Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

226
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Claudimir Supioni Junior TEORIA DA EFICÁCIA ULTRATERRITORIAL DAS NORMAS COLETIVAS DE TRABALHO DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2017

Transcript of Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

Page 1: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

 

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

Claudimir Supioni Junior

TEORIA DA EFICÁCIA

ULTRATERRITORIAL DAS NORMAS

COLETIVAS DE TRABALHO

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2017

Page 2: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

Claudimir Supioni Junior

TEORIA DA EFICÁCIA

ULTRATERRITORIAL DAS NORMAS

COLETIVAS DE TRABALHO

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de Doutor em Direito

do Trabalho, sob a orientação da Professora Doutora

Carla Teresa Martins Romar.

SÃO PAULO

2017

Page 3: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

 

Banca Examinadora

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

Page 4: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

Para Adriana, Marina e Pedro, com todo o amor

que nos conecta.

Page 5: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

 

Agradecimentos

Aos educadores de toda uma vida e àqueles que

ainda virão, por nos libertarem.

Por todos eles, à professora Carla Teresa

Martins Romar, pelo comprometimento, pela

generosidade, pela amizade e por acreditar no

poder transformador do conhecimento.

Page 6: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

RESUMO

SUPIONI, C. Teoria da eficácia ultraterritorial das normas coletivas de

trabalho. 226 f. Tese (doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo. São Paulo: 2017.

O documento relata pesquisa que resultou em um modelo teórico com pretensões

de descrever e sistematizar a eficácia das normas coletivas de trabalho no plano

espacial interno brasileiro. O problema central do estudo pode ser sintetizado na

seguinte questão: os instrumentos de contratação coletiva seriam capazes de

produzir efeitos em uma dimensão geográfica mais abrangente do que a base

territorial dos sindicatos subscritores do documento, a ponto de também

alcançarem o fato trabalho ocorrido em outra localidade? Em razão da ausência

de material bibliográfico específico sobre o tema, prospectou-se padrões

conceituais em outros ramos da ciência jurídica, tendo-se encontrado na rica

produção doutrinária em Direito Internacional Privado o substrato teórico

necessário para o enfrentamento do seu objeto. O método de investigação

empregado consistiu em se partir de uma hipótese ou conjectura, deduzir suas

consequências, aplicar testes de falseabilidade e, ao final, corroborar ou refutar

a hipótese ou conjectura inicial. Tal método permitiu validar diversas premissas

que convergiram para três postulados centrais que, em conjunto, compõem a tese

defendida pelo autor: (i) o contrato individual de trabalho não é regido,

necessariamente, pelas normas convencionais celebradas pelo sindicato cuja

base territorial compreende o local em que o trabalhador executa as suas

atividades profissionais; (ii) a relação de emprego é regida pelas normas

coletivas com as quais mantiver um relacionamento mais estreito, em

conformidade com o princípio da proximidade; (iii) é possível que diferentes

aspectos do contrato de trabalho se conectem com diferentes normas coletivas,

conforme apresentem com elas uma conexão mais estreita, tal como orienta o

método da dépeçage. Diante da indeterminação gerada pelo princípio da

proximidade, a pesquisa avançou e investigou presunções de conexão mais

estreita, evidentemente construídas de forma hipotética e apriorística,

desenvolvendo um modelo de aplicação sintetizado na sequência de enunciados

apresentada em seu capítulo conclusivo.

Palavras-chave: direito do trabalho, direito coletivo, contrato, convenção,

normas, negociação, coletiva, eficácia, aplicação, espaço, espacial, conflito.

Page 7: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

 

ABSTRACT

SUPIONI, C. Theory of the extraterritorial efficacy of collective bargaining

agreement. 226 p. Thesis (doctoral program). Pontifical Catholic University of

Sao Paulo. Sao Paulo: 2017.

This research reports findings resulted in a theoretical model, aiming to describe

and systemizing the efficacy of collective labor standards of Brazilian territorial

scope. The research problem is represented by the following question: Would

collective bargaining instruments be capable of producing effects on a

geographic area broader than the territorial base of the document’s signatory

unions, to the extent of also considering the labour occurred in another locality?

Owing to a gap in literature on the subject, similar concepts were adopted from

other branches of the legal science. The theoretical rationale was derived from

the richness of the Private International Law’s literacy, for presenting the

necessary postulations for object’s confrontation. The research method

comprised of commencing from hypothesis or conjecture, inferring its

consequences, applying tests of falsifiability and, at the end, support or refute

hypothesis or initial conjecture. Such method allowed to validate several

premises that converged into three central postulates, that altogether built the

foundation of the presented thesis: (i) the individual contract of employment is

not necessarily ruled by the conventional norms celebrated by the union, whose

territorial base lies in the place the worker performs his professional activities;

(ii) the employment relationship is ruled by collective norms whereby a closer

bond exists, in accordance with the principle of proximity; (iii) it is possible that

different aspects of labour contract may connect with different collective norms,

as they have a closer interconnection amongst them, as per the deduction’s

method guides. Despite indeterminacy caused by the proximity’s principle, this

research advanced forward and investigated assumptions of closer bonds, clearly

constructed hypothetically and aprioristically, formulating then an application

model synthesized in the sequence of statements presented in its concluding

chapter.

Keywords: labour law, collective law, contract, convention, norms, negociation,

collective, efficacy, application, territory, extraterritorial, conflict.

Page 8: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO. ...................................................................................................................... 10

1 A ORGANIZAÇÃO SINDICAL E O PLURINORMATIVISMO INTRACATEGORIAL: INTRODUÇÃO AO PROBLEMA DOS CONFLITOS ESPACIAIS DE NORMAS COLETIVAS DE TRABALHO. .................................. 25

1.1 Grupos e massas. .......................................................................................................... 27

1.2 O padrão dos regimes democráticos: sindicatos de massas. ..................................... 30

1.3 O modelo brasileiro: sindicalismo de grupos. ............................................................ 33

1.4 O problema das bases territoriais. .............................................................................. 36

1.5 Noções preliminares sobre o problema dos conflitos intersistemáticos de normas coletivas de trabalho. .................................................................................................... 38

2 REFERENCIAL TEÓRICO: O DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E OS CONFLITOS DE LEIS NO ESPAÇO. ....................................................................... 45

2.1 O Direito que transita por fronteiras. ......................................................................... 45

2.2 O amplo objeto do Direito Internacional Privado: dos conflitos internos de leis aos conflitos internormativos transnacionais ................................................................... 48

2.3 A experiência brasileira em conflitos de leis no espaço interno: o Direito Internacional Privado adotado como paradigma. ..................................................... 51

2.4 O método do Direito Internacional Privado. .............................................................. 54

2.4.1 Modelo estático: os elementos de conexão. .............................................................. 57 2.4.1.1 Local de constituição do contrato (lex loci contractus). ...................................... 58 2.4.1.2 Local da prestação de serviços (lex loci executionis). ........................................ 65 2.4.1.3 Domicílio profissional do trabalhador. ................................................................ 74

2.4.2 Modelo dinâmico: os princípios do Direito Internacional Privado. .......................... 83 2.4.2.1 Princípio da autonomia da vontade. .................................................................... 85 2.4.2.2 Princípio da proteção. ......................................................................................... 94 2.4.2.3 Princípio da proximidade. ................................................................................. 104

3 O CONFLITO INTERSISTEMÁTICO DE NORMAS COLETIVAS DE TRABALHO: O PRINCÍPIO DA PROXIMIDADE COMO PARADIGMA DE VINCULAÇÃO E SOLUÇÃO DE COLISÕES. ..................................................... 122

3.1 Sobre a capacidade de a norma coletiva de trabalho produzir efeitos fora da base territorial da respectiva entidade sindical: estudo sob os paradigmas contratual e legal. ............................................................................................................................. 122

3.2 A ruptura do padrão que define a lex loci executionis como elemento de conexão da relação de emprego às normas coletivas de trabalho (...). ................................. 135

3.3 (...) e a adoção do princípio da proximidade como padrão de vinculação da relação de emprego às normas coletivas de trabalho. ........................................................... 144

3.4 Modelo de aplicação do princípio da proximidade. ................................................. 151

3.4.1 Presunção geral de proximidade. ............................................................................ 153

3.4.2 O problema dos destacamentos internos de trabalhadores. ..................................... 165 3.4.2.1 Destacamentos transitórios................................................................................ 168

Page 9: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

 

3.4.2.2 Destacamentos provisórios................................................................................ 175 3.4.2.2.1  Disposições convencionais que versam sobre padrões econômicos e sociais e 

outras questões de aspecto predominantemente comunitário. ................ 178 

3.4.2.2.2  Benefícios convencionais atrelados ao custo de vida regional. .................. 184 

3.4.2.2.3  Recorte necessário: o problema da isonomia. ............................................ 191 

3.4.2.2.4  Disposições convencionais de trato continuado ou que envolvam terceiros.

 ..................................................................................................................... 194 

3.4.2.2.5  Normas convencionais de desenvolvimento e expansão da efetividade dos 

direitos fundamentais dos trabalhadores. .................................................. 196 

3.4.2.2.6  Relações sindicais. ....................................................................................... 198 

3.4.2.3 Destacamentos definitivos. ............................................................................... 202

3.4.3 Teletrabalho e atividades externas. ......................................................................... 203

4 CONCLUSÃO: MODELO DESCRITIVO E SISTEMÁTICO DA EFICÁCIA ULTRATERRITORIAL DAS NORMAS COLETIVAS DE TRABALHO. ........ 210

EMENTÁRIO ........................................................................................................................ 217

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ................................................................................ 221

Page 10: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

10

INTRODUÇÃO.

Repete-se à exaustão que o modelo de relações do trabalho mudou

muito ao longo das várias décadas transcorridas desde a edição da Consolidação

das Leis do Trabalho (CLT). Tal afirmação é repetida tantas vezes justamente

por corresponder com precisão à realidade da maioria dos fatos observados nas

pesquisas em Direito do Trabalho. É, também, o caso do fenômeno de fundo

examinado no presente trabalho.

A estatística oficial aponta que em 1940 a maior parte da população

brasileira, aproximadamente sete em cada dez pessoas, habitava as áreas rurais

do País (IBGE, 2006, p. 113). O remanescente populacional, embora residisse

nos chamados centros urbanos, não tinha à disposição certas facilidades hoje

bastante difundidas nas cidades. Alguns números ilustram a realidade da época:

em 1942, apenas 38% dos municípios brasileiros eram providos com serviço de

telefonia; no mesmo ano, apenas 92 aeronaves operavam em todo território

nacional e havia, em média, um veículo rodoviário coletivo de passageiros para

cada 6.422 habitantes (IBGE, 1946).

A ausência de uma base de dados mais completa não é obstáculo

para que se reconheça que, naquela época, ante as condições precárias de

transporte e comunicação, devia ser muito difícil para uma empresa administrar

centros de produção situados em localidades diferentes. É possível afirmar com

grande probabilidade de acerto que, em função desses obstáculos, as unidades

filiais de uma empresa acabavam dispondo de elevada autonomia administrativa

em relação à matriz. A atividade econômica nas cidades era desenvolvida,

sobretudo, pela empresa local.

Nesse cenário – e ainda usando o recurso das consequências lógicas

- a movimentação interna de trabalhadores devia ser acontecimento eventual,

possivelmente raro, e, na maioria das vezes, com ânimo de permanência

definitiva ou prolongada na localidade de destino. A CLT abona essa conclusão

ao reconhecer como transferência apenas o destacamento de trabalhador que

Page 11: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

11

implique, necessariamente, a mudança de seu domicílio, assimilando, portanto,

a ideia de perenidade na alteração do local de trabalho. O modelo celetista, como

se vê, não levou em conta alterações episódicas, pontuais ou transitórias de local

de trabalho; provavelmente porque essas não faziam parte da realidade da época.

É quase dizer o óbvio ao se afirmar que tal realidade mudou

sensivelmente. Nos dias atuais, parte significativa das empresas explora o amplo

mercado consumidor interno, hoje facilmente acessível por meios de

comunicação e transporte eficientes e baratos que permitem uma expansão de

sua presença no território. Se o pequeno comércio e o pequeno produtor ainda

podem resistir e se limitar ao mercado local, setores como a indústria e serviços

já ignoram as linhas que demarcam as cidades; há, para eles, um só mercado

chamado Brasil.

E o cidadão vem seguindo essa tendência e avançando pelas

fronteiras regionais. Em recente publicação, o Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística (IBGE) divulgou os resultados de pesquisa que investigou diversas

características dos maiores arranjos populacionais do Brasil e o fluxo de pessoas

que habitualmente se movimenta entre eles para fins de estudo e trabalho. O

ensaio relata que mais de 100 mil pessoas se deslocam habitualmente entre a

cidade de São Paulo e outros municípios situados fora da região metropolitana

paulistana, alguns a centenas de quilômetros, por força de sua ocupação

profissional principal (IBGE, 2016). Embora o estudo retrate apenas os

deslocamentos residência-trabalho, não contabilizando os deslocamentos

ocorridos durante o exercício da atividade profissional, é certo que ele retrata a

irrelevância das fronteiras municipais, metropolitanas, estatuais e regionais para

o trabalhador interno.

A pesquisa não localizou dados estatísticos específicos a respeito dos

deslocamentos de trabalhadores entre cidades diferentes durante o exercício da

atividade profissional ou em razão dela, porém algumas informações coletadas

ao longo da prospecção de dados sugerem que o número de ocorrências desse

tipo é bastante elevado. A Prefeitura do Município de São Paulo, por exemplo,

realiza o cadastro das empresas que, embora sediadas em outras cidades,

Page 12: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

12

realizam atividades sujeitas à incidência de Imposto Sobre Serviços de Qualquer

Natureza (ISS) destinadas a tomador estabelecido na Capital Paulista. Em

consulta ao Cadastro de Empresas de Fora do Município mantido pela Secretaria

Municipal de Finanças de São Paulo, observou-se um total de 243.092 empresas

que prestam serviços a destinatários situados no Município de São Paulo, porém

não mantêm sede ou filial na cidade (SÃO PAULO, 2017). O cadastro é

obrigatório apenas para as empresas prestadoras de serviços específicos, não

alcançando a totalidade das empresas desse setor econômico. Vale lembrar,

ainda, que as atividades industriais e comerciais não estão sujeitas ao ISS,

ficando totalmente à margem do referido cadastro.

Essa difusão espacial das atividades empresariais pode ser

constatada em outras fontes. Segundo as estatísticas do Cadastro Central de

Empresas (IBGE, 2014), o número de companhias que dispõem de mais de uma

unidade local vem aumentando em relação ao número de empresas com unidade

local única. Tomemos, como exemplo, dois segmentos industriais que se

destacam pelo emprego intensivo de mão de obra: a metalurgia e a fabricação de

automóveis. Em ambos, o percentual de empresas com mais de uma unidade

local cresceu significativamente entre 2006 e 2014 (36% e 63%,

respectivamente) ilustrando a tendência empresarial à ampliação do âmbito

geográfico de atuação.

Parece não haver dúvidas de que o perfil territorial do trabalho

mudou sensivelmente nas últimas décadas. Se no passado a prestação

profissional do trabalhador ocorria de forma concentrada no local de celebração

do contrato, hoje ela não mais se fixa no espaço de maneira estática. Um dado

adicional serve de apoio a essa afirmação: entre janeiro e outubro de 2016, um

total de 11.377 novas ações trabalhistas foram apresentadas à Justiça do

Trabalho tendo como objeto questões relacionadas à transferência do trabalhador

ou ao respectivo adicional legal (TST, 2017).

Além dessa notável mudança na amplitude territorial da prestação de

trabalho, outra alteração significativa ocorreu nas últimas décadas. Em 1942,

havia no Brasil 1.090 sindicatos, entre agremiações de empregados e

Page 13: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

13

empregadores (IBGE, 1946, p. 379). Atualmente, existem 16.465 entidades de

representação dos interesses dos trabalhadores e patrões com registro ativo no

Ministério de Trabalho e Emprego (MTE, 2017a).

Esse enorme contingente de entidades sindicais vem produzindo um

número igualmente impressionante de normas coletivas. Em consulta realizada

junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, em 14 de fevereiro de 2017,

constatou-se a existência de nada menos que 5.478 convenções coletivas e

28.301 acordos coletivos de trabalho em vigor em todo o País no momento da

pesquisa. Considerando que os acordos coletivos têm eficácia subjetivamente

delimitada, convém lançarmos atenção às convenções coletivas de trabalho, cujo

alcance atinge todos os integrantes de uma categoria profissional; no Brasil, em

um mesmo dia, havia mais de 5 mil diplomas normativos de Direito do Trabalho

em vigor. Embora o número total se refira a diversas categorias econômicas e

profissionais, algumas delas estão submetidas a um plurinormativismo que beira

a irracionalidade. A indústria da construção civil, como um todo, contava com

411 convenções coletivas de trabalho em vigor na data da consulta (MTE,

2017b).

Esse plurinormativismo intracategorial, aliado à cada vez mais

intensa mobilidade interna de trabalhadores, constitui um ambiente perfeito para

o surgimento de colisões entre diferentes sistemas legais. O setor da construção

civil, acima destacado nas estatísticas sobre normas coletivas, é um bom

exemplo. Tal segmento da economia é movimentado pela demanda de serviços

e não por sua oferta, ou seja, o construtor é acionado para realizar a obra no local

do cliente, e não o oposto. Sabe-se, ainda, que as atividades realizadas pelas

construtoras sempre assumem um caráter de transitoriedade, o que faz com que

os trabalhadores, ao final da obra, sejam destacados para outro local. Tais fatores

constituem uma fórmula perfeita para o presente estudo: são trabalhadores que

se movem de forma sucessiva por diferentes cidades, estados e regiões, algumas

vezes se fixando em um local por curtíssimos períodos, outras vezes por períodos

mais prolongados.

Page 14: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

14

Um trabalhador da construção civil, por exemplo, é destacado para

realizar um trabalho com duração de uma semana em uma cidade diversa

daquela em que o seu contrato foi celebrado ou que, no momento, estava sendo

executado. Durante esse período, a empresa deverá aplicar a norma coletiva

celebrada pelo sindicato que possui base territorial na cidade para a qual ele foi

enviado, ou deverá continuar respeitando as disposições da norma coletiva que

vinha sendo aplicada, convencionada pelo sindicato sediado no local de origem?

Algumas situações devem ser levadas em conta antes da resposta.

Vamos supor que a convenção coletiva vigente na origem preveja um adicional

de horas extras de 60%, enquanto a norma coletiva em vigor na cidade de destino

o estabeleça em apenas 50%. Seria razoável aplicar a norma coletiva da cidade

de destino nesse caso? Os trabalhadores que ficaram na cidade originária, que

não sofreram o desgaste da viagem e os transtornos que a distância da residência

causa a qualquer pessoa, devem receber um adicional de horas extras em

percentual superior, enquanto o trabalhador destacado, já em condição de maior

desgaste físico e mental, deve receber um valor menor pelo mesmo título? Por

outro lado, suponha-se que o valor do subsídio para alimentação (vale refeição)

previsto na norma coletiva da cidade de destino seja maior e assim tenha sido

convencionado porque o custo de vida naquela localidade é maior do que o custo

de vida médio na cidade de origem. Seria razoável que, nesse último caso, o

trabalhador tivesse sua alimentação prejudicada porque a empresa o destacou

para um local em que os custos com refeição não podem ser supridos pelo tíquete

alimentação fornecido?

Outras questões poderiam ser adicionadas ao problema. Imagine-se

que, justamente naquela semana, ocorra o reajuste coletivo anual da categoria na

cidade de destino. O trabalhador destacado seria beneficiado? E se, juntamente

com essa nova convenção coletiva que estabeleceu o reajuste, estiver prevista

uma participação nos lucros em valor inferior à prevista na convenção da cidade

de origem. Ele receberia menos que seus colegas apenas porque permaneceu

uma semana em outra cidade?

Page 15: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

15

Como se observa, tanto faz afirmar que deva ser aplicada a norma

coletiva convencionada pelo sindicato da cidade de destino ou a norma subscrita

pela entidade do local de origem; em ambos os casos, o resultado será

insatisfatório, incompleto e, como consequência, não atenderá aos anseios de

justiça, igualdade e racionalidade; mais ainda, esse único trabalhador perderá a

sua identificação com o grupo originário de trabalhadores, na medida em que

poderá ser tanto privado de alguns direitos como beneficiado com outros; em

qualquer uma dessas situações ele se tornará um caso único e isolado na empresa.

As questões acima cogitadas constituem apenas algumas das

diversas variáveis que devem ser levadas em conta no enfrentamento do

problema. Se alguém defender que o trabalhador destacado deverá se sujeitar às

normas coletivas subscritas pelo sindicato da cidade de destino, então estará

propondo a premissa de que a relação de emprego é regida pela norma coletiva

celebrada pelo sindicato que tiver base territorial no local da prestação de

serviços; em sentido contrário, caso se afirme que se deva manter a aplicação

das normas coletivas da cidade de origem, então a premissa defendida será a

oposta, a de que o contrato de trabalho rege-se pelas normas coletivas vigentes

no local da contratação ou no domicílio do contrato de trabalho.

Defender a primeira premissa (norma do local de destino) equivale

estabelecer uma regra que em alguns casos pode ser inexequível, o que lhe

retiraria eficácia por ausência de concreção no plano empírico. Basta imaginar,

por exemplo, um técnico que realiza manutenções que demandam poucas horas

e são realizadas em clientes situados em diferentes cidades, cada uma delas base

territorial de um sindicato distinto. Se esse técnico permanecer um dia em cada

cidade ou, cenário mais complexo ainda, executar atividades em duas ou mais

cidades em um único dia, como seria possível aplicar normas coletivas diversas

para períodos tão curtos? Se uma dessas normas prescrever, por exemplo, uma

estabilidade pré-aposentadoria, como essa disposição poderia ser fragmentada?

Do outro lado, sustentar a continuidade da aplicação das normas

coletivas da origem implicaria solução que ignora as diferenças econômicas

regionais e seu impacto nos direitos previstos nos instrumentos de contratação

Page 16: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

16

coletiva; além disso, deixaria os empregados destacados transitoriamente por

tempo maior – meses, anos – à margem dos direitos que são assegurados aos

trabalhadores locais.

A pesquisa, a seguir relatada, se dedicou a construir um modelo

teórico capaz de descrever e sistematizar a eficácia das normas coletivas de

trabalho no espaço. Ao pensarmos em eficácia espacial, estamos introduzindo o

seguinte problema: os instrumentos de contratação coletiva são hábeis para reger

o fato trabalho ocorrido apenas dentro da base territorial do sindicato subscritor

do documento ou, diversamente, tais normas produzirem efeitos em uma

dimensão espacial mais ampla, a ponto de também alcançarem o trabalho

prestado em localidade distinta, inserida na base territorial de outra agremiação

sindical? Se a pesquisa concluir pela eficácia espacial mais aberta, caberá a ela

o ônus de propor uma modulação para tais efeitos ultraterritoriais das normas

coletivas de trabalho.

O título que foi dado ao trabalho antecipa ao leitor o resultado que a

pesquisa alcançou. E não há nada de extraordinário nele. Basta nos afastarmos

um pouco e lançarmos um olhar panorâmico sobre a ciência jurídica: se até as

leis de um Estado soberano são capazes de produzir efeito dentro do território de

outra nação, alcançando pessoas lá situadas, fatos lá ocorridos e relações

jurídicas lá desenvolvidas, por que o mesmo não poderia ocorrer no plano interno

em relação às normas coletivas de trabalho, estas que sequer envolvem

problemas de soberania ou de ordem pública? A extraterritorialidade da lei é

absolutamente assimilada pelo Direito Penal, pelo Direito Administrativo, pelo

Direito Tributário e por todo o Direito Privado, a ponto de empolgar a

consolidação de um ramo específico da ciência jurídica dedicado a estudar e a

organizar tal fenômeno. E o Direito do Trabalho não excepciona tal carga

eficacial da lei, como será visto no corpo do presente relatório.

A expressão eficácia ultraterritorial é adotada pela presente pesquisa

como referente à capacidade de um instrumento de contratação coletiva alcançar

o fato trabalho ocorrido em local diverso da base territorial do sindicato que o

formalizou. Devemos entender como fato trabalho o adimplemento da prestação

Page 17: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

17

característica do contrato de emprego, portanto, a execução das atividades

laborais de encargo do trabalhador.

Alguns esclarecimentos adicionais devem ser feitos quanto ao título

do trabalho. O primeiro deles diz respeito à utilização do prefixo ultra e não do

prefixo extra, comumente empregado em Direito Penal e também visto com

frequência no Direito Internacional. O prefixo extra é utilizado em referência à

capacidade que a lei possui de alcançar um fato ocorrido no exterior, em

localidade situada além das fronteiras nacionais. O primeiro motivo para a

utilização do prefixo ultra foi a necessidade de se criar uma marca distintiva

desse efeito transnacional, uma vez que o presente documento relata pesquisa

que tem por objeto a eficácia das normas coletivas de trabalho no plano espacial

interno do Brasil. Não se insere em seu escopo a eficácia de tais normas no

âmbito internacional, apesar de algumas conclusões alcançadas no estudo

poderem ser aplicadas às designações de trabalhadores para território

estrangeiro.

O segundo motivo relaciona-se com o fato de que a expressão ultra

tem um sentido mais consentâneo com a ideia de expansão, ampliação,

transbordamento. É exatamente a ideia que a pesquisa propõe, a de que as

normas oriundas da contratação coletiva não operam apenas sobre o fato trabalho

ocorrido na base territorial do sindicato que a subscreveu, mas expandem,

ampliam, transbordam a sua força eficacial para reger o trabalho prestado além

desse âmbito geográfico.

O terceiro e último motivo está relacionado ao fato de que a eficácia

ultraterritorial das normas coletivas de trabalho, como se verá, será deflagrada

principalmente nos casos de destacamento do trabalhador para outra localidade,

situação em que o contrato de trabalho poderá se manter, no todo ou em parte,

sob a regência da norma coletiva do local de origem. Essa espécie de

arrastamento da norma coletiva de um local para o outro parece ser mais bem

representada pelo prefixo ultra do que pelo prefixo extra.

Page 18: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

18

E por que se trata de uma teoria? Karl Popper (2013, p. 53) explica

que uma teoria é como uma rede que lançamos para capturar o mundo de nossas

experiências; é um conjunto de enunciados universais que se propõe a

racionalizar, explicar e dominar um fenômeno ou uma ciência empírica. Foi tal

definição de Popper que nos motivou a tratar o presente trabalho como uma

teoria. E assim o fizemos porque a eficácia ultraterritorial das normas coletivas

constitui um fenômeno concreto, real, facilmente observável por qualquer

profissional ou pesquisador do Direito do Trabalho. É absolutamente comum

que trabalhadores sejam designados para realizar trabalhos pontuais de

curtíssima duração em localidades diversas – linhas atrás demos o exemplo de

um técnico que realiza manutenções em clientes da empresa por um único dia

ou por poucas horas. Seria razoável exigir que a empresa aplicasse as normas

coletivas do local de destino por um único dia ou, o que seria mais complexo

ainda, por algumas horas? É uma exigência concretamente exequível? O plano

empírico responde negativamente: nenhuma empresa procede dessa forma,

sendo invariável que elas mantenham a aplicação das normas coletivas do local

de origem nesses curtos deslocamentos. E o mais representativo: não se

observam ações trabalhistas questionando tal procedimento, o que significa que

existe, no plano social, a assimilação da ideia de que o fato trabalho pode ocorrer

em um local, porém ser regido por normas coletivas oriundas de outro lugar.

O exemplo acima diz respeito a um trabalhador deslocado por

poucas horas ou por um dia inteiro, o que pode parecer uma situação singular a

ponto de não representar um fenômeno efetivamente relevante do ponto de vista

científico. Discordamos de tal objeção. O tempo de duração do destacamento do

trabalhador – poucas horas, alguns dias, alguns meses – é um problema que será

examinado por ocasião da modulação dos efeitos ultraterritoriais das normas

coletivas. O que importa nesse momento é apenas ressaltar que a possibilidade

de a norma coletiva alcançar o trabalho prestado em outro lugar é um fenômeno

real, assimilado por empregadores e trabalhadores. Isso é suficiente para

despertar o interesse científico de racionalizá-lo, explicá-lo e dominá-lo, como

quer Popper.

Page 19: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

19

A respeito do método da pesquisa, deparamo-nos com um problema

inicial que, posteriormente, se mostrou um valioso instrumento para o

desenvolvimento do trabalho: a ausência de material bibliográfico específico

sobre o tema.

Os países que de fato reconhecem a liberdade sindical não concebem

a ideia de base territorial. Neles, os coletivos de trabalhadores – que aqui

conhecemos como categorias profissionais – se autodeterminam, ou seja,

definem seu próprio alcance subjetivo, objetivo ou territorial. O sindicato

descreve e demarca a sua categoria, sendo o único representante dela; o

trabalhador passa a integrá-la no momento em que se filia ao sindicato e então

passa a se sujeitar às normas convencionais unicamente celebradas por ele. Não

existe conflito espacial interno de normas coletivas, embora possam existir

hierárquicos ou de legitimidade negocial, com os quais não nos ocupamos na

presente pesquisa. Na literatura estrangeira em Direito do Trabalho, não se

encontra, portanto, material bibliográfico específico em relação ao conflito de

normas coletivas no espaço interno.

No Brasil, diferentemente, vários sindicatos representam a mesma

categoria profissional, cada um deles atuando em uma área geográfica

específica. A mesma categoria, cujo trabalhador integra independentemente de

sua vontade, é regulada por diversas normas coletivas simultâneas, celebradas

pelas entidades de classe que a representam. É no momento em que a relação de

emprego tangencia diferentes ordens convencionais que surge o problema do

conflito interespacial de normas coletivas de trabalho.

Apesar de ser uma realidade muito próxima do modelo de

organização sindical vigente no Brasil, também não se observa entre nós material

doutrinário que tenha se dedicado ao enfrentamento do assunto. A pesquisa

encontrou uma superficial menção à eficácia ultraterritorial das normas coletivas

em Ronaldo Lima dos Santos (2014, p. 217), no ponto em que o referido autor

afirma que uma situação de transferência provisória não seria capaz de alterar o

estatuto jurídico do trabalhador, que continuaria vinculado às normas coletivas

do local de origem. Embora a obra de Santos seja de grande valor científico, não

Page 20: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

20

presta contribuição para a presente pesquisa, na medida em que veicula

conclusões sem apresentar a correspondente construção teórica que lhes dê

sustentação.

Essa escassez de material bibliográfico específico, assustadora no

início, acabou se mostrando de grande valia, pois nos obrigou a ampliar o campo

de investigação científica para além das fronteiras do Direito do Trabalho. A

busca por modelos conceituais nos conduziu ao ramo da ciência jurídica

dedicada quase que exclusivamente ao problema do conflito de leis no espaço:

o Direito Internacional Privado. E a imersão nessa disciplina revelou dois

achados preciosos: o primeiro, amplamente conhecido, é que ela permeia todo o

Direito Privado, o que evidentemente inclui o Direito Laboral; o segundo, é que,

a despeito de sua denominação, o Direito Internacional Privado se aplica em sua

plenitude aos conflitos de leis ocorridos no espaço infranacional.

Existe um farto e riquíssimo material doutrinário em Direito

Internacional Privado que pode ser encontrado em importantes autores europeus,

nos minuciosos estudos do Conflict of Laws norte-americano e na fantástica

doutrina brasileira, representada por autores como Haroldo Valladão, Oscar

Tenório, Amílcar de Castro, Irineu Strenger, Jacob Dolinger, Carlos Roberto

Husek, dentre outros.

O Direito Internacional Privado restou definido como referencial

teórico da pesquisa, o qual está examinado no capítulo dois do presente relatório.

Ainda nesse capítulo, o estudo enfrentou a seguinte questão: uma relação de

emprego transnacional - caso do destacamento de um trabalhador para o exterior

- deve ser regida pelo Direito que qual país? O Direito do país de origem, o

Direito do país de destino ou ambos? Para responder a essa indagação, foi

necessário examinar o que faz uma determinada relação jurídica se conectar a

uma ordem jurídica específica, ou seja, investigar como se estabelece a ligação

entre fato jurídico e lei. O estudo analisou os clássicos elementos de conexão do

Direito Internacional Privado, focalizando aqueles eventualmente aplicáveis no

âmbito das relações de trabalho; em seguida, partiu-se à análise dos modernos

princípios de Direito Internacional Privado, dos quais decorrem regras de

Page 21: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

21

conexão dinâmicas e que vêm, já há bastante tempo, substituindo o padrão

estático dos primeiros.

A pesquisa identificou que um desses princípios em particular

ganhou assento em praticamente todos os tratados e acordos internacionais

contemporâneos, integra a legislação interna recente de diversos países, conta

com o amplo apoio da doutrina atual, que o reconhece como o mais importante

instituto moderno do Direito Internacional Privado, e já foi invocado pela

jurisprudência trabalhista brasileira em diversas ocasiões.

O método de investigação empregado consistiu em se partir de uma

hipótese ou conjectura, deduzir suas consequências, aplicar testes de

falseabilidade e, ao final, corroborar ou refutar a hipótese ou conjectura inicial.

Tal método permitiu validar diversas premissas, as quais, em conjunto,

construíram um modelo de solução dos conflitos de normas trabalhistas no

espaço.

Em posse desse modelo, a pesquisa caminhou para o enfrentamento

de sua questão central, atacada no capítulo três, em que se discute propriamente

o problema da vinculação do contrato individual de trabalho a uma ordem

normo-convencional específica.

É nesse ponto que a pesquisa apresenta a sua tese central, que pode

ser sintetizada em três postulados: (i) o contrato individual de trabalho não é

regido, necessariamente, pelas normas convencionais celebradas pelo sindicato

cuja base territorial compreende o local em que o trabalhador executa as suas

atividades profissionais; (ii) a relação de emprego é regida pelas normas

coletivas com as quais mantiver um relacionamento mais estreito, em

conformidade com o princípio da proximidade; (iii) é possível que diferentes

aspectos do contrato de trabalho se conectem com diferentes normas coletivas,

conforme apresentem com elas uma conexão mais estreita, tal como orienta o

método da dépeçage.

Page 22: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

22

O princípio da proximidade, como será visto, constitui um comando

de ordem valorativo-finalístico, a orientar que uma determinada situação jurídica

deve se conectar à lei (aqui, às normas coletivas) que se apresentar como mais

adequada, mais congruente, mais adaptada, mais intimamente ligada aos fatos e

às partes, enfim, a lei que se mostrar mais próxima da questão concreta

examinada. O princípio da proximidade produz uma regra de conexão específica

para cada caso, razão pela qual é reconhecido como o melhor instrumento para

obtenção de uma solução racional, coerente e justa.

Diante de tal indeterminação gerada pelo princípio da proximidade,

a pesquisa avançou e passou a investigar algumas presunções de conexão mais

estreita, evidentemente construídas de forma hipotética e apriorística. Além dos

objetivos citados no relatório, a opção de se conjecturarem algumas presunções

de proximidade decorreu da vontade, para nós uma necessidade, de se organizar

todo o conhecimento produzido pela pesquisa em um modelo teórico

imediatamente aplicável às relações de trabalho, de forma a dar maior concreção

à investigação científica realizada. Esse modelo está sistematizado na sequência

de enunciados apresentada no capítulo conclusivo do relatório.

O primeiro capítulo restou citado por último não por descuido.

Referida seção acabou sendo totalmente reescrita após a consolidação de

algumas ideias nascidas de algumas reflexões sobre o modelo de organização

sindical brasileiro. Em sua redação primitiva, o primeiro capítulo do trabalho

sintetizava e analisava criticamente a doutrina brasileira em relação a institutos

que, até então, reputávamos importantes para o posterior enfrentamento do

problema da pesquisa; questões como a natureza jurídica dos sindicatos e das

normas coletivas de trabalho, conceitos de categoria profissional e categoria

diferenciada, tipologia dos instrumentos de contratação coletiva, o problema da

representação e da representatividade sindical, dentre outras questões, habitavam

esse espaço. A ruptura com tal estrutura ocorreu por duas razões principais: a

primeira delas foi a constatação de que as questões mencionadas não

interessavam verdadeiramente à pesquisa. Como consta no corpo do relatório, é

irrelevante se a norma coletiva é um instrumento contratual ou um instrumento

de natureza legislativa, uma vez que a norma jurídica que emana de um contrato

Page 23: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

23

obriga tanto quanto a norma que emana de uma lei; do ponto de vista do objeto

sobre o qual ela recai - o contrato individual de trabalho - a sua força jurídica

não se altera, ainda que a consideremos ter esta ou aquela natureza.

O segundo motivo é o não compartilhamento de algumas ideias. A

doutrina brasileira em Direito Coletivo do Trabalho, muitas vezes, porta-se como

um prisioneiro que desenha uma árvore na parede de sua cela para se imaginar

mais livre do que realmente é. Isso fica nítido nas discussões sobre a natureza

jurídica dos sindicatos, para muitos definidos como associações privadas de

caráter coletivo. Com todo respeito aos gigantes que se dispõem a falar sobre

Direito Coletivo no Brasil, não conseguimos conceber que um ente que exerce a

representação do trabalhador, mesmo contra a sua vontade, possa ser chamado

de associação. Melhor seria se o reconhecêssemos logo de uma vez como ele

realmente é: um ente legislativo não estatal. Não há nada de inovador nisso. O

Estado contemporâneo delega parte de suas atribuições a entidades privadas,

assim como ocorre, por exemplo, com as Organizações da Sociedade Civil de

Interesse Público, que, por meio de parcerias com o Poder Executivo, realizam

atividades próprias deste. Indo além, é possível dizer que a Lei de Arbitragem

delegou à iniciativa privada parte da competência de pacificar os conflitos

sociais, até então monopólio do Poder Judiciário. Não é diferente com as

atribuições regulatórias do Poder Legislativo, que há muito foram distribuídas a

entes não estatais como os conselhos profissionais (OAB, CRM, CREA, etc.) e

outras entidades, como a ABNT, por exemplo.

Essas constatações nos deram a liberdade para nos afastarmos de

discursos consagrados como verdadeiros e apoiarmos todo o primeiro capítulo

apenas em um exercício de racionalidade, evidentemente derivado de nossas

experiências pessoais.

Apenas mais duas notas devem ser feitas a título introdutório. A

primeira é que o presente trabalho emprega expressões diferentes para fazer

referência aos atos normativos decorrentes da contratação coletiva, porém todas

elas devem ser compreendidas como relativas a qualquer um desses documentos,

indistintamente. É que a pesquisa não se ocupa com o problema dos conflitos

Page 24: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

24

hierárquicos de normas coletivas, ou com os efeitos de tais atos jurídicos sobre

os contratos individuais de trabalho, ou com outras dimensões de eficácia de

referidos instrumentos, como a temporal, por exemplo. Em relação ao único tipo

de eficácia investigada na pesquisa - a espacial - não há qualquer diferença se a

norma provém de uma convenção coletiva de trabalho, de um acordo coletivo de

trabalho, de um laudo arbitral ou de uma sentença normativa. Esses dois últimos

instrumentos não são citados no relatório (há apenas uma referência superficial

às sentenças normativas) porque um deles é tão raro a ponto de não justificar

maior espaço do que esse único parágrafo e o outro, mais comum, constitui uma

interferência antidemocrática na negociação coletiva que esperamos seja

extirpada da nossa ordem jurídica juntamente com a unicidade sindical e a

organização dos entes coletivos exclusivamente em categorias.

Por fim, o leitor não observará muitas referências aos sindicatos

patronais, o que pode parecer uma omissão de nossa parte. É que,

tradicionalmente, realizamos a vinculação do contrato de trabalho a uma ordem

normativa a partir do local em que o trabalhador executa as suas atividades

profissionais. Embora a tese defendida na pesquisa contrarie esse preceito, ela

confirmará que a conexão do contrato de trabalho às normas coletivas se faz,

como regra, a partir do polo laboral da relação de emprego. É por essa razão, e

para manter o discurso sempre em um mesmo sentido, que o estudo optou por se

concentrar nos sindicatos de trabalhadores.

 

Page 25: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

25

1 A ORGANIZAÇÃO SINDICAL E O PLURINORMATIVISMO

INTRACATEGORIAL: INTRODUÇÃO AO PROBLEMA

DOS CONFLITOS ESPACIAIS DE NORMAS COLETIVAS

DE TRABALHO.

O Brasil adota um modelo de organização sindical muito particular,

possivelmente sem paralelo em países democráticos, que se destaca por

restringir, ex lege, a autodeterminação dos trabalhadores de se filiarem ou de

constituírem livremente uma entidade coletiva para a defesa e representação de

seus interesses.

Dentre os mecanismos supressores dessa esfera de liberdade,

encontra-se o critério de agregação dos trabalhadores em torno de um sindicato.

Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), um sindicato só pode ser

criado a partir de um grupo de trabalhadores definido segundo um critério de

classificação fixado na lei: seus integrantes devem compartilhar uma “similitude

de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação

de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas

similares ou conexas” (art. 511, § 2º). Esse padrão de classificação dos grupos

de trabalhadores que poderão ser representados por sindicatos recebe o nome de

categoria profissional

Categoria profissional é uma construção jurídica apriorística que

delimita a dimensão subjetiva do sindicato e, com tal demarcação, acaba

rejeitando a existência de entidade que com ela não se identifique.

A CLT, editada há tantos anos, veicula uma definição de categoria

bastante restritiva e que, de forma impressionante, vem sendo utilizada desde

então. Essa longevidade conceitual pode resultar da adoção de vetores

hermenêuticos invertidos, o que, se assim confirmado, nos posicionaria diante

de um erro fundamental até então despercebido e que talvez seja o grande

obstáculo ao desenvolvimento da liberdade sindical no Brasil. Necessárias

algumas explicações, porém já deixando claro que este não é o objeto da

Page 26: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

26

pesquisa ora relatada, razão pela qual nos sentimos à vontade para apenas

tangenciar o problema.

A questão pode ser enunciada de forma bastante simples, embora sua

solução esteja muito longe disso: ao falar em “categoria profissional ou

econômica” (art. 8º, II), a Constituição Federal de 1988 estaria fazendo

referência ao conceito de categoria até então existente na CLT ou ela estaria

atribuindo ao instituto uma nova dimensão, mais consentânea com o pluralismo

que a própria Carta adota com princípio fundamental (art. 1º, V)? Em outras

palavras, a “categoria” a que se refere a Constituição Federal de 1988 seria a

mesma a que se refere a CLT?

A solução dessa questão passaria necessariamente pelo problema da

adequação da legislação infraconstitucional preexistente a uma nova ordem

constitucional, tema que dispõe de riquíssimo acervo doutrinário. É justamente

nesse ponto que o pesquisador deverá colocar os vetores hermenêuticos na

posição correta (se é que é possível fixá-los de forma estática de algum modo) e

enfrentar algumas questões fundamentais. Uma nova constituição deve ser lida

e compreendida a partir do padrão da velha norma infraconstitucional, ou seja,

devemos fazer uma interpretação retrospectiva da lei, ou o correto seria analisá-

la de forma prospectiva, de sorte que a lei antiga é que seja adaptada às evoluções

do novo sistema constitucional? Ainda, devemos interpretar a Constituição

Federal a partir das leis ordinárias, adotando um vetor exegético ascendente, ou

o correto seria o inverso: deveríamos reinterpretar as normas infraconstitucionais

em vigor de maneira a conformá-las com a nova constituição? O enfrentamento

dessas questões pode conduzir à conclusão de que o conceito de categoria hoje

adotado no Brasil não é tão inflexível e encerrado em rigorosos limites legais,

como se imagina. Poderia, até mesmo, levar à afirmação de que a “categoria

profissional” a que se refere a Constituição Federal de 1988 nada mais é do que

a massa de trabalhadores conformada pela organização de um sindicato, ou seja,

categoria seria aquilo que o sindicato diz ser e não o que a lei afirma ser.

A ideia recém exposta – que, por não ter integrado o objeto da

pesquisa ora relatada, fica aqui lançada apenas em obter dictum – abre o espaço

Page 27: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

27

para algumas considerações a respeito do processo de formação e das

características das entidades sindicais de trabalhadores. Para compreender tal

fenômeno complexo, que se projeta para além dos limites teóricos da ciência

jurídica, substituiremos a ideia de categoria profissional, pelo menos por ora, por

dois conceitos que serão úteis mais adiante: o grupo e a massa.

1.1 Grupos e massas.

Todos nós possuímos determinadas características comuns aos

indivíduos da nossa espécie, como o uso da razão, o domínio da comunicação

verbal, a consciência sobre a morte, etc. Essas características são os

identificadores gerais que nos reúnem em um grande grupo representado pela

espécie humana. A esse grande contingente de indivíduos, daremos o nome de

acervo.

Além dos caracteres gerais, compartilhamos experiências e

características específicas com outras pessoas. Trata-se de particularidades que

permitem segmentar o grande grupo, o acervo, em conjuntos menores, em

grupos de indivíduos. Assim, v. g., as pessoas que votaram em um mesmo

candidato em uma eleição, ou que sejam torcedores de um mesmo time de

futebol, ou que exerçam uma mesma profissão constituem grupos particulares

de indivíduos que podem ser destacados do acervo geral. Chamaremos esses

conjuntos menores singelamente de grupos.

Um grupo é formado por indivíduos coletados do acervo em função

da presença de uma característica comum entre eles. Tal característica pode ser

qualquer uma – o voto na última eleição, a equipe esportiva de preferência, a

profissão exercida, apenas para ficar nos exemplos já citados – e é escolhida por

aquele que pretenda formar o conjunto de pessoas. É a partir da escolha de uma

característica específica que é possível formar um correspondente grupo.

Page 28: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

28

Os grupos são formados a partir de características específicas já

pertencentes aos seus integrantes. São características preexistentes à reunião dos

sujeitos em um conjunto. Por essa razão, podemos dizer que são características

externas ao ente coletivo em si, tomado como uma unidade, embora sejam

intrínsecas aos seus integrantes.

Um grupo é resultado do ato racional de classificação dos indivíduos

pertencentes ao acervo geral de acordo com a presença de alguma característica

comum a seus integrantes. É comparativamente o que a taxonomia faz ao

classificar as espécies biológicas em gêneros, famílias, ordens, etc. As

dimensões objetivas, subjetivas, espaciais e temporais de um grupo dependerão

diretamente da marca distintiva dos seus indivíduos escolhida pelo sujeito que o

organizou1. Assim, por exemplo, um grupo formado por pessoas que trabalham

- a ação de trabalhar seria o identificador específico de seus indivíduos – terá

dimensões subjetiva, espacial e temporal amplas, pois ele compreenderá todas

as pessoas que exercem uma atividade remunerada (ou não remunerada,

conforme se conceitue trabalho), seja por conta própria ou de forma subordinada,

em qualquer lugar e a qualquer tempo.

Diferentemente ocorreria, como exemplo, com um grupo formado

pelos trabalhadores de certo estabelecimento de uma empresa específica. Neste

caso, ainda que a dimensão do grupo também variasse no tempo, dado que

poderão ocorrer admissões e desligamentos, ela não teria a mesma

indeterminação espacial do grupo dado no exemplo anterior, uma vez que seus

integrantes teriam localização restrita e facilmente identificável. O grupo,

portanto, teria uma base territorial determinada, para já introduzirmos na

discussão uma expressão que será enfrentada adiante.

Como se observa, o grupo pode ter uma abrangência territorial

determinada ou não, a depender do elemento identificador dos indivíduos que o

                                                            1 Evidentemente, não estamos mais falando classificação biológica, que possui bases científicas objetivas. A expressão “grupo” é adotada em sentido lato, sem levar em conta situações pontuais que não interessam à pesquisa.

Page 29: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

29

compõem e que foi escolhido pelo sujeito organizador. A massa, entretanto,

comporta-se de forma um pouco diferente.

A expressão massa é empregada neste relatório em um sentido

bastante específico, que tem como referente mais próximo a ideia de um corpo

coletivo de indivíduos interligados socialmente. Não se trata de um mero

contingente de pessoas reunidas a partir de um critério de classificação qualquer,

mas sim um conjunto de homens e mulheres conectados por algum elemento

efetivo que os une. A massa não é apenas a reunião de indivíduos em um grupo;

é mais do que isso, ela se constitui por um corpo homogêneo de pessoas atreladas

por um vínculo interno concreto.

A massa pode ou não ter origem em um grupo, pois são fenômenos

distintos e independentes. Enquanto este é dado puramente conceitual – um

simples ato de vontade do sujeito que o organiza – aquela inclui a presença de

um elemento aglutinador específico. O componente de adesão da massa vai além

da singela existência de características comuns entre os integrantes de um

conjunto de pessoas; estas interessam apenas à classificação que dá origem ao

grupo. O elemento que consolida a massa cria um corpo coletivo com identidade

própria. O elemento aglutinador da massa, portanto, é algo que imanta os seus

integrantes em um vínculo consistente e permanente.

A massa se consolida quando os seus indivíduos passam a se

conectar uns aos outros de maneira que o corpo coletivo, até então uma singela

reunião de pessoas, espontânea ou não, passe a ser homogêneo, coeso, estável e

dotado de uma identidade própria. Tal conexão, para produzir tal efeito, deve ser

assimilada pelos integrantes do grupo, não lhes podendo ser imposta;

corresponde, assim, a um dado cognoscitivo. O elemento aglutinador da massa

é, portanto, o vínculo interno que se estabelece entre os sujeitos do grupo.

Ao contrário das características que conformam o grupo, o elemento

adensador da massa não é preexistente à reunião dos indivíduos, mas sim

posterior à formação do conjunto de pessoas. Por essa razão, não se trata de um

atributo individual, algo pertencente ao sujeito isoladamente considerado. O

Page 30: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

30

elemento que consolida a massa existe apenas porque a coletividade existe. É,

portanto, um atributo interno do ente coletivo em si.

Em linhas anteriores, servimos como exemplos de grupos os

coletivos de pessoas que tenham votado em um mesmo candidato em uma

eleição, ou que apoiem o mesmo time de futebol ou que exerçam a mesma

profissão. Tais grupos passarão à condição de massa no momento em que os seus

integrantes estiverem conectados mutuamente em um vínculo de unidade, de

fraternidade, de homogeneidade, de coesão, de pertencimento a este ente

coletivo específico. É com a consolidação desses grupos em massas que decorre

o surgimento do respectivo partido político, da torcida organizada ou do

sindicato de trabalhadores.

É pouco provável que indivíduos que não compartilhem laços diretos

ou não estejam inscritos na mesma ordem fático-social sejam capazes de,

efetivamente, nutrirem-se mutuamente com os atributos capazes de catalisar a

massa. Talvez seja mais fácil identificar esse fenômeno se focalizada a questão

no universo das relações de trabalho. Para tanto, adote-se como exemplo os

trabalhadores de algum setor da economia que seja universal, como é o caso da

construção civil; é difícil imaginar – e empiricamente não ocorre – que operários

brasileiros mantenham laços concretos de fraternidade com operários

australianos. Há, entre todos esses indivíduos, um identificador comum que os

agrega em um grupo: são operários da construção civil; não há, entretanto, o

elemento de massa de que tratamos. Retornaremos a essa questão mais adiante.

1.2 O padrão dos regimes democráticos: sindicatos de massas.

A vasta historiografia das organizações sindicais dá conta de que as

primeiras coalisões de trabalhadores teriam surgido como fenômeno diretamente

relacionado às precárias condições de trabalho que se seguiram às revoluções

dos séculos XVIII e XIX. As primeiras organizações estáveis de trabalhadores

teriam sido constituídas como núcleos depositários das forças de seus

Page 31: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

31

integrantes, as quais, potencializadas pela adição de umas às outras,

transformariam o corpo coletivo em um ente forte o bastante para contrapor o

poder dos detentores dos meios de produção.

Se o relato histórico estiver correto, seria então possível afirmar que

as primeiras massas de trabalhadores foram catalisadas por uma situação fática

específica e concretamente vivida por seus integrantes. As condições precárias

de trabalho e o compartilhamento das mesmas experiências laborais teriam

criado uma identidade comum, um sentimento de unidade que imantou os

trabalhadores uns aos outros e serviu como elemento aglutinador dos primeiros

sindicatos.

Se de fato as primeiras organizações de trabalhadores foram forjadas

pela necessidade de reação a um contexto de exploração e precariedade, então

seria possível deduzir que o caminho percorrido até a constituição desses entes

teria como ponto de partida o despertar da consciência individual de injustiça,

passaria pela agregação e consolidação da massa de trabalhadores e culminaria

com a formação de uma entidade estável para defender os interesses dos seus

indivíduos. Quando falamos em agregação e consolidação da massa, ainda não

estamos fazendo referência a qualquer ato jurídico ou formal, mas sim à simples

constatação de uma identidade comum que a materializa. Da mesma maneira, a

formação de um organismo permanente de defesa ainda não pressupõe qualquer

formalidade jurídica, mas apenas a vontade de seus integrantes de criá-lo.

O movimento sindical transitou por fases de clandestinidade,

criminalização, tolerância, cooptação pelo Estado, até atingir o momento atual

de sua evolução, a plena liberdade de organização, filiação e atuação - exceto no

Brasil, talvez caso único dentre os países ditos democráticos. O processo de

desenvolvimento da liberdade sindical é riquíssimo, pois reflete mais do que a

história do sindicalismo; ilustra, também, a consolidação da democracia no

mundo.

A consolidação do movimento sindical alterou o modo como os

trabalhadores passaram a lidar com os conflitos de interesses que os opõem aos

Page 32: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

32

seus empregadores. Tal mudança atingiu, sobretudo, a consciência deles

próprios - os trabalhadores - a respeito do papel que eles desempenham ou devam

desempenhar no concerto capital-trabalho. Os trabalhadores se deram conta de

que não precisam atuar de forma meramente reativa a uma determinada situação,

como coadjuvantes passivos dos acontecimentos; eles perceberam que são

agentes ativos dos fatos e protagonistas de seus próprios destinos.

A partir da constatação de que os trabalhadores podem se antecipar

ao conflito, o movimento sindical mudou de feições. O sindicato deixou de ser

apenas um recurso de defesa e reação para se tornar um instrumento de proteção

de todos os trabalhadores, independentemente das condições de trabalho por eles

efetivamente enfrentadas. Os entes coletivos de trabalhadores passaram a atuar

na implementação de melhores condições sociais aos seus integrantes e não

apenas em reação a situações específicas.

O modelo atual de organização dos entes sindicais (lembrando que

ainda não estamos falando do Brasil) permite que qualquer coletivo de

trabalhadores constitua livremente um sindicato, bastando, para tanto, que uma

condição muito simples seja observada: a vontade de fazê-lo. Os trabalhadores

reúnem-se e deliberam sobre a criação de uma entidade de classe. Essa decisão

espraia a vontade de cada integrante do grupo de constituir um corpo coletivo

coeso, permanente e com objetivos comuns.

Essa unidade de desígnios – a vontade - é o elemento aglutinador da

massa. Apoiados nos atributos da liberdade, trabalhadores da mesma profissão,

ou de várias, vinculados a uma ou mais empresas, atuantes ou não em uma

mesma região podem decidir fundar um sindicato. Até nesse momento, não

existe necessariamente entre eles um componente de adesão, não constituem,

pois, uma massa. A manifestação da vontade de constituir um ente coletivo

permanente injeta sobre o grupo o elemento aglutinado que o torna denso,

homogêneo, coeso. A massa, portanto, é consolidada pela vontade de seus

integrantes de fundar um sindicato. Nessa equação, massa e sindicato são

fenômenos contemporâneos e interdependentes.

Page 33: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

33

A questão que mais importa ao presente estudo, já tangenciada

anteriormente, é a que diz respeito à abrangência da massa de trabalhadores.

