272), não só assegura a continuidade de acção da miocinase como, indirectamente, contribui
para a regulação da glicólise e glicogenólise através da relação ATP/ADP (267). Deste modo, a
desaminação do AMP é a origem imediata do amoníaco (148,270), particularmente durante o
exercício intenso. O processo é revertido no período de recuperação do esforço pela reaminação
do IMP, com recurso aos grupos aminados de moléculas de aspartato (148). A evolução é
diferente no exercício prolongado de intensidade moderada, em que a quantidade de amoníaco
produzido, muito superior à que derivaria da desaminação do AMP, provém essencialmente da
desaminação de aminoácidos (273).
A ureia plasmática não é alterada pelo esforço intenso e breve, mas aumenta no exercício
de intensidade moderada com duração superior a 1hora (254,255,262,273). O aumento da
produção de ureia poderá confirmar o incremento da oxidação de aminoácidos como
compensação parcial do custo energético da actividade física e ou da gliconeogénese.
Aparentemente, níveis baixos de glicogénio muscular (p.ex. no jejum) associam-se a uma maior
degradação dos aminoácidos (273). Por si, a oxidação dos aminoácidos parece ser o mecanismo
determinante no controlo da reserva corporal de aminoácidos.
SUMMARY
This work includes two aspects. The first concerns the metabolic pathways and
key regulatory factors involved in the oxidation of key nutrients consumed by
skeletal muscle. In the second part is included the metabolic response to exercise.
We review the main intermediates and enzymatic steps of glycolysis (aerobically and
anaerobically) and glycogen metabolism. The following is the analysis of the
formation and oxidation of acetyl-CoA, which includes the Krebs cycle and
mitochondrial oxidative phosphorylation. This process, which is part of cellular
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respiration and depends on the oxygen consumption, is also shared by the oxidation
of amino acids and fatty acids. It is highlighted the origin of free fatty acids (from
alimentary digestion, reserves of adipose tissue or from muscle tissue itself), the
blood transport mechanisms, transmembrane uptake, intracellular transport and
metabolic utilization (regeneration of triacylglycerol deposits or oxidation). The
main intermediates and enzymatic steps of β-oxidation, ketogenesis and hepatic
consumption of ketone bodies and their intervention in the generation of ATP by the
muscle are focused. We review the origin (digested food or other tissues) of blood
amino acids obtained by myocytes, the importance of renewal of protein and
essential enzymatic conversion steps (oxidative deamination and transamination) in
the degradation of amino acids, protein synthesis and or nitrogen products derived
from amino acids. It addressed the origin and destination of the amino groups of
amino acids removed, either for the generation of different amino acids or to be
removed after conversion to ammonia and urea. It is focused on the use of ketoacids
as precursors of glucose and glycogen by gluconeogenesis.
The type of contraction and movement produced depend largely on the
structure and metabolic capacity of skeletal muscles involved, while a continuing
effort, based on red muscle fibers, requires constant energy obtained preferably under
aerobic conditions. Abrupt changes in activity which are based on contractility of
white fibers use energy immediately available, under the form of phosphocreatine
and ATP , either pre-existing or from anaerobic glycolysis. It appears that the type of
nutrients most used by skeletal muscle to obtain the total energy required depends on
several factors, especially the intensity and duration of exercise, and the
morphological characteristics and muscle fiber composition. Carbohydrates are the
most energetic material consumed in all types of physical activity, especially during
moderate and intense exercise, while lipids (fatty acids and ketone bodies), used by
skeletal muscle and other tissues are crucial in the effort of resistance. Adaptation of
skeletal muscle to the effort is based on changes in metabolic activity, induced by
hormonal and allosteric modulators, which tend to revert to baseline after a period of
inactivity. It referred to the importance of glycogen for continued physical effort.
Under normal conditions, the liver glycogen (a large part formed from gluconeogenic
precursors) ensures the required supply of glucose required for skeletal muscle, being
modified by the conditions and diet. In muscles recovering from exertion, lactate can
be consumed as energy and material, to a lesser extent in gluconeogenesis. The
lactatemia, increased during exercise, decreases in the subsequent rest period,
particularly if it includes some exercise. It is assumed that the sharp drop in
intramuscular pH, resulting from the accumulation of lactate in muscle during
intense exercise contribute to the development of fatigue and reduced physical
performance. Consumption of fatty acids by skeletal muscle depends on the intensity
of physical effort, the existing training and diet. About half of FFA oxidation during
moderate exercise and prolonged is a fraction captured from blood, the rest being
derived from the reserves of triacylglycerol lipolysis in muscle. Physical training
increases the capacity of utilization of ketone bodies by myocytes. The prolonged
exercise tends to lead to increased proteolysis (body and muscle) increased efflux of
amino acids into the plasma (which reverts to normal during the recovery period,
coupled with the reduction of protein synthesis). Some of the natural amino acids
MARTINS E SILVA J.
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(alanine, aspartate, glutamate and glutamine) have particular involvement in the
stages of muscular exercise and rest, while the branched amino acids (valine, leucine
and isoleucine) are a major supplier of chemical energy during periods of prolonged
activity. This type of consumption results in increased ammonia and urea, together
with the reuse of ketoacids by gluconeogenesis.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Emília Alves o apoio de secretariado concedido a este trabalho.
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Actas Bioq. 1989; 1:109-124 109
BASES FISIOPATOLÓGICAS DA FADIGA MUSCULAR NO HOMEM
Lúcio Botas
Instituto de Bioquímica da FML e UTIC Arsénio Cordeiro do HSM
SUMÁRIO
A definição do termo "fadiga" é habitualmente sujeita a interpretações variadas
cuja aplicação na prática clínica pode levar a confusão. O conceito abordado é
o que se prende com a noção de "fadiga muscular". São analisados os "pontos
vulneráveis" da cadeia de comando para a contracção do músculo estriado,
susceptíveis de contribuírem para a interrupção do esforço por fadiga.
Excluem-se desta análise as situações de patologia cardio-respiratória e
hematológica, só por si condicionantes de diminuições da tolerância ao esforço.
Apresentam-se as diferentes teorias que atribuem a primazia do controlo da
resistência à fadiga, respectivamente aos centros nervosos (fadiga central) e às
unidades musculares (fadiga periférica) analisando-se os mecanismos
bioquímicos e histo-fisiológicos que justificam a importância do estímulo
psicológico a par do adequado treino físico, na melhoria da "performance" do
esforço. Atribui-se particular realce à importância dos teores de fosfocreatina e
ao "turnover" do ATP na manutenção da contracção muscular nos diferentes
tipos de esforço e à possível interferência, nestes mecanismos, do lactato,
"substancia major da fadiga", através do efeito da concentração hidrogeniónica
no acoplamento do Ca++
- As proteínas contrácteis, na inibição da enzima-chave
da via glicolítica (fosfofrutocinase) da glicogenóIise (fosforilase) e da
diminuição da lipólise bem como da disponibilidade da oxidação dos
substratos energéticos (glicose/glicogénio) e ácidos gordos livres) nos
diferentes tipos de fibra muscular estriada ("aeróbicas" ou tipo I e
"anaeróbicas" ou tipo II).
Palavras-chave: Fadiga muscular, fadiga central, fadiga periférica, ATP, fosfocreatina,
Acido láctico
BOTAS DOS SANTOS L.
110
A definição do termo "fadiga" é difícil, uma vez que pode servir para classificar situações
bastante diversas, sendo frequente na linguagem corrente e até nos meios científicos a sua
utilização de forma mais ou menos inadequada (Quadro I).
No desenvolvimento desta exposição utilizarei o termo "fadiga" relacionado apenas com
a actividade muscular normal (fadiga muscular). Procurando ser o mais possível sintético, ainda
que à custa de alguma clareza, definirei "fadiga" de acordo com Asmussen (1) como "a
diminuição transitória do rendimento de um músculo ou grupo muscular, após período prévio de
actividade contráctil, normalmente posta em evidência por uma quebra na capacidade de
desenvolver um esforço de determinada intensidade". Esta definição de fadiga muscular não
abrange situações em que haja envolvimento de apologia cardiorrespiratória ou hematológica.
A análise da cadeia de comando para a contracção muscular (cérebro/músculo) permite-
nos evidenciar vários pontos susceptíveis de poderem claudicar mais ou menos precocemente,
impedindo a actividade muscular normal e facilitando a fadiga (Quadro II).
QUADRO I
POSSIVEIS SIGNIFICADOS DA PALAVRA "FADIGA"
(adaptado de R.H.T. Edwards, 1981)
Definição
1. Perturbação na capacidade intelectual
2. Perturbação na capacidade motora
3. Aumento da actividade emg para uma determinada performance
4. Modificação do aspecto emg para baixas frequências
5. Incapacidade de gerar força
Confusão de percepção associada com actividade muscular fatigante
1. Aumento do esforço para manter força
2. Desconforto ou dor associada com actividade muscular
3. Incapacidade reconhecida de gerar força
No desenvolvimento desta exposição utilizarei o termo "fadiga" relacionado apenas com
a actividade muscular normal (fadiga muscular). Procurando ser o mais possível sintético, ainda
que à custa de alguma clareza, definirei "fadiga" de acordo com Asmussen (1) como "a
diminuição transitória do rendimento de um músculo ou grupo muscular, após período prévio de
actividade contráctil, normalmente posta em evidência por uma quebra na capacidade de
FISIOPATOLOGIA DA FADIGA
Actas Bioq. 1989; 1:109-124
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desenvolver um esforço de determinada intensidade". Esta definição de fadiga muscular não
abrange situações em que haja envolvimento de apologia cardiorrespiratória ou hematológica.
A análise da cadeia de comando para a contracção muscular (cérebro/músculo) permite-
nos evidenciar vários pontos susceptíveis de poderem claudicar mais ou menos precocemente,
impedindo a actividade muscular normal e facilitando a fadiga (Quadro II).
Facilmente se depreende a interligação entre os diferentes mecanismos conducentes à
contracção muscular, sendo difícil de concretizar a afirmação do primado de qualquer destes no
resultado final, constituindo-se deste modo no elo mais frágil da resistência à fadiga.
Foi Marey em 1968, com os primeiros registos da contracção muscular, que iniciou os
estudos da fadiga, mas é com Mosso (2), em 1892, que surge a primeira tentativa sistematizada
de estudo dos mecanismos fisiológicos da fadiga no Homem. Foi também este autor quem
primeiro atribuiu a localização do "centro da fadiga" a uma determinada estrutura orgânica. Na
realidade, utilizando um ergógrafo, como o presente na figura 1, com registos semelhantes aos de
Marey, em cilindros de papel fumado, Mosso verificou que um mesmo indivíduo realizava mais
ou menos esforço consoante o estado fisiológico em que se encontrava, verificando que a euforia
actuava como estímulo e a preocupação conduzia a inibição mais precoce da força de contracção.
Em face destes resultados Mosso concluiu ser o cérebro o "centro da fadiga", constituindo-se
como o primeiro autor a defender a origem central da fadiga.
QUADRO II
CADEIA DE COMANDO PARA A CONTRACÇÃO MUSCULAR
CÉREBRO
ESPINAL MEDULA
NERVO PERIFÉRICO
PLACA MOTORA
MEMBRANA CELULAR DO MÚSCULO
SISTEMA TUBULAR TRANSVERSAL
LIBERTAÇÃO DO CÁLCIO
INTER-RELAÇÃO ACTINA / MIOSINA
CONTRACÇÃO MUSCULAR
BOTAS DOS SANTOS L.
112
FIGURA 1
Ergógrafo de braço para estudos de fadiga muscular (10)
Desde então têm surgido hipóteses diferentes para explicar a verdadeira localização do
"centro da fadiga" podendo estas resumirem-se em duas grandes correntes, com períodos
alternados de primazia. Assim, para um grupo de autores, a causa da fadiga seria sempre a
falência de um mecanismo central, localizado no cérebro ou porção proximal das vias nervosas
(fadiga central) (2, 3, 4). Para outros a origem da fadiga localizar-se-ia à periferia em qualquer
das estruturas orgânicas compreendidas entre o nervo periférico e as miofibrilhas (5) (fadiga
periférica). Os defensores da origem periférica da fadiga ainda a subdividem em fadiga de
transmissão (1), quando os mecanismos envolvidos na sua génese têm como substrato orgânico a
placa motora, a membrana celular do músculo e o retículo endoplásmico, e de contracção (6)
quando o problema reside numa perturbação do mecanismo de funcionamento das miofibrilhas.
Na realidade, quando se estimula uma preparação de músculo através de eléctrodos
aplicados ao nervo verifica-se que após um curto período a resposta começa a diminuir a sua
intensidade até que pára. Neste momento, se a estimulação se aplicar directamente ao músculo,
pode conseguir-se uma resposta máxima, que por sua vez também vai diminuindo. Parece
portanto que no primeiro caso a estimulação indirecta através do nervo leva a instalação de
bloqueio ao nível do mecanismo de transmissão (fadiga de transmissão) enquanto no segundo
seria o mecanismo de contracção que se fatigaria (fadiga da contracção).
Ao longo dos anos, os defensores das duas grandes correntes teóricas para a localização
do centro da fadiga (central e periférica) têm tentado fazer prevalecer os seus pontos de vista e
recentemente num simpósio dedicado exclusivamente ao assunto (Londres 1981) foi afirmado
que qualquer autor que tente responsabilizar uma determinada estrutura pela fadiga encontra
sempre comprovação laboratorial para o seu ponto de vista, justificando-se algumas das
discrepâncias encontradas pelos diferentes modelos experimentais e tecnologias utilizadas.
Não existem dúvidas sobre a importância da motivação psicológica na resistência á
fadiga. São dados de observação corrente os efeitos do estímulo psicológico do ambiente dos
grandes estádios sobre o rendimento dos atletas, levando a que uma boa motivação para a
execução de um determinado tipo de esforço possa levar a que este se prolongue até à exaustão.
FISIOPATOLOGIA DA FADIGA
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113
Por outro lado, consegue-se, em laboratório, ultrapassar a fadiga muscular alcançada após
contracção muscular voluntária, provocando estimulação eléctrica do músculo fatigado (1).
A "fadiga central, não resulta necessariamente de uma perturbação nas células do sistema
nervoso central, podendo o seu mecanismo ser explicado por um aumento da inibição do esforço
voluntário (1). Deste modo parece existir um sistema de adaptação fisiológica que provoca
diminuição da intensidade e frequência dos estímulos nervosos a partir dos centros motores, em
direcção aos músculos em actividade, quando estes começam a ficar fatigados, evitando-se deste
modo a instalação de um quadro de rigor (7, 8). O centro orgânico deste mecanismo adaptativo
parece residir em algumas porções da substancia reticulada, as quais têm propriedades inibitórias
frenando a quantidade e intensidade dos estímulos conduzidos para os músculos fatigados, após
receberem impulsos conduzidos por nervos aferentes destes músculos (1). Por outro lado, outros
sinais chegando a zonas com capacidade estimuladora, também na substancia reticulada, podem
por sua vez facilitar a propagação de estímulos motrizes retardando o aparecimento de fadiga
central ou apressando a recuperação após fadiga (1). Esta poderá ser a base explicativa para um
fenómeno descrito pela primeira vez em 1903 por Setchenov. Este autor verificou que após
esforço realizado só com um braço (por ex. serrar) a recuperação desse braço é acelerada se se
começar a realizar o mesmo tipo de esforço com o outro braço, durante o período de pausa do
primeiro (9).
Para justificar o fenómeno descrito por Setchenov e amplamente confirmado por outros
autores, os defensores das duas grandes teorias encontraram duas hipóteses explicativas. Os
adeptos da teoria central afirmaram que os centros nervosos fatigados são recarregados com
energia que vem conduzida por impulsos nervosos emitidos a partir do braço activo mas não
fatigado (10, 11). Por outro lado os defensores da teoria periférica justificaram o fenómeno
através de uma activação electiva da circulação no músculo fatigado provocada pela actividade
dos músculos não fatigados, facilitando a recuperação destes (12).
Estudos recentes, recorrendo à utilização de radioisótopos (133Xe) não confirmaram a
hipótese da estimulação circulatória (10). Por outro lado verificou-se que se conseguia uma mais
rápida recuperação da fadiga se, durante a pausa de músculos fatigados, se realizasse uma
actividade diferente, mesmo que fossem pequenas contracções levadas a cabo por grupos
musculares não fatigados, ou até mesmo actividade mental intensa, situações que não levam a
aumento da circulação contra-lateral (10, 11).
A explicação actual para o fenómeno de Setchenov parece assentar no facto de, na fadiga
muscular, existir um processo de "feedback" a partir dos músculos em actividade, mediado
provavelmente por quimiorreceptores aí localizados, que leva a que seja estimulada a "porção
inibidora" da formação reticulada, facto que vai causar inibição do esforço voluntário (1, 13). A
actividade diversificante, por outro lado, leva a um aumento da chegada de impulsos a partir de
grupos musculares não fatigados de outras regiões do organismo e que chegam à "porção
estimuladora" da formação reticulada, modificando o balanço entre inibição e facilitação com
predomínio do processo de facilitação (1, 10, 11, 13).
De acordo com a teoria da origem central da fadiga, através do balanço entre processes de
inibição e de estimulação, com repercussão ao nível do estado de consciência, verifica-se que
durante estudos de fadiga com registos electroencefalográficos, ocorre o aparecimento de ritmo
alfa, característico de diminuição do nível de consciência, à medida que a fadiga aumenta (1, 11,
14). A introdução de uma actividade diversificante leva ao desaparecimento do ritmo alfa (1, 11).
Também o simples acto de fechar os olhos leva ao aparecimento de ondas alfa no EEG,
verificando-se que um mesmo indivíduo realiza mais esforço com os olhos abertos do que com
BOTAS DOS SANTOS L.
114
eles fechados (11). Os reflexos simples osteo-articulares também são mais vivos quando
pesquisados com os olhos abertos (1, 11). Conclui-se assim que o acto de abrir os olhos provoca
estimulação dos centros reguladores, enquanto o encerramento provoca inibição (1, 11).
Apesar de todos estes dados experimentais parecerem confirmar a existência de um
mecanismo central para a fadiga, alguns autores põem-no em causa de forma absoluta. Assim,
Merton afirma que o mecanismo de controlo anti-rigor só se verifica quando há contracção
voluntária ou estimulação do nervo, uma vez que a estimulação directa do córtex cerebral na área
motriz leva a que a fadiga central não se evidencie, porque há sempre potencial de acção
muscular (15, 16). Por outro lado demonstra-se experimentalmente que a estimulação eléctrica
dum nervo periférico até ao desaparecimento ou grande atenuação da resposta contráctil do
músculo se associa com a persistência normal dos potenciais de acção do músculo (15, 16).
Para os defensores da teoria periférica deverão ocorrer perturbações no meio interno do
músculo que conduzem por si só à fadiga (1). Estas alterações poderão ser de dois tipos: a)
depleção de substratos fundamentais como o glicogénio e os fosfatos de alta energia nas fibras
musculares e acetilcolina nas terminações nervosas; b) acumulação de metabolitos como o
lactato e alguns electrólitos libertados durante a contracção muscular.
Alguns autores descrevem uma diminuição paralela do potencial de acção do músculo e
da tensão mecânica quando se aplica estimulação directa no nervo, no decurso da contracção
isométrica voluntária fatigante. Esta diminuição do potencial de acção, que pode atingir 65%,
pode aumentar se a circulação for bloqueada (17). A recuperação dos potenciais de acção até ao
tamanho normal só pode ocorrer se a circulação for livre, demonstrando que uma substância foi
removida do músculo fatigado ou que uma substancia consumida tem tempo de se regenerar,
porque lhe foi fornecido o substrato adequado, dependendo ambos os fenómenos da retirada do
bloqueio circulatório (17).
Durante o processo contráctil fisiológico parece ser pouco provável que ocorra uma
depleção total das reservas energéticas que conduza, só por si, à exaustão (1). Isto será verdade
principalmente nos esforços intensos de curta duração de tipo isométrico, uma vez que nos
esforços prolongados a capacidade de resistência à fadiga parece relacionar-se de perto, com os
teores de substratos energéticos como o glicogénio (18, 19).
Nos esforços curtos e intensos, as únicas substancias que podem sofrer uma diminuição
significativa são os fosfatos de alta energia e dentro destes mais especificamente a fosfocreatina,
uma vez que o ATP. sofre apenas ligeiras oscilações na sua síntese (1, 20) (Quadro III).
A diminuição dos fosfatos de alta energia não é devido à depleção das reservas de
substratos energéticos, mas sim à diminuição da velocidade de transferência da energia das
reservas para o ATP e fosfocreatina, fenómeno parcialmente dependente da glicólise e como tal
condicionado pelo efeito inibidor da acumulação do lactato sobre alguns enzimas-chave, como a
fosfofrutocinase e a fosforilase do músculo (21, 22). Por outro lado, a acumulação de
hidrogeniões, além de impedir a ressíntese de ATP, impede também a geração de força
contráctil, por inibir a activação da ATPase da actomiosina pelo Ca2+
. Verifica-se facilmente que
no esforço dinâmico a fadiga se atinge mais depressa se o indivíduo estiver em acidemia. A
alcalemia, pelo contrário, retarda a fadiga (22, 23).
FISIOPATOLOGIA DA FADIGA
Actas Bioq. 1989; 1:109-124
115
QUADRO III
REACÇÃO DA CREATINOFOSFOCINASE
ATP ADP + Pi + ENERGIA
CPK
CP + ADP ATP + C
Verifica-se, pelo atrás exposto, que a acumulação de uma "substância da fadiga", com as
características e efeito biológico do lactato, poderá desempenhar um papel importante na génese
da fadiga muscular periférica, com efeito nos mecanismos de transmissão e no acoplamento
excitação/contracção.
Segundo alguns autores, o mecanismo de transmissão neuromuscular não se altera na
fadiga, ocorrendo esta por diminuição da excitabilidade da membrana muscular (3, 24). Para
outros, o potencial de acção do músculo e o acoplamento excitação/contracção não são
grandemente afectados pela fadiga, actuando contudo num sistema contráctil enfraquecido (16).
Parece haver uma relação estreita entre o acoplamento excitação/contracção e o metabolismo
energético do músculo, ocorrendo perturbação neste mecanismo se o fornecimento de energia for
baixo, levando a que a força desenvolvida na contracção dependa da taxa de hidrólise e da
velocidade de ressíntese do ATP (25).
Existem contudo outros mecanismos causadores de perturbação no acoplamento
excitação contracção. Estes parecem originar-se em desvios no teor electrolítico do ambiente,
provocando a acumulação do K+ no espaço extracelular e consequentes perturbações da
excitabilidade da membrana, ocorrendo por outro lado depleção de Na+ que é responsável por
alterações na função do sistema tubular transverso (26).
Estas perturbações no acoplamento excitação/contracção originam uma diminuição das
necessidades energéticas da função contráctil, facto que parece constituir por si um mecanismo
impeditivo de falência absoluta, evitando a entrada em "rigor" por completo esgotamento de
ATP (8, 27). Este mecanismo parece estar envolvido nos doentes com deficiência de
miofosforilase, ainda que de forma não absoluta. Nestes casos, o acoplamento
excitação/contracção pode falhar e mesmo assim desenvolver-se contractura (Quadro IV).
No entanto, mesmo nesta situação os músculos não têm uma depleção de ATP tão
absoluta como no rigor (28).
BOTAS DOS SANTOS L.
116
QUADRO IV
CONSEQUENCIAS METABOLICAS E ELECTROFISIOLOGICAS DA
ACTIVIDADE MUSCULAR QUE PODEM LEVAR À FADIGA
(segundo R.H.T. Edwards, 1981) (25)
1. Depleção de energia para o mecanismo da contracção por limitação da velocidade
de fornecimento do ATP
2. Perturbação no fornecimento de energia para o funcionamento das membranas:
Incapacidade de geração e propagação do potencial de acção do sarcolema.
Incapacidade de bombeamento do Ca++
pelo retículo sarcoplásmico
3. Acumulação de produtos
H+ intracelular
a) - Pode inibir a actividade da fosfofrutocinase e da fosforilase
b) - Pode reduzir a interacção entre o Ca++
e a actomiosina
K+ extracelular (ou depleção de Na
+
a) - Perturbação na geração e propagação do potencial de acção do retículo
sarcoplásmico
b) - Perturbação do potencial de acção no sistema tubular transversal
resultando em redução da eficiência no acoplamento excitação /
contracção
Nos estudos realizados para a análise dos mecanismos causadores da fadiga por falência
do acoplamento excitação/contracção verifica-se existirem dois tipos diferentes de fadiga
dependentes da frequência do estímulo eléctrico (25). Num caso as fibras musculares deixam de
responder a estímulos de alta frequência (por ex. 100 Hz) para o fazerem apenas a frequências
menores (20 Hz). Este tipo de fadiga, que se denomina de alta frequência pode ser devido a
acumulação de K+ (ou depleção de Na
+) no espaço interfibras, mais particularmente no líquido
extracelular contido no sistema tubular transverso (25). Por outro lado, em alguns casos, quando
existe anaerobiose (por isquémia), verifica-se uma perda da capacidade contráctil para estímulos
de baixa frequência, mantendo-se contudo o nível de resposta para estímulos de alta frequência.
Esta situação, conhecida por fadiga de baixa frequência, não parece depender da depleção de
ATP ou fosfocreatina e demora várias horas a recuperar (25). O mecanismo subjacente parece
assentar numa diminuição da quantidade de cálcio libertado a partir do retículo sarcoplásmico
em resposta a um determinado potencial de acção, ou numa modificação no local de ligação do
cálcio à troponina (25). De qualquer forma existe uma perturbação no acoplamento
excitação/contracção originando uma diminuição da força contráctil em resposta a cada
estimulação da membrana. Provavelmente a lesão estrutural responsável por este tipo de fadiga
deverá ocorrer no sistema tubular transverso ou nas membranas do retículo sarcoplásmico
durante o período de isquémia (25) (Quadro V).
As fibras com elevada capacidade oxidativa (contracção lenta, tipo I) resistem melhor à
fadiga de baixa frequência que as de componente glicolítico dominante (contracção rápida, tipo
II), uma vez que a ATPase do cálcio do retículo sarcoplásmico e a ATPase K+/Na parecem ser
muito sensíveis a pequenas alterações na velocidade de síntese do ATP (25, 29).
FISIOPATOLOGIA DA FADIGA
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117
Prosseguindo na análise dos mecanismos fisiopatológicos da fadiga periférica,
verificamos que estes dependem do tipo de esforço realizado, bem como do tipo de fibras
musculares solicitadas.
No esforço dinâmico, para contracções correspondendo a 70-85% do consumo de oxigénio
máximo (V02 max), a fadiga está claramente relacionada com a perda da reserva de substratos
(por exemplo glicogénio) para o fornecimento de energia, que se considera a reserva destes
substratos nos músculos, no fígado ou em ambos os locais (30). Para esforços menores, a
utilização do glicogénio é menor e a totalidade da reserva não é utilizada até à exaustão. Para
esforços próximos ou superiores ao máximo de captação de oxigénio, a exaustão atinge-se antes
que a reserva de glicogénio esteja esgotada (31). Verifica-se portanto que existem outros
factores, para além da reserva de glicogénio, que limitam a capacidade para o esforço, causando
fadiga para este tipo de cargas. Dentro destes, um dos principais é o teor de fosfocreatina, o qual
é inversamente proporcional à carga suportada (32).
Para esforços elevados os níveis de fosfocreatina podem descer aquém de 10% do normal
em repouso, verificando-se rapidamente uma diminuição dos teores de ATP que pode chegar a
cerca de 40%, quando toda a creatina estiver esgotada (32). Para esforços supra-máximos o
conteúdo de fosfocreatina aproxima-se do zero, parecendo que esta diminuição determina o
ponto de exaustão (32).
De um modo geral podemos dizer que no esforço dinâmico a diminuição do teor de
glicogénio no músculo constitui um dos mecanismos conducentes à fadiga. A razão de ser para
este fenómeno parece passar pela dificuldade que o músculo tem para utilizar outros substratos,
tais como os ácidos gordos, os quais apesar de serem largamente metabolizados durante o
esforço não são captados a velocidade adequada pelo músculo porque as células endoteliais dos
seus capilares constituem uma barreira difícil de ultrapassar por estes metabolitos (33, 34). Por
outro lado, a dificuldade de carboxilação do piruvato reduz a capacidade do ciclo do ácido cítrico
em oxidar os grupos acetil provenientes em abundância da beta-oxidação dos ácidos gordos, por
dificuldade na obtenção de uma via alternativa para a produção de oxalacetato (33).
Em conclusão, podemos dizer que no esforço dinâmico prolongado a limitação ocorre por
esgotamento das reservas de glicogénio e por inferior capacidade do músculo para utilizar como
substrato os ácidos gordos livres do plasma.
Nos esforços isométricos para contracções próximo do máximo, cerca de 50% da energia
utilizada deriva da degradação de fosfatos de alta energia e 50% da glicólise anaeróbia,
utilizando a reserva de glicogénio (21).
Nestas situações, uma acumulação brusca de ácido láctico durante o esforço pode
provocar uma diminuição muito marcada do pH das células, o qual pode só por si diminuir a
glicólise através da inibição de algumas das suas enzimas-chave (por exemplo fosfofrutocinase)
(21).
BOTAS DOS SANTOS L.
118
QUADRO V
CLASSIFICAÇÃO PRÁTICA DA FADIGA MUSCULAR
(segundo R.H.T. Edwards, 1981) (25)
MECANISMOS FISIOLÓGICOS ASPECTOS CLÍNICOS
Fadiga central
Falência (voluntária ou involuntária) Neurastenia (ONV) paralisia histérica e
de estímulo nervoso, resultante em: outras situações nas quais a motivvação
para a actividade motora voluntária
a) - Redução do nº de unidades motoras está perturbada
funcionantes
b) - Redução na frequência de estímulos
para as unidades motoras.
