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7/26/2019 Barroco-segundo Bimestre 3P http://slidepdf.com/reader/full/barroco-segundo-bimestre-3p 1/43  1 Contextualização histórica do período Barroco (Palisca p. 307-15, Raynor 151-179 e 209-231) História da Música– Prof. José Ivo da Silva  Resumo - Renascença Maneirismos – final do século existe uma mistura de estilos gradualmente  processados, de forma complexa, em diferentes momentos e lugares.  Textura - Predominância de partes vocais polifônicas, começo de uma utilização homofônica (homorítmica) como resultado da escritura polifônica, herança para a  próxima geração.  Ritmo - regularidade previsível no apoio das alternâncias de consonância e dissonância com um ritmo básico binário alla breve alternando com uma proporção ternária ou com agrupamentos ternários dissimulados no compasso binário.  Música e Letra – A musica reservata, os matizes descritivos e expressivos do madrigal, as aberrações cromáticas de Gesualdo e as sonoridades esplendorosas dos maciços coros venezianos são outros tantos sinais da tendência, nas últimas décadas do século XVI, para uma viva exteriorização expressiva no domínio musical. Esta tendência é levada ainda mais longe no século XVII, tomando corpo nas novas formas da cantata e da ópera.  Com o nascimento das formas instrumentais puras (ricercare, canzona e toccata), a música do Renascimento tinha já começado a transcender as palavras; esta linha evolutiva prossegue também sem quebras nas épocas ulteriores. A canção solo utilizada como veículo de expressões dramáticas oriundas de peças líricas de gêneros como a canção solo do Renascimento e os diferentes estilos de madrigais. Os violentos estados de alma expressos por Gesualdo e Gabrieli através de um conjunto de vozes passam a exprimir-se em solos com acompanhamento instrumental Barroco Termo “Barroco”: Tal designação, em português, deste termo se dá às formas irregulares de uma perola, tem um sentido pejorativo de anormal, bizarro, exagerado, de mau gosto e grotesco. Um crítico anônimo qualifica de barocque a música do  Hyppolyte et Aricie de Ramaeu, estreada em 1733, na opinião dele, era barulhenta, pouco melodiosa, caprichosa e extravagante nas modulações, repetições e flutuações métricas .

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Contextualização histórica do período Barroco(Palisca p. 307-15, Raynor 151-179 e 209-231)História da Música– Prof. José Ivo da Silva 

Resumo - Renascença

Maneirismos  – final do século existe uma mistura de estilos gradualmente processados, de forma complexa, em diferentes momentos e lugares.

•  Textura  - Predominância de partes vocais polifônicas, começo de uma utilizaçãohomofônica (homorítmica) como resultado da escritura polifônica, herança para a próxima geração.

•  Ritmo  - regularidade previsível no apoio das alternâncias de consonância edissonância com um ritmo básico binário alla breve alternando com uma proporçãoternária ou com agrupamentos ternários dissimulados no compasso binário.

•  Música e Letra – A musica reservata, os matizes descritivos e expressivos domadrigal, as aberrações cromáticas de Gesualdo e as sonoridadesesplendorosas dos maciços coros venezianos são outros tantos sinais da tendência,nas últimas décadas do século XVI, para uma viva exteriorização expressiva nodomínio musical. Esta tendência é levada ainda mais longe no século XVII,tomando corpo nas novas formas da cantata e da ópera.

• 

Com o nascimento das formas instrumentais puras (ricercare, canzona etoccata), a música do Renascimento tinha já começado a transcender as palavras;esta linha evolutiva prossegue também sem quebras nas épocas ulteriores. A cançãosolo utilizada como veículo de expressões dramáticas oriundas de peças líricas degêneros como a canção solo do Renascimento e os diferentes estilos de madrigais.Os violentos estados de alma expressos por Gesualdo e Gabrieli através de umconjunto de vozes passam a exprimir-se em solos com acompanhamentoinstrumental

Barroco

Termo “Barroco”:

Tal designação, em português, deste termo se dá às formas irregulares de umaperola, tem um sentido pejorativo de anormal, bizarro, exagerado, de mau gosto egrotesco.

Um crítico anônimo qualifica de barocque  a música do  Hyppolyte et Aricie  deRamaeu, estreada em 1733, na opinião dele, era barulhenta, pouco melodiosa, caprichosae extravagante nas modulações, repetições e flutuações métricas.

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 No século XIX, Jacob Burchardt e Karl Baedeker, utilizarão este com um sentidoglobalmente mais favorável – como tendências ostentosas, decorativas e expressionistasda pintura e arquitetura de Seiscentos.

 Na década de 1920, este termo é aplicado na história da música, designado ao período dos finais do século XVI até cerca de 1750. O período barroco abarcou uma

diversidade de estilos  demasiado grande para ser englobado em um único termo,raramente utilizado para definição de um estilo, porém evoca a cultura artística eliterária de toda uma época.

Condicionamentos geográficos e culturaisAs concepções italianas dominaram o pensamento musical deste período. Uma

Itália formada por cidades-estados. Dividida em zonas governadas por Espanha e pelaÁustria, nos Estados Pontifícios e alguns poucos estados independentes.

•  Veneza – apesar de sua impotência política – um grande centro musical;•  Nápoles – outro centro musical durante a maior parte do século XVIII;•  Roma – exerceu influência sobre a música sacra e durante algum tempo, no século

XVII, foi um importante centro da ópera e da cantata;• 

Florença – período de esplendor no início do século XVII.

França –  a partir de 1630 desenvolveu um estilo nacional que resistiu a influência italianadurante mais de cem anos.Alemanha – uma cultura debilitada viu-se submersa pela calamidade da guerra do TrintaAnos (1618-1648), porém as gerações seguintes têm um vigoroso ressurgimento na músicade Johann Sebastian Bach.Inglaterra – as glórias dos períodos isabetano e jacobita desapareceram com o período daguerra civil e da Commonweath (1642-1660), obteve um breve brilho de ressurgimento, emfinais do século, seguiu-se uma quase total capitulação perante o estilo italiano.

A primazia musical italiana durante o período barroco não foi absoluta, masmesmo os países que desenvolveram e conservaram o idioma nacional próprio nãoescaparam à influência italiana.

Na França o compositor cujas obras mais contribuíram para firmar um estilonacional francês a partir de 1660, foi Jean-Baptiste Lully, era de origem italiana.

Os alicerces do estilo italiano estão presentes na arte de Bach e Haendel.No final do período barroco a música européia tinha se convertido numa

linguagem internacional com raízes italianas.Durante o período de 1600 a 1750:

• 

Colonização das Américas;• 

Período de governos absolutos, o mais importante deles, modelo para governos demenor envergadura em finais de século XVII e início de XVIII, foi a corte de LuísXIV – Rei Sol (1643-1715); Absolutismo – forma de governo que o poder écentralizado na figura do monarca, que o transmite hereditariamente – é umsistema especificamente europeu dos séculos XVI e XVII. (Teoria do direitodivino dos reis – Bispo Bossuet). Aspectos do absolutismo – concentração depoder na figura do rei, a existência de burocracias e exércitos públicos, oenfraquecimento dos vínculos feudais e a mercantilização da economia .

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• 

Outros patronos – papas, imperadores, reis da Inglaterra, Espanha e de outrosestados menores na Itália e Alemanha que regulamentavam suas instituiçõesmusicais, quer fossem eclesiásticas ou seculares.

• 

A Igreja, mesmo ainda promovendo a música, diminui seu poder em relação aos períodos anteriores.

 

Organizações particulares, as academias, promovem a atividade musical paralelamente aos patrocínios aristocráticos, cívicos e eclesiásticos – mas osconcertos públicos ainda são raros  (Veneza, Inglaterra em 1672; Alemanha em1722 a França em 1725). No Raynor fala em concertos públicos anteriores emVeneza.

Literatura, Arte, ciência e filosofia;•  Literatura – na Inglaterra: John Donne; John Milton (1608-1674), político,

dramaturgo, poeta; Espanha: Cervantes; na França: Racine, Corneille eMolière.

 

Pintura –  nos Países Baixos: Rubens, Rembrandt ...; na Espanha Velásquez,Murillo; na Itália Caravaggio o escultor  Bernini (Êxtase de Santa Tereza,1647) e o arquiteto Borromini (igreja de Santo Ivo em Roma c.1645),

•  Filosofia –  Bacon, Descartes e Leibniz ...•  Ciência –  Galileu, Kepler e Newton – nascimento da ciência moderna.

Monteverdi (Cremona 1567-1643) – Prima e Seconda Prattica 

Cinco anos da publicação do Livro V, o cônego Bolonhês Giovanni Maria Artusi (c.1540-1613), sábio teórico e músico conservador, publica parte de  Artusi, ovvero Delleimperfettioni della musica moderna, que visa Monteverdi sem nomeá-lo, pois suas palavrassão ilustradas por extratos de seus madrigais e  schezi musicali  ainda inéditos, dentre osquais a admirável Cruada Amarilli ... Em resposta a esse panfleto, Monteverdi anuncia, no prefácio do Livro V, a próxima publicação de um tratado teórico, que deverá intitular-seSeconda prattica, ovvero perfettioni della musica moderna. Esse projeto nunca serárealizado, mas, Dichiarazione publica como apêndice dos Scherzi musicali de 1607, GiulioCesare expõe claramente as idéias do irmão a analisa a antítese  prima e seconda prattica:de um lado, a polifonia da Renascença, que consagra a autonomia das regras decomposição musical; de outro, o estilo moderno, em que a expressão poética impõe àmúsica sua forma e seu caráter. (Candé I, p. 434)

- prima prattica: estilo polifônico tradicional, o de Marenzio – Missa, Livros I a IVdos madrigais e uma parte do Livro V;

- seconda prattica: (citada 1ª vez em 1605) subordinação da música ao texto poético, necessitando da criação de um novo estilo melódico (stile rappresentativo) de

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acordo com os princípios humanísticos florentinos, emprego do baixo continuo, riqueza dainstrumentação nas obras para o teatro ou igreja – Livros V a IX dos madrigais, Orfeo,Vespro della Beata Vergine, Selva morale.

O stile concitato  (após 1624), apresentado no prefácio do Livro VIII, consagra otriunfo da  seconda prattica. Com uma instrumentação sóbria e veemente (concitata), uma

escrita vocal expressiva em que aparecem a ária da capo e o recitativo secco, é porexcelência um estilo dramático, o do Livro VIII dos madrigais, do Ritorno d’Ulisse e deL’incoronazione de Poppea.

1638 (Livro VIII) – Madrigali guerrieri et amorosi com alcuni opuscoli in generirappresentativo  ... compreendendo duas partes: os Canti guerreri   e os Canti amorosi .Seria preciso citar tudo desta extraordinária coletânea, sem equivalente na história damúsica. No prefácio, Monteverdi constata que não existiam na música de tempo mais quedois gêneros, correspondentes a dois tipos de sentimentos: o molle  (suave) e o temperato (moderado). Ele não encontra em parte alguma o terceiro tipo de emoção, reconhecido pelos “melhores filósofos”, o concitato (veemente, agitado), que ele define, referindo-se aoterceiro livro da República de Platão, como a imitação das palavras e dos acentos de umhomem que parte corajosamente para o combate. Para exprimir musicalmente esse tipo deemoção, ele inventa o  stilo concitato, em que um equivalente do metro pírrico (U U) éobtido por notas rápidas repetidas (divisões da colcheias) Esse achado não é essencial doLivro VIII, mas produz um prodigioso efeito nas seqüências de combate do Combattimentodi Tancredi e Clorinda (12° canto (52,62, e 64-68) da Gerusalemme liberata de Tarso).

De maneira geral, prima prattica é o estilo antigo, de Palestrina, com suas regrascuidadosas quanto ao uso da dissonância, sendo que a beleza da melodia e do contrapontovem antes do texto. A seconda prattica não "libera" as dissonâncias, no sentido daemancipação da dissonância ocorrida no século XX, como definida por Schoenberg. Asdissonâncias continuam sendo consideradas "duras" mas seu uso se justifica para expressaro conteúdo afetivo do texto. A seconda prattica nunca foi realmente sistematizada. Temosuma definição genérica de Monteverdi. Quanto ao uso de dissonâncias e outros intervalos proibidos na prima prattica adotados na seconda prattica, vc pode ler na minha dissertação,mas os ex não serão em Monteverdi...

Em 1605 Monteverdi estabelecia a distinção entre a  prima prattica ( stilo antico) esecunda prattica  ( stilo moderno), a primeira entendia o estilo de polifonia vocalrepresentado por Willaert e codificado nos escritos de Zarlino; pela segunda o estilo dosmodernos italianos (Rore, Marenzio  e ele próprio), na primeira prática a músicadomina o texto, na segunda prática o texto domina a música, daqui decorria que nonovo estilo as antigas regras podiam ser modificadas e, em particular , que as dissonânciaspodiam ser mais livremente utilizadas para adequar a música à expressão dossentimentos do texto. (Palisca)

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Escrita Idiomática -

Desenvolvimento de uma escrita solística (violino, voz).  Na Itália a família dosviolinos começa a substituir as antigas violas e os compositores aí desenvolviam um estiloespecificamente violinístico, os franceses começaram a cultivar a viola, que se tornou, nos

últimos decênios do século XVII, o instrumento mais apreciado no país. (ver Harnoncourt,O discurso dos sons, p.129-155). De certo modo os instrumentos de sopros foram sendotecnicamente aperfeiçoados e passaram a ser usados de acordo com seus timbres e recursos particulares. Desenvolveu-se um estilo especifico para teclado, algumas indicações dedinâmicas, a arte do canto é promovida por mestre e virtuoses avançando rapidamente – oBel Canto. Distinção entre estilos vocal e Instrumental.

A teoria dos afetos e a representação das paixões

Como uma extensão da música reservata renascentista, na teoria dos afetos os

compositores procuram exprimirem, ou antes, representarem, uma vasta gama de idéias esentimentos com a máxima vivacidade e veemência. Assim procuravam encontrar meiosmusicais para exprimirem afetos ou estados de espírito, como a ira, a agitação, a majestade,o heroísmo, a elevação contemplativa, o assombro ou a exaltação mística, e deintensificarem estes efeitos musicais por meio de contrastes violentos.

A Grécia Antiga como modelo – Édipo Tirano – tradução de Orsatto Giustiniani ea música composta por Andrea Gabrieli – só os coros foram cantados em estilo homofônicoe declamatório que sublinhava o ritmo da palavra falada.

Girolamo Mei  – erudito Fiorentino (em Roma como secretário de um cardeal),edição de tragédias gregas, minuciosa investigação sobre música grega, em particular o seu papel no teatro, estudou entre 1562-1573, no original grego quase todas as obras da

antiguidade apresentado em um tratado –  De modis musicis antiquorum  (Acerca dosModos Musicais dos Antigos). Cerca de 1577, cartas de Mei sobre música grega estavam presente na agenda da Camerata Fiorentina (Giovanni Bardi, Vincenzo Galilei, GiulioCaccini, ...).

Vincenzo Galilei (Pai do astrônomo), em 1581, publica Dialogo della musicaantica e della moderna (Diálogo sobre Música Antiga e Moderna), seguindo as doutrinasde Mei. A sua tese, em resumo, era a de que só uma única linha melódica, com altura desom e ritmos apropriados para exprimir um dado verso.

Desde o início do século XVII, surgiu na Itália o stilo rappresentativo, commadrigais e óperas de Monteverdi. Por outro lado, o stilo recitativo  trouxe ênfase a

recitação, ao aspecto oratório e textual na música vocal, aproximando-se da linguagemfalada e permitindo o bom entendimento do sentido das palavras que eram cantadas. Osdois estilos, cada qual à sua maneira, foram apenas expressão de uma única tendênciafundamental: a de representar o sentido das palavras, um conteúdo extramusical, ouuma idéia poética cujo veículo seria a obra musical vocal ou vocal-instrumental, comoa ópera, o madrigal, o oratório, o moteto, a cantata ou a paixão. O recitativo como ogesto vivo da palavra falada e da eloqüência do orador, a música a serviço da palavra eda compreensão do texto literário.

