CIG-038 Lucas Pereira Das Neves Souza Lima
-
Upload
geografia-de-costa-rica -
Category
Documents
-
view
218 -
download
0
Transcript of CIG-038 Lucas Pereira Das Neves Souza Lima
-
8/6/2019 CIG-038 Lucas Pereira Das Neves Souza Lima
1/15
1
Mapas Sociais: gnese e aplicao na Amaznia
brasileira1
Lucas Pereira das Neves Souza Lima2
Dante Flvio da Costa Reis Jnior3
Resumo
Os mapas so utilizados h sculos por diferentes sociedades.Sempre estiveram associados s elites e aos agentes detentores de poder.Sua produo intrnseca aos processos de conquista e legitimao da
dominao espacial. Recentemente, novas formas de fazer cartografia tmaparecido. Essa mudana configura-se na incluso de atores que antes erammarginalizados durante a produo cartogrfica de seu prprio territrio. Nestetrabalho discutimos como ocorreu a transformao dos modos de representar arealidade scio-espacial. O objetivo analisar a maneira pela qual sorealizados os mapas que defendem uma construo participativa atravs dasua aplicao em uma unidade de conservao do Amazonas. Esse trabalhono possui um posicionamento nico sobre os mapas ditos participativos. Aocontrrio, atravs da relativizao das inmeras metodologias e propostas,que buscamos construir uma conceitualizao do que seria o mapeamentoideal
Palavras-chave: mapas sociais, cartografia histrica, pesquisa participativa,sistema de informao geogrfico participativo.
Introduo
Os mapas no so uma criao recente. Eles esto vinculados a
inmeras civilizaes que buscaram representar as suas relaes espaciais de
maneira grfica. Contudo, a produo cartogrfica no era uma coisa simplesno passado. Ela sempre demandou um aporte tecnolgico que limitou o seu
acesso aos membros da elite e do governo. Esses grupos dominantes, ao
mapear, desconsideravam o conhecimento da populao local. Suas prticas
subjugavam a apropriao e o uso do espao que essas comunidades
possuam. A cartografia sempre esteve associada a um vis poltico, onde as
1 Agradecemos a Universidade de Braslia e ao Decanato de Graduao pelo auxlio concedido2
Estudante de graduao da Universidade de Braslia, UnB, Brasil3 Professor Adjunto do Departamento de Geografia da Universidade de Braslia, UnB, Brasil
-
8/6/2019 CIG-038 Lucas Pereira Das Neves Souza Lima
2/15
2
conquistas territoriais e sociais eram o cerne da sua utilizao. (ACSELRAD,
2008; BLACK, 2005; HARLEY, 1988; CHAPIN et al., 2005).
A partir da metade do sculo XX houve uma grande guinada no
pensar cartogrfico. Com o fim da Segunda Guerra, ocorreu uma
descentralizao na produo dos mapas. Estes passaram a ser produzidos
por diferentes correntes, com propostas menos etnocntricas. Mesmo com
inmeras metodologias e finalidades diversas, a essncia dessa nova
cartografia era ser produzida em conjunto com os grupos marginalizados que
sofrem com as manifestaes espaciais das polticas territoriais dos agentes
hegemnicos.
Entretanto, muitos tericos so cticos quanto a real possibilidade
dos mapas se constiturem em um instrumento de contestao. No obstante,
a discusso da potencialidade dessa nova produo cartogrfica de agir, ora
como resistncia s dinmicas da globalizao, ora como instrumento de apoio
e legitimao dessas mesmas dinmicas, extremamente pertinente. Afinal, a
atitude de desconsiderar todos os mapeamentos por estarem corrompidos pela
estrutura vigente to reducionista quanto caracterizar todas essas prticas
como participativas.