Fadiga periférica
Falência da capacidade de gerar força
por todo o músculo
Fadiga de alta frequência
a) - Transmissão neuromuscular a) - Miastenia gravis
perturbada - Arrefecimento do músculo
- Curarização parcial
b) - Falência dos potenciais de b) - Miotonia-congénita
acção do músculo - Perturbações da via glicolítica
Fadiga de baixa frequência - Perturbações da função mitocondrial
Perturbação no acoplamento - Tratamento com dantroleno
Excitação / activação (dantrium) - espasticidade
- Miotonia congénita
- Paralisia periódica hipokaliémia
- Distrofia muscular - Duchenne
A diminuição da taxa de glicólise pode ser a responsável pelo baixo nível de
concentração de ATP observado no fim do esforço, bem como pela diminuição de capacidade de
ressíntese do ATP, donde resulta a perda da capacidade de fornecimento da ligação fosfato de
alta energia, principal causa para o impedimento da continuação da contracção muscular (22)
(Quadro VI).
FISIOPATOLOGIA DA FADIGA
Actas Bioq. 1989; 1:109-124
119
QUADRO VI
VIAS DE PRODUÇÃO DO ATP
Glicólise
Fosforilação oxidativa
Reacção da creatinocinase
Turnover do "Pool" de nucleótidos da adenina
A glicólise está dependente do funcionamento de enzimas-chave susceptíveis de serem
estimuladas por alguns intermediários metabólicos e inibidas por produtos
finais. Assim, a fosfofrutocinase, por exemplo, é activada pela frutose-6-fosfato, pelo AMP e
pelo NH4+ sendo inibida pelo ATP e pela fosfocreatina (22).
Parece haver uma proporcionalidade constante entre a acumulação de intermediários da via
glicolítica e a acumulação de lactato, qualquer que seja a taxa de glicólise (G-6-P/lactato = 0.2)
(22). A razão de ser desta constante parece assentar na ausência de controlo da glicólise pela
fosfofrutocinase, devido a excesso de concentração de intermediários activados e diminuição de
inibidores, ou num controlo indirecto da glicólise pela fosfofrutocinase através de um
mecanismo de "feed-back" exercido pela glicose-6-fosfato sobre a fosforilase b do glicogénio
(22).
A existência deste tipo de constante em indivíduos normais pode servir, na prática, para
detectar estados patológicos com perturbação da via glicolítica, principalmente devidos a
falência da actividade da fosfofrutocinase (22).
Durante a estimulação contínua de um músculo por eléctrodo exterior a taxa de glicólise
é máxima entre os 12 e os primeiros 25 segundos (21, 22, 35). Simultaneamente, a produção de
ATP é máxima nos primeiros 25 segundos de estimulação, com marcada redução se o estímulo
continuar (21, 22, 35). Durante os primeiros 25 segundos tanto a cisão da fosfocreatina como a
glicólise são utilizadas na produção de ATP. Se a circulação estiver ocluída não há ressíntese da
fosfocreatina por a glicólise estar inibida pelo ácido láctico (35).
Quando se faz a estimulação contínua de um músculo com bloqueio circulatório, verifica-
se que as excitabilidades do nervo e das membranas musculares podem modificar-se devido a
alterações nos teores de electrólitos, no pH do meio, ou devido a modificações na velocidade de
regeneração do ATP (22) (Quadro VII).
BOTAS DOS SANTOS L.
120
QUADRO VII
IMPORTÂNCIA DO "TURNOVER" DO ATP NA CONTRACÇÃO
MUSCULAR
A quantidade absoluta de ATP no músculo é pequena
A contracção muscular precisa exclusivamente do ATP (hidrólise]
Durante o esforço máximo apenas se nota ligeira diminuição do ATP
Deve existir um bom equilíbrio entre a velocidade de hidrólise do ATP
e a velocidade que o ATP é ressintetizado
Pequenas oscilações neste equilíbrio podem ser responsáveis pelo
aparecimento de fadiga muscular durante o esforço.
O sistema de transmissão nervo/músculo também pode alterar-se devido a perturbações
no mecanismo de condução no sistema T e por a libertação do Ca2+
a partir do retículo
sarcoplásmico também ser afectada por perturbações da composição iónica e do pH do meio
(22). Por outro lado o mecanismo contráctil também pode ser afectado devido a modificações da
afinidade da troponina para o Ca2+
devido a alterações de pH e ao aumento da concentração de
Mg2+
quando o ATP diminui (22). A actividade da ATPase da miosina pode diminuir quando o
pH diminui e o ADP e o fosfato inorgânico aumentam (22).
A energia livre obtida a partir da cisão (hidróIise) do ATP, diminui durante a estimulação
continua. Devido a este facto, a quantidade de energia disponível é insuficiente para manter o
ciclo de acoplamento nas proteínas contrácteis (actina/miosina), facto que pode só por si ser
limitativo da capacidade contráctil em resposta a estimulação continua (22).
Além da fase de encurtamento, também o período de relaxação pode estar perturbado no decurso
da estimulação continua, contribuindo para a disfunção contráctil que se verifica nestas situações
(22, 36).
O desacoplamento actina/miosina depende da velocidade de hidróIise do ATP e da
capacidade de bombear Ca2+
para o retículo sarcoplásmico a partir da sua ligação à troponina C
(vide "Calmodulina e ATPase do Ca2+
, noutra secção desta monografia), dependendo ambos os
mecanismos do metabolismo energético. Assim, a velocidade de relaxamento pode ser
considerada uma medida indirecta da capacidade energética do músculo (22). No Homem, o
relaxamento parece ser independente da energia livre disponível para a hidróIise do ATP, facto
que não se observa em preparações de músculo de rã (36). Por outro lado, parece que no Homem
a acumulação de lactato e as modificações de pH não são só por si responsáveis pela perturbação
no relaxamento, uma vez que se verifica uma rápida normalização neste parâmetro na fase
precoce da recuperação após estimulação eléctrica, quando. ainda existem profundas alterações
no pH e se mantém elevadas concentrações de lactato. Os valores absolutos da concentração de
ATP também não parecem ter importância decisiva, uma vez que pouco se alteram na fase
precoce da recuperação (22, 37). Um factor importante parece ser a concentração de ADP, uma
vez que quando aumentada leva a uma diminuição da velocidade de desacoplamento e a uma
redução na actividade da ATPase do Ca2+ existente na membrana do retículo sarcoplásmico, o
qual vai condicionar a transferência de e para esta estrutura celular (22). Por outro lado, parece
haver uma certa relação entre a queda na velocidade de síntese do ATP durante a estimulação
FISIOPATOLOGIA DA FADIGA
Actas Bioq. 1989; 1:109-124
121
continua e a ocorrência de perturbações na fase de relaxamento. Uma diminuição na relação
ATP/ADP leva a diminuição na velocidade de transferência do Ca2+
para o retículo
sarcoplásmico com atraso no fornecimento ao sistema contráctil e consequente prolongamento
do tempo de relaxação (22). Este fenómeno, contudo, coincide no tempo de relaxação (22). Este
fenómeno, contudo, coincide no tempo com o início da utilização da reserva de fosfocreatina e
normaliza rapidamente quando este metabolito é ressintetizado na fase precoce da recuperação.
Esta ligação entre a fosfocreatina e a relaxação parece dever-se ao facto desta substancia
constituir uma reserva imediata para a refosforilação do ADP recém-formado, permitindo que a
produção de ATP se conserve a um nível compatível com a ocorrência de relaxação a velocidade
normal (22).
Conforme foi referido noutra secção (vide "Energética muscular") existem diferentes
tipos de fibras musculares vocacionadas para diferentes tipos de esforço, devido às suas
características metabólicas próprias.
Num músculo ou grupo de músculos, quanto maior for a percentagem de fibras de
contracção rápida, mais dependente do conteúdo em glicogénio se torna a unidade muscular,
uma vez que este tipo de fibras tem um metabolismo energético altamente dependente da
glicólise, com elevada probabilidade de produção de lactato se o esforço for relativamente
prolongado. Este tipo de músculos esta melhor adaptado para esforços intensos e rápidos, uma
vez que nos esforços demorados a produção de lactato inibe rapidamente a glicólise (25, 29, 33,
38).
Pelo contrario, se os músculos forem ricos em fibras de contracção lenta, nas quais
predomina o metabolismo oxidativo como fonte energética, tornam-se mais resistentes à fadiga
quando solicitados para esforços prolongados, por serem capazes de utilizar outros substratos
para além do glicogénio (25, 29, 33, 38).
A distribuição destes tipos de fibras pelos diferentes músculos parece obedecer a padrões
individuais seguindo uma orientação em mosaico por influência genética, sem diferenças
notáveis intersexos e não sendo influenciável pelo tipo de treino seguido (33, 38).
CONCLUSÃO
A fadiga muscular. no homem activo e saudável resulta da interacção de diversos factores
periféricos locais, aos quais se juntam em determinadas circunstancias factores centrais. Estes,
provavelmente resultam da inibição de centros nervosos diferenciados, localizados no sistema
nervoso central, os quais são influenciados por estímulos provenientes dos músculos em
actividade.
O conhecimento destes mecanismos e da sua interdependência é fundamental para a
prevenção e correcta terapêutica da "síndrome fadiga" nas suas vertentes bioquímica,
neurológica e psicológica.
SUMMARY
The definition of the term "fatigue" is usually subjected to various
interpretations, which may lead to confusion when applied in daily clinical
practice. The subject discussed deals with the notion of "muscle fatigue". The
"vulnerable points" in the chain of reactions leading to contraction of striated
muscle are analysed, since they may presumably be involved in interruption of
BOTAS DOS SANTOS L.
122
exertion by fatigue. From this discussion are excluded situations such as
cardiorespiratory or hematologic pathologies, which by themselves can induce
impairment in tolerance to exertion. Different theories are presented that
attribute the leading role in resistance to fatigue to nervous centres (central
fatigue) or muscular units (peripheral fatigue), respectively. Biochemical and
hystophysiologic mechanisms justifying the importance of the psychologic
stimulus, coupled to an adequate physical training in improving effort
performance. A special emphasis is given to the importance of phosphocreatine
levels and ATP turnover in the maintenance of muscle contraction in different
kinds of efforts, and also to the possible interference of lactate, a "major
substance of fatigue", in these mechanisms (by means of a pH-effect upon Ca2+
binding by contractile proteins, inhibition of key-enzymes of glycolysis
(phosphofructokinase) and gluconeogenesis (phosphorylase), and diminished
lypolysis), as well as availability of oxidisable energetic substrates
glucose/glycogen and free fatty acids) in different types of striated muscle fibers
("aerobic" or type I; and "anaerobic" or type II).
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ANATOMIA, FISIOLOGIA E PATOLOGIA DA PLACA MOTORA
F. Morgado
F.M. LISBOA - H.S. MARIA
SUMÁRIO
Descreve-se a morfologia ultramicroscópica normal da placa motora, faz-se
referência ao receptor da acetilcolina e a sua fisiologia e par fim aborda-se a
patologia da transmissão neuromuscular.
INTRODUÇÃO
Desde as primeiras descrições de Rouge em 2861, ate aos trabalhos de Couteaux em 2
946 e 47 em que descreve a microscopia óptica da zona de contacto neuromuscular, passando
peio desenvolvimento do conceito de neurotransmissor como mediador da contracção muscular,
de Otto Loewi em 2922, há um longo período cheio de descrições contraditórias. Nos últimos 30
anos no entanto, é de tal modo grande a número e a importância dos trabalhos sabre a junção do
nervo motor com a fibra muscular esquelética que não é possível fazer aqui senão um breve
resumo sabre o assunto.
Anatomia da Placa Motora (P.M.)
A actividade do músculo estriado esquelética é controlada pelo sistema nervoso central,
através da inervação pelo neurónio motor periférico.
Cada axónio motor ao entrar no músculo emite sucessivas ramificações sub-terminais
enervando um número variável de fibras, de 4 a 5 para os músculos oculares externos e algumas
centenas para a maioria dos outros músculos (ver por ex. 2,3, e 29).
Visto em microscopia electrónica, cada ramificação nervosa destinada a uma fibra
muscular, apresenta uma fasciculação distal de 10 a 15 filamentos que entram em contacto com a
membrana sarcoplásmica (M.S.) par uma dilatação terminal (29). A M.S. no ponto de contacto
Palavras-chave: Placa motora, junção mioneural, junção neuromuscular, receptor
da acetilcolina.
MORGADO F.
126
com a terminação nervosa, apresenta uma estrutura especializada constituída por numerosas
pregas que no conjunto são designadas por aparelho sub-neural (ASN) (2,3, e 29). As pregas do
ASN são no seu 1/3 externo ricamente anastomosadas entre si e constituídas por uma membrana
mais densa aos electrões.
Nos 2/3 internos, as pregas do ASN apresentam-se como fendas simples formadas por
uma membrana com densidade idêntica à restante M.S. Aqui são observadas numerosas
fenestrações em continuidade com o sistema tubular transverso da fibra muscular, o que vai ter
importância na propagação da onda de despolarização para o interior da fibra.
O conjunto formado pela terminação nervosa e o aparelho sub-neural isolado por um
prolongamento citoplasmático da célula de Schwann que acompanha o axónio motor, é
designado por placa motora, junção neuro-muscular ou junção mioneural (ver por ex. 2,3,5,9, e
29).
A dilatação nervosa terminal apresenta no centro muitas mitocôndrias, neurofilamentos e
neurotúbulos, à periferia, amontoadas junto à membrana nervosa, numerosas vesículas sinápticas
que contêm a acetilcolina (ACh).
No espaço sub-neural, por debaixo das pregas do ASN, podem ver-se algumas
mitocôndrias, perfis tubulares, filamentos, ribossomas e alguns núcleos vesiculosos.
A membrana nervosa da F.M. é designada por membrana pré-sináptica, a M.
sarcoplasmática da P.M. por membrana pós-sináptica e a fenda que os separa, a fenda sináptica.
Nesta pode ver-se ainda um extracto moderadamente denso aos electrões, a lâmina basal. Na
membrana pós-sináptica, justa neuronal, onde a densidade aos electrões é maior está situada a
maior concentração de receptores da acetilcolina (RACh). Isto foi comprovado usando uma
toxina da Cobra Bungarus-Multicinctus, a -Bungaratoxina, marcada pela peroxidase, que tem
uma afinidade específica para os RACh (2, 3, 28 e 29).
Usando os órgãos eléctricos da enguia, Electroforus electricus, que são constituídos quase
exclusivamente por RACh, foi possível conseguir material suficiente para a estudo da estrutura
dos RACh.
Há algumas linhas de evidência de que estes RACh não diferem muito dos RACh dos
mamíferos. Os RACh assim estudados têm um peso molecular de cerca de 250 000 e são
constituídos por 5 subunidades dispostos circularmente em torno do canal de iões. As 2
subunidades onde se liga a ACh têm um peso molecular de cerca de 40 000 a são designadas par
. As 3 restantes têm pesos moleculares que variam entre os 50 e 60 000 a são designados por
(ver por ex. 2, 5, e 30).
Fisiologia da P.M.
A despolarização da fibra muscular inicia-se com a chegada de um potencial de acção à
terminação nervosa. Isto modifica a permeabilidade da membrana nervosa pré-sináptica para os
iões de Ca++
que entram e para a ACh que sai, por exocitose de centenas de vesículas que lançam
o seu conteúdo na fenda sináptica. Pensa-se que cada vesícula sináptica contem um número
constante de moléculas de ACh, 5 a 10 000, o que é designado por quantum. É referido a este
propósito que a libertação da ACh se faz de maneira quântica (o que significa que em dado
momento é lançado na fenda sináptica um múltiplo simples de um mínimo possível).
A ACh difunde-se rapidamente na fenda sináptica, indo ligar-se aos RACh da membrana
pós-sináptica, 2 moléculas de ACh por receptor, o que dá lugar à abertura do canal de iões com
saída de K+ e entrada de Na
+ na fibra muscular.
PLACA MOTORA
Actas Bioq. 1989, 1:125-129
127
Quando o número suficiente de RACh for activado, o potencial de repouso da membrana
pós-sináptica cai de -90 mv para cerca de -50 mv, estando criadas as condições para a
propagação do potencial de acção a toda a membrana sarcoplásmica e para o interior da fibra,
através do sistema tubular transverso que está em contacto com a zona mais interna do ASN.
Segue-se a hidrólise da ACh pela acetilcolinesterase (AchE). A colina e os radicais acetilo
libertados reentram na terminação nervosa e são usados na síntese, por intermédio da acetilcoli-
transferase de novas moléculas de ACh, que ficam armazenadas nas yesículas sinápticas (2, 3, 4,
17 e 30).
Patologia da P.M.
1) Pré-sináptica
a) Com carácter transitório: Antibióticos que impedem a propagação do potencial de acção
do nervo com a clindamicina a lincomicina (17).
b) Degenerescência mielino/axonal com destruição das terminações nervosas dos nervos
motores (9).
Botulismo com fixação da toxina na face externa da membrana pré-sináptica o que impede a
entrada de Ca++
e saída de ACh (29).
S. Eaton-Lambert causada por anticorpos contra a terminação nervosa (TN) (7, 2 e 27).
Intoxicação pelo Mg++
que compete com a Ca++
e a saída de ACh da TN e da FM (17).
f) Aminoglicósidos qua inibem a libertação da ACh na TN assim coma fenitoína e a
cloropromazina (17).
g) Miastenia congénita por perturbações de resíntese da Ach na TN (7).
2) Patologia que actua a nível da fenda sináptica
a) Miastenia congénita com ausência na FM de AChE (5, 6 e 7).
b) Organofosforados que inibem de modo irreversível AChE e outros Anti-AChE usados no
tratamento da miastenia gravis como a piridostigmina, neostigmina e o edrofonium que
inibem o AChE de modo reversível (20).
3) Patologia que actua ao nível do RACh na membrana pós-sináptica da FM
a) Miastenia gravis em que há formação de anticorpos anti-RCch e subsequentemente a
destruição do ASN (2, 3 e 18, por ex.).
b) Miastenia congénita atribuída a uma deficiência na abertura do canal de iões do RACh
(5).
c) Intoxicação pela nicotina, alcaloide da Nicotiniana Tabacum, que estimula os RAcK e
pela d-tubocurarina alcaloide da Condodredum Tomentosum que os bloqueia (17).
SUMMARY
This rev1aw focuses the normal neuromuscular junction and acetylcholine
receptor in the postsynaptic membrane of muscle and the pathology of the
neuromuscular transmission.
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Actas Bioq. 1989, 1:131-141 131
BINÓMIO EXCITAÇÃO-CONTRACÇÃO
J. Silva Carvalho
Instituto de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Lisboa
RESUMO
O Autor esquematiza o acoplamento excitação-contracção do seguinte
modo: Estímu1o despolarização do sarcolema potencial de acção e sua
propagação libertação de Ca+ do retículo sarcop1asmático Ca
2+
Troponina C eliminação do efeito inibidor da Troponina I sobre a interacção
actina/rniosina os filamentos de actina deslizam ao longo dos de miosina
encurtando deste modo o sarcómero. Refere-se dum modo muito sucinto ao
estímulo e às modificações da membrana por ele provocadas e depois às
modificações que se lhe seguem. Dá importância especial ao papel
desempenhado pelos tubos transversais na propagação do estímulo em especial
até ao interior das fibras. Destaca a importância dos iões Ca no processo
excitação-contracção e refere os mecanismos de libertação deste ião para o
sarcoplasma, bem como as afinidades e locais da sua ligação ao complexo
Troponina. Em seguida, mostra corno a interferência do Ca permite a união
actina/miosina e daí o deslizamento dos filamentos com a resultante
contracção. Depois duma a1usão às relações entre o Ca e a força de contracção,
e entre esta e a posição dos filamentos de actina e miosina, descreve o
funcionamento da bomba de cálcio referindo a importância da Calsequestrina
na remoção deste ião, bem corno as hipóteses de transferência do Ca para o
sarcotúbulo.
Palavras-chave: Potencial de membrana, potencial de acção, Ca 2+
, proteínas Contrácteis,
calsequestrina
SILVA CARVALHO L.
132
A estimulação do músculo através do seu nervo ou directamente põe em marcha um
processo que se inicia no sarcolema e termina na máquina contráctil. Tal processo designa-se,
como é do conhecimento geral - acoplamento ou binómio excitação-contracção.
O processo resume-se ao seguinte esquema:
Estímulo despolarização do sarcolema potencial de acção e sua propagação
libertação do retículo sarcoplásmico (R. S.) Ca + troponina C eliminação do efeito inibidor
da troponina I sobre a interacção actina/miosina os filamentos de actina deslizam ao longo
dos filamentos de miosina encurtando deste modo o sarcómero.
Esta série de acontecimentos é completamente reversível, resultando daí o relaxamento
do músculo.
Nas linhas seguintes vamo-nos referir em primeiro lugar, e dum modo sucinto, ao
estímulo e às modificações da membrana por ele provocadas e depois aos acontecimentos que se
lhe seguem.
ESTÍMULO E MODIFICAÇÕES DO POTENCIAL DE MEMBRANA
O estímulo pode ter várias origens: eléctrica, compressão mecânica, química ou qualquer
outra que modifique o estado em repouso do sarcolema.
O estímulo fisiológico e químico é produzido no neurotransmissor - placa terminal -
aumentando aí subitamente a permeabilidade da membrana ao Na. Por isso modifica-se também
muito rapidamente o potencial de membrana (repouso) estabelecendo-se em sua substituição o
potencial de acção
Vejamos então muito resumidamente estas modificações.
O potencial de repouso das fibras do músculo esquelético é de (-90 mv.) semelhante aos
das fibras nervosas mielínicas, e tal como estas, devido às diferentes distribuições iónicas dentro
e fora da membrana, às próprias características desta estrutura e acção da bomba de Na-K.
A maioria dos aniões intracelulares está representada pelas grandes moléculas proteicas
designadas A.
O ião K é o principal componente do líquido intracelular e actua sobretudo mantendo os
potenciais de repouso que se aproximam do potencial de equilíbrio do K+ (EK). Se a
concentração de K+ extracelular aumentar, potencial de repouso diminuirá de acordo com e
Equação de Nerst. O ião Na é o principal componente do líquido extracelular. Actua aumentando
a pressão osmótica (osmolaridade do líquido extracelular). A permeabilidade (condutância) da
célula muscular ao Na+ é muito baixa.
O Cl- é o principal anião do líquido extracelular e segue de forma passiva os catiões que
se movem através da membrana da célula muscular distribuindo-se de acordo com o equilíbrio
de Gibbs-Donnan.
O potencial de acção resulta da modificação brusca da condutância iónica.
Na fase de ascensão do potencial de acção ou despolarização, a condutância do sódio
sofre um aumento de várias centenas de vezes por isso, cargas positivas entram nas células (sob a
forma de Na+) invertendo-se deste modo a polaridade. Devido a que a permeabilidade ao Na
depende da voltagem, “precipita-se” cada vez mais Na no interior da célula à medida que avança
a despolarização. O fenómeno apresenta-se como um processo de retro-alimentação positiva, que
se propaga ao longo do sarcolema, como veremos mais tarde.
EXCITAÇÃO E CONTRACÇÃO
Actas Bioq. 1989, 1:131-141
133
No momento em que atinge o “pico” da despolarização, isto é, da máxima positividade
no interior da célula, o potencial de membrana aproxima-se do potencial de equilíbrio do Na
(ENa).
Em seguida, diminui a gNa e aumenta a do potássio. Essas modificações explicam o
regresso do potencial de acção ao nível do de repouso (repolarização). A repolarização processa-
se muito rapidamente até um potencial de -70 mv. Neste nível de potencial de membrana, o
processo de repolarização desenvolve-se com uma constante de tempo relativamente longa (Fig.
1). Este fenómeno observa-se com facilidade no músculo do mamífero e atribui-se a
permanência dum excesso do K nos tubos transversais. A voltagem da membrana neste último
período designa-se por pós-potencial negativo. O período de pós-potencial negativo vai por sua
vez ser seguido do um período de hiper-polarização designado por pós-potencial positivo. Só
então regressa o potencial do repolarização ao normal. O pós-potencial positivo deve-se
principalmente ao exagero na condutância do K em relação à que este ião apresenta em repouso.
A bomba do Na-K mantém o potencial do repouso constante até ao aparecimento dum novo
estímulo.
FIGURA I
Potencial de acção do músculo esquelético. Em ordenadas: potencial de
membrana intracelular. Em abcissas: tempo em segundos.
O potencial de acção, assim gerado numa região da membrana sarcoplasmática, propaga-
se às partes que lhe são adjacentes transmitindo assim a excitação a toda a fibra muscular.
Há provas evidentes que os tubos transversais do sarcómero intervêm na propagação do
estímulo até ao interior das fibras. Estes tubos têm continuidade com a membrana plasmática e
portanto o estreito canal do tubo é contínuo com o espaço extracelular.
Com efeito eles podem ser activados (corno Huxley e Taylor demonstraram) (6), pela
aplicação de correntes fracas através de um microeléctrodo. Obtém-se deste modo uma
despolarização local de uma região tão pequena que somente o tubo transverso é estimulado. O
resultado é uma contracção local limitada à miofibrilha superficial de duas metades dos
sarcómeros adjacentes ao tubo.
SILVA CARVALHO L.
134
Quanto maior for a intensidade do estímulo, mais em profundidade são o número de
miofibrilhas activadas (Fig. II). Por outro lado, se os tubos não existirem não há propagação do
estímulo, e falta também a contracção do músculo, embora possa haver Ca+. É o que se verifica
quando este sistema é destruído com soluções hipertónicas de Ringer com glicerol. Com efeito,
nestas condições, os músculos não se contraem como resposta à excitação. Embora os tubos
sejam necessários para a propagação dos estímulos, a natureza dos impulsos ao longo do sistema
T ainda se desconhece. Do ponto do vista estrutural existem todas as condições para se poder
considerar uma propagação electrónica das variações do potencial associadas com o potencial do
acção da membrana do sarcolema.
FIGURA II
Demonstração da actividade local do sistema T. A - antes da estimulação. B -
após a estimulação
Seja com for, a propagação do potencial de acção está acompanhada como vimos, por correntes
que fluem para o interior da fibra muscular. Contudo, estas correntes não são directamente
responsáveis pela activação dos mecanismos contrácteis. Com efeito, não existe interacção de
actina e miosina na presença do sistema troponina/tropomiosina e ATP se não existir também
Ca+. A activação depende portanto da libertação do ião Ca que é o mediador do processo que
vincula a excitação da membrana (que acabamos de ver) com o início da contracção, que
consideramos adiante.
Relação entre o cálcio e a excitação-contracção
Sabe-se desde há muitos anos, que a injecção intracelular de iões Ca produz contracção das
fibras musculares. Esta pode-se obter, segundo Campbell (3), com SR2+
e o Ba2+
mas em
EXCITAÇÃO E CONTRACÇÃO
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concentrações muito superiores às obtidas com o Ca níveis tão elevados das concentrações destes
iões não existem no organismo).
O sítio onde se armazena o Ca é o retículo sarcoplasmático. Os iões Ca são fixados à
membrana destas estruturas e concentrados no lume dos tubos. Veremos adiante como se julga
que se processa esta fixação.
Interessa-nos agora saber corno a excitação liberta o Ca do retículo para o sarcoplasma.
Não há opinião unânime acerca do fenómeno. O assunto foi há poucos anos estudado por
Endo (5) e, recentemente, revisto por Campbell (3).
Duas possibilidades existem:
1) Despolarização da membrana do retículo como resultado da interacção directa com as
cargas eléctricas da membrana celular.
2) Libertação induzida pelo Ca e causada por um aumento local do Ca que cruzou a
membrana celular. Esta hipótese aplica-se especialmente ao músculo liso e coração.
Em relação à primeira hipótese (Fig. III) o potencial de acção chegaria pelos tubos em T
às cisternas laterais do retículo sarcoplasmático que libertariam o Ca para o sarcoplasma.
FIGURA III
Diagrama do acoplamento excitação/contracção (explicação no texto)
O achado de canais entre tubos e as cisternas laterais pareceria apoiar a hipótese.
Chandler e Schneider (4), sugerem que durante o repouso estes canais encontram-se fechados,
mas o potencial de acção que chega aos tubos T produz uma transferência do carga que, de
alguma maneira leva às modificações de configuração da membrana das cisternas e à abertura
SILVA CARVALHO L.
136
dos canais. Supõe-se que as correntes iónicas assim geradas, induzem a libertação de Ca das
cisternas para o sarcoplasma.
A segunda hipótese está apoiada na verificação de que o retículo do músculo cardíaco e
liso pode ser estimulado a libertar Ca para o citosol por concentrações muito baixas deste ião.
No músculo liso a concentração pode ser estimulada pela acetilcolina provocando a
abertura dos canais Ca-dependentes, sem contudo causar potenciais de acção.
Dum ou doutro modo, é possível demonstrar que a estimulação eléctrica liberta Ca para o
sarcoplasma e, que esta libertação precede a contracção, foi o que fizerem Blinks o col. (2). Os
autores injectaram numa fibra muscular isolada uma proteína obtida a partir da equarina
(acalifa), que omite luz quando reage com o Ca.
A fibra depois montada num sistema isométrico é estimulada. Um foto-multiplicador
muito sensível regista directamente a omissão de luz da equarina que acompanhe a libertação
intracelular de Ca. Depois da estimulação aumenta a luminescência que alcança o máximo
durante o desenvolvimento da tensão e diminui até ao mínimo no momento em que se atinge o
“pico” da contractilidade (Fig. IV). Se a fibra for estimulada a intervalos regulares observa-se
que cada abalo é precedido por um aumento da luminescência.
FIGURA IV
Relação entre a luminescência produzida pela equarina na presença do Cálcio
e a resposta mecânica a uma contracção isométrica (segundo Blinks e col.)
O cálcio é portanto o “acoplador” da excitação-contracção, isto é, desempenha funções de
segundo mensageiro porque transporta a mensagem da membrana excitada para e aparelho
contráctil no interior do músculo.
Vejamos então como o ião desempenha esta função, isto é, como provoca a contracção.
Como é do conhecimento geral, o mecanismo contráctil da fibra muscular está pronto a
actuar, mas é impedido de o fazer porque a tropomiosina está em posição errada.
Com efeito, as moléculas de tropomiosina estão dispostas duma ponta à outra ao longo
das cadeias de actina, de modo que cobrem os sítios de ligação para a miosina nas moléculas de
actina, impedindo deste modo a união com as pontes cruzadas de miosina.
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Cada molécula de tropomiosina é mantida nesta posição de bloqueio por uma molécula C
(TNC), troponina I (Till), troponina T (TNT).