Linhas atrás, cogitamos ser pouco provável que pessoas que não estejam

diretamente ligadas ou inseridas no mesmo fático-social sejam capazes de

criarem entre si os vínculos pessoais suficientes para catalisá-las em uma massa,

o que conduz à conclusão de que este tipo de corpo coletivo é sempre um

fenômeno local ou, pelo menos, limitado em termos espaciais. Tal formulação

parece ser verdadeira e aplicável às massas de trabalhadores. Todavia, é

necessário reconhecer que tal característica diz respeito apenas ao momento de

surgimento da massa, uma vez que ela pode, posteriormente, se expandir e

assumir dimensão territorial bastante ampla. Tome-se, como exemplo, uma

massa de trabalhadores de um determinado local ou de uma empresa que decida

fundar um sindicato; em momento posterior, trabalhadores de outras regiões ou

de outras empresas, em ato de vontade, resolvem aderir a essa massa que, por

sua vez, vai expandindo suas dimensões. É possível que tal expansão seja

tamanha a ponto de a massa passar a abranger todos os trabalhadores daquela

atividade econômica em âmbito nacional, e até transnacional, como vem

ocorrendo com os sindicatos comunitários europeus.

Observa-se, então, que a própria massa define o seu alcance. Se

substituirmos a expressão massa por uma expressão mais conhecida do Direito

brasileiro, seria possível dizer que, em um ambiente de liberdade sindical, a

categoria profissional é o que ela diz ser; abrange os trabalhadores que ela

própria deseja abranger; estende-se territorialmente pelo plano que ela quiser.

1.3 O modelo brasileiro: sindicalismo de grupos.

O modelo sindical brasileiro não descansa ao regaço da liberdade

sindical, ainda que alguns autores, talvez por terem vivido épocas de violentas

intervenções do Estado na organização e no funcionamento dos sindicatos,

façam notável esforço para enquadrar nosso sistema como semicorporativista ou

de semiliberdade. Pensamos que tais eufemismos só servem para atribuir um

Page 34: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

34

caráter menor ao problema, já que a liberdade, pelo menos nesse âmbito, parece

não admitir concessões.

O sistema legal brasileiro de organização sindical é completamente

alheio à ideia de massa, ignorando por completo qualquer atributo interno do

ente coletivo ou elemento volitivo de seus membros. No Brasil, os sindicatos são

organizados a partir de um grupo e não a partir de uma massa de trabalhadores,

o que torna nosso modelo um caso provavelmente singular.

Como já se encontra escrito, um grupo é formado por indivíduos que

são coletados do acervo geral em função da presença de uma característica

comum entre eles, escolhida de forma discricionária pelo seu organizador. É

possível formar um grupo de pessoas a partir de qualquer característica – cor dos

olhos, etnia, nacionalidade, profissão; enfim, qualquer propriedade já

pertencente aos indivíduos. A formação de um grupo – sempre no sentido

empregado no presente trabalho - constitui um ato meramente classificatório e,

portanto, vinculado exclusivamente à vontade do sujeito que o ordena.

Do acervo geral de trabalhadores, é possível identificar indivíduos

partilhando uma condição comum qualquer e, como mero expediente

classificatório, afirmar que eles compõem um grupo específico. Tal grupo pode

compreender os trabalhadores que utilizam uma determinada ferramenta em sua

atividade, que estão submetidos a uma determinada jornada, que são empregados

por uma mesma empresa, que atuam em uma região específica, dentre inúmeras

outras possibilidades.

No Brasil, um sindicato só pode ser criado a partir de um grupo

resultante de um critério de classificação específico: seus integrantes devem

compartilhar uma “similitude de condições de vida oriunda da profissão ou

trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou

em atividades econômicas similares ou conexas” (art. 511, § 2º). O grupo

resultante dessa classificação é o que se conhece por categoria profissional.

Page 35: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

35

O sindicato brasileiro é constituído a partir de um grupo e não de

uma massa de trabalhadores. Não existe, portanto, um elemento aglutinador de

seus indivíduos, interno ao ente coletivo, como era de se esperar nesse tipo de

organização. O sindicato no Brasil é resultado de um ato meramente

classificatório constante da lei, um standard jurídico apriorístico há muito

superado pelos países que outrora o adotaram. De todos os efeitos produzidos

pelo sindicalismo de grupos, como o problema da representatividade sindical,

existe um aspecto especialmente interessante para a presente pesquisa: a

dimensão espacial desse corpo coletivo.

Sendo o grupo apenas uma abstração classificatória, as suas

dimensões subjetiva e espacial (as que interessam neste momento) serão maiores

ou menores conforme o critério adotado em sua organização. Um grupo formado

por trabalhadores da indústria, por exemplo, terá uma ampla dimensão subjetiva,

pois compreenderá trabalhadores de atividades de diversos segmentos

econômicos e uma indeterminação espacial, pois abrangerá todos os que

trabalham em companhias classificadas como tal, sem delimitação no espaço.

Se, ao contrário, fosse formado um grupo de trabalhadores de uma única

indústria ou de diversas indústrias situadas exclusivamente em uma determinada

região, as dimensões desse grupo estariam mais delimitadas em termos

subjetivos e demarcadas em termos espaciais.

A legislação federal brasileira, como se disse, estabelece o critério

de classificação dos grupos que serão representados por entidades sindicais. O

critério legal, a chamada categoria profissional, contém em sua enunciação

apenas os limites subjetivos do grupo; não há, em sua formulação (CLT, art. 511,

§ 2º), qualquer delimitador espacial do coletivo de trabalhadores que será

representado por um sindicato. Não há, por exemplo, a categoria dos

metalúrgicos de uma determinada empresa ou de um determinado local. Há,

apenas, a categoria dos metalúrgicos, dos bancários, dos químicos, dos

professores, dentre inúmeras outras.

A massa de trabalhadores, como se viu, se autodetermina em suas

dimensões subjetiva e espacial. O modelo brasileiro de grupos sindicais, ao

Page 36: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

36

contrário, rígido por imposição legal, é dotado apenas de limites subjetivos, o

que o torna invariavelmente um ente difuso no espaço. Além dessa distinção,

outra que demarca bem a diferença entre os modelos diz respeito à correlação

entre a massa ou o grupo e seus respectivos sindicatos.

Nos sistemas que reconhecem a liberdade sindical, há, como já se

deixou claro, uma correspondência entre a massa e o seu sindicato, na medida

em que existe uma interdependência entre os dois fenômenos. A massa que cria

o sindicato ao mesmo tempo é catalisada pela vontade de seus integrantes de

constituir tal órgão permanente de tutela de seus interesses. O sindicato tem a

mesma dimensão da massa e é seu único e exclusivo representante. Uma norma

coletiva de trabalho subscrita por um sindicato se aplica exclusivamente à sua

massa de trabalhadores. Não existem duas ou mais entidades sindicais editando

normas coletivas para a mesma massa de trabalhadores.

No sistema brasileiro de organização por grupos, por sua vez, é

possível que diferentes sindicatos representem a mesma categoria profissional;

a lei apenas veda que não o façam dentro de uma mesma área territorial. Não há,

portanto, a mesma correspondência entre o corpo coletivo de trabalhadores e o

sindicato que o representa. E é justamente essa fragmentação da representação

da categoria que dá origem ao conflito de normas coletivas no espaço. Nesse

ponto, entra em discussão outra questão relevante: as chamadas bases territoriais.

1.4 O problema das bases territoriais.

A doutrina há muito vem delineando a distinção entre o coletivo de

trabalhadores (entre nós, a categoria profissional) e o respectivo sindicato. É

frequente, talvez uníssona, a afirmação de que ambos são institutos

absolutamente diferentes; o primeiro, o titular do interesse jurídico; o segundo,

a entidade de representação e tutela dos interesses daquele.

Page 37: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

37

Como visto na seção anterior, o Brasil adota um modelo de

organização sindical que se baseia na representação de grupos de trabalhadores,

cujo parâmetro legal de ordenação, a categoria profissional, não envolve bases

geográficas. Situação diferente ocorre com arranjo das entidades de

representação desses grupos, os sindicatos. A lei brasileira, por força da

unicidade sindical que insiste em se manter entre nós, determina que cada

entidade de representação defina em seus estatutos a sua base territorial de

atuação, vinculando-a a esse espaço territorial e controlando eventuais

superposições de bases por entes sindicais diferentes. Como consequência,

ocorre no Brasil uma situação talvez sem correspondência com outros sistemas:

diversos sindicatos acabam representando a mesma categoria profissional, cada

um deles dentro de uma área delimitada. Essa espécie de loteamento da

representação da categoria profissional é o ponto exato em que se originam os

conflitos de normas coletivas no espaço, objeto da presente pesquisa.

A legislação brasileira trata das chamadas bases territoriais apenas

quando se refere à organização dos sindicatos2. A ideia de base territorial está

ligada à distribuição e ordenação das entidades de representação no plano

nacional. Base territorial, portanto, é um instituto relacionado ao ente sindical e

não às categorias profissionais. De forma mais direta: quem possui base

territorial é o sindicato e não a categoria por ele representada.

A lei refere-se às bases territoriais como instrumento de preservação

da unicidade sindical; diz respeito, portanto, a organização dos sindicatos. A

categoria profissional, por sua vez, constitui um ente jurídico difuso, que não

está apreendido em zonas geográficas. O art. 516 da CLT confirma esse

pensamento ao dizer que “não será reconhecido mais de um sindicato

representativo da mesma categoria econômica ou profissional, ou profissão

liberal, em uma dada base territorial”. É fácil perceber que a referida norma não

impede que mais de um sindicato represente a mesma categoria; apenas veda

que o façam dentro de uma mesma base territorial. Não fosse assim, bastaria que

                                                            2 Tal como se observa no art. 8º, II, da Constituição Federal de 1988 e nos arts. 516, 517, §§ 1º e 2º, 520, 530, III, dentre outros, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Page 38: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

38

a norma proibisse que dois ou mais sindicatos representassem a mesma

categoria, sem necessidade de se fazer menção à área de atuação das entidades.

1.5 Noções preliminares sobre o problema dos conflitos

intersistemáticos de normas coletivas de trabalho.

Com espaço garantido em grande parte das pesquisas em Direito do

Trabalho, a antiga discussão acerca da natureza jurídica dos sindicatos desperta

legítimo interesse acadêmico. Compreender um objeto ou um fenômeno jurídico

em si, no caso, entender o que é o sindicato, pode ter importância fundamental

para um estudo investigativo, a depender de seu objeto e do problema que se

propôs a enfrentar.

Para a presente pesquisa, investigar a natureza jurídica do sindicato

constitui uma questão que se revelará secundária, daí porque não haverá imersão

profunda em tal problema. Explicamos: A questão central examinada na

pesquisa é a relação que existe entre o contrato individual de trabalho e as

normas que decorrem da contratação coletiva. O objeto do presente estudo não

é o sindicato ou a norma coletiva tomados em si, mas a forma como essa última

interage e projeta efeitos sobre contrato de trabalho, ou, de forma mais

concentrada, como tais efeitos são assimilados pelas partes da relação de

emprego.

Tome-se, como exemplo, um contrato de locação de imóvel. A

relação jurídica existente entre o locador e o locatário é regulada tanto pela lei

como pelas disposições que as próprias partes convencionaram no contrato de

locação. O vínculo que se estabelece entre eles, portanto, é regulado por um

conjunto de normas jurídicas que provém de fontes diferentes; um ente

legislativo externo e a autonomia privada dos contratantes. Independentemente

da origem do ato normativo – a lei ou o próprio contrato – ele projeta sobre a

relação jurídica uma ordem direta, imediata e plenamente exigível. Para as partes

do contrato de locação, é irrelevante se a norma é proveniente do ajuste de

Page 39: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

39

vontades ou de um ente legislativo; a carga obrigacional é a mesma. A norma

que nasce de um contrato obriga tanto quanto a norma que nasce de uma lei.

Além da legislação heterônoma estatal (leis) e das normas

autônomas privadas (regulamento empresarial e o contrato de trabalho), a

relação de emprego também é regida pelas normas coletivas de trabalho que lhe

são aplicáveis. Para o contrato individual de trabalho, é irrelevante se tais normas

convencionais constituem ato legislativo ou ato contratual; os efeitos em um ou

outro caso são exatamente os mesmos. A norma prevista em convenção ou

acordo coletivo de trabalho incide sobre a relação de emprego com a mesma

força eficacial independentemente de sua origem contratual ou legislativa. A

Constituição Federal e a lei atribuem ampla carga normativa à convenção ou ao

acordo coletivo de trabalho e tal força obrigacional não depende de sua natureza

jurídica.

Deduzindo-se ainda mais a questão, podemos imaginar uma

categoria profissional representada por diversos sindicatos, cada um deles

atuando na base territorial mínima legal, que corresponde a um município. Cada

um desses sindicatos formalizou com as entidades patronais uma convenção

coletiva de trabalho própria, criando um ambiente de plurinormatividade para a

respectiva categoria profissional (lembrando: a categoria profissional é única,

não se vinculando a bases territoriais). Se tais normas convencionais são atos

contratuais ou atos normativos, pouco importa; os contratos individuais de

trabalho deverão respeitá-las igualmente.

O problema fundamental da presente pesquisa consiste em saber

qual dessas diferentes ordens convencionais deve reger o contrato individual de

trabalho. Seria a ordem vigente no local de contratação do trabalhador? Ou seria

a ordem em vigor no local de execução do contrato? E se o trabalhador for

destacado para realizar atividades em localidade diversa, qual das diferentes

ordens deve reger a relação no período, a do local de origem ou a do local de

destino? Como se observa, a questão central diz respeito à vinculação do

contrato individual de trabalho a uma ordem normo-convencional. Se esta última

Page 40: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

40

decorre de um ato de natureza contratual ou legal, pouco importa, pois a sua

força imperativa é a mesma.

Existem no mundo diversas ordens jurídicas distintas. Como definir

qual dessas ordens jurídicas deve reger um determinado fato ou uma relação

jurídica específica? Por exemplo: qual ordem jurídica deve reger a capacidade

civil de uma pessoa? Existem várias possibilidades: a lei do país em que ela

nasceu, a lei do país de sua nacionalidade, a lei do país do seu domicílio, a lei do

país em que ela celebrar o negócio jurídico no qual se controverte a sua

capacidade civil, a lei do país em que se situar o órgão judiciário que deve decidir

sobre a questão, dentre outras.

O Direito consolidou um sistema de princípios e regras que se dedica

a solucionar exatamente esse problema, informando qual ordem normativa

estatal deve reger cada fato ou relação jurídica. Esse sistema de princípios e

regras, organizado em um ramo autônomo da ciência do Direito, estabelece uma

espécie de ligação entre a situação jurídica e a ordem normativa estatal que

deverá regê-lo. A nossa Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, por

exemplo, estabelece que a capacidade civil deve ser regida pela lei do país em

que a pessoa tiver seu domicílio. Nesse caso, o domicilio é o elo que estabelece

a ligação entre o fato jurídico (a capacidade civil) e a ordem estatal que deverá

regê-lo.

O mesmo ocorre com as relações contratuais. Qual Direito deve

reger os aspectos formais e substanciais de um contrato, o Direito do local em

que o ajuste foi constituído, do local em que a sua prestação característica deva

ser executada ou a lei do foro competente ou escolhido pelas partes para a

resolução de eventuais conflitos? Para solucionar tal problema, é necessário

investigar qual é o componente que estabelece o acoplamento do fato com uma

ordem jurídica específica. Esses elos, chamados de elementos de conexão, são

variados: nacionalidade, local do domicílio, local de situação do bem, a lei do

foro, local de celebração do contrato, local de execução do contrato, etc.

Page 41: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

41

Assim, vamos supor que a presente pesquisa alcance a conclusão –

isso é apenas um exemplo – de que o contrato de trabalho deva ser regido pelas

normas convencionais vigentes no local em que o empregador mantém sua sede

administrativa e não pelos instrumentos normativos em vigor no local de

execução dos respectivos serviços. Para chegar a essa conclusão, a pesquisa teria

que demonstrar que o Direito em vigor indica o local da sede da empresa como

elemento de conexão do contrato individual de trabalho às normas coletivas.

Como consequência, a pesquisa estaria afastando outro elemento de conexão que

há muito habita o nosso pensamento: o local de execução do contrato (locus lex

executionis).

No momento em que a pesquisa negasse a locus lex executionis,

então deixaria de existir qualquer relacionamento entre o contrato de trabalho e

as normas coletivas vigentes no lugar em que o trabalhador executa as suas

atividades (supondo-se que a sede da empresa fique em outra localidade). Essa

questão deve ser bem entendida: a pesquisa não estaria negando eficácia às

normas do local de execução do contrato; elas continuariam plenamente

eficazes, apenas não se aplicariam à relação de emprego em razão da adoção de

outro elemento de conexão.

O fenômeno não seria muito diferente em relação às normas do local

da sede da empresa. Não se estaria, em sentido estrito, postulando uma eficácia

distinta para essas normas; elas produziriam a mesma carga eficacial que as

normas vigentes no local de execução do contrato, porém, diferentemente do que

ocorreria com essas, o elemento de conexão previsto no Direito vigente as

indicariam para a regência do contrato de trabalho.

Para compreender adequadamente esse fenômeno, é necessário que

nos desvencilhemos de possíveis conceitos equivocados. É importante

compreender que a relação de emprego é uma realidade imaterial e não um

objeto que se pode determinar ou fixar no espaço. Um trabalhador é recrutado e

contratado em Recife para trabalhar em uma obra, situada em Salvador, de uma

empresa sediada no Rio de Janeiro. Quando se afirma que o contrato de trabalho

deve ser regido pelas normas coletivas de Salvador, está se dizendo, apenas, que

Page 42: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

42

o elemento de conexão a ser adotado é a locus lex executionis e nada mais. Não

é possível dizer que o contrato está fixado em Salvador, simplesmente porque

ele é um fenômeno complexo que se constitui por atos realizados em diversos

locais diferentes. A relação de emprego, como realidade imaterial, não está

vinculada ao território.

O contrato de trabalho é, como um todo, um fenômeno difuso,

embora alguns de seus aspectos possam ser localizados no espaço – lugar da

contratação, da celebração, da execução normal, da execução acidental, da

resolução – ainda que os locais de todos eles sejam coincidentes. Esse fenômeno

difuso ocorre em um ambiente de plurinormatividade em que diversos sindicatos

exercem a representação da mesma categoria profissional, cada um deles em

uma base territorial específica. Sendo um fenômeno imaterial, a relação de

emprego tangenciaria todos esses espaços normativos, todos esses

microssistemas jurídicos. Todavia, apenas uma dessas múltiplas ordens

normativas é que terá a atribuição de reger o contrato de trabalho, tal como

indicar o Direito em vigor3.

É possível, então, chegar à conclusão de que cada norma coletiva de

trabalho produz seus regulares efeitos dentro da base territorial do sindicato que

a formalizou; o contrato de trabalho, como fenômeno difuso, é que transitaria

por todas essas bases e acabaria se vinculando a uma dessas diferentes ordens

normativas em razão do elemento de conexão indicado pelo Direito vigente.

Se bem observada, essa construção intelectual refuta a existência de

uma eficácia diferenciada das normas coletivas de trabalho, na medida em que

ela nos direciona à conclusão de que cada norma coletiva produz efeitos apenas

dentro da base de atuação da respectiva entidade sindical - o contrato de trabalho

que, de alguma forma, acabaria ingressando nessa zona geográfica e se

vinculando à ordem convencional nela vigente.

                                                            3 Adiante, observaremos a possibilidade de uma relação jurídica contratual ser regida ao mesmo tempo por diferentes ordens normativas, cada uma recaindo sobre determinados aspectos ou partes do ajuste.

Page 43: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

43

Pensamos que é exatamente isso que ocorre. Como dissemos na

introdução do presente relatório, a expressão eficácia ultraterritorial é adotada

pela pesquisa como referente à possibilidade de as normas coletivas de trabalho

alcançarem o fato trabalho ocorrido em local diverso da base territorial do seu

respectivo sindicato. O fato trabalho nada mais é do que prestação de serviços

por parte do empregado. O contrato de trabalho, todavia, não se resume ao fato

trabalho; há outros fatos que compõem esse fenômeno complexo, como o fato

contratação, o fato domicílio profissional, o fato empregador, os quais nem

sempre ocorrem no mesmo lugar.

Nesse concerto de ideias, parece ser irrelevante discutir a natureza

jurídica do sindicato ou das normas decorrentes da contratação coletiva.

Todavia, como será visto mais adiante, o Tribunal Superior do

Trabalho vem enfrentando o problema da conexão do contrato de trabalho à

ordem normativa convencional a partir de uma perspectiva diferente. Em nossa

leitura, o Tribunal assimila o contrato de trabalho como um fenômeno fixado no

espaço, cuja respectiva âncora seria o local de execução da atividade laborativa.

A partir desse critério, o Tribunal Superior do Trabalho investiga qual ordem

normativa deve incidir sobre a relação jurídica de emprego.

Enquanto sustentamos que o contrato de trabalho é fenômeno difuso

e ele adere a uma ordem normativa convencional a partir do elemento de conexão

previsto no Direito, o Tribunal Superior do Trabalho propõe que o contrato de

trabalho se fixa, invariavelmente, no local em que o trabalhador executa as suas

atividades; restaria, então, investigar qual norma convencional incide sobre essa

relação jurídica localizada territorialmente.

Para definir qual norma convencional deve reger as relações de

emprego, o Tribunal Superior do Trabalho vem se apoiando em fundamentos

que ora são extraídos da teoria dos contratos, ora estão atrelados à ideia de

soberania. No momento próprio, a pesquisa examinará tais fundamentos, ocasião

em que examinará a norma coletiva de trabalho como contrato e como ato

legislativo não estatal.

Page 44: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

44

A conexão de uma relação de emprego a uma ordem normo-

convencional específica constitui questão nuclear do presente estudo, pois

somente a partir da compreensão desse fenômeno é que se poderá solucionar o

problema da eficácia das normas coletivas de trabalho no espaço. Para essa

empreita, a pesquisa contará com o amplo aparato teórico da disciplina do

Direito que tem por objeto justamente o enfrentamento de tais matérias.

   

Page 45: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

45

2 REFERENCIAL TEÓRICO: O DIREITO INTERNACIONAL

PRIVADO E OS CONFLITOS DE LEIS NO ESPAÇO.

Em seu Direito Internacional Privado, Amílcar de Castro (1987, p.

95) desafia o pensamento convencional ao afirmar ser ilusório supor que o

Direito está sujeito a limites territoriais. Para Castro, na medida em que as

relações sociais não estão adstritas a espaços, dado que são realidades imateriais,

o Direito que as regula também deve se portar como um fenômeno incorpóreo e,

como tal, não se limitar a zonas geográficas.

Afirmações como essa são frequentemente encontradas nos manuais

de Direito Internacional Privado e, em alguma medida, parecem subverter a

correlação que comumente se faz entre eficácia da norma jurídica, validade do

ato legislativo e soberania do Estado. Não há, contudo, nada de subversivo em

tais afirmações.

O Direito Internacional Privado é o ramo da ciência jurídica que se

dedica a compreender de que maneira um fato ou uma relação jurídica se vincula

a uma ordem legal específica, sobretudo quando eles tangenciam mais de um

ordenamento. Qual Direito deve reger o estatuto pessoal do indivíduo, seus bens

e suas relações jurídicas? Esse é o problema que a disciplina, daqui em diante

adotada como referencial teórico, se propõe a responder.

2.1 O Direito que transita por fronteiras.

A norma jurídica está vocacionada a produzir efeitos dentro dos

limites da soberania territorial (Estado) ou da competência (governos locais)

atribuída à autoridade que a editou. Como regra, portanto, a eficácia da norma

inscreve-se no mesmo âmbito espacial de poder do órgão que a produziu.

Entretanto, as pessoas e as relações jurídicas não permanecem

confinadas nos limites de uma única soberania ou competência legislativa,

podendo atravessar diversos espaços territoriais, cada um preenchido por normas

Page 46: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

46

próprias editadas por seus respectivos entes de poder. Também não é incomum

que tais normas prescrevam direitos e obrigações divergentes, mas que,

igualmente, se mostrem hábeis a regular a situação jurídica de base.

O desenvolvimento da atividade mercantil na Idade Média estimulou

o trânsito de pessoas e bens por diferentes territórios dotados de sistemas

jurídicos próprios e autônomos. Tal fenômeno atraiu a atenção dos juristas para

o problema do estatuto jurídico aplicável aos direitos e obrigações derivados

desses bens ou pessoas em trânsito e de como solucionar eventuais conflitos

entre leis emanadas de fontes legislativas distintas que pretendam regular a

mesma situação. Qual seria o Direito aplicável a um litígio envolvendo relações

pessoais, reais ou comerciais travadas entre cidadãos originários de diferentes

lugares, ou neles domiciliados, cada um dotado de autonomia legislativa? Como

aplicar um Direito estático no espaço sobre relações jurídicas que não

reconhecem fronteiras e dinamicamente percorrem distintos campos jurídicos?

O mais antigo texto doutrinário a respeito do tema, segundo Amílcar

de Castro (1987, p. 127-128), seria um parecer de autoria e data desconhecidas

que teria se desenvolvido a partir seguinte indagação: “se homens de diversas

províncias, as quais têm diversos costumes, litigam perante um mesmo juiz, qual

desses costumes deve seguir o juiz que recebeu o feito para ser julgado?”. Em

resposta, o autor do texto teria invocado as lições de um jurista bolonhês do

século XII, chamado Aldricus, e que teria trabalhado no desenvolvimento de um

conjunto de regras com o objetivo de organizar os conflitos entre diferentes

normas editadas nas cidades-estados do norte da Itália, as quais dispunham de

autonomia legislativa. Ainda segundo Castro, haveria relatos que, na mesma

época (século XII), juristas dos Países Baixos, da França, da Alemanha e da

Inglaterra haviam despertados para o problema do Direito aplicável aos fatos

jurídicos que transcendiam cidades, povoações e províncias que, à época,

possuíam estatutos normativos próprios.

Desde então, todo o conhecimento produzido a partir do

enfrentamento desse problema, além de outras questões como a nacionalidade,

a condição jurídica do estrangeiro e o conflito de jurisdições, vem sendo

Page 47: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

47

organizado pela disciplina que se convencionou chamar de Direito Internacional

Privado.

Por aderência ao objeto, a pesquisa se concentrará exclusivamente

no problema do conflito de leis. Em uma relação jurídica transnacional – um

contrato, por exemplo – qual Direito deve reger as obrigações das partes? O

Direito vigente no local em que a obrigação foi constituída ou a ordem jurídica

do local de sua execução? Tal questão suscita o problema inicial referido por

Amílcar de Castro: o Direito de um país pode transcender as suas fronteiras e ser

aplicado dentro do território de outro país? Este último, por sua vez, deve

respeitar o Direito estrangeiro e aplicá-lo em seu território?

Ao longo dos séculos, o Direito Internacional Privado se organizou

em um conjunto de regras e princípios que sistematizam a eficácia do Direito de

um país sobre fatos jurídicos ocorridos ou em relação às pessoas que nele se

encontram. Atualmente, esse sistema de “regras de sobredireito colisionais”

(DOLINGER, 2014, p. 39) integra a ordem jurídica de cada país, seja por

previsão no Direito positivo interno de cada um deles, seja por força de tratados

e convenções a que se obrigaram, seja em razão das outras fontes de Direito

assimiladas por seus ordenamentos. No caso do Brasil, por exemplo, a Lei de

Introdução às Normas do Direito Brasileiro constitui o estatuto legislativo

interno em matéria de Direito Internacional Privado; a Convenção do México

(OEA, 1994) é exemplo de fonte convencional; a doutrina, a jurisprudência e os

princípios de Direito Internacional Privado são fontes que integram o acervo

metodológico de solução dos conflitos normativos.

O que ocorre, nos tempos atuais, é que a ordem jurídica vigente em

todos os países, em alguma medida, assimila a eficácia do Direito estrangeiro

em seu território e, em determinadas hipóteses, impõe a sua aplicação. O Direito

de um país determina a aplicação do Direito de outro país. Hans Kelsen (2016,

p. 347-355) explica não haver, nesse concerto, qualquer subversão da relação

existente entre eficácia da norma e o poder do Estado, uma vez que a norma

estrangeira, em tais casos, deve ser considerada como incorporada ao Direito do

país cuja ordem interna determina sua aplicação. Kelsen complementa que não

Page 48: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

48

se trata de escolher o Direito a ser aplicado à relação jurídica, pois é a própria

ordem jurídica do órgão aplicador do Direito que regula a observação de um ou

de outro sistema legal.

2.2 O amplo objeto do Direito Internacional Privado: dos conflitos

internos de leis aos conflitos internormativos transnacionais

Em sua origem, o ramo hoje conhecido como Direito Internacional

Privado tinha por objetivo exclusivo a solução dos conflitos entre ordenamentos

jurídicos diferentes, porém inseridos na mesma esfera nacional. A disciplina

surgiu no âmbito dos conflitos internos de leis – intermunicipais,

interprovinciais, intercantonais, etc. Em um momento posterior, com a expansão

territorial das potências europeias, esse novo ramo do Direito passou a se ocupar,

também, com os conflitos gerados pelo intercâmbio de pessoas e coisas entre as

metrópoles e suas colônias e possessões. Somente muito tempo depois, os

conflitos passaram à esfera transnacional (VALLADÃO, 1971, p. 13).

A denominação Direito Internacional Privada, ainda muito criticada,

passou a ser adotada somente alguns séculos depois4. Apesar da posterior

expansão desse ramo do Direito para envolver também o conflito entre nações

soberanas, o Direito Internacional Privado ainda se ocupa com os conflitos

interespaciais de leis locais – aspecto este de grande relevância para o estudo

aqui proposto.

Como ressalta Haroldo Valladão (1971, p. 15), a unidade legislativa

nacional atualmente adotada por muitos países, caso do Brasil, não constitui uma

regra, sendo, ao contrário, mais comum se observar a existência de uma

pluralidade legislativa interna, como ocorre, por exemplo, em modelos

federativos como os dos Estados Unidos da América e os das regiões autônomas

                                                            4 Segundo Amílcar de Castro (1987, p. 100 e 127), a denominação Direito Internacional Privado teria surgido pela primeira vez em uma dissertação acadêmica do jurista francês Jean-Étienne-Marie Portalis, de 1803, tendo sido repetida pelo americano Joseph Story em 1834 e seguida por Jean-Jacques Gaspard Foelix em 1843.

Page 49: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

49

de diversos países da Europa. A existência de uma pluralidade de leis internas

de alcance espacial limitado resulta naturalmente em diversas situações de

colisões de normas infranacionais, configurando conflitos de leis interestaduais,

interprovinciais, inter-regionais, intercantonais, intertribais, etc.

Haroldo Valladão (1971, p. 16-17) faz uma crítica bastante severa à

pretensão de alguns autores em limitar o objeto de estudo do Direito

Internacional Privado exclusivamente aos conflitos de leis entre diferentes

nações, negando-o aos conflitos interespaciais locais, justamente a origem da

disciplina. Para Valladão, trata-se de uma “discriminação irreal, injusta e

aristocrática [que se apoia na] ideia tão arbitrária de soberania, o grande

corrosivo da justiça”, e desvia o Direito Internacional Privado de seu caminho

secular para “torná-lo simples afluente do direito internacional público”.

Referido autor é enfático ao rejeitar a concepção da disciplina como instrumento

regulador exclusivamente da sociedade internacional e assegura que ela deve ser

assimilada como o ramo da ciência do Direito que estuda as relações jurídicas

interespaciais e os fatos que possuam vínculos com diferentes ordens jurídicas

autônomas, sejam estas inter ou infranacionais.

Essa forma de compreender o Direito Internacional Privado não é

uma construção contemporânea; ao contrário, foi consolidada juntamente com o

desenvolvimento da própria cadeira jurídica. Haroldo Valladão (1971, p. 15 e 46

e segs.) afirma que até mesmo os autores que mais contribuíram para a difusão

da denominação Direito Internacional Privado, Joseph Story e Jean-Jacques

Gaspard Foelix, incluíam os conflitos normativos infranacionais –

interprovinciais, inter-regionais, etc. – no objeto de estudo da disciplina. Com

essa mesma compreensão, teriam se manifestado outros doutrinadores como

Savigny, Despagnet, Von Bar, Arminjon, dentre outros.

É certo, no entanto, que algumas vozes são ouvidas defendendo um

caráter mais restritivo ao Direito Internacional Privado. Entre nós, Oscar Tenório

(1968, p. 30-37) sustenta que os conflitos de leis não internacionais não estão

compreendidos no objeto da disciplina, na medida em que desafiam soluções

específicas conforme a sua origem – interprovinciais, interterritoriais,

Page 50: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

50

interconfessionais, etc. – que muitas vezes rejeitam a aplicação de alguns

elementos de conexão e institutos típicos do Direito Internacional Privado,

como, v. g., a nacionalidade, as questões de ordem pública e os mecanismos de

retorno e remissão. Além desses aspectos, a solução dos conflitos interlocais

seria de expressão interna, não se conformando aos critérios de solução dos

conflitos entre leis de soberania diferentes.

A objeção feita por Oscar Tenório parece não fazer distinção entre o

que é um problema de mera aplicação do conjunto de normas do Direito

Internacional Privado e o que constitui o próprio objeto da disciplina. O fato de

uma determinada regra não ser aplicável a uma situação jurídica concreta,

reclamando que o operador recorra a outros instrumentos, não tem a capacidade

de, por si, excluir dos domínios de um ramo da ciência aquela relação de fundo.

O Direito do Trabalho é um bom exemplo dessa afirmação, já que compreende

uma multiplicidade de relações jurídicas que impõe a adoção de standards

normativos distintos, tal como se denota ao se comparar o conjunto de regras e

princípios aplicáveis às relações individuais e às relações coletivas de trabalho.

Por outro lado, a afirmação de Tenório equivaleria a confinar no escopo de uma

disciplina do Direito apenas as relações jurídicas que atraem a incidência das

mesmas normas jurídicas e institutos, o que fragmentaria a ciência em uma

infinidade de subdivisões.

Contudo, é em Irineu Strenger (1986, p. 27-32) que se encontra a

contestação de cada um dos argumentos utilizados pelos poucos autores que

rejeitam a inserção dos conflitos locais no objeto de estudo do Direito

Internacional Privado. Para Strenger, dois argumentos são adotados: (i) o

nominalístico, que diz respeito à denominação do ramo da ciência jurídica aqui

em estudo (“internacional”) e o (ii) substancial, que, tal como visto em Oscar

Tenório, afirma que o conflito interno de leis é notavelmente diferente do

conflito internacional de leis, dado que o elemento soberania está presente em

um, mas não em outro. A respeito do fundamento nominalístico, Strenger

sumariamente sentencia que se trata de uma “argumentação fraca porque não é

o nome de uma coisa que dá sua natureza”. Já a respeito do segundo argumento,

Strenger afirma que não existem diferenças na solução de um conflito interno ou

Page 51: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

51

externo, tal como estaria devidamente evidenciado na extensa doutrina já

produzida sobre o tema. E o ponto central dessa equivalência seria justamente o

fato de que, ao ser aplicada, a lei estrangeira seria incorporada ao ordenamento

jurídico do país, tornando-se parte deste. Para Strenger, não há algum argumento

profundo que justifique a exclusão dos conflitos internos dos domínios do

Direito Internacional Privado.

Exatamente por essa razão, muitos autores criticam a denominação

atribuída a esse ramo da ciência jurídica, preferindo substituí-la por expressões

como direito intersistemático, direito polarizado, direito interjurídico, direito

interespacial, nomantologia ou, como largamente difundido entre os países

anglo-saxões, Conflict of Laws.

O objeto do Direito Internacional Privado são os conflitos de leis no

espaço e as relações jurídicas conectadas com leis autônomas e divergentes,

oriundas de fontes legislativas territorialmente independentes, sejam elas

infranacionais ou internacionais.

E mesmo aqueles que limitam o objeto de estudo do Direito

Internacional Privado aos conflitos internacionais de leis concordam que a

disciplina constitui fonte supletiva imediata para a solução das colisões internas

de normas (DOLINGER, 2014, p. 36).

2.3 A experiência brasileira em conflitos de leis no espaço interno: o

Direito Internacional Privado adotado como paradigma.

A organização política do Estado brasileiro deposita na União uma

competência legislativa quase absoluta, delegando aos estados e municípios um

poder residual para legislar sobre poucas matérias, quase sempre em caráter

concorrente com o Ente Federal ou sob sua regulação direta. Nesse ambiente, os

conflitos espaciais internos de leis são raros, praticamente inexistentes, o que

torna de difícil assimilação (i) a própria existência desses conflitos e (ii) que

Page 52: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

52

estes são solucionados pela aplicação dos institutos do Direito Internacional

Privado.

A história brasileira, no entanto, relata que nem sempre houve

tamanha concentração de poder na União. A Constituição da República, de 1891,

delegava ao Congresso Nacional a competência privativa para legislar “sobre o

direito [...] processual da justiça federal” (art. 34, XXII), o que transferia aos

estados a atribuição de instituir normas reguladoras do processo civil de

competência das respectivas justiças estaduais. Diante de tal encargo

constitucional, cada unidade federativa editou um código de processo civil e

comercial próprio5.

Esse cenário de pluralidade legislativa em matéria processual chegou

a produzir conflito entre normas de diferentes estados. Em 1935, a Corte

Suprema brasileira, atualmente denominada Supremo Tribunal Federal,

enfrentou, provavelmente pela única vez em sua história, um caso envolvendo

um autêntico conflito interno de leis no espaço.

O conflito interestadual de leis surgiu no bojo de uma ação de

execução ajuizada na Comarca de Santos, Estado de São Paulo, em que se

demandava crédito garantido por hipoteca de imóvel situado na cidade de

Jacarezinho, Estado do Paraná. Após a penhora do imóvel hipotecado, o

exequente e os executados formalizaram acordo processual, expressamente

autorizado pelo Código do Processo Civil e Commercial de São Paulo (Lei

Estadual nº 2.421, de 14 jan. 1930), para que a avaliação e o praceamento do

bem ocorressem na Comarca de Santos, juízo da causa, e não no foro da situação

do imóvel (Jacarezinho). Embora a lei processual de São Paulo permitisse que

as partes assim pudessem dispor acerca da avaliação e da arrematação do bem

penhorado (art. 955, § 3º), o Código do Processo Civil e Commercial do Estado

do Paraná (Lei Estadual nº 1.915, de 23 fev. 1920) determinava expressamente

                                                            5 Esse modelo descentralizado foi extinto pela Constituição Federal de 1934, que atribuiu à União o poder privativo de legislar sobre matéria processual (art. 5º, XIX, “a”). Entretanto, até a edição do primeiro código de processo civil nacional, em 18 de setembro de 1939, os códigos estaduais mantiveram sua eficácia (CF de 1934, art. 11 das Disposições Transitórias).

Page 53: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

53

que tais atos seriam de competência exclusiva do juízo da situação do imóvel,

não admitindo que as partes pudessem transacionar a esse respeito.

O tema foi levado à Corte Suprema no conflito de jurisdição nº

1.109, julgado em 11 de dezembro de 1935 sob o voto-condutor do ministro

Carvalho Mourão e acompanhado pela unanimidade dos integrantes da turma

julgadora. Na decisão, a Corte Suprema reconheceu a existência de uma

autêntica colisão entre leis estaduais e, em sua solução, invocou a regra do

Direito Internacional Privado que estabelece que o conflito a respeito da

jurisdição sobre imóveis deve ser solucionado pela lei vigente no foro do bem,

de forma que, no caso em exame, a norma processual paulista deveria ceder

passagem à lei paranaense (Ementário, caso nº 1).

Apesar de ter afirmado que aplicara analogicamente as regras de

Direito Internacional Privado ao caso examinado, a Corte Suprema brasileira

realizou, de fato, a aplicação direta de tais regras na solução do conflito de leis

interna, uma vez que passou ao largo de qualquer estudo acerca de eventual

lacuna normativa ou da existência de similitude essencial entre o fato jurídico

regulado e o não-regulado – elementos que seriam indispensáveis em uma ratio

decidendi integradora do Direito pela via da analogia. A decisão proferida pela

Corte Suprema brasileira limitou-se a fazer incidir a norma de Direito

Internacional Privado ao caso concreto, espécie de subsunção própria da

aplicação direta das normas jurídicas.

A Corte Suprema brasileira utilizou uma regra de Direito

Internacional Privado – o foro da situação do bem – para solucionar um conflito

normativo espacial interno, no caso, entre normas produzidas por unidades da

federação distintas. É o reconhecimento do que a doutrina há muito postula: a

inserção dos conflitos normativos locais no objeto do Direito Internacional

Privado.

Page 54: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

54

2.4 O método do Direito Internacional Privado.

Para determinar qual é o estatuto legal aplicável a um fato ou a uma

relação jurídica, o Direito Internacional Privado emprega um conjunto de regras

e princípios extraídos da ordem interna de cada país, dos documentos e tratados

internacionais que se lhe aplicam e do aparato teórico da própria disciplina. Um

cidadão brasileiro domiciliado em Portugal, por exemplo, falece na Espanha,

durante as suas férias, deixando bens imóveis situados na França e herdeiros

domiciliados no Brasil. Os direitos sucessórios sobre referidos bens imóveis

serão regulados pela lei brasileira, pela lei portuguesa, pela lei francesa ou pela

lei espanhola? Cabe ao conjunto normativo do Direito Internacional Privado

solucionar esse conflito intersistemático de leis.

Para alcançar tal objetivo, o Direito Internacional Privado recorre

aos seus princípios e regras para definir qual é o Direito que irá reger a questão

controvertida. Esses princípios e regras orientam que em cada fato ou relação

jurídica existe um elemento central que atrai a aplicação desta ou daquela ordem

legal. Então, tomando o exemplo acima, deve-se investigar qual é o elemento

que estabelece a conexão daquele fato jurídico (os direitos sucessórios) à lei:

seria o local do domicílio do falecido? O local do óbito? O local de situação dos

bens? Ou o local do domicílio dos herdeiros? Identificado tal elemento central,

encontra-se o Direito que irá reger a questão.

Tais elementos, os chamados elementos de conexão constituem “as

diretrizes, as chaves, as cabeças-de-ponte para a solução dos conflitos de leis”

(VALLADÃO, 1971, p. 266).

No conjunto normativo do Direito Internacional Privado encontram-

se as regras que determinam a observação deste ou daquele elemento de conexão.

Tradicionalmente, essas regras de conexão encontram-se objetivamente

positivadas, indicando de forma clara o elemento de conexão que deva ser

observado em relação a determinada questão. A Lei de Introdução às Normas do

Direito Brasileiro, por exemplo, indica que o elemento de conexão em caso de

sucessão causa mortis será o local do domicílio do falecido (art. 10). Portanto,

Page 55: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

55

segundo a lei brasileira, os direitos sucessórios envolvidos no exemplo abordado

seriam regidos pela lei portuguesa.

Além das regras de conexão objetivamente previstas, o Direito

Internacional Privado, tal como todos os demais ramos do Direito, se apoia em

princípios fundantes que exercem importante papel na integração, hermenêutica

e na sistematização das diversas regras existentes. Alguns desses princípios,

contudo, passaram a dispor de caráter normativo concreto a ponto de

produzirem, eles próprios, as regras que determinam a observação de um ou

outro elemento de conexão entre a situação jurídica e uma ordem legal

específica. Ao contrário do que ocorre com as regras positivadas, os elementos

de conexão que decorrem dos princípios não constituem uma solução apriorística

ao conflito, mas uma solução pós-concebida a partir do caso concreto. A

relevância dos princípios de Direito Internacional Privado é notória, como ficará

evidente ao longo do estudo.

Definir o elemento de conexão aplicável aos contratos de trabalho é

justamente o problema central deste ponto da pesquisa. Tal questão permite o

imediato descarte de elementos de conexão que não possuam qualquer aderência

ao tema em estudo ou que são objetivamente afastados pela ordem jurídica. É o

caso, por exemplo, do elemento nacionalidade, que, em relação aos conflitos

internos em matéria de Direito do Trabalho, encontra no texto constitucional

obstáculo intransponível para a sua adoção. O estudo, portanto, passa a se

concentrar em cada um dos elementos de conexão e princípios de Direito

Internacional Privado que se habilitam a incidir, efetivamente, sobre as relações

de trabalho e, sobretudo, como tais regras e princípios poderiam ter validade e

atuar diante de um conflito interno de leis.

Nesse aspecto, três observações são necessárias. O presente estudo

se ocupa exclusivamente com a colisão de normas coletivas editadas dentro do

território nacional, portanto, um conflito interno. Se é certo que as normas de

Direito Internacional Privado se aplicam aos conflitos internos, e não apenas às

colisões internacionais, é igualmente certo que ambos, infranacionais e

internacionais, possuem peculiaridades próprias que podem atrair a aplicação de

Page 56: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

56

regras de conexão e princípios diferentes. O destacamento de um trabalhador

brasileiro para um país em que o sistema de proteção social ainda se encontra

em fase de consolidação, por exemplo, dificilmente poderá ser comparado a uma

transferência para outro estado do território nacional. Enquanto no primeiro caso

o trabalhador poderia ser submetido a condições precárias de trabalho, tendo

como referencial as condições brasileiras, no segundo caso, da transferência

interna, o âmbito de proteção estatal estaria assegurado a ele, uma vez que a

legislação trabalhista é nacional. O trabalhador destacado internamente enfrenta

apenas o problema da norma coletiva aplicável ao seu contrato, esta que possui

natureza incremental de direitos. Voltaremos a esse assunto no decorrer do

estudo dos elementos de conexão eventualmente incidentes nas relações de

trabalho.

A segunda observação diz respeito ao fato de que as normas

coletivas de trabalho possuem funções e características muito próprias e que

devem ser examinadas de forma acurada para o adequado enfrentamento do

problema da conexão das mesmas às relações privadas de emprego. Esses

elementos serão estudados de forma detida no capítulo que seguirá ao presente,

motivo pelo qual, neste momento, serão analisados os elementos de conexão

eventualmente incidentes sobre os contratos de trabalho de forma geral e como

tais elementos operariam em um hipotético conflito interno de leis. Após a

organização dessas bases elementares é que o estudo enfrentará o problema do

elemento de conexão que deve solucionar o conflito espacial interno de normas

coletivas.

A última observação diz respeito à organização do estudo. Para

maior clareza e fluidez no seu desenvolvimento, optou-se por dividir o tema a

partir dos elementos de conexão possivelmente aplicáveis sobre as relações de

emprego e, incidentalmente, analisar as normas jurídicas e os diplomas

internacionais que com eles guardam aderência.

Page 57: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

57

2.4.1 Modelo estático: os elementos de conexão.

A doutrina aponta diversas classificações e reconhece um grande

acervo de elementos de conexão. Em lição bastante repetida por outros autores,

Haroldo Valladão (1971, p. 267-268) classifica os elementos de conexão em

reais, pessoais ou institucionais, conforme se relacionem a um território, a uma

pessoa ou a uma instituição, respectivamente. Cada grupo, por sua vez, é

integrado por uma série de elementos específicos, como nacionalidade,

domicílio, local de formação do contrato, situação da coisa, manifestação da

vontade, etc. Uma discussão a respeito da norma aplicável a um contrato de

trabalho, por exemplo, poderia ser solucionada a partir de um elemento de

conexão real (ex. a lei do local da prestação de serviços ou do local da

contratação), ou pessoal (v.g. a nacionalidade do trabalhador) ou institucional

(lei do pavilhão, a lei do foro, dentre outros), conforme definido pelo Direito

Internacional Privado.

Assim, um conflito como o da sucessão do brasileiro domiciliado em

Portugal, visto anteriormente, será solucionado a partir do elemento de conexão

eleito pelas normas de Direito Internacional Privado para tal situação, que pode

ser o domicílio do falecido, o local de situação do bem, o domicílio dos

herdeiros, entre outros. A norma de Direito Internacional Privado, portanto,

escolhe um elemento que faz a ligação do fato ao ordenamento jurídico que

deverá discipliná-lo.

A definição do elemento de conexão incidente sobre uma

determinada relação ou fato jurídico é, provavelmente, o principal objeto de

estudo do Direito Internacional Privado. Participam da solução dessa questão as

normas internas de cada unidade legislativa (Nações, estados, províncias, etc.),

as normas de Direito Internacional Público (Tratados, Convenções, Diretivas,

etc.) e, eventualmente, disposições legais provindas de entes externos.

Page 58: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

58

2.4.1.1 Local de constituição do contrato (lex loci contractus).

No Brasil, a principal norma sobre Direito Internacional Privado é o

Decreto nº 4.657, de 4 set. 1942, amplamente conhecido como Lei de Introdução

às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que define elementos de conexão

gerais incidentes sobre diversas matérias. De forma sintética, a LINDB

determina que o estatuto pessoal do indivíduo (capacidade civil, relações de

família, etc.) é regido pela lei vigente em seu domicílio (art. 7º), enquanto seus

bens são regulados pela lei em vigor no local em que eles estiverem situados (art.

8º) e os seus negócios jurídicos pela lei do local em que tiverem sido constituídos

(art. 9).

Como se observa, a Lei de Introdução às Normas do Direito

Brasileiro sistematiza os conflitos normativos em três grupos, conforme se

relacionem ao (i) estatuto pessoal do indivíduo, (ii) seus bens e (iii) suas

obrigações. Para cada um desses grupos, a Lei de Introdução estabelece um

elemento de conexão específico: o domicílio para o primeiro grupo, o foro de

situação para o segundo e o local em que a obrigação foi constituída para o

terceiro. Ao lado desse quadro geral, a LINDB possui disposições que inserem

determinados fatos jurídicos em um dos três grupos, estendendo a eles o

respectivo elemento de conexão; exemplo é a sucessão por morte ou por

ausência, cuja Lei de Introdução afirma ser regida pelo domicílio do falecido ou

ausente (art. 10). O mesmo se observa em relação às “organizações destinadas a

fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações”, cujo elemento de

conexão é o local de sua constituição (art. 11).

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro há muito vem

sendo criticada pela doutrina, que a considera uma peça legislativa que já não

guarda correspondência com o Direito Internacional Privado contemporâneo

(DOLINGER, 2014, p. 220).

Na perspectiva da Lei de Introdução às Normas do Direito

Brasileiro, os direitos de natureza obrigacional, e nesse grupo estariam incluídas

as relações de trabalho, são regidos pela lei vigente no local em que foram

Page 59: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

59

constituídas; a LINDB, portanto, adota a lex loci contractus como elemento de

conexão aplicável aos vínculos jurídicos contratuais.

Uma questão de importância central no Direito Internacional Privado

diz respeito às qualificações jurídicas. Quando a regra de conexão afirma, por

exemplo, que um determinado fato jurídico será resolvido pela lei vigente no

domicílio da pessoa, surge, então, o problema de se conceituar domicílio. A

controvérsia ganha importância quando as leis criam um conflito de

qualificações, ou seja, quando as normas em colisão atribuem conceitos

diferentes ao mesmo instituto. Um exemplo direcionado: quando a Lei de

Introdução às Normas do Direito Brasileiro afirma que, para reger obrigações,

aplica-se a lei do país em que se constituírem, ela estaria fazendo referência ao

local em que a proposta foi apresentada ou ao local onde ela foi aceita ou, ainda,

ao local em que o contrato foi assinado? A solução foi dada pela própria Lei de

Introdução, ao definir que a obrigação contratual se considera constituída no

lugar em que residir o proponente (art. 9º, § 2º). A LINDB, portanto, define o

local de residência do proponente como o elemento que conecta as relações de

natureza obrigacional a uma determinada ordem jurídica.

As primeiras normas de Direito Internacional Privado, assim como

a doutrina clássica, se polarizavam na adoção da lex loci contractus (lei do local

de constituição do contrato) ou da lex loci solutionis (lei do local onde a

obrigação deva ser cumprida) como elemento de conexão incidente sobre as

obrigações contratuais. O legislador brasileiro de 1942 optou pela lex loci

contractus como elemento de conexão das obrigações contatuais.

Como se analisará mais adiante, as fontes modernas de Direito

Internacional Privado vêm abolindo a adoção de elementos de conexão estáticos

em relação às obrigações contratuais, como a lex loci contractus ou a lex loci

solutionis, substituindo-os por princípios que conferem maior dinamismo e

flexibilidade à solução dos conflitos de leis no espaço. Entretanto, a Lei de

Introdução às Normas do Direito Brasileiro, como já foi dito, é a principal norma

interna de Direito Internacional Privado o que, a princípio, pode torná-la mais

adequada à solução das colisões normativas interlocais do que se apresenta aos

Page 60: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

60

conflitos internacionais. Assim, a regra de conexão prevista na LINDB para as

obrigações contratuais, a lex loci contractus, passa a ser analisada neste espaço

sob duas perspectivas; a primeira, promovendo a transposição dessa regra ao

problema dos conflitos internos; a segunda refere-se à sua aplicação perante as

obrigações derivadas da relação de emprego.

Os fundamentos fáticos-jurídicos que orientam a adoção da lex loci

contractus nas relações jurídicas internacionais podem não estar presentes no

âmbito de um vínculo contratual interno. Uma situação hipotética pode ajudar a

visualizar o que pretendemos dizer. A empresa “A”, sediada no Estado de São

Paulo, adquire da empresa “B”, que possui única sede no Estado de Goiás, um

lote de materiais pré-fabricados destinados à construção civil. No contrato, as

partes estabelecem que os produtos deverão respeitar as normas técnicas e legais

vigentes que se lhes aplicam, sem adentrar em maiores especificações. Na

entrega dos materiais em São Paulo, ato de cumprimento da obrigação

contratual, a empresa “A” descobre que os produtos foram fabricados com

amianto, material cuja utilização, embora permitida no Estado de Goiás, é

proibida no Estado de São Paulo (Lei Estadual nº 12.684, de 26 de jul. 2007).

Surge, então, um conflito de normas no espaço. Se o contrato tiver regência pela

lei goiana, não haveria que se falar em inadimplemento por parte do contratante

“B”; já se a regência for pela lei paulista, seria possível dizer que o contratante

“B” não respeitou a fórmula contratual que determinava a observação das

normas técnicas e legais, incidindo em descumprimento do ajuste.

Segundo a regra de conexão prevista na Lei de Introdução às Normas

do Direito Brasileiro, as obrigações estabelecidas no contrato teriam regência

pela legislação vigente no Estado de Goiás, local em que reside o proponente do

contrato. Como no território goiano o uso do amianto não é proibido, seria, então,

possível afirmar que não houve violação de qualquer cláusula contratual, não

havendo que se falar em inadimplemento parcial do ajuste. Nesses termos,

caberiam ao contratante “A” eventuais ônus decorrentes da avença.

A situação acima retratada incita um questionamento: essa solução é

justa e equilibrada?

Page 61: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

61

O elemento de conexão estabelecido pela Lei de Introdução às

Normas do Direito Brasileiro às obrigações contratuais – o local de constituição

do contrato, assim considerado o lugar de residência do proponente - tem origem

na presunção de que o indivíduo que oferece um produto ou serviço muitas vezes

o faz sem ter em vista um destinatário determinado, mas ao mercado como um

todo; por isso a própria lei o trata como mero proponente. Por outro lado, a

pessoa que contrata o bem ou serviço oferecido já sabe, antes mesmo de

formalizar o contrato, enquanto há apenas a reserva mental de vontade, que o

vínculo obrigacional será estabelecido com determinado indivíduo, direcionando

a ele, especificamente, os seus interesses econômicos. Nesse caso, caberia a esse

contratante que direciona seus interesses econômicos a uma pessoa certa e,

consequentemente, a um local determinado, conhecer e se resguardar a respeito

da lei vigente nesse território, pois é como se ele estivesse indo até aquele local

previamente conhecido para contratar. Não seria razoável, por seu turno, exigir

que alguém que oferece seus produtos e serviços de maneira difusa conheça

todas as legislações vigentes em todos os espaços.