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Assim a música barroca encontrou toda espécie de formulas melódico-rítmicas ou“figuras” musicais mais ou menos estereotipadas, aptas a expressar os diferentes tipos de paixões, de emoções e sentimentos, que foram teoricamente codificados e elaborados,sobretudo na Alemanha (affektenlehre). Ao elaborar seu próprio código, que a habilitaria acomunicar idéias e sentimentos determinados, a música barroca foi se tornando, pouco a

 pouco, cada vez mais simbólica, particularmente em Bach, mais tarde. Os músicos dotempo de Luís XIV obedeciam a um gosto corrente ao indicarem, por meio de títulos, oconteúdo imitativo ou pitoresco de suas composições instrumentais. Os primeiros passos damúsica “representativa”, que precede a música “de programa” do século XIX, coincide, noséculo XVII, com a emancipação e o desenvolvimento mais acentuado da músicainstrumental. (Massin)

Aspectos rítmicos

A tensão entre o desejo de liberdade expressiva e o de ordem na composiçãomanifesta-se na concepção das duas práticas de Moteverdi. Evidencia-se assim duas formas

de abordar o ritmo nesta época: (1) o ritmo de métrica regular, com barra decompassos: (2) o ritmo livre, sem métrica, utilizado nas peças instrumentais solística,de caráter recitativo ou improvisatório.

Os ritmos regulares de dança já eram conhecidos na Renascimento, mas só noséculo XVII é que a maior parte da música começou a ser escrita e ouvida emcompassos, estruturas definidas de tempos fortes e fracos. A princípio estas estruturasnão eram regularmente recorrentes; o uso de uma única indicação de compassocorrespondente a uma sucessão regular de estruturas harmônicas e de acentos,separadas por barras de compasso a intervalos regulares, só se tornou corrente apartir de 1650.

A irregularidades rítmicas ocorriam paralelamente em gêneros como tocatas

instrumentais e recitativos vocais. Tais irregularidades eram usadas sucessivamente emassociações como tocata e fuga ou recitativo e ária.

Baixo contínuo

O contraste de textura entre o barroco e o renascimento (polifonia de vozesindependentes), apresenta no barroco um firme baixo e uma voz aguda ornamentada,com uma coesão entre ambos assegura por uma harmonia discreta. Embora já existiamalgumas semelhanças no estilo da cantilena do século XIV, na chanson borgonhesa, na frottola primitiva, nas canções com acompanhamento para alaúde do século XVI e noair  isabelino. O que diferenciava era:

• 

A ênfase posta no baixo;•  O isolamento do baixo e do soprano como duas linhas essências da textura e uma

aparente indiferença às partes intermediárias como linhas melodias;•  O que resulta em um sistema de notação denominado baixo contínuo  - o

compositor escrevia uma melodia e o baixo (tocado por um ou mais instrumentos –cravo, órgão, alaúde – reforçado por um instrumento de apoio como viola da gambá baixo, um violoncelo ou fagote, e acima das notas do baixo o executante do

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instrumento de teclado ou o alaudista colocava os acordes convenientes , cujas notasnão estavam escritas);

•  O modo de execução destas notas intermediárias (acordes em estado defundamental, retardos, acidentes ocorrentes) era indicado pelo compositor atravésde pequenas cifras, o baixo cifrado, de forma que o gosto e a perícia do intérprete,

com uma larga margem para a improvisação no âmbito estabelecido pelocompositor, podia tocar acordes simples, introduzir notas de passagem ouincorporar motivos melódicos em imitação do soprano ou do baixo;

•  A realização do baixo contínuo nem sempre era fundamental, tendo em conta queem algumas vezes essas notas eram realizadas por partes vocais ouinstrumentais, um exemplo são os motetos ou madrigais a quatro ou cinco vozesquando o contínuo não fazia outra coisa se não dobrar ou apoiar as vozes , masnos solos e duetos o contínuo era necessário para completar a harmonia e produziruma sonoridade mais plena designada ripieno, termo do domínio da culinária quequer dizer recheio.

O Novo contrapontoA utilização do baixo contínuo não significou uma rejeição total do contraponto do

século XVI no período nascente. Excetuando situações em que o contínuo era usado comoacompanhamento de um solo, a polifonia se mantinha como base da composição. Várioscompositores continuaram escrevendo motetos e madrigais sem acompanhamento (embora, por vezes, seguia a prática corrente, acrescentando-lhe um baixo contínuo). Assim, umnovo tipo de contraponto foi gradualmente emergindo no século XVII. Era aconjugação de diferentes linhas melódicas; agora essas linhas tinham de encaixar todasno quadro de uma série de simultaneidades ou acordes decorrentes do baixo contínuo ou definidas pelas cifras (números) que o acompanhavam. Eram os primórdios de um

contraponto dominado pela harmonia, onde as linhas individuais se subordinavam auma sucessão de acordes.

Dissonância e cromatismo

Começa-se a pensar a dissonância em relação ao acorde e não no intervalo entreduas vozes.

A prática da dissonância no início do século XVII era, em grande medida,ornamental e experimental; em meados do século chegou-se a um consenso quanto a certas

formas de controle da dissonância. O papel da dissonância na direção tonal de uma peçatornou-se muito evidente, em particular na música instrumental de Corelli e outroscompositores de finais do século XVII.

O cromatismo seguiu uma evolução análoga; das incursões experimentais àliberdade no âmbito de uma estrutura ordenada. As harmonias cromáticas de Gesualdo noinício do século XVII eram digressões expressionistas  no âmbito de um encadeamentofrouxo de partes ligadas entre si pelo fato de se confinarem todas aos limites de um modo.Ao longo de todo o século XVII o cromatismo ganhou especial destaque na composição

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sobre textos que requeriam meios expressivos especialmente intensos e em peçasimprovisatórias como as tocatas de Frescobaldi e Froberger. Mas mais tarde oscompositores vieram a integrar a dissonância, tal como haviam feito com o cromatismo,num vocabulário controlado por uma perspectiva global de direções tonais de uma dada peça.

Esta perspectiva global era o sistema de tonalidade maior-menor com que nosfamiliarizou a música dos séculos XVIII e XIX. Este tipo de organização tonal começa ase esboçar na música do renascimento, em especial na segunda metade do século XVI .

O baixo contínuo cifrado teve uma grande importância nesta evolução teórica, pois sublinhava a sucessão dos acordes, isolando-os, por assim dizer, numa notaçãoespecial diferente da notação das linhas melódicas. O baixo cifrado foi o caminho peloqual a música transitou do contraponto para a homofonia, de uma estrutura linear emelódica para uma estrutura de acordes e harmônica.

Ópera no século XVII e XVIII/Primórdios até Escola NapolitanaPrincípios da Ópera na Renascença Italiana (Grout & Palisca - 316-335 e359-389)

No teatro do renascimento – tragédias e comédias imitavam o modelo grego (ou seinspiravam neles), os coros eram cantados no início e no fim dos atos, e entre os atos eracostume representar intermedi  ou intermezzi – interlúdios de caráter bucólico, alegóricoou mitológico.  Nas comemorações oficiais – casamentos reais – esses interlúdios eram

 produções musicais espetaculares e elaboradas com coros, solistas e grandes conjuntosinstrumentais. Muitos madrigalistas do século XVI escreveram música para intermedi , nofinal do século os motivos dramáticos invadiram já no próprio madrigal.

A maioria dos compositores italianos de madrigais do século XVI escreveu música para intermedi. A representação dos sentimentos era sublinhada musicalmente atravésda sugestão de ações referidas no texto – suspiros, choro ou riso. Quando a música eradirigida para um diálogo, as diferentes combinações de vozes representavam asdiferentes personagens, e o estilo cordal, silábico e declamatório contrastava com atextura polifônica normal.

 Madrigais  (mais próximo da idéia da ópera) tomados pelo compositor como textouma cena dramática de um poema – entre as fontes preferidas contam-se a epopéiaGerusalemme libertada  (Jerusalém Libertada) de Tasso, e a pastorela  Il pastor fido  (OPastor Fiel) de Guarini.

MAWM 70 – Emílio de Cavalieri:  Dalle più alte sfere, Intermédio I – (cançãoinicial em honra aos noivos) – Produzidos para o casamento de Fernando de Médicis, grão-duque da Toscana e de Cristina de Lorena (1589)

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Ciclos de Madrigais  – Experiências de maior alcance no sentido de adaptar o madrigal para fins dramáticos, se representava uma série de cenas ou estados de alma, ou seapresentava, sob forma dialogada uma intriga cômica simples – as personagemdiferenciavam através de grupo de vozes constantes e breves solos (comédias de madrigais) – música ligeira, animada e humorística, com pouco interesse contrapontístico. Mais

famosa – L’Amfiparnaso (As Encostas do Parnaso) de Orazio Vecchi (1550-1605)A Pastorela – um dos gêneros literários favoritos do Renascimento e no final do séculoXVI tornara-se a forma dominante da composição poética italiana. Eram poemas sobrepastores ou temas campestres semelhantes. Seu caráter é frouxamente dramático,contam pormenorizadamente histórias de natureza idílica e amorosa, com a exigênciade transmitir a atmosfera  de um mundo remoto, de conto de fadas, de uma naturezarequintada e civilizada, povoada por rapazes e moças simples e rústicos pelas antigas – equase sempre inofensivas divindades dos campos, dos bosques e das fontes. No mundoimaginário da pastorela, a música parecia não apenas a linguagem natural, com até a únicacoisa necessária para dar substância às visões e nostalgias dos poetas. A poesia pastoril foi,ao mesmo tempo a última etapa do madrigal e a primeira da ópera.

O tratamento musical recebido nos textos, dos intermedi e dos ciclos de madrigais,era de dois tipos: a narração ou diálogos, através do qual se desenvolvia uma situação,e a exteriorização de sentimentos.

A Tragédia Grega como modelo – Édipo Tirano – tradução de Orsatto Giustinianie a música composta por Andrea Gabrieli – só os coros foram cantados em estilohomofônico e declamatório que sublinhava o ritmo da palavra falada.

Girolamo Mei (1519-1594) – erudito Fiorentino (em Roma como secretário de umcardeal), edição de tragédias gregas, minuciosa investigação sobre música grega, em particular o seu papel no teatro, estudou entre 1562-1573, no original grego quase todas asobras da antiguidade apresentado em um tratado –  De modis musicis antiquorum (Acercados Modos Musicais dos Antigos). Cerca de 1577 algumas cartas de Mei sobre músicagrega estavam presente na agenda da Camerata Fiorentina (Giovanni Bardi, VincenzoGalilei, Giulio Caccini, ...).

Vincenzo Galilei (1520-1591) – Pai do astrônomo, em 1581, publica Dialogo dellamusica antica e della moderna  (Diálogo sobre Música Antiga e Moderna), seguindo asdoutrinas de Mei. A sua tese, em resumo, era a de que só uma única linha melódica, comaltura de som e ritmos apropriados para exprimir um dado verso .

Galilei rejeitava como processos pueris a descrição de palavras, a imitação desuspiros e outros processos similares, tão comuns no madrigal do século XVI. O modocorreto de musicar um texto, afirmava Galilei, era utilizar uma melodia a solo quepusesse em relevo as inflexões naturais da fala de um bom orador ou ator .

Giovanni Batista Doni  (1595-1647) Trattato della Musica Scenica  – Erudição edensidade de suas reflexão musicais reconhecidas em sua época. Seu conhecimento deAristóteles e do teatro trágico, por um lado, assim como a real intimidade com as práticasmusicais gregas e coevas (contemporâneas) o fazem agente habilitado para as reflexões damúsica, de seus processos, princípios e tèlos. Ao partir dos gregos para estabelecer areferência musical com qual se articula às composições de seus contemporâneos – como fezcom Monteverdi, por exemplo -, aproxima-se estruturalmente tanto do filósofo Meiquanto do músico Galilei, repondo e priorizando os caminhos de uma arte e teoria que

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tomam as categorias aristotélicas de mimese e da catarse ( purgação, efeito moral datragédia) como centro do fazer estético. (Chasin, Ibaney – p.7 – O canto dos afetos)

“Todo instrumentista do século XVII e de boa parte do século XVIII tinha plenaconsciência de que devia sempre executar a música de maneira eloqüente. A retórica era,

com toda a sua complexa terminologia, uma disciplina ensinada em todas as escolas efazia parte, portanto, tal como a própria música, da cultura geral. As teorias dosafetos foi desde o início parte integrante barroca – tratava-se de mergulhar a sipróprio em determinados sentimentos, para poder transmiti-los aos ouvintes –embora a ligação da música com a oratória se fizesse por si mesma . Embora a músicafosse uma linguagem internacional, como a pantomima ou a “arte dos gestos”, reconhece-se, claramente, os diversos ritmos de fala das diferentes nações que certamentecontribuíram para a formação dos diversos estilos” (Harnoncourt – p.154 – Discursos dossons).

Jacobo Peri (1561-1633) e Ottavio Rinuccini (1562-1621) se convencem de que astragédias antigas poderiam ser cantadas na íntegra. Fizeram a primeira tentativa sobre o poema  Dafne, de Rinunccini, apresentado em Florença em 1597 – primeira pastoreladramática integralmente musicada.

Poema mais ambicioso  L’Euridice, também de Rinunccini, musicado por Peri eCaccini.

Emilio de Cavalieri  (1550-1602) – aristocrata romano, superintendente da corteducal de florentina, apresenta em Florença algumas cenas mais breves num estilosemelhante (viria a afirmar ter sido o primeiro a fazê-lo) leva a cena em Roma – fevereirode 1600, uma peça sacra – La rappresentatione di anima et de corpo, o mais longoespetáculo dramático inteiramente musical até então.

A abordagem  utilizada pelos três era semelhante  (Peri, Caccini e Cavalieri).Procuraram um tipo de canto intermediário entre a recitação falada e a canção.

Caccini e Cavalieri – estilo baseado na antiga ária improvisada sobre um poema etambém no madrigal.

Peri  – utilizou também este estilo no prólogo, mas para os diálogos inventou umnovo estilo, que veio a se chamar estilo recitativo. Não confundir com o termo monodia(cantar sozinho) com estilos de cantos solísticos como recitativos, árias e madrigais.

Caccini  – desenvolveu um estilo melodioso  que apesar de predominantementesilábico, embora visando uma declamação clara e flexível das palavras, admitiadeterminados embelezamentos da linha melódica nos locais apropriados; assimconduziu na monodia um elemento virtuosístico – improvisação de ornatos – escalas,grupetos, notas de passagem, e assim sucessivamente, sobre qualquer das notas de umamelodia, idependente da natureza do texto. Caccini escreveu dois tipos de canções: asárias estróficas, e os madrigais, com música nova para cada verso. Embora remontem àdécada de 1590 só foram publicados em 1602 com o título de Le nuove musiche .

NAWM 66, Perfidissimo volto:

•  Cada verso do poema é composto de uma melodia independente, terminando, quernuma cadência, quer numa nota, ou num par de notas sustentadas (esse hábito e asmuitas notas repetidas ao ritmo da fala eram características das árias improvisadassobre fórmulas melódicas ao longo do século XVI);

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• 

Escreveu ornatos, típicos realizados por cantores nesta época, sobre palavras te le gira (comp, 29-31) e non hai pari alla beltà fermezza (com. 56-70 e 71-77). Cacciniescreveu estes ornamentos porque não confiava nos cantores;

• 

Outros requintes e ornamentos essências para Caccini (não escritos na parte maisindicados no prefácio) eram crescendos e decrescendos, os tremolos (a que dá o

nome de gruppi), as rápidas repetições da mesmas notas (a que dá o nome de trilli),as exclamações – um sforzando no momento de emitir um nota – e os desvios emrelação ao respeito estrito pelos valores impressos das notas, ou seja, aquilo a quechamamos tempo rubato;

•  Utiliza inflexões dramáticas do madrigal polifônico: em Ahi (comp. 32), ondeinterrompe a linha melódica para depois prosseguir com a fala, e em O volto (comp.46), onde desce uma quinta e, em seguida, atinge uma sexta menor (hábito nomadrigal polifônico de repetir a última parte, também aqui se repete o texto emúsica dos últimos versos)

O Estilo de RecitativoCom o objetivo de encontrar uma espécie de canção falada intermediária entre

a contínua mudança de altura e o movimento diastemático no canto, Peri, objetivandoas recitações de poemas heróicos, sustentou as notas do baixo contínuo, enquanto avoz se movia, passando por consonâncias e dissonâncias – assim simulando omovimento da fala – libertou suficientemente a voz da harmonia para fazer com quese assemelhasse a uma declamação livre e sem altura definida. Depois quando chegavaa uma sílaba que deveria ser sublinhada ou entoada na fala, Peri tinha o cuidado de apôr em consonância com o baixo e a respectiva harmonia.