A união do Ca com a TNC modificava o complexo troponina, que secundariamente altera
a tropomiosina, permitindo ficar a descoberto os locais de ligação da actina e miosina..
Vejamos estes fenómenos com maior pormenor.
A troponina C do músculo esquelético e cardíaco são muito semelhantes. As proteínas
estão representadas no esquema da Fig. V. No músculo esquelético existem 4 locais do ligação
do Ca (no músculo cardíaco apenas três).
FIGURA V
Representação esquemática da ligação do Ca2 que permite a contracção
muscular.
As afinidades dos locais de ligação ao Ca são diferentes entre si. Os locais III o IV são de
alta afinidade e podem também ligar Mg., enquanto I e II são de baixa afinidade e não se ligam a
este ião. A ressonância magnética nuclear tem mostrado que os locais de alta afinidade requerem
Ca para manterem a estrutura e a disposição das hélices em forma estável.
A ligação de Ca aos locais I e II produz modificações na interacção dos resíduos
hidrófobos sem alteração da estrutura helicoidal. Esta alteração modifica a configuração do
complexo troponina, principalmente pela interacção com a troponina I.
Esta alteração desloca a tropomiosina no sulco da actina permitindo por isso o
deslizamento miosina/actina.
SILVA CARVALHO L.
138
Embora se diga desde há muito que o Ca do citosol está em equilíbrio com o da troponina
C, na realidade segundo Campbell (3) não é assim. Num abalo muscular, a ligação com o Ca está
limitada principalmente pela difusão, enquanto a contracção depende da velocidade de
modificação da troponina C (em primeiro lugar) e depois das outras proteínas do aparelho
contráctil.
O tempo médio para a modificação da troponina C como resultado da ligação ao Ca nos
locais de baixa afinidade é muito curto. (As ligações aos de alta afinidade já existem em
repouso). Estas afirmações têm sido confirmadas por diversos autores. Por outro lado, a
correlação feita por Ashley (1) entre o Ca livre intracelular, medido pela luminescência
produzido pela equarina, e a velocidade do desenvolvimento da força, mostra que a tensão
desenvolvida é dependente de 2 Ca+ por cada unidade de força. Também as experiências de
Blinks o col. (2) já referidas, sugerem que a força desenvolvida no abalo está na relação directa
do Ca do citoplasma. Portanto a Ca tem importância não apenas para "disparar" o processo
contráctil, mas também como interveniente na velocidade do fenómeno e na força de contracção.
Repare-se que a acção do ião é exercida no filamento delgado e por isso se tem afirmado (Taylor
o col.) (8), que o mecanismo reguladorda contracção é uma propriedade dos filamentos delgados.
No entanto é necessário assinalar que nalgumas espécies os filamentos grossos (miosina) fixam
Ca e portanto regulam nesses casos a interacção actina/miosina.
O resultado da interacção da actina/miosina foi descrito em sessões anteriores (7) (Fig.
VI) e, é o encurtamento do sarcómero:
FIGURA VI
Encurtamento do sarcómero (segundo Schmidt)
Com efeito, durante o processo de contracção, a cabeça da meromiosina pesada ("cross
bridge") - pontes transversais - liga o filamento de miosina com o filamento adjacente de actina.
Por rotação das cabeças geram-se forças que deslocam os filamentos de actina na direcção da
parte média do sarcómero, torna possível a direcção oposta dos filamentos de actina para as
metades da esquerda e direita do sarcómero. Foi demonstrado, pelo método de difracção com Rx
que o encurtamento do sarcómero produzindo uma só estimulação, faz-se por repetidas fixações
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e libertações das cabeças de miosina à actina. Graças à elasticidade das pontes, o sarcómero pode
desenvolver força quando os filamentos não deslizam um sobre o outro. É o que sucede na
contracção isométrica esquematizada na Fig. VII, onde se observa distensão do "pescoço"
elástico da molécula, isto é, do sub-fragmento II da meromiosina pesada. A força desenvolvida
depende da relação dos filamentos. Existe uma relação óptima entre estas formações, na qual a
força de contracção será máxima. A distensão do músculo modifica estas relações e portanto
modifica a força muscular.
FIGURA VII
Comportamento do "pescoço" elástico do sub-fragmento II da meromiosina
pesada.
A energia necessária ao movimento deve-se à degradação de ATP. Com efeito, no local
de ligação para a actina, a extremidade globular da miosina tem actividade ATPase. O
desdobramento faz-se antes da miosina se ligar à actina. Tal desdobramento é um pré-requisito
para que novamente as pontes cruzadas se liguem à actina.
Esta interacção actina/miosina termina quando a redução do Ca livre do citoplasma desce
abaixo de 0,5 um iniciando assim o relaxamento muscular.
Para tal é necessária a suspensão da acção do estímulo que iniciou o processo excitação-
contracção. Nesta altura o cálcio é bombeado para o retículo sarcoplasmático e a tensão muscular
vai diminuindo à medida que o Ca se dissocia da sua ligação proteica nos filamentos.
Bomba de Cálcio
Vejamos então para terminar como funciona a Bomba de Ca. O retículo sarcoplasmático
é rico em bombas de Ca, que constituem cerca de 90% das proteínas da membrana. Em
esquemas, a secção transversal dum sarcotúbulo mostra que (Ca2+
) Mg ATPase e protolípidos
estão firmemente embebidos na membrana fosfolipídos (Fig. VIII).
SILVA CARVALHO L.
140
FIGURA VIII
Representação esquemática dum sarcotúbulo.
Além disso, existe também no interior do sarcotubulo uma proteína fixadora de cálcio, a
calsequestrina, que é mais abundante nas regiões das cisternas terminais. Este facto pode
relacionar-se com as observações de Winegrad, que sugerem ser as cisternas terminais os
principais locais de armazenamento e libertação de Ca.
Julga-se que o Ca seja bombeado do seguinte modo: 1º duas moles de Ca e 1 Mg ATP
ligam-se ao enzima; 2º hidrólise de ATP com a produção de um resíduo de aspartato fosforilado
no enzima; 3º transporte do Ca através da membrana do sarcotúbulo por um poro, quer móvel
quer fixo, ou por rotação da molécula; 4º libertação no lume do tubo e desfosforilação do enzima
com a intervenção de Mg.
Com base em experiências in vivo no músculo esquelético, tem-se afirmado que a
velocidade desta bomba é de 1 ou 2 mCa/mseg. No entanto, as experiências in vitro mostram
uma velocidade muito menor. Este facto pode sugerir que o rápido desaparecimento do Ca do
citosol se deve à sua inicial ligação à parte exterior do retículo, sendo só depois disso bombeado
para o lume.
Completamos deste modo o esquema inicial, apresentado como resumo do fenómeno
excitação-contracção e com ele concluímos o assunto.
SUMMARY
The A. schematizes the excitation-contraction coupling as follows: stimulus
despolarization of sarcolema action potencial initiated and propagated
along the T tubes calcium released from the sr system Ca2+
+ troponin C
the inhibitory effect of troponin I on the interaction of actin and myosin is
removed action filaments slide along myosin filaments shortening the
sarcomer. e refers in a very short way to the stimulus and to the changes of
membrane which are produced by it and then to the alterations which follow. e
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give a special importance to the role performed by the transverse tubular
system in the propagation of the stimulus chiefly up to the inside of the
filaments. He makes stand out the importance of the Ca ions in the excitation-
contraction process and refers to the releasing mechanisms of this ion the
sarcomer as well as to the relationship and locals of its connection to the
troponin compound. Afterwards he shows how the interaction of the Ca
allows an actin/myosin coupling and therefore the sliding of the filaments
with the resulting contraction. After refering to the relations between the Ca
and the contractive force and between this last and the position of the actin
and myosin filaments, he describes the functioning of the calcium pump by
refering the importance of calsequestrin in the Transfer of this ion as well as
the hypotheses of transfer the Ca to the sarcotubule.
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FISIOFARMACOLOGIA DOS INIBIDORES DA ENTRADA DE CÁLCIO E
PERSPECTIVAS TERAPEUTICAS
J.J. Polónia e S. Guimarães
Laboratório de Farmacologia , Faculdade de Medicina, 4200-Porto,Portugal
SUMÁRIO
Após uma breve introdução sobre a fisiologia do cálcio, os autores descrevem
os diferentes tipos de canais de entrada para esse ião, com base nas suas
características electrofisiológicas e no antagonismo exercido por bloqueadores
específicos. Seguidamente, apresentam os diferentes bloqueadores da entrada
de cálcio, que são classificados em seis grupos, de acordo com o critério
recomendado pela comissão para o efeito nomeada pela Organização Mundial
de Saúde. Finalmente, sugerem as indicações terapêuticas para esse grupo de
f6rmacos, com base na apreciação clínica feita em vários centros hospitalares
especializados.
INTRODUÇÃO
Os bloqueadores da entrada de cálcio, grupo relativamente novo de fármacos agrupados à
roda de um mecanismo de acção, são agentes terapêuticos com muito interesse no tratamento de
varias doenças, nomeadamente do foro cardiovascular e, ao mesmo tempo, instrumentos muito
úteis no estudo das funções do cálcio e dos seus canais nos processos biológicos.
Tudo o que diz respeito a este sector do conhecimento começou em 1967, quando
Fleckenstein observou que o aumento da concentração de cálcio anulava o antagonismo exercido
pelo verapamil e pela prenilamina sobre a contracção do músculo cardíaco.
Os antagonistas do cálcio impedem a passagem desse ião, do meio extra celular para o
meio intracelular, onde ele exerce variadas e importantes funções.
Papel fisiológico do cálcio
O cálcio é um regulador importante da função celular. Usualmente em combinação com
proteínas que o fixam, como a calmodulina, ou a troponina, o ião cálcio regula múltiplas
Palavras-chave: Ca2+
, canais de cálcio, antagonistas do cálcio
POLÓNIA J.J. et al
144
funções, incluindo a contracção muscular (do músculo esquelético, do músculo cardíaco ou do
músculo liso) a secreção de neurotransmissores ou de hormonas, a condução de estímulos
eléctricos, a acção de várias enzimas, etc.
Sabe-se, hoje, que a concentração de cálcio no citosol da célula em repouso é da ordem
dos 100 nmol/l (10-7M), enquanto no meio extracelular, por um lado, e no retículo
endop1ásmico e nas mitocôndrias, por outro a concentração desse ião é cerca de 10.000 vezes
mais elevada (l0-3M). Este gradiente de concentrações é mantido pela regulação da entrada de
cálcio, do meio extracelular para o citosol, e pela sequestração do cálcio livre citosólico feita por
aqueles organelos e pela superfície interna da membrana plasmática.
Quando estimulada por uma hormona adequada ou por uma despolarização, a célula
responde libertando cálcio dos seus depósitos intracelulares ou abrindo os canais da membrana
para permitir a entrada do cálcio extracelular. Quando uma fibra muscular lisa ou uma fibra
muscular cardíaca é despolarizada, as alterações de voltagem produzidas na membrana celular
abrem os canais permitindo que o cálcio extracelular entre e inicie a contracção muscular.
Porém, quando uma fibra muscular lisa é estimulada pela noradrenalina (ou por alguns outros
agonistas), uma parte importante do cálcio que aparece no citosol provém de depósitos
intracelulares, de onde é libertado.
O cálcio extracelular pode entrar para célula por vários mecanismos; difusão passiva, em
função do gradiente (10-3M vs.l0-7 M), troca com sódio, troca com potássio, através dos canais
rápidos do sódio e através dos canais lentos (que podem ser operados só por agonistas próprios
ou, também, pela corrente eléctrica). O papel de cada uma destas vias de entrada varia de tecido
para tecido, de espécie para espécie. Do músculo esquelético (que para se contrair não carece de
cálcio extracelular) às diferentes variedades de órgãos com musculatura lisa, há uma grande
variedade de dependências do cálcio extracelular variando, também, a importância relativa de
cada uma daquelas vias de entrada.
Estes mecanismos ligados ao cálcio têm sido estudados em sistemas com funções muito
diversas e, por isso, é perfeitamente natural que a sua fenomenologia bioquímica não seja
inteiramente sobreponível em todos eles. Os sistemas mais usados para estes estudos têm sido a
secrecção de aldosterona mediada pela angiotensina II, a secreção de insulina induzida pela
glicose, a contracção do músculo liso de traqueia causada pelo carbacol e a contracção do
músculo esquelético. É a musculatura lisa a estrutura que vai ser mais frequentemente o alvo
para as acções terapêuticas exercidas pelos bloqueadores dos canais do cálcio. Por isso, este
texto será sempre orientado com base nos fenómenos conhecidos para o músculo liso.
Sabe-se, hoje, que, quando a noradrenalina activa os seus receptores surge, por um lado,
um aumento do fluxo de cálcio, de fora para dentro da célula e, por outro, uma activação da
fosfolipase C especifica que cataliza a hidrólise do fosfatidilinositol 4,5-difosfato. Da hidrólise
desta substância resulta a rápida formação de dois produtos - o inositol l,4,5-trifosfato e o
diacilglicerol, ambos possuidores de uma função de mensageiro. O inositol l,4,5-trifosfato vai
actuar sobre o reticulo endoplásmico e provocar a libertação de 10 a 20.000 nmol/l de cálcio,
provocando uma subida deste ião no citosol de 200-250 nmol/l (valores de repouso) para 600-
800 nmol/l. Esta subida, que é passageira, porque o depósito de cálcio do retículo se esgota e
porque os mecanismos de bombagem de cálcio para fora da célula entram a funcionar, é
suficiente para que o cálcio interactue com a calmodulina e active a cinase da cadeia de miosina
leve. Esta fosforiliza uma das cadeias de miosina, condição para que a actina e a miosina
originem a contracção (Figura 1). Há relaxamento quando a actividade fosfatásica
FISIOPATOLOGIA DOS INIBIDORES DO CÁLCIO
Actas Bioq. 1989, 1:143-150
145
(desfosforilação da cadeia de miosina leve) ultrapassa a actividade da cinase. Isto acontece
quando o nível de cálcio citosólico desce, quer por recaptação, quer por bombagem.
Figura 1
Esquema geral dos fenómenos bioquímicos operados pelo cálcio na génese da
contracção da fibra muscular lisa
No que diz respeito à musculatura lisa vascular, crê-se que a primeira fase da contracção
depende, sobretudo, da libertação de cálcio a partir dos depósitos intracelulares, enquanto a fase
mais sustentada da contracção (fase tónica) depende, sobretudo, do influxo de cálcio
extracelular, quer através dos canais dependentes da voltagem, quer através dos canais
dependentes dos receptores. Em boa harmonia com este conceito, existe o conhecimento de que
a resposta pressora mediada pelos receptores alfa2 (pós-sinápticos), que é uma resposta de inicio
lento e de duração sustentada, é antagonizada pelos bloqueadores dos canais de cálcio, enquanto
a resposta pressora devida à estimulação dos receptores p6s-sinápticos alfa1, que é uma resposta
de inicio rápido e de duração curta, não é afectada por esses fármacos.
Canais de cálcio
Tal como os canais de sódio, os canais de cálcio confinam-se à membrana, mas
distinguem-se deles, não apenas pelo seu número (que é de 16 por m2 no caso dos de sódio e de
0.1 por m2 nos do cálcio), mas também pela selectividade dos fluxos iónicos que através deles
se verificam e pelos diferentes potenciais de membrana que os activam (canais de cálcio: -45 a
+10 mV; canais de sódio: -90 a -40 mV).
Esta selectividade dos canais de cálcio pode ser comprovada pela avaliação cinética das
curvas de saturação do transporte de cálcio, pela sua inibição selectiva por iões como o cobalto e
pelos bloqueadores da entrada de cálcio e pela sua insensibilidade aos bloqueadores específicos
POLÓNIA J.J. et al
146
dos canais de sódio (tetrodotoxina, quinidina). As variações de potencial condicionam segundo o
modelo de Huxley o encerramento ou abertura dos canais por modificações de regiões
electricamente carregadas do canal (portões) que assim se pode apresentar em três situações:
inactivado, em repouso e activado.
A abertura dos canais de cálcio pode ser modulada por alterações do cálcio intracelular,
por hormonas e neurotransmissores e por fosforilação dos constituintes do próprio canal.
As membranas de células excitáveis (coração, músculo liso, terminações nervosas)
podem conter vários tipos de canais de cálcio, que tem sido possível distinguir em função da
dependência da voltagem, da condutância selectiva, dos tempos de activação e da sensibilidade a
fármacos. No músculo liso têm sido descritos três tipos diferentes de canais de cálcio: canais
dependentes da voltagem, activados (operados) pela despolarização eléctrica ou pelo potássio;
canais dependentes da activação de receptores por agonistas (noradrenalina, acetilcolina, 5-
hidroxitriptamina, etc.); canais por onde entra cálcio, mesmo com a célula despolarizada em
certos vasos, garantem uma certa tensão muscular de repouso). Admite-se a existência dos dois
primeiros tipos porque os influxos máximos de cálcio causados pelo potássio e pela
noradrenalina são aditivos.
Bloqueadores dos canais de cálcio
Os bloqueadores dos canais de cálcio são, de cada vez, mais numerosos e mais
diversificados no seu perfil farmacológico e terapêutico. Para evitar a sua prescrição incorrecta,
nomeadamente a prescrição simultânea de mais do que um elemento, a Organização Mundial de
Saúde nomeou uma comissão de especialistas (farmacologistas, cardiologistas e neurologistas)
para discutir a classificação dessas substâncias. As conclusões a que esta comissão chegou vêm
publicadas na revista Trends in Pharmacological Sciences, no seu número de Janeiro de 1987.
Por razões históricas e por ser a designação mais simples, a comissão aconselha a
designação de antagonistas do cálcio e não a de bloqueadores dos canais do cálcio, a de
bloqueadores da entrada do cálcio, ou outra. Porque preferimos a lógica, embora sem renegar a
história, adoptámos, neste texto, a designação de bloqueadores ou inibidores da entrada do
cálcio.
As maiores diferenças entre os diferentes elementos radicam na selectividade da acção
antagonista da entrada do cálcio, na especificidade tecidual e na duração da acção. De acordo
com os efeitos produzidos numa série de testes, a comissão entende que os fármacos, até agora
existentes, devem ser subdivididos em seis tipos (Ver Tabela I).
Os principais elementos de cada tipo são os seguintes:
Tipo I - Verapamil, galopamil
Tipo II - Nifedipina, nicardipina, nimodipina, nitrendipina, felodipina, niludipina,
nisoldipina, dazodipina
Tipo III - Diltiazem
Tipo IV - Flunarizina, cinarizina, lidoflazina
Tipo V - Prenilamina, fendilina
Tipo VI - Perhexilina
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TABELA 1
CLASSIFICAÇÃO DOS INIBIDORES DA ENTRADA DE CÁLCIO
Os inibidores da entrada do cálcio exercem a sua acção mediante a fixação a receptores
próprios. Há, pelo menos, três tipos de receptores principais - dos quais se pensa depender a
abertura do canal-e que são aqueles a que a 3H-nitrendipina se liga. As diidropiridinas têm uma
grande afinidade para estes receptores. A sua ligação é rápida, reversivel, saturável e estéreo-
selectiva (o enantiómero levógiro é muito mais activo. Qualquer derivado diidropiridinico
desloca 100% da 3H-nitrendipina que a eles se fixa. Receptores de outro tipo são aqueles aos
quais o verapamil e fármacos afins se ligam e mediante os quais actuam como reguladores
alostéricos heterotrópicos negativos dos receptores principais. O verapamil só consegue impedir
30-40% da fixação de 3H-nitrendipina. Receptores de um terceiro tipo são aqueles a que se 1iga
o diltiazem para funcionar como regulador alostérico positivo dos receptores principais. Da
ligação do diltiazem a estes receptores resulta um aumento da fixação de 3H-nitrendipina da
ordem dos 50%. Est6, ainda, por demonstrar que os sítios alostéricos que regulam a ligação das
diidropiridinas coincidem com os sítios de ligação do verapamil e do diltiazem relevantes do
ponto de vista farmacológico. Quanto aos receptores das diidropiridinas, verificou-se uma
correlação significativa entre os dados obtidos com os radioligandos para uma série de análogos
da nifedipina e a sua capacidade de inibir a resposta mecânica do músculo liso longitudinal do
íleo de Cobaia, o que permite concluir que a ligação do radioligando se faz no sítio relevante do
ponto de vista biológico.
POLÓNIA J.J. et al
148
Uso terapêutico
O objectivo neste sector da terapêutica é, como em todos os outros, encontrar fármacos
selectivos para cada uma das diversas situações clínicas. Contudo, esse desejo legitimo não pode
antecipar-se aos factos e estabelecer especificidades que não estão demonstradas. É,
naturalmente, um objectivo apetecido e que não se pode excluir dos objectivos possíveis, o
encontro de bloqueadores da entrada do cálcio selectivamente activos nos espasmos dos vasos
cerebrais, ou dos vasos coronários, ou dos vasos dos membros. Essa meta, porém, não foi, ainda,
atingida nem parece vir a sê-lo a curto prazo.
Por se tratar de um campo de intervenção terapêutica sobre o qual não há unanimidade de
opiniões, apresentaremos, também aqui, as indicações gerais sugeridas pela comissão nomeada
pela OMS (Tabela II). Faremos, além disso, uma breve menção das indicações mais comuns dos
inibidores da entrada do cálcio, que mais amplo consenso já concitaram.
Hipertensão
Os inibidores da entrada do cálcio têm um papel importante no tratamento da hipertensão
arterial, quer nas crises agudas, quer nas formas crónicas. Com o seu uso isolado conseguem
controlar-se cerca de um terço dos doentes com hipertensão essencial. A sua acção anti-
hipertensora é tanto mais intensa quanto mais elevados forem os valores iniciais da pressão
arterial e quanto mais baixos forem os valores da renina plasmática. Os inibidores da entrada do
cálcio são particularmente eficazes nos hipertensos idosos, com níveis baixos de renina e com
catecolaminas plasmáticas elevadas e, de um modo geral, nos casos de hipertensão
caracterizados por expansão do volume plasmático e retenção salina, isto é, nas situações em que
a vasoconstrição parece depender mais do influxo de cálcio e em que os bloqueadores
adrenérgicos beta e os inibidores da enzima de conversão parecem menos eficazes.
Doença cardíaca
Os inibidores da entrada do cálcio foram inicialmente usados na terapêutica da angina de
peito, onde alcançaram um lugar de grande relevo. A sua eficácia nestas patologias deve-se, por
um lado, ao aumento do afluxo de oxigénio ao miocárdio devido a uma acção vasodilatadora
coronária (acção especialmente importante nas formas de angor espásticas) e, por outro lado, à
redução do trabalho cardíaco e, portanto, do consumo de oxigénio pelo miocárdio. Constituem
indicações preferenciais as formas de angina de Prinzmetal, de angina em repouso e de angina de
esforço sempre que há predomínio do componente de vasoespasmo coronário. A eficácia dos
inibidores da entrada do cálcio no tratamento da clássica angina de esforço está igualmente
demonstrada e é sobreponível à dos nitratos, mesmo quando associados aos bloqueadores
adrenérgicos beta. A adição dos inibidores da entrada do cálcio à associação de nitratos com
bloqueadores adrenérgicos beta, em doentes com resposta terapêutica insuficiente àquela
associação, aumenta significativamente o número de doentes controlados.
Arritmias
A eficácia do verapamil no tratamento das arritmias supraventriculares está perfeitamente
estabelecida e parece ser devida a que elas dependem de potenciais de acção lentos, resultantes
FISIOPATOLOGIA DOS INIBIDORES DO CÁLCIO
Actas Bioq. 1989, 1:143-150
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de um aumento do número de canais de cálcio activos dependentes da estimulação adrenérgica
beta. Na fibrilhação auricular, se não houver insuficiência cardíaca manifesta, o verapamil
apresenta vantagens relativamente aos digitálicos, designadamente no controlo da condução
aurículo-ventricular e da frequência ventricular, durante o esforço. A eficácia dos inibidores dos
canais do cálcio nas arritmias ventriculares carece de comprovação clínica.
TABELA 2
USO TERAPÊUTICO DOS BLOQUEADORES DA ENTRADA DO CÁLCIO
A eficácia do verapamil no tratamento das arritmias supraventriculares está perfeitamente
estabelecida e parece ser devida a que elas dependem de potenciais de acção lentos, resultantes
de um aumento do número de canais de cálcio activos dependentes da estimulação adrenérgica
POLÓNIA J.J. et al
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beta. Na fibrilhação auricular, se não houver insuficiência cardíaca manifesta, o verapamil
apresenta vantagens relativamente aos digitálicos, designadamente no controlo da condução
aurículo-ventricular e da frequência ventricular, durante o esforço. A eficácia dos inibidores dos
canais do cálcio nas arritmias ventriculares carece de comprovação clínica.
Perspectivas futuras
Como se pode ver na Tabela II, são muitas as situações clínicas que poderão vir a beneficiar da
acção destes fármacos.
Sugestões bibliográficas
EIKENBERG DC and LOKHANDWALA MF. Calcium antagonists and sympathetic
neuroeffector function. J. Auton. Pharmacol., 6:237-255,1986
MANNHOLD R. Calcium antagonists: basical chemical and harmacological properties. Drugs of
today, 6:69-90,1984
NEEDLEMAN P, CORR PB and JOHNSON EM Jr Calcium channel blockers. In Goodman and
Gilman's The Pharmacological Basis of Therapeutics. 7th Ed., pp 816-821,1985
POLÓNIA JJ. Bloqueadores dos canais lentos de cálcio. In Terapêutica Medicamentosa e suas
bases farmacológicas. 2º Ed. pp. 816-821,1986
RASMUSSEN H. The calcium messenger system. First of two parts. New Engl. J. Med. 314:
1094-1101,1986
RASMUSSEN H. The calcium messenger system. Second of two parts. New Engl. J. Med. 314;
1164-1170,1986
VANHOUTTE PM and PAOLLETTI R. The WHO classification of calcium antagonists. Trends
in Pharmacological Sciences, 8:4-5,1987
Actas Bioq. 1989; 1:151-156 151
REGULAÇÃO PURINÉRGICA DA CONTRACTILIDADE MUSCULAR
J.A. Ribeiro
Laboratório de Farmacologia, Instituto Gulbenkian de Ciência, 2781 Oeiras.
SUMÁRIO
Em condições em que o conteúdo quântico inicial é baixo, ou normal, a
adenosina endógena extracelular inibe a transmissão neuromuscular, e desta
forma regula indirectamente a contractilidade muscular. Este nucleósido é
inactivado ao nível da junção neuromuscular por um sistema de recaptação
sensível ao dipiridamol. Os nucleótidos da adenosina, em particular o ATP,
após hidrólise pela ecto-5'-nucleotidase, contribuem para a produção de
adenosina endógena que modula a transmissão neuromuscular. O
reconhecimento da existência de uma "nova" substância endógena como
agente neuromodulador, e a intervenção sobre este neuromodulador, poderá
contribuir para compreender a fisiopatologia de situações que ocorrem a nível
da junção neuromuscular, nomeadamente síndromas miasténicos e miastenia
gravis.
INTRODUÇÃO
As purinas (e.g. ATP) são libertadas das terminações nervosas motoras após estimulação
nervosa (1) e/ou pós-sinapticamente em resultado da contracção muscular (2). O ATP, aplicado
do lado externo da membrana das fibras musculares esqueléticas, é desprovido de qualquer acção
directa na contractilidade. No entanto, uma acção indirecta na contracção pode ser detectada
após a sua aplicação a preparações de músculo esquelético inervado de mamífero (diafragma de
rato) ou de anfíbio (costureiro de rã). Nestes casos, o ATP, em concentrações semelhantes às
calculadas como sendo libertadas, reduz a transmissão neuromuscular (3). Esta acção está
aparentemente confinada às terminações nervosas motoras, dado que a amplitude média dos
potenciais miniatura de placa motora não é afectada por este nucleótido (4).
A redução da libertação de neurotransmissores pelo ATP e, em particular pelo seu
metabolito, a adenosina, tem sido estudada utilizando uma grande variedade de sinapses (para
revisões ver 5-7), e parece estar relacionada com a redução causada por estas substancias na
Palavras-chave: Purinas, transmissão neuromuscular, contractilidade muscular, miastenia gravis,
síndromas miasténicos.
RIBEIRO J.A.
152
concentração de cálcio intracelular necessário para activar o processo de libertação dos
neurotransmissores (8-12).
Acções pré-sinápticas da adenosina (4,13) parecem envolver receptores da adenosina
específicos, sensíveis às xantinas e localizados extracelularmente (14), os quais. em
consequência de não seguirem o perfil característico dos subtipos A1 e A2 dos receptores da
adenosina, poderão pertencer a um terceiro subtipo já proposto com a designação de A3 (15).
Por outro lado, a adenosina poderá ser um factor de agravamento das situações de
alteração da transmissão neuromuscular que se assemelham quer a síndromas miasténicos quer à
miastenia gravis, uma vez que a adenosina aplicada exogenamente possui um efeito inibitório
pronunciado na transmissão neuromuscular quando a depressão inicial pelo magnésio (bloqueio
pré-sináptico) ou pela tubocurarina (bloqueio pós-sináptico) é aproximadamente 30% (16,17). É
sabido que na placa motora de miasténicos o número de canais abertos pela acetilcolina está
reduzido em cerca de 30% e que o número de receptores colinérgicos pós-juncionais está
igualmente reduzido na mesma proporção (18).
O envolvimento da adenosina endógena na transmissão neuromuscular poderia ser
claramente definido se fosse possível estabelecer as seguintes evidências experimentais: a) que a
adenosina desaminase, enzima que degrada a adenosina em inosina (19) tem um efeito
excitatório na transmissão neuromuscular; b) que as metilxantinas, antagonistas do receptor da
adenosina na junção neuromuscular (14), podem facilitar a transmissão neuromuscular; c) que o
dipiridamol, um bloqueador da recaptação de adenosina (e.g. 20), tem uma acção inibitória, na
transmissão neuromuscular e é capaz de potenciar acção inibitória da adenosina exógena. Assim,
nas secções seguintes far-se-á uma descrição, ainda que resumida, das evidências experimentais
que permitem concluir sobre o papel neuromodulador das purinas na transmissão neuromuscular
e indirectamente na contractilidade muscular. Dado que ocorre libertação de ATP a nível da
placa motora (1,2) e que o ATP pode ser hidrolisado em adenosina no espaço pericelular através
de ecto-ATPases (21, 22), seguida da acção da ecto-5'-nucleotidase (23), é também de interesse
saber em que medida o efeito neuromodulador do ATP depende da sua hidróIise em adenosina.