Da cartografia antiga a atual
A evoluo cartogrfica que ocorreu na China traz importantes
esclarecimentos sobre o contexto no qual os mapas eram produzidos e
utilizados. O primeiro mapa data de 2.100 a.C e encontrava-se pintado no
exterior de um antigo recipiente para cozinhar, chamado ding. O mais antigo
atlas histrico chins uma obra Sung do sculo XII, o Lidai Dili Zhi Zhang Tu -
mapas de geografia atravs das dinastias, fceis de serem usados. Sua
importncia est em revelar que, desde os primrdios, os mapas envolviam
questes polticas e de propaganda. Segundo Black (2005, p. 16, grifo do
autor) o atlas incentivava um sentido de irredentismo ao mostrar, por meio da
ilustrao grfica, o que fora chins e o que fora tomado deles, e, assim,
alimentavasonhos do que poderia ser novamente
-
8/6/2019 CIG-038 Lucas Pereira Das Neves Souza Lima
3/15
3
No sul da sia e, principalmente no mundo islmico pr-moderno,
ocorreram importantes avanos na matemtica e no desenvolvimento da
cartografia celestial e geogrfica. Os califas do perodo rabe clssico, os
sultes do Imprio Otomano e os imperadores mongis da ndia patrocinaram o
mapeamento e utilizaram os mapas para fins militares, polticos, religiosos e de
propaganda. Entretanto, as produes foram muito limitadas e a Europa viria a
ser central para o desenvolvimento da cartografia. (HARLEY, 1988)
De acordo com Black (2005), houve trs importantes avanos no
mapeamento europeu no sculo XVII e XVIII. O primeiro avano diz respeito
aos mapas cadastrais que comearam a ser empregados de forma extensiva.
Eles eram feitos para tributao ou para fins administrativos e, frequentemente,
retratavam as propriedades e os seus limites. Isso trouxe maior familiaridade
com a cartografia e com o uso dos mapas. O segundo avano foi a crescente
importncia dos mapas para fins militares. Os mapas eram usados para retratar
guerras histricas, campanhas passadas ou mesmo guerras recentes. At hoje,
podemos ver uma associao clara entre os ideais militaristas e as prticas
cartogrficas. E por ltimo, houve a melhoria na medio da longitude. Isso
possibilitou uma representao mais fiel da realidade, pois a espacializao
das distncias, atravs das escalas geogrficas, ficou mais coerente. Aliado a
esses trs avanos, ocorreram algumas padronizaes da cartografia, como a
conveno adotada no sculo XVIII no qual os mapas deveriam ter o norte no
topo.
Os mapas passaram a ser usados como elementos grficos
objetivos, que traduziam a realidade atravs de informaes estatsticas. Essa
nfase crescente na preciso advm do desejo de uma representao que
primeiro, estivesse localizada corretamente e, sobretudo, com proporesrealistas e fidedignas. O interesse maior pela preciso gerou importantes
progressos nas prticas cartogrficas. Essa melhora conferiu aos aspectos
espaciais e s pretenses de territorialidade uma qualidade antes nunca vista.
Nos mapas oriundos do imperialismo europeu possvel
encontrar fortes elementos que demonstram a imposio de uma cultura
externa s dinmicas espaciais das populaes originrias dos territrios
conquistados. Estados, regies, cidades, e todo tipo de feies naturais eram
-
8/6/2019 CIG-038 Lucas Pereira Das Neves Souza Lima
4/15
-
8/6/2019 CIG-038 Lucas Pereira Das Neves Souza Lima
5/15
5
Entretanto, como Black (2005) ressalta, h questes cruciais
sobre as abordagens tendenciosas ocultas no SIG, e de maneira geral, nas
limitaes do mapeamento positivista. O SIG est inteiramente associado
cultura cientfica do final do sculo XX. O processo de coleta, anlise e
descrio de dados so aspectos de uma tecnologia social que, segundo Black
(2005, p. 411) no democrtica nem livre de valores, mas que reflete uma
tecnocracia com seus prprios valores e mtodos.
