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    Elementos da Teoria dos Conjuntos

    Rogério Augusto dos Santos Fajardo

    24 de Novembro de 2013

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    Conteúdo

    1 Aprendendo a contar 5

    2 O paradoxo de Russell 13

    3 A linguagem da teoria dos conjuntos 173.1 O alfabeto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183.2 Fórmulas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

    3.3 Unicidade de representação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193.4 Omissão de parênteses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203.5 Variáveis livres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203.6 Abreviaturas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213.7 Sistema de axiomas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233.8 Notas sobre śımbolos relacionais e funcionais . . . . . . . . . . . . . . 253.9 Notas sobre a semântica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

    4 Axioma da extensão 31

    5 Axiomas do vazio, par e união 37

    6 Axiomas das partes e da separação 43

    7 Axioma da infinidade 47

    8 Relações e funções 538.1 Pares ordenados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 538.2 Produto cartesiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 548.3   n-uplas ordenadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 548.4 Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

    9 Aritmética dos números naturais 599.1 Aritmética dos números naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

    10 Axioma da regularidade 63

    11 Construção dos conjuntos numéricos 6511.1 Relação de equivalência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6511.2 Construção do conjunto dos números inteiros . . . . . . . . . . . . . . 66

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    4   CONTE ´ UDO 

    11.3 Construção do conjunto dos números racionais . . . . . . . . . . . . . 6811.4 Construção do conjunto dos números reais . . . . . . . . . . . . . . . 69

    12 Axioma da substituição 71

    13 Relações de ordem 77

    14 Axioma da escolha 8315 Conjuntos equipotentes 93

    16 Comparação entre conjuntos 99

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    Caṕıtulo 1

    Aprendendo a contar

    A matemática é formada por conceitos abstratos que, muitas vezes, nossa intuição as-simila com certa facilidade, mas encontramos dificuldade em formalizá-los. A maioriadas pessoas já está familiarizada com os conceitos de conjuntos, funções e relações,mesmo sem fazer qualquer ideia sobre como explicar esses conceitos, ou sequer com-

    preender uma explicação sobre eles. Esse abismo entre intuição e formalização seevidencia quando estudamos a história da matemática, e descobrimos que conceitoscom os quais a humanidade lida desde os primórdios só foram formalizados – e demaneira surpreendentemente simples – no século passado.

    Para ilustrar isso, imaginemos a seguinte situação cotidiana. George é um me-nino que está comemorando seu aniversário com os amiguinhos. Após cantarem osparabéns, sua mãe lhe pede para ajudar a cortar o bolo e distribuir para os amigos.Para ninguém ficar sem bolo e não haver desperd́ıcio, George conta quantas pessoasestão presentes na festa – digamos que foram vinte – e separa vinte fatias de bolopara distribuir uma para cada pessoa presente.

    Vamos detalhar como é esse processo de contagem, que aparenta ser tão simples.Primeiro, George ergue a mão e aponta cada uma das pessoas que estão na festa(inclusive ele, se também quiser comer bolo). Cada vez que ele aponta alguém, elefala, em voz alta um número, começando do número 1 e segue, na sequência, até onúmero 20. O mesmo processo ele usa para contar as fatias de bolo.

    Quando George conta as pessoas, ele está, na realidade, estabelecendo uma funçãoque associa a cada número natural – no caso, até 20 – uma pessoa na festa. Além dese preocupar em pronunciar os números na sequência correta, ele toma o cuidado denão contar duas vezes a mesma pessoa (isto é, a função tem que ser injetora ) e de nãodeixar ninguém de fora da contagem (isto é, a função também precisa ser sobrejetora ).

    Ou seja, George sabe, intuitivamente, o que significa uma função   bijetora . Mais doque isso, quando ele conta o número de pessoas e o número de pedaços de bolo –chegando no mesmo valor – ele sabe que poderá distribuir um pedaço para cadaconvidado, sem faltar ninguém (desde que cada um só coma um pedaço). Portanto,ele sabe que a composição de funções bijetoras é bijetora.