ENVOLVIMENTO DA ADENOSINA ENDÓGENA NA TRANSMISSÃO
NEUROMUSCULAR
A adenosina desaminase aumenta a amplitude e o conteúdo quântico dos potenciais de
placa motora (e. p. ps). O efeito excitatório desta enzima na transmissão neuromuscular,
observado quer em condições de conteúdo quântico baixo (preparações paralisadas a nível pré-
juncional com magnésio) (24) quer em condições de conteúdo quântico elevado (preparações
paralisadas a nível pós-juncional com tubocurarina) (25), parece ser uma consequência da sua
capacidade de inactivar a adenosina endógena existente na junção neuromuscular. A evidência
experimental que apoia esta ideia é: a) a acção da adenosina desaminase na amplitude dos e.p.ps
é prevenida pelo inibidor da sua actividade enzimática, eritro-hidroxi-nonil-adenina (EHNA); b)
a inosina, produto da desaminação da adenosina, é virtualmente inactiva na transmissão
neuromuscular; c) a adenosina desaminase previne totalmente o efeito inibitório da adenosina na
transmissão neuromuscular, não afectando contudo o efeito inibitório da 2-cloroadenosina,
análogo da adenosina resistente à desaminação (24, 25).
Comparando o efeito excitatório da adenosina desaminase com o efeito inibitório da
adenosina na amplitude dos e.p.ps, pode-se estimar que a concentração de adenosina endógena
junto das terminações nervosas motoras é aproximadamente 12 M (25). Assumindo que a fenda
REGULAÇÃO PURINÉRGICAE CONTRACTILIDADE
Actas Bioq. 1989; 1:151-156
153
sináptica tem cerca de 450 m3 de volume (26), a quantidade de adenosina presente será
aproximadamente 5,4 x 10-18 moles. De interesse notar que a quantidade de ATP libertada por
impulso nervoso, conjuntamente com a acetilcolina na junção neuromuscular, é da mesma ordem
de grandeza (aproximadamente 3,7 x 10-18 moles) (1).
Outro aspecto que evidencia a presença de adenosina endógeno extra celular na placa
motora é a observação de que os antagonistas do receptor da adenosina, 8-fenilteofilina (8-PT) e
teofilina (14), facilitam a transmissão neuromuscular (25). Embora alguns autores tenham
interpretado a acção excitatória da teofilina na transmissão neuromuscular em termos da sua
capacidade em inibir as fosfodiesterases (27,28; ver porém 13), o aumento na amplitude dos
e.p.ps causado por concentrações micromolar de 8-PT e teofilina parece estar relacionado com o
seu comportamento como antagonistas do receptor da adenosina e não com a inibição das
fosfodiesterases, já que: a) as concentrações de 8-PT e teofilina que facilitam a transmissão
neuromuscular (25) são inferiores às necessárias para inibir as fosfodiesterases (29); b) a 8-PT é
menos potente que a teofilina como inibidor das fosfodiesterases (29), é mais potente que a
teofilina como antagonista do receptor da adenosina na junção neuromuscular (14) e é mais
potente que a teofilina como facilitador da transmissão neuromuscular (25); c) a
isobutilmetilxantina, um potente inibidor das fosfodiesterases (29, 30) que não se comporta
como antagonista do receptor da adenosina na junção neuromuscular de rã (14) não facilita, pelo
contrário, inibe a transmissão neuromuscular (25).
INACTIVAÇÃO DA ADENOSINA NA.JUNÇÃO NEUROMUSCULAR
Dois mecanismos de inactivação da adenosina têm sido propostos: a inactivação
enzimática por desaminação em inosina e a recaptação pelas células através de um processo de
difusão facilitada (e.g. 20). O primeiro ocorre principalmente no citoplasma, enquanto a
adenosina presente no espaço pericelular e em grande parte inactivada por recaptação (19). O
inibidor da adenosina deaminase, EHNA, não afecta consideravelmente a transmissão
neuromuscular, enquanto o bloqueador da recaptação de adenosina, dipiridamol, inibe a
amplitude dos e.p.ps (25). Numa concentração virtualmente desprovida de efeito na amplitude
dos e.p.ps, o dipiridamol potência a acção inibitória da adenosina na transmissão neuromuscular,
mas não afecta a acção inibitória da 2-cloroadenosina (25), um análogo da adenosina
dificilmente captado pelas células (e.g. 31). Estes resultados sugerem que a inactivação da
adenosina na junção neuromuscular se processa por recaptação.
CONTRIBUIÇÃO DO ATP PARA OS NÍVEIS DE ADENOSINA ENDOGENA
EXTRACELULAR QUE MODULA A TRANSMISSÃO NEUROMUSCULAR
O , -metileno ATP, um análogo do ATP que não é susceptível de ser metaboIizado em
adenosina (32) e inactivo na transmissão neuromuscular, enquanto que o , -metileno ATP, que
é metabolizado em adenosina, imita a acção inibitória deste nucleósido na transmissão
neuromuscular (25). Estes factos, tomados em conjunto com a observação de que a adenosina é
equipotente com o ATP a inibir a transmissão neuromuscular (4), sugerem que o efeito inibitório
do ATP na transmissão neuromuscular depende da sua hidrólise prévia em adenosina, sendo o
ATP rapidamente metabolizado em adenosina no meio extracelular. A apoiar esta ideia estão
também as observações de que o , -metileno ADP, um inibidor da 5'-nucleotidase (33) previne
o efeito inibitório do ATP na transmissão neuromuscular e aumenta a amplitude dos e.p.ps (25).
RIBEIRO J.A.
154
Se o ATP é hidrolisado em adenosina na junção neuromuscular, é provável que o ATP libertado
ao nível da fenda sináptica quer pré-sinapticamente (1) quer pós-sinapticamente em
consequência da contracção muscular (2) contribua para os níveis de adenosina endógena que
modulam a transmissão neuromuscular.
O aumento causado pelo , -metileno ADP na amplitude de e.p.ps de preparações
curarizadas é cerca de 49% do aumento causado pela adenosina desaminase nas mesmas
condições experimentais (25). Se o efeito excitatório do , -metileno ADP na transmissão
neuromuscular resulta da sua propriedade inibitória da 5'-nucleotidase, pode-se estimar que os
nucleótidos da adenosina presentes endogenamente na fenda sináptica contribuem pelo menos
com 40% a 50% para os níveis de adenosina endógena que modula a transmissão neuromuscular
(25). Este valor poderá ser subestimado se nem toda a actividade ecto-5'-nucleotidásica estiver
inibida pelo , -metileno ADP (cf. 34, 35).
CONCLUSÕES
Em conclusão, o facto de a adenosina desaminase e os antagonistas do receptor da
adenosina na junção neuromuscular terem um efeito excitatório, e de o bloqueador da recaptação
da adenosina, dipiridamol, ter um efeito inibitório na transmissão neuromuscular, sugerem que
ao nível da junção neuromuscular existe endogenamente adenosina em quantidades suficientes
para inibir tonicamente a transmissão neuromuscular e que a adenosina endógena é inactivada
por recaptação. Os resultados obtidos com o , -metileno ADP indicam que o ATP pode
contribuir com pelo menos 40% a 50% para a reserva de adenosina endógena que modula a
transmissão neuromuscular. Pode, portanto, deduzir-se que outra substancia além da acetilcolina,
a adenosina, existe endogenamente ao nível da junção neuromuscular participando nos processes
de transmissão que aí decorrem, com a seguinte sequência funcional: libertação de ATP para a
fenda sináptica; sua metabolização em adenosina, que inibe tonicamente a transmissão
neuromuscular, constituindo este processo um mecanismo de regulação da contractilidade
muscular. Em condições em que a transmissão neuromuscular esteja parcialmente inibida quer
pré-juncionalmente, no caso de síndromas miasténicos, quer pós-juncionalmente, no caso da
miastenia gravis, a modulação causada pela adenosina poderá constituir um factor de
agravamento de tai situações.
SUMMARY
In conditions in which the initial quantal content is assumed to be low or
normal, endogenous adenosine inhibits neuromuscular transmission and in
this way regulates indirectly muscle contractility. This nucleoside is
inactivated at the neuromuscular junction through a dipyridamole-sensitive
uptake process. Released adenine nucleotides, in particular ATP, after being
hydrolysed by ecto-5'-nucleotidase, might contribute to the pool of
endogenous adenosine which modulates neuromuscular transmission. The
finding that another endogenous agent, besides acetylcholine, is involved in
neuromuscular transmission, together with the possibility of interfering with
the levels of this neuromodulator, might contribute to understand the
physiopathology of some neuromuscular dysfunctions, namely myasthenic
syndromes and myasthenia gravis.
REGULAÇÃO PURINÉRGICAE CONTRACTILIDADE
Actas Bioq. 1989; 1:151-156
155
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Actas Bioq. 1989; 1:157-160 157
ASPECTOS MICROSCÓPICOS DO TECIDO MUSCULAR LISO
R. Trindade dos Anjos
Departamento de Histologia e Embriologia da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa,
Universidade Nova de Lisboa
SUMÁRIO
As células musculares lisas estão habitualmente agrupadas em feixes, com um
estroma conjuntivo intercelular de dimensões variáveis. São em geral
alongadas e fusiformes, com comprimento dependente da sua localização e
estado funcional. Apresentam um único núcleo, de localização central. O
sarcoplasma é homogéneo em microscopia óptica, não apresentando
estriações. Os organelos celulares, incluindo as mitocôndrias, estão
preferencialmente distribuídos numa região adjacente a cada pólo nuclear. As
imagens ultra-estruturais revelam a existência de finos miofilamentos de
disposição longitudinal. Dispersos pelo sarcoplasma existem corpos densos
característicos, onde se parecem inserir os filamentos. As fibras musculares
lisas estão unidas entre si por “gap junctions” ou “nexus”, com baixa
resistência eléctrica. Com base na inervação e comportamento contráctil,
foram definidos dois tipos de células musculares lisas: o tipo unitário, com
poucas terminações nervosas e contracções musculares de origem miogénica;
e o tipo formado por unidades múltiplas, complexos nervosos abundantes, e
contracções de origem neurogénica.
As células musculares lisas são alongadas, fusiformes, com extremidades que se afilam
progressivamente, e uma região central, mais larga, onde se localiza o núcleo. Tem uma
distribuição muito diversa, e apresentam grandes variações em número, forma, dimensões e
orientação, reflectindo a actividade funcional dos respectivos órgãos. Podem apresentar-se
isoladamente ou, mais frequentemente, agrupadas em feixes ou lâminas, de modo que a porção
mais larga de uma célula está adjacente às porções mais finas das células vizinhas. A sua forma
pode ser muito alongada e estreita (como é o caso das células musculares na parede intestinal) ou
mais curta e larga, como na parede dos vasos. O comprimento das fibras musculares lisas varia
entre cerca de 20 m, na parede vascular, até aos 500 m no miocárdio gravídico (1)
Palavras-chave: Miofilamentos, corpos densos, “gap junctions”
TRINDADE DOS ANJOS R.
158
O núcleo da célula é único, em posição central, e acompanha a forma da célula, sendo
geralmente oval ou alongado. Na célula em contracção tem um perfil irregular, com várias
invaginações laterais. Habitualmente a cromatina é fina, com um ou mais nucléolos.
O citoplasma apresenta miofibrilhas dispostas longitudinalmente, mas ao contrário dos
outros tipos de células musculares, não estão organizadas em sarcómeros e portanto não existe
estriação transversal.
A observação ultraestrutural convencional revela uma população homogénea de
miofibrilhas dispostas em feixes, formadas apenas por filamentos finos (50 a 80 A), compostas
sobretudo por actina. As miofibrilhas dispõem-se paralelamente ao eixo da célula, convergindo
para corpúsculos electrono-densos, do 500 a 800 A, dispostos irregularmente no sarcoplasma ou
adjacentes à membrana celular (2). Estas estruturas, designadas por corpos densos, têm sido
comparadas aos discos Z do músculo estriado.
Sob condições técnicas apropriadas, pode ser demonstrada a existência de filamentos
espessos no músculo liso, em particular quando a célula está contraída. São menos numerosos
que os filamentos finos que os rodeiam, apresentando este conjunto uma configuração em roseta
nos cortes transversais.
Alguns autores admitem que a miosina poderia existir numa forma dispersa, e que a sua
agregação, traduzida pelo aparecimento de filamentos espessos, poderia ocorrer quando
houvesse contracção a nível celular (3, 4). Foi descrito um terceiro tipo de filamentos, de
dimensões intermédias, estabelecendo pontes de união entre os corpos densos (5).
Os organelos celulares ocupam preferencialmente a zona perinuclear, em particular junto
dos polos nucleares, onde são abundantes as mitocondrias, e estão presentes ribossomas, o
aparelho do Golgi, gotículas lipídicas e elementos do retículo endoplásmico rugoso e liso. Este
último, tão desenvolvido nos outros tipos de células musculares, não atinge dimensões
importantes na célula muscular lisa.
FIGURA I
Representação esquemática de células musculares lisas. Estão assinalados: l-
Núcleo; 2- Corpos densos, onde se inserem os miofilamentos: 3- Mitocôndrias;
4- Nexus ou gap junctions. Modificado de Poirier, 1977 (6).
MICROSCOPIA DO MÚSCULO LISO
Actas Bioq. 1989; 1:157-160
159
A membrana celular encontra-se envolvida por uma lâmina basal. A superfície celular é
por vezes irregular, formando projecções que se dirigem para células adjacentes, estabelecendo
conexões denominadas “nexus’: Estas uniões são do tipo “gap junctions”, em que as membranas
celulares Se justapõem, ficando separadas por estreito espaço extracelular do 10 a 20 A, onde
não está presente a lâmina basal (7,8).
Vários estudos sugerem que os "nexus" são mediadores das comunicações intercelulares,
em particular a transmissão do influxo nervoso. Na fase interna da membrana celular existem
alguns corpos densos, especialmente numerosos nas extremidades da célula. Não existem no
músculo liso invaginações membranosas dando origem a túbulos T, ao invés do que sucede nas
células musculares estriadas. No entanto observa-se a superfície da membrana celular numerosas
microvesículas, as caveolae, relacionadas com fenómenos de pinocitose e que podem constituir
verdadeiros reservatórios celulares de cálcio (9,10).
O estroma conjuntivo intercelular apresenta importância variável. As células musculares
estão envolvidas por uma trama de fibras reticulares e elásticas onde são raros os fibroblastos. As
fibras agrupadas em feixes ou lâminas estão rodeadas por tecido conjuntivo relativamente mais
abundante com fibroblastos e outras células conjuntivas.
As artérias e veias correm nos septos conjuntivos mais importantes. Existem capilares em
pequenos septos junto a grupos de células musculares e mais raramente entro células individuais.
As fibras nervosas que atingem o músculo liso são amielínicas e as terminações nervosas
podem ser observadas junto as células musculares. Com base na inervação e propriedades
funcionais foram definidos dois tipos de células musculares lisas. O músculo tipo unitário, ou de
unidades simples, do que é exemplo o tecido muscular liso do intestino, possui poucas
terminações nervosas mas é extremamente rico em “nexus” intercelulares, e as miofibrilhas
encontram-se dispersas por todo o citoplasma (11,12). As contracções musculares são neste caso
de origem miogénica, e o músculo unitário responde sobretudo ao estímulo mecânico provocado
pelo estiramento. A sua actividade é no entanto modulada e coordenada por influências nervosas
(13). Por outro lado, os músculos de tipo unidades múltiplas, como o músculo pupilar, contém
terminações nervosas que alcançam praticamente todas as células. Os “nexus” ou “gap
junctions” são menos abundantes, e as miofibrilhas localizam-se especialmente à periferia da
célula. Neste tipo muscular as contracções têm uma origem predominantemente neurogénica
(13).
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Actas Bioq. 1989; 1:161-171 161
PARTICULARIDADES DA ELECTROFISIOLOGIA DO MÚSCULO LISO POTENCIAIS DE
MEMBRANA, POTENCIAIS DE ACÇÃO E JUNÇÃO NEURO-MUSCULAR.
L. Silva Carvalho
Instituto de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Lisboa
SUMÁRIO
O Autor começa por rever as características electrofisiológicas do
músculo estriado, apresentando as bases iónicas dos seus potenciais de
repouso e acção. Apresenta a classificação dos músculos lisos segundo Bozler.
Trata depois separadamente a electrofisiologia do músculo liso visceral
(unitário) e vascular (multiunitário). Relativamente ao primeiro, começa por
referir os valores do potencial de repouso. Em seguida, são abordadas as
ondas lentas, e os potenciais de acção "em flecha" e com plateau, e
apresentadas as bases iónicas destes potenciais. É igualmente referida a
condução da actividade eléctrica ao longo do músculo liso visceral,
relacionando-a com a presença de "vias" de baixa resistência entre células
adjacentes. Em relação ao músculo liso vascular, aborda sucessivamente os
potenciais de repouso, acção e suas bases iónicas. São realçadas as
semelhanças e diferenças com o músculo liso visceral. Finalmente, revê a
junção neuroefectora no músculo liso, procurando correlacionar os aspectos
morfológicos e electrofisiológicos.
INTRODUÇÃO
A compreensão das particularidades electrofisiol6gicas do músculo liso torna-se mais
fácil quando apresentadas em comparação com as de um modelo mais estudado e conhecido - o
músculo esquelético. Nesta breve apresentação são sucessivamente abordados: I - Características
electrofisiológicas do músculo esquelético; II - Classificação do músculo liso; III -
Características electrofisiológicas do músculo liso visceral; IV - Características fisiológicas do
músculo liso multi-unitario; V - Canais de cálcio activados por receptores; VI - Aspectos
electrofisiológicos da transmissão neuro-muscular no músculo liso.
Palavras-chave: Músculo liso, potenciais de membrana, potenciais de acção, junção neuro-
muscular
SILVA CARVALHO L.
162
I - Características electrofisiológicas do músculo esquelético
Como e do conhecimento geral (1), na célula muscular esquelética em repouso existe
uma diferença de potencial de cerca de -90mv sendo o interior, negativo em relação ao exterior.
Esta diferença pode ser medida com um dispositivo em que um voltímetro ou um osciloscópio
compara o potencial de dois eléctrodos (um microelétrodo e um eléctrodo de referência). Quando
ambos estão colocados perto da face externa da membrana celular, o voltímetro não regista
nenhuma diferença do potencial. Quando o microeléctrodo é introduzido na célula, o voltímetro
acusa uma diferença de potencial entre os dois eléctrodos estando o microeléctrodo negativo em
relação ao eléctrodo extra-celular. Esta diferença de potencial que se verifica na célula na
ausência de qualquer estímulo chama-se potencial de repouso. Este deve-se à diferente
distribuição de iões de um lado e doutro da membrana, e à diferente permeabilidade da
membrana celular para os iões. A observação de um esquema de uma pequena extensão da
membrana celular (Fig. I), permite notar: que o interior é rico em potássio e pobre em sódio, ao
inverso do que acontece no exterior; bem como a presença junto à membrana, do lado de dentro,
de aniões proteicos, e do lado de fora um número igual de iões de potássio. Pelo seu tamanho, os
aniões proteicos, ao contrário do potássio, sódio e cloro, não podem atravessar a membrana.
Esses 6 pares de iões cujo número é insignificante relativamente ao número total de iões
presentes na sua proximidade, são no entanto suficientes para criar o potencial de repouso.
FIGURA I
Distribuição de cargas na membrana celular durante o potencial de repouso. As
setas indicam efluxo de potássio (segundo Schmidt)
ELECTROFISIOLOGIA DO MÚSCULO LISO
Actas Bioq. 1989; 1:161-171
163
A contribuição de cada ião para o potencial de repouso é representada pela equação de Goldman:
E = RT . ln ___________________________________________________
em que R é a constante dos gases, T a temperatura absoluta. O facto de a membrana, ser muito
mais permeável ao potássio que ao sódio faz com que o primeiro ião contribua de forma mais
importante para o potencial de repouso. Este aproxima-se na verdade do potencial de equilíbrio
para o potássio. Recordemos que o potencial de equilíbrio para o potássio, calculado pela
equação de Nernst, é cerca de - 90 mv. (interna negativo relativamente ao exterior), e o calculado
para o sódio é de + 40 mv. (interior positivo relativamente ao exterior). O potencial de repouso
do músculo esquelético permanece constante se a célula não for estimulada. A bomba de sódio e
potássio é responsável pelas diferentes concentrações destes iões do lado de dentro e de fora da
membrana celular, mas ela é, em si, electroneutra, ou seja, em condições normais o número de
cargas eléctricas que transporta para fora da célula, idêntico ao que transporta em sentido
contrário.
Quando à célula é aplicado um estímulo de intensidade e duração suficiente, ou seja, um
estímulo eficaz, toda esta situação se altera (Fig. II), tornando-se o interior rapidamente menos
negativo, depois positivo retornando rapidamente em seguida as condições eléctricas à situação
inicial.
FIGURA II
Em cima: registo do potencial de acção numa fibra muscular esquelética. Em
baixo: registo da contracção isométrica da mesma fibra a qual sucede ao
potencial de acção.
Pk . [ K+] e P Na [ Na
+] e + PCl
- . [ Cl
-
]i
Pk . [ K+] i P Na [ Na+] i + PCl- . [ Cl-]e
SILVA CARVALHO L.
164
Esta alteração brusca do potencial transmembranar que representa a resposta de um
tecido excitável a um estímulo eficaz, chama-se potencial de acção. Nele existem duas fases: a
primeira (perda rápida da negatividade interior seguida de inversão da polaridade) é a
despolarização; a segunda (recuperação da negatividade normal do interior) chama-se
repolarização. Um potencial de acção que tem uma forma estreita e alta, em que a despolarização
e repolarização se processam rapidamente, chama-se potencial em flecha ou spike". Nos
músculos esqueléticos de tipo fásico, é necessário que ocorra um potencial de acção para que
exista contracção.
As bases iónicas (2), (3), do potencial de acção podem ser esquematicamente resumidas
do seguinte modo (Fig. III): quando o potencial transmembranar se aproxima do limiar de
excitação há uma abertura dos canais rápidos de sódio, e o consequente aumento da
permeabilidade ao sódio, o qual é independente do estímulo, e é designado por excitação.
FIGURA III
Representação de um potencial de acção e das variações de condutância da
membrana para o sódio e o potássio que estão na sua base.
De acordo com a equação de Goldman, tal significa que o sódio passa a ser o principal
ião determinante do potencial transmembranar. Como o potencial de equilíbrio para o sódio é
atingido com o interior celular positivo em relação ao exterior, o aumento da permeabilidade ao
sódio traduz-se pela inversão do potencial transmembranar. Perto do cume do potencial de acção
dá-se a inactivação do mecanismo do sódio. Enquanto este estiver inactivado é impossível
provocar outro potencial de acção. São assim explicados os períodos refractários absolutos e
relativos. A repolarização deve-se ao aumento da permeabilidade ao potássio, ou seja, à saída de
potássio do interior da célula. Quando se recupera o potencial de repouso há pequenas diferenças
iónicas relativamente à situação inicial, já que entrou sódio e saiu potássio. A recuperação das
condições iónicas de repouso deve-se à reentrada em actividade da bomba de sódio-potássio.
ELECTROFISIOLOGIA DO MÚSCULO LISO
Actas Bioq. 1989; 1:161-171
165
II - Classificação do músculo liso
Em 1941, Bozler (4) propôs uma classificação do músculo liso, o qual dividiu em unitário
(visceral) e multiunitário. Os músculos lisos unitários são caracterizados fisiologicamente por
actividade eléctrica espontânea, ou seja, pela capacidade de gerarem em si o estímulo que leva à
sua contracção e por se comportarem como um sincício funcional. Neste tipo de músculo
existem áreas pacemakers onde se gera o estímulo que depois é conduzido às outras células
através de zonas de contacto de baixa resistência eléctrica. O músculo liso multiunitário não
apresenta actividade eléctrica espontânea; é activado em mais de uma região por nervos motores,
e está organizado sob a, forma de unidades motoras. Unidades motoras menos definidas, mais
difusas e de limites menos nítidos que os das unidades motoras dos músculos esqueléticos. São
exemplos do músculo liso visceral ou unitário, os do tacto gastro-intestinal, o útero; e de
músculo liso multi-unitário, os músculos pilo-erectores, ciliares, "íris", membrana nictitante e
vasos sanguíneos de grande calibre. Esta classificação, cómoda e hoje muito aceite, não deve ser
encarada como rígida. Assim, os músculos dos canais deferentes que são normalmente activados
pelos seus nervos extrínsecos, quando colocados num banho de órgãos tornam-se
espontaneamente activos, e algumas arteríolas apresentam actividade auto-rítmica.
III - Músculo liso visceral
Entre 1938 e 1948, Bozler (4), (5) realizou uma série de trabalhos que representaram o
ponto de partida dos nossos conhecimentos actuais sobre o músculo liso. Aquele autor registou,
com eléctrodos extracelulares, a actividade eléctrica em músculo liso visceral, e relacionou-a
com a actividade mecânica observada. As contracções espontâneas que observava
periodicamente na sua preparação, eram precedidas por salvas de potenciais de acção. Estas
observações foram confirmadas pelo uso de microeléctrodos (6). Com estes, foi possível registar
o potencial transmembranar na ausência de estímulos externos. Verificou-se que nestas
condições, e ao contrário do que acontece no músculo esquelético, aquele não é estável, antes
varia espontaneamente entre - 55 e - 60 mv. Nestas condições é difícil definir potencial de
repouso no músculo liso visceral. Existe um ritmo básico de variação do potencial
transmembranar denominado de ondas lentas. (Fig. IV). Esse ritmo é diferente de tecido para
tecido. É muito nítido na camada longitudinal dos músculos intestinais e no miométrio durante o
parto. Nestas condições considera-se potencial de repouso o valor máximo (mais negativo)
atingido pelo potencial transmembranar entre períodos de actividade. Assim, o potencial de
repouso de um músculo liso visceral difere do músculo esquelético em dois aspectos: é menos
negativo e é mais lábil. Algumas áreas (grupo de células), de um músculo liso visceral
apresentam em sobreposição a esta actividade rítmica, outra mais rápida e localizada, os pré-
potenciais, cuja forma é semelhante à dos observados no músculo cardíaco.
Quando uma célula atinge o limiar de excitação, surge um potencial de acção, o qual
precede a contracção. Esquematicamente podemos dizer que as ondas lentas aproximam e
afastam, periodicamente, o potencial transmembranar do limiar de excitação. Quando o potencial
transmembranar está mais próximo do limiar de excitação, os pré-potenciais existentes em
células pacemakers levam ao aparecimento de potenciais de acção. Assim, as ondas lentas
determinam o intervalo entre as contracções, e os pré-potenciais a frequência dos, potenciais de
acção, e consequentemente a força e duração de cada contracção.
SILVA CARVALHO L.
166
FIGURA IV
A - Potencial de acção provocado no músculo liso por um estímulo externo. B
- Série de potenciais de acção associados à ocorrência espontânea de ondas
lentas nos músculos lisos da parede intestinal.
Os potenciais de acção que surgem nas áreas pacemakers parecem propagar-se às outras
células através de zonas de contacto entre elas, que apresentam uma baixa resistência eléctrica
(7). A presença de um potencial de acção de um lado dessa "barreira" de baixa resistência,
provocará uma alteração do potencial do outro lado, a qual atinge o valor suficiente para
desencadear um potencial de acção. Portanto a transmissão de um potencial de acção de uma
célula a outra do músculo liso visceral parece dar-se pelo desencadear de potenciais electrónicos
de amplitude suficiente para excitarem a célula. Esta hipótese é apoiada por experiências (8) em
que era introduzida numa célula um microeléctrodo através do qual se injectava corrente. Outros
microeléctrodos de registo, colocados em células vizinhas a diferentes distâncias, permitiram
verificar que o sinal eléctrico registado diminuía exponencialmente com a distância à célula
estimulada, o que é próprio de um potencial electrotónico.
a) Bases iónicas do potencial de repouso.
A relação entre as permeabilidades ao sódio e ao potássio é maior no músculo liso
visceral que no esquelético, ou seja, na equação de Goldman a importância relativa na génese do
potencial transmembranar, do sódio é maior no músculo liso visceral que no esquelético (10,16 e
0,01 respectivamente) (7). É de esperar, assim, que o potencial de repouso se afaste mais do
potencial de equilíbrio para o potássio no primeiro (músculo liso visceral) que no segundo
músculo esquelético), aproximando-se mais do potencial de equilíbrio para o sódio. Com efeito,
o potencial de repouso atrás referido para o músculo liso visceral foi de - 60 mv e para o
esquelético - 80 mv.
ELECTROFISIOLOGIA DO MÚSCULO LISO
Actas Bioq. 1989; 1:161-171
167
As flutuações do potencial transmembranar do músculo liso visceral, em contraste com o
potencial de repouso estável do músculo esquelético, tem sido explicado pelas diferenças entre
as bombas de sódio-potássio dos dois tipos de músculo. Assim, foi referido que a do músculo
esquelético funcionava de forma electroneutra, ou seja, por si só ela não contribuía para a
negatividade do interior celular. No músculo liso visceral ela parece ser electrogénica, isto é,
transporta para o exterior da célula mais cargas positivas do que as que transporta em sentido
inverso, contribuindo deste modo, pelo simples facto de funcionar, para a negatividade do
interior da célula (9). Outra característica desta bomba do músculo liso visceral parece ser
flutuações no seu funcionamento, não trabalhando sempre com a mesma intensidade. Estas
flutuações de funcionamento, de causa não conhecida, explicariam as variações em repouso do
potencial transmembranar.
b) Bases iónicas do potencial de acção
No músculo estriado, a despolarização rápida que se observa no potencial de acção é
devida à entrada rápida do sódio, e a repolarização à saída do potássio. No músculo liso visceral,
existe uma diferença importante quanto a base iónica da fase de despolarização do potencial de
acção, já que neste tipo de músculo essa fase depende do sódio e do cálcio, e a contribuição
relativa destes dois iões varia de um tipo muscular para outro. (6), (10). Assim, no músculo da
camada longitudinal do intestino, a velocidade de subida (despolarização) do potencial de acção
e a sua amplitude não são modificados pela alteração da concentração do sódio extracelular, mas
ambas diminuem acentuadamente com pequenas reduções na, concentração extracelular de
cálcio. Por outro lado, no músculo liso do útero, tanto a redução das concentrações de sódio
como de cálcio provocam diminuições da amplitude do potencial de acção e da velocidade de
despolarização.