Os SIG ganharam um papel preponderante nas produes
cartogrficas ditas participativas e na formulao das polticas que utilizam
esses mapas como instrumentos legitimadores. Entretanto, importante
ressaltar as problemticas subjacentes a uma maneira rgida de se mapear. Ao
se pensar nas experincias nos pases do sul, no possvel construir uma
forma exclusiva de mapeamento, sendo que as metodologias devem ser
flexveis, no se apoiando em elementos de uma ou outra instituio.
discutvel a nfase dada aos SIG e o papel supervalorizado que
eles recebem nos tempos atuais. Segundo Sieber (2006), a promoo dessa
ferramenta, no apenas se situou no mbito acadmico de estudar a aplicao
dos SIG, mas tambm de promover e ampliar a qualidade normativa dos
produtos gerados. O uso do SIG, nesse sentido, tem sido estimulado por
membros de diversos setores que acreditam que as ferramentas
computacionais e os dados digitais so capazes de incluir grupos
marginalizados a um processo democrtico habilitado pelas tecnologias da
informao. (SIEBER, 2006).
Entretanto, as tecnologias no so utilizadas de forma igualitria,
e a necessidade de tcnicos especializados compromete os produtos gerados
nas metodologias de cunho participativo. As linguagens tcnicas, o controlecomunitrio e o sentido de propriedade sobre os mapas podem ser fragilizados,
devido ao risco de que as instituies que fornecem o apoio tcnico se
considerem as detentoras dos produtos gerados - e no os membros das
comunidades locais. (ACSELRAD; COLI, 2008).
Os mapas sociais so anteriores ao desenvolvimento das
Tecnologias de Informao Espacial (TIE). Os primeiros projetos de
mapeamento foram produzidos com povos indgenas do Canad e do Alasca e
-
8/6/2019 CIG-038 Lucas Pereira Das Neves Souza Lima
6/15
6
foram feitos na dcada de 1950 e 1960. Entretanto, possvel dizer que
durante um bom tempo essas iniciativas ficaram restritas a essa regio. A
proliferao dos mapas sociais para o resto do mundo ocorreu mais
tardiamente. Somente no final da dcada de 1980 e 1990 os mapeamentos
difundiram-se de forma significativa. Dessa forma, vlido dizer que esses
mapeamentos ganharam fora no bojo das TIE. Sem dvida isso constri e
delineia um carter prprio para essas prticas, que geralmente fazem a
adoo desse aporte tcnico.
Mapas Sociais: mtodos
O mapeamento social possui duas variantes metodolgicas.
Segundo Herlihy e Knapp (2003), uma delas voltada para aes sociais e a
outra para pesquisa.
A primeira delas denominada Participatory Action Research
Mapping (PARM) e utiliza os resultados do mapeamento com as demandas
sociais. Nesse tipo de metodologia, o mapa uma ferramenta utilizada
conjuntamente com a pesquisa participativa denominada Participatory Action
Research (PAR). Essas prticas esto inseridas num amplo processo de
aprendizagem e transformao, com vistas a um desenvolvimento rural. Os
mapas so muito utilizados para compreender a geografia dos assentamentos
humanos e dos recursos naturais.
A segunda variante denominada Participatory Research Mapping
(PRM) aplica a metodologia participativa para produzir mapas convencionais e
informaes descritivas. O processo educativo, bem como o empoderamento e
a ao social fazem parte dos objetivos. Entretanto, o dilogo intercultural, a
padronizao e a exatido do estilo cartogrfico ocidental so a essncia dessa
segunda variante metodolgica. Essa metodologia centra-se mais nos aspectos
tcnicos do processo de mapeamento - padronizao, digitalizao das
informaes, preciso, e etc. do que no contexto cultural onde
desenvolvida. (HERLIHY; KNAPP, 2003).
-
8/6/2019 CIG-038 Lucas Pereira Das Neves Souza Lima
7/15
7
No trabalho desenvolvido na SDS, foi possvel observar que os
mapeamentos sociais realizados nas Unidades de Conservao (UC)
aproximam-se essencialmente das metodologias utilizadas na segunda
variante. Atravs das Oficinas de Planejamento Participativo (OPP) uma das
atividades que fundamenta os Planos de Gesto das unidades - os
representantes comunitrios contribuem nas fases inicias e finais da
elaborao dos mapas. Na fase inicial, eles fornecem as informaes
descritivas, e ao final, auxiliam com a correo para construo de um
zoneamento que condiz com seus interesses. As anlises espaciais,
entretanto, so realizadas por uma equipe tcnica.