Apesar de todas as objeções que a doutrina já opôs a tal raciocínio,

é forçoso reconhecer que ele faz algum sentido. Se uma empresa brasileira, por

exemplo, tiver adquirido produtos de um fabricante chinês, é razoável projetar

ficcionalmente que a empresa brasileira foi até a China para contratar e que o

fabricante chinês não tem qualquer conhecimento da legislação brasileira.

Caberia, portanto, à empresa brasileira conhecer a legislação comercial chinesa,

já que ela teria se disposto a contratar com um fabricante chinês, além de sua

legislação doméstica. É deste substrato que partiu a adoção da lex loci contractus

pela Lei de Introdução.

Mas haveria sentido na adoção da lex loci contractus para a solução

dos conflitos infranacionais – interestaduais e intermunicipais?

Retome-se o exemplo dos produtos com amianto. Neste caso, seria

possível afirmar que o fornecedor de produtos ou serviços para o mercado

interno tem a obrigação de conhecer as normas locais – estaduais ou municipais

– que dizem respeito aos produtos que ele próprio fabrica? Ou, por outro lado,

Page 62: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

62

por se tratar de legislação vigente em estado diferente, não seria possível obrigá-

lo a ter conhecimento de referidas normas? Antes de esboçar resposta a essa

indagação, convém repassar algumas previsões existentes na legislação nacional

que podem auxiliar o entendimento.

Como é amplamente conhecido, o imposto sobre circulação de

mercadorias e serviços (ICMS) é de competência exclusiva dos estados (CF de

1988, art. 155, II), que definem as alíquotas incidentes sobre as operações

ocorridas em seus territórios. Embora se trate de legislação estadual, a

Constituição Federal determina que, nas operações interestaduais envolvendo

destinatário final não contribuinte, cabe ao remetente calcular o ICMS com base

na alíquota interestadual e efetuar o recolhimento ao estado destinatário da

diferença entre a referida alíquota e aquela vigente no estado de origem (art. 155,

§ 2º, VII e VIII). Portanto, o fabricante, o comerciante ou o prestador de serviços

devem ter conhecimento da legislação tributária vigente nas unidades da

federação para as quais remete produtos ou serviços sujeitos à exação do ICMS.

No plano das relações de consumo, o Código de Defesa do

Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 set. 1990) estabelece a competência

concorrente da União, estados e municípios para a edição de normas relativas à

produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços (art.

55) e prevê a responsabilidade do fornecedor pela não observação de tais regras.

A Lei Consumerista considera os fins a que os produtos se destinam (art. 18), ou

seja, a sua efetiva utilização (art. 12) e fruição (art. 13). Portanto, o fornecedor

de produtos e serviços ao mercado consumidor interno deve conhecer e respeitar

as legislações vigentes nos estados e municípios em que os seus serviços ou

produtos venham a ser comercializados.

Os exemplos acima demonstram que, no âmbito interno, as

legislações locais – estaduais e municipais – também podem vincular aqueles

que não estão diretamente submetidos a elas. Mais do que isso, os exemplos

demonstram que os diplomas legais infranacionais não são tão estanques e

autônomos uns dos outros, comunicando-se permanentemente.

Page 63: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

63

Se o exemplo dos produtos com amianto envolvesse um consumidor

final, não haveria dúvidas de que o contrato poderia ser rescindido por

inadimplemento do fornecedor, pois o uso de referido material é proibido em

São Paulo e seria ônus do fabricante conhecer e respeitar a legislação paulista,

assim como deve fazer em relação a questões tributárias eventualmente

incidentes. Embora o exemplo dos produtos com amianto não diga respeito a

consumidor final ou trate de qualquer questão de natureza tributária, parece não

fazer sentido dar-lhe um tratamento diferenciado. Afinal, não parece razoável

que um produtor de materiais para construção civil ignore toda a discussão em

torno da utilização do asbesto que ele próprio emprega em seus produtos e a

consequente proibição do uso dessas fibras minerais por alguns estados da

federação. Aliás, sabendo que a entrega ocorreria em São Paulo, sua conduta

poderia ser considerada contrária à boa-fé objetiva (Código Civil, art. 187).

Observa-se, então, que a aplicação da lex loci contractus nas relações

jurídicas internas não possui o mesmo fundamento fático e lógico que possui

diante das relações internacionais, motivo pelo qual ela dificilmente produzirá

resultados uniformemente satisfatórios, seja do ponto de vista do equilíbrio

contratual ou de critérios mais valorativos como a justiça.

Sob o outro vértice inicialmente proposto, a aplicação da lex loci

contractus às relações de trabalho implicaria afirmar que as obrigações

trabalhistas teriam regência pela lei vigente no local da sede (residência) da

empresa (proponente), ainda que o contrato seja executado em outro local. Não

é difícil opor algumas objeções contra tal solução.

Como visto linhas atrás, a Lei de Introdução às Normas do Direito

Brasileiro define o lugar de residência do proponente como sendo o local em que

se considera a obrigação constituída. A referida qualificadora é a solução

encontrada para um problema comum em contratos internacionais, que

corresponde à identificação do lugar do contrato. Explica-se: nos contratos

celebrados entre pessoas situadas em países diferentes, é absolutamente comum

que os atos sejam realizados de forma epistolar, o que atualmente é facilitado

pelos meios informáticos disponíveis. Não existe, na maioria das vezes, uma

Page 64: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

64

reunião entre os contratantes em um determinado local, mas apenas a troca de

propostas e contrapropostas que se alternam até o aceite final de ambos. Em uma

situação como esta, é impossível precisar o ponto geográfico onde o contrato foi

celebrado, simplesmente porque tal marco territorial não existe. O Direito

Internacional Privado, então, recorre a uma qualificadora que define o lugar do

contrato, uma vez que este é realizado entre ausentes.

No âmbito das relações de emprego, tal situação não ocorre. Os atos

de contratação são realizados pessoalmente, não havendo qualquer razão para a

adoção da qualificadora prevista no art. 9º, § 2º, da Lei de Introdução. Mesmo

nas relações de emprego constituídas tacitamente, normalmente é possível

identificar o local em que se dá início a prestação de serviços.

A adoção da sede do empregador (residência do proponente) como

elemento de conexão causaria, ainda, um problema adicional nas empresas com

várias filiais. Qual seria a residência do empregador? Seria o local de sua matriz

ou cada uma das filiais constituiria uma sede diferente? Em meio a tal discussão,

não seria surpresa que se habilitasse à regência do contrato norma jurídica

vigente em localidade em que o trabalhador jamais colocara os pés. Como se vê,

parece não haver sentido em se utilizar a residência do proponente como

elemento de conexão; melhor seria, se fosse o caso, substituí-la por outro elo,

como o domicílio profissional do trabalhador.

O mais evidente obstáculo ao emprego da lex loci contractus, no

entanto, decorre da própria natureza do contrato de trabalho. Ao contrário da

maioria dos ajustes comerciais, cuja execução se dá em prestação única ou

concentrada em um período determinado, o contrato de trabalho tem vocação à

perenidade, projetando-se ao longo do tempo em um vínculo permanente em que

as prestações de ambas as partes se sucedem e se renovam continuamente. Essa

característica da relação de emprego, anunciada em um dos princípios fundantes

do Direito do Trabalho, não se conforma com um contrato estático, rígido, cujas

cláusulas e condições permaneçam intocadas ao longo de sua vida; ao revés,

somente um contrato que dinamicamente se ajuste às alterações que a atividade

econômica pode passar é que terá longevidade. A possibilidade de alteração das

Page 65: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

65

características originais do contrato deve ser assimilada como fenômeno natural

da relação de emprego.

A lex loci contractus aprisionaria a regulação do contrato no local de

residência do proponente, não se ajustando às alterações subsequentes que

possam surgir, notavelmente em caso de transferência ou alteração no local de

trabalho.

Nessa sequência de ideias, qualquer elemento de conexão que se

estabeleça no início do contrato de trabalho, de forma estática e definitiva, não

apresentará resultados satisfatórios na solução de um conflito de normas no

espaço.

2.4.1.2 Local da prestação de serviços (lex loci executionis).

Em 1889, delegados de diversos países americanos reuniram-se na

Capital dos Estados Unidos da América para a 1ª Conferência Internacional

Americana, ocasião em que instituíram o primeiro organismo internacional

regional do mundo, a União Internacional das Repúblicas Americanas, que, a

partir de 1948, passou a ser conhecida como Organização dos Estados

Americanos. Ao longo de várias reuniões subsequentes, os representantes dos

Estados americanos debateram a criação de um sistema normativo comum de

Direito Privado a partir de propostas de diversos juristas. Em 20 de fevereiro de

1928, os delegados presentes na 6ª Conferência Internacional Americana,

realizada em Havana, Cuba, aprovaram o projeto do Código de Direito

Internacional Privado elaborado pelo jurista cubano Antonio Sánchez de

Bustamante y Sirvén. O documento aprovado no Tratado de Havana, que passou

a ser conhecido como Código Bustamante, em homenagem ao seu criador, foi

assinado pelos delegados brasileiros presentes na Conferência e, posteriormente,

aprovado por Resolução do Congresso Nacional, ratificado pelo Governo

Brasileiro e promulgado pelo Decreto nº 18.871, de 13 ago. 1929.

Page 66: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

66

Apesar de seus 437 artigos, o Código Bustamante não foi capaz de

uniformizar o Direito Internacional Privado nas américas, em grande parte pelo

fato de que as normas internas vigentes em diversos países se mostravam

contrárias ao texto e divergentes entre si, impedindo a instituição de regras

comuns. Tal fato fica evidente em algumas passagens do Código que fazem

remissão à legislação interna de cada país6 ou naquelas em que são empregadas

expressões dotadas de abertura conceitual ampla a ponto de não causar uma

colisão direta com as normas nacionais vigentes, ainda que, para tanto, se

tornassem incompreensíveis7. No processo de elaboração do Código, ainda,

houve uma franquia para que as delegações dos países pudessem opor

declarações de reservas a quaisquer dispositivos, a partir das quais o respectivo

país ficaria desobrigado a respeitá-los. Por fim, alguns países, como a Colômbia,

o Chile e a Costa Rica fizeram reservas integrais às suas legislações internas,

enquanto muitos outros países não o assinaram ou não o ratificaram, como foi o

caso dos Estados Unidos, do Canadá, do México, da Argentina e do Paraguai,

dentre outros.

O Código Bustamante foi recebido com pouco entusiasmo pela

doutrina brasileira que, nesses quase noventa anos, não poupou críticas ao

documento, seja em função do seu limitado alcance, o que o inabilitaria como

um verdadeiro Código de Direito Internacional Privado8, ou em relação às suas

deficiências técnicas, que o tornam um documento de viés mais político-

econômico do que jurídico. Além desses problemas de origem, o Brasil, como

já visto, adotou em 1942 uma lei própria de Direito Privado, que, para muitos,

                                                            6 O melhor exemplo está no art. 7º do Código Bustamante, segundo o qual “cada Estado contratante aplicará como leis pessoais as do domicilio, as da nacionalidade ou as que tenha adotado ou adote no futuro a sua legislação interna”.

7 A respeito destas, Haroldo Valladão (1971, p. 199) ressalta que o Código Bustamante “emprega, frequentemente, as expressões: “Lei local” e “Lei territorial” sem lhes dar um sentido uniforme e sem precisar sequer referir-se ou não à lex fori ao formulá-las”. 8 O próprio Código Bustamante afirma que suas disposições “não serão aplicáveis senão às Repúblicas contratantes e aos demais Estados que a ele aderirem” (art. 2º). Apenas quinze países americanos ratificaram o documento, muitos dos quais com declarações de reservas importantes ou totais.

Page 67: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

67

por conter disposições diretamente contrárias ao Código Bustamante,

representaria um total abandono do documento9.

Sob o título “do arrendamento”, o Código Bustamante menciona

tangencialmente as normas incidentes sobre as relações de emprego, afirmando

ser “territorial a legislação sobre acidentes do trabalho e proteção social do

trabalhador” (art. 198). Referida disposição merece algumas considerações.

Em seu título preliminar, o Código Bustamante divide as leis de cada

país em três categorias, conforme elas se vinculem diretamente à pessoa, ao lugar

ou à expressão da vontade do indivíduo (art. 3º). O primeiro grupo, o das normas

pessoais, compreende as disposições legais que acompanham a pessoa onde ela

estiver, seja por força de sua nacionalidade ou de seu domicílio10. Assim, ao

afirmar que “a lei pessoal da mulher regerá a disposição e administração de seus

próprios bens” (art. 44), o Código está dizendo que para tais questões deve ser

observada a lei vigente no país de nacionalidade ou domicílio da pessoa e não a

lei vigente no local em que a pessoa estiver. O Código Bustamante não define o

elemento de conexão que deve ser aplicado – se o domicílio da mulher ou a sua

nacionalidade; ele apenas refere que questões relativas à disposição e à

administração de bens são consideradas como parte do estatuto pessoal da

mulher, aplicando-se, portanto, as leis que o regem. A escolha do elemento de

conexão específico, o domicílio ou a nacionalidade, compete exclusivamente ao

país signatário do tratado.

O segundo grupo, o das leis territoriais, diz respeito às normas que

são aplicáveis a todos os indivíduos que se encontrem em um determinado

território, independentemente de seu estatuto pessoal (sua nacionalidade ou

domicílio). São as disposições legais que se interligam aos fatos jurídicos e não

                                                            9 Amílcar de Castro (1987, p. 303) afirma que a LINDB, de 1942, mostra que a tendência do Direito brasileiro é diversa da que orientou o Código Bustamante que “mais cedo, ou mais tarde, acabará sendo abandonado em toda a parte”. 10 Conforme disposto no art. 3º do Código Bustamante: “Para o exercício dos direitos civis e para o gozo das garantias individuais idênticas, as leis e regras vigentes em cada Estado contratante consideram-se divididas nas três categorias seguintes: I – As que se aplicam às pessoas em virtude do seu domicílio ou da sua nacionalidade e as seguem, ainda que se mudem para outro país – denominadas pessoas ou de ordem pública interna”.

Page 68: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

68

às pessoas que os protagonizam11. Assim, como exemplo, ao dispor que “aplicar-

se-á a lei territorial ao erro, à violência, à intimidação e ao dolo” (art. 177), o

Código está apenas dizendo que a lei do país de nacionalidade ou domicílio do

contratante não deve reger os apontados vícios de consentimento. Ao falar em

“lei territorial”, o Código Bustamante, assim como faz em relação à “lei

pessoal”, não define o elemento de conexão que deva ser observado, se a lex loci

contractus, a lex loci executionis, a lex loci solutionis ou outro; apenas afirma

que tais questões não estão vinculadas ao estatuto pessoal do indivíduo, ou seja,

são normas que vinculam a todos, independentemente de características

personalíssimas.

O terceiro e menor grupo, o das chamadas “leis voluntárias”,

compreende as normas que incidem sobre uma relação jurídica por vontade das

partes, seja manifestada de forma expressa ou identificada por interpretação ou

presunção12. O código deixou pouco espaço para que as partes pudessem eleger

a norma aplicável às suas relações, o que sempre foi objeto de muitas críticas

por parte da doutrina.

O Código Bustamante, portanto, divide as normas em três categorias,

a das leis pessoais, a das leis territoriais e a das leis voluntárias. Tal divisão diz

respeito somente ao estatuto de conexão da norma, ou seja, o Código estabelece

apenas uma classificação preliminar que identifica somente o aspecto

fundamental sobre o qual a norma deve recair: se sobre o sujeito (leis pessoais),

se sobre o objeto (leis territoriais), ou sobre o ato jurídico (leis voluntárias)

(DOLINGER, 2014, p. 297). Assim, quando o Código afirma que uma

determinada lei é pessoal, significa que ela está relacionada com atributos

próprios do indivíduo, tais como sua nacionalidade ou domicílio, devendo o país

signatário estabelecer o elemento de conexão a partir desses atributos. Por outro

lado, quando o Código Bustamante afirma que uma lei é territorial, ele está

                                                            11 Os termos in verbis são: “Art. 3º Para o exercício dos direitos civis [...] categorias seguintes: [...] II – As que obrigam por igual a todos os que residem no território, sejam ou não nacionais – denominadas territoriais, locais ou de ordem pública internacional”.

12 Como segue: “Art. 3º Para o exercício dos direitos civis [...] categorias seguintes: [...] III – As que se aplicam somente mediante a expressão, a interpretação ou a presunção da vontade das partes ou de alguma delas – denominadas voluntárias, supletórias ou de ordem privada”.

Page 69: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

69

dizendo apenas que o país signatário não pode estabelecer para a matéria

elemento de conexão que se relacione com atributos pessoais, especificamente a

nacionalidade ou o domicílio do indivíduo; neste caso, o país deve definir um

elemento de conexão impessoal, capaz de vincular qualquer pessoa que resida

no território.

A premissa de que o Código Bustamante define apenas os estatutos

de conexão e não os elementos de conexão da norma é reforçada pelas exceções

contidas no próprio Código. Em seu título preliminar, como já dito, o Código

divide as normas jurídicas nas três categorias estudadas, vinculando-as à pessoa,

ao lugar ou à expressão da vontade, conforme o caso. É possível observar

diversas referências expressas a essas três categorias ao longo do documento.

Entretanto, em determinadas passagens, o Código Bustamante vai além, não

apenas definindo o estatuto de conexão, mas também estabelecendo o elemento

de conexão a ser observado para determinada questão. Assim, por exemplo, no

capítulo que trata “dos contratos em geral”, o Código estabelece os estatutos de

conexão que serão observados nos diferentes aspectos de um contrato: a lei

pessoal para a capacidade (art. 176), a lei territorial para os vícios de

consentimento (art. 177), a lei voluntária para a interpretação das cláusulas do

ajuste (art. 184) e assim por diante. No entanto, em seu art. 180, o Código

Bustamante afirma que, em relação à necessidade de escritura ou documento

público para a eficácia de determinado ato, será aplicada, de forma simultânea,

“a lei do lugar do contrato e a da sua execução”. Ao falar em “lei do lugar do

contrato e a da sua execução”, o Código vai além da classificação trinária dos

estatutos de conexão; ele define o próprio elemento de conexão a ser observado

em tal aspecto do pacto (a lex locus contractus e a lex locus executionis).

O exemplo acima ilustra o padrão de sistematização adotado pelo

Código Bustamante: em caráter geral, ele define apenas os estatutos de conexão

da norma (pessoa, território ou vontade), transferindo à legislação interna de

cada país a escolha do correspondente elemento de conexão; somente em caráter

especial o Código fixa o elemento de conexão a ser observado.

Page 70: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

70

Assim, quando o Código afirma que a administração e disposição

dos bens pessoais da mulher respeitam a sua lei pessoal, ele está apenas

determinando que, para tais questões, o país signatário deve escolher a

nacionalidade ou o domicílio da mulher como elemento de conexão, e não outro

critério que seja indiferente aos seus atributos pessoais.

Linhas atrás, foi dito que o Código Bustamante faz uma referência

meramente tangencial às normas aplicáveis sobre os contratos de trabalho.

Assim foi taxada a menção que o Código faz às normas relacionadas às relações

de trabalho porque o documento, ao afirmar ser “territorial a legislação sobre

acidentes do trabalho e proteção social do trabalhador” (art. 198), não deixa claro

se a norma vincula imediatamente o empregador ou o Estado, ou seja, se as

questões acidentárias e a proteção social a que se refere dizem respeito à função

estatal que no Brasil é exercida pela Previdência Social ou se se trata das

obrigações de encargo do ente patronal.

Ao lado dessa incerteza, o Código Bustamante se limita a estabelecer

o estatuto de conexão das normas relativas a acidentes do trabalho e proteção

social do trabalhador: o território. Com tal disposição, o Código determina que

as normas relacionadas à matéria “obrigam por igual a todos os que residem no

território, sejam ou não nacionais” (art. 3º, II), o que equivale a dizer que o

elemento de conexão escolhido pelos países signatários do tratado não pode estar

atrelado a uma condição pessoal do trabalhador, especificamente a sua

nacionalidade ou domicílio. Assim, pelo Código Bustamante, um país signatário

não pode estabelecer a nacionalidade do trabalhador como elemento de conexão

para as suas normas sobre acidente e proteção social do trabalho. Um

determinado Estado, portanto, não pode definir que sua legislação sobre tais

disciplinas tenha aplicação restrita aos seus nacionais; deve, sim, eleger um

elemento de conexão diverso que a estenda a todos os que se encontram ou

residam em seu território, independentemente de sua nacionalidade ou

domicílio. Nada muito diferente do que está previsto no caput do art. 5º da

Constituição Federal de 1988.

Page 71: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

71

O Código de Direito Internacional Privado de 1928, vale repetir, não

define o elemento de conexão que deve ser observado em relação às normas

sobre acidente de trabalho e proteção do trabalhador; a escolha do elemento

compete ao país signatário, cuja única limitação – essa sim imposta pelo Código

Bustamante - é abster-se de vincular o elemento de conexão à condição pessoal

do trabalhador, especificamente a sua nacionalidade ou seu domicílio. O país,

portanto, é livre para estabelecer, por exemplo, a lex locus contractus, a lex locus

executionis ou o local da sede do empregador como elemento de conexão de sua

legislação acidentária e de proteção social dos trabalhadores.

Apesar de definir apenas o estatuto de conexão e, ainda, não ser claro

se a “legislação sobre acidentes do trabalho e proteção social do trabalhador” a

que se refere diz respeito à assistência social prestada pelo Estado ou ao vínculo

obrigacional entre patrões e empregados, o Código Bustamante foi interpretado

pela jurisprudência brasileira de forma bastante extensiva, que nele foi capaz de

enxergar a previsão de um elemento de conexão específico incidente sobre as

relações de emprego: a lex loci executionis. A jurisprudência brasileira assumiu

que o Código Bustamante determinaria que as obrigações derivadas das relações

de trabalho deveriam ser regidas pelas normas em vigor no local da efetiva

prestação de serviços, ainda que as respectivas obrigações tenham sido

contraídas em outro local ou que a sede do empregador esteja em outro lugar.

Tal resultante hermenêutica, equivocada, como se viu, acabou

ganhando condição de dogma no Direito do Trabalho brasileiro, a ponto de o

Tribunal Superior do Trabalho consolidá-la em sua súmula de jurisprudência nº

207, de 11 jul. 1985, cuja redação original fixava que “a relação jurídica

trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por

aquelas do local da contratação”13.

                                                            13 A incursão pelos precedentes que deram origem à súmula de jurisprudência nº 207 do Tribunal Superior do Trabalho demonstra claramente a adoção da premissa equivocada de que o Código Bustamante adota a lex loci executionis como elemento de conexão das obrigações derivadas na relação de emprego. Dentre os referidos precedentes, chama atenção o acórdão assim ementado: “Ainda que contratado no estrangeiro, o empregado tem o seu contrato de trabalho subordinado às leis do país onde presta serviços, de acordo com o artigo 323 do Código do Bustamante, que defere a competência da obrigação ‘locus executionis’” (TST, 2ª Turma, RR nº 4476/84, relator Min. Barata Silva, DJ de 28 jun. 1985). Referido acórdão desperta o interesse porque o citado

Page 72: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

72

A Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, que dispunha sobre a transferência

de trabalhadores em atividades de engenharia e assemelhadas contratados no

Brasil para o exterior, já estava em vigor à época da edição da súmula de

jurisprudência nº 207 do Tribunal Superior do Trabalho. Embora a referida

norma ainda tivesse alcance restrito a um grupo específico de trabalhadores, ela

adotava diversos elementos de conexão diferentes, como a lex locus contractus

(v. g., art. 4º, §§ 1º e 2º), o princípio da ordem pública instrumentalizado pela

regra da norma mais favorável (art. 3º, II) e o princípio da autonomia da vontade

(art. 4º, caput). A adoção de diferentes elementos de conexão pela Lei nº 7.064,

de 6 dez. 1982, era um claro sinal de que até mesmo o legislador, que costuma

estar alguns passos atrás da jurisprudência, já havia despertado para os

problemas e os resultados insatisfatórios que um elemento de conexão estático é

capaz de gerar. Tal movimento, entretanto, não foi percebido pelo Tribunal

Superior do Trabalho.

A Lei nº 11.962, de 3 jul. 2009, alterou a Lei nº 7.064, de 6 dez.

1982, no tocante aos sujeitos imediatamente vinculados às suas disposições.

Enquanto a redação original da lei limitava sua eficácia apenas aos engenheiros

e outros cargos técnicos conexos, a nova redação passou a estendê-la a todos os

trabalhadores indistintamente. Assim, qualquer trabalhador contratado no Brasil

e destacado para o exterior, independentemente da área ou atividade econômica,

passou a se sujeitar à disciplina da Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982.

Embora já existisse no Brasil uma lei geral sobre Direito

Internacional Privado, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

somente a partir da Lei nº 11.962, de 3 jul. 2009, é que a jurisprudência nacional

se sentiu segura para superar seus antigos – e equivocados – precedentes. Em 19

de abril de 2012, o Tribunal Superior do Trabalho divulgou o cancelamento da

súmula de jurisprudência nº 20714. É oportuno assinalar que o Tribunal Superior

                                                            art. 323 do Código Bustamante trata exclusivamente da competência jurisdicional (aspecto processual), não tendo qualquer relação com o problema de regência das obrigações trabalhistas (aspecto material). Outros precedentes invocam o princípio da ordem pública em sua ratio decidendi, o qual será examinado em espaço próprio.

14 Eventualmente, o Tribunal Superior do Trabalho costuma surpreender a comunidade jurídica com alterações em sua jurisprudência consolidada sem apontar os precedentes que deram origem ao novo entendimento, se existentes. É, justamente, o caso do cancelamento da súmula nº 207,

Page 73: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

73

do Trabalho há alguns anos já vinha afastando a aplicação das disposições do

Código Bustamante em relação aos trabalhadores em embarcações engajadas em

navegação de cabotagem, substituindo o elemento de conexão nele previsto – a

conhecida lei do pavilhão – por outro elemento mais consentâneo com o Direito

Internacional Privado contemporâneo e que será analisado mais adiante15. O

cancelamento da súmula de jurisprudência nº 207 foi a definitiva superação da

aplicação da lex loci executionis como elemento de conexão a ser observado nos

contratos de trabalho executados no exterior.

A Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, agora universalizada, prevê

diferentes elementos de conexão para cada aspecto do contrato de trabalho, como

será abordado ao longo das próximas seções. Tal modelo, por um lado, se

compatibiliza com a tendência do Direito Internacional Privado contemporâneo

que reconhece que atos jurídicos complexos, como é o caso de um contrato de

trabalho, se desenvolvem em etapas diferentes e cada uma delas pode guardar

correlação mais adequada com um ou outro sistema jurídico; por outro lado, o

padrão adotado pela Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, tal como se verá mais à frente,

segue, ainda que em parte, o método que vem sendo adotado pelo Direito

Internacional Privado contemporâneo no sentido de se substituirem os elementos

de conexão estáticos por regras de conexão dinâmicas.

                                                            cujo respectivo ato (Resolução nº 181, de 16 abr. 2012) não indica os julgados que deram origem à extinção do verbete. Tal prática, pensamos, não apenas desrespeita os jurisdicionados como torna o ato insubsistente em relação aos seus efeitos jurídicos. Ao contrário do legislador, que atua pautado em critérios de conveniência e oportunidade, as súmulas decorrem de normas produzidas pelos juízes no exercício da jurisdição, compreendendo uma situação específica, com contornos fáticos e jurídicos delimitados. Não se pode, portanto, aplicar uma súmula de jurisprudência de forma autônoma, destacada dos precedentes que lhe deram origem, tal como se fosse um texto legal; é necessário avaliar sempre as bases fáticas e jurídicas dos seus precedentes e confrontá-las com as mesmas bases do caso examinado. Comprovando tais afirmações, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito defende a tese de que a mera indicação de súmula, ainda que do próprio tribunal, é insuficiente para o conhecimento de recurso fundado em divergência jurisprudencial, constituindo ônus do recorrente a juntada dos precedentes que deram origem ao verbete sumular e, ainda, realizar o cotejo analítico dos casos, de forma a demonstrar a identidade de bases fáticas e jurídicas. O Código de Processo Civil de 2015 reforça tal ideia ao afirmar que não será considerada fundamentada a sentença que se limitar “a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos” (art. 489, § 1º, V). 15 A esse respeito, vide seção 2.4.2.3, infra.

Page 74: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

74

Por ora, é relevante destacar que a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982,

reconhece que a legislação brasileira em matéria de Direito do Trabalho pode ser

aplicada, ainda que parcialmente, sobre uma prestação de serviços ocorrida no

exterior. É o reconhecimento de que as normas jurídicas incidentes sobre as

relações de emprego possuem carga eficacial que excede o âmbito territorial de

poder da autoridade que a editou e que a lex loci executionis não constitui

elemento de conexão absoluto.

Retomando-se a linha de estudo proposta nesse espaço, passa-se à

avaliação crítica da aplicação da lex loci executionis como elemento de conexão

aplicável aos conflitos infranacionais de leis e, mais especificamente, aos que

dizem respeito às relações de trabalho.

É o ponto em que se depara com o problema central do presente

estudo. Apesar de nunca ter feito parte do nosso sistema legal e ter sido

expressamente abandonada pela jurisprudência em relação aos conflitos

internacionais de leis no espaço, os tribunais brasileiros insistem em aplicar a lex

loci executionis como elemento de conexão aos conflitos internos de normas,

que, dado ao caráter nacional da legislação estatal, acabam envolvendo os únicos

atos normativos locais: as convenções e acordos coletivos e – figura que

lamentavelmente o Brasil insiste em preservar – as sentenças normativas.

Por ser o aspecto central do trabalho, o tema será explorado de forma

mais detida no capítulo seguinte.

2.4.1.3 Domicílio profissional do trabalhador.

O título do presente tópico já revela algumas posições adotadas no

estudo. Ao falar em domicílio profissional, fica evidente a opção de exclusão do

domicílio pessoal ou natural como elemento de conexão aplicável às relações

de trabalho. Explicações são necessárias.

Page 75: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

75

Em razão de um importante instituto do Direito do Trabalho – a

transferência do empregado - a qualificação de domicílio é um dos pontos de

grande controvérsia na doutrina trabalhista, que muitas vezes o confunde com

residência ou habitação.

Habitação (ou morada, moradia) é o local onde a pessoa permanece

em caráter precário, provisório, sem a intenção de nela permanecer

indefinidamente. É uma situação exclusivamente fática, identificada pela mera

permanência do indivíduo em um local de abrigo. É o que ocorre, v. g., com as

pessoas que se hospedam em um hotel ou que alugam uma casa de veraneio para

uma temporada de férias. Residência, por sua vez, é o local onde a pessoa

estabelece sua moradia normal e permanente. Também é uma situação fática,

porém, ao contrário da mera habitação, é dotada de estabilidade. A residência é

o abrigo perene do indivíduo.

O Código Civil define como domicílio da pessoa natural “o lugar

onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo” (art. 70). Como o

conceito legal transmite, o domicílio é composto pela união de dois elementos;

um de ordem objetiva, a residência, e outro de ordem subjetiva, o animus

manendi, ou seja, a intenção de se fixar em caráter definitivo. O domicílio é o

local onde a pessoa concentra suas principais relações civis, constituindo a sede

de seus negócios jurídicos.

O Código Civil ainda decompõe o conceito de domicílio em uma

figura que ficou conhecida como domicílio profissional. A Lei Civil considera

como “domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão,

o lugar onde esta é exercida” (art. 72) e complementa afirmando que “se a pessoa

exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para

as relações que lhe corresponderem” (art. 72, § único). Como parece claro,

questões relacionadas ao exercício da profissão observarão o domicílio

profissional da pessoa, e não o seu domicílio pessoal. Eis a justificativa para a

exclusão do domicílio natural como elemento de conexão em matéria de

legislação do trabalho. Vale recordar que o Código Bustamante determina que o

Page 76: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

76

elemento de conexão adotado pelos países que lhe são signatários não pode estar

vinculado à condição pessoal do trabalhador, caso do domicílio pessoal.

Se no plano pessoal existe uma distinção entre os conceitos de

habitação, residência e domicílio, parece razoável afirmar que no plano

profissional tal distinção também existe. Dissemos linhas atrás que a

hospedagem do indivíduo em uma casa de veraneio ou em um hotel configura

mera habitação, pois não se trata do seu abrigo perene e estável. Por que, então,

deveríamos considerar que o trabalhador que executa serviços meramente

transitórios em um determinado local, sem qualquer fixação no lugar, teria

alterado o seu domicílio profissional? Um engenheiro que se dirige a outra

cidade a fim de inspecionar uma obra teria o seu domicílio profissional alterado

naquele único dia? A resposta parece ser negativa. E, nesse contexto, parece ser

razoável incorporar a distinção entre habitação, residência e domicílio para o

âmbito profissional. Esse juízo de razoabilidade, aliás, foi efetivamente realizado

pelo legislador brasileiro quando da redação da Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982.

A Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, expressamente exclui de sua

disciplina o destacamento de trabalhador para o exterior por prazo não superior

a noventa dias, desde que esteja ciente de tal transitoriedade e receba do

empregador as passagens de ida e volta e o custeio de despesas na forma de

diárias (art. 1º, § único). Referido diploma normativo, portanto, concede um

tratamento diferenciado à designação de trabalhador para outro país por curto

período de tempo, o qual foi assim definido pelo legislador a partir de um critério

objetivo: o seu prazo máximo de duração.

É possível identificar, ainda, que a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982,

regula exclusivamente as transferências provisórias do trabalhador para o

exterior, o que faz com que as transferências definitivas também fiquem

excluídas de seu alcance. Por não possuir assento na literalidade do texto legal,

tal afirmação exige um pequeno esforço lógico e o exame da norma em

perspectiva sistemática. Algumas considerações que podem auxiliar nessa

empreitada:

Page 77: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

77

Segundo a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, diversas obrigações

contratuais observarão obrigatoriamente o Direito brasileiro enquanto o

trabalhador estiver prestando serviços no exterior, como é o caso da legislação

previdenciária, do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, dos “reajustes e

aumentos compulsórios previstos na legislação brasileira”, do patamar salarial

mínimo da categoria a que pertencer o trabalhador e da estipulação do salário-

base, que deverá ser feito obrigatoriamente em moeda nacional brasileira (arts.

3º ao 5º). Projetemos tais disposições sobre a hipótese de um trabalhador

transferido em caráter definitivo para o exterior, onde fixara terminantemente

seu domicílio pessoal e profissional. Nesse caso, seria razoável que, passados

cinco ou dez anos da transferência, o empregador ainda tivesse que observar os

reajustes salariais da categoria no Brasil e não os reajustes locais? E se o

trabalhador fosse promovido, o novo salário teria que ser ajustado em moeda

brasileira, ainda que o indivíduo não tivesse mais qualquer vínculo concreto com

o Brasil? Para nós, é impossível defender que o Direito brasileiro regeria tal

contrato de trabalho por toda a sua existência, pois isso implicaria adotar uma

regra de conexão que não encontra paralelo em nenhum modelo legislativo ou

na profícua produção intelectual do Direito Internacional Privado. Isto porque a

Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, não se aplica apenas ao trabalhador brasileiro, mas

a qualquer trabalhador “removido para o exterior, cujo contrato estava sendo

executado no território brasileiro” (art. 2º, I). Um exemplo ilustra bem o

problema: um trabalhador contratado no México é transferido definitivamente

para o Brasil, onde permanece trabalhando por alguns anos, até ser transferido,

também em caráter definitivo, para Portugal. Nesse exemplo, se admitirmos que

a segunda transferência estivesse sujeita à disciplina da Lei nº 7.064, de 6 dez.

1982, teríamos que o contrato não seria regido nem pela lex loci contractus e

nem pela lex loci executionis, mas por uma regra de conexão completamente

atípica e jamais descrita pela doutrina: a lei brasileira, pelo simples fato de que

o trabalhador, em algum momento, prestou serviços no Brasil. É uma ideia que

ofende o senso comum de razoável.

Se a ideia de aplicar a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, às transferências

definitivas já esbarra nesse problema, ela é terminantemente afastada pela

própria norma analisada em sua unidade sistemática. Não é possível ignorar que

Page 78: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

78

o diploma legal em estudo, em diversas passagens, se refere à transferência como

um fato transitório. Expressões como “durante a transferência” (art. 5º, caput),

“enquanto estiver prestando serviços no exterior” (art. 5º, § 2º), “retorno do

empregado ao Brasil” (art. 7º, caput), “retorno ao Brasil, ao término do prazo da

transferência” (art. 7º, § único), “período de duração da transferência” (art. 9º,

caput) e “seguro de vida e acidentes pessoais [...] a partir do embarque para o

exterior, até o retorno ao Brasil” (art. 21, caput) deixam claro que a lei

examinada trata dos destacamentos de trabalhadores para o exterior a título

precário.

A Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, portanto, organiza as transferências

de trabalhadores para o exterior em três categorias distintas, concedendo a cada

uma delas um tratamento específico. Na primeira categoria, confinam-se os

destacamentos por prazo não superior a noventa dias, a respeito dos quais a

própria lei se põe ao largo ao afirmar expressamente que estes estão excluídos

de sua disciplina. A segunda categoria diz respeito às transferências de caráter

provisório, que são objetivamente reguladas pela lei. Por fim, na terceira

categoria, concentram-se as transferências definitivas para o exterior, as quais,

por análise lógico-sistemática, também estão excluídas da égide da norma.

É possível fazer uma correlação entre a arquitetura da Lei nº 7.064,

de 6 dez. 1982, e os conceitos de habitação, residência e domicílio: a primeira

categoria (transferência até noventa dias) equivaleria a uma mera alteração na

habitação do indivíduo; a segunda (transferência provisória) corresponderia a

uma mudança contingente em sua residência; a terceira (transferência definitiva)

guardaria relação com a mudança no domicílio do expatriado.

Para adequação do discurso, usaremos o adjetivo transitório para

qualificar o destacamento do trabalhador por curtíssimo período, exatamente o

que a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, considera como sendo o de até noventa dias.

Já os destacamentos que não são meramente acidentais continuarão com suas

rotulagens já consagradas na doutrina trabalhista, quais sejam, transferências

provisórias e definitivas. A escala temporal, ora proposta, tem início no

transitório, passa pelo provisório e encerra no definitivo.

Page 79: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

79

Se tanto ao destacamento do trabalhador por período não superior a

noventa dias (transitório), como à transferência definitiva para o exterior não se

aplicam a disciplina da Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, como ficariam, então, as

obrigações trabalhistas em ambos os casos? Respeitariam a legislação brasileira

ou a estrangeira?

De início, é evidente que as duas situações são bastante diferentes

entre si. Comparando-se os efeitos que uma transferência transitória gera na vida

do trabalhador com os mesmos efeitos projetados por uma transferência

definitiva, é possível afirmar com segurança que se trata de fenômenos

absolutamente distintos e que, por isso, devem receber tratamento jurídico

igualmente particularizado.

Na simples execução de serviços transitórios no exterior, o

trabalhador mantém o seu núcleo profissional intocado no local de origem, já

que o seu retorno será certo e breve. Nessa hipótese, ainda, é bastante provável

que o trabalho executado no exterior se reverta mais em benefício da unidade

empresarial do país de origem do que da unidade empresarial do país de destino,

se acaso esta existir; poder-se-ia dizer que o trabalhador, de fato, exerce

atividade para seu empregador brasileiro no exterior, e não que trabalha em

benefício de empresa ou do estabelecimento estrangeiro. O trabalhador mantém-

se completamente vinculado ao local de origem, apenas executando parte de seu

feixe de tarefas em outro local.

Nesse cenário, e considerando que tal destacamento precário não se

insere na disciplina da Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, duas opções imediatamente

surgem: manter o contrato submetido à legislação brasileira no período ou

aplicar a legislação estrangeira durante o destacamento de curta duração. A

resposta solução é absolutamente intuitiva, pois não seria lógico que o

trabalhador destacado por breve período não tivesse garantido os direitos que a

Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, garante ao trabalhador transferido em caráter

provisório, como proteção previdenciária, depósitos de FGTS, reajustes e

aumentos salariais, do patamar salarial mínimo da categoria, etc.; seria dar

menor proteção ao trabalhador em condição mais precária. Por outro lado, já

Page 80: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

80

manifestamos os problemas que a aplicação da lei brasileira pode gerar na

hipótese de transferência definitiva, em que o trabalhador rompe seus vínculos

profissionais com o país de origem em caráter terminativo. A única solução

racional parece ser manter o contrato de trabalho sob a regência da lei brasileira

no período de destacamento de curta duração e, nas transferências definitivas,

submetê-lo à regência do Direito do país de destino.

Em relação às transferências provisórias, a Lei nº 7.064, de 6 dez.

1982, criou uma regra específica de proteção aos trabalhadores em tal situação

ao adotar um sistema híbrido e dinâmico que concilia a aplicação da lei brasileira

para questões consideradas fundamentais ou vinculadas à temporalidade do

contrato de trabalho (Previdência, FGTS, patamares salariais mínimos etc.) e,

em relação às demais obrigações contratuais, prevê a aplicação da lei nacional

ou estrangeira, conforme presentes determinadas condições analisadas mais

adiante. O que importa nesse momento é que, em se tratando de transferência

provisória, não há a vinculação absoluta do contrato a uma única ordem

normativa.

Assim, parece que a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, adota o domicílio

profissional do trabalhador como o primeiro elemento de conexão a ser

observado, organizando um modelo que se desenvolveria sob as seguintes

premissas: (1) as obrigações derivadas do contrato de trabalho seriam regidas,

prima facie, pela lei em vigor no local do domicílio profissional do trabalhador;

(2) o contrato de trabalho continuaria subordinado à lei brasileira nos

destacamentos por prazo não superior a 90 dias, desde que o empregador observe

as disposições legais sobre ciência e custeio (situação que se assemelharia a uma

mudança na habitação do indivíduo); (3) em relação às transferências provisórias

(que na analogia proposta equivaleria a uma mudança na residência da pessoa),

o legislador determinaria a incidência de outros elementos de conexão, que serão

tratados adiante, criando um modelo fragmentário e dinâmico; (4) por fim, nas

transferências definitivas, as obrigações contratuais passariam a ser regidas pelo

Direito corrente no local do novo domicílio profissional do trabalhador.

Page 81: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

81

Tal sistematização será revista adiante, oportunidade em que se

observará que a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, adotou outro instrumento de

conexão de primeiro nível, relegando o domicílio profissional a elemento

secundário. Entretanto, é inequívoco que o domicílio profissional, ainda que

venha a ser considerado como elemento de conexão de segundo nível, é

absolutamente importante na definição do Direito aplicável aos contratos de

trabalho internacionais. Nesse sentido, é relevante observar que a adoção do

domicílio profissional do trabalhador como elemento de conexão encontra

paralelo em recentes tratados internacionais. A Convenção da Comunidade

Econômica Europeia Sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, de 1980

(CEE, 1980), conhecida como Convenção de Roma, dispõe que, ressalvadas

outras disposições que serão oportunamente analisadas, o contrato de trabalho

será regulado “pela lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do

contrato, presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que tenha sido destacado

temporariamente para outro país” (art. 6º, 2). A Convenção de Roma, como se

observa, vincula o contrato de trabalho à ordem jurídica em vigor no local em

que este presta seus serviços habitualmente, ainda que acidentalmente esteja

atuando em outro local. É bastante clara a correlação existente entre a Convenção

de Roma e o sistema da Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, especialmente na distinção

de domicílio profissional (local em que o trabalhador presta habitualmente seu

trabalho) e o de local transitório de prestação de serviços.

O Regulamento (CE) nº 593/2008 do Parlamento Europeu e do

Conselho da União Europeia (UE, 2008), que substituiu a Convenção de Roma

entre os Estados-Membros do bloco (art. 24), também reconhece o domicílio

profissional como elemento de conexão aplicável às relações de trabalho.

Estabelece o referido Regulamento que, à falta de escolha das partes acerca da

lei aplicável ao contrato de trabalho, este será “regulado pela lei do país em que

o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho” e, em complementação,

esclarece que “não se considera que o país onde o trabalhador presta

habitualmente o seu trabalho mude quando o trabalhador estiver

temporariamente empregado noutro país” (art. 8º).

Page 82: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

82

Esses rápidos exemplos servem para demonstrar que o domicílio

profissional constitui importante elemento de conexão em matéria de trabalho,

sobretudo na realidade contemporânea em que é comum o trabalhador executar

atividade em diversos locais, distantes pela medida de um rápido voo ou pela

velocidade de sua conexão com a internet, o que torna a adoção da lex loci

contractus ou da lex loci executionis uma ficção cujo resultado dificilmente será

satisfatório para ambos os protagonistas da relação de emprego. A ideia de

domicílio profissional, nesse contexto, estabilizaria a relação de emprego em um

local, uma espécie de sede jurídica do contrato de trabalho, ainda que o

trabalhador venha a executar serviços em outro lugar em caráter transitório ou

provisório. Embora estabilize o contrato, não o faz de forma definitiva e estática,

na medida em que o domicílio profissional pode se deslocar para outro ponto,

conforme se verifiquem as condições fáticas e jurídicas que o definem.

Por outro lado, a adoção do domicílio profissional como único

elemento de conexão não conduz a resultados razoáveis em grande parte das

situações, tal como percebido pela própria Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982. É que a

solução obtida pela aplicação de referido elemento tende a ser satisfatória apenas

para as duas hipóteses extremas, a do mero destacamento transitório e a da

transferência definitiva, pois afigura-se racional que, no primeiro caso, as

obrigações contratuais permaneçam regidas pela lei vigente no país de origem e,

no segundo, pela lei do país de destino. No entanto, a transferência provisória

envolve uma situação híbrida, em que há o deslocamento do trabalhador para

outro local de forma temporária, havendo a certeza de retorno à origem (na

correlação que fizemos anteriormente, seria como se o trabalhador alterasse sua

residência, mas não o seu domicílio profissional). A complexidade desse último

contexto talvez seja mais visível justamente no âmbito de uma transferência

ocorrida dentro do território nacional em função de uma realidade reconhecida

até pela Constituição Federal: as grandes diferenças regionais. Disposições

convencionais relacionadas diretamente ao custo de vida local, como o subsídio

para alimentação do trabalhador, por exemplo, permaneceriam reguladas pelas

disposições vigentes no local de origem ou passariam a ser regidas pelas normas

vigentes no local de destacamento? Por outro lado, questões como participações

nos lucros e resultados, que dizem respeito aos resultados financeiros globais da

Page 83: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

83

empresa e dos resultados individuais de todo o corpo de trabalhadores,

respeitariam qual ordem jurídica?

Em vista de tais problemas, a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, adotou

outros critérios de conexão em caso de transferência provisória, o que obriga

reconhecer que o domicílio profissional não pode ser aplicado como único

instrumento de definição da regência legal do contrato de trabalho.

Por fim, as novas dinâmicas laborais, como as que se originam do

teletrabalho ou do trabalho em domicílio, exigem que se faça uma releitura do

próprio conceito de domicílio profissional, se é que é possível, de alguma forma,

compatibilizar o instituto com tais figuras.

2.4.2 Modelo dinâmico: os princípios do Direito Internacional

Privado.

Como observado ao longo dessas páginas, a adoção de um elemento

de conexão estático, seja a lex loci contractus, a lex loci executionis, o domicílio

profissional do trabalhador ou qualquer outro, jamais será capaz de oferecer uma

solução adequada e completa para as relações contratuais dinâmicas e que

envolvem múltiplas obrigações, cada uma com características e vínculos

diferentes. E o melhor exemplo dessas relações complexas é justamente o

contrato de trabalho.

A teoria moderna do Direito Internacional Privado percebeu tal

ineficiência há tempos. Ao iniciar o seu estudo sobre os elementos de conexão

possivelmente incidentes sobre as obrigações contratuais, Amílcar de Castro

(1987, p. 432) cuida logo de advertir o seu leitor que esse tem sido um trabalho

“penoso e interminável”, envolvendo a mais complexa questão de Direito

Internacional Privado e que, até então, estaria se apresentando como

“doutrinariamente insolúvel, e positivamente mal resolvida pela legislação e pela

jurisprudência”. O ponto agudo do problema, ainda segundo Castro, estaria

Page 84: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

84

relacionado à insistência de se submeterem contratos complexos e com

características heterogêneas a uma única ordem jurídica.

De fato, o problema do Direito aplicável a uma relação contratual

surge somente quando as suas respectivas obrigações extrapolam os limites

territoriais de uma única ordem jurídica, projetando-se sobre pessoas e coisas

situadas sob o domínio de outro sistema legal; um contrato que se confina

integralmente em uma unidade jurídica, portanto, não representa um problema

de Direito Internacional Privado. Assim, contratos constituídos entre presentes,

de execução imediata e de âmbito local, dificilmente gerarão questionamentos a

respeito da lei a eles aplicáveis. Ao Direito Internacional Privado, quase sempre,

restam os contratos que envolvam obrigações complexas, celebrados entre

ausentes e geradores de prestações continuadas. Como advertido por Amílcar de

Castro (1987, p. 432), é mais próximo à realidade afirmar que tais contratos se

comportam mais como um encadeamento de múltiplos fatos jurídicos do que

como um ato unitário, razão pela qual torna-se difícil, senão impossível, vinculá-

los a uma única ordem jurídica. Seria como tentar classificar todas as espécies

vivas da terra em um único táxon: embora possível, o resultado final seria

insatisfatório.

Como todos os demais ramos da ciência jurídica, o Direito

Internacional Privado se estrutura sobre princípios fundamentais que conferem

a necessária ordenação e sistematização de suas regras. Tradicionalmente

acionados como instrumentos de integração, controle e restrição do

funcionamento das regras de conexão positivas, como um sistema de freios e

contrapesos (DOLINGER, 2007, p. 45-50), os princípios do Direito

Internacional Privado passaram pelo giro ontológico que, assim como em outras

disciplinas, sobretudo o Direito Constitucional, os colocou em posição cimeira

da dogmática jurídica. Nessa revolução, os princípios passaram a ser dotados de

carga eficacial suficiente para comporem, juntamente com as regras, o largo

espectro das normas jurídicas.

Há muito a doutrina de Direito Internacional Privado enfrenta os

problemas gerados pela adoção de elementos de conexão estáticos, determinados

Page 85: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

85

de forma objetiva e apriorísticas e que, portanto, são imunes às peculiaridades e

às necessidades do caso concreto. E foi na confrontação desse problema que a

disciplina passou a assimilar modelos de conexão dinâmicos, desenvolvidos e

construídos incidentalmente ao caso concreto e, portanto, permeáveis aos

valores e às especificidades do conflito examinado. Concentrando-se nos

aspectos mais relevantes à pesquisa, o estudo passa a examinar os três princípios

que possuem maior aderência com o problema central da investigação.

2.4.2.1 Princípio da autonomia da vontade.

É reconhecido pela doutrina como o mais antigo princípio positivo

de Direito Internacional Privado. Fundado na proposta de que as partes são livres

para definirem a lei que deverá reger as suas obrigações, o princípio da

autonomia da vontade vem sendo desenvolvido teoricamente desde o século XV

(VALLADÃO, 1971, p. 112). Atualmente, é amplamente aceito pela doutrina e,

em alguma medida, está previsto em praticamente todos os tratados

internacionais e legislações modernos de Direito Internacional Privado.

A prerrogativa que os particulares têm de, por ato próprio,

constituírem obrigações recíprocas e mutuamente exigíveis representa a válvula

de abertura do conhecimento científico organizado e conhecido como Direito

Privado. Tal denominação, que já não empolga knovos defensores como em

outros tempos, provavelmente em razão dos diversos pontos de intersecção entre

interesses públicos e privados que vêm se observando nas legislações

contemporâneas, parece realmente nunca ter sido correta. Explica-se: a liberdade

de contratar concede aos particulares o poder de criar uma relação obrigacional

própria, individualizada e autônoma, que prescinde de prévia autorização

legislativa; aliás, o contrato é comumente representado pelo clássico adágio que

o identifica como lei entre as partes. Entretanto, o contrato não é somente lei

entre os contratantes, mas também é lei perante o Estado, que a ele se vincula

diretamente para garantir a força eficacial de suas disposições. O

inadimplemento de um pacto privado permite que a parte lesada acione as forças

Page 86: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

86

do Estado – Judiciário e, eventualmente, Executivo – para que se lhe faça

cumprir. Em uma fórmula simplificada, pode-se dizer que os órgãos de Estado

estão vinculados ao contrato tal como estão vinculados às leis. O contrato,

portanto, não pode ser representado como sendo um fenômeno puramente

privado.

Se os particulares têm o poder de criar normas jurídicas que além de

obrigá-los também vinculam os órgãos de Estado, por qual razão tais indivíduos

não poderiam apenas escolher o conjunto normativo estatal que regerá os seus

interesses contratuais? Uma ordem estatal que concede a prerrogativa mais

ampla – a criação de normas - parece compatibilizar-se com a garantia de menor

amplitude – a escolha da lei que disciplinará o contrato. A aceitação dessa

dimensão da liberdade contratual consolidou as bases sobre as quais foram

edificadas as teorias que descrevem o princípio da autonomia da vontade e que

vêm sustentando sua aceitação por tribunais desde, pelo menos, o século XVIII16.

São os modernos diplomas de Direito Internacional Privado,

entretanto, que consagram o princípio da lex voluntatis como um dos mais

importantes instrumentos de solução dos conflitos interespaciais de leis em

matéria contratual. Jacob Dolinger (2007, p. 64-71) aponta uma extensa relação

de países cujas legislações internas franqueiam às partes de um contrato

internacional o direito de escolher qual ordenamento regerá as respectivas

obrigações, como é o caso, apenas a exemplo, da Alemanha, da Inglaterra, da

França, da Itália, da Suíça, da Bélgica, da Holanda, de Portugal e da Rússia. Já

no âmbito das convenções e tratados internacionais, Dolinger nomina pelo

menos 12 documentos, todos produzidos a partir da metade do século XX, em

que o princípio da autonomia da vontade não apenas está presente, mas ocupa

posição central.

Nesse sentido, a já citada Convenção de Roma (CEE, 1980) adota a

lex voluntatis de forma explícita ao estabelecer que os contratos internacionais

                                                            16 Segundo Jacob Dolinger (2007, p. 63), uma decisão proferida em 1796 por uma corte britânica constitui o registro mais antigo da aceitação do princípio da autonomia da vontade por um tribunal.

Page 87: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

87

serão regidos pela lei que for escolhida pelas partes de forma expressa ou

presumida17. O Regulamento (CE) nº 593/2008 (UE, 2008) reafirma o direito

que os contratantes têm de eleger por escolha a ordem jurídica que regerá as suas

respectivas obrigações.

Tanto a Convenção de Roma como o Regulamento (CE) nº 593/2008

posicionam o princípio da autonomia da vontade como regra de solução de

conflitos internormativos de primeiro nível, o que significa que outras regras e

elementos de conexão serão verificados apenas caso as partes não manifestem

escolha, explícita ou implícita, pela lei de um determinado país.

O princípio da autonomia da vontade também protagoniza tratados e

acordos internacionais adotados por outros blocos políticos regionais e por

organizações globais. A respeito dos primeiros, a mais importante referência é a

chamada Convenção do México (OEA, 1994), que vincula o contrato à lei

expressamente escolhida pelas partes para regê-lo ou, na ausência de

manifestação explícita, àquela cujo comportamento das partes e as cláusulas

contratuais indicarem ter sido adotada para tal fim18.

No âmbito dos organismos suprarregionais, o Instituto de Direito

Internacional, reconhecendo a autonomia da vontade como um dos princípios

fundamentais de Direito Internacional Privado e consagrada como uma

expressão da liberdade individual em diversas convenções e resoluções da

Organização das Nações Unidas, aprovou em 1991 uma resolução que

estabelece que as partes são livres para eleger o Direito que regerá as obrigações

derivadas do contrato celebrado (IDI, 1991).

