Cálculo I cap 1

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Sum ´ ario 1 Func ¸˜ oes e Subconjuntos da Reta 3 1.1 Ordenac ¸˜ ao em R ............................... 3 1.2 O plano cartesiano .............................. 9 1.3 Func ¸˜ oes .................................... 16 1.3.1 Definic ¸˜ oes ............................... 16 1.3.2 Func ¸˜ oes polinomiais ......................... 27 1.3.2.1 Func ¸˜ oes do 1 0 Grau .................... 31 1.3.2.2 Exerc´ ıcios ......................... 35 1.3.2.3 Func ¸˜ oes do 2 0 grau: .................... 36 1.3.2.4 Func ¸˜ oes do 3 0 grau: .................... 40 1.3.3 Func ¸˜ oes racionais .......................... 43 1.3.4 Func ¸˜ oes logar´ ıtmicas ........................ 45 1.3.5 Func ¸˜ oes exponenciais ........................ 53 1.3.6 Func ¸˜ oes Trigonom´ etricas ...................... 61 1.3.6.1 A func ¸˜ ao seno ....................... 63 1.3.6.2 A func ¸˜ ao cosseno ..................... 65 1

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Apostila Cálculo 1

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Page 1: Cálculo I cap 1

Sumario

1 Funcoes e Subconjuntos da Reta 3

1.1 Ordenacao em R . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

1.2 O plano cartesiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

1.3 Funcoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

1.3.1 Definicoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

1.3.2 Funcoes polinomiais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

1.3.2.1 Funcoes do 10 Grau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

1.3.2.2 Exercıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

1.3.2.3 Funcoes do 20 grau: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

1.3.2.4 Funcoes do 30 grau: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

1.3.3 Funcoes racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

1.3.4 Funcoes logarıtmicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

1.3.5 Funcoes exponenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

1.3.6 Funcoes Trigonometricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

1.3.6.1 A funcao seno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

1.3.6.2 A funcao cosseno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

1

Page 2: Cálculo I cap 1

SUMARIO 2

1.3.6.3 A funcao tangente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

1.3.6.4 As funcoes cossec, sec e cotg . . . . . . . . . . . . . . . 67

1.3.7 As funcoes trigonometricas inversas . . . . . . . . . . . . . . . . 69

1.3.7.1 A funcao arco seno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

1.3.7.2 A funcao arco cosseno . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

1.3.7.3 A funcao arco tangente . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

1.4 Subconjuntos da reta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

1.4.1 Conjuntos abertos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

1.4.2 Conjuntos derivados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78

1.4.3 Conjuntos fechados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

1.4.4 Conjuntos compactos e conjuntos conexos . . . . . . . . . . . . 84

1.4.5 Conjuntos limitados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

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CAPITULO 1

Funcoes e Subconjuntos da Reta

SECAO 11

Ordenacao em R

Um conjunto e uma colecao de objetos ou elementos que verificam uma dada

propriedade. Esta propriedade e tal que somente os elementos do conjunto a tem,

de modo a determinar o conjunto de maneira unica. Quando um conjunto tem um

numero finito de elementos, e, em geral, definido pela apresentacao de todos os seus

elementos. Neste curso, a ideia de conjunto serve para determinar claramente a que

objetos estaremos nos referindo ao ser feita qualquer afirmacao.

O principal conjunto considerado neste estudo e o dos numeros reais, R, com o

qual o estudante ja esta familiarizado desde seus estudos no Ensino Fundamental e

no Ensino Medio.

Uma propriedade que os numeros reais verificam e que, dados quaisquer dois de-

les, digamos, x e y, necessariamente uma e somente uma das tres situacoes ocorrem:

x− y e positivo (x− y > 0), ou x− y = 0, ou x− y e negativo(x− y < 0). (*)

3

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CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 4

Quando x − y e positivo, escrevemos x > y, que significa x e maior do que y. Em

particular, x e positivo se x > 0, e, se x e positivo, −x e negativo.

Com a relacao >, estabelecemos em R uma ordem entre seus elementos, ou seja,

dados x, y ∈ R, podemos decidir se x > y ou y > x. No entant, e bom observar que

nem todos os conjuntos admitem uma relacao de ordem, por exemplo, o conjunto dos

numeros complexos ou o conjunto das matrizes 2× 2 nao admitem ordenacao.

E a relacao ”maior do que” que permite a representacao do conjunto R numa reta

orientada, com uma origem e uma unidade escolhidas, ficando os numeros positivos

a direita da origem e os negativos, a esquerda.

Podemos tambem escrever, quando x− y e positivo, y < x, y e menor do que x.

No conjunto R com a ideia de ordem, >, por exemplo, podemos definir importantes

subconjuntos.

Definicao 1.1 (Intervalos abertos). Dados dois numeros a e b ∈ R, sendo b > a,

o intervalo aberto (a, b) = x ∈ R; a < x < b.

Observacao 1.2. Fixados a, b ∈ R, sao intervalos abertos

(−∞, a) = x ∈ R; a > x ou x < a e (b,∞) = y ∈ R; b < y ou y > b.

Tambem a relacao ”maior ou igual”, representada por ≥ (ou ”menor ou igual”, ≤)

estabelece um ordenacao em R.

Definicao 1.3 (Intervalos fechados). Dados dois numeros c e d ∈ R, sendo

d > c, o intervalo fechado [c, d] = x ∈ R; c ≤ d.

Como vimos, dados x, y ∈ R, x > y e equivalente a x − y > 0. Tomamos como

Page 5: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 5

verdadeiros os seguintes:

Fato 1 se x > 0 e y > 0, x+ y > 0.

Fato 2 se x > 0 e y > 0, x · y > 0.

Assim, podemos mostrar que relacao ”maior do que” verifica as seguintes proprie-

dades:

Teorema 1.4 (Propriedades da ordenacao). Sejam x, y, c ∈ R. Entao:

1. se x > y e y > z, x > z.

2. se x > y e c > 0, x · c > y · c.

3. se x > y e d < 0, x · d < y · d.

Demonstracao Para x, y, c, d ∈ R, temos:

1. Se x > y e y > z, entao x−y > 0 e y−z > 0, logo, pelo Fato 1, (x−y)+(y−z) =

x− z > 0 ∴ x > z.

2. Se x > y e c > 0, entao x−y > 0, pelo Fato 2, (x−y)·c = x·c−y·c > 0 ∴ x·c > y·c.

3. Se x > y e d < 0, entao x−y > 0 e −d > 0, entao, (x−y) ·(−d) > 0 ∴ d ·y−d ·x >

0 ∴ d · y > d · x.

Definicao 1.5 (Valor absoluto). Dado um numero real x, o valor absoluto de x, |x|,

e igual a x se x ≥ 0, e e igual a −x, se x ≤ 0.

Observacao 1.6. O valor absoluto de um numero real e sempre um numero real nao

negativo. Por exemplo, se x = −3, x ≤ 0, logo, por definicao, |x| = −x = −(−3) = 3.

Page 6: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 6

A operacao de extrair a raiz quadrada de um numero real positivo x, como sabe-

mos, nos da duas solucoes simetricas, a saber,√x e −

√x. Por convencao, o sımbolo

√x e a raiz positiva de x.

Teorema 1.7. Seja x ∈ R. Entao |x| =√x2.

Demonstracao Supondo x ≥ 0, entao√x2 = (

√x)2 = x = |x|. Se x < 0,

√x2 =

(√

|x|)2 = |x|.

Teorema 1.8. O modulo de um numero real verifica as seguintes propriedades: sendo

x e y reais,

1. |xy| = |x||y|.

2. |x+ y| ≤ |x|+ |y| (chamada a desigualdade triangular).

Demonstracao Para x, y ∈ R, temos pelo Teorema 1.7:

1. |xy| =√(xy)2 =

√x2√

y2 = |x||y|.

2. Como, ∀ x, y ∈ R, xy ≤ |xy| = |x||y|, (x+y)2 = x2+y2+2xy ≤ |x|2+|y|2+2|x||y| ∴

(x+ y)2 = |x+ y|2 ≤ (|x|+ |y|)2 ∴≤ |x|+ |y|.

Os resultados aqui discutidos ajudarao muito na resolucao de problemas envol-

vendo ordenacao e modulos. Basta trabalhar com as definicoes e as propriedades

apresentadas.

Page 7: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 7

Exemplo 1.9. Dada a igualdade |x+5| = 2, determine o conjunto S de suas solucoes.

De |x+ 5| = 2, temos

1. x+5 = 2, implicando x+5 > 0, ou seja, x > −5. Alem disso, x+5 = 2 ⇒ x = −3,

e −3 > −5, assim x = −3 e uma solucao para a expressao.

2. −(x+ 5) = 2 implicando −(x+ 5) > 0, isto e, x < −5. Tambem, de −x− 5 = 2 ⇒

x = −7, e −7 < −5. Entao, a expressao tem como solucao S = −7,−3.

Exemplo 1.10. Determine o conjunto solucao de |2x+ 1| ≤ 1.

Como no caso anterior, devemos considerar as duas possibilidades, a saber:

1. 2x + 1 ≥ 0, neste caso, temos 2x + 1 ≥ 0 e 2x + 1 ≤ 1 ∴ x ≥ −1/2 e x ≤ 0 ∴

−1/2 ≤ x ≤ 0 ou x ∈ [−1/2, 0].

ou

2. 2x + 1 < 0, temos, agora, que 2x + 1 < 0 e −2x − 1 ≤ 1 ∴ x < −1/2 e

x ≥ −1 ∴ −1 ≤ x < −1/2 ou x ∈ [−1,−1/2).

Portanto, temos S = x ∈ R;−1/2 ≤ x ≤ 0 ∪ x ∈ R;−1 ≤ x < −1/2 = x ∈

R;−1 ≤ x ≤ 0 = [−1, 0]. o conjunto solucao da desigualdade.

Exemplo 1.11. Dada a desigualdade |x−5| < |x+1|, determine seu conjunto solucao.

Consideremos as quatro possibilidades:

Page 8: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 8

1. x− 5 ≥ 0 e x+ 1 ≥ 0 ⇒ x ≥ 5 e x ≥ −1 ∴ x ≥ 5. E x− 5 < x+ 1 ∴ 0 < 6, que e

verdadeiro. Portanto, x ≥ 5 e solucao para essas hipoteses. Ou

2. x− 5 ≥ 0 e x+ 1 < 0 ⇒ x ≥ 5 e x < −1, que e impossıvel. Ou

3. x − 5 < 0 e x + 1 ≥ 0 ⇒ x < 5 e x ≥ −1 ∴ −1 ≤ x < 5. E −x + 5 < x + 1 ∴

−2x < −4 ∴ x > 2. Entao, de −1 ≤ x < 5 e x > 2, temos que 2 < x < 5. OU

4. x − 5 < 0 e x + 1 < 0 ⇒ x < −5 e x < 1, entao, x < −5. E −x + 5 < −x − 1 ∴

0 < −6, que e um absurdo.

Logo, temos de (1) x ≥ 5 e, de (3), 2 < x < 5, entao a solucao e S = x ∈ R;x ≥

5 ∪ x ∈ R; 2 < x < 5 = x ∈ R; x > 2 = (2,∞).

Definido |x|, para todo x ∈ R, podemos introduzir o conceito de distancia entre dois

elementos a e b pertencentes ao conjunto R da seguinte maneira.

Definicao 1.12 (Distancia em R). Dados x, y ∈ R, a distancia entre x e y ∈ R,

representada por d(x, y), e

d(x, y) = |x− y|.

Decorre de imediato da definicao de distancia que, ∀ x, y ∈ R:

d(x, y) = d(y, x).

d(x, y) ≥ 0

d(x, y) = 0 ⇔ x = y.

Page 9: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 9

SECAO 12

O plano cartesiano

O conjunto R2 = R × R = (x, y);x, y ∈ R, chamado o produto cartesiano do

conjunto R por ele mesmo, permite uma representacao geometrica de seus pontos

extremamente conveniente, baseada nas seguintes ideias: R2, sendo o produto R×R,

pode ser representado em um plano dotado de duas retas mutuamente perpendicula-

res, orientadas (com base na orientacao de R), com uma unidade de medida (usual-

mente a mesma para ambas as retas), cruzando-se na origem (0, 0) de R2. O sistema

de referencia assim obtido e o plano cartesiano, no qual, a cada ponto, corresponde

um e somente um par ordenado (x, y), que define as coordenadas cartesianas do

ponto. O eixo no qual e atribuıda a primeira coordenada de cada ponto no plano e

o das abscissas, Ox, orientado positivamente para a direita, enquanto que aquele no

qual se marca a segunda coordenada de cada ponto do plano e o eixo das ordena-

das, Oy, com orientacao positiva para cima. Assim, com a ordenacao adotada em

cada eixo, temos que, se (x, y) pertence ao primeiro quadrante, x > 0 e y > 0; se

(x, y) pertence ao segundo quadrante, x < 0 e y > 0; se (x, y) pertence ao terceiro

quadrante, x < 0 e y < 0, e, se (x, y) pertence ao quarto quadrante, x > 0 e y < 0.

O sistema de coordenadas cartesianas nao e o unico sistema de referencia possıvel

de se adotar no plano. No entanto, a grande vantagem desse sistema esta no fato

de seus eixos de referencia serem mutuamente perpendiculares, ou seja, formando

angulos retos. Com isso, os calculos a serem feitos sao muitas vezes simplifica-

dos pelo emprego de uma ferramenta modesta mas altamente eficaz: o teorema de

Pitagoras.

Embora R seja um conjunto ordenado, por exemplo, por >, e ainda que R2 seja

obtido como o produto cartesiano desse conjunto por ele mesmo, R2 nao e ordenado.

Page 10: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 10

Podemos, no entanto, definir a distancia entre dois pontos de R2, o que, explorando

o sistema de coordenadas cartesianas, torna-se muito facil.

Exemplo 1.13 (A distancia entre dois pontos). Dados dois pontos no plano, (x0, y0) e

(x1, y1), determine a distancia entre eles.

Hx0, y0L

Hx1, y1L

Hx1, y0L

=P1

P0 == Q

Figura 1.14: Distancia entre (x0, y0) e (x1, y1)

Como podemos ver na Figura 1.14, a distancia entre os dois pontos (x0, y0) e

(x1, y1) e exatamente o comprimento da hipotenusa do triangulo retangulo de vertices

P0 = (x0, y0), P1 = (x1, y1) e Q = (x1, y0). Portanto, pelo teorema de Pitagoras, o

quadrado da distancia entre P0 e P1, d(P0, P1)2, e igual ao quadrado da distancia en-

tre P1 e Q, d(P1, Q)2, somado ao quadrado da distancia entre P0 e Q, d(P0, Q)2, ou

seja, d(P0, P1)2 = d(P1, Q)2 + d(P0, Q)2, mas d(P1, Q) e d(P0, Q) sao facilmente calcula-

das, transladando o segmento P1Q para o eixo Ox e P0Q para o eixo Oy, fornecendo

d(P1, Q) = |x0 − x1| e d(P0, Q) = |y0 − y1|. Portanto,

d(P0, P1)2 = |x0 − x1|2 + |y0 − y1|2 ∴

d(P0, P1) =√(x0 − x1)2 + (y0 − y1)2

Outro exemplo da simplicidade poderosa do sistema cartesiano.