Os diversos estilos de melodia (utilizados na ária e no madrigal) rapidamente se

alastraram a todos os tipos de música, tanto profana como sacra, logo nos primeiros anos doséculo XVII. Isso tornou possível o teatro musical – utilizado musicalmente no diálogo e nanarração – obtendo clareza, rapidez e liberdade e flexibilidade em sua expressão.

Eurídice – peça mitológico-pastoril em verso de Ottavio Rinuccini, músicacomposta por Peri por ocasião dos festejos de casamento de Henrique IV da França eMaria de Médicis (um terço da apresentação contou com versão de Caccini, pois ele fezquestão de que os músicos ensaiados por ele catassem apenas músicas escritas por ele). Noano seguinte as duas versões foram publicadas, sendo consideradas as duas primeirasóperas que chegaram até nós.

O mito de Orfeu e Eurídice é tratado aqui à maneira pastoril e modificado para terum final feliz dada a ocasião festiva para a qual a peça foi escrita.

Das duas versões de Runuccini, a de Caccini é mais melodiosa e lírica, àsemelhança dos madrigais e árias das suas  Nuove musiche. A versão de Peri é maisdramática  fazendo variar sua abordagem de acordo com as exigências da situaçãodramática em seu estilo situado entre a fala e o canto. Assim, Peri criou uma linguagemque respondia às exigências da poesia dramática. Concebeu e criou uma canção faladaanáloga à que julgava ter sido utilizada no teatro antigo e que era compatível com a práticamoderna.

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NAWM 71 – Jacopo Peri, Le musiche sopra l’Euridice, três estilos de monodia:

• 

Prólogo  (71a) – modelo da ária estrófica para cantar poemas, tal como foicultivada durante todo o século XVI – cada verso é cantado segundo um

esquema melódico que se compõe de uma nota repetida e de uma estruturacadencial, terminando em duas notas sustentadas. Um ritornello  separa asestrofes;

•  A canção de Tirsi  (71b) uma espécie de ária não estrófica, mas marcadamenterítmica e melodiosa, e as cadências no final dos versos são harmonicamentemais fortes, sendo na sua maioria de dominante e tônica. Esta canção éenquadrada por uma sinfonia que é o interlúdio puramente instrumental mais longoda partitura.

• 

Por último, a fala de Dafne (71c) – um verdadeiro exemplo do novo recitativo.Os acordes especificados no baixo contínuo e as respectivas cifras não têm umperfil rítmico nem um plano formal  e só estão presentes para apoiarem a

recitação da voz, que é livre de imitar os ritmos da fala  e embora regressefreqüentemente a notas consoantes com a harmonia, pode afastar-se dela nassílabas que não são sustentadas na fala. Só os finais de alguns versos sãoassinalados por cadências; muitos são elididos. Há uma progressão natural nodiscurso de Dafne; a príncipio é emocionalmente neutro, consonante e lento nasmudanças harmônicas. Quando Dafne começa a falar da mordedura da serpenteque fora fatal a Eurídice, a música torna-se mais agitada, com mais dissonâncias,mudanças súbitas de harmonia e cadências mais raras, e o baixo move-se maisdepressa.

 No Orfeo o recitativo ganha maior continuidade e maior amplitude através de umacuidadosa organização tonal e nos momentos-chaves atinge um alto nível de lirismo.Monteverdi introduziu no Orfeo  muitas árias a solo, duetos, conjuntos do tipo demadrigal e danças, que, somados, constituem grande parte da obra e proporcionamum necessário contraste ao recitativo. Os ritornellos e coros contribuem para organizaras cenas em esquemas recorrentes que conferem à obra um formalismo quase cerimonial.

A orquestra do Orfeo de Monteverdi conta com cerca de 40 instrumentos (se bemque nunca usados simultaneamente), incluindo flautas, cornetos, trompetes, sacabuxas,uma família completa de cordas e vários instrumentos diferentes de contínuo, entre osquais um órgão de tubos de madeira. Além disso, a partitura contém vinte e seis brevesnúmeros orquestrais; estes incluem uma tocata introdutória (um breve andamento defanfarra, repetido duas vezes) e vários ritornellos.

NAWM 72 – Cláudio Monteverdi, Orfeo – Três seções mais ou menos análoga aostrechos de Eurídice de Peri:

•  Prólogo, a canção de Orfeu e a narração feita pelo mensageiro da morte de Eurídice(72a) – proporções extraordinariamente ampliadas – os ritornellos são

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cuidadosamente escritos na partitura, e, embora o prólogo se baseie na ária paracantar poesia, Monteverdi escreve desenvolvidamente cada uma das estrofes,fazendo variar a melodia enquanto a harmonia permanece intacta, outra dastécnicas utilizadas no século XVI no canto improvisado de poemas. Procedimentosemelhante usado na ária do 3.° ato, Possente spirto, porém aí o compositor indicou

uma ornamentação da fórmula melódica diferente para cada estrofe, de baixo da própria fórmula melódica, é provável que tais ornamentações excedam em mestriaaquilo que um cantor seria capaz de improvisar, mas não deixam de constituir umvalioso testemunho da arte de ornamentação vocal;

• 

A cançoneta estrófica – Vi ricorda o Boschi ombrosi  (72b)não é muito diferenteda ária de Tirsi, mas o ritornello foi trabalhado em contraponto a cinco vozes. Alinguagem é tradicional: ritmo de hemiólia é o mesmo da frottola de Cara Io noncompro più speranza (NAWM 54), e a harmonização com acordes no estadofundamental, também é semalhante;

•  O estilo mais moderno é reservado para o  diálogo dramático e os discursosapaixonados. A fala do mensageiro,  In um fioroto prato  (NAWM 72c), imita o

estilo de recitativo desenvolvido por Peri, mas o movimento harmônico e ocontorno melódico são de concepção mais ampla. Com o lamento de Orfeu, quevem a seguir, o lirismo atinge um novo ponto alto deixando muito para trás as primeiras experiências no domínio da monodia. Na passagem que começa em Tu se’morta cada frase musical, bem como cada frase do texto, baseia-se na frase anteriore intensifica-a através da altura das notas e do ritmo. Sempre que tal se tornanecessário neste processo, Monteverdi repete palavras e frases, ligando entre si poreste meio, e por meios harmônicos, os fragmentos do recitativo, de modo a formararcos melódicos coerentes. Particularmente notável é a música do último verso, adio terra, onde o paralelismo rítmico, o cromatismo, a subida progressiva até aoclímax em e sole e o salto descendente para uma sétima não preparada sobre o baixo

traduzem a intensidade da mágoa de Orfeu.

Algumas outras óperas apresentadas em Florença:•  Dafne (1608) e Il Medoro (1619), de Marco da Gagliano (1594);• 

La liberazione di Ruggiero dall’isola d’Alcina (1625), de Francesca Caccini(1587-1640) – filha de Guilio Caccini;

•  La Flora (1628) de Gagliano e Peri.

Roma

A ópera toma raízes em Roma na década de 1620.Stefano Landi (c.1550-1655) compós  Sant’Alessio  (1632) baseado na vida do

Santo Aleixo. Compositores romanos escreveram óperas pastoris e foi em Roma que aópera cômica iniciou a sua carreira independente.

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 Na música das óperas romanas a separação do canto solístico em dois tiposclaramente definidos, recitativo e ária, tornou-se mais marcada do que nunca. O recitativoera mais próximo da fala do que o de Peri ou Monteverdi, enquanto as árias erammelodiosas e predominantemente estróficas, embora algumas fossem sobre baixosobstinados. Terreno intermédio era o daquilo a que o compositor de La catena d’Adone

(1626), Domenico Mazzocchi (1592-1665), chamou semiárias (mezz’arie), intrlúdios breves e melodiosos no meio dos recitativos. As numerosas peças vocais concertantes dasóperas romanas derivam da tradição do madrigal, modificada, é claro, pela presença de umcontínuo e pelo ritmo mais regular, que se tornara corrente nesta época.

Igualmente notável na ópera de Sant’ Alessio de Landi é o prelúdio, que consta deuma lenta introdução em acordes seguidos de um andamento mais vivo de canzona. O prelúdio ou a sinfonia que precede o segundo ato é outra canzona orquestral, mas sem alenta seção introdutória. A forma em dois andamentos do primeiro prelúdio (lento ecordal – rápido e contrapontístico, por vezes com uma reminiscência final doandamento lento) converteu-se mais tarde no modelo consagrado de abertura doséculo XVII. Na França, seguindo talvez o modelo das aberturas dos primeiros ballets,adquiriu algumas características particulares; este gênero ficou conhecido pelo nome deabertura francesa (NAWM 75) e, como tal, foi uma das formas instrumentais dominantesdo barroco médio e tardio.

•  Luigi Rossi (1597-1653) – o mais importante compositor de ópera da escolaromana. Influência de Peri, Caccini e Monteverdi. Porém o declínio do libreto pelaintromissão do cômico, do grotesco e do meramente sensacional em um drama sériotorna-se prática comum dos libretistas no século XVII. O Orfeo  de Rossi é umasucessão de belas árias e conjunto, concebida por forma e fazer com que oouvinte esqueça as suas falhas enquanto drama.

Veneza

A ópera veneziana é inaugurada pela apresentação de Andrômeda, de FrancescoManelli e Benedectto Ferrari no Teatro S. Cassiano em 1637.

Monteverdi escreveu suas duas últimas óperas para Veneza,  Il ritorno d’Ulisse e L’Incoronazione di Poppea (A Coroação de Popeia), estreadas, respectivamente em1641 e 1642. A Poppea é, sob muitos aspectos, a obra prima lírica de Monteverdi.Se lhe falta a variedade de timbres orquestrais e o grande aparato cênico einstrumental de Orfeo, em contrapartida, prima pela descrição musical do carátere das paixões humanas, levando, neste aspecto, um grande avanço sobre qualqueroutra do século XVII. Apesar da tendência para uma separação entre recitativo e ária,Monteverdi continuou uma combinação fluida entre o recitativo próximo da fala e amonodia mais lírica e formal.•  Píer Francesco Cavalli (1602-1676) – Discípulo de Monteverdi, 41 óperas, a mais

aplaudida foi Giasone  (1649). O recitativo de Cavalli não tem a variedade e osmatizes psicológicos de Monteverdi, mas ainda assim, é rico em inflexõesdramáticas e patéticas. As árias são muito mais desenvolvidas e constituem peçasverdadeiramente elaboradas.

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• 

Antonio Cesti (1623-1669) mais polidas e estilo menos vigoroso que as de Cavalli;a especialidade de Cesti são a árias e os duetos líricos. A sua ópera mais famosa foi Il pomo d’oro (A Maça de Ouro) – estreada em Viena – no casamento do ImperadorLeopoldo I – onde recebeu orquestra invulgarmente numerosa e muitos coros,efeitos cénicos sofisticados.

Em meados do século XVII a ópera italiana adquirira já os contornos fundamentaisque viria a se manter, sem mudanças maiores, ao longo dos dois séculos seguintes. Ascaracterísticas principais deste gênero eram: (1) ênfase no canto solístico com(durante muito tempo) um relativo desinteresse pelos conjuntos e pela músicainstrumental; (2) separação de recitativo e ária; (3) introdução de estilos eesquemas próprios para árias. Esta evolução foi acompanhada por uma total inversãoda relação entre texto e música; os Florentinos tinham considerado a música comoum acessório da poesia; para os Venezianos o libreto pouco mais era que umandaime convencional para escorar a estrutura musical.

Ópera e música vocal na segunda metade do século XVII

Ópera Italiana:Veneza

O principal centro italiano continuou a ser Veneza, cujos teatros de ópera eramfamosos em toda Europa.

A ópera veneziana deste período era cênica e musicalmente esplêndida . Asintrigas eram um amontoado de personagens e situações inverossímeis, uma misturairracional de cenas sérias e cômicas, servindo meramente de pretexto para as melodiasagradáveis, o belo canto solístico e os efeitos cênicos surpreendentes, como nuvenstransportando um grande número de pessoas, jardins encantados e metamorfoses . Ovirtuosismo vocal não chega ainda aos extremos que viria a atingir no século XVIII, mascomeça já a prenunciá-los. O coro praticamente desaparecera, a orquestra pouco tinhaque fazer, além de acompanhar as vozes, e os recitativos apresentavam um escassointeresse intelectual; a ária reinava em absoluto, a sua vitória assinalou, num certosentido, a vitória do gosto popular sobre o requinte aristocrático do recitativo florentinodas primeiras óperas, que tão estritamente dependia dos ritmos e da atmosfera dos textos.

Os compositores da nova ária não ignoravam em absoluto os textos, masconsideravam-nos como um mero ponto de partida. A construção musical  lhes era maisinteressante, cujo material eram extraído dos ritmos e das melodias da música popular,ou seja, da música familiar ao público em geral.

Algumas árias eram simplesmente canções estróficas ao estilo popular – porexemplo, a canção Se tu non m’ ami o bella  (Se não me amas, ó bela), da ópera  Il rattodelle Sabine  (O rapto das Sabinas), de Pietro Simone Agostini (c. 1635-1680) – e atémesmo árias de caráter mais pretensiosos, eram dominados por ritmos de marcha, ou pelos

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ritmos de danças da  jiga, da sarabamda  ou do minueto. O baixo ostinato era usado emcertas árias, quer como meio de organização musical, quer combinando com ritmos dedança ou habitualmente adaptado às inflexões de texto. Nas árias marciais ou veementesempregavam-se motivos em que se imitavam figurações de trompete, muitas vezesdesenvolvidos em brilhantes passagens de coloratura. Exemplo disto é a ária Vittrici

schieri (Vitoriosas hostes) da ópera L’Adelaide (1672), de Antonio Sartorio (1630-1680). A coloratura não se convertera já – como viria a suceder no final do século com algunscompositores – num ornamento vocal arbitrário para simples exibições de virtuosismo;servia ainda uma função expressiva definida.

Sartorio foi um dos últimos venezianos que continuaram a cultivar o estilo heróicode ópera inaugurado por Monteverdi e Cavalli. Nas obras de Giovanni Legrenzi (1626-1690), seguidor de Sartorio, predomina um clima mais suave e ameno. A ária Ti lasciol’alma impegno  (Deixo-te a minha alma por penhor), de Giustino  de Legrenzi (Veneza,1683) ilustra a combinação de graciosa nobreza da linha melódica e de natural habilidadecontrapontística e construtiva que caracteriza a música italiana de finais do século XVII.

Carlo Pallavicino (1630-1688) e Agostino Steffani (1654-1728)  foram dois domuitos compositores italianos que em fins do século XVII e início do século XVIII levarama ópera italiana às cortes alemãs. Pallavicino trabalhou principalmente em Dresden eSteffani em Munique e Hanover. Steffani escreveu, em suas obras tardias, árias de amplasproporções e acompanhamento concertato  de densa textura; conseguiu quase manterum equilíbrio feliz de forma e conteúdo emotivo. Sendo um dos melhores compositoresitalianos de ópera do seu tempo, deixou obras que são importantes, não apenas em simesmas, mas também do ponto de vista histórico, pois exerceram uma influênciadecisiva sobre compositores do século XVIII, em particular Keiser e Haendel.