                                                            17 Conforme assentado em seu art. 3º, 1, in verbis: “o contrato rege-se pela lei escolhida pelas partes. Esta escolha deve ser expressa ou resultar de modo inequívoco das disposições do contrato ou das circunstâncias da causa” (CEE, 1980). 18 Tal como segue: “art. 7º. O contrato rege-se pelo direito escolhido pelas partes. O acordo das partes sobre esta escolha deve ser expresso ou, em caso de inexistência de acordo expresso, depreender-se de forma evidente da conduta das partes e das cláusulas contratuais, consideradas em seu conjunto. Essa escolha poderá referir-se à totalidade do contrato ou a uma parte do mesmo” (OEA, 1994).

Page 88: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

88

Mais recentemente, a Conferência de Haia de Direito Internacional

Privado aprovou documento que organiza e sistematiza a aplicação da lex

voluntatis aos contratos comerciais internacionais, reconhecendo sua

importância no contexto do Direito Internacional Privado contemporâneo

(HCCH, 2015).

Construído a partir de uma ideia simples – a liberdade de escolha da

lei aplicável ao contrato – o princípio da autonomia da vontade desafia algumas

questões importantes e que ainda provocam esforços doutrinários. Uma delas diz

respeito à possibilidade de as partes escolherem a lei de um país ou território que

não possua qualquer conexão com o contrato ou com elas próprias; uma lei eleita

pelas partes de forma absolutamente livre. Outra questão relevante é se as partes

poderiam escolher ordens jurídicas distintas para reger partes diferentes do

contrato – a chamada dépeçage.

A mais complexa questão enfrentada na aplicação do princípio da

autonomia da vontade relaciona-se com tema bastante íntimo do Direito do

Trabalho: o problema das normas estatais de conteúdo imperativo, sobre as quais

os contratantes não podem dispor livremente. A dúvida consiste em saber se

autonomia da vontade teria espaço de atuação diante de um regramento estatal

de aplicação obrigatória.

A Convenção de Roma responde a essa indagação na forma de uma

regra geral (art. 7º) e de regras especiais, essas que dizem respeito

especificamente às relações de consumo (art. 5º) e contratos individuais de

trabalho (art. 6º). Segundo a regra geral, as leis imperativas do país em que a

situação regulada possuir conexão mais estreita pode prevalecer sobre a lei

escolhida pelas partes, desde que essa aplicação sobrejacente seja determinada

pela própria lei obrigatória. A aplicação efetiva de um Direito sobre o outro,

segundo a Convenção, dependerá da natureza e do objeto da questão, bem como

das consequências que a aplicação de uma ou outra norma poderá gerar19. Como

                                                            19 In verbis: “Ao aplicar-se, por força da presente Convenção, a lei de um determinado país, pode ser dada prevalência às disposições imperativas da lei de outro país com o qual a situação apresente uma conexão estreita se, e na medida em que, de acordo com o direito deste último país, essas disposições sejam aplicáveis, qualquer que seja a lei reguladora do contrato. Para se

Page 89: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

89

se observa, a Convenção de Roma não possui uma regra geral estática e definida

aprioristicamente.

Mais relevante para o presente estudo é a norma especial dirigida aos

contratos individuais de trabalho. A Convenção de Roma não repele totalmente

a possibilidade de as partes de um contrato individual de trabalho escolherem a

lei que regerá as respectivas obrigações; entretanto, disciplina que tal escolha

não poderá ter como resultado a privação do trabalhador da proteção estabelecida

nas leis imperativas que seriam aplicáveis ao contrato na falta de escolha - a lei

do país da prestação habitual de serviços ou, não havendo prestação de serviços

habitual em um único local, a lei do país em que está sediado o estabelecimento

que contratou o trabalhador, salvo, quanto a essa, se o contrato de trabalho

apresentar uma conexão mais estreita20 com outro país, situação em que a lei

desse último será observada21.

Como se observa, a Convenção de Roma delimita o espaço em que

o princípio da autonomia da vontade possa produzir efeitos, o qual corresponde

exatamente àquele não demarcado pelas leis imperativas. É um modelo bastante

conhecido pelo Direito do Trabalho brasileiro.

O Regulamento (CE) nº 593/2008 não alterou substancialmente as

disposições da Convenção de Roma sobre a lei aplicável aos contratos

                                                            decidir se deve ser dada prevalência a estas disposições imperativas, ter-se-á em conta a sua natureza e o seu objecto, bem como as consequências que resultariam da sua aplicação ou da sua não aplicação” (CEE, 1980, art. 7º). 20 A ideia de “conexão mais estreita”, já invocada anteriormente, será explorada de forma detida mais adiante. 21 Assim está disposto no art. 6 da Convenção de Roma: “1. Sem prejuízo do disposto no artigo 3º, a escolha pelas partes da lei aplicável ao contrato de trabalho, não pode ter como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe garantem as disposições imperativas da lei que seria aplicável, na falta de escolha, por força do nº 2 do presente artigo. 2. Sem prejuízo do disposto no artigo 4º e na falta de escolha feita nos termos do artigo 3º, o contrato de trabalho é regulado: a) Pela lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que tenha sido destacado temporariamente para outro país, ou b) Se o trabalhador não prestar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, pela lei do país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador, a não ser que resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato de trabalho apresenta uma conexão mais estreita com um outro país, sendo em tal caso aplicável a lei desse outro país”.

Page 90: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

90

individuais de trabalho, mantendo a ideia central a respeito dos limites da

autonomia da vontade das partes na escolha da lei de regência.

Outros instrumentos normativos internacionais são mais restritivos

em relação à aplicação do princípio da autonomia da vontade em matéria de

relações do trabalho, alguns até a proscrevendo. Em documento que sistematiza

a aplicação do princípio da autonomia da vontade nos contratos comerciais

internacionais, a já referida Conferência de Haia de Direito Internacional

Privado expressamente ressalva a adoção da lex voluntatis em contratos que

envolvam consumidores ou que digam respeito às relações de trabalho (art. 1,

1). A entidade justifica a inaplicabilidade do princípio da autonomia da vontade

a esses contratos sob o reconhecimento de que muitos países os protegem por

normas especiais de tutela que não podem ser derrogadas contratualmente e que

são destinadas a proteger a parte mais fraca da relação jurídica, consumidores e

trabalhadores, de abusos que possam ser praticados sob a liberdade contratual

(Commentary, 1.10).

Não é diferente no âmbito interno. A Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982,

que dispõe sobre a transferência de trabalhadores para o exterior, estabelece que

alguns aspectos do contrato de trabalho, como o salário-base e o adicional de

transferência, serão regulados pelas próprias partes em ajuste escrito (art. 4º,

caput). Tal disposição, entretanto, diz respeito apenas à fixação das condições

iniciais do ajuste, não representando a escolha da lei que regerá a relação; tanto

que os parágrafos do citado diploma vinculam o contrato à lei brasileira,

obrigatoriamente. Não se observa, na Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, espaço para

adoção da lex voluntatis.

O postulado de que as partes podem regular livremente o contrato

que as vincula pressupõe, para ser verdadeiro, a presença de uma condição

fundamental e que sustenta todo o edifício teórico do liberalismo: a autonomia

da vontade. Essa expressão pode ser compreendida a partir de dois vetores; o

primeiro, como a supremacia da vontade sobre convenções de qualquer natureza,

inclusive legais; o segundo, talvez mais relevante, como referente à reserva

mental pura, desvencilhada de qualquer elemento que a condicione ou a

Page 91: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

91

direcione para um ou outro sentido. Para ser considerada fonte legítima de

obrigações, a autonomia da vontade deve ser manifestada em um ambiente de

equilíbrio material entre os contratantes, atmosfera raramente observada em

relações jurídicas em que um dos contratantes se encontra em posição de

vantagem sobre o outro, seja ela de natureza econômica, técnica, informacional,

moral, dogmática ou mesmo derivada de sua menor dependência em relação ao

objeto do ajuste.

O Direito do Trabalho foi construído sob essa premissa, seguida por

outra que reconhece a relação entre empregado e empregador como um vínculo

entre desiguais. Como resultado, o ordenamento trabalhista concede às partes

um espaço negocial bastante restrito, o qual está à margem das matérias

objetivamente reguladas em lei. No âmbito do Direito do Trabalho interno, é

possível, em uma síntese, afirmar que a vontade não opera no espaço já

demarcado pela lei.

É evidente que o problema da autonomia da vontade no Direito do

Trabalho não se resume ao que foi dito nos parágrafos anteriores, já que se trata

de um dos temas mais pesquisados na área e que dispõe de amplo acervo teórico.

O que releva para o estudo é que, além dessa questão que envolve a livre

manifestação do agir, a adoção da lex voluntatis em matéria trabalhista esbarraria

em outro aspecto: o caráter imperativo das normas de tutela do trabalho. Tal

problema, por sua vez, gera uma espiral que faz com que se retorne ao ponto

inicial. Qual lei é imperativa? Seria a do local em que o trabalhador foi

contratado, a do seu domicílio profissional ou a do local para o qual foi

destacado? Como se observa, a ideia corrente de que as normas de Direito do

Trabalho são imperativas provoca o retorno ao problema inicial da norma de

regência do contrato de trabalho. Em nosso sentir, tal efeito afasta totalmente a

possibilidade das partes escolherem por determinação própria o ordenamento

que regerá o contrato.

Carlos Roberto Husek (2015, p. 192) defende que a escolha da lei

pelos contratantes, em matéria trabalhista, é válida, desde que o ordenamento

não rejeite expressamente a escolha. O referido autor prossegue reconhecendo

Page 92: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

92

que, entre nós, o campo de aplicação da autonomia da vontade seria

consideravelmente restrito, ante o grande número de normas que são

reconhecidas como sendo de ordem pública; ao final, Husek se posiciona

afirmando que o trabalhador realmente deve ser protegido pela lei, mas tal

proteção não pode ter como consequência reduzi-lo a um ponto próximo da

incapacidade, retirando-lhe toda a perspectiva de crescimento que poderia ser

alcançado a partir de sua autodeterminação.

O pensamento de Husek merece algumas considerações. A lex

voluntatis é examinada no presente estudo em uma única dimensão: a

possibilidade das partes elegerem a ordem jurídica que irá reger o respectivo

contrato. Assim, se um trabalhador brasileiro for destacado para Angola, por

exemplo, a adoção da lex voluntatis, na dimensão ora estudada, significaria que

as partes, empregado e empregador, poderiam convencionar que, no período de

destacamento, o contrato ficaria regido em todo ou em parte pela lei brasileira,

pela lei angolana ou, até mesmo, pela lei de um terceiro país. As partes teriam a

liberdade de escolher a ordem jurídica que regerá o contrato de trabalho ou partes

específicas dele. Isso não se confunde com a possibilidade dada às partes de

convencionarem condições contratuais adicionais, que serão observadas de

forma concomitante com a lei que rege o contrato. É o que ocorre em nosso

Direito interno, em que as partes podem pactuar livremente condições de

trabalho, desde que essa convenção não implique restrição dos direitos já

previstos em lei. Ainda no exemplo do trabalhador destacado para Angola,

imagine-se que a ordem jurídica determine que o contrato seja regido no período

pela lex loci executionis,  afastando a adoção da lex voluntatis. Tal fato não

impediria que as partes convencionassem direitos e obrigações adicionais,

acessórios ou mesmo dispor sobre questões que não colidam com a lei angolana.

Como se observa, são institutos diferentes: a lex voluntatis, na dimensão ora

examinada, representa a escolha da lei que regerá o contrato e não se confunde

com a possibilidade de as partes pactuarem em contrato obrigações recíprocas –

esta, outra dimensão da autonomia da vontade.

Page 93: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

93

Se a adoção da lex voluntatis em matéria de Direito Internacional do

Trabalho é no mínimo controvertida, sua aplicação em relação aos conflitos

internos de leis é ainda mais desafiadora.

Além de consideráveis custos, o destacamento de um trabalhador

para o exterior também representa para a empresa um problema de ordem legal,

notadamente com o visto de trabalho. É evidente que as empresas evitam ao

máximo tais transtornos, só transferindo ao exterior os empregados efetivamente

essenciais à realização da atividade. Aliás, muitos países vinculam a emissão de

visto a funcionários expatriados à comprovação de que não existe no local de

destino cidadão nacional com igual capacitação técnica ou da impossibilidade

de se designar a atividade a residentes locais. Os trabalhadores destacados,

portanto, costumam ter alta competência técnica e grande importância para os

negócios da companhia. São empregados que têm uma capacidade de

negociação, frente ao empregador, um pouco mais elevada que os demais

trabalhadores da empresa.

O cenário tende a ser diferente nos destacamentos internos. É

comum que tanto os integrantes do quadro técnico-operacional da empresa como

os ocupantes de posição mais elevada sejam indistintamente designados para a

realização de atividade em outro local. É o que ocorre, apenas como exemplo,

na indústria da construção civil. Outra nota distintiva é que os destacamentos

internos prescindem de atos preparatórios mais elaborados como exigem as

viagens internacionais, muitas vezes reduzindo-se a uma singela ordem de

cumprimento de uma tarefa em outro local. O tempo de permanência no local de

destino, que tende a ser superior nas designações ao exterior, é outro fator

diferencial.

Tal conjunto contextual implica se reconhecer que a vontade do

trabalhador é mais suscetível de ser condicionada – e, portanto, desprovida de

autonomia – em um destacamento interno do que em uma transferência

internacional.

Page 94: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

94

Como se observa, a adoção da lex voluntatis nos conflitos internos,

em matéria de Direito do Trabalho, tende a produzir um resultado insatisfatório,

pois, invariavelmente, resultaria em discussões sobre os atributos da vontade

manifestada pelo trabalhador, além de um problema adicional que

compreenderia o desacordo entre as partes a respeito da lei de regência do

contrato. Nada justifica a adoção de uma regra de conexão que, longe de

pacificar e trazer segurança jurídica, implicará um ambiente conflituoso e

incerto. Ademais, como se verá adiante, o contrato de trabalho possui uma

complexidade tal que torna impossível, nos destacamentos provisórios, submetê-

lo integralmente à ordem legal do local de origem ou do local de destacamento.

2.4.2.2 Princípio da proteção.

Alguns autores reconhecem a existência de um princípio de Direito

Internacional Privado que é assimilado com confortável intimidade pelos

operadores do Direito do Trabalho. O princípio da proteção sustentaria uma

regra de conexão que determina que a situação jurídica internacionalizada deva

ser regulada, em sua substância, pelo ordenamento que se apresentar mais

favorável à parte identificada como vulnerável ou hipossuficiente na relação

jurídica, seja em função de um atributo subjetivo ou de critério objetivo. O

princípio da proteção, portanto, teria aplicação reservada às relações jurídicas

travadas entre indivíduos materialmente desiguais, sobre elas repousando em

garantia de tutela da parte mais fraca. Ante tal condição de incidência, o princípio

da proteção é invocado, especialmente, à solução dos conflitos internormativos

que envolvam consumidores, contratos de trabalho e relações familiares.

O denominado princípio da proteção, do Direito Internacional

Privado, parece não receber, por parte da doutrina especializada, a mesma

atenção que recebem os outros institutos que compõem tal cadeira acadêmica.

Esse tratamento diferenciado, que se evidencia pela ausência de uma

sistematização completa do princípio, pode ter como causa o fato de seu campo

de estudo se situar em fronteiras interdisciplinares, atraindo o interesse de outros

Page 95: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

95

ramos do Direito, como o do Trabalho e do Consumidor. Nessa guarda

compartilhada, o esboço inicial do princípio da proteção, feito pela doutrina do

Direito Internacional Privado, acabou não recebendo até o momento a sua arte

final.

Essa obscuridade no conhecimento jurídico é visível até mesmo

entre os grandes nomes do Direito Internacional Privado. Após constatar que a

jurisprudência brasileira rejeita a aplicação das regras de conexão previstas na

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (local de constituição do

contrato), dada a característica especial do contrato de trabalho, Haroldo

Valladão (1978, p. 99-100) reconhece que as obrigações derivadas da relação de

emprego, como regra geral, devam ser regidas pela lei do lugar do efetivo

exercício da atividade profissional do trabalhador (lex loci executionis). Em

franco apoio à lei do local da prestação de serviços, o referido autor faz menção

a anteprojeto de lei de sua autoria, que almejava substituir a LINDB, no qual

postulara que os contratos de trabalho iniciados, executados ou encerrados no

Brasil estariam sujeitos à lei nacional relativamente aos “direitos, vantagens e

garantias, mínimos, do empregado”. Prosseguindo, Valladão afirma que essa

ideia da existência de um contingente de direitos mínimos dá sustentação à

aplicação de outro critério de conexão, o da norma mais favorável ao empregado,

o qual determinaria a aplicação do conjunto normativo que se afigurar mais

benéfico ao trabalhador.

Concluindo essa parte de seu estudo, Haroldo Valladão afirma que,

se o trabalhador executar a sua atividade em múltiplos lugares, os elementos de

conexão serão diferentes dos anteriores: se um dos locais de prestação de

serviços se situar no Brasil, adotar-se-á a lei comum às partes, empregado e

empregador, portanto, a lei brasileira; se todos os locais forem no exterior, então

será observável a lei do domicílio do trabalhador, pessoa protegida pelo Direito

do Trabalho; por fim, no caso de empregado viajante, o Direito de regência do

contrato será aquele vigente no domicílio do empregador. Encerrando, o autor

em referência ainda reconhece algum espaço para a aplicação do princípio da

autonomia da vontade (VALLADÃO, 1978, p. 100).

Page 96: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

96

Há uma aparente contradição entre as diversas regras de conexão

sugeridas por Haroldo Valladão. Se o contrato de trabalho é regido pela lei da

terra em que o trabalhador cumpre sua prestação, então a ele tocariam todos os

direitos previstos na lei do lugar e não apenas os chamados direitos mínimos. Se

considerarmos como mínimos apenas os direitos fundamentais dos

trabalhadores, tal contradição deixa de ser meramente aparente para se tornar

concreta. Da mesma forma, a premissa de adoção da lei mais favorável talvez

afaste, por incompatibilidade, a tese de adoção da lei do domicílio do trabalhador

ou do domicílio do empregador. E, por fim, é bastante difícil assimilar a

coexistência de um princípio que ordena a aplicação da norma mais favorável

com outro que prestigia a autonomia da vontade.

Como se observa, além da ausência de uma sistematização em

relação ao chamado princípio da proteção, bem como das demais regras de

conexão citadas, Valladão parece referir-se a direitos mínimos – que, segundo

ele, justificariam a regra de aplicação da norma mais favorável – como um

patamar social garantido pela ordem estatal brasileira aos trabalhadores aqui

contratados ou que executam no Brasil as suas atividades, patamar esse que seria

assegurado por normas especiais cuja eficácia repeliria a aplicação da lei

estrangeira em relação às matérias por elas disciplinadas. Tal ideia, no entanto,

integra o núcleo de um dos mais importantes institutos do Direito Internacional

Privado: o princípio da ordem pública. Valladão, então, acaba justificando um

princípio (o da proteção) em outro princípio (o da ordem pública), o que, de

plano, não parece sustentável.

Jacob Dolinger (2014, p. 357; 2007, p. 97-98) reconhece o princípio

da proteção do Direito Internacional Privado, porém lhe confere pouquíssimo

espaço em sua extensa produção técnica, suficiente apenas para comunicar o

leitor a respeito de sua existência, informar o seu propósito de tutelar a parte

mais fraca da relação jurídica e exemplificar o Direito do Trabalho como um dos

seus campos de aplicação. Não se observa em Dolinger, tal como não se observa

em nenhum outro autor do Direito Internacional Privado, o aprofundamento

teórico que seria de se esperar ao se tratar de um instituto que tem a pretensão

de ser um dos princípios da disciplina. Entretanto, o autor mencionado oferece

Page 97: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

97

um referencial que pode ajudar a entender os motivos dessa omissão. Dolinger

(2007, p. 97) afirma que o princípio da proteção opera por intermédio de normas

imperativas e tem o apoio frequente de outro instituto fundamental do Direito

Internacional Privado: o princípio da ordem pública. Ao congregar os princípios

da proteção e o da ordem pública, Dolinger acabou incidindo na mesma confusão

observada em Haroldo Valladão.

Amílcar de Castro (1987, p. 482 e segs.) não envereda por tal senda.

Esse autor não faz qualquer referência à existência de um princípio da proteção.

Ao contrário dos autores acima citados, Castro prefere distinguir o que denomina

“disposições de polícia em matéria de trabalho” das “disposições imperativas de

direito privado”. A primeira categoria compreenderia as normas de natureza

regulamentar administrativa, de Direito Público, cuja inobservância deflagraria

a imediata ação do Estado contra o ofensor por intermédio de sanções de

natureza penal; tal categoria incluiria as normas relativas à segurança e higiene

do trabalho, ao trabalho do menor, à duração do trabalho e aos períodos de

repouso. A segunda categoria diria respeito às normas que regulam a relação

horizontalmente estabelecida entre empregado e empregador, cujo

descumprimento empolgaria ação judicial por parte do ofendido em busca da

reparação dos danos sofridos.

A partir dessa divisão, Amílcar de Castro (op. cit.) assenta que as

normas de polícia não repercutem no Direito Privado, nem mesmo em relação

às situações internacionalizadas. É como se esse conjunto de normas especiais

restasse à margem de toda discussão envolvendo o conflito de leis no espaço,

situando-se além dos domínios do Direito Internacional Privado e a elas se

aplicando a lei do foro (lex fori). Já em relação às demais normas de Direito

Privado, Castro invoca alguns exemplos de relações de trabalho desenvolvidas

de forma transnacional para demonstrar a existência de bases fáticas e jurídicas

distintas em cada uma delas e, ao final, vaticinar que não é possível se

estabelecer uma única regra de conexão que se aplique a todos os casos.

Os três autores citados convergem para um ponto comum. Eles

reconhecem que a relação de trabalho está sujeita à incidência de algumas

Page 98: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

98

normas que se diferenciam das demais quanto ao seu critério de conexão ao

contrato. Tais normas, que garantem direitos mínimos dos trabalhadores

(Haroldo Valladão), compõem a ordem pública (Jacob Dolinger) e veiculam

disposições de polícia em matéria de trabalho (Amílcar de Castro), detêm uma

carga eficacial diferenciada que é capaz de repelir a aplicação do Direito

estrangeiro em relação ao fato ocorrido no Brasil, e até mesmo no exterior,

quando se verificar algum componente de conexão do contrato à ordem jurídica

brasileira.

O Direito Internacional Privado concentra o estudo dessas normas e

a forma como elas se projetam sobre as diversas situações jurídicas

internacionalizadas no antigo e complexo princípio da ordem pública. Com a

simplicidade que convém à compreensão, o referido princípio delimita um

âmbito de salvaguarda do Direito nacional que neutraliza a eficácia da lei

estrangeira, ainda que as regras de conexão conduzam a ela, impede o

reconhecimento de atos jurídicos praticados no exterior e obsta a execução de

sentenças proferidas por tribunais adventícios (DOLINGER, 2014, p. 411).

Um dos maiores problemas do Direito Internacional Privado consiste

em definir com precisão qual é esse âmbito de salvaguarda, ou seja, quais leis,

princípios, costumes, traços culturais, dentre outros institutos, integram esse

conceito indeterminado chamado ordem pública. Jacob Dolinger reconhece que

o princípio da ordem pública é o “grande drama” (2007, p. 115) do Direito

Internacional Privado e assim ocorre porque sua natureza não seria

exclusivamente jurídica, mas também, e principalmente, de ordem “filosófica,

moral, relativa, alterável e, portanto, indefinível” (2014, p. 412). Dimensionando

ainda mais o problema, Dolinger afirma que o princípio em questão reflete a

“filosofia sócio-político-jurídica” de um sistema estatal, representando a “moral

básica” de uma nação. Logo em seguida, Dolinger surpreende o leitor, à altura

já consumido por conceitos tão vagos, ao advertir que não é possível encontrar

uma fórmula que esclareça “o que vem a ser básico na filosofia, na política, na

moral e na economia de um país” (idem).

Page 99: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

99

O princípio da ordem pública é aplicado universalmente. No plano

do Direito Internacional Privado brasileiro, a Lei de Introdução às Normas do

Direito Brasileiro o reconhece ao determinar que “as leis, atos e sentenças de

outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no

Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons

costumes” (art. 17).

Como, no entanto, é possível aplicar um princípio cujo suporte fático

é tão vago a ponto de não ser possível defini-lo?

Em determinadas situações, a existência de uma questão de ordem

pública parece ser evidente. Bom exemplo são as disposições legais a respeito

da idade mínima para o trabalho. Alguns países, como é o caso da Indonésia,

definem a capacidade para o trabalho a partir dos 13 anos de idade22, enquanto o

Brasil a fixa aos 16 anos, ressalvada a condição especial do aprendiz. Supondo

que a capacidade civil, incluindo a do trabalho, fosse definida pela lei do

domicílio da pessoa, seria possível cogitar, prima facie, que um adolescente

indonésio de 13 anos pudesse trabalhar no Brasil em condição de destacamento.

É evidente, contudo, que tal hipótese não seria admitida e a razão para tanto é

que a lei brasileira sobre o trabalho do menor constitui questão de ordem pública,

repelindo a lei estrangeira ainda que as regras de conexão aplicáveis a atraia à

regulação da situação jurídica.

Em outros casos, no entanto, a existência de uma questão de ordem

pública não é tão evidente. Uma dívida de jogo contraída licitamente no exterior

poderia ser executada no Brasil, onde tal prática é considerada ilícita? E uma

família poligâmica constituída em território estrangeiro em conformidade com a

lei local, mas que muda seu domicílio para um país que não reconhece tal

configuração familiar? São apenas dois exemplos entre inúmeros outros que

poderiam ser citados e que ilustram as dificuldades envolvidas na definição do

conceito de ordem pública. E tais dificuldades remanescem mesmo que se

                                                            22 Segundo a lei indonésia, o trabalho infantil entre os 13 e 15 anos será admitido apenas em “trabalhos leves e desde que a atividade não atrapalhe ou perturbe os seus desenvolvimentos físicos, mentais e sociais” (INDONÉSIA, 2003)

Page 100: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

100

delimite o campo de estudo ao Direito positivo. A dificuldade, nesse âmbito, é a

mesma: identificar quais leis são consideradas como disposições de ordem

pública e quais normas não se enquadram em tal conceito.

Essa discussão, no entanto, parece um tanto improdutiva para os

pesquisadores do Direito do Trabalho brasileiro e a razão para assim parecer é

que, entre nós, todas as leis que versam sobre direitos dos trabalhadores são

consideradas como normas de ordem pública, imperativas, alheias à vontade das

partes, mesmo que pela via da contratação coletiva. O Direito do Trabalho

brasileiro considera que todo o seu universo normativo de origem estatal é

composto por disposições de ordem pública - esteja isso correto ou não.

Nesse cenário, as leis brasileiras que versam sobre Direito do

Trabalho teriam o poder de produzir efeitos sobre todas as situações jurídicas

que, de alguma forma, conectam-se à ordem jurídica brasileira, caso dos

contratos de trabalho executados ou iniciados no território nacional. Assim, a

legislação trabalhista brasileira, por ser integralmente considerada de ordem

pública, constituiria um patamar mínimo de direitos que nenhuma lei estrangeira

poderia afastar.

Como visto anteriormente, a ideia de que o contrato de trabalho deve

ser regido pela lei do local da prestação de serviços (lex loci executionis) é

resistente no ideário do Direito do Trabalho. De outra ponta, também é insistente

a ideia de que o acervo legal que disciplina a relação de trabalho é constituído

integralmente por disposições de ordem pública. Como equalizar aquela regra

de conexão (lex loci executionis) com o princípio da ordem pública? É

exatamente neste ponto que ocorre toda a confusão em torno do chamado

princípio da proteção.

A solução adotada foi simples: aplica-se a lei do local da prestação

de serviços, garantindo-se, sempre, o patamar mínimo previsto na lei nacional.

Se a aplicação da legislação estrangeira implicar uma condição menos favorável

ao trabalhador que seria garantido pela lei brasileira, esta prevalece, por ser de

ordem pública. Ao contrário, afigurando-se a lei estrangeira mais benéfica ao

Page 101: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

101

trabalhador, reputa-se que a ordem pública brasileira foi respeitada e, então,

aplica-se a lex loci executionis.

Esse modelo, que nada mais é do que a aplicação da lex loci

executionis condicionada pelo princípio da ordem pública, passou a ser

chamado, indevidamente, como princípio da proteção. É indevido falar em

princípio da proteção porque, mesmo que exista uma norma dispondo sobre a

aplicação do Direito mais benéfico – e há, como veremos logo adiante – essa

disposição não tem natureza finalística, mas sim o caráter de norma instrumental

que visa dar efetividade ao princípio da ordem pública. Nessa linha, poder-se-ia,

no máximo, falar na existência de uma regra da norma mais favorável que

operaria como instrumento de efetividade do princípio da ordem pública. Tratar

tal regra como um princípio autônomo constitui grande equívoco – daí a razão

por que a doutrina não foi sequer capaz de sistematizá-lo.

Como se observa, não existe, no âmbito do Direito Internacional

Privado, um princípio chamado da proteção. O que existe é apenas a atuação do

princípio da ordem pública em caráter condicionante e regulador da aplicação da

regra lex loci executionis ou de qualquer outra regra de conexão.

A Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, como veremos de forma mais detida

à frente, absorveu a ideia de aplicação do Direito mais benéfico ao trabalhador

nas hipóteses de destacamento, o que, para muitos, constitui a adoção do

(equivocado) princípio da proteção. Essa conclusão é resultado de uma leitura

desatenta da norma, pois um olhar mais cuidadoso é capaz de revelar que a lei

citada adotou diversos elementos de conexão diferentes, como o domicílio

profissional (ex. art. 1º, § único) e a lex loci executionis (ex. art. 3º, caput),

sempre condicionados pelo princípio da ordem pública (ex. art. 3º, I, II e §

único), além de fragmentar os diferentes aspectos do contrato de trabalho. Como

será visto na seção seguinte, a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, adotou um modelo

de conexão dinâmico que nada mais é do que a efetivação do princípio da

proximidade.

Page 102: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

102

Como dissemos, é equivocado atribuir o status de princípio à

proposta de que o contrato internacional do trabalho deva ser regido pela ordem

jurídica que se afigurar mais benéfica ao trabalhador, uma vez que tal mecanismo

constitui apenas uma regra que instrumentaliza outro princípio, o da ordem

pública. Qualquer regra que determine a aplicação do Direito mais benéfico ao

trabalhador está, em verdade, protegendo a ordem pública nacional, uma vez que

as normas brasileiras sobre trabalho, todas consideradas como integrantes

daquela categoria de leis, ficarão resguardadas diante de qualquer outra regra de

conexão aplicável. O valor protegido, portanto, é a ordem pública, devendo ela

constituir o objeto principal do estudo.

Direcionando-se o problema para o objeto da pesquisa, surge a

necessidade de indagar como o princípio da ordem pública se portaria diante de

um conflito interno de leis em matéria de trabalho.

Como já antecipado, o Brasil adota uma organização federativa que

concentra na União a competência para legislar sobre quase todas as matérias,

reservando aos estados e municípios um espaço muito pequeno para a atividade

legislativa. Esse modelo centralizado atribuiu à União a competência privativa

para editar normas sobre Direito do Trabalho (CF, art. 22, I), o que torna a ordem

jurídica estatal sobre a matéria um corpo unitário. O fato de toda regulação

estatal sobre Direito do Trabalho ser produzida pela União implica reconhecer

que, no Brasil, não é possível falar na existência de normas de ordem pública

estadual ou municipal em relação a direitos dos trabalhadores. É provável, aliás,

que a concentração legislativa no Brasil impeça falar em ordem pública local em

relação a qualquer disciplina23.

Tal constatação afasta a aplicação do princípio da ordem pública

como instrumento de solução de um conflito interno de leis trabalhistas no

                                                            23 Diferentemente do que ocorre em países cuja organização estatal concede aos entes federados maiores prerrogativas legislativas. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, compete aos governos estaduais definirem a política local sobre consumo de substâncias entorpecentes, o que, no momento em que essas linhas são escritas, vem gerando uma multiplicidade de ordens jurídicas distintas em relação ao assunto. Os Estados que proscrevem o uso recreativo ou medicinal de algumas substâncias consideram que tal postura reflete os valores da sociedade regional, o que, portanto, integraria a ordem pública local.

Page 103: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

103

Brasil. Até mesmo a possibilidade de existir um conflito dessa natureza é remota,

senão inexistente, devido ao caráter unitário e federal da legislação sobre

relações de trabalho24.

O princípio da ordem pública, ou da defesa da ordem social, como

prefere Amílcar de Castro (1987, p. 273), notavelmente relevante no plano

internacional, é incapaz de atuar como instrumento de solução de um conflito

espacial interno de leis sobre Direito do Trabalho, na medida em que, entre nós,

não existem disposições legais regionais ou locais em relação à matéria, muito

menos diplomas legais que veiculem normas de ordem pública tangentes à

disciplina. Se o princípio é afastado, as regras que dele decorrem e que dele

extraem seus fundamentos de validade, também são inaplicáveis, não gerando

efeitos.

É possível que alguém objete tal afirmação usando como argumento

a existência de um princípio homônimo ao que dá título à presente seção e que,

satisfatoriamente descrito na teoria geral do Direito do Trabalho, é amplamente

aceito pela doutrina especializada. Tal objeção poderia ser contraditada com a

advertência de que o princípio da proteção do Direito do Trabalho e,

especialmente, a sua regra da norma mais favorável, foram sistematizados como

instrumento de solução dos conflitos hierárquicos de normas trabalhistas, o que

não se confunde com o objeto da presente pesquisa, que se concentra nos

conflitos espaciais de normas. Trata-se de fenômenos absolutamente distintos,

                                                            24 A Constituição Federal de 1988 atribui aos estados a prerrogativa de legislar, de forma concorrente com a União, sobre produção e consumo, proteção do meio ambiente e controle da poluição, proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência (art. 24, V, VI, XIV), dentre outras matérias. É possível conjecturar que uma lei estatual que discipline algum desses temas possa, de alguma forma, projetar reflexos sobre as relações de trabalho locais, o que, por sua vez, abriria campo para se pensar na possibilidade de um conflito de normas no espaço infranacional em matéria afeta ao Direito do Trabalho. Tal cenário, no entanto, não passa de mera conjectura. Tendo em vista a competência privativa da União para legislar sobre Direito do Trabalho, eventual reflexo de uma norma estadual seria, no máximo, tangencial à relação de emprego, a ponto de não poder criar posições obrigacionais ou prestacionais diretamente exigíveis das partes do contrato de trabalho. Nesse aspecto, a jurisprudência do STF é coerente no sentido que a competência dos estados para legislar sobre meio ambiente ou proteção da saúde não inclui a regulação do meio ambiente do trabalho ou da saúde dos trabalhadores (ADI nº 2.609/RJ, DJe de 11 dez. 2015; ADI 1.862/RJ-MC, DJ de 1º dez. 2006; ADI nº 1.893/RJ, DJ de 4 jun. 2004) ou a possibilidade de estabelecer sanções administrativas com o propósito de coibir atos discriminatórios contra a mulher nas relações de trabalho (ADI nº 3.165/SP, DJe de 10 mai. 2016; ADI nº 2.487/SC, DJe de 28 mar. 2008; ADI nº 953/DF, DJ de 2 mai. 2003), dada a competência exclusiva da União em relação à matéria.

Page 104: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

104

tanto que o Direito Internacional Privado construiu uma metodologia

absolutamente própria para a solução dos conflitos espaciais e que em nada se

confunde com a metódica empregada na solução dos conflitos hierárquicos de

leis.

Um último aspecto deve ser evidenciado em relação ao tema em

reflexão. A presente pesquisa adotou como objeto de estudo o conflito

intersistemático de normas coletivas de trabalho. É quase dispensável recordar

que as normas que decorrem da contratação coletiva, no Brasil, produzem efeitos

apenas quando se apresentam como ato incremental de direitos ou quando atuam

sob a autorização da lei em relação a matérias específicas. Disso resulta que a

norma coletiva, pelo menos no Brasil, jamais poderá dispor sobre questões de

ordem pública, o que abona a conclusão de que o chamado princípio da proteção

do Direito Internacional Privado e, como corolário, as regras que dele poderiam

decorrer, tal como a que determina a adoção da norma mais favorável, passam

ao largo de uma teoria que tenha a pretensão de descrever a eficácia da norma

coletiva no espaço infranacional e sistematizar um modelo de solução dos

conflitos dessa natureza.

2.4.2.3 Princípio da proximidade.

Ao longo do presente capítulo, a pesquisa analisou as principais

regras que se candidatam a solucionar o problema da regulação legal de um

contrato que se desenvolve por espaços ocupados por ordens jurídicas distintas.

Foram enfrentadas, inicialmente, as regras constituídas a partir, ou por

intermédio, de elementos de conexão estáticos; o local de constituição do

contrato, o local de prestação de serviços, o domicílio profissional do

trabalhador. Passou-se, em seguida, ao exame das regras de conexão derivadas

de princípios postulados pela teoria do Direito Internacional Privado; o da

autonomia da vontade, o da proteção, o da ordem pública. Evidentemente, o

trabalho limitou-se ao exame dos institutos que possuem maior aderência com o

objeto central da pesquisa.

Page 105: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

105

Como se observou nas seções precedentes, nenhuma das regras e

princípios examinados é capaz de oferecer uma solução completa, coerente e

sobretudo justa para o problema da conexão do contrato de trabalho internacional

a uma ordem jurídica estatal. Como mecanismos de aplicação simples, as regras

e princípios estudados facilitam muito a atuação dos juízes e tribunais que se

deparam com um conflito de leis no espaço; todavia são incapazes de resolver

de forma racional o problema. Conduzem, portanto, a soluções meramente

precárias, que não resistem a uma reflexão mais profunda e que se mostram

divorciadas da realidade das relações de emprego. Esse cenário se torna mais

nebuloso quando o conflito de leis se inscreve no âmbito interno de um país.

A razão para tal fenômeno, pensamos, reside em três equívocos. O

primeiro deles está em insistir na ideia simplista de se submeterem contratos

complexos – e o contrato de trabalho é provavelmente o mais complexo de todos

– a regras de conexão estáticas, que ancoram a relação jurídica de forma

definitiva e absoluta em uma única ordem estatal. O segundo equívoco resulta

da insistência em se estabelecer uma regra única e universal para contratos que

não se manifestam sempre da mesma forma, apresentando contornos muito

diferentes uns dos outros. O terceiro erro está em se tentar aplicar uma regra

única para todos os diferentes aspectos de contratos que não se resumem a uma

obrigação pontual, mas envolvem uma multiplicidade de situações distintas.

A teoria do Direito Internacional Privado, possivelmente tentando

superar tais equívocos, há muito vem desenvolvendo um modelo de conexão

dinâmico e aberto, que não incide de forma apriorística, tal como as regras e

princípios estudados, mas sim de modo incidental à situação jurídica in concreto.

Esse novo referencial, construído de forma gradual e consistente pela doutrina a

partir de uma ideia bastante antiga, alcançou, já há algumas décadas, a posição

de principal instrumento de solução dos conflitos intersistemáticos de leis,

especialmente em matéria contratual.

A Convenção de Roma (CEE, 1980), um dos mais importantes

documentos de Direito Internacional Privado, é a mais notória expressão do

princípio da proximidade. Segundo o documento, caso as partes não tenham

Page 106: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

106

escolhido expressamente o Direito que regulará o contrato (princípio da

autonomia da vontade), este será regido pela lei do país com o qual apresentar

uma conexão mais estreita. Para tal fim, complementa a Convenção, uma parte

do contrato poderá ser destacada do todo e, caso essa parte apresente uma

conexão mais estreita com a lei de outro país, apenas essa fração específica do

contrato poderá ser regida por essa última ordem jurídica.

Embora o princípio da proximidade já tivesse sido veiculado em atos

convencionais anteriores, como a Convenção sobre a Lei Aplicável aos

Contratos de Mediação e à Representação (HCCH, 1978, arts, 6º e 11), foi a

partir da Convenção de Roma que o princípio da proximidade passou a

protagonizar diversos tratados e acordos multilaterais de âmbito global, tais

como a Convenção sobre a Lei Aplicável ao Trust e a seu Reconhecimento

(HCCH, 1985, art. 7), a Convenção sobre a Lei Aplicável aos Contratos de

Compra e Venda Internacional de Mercadorias (HCCH, 1986, art. 8º, 3), a

Declaração de Princípios do International Institute for the Unification of Private

Law (UNIDROIT, 1994, art. 1.10), dentre vários outros instrumentos25.

Nas américas, a já referida Convenção do México (OEA, 1994) se

destaca como o mais importante documento multilateral a adotar o princípío da

proximidade como instrumento de solução dos conflitos de leis no espaço. Tal

como a Convenção de Roma, o documento americano garante às partes

contratantes a prerrogativa da escolha do Direito que será aplicável ao contrato

internacional e estabelece que, na ausência de tal manifestação de vontade ou na

hipótese de sua ineficácia, o contrato será regido pela ordem jurídica com que

apresentar “vínculos mais estreitos”. A Convenção do México também prevê a

possibilidade de segmentação de uma parte do contrato e a conexão dessa fração

a outro Direito estatal, caso apresente com esse uma conexão mais estreita (art.

9º).

                                                            25 A esse respeito, vide Jacob Dolinger (2007, p. 241 e segs) e seu exaustivo trabalho de identificação dos diversos atos convencionais de Direito Internacional Privado que incorporaram o princípio da proximidade como diretriz para solução dos conflitos de leis no espaço.

Page 107: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

107

A origem do princípio da proximidade ainda é um ponto

controvertido na doutrina. Alguns autores atribuem à Savigny, e ao seu

postulado de que a natureza da relação jurídica é que determina a lei que irá regê-

la26, a ideia que serviu de fundamento para o princípio em questão. Outros

sugerem uma origem ainda mais antiga, que remontaria a um texto do século XII

em que Aldricus já teria proposto que o juiz deve julgar de acordo com a lei que

seja melhor e mais útil ao caso examinado (DOLINGER, 2004). Há, por fim,

aqueles que afirmam que a origem do princípio da proximidade está na teoria do

centro de gravidade do Direito norte-americano, deflagrando uma disputa entre

os doutrinadores dos dois lados do Atlântico.

O Direito norte-americano constitui importante fonte teórica em

relação aos conflitos de leis no espaço, o que se deve, sobretudo, ao seu sistema

federativo que reconhece aos seus estados ampla autonomia legislativa. Tal

realidade, e os frequentes conflitos intersistemáticos que ela produz, precipitou

a adoção pela doutrina e pela jurisprudência americanas de um modelo dinâmico

de conexão de leis, à semelhança do princípio da proximidade, décadas antes da

Convenção de Roma.

A mudança no paradigma americano ocorreu em 1954 no caso Auten

vs. Auten, um conflito envolvendo uma disputa entre ex-cônjuges cuja solução

atraía a aplicação das leis de Nova Iorque e da Inglaterra. Para solucionar o

conflito, a Corte de Apelação de Nova Iorque adotou um modelo teórico então

postulado pela doutrina e que já havia sido adotado em algumas recentes

decisões: a teoria do centro de gravidade, que orientava pela aplicação do Direito

mais intimamente conectado com o caso. A decisão acabou se transformando em

precedente jurisprudencial e exerceu influência direta no Restatement (Second)

of Conflict of Laws27, cujos trabalhos haviam sido iniciados um ano antes e só

foram concluídos em 1971 (RICHMAN e REYNOLDS, 2002, p. 205).

                                                            26 “To ascertain for every legal relation (case) that law to which, in its proper nature, it belongs or is subject” (SAVIGNY, 1896, p. 27).

27 Publicado pelo American Law Institute desde 1923, o Restatement of the Law é uma importante fonte de pesquisa do Direito comum norte-americano. Organizado em diversos volumes, cada um deles dedicado a uma matéria específica, o trabalho organiza e sistematiza os

Page 108: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

108

Complexo e detalhado, o Restatement (Second) of Conflict of Laws

adota o conceito de relacionamento mais significativo (“most significant

relationship”) como regra-padrão para a escolha do Direito aplicável a uma

situação jurídica internacional ou interestadual. Embora não esclareça de uma

forma explícita o alcance exato da expressão, o Restatement aponta as direções

que o aplicador do Direito deve seguir; em relação aos contratos, por exemplo,

o documento afirma que, para a identificação do relacionamento mais

significativo, a corte deverá considerar o local da contratação, o lugar da

negociação, a localidade de execução das obrigações, a localização do objeto do

contrato, além de outros elementos como o domicílio, a residência, a

nacionalidade, o local de constituição e o lugar da sede das partes (RICHMAN

e REYNOLDS, 2002, p. 208-232).

O princípio da proximidade vem irradiando efeitos sobre as leis

internas de diversos países, tal como consignado no proficiente trabalho de Jacob

Dolinger (2007, p. 276), no qual o autor aponta a Áustria, o Canadá, a Suíça, a

Alemanha, a Itália, a China, a Venezuela, a Rússia, Liechtenstein, a Tunísia e a

Bélgica como exemplos de Estados que já teriam introduzido o princípio

expressamente em suas leis domésticas. Embora seja signatário da Convenção

do México, o Brasil não dispõe de nenhuma norma interna que reconheça

explicitamente o princípio da proximidade; entretanto, como se verá adiante, a

ideia de conexão mais estreita está presente de forma implícita na lei brasileira,

assim como já se observa, entre nós, o desenvolvimento de uma jurisprudência

cada vez mais consistente assimilando o princípio em questão.

A doutrina contemporânea reconhece o princípio da proximidade

como o mais importante instituto moderno do Direito Internacional Privado,

constituindo, juntamente com o princípio da autonomia da vontade, a base

fundamental de solução dos conflitos de leis em matéria contratual. Necessário,

então, compreender como o princípio da proximidade efetivamente opera.

                                                            textos legais e os precedentes jurisprudenciais em um conjunto de princípio e regras, o que o faz assumir relevante papel na compreensão e aplicação do Direito.

Page 109: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

109

Além de ser reconhecido como um dos principais autores

contemporâneos de Direito Internacional Privado no Brasil, Jacob Dolinger é,

muito provavelmente, o doutrinador brasileiro que mais se dedicou ao estudo do

princípio da proximidade, o que tornou a sua obra um marco para a compreensão

da disciplina e especialmente para o instituto ora examinado. Diante da

importância e densidade de seu trabalho, adotamos Dolinger como o principal

referencial teórico para este ponto da pesquisa.

Jacob Dolinger (2007, p. 242) adverte que a ideia de proximidade a

que se refere o princípio não pode ser confundida com a ideia de aproximação

física, geográfica, obtida pela demarcação do fato jurídico no espaço e a

identificação do país ou estado com o qual guarda menor distância. Para

Dolinger, a proximidade que inspira o princípio está ligada à noção de

adequação, pertinência, de maneira que se afiguraria mais próxima à relação

jurídica a lei que, considerando as características daquela, se afirmar como mais

apropriada, mais estreitamente conectada com o fato concreto.

É certo, acrescenta Jacob Dolinger (2007, p. 245), que a adoção do

princípio da proximidade implica menor previsibilidade e certeza do que seriam

conferidas pelas regras de conexão estáticas. Dolinger, entretanto, pontua que

nenhuma das regras clássicas teria sido capaz de oferecer solução adequada a

todas as múltiplas e variáveis situações que defluem do complexo ambiente

contratual. Então, ainda para Dolinger, a incerteza que o princípio da

proximidade produziria, pelo menos a priori, é o preço que deveria ser pago para

se obter uma solução que faça justiça às partes e se amolde à realidade e

especificidades da relação jurídica em concreto. O referido autor recorda, ainda,

que a imprevisibilidade é um aspecto natural da maior parte das situações

jurídicas e é intimamente ligada à própria essência das relações contratuais

O princípio da proximidade possui caráter valorativo-finalístico, na

medida em que direciona o seu aplicador para um objetivo específico: vincular

a situação jurídica à lei que se apresentar mais adequada, mais apta, mais

próxima dos fatos e das partes, enfim, à lei que se mostrar mais intimamente

ligada à questão concreta. O amplo suporte fático do princípio da proximidade

Page 110: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

110

impõe ao seu aplicador o ônus de integração da sua estrutura normativa aberta

com os elementos concretos que a situação apresentar. Nesse sentido, a

Convenção do México estabelece que, para aplicação do princípio, deverão ser

considerados “todos os elementos objetivos e subjetivos que se depreendam do

contrato” (art. 9º).

Essa abertura que o princípio da proximidade oferece também se

projeta sobre o objeto de sua incidência e sobre o momento em que será aplicado

na relação jurídica. Como visto linhas acima, tanto a Convenção de Roma como

a Convenção do México preverem expressamente a dépeçage dos diferentes

aspectos ou partes do contrato e a vinculação de cada um desses fragmentos à

ordem jurídica com que apresentar uma conexão mais estreita. O princípio da

proximidade, portanto, não incide sobre o contrato como se este fosse um objeto

unitário, mas como um fenômeno jurídico complexo, composto por múltiplas

faces diferentes, cada uma delas hábeis a se conectar com uma lei específica. O

mesmo ocorre em relação ao momento em que a proximidade deve ser verificada.

O dinamismo que constitui a essência do princípio da proximidade é

manifestamente contrário à ideia de se enclausurar ou limitar sua aplicação ao

momento de celebração do contrato ou ao momento de seu cumprimento. Como

refere Jacob Dolinger (2007, p. 264), a conexão pode se estabelecer em qualquer

momento ou estágio da relação jurídica.

O Direito interno brasileiro assimila expressamente a dépeçage. A

Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional

Privado reconhece que diferentes aspectos de uma mesma relação jurídica

podem ser regulados por ordens jurídicas distintas. Referida convenção foi

internalizada no Brasil pelo Decreto nº 1.979, de 9 ago. 1996, substituindo o

paradigma de aplicação de uma única lei para a regência de toda a substância do

contrato, que tinha como referencial a Lei de Introdução às Normas do Direito

Brasileiro. A dépeçage, portanto, integra a ordem jurídica interna brasileira.

A Convenção acima referida dispõe, ainda, que a aplicação de

múltiplos ordenamentos deverá ser realizada de forma harmônica, respeitando-

se os objetivos estabelecidos em cada legislação e observando os imperativos de

Page 111: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

111

equidade no caso concreto28. Tais postulados só podem ser alcançados a partir

de um regime de conexão dinâmico, aberto e flexível, o que não se conforma

com as regras estáticas vistas nas seções anteriores. É impossível a realização de

equidade no caso concreto a partir de regras fixas, que obrigam o juiz a trilhar

um caminho único, invariável e conducente a uma solução pré-definida in

abstrato. Os ideais de harmonia, respeito à finalidade da norma jurídica e

equidade só podem ser satisfeitos por meio de um critério de conexão que tenha

as características do instituto examinado nessa seção do trabalho. É possível

dizer, portanto, que, ainda que de forma implícita, o princípio da proximidade

habita a Convenção Interamericana de 1979, dotada de plena eficácia interna no

Brasil por força do Decreto nº 1.979, de 9 ago. 1996.

O princípio da proximidade incide em sua plenitude sobre as

relações de trabalho internacionalizadas.

O Regulamento (CE) nº 593/2008 do Parlamento Europeu e do

Conselho da União Europeia (UE, 2008), como já referido anteriormente, dispõe

sobre as regras de conexão incidentes sobre os contratos individuais de trabalho

(art. 8º). De forma sinóptica, o Regulamento estabelece que: (i) as partes do

contrato de trabalho poderão escolher a lei que regerá a respectiva relação de

emprego (princípio da autonomia da vontade), desde que tal escolha não prive o

trabalhador da proteção prevista em normas de ordem pública ou de caráter

imperativo aplicáveis ao contrato por força de suas disposições subsequentes;

(ii) na falta de escolha e como limite à autonomia da vontade, o contrato será

regido pela lei do local do domicílio profissional do trabalhador, o qual não se

reputará alterado em função de destacamento provisório; e, (iii) não sendo

possível determinar o domicílio profissional do empregado, o contrato será

regido pela lei do local em que estiver situado o estabelecimento empresarial que

o contratou.

                                                            28 Tal como segue, in verbis: “As diversas leis que podem ser competentes para regular os diferentes aspectos de uma mesma relação jurídica serão aplicadas de maneira harmônica, procurando-se realizar os fins colimados por cada uma das referidas legislações. As dificuldades que forem causadas por sua aplicação simultânea serão resolvidas levando-se em conta as exigências impostas pela equidade no caso concreto” (OEA, 1979, art. 9º).

Page 112: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

112

Imediatamente em seguida, o Regulamento (CE) nº 593/2008 produz

uma ruptura nas regras de conexão estáticas que ele mesmo prevê. O

Regulamento realiza um recorte dinâmico, uma espécie de teste de validade que,

conforme seu resultado, implicará a vinculação do contrato de trabalho a uma

ordem jurídica totalmente diversa. A norma europeia afirma que “se resultar do

conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita

com um país diferente do indicado [pelas regras de conexão anteriores], é

aplicável a lei desse outro país” (art. 8º, 4).

O Regulamento (CE) nº 593/2008 impõe a prevalência do princípio

da proximidade sobre as regras de conexão estáticas previstas no próprio

documento; estas somente serão observadas se o contrato não possuir uma

conexão mais estreita com outra lei. É possível concluir que a redação do art. 8º

do Regulamento (CE) nº 593/2008 está invertida: em primeiro lugar estaria a lei

próxima; em segundo, a lei do domicílio ou estabelecimento; por fim, a

autonomia da vontade.

Uma análise ainda mais cuidadosa, todavia, revela outra estrutura

para o art. 8º do Regulamento (CE) nº 593/2008. O documento adota o princípio

da proximidade como único critério de conexão do contrato de trabalho, ou seja,

a lei a ser aplicada será sempre a mais significativamente relacionada com

substância do contrato. As referências feitas pelo Regulamento ao domicílio

profissional ou ao local do estabelecimento empresarial constituem meras

presunções de proximidade, daí a razão de elas serem afastadas caso a

proximidade in concreto se mostre diferente. Tais presunções operam como um

direcionamento para a localização da conexão mais íntima ou como instrumento

de solução do conflito de leis caso não seja possível estabelecer o relacionamento

mais estreito do contrato com um sistema legislativo específico.

O Regulamento (CE) nº 593/2008, então, está de fato organizado da

seguinte forma: (i) o contrato de trabalho é regido pela ordem jurídica com que

apresentar conexão mais estreita, consideradas as suas circunstâncias concretas;

(ii) há presunção iuris tantum que o contrato de trabalho tenha conexão mais

estreita com o local do domicílio profissional do trabalhador, o qual não se

Page 113: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

113

reputará alterado em função de destacamento provisório; e, (iii) não sendo

possível aplicar a presunção anterior, ela será substituída pela presunção,

igualmente relativa, de que o contrato de trabalho possui vínculos mais próximos

com a lei do local em que estiver situado o estabelecimento empresarial que

contratou o trabalhador; por fim (iv) presume-se que o contrato mantenha um

relacionamento mais íntimo com a lei do país para tal efeito escolhido pelas

partes, desde que tal escolha não implique uma redução da condição

socioeconômica do trabalhador em relação às presunções anteriores.

A ideia de que todas as regras de conexão defluem do princípio da

proximidade – acabamos de empregar o Regulamento (CE) nº 593/2008 como

exemplo – foi habilmente explorada por Jacob Dolinger. Revisitando um texto

antiquíssimo, do século XII, que, como vimos, é considerado o marco inaugural

do Direito Internacional Privado como ciência, Dolinger (2004) revela a solução

dada pelo doutrinador medieval, o primeiro da disciplina, a um conflito de leis

no espaço: o juiz “deve julgar de acordo com a lei que seja melhor e mais útil”.

O postulado de lei melhor e mais útil, ainda segundo Dolinger, corresponderia

exatamente ao postulado de conexão mais estreita que decorre do princípio da

proximidade, o que demonstraria não ser este um instituto moderno como se

imagina, mas sim a pedra fundamental a partir da qual todo o Direito

Internacional Privado teria sido edificado.