Page 11: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 11

Exemplo 1.15 (A equacao de uma circunferencia). Determine a equacao da circun-

ferencia de raio r e centro no ponto C = (a, b).

Por definicao, a circunferencia e o lugar geometrico dos pontos do plano cuja

distancia a um ponto, seu centro, (neste caso, C = (a, b)) e constante e igual ao

raio da circunferencia (neste caso, r).

Seja, entao, um ponto P = (x, y) na circunferencia C. Como a unica restricao feita

ao ponto P e que ele representa qualquer ponto na circunferencia, decorre daı que

a distancia entre P e o centro C, d(C,P ) = r, e esta distancia, como sabemos do

Exemplo 1.13, e dada por√(x− a)2 + (y − b)2. Portanto, a equacao da circunferencia

de raio r e centro em (a, b) e

(x− a)2 + (y − b)2 = r2

O sistema de coordenadas cartesiano em R2 (e em R3, como veremos mais a

frente), identificando cada ponto no plano com um unico par de coordenadas, permitiu

a resolucao algebrica de problemas da geometria, dando origem a geometria analıtica,

a partir do momento em que condicoes geometricas puderam ser escritas algebrica-

mente. E, em geral, e mais facil trabalhar com equacoes ou sistemas de equacoes

algebricas do que com trabalhar com perfeicao manuseando regua e compasso.

Mais dois bons exemplos da Geometria Analıtica sao vistos a seguir. Notemos a

modesta quantidade de fatos teoricos empregamos ate aqui, comparada aos resulta-

dos bastante gerais ja obtidos.

Exemplo 1.16 (A equacao cartesiana de uma reta). Sejam P0 = (x0, y0) e P = (x1, y1)

dois pontos distintos e conhecidos de R2 dotado do sistema cartesiano de coordena-

das. Determinar a equacao da reta passando pelos pontos.

Page 12: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 12

P0

P

Α

Q

Α

x0

y0

r

x1

y1

R

S

0.5 1.0 1.5 2.0

1

2

3

4

Figura 1.17: inclinacao do segmento de reta P0P

Da Geometria, sabemos que dois pontos distintos determinam uma unica reta.

A inclinacao do segmento P0P e, por definicao, a tangente do angulo α que a reta,

r, suporte do segmento, faz com o semi-eixo positivo Ox. Esta tangente e calculada,

empregando o Teorema de Pitagoras, como:

tg(α) =PQ

QP0

=y1 − y0x1 − x0

.

O valor de tg(α) costuma ser representado pela letra m e referido como a inclinacao

ou declividade do segmento de reta P0P . Portanto, qualquer outro ponto R = (x, y) na

reta suporte r necessariamente verifica a seguinte propriedade: o segmento de reta

P0R tem a mesma inclinacao que o segmento de reta P0P , ou seja, como P0, P e R

estao alinhados, o angulo formado pelo segmento de reta P0R com o semi-eixo Ox e o

mesmo que α. Portanto, se um ponto R = (x, y) pertence a reta r, suas coordenadas,

x e y, verificam a relacao:

m =RS

SP0

=y − y0x− x0

y = mx+ y0 −mx0 ou y = mx+ c,

Page 13: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 13

sendo c = y0 −mx0.

Por esta razao, a relacao y = mx + c e chamada a equacao (cartesiana) da reta r.

Observemos que a equacao da reta nada mais e que a relacao entre as coordenadas

x e y, abscissa e ordenada, dos pontos que pertencem a reta, dito de outra maneira,

os pontos de r sao da forma (x,mx+ c).

Outro problema classico da geometria e o da intersecao de figuras.

Exemplo 1.18. Determine a intersecao entre a circunferencia de raio r e centro em

C = (a, b) e a reta de inclinacao m passando pelo ponto P = (0, c).

A circunferencia de centro em C = (a, b) e raio r tem por equacao (x−a)2+(y−b)2 = r2

e a reta de inclinacao m que intercepta o eixo Oy no ponto P = (0, c) tem equacao

y = mx+ c. Assim, um ponto que pertenca a intersecao entre a circunferencia e a reta

tem coordenadas que verificam ambas as equacoes, ou seja, as coordenadas de um

ponto que pertenca a intersecao entre a circunferencia e reta verificam:

(x− a)2 + (y − b)2 = r2

y = mx+ c

Substituindo o valor de y da segunda equacao na primeira, temos:

(x− a)2 + (mx+ c− b)2 = r2 ∴

(1 +m2)x2 + 2[m(c− b)− a]x+ a2 + (c− b)2 − r2 = 0 (1.1)

e vemos que a abscissa do ponto de intersecao e a solucao de uma equacao do

Page 14: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 14

segundo grau. Geometricamente, este resultado faz sentido, uma vez que ha tres

possıveis posicoes relativas para a circunferencia e a reta, a saber, a reta nao corta a

circunferencia, que corresponde a situacao em que o discriminante da equacao (1.1)

e negativo, ou a reta tangencia a circunferencia, correspondendo ao caso em que o

discriminante de (1.1) e zero, ou a reta corta a circunferencia em dois pontos, situacao

em que o discriminante de (1.1) e maior que zero.

Para um exemplo numerico, consideremos a circunferencia de equacao (x− 2)2+(y+

3)2 = 9 e a reta de equacao y = −x+ 1. A intersecao desta circunferencia com a reta

nos da o sistema de equacoes

(x− 2)2 + (y + 3)2 = 9

y = −x+ 1,

que nos leva a equacao

2x2 − 12x+ 11 = 0 ∴

x1 = 3 +

√14

3e x2 = 3−

√14

3

Para x1 = 3 +

√14

3, a ordenada correspondente de um dos pontos da intersecao e

y1 = −(3 +

√14

3) + 1 = −3−

√14

3; e, para x2 = 3−

√14

3, y2 = −2 +

√14

3. Portanto, os

pontos da intersecao sao (3 +

√14

3,−3−

√14

3) e (3−

√14

3,−2 +

√14

3).

Veremos, agora, uma solucao proposta para um problema no seculo XVIII e que

encontra, em nossos dias, grande afinidade conceitual na resolucao do problema da

localizacao de um ponto na Terra.

Page 15: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 15

Exemplo 1.19. Voltemos ao seculo XVIII quando nao havia relogios portateis como

os de hoje (nem computadores pessoais, nem Internet!). Como os navegadores pode-

riam, em pleno oceano, determinar sua longitude? A latitude, ja naquela epoca, podia

ser encontrada com o auxılio das estrelas.

John Harrison, um homem sem formacao academica, projetou e construi um crono-

metro pelo qual recebeu, em 1773, o ”Premio da Longitude” do governo ingles. Antes

disso, os homens nao sabiam como determinar sua longitude no mar, embora dois

homens, estes com excelente educacao escolar, William Whistor, sucessor de Newton

em Cambridge, e Humpry Ditton, responsavel pela area de Matematica no London’s

Christ Hospital, propuseram a seguinte solucao ao problema da determinacao da lon-

gitude: escolhido um paralelo da Terra, dispunham-se ao longo dele navios ancorados

em posicoes conhecidas. De tempos em tempos, esses navios lancariam fogos de

artifıos. Tripulantes de um navio em curso, ao ver os fogos, poderiam calcular (me-

dindo o tempo necessario para ouvir as explosoes) a distancia de seu navio ao navio

lancador de fogos, cuja posicao e conhecida. Ficaria, assim, determinada a distancia

d1 de seu navio ao navio lancador. Como nao seria conhecida a posicao relativa dos

dois navios, o navio em curso saberia estar sobre uma circunferencia de raio d1 e cen-

tro no navio lancador de fogos. Quando os tripulantes vissem um outro navio lancador

de foguetes disparando sua carga, calculariam a distancia d2 de seu navio ao segundo

navio lancador, definindo uma segunda circunferencia de raio d2 e centro conhecido

na posicao do segundo navio. Assim, o navio em curso estaria na intersecao entre

as duas circunferencias, formada por no maximo dois pontos, e que determinariam

uma reta, o meridiano buscado. Se a intersecao das circunferencias fosse um unico

ponto, o meridiano ficaria determinado pela tangente as circunferencias no ponto de

intersecao.

Em face das dificultades operacionais, a solucao de Whistor e Ditton nao foi utilizada:

nao seria facil colocar navios ancorados ao longo de quase todo um paralelo. No

Page 16: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 16

entanto, mais de 300 depois, um dispositivo, cujo princıpio nao e muito diferente, foi

desenvolvido e empregado rapidamente com muito sucesso. Este mecanismo e o

ja familiar GPS (Global Positioning System). Neste caso, os navios ancorados sao

satelites em orbitas e, em vez de duas circunferencias, sao necessarias tres esferas.

Abordaremos com mais profundidade problemas da Geometria Analıtica pouco adi-

ante.

SECAO 13

Funcoes

1.3.1 Definicoes

Definicao 1.20 (Funcao). Sejam A e B subconjuntos de R e uma associacao entre

os elementos x ∈ A e y ∈ B tal que a cada x esta relacionado um unico y. Neste

caso, a relacao entre os elementos dos conjuntos A e B e chamada uma funcao

entre A e B. A notacao para uma funcao de A em B e:

f :A → B

x 7→ f(x) = y

Observacao 1.21. Dada uma funcao entre A e B, quando queremos indicar, de uma

maneira geral, associacao feita entre os elementos de A e os de B, empregamos

uma letra, por exemplo, x, que nao seja um elemento de A, e chamamos esta letra

de variavel, significando que ela pode ser substituıda por qualquer elemento de A.

O conjunto A e o domınio da funcao f , A = Dom(f), e B o contradomınio de f .

Page 17: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 17

Se A ⊂ R, f e uma funcao de variavel real, e se B ⊂ R, f e uma funcao real.

Vale a pena enfatizar que uma funcao atua sobre todos os elementos do domınio.

Portanto, cuidado e necessario ao definir-se uma funcao. Boa parte dos matematicos

concorda que a definicao de uma funcao envolve um conjunto chamado domınio, um

conjunto chamado contradomınio, os quais podem ser iguais, e uma relacao que a

cada elemento do domınio associa um unico elemento do contradomınio. Ainda assim,

nao e raro encontrar-se em livros questoes como: qual o domınio da funcao f(x) =

1

x? Neste caso, provavelmente o autor quer verificar se o estudante sabe que

1

0nao

faz sentido e, portanto, o domınio da funcao nao pode conter o 0, sendo algo como

(0,+∞), por exemplo.

No entanto, parece-nos, por uma serie de razoes, que o correto e definir a funcao

como:

f : (0,+∞) → R

x 7→ 1

x, (1.2)

ou seja, domınio e contradomınio sao partes integrantes da funcao.

Denotamos a acao de f sobre x, a imagem de x por f , como f(x) e e comum

escrevermos y = f(x), sendo y, portanto,uma variavel no contradomınio de f . Ou-

tro fato importante e que, embora (obrigatoriamente) uma funcao atue sobre todos

os elementos de seu domınio, nao e verdade que todos os elementos de seu con-

tradomınio estejam relacionados a ou sao imagens de elementos x de seu domınio.

Na funcao (1.2), que acabamos de ver, se tomarmos qualquer elemento negativo no

contradomınio da funcao, veremos que nao ha elemento do domınio associado a ele.

Todos estes fatos originam classificacoes das funcoes, assunto para discussoes mais

cuidadosas, adiante.

Page 18: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 18

Bem, outra coisa: muitas vezes, por falta de espaco ou paciencia de quem escreve,

em lugar da expressao em (1.2), recorre-se a f : (0,+∞) → R tal que x 7→ (x) =1

x,

que contem todos os elementos da definicao (1.2), so que dispostos em uma unica

linha

Definicao 1.22 (Funcao injetiva). Seja f : A → B uma funcao. Se, ∀x1 = x2 ∈

A, f(x1) = f(x2), f e uma funcao injetiva a(leva elementos distintos de A em

elementos distintos de B).aHa quem chame funcoes injetivas de funcoes injetoras, assim como, em vez de funcoes so-

brejetivas, de funcoes sobrejetoras, e, em lugar de funcoes bijetivas, de funcoes bijetoras. Os 3casos sao pares de sinonimos e nada mais.

Exemplo 1.23. Seja

f :R → R

x 7→ 2x+ 1

E f injetiva? Se o for, para quaisquer dois elementos, x1 e x2 em A, distintos, f(x1) =

f(x2).

Tomemos, entao, x1 = x2, ambos em A. Portanto, f(x1) = 2x1 + 1 e f(x2) = 2x2 + 1.

Daı, f(x1) = f(x2) ⇒ 2(x1 − x2) = 0 e 2(x1 − x2) = 0 ⇔ x1 = x2. Como, por hipotese,

x1 = x2, f(x1) = f(x2), donde f e injetiva.

Definicao 1.24 (Imagem de uma funcao). Seja f : A → B uma funcao. y ∈

B;∃x ∈ A e f(x) = y e o conjunto imagem de f , representado por Im(f). Pela

definicao, Im(f) ⊂ B.

Page 19: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 19

Ja vimos exemplo de funcao cujo conjunto imagem e diferente do contradomınio

da funcao. Analisemos uma funcao cuja imagem e igual ao seu contradomınio, e suas

implicacoes.

Definicao 1.25 (Funcao sobrejetiva). Seja f : A → B uma funcao tal que, ∀y ∈

B, ∃x ∈ A tal que y = f(x). Entao, f e uma funcao sobrejetora.

Portanto, no caso de uma funcao sobrejetiva todos os elementos do contradomınio

da funcao, B, estao associados a elementos de Dom(f) = A. Assim, no caso da

funcao sobrejetiva, existe uma simetria entre elementos do domınio e do contradomınio

da funcao: para qualquer funcao, todo x ∈ Dom(f) tem uma imagem y = f(x) pela f .

E, quando f e tambem sobrejetiva, todo elemento y ∈ B e imagem y = f(x) de um

elemento x ∈ Dom(f) por f . Veremos que essa situacao tera um papel importante no

estudo de funcoes.

Exemplo 1.26. Seja

f :R → R

x 7→ x3.

E f uma funcao sobrejetiva? Se o for, por definicao, o contradomınio de f sera igual

a sua imagem, ou seja, ∀y ∈ B = R, ∃x ∈ A = R tal que y = f(x). Se existe, y = x3,

para x ∈ Dom(f) = R, mas entao basta tomar x = 3√y, ou seja, dado y qualquer no

contradomınio de f , existe x = 3√y, no domınio de f , tal que f(x) = x3 = y, portanto,

f e sobrejetiva.

Note que mostramos existir x ∈ A tal que f(x) = y, nao dissemos, nem nomento isto

Page 20: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 20

nos interessa, quantos. Para ser sobrejetora, tem de haver pelo menos um x, e, para

este problema, um e o bastante.