IV - Características electrofisiológicas do músculo liso multi-unitário.
Dos vários exemplos possíveis para ilustrar o comportamento do músculo liso multi-
unitário, usaremos o músculo liso da parede de grandes vasos. Este músculo não apresenta
actividade eléctrica espontânea e o seu potencial transmembranar é estável na ausência de
qualquer estímulo (11). Existe pois um potencial de repouso verdadeiro, tal como no músculo
esquelético. O valor desse potencial é porém cerca de - 50 mv, mais próximo portanto do
verificado no músculo liso visceral, o que é explicável pela relação entre a permeabilidade
relativa da membrana para o sódio e para o potássio (0,38) a qual é ainda maior que no músculo
liso multi-unitário. Apesar deste baixo valor do potencial transmembranar de repouso, o músculo
liso visceral não apresenta actividade espontânea. A causa não é ainda completamente
conhecida, mas parece relacionar-se com um aumento marcado da permeabilidade do músculo
liso vascular para o potássio quando o potencial se aproxima dos - 40 mv (11), (12). Com efeito,
um estímulo eléctrico que despolarize a membrana, do músculo liso vascular dificilmente
provoca um potencial de acção. O aumento da saída de potássio, à medida que a membrana,
despolariza, contraria este efeito e tende a impedir o potencial de acção. Experiências com a
artéria do ouvido do coelho parecem apoiar esta hipótese (13). O músculo desta, artéria
comporta-se como músculo multi-unitário, mas na presença de um inibidor das correntes de
saída de potássio, como a procaína ou o TEA, apresenta actividade eléctrica espontânea.
SILVA CARVALHO L.
168
Os potenciais de acção observados em vasos de grande calibre como resultado da
estimulação do nervo que com eles entra em contacto, são insensíveis à tetrodoxina e muito
sensíveis ao verapamil, o que indica serem devidos principalmente a uma entrada de cálcio (14).
A importância fisiológica desta forma de activação do músculo liso vascular (acompanhada de
potenciais de acção), não é ainda clara.
V - Canais de cálcio activados por receptores.
Como é do conhecimento geral, o cálcio é essencial para a contracção dos músculos
esquelético e liso. Dado o pequeno desenvolvimento do seu retículo sarcoplasmático, o cálcio
necessário para a contracção deste último provém em grande parte do meio extracelular. Nesta
breve revisão, temos referido a entrada de cálcio associada à despolarização no potencial de
acção, ou seja, entrada de cálcio através dos canais voltagem dependentes. Existem porém outros
canais de cálcio activados por receptores, o que é exemplificado pela acção da noradrenalina na
artéria do ouvido do coelho, a qual provoca vasoconstricção sem alteração do potencial
transmembranar (13). Admite-se, (14) (15), que os agonistas ao ligarem-se aos receptores
provoquem duas acções independentes: primeiro, a libertação do cálcio intracelular, e em
seguida, a abertura dos canais de cálcio com a entrada deste ião. Estes canais comandados por
agonistas são menos sensíveis à nifedipina e ao D 600 que os voltagem dependentes.
VI - Aspectos electrofisiológicos da transmissão neuromuscular no músculo liso.
As duas preparações que tem sido mais extensamente estudadas (16), (17), são as do
nervo hipogástrico - canal deferente e nervo - músculo intestinal, tendo esta a particularidade de
o músculo receber uma dupla inervação, simpática e parassimpática, enquanto os canais
deferentes são inervados apenas pelo simpático
A introdução de um microeléctrodo numa célula (em qualquer célula) do músculo liso do
canal deferente permite registar um potencial estável de cerca de - 65 mv. Nestas condições, a
estimulação repetida do nervo hipogástrico com estímulos de 1 ms de duração, provocará
despolarizações localizadas (uma por cada estímulo) (Fig. V). O aumento da frequência de
estimulação leva à somação destes potenciais individuais atingindo o potencial transmembrana, o
valor de - 35 mv. e surgindo então um potencial de acção. Estas pequenas despolarizações
localizadas, produzidas por cada estímulo, são denominadas potenciais excitatórios de junção, e
são o análogo a nível do músculo liso dos potenciais de placa da junção neuro-muscular do
músculo esquelético. O tratamento prévio da preparação com fentolamina, impede que a
estimulação do nervo hipogástrico desencadeie potenciais excitatórios de junção, apoiando a
hipótese de que eles sejam devidos à libertação de noradrenalina pelas terminações nervosas, e a
subsequente ligação destes neurotransmissores a receptores pós-simpáticos musculares. Na
ausência de qualquer estimulo nervoso, os microeléctrodos colocados no interior das fibras
musculares, registam pequenos potenciais que tem sido interpretados como análogos dos
potenciais mínimos de placa observados no músculo esquelético. Outra preparação que tem sido
muito usada para estudo da electrofisiologia da junção neuromuscular no músculo liso, é o
músculo da camada longitudinal do cólon do coelho. É possível estudar nessa preparação os
efeitos da estimulação parassimpática e simpático. A estimulação do parassimpático, a qual
provoca a libertação da acetilcolina leva ao aparecimento de potenciais excitatórios de junção.
Com frequência adequada estes potenciais somam-se e a despolarização é suficiente para atingir
ELECTROFISIOLOGIA DO MÚSCULO LISO
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169
o limiar de excitação da fibra muscular, surgindo então um potencial de acção. O estudo doe
potenciais excitatórios de junção é mais complicado nesta preparação do que na do canal
diferente, já que por um lado, o intestino apresenta actividade eléctrica espontânea, e por outro,
os movimentos a que esta actividade dá origem provocam deslocamento dos microeléctrodos, o
que torna difícil mantê-los durante muito tempo no interior da célula em estudo. Esta preparação
permite, porém, estudar o efeito dos nervos inibitórios sobre o músculo liso. A distensão de um
músculo liso visceral, provoca a diminuição do seu potencial transmembranar, o qual se
aproxima do limiar de excitação. Nesta condição, a frequência de potenciais de acção aumenta, e
se a distensão for adequada, torna-se contínua. A estimulação, então, das fibras simpáticas que
inervam o músculo, provoca a hiperpolarização da membrana celular e o desaparecimento da
descarga continua de potenciais de acção provocada pela distensão prévia. Esta hiperpolarização
é impedida, por bloqueadores adrenérgicos. Foi ainda esta preparação que permitiu observar
potenciais inibitórios de junção. Os nervos intramurais, os que existem entre as camadas
musculares, quando activados com pulsos de corrente de curta duração (inferior a 1 ms),
provocam o aparecimento de hiperpolarizações localizadas, as quais se somam para produzirem
hiperpolarização e desaparecimento de potenciais de acção. Estes potenciais inibitórios não são
impedidos pelo bloqueio adrenérgico e consideram-se actualmente mediados por nervos
purinérgicos.
FIGURA V
Efeito da estimulação repetitiva do nervo hipogástrico sobre o potencial
transmembrana de uma fibra muscular lisa isolada do canal deferente de cobaia
(segundo Burnstock e Holman).
SILVA CARVALHO L.
170
SUMMARY
The main aspects of the electrophysiology of skeletal muscle are
reviewed as well as the ionic basis of resting and action potentials. Bozler's
classification of smooth muscle as unitary or multi-unitary is referred. The
electrophysiological aspects of the two groups are reviewed in separate: first,
the ionic basis of resting potential, slow waves, prepotential and spikes in
unitary muscles; then, the ionic basis of resting and action potentials in arterial
smooth muscle. Neuroeffector junctions in smooth muscle are briefly
reviewed.
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ELECTROFISIOLOGIA DO MÚSCULO LISO
Actas Bioq. 1989; 1:161-171
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Actas Bioq. 1989, 1:173-177 173
ASPECTOS MICROSCÓPICOS DO TECIDO MUSCULAR CARDÍACO
R. Trindade dos Anjos
Departamento de Histologia e Embriologia da Faculdade do Ciências Médicas do Lisboa,
Universidade Nova do Lisboa
SUMÁRIO
O miocárdio é formado por células musculares estriadas, envolvidas por
um fino tecido conjuntivo, com uma extensa rede capilar. As células
musculares cardíacas são ramificadas, com os núcleos localizados no centro
da célula. O sarcoplasma contém miofibrilhas, com estriação transversal
semelhante a do músculo esquelético. Tal como neste, a estriação é
determinada pela organização dos miofilamentos, verificando-se igualmente a
existência de bandas A, bandas I e Linhas 7. Feixes de filamentos de uma
miofibrilha tornam-se por vezes confluentes com os de outra, não existindo
portanto no músculo cardíaco uma demarcação tão bem definida entre as
miofibrilhas como no músculo esquelético. As miofibrilhas divergem na
proximidade do núcleo, deixando zonas livres de sarcoplasma em cada um dos
polos nucleares, extremamente ricas em mitocôndrias. Estas distribuem-se
igualmente ao longo das miofibrilhas, formando filas contínuas. O retículo
sarcoplasmático, de disposição longitudinal, é menos complexo do que o do
músculo esquelético. As invaginações tubulares da membrana plasmática, ou
sistema T, (menos numerosas mas de maiores dimensões do que as do sistema
análogo do músculo esquelético), distribuem-se transversalmente ao longo da
linha Z. As células musculares cardíacas estão unidas entre si pelos discos
intercalares, junções complexas que podem adoptar a forma de macula ou
fascia quer do tipo “adherens” quer do tipo “occludens”. As junções do tipo
“occludens” constituem os chamados “nexus”, com um estreito espaço
intercelular, pelo que são por vezes descritas corno “gap junctions”. Estes
últimos são locais de baixa resistência eléctrica, que constituem a base
estrutural da transmissão eléctrica intercelular.
Palavras-chave: Músculo, miofibrilha, discos intercalares
TRINDADE DOS ANJOS R.
174
O tecido muscular cardíaco é constituído por células estriadas, de forma cilíndrica, com
duas ou mais ramificações. Reúnem-se entre si por junções intercelulares especializadas, adiante
descritas.
Cada célula muscular cardíaca tem cerca de 100 m de comprimento por 15 m de
diâmetro. A membrana celular ou sarcolema é revestida por uma membrana basal, tal corno no
músculo esquelético. Também no músculo cardíaco as células apresentam miofibrilhas com uma
distribuição semelhante (embora sejam de assinalar algumas diferenças) (1).
As miofibrilhas são mantidas relativamente alinhadas no sarcoplasma através de
filamentos e microtúbulos do citoesqueleto, que estabelecem ligações entre as linhas Z de
miofibrilhas adjacentes (2). Estas linhas, que delimitam os sarcómeros, constituem o local onde
terminam e se interdigitam os filamentos finos das bandas I adjacentes. Nas linhas Z existem
elementos filamentares secundários que reúnem entre si os miofilamentos finos (3).
Tal como no músculo esquelético, as bandas A, de densidade elevada, possuem
filamentos espessos que se cruzam na sua porção mais extrema com filamentos finos, de modo
que cada filamento espesso se encontra rodeado de seis filamentos finos, emitindo na sua
direcção pequenas projecções filamentares (cabeças do filamento espesso) (4). No centro da
banda A observa-se também uma zona de menor densidade, a banda H, e na sua porção média
uma linha M, que reúne os filamentos espessos.
No músculo cardíaco ao contrário do músculo esquelético, as miofibrilhas têm disposição
mais irregular, ramificando-se frequentemente de tal forma que feixes do miofibrilhas ou mesmo
sarcómeros inteiros de uma miofibrilha se tornam confluentes com os de outra miofibrilha
adjacente (5).
FIGURA 1
Secção longitudinal de músculo cardíaco. O núcleo encontra-se em posição
central. As miofibrilhas estão organizadas cm sarcómeros, e o citoplasma
contém grande número de mitocôndrias. (X 12.000). Retirado do Ferrans (2).
MICROSCOPIA DO MÚSCULO CARDÍACO
Actas Bioq. 1989; 1:173-177
175
O núcleo celular apresenta uma localização central característica, entre as miofibrilhas.
Tem um diâmetro variável, que por vezes chega a alcançar metade da largura da célula. O núcleo
está delimitado pela membrana nuclear (com um folheto interno e um folheto externo)
interrompida por alguns poros nucleares, e que está directamente relacionada com as estruturas
tubulares do retículo sarcoplasmático. A forma do núcleo varia consoante o estado contráti1 da
célula, e durante a contracção as membranas nucleares tornam-se irregulares, com invaginações
(6). As membranas nucleares ligam-se através de filamentos do citoesqueleto às linhas Z das
miofibrilhas, e estão envolvidas por uma rede de microtúbulos do sarcoplasma (7). Todas estas
estruturas tendem a manter o núcleo na sua posição, e levam a alteração da sua forma, com as
modificações do estado contráctil.
As mitocôndrias são ovóides ou alongadas, em número maior do que nos outros tipos do
células musculares e apresentam numerosas cristas e grânulos densos no seu interior. Encontram-
se sobretudo ao longo das miofibrilhas, mas também adjacentes ao sarcolema e na zona
perinuclear.
Em cada pólo nuclear existe uma zona de citoplasma livre de miofibrilhas. Para além do
grande número de mitocôndrias, esta região possui um aparelho do Golgi de pequenas
dimensões, partículas do glicogénio, gotículas lipídicas e lisossomas (8). Com a idade,
acumulam-se progressivamente grânulos do lipofuscina.
Os túbulos T são invaginações da membrana plasmática, dispostas a nível da linha Z,
entrando profundamente na célula, para se relacionarem com estruturas do retículo
sarcoplasmático. Embora menos numerosos do que no músculo esquelético, os túbulos T são
muito mais largos no coração, permitindo mesmo que a lâmina basal da superfície celular
penetre no sou interior e revestindo a sua superfície interna.
FIGURA II
Representação esquemática de uma célula muscular cardíaca. Estão indicados:
l- cisterna terminal; 2- retículo livre; 3- mitocôndria; 4- túbulo T; 5- linha Z.
TRINDADE DOS ANJOS R.
176
O retículo sarcoplásmico, menos abundante e elaborado do que no músculo esquelético, é
composto sobretudo por retículo liso, não associado a ribossomas. Foram descritos três
componentes distintos: o retículo sarcoplásmico livre, funcional e funcional alargado (9). O
retículo livre forma uma rede extensa que se anastomosa ao longo de todo o sarcómero, o não
apenas a nível da linha M (10). O retículo funcional é composto do dilatações saculares, as
cisternas terminais, que possuem um conteúdo granular electrono-denso. O retículo funcional
relaciona-se intimamente com o sarcolema, quer a nível da superfície celular quer ao nível dos
túbulos T. A associação destes últimos túbulos com uma cisterna terminal constitui as chamadas
„díades”. O retículo funcional alargado é constituído por estruturas que embora possuam as
características do retículo funcional não estão em contacto com o sarcolema ou os seus
prolongamentos.
O músculo auricular apresenta as mesmas características gerais do músculo ventricular,
descrito anteriormente. No entanto as células auriculares possuem menor diâmetro, contendo
maior número do mitocôndrias. Os túbulos T a nível auricular são raros, e podem mesmo não
existir, sendo nestas células preponderante o retículo funcional alargado. Nas células auriculares
há ainda grânulos de elevada densidade, dispersos no citoplasma em número variável, contendo a
chamada hormona auricular natriurética.
As células musculares cardíacas estão unidas entre si por junções intercelulares
particulares, denominadas discos intercalares. Nestes locais existem especializações quer da
membrana quer do sarcoplasma adjacente. Os discos dispõem-se entre duas fibras segundo um
padrão em degrau, com porções transversais e longitudinais sucessivas. Nas zonas transversais, a
membrana apresenta um aspecto ondulado, e o sarcoplasma adjacente contém zonas densas do
material filamentoso, semelhante às linhas Z, onde se vão inserir as porções terminais das
miofibrilhas (11). As junções intercelulares a este nível são do tipo “macula adhaerens” ou
desmossomas, e quando mais extensas constituem as “fascia adhaerens”. No seu conjunto estas
junções são responsáveis pela firme coesão intercelular do músculo cardíaco. As porções
longitudinais dos discos intercalares apresentam junções intercelulares do tipo "zónula
occludens” ou "macula occludens”. Estes dois tipos de junções constituem os chamados nexus,
ou „gap junctions”, por apresentarem um estreito espaço intercelular, do 18 a 40 Å (12). Possuem
resistência eléctrica muito baixa, e constituem a base estrutural de transmissão eléctrica
intercelular.
Entre as células musculares existe um tecido conjuntivo rico do fibras reticulares e de
colagéneo, e que corresponde ao endomísio do músculo esquelético, embora mais irregular, dado
o padrão complexo de anastomoses intercelulares. Envolvendo feixes de células musculares há
tecido conjuntivo com fibras elásticas, formando o equivalente ao perimísio esquelético. Estes
tecidos apresentam um extenso plexo dos capilares sanguíneos, além dos ramos das artérias
coronárias e veias cardíacas. Aí existem também pequenos ramos nervosos, provenientes do
sistema vegetativo. Ao nível da junção atrioventricular o tecido conjuntivo é particularmente
denso, formando o chamado esqueleto fibroso do coração.
As células do tecido cardio-nector são células cardíacas com características particulares
(13). As células nodais são pequenas, mas as do feixe atrioventricular possuem habitualmente
grandes dimensões. Estas últimas, também designadas células de Purkinje, não possuem túbulos
T o têm grandes quantidades do glicogénio no seu sarcoplasma. As miofibrilhas dispõem-se à
periferia da célula o são pouco numerosas (14).
MICROSCOPIA DO MÚSCULO CARDÍACO
Actas Bioq. 1989; 1:173-177
177
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Actas Bioq. 1989; 1:179-187 179
PERIODOS REFRACTÁRIOS
A. LONGO
Unidade de Tratamento Intensivo para Coronários (UTIC Arsénio Cordeiro), Hospital de Santa
Maria, 1600 Lisboa, Portugal
SUMÁRIO
Definem-se os períodos refractários cardíacos em electrofisiologia celular e
clínica e as suas variações nas várias estruturas do coração. Descrevem-se as
causas que determinam o seu aumento ou diminuição nomeadamente a
frequência cardíaca, o potássio e os fármacos.
Quando estimulamos electricamente uma célula cardíaca obtemos um potencial de acção (PA)
semelhante ao que esquematicamente está representado na figura 1 em cima (A) e à esquerda.
Em cima e à direita estão representados os PA obtidos por estímulos de prematuridade crescente.
A amplitude e a Vmax das respostas estão relacionadas com o valor do potencial de membrana
na altura da estimulação. As respostas aos estímulos mais prematuros (a e b) tem origem a baixos
potenciais de membrana e tem uma amplitude tão pequena e uma subida tão lenta que não se
propagam as células vizinhas. A resposta propagada mais precoce (c) define o fim do período
refractário efectivo (PRE).
Na figura 1 em baixo (B) e à esquerda estão representadas as intensidades mínimas do
estímulo necessário para obter respostas. Essa intensidade é constante durante a fase de repouso.
Perto do final da fase 3 do PA existe um curto período em que a membrana responde a estímulos
mais baixos e se denomina período super-normal (PSN). Este período é antecedido por outro em
que para se obter respostas são precisos estímulos de intensidade crescente, e se denomina
período refractário relativo (PRR).
Segue-se o período refractário absoluto (PRA), durante o qual a membrana não responde
qualquer que seja a intensidade do estímulo (2).
Os PA e os períodos refractários (PR) são diferentes nas várias estruturas cardíacas. Na
figura 2 estão esquematizados sequencialmente os vários PA que se podem registar do nó sinusal
ao miocárdio ventricular. (2).
Palavras-chave: Períodos refractários, potencial de acção
LONGO A.
180
FIGURA 1
A - Intensidade das respostas; B - Intensidade dos estímulos; PSN - Período
super normal; PRP Período refractário relativo; PRA - Período refractário
absoluto; PRE - Período refractário efectivo; PRT - Período refractário total;
TRT Tempo de recuperação total; PL - Potencial limiar; PR - Potencial de
repouso.
Os PA de major duração registam-se a nível dos ramos e das ramificações de Purkinje.
Os períodos refractários variam no mesmo sentido.
Em electrofisiologia clínica os períodos refractários são determinados de maneira
diferente (1). Por um lado, não se utilizam habitualmente estímulos limiares, o que poderia levar
a resultados aleatórios e, por outro, não se pesquisa o PRA pois para isso era necessário
empregar estímulos com energia que podia ser perigosa.
Se colocarmos electrocateteres em sítios determinados no coração, podemos decompor a
condução em vários níveis e estudar as propriedades das várias estruturas que compõem o tecido
excito-conductor.
Na figura 3 está representada a recolha em simultâneo dos potenciais do ECG periférico,
dum electrocateter colocado na parte alta da aurícula direita e doutro na transição aurículo-
ventricular. Com este último recolhem-se os potenciais da parte baixa da aurícula, do feixe de
His e do ventrículo. Da conjugação dos vários traçados podemos decompor o tempo de condução
A-V (intervalo P-R), neste caso de 175 ms, nos tempos de condução intra-auricular (intervalo P-
A), nodal aurículo-ventricular (intervalo A-H), e His-Purkinje (intervalo H-V).
PERÍODOS REFRACTÁRIOS
Actas Bioq. 1989; 1:179-187
181
FIGURA 2
Representação esquemática do tecido excito-condutor (A) e respectivos
potenciais de acção e do ECG periférico resultante (B). As letras representam:
a) nódulo sinusal; b) feixe de Bachmann; c) miocárdio auricular; d) nódulo MV;
e) feixe de His; f) ramos; g) fibras de Purkinje; h) fibras de Purkinje terminal; i)
miocárdio ventricular.
FIGURA 3
Registos simultâneos de derivações bipolares (BE) da aurícula direita alta
(HRA), da zona do feixe de His (BH) e de 3 derivações (L-1, aVF e V1) do
ECG periférico. P - Deflexão correspondente à activação da parte alta da
aurícula; A - Deflexão correspondente à activação da parte baixa da aurícula;
BH - Deflexão correspondente à activação do feixe de His.
LONGO A.
182
Se estimularmos uma estrutura cardíaca - figura 4 - com um estímulo eficaz (S1)
obteremos uma resposta (R1). Se passado certo tempo emitirmos outro estímulo (S2) obteremos
outra resposta (R2). O intervalo de tempo entre S1 e R1 é igual ao entre S2 e R2 e o intervalo
S1-S2 é igual ao intervalo R1-R2. Se formos aproximando no tempo o S2 do S1 vamos obtendo
os mesmos resultados: os R1-R2 vão encurtando de igual modo que os S1-S2. A partir de
determinada altura, porém, e devido à prematuridade, aumenta o intervalo S2-R2 e agora o S1-
S2 é menor que o R1-R2.
FIGURA 4
PRR 500; PRF 480; PRE 450.
Continuando a aproximar o S2 do S2 em dado momento deixaremos de obter resposta ao
S2.
A partir do momento em que os R1-R2 são maiores que os S1-S2 entramos no PRR.
Define-se (1): PRR como o menor S1-S2 a que corresponde um R1-R2 do mesmo valor; PRE
como o menor S1-S2 com que se obtém respostas (R2); PRF como o mais curto intervalo entre
as respostas (R1-R2).
Estas relações podem ser expressas sob a forma dum gráfico - figura 5 - pondo em
abcissas os valores de S1-S2 e em ordenadas os de R1-R2.
Na figura 6 estão representadas 3 derivações do ECG periférico e o electrograma do feixe
de His. Se quisermos estudar os períodos refractários do nódulo A-V, vamos estimular a aurícula
com intervalos de acoplamento decrescentes e verificar o que acontece aos out-puts do sistema,
neste caso através dos intervalos H-H, quando fazemos variar os in-puts, neste caso as intervalos
A-A.
Na figura 7 representam-se as variações do H1-H2 (em ordenadas) em função dos A1-A2
(em abcissas) e a determinação dos respectivos períodos refractários do nódulo A-V (6).
PERÍODOS REFRACTÁRIOS
Actas Bioq. 1989; 1:179-187
183
FIGURA 5
Diagrama de correlação entre os intervalos S1-S2 e os intervalos R1-R2.Os
valores do PRE e do PRR determinam-se no eixo das abcissas e o do PRF no
das ordenadas.
FIGURA 6
DI, DIII, V1 e electrograma do feixe de His. O intervalo A-H é a medida do
tempo de condução intranodal
LONGO A.
184
FIGURA 7
Correlação entre os valores de A1-A2 e o do H1-H2 e determinação dos
períodos refractários do nódulo A-V.
Os potenciais de acção e OS períodos refractários são afectados por vários factores, dos
quais destacamos a frequência, os electrólitos e os fármacos.
Na tabela I apresentarmos as variações com a frequência dos PRE da aurícula, do nódulo
A-V e do ventrículo. Os PRE da aurícula, e do ventrículo decrescem francamente quando a
frequência aumenta. Os do nódulo A-V têm uma variação menos franca com ligeira tendência à
subida (1)
TABELA 1
VARIAÇÃO COM A FREQUÊNCIA DOS PRE DA AURÍCULA (A), DO
NÓDULO A-V (NAV) E DO VENTRÍCULO (V)
PERÍODOS REFRACTÁRIOS
Actas Bioq. 1989; 1:179-187
185
Nas figuras 8 e 9 representa-se a variação dos potenciais de acção com a caliémia. À medida que
o K sobe, diminuem a duração e a amplitude dos potenciais de acção. Quando o potássio desce,
aumenta a duração dos potenciais de acção. Os PR variam no mesmo sentido (5).
FIGURA 8
Representação esquemática dos potenciais de acção auriculares (A) e
ventriculares (V) e do EGG periférico, com a variação da caliémia. Os números
à esquerda representam o potencial transmembranar em mV e os de baixo os
valores do potássio em mEq/l.
FIGURA 9
Potenciais de acção, EGG e hipocaliémia
LONGO A.
186
A lista dos fármacos com acção nos potenciais de acção e nos períodos refractários é
muito extensa. Dentre eles destacam-se, pela sua importância neste contexto, os antidisrítmicos.
No quadro I figuram os mais importantes, dispostos em grupos segundo a classificação de
Vaughan Williams, modificados por Harrison.
QUADRO I
No quadro II apresentam-se as suas acções, de maneira esquemática. nos PA s nos PR
auriculares e ventriculares (3, 4).
QUADRO II
Os das classes Ia o III aumentam os PA s os PR, sendo mais acentuada a acção dos da
classe III nestes parâmetros.
Os das classes Ib e II encurtam-se ligeiramente ou não os modificam.
PERÍODOS REFRACTÁRIOS
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187
Os da classe Ic duma maneira geral não os modificam, embora estejam registados casos
na literatura de pequenos aumentos ou diminuições.
Os da classe IV não modificam as PA e os PR.
Nos PR do nódulo A-V as acções são as seguintes:
Classe Ia - aumento por efeito directo, diminuição por efeito vagolítico, geralmente
com predomínio deste último.
Classe Ib - aumento discreto ou nulo
Classe Ic e III - aumento por efeito directo.
Classe II - aumento, por efeito simpaticolítico e um pequeno efeito directo
Classe IV - aumento acentuado por efeito directo.
SUMMARY
Definitions of cardiac refractory periods are given. Their evaluation in cellular
and clinical electrophysiology and their variability in the different heart
structures are described. Factors that influence their duration (namely, heart
rats, potassium and drugs) are discussed.
BIBLIOGRAFIA
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S.A.E. Barcelona, 1983.
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Cardiac Arrhythmias. Their Mecanisms, Diagnosis, and Management. Mandel WJ (editor),
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3. SINGH, NB and MANDEL, WJ - Antiarrhythmic drugs: basic concepts of their actions. In
Cardiac Arrhythmias. Their Mecanism, Diagnosis and Management. Mandel WJ (editor), JB
Lippincott Company, Philadelphia 1980, pp 550-588.
4. SOMBERG, JC - New directions in antiarrhythmic drug therapy. Am. J. Card. 54:88-178,
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5. SURAWICZ, B - The interrelationship of electrolyte abnormalities and arrhythmias. In
Cardiac Arrhythmias. Their Mecanisms, Diagnosis, and Management. Mandel WJ (editor),
JB Lippincott Cornpany, Philadelphia, 1980, pp 83-106.
6. WU, D and DENES PE ROSEN, KM - Refractoriness of atrioventricular conduction. In His
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Company, Philadelphia, 1975, pp 95-103.
Actas Bioq. 1989; 1:189-193 189
BINÓMIO EXCITAÇÃO/CONTRACÇÃO-PARTICULARIDADESDE ACÇÃO DO CÁLCIO
E DE OUTROS IÕES
H. Bastos Machado
Departamento de Cardiologia da Faculdade de Medicina de Lisboa
SUMÁRIO
O Ca++
entrado na célula na fase 2 do potencial de acção induz a libertação de
novos iões Ca (cálcio regenerativo ou induzido) dos depósitos intracelulares.
Há difusão dos iões Ca no citoplasma onde se ligam à troponina C,
inactivando um inibidor da contracção muscular, dando origem à contracção.
Em repouso, a célula cardíaca está polarizada (o interior tem carga negativa cm relação
ao exterior). O espaço extracelular tem maior concentração de iões Na+ e Ca
++, sendo maior a
concentração de K+ intracelular.
Durante o “plateau’ da fase 2 do potencial de Acção (Fig. 1) há remoção de ides Ca++
intravascular e dos depósitos da membrana celular (glicocálice e sobretudo das invaginações que
formam o sistema tubular T, nas proximidades das linhas Z) e sua passagem através da abertura
dos canais lentos, para o citoplasma (Fig. 2). A concentração de Ca++
plasmático é então ainda
insuficiente para a activação do aparelho contráctil: contudo, estes iões que só difundiram no
interior da célula tem um primeiro papel importante como mediadores da contractilidade, uma
vez que vão libertar uma quantidade importante de Ca++
do depósitos intracelulares - retículo
sarcoplásmico (sobretudo das cisternas laterais as invaginações do sistema T) que constitui o
sistema longitudinal e, em menor quantidade, das mitocôndrias. Este Ca++
“induzido” ou
“regenerativo’, junto com o Ca++
que atravessou a membrana atinge uma concentração
citop1asmática 100 vezes superior à anterior à da despolarização da membrana celular, sendo
agora suficiente para activar o aparelho contráctil.