A ária Un balen d’incerta speme (Um raio de incerta esperança) da ópera Henrique,o Leão, Hanover, 1689, ilustra o seu primeiro estilo. A ária tem uma forma da capo dedimensões modestas, com uma seção média contrastante. As passagens de coloratura não são excessivas nem indiferentes ao texto: sugerem sobre as palavras descritivas balen (relâmpago) e raggio  (raio), enquanto a passagem sobre dolor   (dor) exprime estesentimento de forma tipicamente barroca, com uma melodia cromática e falsas relaçõesharmônicas. Outras duas características: (1) a voz anuncia uma breve frase sugestiva – otema musical que virá a ser desenvolvido na ária – e só prossegue após uma interrupçãoinstrumental, recurso que por vezes se dá o nome de mote inicial e (2) a voz é acompanhada por um baixo constante – um ritmo de colcheias que flui ininterruptamente.

Palisca compara esta ária de Steffani com a ária Padre, addio, uma ópera veneziana,de Antonio Lotti (c.1667-1740) na página 361-362.

O estilo veneziano de ópera sobre textos italianos, com temas grandiosos e otratamento musical geralmente sério, floresceu no Sul da Alemanha até já ir bem entrado oséculo XVIII. Um exemplo, a ópera festiva – Constanza e fortezza  (Constância ecoragem), do organista, teórico e vienense Johann Joseph Fux, composta para a coroaçãodo imperador Carlos VI em Praga no ano de 1723.

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O Estilo Napolitano

 Na ópera italiana começaram a manifestar-se, ainda no final do século XVII,tendências nítidas no sentido de uma estilização da linguagem e formas musicais com umatextura musical simples, concentrada na linha melódica da voz solista e apoiada por

harmonias agradáveis ao ouvido. O resultado final foi um estilo de ópera maispreocupado com a elegância externa do que com a força e a verdade dramática, masas fraquezas dramáticas eram muitas vezes compensadas pela beleza da música. Estenovo estilo, que se tornou dominante no século XVIII, desenvolveu-se, parece, nos seus primórdios, principalmente em Nápoles, sendo por isso muitas vezes chamado de estilonapolitano.

Outra característica importante da ópera italiana do século XVIII foi a emergênciade dois tipos distintos de recitativos. Um deles – a que mais tarde se deu o nome derecitativo secco  e que era acompanhado apenas pelo cravo e por um instrumento baixo deapoio – usava-se principalmente para musicar longos trechos de diálogos ou monólogo, deforma tão próxima quanto possível da fala. O segundo tipo – o recitativo obligato, mais

tarde chamado de accompagnato, ou  stromentato  (recitativo acompanhadoorquestralmente) – era usado para as situação dramáticas especialmente tensas; as rápidasmudanças de emoção no diálogo eram sublinhadas pela orquestra, que, além deacompanhar o cantor, pontuava as suas frases com breves irrupções instrumentais. Esteestilo conseguia ser bastante eficaz e impressivo. Recorria, por vezes a um tipo de melodiaque não era nem tão ritmicamente livre como o recitativo nem tão regular como a ária,situando-se algures entre um e outra; dá-se o nome de arioso, ou seja, recitativo arioso, ou“recitativo à maneira de ária”.

A transição da anterior ópera do século XVII para o novo estilo que acabamosde descrever é bem evidente nas obras de Alessandro Scarlatti (1660-1725). As suas primeiras óperas eram semelhantes às de Legrenzi e Stradella, mas em muitas das suas

obras mais tardias, nomeadamente em Mitridate (Veneza, 1707), Tigrante (Nápoles, 1715)e Griselda  (Roma, 1721), a ampla concepção das árias e a importância da orquestra demonstram a dedicação de Scarlatti a um ideal musical sério. A ária da capo tornou-se,nas mãos dele, o veículo perfeito para prolongar um momento lírico através de umaconcepção musical que exprime uma única emoção dominante, por vezes com umsentimento afim subordinado.

Ópera Francesa

 Na década de 1670 nasceu a ópera nacional francesa, sob o patrocínio de Luís XIV.

Com características especiais, que a distinguiam da variedade italiana, permaneceuinalterada, fundamentalmente, até depois de 1750.

As características peculiares da ópera francesa tiveram origem em duas fortestradições da cultura nacional: o suntuoso e colorido Ballet, que floresceu na corte real ea partir do  Ballet comique de la reine  de 1581, e a tragédia clássica francesa, cujosexpoentes máximos foram Pierre Corneille  (1606-1684) e Jean Racine (1639-1699). A partir de 1659, Robert Cambert (c.1627-1677) fez algumas experiências de composiçãode óperas francesas, mas o primeiro compositor importante foi Jean-Baptiste Lully

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(1632-1687), que conseguiu combinar elementos de  Ballet e do teatro numa forma aque deu o nome de tragédie lyrique (tragédia musical).

Jean-Baptiste Lully  foi um italiano, que viveu em Paris desde de criança, que,graças a uma arguta gestão de sua carreira e ao favor do rei, se converteu, por assim dizer,

no diretor musical da França. O seu libretista era Jean-Phillipe Quinault, dramaturgomuito apreciado na época. As intrigas sérias (ou não intencionalmente cômicas) sobretemas mitológicos, com longos e freqüentes interlúdios de dança coral, denominadosdivertissements, tudo isto habitualmente entremeado de adulação ao rei, glorificaçãoda nação francesa, longas dissertações sobre l’amour   e episódios de aventurasmaravilhosas e românticas. Para estes libretos Lully compôs uma música pomposa,onde se projetava, ao mesmo tempo, o esplendor extremamente formal da corte realfrancesa  e a sua preocupação intelectualizada com as minúcias do amor cortês e daconduta cavalheiresca. As danças dos ballets e óperas de Lully alcançaram uma ampla popularidade em arranjos sob a forma de suítes instrumentais independentes, e muitoscompositores dos finais de século XVII e o princípios do século XVIII escreveram suítes dedanças imitando as de Lully.

Lully adaptou o recitativo italiano aos ritmos e da versificação francesa,estudando o estilo de declamação utilizado no teatro francês teria, possivelmente, imitado-otanto quanto possível. O ritmo, as pausas, e muitas vezes também as inflexões, seassemelham às da declamação teatral. Mas o baixo rítmico e a linha vocal melodiosaatenuam a ilusão de fala que o recitativo italiano conseguia produzir.

No recitativo típico de Lully o compasso, ou agrupamento dos valores das notas,oscilava entre o binário e o ternário. Esta oscilação era freqüentemente interrompidapor trechos de recitativo de pulsação uniforme, mais melodioso. Alguns destes trechossão designados na partitura como árias. O monologo de Armide na ópera Armide (1686,NAWM 75) ilustra bem esta mistura de estilos: começa com uma pulsação livre, passando,depois, a uma seção com caráter de ária.

Um tipo de ária menos enraizada na ação dramática do que aquele que sucedeao monólogo de Armide é a descrição poética de uma cena tranqüila e dos sentimentoscontemplativos que esta desperta. Este gênero de descrições musicais de estados de alma – séria, contidas, elegantemente proporcionadas, cheia de um encanto ao mesmotempo aristocrático e sensual  – foi muito admirado e freqüentemente imitado porcompositores tardios.

NAWM 75B - Jean Baptiste Lully, II ato Cena 5, Enfin il est em ma puissace

Uma das mais impressionantes cenas de recitativo é a primeira parte destemonólogo em Armide se encontra de pé junto do seu guerreiro cativo e adormecido,Renaud, empunhando uma faca, que o seu amor por ele a impede de lhe cravar ao peito. Aorquestra introduz a cena com um tenso prelúdio que contém elementos de estilo daabertura francesa, mas logo de seguida o acompanhamento é confiado a um cravo .Armide canta com uma cadência irregular, ou seja, onde alternam os compassos de trêsquartos e de quatro quartos (?). Isto permite que as duas sílabas acentuadas quenormalmente se encontram em cada verso do poema recaiam em tempos fortes. A cadaverso segue-se, geralmente, uma pausa, e o mesmo sucede, por vezes, com as cesurasno meio dos versos. As pausas são também utilizadas de forma dramática, como na

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passagem em que Armide hesita “Façamo-lo [...] eu tremo [...] vinguemo-nos [...] eususpiro!”. 

Apesar da ausência de um compasso regular, o recitativo de Lully é maismelodioso do que o seu equivalente italiano, e a linha melódica é mais determinadapelo movimento harmônico. Na ária que se segue, ao gracioso ritmo de um minueto,

Armide pede aos seus demônios que se transformem em zéfiros e a transportem, a ela e aRenaud, para algum deserto remoto, onde ninguém possa observar a sua vergonha e a suafranqueza.

Abertura Francesa

Lully estabelece a ouverture, a abertura francesa, antes de começar a escreveróperas. Estas peças instrumentais não serviam apenas para introdução de óperas, surgiram

também como peças independentes e constituíam, por vezes, o andamento inicial de umasuíte, de uma sonata ou de um concerto. A abertura de Armide é um bom exemplo.O propósito original de ouverture era o de criar uma atmosfera festiva para a

ópera que se seguira; entre as suas funções contava-se a de saudar a presença de rei, queassistia ao espetáculo. As aberturas venezianas do início do século XVII desempenhavam,até certo ponto, as mesmas funções. Porém, no final do século os compositores italianos deópera começaram a escrever introduções instrumentais do tipo bastante diferente, a quedavam o nome de sinfinie; os franceses mantiveram-se fiéis a sua forma tradicional.

A influência de Lully não se limitou ao campo da ópera. A rica textura a cincopartes da sua orquestração e o emprego dos sopros da madeiras – quer para apoiar ascordas, quer em passagens ou andamentos contrastantes para um trio de

instrumentos de sopros solistas (geralmente dois oboés e um fagote) – tiveram muitosimitadores na França e na Alemanha. Neste último país foi Georg Muffat (1653-1740) o primeiro a introduzir o estilo de composição de lully e a execução orquestral à maneirafrancesa.

Seguidores e contemporâneos de Lully continuaram a cultivar, na França, a óperaque ele criara; as mudanças mais importantes que efetuaram foram a introdução ocasionalde árias ao estilo italiano e em forma da capo  ( a que deram o nome de ariettes) e odesenvolvimento ainda mais acentuado das grandes cenas de divertissement  que incluíamballets e coros. Conseqüência desta evolução foi o nascimento de uma forma mista, aópera-ballet , inaugurada em 1697 com L’Europe galante de André Campra (1660-1744). 

NAWM 75a - Lully, Armide: Abertura Francesa

Esta abertura divide-se em duas partes. A primeira é homofônica, lenta emajestosa, com ritmos pontuados repetitivos e motivos que se precipitam para ostempos fortes... A segunda parte  começa com um simulacro de fuga imitativa e érelativamente rápida, embora sem sacrificar um dado caráter grave e sério. Há depoisum regresso ao andamento lento do início, a par de algumas reminiscências da sua

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música. A partitura indica que cada uma destas partes deve ser repetida. A orquestracompõe-se exclusivamente de instrumentos de cordas, divididos em cinco partes, em lugardas quatro que mais tarde vieram a ser habituais.

Ópera InglesaDurante o reinado de Jaime I (1603-1625) e Carlos (1625-1649) floresceu um

divertimento aristocrático até certo ponto semelhante ao ballet   francês, a masque. Aobra mais conhecida deste gênero foi, provavelmente, o Comus, de Milton, estreado em1634, com musica de Henry Lawes. As masques continuaram a ser apresentadas, em particular, ao longo de todo o período da guerra civil (1642-1649), do commonwealth (1649-1660) e nos primeiros anos da restauração de Carlos II (rein.1660-1676). O maiselaborado destes divertimentos privados foi Cupid and Death (Cupido e a morte-1653),com música de Matthew Locke e Christopher Gibbons (1615-1676); nesta obra incluem-se muitas danças e outras peças instrumentais, canções de vários tipos, recitativos e

coros. Entretanto, a ópera iniciara modestamente a sua carreira sob o commonwealth, não porque os compositores ou o publico inglês se sentissem especialmente atraídos pelogênero, mas porque, embora as representações teatrais fossem proibidas, uma peça deteatro musicada podia ser rotulada de concerto e, assim, escapar da proscrição. A partirda restauração este pretexto deixou de ser necessário; por conseguinte as semióperasinglesas do século XVII são, na realidade, peças de teatro com uma grande proporção desolos e conjuntos vocais, coros e música instrumental. As únicas exceções dignas de notaforam Vênus e Adónis, de John Blow (1684 ou 1685) e Dido e Eneias, de Henry Purcell(1689), ambas integralmente cantadas.

Resumo - Música vocal - Música Sacra (Católica e Protestante)no século XVII (Grout & Palisca p. 329-342 e 371-389)

O grosso da música profana escrita para execução amadora e profissional era músicade câmara, a maior parte da qual envolvendo vozes. As novas linguagens monofônicas e atessitura (textura ?) do baixo contínuo modificaram não apenas a ópera, mas tambémeste tipo de música. 

A ária estrófica era agora retomada como estrutura ótima para a composição.A aplicação mais simples do método estrófico consistia em repetir a mesma melodia,por vezes com pequenas modificações rítmicas, para cada estrofe do poema.

Ai de mim, onde está o meu bem, NAWM 68 – de Monteverdi

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Alguns esquemas de basso ostinato, em particular os que abarcam um númeroreduzido de compassos, não estavam associados a nenhuma forma poética em particular. Éo caso da chaconne (ciacona) e da passacaglia (espanhol, passecalle; francês, passacaille).

Estilo Concertato – prática de escrever partes distintas para vozes e instrumentos.

O adjetivo deriva do verbo concertare, que significa chegar a acordo. Num concertomusical conjugam-se, por vezes, forças diferentes e contrastantes num todoharmonioso.

Il Combatimento di Tancredo e Clorinda - Os instrumentos (quarteto decordas com viola da gamba baixo e contínuo), além de acompanharem as vozes, tocaminterlúdios, onde são imitados ou sugeridos vários passos da ação: galopar doscavalos, o tinir das espadas, a animação do combate. 

O estilo musical de Monteverdi  e dos seus contemporâneos era uma mistura dediversos elementos, alguns dos quais com origem no século XVI e outros novos.Combinavam-se a monodia e o madrigal; conseguia-se uma articulação formalatravés da organização do baixo e das harmonias por ele suportadas e do usosistemático dos ritornellos; variava-se a tessitura mediante o recurso ao estiloconcertato.

Gêneros de música vocal solística

A cantata, uma peça para ser cantada, contrapartida, a sonata, foi para designarmuitos tipos diferentes de composição. Em meados do século a palavra cantata passou adesignar uma composição, regra geral, para voz solista com acompanhamento decontínuo, em várias partes, nas quais freqüentemente se entremeavam recitativos eárias, sobre um texto lírico ou por vezes semidramáticos.  O romano Luigi Rossi, primeiro mestre eminente deste tipo de cantata, escreveu também outras com formas maissimples – canções estróficas simples, variações estróficas, árias com baixo ostinato ou áriasde estrutura ABA. Outros importantes compositores italianos de cantatas de meados doséculo XVII foram Giacomo Carissimi (1605-1674)  – cujo domínio de eleição foi, noentanto, o oratório sacro – e o compositor de ópera Antonio Cesti.

A monodia, o baixo contínuo e o estilo concertato afetou muito cedo a músicasacra e foram aplicadas aos textos sagrados, apesar de sua natureza conservadora.

Na Áustria e nas cidades católicas do Sul da Alemanha a música sacramanteve-se por completo sob a influência italiana. Os compositores italianos tiveramuma atividade especialmente intensa em Munique, Salisburgo, Praga e Viena.

Cantata e canção segunda metade do Século XVII

A cantata desenvolveu-se da canção estrófica monódica nos primeiros anos doséculo XVII e, converteu-se numa forma composta de muitas seções contrastantes. Nasegunda metade do século tornou-se uma forma mais claramente definida com recitativos eárias alternados – normalmente dois ou três de cada – para voz solista com

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acompanhamento de contínuo, sobre um texto, geralmente, de caráter amoroso, sob a formade uma narração ou solilóquio, levando o conjunto da peça uns dez a quinze minutos aexecutar. Assim, a cantata assemelha-se a uma cena destacada de uma ópera. Maisintimista, se destinava à execução numa sala, sem cenário ou figurinos teatrais, para umpúblico menor e mais seletivo do que o dos teatros de ópera, a cantata atingia uma

certa elegância e requinte artístico que não teriam cabimento numa ópera. Seu caráterintimista pode ter gerado oportunidades para efeitos musicais experimentais (mais que aópera).