Definicao 1.27 (Funcao bijetora). Seja f : A → B uma funcao. Se f for injetora

e sobrejetora, entao f e bijetora.

Se f : A → B for bijetora, f e sobrejetora, entao, por definicao, ∀y ∈ B, existe

x ∈ A de modo que y = f(x), e, como f e injetora, por definicao, para x1 = x2 ∈ A

quaisquer, f(x1) = f(x2) ∈ B. Assim, para quaisquer y1 = y2 ∈ B, ∃x1 = x2 ∈ A

tais que x1 esta associado a y1 e x2 a y2, alem disso, essa associacao e 1 − 1, isto e,

todo elemento de B esta associado a um e um unico elemento de A. Portanto, esta

associacao cumpre as duas condicoes de uma funcao, a saber:

atua sobre todos os elementos de seu domınio, neste caso, o conjunto B.

quaisquer dois elementos distintos de B estao associados a elementos distintos

de A.

Portanto, a relacao a associacao entre elementos do conjunto B e de A e tambem

uma funcao, a funcao inversa da funcao f , denotada f−1, no seguinte sentido: se,

∀x ∈ A, f(x) = y ∈ B, entao, ∀y ∈ B, f−1(y) = x.

Funcoes bijetivas tem tido muita importancia pratica para a humanidade; o pro-

cesso de contagem, por mais sofisticado que seja, resulta de se estabelecer uma

relacao bijetiva entre o conjunto dos numeros naturais e o conjunto dos objetos sendo

contados. Em particular, definimos o seguinte conceito.

Page 21: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 21

Definicao 1.28 (Cardinalidade de um conjunto). Sejam A e B conjuntos e f :

A → B uma funcao bijetiva. Entao, A e B tem a mesma cardinalidade.

Se os conjuntos A e B forem finitos e tiverem a mesma cardinalidade, temos nossa

nocao usual de mesma quantidade ou mesmo numero de elementos em A e B. No

entanto, a definicao permite estender o conceito ao caso em que os conjuntos nao sao

necessariamente finitos.

Definicao 1.29 (Funcao inversa). Seja f : A → B tal que x 7→ f(x) = y,

uma funcao bijetora. Entao existe uma unica funcao f−1 : B → A tal que

y 7→ f−1(y) = x, a funcao inversa de f .

Exemplo 1.30. No Exemplo 1.23, vimos que a funcao

f :R → R

x 7→ 2x+ 1

e injetora. E sobrejetora? Temos de verificar se, para cada y ∈ R, existe x ∈ R tal que

f(x) = y. Escolhamos, entao um elemento qualquer, y, do contradomınio de f . Como

encontrar x ∈ Dom(f) tal que f(x) = y? Ora, no caso, ∀x ∈ R, f(x) = 2x + 1. Logo,

f(x) = 2x + 1 = y, sendo y um elemento qualquer de R, o qual - e isto e importante!

- nos sabemos qual e, pois nos o escolhemos. Assim, y = 2x + 1 e uma equacao do

primeiro grau na variavel x, resolvendo-a, temos x =y − 1

2. E, ∀y ∈ R,

y − 1

2∈ R.

Logo, f e tambem sobrejetora, portanto, bijetora.

Determinar sua inversa, neste caso, e simples. Veremos um metodo mais eficiente

adiante. Como, ∀x ∈ R, y = 2x+ 1, como vimos, ∀y ∈ R, x =y − 1

2. Assim

Page 22: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 22

f−1 : R −→ R

y 7→ y − 1

2(1.3)

Observacao 1.31. Apos determinarmos a funcao inversa do Exemplo 1.30, tambem

poderıamos te-la corretamente escrito como

f−1 : R −→ R

x 7→ x− 1

2, (1.4)

pois o nome da variavel nao e importante, a menos que cause alguma confusao, e as

funcoes descritas em (1.3) e (1.4) sao rigorosamente a mesma funcao.

O leitor, sabendo que nomenclaturas e definicoes nao aparecem por acaso em

Matematica, ja deve suspeitar que o termo funcao inversa de uma funcao, assim

como, por exemplo, o inverso multiplicativo de um numero real, esta relacionado a

alguma operacao. No caso do inverso multiplicativo de um numero real, sabemos que

a operacao e a multiplicacao entre numeros reais. Vamos nos conduzir por este caso

para definir uma operacao entre funcoes que nos permita, entao, falar em inversa de

uma funcao dada em termos de operacoes com funcoes.

Page 23: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 23

Definicao 1.32 (Operacoes aritmeticas com funcoes). Sejam f : A → B e

g : A → B duas funcoes. Definimos, ∀x ∈ A:

(f + g)(x) = f(x) + g(x)

(f − g)(x) = f(x)− g(x)

(f × g)(x) = f(x)× g(x)

se g(x) = 0, (f

g)(x) =

f(x)

g(x)

se u : A → B e v : C → D sao duas funcoes tais que u(A) ⊂ C, entao a

composta entre u e v e a funcaov u :A → C

x 7→ v(u(x))

Notemos que na ultima definicao nao seria possıvel tambem definir a funcao com-

posta uv, porque o contradomınio da funcao v, o conjunto C, ao menos, em princıpio,

nao tem qualquer relacao com o domınio da funcao u, A. Portanto, para definirmos a

composicao entre h : E → F e p : X → W , ou p h temos de ter certeza de podermos

aplicar p a h(x),∀x ∈ E, o que implica estar a imagem da primeira funcao contida no

domınio da segunda funcao a ser aplicada.

Page 24: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 24

Definicao 1.33 (Funcao identidade). Sejam f : A → B uma funcao bijetora e

f−1 : B → A sua inversa. Entao ficam bem definidas as funcoes compostas

f f−1 e f−1 f . Alem disto, tem-se, pela definicao de funcao inversa, que:

f−1 f :A → B

x 7→ f−1(f(x)) = x,

ou seja, representando por IA, a funcao identidade no conjunto A

IA :A → A

x 7→ x,

f−1 f = IA. E, analogamente, temos que f f−1 = IB, sendo IB, a funcao

identidade no conjunto B.

Observacao 1.34. Voltemos, agora, a Observacao 1.21. La comentamos o fato de nos

parecer mais correto considerar na definicao de uma funcao f seu domınio, seu con-

tradomınio e sua regra de associacao entre elementos do domınio e do controdomınio.

A esta altura, se ja nao esta, ficara claro o porque ao leitor. Se definirmos uma funcao

apenas pela sua regra de associacao, por exemplo, f(x) = x2, como poderemos clas-

sificar esta funcao quanto a sua injetividade? Por exemplo, a funcao f : (0, 2) → R tal

que x 7→ x2 e injetiva; mas g : (−2, 2) → R tal que x 7→ x2 nao o e. Ou seja, faz sentido

a questao: f(x) = x2 e injetiva? Seja como for, teremos de explicitar seu domınio

antes de classifica-la. Portanto, o mais sensato e mesmo adotar como definicao de

funcao a Definicao 1.20.

Page 25: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 25

Definicao 1.35 (Restricao de uma funcao). Seja a funcao f : A → B tal que

x 7→ f(x). Dado U ⊂ A, a restricao de f a U e a funcao

f

∣∣∣∣∣U

:U → B

x 7→ f(x),

ou seja, a restricao de f a U tem a mesma regra de associacao entre elementos

dos conjunto U e B que a funcao f tem com os elementos dos conjuntos A e

B.

Uma outra classificacao das funcoes reais de variavel real e quanto ao comporta-

mento de suas imagens quando sua variavel assume valores crescentes.

Definicao 1.36 (Funcao crescente). Seja f : A → B uma funcao. Se,

∀x1 < x2 ∈ A, f(x1) < f(x2),

f e uma funcao crescente.

Observacao 1.37. Notemos que a definicao aplica-se a quaisquer dois pares de ele-

mentos, x1, x2 de Dom(f) verificando a relacao x1 < x2. Por exemplo,

f :(0,+∞) → R

x 7→ x2

e crescente, pois, se x1 < x2 ∈ (0,+∞), entao f(x2)− f(x1) = x22−x2

1 = (x2−x1)(x2+

Page 26: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 26

x1) > 0. Logo, x1 < x2 ∈ (0,+∞) ⇒ f(x1) < f(x2).

Contudo, a funcao

g :R → R

x 7→ x2

nao e crescente, pois existem x1 = −2 e x2 = 1 ∈ R, sendo x1 < x2, mas g(x1) =

(−2)2 = 4 > g(x2) = (1)2 = 1.

O que se poderia dizer sobre a funcao g e que ela e crescente em (0,+∞), mas nunca

ser ela crescente.

Observacao 1.38. Uma segunda observacao quanto a definicao e a seguinte. Nao

existe, infelizmente, uma uniformidade na classificacao das funcoes quanto ao cres-

cimento. Alguns autores empregam o termo estritamente crescente para o que aqui

definimos como funcao crescente, enquanto usam o termo funcao crescente para as

funcoes h : A → B tais que, ∀x1 < x2 ∈ A, h(x1) ≤ h(x2). Rigorosamente, trata-se

de uma convencao, de modo que o estudante, estando dela ciente, nao tera qualquer

problema. Mais adiante, no entanto, ficara claro porque escolhemos a Definicao 1.36.

Definicao 1.39 (Funcao decrescente). Seja f : A → B uma funcao. Se,

∀x1 < x2 ∈ A, f(x1) > f(x2),

f e uma funcao decrescente.

Concluımos a longa sequencia de definicoes com uma que empregaremos bas-

tante logo a seguir.

Page 27: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 27

Definicao 1.40 (Grafico de uma funcao). Seja f : A → B uma funcao. O grafico

de f , Graf(f), e o conjunto (x, y) ∈ R2;x ∈ A e y = f(x) ∈ B.

O estudante certamente ja se deparou com um grande numero de diferentes fun-

coes em seus estudos da Matematica nos Ensinos Fundamental e Medio. Nos cur-

sos de Calculo, o estudo de funcoes e, em geral, feito no sentido de obter uma

caracterizacao analıtica para diversos fatos geometricos observados nos graficos das

funcoes. Assim, passamos a estudar algumas classes de funcoes que desempenham

importante papel no que veremos mais para a frente.

1.3.2 Funcoes polinomiais

Recordemos que um polinomio real de grau n na variavel x e da forma

anxn + an−1x

n−1 + ...+ a1x+ a0,

sendo an, an−1, ..., a1, a0 ∈ R.

Com isto, podemos definir uma ampla classe de funcoes.

Definicao 1.41 (Funcao polinomial). Seja

p :R → R

x 7→ a0 + a1x+ · · ·+ anxn.

Se an = 0, p e uma funcao polinomial de grau n.

Page 28: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 28

Um fato importante sobre uma funcao polinomial p de grau n e que, se x0 ∈ R for

uma raiz de p, ou seja, se p(x0) = 0, entao existe um polinomio q de grau n− 1 tal que,

∀ x ∈ R,

p(x) = q(x)(x− x0).

Alem disso, pelo Teorema Fundamental da Algebra, p se fatora em polinomios reais

do primeiro ou do segundo grau, sendo os fatores do primeiro grau correspondentes

as raızes reais de p, enquanto os do segundo grau relacionam-se com suas raızes

complexas.

Exemplo 1.42. O polinomio p(x) = x3 + x2 − 2 tem apenas uma raiz real, a saber,

x = 1. Portanto, p fatora-se como p(x) = (x− 1)(x2 + 2x+ 2). O polinomio x2 + 2x+ 2

possui raizes complexas, as quais sao tambem raızes de p.Desse modo, p possui um

fator do primeiro grau, com raiz real 1, e outro fator do segundo grau, cujas raızes sao

complexas.

O estudo de funcoes polinomiais e consideravelmente simplificado por meio de

fatoracoes.

Exemplo 1.43. Sejam as seguintes funcoes polinomiais:

1. f : R → R tal que x 7→ x3 − x2 − 8x+ 12. Uma das raızes de f e 2 (por tentativa

e erro). Entao, dividindo x3 − x2 − 8x + 12 por (x − 2), encontramos x2 + x − 6.

Logo, podemos escrever f(x) = (x− 2)(x2 + x− 6) = (x− 2)(x+ 3)(x− 2), pois

2 e -3 sao raızes de x2 + x− 6. Assim, f(x) = (x− 2)2(x+ 3).

2. g : R → R tal que x 7→ x3 − a3, sendo a uma constante real. O numero a e uma

raiz de g, portanto, g(x) e divisıvel por (x − a), cujo resultado e x2 + ax + a2, o

qual nao tem raiz real. Logo, g(x) = (x− a)(x2 + ax+ a2).

Page 29: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 29

3. h : R → R tal que x 7→ xn − an, sendo a ∈ R e n ∈ N. Como a e uma raiz

de h, temos que x − a divide xn − an. Fazendo esta divisao, obtemos: h(x) =

(x−a)(xn−1+axn−2+a2xn−3+ ...+an−2x+an−1). Note que a soma dos expoentes

de cada termo no polinomio h e igual a n− 1.

Como estudamos as caracterısticas de algumas funcoes importantes no Calculo,

sera interessante confrontarmos nossas analises com o grafico dessas funcoes. Para

tanto, vamos apresentar alguns graficos e sua construcao empregando o Scilab, para

que o estudante possa, ele proprio, tracar os seus graficos.

No Scilab, a maneira mais simples para tracar graficos de funcoes reais de variaveis

reais e usar o comando plot2d([x],y) (representaremos todos os comandos em Scilab

em italico). As variaveis x e y sao, respectivamente, as variaveis independente e de-

pendente da funcao representada, e podem ser vetores ou matrizes, pois, lembrando

que computadores so trabalham com conjuntos discretos de dados, o domınio de uma

funcao e representado por um conjunto finito de valores, o vetor x, enquanto a imagem

da funcao e dada pelo vetor y.

Os vetores, no Scilab, sao representados de modo muito simples: supondo ser

x = (x1, x2, x3, x4) ∈ R4, temos x = [x1 x2 x3 x4]. Ao passar os dados ao compu-

tador para a construcao de um grafico no Scilab, e preciso fornecer uma lista finita

dos pontos do domınio, o que e feito em forma de um vetor, cada componente do

vetor correspondendo a um ponto do domınio da funcao. Alem da listagem dos pon-

tos, e possıvel apresenta-los de uma forma mais compacta e menos trabalhoso, por

exemplo: suponhamos que o domınio de uma funcao seja o intervalo [−2, 2], pode-

mos indica-lo da seguinte maneira x = [−2 : 0.1 : 2], significando que a variavel x

ira assumir os valores −2, −1.9, −1.8, ..., 1.9, 2. Com os extremos do intervalo fi-

xados, pode-se ainda diminuir a distancia entre os pontos sucessivos, muitas vezes

Page 30: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 30

melhorando a qualidade visual do grafico. No exemplo anterior, poderıamos escrever

o intervalo [−2, 2] como x = [−2 : 0.01 : 2], o que faria a variavel x assumir os valores

−2, −1.99, −1.98, ..., 2.