Abaixo segue quatro figuras que elucidam as fases de construo
do mapeamento: 1) produo da transparncia vetorizada4; 2) transparncia
concluda e digitalizada; 3) discusso acerca do pr-zoneamento; 4) mapa do
zoneamento concludo presente no Plano de Gesto da RDS do Rio Amap.
Figura 7: Mapeamento com utilizao de transparncia vetorizada sobreposta a uma
imagem de satliteLegenda:[Mapeamento realizado na comunidade Democracia da RDS do Rio Amap. Foto: Sandra
Costa, 2009.]
4 As transparncias vetorizadas so produzidas com material plstico ou papel vegetal. Essastransparncias so sobrepostas aos mapas georreferenciados ou imagens de satlites. Osdesenhos podem ser feitos com lpis ou canetas especficas e facilmente apagados. Essametodologia economiza materiais lpis, canetas, papel vegetal, cartolina - e constriinformaes com uma preciso aceitvel. Esse mtodo vem sendo muito utilizado nosmapeamentos realizados nas UC do Estado do Amazonas.
-
8/6/2019 CIG-038 Lucas Pereira Das Neves Souza Lima
8/15
8
Figura 1: Transparncia Vetorizada com a rea de caa das comunidadesbeneficirias da RDS do Rio Amap
Fonte: [AMAZONAS, 2010, p.92].
Legenda:[Transparncia Vetorizada produzida em julho de 2009 como resultado da primeira
OPP na comunidade Democracia e Boa Esperana, na RDS do Rio Amap. Possui comoescopo subsidiar o zoneamento da unidade.]
Figura 9: Discusso sobre o pr-zoneamento na comunidade Boa Esperana
Legenda:[Com o auxlio de um data-show, Jos Cludio integrante da comunidade Boa Esperana,auxilia na construo do zoneamento da RDS do Rio Amap. Foto: Sandra Costa, 2009].
-
8/6/2019 CIG-038 Lucas Pereira Das Neves Souza Lima
9/15
9
Se houver estrutura possvel projetar utilizando um data-show
- a imagem de satlite para toda a comunidade. Dessa maneira, ocorre a
insero dos dados diretamente no software SIG, sem a passagem anterior por
croquis ou transparncias. Assim o levantamento das toponmias, o
delineamento dos polgonos e a localizao das informaes so realizadas
diretamente no software durante as oficinas.
Figura 2: Mapa da RDS do Rio Amap com zoneamento consolidadoFonte: [AMAZONAS, 2010, p.124].
Legenda: Zoneamento da RDS do Rio Amap: zona de preservao, zonas de uso extensivo e intensivo e
zona de amortecimento.
Mapas Sociais: problemticas subjacentes a sua ideologia
As prticas cartogrficas em um mundo globalizado onde o
papel dos Estados nacionais est em redefinio so fortemente
pressionadas por foras envolvidas nas rearticulaes das disputas territoriais.
Os tericos da cincia cartogrfica se posicionam de diversas formas e muitos
deles so pessimistas quanto possibilidade de apropriao desta linguagem
-
8/6/2019 CIG-038 Lucas Pereira Das Neves Souza Lima
10/15
10
por grupos marginalizados. Especialmente no contexto atual onde h uma
liberalizao das economias nacionais e um avano das fronteiras de expanso
do capital e do mercado.
Em seus trabalhos Harley (1988) discorre a relao entre o saber
e o poder cartogrfico. O autor afirma que os mapas favorecem discursos
unilaterais, pois sempre estiveram aliados com a criao de sistemas com
signos polticos guiados pelas elites ou grupos de indivduos poderosos. A
histria social dos mapas, sobre essa tica, no parece admitir a sua
vinculao com os modos de expresso populares, alternativos ou subversivos.
Segundo Harley (1988):
Maps are preeminently a language of power, not of protest.