As regras de conexão previstas nas legislações e documentos de

Direito Internacional Privado seriam, conforme Jacob Dolinger (2004),

irradiação direta dessa premissa central que determina a aplicação da melhor e

mais útil lei à questão em conflito. Assim, acrescenta Dolinger, quando o

legislador fixa o domicílio, a nacionalidade ou o lugar de constituição do

contrato como elemento de conexão, por exemplo, ele estaria dizendo apenas

que a questão substantiva possui uma ligação mais estreita com a lei do lugar do

domicílio, com a lei pessoal, ou, ainda, com a lei do lugar em que o contrato foi

celebrado.

O que Jacob Dolinger propõe, se bem compreendido, é que todas as

regras de conexão, tanto aquelas ancoradas em elementos estáticos, como as que

Page 114: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

114

decorrem dos princípios clássicos do Direito Internacional Privado, constituem

apenas juízos hipotéticos deduzidos de forma apriorísticas pelo legislador. Nessa

linha, ao estabelecer que o contrato de trabalho deva ser regido pela lei do local

de execução dos serviços, por exemplo, o legislador estaria apenas constituindo

uma presunção de que o contrato de trabalho possui uma conexão mais estreita

com a lei do local de execução da atividade do trabalhador. Se as regras de

conexão constituem meras presunções de proximidade, então elas estariam

sempre sujeitas à experimentação empírica, ocasião em que poderão ser

confirmadas ou afastadas. Dolinger parece endossar esse racínio ao afirmar que

o princípio da proximidade é o fundamento de todas as regras de conexão

existentes, as quais “só podem funcionar enquanto realmente satisfizerem o

princípio da proximidade, o objetivo da proximidade, a razão da proximidade”

(DOLINGER, 2004, p. 144).

O Regulamento (CE) nº 593/2008 confirma o pensamento de Jacob

Dolinger. Como visto, o Regulamento transita por regras de conexão estáticas –

a vontade, o domicílio profissional, o local da sede do estabelecimento – porém

determina que esses somente serão aplicáveis se o contrato de trabalho, in

concreto, não apresentar conexão mais estreita com a lei de outro país.

Colocando-se os vetores em ordem, o Regulamento diz que a relação de emprego

deve ser regida pela lei do país com que apresentar conexão mais íntima; não

sendo possível identificar esse vínculo de proximidade, presume-se que ele

ocorre com o lugar do domicílio profissional ou com o lugar da sede da empresa

ou com o lugar escolhido pelas partes, conforme o caso.

Depreende-se, portanto, que o Regulamento (CE) nº 593/2008 não

apenas confirma a aplicabilidade do princípio da proximidade nas relações de

trabalho; ele endossa a leitura feita por Jacob Dolinger que reconhece que o

princípio em questão constitui o núcleo fundamental de todo o Direito

Internacional Privado e que todas as regras de conexão nada mais são do que

presunções de conexão mais estreita, elidíveis no exame in concreto da questão

jurídica.

Page 115: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

115

A Convenção de Roma possui a mesma estrutura do Regulamento

(CE) nº 593/2008 em relação aos contratos individuais de trabalho,

reconhecendo, em caráter de primazia, a aplicabilidade do princípio da

proximidade às relações de emprego.

Oportuno ceder algumas linhas para rápidas considerações a respeito

da Diretiva nº 97/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho da União

Europeia (UE, 1997), que dispõe sobre o destacamento de trabalhadores no

âmbito de uma prestação de serviços transnacional-comunitária. O espaço é

necessário porque uma leitura açodada da Diretiva em questão pode conduzir à

equivocada conclusão de que ela não assimila o princípio da proximidade, mas

empregaria elementos de conexão estáticos para fixar o contrato de trabalho à

ordem jurídica do país de origem ou do país de destacamento. Seria um equívoco

defender tal interpretação.

Em seus consideranda, a Diretiva nº 97/71/CE faz referência

expressa às disposições constantes da Convenção de Roma e, de forma mais

direta, salvaguarda os critérios de conexão por ela adotados, dentre os quais se

destaca o princípio da proximidade (item 8). Em imediata sequência, a Diretiva

recorda que a citada Convenção de Roma afirma que a escolha da lei pelas partes

não pode resultar na privação dos trabalhadores da proteção que lhes é

assegurada pelas disposições legais imperativas (itens 9 e 10). A premissa de que

existe um grupo de normas indisponíveis e imediatamente aplicáveis às relações

de emprego é repetida diversas vezes pelo documento em sua exposição de

motivos, ora sob a forma de “regras imperativas relativas à proteção mínima”

(item 13), ora como “núcleo duro de regras de proteção” (item 14), ora sob a

expressão “regras imperativas de proteção mínima” (item 17).

Como é possível depreender, antes mesmo de iniciar sua parte

regulamentar, a Diretiva nº 97/71/CE deixa evidente os seus objetivos: garantir

ao trabalhador destacado um contingente de direitos mínimos e de observação

obrigatória. Esse propósito fica absolutamente claro quando a Diretiva afirma

que “independentemente da lei aplicável à relação de trabalho” (art. 3º, I) serão

garantidos aos trabalhadores as disposições legais e convencionais vigentes no

Page 116: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

116

local de destacamento relativamente a matérias específicas, a saber: duração do

trabalho e períodos de repouso, duração mínima das férias anuais, remuneração

mínima, segurança, saúde e higiene, condições de trabalho das mulheres

grávidas e puérperas, das crianças e dos jovens, igualdade de tratamento entre

homens e mulheres e outras disposições de tutela contra discriminação no

trabalho. A Diretiva nº 97/71/CE nada mais faz do que dar efetividade ao

princípio da ordem pública.

Como dissemos páginas atrás, a unidade legislativa brasileira em

matéria de Direito do Trabalho impede que, entre nós, se cogite a existência de

disposições normativas de ordem pública regional, estadual ou municipal em

relação à disciplina – e, muito provavelmente, em relação a qualquer outra. Não

bastasse, o objeto central da presente pesquisa - as normas coletivas de trabalho

- operam sempre perifericamente ao espaço demarcado pelas normas estatais que

incidem sobre as relações de emprego, do que resulta que o Direito convencional

trabalhista brasileiro jamais transita por questões de ordem pública.

Retomando-se, há amplo espaço para atuação do princípio da

proximidade no âmbito de um conflito interno de normas trabalhistas. Aliás, a

larga experiência norte-americana, em relação aos conflitos internos de leis, e a

evolução da jurisprudência daquele país, que dos elementos de conexão estáticos

convergiu para o dinâmico “most significant relationship”, conferem a

segurança necessária para se afirmar que o princípio da proximidade constitui o

mais adequado instrumento de solução do problema de vinculação de uma

situação jurídica interlocal à lei regional.

O principal referencial legislativo brasileiro em matéria de conflito

de leis trabalhistas no espaço internacional é resultado da irradiação direta do

princípio da proximidade. A já citada Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, parece não

adotar uma regra de conexão única; ela determina a vinculação do contrato de

trabalho a uma ordem jurídica com base de elementos de conexão variados,

como o domicílio profissional (ex. art. 1º, § único), a lex loci executionis (ex. art.

3º, caput) e a lex loci contractus (ex. art. 2º, I, c/c art. 3º, § único). Não se pode,

Page 117: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

117

prima facie, induzir uma regra de conexão uniforme a partir dos elementos de

conexão adotados pelo legislador.

Chama atenção, ainda, o fato de que a lei em exame define o

elemento de conexão a ser observado a partir da substância de cada

particularidade do contrato, ou seja, o elemento de conexão é alterado conforme

a matéria envolvida em cada aspecto da relação jurídica. Como exemplo disso,

a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, determina que os reajustes salariais compulsórios

sejam regulados pela lei brasileira, mesmo que o trabalhador esteja executando

suas atividades no exterior em destacamento (art. 4º, § 1º). Como se observa, o

legislador partiu de um aspecto substancial do contrato, no caso, os reajustes

salariais, para definir a ordem jurídica que deverá ser observada em relação à

matéria.

Essa forma de abordagem corresponde exatamente ao padrão de

comportamento que o princípio da proximidade impõe. O princípio da

proximidade, como já dito, exige que se aplique à situação jurídica a lei mais

adequada, mais apta, mais próxima da questão substantiva, mais intimamente

ligada à questão material concreta. É justamente nesse ponto que se estabelece a

grande diferença entre as clássicas regras de conexão e o princípio em questão;

enquanto aquelas são construídas de forma apriorística e se aplicam sobre a

substância do contrato como um todo, o princípio da proximidade se desenvolve

de modo incidental sobre cada particularidade da situação jurídica in concreto.

No caso da Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, o legislador fragmentou o contrato de

trabalho de acordo com as diversas questões nele envolvidas para, então,

encontrar a lei mais próxima a cada um desses fragmentos; difere de um juiz

aplicando o princípio da proximidade apenas pelo fato de que esse não estaria

diante de uma situação hipotética, mas objetivamente determinada.

Estruturalmente, a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, é muito semelhante

ao Regulamento (CE) nº 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho da

União Europeia, na medida em que ambos veiculam juízos hipotéticos,

deduzidos pelo legislador de forma apriorística e que se manifestam sob a forma

de elementos de conexão estáticos.

Page 118: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

118

Observada a questão sob tal lente, torna-se possível induzir a regra

de conexão que foi adotada pela Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982. O legislador

fracionou (dépeçage) os diferentes aspectos materiais da relação de trabalho e, a

partir da natureza específica de cada um deles, indicou o elemento de conexão

que, em juízo hipotético, considerou ser mais hábil, mais adequado, mais

intimamente relacionado com a questão. Não há dúvidas de que a lei em questão,

enquanto regra, constitui direta irradiação do princípio da proximidade.

Ainda no plano do Direito interno brasileiro, a mais importante

manifestação do princípio da proximidade é encontrada na jurisprudência dos

tribunais trabalhistas.

O Tribunal Superior do Trabalho vem discutindo, já há algum tempo,

o problema da lei aplicável aos contratos de trabalho dos tripulantes de navios

estrangeiros em navegação por águas territoriais brasileiras. A questão jurídica

orbita disposição existente no Código Bustamante que determina que as

obrigações e responsabilidades dos capitães e armadores serão regidas pela lei

do lugar em que a embarcação obteve sua patente de navegação e sua certidão

do registro (arts. 274 e 279). O Código, como se vê, elege a nacionalidade da

embarcação como elemento de conexão dos contratos de trabalho à lei que

deverá regê-lo.

O Código Bustamante prevê um elemento de conexão absolutamente

estático – a lei do pavilhão – para situações jurídicas que possuem contornos

muito variáveis. Uma embarcação engajada em navegação de longo curso passa

a maior parte do seu tempo em águas internacionais, o que parece justificar a

adoção da lei do registro da nave como critério de vinculação dos fatos ocorridos

em seu interior. Tais embarcações adentram em limites nacionais em manobras

de aproximação, atracação, embarque, desembarque e reparo; sempre em portos

distintos sem qualquer fixação em qualquer um deles. Em casos como esse,

parece fazer sentido a adoção da lei da bandeira.

Ocorre que nem toda navegação é de longo curso; há, também, a

chamada navegação de cabotagem, aquela que, singrando exclusivamente águas

Page 119: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

119

territoriais, tem origem e destino em portos do mesmo país. O melhor exemplo

são as grandes embarcações de passageiros em turismo, os chamados navios de

cruzeiro. Especificamente em relação a essas, é comum que os contratos de

trabalho de seus tripulantes, normalmente celebrados por prazo determinado,

sejam constituídos e executados integralmente no Brasil. Em situações como

essa, a aplicação do elemento de conexão previsto no Código Bustamante pode

implicar a adoção de uma lei absolutamente alheia à realidade local e sem

qualquer correspondência com a nacionalidade, o domicílio, o lugar de

constituição ou execução do contrato ou a vontade das partes. Justifica-se,

racionalmente, a adoção de tal elemento de conexão? Aqui se apresenta de forma

clara o problema dos elementos de conexão estáticos: eles ignoram as

peculiaridades de cada caso, tratando situações jurídicas muito diferentes entre

si como se fossem iguais.

Esse problema foi levado à Justiça do Trabalho. Sem entrar no

mérito das questões jurídicas específicas de cada caso, interessa à presente

pesquisa exclusivamente a abordagem que foi dada pelo Tribunal Superior do

Trabalho a dois conflitos distintos que guardam similitudes com os exemplos da

navegação de longo curso e da navegação de cabotagem acima cedidos. No

primeiro caso, o quadro fático dava conta de que o autor da ação, tripulante de

um navio de cruzeiro, executara as suas atividades predominantemente em águas

internacionais e territoriais de outros países e, apenas “incidentalmente”, atuou

dentro do território marinho brasileiro. O segundo caso, por sua vez, envolvia

situação um pouco distinta: a trabalhadora brasileira fora contratada no Brasil e

executara parte do contrato no território nacional.

Em ambos os casos, o Tribunal Superior do Trabalho adotou o

princípio da proximidade como diretriz fundamental para a solução do conflito

espacial de leis instaurado. Embora o mesmo instituto tenha integrado a ratio

decidendi de ambas as ações, os seus resultados foram notavelmente diferentes.

No primeiro caso (Ementário, caso nº 2), o Tribunal reconheceu a

existência e a validade da regra que determina a aplicação da lei do pavilhão

(Código Bustamante), mas ressaltou que tal regra não tem caráter absoluto, uma

Page 120: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

120

vez que “em decorrência do princípio do centro de gravidade (most significant

relationship), as regras de Direito Internacional Privado [...] deixarão de ser

aplicadas quando, observadas as circunstâncias do caso, verificar-se que a causa

tem uma ligação muito mais forte com outro direito”. Portanto, segundo o

Tribunal Superior do Trabalho, a regra de conexão estática (a lei do pavilhão) é

válida, porém deixará de ser aplicada se as circunstâncias concretas da causa

indicarem que a relação jurídica possui um relacionamento mais estreito com

outra ordem legal, situação em que essa deve prevalecer. No caso específico, na

medida em que não se verificou o relacionamento mais íntimo do contrato de

trabalho com Direito diferente, não foi possível afastar a regra de conexão

prevista no Código Bustamante, aplicando-se ao litígio a lei do país figurado na

bandeira da embarcação.

O segundo processo (Ementário, caso nº 3) contém um dado

relevante para a compreensão do princípio da proximidade. O cenário fático

refere que o contrato de trabalho da tripulante foi constituído e “parcialmente”

executado no Brasil. Não há maiores detalhes acerca da execução do contrato,

tampouco o que representaria a expressão “parcialmente”; a autora teria

trabalhado metade do tempo em território brasileiro e a outra metade no exterior?

Ou, diversamente, ela teria passado mais tempo no Brasil ou mais tempo no

estrangeiro? Essa métrica temporal, como bem demonstrou o Tribunal Superior

do Trabalho, não é o fator determinante para a identificação da conexão mais

estreita, do relacionamento mais significativo. O princípio da proximidade não

se aplica por critérios deduzíveis matematicamente ou que possam ser

condensados em regras objetivas – isso seria um retorno às regras de conexão

estáticas, exatamente o que o princípio propõe superar. No caso concreto, o

Tribunal concluiu que a conjunção de três fatos – a contratação ter iniciado no

Brasil, a trabalhadora ser brasileira e os serviços terem sido prestados

parcialmente no País – constitui um “conjunto de circunstâncias [que] leva à

consideração de que a causa está intimamente conectada com o direito nacional”.

Em desfecho, portanto, a lei do pavilhão cedeu passagem à lei brasileira pela

aplicação do princípio da proximidade.

Page 121: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

121

Outros casos poderiam se somar aos exemplos mencionados. Por

todos, em 6 de outubro de 2010, a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho

resolveu um conflito de leis no espaço mediante a utilização de um “novo

mecanismo de solução de conflitos [...], segundo o qual não se busca de maneira

objetiva a lei aplicável, mas sim a norma aplicável que melhor solucione o litígio

a partir de fatores relevantes [...] concebido como princípio da proximidade ou

da relação mais significativa” (Ementário, caso nº 4). Referida decisão foi,

posteriormente, confirmada pela Seção Especializada em Dissídios Individuais

do Tribunal.

Ao recorrer ao princípio da proximidade, a jurisprudência trabalhista

brasileira reconheceu que as regras de conexão apoiadas em elementos estáticos

são incapazes de solucionar de forma racional e completa os conflitos

intersistemáticos de leis em matéria de trabalho.

É momento, portanto, de formular uma importante premissa

conclusiva alcançada pela pesquisa: o princípio da proximidade constitui o único

modelo capaz de conferir aos conflitos de leis no espaço solução coerente,

adequada, correspondente à realidade dos fatos e das pessoas neles envolvidas,

aplicando-se tanto às tensões internacionais como às infranacionais e com

perfeita permeabilidade às relações de trabalho.

Coloca-se, então, o problema da aplicação do princípio da

proximidade ante os conflitos intersistemáticos de normas coletivas de trabalho.

   

Page 122: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

122

3 O CONFLITO INTERSISTEMÁTICO DE NORMAS

COLETIVAS DE TRABALHO: O PRINCÍPIO DA

PROXIMIDADE COMO PARADIGMA DE VINCULAÇÃO E

SOLUÇÃO DE COLISÕES.

Antes de avançar a investigação, convém suscitar uma questão

anterior que ainda não foi devidamente atacada. A primeira linha de indagação

a ser ultrapassada pela pesquisa é a que diz respeito à possibilidade de uma

norma coletiva produzir efeitos jurídicos sobre uma prestação de serviços

executada em território não abrangido pela base de atuação do sindicato que a

subscreveu. De forma mais direta: uma norma coletiva celebrada por um

sindicato, cuja base territorial se inscreve em uma cidade, poderia ser aplicada a

um contrato de trabalho executado em outra cidade?

3.1 Sobre a capacidade de a norma coletiva de trabalho produzir

efeitos fora da base territorial da respectiva entidade sindical:

estudo sob os paradigmas contratual e legal.

Páginas atrás (seção 1.5), afirmamos que a relação de emprego como

um todo é um fenômeno imaterial e espacialmente difuso, embora alguns de seus

aspectos possam acontecer ou se identificar com um único local. Um contrato

celebrado em um lugar, executado de forma normal e de forma acidental em

outros e vinculando empregador sediado em local ainda distinto dos anteriores é

um exemplo dessa difusão espacial. Se analisados de forma isolada, é possível

situar geograficamente a maior parte dos fatos jurídicos que compõe a relação

de emprego – ato de contratação, local da sede do empregador, local de execução

dos serviços, local de extinção, etc. A relação de emprego, todavia, não se

resume a apenas um ou a alguns desses aspectos; ela é um fenômeno que

compreende um largo conjunto de fatos jurídicos, inclusive ocorridos antes da

formalização do contrato e após a sua extinção. E há, ainda, eventos que ocorrem

em ambiente exclusivamente virtual, sem correspondência em um local do plano

Page 123: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

123

físico. A relação de emprego em si é, pois, é uma realidade que não se inscreve

em um ponto no espaço.

Sendo um fenômeno imaterial e difuso, a relação de emprego tocaria

ao mesmo tempo as diversas ordens normativas instituídas pelos diferentes

sindicatos que exercem a representação da mesma categoria profissional. A

relação de emprego, portanto, nutriria vínculos com diversos microssistemas

jurídicos; todavia, apenas uma (ou algumas) dessas múltiplas ordens normativas

é que teria a atribuição de reger o contrato de trabalho.

Nessa linha de ideias, o problema central da pesquisa seria resolvido

mediante a identificação de qual (ou de quais) ambiente normativo teria a

atribuição de regular a relação de emprego como um todo ou os seus diferentes

aspectos. No capítulo anterior, analisamos as diversas possibilidades de conexão

do contrato de trabalho a uma ordem legal, ocasião em que anunciamos que a

solução deve ser obtida pela aplicação do princípio da proximidade, único

método hábil a produzir regras de conexão coerentes, adequadas e

correspondentes às diversas realidades das relações de trabalho e de seus atores.

A partir dessas premissas, afirmamos ser irrelevante para a pesquisa

discutir a natureza jurídica do sindicato ou das normas decorrentes da

contratação coletiva. Como dissemos, é irrelevante se as normas convencionais

constituem ato legislativo ou ato contratual; os seus efeitos perante o contrato

individual de trabalho, em um ou em outro caso, são exatamente os mesmos. A

norma que emana de um contrato, assim dissemos, obriga tanto quanto a norma

que provém de um ato legislativo.

Ocorre que, como já antecipamos, o Tribunal Superior do Trabalho

esboçou um modelo de eficácia territorial das normas coletivas que está apoiado

em dois fundamentos distintos; um deles típico da teoria dos contratos e outro

que diz respeito ao exercício de uma prerrogativa de poder sobre um espaço

objetivamente demarcado, portanto, envolve um fundamento atrelado à ideia de

soberania. Isso impõe um ônus argumentativo à pesquisa que deve ser

enfrentado. Com tal objetivo, as premissas que passarão a ser examinadas terão

Page 124: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

124

apenas o propósito de adimplir tal encargo, compondo-se, assim, a dialeticidade

esperada em um trabalho com as pretensões do presente.

Feitas tais advertências, sentimo-nos livres para, a partir deste ponto,

abordar o problema da eficácia espacial das normas coletivas na forma de um

discurso integrado que por vezes extrairá fundamentos da teoria dos contratos,

noutras buscará elementos no Direito Público. E ele tem início em uma questão

fundamental: a definição dos sujeitos de direito das normas coletivas, ou seja, a

identificação daqueles que detêm a titularidade do interesse jurídico regulado

pela contratação coletiva.

A doutrina pavimentou um caminho que permite afirmar com

segurança que a titularidade do interesse jurídico objeto de uma negociação

coletiva não pertence aos sindicatos, mas sim ao corpo coletivo de trabalhadores

(a categoria profissional) e de empregadores (a categoria econômica)

representados por tais entes. Os sindicatos, portanto, não podem ser

considerados como o sujeito de direito das obrigações resultantes das

negociações coletivas29.

Como dissemos anteriormente, a ideia de base territorial está

relacionada exclusivamente à organização do sindicato no Brasil e não aos

sujeitos por ele representados. Em palavras mais diretas: quem possui uma base

territorial é o sindicato e não a categoria ou o trabalhador individualmente

considerado. O primeiro – a categoria – é um fenômeno difuso, tal como visto

anteriormente; o segundo – o trabalhador – é a pessoa humana em si, protegida

em seus direitos e responsável em suas obrigações onde quer que esteja.

As obrigações que derivam de uma negociação coletiva vinculam os

entes representados pelos seus respectivos sindicatos e não os sindicatos

propriamente ditos. Enquanto o sindicato pode estar atrelado a uma zona

                                                            29 É certo que a contratação coletiva pode estabelecer obrigações diretamente aos sindicatos, como é o caso das chamadas cláusulas obrigacionais exemplificadas no art. 613, V, VI e VIII, da CLT. Entretanto, o objetivo essencial da negociação coletiva é a constituição de obrigações que vinculam e se dirigem diretamente a empregados e empregadores.

Page 125: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

125

geográfica de atuação, os efetivos sujeitos de direito não têm a sua capacidade

de assumir direitos e obrigações refreada por um limite espacial.

Se fosse possível fazer uma analogia com um contrato mercantil

internacional, seria como se um dos contratantes tivesse nomeado um

representante e este viesse a assumir obrigações em seu nome; à tal situação

hipotética se somariam, ainda, dois elementos: primeiro, que o mandato

outorgado ao representante possuísse cláusula limitando a sua atuação a um

determinado país; segundo, que o contrato firmado pelo representante, embora

constituído dentro da área prevista em seu instrumento de mandato,

estabelecesse obrigações a serem executadas ou adimplidas em outro país, fora

dos marcos territoriais previstos em sua procuração.

A questão, portanto, consiste em saber se um contrato é capaz de

produzir efeitos fora da área geográfica de poderes do representante que o

constituiu em nome do representado. É relevante destacar que, no exemplo ora

cogitado, o contrato teria sido celebrado dentro da área de atuação do procurador,

porém, de alguma forma, ter-se-ia desenvolvido para além desse território. É o

que ocorreria em um contrato de venda e compra celebrado em um local para ser

executado em outro, sendo este último fora da área de atuação do representante.

Seria um contrato único regendo obrigações que devem ocorrer em diversas

localidades, uma delas situada fora do território em que o mandato foi outorgado.

O exemplo dado constitui um dos problemas mais recorrentes no

Direito Internacional Privado e, justamente por essa razão, o que provavelmente

desfruta da mais ampla regulação, conferida tanto por tratados internacionais

como por normas comunitárias e internas.

No capítulo anterior, tecemos algumas considerações sobre a lei de

regência dos contratos, ocasião em que tratamos da clássica polarização entre a

lex loci contractus (lei do local de constituição do contrato) e a lex loci solutionis

(lei do local onde a obrigação deva ser cumprida)30 como elemento de conexão

                                                            30 O lugar de solução do contrato (loci solutionis) é o local em que a principal obrigação do ajuste foi ou virá a ser cumprida. Assim, por exemplo, a principal prestação de um contrato de venda e

Page 126: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

126

para os vínculos de natureza obrigacional. Lançamos o foco sobre esses dois

elementos porque ambos tratam da norma que deve reger a substância do

contrato, questão que guarda maior aderência com o problema da pesquisa.

Há, entretanto, uma importante questão que diz respeito aos

contratos internacionais: a escolha do ordenamento que deve reger os aspectos

formais de validade do contrato. Não se trata mais da escolha do conjunto

normativo que regerá a substância do ajuste, mas a ordem legal que deva ser

observada no exame da validade do contrato.

O Direito Internacional Privado consolidou a regra da locus regit

actum como instrumento de definição do ordenamento que deve reger os

aspectos formais do contrato. Segundo Jacob Dolinger (2007, p. 514), trata-se

de uma norma básica de Direito Internacional Privado assimilada em alguma

extensão por todos os sistemas jurídicos vigentes e que, por ter origem

consuetudinária, não dependeria de previsão expressa no Direito positivo local.

Amílcar de Castro (1987, p. 517) conta que a regra é conhecida desde o século

XIV e que sempre se impôs e provavelmente jamais será abandonada, pois

permite que pessoas sujeitas a ordens jurídicas distintas possam contratar.

Segundo a regra locus regit actum, os aspectos de validade de um

negócio jurídico são disciplinados pela lei em vigor no local em que o ato foi

realizado. É a lei do local de feitura do ato que define a sua existência e validade.

Se o ato for reputado como válido pela lei do local de sua realização, tal condição

deverá ser respeitada por qualquer outra ordem jurídica, ainda que o mesmo ato,

sob a vigência dessa legislação, não pudesse ser assim considerado.

                                                            compra de um bem móvel é a transferência de sua propriedade, pois todas as demais obrigações e a própria constituição do contrato derivam desse fato jurídico específico; nesse exemplo, considera-se que o contrato será solucionado no lugar em que ocorrer a tradição do bem que constitui o seu objeto. Em relação aos contratos de trabalho, no entanto, cuja principal prestação – a atividade laborativa – se renova diariamente em uma linha de prestações sucessivas, é comum substituir-se a expressão lex loci solutionis por uma expressão que transmite com mais precisão a ideia de continuidade temporal: lex loci executionis. É importante esclarecer, ainda, que a lex loci executionis pode se referir, ainda, à lei do local em que se processa a execução forçada de uma obrigação. Esse último sentido não será invocado no trabalho.

Page 127: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

127

A regra locus regit actum tem assento destacado no Direito positivo

brasileiro. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro afirma que tanto

o conteúdo substancial do contrato como os seus requisitos extrínsecos –

elementos de existência e validade - serão regidos pela lei do local em que a

obrigação for constituída (art. 9º, caput e § 1º, in fine), sendo reputado como tal

o lugar de residência do proponente (art. 9º, § 2º)31.

A ideia de que o local rege o ato também foi absorvida em diversos

documentos regulatórios internacionais. A já citada Convenção de Roma (CEE,

1980), confere validade formal ao ato jurídico se ele estiver em conformidade

com a lei vigente no local em que fora constituído (locus regit actum) ou com a

lei que rege a sua substância (art. 9º, 1 e 2). Tratando-se especificamente do

contrato celebrado por um representante – hipótese apresentada no exemplo – a

Convenção de Roma prediz que, em tal caso, o contrato deve ser considerado

válido se os seus aspectos formais estiverem em conformidade com a lei do país

em que os poderes representativos são exercidos (art. 9º, 3).

A Convenção sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à

Representação (HCCH, 1978) regula especificamente a hipótese aventada no

exemplo. Ela determina que a relação entre o representante e o terceiro

contratante, a extensão dos poderes daquele e os efeitos dos seus atos são regidos

pela lei do país em que o representante mantenha o seu estabelecimento

profissional (art. 11). A Convenção de 1978, portanto, aplica a regra locus regit

                                                            31 A respeito dos requisitos de existência e validade do ato jurídico, a LINDB assim afirma: “destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato” (art. 9º, § 1º). A redação desse dispositivo é bastante criticada na doutrina por utilizar dois conceitos legais indeterminados – “forma essencial” e “requisitos extrínsecos” – que dificultam a compreensão do seu alcance. Enfrentando esse problema, Jacob Dolinger (2007, p. 517-520) oferece um exemplo que ilustra a sua compreensão: um imóvel situado no Brasil é objeto de um contrato de venda e compra constituído e formalizado inteiramente no exterior; o conteúdo substancial (objeto, preço, obrigações principais e acessórias etc.), assim como as características extrínsecas do ato (formalização por documento público ou particular, número de testemunhas, língua utilizada etc.) serão regidas pela lei do país em que a obrigação foi constituída, nos exatos termos do caput e do § 1º, in fine, do art. 9º da LINDB; entretanto, a lei brasileira prevê uma forma essencial a esse ato: a transcrição do contrato no competente registro imobiliário. Dolinger esclarece que este último ato – a transcrição no registro imobiliário – é o que a LINDB reputa como “forma essencial”. Ainda para o referido autor, o que a Lei de Introdução faz é separar o conteúdo de direito obrigacional (os requisitos de validade e a substância do contrato) do conteúdo de direito real (a transcrição no registro competente); ao primeiro, a LINDB determina a aplicação da locus regit actum; ao segundo, a observação da lex rei sitae.

Page 128: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

128

actum e, para efeitos de sua observação, considera como local de realização do

ato jurídico o domicílio profissional do representante.

Como observado, o Direito Internacional Privado interno e externo

responde à questão proposta com uma afirmativa: os efeitos do contrato não se

limitam à área geográfica em que estavam inscritos os poderes do representante

que o subscreveu agindo em nome do representado. O próprio desenvolvimento

dessa disciplina, aliás, está intimamente relacionada com a proposta de que as

obrigações assumidas por um indivíduo em um determinado país podem

produzir efeitos em qualquer lugar do planeta. Transpor limites territoriais é

justamente o objetivo do Direito Internacional Privado.

Necessário, ainda, examinar a questão da representação sob o ponto

de vista do Direito interno brasileiro, no qual o Código Civil sobressai como

primeiro referencial legislativo. Antes de avançar ao exame da lei, há lugar para

algumas reflexões a respeito do vínculo contratual em si.

A doutrina há muito organiza os direitos civis em duas ordens

distintas, descritas conforme o vínculo nuclear sobre o qual recai a proteção

estatal. Nos chamados direitos reais, a ordem legal tutela fundamentalmente o

vínculo que se estabelece entre o indivíduo e o bem material sobre o qual ele

exerce uma pretensão de domínio. Já os direitos pessoais se concentram nas

relações obrigacionais estabelecidas entre diferentes indivíduos que, embora

possam ter como propósito um objeto material, constituem elas próprias, as

relações entre sujeitos, os vínculos sobre os quais repousam a ação do Estado.

Nos direitos pessoais, o objeto que recebe a atenção da norma jurídica é a relação

jurídica sujeito-sujeito. Trata-se, portanto, de um vínculo entre pessoas e não um

vínculo estabelecido entre um indivíduo e um objeto.

A relação contratual constitui um vínculo pessoal, fixado entre os

sujeitos que contratam, e não um vínculo ancorado no objeto do ajuste. Sendo

um vínculo pessoal, as obrigações derivadas de uma avença aderem aos sujeitos

contratantes, acompanhando-os no tempo e no espaço. Tome-se como exemplo

dessa aderência temporal uma obrigação pessoal assumida por indivíduo capaz

Page 129: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

129

que, por qualquer razão, venha a perder a sua capacidade civil; tal fato

superveniente não constituiria motivo para invalidação do ajuste, uma vez que a

incapacidade só induziria à invalidade do negócio jurídico se contemporânea à

sua celebração (CC, art. 166). A aderência espacial, por sua vez, poderia ser

observada na disposição legal que determina que o pagamento de uma obrigação

pessoal, salvo estipulação em sentido diverso, deverá ser efetuada no local do

domicílio do devedor (CC, art. 327), o qual, evidentemente, pode ser alterado a

qualquer momento. Exemplo dessa aderência espacial das obrigações pessoais é

a jurisprudência que reconhece ser exequível no Brasil dívida de jogo contraída

legalmente no exterior, ainda que obrigações dessa natureza, entre nós, seja

reputada ilícita e, portanto, inexigível (Ementário, caso nº 5).

Os atos de manifestação de vontade, portanto, aderem aos sujeitos

de direito, e não aos objetos dos respectivos contratos. Se pensássemos em uma

relação de emprego, poderíamos afirmar que as suas obrigações vinculam as

pessoas do empregado e do empregador, seguindo-as no tempo e no espaço.

Assim, se as obrigações ajustadas pelas partes ficam imantadas a elas próprias e

não ao objeto principal da relação jurídica – no caso do contrato de trabalho, a

prestação pessoal de serviços – essa última não pode ser empregada como fator

limitador, condicionante ou determinante daquelas obrigações. O local da

prestação de serviços, portanto, não teria qualquer efeito sobre as obrigações

convencionadas. Se a norma coletiva fosse assimilada como um contrato puro,

seria forçoso reconhecer essa adesão pessoal.

Retomando o exame da lei, destaca-se, quanto ao problema da

representação, a disposição contida na Lei Civil segundo a qual a vontade

manifestada pelo representante produz efeitos em relação ao representado, nos

limites de seus poderes (Código Civil, art. 116). Referido dispositivo deve ser

analisado de forma sistemática com regra locus regit actum inserta na Lei de

Introdução às Normas do Direito Brasileiro, anteriormente denominada Lei de

Introdução ao Código Civil, e com a previsão existente no próprio diploma legal

que reputa o contrato celebrado no lugar em que foi proposto (Código Civil, art.

435).

Page 130: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

130

É possível imaginar uma situação concreta de aplicação desses

conceitos: A empresa “A”, com sede administrativa na cidade de Belo Horizonte,

procura o representante comercial da empresa “B” que atua naquela zona

territorial; ambos formalizam um contrato pelo qual a empresa “B” fornecerá

determinado produto a preço certo. Entretanto, as partes convencionam que os

bens, objeto do contrato, serão entregues diretamente nas diversas filiais de “A”,

situadas em várias regiões do País. Em um caso como esse, seria possível

considerar o contrato inválido por qualquer das partes, tendo em vista que ele

será parcialmente executado fora da área de representação? A solução que a

ordem jurídica dá ao problema já foi anunciada neste trabalho: segundo a regra

locus regit actum, consagrada na Lei de Introdução às Normas do Direito

Brasileiro, os elementos de existência e validade do contrato são regidos pela lei

do local em que a obrigação for constituída, sendo irrelevante, para tal fim, o

local de solução da avença.

Ainda a respeito do problema representação, o art. 611 da CLT

contém importantes elementos que, em razão da organização do presente

trabalho, serão analisados mais adiante, quando do enfrentamento dos

fundamentos invocados pela atual jurisprudência do TST a respeito da eficácia

das normas coletivas. Necessário adiantar, entretanto, que a representação

tratada no referido dispositivo legal se refere apenas à sua dimensão material e

não ao seu âmbito territorial, como muitos supõem. De todo modo, tal como

afirmamos linhas atrás, a regra locus regit actum constitui a diretriz fundamental

que regula a existência e a validade dos contratos, irradiando-se sobre todos os

aspectos dessa questão.

Alterando-se o vetor do estudo, atinge-se o ponto em que se examina

a possibilidade de a norma coletiva, considerada como um ato legislativo não

estatal, produzir efeitos que superem a base territorial do sindicato que a

convencionou.

Como visto no capítulo anterior, a premissa de que as leis se

habilitam a alcançar fatos e relações jurídicas ocorridas além dos limites

territoriais de soberania do ente estatal que a produziu constitui o fundamento

Page 131: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

131

nuclear da disciplina conhecida como Direito Internacional Privado, que, com o

seu modelo de regras e princípios, regula não apenas os conflitos normativos

entre nações, mas também os conflitos internos: intermunicipais,

interprovinciais, interestaduais, dentre outros. A resposta, portanto, já se

encontra no presente trabalho, havendo ainda lugar, apenas, para algumas

questões adicionais.

A eficácia espacial dinâmica da lei é reconhecida por,

provavelmente, todos os ramos do Direito, os quais expressam sua dimensão

internacional sempre que um fator extraterritorial venha a incidir sobre a situação

jurídica regulada, seja ele relacionado aos sujeitos ou ao objeto da relação

(DOLINGER, 2014, p. 26). O Direito Penal brasileiro, apenas como exemplo,

prevê em seu estatuto legal um rol de situações em que a norma brasileira

expande seu alcance para recair sobre fatos praticados no estrangeiro (Código

Penal, art. 7º).

Para explicar como a lei se projeta para além das fronteiras do país,

Amílcar de Castro (1987, p. 4) inicia desfazendo um equívoco comum e que, no

caso específico das normas coletivas, é o principal obstáculo para a compreensão

de sua eficácia ultraterritorial. Castro recorda que o território físico (espaço

geográfico) é diferente do território jurídico (âmbito de sujeição ao poder), sendo

que apenas o último integra a noção de Estado. Nessa linha de ideias, a eficácia

de uma lei não teria necessariamente a mesma dimensão do território geográfico

do país; ela teria dimensão equivalente ao seu território jurídico, isto é, à

extensão de poder daquele Estado. Tal noção nos auxilia na compreensão do que

já dissemos e repetiremos em breve: base territorial é um conceito que diz

respeito apenas à organização das entidades sindicais e não um atributo da

categoria em si.

É seguro afirmar que a área de atuação de uma lei não se confunde e

tampouco se limita ao espaço compreendido pelas fronteiras do Estado; ela vai

além, alcançando fatos jurídicos ocorridos em áreas exóticas. Entretanto, vale

questionar se esse mesmo efeito ocorreria no plano interno com as leis

produzidas por um município, uma província ou um estado da federação. Como

Page 132: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

132

visto no capítulo anterior, a denominação Direito Internacional Privado não é

precisa, pois transmite a ideia de que tal ramo do Direito se ocupa

exclusivamente com os conflitos internacionais de leis, enquanto, em realidade,

ele se ocupa igualmente com os conflitos internos de normas jurídicas, aliás,

justamente dos quais se originou. Mas, o Direito brasileiro assimila a existência

de conflitos espaciais de leis internas?

De início, é necessário recordar que a Lei de Introdução às Normas

do Direito Brasileiro, exatamente como sua denominação pretende, irradia

efeitos por todo o Direito Privado interno, dirigindo-se indistintamente aos

conflitos internacionais como aos conflitos intersistemáticos locais. É certo, no

entanto, que o fato de o modelo legislativo brasileiro centralizar na União a

competência legislativa sobre quase todas as matérias, ou, pelo menos, sobre as

matérias mais relevantes, não estimula a produção legislativa e o

desenvolvimento doutrinário a respeito de conflitos internos de leis entre nós.

Tendo em vista a descentralização das competências tributárias, a legislação de

impostos constitui uma das poucas exceções.

O Código Tributário Nacional reconhece a capacidade que uma lei

estadual ou municipal possui de produzir efeitos fora dos limites territoriais da

respectiva unidade federativa ou local, afirmando textualmente a sua eficácia

extraterritorial. Segundo a Lei Tributária, a legislação de impostos de um estado,

do Distrito Federal ou de um município vigora fora dos territórios respectivos

em conformidade com os convênios celebrados pelos entes ou na forma prevista

em lei32. Independentemente do alcance dessa disposição legal, ela serve como

demonstração de que eficácia espacial das normas legais tem amplitude maior

do que o tamanho do território a que está adstrito o ente estatal que a editou.

A relação que supostamente existe entre os limites geográficos da

competência do órgão estatal e a eficácia espacial do ato por ele produzido no

                                                            32 Tal como segue, in verbis: Código Tributário Nacional, art. 102: “A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham esta ou outras leis de normas gerais expedidas pela União”.

Page 133: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

133

exercício dessa competência já foi debatida amplamente pelo Superior Tribunal

de Justiça. Nos casos examinados, a questão jurídica dizia respeito à extensão

dos efeitos territoriais da coisa julgada produzida em ação civil pública ou, mais

especificamente, se os efeitos da sentença estão limitados à “competência

territorial do órgão prolator”, tal como previsto de forma literal no art. 16 da Lei

nº 7.347, de 24 jul. 1985. O Superior Tribunal de Justiça acabou consolidando a

tese de que os efeitos da decisão, na hipótese, transcendem os limites da

competência espacial do órgão judicante, rompendo a correlação entre âmbito

de poder e eficácia jurídica do ato de poder (Ementário, casos nº 6 e 7).

Até este ponto, a pesquisa procurou demonstrar que os atos jurídicos

dotados de características distintas, provenientes de fontes igualmente diferentes

e providos de regulação legal própria, têm em comum o fato de produzirem

efeitos além do âmbito de atuação ou de poder do ente público ou privado que

os produziu. Um contrato, uma lei e uma sentença; como atos jurídicos tão

díspares entre si, tão peculiares em relação aos outros, são capazes de projetar

sua carga eficacial do mesmo modo? Deve existir uma resposta que explique

como institutos tão diferentes assumam essa identidade comum. Para nós, assim

arriscamos, a resposta é singela: a eficácia ultra ou extraterritorial que

reconhecemos nesses atos jurídicos decorre da necessidade de se dar às partes

de um contrato a segurança de que ele não perderá sua validade pelo simples fato

de ser executado em outro lugar; necessidade de garantir que a lei alcançará o

objeto específico de sua regulação ainda que esse ultrapasse uma fronteira;

necessidade de se garantir a força pacificadora e isonômica de uma sentença. A

eficácia supraterritorial desses atos é, antes de tudo, uma exigência de

racionalidade.

As normas que resultam da contratação coletiva, cujo genótipo

concentra elementos típicos dos contratos, das leis e, por vezes, até das

sentenças, exigem essa mesma racionalidade. Tanto assim é verdadeiro, que as

normas coletivas – aqui já falando em plano empírico – efetivamente dispõem

de uma carga eficacial que transcende a base territorial do sindicato que a

convencionou. A eficácia ultraterritorial das normas coletivas é um fenômeno

real, concreto; basta olhar em volta. Imaginemos um trabalhador que, por um

Page 134: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

134

único dia, seja destacado pelo seu empregador para realizar atividades em local

inserido na base territorial de um sindicato diferente do que atua no lugar de

origem. É fantasioso supor que o empregador, em função desse único dia, vá

alterar o salário do trabalhador para ajustá-lo ao piso salarial previsto na norma

coletiva vigente no local de destino ou vá calcular a participação nos lucros e

resultados considerando aquele único dia trabalhado sob outro regime

normativo. O que de fato ocorre, em casos como esse, é a manutenção das

condições de trabalho originais, ou seja, mantém-se a aplicação da norma

coletiva de origem ao trabalho realizado em outro lugar.

Algumas situações mais específicas demonstram com grande

evidência a necessidade de se organizar a eficácia das normas coletivas em uma

ordem sistemática racional. Dentre elas, notabiliza-se o caso das empresas de

transporte, cujos trabalhadores, no exercício normal de suas atividades,

percorrem localidades que integram a base territorial de diferentes sindicatos que

representam a categoria, cada um com uma disciplina normativa própria. Qual

valor seria devido, a título de ajuda alimentação, por exemplo, para um

trabalhador que, em um único dia, percorreu as bases territoriais de diversos

sindicatos, cada um deles com previsão normativa própria sobre o tema33?

Pode-se objetar sob o argumento que os exemplos acima retratam

deslocamentos de curtíssimos períodos, nos quais a inexistência de fixação do

trabalhador no local de destino autorizaria a manutenção do padrão normativo

                                                            33 Entre as empresas de transporte, chama atenção o caso das companhias ferroviárias. A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) é um exemplo curioso. Por razões históricas, as seis linhas que compõem a malha ferroviária da CPTM são divididas, quanto à representação dos trabalhadores, por três sindicatos diferentes (Sindicato Central do Brasil, Sindicato dos Ferroviários da Zona Sorocabana e Sindicato dos Ferroviários de São Paulo). Tendo em vista que todas as linhas transitam pela Capital Paulista, um fato singular ocorre: os trabalhadores da companhia em São Paulo são representados por três sindicatos diferentes apenas por trabalharem em linhas distintas. No caso desses trabalhadores, sequer é preciso falar em destacamento; basta que a empresa determine a realização de uma atividade junto a linha diversa, ainda que na mesma cidade, para que surja o problema da eficácia da norma coletiva no espaço. Outros casos prescindem desse tipo de movimentação. A Ferrovia Centro Atlântica S.A. (FCA) é um bom exemplo: sua malha ferroviária possui 7.220 quilômetros de extensão, cortando 316 municípios distribuídos entre sete estados e o Distrito Federal e, consequentemente, cruzando bases territoriais de diversos sindicatos. Observamos que a empresa se esforça para celebrar acordos coletivos com teor semelhante com todos os sindicatos, o que nem sempre é possível. Assim, em uma viagem regular, um maquinista da FCA é, supostamente, regido por um conjunto normativo diferente conforme a quilometragem percorrida.

Page 135: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

135

do local de origem. Tal objeção seria, ao contrário, um endosso do que

afirmamos, pois ela reconheceria que a norma coletiva pode alcançar o trabalho

prestado em outro lugar, ainda que por breve espaço de tempo. O fato de o

contrato de trabalho continuar sendo regido pela mesma norma coletiva, no

período em que o trabalhador estiver executando um trabalho de um único dia,

até mesmo de algumas horas, em local fora da base territorial do sindicato que a

formalizou, é o bastante para que se confirme a premissa de que a norma coletiva

produz efeitos ultraterritoriais.

3.2 A ruptura do padrão que define a lex loci executionis como

elemento de conexão da relação de emprego às normas coletivas

de trabalho (...).

Como observado nas seções precedentes, a norma coletiva,

independentemente de ser considerada um vínculo de natureza contratual ou

como um ato legislativo produzido por um ente não estatal, possui a capacidade

in abstrato de produzir efeitos jurídicos fora da área territorial de atuação do

sindicato que a formalizou. Verificou-se, igualmente, que o plano empírico

confirma que a dimensão espacial de eficácia da norma coletiva transcende

limites territoriais.

Tal constatação impõe a necessidade de se descrever a eficácia

espacial da norma coletiva, elucidando como ela se desenvolve no âmbito de

uma relação privada de emprego, e modular uma teoria que organize

sistematicamente tal fenômeno, estabelecendo-se um modelo de princípios e

regras com pretensão de generalidade.

Como visto no capítulo anterior, o Código Bustamante falhou em

sua aspiração de uniformizar o Direito Internacional Privado nas Américas, não

dispondo da adesão que os seus criadores projetaram ou da aceitação doutrinária

que seria necessária para alçá-lo ao posto idealizado. A despeito desse fato, o

Código de Direito Internacional Privado de 1928 acabou recebendo um

Page 136: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

136

incompreensível apoio da jurisprudência trabalhista brasileira, o que é fruto

direto de uma interpretação equivocada das disposições contidas no documento.

Como observado anteriormente, o Código Bustamante enfrenta o

problema do conflito de leis no espaço de forma bastante genérica, definindo

apenas o estatuto de conexão das normas jurídicas e não os elementos de conexão

destas. Tal como dissemos, o Código faz apenas uma classificação preliminar

que identifica o aspecto fundamental - o estatuto - sobre o qual a norma deve

recair, que pode ser o indivíduo (leis pessoais), o objeto (leis territoriais) ou o

ato de vontade (leis voluntárias).

Assim, quando o Código Bustamante define uma determinada lei

como pessoal, significa que o país signatário do tratado deve estabelecer em seu

Direito interno um elemento de conexão vinculado com os atributos próprios do

indivíduo, como, por exemplo, a sua nacionalidade ou o seu domicílio. O Código

de 1928 define o estatuto de conexão (a pessoa), sendo que o elemento de

conexão (a nacionalidade ou o domicílio) deverá ser definido pelo Direito

interno de cada país, bastando apenas que este esteja vinculado àquela diretriz

fundamental definida no documento elaborado por Bustamante y Sirvén. Como

exemplo do que foi dito, o Código de Direito Internacional Privado de 1928

dispõe que “a rescisão dos contratos, por incapacidade ou ausência, determina-

se pela lei pessoal do ausente ou incapaz” (art. 181). Nesse caso, qual seria a lei

pessoal do ausente ou incapaz: seria a lei do país da nacionalidade do indivíduo

(lex patriae)? Ou a lei pessoal seria aquela em vigor no país em que o sujeito

possuir o seu domicílio (lex domicilli)? Como se observa, o Código Bustamante

não define qual será o elemento de conexão – a lex patriae ou a lex domicilli.

Tal definição competirá ao país signatário do documento por sua legislação

interna, bastando que tenha aderência aos atributos individuais do ausente ou

incapaz.

Nessa linha, ao afirmar que sobre uma determinada matéria recai a

lei territorial, o Código Bustamante está apenas determinando que o país

signatário não poderá definir para a respectiva matéria um elemento de conexão

que se relacione com atributos pessoais; neste caso, o país deve definir um

Page 137: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

137

elemento de conexão impessoal, capaz de vincular qualquer pessoa que esteja no

território, independentemente de qualquer condição individual do sujeito.

Voltando com os exemplos, o Código Bustamante afirma que “as demais causas

de rescisão [dos contratos] e sua forma e efeitos subordinam-se à lei territorial”

(art. 182). Como se observa, o Código afirma que, para as questões apontadas

(rescisão dos contratos etc.), deverá ser observada a lei territorial; entretanto, ele

estaria fazendo referência à lei de qual território? Seria a lei do território em que

o contrato foi constituído (lex loci contractus); ou seria a lei do local onde a

obrigação principal deva ser cumprida (lex loci solutionis)? Como se observa

mais uma vez, o Código não define qual é o elemento de conexão aplicável

àqueles aspectos do contrato, atribuindo tal prerrogativa ao Direito interno de

cada país. A única regulação que o Código de 1928 faz é delimitar as opções de

escolha do país: o elemento escolhido não pode se vincular aos atributos

individuais dos contratantes, como a sua nacionalidade e o seu domicílio,

devendo ser impessoal e abrangente a ponto de alcançar qualquer pessoa dentro

do território nacional. É exatamente o que o Código Bustamante deixa claro em

seu art. 3º, II, ao afirmar que as leis por ele consideradas como territoriais nada

mais são do que aquelas que atingem todos os que residam no território,

independentemente de sua nacionalidade.

Como abordado no capítulo anterior, o Código Bustamante define o

território como estatuto de conexão das questões relativas a acidentes do trabalho

e proteção social do trabalhador (art. 198). Tal como exposto, o Código está

apenas afirmando que o elemento de conexão que deve ser escolhido pelos países

signatários do tratado, em relação às questões destacadas, não pode estar atrelado

a uma condição pessoal do trabalhador, especialmente à sua nacionalidade. O

Código Bustamante apenas determina, assim como o faz o art. 5º da Constituição

Federal de 1988, que os países aderentes do tratado não podem limitar a

aplicação da legislação sobre acidentes do trabalho e proteção social do

trabalhador aos seus nacionais, devendo, ao contrário, estendê-la a todos que

residam em seus territórios, independentemente da nacionalidade.

Apesar desse limitado alcance, o Tribunal Superior do Trabalho,

como já visto, a partir de uma hermenêutica criativa e bastante distendida,

Page 138: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

138

enxergou no Código Bustamante a consolidação de um “princípio da

territorialidade”, o qual estabeleceria a lex loci executionis, ou seja, a lei do local

de execução do contrato de trabalho, como elemento de conexão das respectivas

obrigações a uma ordem normativa34.

Essa concepção contém dois equívocos. Como anunciamos páginas

atrás, os princípios de Direito Internacional Privado foram desenvolvidos pela

doutrina inicialmente como instrumentos de integração, controle e restrição do

funcionamento das regras de conexão, operando como verdadeiras válvulas de

escape e controle que asseguram a integralidade e racionalidade do sistema. Em

momento posterior, a doutrina consolidou novos princípios que, amplamente

absorvidos pelas legislações internas e diplomas internacionais, consolidaram

modelos de conexão dinâmicos, especificamente em matéria contratual, em

contraposição aos modelos estáticos até então adotados. Ao falar em “lei

territorial”, o Código Bustamante, como visto exaustivamente, não oferece

nenhuma regra ou elemento de conexão, seja ele estático ou dinâmico, pois, na

medida em que se limita a dispor sobre o estatuto de conexão da norma, não é

capaz de, por si, oferecer uma solução ao problema da lei de regência das

obrigações derivadas de um contrato. Tal incapacidade impede que se atribua a

condição de princípio à territorialidade de que trata o Código Bustamante; este,

o primeiro equívoco cometido. O segundo, e deste também já muito se tratou no

presente relatório, reside no fato de que o Código Bustamante não define

qualquer elemento de conexão em matéria de relações de trabalho, sendo

impossível nele divisar a adoção da lex loci executionis ou qualquer outro

conectivo.

Alheio a essas constatações, um dogma foi se consolidando no

pensamento da comunidade jurídica brasileira e, principalmente, na

jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho: a existência de um princípio,

                                                            34 Tal interpretação ficou estampada de forma evidente em um dos precedentes jurisprudenciais que deram origem à súmula de jurisprudência nº 207 do Tribunal Superior do Trabalho, cancelada em 16 de abril de 2012, oportunidade em que o Tribunal afirmou que “em matéria trabalhista dá-se a aplicação da ‘lex loci executionis’ face ao princípio da territorialidade (Código de Bustamante)” (TST, 1ª Turma, RR nº 3621/83, relator Min. Marco Aurélio, DJ de 2 ago. 1985).

Page 139: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

139

o da territorialidade, que determinaria que as relações de trabalho seriam

reguladas, sempre, pelas normas coletivas em vigor no local em que o

trabalhador executa a sua prestação laboral. Esse pensamento, que ganhou

contornos próximos aos de um axioma, permeou o debate em torno da eficácia

espacial das normas coletivas.

Doutrina e a jurisprudência, possivelmente acomodadas com a

solução simplista – porém incompleta - que o denominado princípio da

territorialidade oferece, trataram de encontrar em nossa ordem jurídica interna

uma sustentação para o mesmo, de forma a justificar a sua aplicação ao conflito

intersistemático de normas convencionais. Evidentemente, não foi difícil fazê-

lo em um ambiente antidemocrático em que o Estado limita, de diversas formas,

a constituição de entidades sindicais, sendo que uma dessas restrições se refere,

justamente, ao território.

Como já se encontra escrito, a ordem jurídica positiva vigente no

Brasil delimita geograficamente a área de atuação de uma entidade sindical.

Embora tal demarcação diga a respeito do espaço mínimo, e não do máximo, em

que um sindicato deve atuar, essa determinação espacial, juntamente com a

organização dos sindicatos a partir de grupos pré-definidos em lei, o direito de

representação de todos os trabalhadores pertencentes ao grupo em regime de

monopólio e a taxação financeira compulsória dos representados, fragmentou os

entes sindicais em diversas organizações locais e permitiu que cada uma delas

passasse a se portar como soberana de sua categoria em seu pedaço de terra. Ao

adotar as denominações federação e confederação para dispor sobre a

organização das entidades sindicais de graus superiores, remetendo a conceitos

próprios da Teoria do Estado, a lei reforçou a ideia de que o sindicato constitui

um ente que se assemelha a um órgão soberano.