    Por trás desse conceito de função, George possui uma ideia intuitiva do que sig-nifica conjunto: o conjunto das pessoas que estão na festa, o conjunto dos pedaços debolo, o conjunto dos presentes que ele ganhou, e assim por diante. Desde o momento

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    6   CAP ́  ITULO 1. APRENDENDO A CONTAR 

    que ele aprende a contar, ele consegue abstrair a ideia de  conjuntos equipotentes , ouseja, conjuntos com a mesma quantidade de elementos.

    Conjunto é um conceito abstrato, e desse conceito podemos derivar todos os ou-tros da matemática. Por exemplo, os números naturais – uma das primeiras ideiasabstratas construı́das pela matemática – surgem na tentativa de comparar o tama-nho de conjuntos formados por objetos concretos (no caso de George, o conjunto depessoas na festas e o conjunto de pedaços de bolo cortados). Segundo alguns his-

    toriadores da matemática, a palavra  c´ alculo  – vinda do latim  calculus , que significapedra  – surgiu do hábito dos pastores, na antiguidade (antes da humanidade criar –ou descobrir – os números naturais) de utilizar pedras para verificarem se não perde-ram alguma ovelha, associando cada ovelha a uma pedrinha. Com o surgimento dosnúmeros naturais, passamos a utilizar eles próprios para a contagem de tamanhos deconjuntos, em vez de um saquinho de pedrinhas.

    Dessa forma, os conjuntos, que, inicialmente, eram abstratos mas possuı́am, comoelementos, objetos concretos, podem ser formados por objetos abstratos, como osnúmeros naturais. Mas dessa ideia de   conjuntos de objetos abstratos  surge um novoconceito que contraria a nossa intuição e tem assombrado a mente dos melhores

    matemáticos: o  infinito. Quando nos limitamos a investigar conjuntos formados porobjetos concretos, nunca nos deparamos com a infinitude. Mesmo o conjunto detodas as estrelas no céu, ou mesmo de todos os átomos do universo, não importa oquão imenso seja esse conjunto, ele possui uma quantidade limitada de elementos.Mas os números naturais – sendo esses objetos abstratos, criados pela mente humana(segundo algumas correntes filosóficas da matemática) – são ilimitados. Isso porque,se existisse o maior número natural posśıvel, somarı́amos 1 a esse e obteŕıamos umnúmero maior do que esse que seria o máximo.

    O processo de contagem para conjuntos finitos, com a qual estamos acostumadose que explicamos no exemplo do menino George, segue alguns prinćıpios que perce-

    bemos intuitivamente. Primeiro: não importa a ordem que seguimos na contagem deum conjunto, encontraremos sempre o mesmo número na quantidade de seus elemen-tos, contanto que tonhamos o cuidado de não contarmos duas vezes o mesmo elementoe de não esquecermos de nenhum. Segundo: se tirarmos qualquer elemento de umconjunto, obteremos, na nova contagem, um número menor de elementos (conformediz um axioma de Euclides, de que  a parte é menor que o todo).

    Porém, quando alguns matemáticos quiseram comparar tamanho de conjuntosinfinitos, começaram a ver que essas “regras”, que valem para conjuntos finitos,deixam de valer. Galileu Galilei (1564–1642) foi um dos primeiros, que se tem not́ıcia,a usar esse conceito de funções bijetoras para comparar conjuntos infinitos. Ele

    considerou a função que associa, a cada número natural, o seu dobro, conforme odiagrama seguinte:

    0   ←→   01   ←→   22   ←→   43   ←→   6

    . . .

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    Com isso, Galilei mostrou que o conjunto dos números naturais “tem o mesmo ta-manho” que o conjunto dos números pares, mesmo havendo muitos números naturaisque não são pares.

    O hotel de Hilbert   O matemático alemão David Hilbert (1862–1943) deu umexemplo parecido. Se chegamos em um hotel e todos os quartos estão ocupados,então sabemos que não há vaga nesse hotel, a menos que uma famı́lia saia. Agoraimaginemos um hotel com infinitos quartos – um para cada número natural – sendoque todos estão ocupados. Chega uma nova famı́lia querendo se hospedar e o dononão quer despejar nenhum hóspede, mas também não quer recusar quarto para osrecém-chegados. Como há infinitos quartos – mesmo que todos ocupados – é fácilresolver o problema. Basta passar cada hóspede para o quarto ao lado. Assim, quemestá hospedado no quarto 0 vai para o quarto 1, e do quarto 1 para o 2, e assim pordiante, sobrando o quarto 0 para os novos hóspedes.