Though we have entered the age of mass communication bymaps, the means of cartographic production, whethercommercial or official is still largely controlled by dominantgroups. Indeed, computer technology has increased thisconcentration of media power. Cartography remains ateleological discourse, reifying power, reinforcing the status quo,and freezing social interaction within charted lines. (HARLEY,1988, p.301-303)
Os mapas como produtos sociais podem ser considerados uma
forma de conhecimento e de poder porque representam o ambiente de maneira
abstrata. Alm de permitir o controle sobre o espao, tambm do condies
expanso geogrfica de determinado sistema social. J que a maioria dos
mapas oficiais so resultados da cartografia cientfica, eles acabam por
relacionarem-se com os processos por meio dos quais o poder exercido. Os
mapas auxiliam na vigilncia e na superviso das condutas humanas, assim
como nos imperativos territoriais de um sistema poltico particular. vista
disso, esto associados com a propaganda poltica, a delimitao de fronteiras
e a preservao da lei e da ordem. (HARLEY, 1988)
fato que possuir a informao geogrfica significa afirmar a sua
autoridade sobre o territrio e seus recursos. Mas como Ascerald (2008)
coloca, h de se considerar que houve uma substancial diversificao nas
formas de representao espacial. Conseqentemente, houve a constituio de
um campo concreto de representaes cartogrficas. Segundo o autor,
interessante caracterizar nesse campo: 1) a maneira pela qual ele institudo;
2) a relao estabelecida entre as linguagens representacionais; 3) as prticas
-
8/6/2019 CIG-038 Lucas Pereira Das Neves Souza Lima
11/15
11
territoriais; 4) as relaes entre o progresso tcnico nas prticas de
representao; 5) a distribuio do poder no trabalho campo; 6) a
problematizao da categoria participao aplicada s formas de
mapeamento; 7) e a relao entre o poder de cartografar e a legitimidade
relativa dos sujeitos da representao cartogrfica. (ASCERALD, 2008)
Com as caracterizaes citadas acima, colocamos os
mapeamentos sociais ora como esforos de resistncia s dinmicas da
globalizao, ora como instrumento de apoio efetivao destas mesmas
dinmicas. Ascerald (2008) ressalta um ponto de vista do qual
compartilhamos que cada experincia cartogrfica possui uma interao
particular com os processos geo-estratgicos. No mbito da cartografia social
h diferentes linhas de composio que delimitam a sua abordagem especfica.
Algumas delas constituem prticas que visam integrao dos territrios
atravs da fixao harmnica de limites e de fronteiras funcionais aos
mecanismos de valorizao do capital. Nesse vis, os mapas sociais visam
pacificao dos conflitos territoriais. Outras prticas renem experincias que
buscam, segundo Ascerald (2008, p.11), fortalecer os processos polticos
autnomos e com isso deter os efeitos expansivos e expropriatrios do
sistema de acumulao capitalista..
De acordo com Sieber (2006), h argumentos que contestam a
possibilidade do SIG de empoderar grupos excludos em um processo
particular de tomadas de decises. O autor questiona se a TIE, divorciada do
seu contexto scio-poltico, pode realmente aumentar o entendimento dos
processos que ela prope compreender. O SIG retoma o carter positivista da
pesquisa, pois h um empenho exagerado na quantificao dos dados
espaciais e, com isso, uma reduo no valor dos processos sociais complexosos resumindo a meros pontos, linhas e polgonos. Para ele, o SIG seria um
instrumento de vigilncia pelo qual o capital exerce seu poder. Por isso, o autor
defende o ponto de vista que eu compartilho que muitas vezes o verdadeiro
controle permanece com os grupos dominantes que, atravs do uso da
tecnologia, criam a iluso de democracia nas tomadas de decises. Ocorre,
dessa maneira, o afastamento dos movimentos sociais da estrutura mais geral
-
8/6/2019 CIG-038 Lucas Pereira Das Neves Souza Lima
12/15
12
de formulao de polticas pblicas e consequentemente da distribuio do
poder. (SIEBER, 2006).