O pensamento jurídico corrente encontrou na ideia de base territorial

das entidades sindicais o primeiro argumento para justificar a existência do

princípio da territorialidade no plano interno. Justificativa falha, contudo.

Page 140: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

140

Não exige muito esforço constatar que o art. 8º, II, da Constituição

Federal de 1988, que confere sustentação jurídica às chamadas bases territoriais,

está se referindo exclusivamente aos critérios e limites legais que dizem respeito

à organização das entidades sindicais. Chega a ser curioso que, enquanto a

doutrina é unânime ao reconhecer que sindicatos e categorias são fenômenos

jurídicos absolutamente distintos entre si, como visto anteriormente, tal

diferenciação tenha sido completamente ignorada ao se tratar da eficácia espacial

das normas coletivas. Como dissemos páginas atrás, quem possui base territorial

é o sindicato, não a categoria, da qual aquele é mero representante.

Já foi dito: a chamada categoria profissional é um fenômeno difuso,

cuja amplitude não se limita a um espaço de solo. Assim ocorre porque o critério

de identificação do grupo de trabalhadores, definido em lei, é igualmente difuso

– a similitude de condição de vida decorrente do exercício de um determinado

ofício ou profissão. Um grupo criado por um critério genérico será sempre

genérico.

Afirmar que a norma coletiva possui eficácia territorial restrita

simplesmente porque o sindicato que representa o titular da norma, a categoria

profissional, possui uma base territorial de atuação limitada é um verdadeiro

sofisma.

Tal como já observado, até mesmo as leis produzidas por uma

Nação, que inegavelmente exerce sua soberania exclusivamente dentro de seu

território, é capaz de alcançar fatos e produzir efeitos além de suas fronteiras. A

ideia de soberania de uma Nação, como é da essência do Direito Internacional

Privado, não constitui obstáculo para que as normas jurídicas de outro Estado

produzam efeitos em seu território. No Brasil, por exemplo, questões relativas à

capacidade civil são reguladas pela lei do país em que a pessoa for domiciliada

(LINDB, art. 7º), ou seja, a lei estrangeira produz efeitos no território brasileiro.

Esse fenômeno não importa em qualquer mitigação da soberania do Brasil, assim

como de qualquer outro país.

Page 141: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

141

Dizer que os efeitos de uma norma coletiva jamais poderiam invadir

o território ocupado por outro sindicato equivaleria a afirmar que a “soberania”

de um sindicato seria mais “forte” do que a soberania de uma Nação. Isso se

fosse possível falar em soberania de um ente interno de Direito privado, o que

seria absolutamente equivocado.

Há, ainda, importante distinção a fazer. No caso das leis produzidas

por um Estado, o titular da norma jurídica é também o detentor do atributo

soberania, conjunção esta que não se observa em se tratando de normas coletivas,

em que titular (categoria) e ente de poder (sindicato) não se confundem. No

primeiro caso, a lei de um Estado é aplicada no território de outro, ou seja, aplica-

se a lei de um titular sobre os domínios de outro titular de suas próprias normas

jurídicas. No caso das normas coletivas, isso não ocorre, na medida em que não

se pretende a aplicação das disposições normativas para outro titular; ao

contrário, a norma que pertence a uma categoria (titular) vai ser aplicada no

âmbito dela própria.

A necessidade de clareza justifica a redundância de argumentos:

sindicato e categoria são institutos jurídicos inconfundíveis; aquele mero

representante deste, o efetivo titular da norma coletiva. Base territorial é um

conceito relacionado apenas e tão somente à organização das entidades sindicais

e não relacionado à conformação da categoria em si. Não existe divisão ou

delimitação espacial no conceito legal de categoria (CLT, art. 511). A questão

da eficácia especial das normas coletivas, portanto, não tem qualquer relação

com a ideia de base territorial.

Outro marco legislativo importante relacionado ao problema da

eficácia das normas convencionais é encontrado no corpo da CLT. A Lei

Trabalhista define convenção coletiva de trabalho como sendo o “acordo de

caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de

categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho

aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de

trabalho” (art. 611).

Page 142: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

142

A expressão “no âmbito das respectivas representações” é

comumente assimilada como sendo uma referência ao chamado princípio da

territorialidade. Pensamos que tal conclusão é o resultado de um tipo de

hermenêutica que, infelizmente, tem sido cada vez mais comum, em que o

intérprete extrai exclusivamente de suas convicções pessoais o resultado que

considera mais justo ou mais fácil de aplicar ao caso e, posteriormente, procura

no texto legal alguma passagem que o sustente, ainda que para tanto tenha que

descontextualizá-lo ou subverter alguns sentidos. É fácil perceber que essa

interpretação como ato de vontade ocorre em relação à norma em exame. O art.

611 da CLT fala primeiramente em “sindicatos representativos de categorias

econômicas e profissionais” para, logo depois, dizer ”no âmbito das respectivas

representações”. Como se observa, além de dividirem o mesmo elemento

mórfico, existe uma clara continuidade narrativa entre as duas expressões,

evidenciando uma conexão entre ambas as ideias. É evidente, portanto, que a

expressão “respectivas representações” está se referindo à representação da

categoria econômica e profissional, ou seja, o elemento vinculativo é o grupo

(bancários, metalúrgicos, etc.), não havendo absolutamente nada relacionado a

lugar, à base territorial. É equivocado sustentar a premissa de que o art. 611 da

CLT delimita a eficácia espacial das normas coletivas.

Todavia, a partir justamente dessas premissas equivocadas, o

Tribunal Superior do Trabalho vem acumulando decisões que afirmam a

existência de um princípio da territorialidade e, por irradiação direta deste,

determinando que as relações de emprego sejam regidas pelas normas coletivas

celebradas pelo sindicato que possui base territorial no local da respectiva

prestação de serviços (Por todos, vide ementário, caso nº 8).

É importante destacar que tais decisões do Tribunal Superior do

Trabalho foram extraídas de um mesmo e específico contexto fático: em todos

os casos examinados, havia uma polarização entre a adoção da sede do

empregador e a adoção da loci executionis como elemento de conexão do

contrato de trabalho às normas convencionais. Inserindo-se o problema nessa

ordem binária, em que se deveria optar pela aplicação das normas coletivas

celebradas pelo sindicato cuja base territorial compreendia o local da sede da

Page 143: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

143

empresa ou pela aplicação das disposições convencionais do sindicato mais

próximo do lugar da prestação de serviços, a solução adotada pelo Tribunal

realmente afigurou-se como a mais razoável, pelos motivos expostos no capítulo

anterior e pelos que serão apresentados adiante. A questão que importa para o

presente estudo, no entanto, não é a solução que foi dada pelo TST em si; o que

importa neste momento é o fundamento que o Tribunal adotou, ao qual já nos

opusemos criticamente, além de o problema de se transformar a ideia de

territorialidade em uma regra absoluta.

A respeito desse último aspecto, a adoção da lex loci executionis

como elemento de conexão da relação de emprego à norma coletiva de trabalho

de forma plena, irrestrita e inconteste, equivaleria a levar a efeito algo divorciado

da realidade, impondo aos empregados e empregadores um comportamento sem

coesão com a racionalidade. Ora, se a lex loci executionis constituísse uma regra

absoluta, então seria correto dizer que sempre, em qualquer situação, deverão ser

aplicadas as normas coletivas do local da prestação de serviços. Nesse cenário,

o destacamento do trabalhador para a realização de um trabalho pontual

implicaria obrigar o empregador a observar, ainda que para um período de

poucas horas ou de um único dia, as disposições convencionais do local de

destino. E se o piso salarial daquele local for maior; o trabalhador deverá receber

o respectivo aumento salarial? E no dia seguinte, quando retornar ao local de

origem, permanecerá com um salário maior do que todos os seus colegas? E se

a participação nos lucros e resultados no local de destino for menor do que a do

local de origem? Ele receberá um valor menor do que os seus colegas apenas por

ter trabalhado um único dia em um local diferente? Em qualquer um dos casos,

a solução dada pela lex loci executionis é isonômica e racional? Ela protegerá

esse trabalhador ou o colocará em uma situação de singularidade frente ao

grupo? E se o trabalhador costuma realizar atividades em diversas cidades ao

longo do mês, como ficarão os seus direitos e como a empresa será capaz de

coordenar a incidência de uma norma coletiva a cada dia?

Como se observa, adotar a lex loci executionis de maneira

axiomática é absolutamente inviável, pois resultaria em inúmeros e

possivelmente incontornáveis problemas para ambas as partes. Não por acaso, é

Page 144: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

144

fato imune a qualquer dúvida que nenhuma empresa adota referido elemento de

conexão em seus destacamentos de curta duração, mantendo a aplicação da

norma coletiva do local de origem para a regência do contrato de trabalho

executado em outros lugares. É um fenômeno natural que o Direito não pode

ignorar.

E esse fenômeno deve ser descrito, adequadamente fundamentado e,

sobretudo, organizado em um modelo racional de aplicação. Seguimos nessa

proposta.

3.3 (...) e a adoção do princípio da proximidade como padrão de

vinculação da relação de emprego às normas coletivas de

trabalho.

O capítulo anterior foi quase integralmente dedicado ao exame

crítico das principais regras de conexão e princípios de Direito Internacional

Privado eventualmente incidentes sobre as relações de trabalho transnacionais e,

de uma forma puramente hipotética, dado que não existem conflitos de leis

trabalhistas entre estados e municípios brasileiros, de como essas regras se

comportariam diante de um conflito de leis regionais. Não abordamos o

problema específico das normas coletivas de trabalho, para o qual este espaço

ficou reservado.

Ao final do capítulo anterior, apontamos o princípio da proximidade

como único modelo capaz de conferir aos conflitos de leis no espaço uma

solução coerente, adequada, correspondente à realidade dos fatos e das pessoas

e, sobretudo, que conduza a um resultado racional. Para chegar a tal conclusão,

a pesquisa passou pelas regras de conexão apoiadas em elementos estáticos (lex

loci contractus, lex loci executionis e domicílio profissional) e pelos princípios

clássicos do Direito Internacional Privado (autonomia da vontade, proteção e

ordem pública). Em relação ao primeiro grupo, o dos elementos estáticos, a

pesquisa evidenciou a impossibilidade de se obter por intermédio deles uma

Page 145: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

145

solução completa para problema da colisão de leis no espaço; em relação ao

segundo grupo, a pesquisa debateu o problema da autonomia da vontade em

matéria de Direito do Trabalho, demonstrou os equívocos envolvidos na ideia de

um princípio da proteção em Direito Internacional Privado e afastou a aplicação

do princípio da ordem pública do plano dos conflitos internos de leis.

Todas as considerações feitas em relação às regras e aos princípios

clássicos do Direito Internacional Privado – e os exemplos rapidamente

mencionados já no presente capítulo assim confirmam – valem para o problema

da norma coletiva aplicável às relações de trabalho. Nenhuma regra estática,

sejam aquelas apoiadas nos elementos de conexão, sejam as resultantes dos

princípios clássicos do Direito Internacional Privado, é capaz de solucionar de

forma coerente o problema da vinculação lei-contrato aqui investigada.

Isso ocorre, sobretudo, porque as regras estáticas repousam sobre o

contrato de trabalho como se ele fosse um todo unitário, ignorando que a relação

de emprego é um fenômeno composto por múltiplas situações fático-jurídicas,

cada uma delas exigindo um tratamento próprio.

Um trabalhador, por exemplo, é destacado provisoriamente para uma

unidade fabril de seu empregador, situada em outro estado. Os sindicatos que

atuam na localidade de destacamento não convencionaram a obrigatoriedade de

pagamento de seguro-saúde por parte da empresa, direito esse que está previsto

nas normas coletivas do local de origem. Por outro lado, vamos supor que o valor

do auxílio-alimentação previsto na norma coletiva de destino seja superior,

notadamente em função do custo de vida mais alto nessa localidade.

O exemplo acima mostra como não é possível aplicar um elemento

de conexão estático e universal. Se aplicarmos a lex loci executionis, o

trabalhador passaria a receber uma ajuda alimentação maior, porém a empresa

estaria desobrigada a manter o seu plano de saúde. Por outro lado, a adoção do

domicílio profissional ou da lex loci contractus apenas inverteria a equação, ou

seja, o trabalhador não se alimentaria adequadamente no período do

destacamento, porém manteria seu plano de assistência médica.

Page 146: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

146

É possível que alguém, como solução do problema, cogite a adoção

do princípio da proteção, do qual emanaria uma regra determinando a aplicação

da norma mais favorável ao trabalhador em relação a cada instituto; nesses

termos, o trabalhador do exemplo manteria o plano de saúde e passaria a receber

o subsídio alimentar no maior valor. Tal solução, contudo, não é válida. O

primeiro motivo é que o princípio da proteção do Direito do Trabalho e a sua

regra que determina a observação da norma mais favorável foram sistematizados

como instrumentos de solução dos conflitos verticais (hierárquicos) e de normas

trabalhistas, e não para atuarem nos conflitos horizontais (espaciais) de leis. O

segundo óbice é que não existe, no seio do Direito Internacional Privado, um

princípio da proteção; o que de fato existe, tal como explorado na seção 2.4.2.2,

supra, é a incidência do princípio da ordem pública, o qual, todavia, passa ao

largo dos conflitos internos de normas coletivas de trabalho, como já dito mais

de uma vez.

O terceiro óbice, e mais importante para que se desfaça de uma vez

o mito da norma mais favorável, está no próprio sentido de proteção. De forma

direta: em um conflito entre duas normas coletivas, aplicar aquela oferece mais

direitos ao trabalhador, seja na forma de um conglobamento amplo ou limitado

por institutos, realmente representaria uma proteção?

Adote-se, como exemplo, um trabalhador da construção civil que

execute as suas atividades indistintamente nas cidades de São Paulo e Rio de

Janeiro, sem prevalência de nenhuma delas (a proposta aqui é isolar todas

variáveis para que o foco se concentre, exclusivamente, na ideia de norma mais

favorável). O problema que se coloca diz respeito aos reajustes salariais desse

trabalhador. A empresa seguirá os reajustes convencionais pactuados pelos

sindicatos paulistanos, pelos sindicatos cariocas ou, como a questão enfrentada

sugere, adotará sempre o reajuste que se apresentar mais favorável ao

trabalhador?

A tabela abaixo ilustra os reajustes salariais pactuados em convenção

coletiva de trabalho pelos sindicatos da construção civil de São Paulo e do Rio

de Janeiro nos últimos 7 anos. Os dados tabulados mostram que os reajustes

Page 147: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

147

salariais variaram de uma cidade para outra em um mesmo ano, oscilação essa

que chegou a 30% em 2011 em favor dos trabalhadores paulistanos. Entretanto,

percebe-se claramente que um reajuste menor ocorrido em um ano acabou sendo

compensado em anos posteriores com um reajuste superior, inclusive em relação

à outra cidade, como se a negociação coletiva carregasse de um ano para outro a

memória das negociações passadas. Como resultado, é possível observar que os

trabalhadores das duas cidades, embora tenham recebido reajustes diferentes ano

a ano, acabaram o período de comparação (2010 a 2016) com um reajuste salarial

acumulado muito parecido: São Paulo, 71,20%; Rio de Janeiro, 72,14%:

Em relação aos reajustes salariais, a proposta de adoção da norma

coletiva que se apresentar mais favorável ao trabalhador já romperia, de plano,

o caráter contínuo da negociação, a memória que a contratação coletiva possui.

O processo de autorregulação capital-trabalho não é um fenômeno

compartimentado no tempo, como se a celebração final de uma norma coletiva

fosse capaz de reestabelecer os seus atores a um ponto inicial e neutro. Ao

contrário, muitas vezes as partes só conseguem firmar uma convenção ou um

acordo coletivo porque os seus atores assumiram compromissos para o futuro,

Ano Sinduscon-RJSintraconst-Rio

(1)(%)

Sinduscon-SPSintracon-SP

(2)(%)

2010 7,00 8,01

2011 7,50 9,75

2012 9,00 7,47

2013 9,00 8,99

2014 9,00 7,32

2015 7,00 8,00

2016 8,00 6,38

Acumulado 72,14 71,20

Tabela 1 Reajustes salariais estipulados em convenções coletivas de trabalho pelas representações sindicais indicadas

Fonte: Sistema M ediador (M inistério do Trabalho e Emprego)Notas: (1) Data-base em 1º de março. (2) Data base em 1º de maio. Os valores se referem ao reajuste aplicável às menores faixas salariais, quando tal distinção ocorrer.

Page 148: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

148

que serão cumpridos nos anos seguintes em uma espécie de compensação.

Assim, uma reinvindicação não atendida em um ano, por uma razão econômica

por exemplo, fica comprometida para as próximas datas-bases. Essa

continuidade da negociação coletiva é facilmente visível na Tabela 1, na qual se

pode identificar que um reajuste salarial menor em um ano foi compensado com

um reajuste maior nos anos seguintes.

Essa memória da negociação coletiva está diretamente vinculada ao

projeto fundamental do Direito do Trabalho, que é a autorregulação dos

interesses dos trabalhadores e empregadores. Basta observar que categorias

constituídas há menos tempo raramente possuem tantos direitos assegurados em

normas coletivas como possuem as categorias constituídas há mais tempo. O

processo de consolidação de um patamar socioeconômico para uma categoria

não se completa em um único ciclo negocial.

Aplicar ao trabalhador do exemplo sempre o reajuste salarial de

maior valor, entre os previstos nas normas coletivas de São Paulo e do Rio de

Janeiro, produziria uma elevação salarial absolutamente artificial, uma vez que

ela não teria correspondência com a negociação coletiva ocorrida em nenhuma

das duas cidades, considerada em seu caráter de continuidade. A tabela abaixo

ilustra o que ocorreria:

Page 149: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

149

O trabalhador teria um reajuste salarial de 79,06% ao final do

período de observação, enquanto, no mesmo período, os seus colegas que

permaneceram apenas no Rio de Janeiro teriam 72,14% de correção de salário e

os trabalhadores de São Paulo, 71,20%. A adoção de um reajuste salarial que

não encontra eco nas reais tratativas intersindicais só se justificaria a partir de

uma ideologia que autorizasse afirmar que o trabalhador deva ser sempre

beneficiado, ainda tal graça decorra da aleatoriedade dos fatos e da imprevisão

dos acontecimentos. Não há, entretanto, justificativa ética ou jurídica.

Cabe ainda indagar se esse trabalhador, que se beneficiou de uma

conjugação aleatória de fatos isolados e atingiu um patamar salarial superior aos

de seus colegas, estaria realmente protegido. O empregador teria diante de si um

empregado que, por circunstancias alheias à sua vontade, possuiria um salário

mais elevado em relação aos demais trabalhadores da empresa. Além do custo

extra que ele imediatamente geraria, esse trabalhador poderia ser fonte

involuntária de descontentamento e questionamentos acerca da disparidade

salarial. Não seria remota a possibilidade de o empregador não querer assumir a

despesa adicional, assim como querer se prevenir dos conflitos gerados por essa

Ano Sinduscon-RJSintraconst-Rio

(1)(%)

Sinduscon-SPSintracon-SP

(2)(%)

2010 7,00 8,01

2011 7,50 9,75

2012 9,00 7,47

2013 9,00 8,99

2014 9,00 7,32

2015 7,00 8,00

2016 8,00 6,38

Acumulado 79,06

Tabela 1a Reajustes salariais estipulados em convenções coletivas de trabalho pelas representações sindicais indicadas

Fonte: Sistema M ediador (M inistério do Trabalho e Emprego)Notas: (1) Data-base em 1º de março. (2) Data base em 1º de maio . Os valores se referem ao reajuste aplicável às menores faixas salariais, quando tal distinção ocorrer.

Page 150: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

150

circunstância. Como repetiremos mais adiante, a igualdade de tratamento e

condições confere uma homogeneidade ao grupo de pessoas que, no âmbito das

relações de trabalho, pode representar uma espécie de invisibilidade protetora do

indivíduo.

As considerações acima demonstram o equívoco da aplicação da

norma mais favorável como instrumento de solução dos conflitos de leis no

espaço em matéria trabalhista; não há fundamento jurídico ou ético para a sua

adoção, assim como tal proposta sequer atinge efetivamente o ideal de proteção.

Por fim, a adoção de elementos de conexão estáticos em relação às

normas oriundas da contratação coletiva poderia encontrar um obstáculo que não

se observa em relação às normas jurídicas estatais: ela poderia vincular o

contrato a um Direito inexistente. Isso ocorreria na hipótese de o elemento de

conexão aplicável indicar as normas coletivas de um determinado lugar para a

regência do contrato de trabalho, porém não existir instrumento de contratação

coletiva naquele local. Tome-se um exemplo: em parceria com o Governo do

Estado do Mato Grosso, a Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô

destaca alguns de seus funcionários para realizarem estudos de viabilidade

técnica para a implantação do modal na cidade de Cuiabá, onde permaneceram

por dois meses. Supondo que o elemento de conexão aplicável fosse a lex locus

executionis, tais trabalhadores ficariam vinculados às normas coletivas

celebradas pelos sindicatos com base territorial na capital mato-grossense no

período. Ocorre que não existe sindicato que represente a categoria profissional

dos metroviários no local de destacamento, não havendo qualquer regulação

convencional aplicável aos trabalhadores locais. O elemento de conexão estático

acabou direcionando a regulação coletiva-contratual da relação de emprego para

o vazio, o que reforça a inaptidão desse critério de vinculação do contrato de

trabalho às normas coletivas.

É possível, então, sustentar a primeira premissa conclusiva

alcançada pela pesquisa:

Page 151: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

151

A relação de emprego é regida pelas normas convencionais com que

apresentar conexão mais estreita. O princípio da proximidade

constitui o modelo de conexão da relação de emprego às normas

coletivas de trabalho.

3.4 Modelo de aplicação do princípio da proximidade.

O princípio da proximidade, como dito páginas atrás, oferece uma

abordagem aberta e flexível para o problema da escolha da norma que regerá a

situação jurídica internacionalizada ou inter-regionalizada. Isso ocorre,

principalmente, pelo fato de que a regra ao final produzida pelo princípio da

proximidade, ou seja, o comando concreto de observação desta ou daquela lei, é

obtida a partir das características específicas do caso examinado, a ele se

direcionando de forma exclusiva e particularizada. O princípio da proximidade

produz uma regra de conexão específica para cada caso – daí sua habilidade em

alcançar uma solução adequada, coerente e justa.

O princípio da proximidade, com efeito, não é capaz de conviver

com regras de conexão estáticas; são ideias absolutamente incompatíveis entre

si. As propostas de conexão mais estreita ou, como prefere o Direito norte-

americano, de relacionamento mais significativo, foram construídas exatamente

para superar a rigidez das regras de conexão clássicas, as quais chegaram a ser

equiparadas por Jacob Dolinger (2004, p. 140) a “uma armadura pesada,

apertada, uma camisa de força um tanto inconfortável, da qual é válido querer se

desvencilhar um pouco”.

Seria, portanto, inadmissível que a presente pesquisa, ao seu final,

postulasse a adoção de uma ou mesmo de várias regras de conexão estáticas para

o problema do conflito de normas coletivas no espaço. Proposta dessa natureza

constituiria uma contradição insuperável que romperia com a coerência interna

esperada em trabalhados científicos, como o presente pretende ser reconhecido.

Page 152: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

152

Segurança jurídica. É recorrente que em debates acadêmicos um dos

interlocutores acabe acionando a ideia de segurança jurídica em contraponto ou

mesmo para repelir uma ideia mais progressista. A salvaguarda da segurança

jurídica - e isso é curioso - costuma ser frequentemente acionada quando se

propõe a aplicação direta e imediata de um princípio de Direito sobre uma

situação jurídica em conflito. O suporte fático amplo e o grau de generalidade

próprios dos princípios costumam assustar aqueles que encontram maior

conforto na norma infraconstitucional positiva, objetiva e detalhada. Os temores

causados pelos princípios de Direito, então, acabam sendo exorcizados com o

dogma da segurança jurídica. Dissemos que esse embate entre princípios e

segurança jurídica é curioso porque esse último, a segurança jurídica, constitui

também um princípio. Questiona-se a aplicação de um princípio de Direito

opondo-lhe, paradoxalmente, um princípio de Direito! Além desse conflito

lógico, que somos incapazes de resolver, existe a questão de fundo: as regras de

conexão estáticas trazem previsibilidade, porém não produzem resultados

coerentes e justos. Inverter os vetores dessa equação, ou seja, abrir mão de certa

previsibilidade, em troca da garantia de justiça, parece ser uma permuta bastante

acertada.

Por outro lado, parece bastante razoável que tamanha

indeterminação gerada pelo princípio da proximidade seja colmatada com

presunções de conexão mais estreita constituídas de forma hipotética e

apriorística – vimos na seção 2.4.2.3 do presente relatório que o legislador

brasileiro adotou esse procedimento na Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, assim como

fez o legislador europeu por ocasião do Regulamento (CE) nº 593/2008 do

Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia (UE, 2008)35.

A opção de se constituir presunções de proximidade se justifica por

três objetivos essenciais: (i) elas oferecem um ponto de partida para o trabalho

de investigação da conexão mais estreita da questão concreta com as múltiplas

                                                            35 É certo, no entanto, que ambos os legisladores veicularam suas presunções sob a forma de regras aparentemente rígidas. Nesse ponto, o legislador europeu foi muito mais hábil que o brasileiro, pois deixou claro que as regras-presunções estabelecidas no Regulamento (CE) nº 593/2008 devem ser afastadas no exame, in concreto, da conexão mais estreita, enquanto a lei brasileira exige maior esforço hermenêutico para identificar tal possibilidade.

Page 153: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

153

ordens jurídicas que se oferecem a regê-la, no caso, com as múltiplas normas

coletivas que se habilitam a incidir sobre a relação de trabalho; (ii) as presunções

permitem que o juiz solucione a causa mesmo quando não for possível identificar

concretamente a conexão mais íntima da situação jurídica com uma ordem

normativa específica, além de se apresentar como diretriz inicial para a

organização e a distribuição do ônus probatório entre os litigantes; (iii) o Direito

do Trabalho dos tribunais brasileiros possui tendência a se acomodar em

fórmulas simplificadas, sendo comum que questões jurídicas complexas acabem

sendo reduzidas a enunciados curtos e que assumem – equivocadamente, vale

dizer – o status de regras absolutas; em um ambiente em que teses jurídicas são

acomodadas em um único parágrafo, é conveniente não deixar espaços abertos

para pensamentos que se comportam como axiomas; as presunções preenchem

tal espaço.

Colocadas tais considerações, a pesquisa pode avançar e partir para

a investigação de possíveis presunções de proximidade. Não é demais repetir:

são apenas juízos construídos a partir de um exercício intelectual, portanto, são

conceitos hipotéticos e apriorísticos. Há total abertura para que o juiz, no exame

do caso concreto, identifique que a relação de emprego apresenta uma conexão

mais estreita com normas coletivas diversas daquelas sugeridas em nossas

presunções e afaste a aplicação dessas. Há, igualmente, espaço para que tais

presunções não resistam a futuro teste empírico ou à eventual contradita por

parte da proficiente doutrina brasileira; em um ou outro caso teremos absoluta

tranquilidade para rever nossos juízos. É com tal advertência que prosseguimos

o trabalho.

3.4.1 Presunção geral de proximidade.

Algumas relações de emprego, provavelmente a maior parte delas,

são constituídas e integralmente realizadas em um único local. Como contratos

estáticos, que não se movimentam entre espaços ocupados por diferentes normas

coletivas, o problema do conflito espacial de diferentes normas convencionais

Page 154: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

154

parece não existir. Tal aparência, no entanto, não corresponde à realidade;

mesmo em relação aos contratos com perenidade territorial, o conflito

intersistemático de normas coletivas pode se apresentar.

Tal colisão é visível, em primeiro lugar, nas empresas que

descentralizam suas atividades em múltiplos estabelecimentos locais, ocasião

em que surge o problema da norma coletiva a ser aplicada aos contratos de

trabalho executados em cada unidade empresarial. Referidos contratos possuem

conexão mais estreita com as normas coletivas em vigor no local da constituição

do contrato e execução dos serviços – aqui supondo que ambos coincidam – ou

com as normas convencionais em vigor no local em que a empresa mantém a sua

unidade administrativa central, sua matriz?

Adiciona-se ao problema a hipótese do trabalhador ter sido

contratado no estabelecimento matriz e designado para trabalhar de forma

exclusiva em estabelecimento situado em outro lugar. Nesse caso, o contrato

manteria um relacionamento mais íntimo com o local de sua constituição ou com

o local de execução das atividades?

No capítulo anterior, foram tecidas algumas considerações sobre a

adoção da lex loci contractus como elemento de conexão aplicável aos contratos

de trabalho internacionais, ocasião em que se discutiu incidentalmente a

aplicação da sede do empregador como conectivo da relação de emprego à lei

(vide seção 2.4.1.1). Todas as críticas anteriormente feitas à adoção desses

elementos de conexão estáticos devem ser consideradas integralmente repetidas

neste espaço.

No entanto, a proposta neste momento vai um pouco além:

identificar com qual instrumento de contratação coletiva a relação de emprego,

analisada em seus termos gerais, manteria um vínculo mais estreito. Nesse

recorte, três possibilidades de relacionamento mais íntimo se apresentam de

forma mais evidente: (i) com a norma coletiva do local em que o empregador

mantém a sua sede; (ii) com a do local da contratação; ou (iii) com os

Page 155: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

155

documentos convencionais celebrados pelos sindicatos atuantes no local da

prestação de serviços.

Como visto anteriormente (seção 2.4.1.1), o Direito Internacional

Privado adota uma qualificadora universal que indica que o local de constituição

do contrato deve ser considerado o lugar do domicílio do proponente. Tal

qualificadora representaria, no âmbito das relações de emprego, que o local de

constituição do contrato coincidiria com a sede (domicílio) do empregador

(proponente). Na ocasião, rebatemos tal premissa, o que fizemos sob o

argumento de que, enquanto os contratos internacionais quase sempre são

celebrados entre ausentes, o que justificaria a ficção da qualificadora, os

contratos de trabalho são firmados pessoalmente, o que torna absolutamente

possível que estes sejam formalizados em um local totalmente diverso do lugar

em que o empregador mantém sua sede. Assim, para efeitos do estudo aqui

conduzido, consideraremos que o local de constituição do contrato não se

confunde com o endereço em que a empresa mantém sua matriz administrativa.

As normas coletivas de trabalho constituem um instrumento de

adaptação econômica da relação de emprego às realidades regionais, tão díspares

no Brasil. Uma recente pesquisa relata que, em 2014, o custo de vida no Distrito

Federal era 15% acima da média nacional, enquanto, no mesmo ano, o custo para

se viver em Fortaleza era 19% abaixo da média brasileira (ALMEIDA e

AZZONI, 2016). A pesquisa em questão se fixou apenas nas regiões

metropolitanas brasileiras; se tivesse rumado para as pequenas cidades do País,

provavelmente os seus números seriam ainda mais distantes.

As negociações coletivas de trabalho promovem o ajuste das

condições econômicas do contrato de trabalho com o contexto regional; basta

ver que a pauta de reivindicação dos trabalhadores nesses instrumentos costuma

incluir questões como pisos remuneratórios e benefícios diretamente ligados ao

custo de vida local, caso dos subsídios para alimentação do trabalhador. Mais

adiante, demonstraremos um exemplo concreto desse fenômeno a partir do

resultado de negociações coletivas ocorridas em estados diferentes envolvendo

a mesma categoria profissional.

Page 156: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

156

Os instrumentos de contratação coletiva realizam, ainda, a

adequação do contrato de trabalho às condições materiais concretas dos

trabalhadores e, principalmente, dos empregadores. Em períodos em que a

atividade econômica produz resultados favoráveis à empresa, a negociação

coletiva atua como um limitador da concentração de capital e fomentador da

melhoria do estado social dos trabalhadores: aumentos salariais reais, benefícios

desvinculados da remuneração e participação nos lucros e resultados são

exemplos de questões que entram em pauta. Por outro lado, nos períodos em que

a atividade econômica sofre retração, a convenção e o acordo coletivo de

trabalho atuam como instrumentos de preservação da atividade empresarial e

proteção dos contratos de trabalho: redução de salários, redução de jornadas,

suspensão dos contratos de trabalho e programas de demissão voluntária passam

a protagonizar as rodadas de negociação.

Por fim, a unicidade sindical e o regime de definição legal de

categoria, adotados no Brasil, fazem com que os efeitos de uma negociação

coletiva atinjam indistintamente todo o corpo de trabalhadores de um mesmo

estabelecimento empresarial36. Essa homogeneidade jurídica também vem se

desenvolvendo, porém de forma espontânea, nos países que reconhecem a

democrática pluralidade sindical; neles, a unidade da negociação coletiva tem

resultado da vontade dos parceiros sociais em construir um marco legal único

aos trabalhadores inseridos no mesmo contexto fático37. O valor social da

igualdade e a proscrição de uma possível concorrência em termos de custos de

mão-de-obra são razões que poderiam justificar a busca por essa coesão. Disso

resulta que – no Brasil por imposição legal, no exterior por vontade – a

negociação coletiva vem promovendo a construção de um ambiente regulatório

uniforme, aplicável aos trabalhadores que compartilham o mesmo meio

profissional.

                                                            36 Evidentemente ressalvadas, por constituírem exceção, as chamadas categorias profissionais diferenciadas. 37 Como exemplo desse movimento de unidade negocial, podemos citar recente acordo coletivo de trabalho firmado em Lisboa entre as empresas do grupo Portugal Telecom e 15 entidades sindicais que atuam em mesmo âmbito territorial, porém representando massas diferentes de trabalhadores (PORTUGAL, 2016).

Page 157: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

157

Como dito em linhas passadas, o princípio da proximidade constitui

uma abordagem valorativa e finalística que direciona o juiz à aplicação da lei

mais adequada, mais apta, mais próxima dos fatos e das partes, mais intimamente

ligada à questão concreta. Tal premissa exige que o teste de proximidade tenha

como paradigma a identificação da lei que melhor alcance os objetivos e as

funções da negociação coletiva acima citados (outros poderiam ser incluídos):

(i) o ajuste das condições econômicas do contrato de trabalho ao custo de vida

regional; (ii) a adaptação do contrato de trabalho às condições materiais reais das

partes; e (iii) a constituição de um ambiente regulatório uniforme aos

trabalhadores que se ombreiam diariamente.

Existem, como dito, três conjuntos normativos que se apresentam

como mais habilitados à regência das relações de emprego estáticas: (i) o do

local em que o empregador mantém a sua sede; (ii) do local da contratação; ou

(iii) do local da prestação de serviços38.

O local da contratação constitui um ponto estático no espaço e no

tempo; é o lugar onde um fato específico ocorreu e que não será alterado jamais.

Como consequência, a regulação normativa da relação de emprego ficaria

definitivamente sob a tutela do sindicato cuja base territorial coincide com o

lugar de celebração do contrato de trabalho. A adoção de elementos de conexão

imutáveis para determinar a lei aplicável a contratos dinâmicos, como é o caso

do contrato de trabalho, constitui um equívoco já evidenciado anteriormente e

que o princípio da proximidade visa superar. Não bastasse, a regência do

contrato de trabalho poderia ficar a cargo de entidades coletivas que têm bases

territoriais em local totalmente diverso daquele em que o contrato se desenvolve

e as partes mantêm seus domicílios, o que ocorreria em caso de transferência do

estabelecimento empresarial. Por fim, o local da contratação pode não ter sido

                                                            38 A possibilidade de adoção da norma coletiva escolhida pelas partes (autonomia da vontade) não é cogitada ante as incontornáveis restrições à liberdade sindical imposta pelo nosso modelo de organização dos entes coletivos de representação dos trabalhadores. A adoção do domicílio ou residência pessoal do trabalhador fica afastada pelas razões expostas na seção 2.4.1.3.

Page 158: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

158

igual para todos os trabalhadores, o que implicaria a adoção de normas coletivas

diferentes para empregados inseridos no mesmo contexto profissional.

A adoção das normas coletivas do local em que o empregador

mantém a sua sede administrativa supera dois problemas apresentados pela lei

do local da contratação; o primeiro, não haveria a perpetuação do ponto de

ancoragem legal do contrato de trabalho, pois ele se movimentaria no espaço

seguindo o endereço da matriz da empresa; o segundo, todos os trabalhadores da

empresa estariam submetidos à mesma ordem jurídica, não havendo tratamento

diferenciado para nenhum empregado. Entretanto, a vinculação do contrato de

trabalho à lei do empregador impõe alguns desafios.

A localização da sede ou matriz de uma empresa nem sempre é uma

tarefa simples, notadamente nas organizações que descentralizam não apenas as

suas operações, mas também as suas atividades administrativas. Tal problema,

de todo modo, perde relevância quando se leva em consideração que a simples

mudança da sede da empresa alteraria todo o ambiente regulatório do contrato

de trabalho, inclusive daqueles celebrados e executados nos demais

estabelecimentos da companhia, situados em outras cidades e estados. A

alteração da norma coletiva que rege os contratos de trabalho pela simples

mudança do domicílio jurídico do empregador, sem qualquer alteração no

contrato-realidade, não parece uma medida razoável. Em uma situação-limite,

permitiria que o empregador, de forma deliberada, transferisse sua sede para um

local em que a regulação normativa se lhe apresentasse como mais favorável –

o que, por correspondência, significaria um ambiente normativo menos benéfico

aos trabalhadores. Como afirmou João Leal Amado (2009, p. 25), em relação à

globalização, mas que aqui se encaixa com perfeição, isso representaria não

apenas o triunfo das leis do mercado, mas também o reconhecimento de um

mercado das leis.

Não bastassem todos esses aspectos, a adoção da lei do empregador,

assim como a do local da contratação, implicaria a adoção de normas coletivas

formalizadas por sindicatos que têm suas bases territoriais em local

absolutamente distinto daquele em que se desenvolve a relação de emprego e

Page 159: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

159

que serve como referência para o problema da adequação das bases econômicas

do contrato de trabalho ao custo de vida regional. É razoável supor que um

sindicato seja capaz de conhecer de forma mais precisa a realidade

socioeconômica de sua base territorial do que a de outras regiões do País. Nesse

único aspecto, a proximidade geográfica se vincula com a ideia de conexão mais

estreita.

A adoção das normas coletivas do lugar em que o trabalhador exerce

as suas atividades parece transpor tais problemas. É um critério dinâmico que

acompanha a evolução e o desenvolvimento da relação de emprego, uniformiza

a regulação dos contratos de trabalho desenvolvidos em um mesmo contexto

fático e adere o vínculo às normas celebradas pelos sindicatos locais, que

acompanham de forma mais próxima os fatos e a realidade circundantes da

prestação de serviços.

Seria possível dizer, ainda, que a lei do lugar da prestação de serviços

teria o mérito de vincular o contrato de trabalho às normas coletivas constituídas

pelos sindicatos que representam as duas partes da relação de emprego,

diferentemente do que ocorreria com as possibilidades anteriores, que poderiam

associar o contrato apenas ao sindicato que representa os interesses do

empregador (lei da sede da empresa), já que o trabalhador de uma filial situada

em outra cidade não seria representado pelo sindicato de trabalhadores do lugar

da matriz. Pensamos, todavia, que tal afirmação não é verdadeira, apesar de

reconhecermos que ela está bastante consolidada no pensamento jurídico

brasileiro. Como já defendido neste trabalho, a categoria profissional ou

econômica constitui um ente difuso, que não se limita a espaços geográficos

delimitados; as chamadas bases territoriais dizem respeito apenas à organização

das entidades sindicais e não à categoria. Os sindicatos podem dividir entre si o

território nacional, mas atuam em nome de um grupo uno de trabalhadores que

se espraia por todo o País. Disso decorre que o sindicato representa toda a

categoria e, portanto, todos os trabalhadores que a integram, estejam onde

estiverem.

Page 160: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

160

De toda sorte, embora o Brasil possua sindicatos de grupos e não

sindicatos de massas, não existindo entre os seus integrantes o elemento

aglutinador específico de que falamos no primeiro capítulo, é fato que as

entidades de defesa dos interesses de empregados e de empregadores são

integradas por indivíduos que fazem parte do corpo coletivo representado, sendo,

portanto, inevitável reconhecer que, em alguma medida ,existe uma

identificação, talvez se poderia falar até em affectio, entre os integrantes do

sindicato e a base de trabalhadores e de empresas. É inegável que o trabalhador

possui uma ligação mais estreita com o sindicato dirigido e composto por colegas

de trabalho que ele próprio elegeu do que com um sindicato cuja diretoria é

desconhecida e que foi conduzida a tal posição sem que ele pudesse opinar.

Observadas todas essas questões, é inevitável presumir que a relação

de emprego estática - aquela cuja execução ocorre junto a um único

estabelecimento da empresa – possui um relacionamento mais íntimo com as

normas coletivas celebradas pelos sindicatos cuja base territorial compreende o

lugar em que ocorre o desempenho da obrigação característica do contrato de

trabalho: o local em que o trabalhador realiza normalmente a prestação de

serviços.

Reconhecemos que tal afirmação decepcionou o obstinado leitor que

chegou até este ponto. De fato, a presunção de proximidade com as normas

coletivas do local da prestação de serviços parece não representar nada de novo,

sugerindo que foi quebrada a promessa de que as normas coletivas possuiriam

uma carga eficacial que transcenderia as bases territoriais dos sindicatos que a

celebraram. Em nossa defesa, pedimos apenas que o leitor seja paciente e

prossiga a leitura das páginas que restam neste relatório.

Acima, cogitamos que o contrato de trabalho possui uma conexão

mais estreita com as normas coletivas do local em que o trabalhador

normalmente realiza a prestação de serviços. O advérbio normalmente é

empregado como referente ao fato que ocorre de maneira habitual, usual,

ordinária, tendo como contraposto o que ocorre de forma acidental, eventual,

meramente ocasional.

Page 161: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

161

Essa ideia de constância, de permanência, já foi objeto de algumas

reflexões. Um trabalhador que atua na cidade de São Paulo, por exemplo, é

designado pela empresa para realizar uma atividade específica, com duração de

apenas um dia, na cidade do Rio de Janeiro, localidade que compõe a base

territorial de outro sindicato. O fato de ter trabalhado um único dia na cidade do

Rio de Janeiro alteraria a conexão do seu contrato de trabalho com as normas

coletivas da cidade de São Paulo? A simples realização de uma atividade em um

determinado lugar é um fato que, por si, é suficiente para atrair toda a regulação

normativa da relação de emprego para ele?

A proximidade a que se refere o princípio homônimo, como já

dissemos, não pode ser confundida com aproximação física, espacial,

geográfica; de forma absolutamente distinta, ela está relacionada à noção de

adequação, pertinência, coerência, de norma mais estreitamente conectada com

o fato concreto. Nesse sentido, é evidente que um fato isolado – no caso, o

simples fato de executar uma atividade em outro local – não é suficiente para

definir o vínculo mais estreito. É necessário ir além dessa ideia, investigando-se

as demais características da relação jurídica – o ponto no território em que o

trabalho é executado é apenas uma delas.

Tal como assinalado anteriormente, a Convenção de Roma (CEE,

1980) adota exatamente tal premissa ao veicular a presunção de que o contrato

de trabalho possui conexão mais estreita com a “lei do país em que o trabalhador,

no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que

tenha sido destacado temporariamente para outro país” (art. 6º, 2). Como parece

claro, a Convenção adota a presunção de que a mera prestação de serviços

realizada de forma acidental em outro local não é capaz de alterar os vínculos

que tornam a relação jurídica mais próxima da ordem normativa original. A

prestação de serviços é executada em outro local, mas o contrato de trabalho

continua gravitacionando o seu ponto inicial.

O Regulamento (CE) nº 593/2008 do Parlamento Europeu e do

Conselho da União Europeia (UE, 2008) confirma essa mesma presunção. A

norma comunitária dita que o contrato de trabalho será “regulado pela lei do país

Page 162: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

162

em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho” e, em

complementação, esclarece que “não se considera que o país onde o trabalhador

presta habitualmente o seu trabalho mude quando o trabalhador estiver

temporariamente empregado noutro país” (art. 8º).

A Diretiva nº 97/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho da

União Europeia (UE, 1997) não se põe como exceção. O documento estabelece

que algumas de suas disposições poderão não ser aplicadas pelos Estados-

membros nos casos de destacamentos de curta duração (art. 3º, 2, 3 e 4).

Entre nós, a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, também adota tal

presunção. Referida norma, que regula as obrigações decorrentes de

transferência de um trabalhador do Brasil para o exterior, estabelece que suas

disposições não serão aplicadas na hipótese de destacamento para a realização

de “serviços de natureza transitória”, definindo-o como aquele que venha a

ocorrer “por período não superior a 90 (noventa) dias” (art. 1º, § único). Para a

lei em referência, o destacamento de um trabalhador por até 90 dias constitui um

fato meramente ocasional e que não altera a regulação do contrato de trabalho,

que permanece sob a custódia da lei brasileira.

Os diplomas normativos acima citados convergem entre si nas

seguintes premissas: (i) presume-se que o contrato de trabalho possua conexão

mais estreita com a lei do país em que o trabalhador realiza normalmente a sua

prestação pessoal de serviços; (ii) a realização de atividades em outro país não é

fato suficiente para, por si, aproximar a relação de emprego à sua ordem jurídica;

e, (iii) o pêndulo de proximidade somente será atraído para a lei do país de

destacamento quando nele passar a ocorrer a prestação normal de serviços.

Parece inevitável reconhecer que tais presunções também se fazem

presentes em âmbito infranacional e diante do problema da adesão do contrato

de trabalho às normas coletivas de trabalho. Já dissemos repetidas vezes que não

é possível imaginar que a prestação de serviços meramente pontual e efêmera

em outro local atraia toda a regulação convencional do contrato de trabalho para

esse lugar. Há, nessa afirmação, uma ideia de permanência, motivo pelo qual

Page 163: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

163

suscitamos a presunção de que o contrato de trabalho possua conexão mais

estreita com as normas coletivas do local em que o trabalhador realiza

normalmente a prestação de serviços.

Páginas atrás, na já distante seção 2.4.1.3, tecemos algumas

reflexões sobre o instituto jurídico do domicílio. Naquela ocasião, verificamos

as distinções existentes entre as noções de habitação, residência e domicílio;

observamos que o Código Civil reconhece o domicílio pessoal e o domicílio

profissional da pessoa como situações não necessariamente coincidentes e

estabelece que as questões relacionadas ao exercício da profissão observarão

exclusivamente esse último; e propusemos que as distinções entre habitação,

residência e domicílio devam ser transportadas, mutatis mutandis, para o

conceito de domicílio profissional. A partir dessas considerações, fizemos uma

correlação entre os conceitos de habitação, residência e domicílio e as

disposições da Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, ocasião em que afirmamos que essa

estabelece que as obrigações derivadas do contrato de trabalho são regidas pela

lei do local do domicílio profissional do trabalhador, o qual não se consideraria

como alterado nos destacamentos por prazo não superior a 90 dias.

Posteriormente, verificamos que a lei em questão nada mais faz do que aplicar o

princípio da proximidade, veiculando a presunção de que a relação de emprego

mantém um relacionamento mais íntimo com as normas em vigor no domicílio

profissional do trabalhador.

A presunção de relacionamento mais íntimo do contrato de trabalho

com as normas coletivas do local em que ocorre a prestação normal de serviços

deve ser conciliada com ideia de domicílio profissional, tal como parece contido

no programa da Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982.

O local da prestação normal de serviços corresponde a um dado

objetivo, identificável pela simples observação da dinâmica da relação de

emprego; se fizéssemos um paralelo com os institutos de Direito Civil, ele

equivaleria à residência do contrato de trabalho. Já o domicílio profissional

envolve um elemento adicional, o mesmo exigido para a configuração de

domicílio civil, que corresponde à intenção de permanência, de fixação em

Page 164: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

164

caráter definitivo. O domicílio profissional, com efeito, é o local em que o

trabalhador normalmente realiza as suas atividades com ânimo de

definitividade39.

Não podemos deixar de realizar algumas advertências absolutamente

necessárias. A primeira delas é que o emprego do conceito de domicílio

profissional, em hipótese alguma, deve ser confundido com um retorno aos

elementos de conexão estáticos, tão combatidos ao longo do presente trabalho e

superados, definitivamente, pelo princípio da proximidade. A expressão

domicílio carrega, em si, um sentido de permanência, perenidade, definitividade,

que poderia ser inconscientemente transportado ao problema da vinculação do

contrato de trabalho às normas coletivas. A segunda advertência é que a

expressão domicílio não pode ser interpretada sob o cânone dos elementos de

conexão estáticos, ou seja, como algo absoluto. Como veremos adiante, o

destacamento interno do trabalhador poderá modificar a presunção de conexão

mais estreita do contrato de trabalho em alguns de seus aspectos, ainda que o seu

domicílio profissional não seja alterado.

Com efeito, é possível organizar uma presunção geral de

proximidade no seguinte enunciado:

                                                            39 O Código Civil dispõe que, em relação às questões concernentes à profissão, considera-se domicílio da pessoa o lugar onde aquela é exercida (art. 72). Uma leitura açodada pode levar à conclusão de que o elemento intencional, o animus manendi, não é exigido para a definição de domicílio profissional, tal como se exige para a qualificação do domicílio civil. Pensamos que tal interpretação não encontra amparo nem mesmo no texto legal. O Código Civil, inicialmente, define o domicílio da pessoa natural como sendo o “lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo” (art. 70). Posteriormente, refere que, para as questões profissionais, o domicílio da pessoa natural é o local onde ela exerce sua profissão (art. 72). O Código Civil, como se vê, trata do mesmo instituto jurídico – o domicílio da pessoa natural; a denominação domicilio profissional, como dito anteriormente, foi cunhada pela doutrina. Pensamos que não é possível compreender adequadamente um instituto jurídico, qualquer que seja ele, analisando as suas correspondentes disposições legais de maneira fragmentada; ao contrário, é necessário que o intérprete analise a legislação pertinente de forma conjunta, integrada, em um conjunto harmônico e que se completa em cada dispositivo. A partir desse método hermenêutico, conseguimos extrair do texto legal a seguinte norma: o domicílio da pessoa natural é composto pela conjunção de um fato objetivo (a residência) e um fato subjetivo (animus manendi); para as questões relativas à profissão da pessoa, altera-se apenas o elemento objetivo, que passa a ser o local onde aquela é exercida, mantendo-se o elemento subjetivo original. Pensar de forma diferente implicaria considerar-se como domicílio profissional qualquer lugar onde a pessoa venha a exercer a sua profissão, ainda que em caráter precário, eventual ou acidental. A noção de domicílio não se conforma com a ideia de volatilidade, inconstância e instabilidade.

Page 165: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

165

Presume-se que o contrato de trabalho possua conexão mais estreita

com as normas coletivas celebradas entre os sindicatos atuantes no

lugar do domicílio profissional do trabalhador, ainda que ele tenha

sido contratado em outro local.

Duas advertências são necessárias. A presunção enunciada acima se

aplica apenas aos contratos de trabalho executados junto a estabelecimento do

empregador. Os contratos executados na residência do trabalhador, por meio

telemático, ou naqueles em que o trabalhador realiza atividades exclusivamente

externas podem manter vínculos de proximidade distintos, como será visto

adiante.

A segunda advertência é que a presunção acima é válida apenas na

ausência de outros fatos capazes de alterar o equilíbrio do pêndulo da

proximidade. Um desses fatos é o destacamento do trabalhador para a realização

de atividades em outro local, ainda que por tempo insuficiente para que se

considere alterado o lugar onde ocorre a habitual prestação de serviços. É esse o

ponto em que a eficácia ultraterritorial das normas coletivas se mostrará visível.

Comecemos, então, pelo enfrentamento desse problema.

3.4.2 O problema dos destacamentos internos de trabalhadores.

Os contratos de trabalho executados por diferentes espaços, ou de

forma mais específica, por bases territoriais de sindicatos distintos, enfrentam de

maneira mais desafiadora o problema da regulação normativa a eles aplicável.

Enquanto nos contratos executados em um único local a bússola da proximidade

aponta para as normas coletivas vigentes no lugar do domicilio profissional do

trabalhador, nos contratos dinâmicos a agulha sofre a influência de novas forças,

exigindo algumas correções de rumo por parte daqueles que pretendam alcançar

um resultado coerente e justo.

Page 166: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

166

Algumas páginas atrás, demos o exemplo de um trabalhador

destacado provisoriamente para um estabelecimento situado na base territorial

de outra entidade sindical que, em suas normas coletivas, não estipulou qualquer

cláusula obrigando a empresa ao pagamento de seguro-saúde, diferentemente do

previsto nas normas coletivas da cidade de origem. Incluímos nesse mesmo

exemplo outra variável: o valor do auxílio-alimentação, previsto nas normas

coletivas do local de destino, é superior ao que está previsto nas normas do local

de origem, o que decorre especificamente do mais elevado custo de vida nessa

localidade.

O exemplo serviu para demonstrar que não é possível aplicar ao

contrato de trabalho, nessa condição do exemplo, uma regra de conexão

universal. Se adotássemos as normas do local de destacamento, o trabalhador

passaria a receber um auxílio-alimentação maior, condizente com a realidade

econômica local; todavia, a empresa poderia cancelar o seu plano de saúde no

período, o que, além de eventual dano imediato, lhe causaria problemas em sua

futura reinserção no seguro, quando do seu retorno. Por outro lado, a manutenção

das normas do local de origem apenas inverteria a equação, ou seja, o trabalhador

não se alimentaria adequadamente no período do destacamento, porém manteria

seu plano de assistência médica.

O exemplo acima traduz uma situação que, independentemente da

norma coletiva que vier a ser adotada, a do local de origem ou a do local de

destino, o resultado final será sempre insatisfatório, incompleto, incoerente e,

portanto, injusto. Isso ocorre porque, como já dissemos, não é possível adotar

uma regra de conexão única para fenômenos fático-jurídicos compostos por

múltiplas situações específicas, como é o caso dos contratos de trabalho.

Essa incompletude no sistema das regas de conexão estáticas, como

visto anteriormente, foi corrigida pelo princípio da proximidade no ponto em

que ele assimila que os diferentes aspectos de um mesmo contrato possam ser

regidos por ordens jurídicas distintas, conforme com elas apresentem uma

conexão mais estreita. Assim, no caso do exemplo, seria possível realizar a

dépeçage dos diversos institutos envolvidos na relação de emprego e,

Page 167: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

167

identificando-se o relacionamento mais íntimo de cada um desses aspectos,

vinculá-los às normas coletivas do local de origem ou do local de destino,

conforme a proximidade in concreto. Não haveria, portanto, a escolha de uma

única ordem convencional para reger a integralidade do contrato; ao contrário,

ambas incidiriam sobre a relação jurídica ao mesmo tempo, cada uma regulando

determinadas questões do vínculo obrigacional.

A alteração do local de execução do contrato de trabalho, em caráter

provisório, não é capaz de provocar a total ruptura dos vínculos da relação

jurídica com o local de origem; por outro lado, esse fato faz surgir novos laços

de afinidade do contrato, agora com o local de destacamento. Cria-se, então, uma

situação singular em que o contrato de trabalho passa a orbitar dois centros de

gravidade, aproximando-se de um ou de outo foco de atração conforme se

desenvolve. Uma solução geral, uma regra de conexão única, forçaria a relação

jurídica em direção a apenas um dos polos de gravidade, ignorando a força real

que é exercida pelo outro, implicando um resultado divorciado da realidade.

Assim, uma solução racional para p problema da conexão normativa

dos contratos de trabalho que se movimentam no espaço só pode ser obtida pela

aplicação do método da dépeçage, tal como orienta o princípio da proximidade.

Essa é a primeira premissa aqui adotada.