Vários compositores de óperas também escreveram um grande número de cantatasno período entre 1650 e 1715: Carissimi, L. Rossi, Cesti, Legrenzi, Stradella e AlessandroScarlatti.Alessandro Scarlatti  – mais de seiscentas cantatas – é um dos pontos altos de seurepertório. A sua cantata Lascia deh lascia (Pára oh pára) possui características típicas:

•  Um breve arioso – andamento lento – com um caráter expressivo entre a ária e orecitativo, nem tão organizada ou tão regular em sua estrutura rítmica;

•  Um recitativo com grande amplitude harmônica, modulação á tonalidade de mib

sobre as palavras inganni mortali [enganos mortais];•  Uma ária da capo completa, com extensas e flexíveis frases melódicas sobre um baixo num majestoso ritmo de colcheias, organizado, em parte, através do uso deseqüências e contendo igualmente algumas progressões harmônicas e cromatismosinvulgares, que traduzem a palavra tormentar .

•  Utilização do acorde de sétima diminuta – acorde raro nas obras dos seuscontemporâneos. Algumas vezes explora a ambigüidade harmônica deste acorde,mas freqüentemente utiliza-o para conduzir a uma cadência a que poderia chegardiatonicamente.

A cantata sacra luterana (2ª metade do séc. XVII e início do séc. XVIII)Em 1700, Erdmann Neumeister  (1671-1756), de Hamburgo, teólogo ortodoxo,

mas também poeta de inclinações decididamente pietistas, criou um novo tipo de poesiasacra destinada a ser musicada, que designou pelo termo italiano cantata. Neumeister e osseus seguidores estimularam a livre fantasia dos compositores ao escreverem a sua poesiano chamado estilo madrigal, ou seja, em versos de métrica desigual e com rimasirregulares; muitos dos textos das cantatas de Bach e das árias da Paixão segundo SãoMateus são neste estilo madrigal. Neumeister (e, depois dele, vários outros poetas luteranosdo início do século XVIII) escreveu ciclos de cantatas, destinados a serem usadossistematicamente ao longo de todo o ano litúrgico.

A ampla aceitação deste tipo de cantata foi da maior importância para amúsica sacra luterana. A sua estrutura poética conciliava as tendências ortodoxas epietistas numa mistura satisfatória de elementos subjetivos e objetivos, formais eemotivos; a sua estrutura musical incorporava todas as grandes tradições do passado –   ocoral, a canção solística, o estilo concertato -, somando-lhes os elementossingularmente dramáticos do recitativo e da ária de ópera. Rigorosamente falando, adesignação de cantata só é aplicável a composições do tipo acima descrito; as composiçõessacras concertantes do século XVII e do início do século XVIII na Alemanha luterana não

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tinham designações particulares (embora em diversas ocasiões se lhes aplicassem termoscomo Kantante, Koncert e Geistliches Koncert, ou mesmo simplesmente Musik).

Johann Philipp Krieger  (1649-1725) de Weissenfels, Johann Kuhnau  (1660-1722), antecessor de Bach em Leipzig e Friedrich Wilhelm Zachow  (1663-1712)precederam J.S.Bach, o maior mestre da cantata sacra, na definição da forma da

cantata.A cantata ocupou um lugar de destaque na obra sacra de muitos compositorescontemporâneos de Bach, como Christoph Graupner (1683-1760), de Darmstadt, JohannMattheson (1681-1764), de Hamburgo, que também escreveu paixões e oratórios e foi umimportante erudito e ensaísta, e George Philipp Telemann (1681-1767), que exerceur a suaatividade em Leipzig, Eisenach, Frankfurt e Hamburgo.

Telemann exerceu uma influência particularmente importante através das obras publicadas, incluindo quatro ciclos anuais completos de cantatas, vindos a lume em 1725-26, 1731-32, 1744 e 1748. A imensa produção de Telemann inclui cerca de trinta óperas,doze ciclos completos de cantigas (mais de mil cantatas, no total), quarenta e seis paixões eum grande número de oratórios e outras composições sacras, bem como centenas deaberturas, concertos e obras de câmara. Destacou-se pela nitidez com que interpretou asimagens e as emoções dos seus textos. A sua música foi considerada por Johann AdolphScheibe (1708-1776), como naturais e atraentes a melodia, a simplicidade harmônica e osacompanhamentos mais despojados, em comparação com a música de J.S.Bach queconsiderava excessivamente artificial e demasiadamente elaborada.

Outra música de câmara vocal

Algumas obras vocais de câmara foram escritas para mais de uma voz com

acompanhamentos de conjunto e ritornellos. O dueto vocal de câmara, que correspondeao trio sonata, com duas vozes agudas de igual registro sobre um baixo cifrado, foi umadas formas preferidas, na qual Steffani  adquiriu especial renome; o estilo dos duetos deSteffani foi imitado por muitos compositores tardios, incluindo Bach e Haendel .

A serenata, gênero intermediário entre cantata e ópera, era uma peçasemidramática  geralmente escrita para uma ocasião especial, cujos textos eramfreqüentemente alegóricos e que, na suas forma mais típica, era executada por umapequena orquestra e vários cantores. Stradella  foi um dos primeiros compositores deserenatas; exemplo seguido por Scarlatti, Haendel e outros compositores do fim do séculoXVII.

A canção em outros países

 Na França, Marc-Antonie Charpentier (1634-1704), discípulo de Carissimi,compôs tanto cantatas profanas como oratórios sacros em estilo italiano. A influênciaitaliana continuou assinalável a maioria dos compositores de cantatas do princípio do

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século XVIII. Louis Nicolas Clérambault (1676-1749) alternava os recitativos àmaneira de Lully com as árias ao estilo italiano, por vezes até com letras italianas . A produção de airs de vários tipos, na antiga tradição de música vocal de corte em molde popular, teve uma continuidade modesta, mas constante.

 Na Alemanha a situação era semelhante; Keiser e outros compositores do início do

século XVIII escreviam cantatas, quer sobre textos italianos, quer alemães, e, além disso,muitos compositores alemães escreviam também canções e árias sobre textos sacros. Umdos mais notáveis foi Adam Krieger (1634-1666), de Dresden. No final do século XVII acanção alemã praticamente desapareceu enquanto forma independente, sendo absorvida emformas de composição como a ópera ou a cantata.

 Na Inglaterra, alheia à influência italiana durante boa parte do século XVII devidoao período Commonwealth, depois da restauração tomaram contato com a obra deCarissimi e Stradella, mas as melhores produções dos compositores ingleses no domínio dacanção pouco devem aos modelos estrangeiros. O destaque fica para Henry Purcell e JohnBlow. Uma especialidade dos compositores ingleses  deste período foi o catch, umaronda, ou cânone, para ser cantada, sem acompanhamento, por um grupo convivial;os textos eram muitas vezes humorísticos, com alusões brejeiras ou obscenas.

Música Católica - O Grande Concerto

O  grande concerto  teve origem em Gabrieli e na escola veneziana. Numerososcompositores deste período escreveram música sacra para enormes conjuntos de cantores einstrumentos, mas o mestre deste estilo, uma das figuras mais importantes da músicasacra católica do século XVII, foi Orazio Benevoli (1605-1672). A sua missa festivaescrita para a consagração da catedral de Salisburgo em 1628 requer dois coros a oitovozes com solistas; cada coro conjuga-se com três combinações instrumentais

diferentes a cada um tem o respectivo baixo contínuo; há, além disso, um terceirobaixo contínuo para o conjunto (54 pautas).

Concerto para poucas vozes

Porém, era mais familiar para o paroquiano médio o concerto para poucasvozes – uma ou duas vozes solistas acompanhadas por um contínuo a órgão. Um dos primeiros compositores a explorar esta forma no domínio da música sacra foi LodovicoViadana  (1560-1627), que em 1602 publicou uma coletânea, Cento concerti ecclesiastici (Cem Concertos Eclesiástico), para voz solista, ou várias combinações de vozes solistas,com basso continuo.

Combinava-se o grande concerto com o concerto para poucas vozes. Monteverdifoi também aqui um pioneiro notável. As suas Vésperas de 1610 são uma obra notávelsobre um ofício litúrgico completo, incluindo as tradicionais entonações dos salmos eexplorando ao mesmo tempo todos os recursos musicais da época como recitativo, áriae todas as variedades de agrupamentos solísticos, corais e instrumentais, pequenos egrandes, isto num único ciclo de composições que, no entanto, talvez nunca tenham sidoexecutadas na íntegra numa única ocasião.

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Além desta formas, o aparato cênico da ópera teve aplicação no domínio damúsica sacra. Encenado em Roma, em fevereiro de 1600, La rappresentatione di anima edi corpo de Emilio Cavalieri,  como uma peça educativa com música, era no fundo umaópera sacra com personagens alegóricas, destinava-se a fazer parte do serviço religioso

informal no oratório de S. Filipe Néri.

O Oratório

O pendor dramático deu origem, em Roma, a uma série de diálogos sacros, onde secombinavam elementos de narrativa, diálogo e meditação ou exortação, mas que, regrageral, não se destinavam a ser apresentados em cena. Em meados do século as obras destetipo começam a ser designados por oratórios, pois eram geralmente executados nessa parte da igreja reservada às associações de leigos que iam ouvir sermões e cantar cançõesreligiosas. O libreto de um oratório podia ser em latim (oratorio latino) ou em italiano(oratorio volgare). O grande compositor de oratório latino em meados do século XVII foi

Giacomo Carissimi. (NAWM 86 – Historia di Jephté)O oratório distinguia-se assim, da ópera coesa pelo tema religioso, pela presença do testoou narrador, pelo recurso ao coro para fins dramáticos, narrativos e meditativos e pelo fatode os oratórios raramente ou nunca se destinarem a serem teatralmente encenadas. Aação era narrada ou sugerida e não representada. Tanto o oratório como a óperaempregavam recitativos, árias, prelúdios e ritornellos instrumentais.

Oratório e moteto (2ª metade do século XVII e inicio do séculoXVIII)

O Oratório, tema bíblico ou não, não estava limitado pelas convenções da músicalitúrgica, destinava-se a ser executado no que poderíamos chamar “concertos sacros”substituindo a ópera durante a quaresma ou períodos em que os teatros estivessemfechados. Embora continuasse a ser executada em oratórios, em Roma e noutras cidadesera também apresentada nos palácios dos príncipes e dos cardeais, bem como nasacademias e outras instituições. A maioria dos Oratórios tinha duas partes, separadasgeralmente por um sermão, mas algumas vezes também uma refeição ligeira, quando a peçaera executada em residências particulares.

Após a época de Carissimi, o oratório latino como coros foi, em grande medida,abandonado em proveito do oratório volgare  (com letra italiana). Os compositores deópera deste período eram praticamente os mesmo dos oratórios e os dois gênerosapresentavam pouca ou nenhuma diferença de estilo musical. O coro se manteve nooratório, mas a maior parte da música era escrita em solos e duetos, como na ópera. Aestreita ligação entre as duas formas é ainda indicada pelo fato de a maioria dos oratóriosdos centros católicos da Alemanha meridional terem, tal como as óperas, textositalianos, como por exemplo, Gioaz , de Benedetto Marcello (1686-1739) – Viena, 1726 – La conversione di Sant’Agostinho  de Adolf Hasse  (1699-1783) – Dresden, 1750, estaúltima em estilo lírico com abertura, recitativos, árias da capo com coloratura e candezas.

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Música Sacra

A continuidade dos dois estilos: antigo e moderno.(canto solístico com baixocontínuo, concertato)

Um dos centros mais ativos da música sacra, tanto no estilo antigo como no

concertato, foi Bolonha e sua basílica de S. Petrônio. Maurizio Cazzati (c.1620-1677) foiseu diretor musical de 1657-1674: cinqüenta coletâneas de música vocal sacra entre 1641 e1678. Se, por um lado, a sua Messa a cappella de 1670, é num estilo antigo ligeiramentemodernizado, em contrapartida, o seu Magnificat a 4, do mesmo ano, compõe-se de duetosornamentados em estilo moderno, alternando com coros em estilo antigo. Noutras obrasutiliza pequenos grupos de solistas contrastando com um coro completo em estiloconertato. Giovanni Paolo Colonna (1637-1695)  foi seu sucessor neste cargo, foi maislonge do que o habitual no dobramento das vozes por instrumentos de cordas. Confiando aestes últimos partes independentes. A sua Messa a nove voci concertata com stromenti , demeados de 1680, é uma das grandes obras escritas para comemorar a festa de S. Petrônio.Compõe-se apenas, tal como as missas de outros compositores bolonheses, de Kyrie e

Gloria, precedidos de sinfonia. Chega-se a utilizar uma centena de músicos e cantores nodia do padroeiro, incluído grande naipe de cordas, acrescido de trompetes e trombones. Osucessor de Colonha, Giacomo Antonio Perti (1661-1756), numa messa concertato escritanos primeiros anos do século XVIII, acrescentou quatro trompetes e duas trompas comocomplemento das cordas, um coro duplo e quatro solistas.

A mistura dos estilos novo e antigo era também comum nos centros católicosalemães do sul – Munique, Salisburgo e, em especial, Viena, sede da capela imperial.Entre 1637 e 1740, quatro imperadores sustentaram financeiramente a atividade musical.Um exemplo é a missa canônica, de Johann Joseph Fux. Composta no ano de 1716, emque todos os andamentos são construídos sobre um desenvolvimento elaborado, masrigorosamente canônicos, de temas originais. Na dedicatória, Fux diz ser para ressucitar o

“gosto e dignidade da música antiga”.Em uma combinação de estilos modernos com características italianas ealemãs a missa e outros textos litúrgicos eram compostos em uma escala festiva, incluindocoros e trechos para conjuntos de solistas livremente entremeados, com o apoio de umacompanhamento orquestral pleno, bem como de prelúdios e ritornellos orquestrais.As repetições seqüenciais converteram-se num processo de construção comum,claramente enquadrado no sistema de tonalidade maior-menor.

Música sacra em Viena

As missas de Antonio Caldara (1670-1736), talvez discípulo de Legrenzi,

 possuem o aspecto de uma série de números musicais distintos, como uma ópera – se bemque o recitativo operático nunca fosse utilizado nas composições litúrgicas e só raramenteaparecesse uma ária da capo na sua forma completa. Caldara era natural de Veneza e foidiretor musical do príncipe Ruspoli em Roma entre 1709-1715.

O Stabat Mater de Caldara ilustra uma forma de construção imitativa bastanteconvencional; no entanto, os intervalos melódicos aumentados e diminutos, os acordesde sétima diminuta e quinta aumentada e o cromatismo são livremente utilizados para

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transmitirem a mensagem fúnebre “Estava dolorosa e lacrimosa a mãe [de Jesus] junto àcruz [...].

Pergolesi e Hasse

Os criadores deste cromatismo particularmente plangente do início do séculoXVIII  foram os compositores Legrenzi e Lotti, do Norte da Itáli, e mais especialmenteainda os napolitanos Scarlatti e o mais jovem Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736).O Stabat Mater de Pergolesi, escrito apenas dez anos depois do de Caldara, exemplifica atextura frágil, o fraseado admiravelmente equilibrado e o tom liricamente sentimental de boa parte da música italiana do século XVIII. Os autores alemães utilizam o termoEmpfindsamkeit  (sentimentalismo) para caracterizar este estilo, que domina também amúsica de Adolf Hasse (1699-1783), um alemão que estudou e viveu na Itália e que alémde uma centena de óperas, escreveu também muitos oratórios, missas e outras composiçõessacras.