O aparelho contráctil é constituído por filamentos grossos e filamentos finos, que, vistos
em corte transversal, se dispõem geometricamente, ocupando um filamento grosso o centro do
um hexágono, em cujos vértices, se encontra um filamento fino (Fig.3). Assim, cada filamento
grosso está em relação com seis filamentos finos, e cada filamento fino em relação com três
filamentos grossos. Os filamentos grossos são compostos por moléculas de miosina com uma
Palavras-chave: Ca++
, miosina, actina, troponina, tropomiosina
BASTOS MACHADO H.
190
cabeça globular, rica em ATP, agregadas do modo que as cabeças ficam à periferia, sendo o
interior enzimaticamente inactivo (Fig. 4).
FIGURA I
Fluxo de iões associado de potencial do acção do miocárdio
FIGURA II
Esquema da passagem dos Ca++
(esférulas) do espaço extra-celular e do
glicocálice, pelos canais lentos, para o citoplasma, sobretudo através do sistema
tubular T, e remoção do Ca++
do depósito intracelular (sistema longitudinal ou
reticulo sarcoplásmico, SR, com as cisternas laterais, LC, contíguas às
invaginações T), e das mitocôndrias, MI. Na parte inferior da figura estão
representados os sarcómeros (entre duas linhas Z) com os filamentos grossos de
miosina e os filamentos finos (actínicos).
ACÇÃO MUSCULAR DO CÁLCIO
Actas Bioq. 1989; 1:189-193
191
Dos filamentos miosínicos saem apêndices transversos, formados pelo enrolamento em
espiral de moléculas, com uma cabeça biglobular (Fig. 5).
FIGURA III
Ampliação microscópica de corte transversal de fibra muscular (à direita) e
esquema (à esquerda) para mostrar a relação geométrica entre os filamentos
grossos e finos
FIGURA IV
Moléculas assimétricas de miosina, que se ordenam espacialmente de modo que
as cabeças fica na parte exterior do filamento.
BASTOS MACHADO H.
192
FIGURA V
Zonas articulares dos apêndices dos filamentos grossos, que permitem a formação
de pontes.
Estes apêndices transversos tem duas áreas articulares, uma junto à cabeça e outra ao
corpo do filamento, o que lhos permite angulações do molde a contactar os filamentos finos,
formando pontes. Os filamentos finos são compostos por moléculas de actina dispostas em forma
helicoidal, em cujo sulco se encontra a tropomiosina; os complexos de troponina não se
encontram dispostas sobre as moléculas de actina de forma contínua, mas a intervalos regularas
do sete moléculas de actina (Fig. 6). Os complexos de troponina são formados por a) troponina
C, ou factor sensibilizante do cálcio, que se liga ao Ca++
; b) troponina I, ou factor inibidor, que
inibe a ATPase da actomiosina estimulada pelo Mg++
, evitando a formação de pentes; e c) a
troponina I, com acção reguladora sobre a globalidade das funções do complexo troponínico e
das suas relações com a actina e a tropomiosina.
FIGURA VI
Filamento fino, com a disposição especial dos seus componentes: actina,
tropomiosina e complexos de troponina
Quando a concentração plasmática do Ca++
é suficiente, este liga-se à troponina C, sendo inibida
a ligação da troponina I à actina; há modificações na configuração espacial da troponina-
tropomiosina de modo a melhorar a formação das pontes de miosina. Desta interacção
actina/miosina, com utilização energética do ATP, resulta um movimento de deslizamento dos
filamentos finos em direcção ao centro do sarcómero (Fig. 7), levando ao seu encurtamento - a
contracção.
ACÇÃO MUSCULAR DO CÁLCIO
Actas Bioq. 1989; 1:189-193
193
FIGURA VII
Esquema do desligamento dos filamentos finos. À esquerda em diástole, ao centro
no início da sístole e à direita no acme sistólico.
Foi pedida ao Editor autorização para reprodução total ou parcial das figures 2-7 do livro
“Miocárdio. Vasos sanguíneos. Cálcio” do Lossnitzer. Pfennigsdorf e Brauer, ed. Knoll AG,
Ludwigshafen.
Actas Bioq. 1989; 1:195-205 195
FISIOPATOLOGIA DA CONTRACÇÃO DO MIOCÁRDIO ISQUÉMICO1
R. Ferreira2
UTIC Arsénio Cordeiro - Hospital do Santa Maria
SUMÁRIO
A contracção miocárdica cessa após a laqueação do um vaso coronário e a área
afectada toma-se cianótica e, eventualmente, procidente. Na clínica, episódios
reversíveis de isquémica do miocárdio provocam falência ventricular esquerda
transitória. A repercussão hemodinâmica e clínica da necrose do miocárdio,
deponde da extensão da área necrosada e da zona em sofrimento isquémico,
tomando-se evidente quando a necrose é superior a 20%. Várias explicações
têm sido invocadas para a perda da contractilidade do miocárdio isquémico: a
acidose intracelular, dificultando a interacção do Ca++, com as proteínas
contrácteis, parece ser o mecanismo mais importante, embora não único, a
invocar. A isquémia e necrose do miocárdio interferem igualmente com as
propriedades diastólicas ventriculares. Há uma diminuição do relaxamento
ventricular que se traduz por descida do dP/dt negativo e prolongamento do
período do relaxamento isovolumétrico. Concomitantemente, alteram-se a
rigidez e a distensibilidade do ventrículo esquerdo (em sentidos opostos). Deste
conjunto de alterações resulta uma subida da pressão telediastóica do ventrículo
esquerdo, que inicia os mecanismos de compensação os quais, mais tarde,
levarão a insuficiência cardíaca congestiva. Para além dos quadros clássicos de
isquémia reversível (angor pectoris) e de isquémica irreversível, necrose
(enfarte do miocárdio), consideram-se duas ou três situações, recentemente
descritas: o miocárdio deprimido, disfunção ventricular prolongada, pós-
isquémica, sem necrose do miocárdio, demonstrada no modelo experimental e
cuja contrapartida clínica se encontra em situações do espasmo coronário
prolongado, espontaneamente reversível e nos quadros de angina instável:
1 Trabalho subsidiado. em parte, pelo Instituto Nacional do Investigação Cientifica. Centro de Cardiologia da Universidade do Lisboa. Linha de
Acção nº 2 2 Trabalho subsidiado. em parte, pelo Instituto Nacional do Investigação Cientifica. Centro de Cardiologia da Universidade do Lisboa. Linha de
Acção nº 2
Palavras chave: Função ventricular; contractilidade do miocárdio: função diastólica: isquémia
do miocárdio; miocárdio deprimido; coração em hibernação
FERREIRA R.
196
coração em hibernação, disfunção ventricular persistente grave, secundária a
isquémia crónica, ainda com miocárdio viável e susceptível de melhorar com
medidas de revascularização coronária. Discute-se a patologia destas novas
entidades, a sua individualização clínica e perspectivas terapêuticas.
INTRODUÇÃO
Carl Wiggers, célebre fisiologista norte-americano, foi o primeiro autor que, há pouco
mais do 50 anos, chamou a atenção para as consequências, sobre a contractilidade do miocárdio,
da laqueação dum vaso coronário principal, no animal de experiência. Escreveu ele que a zona
irrigada por um vaso coronário laqueado sofria cianose, dilatação e se alterava na sua
contractilidade [1]. Mais tarde foi possível estudar, em pormenor, graças à utilização de
microsferas radioactivas, o padrão do fluxo sanguíneo da parede livre do ventrículo esquerdo
após laqueação de vasos coronários [2]. Demonstramos então, que havia heterogeneidade do
fluxo a qual permitia definir, ao lado de uma área necrosada de forma irreversível, uma zona
circundante do miocárdio em sofrimento isquémico, a zona corpuscular do Edwards [3],
susceptível de ser recuperada com medidas terapêuticas adequadas [4]. Assim nasceu o conceito
do limitação da área do enfarte pela recuperação do miocárdio em risco, cujas implicações
terapêuticas e prognósticas se têm feito sentir nos anos mais recentes.
Na clínica, sabemos que episódios transitórios de isquémia do miocárdio provocam
alterações da contractilidade com assinergia ou mesmo discinesia [5], por vezes com tradução
clínica, sob a forma do falência ventricular esquerda, transitória, reversível. Uma perda
significativa do miocárdio contráctil na sequência de uma obstrução coronária prolongada,
enfarte do miocárdio, conduz a perturbação significava da função ventricular esquerda, desde
uma diminuição da função diastólica (redução da distensibilidade) até à alteração de índices mais
grosseiros, primeiro hemodinâmicos (elevação da pressão e volume telediastólicos e diminuição
da fracção de ejecção) e depois, clínicos, nos casos de enfarte mais extenso, com graus
progressivos de falência ventricular esquerda até ao shock cardiogénico [6].
ALTERAÇÃO DA FUNÇÃO SISTÓLICA
Uma vez que o coração não possui depósitos de oxigénio e é o órgão com maior consume
de oxigénio no desempenho da sua função, a oclusão coronária provoca uma diminuição intensa
e brusca da contractilidade do miocárdio [7], com anóxia subsequente, iniciando um ciclo, cujas
linhas gerais definidas por Katz no final da década do 60 [8], ainda são actuais (Quadro I).
Várias explicações têm sido avançadas para a patogenia da redução de contractilidade do
miocárdio isquémico. A perda de excitabilidade tem sido invocada, mas a existência de um
desfasamento temporal, que permite evidenciar que a excitabilidade é ainda normal quando a
contractilidade já se encontra fortemente deprimida, afasta-a com causa primária deste
fenómeno.
FISIOPATOLOGIA DO MIOCÁRDIO ISQUÉMICO
Actas Bioq. 1989: 1:195-205
197
TABELA - I
ISQUÉMIA AGUDA POR OCLUSÃO CORONÁRIA
HIPÓTESE DE A. KATZ
OCLUSÃO CORONÁRIA
ANOXIA DO MIOCÁRDIO
ACELERAÇÃO DA GLICÓLISE
PRODUÇÃO DE ÁC. LÁCTICO
ACIDOSE INTRACELULAR
AFASTAMENTO DO Ca LIGADO À
TROPONINA NA SÍSTOLE
IMPEDIMENTO DA ACTIVAÇÃO DA
ACTINA-MIOSINA QUE LEVA À TENSÃO E ENCURTAMENTO
DIMINUIÇÃO DA CONTRACTILIDADE
BOMBEAMENTO SISTÓLICO DO
VENTRÍCULO ISQUEMIADO
Note-se, no entanto, que o potencial de acção se altera na sua fase de plateau, e que
sugere modificação das correntes lentas moduladas pelo cálcio.
Uma outra possibilidade levantada para explicar a perda da contractilidade é a depleção
dos depósitos intracelulares de fosfatos de alta energia, em particular em áreas mais sensíveis
como e retículo sarcoplásmico ou o sarcolema onde essa descida de concentração se daria mais
precocemente [9]. Outros autores falam em alterações estruturais das proteínas plasmáticas,
hipótese que não parece ter suporte experimental concludente [10, 11].
Uma última possibilidade, a mais aceite na actualidade, realça o significado do pH
intracelular, o qual iria interferir com a inter-acção do Cálcio com as proteínas plasmáticas. Com
efeito, sabe-se que a contracção miocárdica é iniciada pela libertação do Ca++
do retículo
sarcoplásmico, que se vai combinar com receptores específicos da troponina, seguindo-se a inter-
acção actina-miosina que leva ao desenvolvimento de tensão e encurtamento [2]. O mecanismo
desencadeador desta libertação da Ca++
-- e aumento dos iões Ca na vizinhança do retículo
sarcoplásmico até um nível crítico -- seria alterado pela acidose, que iria diminuir a sensibilidade
do retículo sarcoplásmico [3]. Por outro lado os próprios [H+], iriam competir com Ca
++ ao nível
dos receptores da troponina, diminuindo igualmente a interacção actina-miosina [14]. A
FERREIRA R.
198
verosimilhança desta hipótese é apoiada por trabalhos que mostram que a inversão da acidose
pela infusão de alcalinos melhora a resposta contráctil [15], resta acrescentar que pequenas
descidas dos níveis de ATP, interferindo com o transporto iónico, podem acentuar o deficit de
Ca++
nos locais de contracção,
Em resumo, podemos acentuar que a acidose intracelular subsequente à isquémia, peça
fulcral no esquema de Katz [Quadro I , cria condições que levam à diminuição e perda da
contractilidade do miocárdio, com os aspectos experimentais enunciados por Wiggers e as
repercussões clínicas que hoje tão bem conhecemos.
ALTERAÇÕES DA FUNÇÃO DIASTÓLICA
A isquémia do miocárdio altera não só as propriedades contrácteis do miocárdio mas
igualmente a função diastólica, traduzindo-se na clínica, por um aumento da pressão e volume
telediastólicos do ventrículo esquerdo [16]. De entre as propriedades diastólicas do ventrículo
esquerdo [15], interessam-nos considerar, para esta exposição, e relaxamento ventricular e as
propriedades elásticas passivas: a rigidez, (stiffness] e a distensibilidade (compliance).
O relaxamento ventricular é essencial ao processo pelo qual o ventrículo esquerdo volta à
sua pressão e volume iniciais após a contracção. É um processo altamente dependente da
energia, ao contrário do que se julgava antes [17]. De acordo com Langer [18] 15% de energia
total libertada em cada batimento cardíaco é dispendido no processo do relaxamento. É, deste
modo, lógico que a isquémia do miocárdio interfira com o processo do relaxamento, efeito esse
evidenciado pela diminuição do dP/dt negativo e prolongamento do período de relaxamento
isovolúmico [19]. Esta diminuição do relaxamento do ventrículo esquerdo encurtando a diástole
e aumentando a resistência ao enchimento ventricular, é, em porte responsável pela subida da
pressão telediastólica do ventrículo esquerdo que se encontra nos doentes com isquémia
miocárdica evoluída (20].
Após completar-se o relaxamento, o comportamento da diástole ventricular é dominada
pelas propriedades elásticas que já enunciamos: rigidez e distensibilidade são conceitos
recíprocos que relacionam a variação do volume [ V] com a variação da pressão [ P] e
representam-se num sistema de coordenadas com a variação de volume diastólico em abcissas e
a variação da pressão diastólica em ordenadas. Determinações sucessivas ao longo da diástole
permitem obter uma curva que exprima a relação pressão-volume na diástole [Fig. 1]. O desvio
desta curva para cima e para a esquerda, significa aumento da rigidez da câmara ventricular e
encontra-se na fase crónica do enfarte do miocárdio [21]. Este “endurecimento” do miocárdio
enfartado impede o seu bombeamento sistólico e melhora a eficiência das porções indemnes do
miocárdio [22]. Além disso, quando há lugar à formação de aneurisma e aumento da rigidez do
segmento discinético, limitando a, expansão sistólica, tem efeito beneficio sobre a função global
do ventrículo esquerdo, conforme demonstraram Parmley e col. [23].
Nas formas crónicas da cardiopatia isquémica, as alterações das propriedades elásticas
ventriculares resultam da heterogeneidade da composição da parede ventricular [fibrose,
aneurisma] podendo levar a uma diminuição da distensibilidade responsável por quadros de
edema pulmonar de doentes coronários sem cardiomegália [24]. Trabalhos recentes recorrendo a
controlo duplo, hemodinâmico e ecocardiográfico, confirmam a diminuição da distensibilidade
do miocárdio nos segmentos isquémicos, mostrando existir diminuição acentuada da velocidade
do adelgaçamento da parede posterior no protodiástole [25].
FISIOPATOLOGIA DO MIOCÁRDIO ISQUÉMICO
Actas Bioq. 1989: 1:195-205
199
FIGURA 1
Representação, em diagrama, das relações pressão-volume na diástole do
ventrículo esquerdo. Na curva da direita representa-se um aumento da rigidez
[dP/dV] sem alteração da constante de rigidez. À esquerda, nota-se desvio da
curva por aumento da constante de rigidez [Kp].
Reproduzido da referência 21, com autorização do editor.
Brutsaert e col. consideram, em editorial recente [26], que existe um controlo triplo do
relaxamento dependente da carga, da inactivação o da heterogeneidade temporal e espacial
resultante da distribuição, não uniforme da carga e inactivação [Fig, 2]. Este aspecto da
heterogeneidade decorre da natureza própria da doença isquémica, que é regional e segmentar,
podendo agravar as anomalias, já existentes, da fase precoce do relaxamento, e acelerar o
desenvolvimento de insuficiência cardíaca [27].
FIGURA 2
Relaxamento Descoordenado
P= pressão; PTD= pressão telediastólica; RS= retículo sarcoplásmico. Reproduzido, com
autorização do editor
FERREIRA R.
200
Dentro do conceito de controlo triplo do relaxamento a habitual subdivisão do ciclo
cardíaco em sístole e diástole [Fig. 3] deve, segundo este autor, ser redefinida. Com efeito na
subdivisão fisiológica clássica de Wiggers do ciclo cardíaco, a sístole termina com a abertura da
válvula mitral, iniciando-se estão a diástole. Na clínica esta interpretação foi ligeiramente
modificada, passando a sístole a terminar na altura do 2º som cardíaco, com o encerramento da
válvula aórtica. O que Brutsaert propõe é que o período de relaxamento [integrando a segunda
metade da fase de ejecção, o período de relaxamento isovolúmico e a fase de enchimento
rápido], seja considerado como parte integral da sístole. As implicações clínicas, daqui
resultantes, em particular no campo da investigação, são evidentes: alguns índices usados para
medir a função sistólica, como, por exemplo, a fracção de ejecção, já estão a incluir a parte
inicial do relaxamento e, portanto, são incorrectas porque não separam contracção de
relaxamento, embora úteis como índices globais de função ventricular.
FIGURA 3
Subdivisão do ciclo cardíaco em sístole e diástole, P, V= curvas de pressão e
volume, em função do tempo; S= sístole; D= diástole; Cl= contracção
isovolúmica; RI= relaxamento isovolúmico; FER= fase de enchimento rápido;
CONTR= contracção.
Reproduzido, da referência 26, com autorização do editor.
FISIOPATOLOGIA DO MIOCÁRDIO ISQUÉMICO
Actas Bioq. 1989: 1:195-205
201
O MIOCÁRDIO DEPRIMIDO
Durante as últimas décadas, acreditou-se que a isquémia do miocárdio, conforme a sua
duração e gravidade pode originar dois quadros distintos [28]: lesão irreversível, com necrose,
quando a oclusão é total e prolongada; lesão reversível, com restitutio ad integrum, com
períodos mais curtos da isquémia, seguidos do reperfusão. Sabe-se hoje, no entanto, que após
breves períodos de isquémia as propriedades estruturais, metabólicas e funcionais do miocárdio
lesionado de maneira reversível permanecem gravemente alteradas durante períodos longos,
horas ou dias, antes de recuperarem. O miocárdio fica fatigado, atordoado, deprimido.
Trabalhos experimentais de isquémia miocárdica de duração variável, seguida de
restabelecimento do fluxo, permitiram equacionar os principais problemas levantados pela
reperfusão [29]: a necrose irreversível [função da duração da oclusão coronária], a hemorragia e
as arritmias pós-reperfusão, o atraso no restabelecimento da função contráctil. Assim, foi
possível verificar que a reperfusão não é seguida, na fase inicial, duma melhoria da função
ventricular e da contractilidade do miocárdio e que a recuperação pode demorar largos dias [30]
ou semanas, após uma fase inicial da instabilidade, por vezes de agravamento [31, 32]. Sabe-se
hoje, após porfiados estudos histoquímicos que a depressão da função miocárdica está
relacionada com o esgotamento dos depósitos do ATP, e que ela permanece deprimida até que os
depósitos de ATP, directamente relacionados com o processo contráctil, tenham regressado a
níveis normais [33].
O conceito de que a isquémia transitória deprime o miocárdio por períodos prolongados
pode ter implicações clínicas importantes, em especial nos doentes submetidos a reperfusão
farmacológica ou cirúrgica e ainda naqueles em que se tenta a limitação da área em risco por
processos farmacológicos. Uma avaliação muito precoce da função ventricular após estas
atitudes terapêuticas pode não mostrar qualquer melhoria da função ventricular esquerda, mesmo
quando a terapêutica teve sucesso imediato [reperfusão controlada por coronariografia]. Um
controle tardio, virá, em muitos casos mostrar o benefício da reperfusão sobre a contractilidade
ventricular. A concordância com os estudos experimentais da década do 70 é flagrante e deve ser
realçada.
A isquémia grave do miocárdio ocorre no decurso de muitas intervenções de cirurgia
cardíaca, levando a quadros do baixo débito que implicam e recurso a suporte circulatório por
meio de balão intra-aórtico. O conceito de depressão pós-isquémia, poderá levar ao
prolongamento do suporte circulatório durante um período mais dilatado do tempo e chama a
atenção para a necessidade de desenvolver técnicas que permitam distinguir o miocárdio
deprimido do miocárdio irreversivelmente lesado [28], a fim de identificar os doentes que
beneficiem do um apoio circulatório prolongado.
O conceito de miocárdio deprimido deve, por fim, levar a um novo exame das
consequências de episódios comuns de isquémia do miocárdio, com ou sem tradução clínica, em
que, de acordo com as hipóteses que vimos expondo, se pode observar uma depressão pós
isquémica, muito para além do episódio fugaz consagrado pela clínica. Tal sucede, sem dúvida,
nos quadros mais graves de angina de Prinzmetal, por espasmo coronário, com isquémia
transmural e nas crises da angina instável, conforme demonstraram Nixon e col. [34], recorrendo
à ecocardiografia. Ellis e col. [35], mostraram que a função do miocárdio deprimido pode ser
melhorada pela infusão de fármacos inotrópicos.
FERREIRA R.
202
MIOCÁRDIO EM HIBERNAÇÃO
A depressão do miocárdio, que se segue a um episódio de isquémia grave, transitória,
deve ser separada da situação de disfunção ventricular esquerda persistente, principal
manifestação de isquémia miocárdica crónica, que Rahimtoola cunhou com a designação de
miocárdio em hibernação [36]. O miocárdio deprimido resulta de um episódio de isquémia
transitória, com duração de minutos ou horas, e a disfunção contráctil prolonga-se por horas ou
dias após cessar a isquémia. Pelo contrário, o miocárdio em hibernação resulta de meses ou anos
de isquémia e a disfunção ventricular persiste até o fluxo sanguíneo ser restaurado.
Sabe-se hoje, após 20 anos da cirurgia coronária, que a disfunção ventricular esquerda
crónica não é contra-indicação para cirurgia de revascularização e que a função do miocárdio em
hibernação pode melhorar após revascularização bem sucedida. Constitui, deste modo, um
desafio para os clínicos, identificar entre os doentes com cardiopatia isquémica crónica e
disfunção ventricular esquerda os que apresentam um quadro de miocárdio em hibernação
susceptível de ser corrigido por revascularização coronária.
A situação de miocárdio em hibernação deve ser suspeitada em doentes com cardiopatia
isquémica em que exista desproporção entre o grau de disfunção ventricular esquerda e a
gravidade da doença isquémica [enfartes prévios ou angor]. Nestes casos deve preceder-se a
estimulação inotrópica e estudo da função ventricular esquerda global e regional por meio de
angiografia de radionuclidos de equilibrio [37]. Nesto demonstrou que, nestas circunstancias, os
doentes cuja fracção de ejecção melhorava 10% ou mais após estimulação com epinefrina ou
norepinefrina, tinham melhor sobrevivência após revascularização do que aqueles que não
tinham resposta significativa à estimulação inotrópica, Estes casos deveriam corresponder a
situações de isquémia irreversível.
Os exames estáticos e dinâmicos [após esforço] com isótopos radioactivos, quer os
estudos de perfusão com Tálio-201 [38], quer os estudos da função ventricular esquerda com
tecnésio-99m [39], constituem método de eleição para evidenciar zonas de miocárdio viável. A
demonstração de um defeito de perfusão reversível, induzido pelo esforço, ou de uma área
circunscrita de alteração da motilidade segmentar sugere que a disfunção miocárdica deve estar
dependente da diminuição da perfusão e não da necrose.
Mais recentemente a topografia de emissão de positrões [40] permite, pela utilização
simultânea de um marcador do metabolismo do miocárdio [FDG] e um marcador de perfusão
miocárdica [N-13 amonia], a separação entre miocárdio necrosado e miocárdio isquémico,
viável.
Em conclusão, poder-se-á dizer como Braunwald [33] que os efeitos da isquémia no
miocárdico são mais complexos do que se julgava há uma década atrás. Para além dos dois
síndromes principais: isquémia transitória com angor e isquémia prolongada com enfarte do
miocárdio, reconhecem-se, presentemente dois outros síndromes [Quadro II]: disfunção
miocárdica prolongada pós-isquémia aguda [miocárdio deprimido] e disfunção cardíaca
secundária a isquémia crónica, com miocárdio viável [coração em hibernação]. O
reconhecimento destes dois síndromes pode no futuro melhorar a qualidade de vida e a
sobrevivência do um grupo significativo de doentes com cardiopatia isquémica.
FISIOPATOLOGIA DO MIOCÁRDIO ISQUÉMICO
Actas Bioq. 1989: 1:195-205
203
QUADRO II
SÍNDROMES ISQUÉMICOS DO MIOCARDIO
ISQUÉMIA TRANSITÓRIA ANGOR PECTORIS
ISQUÉMIA PROLONGADA ENFARTE DO MIOCÁRDIO
DISFUNÇÃO PROLONGADA
PÓS- ISQUÉMIA AGUDA MIOCÁRDIO “ATORDOADO”
DISFUNÇÃO PERSISTENTE
PÓS-ISQUÉMIA CRÓNICA MIOCÁRDIO EM “HIBERNAÇÃO"
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Actas Bioq. 1989; 1:207-219 207
METABOLISMO ENERGÉTICO DA CÉLULA MUSCULAR CARDÍACA
Lúcio Botas
Instituto de Bioquímica, Fac. Medicina de Lisboa
RESUMO
O coração saudável depende apenas da produção aeróbica do ATP (na
mitocôndria) para o fornecimento de energia ao aparelho contráctil através da
oxidação de diferentes substratos no ciclo do Krebs (desidrogenação de
intermediários do ciclo do ácido cítrico, requerendo, NAD+). Aqui, além da
descarga de CO2 e consequente transporte do H+ e seus electrões através da
cadeia respiratória (resultando consumo do O2 e produção de H2O), ocorre
fosforilação oxidativa na qual o fosfato inorgânico se combina com ADP para
formar ATP. No miocárdio, fora do período pós-prandial o substrato
predominante para a síntese de ATP é representado pelos ácidos gordos livres
(AGL). A glicose sanguínea é utilizada preferencialmente no período pós-
prandial. Durante o esforço físico, a produção acelerada do lactato a nível dos
músculos periféricos, tornam este substrato o metabolito preferencialmente
utilizado pelo coração no indivíduo normal, não treinado. A captação
miocárdica da maior parte dos substratos energéticos está directamente
relacionada com a respectiva concentração arterial e com o fluxo coronário. A
oxidação dos AGL catalisada pela carnitina (que no músculo cardíaco atinge
valores particularmente elevados) origina grandes quantidades do citrato e
ATP que vão deprimir a utilização da glicose por inibirem a fosfofrutocinase
(enzima chave da glicólise). Por outro lado, o excesso do acetil-CoA
eNADH2 resultantes da oxidação dos AGL, vão “desviar” CoA e inibir a
desidrogenase pirúvica impedindo a “entrada” do ácido pirúvico no ciclo de
Krebs, contribuindo também para limitar a glicólise. O miocárdio mantém
valores de glicogénio mínimos e praticamente constantes (0,4-0,6% do peso
do tecido fresco) pelo que em condições normais este substrato desempenha
papel irrisório na produção de energia (excepto em situações de esforço
extremo nos quais a fosforilase é activada devido a grande aumento de
AMPc). Várias hormonas intervêm no metabolismo energético do miocárdio.
Palavras-chave: Miocárdio, ciclo do Krebs, carnitina, ácidos gordos livres
BOTAS L.
208
A insulina aumenta a captação de glicose. No esforço, a sua secreção diminui
sem descer a níveis que bloqueiem o normal aumento de captação de glicose
nesta fase. A descida de secreção de insulina origina aumento dos AGL
disponíveis, por aumento da lipólise a partir do tecido adiposo e ainda
aumento da glicogénese no fígado, estas acções são reforçadas pela acção
conjugada da glicagina e da hormona do crescimento. As catecolaminas
estimulam a glicólise (provável efeito sobre a fosfofrutocinase) e a
glicogenólise (estimulando a activação da fosforilase), aumentando também a
lipólise. Todas estas acções das catecolaminas são potenciadas no esforço.
O miocárdio é um tecido com necessidades energéticas muito grandes, consentâneas com
o tipo de actividade que realiza. O adenosinotrifosfato (ATP) constitui a fonte de energia
imediata que a célula cardíaca, tal como a grande maioria das células do organismo, utiliza,
através da sua hidrólise, para a realização do trabalho que tem que executar (no coração,
predominantemente a função de bomba impulsionadora da corrente sanguínea) (1-7). Deste
modo, o ATP é essencial para assegurar o funcionamento das proteínas contrácteis, bem como
para outro tipo de actividade, fundamental no miocárdio, e que se prende com a manutenção da
homeostasia iónica do interior da célula. No miocárdio existem vários mecanismos envolvendo
enzimas consumidoras de ATP (ATP-ases) cuja tarefa consiste em assegurar a manutenção de
gradientes electroquímicos adequados às trocas de sódio, potássio e hidrogeniões, através do
sarcolema (2, 5, 8). Por outro lado contribuem também para o transporte de cálcio, quer dentro
da própria célula (movimentando-se dos seus depósitos até ao local de acção) quer no sentido do
exterior, de forma a manter no interior apenas a quantidade de cálcio indispensável a actividade
das proteínas contrácteis (8, 9).