A segunda premissa talvez tangencie o óbvio: os destacamentos

internos, assim compreendidos como a designação do trabalhador para a

realização de atividades em localidade diversa daquela em que ele normalmente

executa suas atividades, podem assumir contornos diferentes, conforme exijam

maior ou menor tempo no local de destino, além de outras circunstâncias

subjetivas, tal como o ânimo de permanência definitiva no lugar.

De fato, é fácil perceber que o deslocamento de um trabalhador por

algumas horas para a realização de uma atividade pontual em outra cidade, por

exemplo, é um fato que possui contornos notavelmente diferentes do que teria o

seu destacamento por um período de meses ou a sua transferência definitiva para

outro lugar. No primeiro caso, é bastante provável que o contrato mantenha

Page 168: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

168

intocados todos os seus vínculos de proximidade com o local de origem; no

segundo caso, é possível que algum desses vínculos passem a ser mais

fortemente atraídos pelas normas do lugar do destacamento; já no terceiro caso,

da transferência definitiva, é provável que todos os aspectos do contrato passem

a manter um relacionamento mais íntimo com as normas do local de destino.

Essa é a segunda premissa adotada nesta seção.

Por organização do trabalho, começaremos pelas distinções entre os

diversos tipos de destacamento.

3.4.2.1 Destacamentos transitórios.

A expressão destacamento vem sendo empregada desde o início do

presente relatório como referente ao simples ato de se designar o trabalhador

para executar atividades em local diverso do seu domicílio profissional.

Utilizamos destacamento para deixarmos claro que o ato em questão não se

confunde com a transferência retratada no art. 469 da CLT, esta que exige, para

sua configuração, um elemento adicional que, até o momento, não ganhou

interpretação uniforme por parte da jurisprudência e, pensamos, ainda não foi

adequadamente compreendido pela doutrina. De todo modo, as disposições

celetistas acerca da transferência de trabalhadores dizem respeito apenas à

licitude do ato em si e à exigibilidade do adicional remuneratório

correspondente. Tais institutos em nada influenciam a presente pesquisa, razão

pela qual ela passa ao largo do que está assentado no art. 469 da Lei Trabalhista.

Assim, para adequada compreensão do discurso, a expressão

destacamento deve ser compreendida como o simples ato do trabalhador exercer

suas atividades fora do seu domicílio profissional, independentemente de

qualquer outro elemento. A expressão transferência, quando empregada no

presente trabalho, deve ser entendida como mero sinônimo de destacamento e

também de designação.

Page 169: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

169

Como visto anteriormente, a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, afirma que

o destacamento do trabalhador por curto período, assim definido como o de até

90 dias (art. 1º, § único), é incapaz de alterar a presunção de relacionamento mais

íntimo do contrato de trabalho com a lei brasileira, que continuará a reger as

obrigações das partes no período.

A Diretiva 97/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho da

União Europeia (UE, 1997) também confere um tratamento diferenciado aos

destacamentos de curta duração, os quais poderão permanecer sob a regência da

lei do local de origem. A Diretiva, no entanto, adotou critérios temporais

distintos para qualificar esses breves deslocamentos de trabalhadores, os quais,

conforme o caso, poderão ser oito dias (art. 3º, 2) ou um mês (art. 3º, 3 e 4).

Como já dissemos, a designação do trabalhador para a realização de

atividades em outro local, por algumas horas, por um dia inteiro ou até por alguns

dias, é um fato notavelmente distinto de um destacamento por período mais

prolongado. No primeiro caso, o trabalhador mantém os seus vínculos

profissionais com o estabelecimento de origem, assim como não sofre mudanças

significativas em sua vida pessoal. Já na hipótese de uma transferência, o

trabalhador muitas vezes passa a ter o seu contrato de trabalho dirigido pelo

estabelecimento de destino, além de ter sua rotina pessoal profundamente

alterada. É visível que o pêndulo da proximidade não se comporta da mesma

forma em um e outro caso.

Parece, portanto, bastante acertada a fórmula que orienta a se

conferir um tratamento diferenciado aos destacamentos de curtíssima duração.

Transportando o problema para as designações internas, a assimilação dessa

proposta se torna um verdadeiro imperativo de racionalidade, dado que os

deslocamentos de trabalhadores entre cidades diferentes – e, portanto, bases

territoriais distintas - é um fato cada vez mais comum.

Dissemos que se presume que o contrato de trabalho tenha um

relacionamento mais relevante com as normas coletivas do local do domicílio

profissional do trabalhador. A questão agora colocada é se o fato de o empregado

Page 170: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

170

realizar suas atividades em outro local por um período muito curto – um único

dia, por exemplo - constitui elemento suficiente para alterar tal vínculo de

proximidade. A solução desse problema passa pela seguinte indagação: em um

destacamento de curtíssima duração, as normas do local de destino passam a

exercer uma força atrativa sobre o contrato, ou sobre partes dele, superior à força

exercida pelas normas do local de origem?

Pensamos que tal força parece não ter tamanha potência. Em

destacamentos de curta duração, como se disse, os vínculos pessoais e

profissionais do trabalhador não se alteram, não ocorrendo nada mais do que a

mudança do solo em que o trabalho é exercido. Em tais casos, o empregado

permanece vinculado ao estabelecimento de origem, de forma que sua atividade,

embora realizada em terreno diferente, se dirige ao mesmo núcleo

organizacional. A atividade continua se revertendo em proveito do mesmo

estabelecimento da empresa, porém apenas realizada em ambiente físico

diferente.

Pouco mais adiante, discutiremos o problema das cláusulas

convencionais que tratam de matérias diretamente vinculadas com o custo de

vida regional, ocasião em que defenderemos que tais aspectos do contrato de

trabalho mantêm, em presunção, um relacionamento mais estreito com as

normas coletivas vigentes no local de destacamento. Nesse cenário, é possível

indagar se tal efeito também não se aplicaria aos destacamentos transitórios a

que nos referimos nesta seção.

Nos destacamentos de curta duração, as diferentes realidades

regionais e suas consequências financeiras não projetam efeitos tão

significativos sobre o patamar social do trabalhador; diferentemente do que

ocorre com aqueles que permanecem por tempo mais dilatado em um

determinado ambiente socioeconômico. Entretanto, é válido reconhecer que

determinadas questões relacionadas ao custo de vida podem impactar a vida do

trabalhador mesmo em caso de um destacamento transitório - um exemplo já

trazido ao presente relatório é o das normas coletivas que dispõem sobre subsídio

Page 171: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

171

para alimentação. Tais casos envolvem um delicado equilíbrio que merece

algumas reflexões.

Em primeiro lugar, convém recordar que estamos tratando de normas

originárias das negociações coletivas e que, portanto, apresentam-se como

arranjos obrigacionais que incrementam as disposições normativas estatais, estas

de ordem pública. Tal advertência é feita para que argumentos extraídos da

Teoria dos Direitos Fundamentais não sejam opostos ao exemplo do subsídio

para alimentação. Importante deixar claro: não temos dúvidas da relevância que

uma adequada alimentação durante a prestação laboral tem para o trabalhador; o

que estamos dizendo é apenas que o Direito brasileiro não reconhece tal posição

jurídica como fundamental, tanto que não há lei que a imponha aos

empregadores.

A segunda observação é de ordem empírica. Impor ao empregador a

obrigação de pagar vantagens convencionais do local de destino, em casos de

destacamentos de curtíssima duração, representaria adotar um modelo sem

qualquer coesão com a realidade das relações de emprego e que, provavelmente,

teria o mesmo desfecho que encontram as exigências impossíveis. Aliás, é

exatamente o que se vê nesses tempos em que o mito da territorialidade das

normas coletivas permanece vivo no pensamento jurídico. E isso ocorre,

pensamos, porque uma proposta dessa natureza não se revestiria de

razoabilidade e nem de racionalidade. Se um trabalhador percorrer em um único

dia três cidades adjacentes, por exemplo, cada uma dispondo de regulação

normativa própria sobre auxílio para refeição, como ficaria o cálculo da parcela?

E como ficariam as questões que não adotam base de cálculo diária, tais como

pisos salariais e fornecimento de cestas básicas? E se a empresa possuir um

grande contingente de trabalhadores nessa situação? É bastante provável que

uma modulação que obrigue o empregador ao pagamento de tais vantagens,

mesmo proporcionalmente, seja simplesmente descumprida, talvez não por

locupletamento, mas em função da complexidade e dos custos em implementá-

la.

Page 172: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

172

Pensamos, então, que a coerência e a racionalidade – ambas forças

que operam e interferem no largo espectro do princípio da proximidade –

reforçam a indicação de que o destacamento meramente transitório não altera a

presunção de que o contrato de trabalho, em todos os seus aspectos, possui

relacionamento mais estreito com as normas coletivas vigentes no domicílio

profissional do trabalhador. Assim constatado, é possível visualizar que a

contratação coletiva celebrada no local de origem produz efeitos que

transcendem a base territorial das entidades sindicais que a conduziram,

alcançando a prestação de serviços executada em qualquer lugar. O

destacamento transitório, portanto, deflagra e atrai a eficácia ultraterritorial das

normas coletivas vigentes no domicílio profissional do trabalhador.

Por reforço, vale recordar que, nos casos de destacamentos de curta

duração para o exterior (Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982), o contrato de trabalho

permanece regido pelas normas estatais e convencionais vigentes no domicílio

profissional. Não haveria qualquer coerência propor que o destacamento para

uma cidade vizinha imponha a observação das normas coletivas do local de

destino.

O que, entretanto, qualificaria um destacamento como transitório?

Exaustivamente citada, a Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, o define como sendo

aquele cuja duração não exceda 90 dias. Já a Diretiva 97/71/CE do Parlamento

Europeu e do Conselho da União Europeia o estabelece em oito dias ou um mês,

conforme o caso. Qual critério estaria correto e qual deve ser observado em

relação aos deslocamentos internos?

Antes de examinar a questão mais a fundo, antecipamo-nos em

manifestar nossa adesão a eventuais objeções que se levantem contra a adoção

de critérios taxativos e, evidentemente, arbitrários. Propor algo desse tipo, após

tudo o que dissemos a respeito da abertura que o princípio da proximidade traz

para o sistema, seria uma contradição que equivaleria à renúncia de tudo o que

defendemos até agora. O que se pretende é apenas estabelecer mais um juízo

hipotético e apriorístico e que, portanto, só terá validade se as circunstâncias do

caso concreto o confirmarem. Trata-se de uma presunção relativa, e nada mais.

Page 173: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

173

Os paradigmas normativos à disposição – a Lei nº 7.064, de 6 dez.

1982, e a Diretiva 97/71/CE da União Europeia – regulam situações fáticas

sensivelmente distintas. Enquanto a lei brasileira trata da transferência de um

trabalhador do Brasil para qualquer país do mundo, a diretiva europeia dispõe,

exclusivamente, sobre os deslocamentos realizados em âmbito interno daquele

espaço comunitário. A diferença resultante é significativa. A União Europeia

constitui um mercado econômico único, fundado na liberdade de

estabelecimento e de prestação de serviços e na livre circulação de mercadorias,

de capitais e de trabalhadores. Tal contexto promove a difusão das atividades

empresariais por todo o bloco e, como consequência, um intenso fluxo de

deslocamentos internos de trabalhadores, muitas vezes designados para a

realização de atividades pontuais em outro local. É notável, ainda, que os

destacamentos regulados pela Diretiva 97/71/CE da União Europeia limitam-se

a uma área geográfica que corresponde, aproximadamente, à metade do território

brasileiro e ocorrem entre países que possuem marcos regulatórios comuns em

relação a diversas matérias.

Os destacamentos internos de trabalhadores no Brasil possuem mais

semelhança com os contornos fáticos que cercam as transferências tuteladas pela

Diretiva 97/71/CE da União Europeia do que com as designações ao exterior

reguladas na Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982. Nessa condição, a diretiva europeia

se apresenta como um referencial normativo mais próximo ao problema da

qualificação de um destacamento como transitório.

Em conformidade com o que já dissemos, a Diretiva 97/71/CE da

União Europeia dispõe que os trabalhadores destacados para outro país do bloco,

por curto período, poderão ter os seus contratos de trabalho mantidos sob a

regência da lei do país de origem em determinadas hipóteses; para algumas delas,

a diretiva europeia assinala um período de destacamento máximo de oito dias

para que o contrato permaneça sob a regência da lei de origem; para outras, o

prazo máximo é estendido para 30 dias.

Em nosso sentir, não é possível adotar o período de 30 dias para que

um destacamento interno seja presumido como meramente transitório.

Page 174: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

174

Conforme será observado em seguida, existem cláusulas convencionais que

dispõem sobre benefícios cujos valores estão atrelados às variações do custo de

vida regional. Um destacamento de 30 dias, pensamos, parece suficiente para

submeter o trabalhador aos impactos das variantes econômicas locais em relação

a algumas matérias – o subsídio alimentar é a mais evidente. Nessa situação,

parece que o contrato de trabalho acaba adquirindo uma proximidade maior, em

relação a tais aspectos, com as normas do local de destino. Esse assunto será

debatido de forma mais detida pouco adiante.

O período de oito dias, previsto no art. 3º, 2, da Diretiva 97/71/CE

da União Europeia, pode ser adotado como um norte para a presunção ora

investigada. É um intervalo que, por um lado, parece ser insuficiente para a

formação de vínculos de proximidade entre o contrato de trabalho e o local de

destino; por outro, não é demasiado a ponto de fazer o trabalhador sofrer de

forma significativa os efeitos de eventuais diferenças econômicas regionais. É

certo que todo critério numérico, em alguma medida, é resultado de

arbitrariedade. Entretanto, vale repetir mais uma vez, o que se propõe neste

momento é apenas a constituição de uma presunção iuris tantum e não a

consolidação de uma regra absoluta. Entre se adotar um número arbitrário,

extraído dos juízos valorativos do pesquisador, parece ser mais acertado utilizar

um número igualmente arbitrário, porém objeto de consenso pelo Parlamento

Europeu e pelo Conselho da União Europeia.

Assim, alcança-se a segunda presunção de proximidade dos

contratos de trabalho às normas coletivas de trabalho:

O destacamento meramente transitório não altera a presunção de

conexão mais estreita do contrato de trabalho com as normas

coletivas vigentes no domicílio profissional do trabalhador, as quais

se mantêm aplicáveis no período sobre todos os aspectos da relação

de emprego. Presume-se como transitório o destacamento do

trabalhador para execução de serviços em local diverso do seu

domicílio profissional por período não superior a oito dias, por

Page 175: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

175

aplicação analógica do art. 3º, 2, da Diretiva 97/71/CE do

Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia.

3.4.2.2 Destacamentos provisórios.

Seguindo nossa proposta de sistematização, o destacamento

provisório é aquele que mantém o trabalhador em local diverso do seu domicílio

profissional por um período maior, suficiente para que o contrato passe a nutrir

vínculos com o lugar de destino, porém sem romper todas as suas conexões com

a localidade de origem. De uma forma mais simples, o destacamento provisório

é aquele que não se afigura como meramente transitório e nem implica a

alteração do domicílio profissional do trabalhador.

A definição acima já revela uma direção. No destacamento

provisório, por não haver a mudança do domicílio profissional, o trabalhador

mantém, em alguma medida, as suas relações profissionais e pessoais com o

local de origem. A provisoriedade da designação implica uma situação precária,

temporária, em que o retorno à localidade inicial é certo ou muito provável. Por

outro lado, o tempo de permanência no local de destino não é simplesmente

transitório; ao contrário, é suficiente para que o destacado sinta os efeitos do

ambiente socioeconômico local e os efeitos do contexto normativo lá vigente.

Exemplos anteriores demonstraram não ser possível, nos

destacamentos provisórios, submeter a integralidade do contrato de trabalho,

como um todo indivisível, à regência do conjunto normativo do local de destino

ou à regulação pelas normas coletivas do local de origem. Como dissemos,

somente pela aplicação do método da dépeçage, que integra o arsenal teórico do

princípio da proximidade, é que se pode obter uma solução racional para o

problema da norma coletiva aplicável aos contratos de emprego executados de

forma móvel no espaço. E tal método tem lugar especificamente nas

transferências provisórias, como se verá a seguir. Antes, porém, cabe consignar

tais premissas no seguinte enunciado:

Page 176: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

176

O destacamento provisório, assim considerado aquele que não se

afigura como meramente transitório e nem implica a alteração do

domicílio profissional do trabalhador, atrai a aplicação do método da

dépeçage (fragmentação), a partir do qual diferentes aspectos do

contrato de trabalho podem se conectar com as normas coletivas do

local de origem ou com as normas do local de destacamento,

conforme apresentem com elas conexão mais estreita.

Assim, as presunções de proximidade devem ser identificadas a

partir do exame de cada aspecto do contrato de trabalho isoladamente

considerado.

Realizar tal trabalho no plano abstrato é tarefa bastante exigente. As

relações de emprego compreendem um largo complexo de situações fáticas,

econômicas e jurídicas, que dificilmente poderiam ser examinadas em um único

trabalho acadêmico. Além disso, muitas dessas questões não costumam ser

objeto das negociações coletivas de trabalho, motivo pelo qual o exame de cada

uma delas prestaria pouca ou nenhuma contribuição à solução do problema

central da pesquisa. Nesse cenário, propõe-se, como método de estudo, que a

análise das diversas questões inerentes ao contrato de trabalho seja feita a partir

das normas coletivas de trabalho, ou seja, adotar-se o vetor inverso: examinar as

disposições contidas nos instrumentos de contratação coletiva, identificar sobre

quais aspectos do contrato de trabalho elas se projetam e, então, identificar o

mais relevante relacionamento existente.

Ainda como método de trabalho, propõe-se que a análise das

disposições contidas em normas coletivas de trabalho não seja feita de maneira

individual, cláusula por cláusula, mas agrupando-as de acordo com a natureza

do objeto de sua regulação e dos seus efeitos. A análise individualizada de

cláusulas normativas, uma a uma, além de ser de difícil conclusão, afastaria

totalmente a pesquisa do alcance de uma sistematização geral para o problema

que ela enfrenta. Assim, examinaremos as famílias de normas coletivas de

trabalho, evitando casuísmos e situações singulares.

Page 177: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

177

Por fim, vale recordar que a proposta é apenas identificar algumas

presunções de proximidade, jamais criar regras absolutas e estáticas. Os juízos

de proximidade aqui deduzidos, hipotéticos e apriorísticos, derivam

inequivocamente da experiência40. De fato, parece ser impossível afirmar que

um determinado aspecto da relação de emprego tenha uma conexão mais estreita

com esta ou com aquela norma coletiva de maneira totalmente independente da

experiência do pesquisador. É a partir da observação dos fatos que nossa

racionalidade produz esse tipo de conhecimento; método, aliás, próprio das

ciências humanas. E é justamente neste ponto que reside um problema. A base

empírica adotada em uma pesquisa pode facilmente se confundir com as

experiências subjetivas ou com a convicção pessoal do pesquisador, os quais

jamais poderiam justificar de forma válida um enunciado teórico (POPPER,

2013, p. 41).

Portanto, é necessário eliminar, tanto quanto possível, a influência

das experiências subjetivas e as convicções pessoais sobre o resultado do estudo.

Por não ser possível imunizar totalmente a pesquisa de tais influências,

adotaremos um método que garanta, pelo menos, algum grau de testabilidade às

presunções anunciadas no trabalho, de forma que o próprio leitor seja capaz de

submetê-las à prova e, ser for o caso, refutá-las com argumentos que, por sua

vez, também possam ser testados.

Nessa proposta, optamos por analisar apenas algumas das grandes

famílias de disposições normativas existentes em instrumentos de contratação

coletiva, escolhidas pelo critério de universalidade e difusão. De forma mais

                                                            40 As expressões apriorística e a priori foram empregadas no presente relatório apenas e tão somente para designar um juízo constituído de forma precedente ao exame do conflito real e concreto de normas coletivas no espaço. Trata-se, portanto, de uma dimensão exclusivamente temporal. Tal advertência é relevante porque Immanuel Kant, em sua Crítica da Razão Pura, emprega um sentido diverso para os que ele denomina juízos a priori. Segundo Kant, os juízos a priori derivam de um processo de conhecimento que é totalmente independente de toda e qualquer experiência, ao contrário dos juízos a posteriori, ou empíricos, que têm suas fontes na experimentação. Na Crítica, Kant investiga a forma como o conhecimento humano é produzido. Há, portanto, uma distinção clara: na presente pesquisa, a expressão a priori relaciona-se com o momento do juízo, enquanto na Crítica a mesma expressão está vinculada à forma do conhecimento. Se tendêssemos a classificar as presunções de proximidade identificadas no presente trabalho a partir da teoria kantiana, poderíamos dizer que elas constituem juízos sintéticos a posteriori.

Page 178: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

178

objetiva: a pesquisa se concentrará apenas nos grupos de cláusulas

convencionais que figuram de maneira mais frequente nos documentos

derivados das negociações coletivas e desde que seja possível identificar, para o

respectivo grupo, atributos gerais de proximidade.

Disso resultará que uma determinada cláusula de uma norma

coletiva de trabalho poderá não encontrar, no corpo do presente trabalho, a sua

presunção de proximidade, conforme não se enquadre em nenhuma das grandes

famílias analisadas. Tal hipótese não representará um defeito da pesquisa, já que

esta, repetimos, não pretende criar regras de conexão universais e absolutas;

significará apenas que, em relação a tal aspecto da relação de emprego, não foi

possível desenvolver um juízo hipotético e apriorístico de proximidade de forma

dominantemente desvencilhada de nossas experiências e convicções pessoais ou

que, pelo menos, pudesse ser comprovado pela experimentação da maioria dos

leitores. O silêncio, algumas vezes, representa compromisso científico. Para tais

cláusulas, incidirá normalmente o princípio da proximidade, porém sem o apoio

de uma presunção que o direcione; apenas isso. E é bom que assim ocorra, pois

essa ausência servirá para reforçar a ideia de que todas as presunções aqui

ventiladas podem sucumbir ao exame do caso concreto, este sempre soberano.

3.4.2.2.1 Disposições convencionais que versam sobre padrões

econômicos e sociais e outras questões de aspecto

predominantemente comunitário.

É bastante frequente, e verdadeira, a afirmação de que o conflito do

qual emerge o instrumento de contratação coletiva envolve interesses de

natureza transindividual, cuja titularidade pertence ao corpo coletivo de

trabalhadores representados por uma entidade sindical. Embora não se

controverta que o trabalhador acabe se beneficiando pelas normas coletivas de

trabalho, é inequívoco que elas constituem um marco regulatório destinado a

reger a coletividade operária de um estabelecimento empresarial ou de uma

Page 179: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

179

categoria profissional. A norma coletiva, portanto, se dirige ao grupo e não ao

trabalhador individualmente considerado.

Algumas disposições de normas coletivas de trabalho deixam clara

essa vocação ao disporem sobre situações fáticas que dizem respeito diretamente

à coletividade de trabalhadores. O exemplo mais óbvio são as cláusulas que

versam sobre participação nos lucros e resultados da empresa, as quais, embora

possam considerar critérios individuais de produtividade e eficiência, costumam

adotar como base de cálculo, e até condição para o pagamento da verba, os

produtos econômicos globais do estabelecimento. Desse modo, o benefício,

individualmente auferido pelo trabalhador, acaba sendo resultado também do

esforço de toda a coletividade que o circunda.

Em um destacamento provisório, o trabalhador é designado para

prestar serviços em outro local sem ânimo de permanência definitiva, daí por

que não há mudança em seu domicílio profissional. Em casos como esse, é

intuitivo supor que os serviços realizados na localidade de destino se revertam

em benefício econômico do estabelecimento de origem, ou seja, o trabalhador

executa atividades em lugar diferente, porém em prol da mesma unidade

empresarial. Ainda que no local de destacamento exista outra filial da empresa,

é bastante provável que a cessão temporária do trabalhador para essa não ocorra

de forma franca, desprovida de compensação direta ou indireta. Se tais

afirmações forem verdadeiras, então seria possível afirmar que a riqueza gerada

pelo trabalho individual integrou os resultados financeiros auferidos pelo

estabelecimento de origem.

A participação nos lucros e resultados provém de uma negociação

direta entre os interessados, seja por meio de comissão interna de representantes,

seja por acordo entre a empresa e o sindicato local. Mesmo as negociações

intercategoriais, celebradas por convenções coletivas de trabalho, costumam

contar com a participação dos empregadores, ainda que esta se limite ao

fornecimento de dados econômicos sobre os resultados das empresas. A

negociação, portanto, costuma refletir a realidade econômica da empresa ou de

um determinado grupo de empregadores.

Page 180: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

180

O estabelecimento de origem, por meio de negociação coletiva41,

convenciona distribuir uma fatia dos lucros obtidos para os seus empregados.

Opera-se, então, outro momento de solidariedade entre os trabalhadores, uma

vez que o montante total destinado à distribuição é partilhado entre todos.

Independentemente da adoção de critérios individuais de resultados, o fato é que

o valor recebido por um trabalhador é deduzido do montante total, restando aos

demais a partilha do remanescente. A posição individual de um trabalhador,

portanto, acaba influenciando a posição dos demais.

O que se conjecturou até o momento já permite reconhecer a

existência de um relacionamento entre a participação nos lucros e resultados e

as normas coletivas do local de origem. A questão é saber se haveria um

relacionamento mais forte entre esse mesmo aspecto do contrato de trabalho e as

normas convencionais vigentes no local de destacamento. Testemos tal

possibilidade.

É bastante provável que a empresa ou o estabelecimento a que está

vinculado o trabalhador destacado não tenha participado do processo de

negociação da norma coletiva do local de destino. Nessa situação, a contratação

coletiva ignoraria dados concretos sobre os resultados operacionais da

companhia, o que a tornaria um produto desvinculado da realidade. Isso

produziria um desequilíbrio que poderia operar tanto em desfavor do trabalhador

como do empregador.

Suponhamos que as normas coletivas do local de destacamento

prevejam um valor, a título de participação nos lucros e resultados, menor do

que o previsto nas normas do local de origem. Seria razoável que o trabalhador

recebesse um valor inferior apenas porque parte da execução do contrato ocorreu

em outro local? O lugar de execução do contrato de trabalho constitui uma

variável absolutamente irrelevante para efeitos de participação nos lucros e

resultados; o que importa é o resultado operacional da empresa e não o lugar em

que o trabalhador estava quando produziu a riqueza que contribuiu para os lucros

                                                            41 Nesse ponto, compreendendo também a negociação por meio de comissão interna prevista no art. 2º, I, da Lei nº 10.101, de 19 dez. 2000.

Page 181: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

181

do empregador. Ainda no exemplo dado, o trabalhador receberia um valor menor

que os seus colegas e isso, além de não ter qualquer justificativa concreta,

produziria um efeito adicional: haveria uma sobra no valor destinado

originalmente à distribuição que, ou seria repassado aos demais, ampliando a

diferença entre eles, ou seria embolsada pelo empregador, representando uma

violação do compromisso inicial assumido.

E os efeitos apenas se inverteriam caso as normas coletivas do local

de destacamento estabelecessem um valor maior do que o previsto nas normas

de origem. Haveria o pagamento de um valor superior ao recebido pelos demais

trabalhadores – o que poderia impactar os valores finais recebidos por estes –

sem qualquer justificativa ou razão concreta para tanto.

E se o trabalhador permaneceu em destacamento por apenas poucas

semanas durante o exercício financeiro ou, ainda, foi destacado provisoriamente

diversas vezes para locais distintos durante o período, como seria calculada ao

final sua participação nos lucros e resultados? E como explicar, de forma

racional, que ele terá um valor diferente dos demais colegas apenas porque, por

algumas semanas ao longo do ano, executou suas atividades em outro lugar? Não

parece razoável que obrigações tão relevantes quanto o direito à participação nos

lucros e resultados sejam regidas pelo acaso.

É possível reconhecer, portanto, que o direito à participação nos

lucros e resultados possui um relacionado mais íntimo com as normas coletivas

vigentes no local do domicílio profissional do trabalhador, as quais devem

produzir efeitos sobre a prestação de serviços executada em outro local, em

situação de destacamento provisório.

As cláusulas convencionais que versam sobre participação nos

lucros e resultados integram a família das disposições convencionais que versam

sobre padrões econômicos e sociais que se dirigem de forma mais específica ao

corpo coletivo de trabalhadores da empresa, regulando, portanto, direitos que

assumem aspecto predominantemente comunitário. Esse grupo de normas é,

Page 182: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

182

provavelmente, o mais abrangente, devido à natural vocação da contratação

coletiva de ser o marco regulatório de um grupo ou de uma massa operária.

Páginas atrás, quando tratamos da ideia de aplicação da norma mais

favorável ao trabalhador, recorremos ao exemplo de um trabalhador da

construção civil que execute suas atividades nas cidades de São Paulo e Rio de

Janeiro e discutimos o problema do reajuste salarial que lhe seria aplicável. A

partir de uma representação tabular (Tabela 1, supra), observamos que, em um

mesmo ano, os reajustes salariais variaram significativamente entre as duas

cidades comparadas; todavia, constatamos que, se os mesmos dados forem

analisados em recorte temporal mais amplo, no caso foram sete anos, é possível

observar um reajuste total acumulado muito semelhante entre as duas capitais.

Não se trata de um caso isolado. A ocorrência desse mesmo

fenômeno se verifica também no âmbito de outras categorias profissionais.

Como ilustração, podemos citar os reajustes salariais aplicados aos trabalhadores

em empresas de processamento de dados das mesmas cidades (São Paulo e Rio

de Janeiro) e para o mesmo período de levantamento. Observa-se que,

comparando-se ano a ano, há uma oscilação significativa entre os valores

percentuais aplicados em uma e outra cidade; em 2015, os trabalhadores do Rio

de Janeiro tiveram um reajuste salarial 43,71% superior ao dos trabalhadores de

São Paulo. No entanto, se compararmos o reajuste acumulado nas duas capitais

ao longo de todo o período de comparação, 2010 a 2016, a diferença acaba sendo

ínfima: 67% (Rio de Janeiro) e 66,85% (São Paulo):

Page 183: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

183

Esse exemplo confirma o que dissemos anteriormente: a negociação

coletiva é um fato político-social que não se esgota no momento em que o seu

instrumento de contratação é assinado; ao contrário, ela carrega de um ano para

os outros compromissos que são assumidos pelas partes e que vão sendo

cumpridos e acomodados no tempo. Tal como já dito, a negociação coletiva

possui uma memória que conserva reivindicações e promessas para o futuro.

O que dissemos a respeito da aplicação da norma mais favorável

também cabe com exatidão neste ponto da pesquisa: aplicar o reajuste salarial

previsto nas normas coletivas vigentes no local do destacamento provisório

implicaria adotar um reajuste salarial sem qualquer correspondência com as

contínuas tratativas negociais. Equivaleria a abdicar da real negociação coletiva

para adotar algo ficcional, resultado de uma contingência acidental, incerta,

aleatória.

Os exemplos tabulados referem-se apenas aos reajustes anuais de

salários, mas é possível afirmar que a mesma dinâmica negocial se aplica a

Ano Sindpd-RJSeprorj

(1)(%)

Sindpd-SPSeprosp

(2) (3)(%)

2010 6,00 6,00

2011 7,60 7,50

2012 6,70 7,50

2013 7,30 7,00

2014 7,00 7,50

2015 10,06 7,00

2016 8,60 10,67

Acumulado 67,00 66,85

Tabela 2  Reajustes salariais estipulados 

em convenções coletivas de trabalho 

pelas representações sindicais 

indicadas ou em sentença normativa

Fonte: Sistema M ediador (M inistério do Trabalho e Emprego) e Justiça do Trabalho (TRT 2º Região)Notas: (1) Data-base em 1º de setembro (2) Data base em 1º de janeiro . (3) Os valores relativos a 2011 e 2014 foram fixados em sentença normativa.

Page 184: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

184

outras questões econômicas da relação de emprego. É possível ir além e

reconhecer que não apenas as cláusulas econômicas, mas também as disposições

convencionais que versam sobre padrões sociais constituem posições jurídicas

que o corpo coletivo de trabalhadores conquistou gradativamente ao longo do

seu histórico de negociações coletivas.

O respeito a esse histórico, que reflete toda densidade e toda a

complexidade das negociações que polarizam os interesses do capital e do

trabalho, parece imantar os aspectos econômicos e sociais da relação de emprego

às normas coletivas do domicílio profissional do trabalhador, mesmo no período

em que este executar suas atividades em outro local, em uma situação de

destacamento provisório. Com efeito:

Presume-se que tenham conexão mais estreita com as normas

coletivas do domicílio profissional do trabalhador, devendo

permanecer por elas regidas, as cláusulas convencionas que versem

sobre padrões salariais, reflitam as conquistas sociais e disponham

sobre questões de aspecto predominantemente comunitário.

Incluem-se nesse grupo, mas não o limitam, as disposições

normativas relacionadas à data-base da categoria, ao reajuste anual

de salários, à participação nos lucros e resultados, às estabilidades e

proteções no emprego, às licenças de trabalho, às vantagens pessoais

vinculadas ao tempo de serviço e às obrigações rescisórias e seus

acessórios.

3.4.2.2.2 Benefícios convencionais atrelados ao custo de vida regional.

Dentro do grande grupo de normas convencionais tratado na seção

anterior, existe um subgrupo que, por uma condição específica, merece ser

examinado de forma destacada. O recorte ora proposto compreende as cláusulas

normativas que fixam vantagens econômicas, remuneratórias ou não, que de

alguma forma estejam vinculadas ou recebam a influência das variações

Page 185: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

185

regionais do custo de vida. Trata-se de uma situação de exceção à presunção de

conexão vislumbrada na seção anterior.

A esse respeito já se falou no presente relatório. Páginas atrás,

observamos que o custo de vida no Brasil varia significativamente entre cidades

de diferentes regiões (ALMEIDA e AZZONI, 2016) e reconhecemos que as

negociações coletivas de trabalho promovem o ajuste das condições materiais da

relação de emprego às realidades econômicas regionais.

Um dos mais evidentes pontos de adaptação do contrato de trabalho

ao contexto econômico local são as disposições convencionais que tratam dos

subsídios para alimentação do trabalhador. Um exemplo permite uma rápida

visualização do que se pretende dizer. Um trabalhador da construção civil que

trabalha no Estado de Rondônia recebe, por força da convenção coletiva de

trabalho celebrada entre os sindicatos locais, um “tíquete refeição” no valor

facial diário de R$ 10,00 (SINDUSCON-RO e STICCERO, 2016). Os sindicatos

representantes das mesmas categorias econômica e profissional, porém com base

territorial em São Paulo, convencionaram que igual subsídio, e para o mesmo

período, terá o valor diário de R$ 20,00 (SINDUSCON-SP e SINTRACON-SP,

2016). É bastante provável que a grande diferença de valor – o dobro – seja

resultado do notório custo de vida mais elevado da cidade de São Paulo.

No exemplo acima, parece claro que as condições econômicas

locais, especificamente o valor médio praticado pelos restaurantes em cada uma

das regiões, constituiu um fator considerado pelos sindicados para a fixação dos

subsídios alimentares. E é certo que, em ambos os casos, se partiu da premissa

de que o trabalhador efetivamente utilizaria o benefício na mesma região. Chega-

se, então, à seguinte indagação: se um trabalhador rondoniano for destacado

provisoriamente para São Paulo, ele deverá receber, no período, o auxílio-

refeição previsto nas normas coletivas de origem (R$ 10,00) ou deverá receber

a subvenção fixada nas normas de destino (R$ 20,00)?

A resposta é intuitiva. Se o valor de origem for mantido, é provável

que o trabalhador não consiga manter o seu padrão alimentar habitual em razão

Page 186: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

186

do notório mais elevado custo de vida em São Paulo. A aplicação da norma

coletiva do local de destino, nesse caso, não apenas garantiria ao trabalhador o

acesso a uma alimentação adequada como – isso parece contraditório -

asseguraria efetividade à norma coletiva do local de origem. Explica-se: o

compromisso original assumido na negociação coletiva de Rondônia foi

proporcionar ao trabalhador uma alimentação adequada; o valor fixado foi

apenas um meio de assegurá-la. Ao aplicar o valor previsto na norma coletiva de

destino, o empregador estará apenas garantindo que o trabalhador se alimente de

forma adequada no local de destacamento, ou seja, estará apenas dando

efetividade à obrigação principal que fora objeto da negociação coletiva

conduzida pelos sindicatos do domicílio profissional do trabalhador.

No exemplo acima, tanto as normas coletivas do local de origem

como do local de destino preveem o direito ao subsídio alimentar, embora com

valores distintos. Em um cenário diferente, em que o instrumento convencional

do domicílio profissional do trabalhador não preveja o direito ao auxílio-

refeição, a situação seria outra? Dever-se-ia, nesse caso, respeitar o histórico

negocial do local de origem, que não estabelece o direito ao benefício para

alimentação? Lembrando que estamos exercitando apenas juízos hipotéticos e,

portanto, relativos, pensamos ser mais provável que benefícios de subsistência,

como o auxílio-alimentação, sejam convencionados em lugares em que o custo

de vida é mais elevado do que em localidades em que tal custo não se apresenta

da mesma forma. Além disso, outras circunstâncias regionais, como o

adensamento populacional, que dificulta ao trabalhador alimentar-se em sua

própria residência, também podem ter influenciado o resultado da contratação

coletiva. É possível presumir, então, que qualquer previsão normativa que se

traduza em um benefício de subsistência do trabalhador decorra diretamente do

contexto econômico-social observável no território em que a negociação se

desenvolveu. Assim, o fato de a norma coletiva do lugar de origem não prever o

mesmo direito poderia apenas significar que as partes daquela contratação

coletiva, em razão das circunstâncias materiais correntes no lugar, não reputaram

necessário conceder aquele benefício aos trabalhadores. Tal premissa,

entretanto, não seria válida se houvesse alteração do contexto econômico em que

Page 187: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

187

se dá a prestação de serviços, hipótese que ocorreria em um destacamento

provisório.

É presumível, portanto, que os aspectos econômicos da relação de

emprego que estejam atrelados às variações regionais do custo de vida tenham

conexão mais estreita com as normas coletivas vigentes no local da efetiva

execução dos serviços.

Até o momento, adotou-se como exemplo o subsídio para refeição

do trabalhador; este, porém, não é o único benefício convencional que absorve

influência das condições econômicas regionais. Além de outros auxílios, como

aqueles destinados a despesas com educação, creche e habitação, existe outro

aspecto bastante importante das relações de emprego e igualmente conectado à

realidade social local: são as disposições normativas que estabelecem patamares

remuneratórios mínimos, os chamados pisos salariais.

A Constituição Federal de 1988 garante aos trabalhadores o direito

a um “piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho” (art.

7º, V), o qual, evidentemente, não se confunde com o salário mínimo

nacionalmente unificado previsto no dispositivo anterior (art. 7º, IV). Para a

maioria das categorias profissionais, o referido piso remuneratório é fixado nos

instrumentos de contratação coletiva; para algumas profissões específicas, o

patamar mínimo de salário está previsto em lei. Para os trabalhadores que não

contam com piso salarial definido em norma coletiva de trabalho ou na

legislação, a Lei Complementar nº 103, de 14 jul. 2000, atribuiu aos estados a

competência para fixá-los.

Ao delegar às unidades federativas a atribuição de fixar pisos

salariais, o legislador deixou claro que tal instituto está diretamente ligado às

variações econômicas regionais que a Carta da República expressamente

reconhece existir (art. 3º, III; art. 43, caput; art. 170, VII; art. 198, § 3º, II). Não

haveria por que se adotar interpretação diferente para os pisos salariais fixados

em normas coletivas de trabalho.

Page 188: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

188

Apresentam-se, então, dois problemas. O primeiro deles, saber se

seria possível reduzir uma vantagem econômica caso a norma coletiva do local

de destacamento a preveja em valor inferior ao até então praticado, ou mesmo

suprimi-la, caso as disposições convencionais do lugar de destino não obriguem

o empregador ao seu pagamento. O segundo, saber se uma vantagem concedida

em razão da aplicação da norma do local de destacamento seria definitivamente

incorporada à remuneração do trabalhador.

Suponhamos, então, que o piso salarial e o auxílio alimentação

previstos na norma coletiva do local do destacamento sejam inferiores aos

fixados na contratação coletiva do lugar de origem. A ideia de se reduzir o

patamar salarial do trabalhador encontra obstáculo de difícil transposição no

texto constitucional, que veda o rebaixamento de salários em uma hipótese como

a ora cogitada. É importante frisar que, no exemplo dado, o padrão salarial mais

elevado do trabalhador é resultado de uma condição normal, regular do contrato

de trabalho e que, portanto, o integra de forma definitiva.

Com relação à verba alimentar, o mesmo raciocínio poderia ser

aplicado, sendo possível adotar a premissa de que o padrão regular do contrato

não deva ser afetado por uma situação provisória. Pensamos, todavia, que o mais

relevante argumento em prol da manutenção dos valores pagos a título de

subsídio para alimentação é de ordem sistemática. Explica-se: na seção anterior,

demonstramos que as negociações coletivas possuem uma memória que

conserva de um ano para o outro as reivindicações não atendidas e as promessas

realizadas mutuamente pelas partes e que é a partir de tal dinâmica negocial que

os trabalhadores vão gradativamente conquistando padrões sociais e econômicos

mais elevados. Desse modo, sustentamos, a real negociação coletiva é aquela

representada por seu histórico, e não por um único instrumento de contratação.

Dissemos, ao final, que o respeito a esse fluxo negocial atrai a regulação da

relação de emprego, em seus aspectos econômicos e sociais, às normas coletivas

do local do domicílio profissional do trabalhador, ainda que este se encontre em

uma situação de destacamento provisório.

Page 189: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

189

As cláusulas convencionais que dispõem sobre auxílios diversos –

alimentação, educação, creche, habitação, etc. – resultam do histórico de

sucessivas negociações coletivas e representam conquistas sociais que

provavelmente tiveram suas contrapartidas ao longo do tempo. Um auxílio-

alimentação maior pode ter sido obtido a partir da aceitação de um reajuste

salarial menor no mesmo ano. Assim, existe um sinalagma que deve ser mantido

íntegro tanto quanto possível. Defendemos, na seção anterior, que as cláusulas

que versam sobre padrões salariais e sociais dos trabalhadores possuam conexão

mais estreita com as normas coletivas do domicílio profissional, o que

compreende os auxílios discutidos neste momento.

Existe uma aparente contradição em se afirmar que os auxílios

alimentares integram o grupo de cláusulas normativas examinado na seção

anterior e estudá-los neste espaço de forma destacada – e, pior, sustentar uma

presunção de conexão diversa. Tal contradição não existe. A ideia de se

estabelecer uma presunção de conexão diferente para as vantagens atreladas à

variação do custo de vida regional constitui uma exceção à presunção de

relacionamento mais estreito com as normas coletivas do lugar de origem. Por

ser uma exceção ao modelo-padrão, ela só pode ser acionada se forem satisfeitas

as condições específicas e restritas que lhe dão sustentação lógica. No caso dos

benefícios ora estudados, existe uma única condição de incidência da exceção: o

mais elevado custo de vida no local de destacamento. Como não estamos

examinando nenhuma situação in concreto, mas, apenas, exercitando juízos

hipotéticos, é possível presumir que, se uma mesma categoria profissional possui

um subsídio alimentar mais elevado em um local específico, é por representar o

maior custo de vida na localidade. Como consequência, a exceção aqui discutida

teria aplicação apenas na hipótese de a norma coletiva do lugar do destacamento

prever valor superior ou direito não previsto nas normas de origem.

Por fim, o segundo problema acima cogitado diz respeito à

possibilidade de incorporação do maior valor previsto nas normas coletivas do

local de destacamento ao salário do trabalhador. Então, imagine-se que as

normas coletivas do lugar de destino prevejam um piso salarial superior ao

salário do trabalhador. Nesse caso, reconhecemos que, por se tratar de patamar

Page 190: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

190

remuneratório mínimo atrelado ao custo de vida local, haveria, em relação a esse

aspecto do contrato de trabalho, uma conexão mais estreita com as normas

coletivas do local de destacamento. Indaga-se, então, caso a presunção seja

confirmada in concreto, se o trabalhador poderia retornar ao padrão salarial

inicial ao final do seu destacamento provisório.

Ao longo do trabalho, defendemos com ênfase a necessidade de se

respeitar a dimensão histórica da negociação coletiva, cujos efeitos devem ser

preservados diante de fatos acidentais e provisórios, ressalvadas as exceções

examinadas na presente seção. Também tivemos a oportunidade de discutir se a

elevação do trabalhador a um patamar salarial superior ao de seus colegas, por

circunstâncias alheias à vontade das partes, realmente produzirá para ele efeitos

benéficos a longo prazo.

Como dissemos linhas acima, a aplicação das normas coletivas do

lugar de destacamento constitui uma exceção ao modelo-padrão, que somente

pode ser invocada se estiverem presentes as condições restritas que lhe dão

suporte lógico. Uma vantagem como um piso salarial maior, portanto, só se

sustenta enquanto a condição – o destacamento – existir. É uma situação muito

semelhante aos adicionais remuneratórios ou salários-condição: paga-se o

suplemento enquanto sua causa subjacente for contemporânea.

Como consequência, pensamos que as vantagens previstas nas

normas coletivas do local de destino devam ser pagas apenas enquanto a

condição de destacamento persistir, podendo ser suprimidas após o retorno do

trabalhador ao seu local de origem, em respeito ao histórico das negociações

coletivas desenvolvidas em seu domicílio profissional.

Em síntese de tudo o que foi desenvolvido na presente seção, é

possível anunciar que

Presume-se que tenham conexão mais estreita com as normas

coletivas do local de efetiva prestação de serviços, devendo passar a

ser por elas regidas, as disposições normativas que tenham relação

Page 191: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

191

direta com as variações regionais do custo de vida, salvo se o valor

até então praticado a idêntico título for superior, hipótese em que

deverá ser mantido. Nesse conjunto, inserem-se, mas não o limitam,

as disposições relacionadas ao piso salarial e aos subsídios para

alimentação e transporte e - caso tais despesas sejam transferidas

para o local de destacamento - educação, creche e habitação. As

vantagens pagas ou cedidas em razão da conexão presumida com a

localidade de destacamento não serão incorporadas ao contrato

individual do trabalho, não se lhes aplicando a vedação

constitucional à redutibilidade salarial.

3.4.2.2.3 Recorte necessário: o problema da isonomia.

A aplicação a um trabalhador de um marco regulatório diverso do

que é aplicado à coletividade operária que o circunda pode ter como

consequência a sua exposição a situações arbitrárias e discriminatórias. A

pesquisa passa a investigar, então, como os princípios da isonomia e da tutela do

meio ambiente de trabalho poderiam afetar as presunções de proximidade ora

desenvolvidas.

Tem sido produtivo adotar exemplos como ponto de partida: Um

trabalhador é destacado provisoriamente para um local em que as normas

coletivas vigentes preveem um adicional para trabalho suplementar de 60%,

enquanto as normas do lugar de origem fixam o mesmo adicional no patamar

mínimo legal (50%). Nesse caso, a remuneração de eventuais horas extras deve

observar os adicionais previstos nos instrumentos de contratação coletiva do

local de origem ou do destino?

No exemplo dado, manter as normas coletivas do local de origem

implicaria adotar para o funcionário destacado um adicional pelo trabalho

extraordinário inferior ao aplicado aos trabalhadores locais. Resultaria que as

horas suplementares prestadas pelo empregado transferido teriam remuneração

Page 192: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

192

inferior, seriam mais baratas do que as horas em acréscimo dos demais

trabalhadores com os quais ombreia diariamente no lugar de destino. Esse

contexto seria capaz de estimular o empregador a concentrar mais atividades

sobre o trabalhador destacado, uma vez que o seu tempo à disposição custaria

menos que o tempo dos demais, o que poderia causar a degradação do seu

ambiente profissional. Parece claro que esse cenário colidiria frontalmente com

diversos princípios fundamentais e valores universais de tutela da dignidade do

cidadão-trabalhador.

E como seria em uma situação inversa, em que as normas coletivas

do local de origem prevejam adicional de horas extras de 60%, enquanto as

normas em vigor no lugar de destacamento fixem o mesmo adicional em apenas

50%? Tal questão foi tangenciada algumas páginas atrás, ocasião em que

questionamos se seria razoável que o trabalhador transferido, já em uma situação

de maior desgaste pelo fato de estar trabalhando fora do seu domicílio

profissional, passasse a receber pelo seu trabalho extraordinário um valor menor

do que os seus colegas que permaneceram na localidade inicial e não sofreram

igual dificuldade. Podemos indagar, ainda, se seria razoável que a remuneração

pela força de trabalho do indivíduo sofra uma depreciação pelo simples fato de

realizar em outro local as tarefas a ele designadas pelo empregador. Além desses

aspectos, vale invocar nesse espaço o que foi dito nas seções precedentes: o

adicional de horas extras em valor superior, conquistado nas negociações

coletivas de origem, pode ter resultado de concessões por parte dos trabalhadores

e um histórico negocial que deve ser respeitado.

Como se pode observar, o problema exige uma solução que, de um

lado, garanta o respeito ao histórico das negociações coletivas da localidade de

origem e não implique que a retribuição do trabalho sofra depreciação em função

de fatos acidentais e unilateralmente produzidos, como é o caso de um

destacamento provisório. Por outro lado, a solução deve assegurar que o

trabalhador tenha um tratamento isonômico em relação aos demais empregados

da localidade de destino, ganhando retribuição pelo trabalho suplementar

equivalente.

Page 193: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

193

O problema parece exigir a adoção da mesma dinâmica observada

na seção anterior. Como presunção geral, reconhece-se que a relação de

emprego, no tocante aos adicionais pelo trabalho extraordinário, possua uma

conexão mais estreita com as normas coletivas do domicílio profissional do

trabalhador. A presunção geral seria alterada na hipótese de as normas coletivas

do local de destino estabelecerem adicional de horas extras em valor superior,

situação esta que deslocaria o pêndulo da proximidade para o local da efetiva

execução dos serviços por atração dos princípios da isonomia e da tutela do meio

ambiente de trabalho.

Pelas mesmas razões, as presunções acima também se aplicam a

outros adicionais salariais, como o destinado à remuneração do trabalho noturno,

perigoso e insalubre. Assim:

Em respeito aos princípios da isonomia e da tutela do meio ambiente

de trabalho, presume-se que as disposições normativas que versem

sobre adicionais remuneratórios guardem conexão mais estreita com

as normas coletivas celebradas pelos sindicatos atuantes na

localidade de destacamento, salvo se o valor até então praticado a

idêntico título se mostrar superior, hipótese em que deverá ser

mantido. Nesse grupo incluem-se, sem limitá-lo, as cláusulas

convencionais que regulem os adicionais de horário suplementar e

noturno e relativas aos trabalhos insalubre e perigoso.

É possível que se cogite aplicar esse mesmo sistema de presunções

às cláusulas convencionais que disponham sobre jornadas de trabalho e períodos

de repouso. Pensamos de forma diversa. As presunções acima desenvolvidas se

aplicam à matéria diretamente relacionada com a precificação da mão de obra, o

que nos parece não ser o caso das jornadas de trabalho e períodos de descanso.

Além disso, afastamos, páginas atrás, o mito da norma mais favorável, o qual,

por certo, permearia o debate em torno de questões relacionadas à duração do

trabalho. Por fim, é necessário ter em conta que tais aspectos da relação de

emprego podem ser objeto de múltiplas regulações normativas – limites

máximos, compensações, trabalho em feriados, intervalo, etc. – o que impede a

Page 194: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

194

constituição de um juízo apriorístico que assimile todas as possibilidades. É

necessário que cada situação concreta seja analisada individualmente,

confrontando-se a norma coletiva do local de origem com a norma do lugar de

destino e verificando-se as condições fáticas do destacamento. Assim, por

compromisso científico, não deduziremos qualquer presunção em relação a tais

temas, pois qualquer tentativa nesse sentido, pensamos, implicaria um juízo

arbitrário e contaminado por sentimentos pessoais.

3.4.2.2.4 Disposições convencionais de trato continuado ou que envolvam

terceiros.

É comum que os instrumentos de contratação coletiva imponham às

partes, sobretudo ao empregador, obrigações que somente podem ser satisfeitas

mediante a constituição de vínculos jurídicos com terceiros. Os exemplos mais

notórios são os planos de assistência médica e odontológica e os planos de

previdência privada. Embora tais questões integrem o que já nos referimos como

patamares sociais dos trabalhadores, existe uma questão específica em relação a

elas que merece ser destacada.

Suponhamos que as normas coletivas do lugar de origem prevejam

a obrigatoriedade de concessão de plano de assistência médica, o que resultou

em vínculo contratual dessa natureza entre o trabalhador e a empresa fornecedora

do serviço. Se a norma coletiva do local do destacamento provisório não prever

obrigação semelhante, o empregador poderia simplesmente suprimir o seguro

saúde?

A resposta intuitiva é negativa. Não parece razoável que o

trabalhador, em função de uma designação temporária, perca a assistência à

saúde conquistada pelo sindicato de seu domicílio profissional. Como já

repetimos, existe a necessidade de se protegerem os efeitos da negociação

coletiva de origem, tanto quanto possível, de eventuais influências que fatos

acidentais e interinos possam produzir. Mas há um ponto além.

Page 195: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

195

No destacamento provisório, não há alteração do domicílio

profissional do trabalhador, que mantém fundada expectativa de retorno ao lugar

de origem. O plano de assistência médica constitui um amparo à pessoa do

trabalhador, destinando-se à sua proteção. Assim, parece que o lugar em que a

pessoa do trabalhador está estabilizada exerce uma atração maior do que o local

de execução do contrato, simples ponto de cumprimento de uma de suas

obrigações. Além disso, é de se considerar a possibilidade de que os familiares

do trabalhador, que provavelmente não alteraram os seus domicílios pessoais,

também possam ser beneficiários da assistência. Por fim, deve ser levado em

conta que a hipótese de supressão da assistência médica provocaria a

necessidade, ao final do destacamento, de se formalizar novo contrato, com

novos períodos de carência, durante os quais o trabalhador ficaria desamparado,

em violação às cláusulas instituídas no lugar de origem.

Esse último efeito se observaria também na hipótese inversa. Em

função dos períodos de carência que costumam ser exigidos, é possível que o

trabalhador em um destacamento provisório não consiga efetivamente se

beneficiar da cobertura de um plano de assistência à saúde exigido pelas normas

coletivas do lugar de destino. Em um destacamento de poucas semanas, por

exemplo, seria uma operação meramente protocolar – e com custos ao

empregador.

Em contratos de projeção mais longa, como os de previdência

complementar, esses efeitos seriam mais evidentes. É possível, então,

estabelecer uma presunção específica às relações jurídicas continuativas como

as referidas nos exemplos citados, que poderia ser enunciada nos seguintes

termos:

Presume-se que tenham conexão mais estreita com as normas

coletivas do domicílio profissional do trabalhador, devendo

permanecer por elas regidas, as cláusulas convencionas que versem

sobre relações jurídicas de trato continuado envolvendo terceiros,

tais como previdência privada e assistência médica e hospitalar.

Page 196: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

196

3.4.2.2.5 Normas convencionais de desenvolvimento e expansão da

efetividade dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Na seção anterior, afirmarmos que o plano de saúde suplementar

constitui uma assistência à pessoa do trabalhador, destinando-se à proteção do

indivíduo em si. Tal asserção introduziu uma premissa que pode exercer grande

influência na definição dos vínculos de proximidade em relação a alguns

aspectos das relações de emprego. As disposições normativas que não se portam

apenas como marcos regulatórios das obrigações contratuais das partes, mas que

atuam, principalmente, como instrumento de tutela das liberdades do cidadão-

trabalhador constituem o objeto de estudo neste espaço.