Outra crtica levantada refere-se s dificuldades encontradas para
a difuso e apropriao do SIG. Esses obstculos possuem duas naturezas. A
primeira remete-se a sua interface tcnica e a segunda, aos aspectos materiais
de aquisio. Na primeira, podemos apontar a necessidade de tcnicos
especializados, que na maioria das vezes no fazem parte da comunidade, j
que o SIG uma tecnologia complexa que necessita de um treinamento
especfico. Quanto ao segundo obstculo preciso salientar que houve
melhoras significativas devido diminuio dos preos dos softwares e
hardwares, contribuindo muito para a ampliao dos espaos de atuao das
TIE. Entretanto, os preos ainda so elevadssimos, tanto para a realidade
brasileira, quanto para a maioria dos pases do hemisfrio sul. Alm de ser um
sistema baseado na eletricidade, ainda h o agravante da indisponibilidade, em
muitas ocasies, do acesso a internetno meio rural. Por isso, essa tecnologia
permanece fora de alcance para as comunidades ali situadas, e assim seu
controle concentrado pelos agentes externos. Nesse sentido, o SIG trabalha
contra o empoderamento e a participao e pode ser pensado como uma
tecnologia elitista que reala as estruturas de poder pr-existentes. (CHAPIN et
al., 2008).
Podemos levantar que os SIG utilizados de maneira participativa
j so instaurados sobre uma ambigidade. Ele construdo em funo de um
projeto de contracultura poltica afinal, possui a pretenso de conferir voz s
comunidades de base e aos grupos marginalizados, mas produzido e
pensado pelos pertencentes das classes dominantes. Alm dessa contracultura
poltica, o SIG participativo tambm construdo como um contra-projeto decunho cientfico. A ambigidade ressaltada ao questionar os pressupostos
ocultos da cincia da informao geogrfica. Afinal, possvel construir SIG
democrticos em que a base tenha suas demandas representadas, ou,
impossvel atingir tais metas quando se tem em conta a natureza na qual esses
sistemas foram criados? (JOLIVEAU, 2008).
Ao analisar o que foi dito, vejo que, as propostas de mapeamento
sociais que esto realmente comprometidas com a obteno de suas metas,
-
8/6/2019 CIG-038 Lucas Pereira Das Neves Souza Lima
13/15
13
devem antes de tudo, estar associadas a processos concretos de
democratizao do territrio e do acesso aos seus recursos. E no configurar,
como ressalta Ascerald e Coli (2008, p.41), como uma simples expresso
espacial da ideologia do desenvolvimento.
Concluso
A idia desenvolvida nesse trabalho, de repensar os mapas
sociais, procurou olhar para dois elementos: a finalidade e as metodologias nos
quais eles esto calcados. Sem dvida, na maioria das vezes esses dois so
indissociveis, ou seja, a metodologia adotada corresponde finalidade a ser
atingida, e assim vice-versa. Entretanto, isso no uma verdade universal se
tratando de mapeamentos que buscam incluir a populao no seu processo
construtivo.
Isso pode ser percebido quando o mapa visto como um
instrumento a mais no amplo processo de empoderamento. Se sua
metodologia estiver dissonante da estrutura social na qual est sendo aplicado,
o mapa se torna um mecanismo com uma eficcia bastante limitada. Mesmo
que seu primeiro objetivo o de representar na forma mais fidedigna possvel a
realidade da populao possa ser contemplado, isso no ir refletir,
necessariamente, nos outros objetivos que as propostas de mapeamento
devem abarcar. Nesse vis, ele acaba por no atender a finalidade ltima do
mapa social: empoderar a comunidade.
O elemento cartogrfico em si, nas mos das comunidades,
transforma menos a realidade do que o processo que construiu aquele
elemento. As metodologias escolhidas, assim como a forma na qual elas sero
realizadas, possibilitam no s um produto final de melhor qualidade, como um
resultado amplo de educao formao poltica da populao. Nesse sentido,
vejo os mapas sociais com uma ampla ao de arrasto, onde suas aes,
feitas de forma coesa e propositiva, conscientizam e instruem as comunidades.
No obstante, o contrrio tambm verdadeiro, feito de forma pontual e
-
8/6/2019 CIG-038 Lucas Pereira Das Neves Souza Lima
14/15
14
paliativa, ele ir atender somente o vis de seus formuladores e no as
demandas sociais.
Os mapas tomados nesse trabalho, s sero sociais, se
conseguirem empoderar a populao. Entendi como empoderamento o
processo de clarificar para a populao a sua capacidade de transformar a sua
realidade scio-espacial. Seja como uma agente a mais na formulao de
polticas pblicas, ou mesmo nas reivindicaes dos seus direitos.