Exemplo 1.44 (A funcao probabilidade). Iniciamos o estudo, em forma de exemplos,

de alguns elementos caracterısticos da Teoria das Probabilidades, que podem ser

abordados sem dificuldades em um curso de Calculo. A Teoria das Probabilidades e

uma area de estudo vasta e extremamente importante.

Consideremos o lancamento de um dado perfeitamente equilibrado, significando que,

ao ser lancado, qualquer uma de suas faces tem igual chance de aparecer. O dado

possui seis faces numeradas de 1 a 6, e iremos nos referir a cada uma delas pelo seu

numero. Quando lancamos o dado, seu movimento ate atingir uma superfıcie e tao

complicado que e preferıvel tratar seu lancamento como um experimento aleatorio ou

probabilıstico, isto e, um experimento que, repetido nas mesmas condicoes, produz

resultados distintos. Com isso, desenvolve-se o estudo das Probabilidades.

No caso do lancamento do dado, os resultados possıveis sao as faces de numero

1 a 6. Definimos o conjunto 1, 2, 3, 4, 5, 6 dos possıveis resultados do experimento

lancamento de um dado equilibrado como o espaco amostral do experimento.

Para um experimento aleatorio qualquer, seu espaco amostral e denotado por Ω. A se-

guir, define-se uma funcao que forneca a chance ou probabilidade de cada resultado

de cada resultado do experimento (chamados eventos) ocorrer. Esta e a funcao pro-

babilidade, P , associada ao experimento. Por uma convencao, a funcao probabilidade

de qualquer experimento assume seus valores no intervalo [0, 1], portanto, este forma

o contra-domınio da funcao probabilidade P , qualquer que seja ela. Alem disso, como

estaremos interessados em determinar a probabilidade de ocorrecia de qualquer sub-

conjunto de Ω, o domınio de P e o conjunto de todos os subconjuntos de Ω, chamado

Page 31: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 31

o conjunto das partes de Ω, P(Ω). Temos, entao, a funcao probabilidade associada ao

experimento:

P :P(Ω) → [0, 1]

s 7→ P (s).

Finalmente, impoem-se a funcao probabilidade P o seguinte: se o espaco amostral

de um experimento aleatorio e formado de n resultados (chamados eventos simples),

s1, s2, ..., sn, entao P (s1, s2, ..., sn) = P (s1) + P (s2) + ...+ P (sn).

1.3.2.1 Funcoes do 10 Grau

Este e o primeiro caso a ser considerado dentre as funcoes polinomiais. As funcoes

do 10 grau dividem-se em dois grupos:

Funcoes Lineares:

Definicao 1.45 (Funcao linear). Seja

f :R → R

x 7→ mx.

A funcao f e chamada uma funcao linear, e seu grafico, como visto na Definicao

1.16, e uma reta passando pela origem, com inclinacao m.

As propriedades que distinguem as funcoes lineares dentre as demais funcoes do

primeiro grau sao as seguintes: dados x e y ∈ R

Page 32: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 32

f(x+ y) = f(x) + f(y), pois

f(x+ y) = m(x+ y) = mx+my = f(x) + f(y).

f(xy) = xf(y), pois

f(xy) = mxy = xmy = xf(y).

Definicao 1.46 (Funcoes afim). Seja

g :R → R

x 7→ mx+ b.

O grafico da funcao g tambem e uma reta. Contudo como b = 0, essa reta nao

passa pela origem, razao pela qual g e chamada uma funcao afim.

Propriedades das funcoes do 10 grau:

Seja

f :R → R

x 7→ mx+ b, m = 0,

Entao,

f e bijetiva.

De fato, f e injetiva: sejam x, y ∈ R, sendo x = y. Suponhamos que f(x) = f(y).

Temos, portanto, que mx + b = my + b ∴ mx = my ∴ x = y, contrariando a

hipotese x = y.

E f e sobrejetiva, pois, escolhido y ∈ R, queremos determinar x ∈ R tal que

f(x) = mx+ b = y. Assim, basta tomar x =y − b

m.

Page 33: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 33

Se m > 0, f e crescente. Sejam x1 < x2 ∈ R, entao mx2 + b − (mx1 + b) =

m(x2 − x1) > 0, o que mostra ser f crescdente.

Se m < 0, f e decrescente. Novamente, tomemos x1 < x2 ∈ R. Entao, mx2+ b−

(mx1 + b) = m(x2 − x1) < 0, mostrando ser f decrescente.

f nao e limitada.

Suponhamos existir a > 0 tal que, para todo x ∈ R, |f(x)| < a. Como mostramos

ser f sobrejetiva, dado a + 1 > a, existe x1 ∈ R tal que |f(x1)| = |a + 1| > a.

Portanto, f nao e limitada.

Se f for uma funcao linear, e uma funcao ımpar.

Sendo x ∈ R, f(−x) = m(−x) = −mx = −f(x).

Mas, o resultado nao vale para uma funcao afim.

Construindo o grafico de uma funcao do 10 grau:

Com o auxılio do Scilab, contruiremos o grafico da funcao linear

f :R → R

x 7→ 2x.

Iniciamos definindo o domınio da funcao como o conjunto dos pontos de −2 a 2

espacados de uma distancia de 0, 1. Isto e feito com o vetor:

99K x = [−2 : 0.1 : 2];

99K 2 ∗ x;

99K y = 2 ∗ x;

99K plot2d(x, y)

Page 34: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 34

Observacoes: terminamos uma linha de comando com um ponto e vırgula se nao

quisermos que a instrucao da linha seja mostrada, por exemplo, se escrevessemos

99K x = [−2 : 0.1 : 2], apos apertarmos a tecla enter, seriam exibidas as componentes

do vetor x. Note que apos a instrucao para tracar o grafico, plot2d(x, y), nao ha ponto

e vırgula, ou o grafico nao seria exibido.

Figura 1.47: Grafico de uma funcao linear

Construımos, agora, o grafico da funcao afim

f :R → R

x 7→ 2x+ 3.

99K x = [−2 : 0.1 : 2];

99K 2 ∗ x+ 3;

99K y = 2 ∗ x+ 3;

99K plot2d(x, y)

Page 35: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 35

Figura 1.48: Grafico de uma funcao afim

1.3.2.2 Exercıcios

1. A relacao entre as escalas Celsius e Fahrenheit e do primeiro grau, pois a razao

entre a variacao em uma temperatura e em outra e constante. A fim de obter essa

relacao, e suficiente conhecer a correspondencia entre dois pares de valores de

ambas as escalas. O 0o na Celsius corresponde a 32o na Fahrenheit (o ponto de

fusao do gelo) e os 100o Celsius correspondem a 180o na Fahrenheit (o ponto de

ebulicao da agua). Se considerarmos um plano dotado dos eixos ”temperatura

em F”e ”temperatura em C”, teremos que a reta passando pelos pontos (32, 0) e

Page 36: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 36

(212, 100) tem equacao c =5

9(f − 32), sendo c a temperatura em graus Celsius e

f em Fahrenheit de um ponto na reta, ou seja, a relacao entre a temperatura em

Celsius e em Fahrenheit.

1.3.2.3 Funcoes do 20 grau:

Estas sao funcoes bem estudadas durante o Ensino Medio para a resolucao das

equacoes do segundo grau.

Definicao 1.49 (Funcoes do 20 grau). Seja a funcao

f :R → R

x 7→ ax2 + bx+ c, a = 0.

A funcao f e uma funcao quadratica ou do 20 grau.

Vamos estudar as caracterısticas de uma particular funcao do 20 grau que aparece

com frequencia no Calculo.

Exemplo 1.50. Seja

f : R → R

x 7→ x2.

f nao e bijetiva.

– f nao e injetiva: de fato, seja x = 0 ∈ R. Entao, −x = x, mas x2 = (−x)2, o

que mosta nao ser f injetiva.

Page 37: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 37

– f nao e sobrejetiva: como, para todo x ∈ R, x2 ≥ 0, escolhido y < 0 ∈ R,

nao existe x ∈ R tal que f(x) = y.

f e uma funcao par: qualquer que seja x ∈ Dom(f) = R, f(−x) = (−x)2 = x2 =

f(x). Portanto, f e par.

f nao e crescente nem decrescente.

– sejam x1, x2 ∈ R com |x1| > |x2| sendo x1 < 0 e x2 > 0. Entao, x21 > x2

2.

Por exemplo, tomando x1 = −3 e x2 = 1, x1 < x2 e f(x1) = (−3)2 = 9 e

f(x2) = f(1) = 12 = 1, logo f(x1) > f(x2). Portanto,f nao e crescente.

– sejam y1, y2 ∈ R com y1 < 0, y2 > 0 e de modo |y1| > |y2|. Entao, y21 > y22.

Por exemplo, consideremos y1 = −2 e y2 = 1, f(y1) = 4 enquanto f(y2) = 1.

Logo f nao e crescente.

No entanto, em (−∞, 0), f e decrescente e, em (0,∞), f e crescente. Portanto,

(−∞, 0) e o intervalo de decrescimento da funcao e (0,∞) seu intervalo de cres-

cimento. Quando estudarmos o conceito de derivada de uma funcao, sera vista

uma maneira mais eficiente de determinar tais intervalos para uma dada funcao

que tem derivada.

f nao e limitada.

Para qualquer M > 0, existe x ∈ R tal que |f(x)| > M . De fato, basta que

x >√M para f(x) = x2 > M . Empregando o fato de que, se a > 0, f(x) =

(√ax +

b

2√a)2 + c − b2

4a, completando o quadrado, vemos que como o primeiro

termo, por ser um quadrado, e sempre positivo, a funcao atinge um menor valor

ou um mınimo, podendo ser negativo, mas cresce para valores cada vez maiores

ou menores da variavel x. Para a < 0, basta tomar −a > 0. Esta analise sera

consideravelmente simplificada ao estudarmos funcoes derivaveis.

Page 38: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 38

Construindo o grafico de funcoes do 20 grau:

Consideremos inicialmente a funcao f : R → R tal que x 7→ x2. Facamos, entao,

99K x = [−2 : 0.1 : 2];

99K y = x.2;

99K plot2d(x, y)

Figura 1.51: Grafico da funcao y = x2.

Refazemos a analise anterior para o caso da funcao geral do 20 grau, utilizando

para isto o grafico na Figura 1.53 e argumentos geometricos, observando que esse

grafico representa, a menos de translacoes, o grafico de qualquer funcao do segundo

grau.

Page 39: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 39

Exemplo 1.52. Seja

f :R → R

x 7→ ax2 + bx+ c, a = 0.

Entao,

f nao e uma funcao bijetiva.

– f nao e injetiva: existe reta paralela a Ox intersectando seu grafico em dois

pontos distintos.

– f tambem nao e sobrejetiva: a projecao da curva sobre o eixo Oy nao e

igual ao eixo.

f nao e uma funcao par, exceto se b = 0, quando o grafico de f e simetrico em

relacao a Oy.

f nao e crescente nem decrescente: reescrevendo ax2 + bx+ c, apos completar

o quadrado, como (√ax +

b

2√a)2 + c− b2

4a, vemos que, de fato, f tem vertice no

ponto de abscissa − b

2a, sendo portanto simetrica a reta vertical x = − b

2a.

f nao e limitada, pois, qualquer que seja M > 0, o grafico de f cresce alem da

reta y = M , se a > 0, ou decresce aquem da reta y = −M , se a < 0.

Construcao do grafico da funcao geral do 20 grau:

99K x = [−2 : 0.1 : 2];

99K a = 2; b = 6; c = 1; ;

99K y = a ∗ x2 + b ∗ x+ c;

99K plot2d(x, y)

Page 40: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 40

Figura 1.53: Grafico da funcao y = ax2 + bx+ c.

1.3.2.4 Funcoes do 30 grau:

Consideraremos, no exemplo de uma funcao do 30 a seguir, outra das funcoes que

frequentemente surgem no estudo do Calculo.

Exemplo 1.54. Seja

g : R → R

x 7→ x3.

g e uma funcao bijetiva.

– tomando x1, x2 ∈ R tais que g(x1) = g(x2). Entao,como x31 = x3

2, segue-se

Page 41: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 41

que x1 = x2. Portanto, f e injetiva.

– seja y ∈ R, neste caso, o contra-domınio de g. Entao, x ∈ Dom(g) = R,

sendo x = 3√y, e tal que g(x) = g( 3

√y) = ( 3

√y)3 = y, donde g e sobrejetiva.

Assim, g e bijetiva, e determinamos sua inversa ao demonstrar a sobrejeti-

vidade de g:

g−1 :R → R

y 7→ 3√y.

g e uma funcao ımpar.

Qualquer que seja x ∈ Dom(g) = R, g(−x) = (−x)3 = −x3 = −g(x). Por

definicao, entao, g e ımpar.

g e crescente.

Dados quaisquer x1 < x2 ∈ R e x1 < x2 < 0, temos que g(x1) = x31 < x3

2 = g(x2).

Tomando, agora, 0 < x1 < x2, g(x1) = x31 < x3

2 = g(x2), o que mostra ser g

crescente.

g nao e limitada.

De fato, dado qualquer M > 0, existe x0 =3√M tal que, se x > x0 ⇒ g(x) > M .

Consideramos o grafico da funcao geral do 30 grau, h, para reformular nossas

analises anteriores (ver Figura 1.55), agora, com argumentos geometricos.

Exemplo 1.56. Seja

h :R → R

x 7→ ax3 + bx2 + cx+ d.

Page 42: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 42

Figura 1.55: Grafico da funcao y = x3.

h e uma funcao bijetiva.

– Cada reta horizontal, y = c, corta o grafico de h em apenas um ponto, o que

mostra nao haver dois pontos x1, x2 ∈ R, sendo x1 = x2 e h(x1) = h(x2).

Portanto, h e injetiva.

– Ve-se que a projecao da curva graf(h) sobre o eixo Oy e o proprio eixo.

Portanto, para qualquer ponto y ∈ Oy, existe x ∈ Dom(h) = Ox, sendo

x = 3√y tal que h(x) = y. Logo, g e sobrejetiva. Portanto, e bijetiva.

h nao e necessariamente uma funcao ımpar.

O grafico de h deixa de ser necessariamente simetrico em relacao a origem

(0, 0), dependendo dos termos de menor grau em x.

h e crescente.

Quaisquer x1, x2 ∈ R, sendo x1 < x2, verificam h(x1) <= x31 < x3

2 = h(x2).

Page 43: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 43

h nao e limitada.

Dado M > 0, o grafico de g nao esta compreendido entre as retas y = −M e

y = M , pois existe x ∈ R, x > 3√M tal que h(x) > M .

Contruindo o grafico de h(x) = ax3 + bx2 + cx+ d, a = 0.