O processo de formação e consolidação dos direitos fundamentais

constitui um dos capítulos mais amplos e de maior destaque na História do

Direito. De origem que remonta às antigas escolas do Direito Natural até

alcançar a posição de núcleo essencial do ordenamento jurídico nas ordens

democráticas contemporâneas, as disposições constitucionais que veiculam

valores diretamente identificados com a dignidade da pessoa humana foram

reconhecidas pela Teoria do Direito como integrantes de uma categoria

normativa singular e especial e que, como tal, produz efeitos específicos e

substancialmente distintos das demais normas constitucionais. Atualmente, a

discussão sobre a força normativa da constituição e o seu poder de irradiar efeitos

diretos e imediatos sobre a ordem jurídica se encontra praticamente encerrada

(CANARIS, 2009, p. 36). As normas definidoras de direitos fundamentais não

dependem de interposição legislativa de grau inferior para atuarem no corpo

social, provendo, a partir de sua própria matriz, uma suficiente esfera de proteção

aos direitos básicos dos cidadãos.

É certo, também, que o Direito infraconstitucional, e mais

notavelmente o Direito Privado, absorveu essa força irradiada diretamente da

Constituição Federal, passando a se conformar com tal vinculação e a atuar como

instrumento de desenvolvimento da máxima efetividade das normas definidoras

de direitos fundamentais. Tal fenômeno de constitucionalização do Direito

Privado opera-se não apenas no âmbito das normas jurídicas estatais, mas,

Page 197: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

197

também, no espectro das normas produzidas diretamente pelos particulares para

regência de suas próprias relações jurídicas. Nessa dimensão encontram-se as

normas coletivas de trabalho.

Exemplo interessante desse fenômeno de constitucionalização das

normas coletivas de trabalho é o “acordo sobre o equilíbrio entre trabalho e vida

privada” formalizado entre a empresa Alston e entidades sindicais francesas

(ALSTON et al, 2016). No Brasil, tem-se observado com crescente frequência a

pactuação de cláusulas convencionais que instituem políticas de combate às

diversas formas de discriminação, como à mulher, às minorias étnicas ou em

função da orientação sexual do trabalhador; cláusulas que criam mecanismos de

proteção contra o assédio moral e que tutelam a intimidade e a imagem do

empregado; que reconhecem o seu direito de informação em caso de

despedimento motivado; que estabelecem garantias às trabalhadoras vítimas de

violência doméstica e proteção especial à família; que tutelam o meio ambiente

natural e profissional; enfim, disposições convencionais que possuem um

argumento em termos de direitos fundamentais, isto é, que são diretamente

relacionadas com os valores intrínsecos à condição humana, como a liberdade, a

igualdade e a dignidade (ALEXY, 2011, p. 446-449).

Trata-se, portanto, de cláusulas normativas que expandem a

efetividade das liberdades públicas de primeira, segunda e terceira dimensões

que são exercidas durante a relação de emprego, em função desta ou por seu

intermédio. Nesse âmbito, o direito de greve destaca-se como a liberdade

fundamental mais intimamente relacionada com o contrato de trabalho.

A presente pesquisa não se dedica ao exame analítico dos assuntos

tangenciados neste espaço – liberdades fundamentais, constitucionalização do

Direito Privado, direito de greve – empreita dessa magnitude, dada à

complexidade de cada um desses institutos, assumiria dimensão tratadística. A

proposta é muito mais singela: adotando como premissas (i) a existência de

normas coletivas que dispõem sobre liberdades fundamentais e (ii) o postulado

de máxima efetividade das normas definidoras de direitos fundados na dignidade

da pessoa humana, esboçar um juízo hipotético de proximidade. Se tais

Page 198: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

198

premissas não forem válidas, o efeito será apenas a negativa da presunção a

seguir definida:

Por conectarem-se à pessoa do trabalhador e não ao contrato de

trabalho, e tendo em vista o princípio de máxima efetividade dos

direitos fundamentais, as cláusulas convencionais que disponham

sobre direitos e garantias individuais (CF, art. 5º), sobre direitos

sociais individuais de expressão coletiva (CF, arts. 8º a 11) e sobre

direitos difusos (CF, art. 170, ex vi) produzem eficácia em conjunto,

assegurando ao trabalhador valer-se das disposições normativas

tanto do local de origem como do local de destacamento,

indistintamente. Na hipótese de exercício do direito de greve na

localidade de destacamento, as disposições de convenção ou acordo

coletivo de trabalho que venham a pôr fim no movimento continuam

a produzir efeitos sobre o contrato de trabalho mesmo após o retorno

do trabalhador ao local de origem.

3.4.2.2.6 Relações sindicais.

A última questão analisada quanto aos destacamentos provisórios diz

respeito à relação existente entre o trabalhador transferido e os sindicatos que

atuam no seu domicílio profissional e no local de execução dos serviços. A

investigação se inicia pelo problema da destinação das contribuições sindicais.

Problema que não deveria existir. Em um ambiente de liberdade

sindical, o trabalhador tem a autodeterminação de se vincular à entidade sindical

de sua escolha, a qual atua em qualquer lugar, onde quer que estejam os seus

associados. Loteamento do poder sindical em bases territoriais, representação de

não associados e contribuições compulsórias são ideias desconhecidas nos países

que possuem sistemas democráticos de representação de trabalhadores.

Page 199: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

199

A Constituição Federal de 1988 adotou uma retórica que teve a

pretensão de acomodar interesses corporativos e alguns anseios de liberdade

sindical. Um texto que começa proclamando ser livre a associação sindical (art.

8º, caput), prossegue criando verdadeiros limites ao seu exercício (art. 8º, II e

IV) - como se fosse possível limitar a liberdade sem violá-la por completo.

Posicionando tais questões à margem, é possível, senão forçoso,

identificar no texto constitucional um princípio que reconhece a liberdade

sindical como valor fundamental. Se tal formulação de fato estiver correta, então

haveria um “mandamento de otimização” ordenando que tal propósito “seja

realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas

existentes” (ALEXY, 2011, p. 90). A liberdade sindical, portanto, seria um fim

a ser sempre alcançado, respeitados apenas os seus limites imanentes.

Tradicionalmente, as contribuições destinadas ao custeio do sistema

sindical são direcionadas à entidade cuja base territorial contém o local em que

o trabalhador normalmente executa a prestação característica do contrato de

trabalho, este quase sempre coincidente com o seu domicílio profissional. Já em

uma situação de destacamento provisório, tal coincidência deixa de existir; a

execução do contrato ocorre em um lugar distinto do domicílio profissional do

trabalhador e, como aqui tem-se defendido, tanto as normas coletivas de um e de

outro local se habilitam igualmente a reger a relação de emprego. Nesse cenário,

para qual entidade devem ser destinadas as contribuições sindicais?

Para nós, o compromisso de se atribuir máxima efetividade às

normas definidoras de direitos fundamentais constitui a força que opera de

maneira prevalecente sobre o pêndulo da proximidade. Se a liberdade sindical

constitui um fim a ser alcançado, então todas as questões que são dela derivadas

possuem uma conexão mas estreita com o ser-livre. A autonomia da vontade –

manifestação básica de todas as liberdades – é, portanto, a solução indicada pelo

princípio da proximidade. Nesse contexto, as contribuições sindicais devem ser

direcionadas à entidade sindical para tal fim indicada pelo trabalhador.

Page 200: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

200

O princípio da proximidade, portanto, consolida uma regra que

vincula à autonomia da vontade a destinação das contribuições sindicais. A

questão residual, já muito estudada pelo Direito Internacional Privado, diz

respeito à forma como essa vontade deve ser manifestada para ser considerada

válida. Mais diretamente: seria possível presumir a intenção do trabalhador

diante de seu silêncio?

A exaustivamente citada Convenção de Roma (CEE, 1980)

incorporou a solução há tempos defendida pela doutrina; adotando a premissa de

que o contrato deva ser regido pela lei escolhida pelas partes, o documento

afirma que tal escolha “deve ser expressa ou resultar de modo inequívoco das

disposições do contrato ou das circunstâncias da causa” (art. 3º, I). Disposição

semelhante pode ser encontrada na Convenção do México (OEA, 1994),

precisamente no ponto em que ela afirma que os contratantes devem escolher a

lei de regência do contrato de forma expressa ou, inexistindo manifestação

nesses termos, “depreender-se de forma evidente da conduta das partes e das

cláusulas contratuais, consideradas em seu conjunto”. Como se observa, o

Direito Internacional Privado assimila que a vontade, não manifestada

expressamente, possa ser presumida a partir dos elementos concretos da relação

jurídica.

O silêncio do trabalhador destacado quanto à destinação de suas

contribuições sindicais pode ser entendido como a intenção de mantê-las

endereçadas tal como se encontram. O silêncio, nesse caso, pode ser lido como

a intenção de não alterar a entidade beneficiária de suas contribuições sindicais.

É possível sintetizar tudo o que foi exposto na presente sessão no

seguinte enunciado:

Em razão do princípio da liberdade sindical, as contribuições

sindicais exigíveis de todos os trabalhadores, sindicalizados ou não,

serão direcionadas ao sindicato indicado pelo trabalhador, podendo

ser tanto o do local de destacamento como o do seu domicílio

profissional. Na ausência de manifestação da vontade expressa,

Page 201: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

201

presume-se que as disposições legais relacionadas ao financiamento

das entidades sindicais possuam conexão mais estreita com o

sindicato do domicílio profissional do trabalhador. O destacamento

provisório do trabalhador não afasta suas obrigações perante a

entidade sindical à qual livremente se associou.

Além da destinação das contribuições sindicais, outro aspecto

importante é o que diz respeito à representação do trabalhador em situação de

destacamento provisório. Qual dos sindicatos está habilitado a exercer a tutela

judicial ou extrajudicial dos interesses dos trabalhadores provisoriamente

transferidos?

Para nós, ambos os sindicatos estão investidos em tal poder/dever.

De um lado, não há como se confundir a eficácia das normas coletivas de

trabalho com o dever de assistência ao trabalhador; são institutos jurídicos

absolutamente distintos. De outro, o sindicato, como dito anteriormente,

representa um ente difuso e unitário, entre nós conhecido por categoria

profissional, que não está atrelado à ideia de base territorial. O sindicato – este

organizado em bases espaciais – representa um ente único e espraiado em todo

território nacional. Como consequência, qualquer integrante do grupo

representado deve ser assistido pelos sindicatos que detêm o múnus de tutelar os

interesses da categoria. Com efeito:

O dever de assistência e representação por parte de entidade sindical

não depende da eficácia das normas convencionais celebradas pelo

respectivo ente ou do direcionamento das contribuições sindicais,

assegurando-se ao trabalhador o direito de ser assistido e

representado tanto pelo sindicato do local de destacamento como

pelo sindicato da localidade de origem.

Page 202: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

202

3.4.2.3 Destacamentos definitivos.

Em uma transferência definitiva, o trabalhador tem o seu domicílio

profissional deslocado para a localidade de destino. Como consequência da

primeira presunção de proximidade esboçada linhas atrás, a relação de emprego

passaria, então, a ser regida integralmente pelas normas convencionais vigentes

em tal lugar.

Tal situação, no entanto, não deve ser vista como ponto de descanso

intelectual. Muito distinto disso, aliás. Em um destacamento definitivo, parece

certo afirmar que a relação jurídica passa a ter como marco regulatório as normas

do lugar de destacamento. A questão que surge, no entanto, consiste em saber se

o contrato de trabalho se liberta totalmente dos efeitos até então produzidos pelas

disposições convencionais do lugar de origem.

Um contexto que ilustra o problema é o que envolve as garantias de

emprego. Cogite-se, como exemplo, um cenário em que as normas coletivas do

local de origem prevejam uma garantia de emprego especial ao trabalhador e que

este, antes da transferência, tenha preenchido todos os requisitos estabelecidos

no instrumento convencional para fruição do benefício. Nessa situação,

imaginando-se que as disposições coletivas do local de destino não prevejam

igual direito, surge a questão: o trabalhador ainda se valeria da garantia de

emprego assegurada pelas normas da localidade de origem?

Enfrentando problema tangente, a jurisprudência do Tribunal

Superior do Trabalho vem afirmando que o trabalhador continua sendo

beneficiário da garantia de emprego prevista em norma coletiva de trabalho,

mesmo após encerrada a vigência do documento, desde que tenha preenchido

todos os requisitos para a aquisição do direito durante o período em que a norma

convencional esteve em vigor (TST, SDI-1, OJ nº 41).

A citada jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho envolve

institutos diversos daqueles que são abordados na presente pesquisa. O tribunal

admitiu a tese de que, em situações específicas, determinadas disposições

Page 203: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

203

convencionais passam a integrar os contratos individuais de trabalho em caráter

definitivo. O problema, portanto, diz respeito à incorporação da cláusula

normativa ao contrato individual de trabalho; é como se a cláusula convencional

se tornasse uma cláusula do contrato de emprego e, como tal, passasse a ter carga

eficacial própria, que independe da eficácia do documento que lhe deu origem.

Como se observa, a questão não diz respeito, propriamente, ao plano de eficácia

(temporal ou espacial) da norma coletiva, mas sim do plano de efeitos

(integração) das mesmas sobre o contrato individual de trabalho.

Supondo que uma determinada cláusula de norma coletiva tenha sido

incorporada de forma definitiva ao contrato individual de trabalho, passando a

integrá-lo como se fosse uma cláusula dele originária, então seria possível

afirmar que a submissão da relação jurídica a outra ordem convencional não

produziria qualquer efeito sobre tal aspecto do vínculo existente. Seria possível

dizer, então, que a transferência definitiva não implica, de forma absoluta, o

completo afastamento de todas os efeitos das normas coletivas vigentes no local

de origem; é possível que algumas de suas disposições tenham aderido de forma

permanente ao contrato individual, situação que obrigaria sua observação,

mesmo no local de destino.

Por não constituir o objeto do estudo ora relatado, passaremos ao

largo do debate em torno dos efeitos das normas coletivas sobre o contrato

individual de trabalho, notadamente o problema da incorporação das cláusulas

normativas ao ajuste particular. O tema foi ventilado neste espaço apenas como

advertência de cautela contra possíveis confusões entre os efeitos e a eficácia das

normas coletivas de trabalho.

3.4.3 Teletrabalho e atividades externas.

Páginas atrás, reconhecemos a existência de uma presunção que

indica que o contrato de trabalho possui conexão mais estreita com as normas

coletivas vigentes no local do domicílio profissional do trabalhador. Na ocasião,

Page 204: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

204

advertimos expressamente que esse juízo hipotético se aplicaria somente aos

contratos de trabalho executados no estabelecimento do empregador, uma vez

que outras configurações contratuais poderiam apresentar um relacionamento

mais estreito com outras ordens normo-convencionais.

Realidade que se destaca entre os novos arquétipos contratuais, o

trabalho realizado prioritariamente na residência do trabalhador, ou em outro

local por ele escolhido, merece ter seus vínculos de proximidade investigados.

Em um contrato de trabalho executado remotamente, o elemento

território não possui a mesma relevância que possui no modelo tradicional de

produção; enquanto neste o empregador fundeia a prestação de serviços em um

ponto determinado, naquele a prestação do trabalho não se prende à ancoragem,

derivando conforme a vontade do trabalhador. No primeiro, há ponto fixo

determinado pelo empregador; no segundo, o ponto é móvel e determinado pelo

empregado. Seria possível, até, afirmar que o fato trabalho sofre uma espécie de

distensão espacial: ele iniciaria em um local qualquer – a residência do

trabalhador, por exemplo – e se estenderia até a sede do empregador, local em

que o trabalho executado se somaria aos outros recursos do processo produtivo.

Nesse ambiente, como identificar o domicílio profissional do

trabalhador? Aliás, a ideia de domicílio profissional seria compatível com o

contexto do teletrabalho ou estamos diante de uma situação nova que não se

acomoda nos tradicionais institutos de Direito Civil? Tais indagações parecem

logo afastar a presunção de relacionamento mais estreito do contrato de trabalho

com as normas vigentes no domicílio profissional do trabalhador. Aos testes de

proximidade, então.

Supor que o contrato de trabalho possua um relacionamento mais

relevante com as normas vigentes no local em que o trabalho é normalmente

prestado permitiria algumas importantes objeções. A primeira delas está

relacionada ao fato de que o modelo contratual aqui examinado (teletrabalho)

tem como característica justamente a mobilidade do trabalhador, que, pelo

menos em tese, possui a faculdade de realizar as suas atividades em qualquer

Page 205: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

205

local, sem qualquer interferência por parte do empregador quanto a isso. Em uma

prestação laboral que tem como característica a indeterminação territorial,

localizá-la em um único ponto pode ser bastante difícil, senão impossível. Indo

além, tentar identificar o local em que o trabalho é normalmente prestado seria

insistir na ideia de que o contrato possui uma sede de execução, o que, assim

pensamos, é incompatível com a fluidez espacial que caracteriza tais relações

jurídicas.

É certo que não haveria maiores dificuldades em se identificar a sede

de execução do contrato nos casos em que o trabalho fosse realizado

exclusivamente, ou normalmente, na residência do trabalhador; tal situação,

entretanto, é atingida pelas demais objeções. A segunda delas é de ordem

organizacional. Uma empresa que possua um contingente de trabalhadores em

regime domiciliar, cada um residindo na base territorial de um sindicato

diferente, teria que respeitar um estatuto jurídico específico para cada um de seus

trabalhadores. Além das dificuldades que a empresa teria em operacionalizar

pisos salariais, adicionais e benefícios distintos para cada funcionário, não seria

possível instituir padrões econômicos e sociais ao corpo coletivo de

trabalhadores, prejudicando os institutos de aspecto predominantemente

comunitário, como, por exemplo, participação nos lucros e resultados. Não

haveria, ademais, igualdade em relação a pisos salariais, reajustes, adicionais

remuneratórios e benefícios.

Outra contradita à adoção das normas vigentes no local em que o

trabalho é executado relaciona-se com o fato de que ela permitiria que uma das

partes pudesse alterar o marco regulatório do contrato de trabalho de forma

absolutamente unilateral. Nos contratos de trabalho executados junto ao

estabelecimento do empregador, em que a figura do domicílio profissional se

apresenta como elemento atrativo dos vínculos de proximidade, a transferência

do trabalhador constitui sempre um ato bilateral42. Como consequência, em tais

                                                            42 A transferência do trabalhador para outra localidade, como regra, só é permitida com a sua anuência expressa (CLT, art. 469, caput). A necessidade de assentimento expresso com o destacamento é dispensada em relação aos trabalhadores exercentes de cargo de confiança ou cujo contrato tenha como condição implícita ou explícita a transferência (CLT, art. 469, § 1º). Na hipótese desses últimos, contudo, a transferência não pode ser interpretada como um ato absolutamente unilateral do empregador, mas sim um ato com o qual o trabalhador já exprimiu

Page 206: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

206

contratos, a alteração do referencial legal que incide sobre o contrato de trabalho

depende da vontade de ambos os contratantes. Tal bilateralidade, própria dos

negócios jurídicos, não estaria presente em um cenário em que uma das partes

concentrasse poder para, isoladamente, alterar a normatividade aplicável à

relação jurídica.

Por fim, a última oposição corresponde ao fato de que não existiria

um corpo coletivo de trabalhadores representado por uma única entidade

sindical, o que fulminaria a unidade do processo negocial, prejudicando a

atuação dos sindicatos. A organização de uma greve, por exemplo, exigiria a

coordenação de vários sindicatos, o que nem sempre é fácil de se conduzir.

Tais objeções no mínimo fragilizam os vínculos de proximidade

entre a relação de emprego remotamente dirigida e as normas coletivas em vigor

no local de execução do contrato. Cabe investigar, então, outras possibilidades

de relacionamento, como a lei do local do estabelecimento empresarial ou do

local de constituição do contrato de trabalho. A respeito dessa última hipótese

de conexão, a presente pesquisa já cuidou de afastá-la em momentos anteriores

e as críticas suscitadas naquelas oportunidades também têm lugar em relação ao

teletrabalho; desnecessário repeti-las.

Do que se conjecturou até o momento, é possível identificar um

direcionamento à adoção da lei do local do estabelecimento empresarial ao qual

o trabalhador está vinculado.

A assimilação de tal vínculo de conexão contornaria alguns dos

problemas suscitados em relação à adoção da lei do lugar da execução das

atividades profissionais: seria fácil identificar o local do estabelecimento e a

ordem jurídica nele vigente; seria de fácil operacionalização; instituiria um

marco regulatório comum aos trabalhadores da empresa; e, por fim, haveria

                                                            previamente seu consentimento no momento em que passou a desempenhar um cargo de confiança ou se vinculou a uma relação de emprego cuja transferência era condição implícita ou explícita. Ao afirmar que, em relação a esses, a transferência só será válida se houver real necessidade de serviços, a própria deixa claro que tal ato não está inserido na absoluta esfera da autonomia da vontade do empregador (CLT, art. 469, § 1º, in fine).

Page 207: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

207

unidade da representação coletiva dos trabalhadores no processo negocial. Em

contrapartida, e aqui já se abrem as oposições a essa alternativa, ela permitiria a

alteração unilateral do marco regulatório da relação de emprego e haveria, ainda,

o problema das normas convencionais que estabeleçam benefícios atrelados às

variações do custo de vida regional, já examinado no presente trabalho.

Tais contestações à adoção da lei do estabelecimento, no entanto,

não parecem afastar o vínculo de proximidade que existe entre a referida ordem

normativa e a relação de emprego. É necessário ressaltar que o que se está

investigando é o relacionamento da relação de emprego com as normas vigentes

no local do estabelecimento ao qual o trabalhador está vinculado, e não com as

normas do local da sede da empresa. Em empresas com múltiplos

estabelecimentos, é razoável supor que o trabalhador estará vinculado àquele

mais próximo do seu domicílio ou área de atuação, o que atrairia a aplicação das

normas coletivas de trabalho vigentes em localidade próxima, provavelmente

inserida na mesma região econômica.

O problema da possibilidade de alteração unilateral do marco

regulatório parece persistir. Entretanto, é necessário considerar a existência de

outra força que irradia efeitos sobre o pêndulo da proximidade: a autonomia da

vontade. É absolutamente necessário deixar claro que não se propõe a adoção do

Princípio da Autonomia da Vontade, examinado na seção 2.4.2.1; o que se

coloca neste momento é que a intenção das partes constitui uma das múltiplas

variáveis que devem ser consideradas na investigação do relacionamento mais

estreito de um contrato, apenas isso. Feita tal advertência, pode-se dizer que, ao

aderir a um contrato remotamente dirigido, o trabalhador aceita a se submeter a

um poder diretivo que advém de outro lugar. Parece existir, então, uma natural

submissão do contrato de trabalho ao âmbito normativo produzido e emanado

do estabelecimento ao qual está vinculado, o que deriva exclusivamente da

vontade das partes em constituir uma relação dotada de tal característica. Não

parece ser demasiado também lhe aplicar a ordem normo-convencional que

provém desse mesmo local.

Page 208: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

208

Em relação aos contratos de trabalho executados em ambiente

exclusivamente externo, hipótese, como exemplo, do empregado que tem por

atribuições agenciar negócios e representar seu empregador em uma zona

territorial, não permanecendo na unidade da empresa ou em sua residência, a

adoção da lei do estabelecimento empresarial local parece ser a única solução

razoável. Distingue-se da situação examinada anteriormente pelo fato de não

existir um local em que o trabalho é normalmente executado. Não há, portanto,

qualquer tipo de fixação do trabalhador em um único lugar.

Tal situação parece imantar os vínculos de proximidade do contrato

de trabalho às normas coletivas vigentes no local em que se situa o

estabelecimento empresarial ao qual o trabalhador está vinculado. O princípio

da proximidade, portanto, apontaria para a lei do empregador.

É possível objetar tal presunção nos casos em que a zona de atuação

do trabalhador estivesse integralmente inserida na base territorial de um único

sindicato, situação que poderia atrair a adoção das normas coletivas celebradas

por este. Embora tal objeção não possua qualquer equívoco em sua formulação,

ela poderia criar um ambiente em que não seria possível instituir um padrão

econômico e social único aos trabalhadores da empresa, além de prejudicar a

unidade das negociações coletivas e o desenvolvimento de um histórico

negocial, estes que teriam consequências danosas, sobretudo, aos próprios

trabalhadores.

É possível reconhecer que o trabalho realizado nas condições ora

examinadas é uma realidade que vem sendo enfrentada – atente-se que este é

apenas o recorte que o pesquisador tem da realidade – pela adoção das normas

coletivas vigentes no local do estabelecimento, o que não vem gerando maiores

controvérsias. Tal fenômeno, caso verdadeiro, atrairia ainda mais o pêndulo da

proximidade em direção às normas coletivas vigentes no local do

estabelecimento do empregador. Assim:

Nos contratos executados em âmbito domiciliar ou

predominantemente em ambiente externo ao estabelecimento

Page 209: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

209

empresarial, conduzidos sob a direção remota do empregador,

presume-se que a relação de emprego possua conexão mais estreita

com as normas coletivas vigentes no local em que está situada a

unidade empresarial à qual o empregado está vinculado, ainda que

este tenha sido contratado em outro local ou execute a prestação de

serviços em localidade que integra a base territorial de entidade

sindical diversa.

Page 210: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

210

4 CONCLUSÃO: MODELO DESCRITIVO E SISTEMÁTICO

DA EFICÁCIA ULTRATERRITORIAL DAS NORMAS

COLETIVAS DE TRABALHO.

A pesquisa relatada demonstrou um movimento global e uniforme

no Direito Internacional Privado, adotado como referencial teórico do presente

estudo, em direção à superação do método clássico de conexão das relações

jurídicas contratuais a uma determinada ordem legal, baseado em elementos

estáticos, objetivos, apriorísticos e, como consequência, imunes às

peculiaridades e às necessidades do caso concreto. Em substituição aos

elementos de conexão, o princípio da proximidade alçou a condição de principal

instrumento de solução dos conflitos intersistemáticos de leis, sobretudo em

matéria de contratos.

Como dissemos, o princípio da proximidade constitui o único

modelo capaz de conferir aos conflitos de leis no espaço uma solução coerente,

adequada, correspondente à realidade dos fatos e das pessoas nele envolvidas,

aplicando-se plenamente às colisões normativas infranacionais, inclusive

havidas no contexto de uma relação de trabalho.

E o princípio da proximidade já habita a nossa ordem jurídica. Ele

foi adotado de forma implícita na Lei nº 7.064, de 6 dez. 1982, no momento em

que o legislador fracionou os diferentes aspectos materiais da relação de trabalho

e, a partir da natureza específica de cada um deles, indicou a lei que, em juízo

hipotético, considerou ser mais hábil, mais adequada, mais intimamente

relacionada com a questão. E, como se viu, a jurisprudência do Tribunal Superior

do Trabalho vem aplicando o princípio da proximidade em substituição ao

elemento de conexão estático previsto no Código Bustamante para as obrigações

e responsabilidades dos capitães e armadores de navios.

Se tais razões já eram suficientes para se afastar a adoção de qualquer

elemento estático de ligação contrato-lei, a pesquisa enfrentou um verdadeiro

dogma difundido na comunidade jurídica brasileira e, principalmente, na

jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, o qual corresponde à suposta

Page 211: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

211

existência de um princípio, na verdade, um elemento de conexão, que

determinaria que as relações de trabalho seriam reguladas, sempre, pelas normas

coletivas em vigor no local onde o trabalhador executa a sua prestação laboral.

Como resultado desse enfrentamento, a pesquisa revelou que esse standard foi

resultado de uma hermenêutica criativa e bastante distendida de um documento

internacional que jamais teve efetiva relevância jurídica entre seus signatários, à

exceção do Brasil, e da interpretação equivocada da legislação interna brasileira.

Como antecipado na introdução do presente estudo, a pesquisa

defende uma tese central que está sedimentada em três postulados:

(1) O contrato individual de trabalho não é regido, necessariamente,

pelas normas convencionais celebradas pelo sindicato cuja base

territorial compreende o local em que o trabalhador executa as suas

atividades profissionais;

(2) A relação de emprego é regida pelas normas coletivas com as

quais mantiver um relacionamento mais estreito, em conformidade

com o princípio da proximidade;

(3) É possível que diferentes aspectos do contrato de trabalho se

conectem com diferentes normas coletivas, conforme apresentem

com elas uma conexão mais estreita, tal como orienta o método da

dépeçage.

Tais postulados descrevem a possibilidade de uma norma coletiva de

trabalho produzir efeitos sobre uma prestação de serviços executada em local

diverso da base territorial dos sindicatos signatários do documento. Essa

produção exógena de efeitos é o que chamamos de eficácia ultraterritorial da

norma coletiva de trabalho.

Os postulados descritivos acima, embora suficientes para a solução

dos conflitos reais de normas coletivas no espaço, se beneficiariam de uma

sistematização que lhes atribuísse maior eficácia e melhor assimilação pela

ciência jurídica. Com essa proposta, a pesquisa organizou um modelo

Page 212: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

212

sistemático de aplicação que, juntamente com os enunciados teóricos, é

composto por uma série de presunções relativas de proximidade:

I. Modelo de conexão.

A relação de emprego é regida pelas normas convencionais com que

apresentar conexão mais estreita. O princípio da proximidade

constitui o modelo de conexão da relação de emprego às normas

coletivas de trabalho.

II. Presunção de proximidade geral.

Presume-se que o contrato de trabalho possua conexão mais estreita

com as normas coletivas celebradas entre os sindicatos atuantes no

lugar do domicílio profissional do trabalhador, ainda que ele tenha

sido contratado em outro local.

III. Destacamentos transitórios.

O destacamento meramente transitório não altera a presunção de

conexão mais estreita do contrato de trabalho com as normas

coletivas vigentes no domicílio profissional do trabalhador, as quais

se mantêm aplicáveis no período sobre todos os aspectos da relação

de emprego. Presume-se como transitório o destacamento do

trabalhador para execução de serviços em local diverso do seu

domicílio profissional por período não superior a oito dias, por

aplicação analógica do art. 3º, 2, da Diretiva 97/71/CE do

Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia.

IV. Destacamentos provisórios.

O destacamento provisório, assim considerado aquele que não se

afigura como meramente transitório e nem implica a alteração do

domicílio profissional do trabalhador, atrai a aplicação do método da

dépeçage (fragmentação), a partir do qual diferentes aspectos do

Page 213: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

213

contrato de trabalho podem se conectar com as normas coletivas do

local de origem ou com as normas do local de destacamento,

conforme apresentem com elas conexão mais estreita:

(1) Presume-se que tenham conexão mais estreita com as normas

coletivas do domicílio profissional do trabalhador, devendo

permanecer por elas regidas, as cláusulas convencionas que versem

sobre padrões salariais, reflitam as conquistas sociais e disponham

sobre questões de aspecto predominantemente comunitário.

Incluem-se nesse grupo, mas não o limitam, as disposições

normativas relacionadas à data-base da categoria, ao reajuste anual

de salários, à participação nos lucros e resultados, às estabilidades e

proteções no emprego, às licenças de trabalho, às vantagens pessoais

vinculadas ao tempo de serviço e às obrigações rescisórias e seus

acessórios.

(2) Presume-se que tenham conexão mais estreita com as normas

coletivas do local de efetiva prestação de serviços, devendo passar a

ser por elas regidas, as disposições normativas que tenham relação

direta com as variações regionais do custo de vida, salvo se o valor

até então praticado a idêntico título for superior, hipótese em que

deverá ser mantido. Nesse conjunto, inserem-se, mas não o limitam,

as disposições relacionadas ao piso salarial e aos subsídios para

alimentação e transporte e - caso tais despesas sejam transferidas

para o local de destacamento - educação, creche e habitação. As

vantagens pagas ou cedidas em razão da conexão presumida com a

localidade de destacamento não serão incorporadas ao contrato

individual do trabalho, não se lhes aplicando a vedação

constitucional à redutibilidade salarial.

(3) Em respeito aos princípios da isonomia e da tutela do meio

ambiente de trabalho, presume-se que as disposições normativas que

versem sobre adicionais remuneratórios guardem conexão mais

estreita com as normas coletivas celebradas pelos sindicatos atuantes

na localidade de destacamento, salvo se o valor até então praticado

Page 214: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

214

a idêntico título se mostrar superior, hipótese em que deverá ser

mantido. Nesse grupo incluem-se, sem limitá-lo, as cláusulas

convencionais que regulem os adicionais de horário suplementar e

noturno e relativas aos trabalhos insalubre e perigoso.

(4) Presume-se que tenham conexão mais estreita com as normas

coletivas do domicílio profissional do trabalhador, devendo

permanecer por elas regidas, as cláusulas convencionas que versem

sobre relações jurídicas de trato continuado envolvendo terceiros,

tais como previdência privada e assistência médica e hospitalar.

(5) Por conectarem-se à pessoa do trabalhador e não ao contrato de

trabalho, e tendo em vista o princípio de máxima efetividade dos

direitos fundamentais, as cláusulas convencionais que disponham

sobre direitos e garantias individuais (CF, art. 5º), sobre direitos

sociais individuais de expressão coletiva (CF, arts. 8º a 11) e sobre

direitos difusos (CF, art. 170, ex vi) produzem eficácia em conjunto,

assegurando ao trabalhador valer-se das disposições normativas

tanto do local de origem como do local de destacamento,

indistintamente. Na hipótese de exercício do direito de greve na

localidade de destacamento, as disposições de convenção ou acordo

coletivo de trabalho que venham a pôr fim no movimento continuam

a produzir efeitos sobre o contrato de trabalho mesmo após o retorno

do trabalhador ao local de origem.

(6) Em razão do princípio da liberdade sindical, as contribuições

sindicais exigíveis de todos os trabalhadores, sindicalizados ou não,

serão direcionadas ao sindicato indicado pelo trabalhador, podendo

ser tanto o do local de destacamento como o do seu domicílio

profissional. Na ausência de manifestação da vontade expressa,

presume-se que as disposições legais relacionadas ao financiamento

das entidades sindicais possuam conexão mais estreita com o

sindicato do domicílio profissional do trabalhador. O destacamento

provisório do trabalhador não afasta suas obrigações perante a

entidade sindical à qual livremente se associou.

Page 215: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

215

(7) O dever de assistência e representação por parte de entidade

sindical não depende da eficácia das normas convencionais

celebradas pelo respectivo ente ou do direcionamento das

contribuições sindicais, assegurando-se ao trabalhador o direito de

ser assistido e representado tanto pelo sindicato do local de

destacamento como pelo sindicato da localidade de origem.

V. Trabalho em regime domiciliar ou predominantemente em

ambiente externo.

Nos contratos executados em âmbito domiciliar ou

predominantemente em ambiente externo ao estabelecimento

empresarial, conduzidos sob a direção remota do empregador,

presume-se que a relação de emprego possua conexão mais estreita

com as normas coletivas vigentes no local em que está situada a

unidade empresarial à qual o empregado está vinculado, ainda que

este tenha sido contratado em outro local ou execute a prestação de

serviços em localidade que integra a base territorial de entidade

sindical diversa.

Como se deixou claro ao longo do relatório, as presunções de

conexão mais estreita constantes do modelo acima foram constituídas de forma

hipotética e apriorística a partir de um exercício intelectual que se apoia nas

experiências pessoais do pesquisador. Elas integram o modelo de aplicação

porque, como se disse, (i) oferecem um ponto de partida para a investigação dos

vínculos de proximidade do caso concreto, como uma agulha que aponta uma

direção que pode ser útil para a localização do caminho certo; (ii) oferecem ao

juiz um instrumento que pode contribuir para a solução do caso concreto quando

não for possível identificar efetivamente os vínculos de proximidade envolvidos

na questão, assim como podem constituir uma diretriz inicial para a distribuição

do ônus probatório entre os litigantes; (iii) a ideia de presunções impede que, no

futuro, criem-se padrões de proximidade absolutos e que acabem promovendo o

retorno aos elementos estáticos de conexão.

Page 216: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

216

O sistema de presunções não substitui o exame dos vínculos de

proximidade no caso concreto. Há, como se deixou claro, total abertura para que

o juiz identifique e declare que a relação de emprego, no todo ou em parte,

apresenta uma conexão mais estreita com normas coletivas diferentes daquelas

sugeridas em nossas presunções e afaste a aplicação dessas. Há, igualmente, a

possibilidade de que tais presunções não resistam ao teste empírico ou acabem

sucumbindo frente a objeções de autores que tenham uma visão diversa ou, quem

sabe, em uma futura revisão de nossos juízos hipotéticos.

Page 217: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

217

EMENTÁRIO

Caso nº 1 “Na hipótese, colidem as leis ainda em vigor nos Estados de São

Paulo e Paraná: o que uma faculta, a outra veda. No conflito entre as duas leis, há de

prevalecer aquela sob cujo império estão os bens que fazem objeto dos atos

jurisdicionais em conflito, em cuja esfera territorial de ação hão de esses atos produzir

os seus efeitos jurídicos. Por analogia, é de aplicar-se a regra de Direito Internacional

Privado, segundo o qual, com relação à jurisdição sobre imóveis, rege a lex rei sitae”

[grafia adequada ao padrão ortográfico atualmente vigente]. (BRASIL. Corte Suprema.

Conflito de jurisdição nº 1.109-SP. Suscitante: o espólio de Luiz Alves Thomaz.

Suscitados: Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Santos (SP) e Juiz de Direito da

Comarca de Jacarezinho (PR). Relator: Min. Carvalho Mourão. Rio de Janeiro, 11 dez.

1935. Archivo Judiciário, Rio de Janeiro, v. 39, p. 284-285, jul. ago. e set. 1936).

Caso nº 2 “RECURSO DE REVISTA - COMPETÊNCIA - EMPREGADO

CONTRATADO NO BRASIL PARA LABORAR EM OUTRO PAÍS - CRUZEIRO

MARÍTIMO 1. A despeito de o art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito

Brasileiro dispor que a regra geral de conexão se fixa pelo local em que se constitui a

obrigação, em se tratando de obrigação trabalhista, a regra de conexão é fixada pelo

local da prestação do serviço. Inteligência do art. 198 do Código de Bustamante. 2.

Além disso, em decorrência do princípio do centro de gravidade (most significant

relationship), as regras de Direito Internacional Privado somente deixarão de ser

aplicadas quando, observadas as circunstâncias do caso, verificar-se que a causa tem

uma ligação muito mais forte com outro direito. 3. No caso em tela, é incontroverso que

a prestação do serviço se dava em embarcação privada (cruzeiro) de pavilhão

estrangeiro, tendo a maior parte da contratualidade ocorrido no exterior. Apenas

incidentalmente ocorreu prestação de serviços no Brasil. 4. Considerando-se esse

contexto fático, impõe-se a aplicação da legislação internacional, afastando-se a

incidência do direito brasileiro e a competência da Justiça do Trabalho para julgamento

da matéria” [ementa com omissis] (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 8ª Turma.

Recurso de revista nº 287-55.2010.5.02.0446. Recorrente: Rui Carlos Lopes.

Recorridos: Msc Cruzeiros do Brasil Ltda e Infinity Empregos em Navios de Cruzeiros

Ltda. Redatora: Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. Brasília, 25 mai. 2016. Diário

eletrônico da Justiça do Trabalho de 17 jun. 2016).

Caso nº 3 “TRABALHO EM NAVIO ESTRANGEIRO - EMPREGADO

PRÉ-CONTRATADO NO BRASIL - CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO -

LEGISLAÇÃO APLICÁVEL 1. O princípio do centro de gravidade, ou, como chamado

no direito norte-americano, most significant relationship, afirma que as regras de Direito

Internacional Privado deixarão de ser aplicadas, excepcionalmente, quando, observadas

Page 218: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

218

as circunstâncias do caso, verifica-se que a causa tem uma ligação muito mais forte com

outro direito. É o que se denomina "válvula de escape", dando maior liberdade ao juiz

para decidir que o direito aplicável ao caso concreto. 2. Na hipótese, em se tratando de

empregada brasileira, pré-contratada no Brasil, para trabalho parcialmente exercido no

Brasil, o princípio do centro de gravidade da relação jurídica atrai a aplicação da

legislação brasileira”. [ementa com omissis] (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho.

8ª Turma. Recurso de revista nº 12700-42.2006.5.02.0446. Recorrente: Costa Cruzeiros

Agência Marítima e Turismo Ltda. Recorrida: Natalie Lassalvia Vaz de Lorena.

Relatora: Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. Brasília, 06 mai. 2009. Diário

eletrônico da Justiça do Trabalho de 22 mai. 2009).

Caso nº 4 “RECURSO DE REVISTA - CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO -

CONTRATO INTERNACIONAL DE TRABALHO. A discussão sobre o mecanismo

de solução do conflito de leis no espaço ganha relevo no ponto de desenvolvimento do

capitalismo brasileiro, em que as empresas nacionais ou transnacionais, cada vez mais,

expandem seus negócios além das fronteiras, fazendo com que empregados brasileiros

tenham seus contratos de trabalho executados, parcial ou totalmente, em outros países.

Essa tendência crescente leva à reflexão se os modelos tradicionais de solução atendem

a essa realidade complexa e em contínua mutação. Tradicionalmente, os modelos

clássicos de solução de conflito de leis no espaço têm seguido dois enfoques: i) norma

do art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil, pela qual as obrigações são qualificadas

e regidas pela lei do país em que se constitui o contrato; (ii) norma do art. 198 do Código

de Bustamante e consagrado na Súmula nº 207 do TST, que adota o princípio da

territorialidade e estabelece a -lex loci executionis-, na qual se pressupõe que o contrato

de trabalho seja pactuado para a prestação dos serviços em país diverso do país onde

efetuada a contratação, adotando-se as regras integrais daquele em detrimento das deste.

Mais recentemente, por construção jurisprudencial, tem sido, ainda, aplicada a norma

do art. 3º da Lei nº 7.064/82, inicialmente prevista para os trabalhadores do ramo de

engenharia civil, que relativiza a regra do art. 198 do Código de Bustamante,

determinando a observação da lei brasileira, quando mais favorável do que a legislação

territorial no conjunto de normas em relação à matéria. Aponta-se, ainda, como novo

mecanismo de solução de conflitos o método unilateral, segundo o qual não se busca de

maneira objetiva a lei aplicável, mas sim a norma aplicável que melhor solucione o

litígio a partir de fatores relevantes, consagrado no direito americano no -Restatement

Second of Conflict of Law-, também concebido como princípio da proximidade ou da

relação mais significativa. Verifica-se que a situação do autor, contratado no Brasil,

tendo aqui prestado serviços e, posterior e sucessivamente, sido transferido a dois outros

países, mas com manutenção do contrato de trabalho no Brasil, inclusive com depósitos

na conta vinculado do FGTS, o que indiscutivelmente concede a expectativa de retorno,

confirmada pela conclusão do contrato de trabalho em território brasileiro, aponta uma

dessas situações em que, pela unicidade contratual, não há elemento de conexão capaz

Page 219: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

219

de abranger a complexidade da contingência, fugindo aos enfoques clássicos de solução.

Nessa medida, a decisão da Corte Regional em que se adotou a regra do art. 3º da Lei

nº 7.064/82 não contraria a Súmula nº 207 do TST. Recurso de revista não conhecido”

(BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 1ª Turma. Recurso de revista nº 186000-

18.2004.5.01.0034. Recorrente: Shell Brasil Ltda. Recorrido: José Pereira Marques.

Relator: Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. Brasília, 06 out. 2010. Diário

eletrônico da Justiça do Trabalho de 14 out. 2010).

Caso nº 5 “CARTA ROGATÓRIA - CITAÇÃO - AÇÃO DE COBRANÇA

DE DÍVIDA DE JOGO CONTRAÍDA NO EXTERIOR - EXEQUATUR -

POSSIBILIDADE. Não ofende a soberania do Brasil ou a ordem pública conceder

exequatur para citar alguém a se defender contra cobrança de dívida de jogo contraída

e exigida em Estado estrangeiro, onde tais pretensões são lícitas” (BRASIL. Superior

Tribunal de Justiça. Corte Especial. Agravo regimental na carta rogatória nº 3.198/US.

Agravante : Abraham Orenstein. Agravado: Trump Tm Mahal Associates. Justiça

rogante: Tribunal Superior de Nova Jérsei. Relator: Ministro Humberto Gomes de

Barros. Brasília, 30 jun. 2008. Diário da Justiça eletrônico de 11 set. 2008).

Caso nº 6 “A liquidação e a execução individual de sentença genérica

proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário,

porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos,

mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para

tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos

em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC)” [ementa com omissis] (BRASIL.

Superior Tribunal de Justiça. Corte Especial. Recurso especial em regime de recursos

repetitivos nº 1.243.887/PR. Recorrente: Banco Banestado S.A. Recorrido: Deonísio

Rovina. Relator: Ministro Luís Felipe Salomão. Brasília, 19 out. 2011. Diário da Justiça

eletrônico de 12 dez. 2011).

Caso nº 7 “No julgamento do recurso especial repetitivo (representativo de

controvérsia) n.º 1.243.887/PR, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, a Corte Especial do

Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a regra prevista no art. 16 da Lei n.º 7.347/85,

primeira parte, consignou ser indevido limitar, aprioristicamente, a eficácia de decisões

proferidas em ações civis públicas coletivas ao território da competência do órgão

judicante” [ementa com omissis] (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Corte

Especial. Embargos de divergência no recurso especial nº 1.134.957/SP. Embargante:

Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. Embargado: Caixa Econômica Federal e

Outros. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Brasília, 24 out. 2016. Diário da Justiça

eletrônico de 30 nov. 2016).

Page 220: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

220

Caso nº 8 “ENQUADRAMENTO SINDICAL. NORMA COLETIVA

APLICÁVEL. BASE TERRITORIAL. LOCAL DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS.

1 - Atendidos os requisitos do art. 896, § 1º-A da CLT. 2 - A aplicação das normas

coletivas rege-se pelos artigos 611 da CLT e 8º, II, da Constituição Federal, que

consagram o princípio da territorialidade. Nesse contexto, prevalecem os instrumentos

coletivos da base territorial onde o empregado prestou serviços (Porto Alegre).

Julgados” [ementa com omissis] (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 6ª Turma.

Recurso de revista nº 20324-88.2013.5.04.0011. Recorrente: WMS Supermercados do

Brasil Ltda. Recorrido: Marcos Alex Dias. Relatora: Ministra Kátia Magalhães Arruda.

Brasília, 26 out. 2016. Diário eletrônico da Justiça do Trabalho de 28 out. 2016).

 

 

 

 

 

 

 

   

Page 221: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

221

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

 

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio

Afonso da Silva. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

ALMEIDA, Alexandre Nunes; AZZONI, Carlos Roberto. Custo de vida

comparativo das regiões metropolitanas brasileiras: 1996-2014. Revista

Estudos Econômicos, São Paulo, v. 46, n. 1, p. 253-276, mar. 2016. ISSN 1980-

5357.

ALSTON et al. Accord sur l'equilibre travail & vie privee. Saint-Ouen: 14

dez. 2016. Disponível em <http://www.dialogue-social.fr/files_upload/

documentation/201703131618130.Alstom%20QVT%202017.pdf>. Acesso em

28 abr. 2017.

AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. Coimbra: Coimbra Editora, 2009.

BATIFFOL, Henri; LAGARDE, Paul. Droit international privé. 7ª ed. Paris:

Librairie générale de droit et de jurisprudence, 1981.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho.

2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BRASIL. Decreto nº 18.871, de 13 ago. 1929. Promulga a convenção de direito

internacional privado, de Havana. Diário Oficial da União, Poder Executivo,

Rio de Janeiro, 22 out. 1929. Seção 1, p. 21237.

______. Decreto nº 1.979, de 9 ago. 1996. Promulga a convenção interamericana

sobre normas gerais de direito internacional privado, concluída em Montevidéu,

Uruguai, em 8 de maio de 1979. Diário Oficial da União, Poder Executivo,

Brasília, DF, 12 ago. 1996. Seção 1, p. 15177.

CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado.

Coimbra: Almedina, 2009.

Page 222: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

222

CASTRO, Amílcar de. Direito internacional privado. 4ª ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1987.

CEE. Comunidade Econômica Europeia. Convenção sobre a Lei Aplicável às

Obrigações Contratuais (80/934/CEE). Roma, 19. jun. 1980. Jornal Oficial das

Comunidades Europeias, n. L-266/1, ed. especial portuguesa, cap. 1, fasc. 3,

p. 36-54. Roma, 9 out. 1980.

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: o princípio da proximidade e

o futuro da humanidade. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro,

235, jan./mar. 2004, p. 139-146.

______. Direito internacional privado (parte especial): direito civil

internacional. Rio de Janeiro: Renovar, v. II. Contratos e obrigações no direito

internacional privado, 2007.

______. Direito internacional privado: parte geral. 11ª ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2014.

FLEINER-GERSTER, Thomas. Teoria geral do estado. São Paulo: Martins

Fontes, 2006.

HCCH. Hague Conference on Private International Law. Convention on the

law applicable to agency (concluded on 14 mar. 1978). Haia, 1978. Disponível

em <https://assets.hcch.net/docs/68b15c35-5a56-4f67-9eca-

c4aa8a792aa0.pdf>. Acesso em 5 nov. 2016.

______. Convention on the law applicable to trusts and on their recognition

(concluded on 1st jul. 1985). Haia, 1985. Disponível em

<https://assets.hcch.net/docs/8618ed48-e52f-4d5c-93c1-56d58a610cf5.pdf>.

Acesso em 5 nov. 2016.

______. Convention on the law applicable to contracts for the international

sale of goods (concluded on 22 dec. 1986). Haia, 1986. Disponível em

<https://assets.hcch.net/docs/b4698bc5-9d42-4352-934f-5232a8dcb12c.pdf>.

Acesso em 5 nov. 2016.

Page 223: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

223

______. Principles on choice of law in international commercial contracts

(approved on 19 mar. 2015). Haia, 2015. Disponível em

<https://assets.hcch.net/upload/conventions/txt40en.pdf>. Acesso em 5 nov.

2016.

HUSEK, Carlos Roberto. Curso básico de direito internacional público e

privado do trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2015.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário estatístico do

Brasil - 1941/1945. Rio de Janeiro: IBGE, 1946.

______. Arranjos populacionais e concentrações urbanas do Brasil. 2ª ed.

Rio de Janeiro: IBGE, 2016.

______. Estatísticas do século XX. Rio de Janeiro, 2006. Disponível em

<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv37312.pdf>. Acesso em 7

fev. 2017.

______. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Metodologia das Estatísticas de

Empresas, Cadastros e Classificações, Cadastro Central de Empresas 2014.

Disponível em <https://sidra.ibge.gov.br/tabela/995>. Acesso em 13 fev. 2017.

IDI - Institut de Droit International. 7ª Comissão (31 ago. 1991). L'autonomie

de la volonté des parties dans les contrats internationaux entre personnes

privées. Basiléia (Suíça), 1991. Disponível em

<http://www.justitiaetpace.org/idiE/resolutionsE/1991_bal_02_en.pdf>. Acesso

em 5 nov. 2016.

INDONÉSIA, Law nº 13/2003 concerning Manpower. ILO Natlex Database.

Unofficial ILO translation, 84 p. ISN: IDN-2003-L-64764. In <

http://www.ilo.org/dyn/natlex/docs/SERIAL/64764/56412/F811830039/IDN64

764%20New.pdf> Acesso em 5 abr. 2017.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 2015.

KELSEN, Hans. Teria geral do direito e do estado. 5ª ed. São Paulo: Martins

Fontes, 2016.

Page 224: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

224

LAURINDO, Salvador Franco de Lima. Destacamento de trabalhadores:

dumping social e os desafios à afirmação do espaço social europeu. São Paulo:

LTr, 2013.

MTE - Ministério do Trabalho e Emprego (Brasil). Cadastro nacional de

entidades sindicais. Disponível em

<http://www3.mte.gov.br/sistemas/cnes/relatorios/painel/GraficoTipo.asp#>.

Acesso em 14 fev. 2017.

______. Secretaria de Relações do Trabalho. Sistema de negociações coletivas

de trabalho (Mediador). Disponível em

<http://www3.mte.gov.br/sistemas/mediador/ConsultarInstColetivo>. Acesso

em 14 fev. 2017.

OEA. Organização dos Estados Americanos. Convenção interamericana sobre

direito aplicável aos contratos internacionais (aprovada em 17 mar. 1994).

Cidade do México, 1994. Disponível em

<http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/b-56.htm>. Acesso em 20 abr.

2017.

POPPER, Karl Raimund. A lógica da pesquisa científica. 2ª ed. São Paulo:

Cultrix, 2013.

PORTUGAL. Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Acordo coletivo entre a MEO - Serviços de Comunicações e Multimédia SA e

outras e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Telecomunicações e

Audiovisual - SINTTAV e outros - Revisão global. Boletim do Trabalho e

Emprego, nº 41, v. 83, 8/11/2016, p. 3244-3278. Disponível em

<http://bte.gep.msess.gov.pt/completos/2016/bte41_2016.pdf>. Acesso 28 abr.

2017.

RICHMAN, William M.; REYNOLDS, William. L. Understanding Conflict

of Laws. 3rd ed. Newark: LexisNexis, 2002.

SANTOS, Ronaldo Lima dos. Teoria das normas coletivas. 3ª ed. São Paulo:

LTr, 2014.

Page 225: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

225

SÃO PAULO (Cidade). Secretaria Municipal de Finanças. Cadastro de

empresas de fora do município. Disponível em

<https://www3.prefeitura.sp.gov.br/cpom2/Consulta_Tomador.aspx>. Acesso

em 13 fev. 2017.

SAVIGNY, Friedrich Carl von. Private international law: a treatise on the

conflict of laws, and the limits of their operation in respect of place and time.

Edimburgo: T. & T. Clark, 1896.

SILVA, Luís Gonçalves da. Notas sobre a eficácia normativa das convenções

colectivas. Coimbra: Almedina, 2002.

SINDUSCON-RO, Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado de

Rondônia; STICCERO, Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção

Civil do Estado de Rondônia. Convenção Coletiva de Trabalho 2016/2017.

Vigência: 1º mai. 2016 a 30 abr. 2017. Registro MTE n. RO000063/2016, de 10

mai. 2016. Rondônia: 5 mai. 2016.

SINDUSCON-SP, Sindicato da Indústria da Construção Civil de Grandes

Estruturas no Estado de São Paulo; SINTRACON-SP, Sindicato dos

Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo. Convenção

Coletiva de Trabalho 2016/2017. Vigência: 1º mai. 2016 a 30 abr. 2017.

Registro MTE n. SP010357/2016, de 6 set. 2016. São Paulo: 25 mai. 2016.

STRENGER, Irineu. Autonomia da vontade em direito internacional

privado. São Paulo: RT, 1968.

______. Direito internacional privado. vol. I. Parte geral. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1986.

TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Freitas

Bastos, 1968.

TST – Tribunal Superior do Trabalho (Brasil). Estatísticas processuais de

primeiro grau (classificação por assuntos). Disponível em:

<http://www.tst.jus.br/documents/10157/2ac40bb8-c47c-4471-8823-

6f22759caa8c>. Acesso em 14 fev. 2017.

Page 226: Claudimir Supioni Junior - PUC-SP

226

UE. Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia. Diretiva nº 97/71/CE.

Estrasburgo, 16 dez. 1996. Jornal Oficial das Comunidades Europeias,

Estrasburgo, 21 jan. 1997. n. L-18, ed. portuguesa, p. 1-6, 21 jan. 1997.

______. Regulamento (CE) nº 593/2008. Estrasburgo, 17 jun. 2008. Jornal

Oficial das Comunidades Europeias, n. L-177, ed. portuguesa, p. 6-16, 4 jul.

2008. Estrasburgo, 17 jun. 2008.

UNIDROIT. International Institute for the Unification of Private Law.

Principles of international commercial contracts. Roma, 1994. Disponível em

<http://www.unidroit.org/instruments/commercial-contracts/unidroit-

principles-1994>. Acesso em 20 abr. 2017.

VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado: em base histórica e

comparativa, positiva e doutrinária, especialmente dos Estados americanos. 3ª.

ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v. I, 1971.

______. Direito internacional privado: em base histórica e comparativa,

positiva e doutrinária, especialmente dos Estados americanos. Rio de Janeiro:

Freitas Bastos, v. III, 1978.