Música sacra francesa

Como a ópera francesa, a música sacra francesa teve uma evolução diferente damúsica sacra italiana e alemã. Marc-Antonie Charpentier, discípulo de Carissimi(1634-1704), introduziu o oratório latino na França, em um estilo que assimilava elementositalianos como franceses. O coro, muitas vezes duplo, desempenhava um papel dedestaque em muitas das suas trinta e quatro obras deste gênero. Charpentier apreciavaos contrastes e sublinhava alguns pormenores do texto. O gênero mais cultivado na capelareal de Luís XIV era o moteto sobre um texto bíblico. Existe um grande número de motetosno final do século XVII para vozes solistas com contínuo, próximo do estilo da cantata profana, então em voga, bem como motetos mais elaborados e obras análogas para solistas,coros duplos e orquestra completa de compositores como Lully, Charpentier e Henri Dumot(1610-1684) – eram composições pomposas, mas longas e freqüentemente monótonas,conhecidas como grands motets, e as forças para executarem eram efetivamente grandiosas.A capela real tinha em 1712 oitenta e oito cantores e, além disso, intrumentos decordas, cravo e órgão, três oboés, duas flautas transversais, um fagote, doisserpentões, violas da gamba, violinos, arquialaúdes, cromornes e teorbas. Os  grandsmotets  eram peças em várias partes, incluído prelúdios, solos, conjuntos e coros. Asoscilações entre compassos binários e ternários, subentendendo uma relação proporcional,eram características deste tipo de peça.

Michel-Ricard de Lalande  (1657-1726) foi o compositor de música sacra maisapreciado na corte de Luís XIV – com mais de setenta motetos que revelam um perfeitodomínio de uma grande variedade de recursos: récts  silábicos, grandes coroshomofônicos, fugas duplas, árias e duetos ornamentados ao estilo da ópera, harmoniasricas e também dissonantes para fins expressivos e surpreendentes contrastes detextura e clima. Outro importante compositor deste gênero foi François Couperin (1668-1733) – Leçons de ténèbres (1714), sobre textos dos ofícios de matinas e laudas da SemanaSanta, para uma ou duas vozes solistas com acompanhamento em sóbrio estilo concertato,são obras singularmente impressionantes.

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Música sacra anglicana

Os hinos e serviços continuaram a ser as principais formas de música sacraanglicana mesmo depois da restauração. Os destaques foram John Blow e Henry Purcell.Como Carlos II dava preferência ao canto solístico com acompanhado de orquestra, foram

 produzidos muitos hinos do tipo designado por verse anthem, como Hear O Heav’ns dePelham Humphrey (1647-1674).Os hinos para as cerimônias de coroação eram especialmente elaborados.

Encontramos algumas das melhores músicas sacras de Purcell nas composições sobretextos não litúrgicos, peças para uma ou mais vozes solistas, geralmente, em estilo arioso rapsódico com acompanhamento de contínuo, manifestadamente, destinadas a um usoreligioso privado.

Os novos estilos da música Luterana

Os compositores luteranos do centro e do norte cedo começaram a utilizar as novastécnicas da monodia e do concertato, recorrendo, por vezes, às melodias de corais comomaterial melódico, mas freqüentemente também sem qualquer referência às melodiastradicionais. Continuaram durante algum tempo a escrever motetos corais polifônicos, bemcomo motetos sobre textos bíblicos sem recurso às melodias corais. Muitos motetos deHassler, Praetorius e outros compositores do início do século XVII foram escritos emestilo de grande concerto, o que testemunha a admiração que os músicos alemãesnutriam pela escola veneziana. Até o madrigal italiano gozou daquilo a que podemoschamar uma “sobrevivência sacra” na música eclesiástica alemã, como o atestam as

Cantiones sacrae  de Schütz e o  Israelsbrünnlein  de Johann Hermann Schein (1586-1630).O concerto para poucas vozes  também seduziu os compositores alemães. Schein

publicou em Leipzig, entre 1618 e 1626, uma importante série de peças deste tipo sobo título Opella nova (Novas Pequenas obras). 

Henrich Schütz (1585-1672)

•  Considerado o maior compositor alemão em meado do século XVII;•  Estudou com Giovanni Gabriel em Veneza entre 1609 e 1612;

• 

Publicou, em Veneza, sua primeira obra – uma coletânea de madrigais italianos acinco vozes;•  De 1617 até o fim de sua vida foi mestre capela do eleitor da Saxônia, em

Dresden, embora no período da guerra dos Trinta Anos tenha passado vários anoscomo maestro da corte de Copenhague;

•   Não escreveu música instrumental independente;•  Segundo a tradição – terá composto a primeira ópera alemã, além de vários ballets

e outras obras cênicas, mas toda esta música se perdeu;

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• 

O que ficou de sua obra baseia-se quase por completo em composições sacras – emgrande quantidade e variedade;

•  As mais simples – composições harmônicas a quatro vozes sobre uma traduçãoalemã do Saltério (1628);

• 

Em contrastes com a simplicidade calvinista dos salmos  – os motetos latinos

das Cantiones sacrae (1625) – estilo católico contrapontístico é animado pelasinvocações harmônicas e características derivadas do madrigal, como, porexemplo a representação musical do sono e da vigília em  Ego dormio et cor meumvigilat  (Eu durmo e o meu coração vela);

•  Psalmen David (1619) – magnificência e colorido veneziano – para corosmúltiplos, solistas e instrumentos concertantes. A sonoridade maciça do grandeconcerto combinando com uma abordagem sensível dos textos alemães (a fusão dosdois estilos, alemão e italiano, iniciada por Hassler e outros compositores emfinais do séculoXVI, foi completada por Schütz);

• 

Schütz raramente recorria às melodias tradicionais dos corais, embora tenhacomposto sobre muitos textos de corais;

• 

Os mais importantes dos motetos concertato  de Schütz são as  Symphoniaesacrae, publicados em três séries  – 1629, 1647, 1650 – as duas primeiras comdiversas combinações de vozes e instrumentos, até um total de cinco ou seispartes com contínuo; as de 1629 atestam a influência de Monteverdi e Grandi.

A peça O quam tu pulchra es, dessa coletânea, é escrita sobre um texto semelhanteao moteto (NAWM 85), mas, embora se componha dos mesmos ingredientes –estilo recitativo, ária e madrigal solístico – de desenvolve de forma diferente.Schütz trata a apóstrofe à amada “Oh, como é bela”, sob a forma de um refrão,uma espécie de ritornello, com dois violinos, em estilo de ária em compasso

ternário, enquanto cada uma das partes do seu corpo são louvadas em estilo derecitativos, arioso ou madrigal. Os trechos do madrigal abundam em descrições depalavras, e o recitativo demonstra até que ponto Schütz assimilou bem as ousadaspráticas da dissonâncias dos colegas venezianos.

• 

 No último volume das  Symphniae sacrae exige nada mais do que  seis vozessolistas e duas partes instrumentais com contínuo, apoiadas por umconjunto coral e instrumental completo. Muitas destas obras são amplamente estruturadas como “cenas” de concepção dramática, por vezes com umcoro final de reflexão ou exortação piedosa; aproximam-se, assim, daestrutura da ulterior cantata sacra; 

• 

 As Sete Úlitimas Palavras (1645?), sua obra mais famosa, um oratório no qualos trechos narrativos são compostos como recitativos solísticos (em dois casos para coro) sobre um baixo contínuo, enquanto as palavras de Jesus, em monodialivre e extremamente expressiva, são sempre acompanhadas por contínuo ecordas; 

• 

Oratório de Natal (1664) – maiores proporções, trechos narrativos sãocompostos em recitativo bastante rápido sobre contínuo, enquanto as “cenas”

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são tratadas separadamente com árias, coros e acompanhamento instrumentalem estilo concertato. 

•  As três  Paixões  de Schütz, escritas próximo do fim da sua vida, são, porcomparação, obras austeras e hieráticas: tanto a narrativa como o diálogo sãonuma espécie de recitativo sem acompanhamento que se assemelha, se não nos

aspectos técnicos, pelo menos no espírito, ao canto gregoriano.

Música sacra luterana (2ª metade do século XVII e início doséculo XVIII)

Entre 1650 e 1750 foi a idade de ouro da música luterana. Após os estragoscausados pela guerra dos trinta anos, as instituições eclesiásticas dos territórios luteranos daAlemanha foram paulatinamente restauradas. Duas tendências opostas influenciaram acomposição musical: o partido ortodoxo  – fiel ao dogma estabelecido e às formasinstitucionais e públicas do culto, nos serviços religiosos favorecia o uso de recursos

disponíveis da música coral e instrumental, e o movimento amplamente difundidoconhecido como pietismo – que colocava a ênfase na liberdade do crente individual – os pietistas desconfiavam do formalismo e da grande arte no domínio do culto e preferiamuma música de caráter mais simples, exprimindo os sentimentos pessoais de devoção. 

Corais

O coral é uma herança musical comum de todos os compositores luteranos desde aReforma. Em meados do século XVII, um notável acréscimo ao número de corais jáexistentes foram os hinos de Paul Gerhardt (1607-1676). Muitos textos de Gerhardt forammusicados por Johann Crüger (1598-1662). Crüger reviu e publicou em 1647 umacoletânea intitulada Práxis pietais melica (Prática da Piedade na Canção), que se tornou ocancioneiro luterano mais influente da segunda metade do século. Juntamente com outrascoletâneas que sucederam a Práxis, essas canções não se destinavam originalmente a sercantadas pela congregação, mas sim à execução doméstica; só muito gradualmente éque estas novas melodias foram sendo introduzidas nos hinários oficiais do séculoXVIII. Essa prática cada vez mais corrente do canto congregacional de corais comacompanhamento de órgão fomentou a produção de composições num novo estilo, onde asantigas irregularidades métricas se foram gradualmente atenuando, dando lugar a ummovimento uniforme de notas iguais, com o fim de cada frase assinalado com uma fermata – o tipo de coral das obras de J.S.Bach.

O crescimento da produção de canções religiosas na segunda metade do séculoXVII foi acompanhado do declínio geral da qualidade musical e poética. Muitos textos pietistas exprimiam atitudes religiosas egocêntricas e sentimentais em uma linguagemextremamente emotiva e a busca de simplicidade muitas vezes caia na mediocridade. Após1700 é que as correntes opostas ao pietismo e da ortodoxia conseguiram chegar a umaunião benéfica para ambas. Com um ambiente mais favorável e os recursos materiaisadequados á manutenção de um alto nível artístico a evolução teve lugar nos centrosortodoxos.

 Nesta evolução estiveram em jogo três elementos musical e textualmente distintos:

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• 

O coro concertato  sobre texto bíblico, como estabelecido na Alemanha porSchein, Scheidt, Schüts e outros compositores do século XVII;

•  A ária solística, com um texto estrófico não bíblico, e o coral, com o seu texto próprio;

• 

A melodia, que como cantus firmus, podia ser tratada de diversas formas;

Assim três tipos de concerto sacro podiam compor-se a partir destes elementos, oconcerto podia constituir-se de:1.

 

Apenas árias ou árias e coros, em estilo concertato;2.  Apenas corais, também em estilo concertato;3.  Corais e árias, sendo os primeiros, quer em versões harmônicas simples,

quer em estilo concertato.Embora se dê muitas vezes a estas combinações o nome de cantatas, a designação

mais apropriada é a de concerto sacro.

Música sacra concertante

Matthias Weckmann  (1619-1674), compositor e organista hamburguês, discípulode Schütz, dá continuidade a tradição de música concertante para coro solista e orquestrasem referência a melodias de corais. No coro  Die mit Tränen säen  (Os que semeiam em pranto), o tratamento que Weckmann dá às palavras Os que semeiam em pranto colherão naalegria justapõe, dentro do mesmo esquema métrico, duas idéias musicais contrastante, a primeira tornada lacrimosa graças aos retardos e às dissonâncias, a segunda alegre graçasaos ritmos pontuados e a uma linha ornamentada ascendente.

Franz Tunder  (1614-1667), de Lübeck, também em estilo concertato, para grupomenor, apresenta na versão do coral Wachet auf (Despertai) um coro só ligeiramenteornamentado que se sobrepõe a um acompanhamento simples de cordas com destaque daimitação do motivo em terças ascendentes.

 Diálogos entre Deus e uma alma crente, de Andréas Hammerschimidt, publicadosem 1645, demonstram um clima subjetivo com influências dos sentimentos pietistas. Estaobra é notável pela hábil utilização de um trombone obbligato no registro do tenor.

Dietrich Buxtehude  (c.1637-1707), genro de Tunder e seu sucessor em Bübeck,escreveu variações corais nas quais as diversas estrofes de um coral vão servindo de base,sucessivamente, para elaboração de vozes e instrumentos. O seu Wachet auf está escrito daseguinte forma:

•  Um breve e festivo prelúdio ou sinfonia instrumental baseia-se nas duas primeirasfrases da melodia coral:

1.  A primeira estrofe do coral é arranjada para voz de soprano e orquestra (cordas,fagotes, contínuo), em compasso de 3/4 e 4/4, sendo cada frase ligeiramente

ornamentada na voz e as frases vocais separadas por breves interlúdios orquestrais;o conjunto é consideravelmente ampliado pela repetição da segunda metade damelodia do coral;

2.  A segunda estrofe, para voz de baixo com orquestra, é tratada de forma análoga à primeira, mas num ritmo rápido de 3/4;

3.  A terceira estrofe, para dois sopranos e baixo, em 4/4 e 3/2, é mais compacta: breves pontos de imitação em várias frases de coral expandem-se perto do fim, criando umclímax sonoro.

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Todos os andamentos são na mesma tonalidade, Ré maior, de modo que o contraste éobtido, principalmente, através das mudanças de textura e de ritmo.

Buxtehude  compôs boa parte de sua música sacra para Abendmusiken, concertospúblicos que se seguiam aos serviços religiosos vespertinos em Lübeck no tempo doAdvento. Segundo parece, tratava-se de realizações bastante longas, variadas, semi-

dramáticas, musicalmente semelhantes a um oratório frouxamente estruturada,incorporando recitativos, árias estróficas, versões de corais e coros polifônicos, bem comomúsica orquestral e de órgão. As Abendmusiken atraíram músicos de toda a Alemanha;J.S.Bach foi ouvi-las no Outono de 1705.

O estilo concertato livre sem coral predomina nas obras vocais de Johann Pachelbel (1653-1706), o mais famoso de uma longa linhagem de compositores que trabalharamem Nuremburgo ou nas imediações desta cidade. Como muitos dos compositores do Sulda Alemanha, onde a influência veneziana continuava a ser poderosa, Pachelbel escreveufreqüentemente para coro duplo.

 Nem toda a música sacra luterana utilizava textos alemães. Daí muitos compositoresdeste período escreveram Magnificat, Te Deum e outros textos tradicionais em latim,incluindo a missa (geralmente abreviada: apenas Kyrie e Gloria), bem como motetos, querem latim, quer em alemão.

A Paixão

Desde finais do século XV os compositores começaram a escrever versões polifônicas dos trechos da turba em estilo de moteto, contratando com os trechos a solo, emcanto chão; este tipo de composição ficou conhecido como paixão dramática ou cênica.Johann Walter  adaptou a paixão dramática ao uso luterano com texto alemão na suaPaixão segundo São Mateus, de 1550, e o seu exemplo foi seguido por muitos compositores

luteranos posteriores, incluindo Heinrich Schütz. No entanto, sucedia também muitas vezesser o texto integralmente musicado como uma série de motetos polifônicos – a paixãomoteto. Vários compositores católicos que, a partir de meados do século XV, escreveram paixões de motetos: as mais famosas paixões motetos luteranas foram as de Joachim A.Burck (1568), Leonhard Lechner (1594) e Christoph Demantius (1631).

Com o estilo concertato, no século XVII, surge a  paixão oratório, incluindorecitativos, árias, conjuntos, coros e peças instrumentais, prestando-se todos a umaapresentação dramática, como na ópera. As Sete Últimas Palavras, de Schütz, apresentaeste tipo de tratamento musical, embora o texto seja uma combinação dos quatroevangelhos.