−− > x = [−2 : 0.1 : 2];

−− > a = 1; b = −2, c = 2, d = 3;

−− > y = ones(1 : 41);// este comando produz um vetor formado de 41 componentes

(o mesmo numero de componentes em x) iguais ao numero 1

−− > z = 3 ∗ y;// produz a reta horizontal y = 3x

−− > w = a ∗ x3 + b ∗ x2 + c ∗ x+ d;

−− > t = −3 ∗ y;// produz a reta horizontal y = −3x

−− > m = [z′w′t′];

−− > xtitle(”Grafico de ax3 + bx2 + cx+ d”); plot2d(x,m)

1.3.3 Funcoes racionais

Definicao 1.58 (Funcao racional). Sejam P e Q polinomios reais tais que

Q(x) = 0, ∀ x ∈ I ⊂ R. Uma funcao da forma

r :I → R

x 7→ P (x)

Q(x), Q(x) = 0 ∀ x ∈ I

e uma funcao racional.

Page 44: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 44

Figura 1.57: Grafico da funcao y = ax3 + bx2 + cx+ d.

Exemplo 1.59. No estudo das funcoes racionais, e util considerar que, se a e uma raiz

de um polinomio R, entao este se fatora como (x− a)R(x), sendo grau(R) < grau(R).

Seja

f :R− 1 → R

x 7→ x2 − 4x+ 3

x− 1.

Como x2 − 4x + 3 = (x − 3)(x − 1), de modo que, para todo x = 1 ∈ R, a funcao

polinomial f(x) = x− 3 e igual a funcao racional r(x) =x2 − 4x+ 3

x− 1.

Este e um aspecto interessante das funcoes racionais, que sera explorado ao estu-

darmos o limite de uma funcao. Enfatizemos, no entanto, que, a igualdade entre as

funcoes f e r e no conjunto R− 1.

Page 45: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 45

Exemplo 1.60. Seja f : R − D → R tal que x 7→ p(x)

q(x)=

x3 − x2 − 8x+ 12

x4 − 2x3 − 7x2 + 20x− 12,

sendo D = x ∈ R; q(x) = 0.

O polinomio p(x) fatora-se como p(x) = (x − 2)2(x + 3) enquanto que q(x) = (x −

2)(x3 − 7x + 6) = (x − 2)(x − 1)(x2 + x − 6) = (x − 2)(x − 1)(x − 2)(x + 3), ou seja,

q(x) = (x− 2)2(x− 1)(x+ 3). Entao,

p(x)

q(x)=

(x− 2)2(x+ 3)

(x− 2)2(x− 1)(x+ 3)=

1

x− 1.

Definindo f(x) =1

x− 1, temos que o domınio desta funcao e R − 1, enquanto

que dom(f) = R− −3, 1, 2. Portanto, nao sao as mesmas funcoes, no entanto, seus

valores em R− −3, 1, 2 sao os mesmos.

1.3.4 Funcoes logarıtmicas

O conjunto H = (x, y) ∈ R2;xy = 1 e uma hiperbole. A maneira mais adequada a

nossos fins de definir a funcao logaritmo natural e a seguinte.

Definicao 1.61 (Logaritmo natural). A funcao logaritmo natural

ln :(0,∞) → R

x 7→ ln x,

e tal que, se a > 0, ln a e a area compreendida entre o grafico da hiperbole H,

o eixo Ox e as retas verticais x = 1 e x = a, e, se a < 0, ln a e a area entre H,

Ox, x = a e x = 1 com o sinal negativo.

Page 46: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 46

Figura 1.62: Grafico da funcao y =1

x.

Empregando um argumento completamente desenvolvido mais adiante, mostra-se

que a area compreendida entre o grafico da hiperbole H, o eixo Ox e as retas verticais

x = 1 e x = a e obtida pela seguinte aproximacao: tomamos o conjunto de pontos

x1, x2, ..., xk tais que 1 = x0 < x1 < x2 < ... < xk < xk+1 = a e, para i = 1, ..., k,

definimos os retangulos de base xi+1 − xi e altura1

xi+1

. Fazendo o numero de pontos,

k, crescer indefinidamente ao mesmo tempo em que o comprimento de cada base dos

retangulos torna-se cada vez menor, a soma da area dos retangulos e igual a area em

questao.

Decorre dessa aproximacao a igualdade das areas sob H entre dois pontos x < y e

aquela entre os pontos kx e ky, para k > 0. De fato, basta notar que a aproximacao da

area entre kx e ky pelo retangulo de base ky− kx e altura1

kye k(y−x)× 1

ky=

y − x

y,

que e igual a area do retangulo de base y − x e altura1

y.

Utilizamos esse fato para estabelecer uma importante propriedade da funcao ln: a

area sob H entre x e xy e a mesma que a area sob H entre 1 e y, de modo que, a

Page 47: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 47

area sob H entre 1 e xy e igual a area sob H de 1 a x somada a area sob H entre x

e xy, enquanto a ultima e a mesma que a area entre 1 e y. Portanto, da definicao de

logaritmo natural, temos que:

ln xy = ln x+ ln y.

Resulta imediatamente da definicao da funcao logaritmo natural que ln 1 = 0. Alem

disso, definimos o numero e como aquele para o qual ln e = 1.

E claro que, para n ∈ N, da propriedade do logaritmo da multiplicacao, temos que

ln xn = ln xxn−1 = ln x+ ln xn−1 = nln x,

usando inducao em n. Ainda, como ln 1 = 0 e xnx−n = 1, resulta que

0 = ln 1 = ln xnx−n = nln x+ ln x−n ∴ ln x−n = −nln x.

Com base neste resultado, definimos, ∀ r ∈ R

ln xr = r ln x

Definimos, ∀ a > 0, a funcao

loga :(0,∞) → R

x 7→ logax =ln x

ln a,

Como definida, a funcao loga tambem verifica a seguinte propriedade:

Page 48: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 48

loga(xy) =ln xy

ln a=

ln x+ ln y

ln a=

ln x

ln a+

ln y

ln a= logax+ logay.

Alem disso, se b > 0, temos a seguinte relacao

logbx =ln x

ln b= logax

ln a

ln b= logax logba.

Consideremos, agora, o que ocorre com a funcao loga quando 0 < a < 1. Por

definicao, para todo x > 0,

logax =ln x

ln a.

Como ln a < 0, segue-se que, para todo x > 0 e 0 < a < 1, logax < 0.

Portanto, quanto as caracterısticas das funcoes ln e loga, temos:

ln :(0,∞) → R

x 7→ ln x

loga :(0,∞) → R

x 7→ logax

sao todas funcoes bijetivas.

ln e loga sao crescentes para a > 1 e loga e decrescente para 0 < a < 1.

sao ilimitadas.

Exemplo 1.66. Funcoes logarıtmicas desempenham um importante papel na Teo-

ria da Informacao. Consideremos uma fonte (uma estacao de radio especıfica para

a comunicacao entre dois pontos) capaz de emitir sinais que, no receptor, venham

Page 49: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 49

Figura 1.63: Grafico da funcao y = ln x.

Figura 1.64: y = log1/2x. Figura 1.65: y = log x.

a formar qualquer mensagem. Com isto, consideramos que o receptor tenha total

indefinicao quanto as mensagens que venha a receber da fonte, de modo a poder

considerar essas mensagens como aleatorias ou probabilısticas, e que tenha sido

construıda uma funcao de probabilidade , P , das mensagens por receber.

Uma questao complexa e definir o conteudo de informacao de uma mensagem re-

Page 50: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 50

cebida. O conteudo de informacao nao se relaciona com o que chamarıamos de

quantidade de conhecimento trazida pela informacao, no sentido usual da palavra co-

nhecimento. De modo que, do ponto de vista estritamente tecnico, a informacao de

uma mensagem transmitida A e dado pela funcao:

I :[0, 1] → R

P (A) 7→ f(P (A)).

Temos a definir a expressao funcional de f para que a funcao I fique definida. Obte-

mos a expressao estabelecedo as seguintes condicoes a funcao f :

para toda mensagem A, f(P (A)) ≥ 0.

se P (A) < P (B), entao f(P (A) > f(P (B), para todas mensagens A e B.

quanto mais proxima do valor 1 estiver P (A), mais proximo de zero estara I(P (A)).

Vejamos o que significam essas tres condicoes: a primeira diz apenas que a informacao

assume valores maiores ou iguais a 0; a segunda, que a informacao e uma funcao de-

crescente da probabilidade da mensagem: quanto maior for a probabilidade da men-

sagem, menos ela acrescenta em termos de informacao, e, terceiro, essa informacao

aproxima-se do zero tanto mais a probabilidade da mensagem aproxime-se de seu

maximo, 1. Tomando cuidado para evitar interpretacoes erroneas, a mensagem de

que amanha havera dia e noite, que tem probabilidade 1 (ou quase, supondo que al-

gum fenomeno estranho possa ocorrer), tem um conteudo de informacao nulo; mas,

uma mensagem informando a ocorrencia de um eclipse ou de uma chuva torrencial,

que estao longe de fatos habituais, teria um alto conteudo de informacao.

Finalmente, uma quarta condicao e imposta: se duas mensagens A e B sao (estatis-

ticamente) independentes, isto e, se o recebimento de uma das mensagens em nada

Page 51: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 51

afeta a probabilidade de recebimento da outra, entao

I(P (A)P (B)) = f(P (A)P (B)) = f(P (A)) + f(P (B)) = I(P (A)) + I(P (B)).

Chegamos, assim, a expressao da funcao conteudo de informacao de uma mensagem

A

I(P (A)) = −log2P (a) = log21

P (A),

pois prova-se ser esta a unica funcao que atende as quatro condicoes anteriores. O

fato de a base escolhida para a funcao logarıtmica ser 2 esta associado, se deve ao

seguinte argumento: dadas duas mensagens A e B com mesma probabilidade de

recepcao, o conteudo de informacao atribui a ambas o mesmo valor, como dentre as

duas mensagens a probabilidade e a mesma, resulta que P (A) = P (B) =1

2, logo

I(P (A)) = I(P (B)) = −log21

2= log22 = 1bit de informacao, por definicao. Nos dias

atuais, quando as mensagens sao quase todas digitais, a escolha da base 2 ja nao e

tao estranha.

E interessante observar que, quase simultaneamente ao desenvolvimento dos siste-

mas de comunicacao, surgiram os estudos da codificacao e decodificacao de men-

sagens. A questao da codificacao de mensagens interessou pessoas de diferentes

formacoes, levando, no entanto, algumas delas a buscar metodos muito proximos.

Por exemplo, no inıcio do seculo XIX, o escritor norte-americano Edgar Allan Poe

esbocou em seu conto, ”O escarevelho de ouro” um sistema que consistia em verifi-

car a frequencia com que as letras aparecem em textos redigidos em ingles. Tambem

o matematico russo Andrei Markov, no inıcio do seculo XX, empregou as cerca de

24.000 letras do poema Eugene Onegin, do poeta russo Pushkin, para uma analise

de frequencia do aparecimento tanto de vogais e consoantes quanto das letras. O

Page 52: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 52

objetivo era associar sımbolos a letras, com base na frequencia com que eles sao

empregados.

Considerando o idioma ingles e seu alfabeto, o matematico Shannon estabeleceu na

decada de 1920 a seguinte tabela com as probabilidades e conteudo de informacao

para cada letra na lıngua inglesa (o sımbolo - e o separador de agrupamento de

sımbolos ou palavras codificadas):

i ai pi I(pi)

1 a .0575 4.1

2 b .0128 6.3

3 c .0263 5.2

4 d .0285 5.1

5 e .0913 3.5

6 f .0173 5.9

7 g .0133 6.2

8 h .0313 5.0

9 i .0599 4.1

10 j .0006 10.7

11 k .0084 6.9

12 l .0335 4.9

13 m .0235 5.4

14 n .0596 4.1

i ai pi I(pi)

15 o .0689 3.9

16 p .0192 5.7

17 q .0008 10.3

18 r .0508 4.3

19 s .0567 4.1

20 t .0706 3.8

21 u .0334 4.9

22 v .0069 7.2

23 w .0119 6.4

24 x .0073 7.1

25 y .0164 5.9

26 z .0007 10.4

27 − .1928 2.4

Page 53: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 53

1.3.5 Funcoes exponenciais

Definicao 1.67 (Funcoes exponenciais). Dado a > 0, a funcao exponencial de

base a e dada por

a : R → (0,∞)

x 7→ ax.

Nao consideraremos a exponencial de base a < 0, pois, para valores de x iguais

a1

2n, n ∈ N, ax nao esta definida. Tambem para a = 1, ax e constante e igual a

1.

Quando 0 < a < 1, a funcao exponencial e decrescente, enquanto, para a > 1,

e crescente.

O motivo pelo qual definimos a funcao exponencial de base a tendo contradomınio

(0,∞) e que, deste modo, a exponencial a e a funcao inversa de loga, ou seja, dados

x ∈ R e a > 0, se ax = y, entao logay = x. Utilizando as propriedades das funcoes

logarıtmicas, podemos estabelecer as propriedades das exponenciais, a saber

se x, y ∈ R e a > 0, entao ax+y = ax · ay. De fato, por definicao, logaax+y =

(x+y)logaa = x+y e logaax = x e logaa

y = y, portanto logaax+y = logaa

x+logaay =

logxa · ay. Como a funcao loga e injetiva, segue-se que ax+y = axay.

para todo a > 0, a0 = 1, pois loga1 = 0.

para todo a > 0, a1 = a, pois logaa = 1.

para todo a > 0 e n ∈ N, a−n =1

an. Basta lembrar que 1 = a0 = an−n = ana−n ∴

a−n =1

an.

Page 54: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 54

Caracterısticas da funcao exponencial de base a, sendo 0 < a < 1.

a e bijetiva?

– a e injetiva? Suponhamos x, y ∈ R, x = y. Entao, ax = ay implica a(x−y) = 1,

logo x− y = 0 ∴ x = y, ou seja, se ax = ay, entao x = y, e ax e injetiva.

– a e sobrejetiva? Isto significa que, dado y ∈ (0,∞), existe x ∈ R tal que

ax = y.

Para responder a esta pergunta, usamos o fato de a funcao logarıtmica

de base a ser a funcao inversa de ax. Entao, dado y ∈ (0,∞), tomando

x = logay, temos que ax = alogay = y, como querıamos.

e ax limitada? Se 0 < a < 1 e x < 0, temos que ax =1

a−x. Como 0 < a <

1, o numero a(−x) torna-se pequeno com −x tomado cada vez maior; logo, o

numero1

a−xcresce quando | − x| tambem cresce, ou seja, quando x se torna

mais negativo. Portanto, ax, com 0 < a < x, nao e limitada.

e a crescente? Sejam x < y e suponhamos que ax < ay. Entao, a(x−y) < 1, e,

como x − y < 0, segue-se que1

a(y−x)< 1. Mas, sendo 0 < a < 1,

1

a(y−x)> 1.

Portanto, se x < y, ax > ay, e ax e uma funcao decrescente.

Construindo o grafico de ax, para 0 < a < 1.