A extrema dependência do miocárdio em relação aos teores de ATP e, principalmente, a
“biodisponibilidade" deste metabolito, condiciona a tipo de metabolismo energético que este
tecido apresenta, a qual assenta numa avidez absoluta para o oxigénio (1 -8). O miocárdio é o
maior consumidor de oxigénio por grama de tecido, donde resulta uma extracção máxima a partir
do sangue arterial que pode rondar os 75%, mesmo em situações basais (saturação do sangue do
seio coronário é cerca de 25%) (10).
A extracção de oxigénio pelo miocárdio não pode ser significativamente alterada, mesmo
em situações de maior necessidade energética pelo que o coração tem de se socorrer de outros
mecanismos que levem ao aumento do fornecimento de oxigénio (10). A dilatação da árvore
coronária, com aumentos proporcionais do fluxo sanguíneo regional, é o mecanismo mais eficaz
que o coração utiliza para aumentar o rendimento energético, uma vez que não só obtém maior
fornecimento de oxigénio mas também de substratos utilizáveis para a produção de ATP (10).
O aumento do fluxo coronário, por utilização da reserva coronária, é condicionado pela
acção de intermediários químicos entre as quais se salienta a adenosina, a qual produzida no
interior da célula, junto do aparelho contráctil, atravessa o sarcolema e contacta a rede vascular,
diminuindo deste modo a “pool” de nucleótidos disponíveis no interior da célula (10-12). Este
facto, em condições fisiológicas é largamente compensado pelo aumento significativo do
rendimento energético conseguida pelo maior aporte de oxigénio e substractos metabolizáveis.
O miocárdio está bem adaptado ao metabolismo aeróbio, possuindo estruturas adequadas
à fixação e utilização do oxigénio, com elevado rendimento. A mioglobina é uma das estruturas
mais eficiente para este tipo de objectivo. Existindo em grande abundância no citoplasma da
célula miocárdica (1,4mg/g de miocárdio) esta hemoproteína tem uma capacidade de fixação do
ENERGÉTICA DO MIOCÁRDIO
Actas Bioq. 1989; 1:205-219
209
oxigénio superior à da hemoglobina, apresentando uma curva de dissociação do oxigénio,
fortemente desviada para a esquerda em relação a hemoglobina, traduzindo a sua maior “avidez”
para o oxigénio, evidente principalmente para pressões parciais baixas deste elemento (3, 13).
Por outro lado, existem, dispersas pelo citoplasma, numerosas mitocôndrias, ocupando no seu
conjunto cerca de 35% do volume total de células, sendo curiosa a relação íntima existente entre
estas e o aparelho contráctil, principal “cliente” do ATP produzido naqueles arganelos (3, 14).
A produção aeróbia do ATP, ocorre na mitocôndria através da oxidação de vários
substratos sequenciados e interdependentes, no ciclo de Krebs, que se inicia pela condensação da
acetil-CoA com a oxaloacetato, originando citrato (3, 14, 15). Este intermediário metabólico e os
seus derivados imediatos são submetidos a acção sucessiva de várias enzimas,
predominantemente desidrogenasses, libertando dois “resíduos” de carbono e correspondestes
átomos de hidrogénio, estes provenientes principalmente da oxidação das coenzimas nicotínicas
e flavínicas (NADH e FADH2) (14, 16). O transporte dos átomos de hidrogénio e respectivos
electrões, através das cadeias de oxidação-redução, constituídas por flavoproteínas e citocromos,
realiza-se com consumo de oxigénio e formação final de água (14-16). A execução destas
reacções sucessivas de oxidação dos átomos de hidrogénio liberta a energia neles contida (ou no
seu electrão) permitindo que se criem condições locais para que a adenosinodifosfato (ADP) se
ligue ao fosfato inorgânico, regenerando o ATP consumido (14-16).
Este processo, resumidamente descrito, é conhecido, por fosforilação oxidativa,
constituindo-se na “pedra de toque” de toda a via aeróbia do metabolismo energético. Também a
adenosinomonofosfato (AMP) e o ácido adenílico se podem comportar como "aceitadores de
potencial energético” que lhes permite fixar iões de fosfato originando ATP ou outros
nucleótidos que lhe fiquem próximos na hierarquia energética (3).
O coração, tal coma outros órgãos com necessidades energéticas elevadas (cérebro e músculo
estriado) contém, no citoplasma das suas células, uma substância de elevada “potencial
energético”, a fosfocreatina, a qual, contrariamente ao ATP, não se constitui como fonte de
energia para as actividades celulares (15-16). No entanto, graças à actividade de uma enzima
específica (a creatinafosfocinase) ajuda a manter estável a concentração de ATP quando este está
a ser utilizado em larga escala (actividade contráctil intensa), catalisando a transferência de um
grupo fosfato para o ADP (15, 16).
No coração, a fosfocreatina parece funcionar também como um sistema de vaivém, para
transferir a energia do ATP formado na mitocôndria, a qual tem dificuldade em atravessar a
membrana mitocondrial para o citoplasma, onde é utilizado no aparelho contráctil (miofibrilhas).
Deste modo, o ATP consumido na actividade contráctil (no citoplasma) é rapidamente reposto
pela fosfocreatina. A creatina que resta, difunde até a superfície externa da membrana
mitocondrial. Aí existe uma variedade própria da creatinofosfocinase que, ligada a uma
translocase específica (para nucleótidos adenílicos), transfere um grupo fosfato do ATP
intramitocondrial, para se ligar à creatina, regenerando a fosfocreatina consumida (17).
A reposição dos teores de fosfocreatina do citoplasma é um mecanismo fundamental uma
vez que torna disponível este metabolito para assegurar os elevados níveis citoplásmicos de ATP
necessário para o funcionamento do aparelho contráctil. O ADP resultante da transferência do
grupo fosfato através da membrana mitocondrial para a refosforilação da creatina é por sua vez
rapidamente refosforilado na cadeia respiratória (15-17).
O miocárdio é um tecido com poucas exigências sob o ponto de vista metabólico,
podendo virtualmente, recorrer a substratos das mais diversas origens, para a produção de
energia (1-7). No entanto, são preferencialmente utilizadas os ácidos gordos livres (AGL), a
BOTAS L.
210
glicose e o lactato, consoante a intensidade da actividade muscular e a relação com o período de
ingestão de alimentos (1-7).
A glicose é utilizada, como substrato principal, no período pós-prandial, quando os seus
níveis séricos são elevados. Após este período os AGL constituem o substrato energético por
excelência, posição que ocupam durante a maior parte das 24 horas (1-7).
Em períodos de grande actividade física, à medida que o ácido láctico começa a ser
produzido nos músculos em actividade, o coração começa a utilizá-lo como substrato energético
preferencial (1-7).
A razão de ser destas preferências de ocasião prende-se com a capacidade de extracção
destas substâncias, a partir do sangue arterial, pelo miocárdio, o qual se relaciona com os níveis
séricos e com o limiar de extracção para cada um deles (1-7).
A capacidade de o miocárdio utilizar preferencialmente as AGL durante a maior parte das
24 horas, relaciona-se com uma “nuance” da via glicolítica, própria deste tecido. No miocárdio, a
metabolização da glicose até piruvato não “fornece’ directamente o ciclo de Krebs, uma vez que
o piruvato, por ausência da carboxilase neste tecido, não passa directamente a oxaloacetato (16).
Assim, para posterior oxidação no ciclo de Krebs, o piruvato proveniente da glicólise, tem de se
conjugar com a coenzima A (CoA), para originar acetil-CoA. Como a quantidade de moléculas
de CoA não é ilimitada e estas são essencialmente utilizadas na degradação dos AGL, através da
-oxidação, a quantidade de CoA disponível para facilitar a “entrada” do piruvato no ciclo
tricarboxílico, fica diminuída e a glicólise diminui de intensidade (1, 16, 18, 19).
Existem também outros factores limitativos da glicólise no músculo cardíaco. A
actividade "exuberante" da -oxidação dos AGL, que permite a entrada destes nas mitocôndrias
e a incorporação de grandes quantidades de acetil-CoA no ciclo de Krebs, leva à produção de
elevada número de moléculas de citrato que vão inibir uma enzima fundamental da via glicolítica
- a fosfofrutocinase, a qual catalisa a passagem da frutose-6-fosfato a frutose 1,6-difosfato (3, 16,
18, 19). Por outro lado, o elevado número de moléculas de ATP produzidas através da
metabolização aeróbia dos AGL, tem também uma função inibidora semelhante à do citrato,
inibindo a fosfofrutocinase e a fosforilase do glicogénio, enzima reguladora da glicogenólise. A
inibição desta última enzima, perturba indirectamente a glicólise uma vez que promove a
diminuição da glicose-1-fosfato (G-1-P) proveniente da desagregação da grande molécula de
glicogénio, diminuindo, por consequência, a quantidade de glicose-6-fosfato (G-6-P) (obtida por
interconversão do G-1-2) disponível para a glicólise. Por outro lado, o excesso de produção do
acetil-CoA, proveniente da -oxidação dos AGL e o correspondente excesso de produção de
NADH, levam também a inibição da desidrogenase pirúvica, complexa enzimática responsável
pela passagem de piruvato a acetil-CoA (7, 18, 19). A inibição conjugada destas diferentes
enzimas e grupos enzimáticas cootribui, decisivamente, para a interrupção do fluxo de moléculas
de glicose, interrompendo a sua utilização como substrato energético (7, 18, 19).
A estimulação ou inibição das diferentes vias metabólicas, relaciona-se, quase sempre,
com o mesmo tipo de acção sobre as enzimas dominantes dessas mesmas vias.
Em resumo, podemos dizer que no miocárdio a via glicolítica é estimulada pelo fosfato
inorgânico, 5'-AMP, ADP e frutose-1,6-difosfato, substâncias que estão acumuladas no
miocárdio em hipoxia, enquanto os metabolitos presentes quando o coração está bem oxigenado
(citrato e ATP), inibem a actividade das enzimas atrás citadas, bloqueando a via glicolítica (7).
Em situações de aumenta do consumo de oxigénio e ATP, como sejam as que resultam
dos aumentos da pressão intraventricular, da frequência cardíaca e das catecolaminas circulantes,
se os níveis plasmáticos dos AGL estiverem diminuídos, aumenta a captação da glicose, bem
ENERGÉTICA DO MIOCÁRDIO
Actas Bioq. 1989; 1:205-219
211
como a sua oxidação. A insulina tem uma acção semelhante estimulando também a captação da
glicose pelo miocárdio. (7).
Na captação e metabolização da glicose estão envolvidas diferentes etapas, cada uma
delas com os seus componentes inibidores e estimuladores específicas. A 1ª etapa consiste no
transporte, através da membrana celular, que envolve um sistema transportador contra gradiente
de concentração.
Na ligação aos receptores da membrana celular existe competição entre as diferentes
tipos de açúcares, com ligações de cada uma das substâncias a uma enzima especifica (7, 20).
Quando diminui a insulina, a concentração intracelular da glicose diminui também e o transporte
através da membrana celular (sarcolema) é o factor limitativo major para a utilização da glicose.
Por outro lado, se a insulina aumentar é o passo seguinte (fosforilação) que vai determinar a taxa
de utilização da glicose (7, 20). O transporte da glicose no coração, em condições fisiológicas, é
inibido pela oxidação dos AGL. Nos diabéticos a diminuição da sensibilidade insulina no
miocárdio, resulta de um aumento plasmático e tecidual dos AGL (7, 20).
O aumento do trabalho cardíaco acelera o transporte da glicose tanto na presença como
na ausência da insulina, mas não na presença de grandes quantidades de AGL (7, 16, 21).
A fosforilação da glicose (2ª etapa na via metabólica desta substância) é regulada pela
hexocinase, enzima que consome ATP, transformando a glicose em G-6-P, a qual irá exercer
depois inibição sobre a hexocinase (20).
Prosseguindo na via metabólica da glicose encontramos um dos factores reguladores mais
importantes, a fosfofrutocinase, que catalisa a passagem da frutase-6-fosfato a frutose-1,6-
difosfato (7, 22, 23). Esta enzima, que sofre a inibição do ATP e do citrato, controla não só a
glicólise mas também, indirectamente, o metabolismo do glicogénio, sendo também inibida pelo
pH ácido (7). Se a actividade da fosfofrutocinase for estimulada, a regulação da via glicolítica
passa para a desidrogenase do gliceraldeido-3-fosfato tal como acontece na hipoxia e na
isquémia, bem como em situações de aerobiose, mas com grandes aumentos da actividade
cardíaca (7, 21-23). A actividade da desidrogenase do gliceraldeído-3-fosfato é inibida pelo
aumento do NADH, da concentração hidrogeniónica e do lactato, sendo o 1º factor o mais
importante (7, 21-23).
O produto final da via glicolítica é a piruvato que no coração pode ter três destinos. O
principal consiste na passagem a acetil-CoA, etapa que ocorre nas mitocôndrias, por acção de um
grupo enzimático habitualmente designado desidrogenase pirúvica (na realidade um conjunto de
três enzimas, desidrogenase pirúvica, dehidrolipoiltransacetilase e dehidrolipoildesidrogenase)
que, por descarboxilação oxidativa, catalisa a formação de acetil-CoA que pode entrar
directamente no ciclo de Krebs. Esta via pode diminuir a sua intensidade por acção da -
oxidação dos AGL, que ao aumentar a concentração de acetil-CoA e NADH, inibe o complexo
de desidrogenase pirúvica por activar a respectiva cinase (fosforilação) (7, 20, 22).
Nestas circunstancias dois outros caminhos se apresentam ao piruvato - a passagem a
lactato (por acção da desidrogenase láctica) ou a passagem a alanina (por acção da alanina amino
transferase). Estas vias alternativas dependem dos níveis de NAD, NADH, -cetoglutarato e
glutamato no citoplasma. Na hipóxia a piruvato e a NADH aumentam levando a aumento de
concentração do lactato e da alanina no seio coronário (7, 20, 22).
Uma das vias que a glicose pode seguir no miocárdio é a da constituição de moléculas de
glicogénio. O coração mantém um conteúdo desta substância mais ou menos constante,
correspondendo a cerca de 0.4 a 0,6% do peso do tecido fresco, existindo a maior parte sob a
forma de grânulos no sarcoplasma (3).
BOTAS L.
212
O glicogénio constitui-se como uma fonte potencial de material energético capaz de
assegurar, só par si, o funcionamento do coração durante cerca de 4 minutos, facto que só ocorre
em condições externas (isquémia) (1, 3).
O único precursor do glicogénio no miocárdio é a glicose, devido à ausência de frutose-
1,6-difosfatase neste tecido (22, 24).
UIP UDP
glicose glicose-6-fasfato glicose-1-fosfato glicogénio
Na síntese do glicogénio influem a sintetase do glicogénio (uridino difosfato glicose
glicogénio transferase) que necessita uridino trifosfato (LJIR) como fornecedor de energia
(contrariamente ao habitual ATP), além de uma enzima ramificante da molécula (amilo-1,4-1.6-
transglicosidade) (3, 7, 20).
Na glicogenólise intervém a fosforilase e uma enzima desramificante (amilo-1,6-
glicosidade) que remove por hidrólise unidades de glicose (7, 20).
fosforilase
glicogénio + fosfato inorgânico glicose-1-fosfato glicose-6-fosfato
Ambas as enzimas principais do metabolismo do glicogénio, sintetase e fosforilase, se
encontram em formas activas e não activas, dependendo a sua actividade e interconversão de
controlo hormonal (adrenalina, noradrenalina, insulina, glicagina, hormonas tiroideias) e não
hormonal (glicose-6-fosfato, ATP, AMPc, 5'AMP, glicogénio) (1, 7, 20).
A síntese do glicogénio aumenta quando se eleva a concentração de glicose na circulação,
como acontece no período pós-prandial imediato. Nesta fase a estimulação exercida pela insulina
e a glicose-6-fosfato são determinantes para o crescimento da molécula de glicogénio,
principalmente à custa das ramificações mais exteriores. No jejum, a síntese do glicogénio
diminui drasticamente e nem a insulina pode exercer a sua função estimulante. Convém contudo
referir que no estado pós-prandial imediato, o conteúdo do glicogénio do miocárdio diminui em
relação ao jejum porque apesar da síntese estar estimulada, a degradação também está aumentada
(o “turnover” do glicogénio está acelerado em relação ao jejum), uma vez que nesta fase a
glicose é o principal substrato energético do miocárdio. No jejum, apesar de não haver síntese, a
glicogenólise também não é significativa. O mesmo se passa na diabetes na qual o aumento do
conteúdo de glicogénio do miocárdio fica a dever-se à inibição da glicólise e à economia do
consumo de glicogénio provocadas pelo aumento da concentração de AGL e pela metabolização
preferencial dos corpos cetónicos pelo miocárdio. Este aumento na concentração do glicogénio
parece depender, também em parte, da acção da hormona do crescimento que estimula a
mobilização dos AGL a partir dos seus depósitos. A glicogenólise diminui também no esforço,
devido à metabolização preferencial pelo miocárdio, do lactato produzido nos músculos dos
membros em actividade (1, 3, 7, 20).
A sintetase do glicogénio existe em duas formas, sendo uma independente do precursor do
glicogénio (a G-6-P) e que se denomina a sintetase I, e outra que requer a presença de G-6-P para
que possa actuar, a sintetase D. A maior parte da enzima encontra-se na forma D, necessitando
ATP para a interconversão a partir da forma I, uma vez que a sintetase D existe na forma
fosforilada. Neste processo intervém uma ATP-ase dependente do Mg e que é estimulada pela
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AMPc e por uma cinase da sintetase I. Nas situações em que há diminuição marcada do ATP
(hipoxia) há uma rápida interconversão da sintetase D em I (4, 24).
A fosforilase existe também sob duas formas senda uma activa na ausência de 5'AMP
(fosforilase a) e outra activa só na presença de 5'AMP (fosforilase b). As fosforilases distribuem-
se no coração do mesmo modo que o glicogénio aumentando do epicárdio para o endocárdio,
correspondendo a sua maior predominância a zonas com menor índice de metabolismo
oxidativo. O tecido ventricular possui maiores quantidades de fosforilases que a auricular (1, 4,
24).
A fosforilase é dimerizada e fosforilada por acção de uma cinase especifica (cinase da
fosforilase b) a qual é activada pelo AMPc, transformando-se na forma mais activa, a fosforilase
a. Esta interconversão é importante na resposta do miocárdio à isquémia e parece ser
influenciada pela libertação de catecolaminas endógenas, que estimulam a produção de AMPc.
Este, assim que é produzido, é rapidamente hidrolisado pelas fosfodiesterases, existentes no
miocárdio, impedindo que a sua acumulação iniba a adenilciclase, responsável pela renovação
dos teores de AMPc (4, 24).
A fosforilase b é estimulada pela presença de 5'AMP, sendo a sua actividade especialmente
importante nas situações de anoxia mantida, aumentando a afinidade para os seus substratos,
glicogénio e fosfato inorgânico (4, 24).
Existe urna semelhança notável nas variações das concentrações de nucleótidos de adenosina que
na anoxia e no esforço intenso estimulam, quer a glicólise quer a glicogenólise, através da acção
sobre as suas enzimas chave, respectivamente a fosfofrutocinase e a fosforilase. Assim, a
diminuição de ATP e o aumento de ADP, AMP e fosfato inorgânico, actuam sinergicamente
sobre as duas enzimas sugerindo um mecanismo de controlo integrado para a actividade da
glicólise e da glicogenólise (7, 20).
Os AGL são o substrato energético por excelência do miocárdio, durante grande parte do
dia (1-7). O coração capta os AGL a partir da circulação, dependendo este processo da
concentração daqueles metabolitos no sangue arterial, do comprimento da cadeia, do grau de
instauração dos AGL e do grau de actividade do coração. O limiar de captação dos AGL é de
0,35mM no sangue arterial, abaixo do qual não há captação pelo coração (1-7).
Os AGL instaurados (exº oleato) são preferencialmente utilizados sendo captados e
oxidados mais rapidamente que os saturados (estearatos) e os di-insaturados (linoleatos). Nos
saturados a captação diminui quando aumenta a extensão da cadeia (1-7).
Os ácidos gordos circulam no sangue de forma livre, ligados à albumina ou como
triglicéridos nos quilomicra e lipoproteínas. O miocárdio utiliza preferencialmente os AGL
podendo também hidrolisar os triglicéridos da circulação ou endógenos (no esforço intensa ou
jejum prolongado), uma vez que possui elevada concentração de lipoproteinolipases no espaço
intersticial e na membrana celular (sarcolema). Após refeição rica em gorduras, o miocárdio
pode extrair AGL dos quilomicra (1-7).
O conteúdo plasmático em AGL depende da dieta e da mobilização destes a partir do
fígado e do tecido adiposo, fenómeno que é regido por controlo hormonal. As catecolaminas
aumentam os AGL no sangue arterial e condicionam maior extracção pelo miocárdio. A insulina
diminui os AGL e diminui a captação destes pelo miocárdio. O processo de captação não
necessita de energia e funciona obedecendo a gradientes de concentração entre o plasma e o
interior da célula. Se houver consumo aumentado (oxidação) no interior da célula, por aumento
das necessidades energéticas, aumenta a captação dos AGL. É o que acontece, por exemplo,
quando aumenta a pressão intraventricular (1-7).
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214
O primeiro passo na cadeia metabólica dos AGL é a sua conversão em acil-CoA de longa
cadeia (activação) (7).
AGL + ATP + CoA acil CoA + Pi + AMP
sintetase
A sintetase do acil-CoA existe no miocárdio na parte externa da membrana mitocondrial
e tem a sua acção regulada pela concentração de CoA no citoplasma, pela relação ATP/AMP e
pela concentração de fosfato inorgânico (7, 14-16).
Após a activação, o acil-CoA pode ter dois destinos. Uma parte pode permanecer no
citoplasma e contribuir para a síntese de lípidos complexos e a outra pode atravessar a membrana
mitocondrial e ser oxidada. Este último é o destino mais frequente no miocárdio, para a grande
maioria das moléculas de acil-CoA resultantes dos AGL (7, 14-16)
Para a fase seguinte (oxidação) o grupo acilo precisa de ser removido do exterior da
membrana mitocondrial para a interior da mitocôndria. Para tal liberta-se do CoA e liga-se à
carnitina (por acção da carnitina acil-CoA transferase I) formando um complexo acil-carnitina
(7, 16, 22). A carnitina é um constituinte normal da grande maioria dos tecidos, sendo sintetizada
principalmente no fígado e apresentando no coração os seus níveis mais elevados apesar de não
ser aí sintetizada (25). A quantidade de carnitina disponível para formar acil-carnitina é que vai
decidir do destino do acil-CoA. Se existir em quantidade adequada o acil-CoA seguirá na via da
oxidação. Se faltar vai formar triglicéridos (7).
O complexo acilcarnitina uma vez formado vai atravessar a membrana mitocondrial por
acção de uma transferase (palmitilcarnitina transferase I) situada na porção exterior da
membrana mitocondrial, trocando com carnitina livre que se encontra no interior da mitocôndria
e que assim volta ao citoplasma, ficando de novo disponível para formar mais acilcarnitina.
Depois de chegar ao interior da mitocôndria o grupo acilo liberta-se da carnitina e liga-se
novamente ao COA (CoASH) existente no local, por acção de outra transferase
(palmitilcarnitinatransferase II) situada na face interior da membrana mitocondrial, reconstruindo
o acilo-CoA que entra de seguida na cadeia da -oxidação onde vai “sofrer” as transformações
necessárias até chegar a acetil-CoA que fica pronto a fornecer o ciclo de Krebs (7, 14-16, 22).
Quando o ventrículo desenvolve pressão elevada, durante a sístole, a oxidação dos AGL
acelera-se e os níveis de acil-carnitina aumentam em relação aos de acil-CoA que diminuem.
Nestas condições a -oxidação remove rapidamente o acil-CoA a uma velocidade superior à da
que o sistema de transporte acil-carnitina ou a transferase da porção interna da membrana
mitocondrial pode funcionar para renovar a reserva (7).
No esforço intenso pode haver inibição das transferases do interior da mitocôndria
(principalmente da transferase I da carnitina palmitil CoA) pelo lactato produzido nos músculos
esqueléticos levando à interrupção da -oxidação, assumindo nesta fase o lactato, o papel de
substrato energético principal. Por acção da desidrogenase láctica o lactato pode retornar a
piruvato o qual segue depois a via metabólica já descrita (7).
A inibição produzida pela lactato (ou outro metabolito alterado pelo lactato) sobre a
transferase, demonstra que esta enzima pode ser sensível não só a variações de substrato e seus
produtos mas também à acção de outros agentes. Como a malonil CoA inibe a transferase e o
miocárdio possui malonil CoA, pensa-se que a inibição da transferase pelo lactato, possa ser
mediado pelo malonil CoA (7, 26, 27).
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A captação e activação dos AGL são limitadas pela concentração intracelular destes, bem
como pela diminuição da disponibilidade do CoA e da carnitina no citoplasma (16). A
velocidade da -oxidação é regulada pela capacidade de reoxidação do NADH e FADH2 pela
disponibilidade de CoASH na mitocondria e também pela possibilidade de oxidação do acetil-
CoA pelo ciclo do ácido cítrico (7, 16).
Todo a acetil-CoA produzido na -oxidação deverá, para que a sua capacidade total
energética seja aproveitada, ser “absorvido” pelo ciclo de Krebs, tendo como única alternativa a
passagem do grupo acetilo para fora da mitocôndria, ligado à carnitina (acetilcarnitina),
regenerando acetil-CoA e carnitina (por acção conjugada de duas enzimas a carnitina acetil
transferase e a carnitina acetilcarnitina transferase) (7, 15, 16, 22). Quando no citoplasma se
acumulam a acetil-CoA e acetilcarnitina diminuem os níveis de CoA e carnitina disponíveis para
transporte intramitocondrial do acil-CoA. Neste caso a -oxidação diminui e aumenta o teor de
AGL no miocárdio. Se aumentar o trabalho cardíaco (esforço) o fluxo através do ciclo do ácido
cítrico aumenta também, permitindo o “escoamento” de mais moléculas de acetil-CoA e assim
os níveis citoplásmicos de acetil-CoA e acetilcarnitina também diminuem e a -oxidação é
estimulada (7).
Conforme já atrás referimos o miocárdio não sintetiza carnitina. A regulação dos níveis
desta substância no miocárdio é realizada por alterações na sua concentração sérica e pela
velocidade de transporte para dentro das células (7).
O CoA é sintetizado pelo coração a partir do ácido pantoténico captado do sangue
(controlo realizado pelo pantotenatocinase) (28).
A manutenção do funcionamento adequado do ciclo do ácido cítrico e da -oxidação
pressupõe a reoxidação constante do NADH formado em grande quantidade nestas duas etapas
decisivas para a produção de energia. Como o NADH formado no citoplasma (glicólise) não
pode atravessar directamente a membrana mitocondrial (nos mamíferos). são utilizados sistemas
indirectos de transporte em vaivém que no coração assumem importância vital. Existem vários
destes sistemas sendo predominante no coração o que utiliza o ciclo malato-aspartato. Neste
ciclo, o oxaloacetato do citoplasma é reduzido a malato que entra na mitocôndria, onde é
reoxidado a oxaloacetato com libertação de NADH que é reoxidado na cadeia de oxidação-
redução (cadeia respiratória). A saída de oxaloacetato da mitocôndria é cineticamente limitada,
por isso a oxaloacetato é preferencialmente transaminada com o glutamato originando aspartato
e -cetoglutarato. Este último pode sair da mitocôndria por troca com o malato, enquanto a saída
do aspartato se equilibra com a entrada de glutamato para completar o ciclo (7, 16).
Outro dos sistemas de vaivém utilizados na reoxidação do NADH é a que é realizado pela
interconversão dos corpos cetónicos acetoacetato/ -hidroxibutirato (29, 30). Estas substâncias,
no coração, além de contribuírem para a reoxidação do NADH, podem actuar como substratos
energéticos (1). Assim, o -hidroxibutirato quando é oxidado por uma desidrogenase dependente
do NAD, converte-se em acetoacetato (3). Este é por sua vez convertido em acetoacetil-CoA que
pode ser cindido até acetil-CoA, o qual poderá ser oxidado no ciclo do ácido cítrico (3). Durante
o jejum prolongado ou cetose diabética, pode haver uma preferência especial do miocárdio pela
metabolização dos corpos cetónicos como substrato energético, provocando inibição do
metabolismo da glicose e aumento do glicogénio cardíaco (3).
A metabolização de grandes quantidades de acetoacetato inibe a oxidação dos AGL, do
lactato e do piruvato, possivelmente por competir com o CoA disponível (31).
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CONCLUSÕES
O miocárdio é um tecido com elevadas necessidades energéticas, encontrando-se
altamente apetrechada para a via aeróbia de produção de energia.
A fosfocreatina assume no miocárdio um papel fundamental na manutenção dos teores de
ATP necessários ao funcionamento do aparelho contráctil, quer por fornecer rapidamente um
grupo fosfato ao ADP citoplásmico que resulta da hidrólise do ATP pelas proteínas contrácteis,
quer porque funciona como mecanismo de vaivém, permitindo a passagem do ATP mitocondrial
para o citoplasma.
Os substratos metabólicos utilizados são várias, explicando-se a preferência pelos AGL
durante a maior parte das 24 horas, pelo facto do miocárdio não possuir carboxilase pirúvica
impedindo desta forma o piruvato de passar directamente a oxaloacetato, ficando dependente da
sua ligação ao CoA para formar acetil-CoA, impedindo assim a glicose de se tornar o metabolito
energético preferencial, tal como acontece na maioria de todos os tecidos.
A utilização de substratos alternativos aos AGL depende fundamentalmente da ingestão
de alimentos, da actividade imposta ao coração e da acção de várias hormonas (insulina,
glicagina e catecolaminas).
O glicogénio cardíaco constitui uma reserva de substrato energético utilizável apenas em
situações de emergência, quando há compromisso isquémico.
A carnitina desempenha um papel chave na metabolização dos AGL pelo miocárdio,
permitindo o acesso do grupo acilo ao interior da mitocôndria onde será oxidado na cadeia da -
oxidação.