 Na segunda metade do século XVII, o texto recebe o acréscimo de meditações

poéticas sobre os acontecimentos narrados  musicadas com árias solísticas e coraistradicionalmente associados à história da Paixão, que eram cantados pelo coro ou pelacongregação. Entre as paixões de finais do século XVII, as mais conhecidas são de:

•  Johann Sebastiani  (1622-1683), escrita em 1672, narrativa do Evangelho de SãoMateus com recitativos, coros, alguns interlúdios orquestrais e corais intercalados para solista;

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• 

Johann Theile (1646-1724), escrita em 1673, também com narrativa do Evangelhode São Mateus, com forma semelhante, mas de tratamento mais ornamentado; emvez dos corais, no entanto, são inseridas algumas árias estróficas.Estas duas obras incluem os habituais e breves coros introdutório e final. No início do século XVIII, sob influência do pietismo, surgiu um novo tipo de

texto da Paixão com Jesus ensangüentado e moribundo, de Hunold-Menantes (1704), ondea narrativa bíblica era parafraseada com pormenores cruamente realistas einterpretações simbólicas tortuosas, bem ao gosto da época. De clima semelhante é o popular texto da Paixão de B.H. Brockes (1712), que foi trabalhado por Keiser, Haendel,Mattheson  e cerca de quinze outros compositores do século XVIII. Até J.S. Bachrecorreu a ela para os textos de algumas árias da sua Paixão segundo São João .

Música Instrumental

A música instrumental não escapou à influência dos estilos de ária e derecitativo, mas estes foram menos marcantes do que a prática do basso continuo. Asonata para  instrumentos solistas era especialmente susceptível às influências vocais e,como é evidente, o acompanhamento de teclado a instrumentos agudos moldou-sefacilmente à textura do baixo contínuo. O violino, que ascendeu a um lugar de destaque noséculo XVII, tendia naturalmente a imitar a voz do cantor solista, e muitas das técnicasdo solo e do dueto vieram a ser incorporadas no seu vocabulário.  

A produção de música instrumental vai adquirindo tanta importância quanto amúsica vocal  durante a primeira metade no século XVII. No entanto, as formas aindaestavam longe de estarem padronizadas, e as designações eram confusas e

inconsistentes. Porém, é possível distinguir determinadas formas de proceder que estão naorigem de alguns tipos genéricos de composição: 

1.  O tipo fugato: peças em contraponto imitativo contínuo, não divididos emseções – ricercare, fantasia, fancy, capriccio, fuga, verset  e entre outros;

2.  O tipo de canzona: peças em contraponto imitativo descontínuo, divididos emseções, por vezes com elementos de outros estilos. Estas peças dão lugar, emmeados de século, à sonata de chiesa;

3.  Peças que efetuam variações sobre uma dada melodia ou baixo:   partita, passacaglia, chaconne, partita coral e prelúdio coral ; 

4.  Danças e outras peças em ritmos de danças mais ou menos estilizadas, querfrouxamente agrupadas entre si, quer integradas de forma mais estreita numa

suíte; 

5.  Peças de estilo improvisatório para instrumento de teclado ou alaúde, solistas: toccata, fantasia e prelúdio.

Lembrar que essas categorias não são exaustivas nem exclusivas. Por exemplo,o procedimento de fazer variar um determinado tema encontra-se não apenas nascomposições do tipo da variação, mas também muitas vezes em ricercari, canzonas,

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 pares de danças e suítes de danças. As tocatas podem incluir breves ações de tipofugato; as canzonas podem conter interlúdios em estilo improvisatório; em suma, osdiversos tipos combinam-se entre si das mais variadas maneiras .

O  ricercare do século XVII é, na sua forma mais característica, uma composiçãorelativamente breve e séria para órgão ou instrumento de teclado, na qual um tema édesenvolvido continuamente em imitação. O  Ricercari dopo il Credo  de GirolamoFrescobaldi (1583-1643)  é um bom exemplo. Frescobaldi foi organista de S. Pedro deRoma de 1608 até sua morte, publicou  Ricercari dopo il Credo em 1635, numa coletâneade peças para órgão intitulada  Fiori musicali (Flores musicais), destinadas a serem usadasnos serviços religiosos. Este ricercari  fazia parte da música para a  Missa della Madonna (Missa da Santíssima Virgem, n.° IX do líber usualis, p.40); como o título indica,destinava-se a ser tocada depois do Credo. É uma peça notável pelo hábil manejo das linhascromáticas e pelo emprego sutil de harmonias e dissonâncias variáveis transmitindo umasensação de serena intensidade que caracteriza boa parte da música de órgão deFrescobaldi.

A Fantasia para teclado do início do século XVII possuía maiores proporções euma organização formal mais complexa que o ricercari. Os principais compositores defantasias deste período foram o organista de Amsterdã Jan Pieterszoon Sweelinck e osseus discípulos alemães Samuel Scheidt (1587-1654), de Hala, e Heinrich Scheidemann(c.1596-1663), de Hamburgo.

Cada uma das designações, ricecari, fantasia, fancy, capriccio, sonata, sinfonia ecanzona, era, em geral, respeitada pelos compositores por representarem uma tradição e umconjunto de precedentes. Alguns autores consagravam uma atenção para este assunto, comoAthanasius Kircher em Musurgia universalis (1650) e Michael Praetorius emSyntagma musici, terceira parte (1618). Assim, pode se dizer que o ricercari e a fantasiaeram construídos sobre um tema ou temas de caráter legato sustentado, tendendo a fantasia,mais do que o ricercari, a utilizar temas tomados de empréstimos e processos complexos.A tendência era para desenvolver esses temas em contraponto imitativo contínuo, comouma série de fugas (fuga era o nome por que se designava na Alemanha este tipo depeças desde os primeiros anos do século XVII). A canzona, em contrapartida, tinha ummaterial melódico mais vivo, mais ritmicamente marcado, e os compositores tendiam asublinhar a divisão deste material em seções.

A música  de consort (conjunto) para viola  floresceu na Inglaterra desde as primeiras décadas do século XVII, quando gozavam de grande popularidade as obras deAlfonso Ferrabosco, o Jovem (antes de 1578-1628), e John Coprario, ou Cooper(1626). As  fancies  de John Jenkins (1592-1678), o mais importante compositor nestedomínio em meados do século XVII, ilustram uma grande diversidade de processos; as primeiras fancies contrapontísticas a cinco vozes para violas e órgão têm temas melódicosanálogos aos ricercari , embora muitas vezes se apresente mais do que um tema,esboçando-se uma divisão em seções, como na canzona; e as suas posteriores fantasias,a três vozes para dois violinos e baixo, são análogos à trio sonatas italianos, com a suatextura ligeira, temas melodiosos e divisão em seções de estilos contrastantes. Noutras

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obras ainda Jenkins utiliza o termo  Fancy  para designar um andamento em contrapontoimitativo seguido de uma ou mais danças, ou ayres.

 NAWM 103 – Jan Pierterszoon Sweelinck, Fantasia a 4•  Após uma exposição em forma de fuga no modo III (transposto à quinta inferior), o

tema, que permanece relativamente inalterado, embora seja, por vezes exposto por aumento ou diminuição, combina-se, em seções sucessivas, com diferentescontratemas e figurações do tipo de tocata. Embora haja numerosos acidentes eprogressões cromáticas, a música nunca se afasta do foco modal escolhido. Talcomo sucede com outras peças do tipo improvisatório, a sua função deverá tersido a de fixar e explorar um modo ou clave como forma de preparação para umaoutra música.

Canzona

Havia várias maneiras de escrever canzone no século XVII:•  Uma consistia em construir várias seções contrastantes – cada uma sobre um

tema diferente, em imitação fugada, á maneira de uma chanson vocal, rematandoo conjunto com um floreado semelhante a uma cadenza;

•  Outro tipo, a canzona-variação, utilizava transformações de um único tema emseções sucessivas, como sucede na canzona para teclado de Giovanni MariaTrabaci (c.1575-1647), similar estrutura em muitas das canzonas para teclado deFrescobaldi  e nas de seu mais notável discípulo alemão, o organista vienenseJohann Jakob Froberger (1616-1667);

•  Certas canzonas para teclado, no entanto, e a maioria das canzonas para conjunto 

prescindia da técnica da variação e dividiam-se em seções sem relação temáticaentre si, umas vezes com muitos breves períodos de apenas alguns compassos,unidos como numa manta de retalhos, outras vezes com seções menos numerosase mais longas, uma ou várias das quais podiam ser repetidas, quer literalmente,quer de forma variada, depois de outro material intermediário, assim servindode elemento unificador. Tarquínio Merula (c.1594-1665) escreveu canzonas paraconjuntos deste tipo.

Sonata

Essas peças denominadas canzonas por Merula receberiam, provavelmente, o nome

de sonatas por um compositor mais tardio. A sonata, um dos termos mais vagos de todasas designações para peças instrumentais do início do século XVII, veio gradualmente asignificar composições cuja forma era semelhante à da canzona, mas comcaracterísticas particulares. As peças a que no início do século XVII se dava o nome de sonatas  eram muitas vezes escritas para um ou dois instrumentos melódicos, geralmenteviolinos, com um basso coniínuo; a canzona  para conjunto era geralmente escrita comquatro partes, que podiam quase sempre ser tocadas com ou sem contínuo. Além disso, assonatas  eram freqüentemente escritas para um instrumento determinado, pelo que

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tiravam partido das possibilidades específicas desse instrumento; tinham um caráter livree expressivo, enquanto a canzona típica estava mais próxima da natureza formal eabstrata da polifonia instrumental da tradição renascentista.

A Sonata per il violino per sonar com due corde, opus 8, de Biagio Marini (1587-1663), publicada em 1629, é um dos primeiros exemplos daquilo a que podemos chamar

“monodia instrumental”. Divide-se, como a canzona, em seções contrastantes, a última dasquais se integra particularmente bem no espírito da canzona. Começa com uma melodiaextremamente emotiva que faz lembrar um madrigal solístico de Caccini, mas passa quasede imediato para figurações seqüenciais violinísticas (exemplo p. 347 - Palisca). Não hárepartições literais, embora as cadências recorrentes a Lá e a alternância de seçõesrapsódicas com outras de ritmo regular confiram à peça uma certa coerência. Oaspecto mais notável é o estilo especificamente violinístico, que utiliza notassustentadas, escalas, trilos, cordas duplas e ornatos improvisados, chamados affetti .

Em meados do século XVII sonata e canzona acabaram por fundir-se numaforma única, tendo o termo sonata substituído gradualmente o da canzona; por vezesusava-se a designação mais desenvolvida, sonata de chiesa, já que muitas dessas peças sedestinavam a serem tocadas na igreja. Escreviam-se sonatas para muitas combinaçõesdiferentes de instrumentos; uma das mais comuns era a de dois violinos com contínuo. Atessitura de duas partes melódicas agudas, vocais ou instrumentais, sobre um baixocontínuo exerceu uma atração especial sobre os compositores ao longo do século XVII. Assonatas deste tipo são geralmente designadas por trio sonatas.

Variações

O princípio da variação  abrange muitas das formas instrumentais do séculoXVII.  Num sentido mais especifico, o tema e as variações são um prolongamento de umdos tipos favoritos de composição para teclado do renascimento tardio. As peças em quese aplicava este princípio chamavam-se ária com variazione, variationes super...,veränderung uber..., diferencia, mas sucedia com igual freqüência não aparecer notítulo a palavra variação. O termo  partite (divisões) era muitas vezes usado no início doséculo XVII para designar as séries de variações; só mais tarde passou a aplicar-se às sériesou  suítes  de danças. Nesta categoria de peças utilizou-se um certo número de técnicasdiferentes, sendo as mais comuns as seguintes:

1.  A melodia podia repetir-se com poucas ou nenhuma alteração, embora pudesseser transferida de uma voz para outra e enquadrada por material contrapontísticodiferente em cada uma das variações. A este tipo dá-se, por vezes, o nome devariação de cantus firmus. Além dos virginalistas ingleses, os principaiscompositores seiscentistas de variações deste tipo foram Sweelinck e Scheidt;

2. 

A melodia podia ser de forma diferente em cada variação; regra geral permanecia na voz mais aguda, com harmonias subjacentes, na essência,inalteradas. Um dos principais compositores deste tipo de variação foi o organistade Hamburgo Jan Adam Reinken (1623-1722);

3.  É o baixo ou a estrutura harmônica, e não a melodia, e não a melodia a fatorconstante. Muitas vezes, como sucede na romanesca, há também uma melodia de

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soprano associada ao baixo, mas, geralmente, esta se encontra obscurecida pelafiguração. Exemplo precoce deste tipo é a série de  partite  de Frescobaldi  Ária de Ruggiero. O baixo e a harmonia da série são claramente os elementos fixos dasdoze  partite, e só na sexta parte é que a melodia ocupa um lugar de destaque.Retomando talvez a função original do  Ruggiero  como fórmula de recitação

poética, Frescobaldi compôs uma primeira parte, ou variação livre e rapsó-dica,como um recitativo. A décima parte adota uma forma sincopada, queBuxtehude e Bach virão a retomar nas suas passacglias.

 No Norte e Centro da Alemanha, uma categoria importante de composições paraórgão era baseada em melodias corais. Em 1624 Scheidt publicou uma volumosa coletâneade composições para órgão sob o título de Tablatura nova  – nova porque, em lugar daantiga tablatura de órgão alemã, Scheidt adotou a prática italiana de escreverdesenvolvidamente cada uma das vozes numa parte diferente. Especialmente dignas denota entre as composições sobre corais da Tablatura nova são uma fantasia sobre a melodia Ich ruf’zu dir  (chamo por vós) e várias séries de variações sobre outras melodias de corais.As obras de Scheidt, e a influência que exerceu como professor estiveram na origemde um florescimento notável da música de órgão na Alemanha setentrional durante operíodo barroco.

Música de Dança – A música de dança teve grande importância, não apenas em si, mas porque os seus ritmos se estenderam à música, tanto vocal como instrumental, sagrada ou profana. O ritmo característico da sarabanda, por exemplo, e o andamento vivo da jigaaparecem em muitas composições que de modo algum são designadas como danças.

Suítes

Como composição de vários andamentos, e já não como mera sucessão de peças breves, cada qual com seu clima e ritmo próprios, a suíte foi um fenômeno alemão. Atécnica de variação temática – já adotada no século XVI nas combinações  pavana- galharda, Tanz-Nachtarz, passamezzo-saltarello – estendia-se agora a todas as danças deuma suíte.

Johann Hermann Schein apresenta este tipo de ligação orgânica as danças de cadauma das suítes do  Banchetto musicale  (Banquete musical), publicado em Leipzig em1617. Algumas são construídas sobre uma idéia melódica que aparece recorrente, sobdiversas formas, em todas as danças; noutra a técnica é mais sutil, empregando-se areminiscência melódica, em vez da simples variação sobre um tema. Seja como for, todasas danças de cada uma delas “correspondem primorosamente entre si, tanto emtonalidade como em invenções”, segundo afirma Schein no prefácio. O Banchetto incluivinte suítes em cinco partes, respeitando todas elas a seqüência  pavana, gagliarda,courente e allemande com uma tripla (uma variação ternária da allemande). A música édigna, aristocrática, vigorosamente rítmica e melodicamente inventiva, com essaconjunção de riqueza sonora e decoro, de encanto italiano e gravidade teutônica que étão característica deste período na Alemanha.

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A intrada  era uma dança que podia ser incluída em uma suíte ou ser publicadaseparadamente. Com um caráter geralmente festivo semelhante a uma marcha (emboramuitas vezes em ritmo ternário), podia servir como andamento inicial da suíte.

Música Francesa para alaúde e tecladoFoi na França, no início e em meados do século XVII, que se estabeleceu, através de

arranjos da música dos ballets de corte, uma linguagem e um estilo próprios de cada umadas danças. Estes arranjos eram escritos, não para um conjunto, mas para uminstrumento solista – primeiro, o alaúde e, mais tarde, o cravo ou a viole (nome que osfranceses davam à viola da gamba).

•  Exemplo de um destes arranjos para alaúde –  La poste  NAWM 105a, deEnnemond Gaultier (1575-1651).  Algumas vezes eram transcritos para canto,como ocorre com a jiga desta suíte (NAWM 105b), transpondo para o tecladoornamentos característicos do alaúde.