−− > x = [−2 : 0.1 : 2];

−− > a =1

3;

−− > t = ones(1 : 41);

−− > w = 9 ∗ t;// produz a reta horizontal y = 3x

−− > y = ax;

−− > m = [w′y′];

Page 55: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 55

Figura 1.68: Grafico da funcao y = ax, 0 < a < 1.

−− > xtitle(”Grafico de ax, 0 < a < 1”); plot2d(x,m)

Como ja vimos as caracterısticas da funcao exponencial de base a, 0 < a < 1,

vejamos, agora, a funcao exponencial ax, quando a > 1, empregando argumentos

geometricos com auxılio de seu grafico (ver figura 1.69).

Caracterısticas da funcao exponencial de base a, sendo a > 1.

e a funcao bijetiva?

– ax e injetiva: qualquer reta horizontal tracada acima do eixo Ox intersecta o

grafico da funcao em um unico ponto, de modo que, se x =y∈ R, ax = ay,

mostrando ser a funcao injetiva.

– ax e sobrejetiva: de fato, a projecao de grafax sobre o semi-eixo positivo

Oy e igual a este conjunto. Vale a pena ressaltar que, definindo a funcao

Page 56: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 56

a :R → R

x 7→ ax,

esta nao e sobrejetiva!

Portanto a : R → (0,∞) tal x 7→ ax e bijetiva.

a funcao e limitada? dada qualquer reta horizontal y = M > 0, existe x ∈ R tal

que ax > M ; logo, a funcao nao e limitada.

a funcao e crescente? sejam x < y. Como a > 1, ax < ay, mostrando ser a

funcao crescente. De outro modo: sendo x < y, a reta tangente ao grafico da

funcao no ponto (y, ay) faz com o semi-eixo Ox um angulo maior que o da reta

tangente ao grafico em (x, ax).

Construindo grafico de ax, a > 1.

−− > x = [−2 : 0.1 : 2];

−− > a = 3;

−− > t = ones(1 : 41);

−− > z = 2 ∗ t;// produz a reta horizontal y = 2x

−− > y = ax;

−− > m = [z′y′];

−− > xtitle(”Grafico de ax, a > 1”); plot2d(x,m)

Page 57: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 57

Figura 1.69: Grafico da funcao y = ax, a > 1.

As funcoes logarıtimicas e exponenciais tem uma extensa variedade de aplicacoes,

tanto na Matematica, quanto nas Ciencias e Tecnologia. Funcoes exponenciais sur-

gem quando a variacao de uma quantidade e proporcional a quantidade presente. Um

exemplo tıpico e o da desintegracao atomica.

Exemplo 1.70. Elementos radioativos emitem naturalmente quantidades de materia,

fazendo com que, com o passar do tempo, a quantidade restante diminua. Sobre

este assunto, fala-se muito em meia-vida do material, que e o tempo transcorrido

necessario para a quantidade do material ser igual a metade do material disponıvel no

inıcio do estudo, ou seja, tomando como Q0, a quantidade inicial do material, a meia

vida do material e o tempo necessario para que a quantidade do material atinja o valorQ0

2.

Verifica-se que o decaimento na quantidade do material e bem aproximado pela funcao

exponencial, cuja base, 0 < a < 1, e caracterıstica do material. Suponhamos, entao,

Page 58: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 58

o seguinte problema: material empregado em testes em 1960 continha estroncio-90

radiativo, cuja meia vida e de 29 anos. Em quantos anos restarao apenas 10 porcento

do material inicial?

Tomemos o ano de 1960 como o instante inicial do estudo (como o tempo sera neste

problema medido em anos, falamos no ano de 1960 como o ”instante” inicial sem

maiores problemas). Em 1960, havia Q0 do material, e supoe-se que seu decaimento

seja dado por

Q(t) = Q0at,

sendo a caracterıstica do material e Q(t) sua quantidade t anos apos 1960. Como a

meia vida do material e de 29 anos, temos

Q0

2= Q0a

29 ∴ 1

2= a29

∴ 29 ln a = ln1

2∴ ln a =

1

29ln

1

2.

A questao e quanto tempo t apos 1960 restara apenas 10 porcento do material, ou

seja

Q0

10= Q0a

t ∴ 1

10= at

t ln a = ln1

10∴

t =ln

1

101

29ln

1

2

= 29ln 10

ln 2= 29 ln 8 ∴

t = 60, 3 (em anos).

Outro exemplo nesta mesma linha e o do crescimento do montante de uma dıvida.

Sua variacao e proporcional a propria dıvida, segundo a taxa de juros.

Page 59: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 59

Exemplo 1.71. Uma empresa oferece um cartao de credito com uma taxa de 7 por-

cento ao mes para voce, cliente ”especial”. Descubra que tipo de cliente voce real-

mente e.

Suponhamos que nos tenhamos comprado um produto por 100,00, que e a quantia

padrao envolvendo estudos sobre taxas de juros, e vejamos a evolucao mensal da

dıvida do cliente ”especial”.

Decorrido o primeiro mes, sobre o valor da compra incidem os juros de 7 porcento

sobre o valor, ou seja, a dıvida e de 100, 00× 0, 07 mais os 100, 00 iniciais, perfazendo

107, 00 reais, que correspondem a 100, 00 × 0, 07 + 100, 00 = 100, 00(1 + 0, 07), apos 1

mes.

No mes seguinte, dois meses apos a compra, ha a incidencia de 7 porcento de juros

sobre a dıvida, agora de 107, 00 reais, de modo que a nova dıvida e de 107, 00 × 0, 07

mais 107, 00, ou seja, 107, 00×0, 07+107, 00 = 107, 00(1+0, 07) = 100, 00(1+0, 07)(1+

0, 07) = 100, 00(1 + 0, 07)2, apos 2 meses.

Suponhamos que, apos k meses, a dıvida seja de 100, 00(1 + 0, 07)k. Entao, 1 mes

apos, ou no (k + 1) mes apos a compra, a dıvida chega a 100, 00(1 + 0, 07)k × 0, 07 +

100, 00(1+0, 07)k = 100, 00(1+0, 07)k+1. Portanto,por inducao, concluımos ser a dıvida,

apos n meses dada por 100, 00(1 + 0, 07)n.

Vejamos o valor da dıvida no quinto mes apos a compra.

Page 60: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 60

MES CALCULO DOS JUROS DIVIDA

1o (100)(, 07) 107,

20 (100, )(, 07)(, 07) 114, 49

30 (100, )(, 07)(, 07)(, 07) 122, 59

40 (100, )(, 07)(, 07)(, 07)(, 07) 131, 17

50 (100, )(, 07)(, 07)(, 07)(, 07)(, 07) 140, 35

Vemos, entao, que um produto comprado a 100,00 reais pagos com o cartao de credito

com um taxa ”especial” de 7 porcento ao mes, produz uma dıvida, que se nao for

amortecida antes, em cinco meses estara valendo 140, 35 reais, um aumento de 40, 35

porcento sobre o valor da dıvida, o que mostra ser essa uma taxa especialmente ruim

para o cliente.

Na planilha, o montante inicial, M = 100, 00, e multiplicado pelo fator 0, 07 tantas vezes

quantos sao os meses decorridos desde a compra no cartao. Assim, o valor devido m

meses apos a compra a uma taxa de a porcento ao mes e expresso por Man.

Tratamos, agora, da funcao exponencial na base e, funcao que desempenha, no

Calculo, papel muito importante.

Definicao 1.72. Seja

e :R → (0,∞)

x 7→ ex.

Esta e a funcao exponencial de base e, sendo e um numero irracional.

Page 61: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 61

Construindo o grafico de ex:

−− > x = [−2 : 0.1 : 2];

−− > y = o/oex; //informa que o e representa a funcao exponencial na base e.

−− > xtitle(”Grafico de a = ex”); plot2d(x, y)

Figura 1.73: Grafico da funcao y = ex, a > 1.

1.3.6 Funcoes Trigonometricas

Veremos, agora, as funcoes trigonometricas seno, cosseno e tangente. Sao as mes-

mas do Ensino Medio; embora, la fossem, em geral, tratadas exclusivamente como

relacoes metricas.

Os argumentos das funcoes trigonometricas sao a medida dos angulos, em graus

ou em radianos. Por definicao, o angulo obtido por um giro completo ao longo de

Page 62: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 62

uma circunferencia mede 360o ou 2π radianos. A orientacao antihoraria correspondem

os angulos positivos, enquanto a horaria, os negativos; por este motivo, a orientacao

antihoraria e a geometrica. Daı, e de uma regra de tres simples, decorre que um

angulo de 180o = π radianos, e um de 90o =π

2radianos. De fato, em radianos, o valor

m0 de um angulo conhecido em graus e dado por:

graus radianos

3600 2π

m0 x

x =m0 × 2π

3600

O estudo da trigonometria e feito tomando-se uma circunferencia de raio igual a 1,

o que e bastante adequado, e nela inscrevendo-se o triangulo retangulo de hipotenusa

1 e angulo dado θ.

Figura 1.74: Definicao do seno, do cosseno e de tangente de θ.

Por definicao, temos que :

sen θ =cateto oposto a θ

1∴ |sen θ| ≤ 1

Page 63: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 63

cos θ =cateto adjacente a θ

1∴ |cos θ| ≤ 1

tg θ =sen θ

cos θ, se cos θ = 0.

E, pelo Teorema de Pitagoras, decorre, entao, a importante relacao:

cos2θ + sen2θ = 1, para todo θ.

E, com o auxılio da geometria, obtemos tambem que, dados os angulos α e β:

sen(α+ β) = sen α cos β + sen β cos α

cos(α+ β) = cos α cos β − sen α sen β

donde obtemos, tomando α = β = θ, que

cos2θ =1 + cos(2θ)

2e sen2θ =

1− cos(2θ)

2,

identidade muito utilizadas mais adiante.

1.3.6.1 A funcao seno

Definicao 1.75 (Funcao seno). A funcao seno e definida como

sen : R −→ R (1.5)

θ 7→ sen(θ).

Da definicao do seno de um angulo, temos que:

a funcao seno nao e injetiva. De fato, nao apenas isso, a cada volta completa na

circunferencia, a funcao seno se repete, ou seja, para todo x ∈ R, sen(x+ 2π) =

sen(x), o que significa ser a funcao seno periodica de perıodo 2π.

Page 64: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 64

a funcao seno nao e sobrejetiva. Como, para todo x ∈ R, |sen(x)| ≤ 1, para

qualquer valor y ∈ R, sendo |y| > 1, nao existe x ∈ R tal que sen(x) = y.

a funcao seno e limitada. Como vimos, para todo x ∈ R, |sen(x)|leq1.

a funcao seno e ımpar. Decorre da definicao, com o centro da circunferencia

coincidindo com a origem de R2 e o0 a medida do semi-eixo positivo Ox.

a funcao seno e limitada, e, considerando tambem a orientacao geometrica, ve-

mos que, para todo θ, sen − θ = −sen θ, ou seja, a funcao seno e ımpar.

a funcao seno nao e crescente nem decrescente. Por exemplo, (−π

2,π

2) e um

intervalo de crescimento da funcao, enquanto (π

2,3π

2) e um intervalo de decres-

cimento.

Figura 1.76: Grafico da funcao sen(x).

Se um giro de 2π radianos ou 360o na circunferencia nos traz de volta ao ponto de

partida, podemos questionar a necessidade de empregar angulos com medida fora do

Page 65: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 65

intervalo [0, 2π). Se pensarmos em angulos como medida de rotacao, esses valores

tem significado tanto fısico quanto matematico: ate os praticantes do surf empregam

medidas como 7200 para descrever algumas de suas manobras mais radicais.

1.3.6.2 A funcao cosseno

Definicao 1.77 (Funcao cosseno). A funcao cosseno e definida como

cos : R −→ R (1.6)

θ 7→ cos(θ).

Figura 1.78: Grafico da funcao cos(x).

Da definicao da funcao cosseno e observando seu grafico, concluımos que:

a funcao nao e injetiva. Cosseno e tambem uma funcao periodica e de perıodo

2π.

Page 66: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 66

a funcao nao e sobrejetiva. Vemos que, para todo x ∈ R, |cos(x)| ≤ 1.

a funcao e limitada, pois, para todo x ∈ R, |cos(x)| ≤ 1.

a funcao e par.

a funcao nao e crescente nem decrescente. Por exemplo, (−π

2, 0) e um intervalo

de crescimento, enquanto (0,π

2e um intervalo de decrescimento da funcao.

1.3.6.3 A funcao tangente

Definicao 1.79 (Funcao tangente). A funcao tangente e definida como

tg : R−D −→ R (1.7)

θ 7→ tg(θ) =sen(θ)

cos(θ), .

sendo D o conjunto x ∈ R; x = (2k + 1)π, dos pontos em que a funcao cos(x) se

anula e, portanto, a funcao tg(x) nao esta definida.

Definindo-se o domınio de tg como (−π

2,pi

2), e levando em conta a propria definicao

da funcao como a razao entre seno e cosseno, temos que a funcao tem as seguintes

propriedades:

tg e injetiva, pois neste domınio, tanto seno como cosseno sao injetivas.

tg e sobrejetiva. Ao contrario das funcoes seno e cosseno, a projecao do grafico

de tg e igual ao eixo Oy.

tg nao e limitada. Quando a variavel x aproxima-se de −π

2por valores maiores

do que este, os valores de tg(x) decrescem aquem de qualquer valor real; e

Page 67: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 67

Figura 1.80: Grafico da funcao tg(x).

quando x aproxima-se deπ

2por valores menores do que este, tg(x) cresce alem

de qualquer numero real.

tg e uma funcao crescente: em seu domınio, enquanto sen(x) cresce com x,

cos(x) decresce.

1.3.6.4 As funcoes cossec, sec e cotg

Uma vez definidas as funcoes sen, cos e tg, as funcoes cossec, sec e cotg sao definidas

como as funcoes recıprocas daquelas, tomando o cuidado com seus domınios. Defi-

nimos, entao:

Page 68: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 68

Definicao 1.81 (Funcao cossecante). Definimos a funcao cossecante como

cossec :(0, π) → R

x 7→ cossec(x) =1

sen(x)

Figura 1.82: Grafico da funcao cossec(x).

Definicao 1.83 (Funcao secante). A funcao secante e definida como

sec :(−π

2,π

2) → R

x 7→ sec(x) =1

cos(x)

Page 69: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 69

Figura 1.84: Grafico da funcao sec(x).

Definicao 1.85 (Funcao cotangente). A funcao cotangente e, por definicao,

cotg :(0, π) → R

x 7→ cotg(x) =cos(x)

sen(x)

As propriedades das tres ultimas funcoes decorrem imediatamente do fato de se-

rem respectivamente1

sen,

1

cose

cos

sen.

1.3.7 As funcoes trigonometricas inversas

Em muitas situacoes praticas, e necessario conhecer o valor θ de um angulo a partir

de seu seno, por exemplo, ou seja, a partir de sua imagem x por uma dada funcao

Page 70: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 70

Figura 1.86: Grafico da funcao cotg(x).

trigonometrica. Isto implica determinar a funcao trigonometrica inversa e sua imagem

(a medida θ do angulo ou do arco) para o valor x, o numero real correspondente ao

valor em θ da funcao trigonometrica empregada.