A capacidade de oxidação do acetil-CoA no ciclo do ácido cítrico, a reoxidação do
NADH e do FADH2 e a disponibilidade do CoASH na mitocôndria são os factores mais
importantes da regulação da velocidade da oxidação dos AGL.
A reoxidação constante do NADH, formado em grandes quantidades no ciclo do ácido
cítrico e na -oxidação dos AGL é um mecanismo fundamental para a manutenção da via
oxidativa do metabolismo energético do miocárdio. O NADH formado no citaplasma (glicólise)
não pode atravessar directamente a membrana mitocondrial. Por isso são utilizados sistemas
indirectos de transporte em vaivém (malato/asparato, acetoacetato/ -hidroxibutirato).
SUMMARY
A healthy heart is exclusively dependent an aerobic production of AIR (in the
mitochondrion) for the supply of energy to its contractile apparatus, by means
of the oxidation of different Krebs’ cycle substrates (dehydrogenation of citric
acid cycle intermediate metabolites requiring NAD+). Thus, in addition to CO2
discharge and consequent H+ and electron transport through the respiratory
chain (resulting in O2 consumption and H2O production), there is also an
oxidative phosphorylation where inorganic phosphate combines with ADP to
yield ATP. In the myocardium, outside postprandial periods, the predominant
substrates fan AIR production are free fatty acids (FFA). Blood glucose is
preferentially used in postprandial situations. During physical exertion, the
increased production of lactic acid in peripheral muscles favours its utilization
by heart muscle cells in the normal untrained individual. Myocardial uptake of
mast energetic substrates is directly proportional to their respective arterial
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concentration and coronary blood flow. The heart is particularly rich in
carnitin and carnitin-catalysed oxidation of FFA originates a great amount of
citric acid and ATP, which inhibits glucose utilization via inhibition of
phosphofructokinase (a key enzyme of glycolysis). On the other hand, excess
of acetyl-CoA and NADH2 (resulting from FFA oxidation) has a “pooling”
effect upon CoA residues, and inhibits pyruvate dehydrogenase, thus causing
an impaired transport of pyruvic acid into the Krebs’ cycle, thereby
contributing to a limitation of glycolysis. Glycogen in the heart is minimal and
fan practical purposes its level is almost constant (0.4 to 0.6% for fresh tissue
weight); consequently this substrate normally plays a negligible role in energy
production (except in situations of extreme and strenuous exertion, where its
phosphorylase is activated by great elevations of cAMP levels). Several
hormones take part in the energetic metabolism of the myocardium. Insulin
increases glucose uptake. During physical exercise, insulin secretion is
impaired, although it never reaches such low values, as to block the
physiological increase in glucose uptake. In this setting, a lower insulin
secretion originates an elevation of available FFA, by means of an increased
lipolysis in adipose tissue and additionally a increased glycogenesis in the
liver. These metabolic shifts are reinforced by the concerted actions of
glucagon and growth hormone. Catecholamines stimulate glycolysis (probable
effect upon phosphofructokinase), glycogenolysis (via phosphorylase
activation), and lipolysis. All these described actions of catecholamines are
potentiated in exertion states.
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Actas Bioq. 1989; 1:221-230 221
REGISTOS DA ELECTROGÉNESE CARDÍACA
Carlos Ribeiro
UTIC - Arsénio Cordeiro - Hospital Universitário de Santa Maria, Lisboa
SUMÁRIO
Definem-se e discutem-se as componentes dum sistema de aquisição de
fenómenos bioeléctricos nomeadamente sensores, transdutores,
amplificadores (amplificam e/ou filtram o sinal eléctrico), galvanómetros,
sistemas de registos (fotográfico, raios ultra-violetas, esguicho do tinta,
estilete do inscrição mecânica sobre papel especial termo-sensível, em fita
magnética) e de armazenamento das informações. Apontam-se os tipos de
eléctrodos (micro-eléctrodos, em fios de prata, de agulha, em placa, em anzol,
em botão, de sucção, agulha tipo Durrer com várias derivações,
electrocateteres) e as características das derivações (unipolares e bipolares).
Classificam-se e caracterizam-se os tipos de registos em intracelulares e
extracelulares. Estes dividem-se em directos (electrograma intracavitário,
electrograma do feixe de His; mapas endocárdicos; registos com eléctrodos de
sucção; mapas epicárdicos; registos intramurais e técnicas de estimulação
programada do coração) e indirectos (electrocardiograma clássico, do Holter e
de esforço; vectocardiograma o esferocardiograma; mapas torácicos, registo
precordial de potenciais de His e de potenciais tardios: análise de velocidade
espacial e da frequência das vibrações eléctricas cardíacas; análise do campo
magnético). São definidas as indicações, limitações e perspectivas futuras de
cada uma destas técnicas de registo da electrogénese cardíaca.
A actividade eléctrica cardíaca tem sido estudada por vários métodos, indo do estudo
global pelo electrocardiograrna periférico, até ao estudo de fibras rniocárdicas isoladas com
emprego de microeléctrodos.
Um sistema de aquisição dos fenómenos bioeléctricos pode ser esquematizado do
seguinte modo:
1. Um sensor que capta o sinal biológico.
Palavras-chave: Electrogénese cardíaca, electrografia directa electrografia indirecta
RIBEIRO C.
222
2. Um transductor que transforma o sinal biológico em sinal eléctrico.
3. Alguns amplificadores e modificadores que tornam o sinal eléctrico mais acessível ao
estudo, amplificação e filtragem.
4. Galvanómetros que transformam o sinal eléctrico em deflexão.
5. Um sistema de registo que permite a apresentação do fenómeno em osciloscópio e a
sua inscrição em papel (fotográfico, termo-sensível, directo a tinta...) ou em película
fotográfica.
6. Um modo de armazenamento que facilita a gravação em fita magnética ou a colagem
em carteiras próprias dos sinais eléctricos.
Eléctrodos
Os sensores que captam os fenómenos biológicos denominam-se eléctrodos. Os
eléctrodos são elementos condutores dos fenómenos biológicos até ao circuito de medida.
Existem vários tipos de eléctrodos: começamos por citar os micro-eléctrodos para
exp1oração intracelular. Utilizam-se dois tipos: a) micro-eléctrodos de vidro; b) micro-eléctrodos
metálicos.
Os micro-eléctrodos de vidro também denominados micropipetas, constam dum tubo de
vidro com 1 mm de diâmetro terminado em ponta. O micro-eléctrodo está cheio dum liquido
condutor e dum arame que permite a sua conexão ao sistema de registo. Os micro-eléctrodos
metálicos (aço, tungsténio, platina) são mais utilizados como eléctrodos de superfície, mas
podem também ser úteis para registos intracelulares. Também se usam na experimentação animal
eléctrodos em fios de prata e eléctrodos de agulha ou em placa que se divulgaram também para
registos de potenciais epicárdicos ou intramurais durante intervenções torácicas no homem. Os
eléctrodos de anzol, de latão, ou agulhas com vários canais, servem para a experimentação
animal e ultimamente também para a realização de mapas epicárdicos. Os electrocateteres
utilizados em estudos electrofisiológicos no homem, apresentam-se com grande variedade de
tamanho e de número de eléctrodos e com distâncias diversas entre os seus pontos terminais. É
muito divulgado o cateter de Berkovitz-Castellanos. É um cateter hexapolar com um par distal de
eléctrodos e dois pares proximais, estes separados do outro por 8 cm.
Eléctrodos de sucção - Com os electrocateteres de sucção colhe-se o potencial de acção
dm pequeno grupo de fibras cardíacas (1, 2). Este potencial de acção possui morfologia e
comportamento semelhantes aos obtidos com os micro-eléctrodos intracelulares, permitindo
assim uma aproximação electrofisiologia celular no coração “in vivo”.
O registo deste potencial de lesão, detectado durante a actividade cardíaca, dá origem a
um traçado constituído por ondas que se inscrevem num só sentido e com aspecto monofásico;
dai a designação de potencial de acção monofásico (Monophasic Action Potential: MAP)
Em 1931, Schutz (3) utilizou pela primeira vez o método de sucção para a criação duma
lesão local e o registo do MAP. Em 1936 (4) discute a relação entre os seus registos, o período
refractário e o ECG de superfície.
Olsson, a partir de 1970, publica vários trabalhos sobre o assunto (5-8) , estudando o
MAP auricular e ventricular no homem, e as suas modificações em função das alterações do
ritmo, de modificações iónicas e dos efeitos de drogas.
ELECTROGÉNESE CARDÍACA
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223
FIGURA 1
Cateter de sucção, modelo “Dupuis”. A: extremidade distal; B: extremidade
proximal; C: terminais de ligação.
Cateteres de sucção - Utilizam-se cateteres de sucção modelo “Dupuis” (fig. 1) tamanho
5F, com um lume de cerca de 0,5 mm, e um eléctrodo central de cádmio cromado de 0,15 mm de
diâmetro; a sua extremidade distal dista cerca de 0,5 mm da ponta do cateter (fig. 2) . O segundo
eléctrodo é um eléctrodo cilíndrico, colocado na parede do cateter, a cerca de 1 mm da sua
extremidade. A extremidade proximal do cateter tem uma forma que permite a sua ligação a uma
torneira de 3 vias e, por seu intermédio, a uma pequena câmara de pressão munida dum
manómetro, que nos permite a regulação da pressão negativa conseguida por um aspirador ligado
à citada câmara de pressão. Uma seringa com soro fisiológico e posta em comunicação com e
lume do cateter através dum dos ramos da torneira de três vias, e que nos permite evitar a entrada
de sangue para dentro do cateter antes da sua aposição às paredes cardíacas.
RIBEIRO C.
224
FIGURA 2
Cateter de sucção. Esquema. A: extremidade distal; 1:eléctrodo parietal; 2:
eléctrodo central; B: extremidade proximal; 3: ligação à câmara de presão.
A câmara de pressão e munida dum manómetro que permite a medição de pressões até
aos 800 mm de Hg.
Habitualmente, utilizam-se pressões negativas da ordem dos 400 mm de Hg.
Derivações
A corrente captada peles dois eléctrodos tem de ser introduzida nas duas entradas do
amplificador diferencial. A derivação não e mais do que a forma de realizar esta conexão. Há
dois tipos de derivações: unipolar e bipolar.
Nas derivações bipolares, cada um dos dois eléctrodos conectam com cada uma das
entradas do amplificador, enquanto nas derivações unipolares existe um eléctrodo explorador e
outro afastado ou indiferente.
Amplificadores
Os amplificadores transformam o sinal de entrada, amplificando-o e filtrando-o de forma
que o sinal de saída possa ser registado convenientemente no galvanómetro. Na definição dos
amplificadores temos de considerar as características de entrada (única eu dupla, impedância,
nível do sinal máximo...) a sensibilidade, a banda de preferencia e as características de saída
(única ou dupla, impedância ou nível do sinal máximo)
Nos amplificadores bio-eléctricos a entrada do sinal é dupla
ELECTROGÉNESE CARDÍACA
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A impedância de entrada do amplificador, é importante, principalmente quando se trata
de potenciais intracelulares, em que pequenas correntes enxertadas podem alterar o registo.
Pensa-se que a impedância de entrada deve ser pelo menos dez vezes superior à da impedância
da fonte de potenciais.
A sensibilidade dum amplificador resulta da capacidade de aumentar ou diminuir e sinal
eléctrico de entrada. O principal óbice ao aumento dos potenciais de entrada reside não só na
existência dum “ruído de fundo” devido a interferências electromagnéticas externas, nas também
ao “ruído” térmico secundário a fluxo de electrões.
O sinal eléctrodo captado e na verdade formado pelo somatório de ondas de diversa
frequência. Podemos filtrar as que não interessem e amplificar e registar as que desejamos
estudar. Há amplificadores DC que não filtram as frequências baixas e AC que filtram as
frequências baixas. Nos amplificadores em que se filtram as frequências altas e baixas podem
seleccionar-se só os registos que se querem estudar.
Galvanómetros e registadores
O galvanómetro de Arsonval é o utilizado universalmente como indicador de saída dos
sistemas de aquisição dos dados bioeléctricos. O sinal de entrada transforma-se numa deflexão
que pode ser visualizado por dois processos:
1. Por Osciloscópio de raios catódicos.
2. Por Registadores de inscrição directo com características diversas:
fotográficas, por raios ultra-violetas, por esguicho de tinta e por estilete de inscrição
mecânica sobre papel especial termo-sensivel.
A massa e a inércia das partes móveis do sistema de inscrição são factores fundamentais
na capacidade de resposta para registos de alta frequência. Os sistemas de estilete tem grande
inércia e só permitem registos satisfatórios para baixo de 50-100 cps. Os outros sistemas
apontados têm frequências de resposta superiores a 1000 cps.
A inscrição per esguicho de tinta é mais barata, se bem que haja mais dificuldade em
armazenar os resultados. É importante escolher a velocidade de deslocação do papel. A
velocidade habitual na clinica de 25 mm/s só permite, com segurança, medidas de 20 ms. A
100 mm/s a segurança passa para 5 ins, enquanto a 400 mm/s a segurança chega a 1 ins.
Geralmente utiliza-se em medidas de precisão a velocidade de 200 nm/s.
O osciloscópio de raios catódicos não tem inércia mecânica, tendo uma frequência de
resposta superior à dos sistemas de inscrição directa. Utiliza-se este método para estudes de
precisão notadamente os potenciais intracelulares, recorrendo-se então ao registo fotográfico.
Os registos em fita magnética tem a vantagem de proporcionar um armazenamento que
permite estudos e visualizações repetidos e quando desejados.
Tipos de registos
Os tipos de registos dependem fundamentalmente do local onde se capta o sinal eléctrico,
que podo ser intracelular ou extracelular, directo ou indirecto.
A - Directos - quando se situam nas estruturas cardíacas
a) Electrograma intracavitário
b) Electrograma do Feixe de His
c) Mapas endocárdicos
RIBEIRO C.
226
d) Registos com eléctrodos do sucção
e) Mapas epicárdicos
f) Registos intramurais
g) Técnicas de estimulação programada do coração
B - Indirectos - quando a electrogénese cardíaca se capta à superfície corporal
a) Electrocardiograma: Clássico; Dinâmico; Esforço; Esofágico.
b) Vectocardiograma
c) Mapas electrocardiográficos torácicos
d) Registo de potenciais tardios
e) Análise de velocidade espacial da frente de activação cardíaca
f) Análise das frequências das vibrações eléctricas cardíacas
g) Análise do campo magnético.
A - a) O Electrograma Intracavitário permite a recolha de potenciais eléctricos dentre das
cavidades cardíacas e define muitas vezes a origem de certas taquicardias e a posição
dos cateteres.
b) O Electrograma do feixe de His obtém-se a partir de várias técnicas. No homem utiliza-
se geralmente a técnica de Seldinger introduzindo o electrocateter por via venosa
femural, sob controlo fluoroscópio, e depois em função dos registos endocavitários
obtidos, assim só determina a sua posição. Deste modo é possível definir os intervalos
PA, AH, HV, utilizando derivações de superfície geralmente Dl, D3 e Vl. A existência
duma derivação intra-cavitária alta facilita a medição do intervalo PA.
Os registos por via arterial, com o cateter situado no seio não coronário da aorta,
descrito por Norula, são reservados quase só ao animal de experiência. Quando há
problemas com a utilização das veias safenas (embolias pulmonares, tromboflebites dos
membros inferiores, obesidade extrema, amputados, patologia inguinal...) Norula
preconiza as veias do braço.
c) Mapas endocárdicos
Trata-se do registo de potenciais a nível endocárdico permitindo a obtenção da
sequência da activação, quer em ritmo sinusal, quer durante arritmias. Esta exploração
pode ser feita com electrocateteres ou com eléctrodos manuais durante 0a cirurgia de
coração aberto. É importante e registo dos mapas endocárdicos para a definição da
origem das taquicardias auriculares e ventriculares e das vias acessórias da condução.
Utilizam-se geralmente registos na aurícula, dois no seio coronário e o electrograma do
feixe de His. Quando se precisa dum mapa mais ilustrativo, um dos cateteres deve
deslocar-se e colher potenciais em diferentes pontos.
O mapa ventricular foi desenvolvido e sistematizado por Josephson e permite o registo
do 6 pontos no ventrículo esquerdo. Tem interesse para definir a origem de taquicardias
ventriculares, podendo adicionar-se para maior precisão a técnica de estimulação
programada, a fim do encontrar um local em que se reproduza a morfologia da
taquicardia anteriormente registada no electrocardiograma de superfície.
d) Registos com eléctrodos de sucção
Os estudos dos potenciais de acção monofásicos recolhidos por eléctrodos de sucção,
foram desenvolvidos principalmente por Ollson.
O registo dos potenciais de acção monofásicos é muito semelhante aos potenciais
intracelulares e pode ser realizado tanto nas aurículas como nos ventrículos. Todavia a
ELECTROGÉNESE CARDÍACA
Actas Bioq. 1989; 1:221-230
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duração da colheita não deve ultrapassar os 2 minutos para evitar lesões locais
irreversíveis.
O registo destes potenciais é geralmente realizado com a colheita dos potenciais do
feixo do His e tem interesse para definir a acção de certos fármacos.
e) Mapas epicárdicos
Os registos epicárdicos permitem estudar a sequência da activação epicárdica tanto no
coração normal como em casos patológicos nomeadamente síndrome de pré-excitação
ventricular e taquicardias ventriculares e na definição de zonas do ressecção no
tratamento cirúrgico da cardiopatia isquémica. A união de pontos com tempos de
activação semelhantes permite a definição do um mapa de linhas isócronas.
f) Registos intramurais
Os registos intramurais permitem o estudo da activação da parede livre e septal
ventricular com agulhas, tipo agulha-elétrodos do Durrer, que tivermos ocasião do
utilizar em experiências em cães, para definição do local da interrupção nos bloqueios
intraventriculares esquerdos e no estudo da acção de fármacos anti-arrítmicos sobre os
potenciais intra-septais (9-12)
g) Técnicas de estimulação programada do coração.
A análise dos estudos electrofisiológicos compreende a definição duma série do
parâmetros electrofisiológicos básicos nomeadamente intervalos e períodos refractários.
A análise o interpretação de arritmias espontâneas ou provocadas por métodos do
estimulação programada. Inclui por vezes a análise da resposta de fármacos ou a
“pacing” com vista a terapêuticas agudas ou crónicas.
B - a) Electrocardiograma
Clássico - suficientemente difundido habitualmente de 12 derivações podendo associar-
se V7 - V8 - VD3 - VD4 - epigástrica - esofágicas, segundo o caso clínico estudado.
Electrocardiografia de Holter ou Dinâmica - Introduzido em 1961 por Holter o registo
contínuo do ECG do 6 - 12 - 24 - 48 horas permite o estudo das alterações do ritmo, da
condução cardíaca e da presença do isquémia do miocárdio correlacionados quer com
certos quadros clínicos (síncopes, palpitações, angina...) , quer com diversas situações
(desporto, sono, actividade sexual...) , quer ainda sob influência do fármacos.
O sistema básico consta:
1. Um aparelhe de registo magnético colocado numa mini-cassete portátil com
velocidade muito lenta permitindo um registo de 24 horas.
2. Um analisador de registo que permite uma leitura rápida do electrocardiograma
recolhido durante 24 heras ou 20-30 minutos.
3. Eléctrodos e derivações
Os eléctrodos conectam o aparelho do registo ao torax do doente.
Geralmente registam-se duas derivações V5 e V1 “like”
Os registos de Holter vieram trazer avanços impetrantes no estudo das disritmias e
dos defeitos da condução sendo menos específicos na definição da isquémia do
miocárdio.
Provas de Esforço
RIBEIRO C.
228
Temos do considerar vários tipos de teste do esforço, que vão depender dos dados a
analisar, do grupo do indivíduos a estudar, da familiaridade da equipa com o aparelho, da
intensidade do esforço pretendido e dos custos e do espaço disponíveis.
Usam-se como aparelhos: Tapete rolante, cicloergómetro e os degraus variáveis.
Utilizam-se protocolos de nível único, de níveis múltiplos (pesados, leves,
fisiológico), testes máximo ou limitado por sintomas e testes sub-máximos ou limitados
pela frequência cardíaca.
As aplicações das provas de esforço são as seguintes:
- Avaliar sintomas (dor torácica, palpitações, dispneia),
- Estimar a gravidado da doença coronária,
- Predizer futuros acontecimentos cardíacos,
- Apreciar efeitos terapêuticos (fármacos, cirurgia cardíaca, treino físico)
- Guiar a reabilitação no pós-enfarte do miocárdio,
- Determinar e precisar a capacidade funcional (em valvulares...),
- Escolher programas de treino físico,
- Avaliar profissionais de alto risco (pilotos...)
- Estudar factores do risco em assintomáticos , nomeadamente a isquémia
silenciosa e arritmias.
b) Vectocardiograma
É a representação sequencial dos vectores médios sucessivos da activação
cardíaca num plano. Utilizam-se geralmente planos ortogonais (H, F, S,) dependendo
de eixos x , y , z ). Os métodos do recolha são vários, tendo sido mais difundidos os de
Grishman e posteriormente o de Frank o e do McFee Parungao. Estes pretendem com
mais eléctrodos e com resistências várias corrigir a homogeneidade do meio e tornar a
fonte dos potenciais cardíacos como correspondendo a m ponto central do torax.
A vectocardiografia é útil como complemento dos estudos electrocardiográficos,
nomeadamente na melhor definição da área de necrose, nos bloqueios e no WPW.
A polarcardiografia ou a esferocardiografia são representações da electrogénese
cardíaca semelhantes às da vectocardiografia.
c) Mapas electrocardiográficos torácicos
Os mapas electrocardiográficos torácicos constituem um sistema de estudo
“semelhante” aos mapas epicárdicos. Cabe aqui aceitar que o registo à superfície do
tórax dos potenciais cardíacos e dependente de vectores sucessivos representativos da
actividade eléctrica global cardíaca momentânea, adicionada todavia de vectores
representativos da actividade eléctrica regional.
A aceitar tal somatório os mapas torácicos devem trazer um aumento de
informação em relação ao ECC clássico e ao VCG.
É útil pois, na localização das áreas de pré-excitação, na determinação das áreas
de necrose ou de lesão, na localização de zonas com a repolarização alterada e para
aventar hipertrofias locais ou seleccionar doentes com risco arritmogénico.
Existem dois tipos de “mapping”:
O mapa precordial, em que se utilizam 30 eléctrodos sistemáticos na parede
anterior do tórax e que preferencialmente serve para definir o tamanho do enfarte.
Chama-se a atenção para o mapa da parede anterior do hemitórax direito com vista à
definição do enfarte do ventrículo direito.
ELECTROGÉNESE CARDÍACA
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No mapa torácico total, utilizam-se geralmente 192 eléctrodos. Necessita
sofisticados meios de colheita simultânea e de um computador devidamente
programado para realizar os mapas de isopotenciais e de curvas do isoáreas.
As curvas isopotenciais melhoram o diagnóstico nomeadamente, no enfarte
crónico dorsal, nas alterações de condução intraventricular direita e na determinação de
zonas de pré-excitação no WPW.
Os mapas isoáreas permitem detectar alterações regionais primárias na
repolarização cardíaca e delimitar grupos de doentes com alto risco arritmogénico.
Áreas iguais de complexos QRS a que correspondem ondas T com áreas
diferentes, podem significar existência de diferenças na repolarização ventricular em
determinada zona e que tal foco pode ser arritmogénico e justificar profilaxia
farmacológica ou física (desfibrilhador implantado)
d) Pós-potenciais tardios o precoces - Os pós-potenciais tardios e os precoces registados à
superfície do torax com electrocardiógrafos de alta sensibilidade (idênticos a
electroencefalógrafos) permitem em certos casos experimentais e clínicos ser
premonitórios de arritmias graves nomeadamente taquicardia e fibrilhação
ventriculares. Esta associação todavia terá de ser confirmada de forma mais cabal no
futuro.
e) Velocidade Espacial
A análise da velocidade espacial da frente de activação tem vindo a crescer de
interesse.
O ECC e o VCC resultam duma progressão da onda de activação numa
determinada fracção sucessiva de tempo. É possível daí deduzir a velocidade dessa
onda de activação numa determinada fracção de tempo, por exemplo de 0,020 a 0,025
segundos antes do fim ou após o início da activação ventricular.
Para calcular a velocidade espacial do ECG registam-se as derivações x, y, z e
aplica-se a fórmula do Hellerstein o Hamlim.
No Grupo Cooperativo Português do Vectocardiografia foi utilizado este método para
definir se os bloqueios fasciculares anteriores esquerdos eram parietais ou septais (14).
f) ECC de Frequência
A análise do ECC em relação à frequência das vibrações eléctricas, tem merecido
grande atenção por parte de autores japoneses.
No ECC habitual os fenómenos eléctricos são registados em função do tempo. O
estudo dos componentes de frequência é uma técnica de grande interesse para definir
alterações do automatismo e da condução cardíaca, com perspectivas de grande
desenvolvimento futuro nas Unidades de Cuidados Intensivos e nas Unidades de
implantação de „pacemakers” autoprogramáveis e de desfibrilhadores implantáveis.
Magnetocardiografia
(d)2
dt
(d)2
dt
(d)2
dt+ +VE =
(d)2
dt
(d)2
dt
(d)2
dt+ +VE =
RIBEIRO C.
230
A introdução de sensores supercondutores no campo de metodologia biológica levou ao
desenvolvimento da magnetocardiografia que permite a definição da actividade eléctrica das
estruturas do tecido específico do coração.
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Actas Bioq.1986; 1:231-132 231
CONCLUSÕES E ENCERRAMENTO DO CURSO
J. Martins e Silva
Instituto de Bioquímica, Faculdade de Medicina de Lisboa, Av. Prof. Egas Moniz, 1600 Lisboa,
Portugal
Concluímos agora dois dias de intenso trabalho dedicado aos fundamentos da
"Contractilidade Muscular no âmbito do 1º Curso Avançado de Bioquímica Aplicada à
Medicina.
O programa apresentado justificou a associação cientifica e de trabalho prático comum de
dois serviços, um com vocação essencialmente hospitalar - a UTIC-AC do Hospital de Santa
Maria – e outro com características basicamente académicas, de ensino e investigação
experimental - o Instituto de Bioquímica, FML.
Consolidando o que o Professor Carlos Ribeiro afirmou na lição inaugural, desejamos
reafirmar o nosso desejo de que este vínculo de actividade partilhada permaneça e, sobretudo, se
fortifique em acções desdobradas que visem o aperfeiçoamento da ciência experimental numa
perspective aplicada a assuntos que, só na aparência, se afiguram com características
essencialmente clínicas. Da nossa parte - Instituto de Bioquímica - apraz-nos bastante registar
tão forte vínculo, como este que temos tido a felicidade de manter com a UTIC-AC, sob a
direcção do Professor Carlos Ribeiro, e que, após quase 10 anos, convergiu nesta iniciativa
pedagógica comum, dirigida a uma fase de pós-graduação plurifacetada em várias áreas da
Medicina.
Foi também uma grande honra para a Organização deste Curso ter merecido tão notável
leque de patrocinadores científicos como o verificado, e que, mais uma vez importa salientar por
elementar justiça, e que são os seguintes:
(i) Instituições académicas e do Ensino Superior:
Faculdade de Medicina de Lisboa
Reitoria da Universidade de Lisboa
Secretaria do Estado do Ensino Superior
(ii) Instituições científicas:
INIC
MARTINS E SILVA J.
232
(iii) Sociedades Cientificas:
Sociedade Portuguesa da Bioquímica
Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Será ainda importante realçar a colaboração que merecemos da Indústria Privada, com
actividade orientada para a área médica, e que co-possibilitaram a concretização deste Curso.
Nesta oportunidade, é-nos grato destacar e agradecer o apoio recebido de Bayer Portugal, Ciba-
Geigy Portuguesa, Companhia Higiene Portuguesa, HemoPortugal, Laboratórios Delta,
Munditer, Neo-Farmacêutica, Ranx-Xerox e Sogás.
Noutro nível importa dar o devido relevo à participação de prelectores oriundos não só da
Faculdade de Medicina de Lisboa/Hospital de Santa Maria, mas ainda da Faculdade de Ciências
Médicas, Faculdade de Medicina do Porto e Centro Gulbenkian de Ciência.
Com tão variado conjunto de especialistas, tornou-se visível a abordagem da
CONTRACTILIDADE MUSCULAR, desde as suas bases histológicas nos diversos tipos
musculares (por Trindade dos Anjos) até aos aspectos mais significativos da isquemia do
miocárdio (por Rafael Ferreira) e electrogénese cardíaca (por Carlos Ribeiro, Álvaro Bordalo,
Armando Longo, Bastos Machado), passando pelos fundamentos indispensáveis de Bioquímica
(Carlota Saldanha, João Freitas, Lúcio Botas, Martins e Silva), da Fisiologia (Joaquim Silva
Carvalho, Luís Silva Carvalho, Basílio Pinto) e Farmacologia (Serafim Guimarães, Polónia,
Alexandre Ribeiro), sem esquecer as particulares repercussões na Neurologia (Fernando
Morgado).
Tivemos assim a felicidade de congregar o muito saber e experiência de distintos
cientistas nacionais que, na área das ciências básicas - morfológicas ou experimentais - ou de
ciências clínicas, há muito cultivam aspectos tão importantes como os que aqui nos deram a
conhecer.
A tão favorável ambiente conjuntural, como o referido, foi ainda possível receber o
interesse de tão numeroso e interessado número de participantes que acompanhou, desde o
primeiro minuto, os trabalhos do Curso e que, por tal, justificam amplamente a nossa admiração
e agradecimento.
Estamos em crer que os objectivos traçados pela organização foram integralmente cumpridos. É
nossa convicção de que após estes dois dias de trabalho foi conseguida uma reciclagem e/ou
ampliação de conhecimentos iniciais. Estamos também certos de que o assunto discutido
suscitou motivações a concretizar em pesquisas em futuro próximo por bastantes participantes,
nos seus serviços de origem.
Os trabalhos estão concluídos.
Em nome da Organização, Secretariado e todos os que contribuíram directamente para o
bom êxito deste Curso, desejamos expressar os nossos cumprimentos de despedida e gratidão
pelo interesse revelado.