Este dois exemplos ilustram a transposição da linguagem do alaúde para o cravo.Embora o cravo, ao contrário do que sucede no alaúde, se possam tocar acordes comosimultaneidades, o autor do arranjo respeitou as limitações do alaúde e distribuiu oselementos de um acorde por vários tempos do compasso, em style brisé . Os ornatostendem a recair nas mesmas notas e nos mesmos tempos do compasso em ambos osarranjos, e a função é análoga: sublinhar certos tempos como o faria um instrumento de percussão, promover a continuidade, intensificar a dissonância e, por conseguinte, omovimento harmônico, ou esbater (dispor gradualmente, atenuar) certos tempos.A jiga é em compasso binário, o que não era invulgar, e segue a forma bipartida maiscorrente, com uma cadência à dominante na primeira parte e à tônica na segunda.

Uma vez que o alaudista só tocava, geralmente, uma nota de cada vez, tornava-senecessário esboçar na melodia o baixo e a harmonia, introduzindo as outras notasconvenientes, ora num, ora noutro registro, e deixando à imaginação do ouvinte ocuidado de prover a continuidade implícita das diversas linhas. Era o style brisé, ou estiloquebrado que os compositores franceses adaptaram ao cravo, juntamente com algunsaspectos da técnica da variação inspirados nos virginalistas ingleses; desenvolveramtambém o uso de pequenas ornamentações (agréments), umas vezes indicadas por sinaisestenográficos na página, outras deixadas ao critério do executante. O estilo de alaúdefrancês esteve na origem não só de alguns importantes desenvolvimentos da música deteclado, mas também de todo o estilo francês de composição de finais do século XVII e

início do século XVIII.A música para alaúde floresceu na França no início do século XVII,culminando na obra de Denis Gaultier (1603-1672). Uma coletânea manuscrita decomposições de Gaultier, intitulada  La Rhetorique des dieux   (A Retórica dos Deuses).Contém doze séries (cada uma o seu modo) de danças altamente estilizadas. Cada sérieinclui uma allamende, uma courente e uma sarabanda, com outras dançasacrescentadas aparentemente ao acaso; cada suíte é, assim, na realidade, uma

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pequena antologia de breves peças de caráter, muitas das quais receberam títulosimaginativos.

Jacques Champion de Chambonnières  (1601 ou 1602-1672) foi o primeirocompositor importante da nova linguagem para teclado, ao qual se seguiu uma longalinhagem de cravistas, entre os quais merecem especial menção Louis Couperin  (1626-

1661) e  Jean Henri d’Anglebert  (1635-1691). O estilo francês foi levado para aAlemanha por Froberger, que estabeleceu a allemande, a courente e a sarabanda comocomponentes-padrão das suítes de danças. Nos manuscritos de Froberger as suítesterminam com uma dança lenta, a sarabanda; numa edição posterior, já póstuma, dasmesmas suítes, datada de 1693, estas aparecem revistas por forma a terminarem com umaanimada jiga. A fusão de peças de diversos tipos e ritmos de dança da suíte para teclado demeados do século XVII fica bem ilustrada numa das mais famosas composições deFroberguer, um lamento (tombeau) pela morte do imperador Fernando IV; esta peça, com aestrutura e o ritmo de uma allemande, constitui o primeiro andamento de uma suíte.

Composições ImprovisatóriasContrastando com a imponente grandeza objetiva e com o virtuosismo de

venezianos como Merulo, as toccatas de Frescobaldi traduzem muitas vezes uma veiareservada, subjetiva, mística, com harmonias sustentadas e progressões acórdicasextraordinariamente originais.

•   NAWM 104 – Girolamo Frescobaldi, Toccata terza 

(Inquietação) A música aproxima-se constantemente de uma cadência, quer nadominante, quer na tônica, mas até ao final da peça evita ou atenua a resolução,umas vezes harmonicamente, outras ritmicamente, outras ainda através do movimento

contínuo das vozes. Entre os pontos de chegada e partida imediata especialmente dignosde nota contam-se os compassos: 5 (dominante maior), 8 (dominante menor ?), 13(tônica menor), 26 (tônica menor) e 30 (tônica menor). A inquietação também se traduznas mudanças de estilo. No início a peça respira o espírito do recitativo, com linhasentrecortadas e ritmos nervosos.  No compasso 5 uma breve passagem em arioso, comum encadeamento de retardos sobre um baixo móvel,  desemboca numa  seção imitativa (compassos 8-11). No resto da toccata as duas mãos alternam, uma tocandoescalas e grupetos e a outra acordes, ou trocam entre si breves figurações adequadas aosdedos. A ênfase na tônica e na dominante surge fortemente que o propósito da peçaseria o de fixar o tom para o trecho seguinte da missa.

Este é um caso particular em Frescobaldi, pois outras tocatas filiam-se ao tipoveneziano, com margem para o virtuosismo e são, na forma, longas séries de seçõesfrouxamente articuladas entre si, com uma grande exuberância de idéias musicais, como é ocaso também da terceira tocata do primeiro livro de 1637. As diversas partes destas tocatas,segundo afirma o compositor, podem ser tocadas isoladamente, terminando emqualquer das cadências apropriadas, se o executante assim o desejar; além disso,Frescobaldi indica que o tempo não tem de estar sujeito a uma pulsação regular ,

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 podendo ser modificado com o sentido da música, em especial através do atraso nascadências.

Froberger escreveu tocatas de construção mais sólidas, menos exuberantes. Nelasas passagens de improvisação livre fornecem um enquadramento para as seçõesdesenvolvidas de forma sistemática no estilo contrapontístico da fantasia. As peças de

Froberger forma o modelo para a ulterior fusão de tocata e fuga , tal como vamosencontrá-la nas obras de Buxtehude, ou para a sua conjugação, como na famosa tocata efuga em Ré menor de Bach.

Instrumentarium e Discurso musical (Nikolaus Harnoncourt – Discurso dos sons: p.127)

Viola da brazzo e viola da gamba

O violino,  que já encontramos perfeitamente desenvolvido desde o século XVI,reúne as características de construção de vários instrumentos mais antigos: a forma docorpo vem da viela e de Lyra da braccio e maneira de fixar as cordas, da rabeca. O violino(chamado na Itália de viola da brazzo para diferenciar da viola da gamba [perna]) foidesde o início provido de quatro cordas e afinado em quintas como hoje . As particularidades de cada escola de luteria definiam pequenas diferenças de construção comalgumas peculiaridades sonoras. Apesar desta diversidade de modelos e de concepçõessonoras que algumas vezes diferiam consideravelmente umas das outras, o violino no seutodo conseguiu, até o final do século XVIII, manter-se longe de modificações radicais.Pequenas alterações eram suficientes para adaptá-lo a qualquer tipo de exigência; no lugarda corda sol de tripa nua, de sonoridade algo surda e áspera, introduziu-se a corda detripa envolvida em metal; desenvolveram-se arcos mais longos e equilibrados, de modoa permitir uma técnica mais refinada – mas quanto ao resto, o violino continuou sendodurante dois século o pólo fixo dentre os instrumentos.

No final do século XVIII, por razão das transformações ocorridas na vida musicalcomo um todo, a escala de dinâmica dos instrumentos deveria ser estendida aoextremo.

 No que diz respeito ao violino, a sua escala de dinâmica já não correspondiamais às necessidades dos compositores e ouvintes. Felizmente, geniais construtores deviolino encontraram um meio de salvar o instrumento desta crise, da qual foram vítimas agamba e muitos outros instrumentos: espessou-se o encordoamento  além do quetecnicamente permitiam estes instrumentos. A espessura da corda é diretamente proporcional à tensão e, portanto, à pressão exercida através do cavalete sobre o tampodo instrumento: donde quanto mais grossas as cordas, maior é a tensão e a pressão e commuito mais energia se poderá e dever-se-á tocar com o arco para colocá-las em vibração.Os instrumentos, no entanto, não haviam sito construídos para agüentar tal pressão , por isso foi necessário reforçar também a antiga barra harmônica (pedaço de madeiracolado no interior do tampo ao longo da corda mais grave e sob o pé esquerdo do cavalete),

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que foi retirada e substituída por outra de volume três a cinco vezes maior. Assim podesuportar uma pressão mais forte. Retirou-se, também, o antigo braço, talhado numa peçaúnica com voluta e fixado em ângulo reto no instrumento, para colar um novo braço,agora inclinado, no qual se voltou a fixar a voluta original. Com isso, o ângulo dascordas, ao passar sobre o cavalete, ficou mais agudo, o que novamente aumentava a pressão

sobre o tampo. Ao mesmo tempo, criando o arco moderno, com o qual se podia tocar demaneira apropriada neste instrumento. (Tourte) O arco moderno é mais pesado que oantigo, propositadamente construído mais leve, e bastante côncavo, o que faz com quea tensão das crinas cresça quando aumenta a pressão . Ele tem duas vazes mais crinas do que o arco antigo e estas ao contrário de mecha arredondada, do arco antigo,frouxamente presa, são mantidas em forma de fita lisa, esticadas por uma lingüetametálica.

 Naturalmente, teve-se que pagar por este ganho de potência (três ou quatro vezesmaior) com uma considerável perda de harmônicos superiores. Com o passar do tempo, anecessidade transformou-se em virtude e o som liso e redondo de violino se tornou o idealsonoro; este som foi ficando cada vez mais polido e as cordas de tripa nua acabaram caindoem desuso, de modo que, hoje, se toca apenas em cordas de tripa cobertas por metal ou emcordas de aço.

Comparemos agora a sonoridade do violino barroco com aquela do instrumento deconcerto moderno: o som do violino barroco  é doce, mas de uma acuidade intensa edelicada. A diversidade se obtém antes de tudo por uma articulação ricamentediferenciada e não tanto pela dinâmica. O instrumento moderno possui, ao contrário, umsom redondo e liso, com uma grande margem de dinâmica, dinâmica essa que, apartir de agora, se torna o fator expressivo dominante.  No conjunto, observa-se umempobrecimento da paleta sonora, já que na orquestra moderna todos osinstrumentos tendem para uma sonoridade redonda, pobre em harmônicos agudos,enquanto que na orquestra barroca a diferenciação dos grupos instrumentais eramuito mais marcada e conseqüentemente mais rica.

A viola da gamba e sua família têm uma filiação da viela medieval em mais diretaque o violino, mas ambas as famílias surgiram aproximadamente no século XVI. Desde oinício eram claramente separadas e distintas uma da outra. Tanto que nas obrasinstrumentais italianas do século XVII, o violoncelo, que também é segurado entre as pernas, portanto da gamba, é designado como viola da brazzo, ou seja, pertencente àfamília do violino, enquanto que as pequenas pardessus de viole francesas são gambassoprano, apesar de serem, muitas vezes, sustentadas sobre o braço, por conseguinte, da brazzo.

Distinguem-se por suas proporções. As gambas possuem um corpo mais curtorelativamente ao comprimento das cordas, um fundo plano, faixas mais altas. Em geral suaconstrução á mais fina e leve. A silhueta do corpo da gamba é diferente da forma doviolino, mas é sobretudo menos estandardizada e parece também exercer pouca influênciasobre a sonoridade do instrumento. Essencial na gamba é a sua afinação em quartas eterças, tomada do alaúde e os trastes, igualmente copiados deste instrumento. Desde oinício do século XVI as gambas eram construídas em famílias, isto é, em diferentestamanhos para o soprano, contralto, tenor, e baixo. Com esta formação tocaca-seessencialmente obras vocais adaptadas aos instrumentos por meio de uma ornamentaçãoapropriada. Conhece-se antigos exercícios de Ortiz na Espanha e de Ganassi na Itália,

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destinados a este fim. Nesta época, o violino ainda não fazia parte do número deinstrumentos respeitáveis e era usado principalmente na música improvisada de dança.

Fim do século XVI – lenta ascensão do violino na Itália; a famílias das gambasencontram na Inglaterra sua primeira pátria legítima. Qualquer família com gostomusical, na Inglaterra, por esta época, possuía um móvel contendo gambas de todos os

tamanhos. Foram principalmente fantasias, danças estilizadas e variações, as peças escritasexpressamente para estes instrumentos – e isto num tempo em que no continente não seestava muito longe da música “para tocar em todo tipo de instrumento”. A música, porcausa das características particulares da gamba, cuja expressividade as faz, sobretudoatravés das mais finas nuanças sonoras, está a priori preservada contra execuçõesexcessivamente dinâmicas que destruiriam o efeito, retirando-lhe todo o refinamento.

A gamba  foi descoberta muito cedo, pelos compositores ingleses, comoinstrumento solista. Um instrumento um pouco menor que a gamba baixo normal em réfoi construído com este fim, ao qual chamou-se division-viol ; batizaram uma outra gambaainda menor como  Lyra viol ; este instrumento era afinado de acordo com a obra a serexecutada e tocado a partir de tablaturas. A complexidade das afinações e das notaçõespouco habituais é, infelizmente, culpada pelo fato de que atualmente quase ninguémmais se ocupa desta maravilhosa música solista e tecnicamente do mais alto interesse .

A gamba era utilizada na Inglaterra, sobretudo como instrumento solista paraimprovisação livre. Acham-se esplêndidos exemplos desta arte no Division Viol deChristofer Simpson, uma introdução à improvisação solo sobre um baixo. Esta maneira detocar era tida na época como o grau supremo de perfeição em matéria de execução de violada gamba, o músico poderia manifestar seu conhecimento técnico, musical e suaimaginação.

Mas, foi na França que as possibilidades solísticas da gamba foram exploradasao máximo, no final do século XVII. A extensão da gamba francesa deste período foienriquecida por uma corda grave afinada em lá. Numa única geração surgiram neste país,na corte de Luís XIV, encorajadas por uma elite melômanos, a rica obra de um MarinMarais e as imponentes e audaciosas composições dos dois Forqueray, que suscitaramum bom número de imitações. As exigências técnicas destas composições sãofreqüentemente tão incríveis que se procura os predecessores destes virtuosos.Anteriormente, na época de Luís XIII, era o alaúde o instrumento francês em moda e oinstrumento virtuoso  par excellence. Nos dedilhados que figuram em quase todas ascomposições francesas para gamba, se reconhece claramente a técnica de mão esquerda, própria do alaúde. Estes compositores foram responsáveis pelo refinamento da escalaexpressiva da gamba e introduziram, para incontáveis ornamentos tão complexosquanto refinados, glissandi e outros efeitos, um sistema de sinais, a cada vez explicadonos prefácios das obras. A gamba chegou, aqui, ao cume das suas possibilidades solísticase técnicas, de certa forma, também de sua posição social. As mais altas personalidadestinham o costume de tocar gamba durante suas horas de lazer. O som intimista da gamba,constantemente evocado e pequenas salas, e a possibilidade de obter sonoridadesmurmuradas as mais refinadas, lhe trouxeram a glória e ao mesmo tempo, a suamorte. Desprezado inicialmente, o violino, instrumento mais possante, ouvido facilmentemesmo em grandes salas, foi-se impondo pouco a pouco, até que na segunda metade doséculo XVIII, acabou por destronar a gamba.

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 No século XVIII, portanto no fim do período da gamba propriamente dita, entram,de forma passageira, alguns instrumentos da família das gambas. Como, por exemplo, violad’amore e a Violet inglesa, somente como instrumentos solistas.

 No século XVIII, também as gambas foram munidas algumas vezes de cordas quevibravam por simpatias. Um dos instrumentos mais estranhos deste gênero é certamente o

 Baryton, com o tamanho da gamba suas cordas normais são afinadas com as da viola baixo.As cordas metálicas de ressonância servem não só para colorir a sonoridade, como podemser pinçadas pelo polegar da mão esquerda, enquanto se toca. O baryton não despertariagrande interesse não fosse pelo fato de Haydn ter escrito para ele um grande número deobras soberbas, que ressaltam magnificamente o encanto particular deste instrumento. Seu patrão em Eszterhazy tocava este instrumento.