1.3.7.1 A funcao arco seno

Vamos definir a funcao seno de modo a torna-la bijetiva.

sen :[−π

2,π

2] → [−1, 1]

θ 7→ y = sen(θ).

Entao, a inversa da funcao seno e

Page 71: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 71

arcsen :[−1, 1] → [−π

2,π

2]

y 7→ θ = arcsen(y).

Ou seja, dado um numero real y ∈ [−1, 1], arcsen(y) nos da o arco cujo seno vale

θ ∈ (0, 2π).

Figura 1.87: Grafico da funcao arcsen(x).

Por ser a inversa da funcao seno, arcsen e uma funcao bijetora; e limitada, pois

sua imagem e o domınio da funcao seno, [−1, 1], e e uma funcao crescente e e ımpar

como a funcao seno.

Page 72: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 72

1.3.7.2 A funcao arco cosseno

O primeiro passo e adequadamente definir a funcao cosseno, a fim de que possua

uma inversa. Entao, temos:

cos :[0, π] → [−1, 1]

θ 7→ y = cos(θ).

Definimos, entao, a sua inversa

arccos :[−1, 1] → [0, π]

y 7→ θ = arccos(y).

Figura 1.88: Grafico da funcao arccos(x).

Segue-se que, como inversa da funcao cosseno, a funcao arco cosseno e bijetiva.

Page 73: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 73

Sendo sua imagem igual a Dom(cos) = [0, π], e tambem limitada, e e uma funcao

decrescente.

1.3.7.3 A funcao arco tangente

Definimos a funcao tangente como

tg :(−π

2,π

2)toR

θ 7→ y = tg(θ).

De modo que a sua inversa e dada por

arctg :R → (−π

2,π

2)

y 7→ θ = arctg(y).

Observemos que, ao contrario das duas funcoes trigonometricas inversas anterio-

res, o Dom(arctg) nao e um conjunto limitado, ainda assim, o grafico da funcao arco

tangente e limitado, pois esta contido na imagem (π

2,π

2), um conjunto limitado mas

nao fechado. Isto significa, entao, que nao existe na imagem de arctg um elemento

que seja o menor nem um que seja o maior, embora os valores de arctg nao sejam

menores do que −π

2nem maiores do que

π

2. Finalmente, vemos que arctg e uma

funcao crescente e ımpar.

De fato, dada uma funcao periodica qualquer, definimos sua amplitude como me-

tade da diferenca entre seus valores maximo e mınimo, e seu perıodo como o menor

tempo necessario para que a funcao execute um ciclo. Estes sao os conceitos basicos

num estudo sobre o movimento oscilatorio. Um bom exemplo de fenomeno oscilatorio

e do emprego das funcoes seno e cosseno e o Movimento Harmonico Simples, que

Page 74: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 74

Figura 1.89: Grafico da funcao arctg(x).

veremos agora.

SECAO 14

Subconjuntos da reta

Uma funcao e um caso particular de uma relacao entre dois conjuntos dados e,

portanto, no estudo de suas propriedades, necessariamente temos de considerar es-

ses conjuntos, seu domınio e contra-domınio. Por exemplo, sendo 0 < a < 1, as

funcoes

f :(0, 1) → R

x 7→ 1

x

g :[a, 1) → R

x 7→ 1

x

tem a mesma lei de associacao, mas, enquanto f e ilimitada, g e limitada, con-

Page 75: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 75

sequencia, neste caso, dos domınios distintos.

Nesta secao, estudamos de maneira geral os subconjuntos de R e uniformizamos

nossa notacao.

1.4.1 Conjuntos abertos

Definicao 1.90 (Ponto interior). Sejam X ⊂ R e x ∈ X. x e um ponto interior

de X se existir um intervalo aberto (a, b) tal que x ∈ (a, b) ⊂ X.

Dado um subconjunto da reta X, representamos por int(X) o conjunto dos pontos

interiores de X.

Exemplo 1.91. Com relacao ao exemplo citado logo acima, temos o conjunto (0, 1)

e 0 < a < 1. Seja r o menor entre os numeros a e 1 − a, que representamos como

r = mina, 1 − a (r e simplesmente a menor distancia do ponto a aos extremos do

intervalo). Entao, a ∈ (0, 1) e, como 0 < a − r

2< a +

r

2< 1, a e um ponto interior de

(0, 1).

Observemos, porem, que a nao e ponto interior do conjunto [a, 1), pois qualquer

vizinhanca aberta contendo a contem pontos nao pertencentes a [a, 1), logo nao esta

contida no conjunto.

Se um conjunto A possui um ponto interior, entao, por definicao, A contem todo um

intervalo, uma vizinhanca do ponto. Portanto, ha infinitos pontos em A. Ja um conjunto

que nao contem pontos interiores e discreto. Por exemplo, Z ⊂ R e discreto. De fato,

dado z ∈ Z, como a distancia de z ao seus pontos mais proximos em Z, z + 1 e z − 1,

Page 76: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 76

e igual a 1, qualquer vizinhanca aberta contendo z contem pontos no complementar

de Z.

Definicao 1.92 (Conjunto aberto). Um conjunto A ⊂ R e aberto quando todos

os seus pontos sao interiores, ou seja, int(A) = A.

Exemplo 1.93. Seja I = (a, b) um intervalo aberto. I e um conjunto aberto. Mostramos

este fato seguindo o mesmo argumento empregado no Exemplo 1.91. Sejam x ∈ (a, b)

e r = minx − a, b − x. Entao x ∈ (x − r

2, x +

r

2) ⊂ I, mostando que qualquer ponto

x ∈ I e ponto interior de I.

Teorema 1.94. Operacoes com conjuntos abertos: se A1 ⊂ R e A2 ⊂ R sao abertos,

entao:

1. A1 ∩ A2 e aberto.

2. A1 ∪ A2 e aberto.

Demonstracao

1)Seja x ∈ A1 ∩ A2. Entao existe um intervalo tal que x ∈ (a1, b1) ⊂ A1 e outro

intervalo tal que x ∈ (a2, b2) ⊂ A2. Sejam a = maxa1, a2 e b = minb1, b2 sendo

maxa1, a2 o maximo entre a1 e a2, e minb1, b2, o mınimo entre b1 e b2. Entao

x ∈ (a, b) e (a

2,b

2) ⊂ A1 e (

a

2,b

2) ⊂ A2. Portanto, todo ponto x em A1 ∩ A2 e ponto

interior de A1 ∩ A2.

2) Seja x ∈ ∪A1. Entao existe (a, b) tal que x ∈ (a, b) ⊂ A1. Como estamos tomando

a uniao de A1 e A2, (a, b) ⊂ A1∪A2. O mesmo raciocınio se aplica a um ponto qualquer

de A2. Portanto, qualquer elemento de Ai, i = 1, 2 e um ponto interior de A1 ∪A2, logo

A1 ∪ A2 e aberto.

Page 77: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 77

Existe um resultado muito importante, cuja demonstracao, alem de bastante longa,

nao apresenta vantagens substanciais ao nosso presente estudo, motivo pelo qual

iremos omiti-la. O estudante interessado podera consultar, por exemplo, [?]

Teorema 1.95 (Estrutura dos abertos da reta). Todo subconjunto aberto A ⊂ R se

exprime, de modo unico, como uma reuniao enumeravel de intervalos abertos dois a

dois disjuntos.

Resulta do Teorema que, se I um intervalo aberto e I = A ∪ B, sendo A e B

conjuntos abertos e disjuntos, entao um desses conjuntos e vazio e o outro igual a I.

De fato, como I e um intervalo aberto, segue-se que I = I, e claro; portanto, se alem

disso tivermos I = A ∪ B, abertos disjuntos, pela unicidade afirmada no Teorema, ou

A = I e B = ∅ ou A = ∅ e B = I.

Exemplo 1.96. Vejamos alguns casos interessantes e importantes de conjuntos aber-

tos de R:

O conjunto vazio, ∅. Este e um conjunto que causa algum embaraco nos pri-

meiros contatos. Para mostra que ∅ e aberto, o melhor caminho e a reducao ao

absurdo: suponha que ∅ nao seja aberto. Entao, por definicao, temos de exibir

um elemento de ∅ que nao seja interior, o que e impossıvel, posto nao haver

elemento algum em ∅.

Os intervalos abertos (a, b), (−∞, b), (a,+∞) sao todos abertos, pois todos seus

pontos sao interiores.

O conjunto R e aberto? Podemos responder afirmativamente a esta questao,

escrevendo R = (−∞,+∞): dado x ∈ R, qualquer vizinhanca (a, b) de x e tal

que, como a, b ∈ R, (a, b) ⊂ R.

Page 78: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 78

1.4.2 Conjuntos derivados

Introduziremos alguns conceitos fundamentais ao estudo de certas propriedades de

funcoes reais de variavel real.

Iniciamos com o seguinte. Vimos que, dado um ponto x ∈ R, uma vizinhanca de x

e qualquer intervalo aberto da forma (a, b) contendo x. Consideraremos, agora, uma

vizinhanca particular de x, o intervalo aberto (x − r, x + r), centrado no ponto x e de

raio r, e o denotaremos como Br(x), a bola aberta de raio r e centro x. Empregamos

o termo bola porque, se x pertecesse a R2, essa mesma vizinhanca seria um cırculo

de centro em x e raio r, enquanto que, estivesse x em R3, o conjunto seria uma esfera

ou bola de raio r e centro x.

Uma bola aberta perfurada de centro em x e raio r, Br(x), como o conjunto (x −

r, x + r) − x, isto e, o conjunto dos pontos a uma distancia de x menor do que r,

exceto o proprio x.

Definicao 1.97 (Ponto de acumulacao). Sejam X ⊂ R e a ∈ R. O ponto a e um

ponto de acumulacao de X se toda bola perfurada, Br(a) ∩X = ∅.

A definicao implica que, para qualquer raio r > 0, a bola perfurada de centro em a

e raio r sempre contem um elemento do conjunto X. Se pensamos que o raio r pode

ser tomado cada vez menor e, ainda assim, teremos sempre um elemento de X, entao

necessariamente ha uma infinidade de elementos do conjunto X nas proximidades de

ou acumulando-se no ponto a.

Observemos que um elemento a ∈ R pode ser ponto de acumulacao de X ⊂ R

sem que a ∈ X.

Page 79: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 79

Exemplo 1.98. Seja X = (0, 1). E claro que 0 /∈ X, mas e 0 ponto de acumulacao de

X?

Tomemos r > 0 um numero real qualquer. A bola Br(0) intersecta X. De fato, se r > 1,

Br(0) ∩ X = X, e, para 0 < r < 1, Br(0) ∩ X = (0, r) ⊂ X. Portanto, 0 e ponto de

acumulacao de X.

Consideremos um exemplo um pouco diferente do anterior.

Exemplo 1.99. Seja X = [0, 1). Agora, 0 ∈ X, entao e 0 ponto de acumulacao de X?

Atencao: o fato de um ponto p ser elemento de um conjunto A nao determina ser

ele tambem ponto de acumulacao de A. Por que? Porque as vizinhancas Br(p) sao

perfuradas e, portanto, nao contem o proprio p, de modo que se nao houver pontos de

A acumulando-se em p, ele nao e ponto de acumulacao de A.

Neste exemplo, 0 e ponto de acumulacao de X pelo mesmo argumento do exemplo

anterior, o fato de ele proprio ser elemento de X em nada altera a argumentacao.

Mais um exemplo.

Exemplo 1.100. Seja C = 0 ∪ (1, 2) um conjunto. 0 ∈ C e e 0 ponto de acumulacao

de C?

Se 0 fosse ponto de acumulacao de C, para qualquer r > 0, Br(0)∩C = ∅. Isto ocorre

mesmo para todo r > 0? Bem, seja B1/2(0). Qual a intersecao dessa vizinhanca

perfurada de 0 com C? O conjunto vazio, pois a uma distancia igual a 1/2 de 0 nao

ha elemento algum de C e 0 tambem nao pertence a vizinha perfurada B1/2(0) (que o

exclui!). Logo, por definicao, 0 ∈ C, mas 0 nao e ponto de acumulacao de C

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CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 80

Portanto, no Exemplo 1.100, o ponto 0 e um ponto isolado de C. Uma vez que

nao ha pontos de C se acumulando em 0 (na verdade, uma infinidade de pontos de

C, pois ha pontos de C para todo r), 0 e um ponto isolado, no sentido de haver uma

vizinhanca de 0 nao contendo outro ponto de C alem do proprio 0.

Definicao 1.101 (Ponto isolado). Sejam X ⊂ R e b ∈ X. Se b nao for ponto de

acumulacao de X, b e um ponto isolado de X.

Vemos que os subconjuntos N e Z sao ambos formados de pontos isolados; sao,

portanto, conjuntos discretos. No capıtulo seguinte, ao estudarmos as sequencias de

numeros reais, poderemos tratar dos conjuntos dos racionais e dos irracionais.

Definicao 1.102 (O conjunto derivado de um conjunto). Seja X ⊂ R um con-

junto. O conjunto de todos os pontos de acumulacao de X e o conjunto derivado

de X, denotado por X ′.

Exemplo 1.103. Seja X = (0, 1). Entao, como vimos, 0 e ponto de acumulacao e,

seguindo a mesma argumentacao do Exemplo 1.98, 1 tambem e ponto de acumulacao

de X. Como os demais pontos de X sao pontos interiores do intervalo, sao todos

pontos de acumulacao de X. Assim, X ′ = X ∪ 0, 1.

Exemplo 1.104. Seja V = (0, 1]. Seguindo a argumentacao do Exemplo 1.98, temos

que V ′ = [0, 1].

Page 81: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 81

Exemplo 1.105. Seja U = [0, 1]. Resulta que U ′ = U .

Finalmente, comentemos uma situacao que distingue os pontos de acumulacao de

um subconjunto de R. Consideremos o intervalo (0, 1). Se x ∈ (0, 1), x e certamente

um ponto de acumulacao de (0, 1), pois qualquer vizinhanca perfurada de x contem

pontos de (0, 1). Sabemos que 0 tambem e ponto de acumulacao de (0, 1); no en-

tanto, qualquer vizinhanca perfurada de 0 contem pontos do intervalo, porem apenas

pontos maiores que 0 ou a sua direita, ao passo que, dado x ∈ (0, 1), para qualquer

vizinhanca perfurada do ponto, ha pontos de (0, 1) tanto a direita quanto a esquerda

de x. Situacao semelhante ocorre com o ponto de acumulacao 1.

Esse fato nao e mero detalhe. Ele sera importante nos estudos seguintes de algu-

mas propriedades das funcoes reais de variavel real.