Sendo assim, a tecnologia aliada ao mapeamento uma via de
mo dupla. Ao mesmo tempo em que ela contribui na construo dos mapas,
ampliando a insero e a capacidade analtica dos dados, ela dificulta a
incluso da populao nas etapas mais tcnicas. Como forma de compensar
essa falha, os mapas passam por processos de validao - geralmente em
mais de uma ocasio - com toda a comunidade interessada. Nessas revises,
muitas informaes so reparadas ou complementadas, o que aumenta a
confiabilidade das informaes presentes no mapa. Contudo, essa validao
no supre, em sua totalidade, a ausncia da populao nos procedimentos
tcnicos de produo cartogrfica.
Havendo tempo e recursos disponveis, interessante pensar em
formas anlogas de cartografias, que no seja exclusivamente composta de
metodologias baseadas em SIG. Apropriar a comunidade para representar
espacialmente a sua realidade atravs de mapas manuscritos, desenhos e
croquis, contribui na formao cartogrfica como um todo, alm de aliar
processos pedaggicos importantes. Sem dvida o produto final gerado pelo
SIG possui mais credibilidade, entretanto, como dito acima, no se deve pensar
as prticas de mapeamento pelo menos aquelas que busquem ser realmente
inclusivas - como meramente cartogrficas. Os mapas baseados nastecnologias de informao so importantes subsdios ao empoderamento e,
principalmente, como instrumento de dilogo entre os diferentes atores que
partilham a gesto do territrio. Entretanto, no pode ser visto como o nico
meio, e sim como um procedimento a mais.
-
8/6/2019 CIG-038 Lucas Pereira Das Neves Souza Lima
15/15
15
Referncia Bibliogrfica
ACSELRAD, H. et al. (Org). Cartografias sociais e territrio. Rio de Janeiro:Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e PlanejamentoUrbano e Regional. 2008
ACSELRAD, H; COLI, L. R. Disputas cartogrficas e disputas territoriais . In:ACSELRAD, H. et al. (Org.). Cartografias sociais e territrio. Rio de Janeiro:Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e PlanejamentoUrbano e Regional, 2008. p. 13-43
AMAZONAS, Governo do Estado do. Plano de gesto da Reserva deDesenvolvimento Sustentvel do Rio Amap. Secretaria de Estado de MeioAmbiente e Desenvolvimento Sustentvel. Manaus: SDS, 2010.
BLACK, J. Mapas e histria: construindo imagens do passado. Bauru, SoPaulo. EDUSC. 2005
CHAPIN, Mac et al. Mapping Indigenous Lands. Annual Review ofAnthropology,34, p.619638, 2005
CHAPIN, M.. Proyectos de mapeo: identificacin de obstculos y hallazgo desoluciones.Aprendizaje y Accin Participativos, n. 54, p. 1-6. 2006. Disponvelem: . Acesso em 02 nov. 2008.
FOX, J et al.. O poder de mapear: efeitos paradoxais das tecnologias de
informao espacial. In: ACSELRAD, H. et al. (Org.). Cartografias sociais eterritrio. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto dePesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2008, p. 71-84
HARLEY, J. B. Maps, knowledge, and power. In: COSGROVE, D.; DANIELS,S. (eds.). The iconography of landscape: essays on the symbolicrepresentation, design and use of post environments. Cambridge UniversityPress. 1988, p.277-312
HERLIHY, P. H.; KNAPP, G. (eds.). Maps of, by and for the Peoples of LatinAmerica. Human Organization. Journal of the Society for Applied Anthropology.
p.303-314, v. 62, n. 4, Winter 2003.
JOLIVEAU, T. O lugar dos mapas nas abordagens participativas. In:ACSELRAD, H. et al. (Org.). Cartografias sociais e territrio. Rio de Janeiro:Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e PlanejamentoUrbano e Regional, 2008. p. 45-71
SIEBER, R. Public Participation and Geographic Information Systems: ALiterature Review and Framework. Annals of the American Association ofGeographers, n.96 v.3, p.491-507, 2006.