Definicao 1.106 (Pontos de acumulacao laterais). Sejam X ⊂ R e x1, x2 ∈

R. Se x1 for tal que, toda vizinhanca perfurada, Br1(x1), contiver pontos de X

somente a direita de x1, ou seja, Br1(x1) ∩X = [x1, x1 + r1) ∩X, x1 e um ponto

de acumulacao a direita de X. Se toda vizinhanca perfurada, Br2(x2) contiver

pontos de X somente a esquerda de x2, ou seja, Br2(x2)∩X = (x2−r2, x2]∩X,

x2 e um ponto de acumulacao a esquerda de X. Representamos o conjunto dos

pontos de acumulacao a direita de X por X ′+ e o dos pontos de acumulacao a

esquerda por X ′−.

1.4.3 Conjuntos fechados

O Exemplo 1.105, em comparacao com os dois anteriores, sugere uma definicao para

essa situacao especıfica, a saber, a de conjunto fechado. Para isto, necessitamos de

Page 82: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 82

um conceito mais.

Definicao 1.107 (Ponto fronteira). Dados um conjunto X e a ∈ R, a e um ponto

fronteira de X se qualquer vizinhanca de a, V = (a − r, a + r), r > 0, contem

pontos de X e pontos do complementar de X. Ou seja, qualquer vizinhanca

V = (a− r, a+ r), r > 0, de a, verifica V ∩X = ∅ e (R− V ) ∩ V = ∅.

Exemplo 1.108. Seja Y = 0∪ [1, 2]. Os pontos fronteira de Y sao 0, 1, 2. Qualquer

vizinhanca (0 − r, 0 + r) ∩ X = 0, para 0 < r < 1. Da mesma maneira, qualquer

vizinhanca (1− r, 1+ r) de 1 e (2− r, 2+ r) de 2 intersecta o interior e o complementar

de [1, 2]. Portanto, todos os pontos fronteira de Y pertencem ao conjunto.

Exemplo 1.109. Consideremos os conjuntos de exemplos anteriores: X = (0, 1), V =

(0, 1] e U = [0, 1]. Os pontos fronteira dos tres conjuntos sao 0 e 1, mas 0 /∈ X, 1 /∈ X,

0 /∈ V , enquanto 1 ∈ V e 0, 1 ∈ U .

Definicao 1.110 (A fronteira de um conjunto). Dado X ⊂ R, o conjunto de todos

os pontos fronteira de X e a fronteira de X, denotada ∂X.

Exemplo 1.111. Considerando os conjuntos citados no Exemplo 1.109, temos que

∂X = 0, 1 = ∂V = ∂U e ∂Y = 0, 1, 2. Vemos, pois, que apenas ∂U ⊂ U e ∂Y ⊂ Y .

Page 83: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 83

Definicao 1.112 (Conjunto fechado). Seja F ⊂ R. F e um conjunto fechado se

e somente se F contem todos seus pontos fronteira, ou seja, F e fechado se e

somente se ∂F ⊂ F .

Exemplo 1.113. Aplicamos a definicao aos conjuntos no Exemplo1.109 para determi-

nar quais sao fechados.

X nao e fechado, pois nao contem nenhum de seus pontos fronteira. Isto, alias, signi-

fica que todos os pontos de X sao interiores, logo X e aberto. V nao contem um de

seus dois pontos fronteira, portanto, nao e fechado. Finalmente, U contem todos seus

pontos fronteira, logo e fechado.

Alem disso, o conjunto Y = 0 ∪ [1, 2] contem seus pontos fronteira, 0, 1, 2, sendo

tambem fechado.

Podemos provar com facilidade que tambem vale o seguinte:

∅ e fechado. O argumento empregado para o conjunto vazio e o usual quando se

trata desse conjunto, a saber, ∅ nao seria fechado somente se ele nao contivesse

algum de seus pontos fronteira. Mas, existe algum ponto fronteira de vazio,

isto e, existe algum ponto tal que qualquer vizinhanca sua intersecta vazio e

seu complementar? Nao, pois como nao ha pontos no conjunto vazio, nao ha

tambem ponto fronteira; portanto, nao ha ponto fronteira do conjunto vazio que

nao pertenca ao conjunto (ja que nao existe ponto fronteira algum!).

R e fechado. Tambem R nao possui ponto fronteira, ou existiriam um numero

real x e uma vizinhanca (x− r, x+ r) tal que, em R∩ (x− r, x+ r), haveria pontos

nao pertencentes a R. Para tanto, R teria de ser limitado.

Page 84: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 84

se A e B sao subconjuntos fechados de R, A ∪ B e fechado em R. Basta notar

que os pontos fronteira de A ∪B sao tambem pontos fronteira de A ou B.

se A e B sao subconjuntos fechados de R, A ∩ B e fechado em R. Se x e um

ponto fronteira de A ∩ B, x e ponto fronteira de A e B, ambos, por hipotese,

fechados.

1.4.4 Conjuntos compactos e conjuntos conexos

Definicao 1.114. Um conjunto K ⊂ R e compacto se for fechado e limitado.

Resulta imediatamente da definicao que todo intervalo fechado e limitad e um sub-

conjunto compacto de R.

Conjuntos compactos desempenham um papel importantıssimo no estudo de al-

gumas propriedades das funcoes.

Exemplo 1.115. Consideremos as funcoes:

f :(0, 1] → R

x 7→ 1

x

g :[a, 1] → R

x 7→ 1

x,

sendo 0 < a < 1.

A imagem da funcao f e y ∈ R; x ≥ 1 = [1,∞). Portanto, um conjunto ilimitado. Ja

a imagem da funcao g e [1,1

a] e um conjunto compacto, como tambem o e o dom(g).

No caso da funcao g, como sua imagem e um compacto, existe o maior elemento

neste conjunto,1

a, enquanto que, na imagem de f , por esta crescer alem de qualquer

numero real, nao existe o maior elemento da imagem de f .

Page 85: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 85

Exemplo 1.116. Sejam, agora, as funcoes:

u :[a, b] → R

x 7→ 1

x

v :[a,∞) → R

x 7→ 1

x,

sendo 0 < a < b.

O domınio e a imagem da funcao u, [1

b,1

a], sao ambos compactos. Assim,

1

be o menor

e1

ao maior elemento da imagem de u. Ja a imagem de v e (0,

1

a], de modo que os

valores de v(x) =1

x, para 0 < a ≤ x, se tornam cada vez menores e sempre positivos

a medida que os valores de x aumentam. Assim, nao ha elemento na imagem de v

menor do que 0, mas este nao e o menor elemento da imagem pois nao pertence a

ela.

Muito da argumentacao utilizada nos Exemplos 1.115 e1.116 sera revista em capıtulos

posteriores, so a antecipamos em parte para ilustrar a importancia do conceito de con-

junto compacto.

Definicao 1.117. Seja A ⊂ R tal que o fato de G, H ⊂ R serem abertos e

verificarem G ∪ H = A e G ∩ H = ∅ implica que G = ∅ ou H = ∅. Entao A e

um subconjunto conexo de R.

Portanto, um conjunto conexo nao pode ser decomposto em dois ou mais subcon-

juntos abertos e disjuntos. Assim, em R, qualquer intervalo e um conjunto conexo.

Exemplo 1.118. Seja V = (1, 4) ∪ (6, 9). V nao e um conjunto conexo.

Page 86: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 86

Tomemos os abertos G = (1, 4) e H = (6, 9). Temos que G∩ H = ∅, mas G∪ H = V ,

logo V nao e conexo. Ou seja: V e a uniao de dois conjuntos abertos e disjuntos.

Exemplo 1.119. O conjunto N nao e conexo.

Seja n ∈ N. Tomemos os abertos G = (0, n +1

2) e H = (n +

1

2,∞). N = G ∪ H, mas

G ∩ H = ∅, portanto, N nao e conexo.

1.4.5 Conjuntos limitados

Definicao 1.120 (Cota inferior). Seja A ⊂ R. A e limitado inferiormente se

existe um numero real a tal que, ∀x ∈ A, a ≤ x. Nestas condicoes, qualquer

numero real u que verifique a condicao u ≤ x, ∀x ∈ A, e uma cota inferior do

conjunto A.

Exemplo 1.121. Seja A = x ∈ R,−1 < x ⊂ R. Entao, −1 e uma cota inferior de A,

pois, se x ∈ A, −1 < x. Da mesma maneira, qualquer real r ≤ −1 e uma cota inferior

de A.

Definicao 1.122 (Cota superior). Seja B ⊂ R. B e limitado superiormente se

existe um numero real b tal que, ∀y ∈ B, y ≤ b. Todo numero real v tal que,

∀y ∈ B, b ≤ v, e uma cota superior de B,

Exemplo 1.123. Seja B = x ∈ R; x < 10 ⊂ R. Entao, x = 10 e uma cota superior de

B, pois, se x ∈ B, x < 10. Assim, tambem c ≥ 10 e uma cota superior de B.

Page 87: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 87

Definicao 1.124 (Conjunto limitado). Um subconjunto C ⊂ R limitado inferior-

mente e superiormente e um conjunto limitado, isto e, existem numeros reais

ci < cs tais que, ∀z ∈ C, ci ≤ z ≤ cs.

Exemplo 1.125. Seja C = x ∈ R;−1 < x < 10. Entao, C e limitado. De fato,

∀ x ∈ C, −1 < x < 10, o que mostra ser um numero menor ou igual a -1 uma cota

inferior de C, e um numero maior ou igual a 10 uma cota superior de C.

Como vimos nos exercıcios anteriores, um conjunto limitado inferiormente possui

uma infinidade de cotas inferiores, assim como um conjunto limitado superiormente

tem infinitas cotas superiores. De todas as cotas inferiores de um dado conjunto, ha

uma que se destaca, a saber, a maior de todas; tambem das cotas superiores de um

conjunto, a menor de todas desempenha um importante papel.

Definicao 1.126 (Infimo). Dado o subconjunto real limitado inferiormente A, o

ınfimo de A, x = inf(A), e a maior das cotas inferiores de A, ou seja, x = inf(A)

se e somente se:

x e cota inferior de A e

se x for tambem cota inferior de A, entao x ≤ x.

Page 88: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 88

Definicao 1.127 (Supremo). Dado o subconjunto real limitado superiormente

B, o supremo de B, y = sup(B), e a menor das cotas superiores de B, ou seja,

y = sup(B) se e somente se:

y e cota superior de B e

se y for tambem cota superior de b, entao y ≤ y.

Exemplo 1.128. Mostre que um subconjunto real limitado tem um unico supremo e

um unico ınfimo.

Sejam A ⊂ R limitado, x = inf(A) e y = sup(B). Suponha que y = y seja tambem

supremo de A. Entao, y < y ou y < y. Se y < y, como y e um supremo de A, y e

uma cota superior de A e menor que y. Logo, y nao e a menor cota superior de A,

portanto nao e seu supremo. Da mesma maneira, se y < y, y nao e supremo de A,

contrariando a hipotese. Logo, y = y e a conclusao e que y e o (unico) supremo de A.

O mesmo raciocınio aplica-se a unicidade do inf(A).

Damos, a seguir, definicoes ligeiramente diferentes de ınfimo e de supremo de um

conjunto limitado.

Definicao 1.129 (Infimo-bis). Dado o subconjunto real limitado inferiormente A, a =

inf(A) se e somente se:

a e cota inferior de A e

se ∀ϵ > 0, ∃ x ∈ A e a ≤ x ≤ a+ ϵ.

Definicao 1.130 (Supremo-bis). Dado o subconjunto real limitado superiormente B,

b = sup(B) se e somente se:

Page 89: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 89

b e cota superior de B e

se ∀ϵ > 0, ∃ y ∈ B e b− ϵ ≤ y ≤ b.

Corolario Sejam f, g : [a, b] → R limitadas. Entao sup(f + g) ≤ sup(f) + sup(g) e

inf(f + g) ≥ inf(A) + inf(B).

Demonstracao Sendo A = f([a, b]) e B = b([a, b]), entao C = f(x) + g(x); x ∈

[a, b] ⊂ (A + B). Logo, sup(f + g) = sup(C) ≤ sup(A + B) = sup(f) + sup(g) e

inf(C) ≥ inf(f) + inf(g).

Lema 3 Seja A um conjunto limitado nao vazio de numeros reais. Dado x ∈ R, c ·A =

c · x;x ∈ A. Entao, sup(c ·A) = c · sup(A) e inf(c ·A) = c · inf(A), se c > 0. Se c < 0,

sup(c · A) = c · inf(A) e inf(c · A) = c · sup(A).

No proximo exemplo, temos uma situacao em que as ultimas definicoes de ınfimo

e supremo aplicam-se melhor que as duas definicoes anteriores.

Exemplo 1.131. Seja A = (−1, 5). Mostrar que inf(A) = −1 e sup(A) = 5.

Como A e limitado, existem inf(A) e sup(A). Como −1 e uma cota inferior de A,

supondo que nao seja o inf(A), entao existe uma cota inferior de A, x por exemplo, tal

que −1 < x. Mas, como −1 e x sao ambos numeros reais, e R verifica a propriedade

do continuum1, existe y ∈ R tal que −1 < y < x, e entao ou y ∈ A e x nao e cota

inferior de A, ou y /∈ A e x > 5, sendo cota superior de A e nao inferior. Argumentacao

analoga mostra que 5 = sup(A).

Observacao 1.132. Mostraremos que sao equivalentes as definicoes 2.4 e 2.6, assim

como as definicoes 2.5 e 2.7.1a propriedade afirma que, dados os numeros reais a < b, existe c ∈ R tal que a < c < b.

Page 90: Cálculo I cap 1

CAPITULO 1. FUNCOES E SUBCONJUNTOS DA RETA 90

Sejam A ⊂ R e a = inf(A), segundo a Definicao 2.4, ou seja, a e a maior cota

inferior de A. Suponha existir ϵ > 0 tal que @x ∈ A ∧ a ≤ x ≤ a + ϵ. Entao, por

definicao, a + ϵ e uma cota inferior de A, e, como a < a + ϵ, a nao e a maior cota

inferior de A. Logo, se a = inf(A), segundo a Definicao 2.4, a e cota inferior de A e

∀ϵ > 0, ∃x ∈ A tal que a ≤ x ≤ a + ϵ, ou seja, a = inf(A) verifica as condicoes da

Definicao 2.6.

Seja a = inf(A) segundo a Definicao 2.6, ou seja, a e uma cota inferior de A e

∀ϵ > 0, ∃x ∈ A tal que a ≤ x ≤ a + ϵ. Suponha existir a cota inferior de A tal que

a < a. Como a e cota inferior de A, nao existe x ∈ A sendo x < a. Entao, para

ϵ = a − a > 0, @x ∈ A, a ≤ x ≤ a + ϵ = a, logo, a nao e ınfimo de A, segundo a

Definicao 2.6, contrariando nossa hipotese. Logo, a = inf(A) e a maior cota inferior

de A, verificando as condicoes da Definicao 2.4.

De modo inteiramente analogo, prova-se a equivalencia entre as definicoes 2.5 e

2.7.