    O problema do dono do hotel parece se complicar quando chega um ônibus comuma infinidade de hóspedes, um hóspede para cada número natural. Mas a soluçãoainda é simples: ele passa cada hóspede de um quarto para outro cujo número é o

    dobro do primeiro. Sobra, assim, todos os números ı́mpares para colocar os novoshóspedes.

    E se chegarem infinitos ônibus – cada ônibus marcado por um número naturaldiferente – com infinitos passageiros cada um – cada passageiro também marcadopor um número – poderá ainda o dono do hotel hospedar todo mundo? Sim. Epoderá fazê-lo de forma que não fique nenhum quarto vazio. Basta colocar o  n-́esimopassageiro do   m-́esimo ônibus no quarto 2n · (m + 1) (para simplificar, desta vezassumimos que o hotel está vazio – fica como exerćıcio verificar o que se faria se ohotel estivesse lotado).

    O paraı́so de Cantor   Aparentemente o paradoxo criado por Galilei não causoutanto impacto na matemática e na filosofia, nem foi devidamente explorado durantealguns séculos. Foi só no século XIX que o assunto foi trazido novamente à tona pelomatemático alemão Georg Cantor (1845–1918). Dessa vez, o impacto transformoutotalmente o rumo da matemática moderna e deu ińıcio à teoria dos conjuntos, queserá estudada neste curso.

    Cantor não só criou um paradoxo ou uma discussão filosófica através dessa ideiade comparar tamanho de conjuntos infinitos: ele de fato resolveu um problema ma-temático usando esse conceito. Enquanto outros matemáticos tiveram uma grandedificuldade para provar que números como  π  e  e  são transcendentes (isto é, não são

    raı́zes de equações polinomiais de coeficientes inteiros), Cantor provou, de maneira re-lativamente simples, que existem muitos números transcendentes, mesmo sem exibirum sequer. Vamos aqui tratar brevemente dessa demonstração.

    O conjunto dos números algébricos (os não transcendentes) aparentemente émuito maior que os números naturais. Para começar, esse engloba todos os raci-onais, uma vez que a fração   a

    b  é raiz da equação  bx − a, e quase todos os números

    reais que conhecemos. Os transcendentes parecem ser estranhas exceções dentro doconjunto dos números reais. Se os irracionais já parecem aberrações, mais ainda

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    8   CAP ́  ITULO 1. APRENDENDO A CONTAR 

    os números transcendentes. Pois Cantor provou justamente o contrário: há muitomais números transcendentes do que algébricos. De fato,   o conjunto dos n´ umeros algébricos tem o mesmo tamanho que o conjunto dos n´ umeros naturais .

    Estabelecer uma bijeção entre os números naturais e os algébricos não é dif́ıcil.Primeiro, precisamos estabelecer uma bijeção entre os números naturais e os po-

    linômios de coeficientes inteiros, ou seja, colocarmo-los numa sequência, como umafila infinita.

    O ińıcio da sequência deve ser constituı́da pelos polinômios de grau 1 e cujoscoeficientes têm módulo menor ou igual a 1. Está claro que existe apenas umaquantidade finita desses polinômios. Podemos dispô-los em ordem lexicográfica, comoa usada em dicionários, conforme descrevemos abaixo.

    −x − 1−x

    −x + 1x − 1xx + 1

    Continuamos a sequência escrevendo os polinômios de grau menor ou igual a 2,cujos coeficientes têm módulo menor ou igual a 2, e que não estão na lista anterior.Usamos a mesma ordem lexicográfica dos coeficientes, começando com os polinômiosde grau menor (ou maior, como queiram). Prosseguimos esse processo para 3, 4 eassim por diante, e isso irá contemplar todos os polinômios de coeficientes inteiros,conforme ilustra o seguinte diagrama:

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    0   ←→ −x − 11   ←→ −x2   ←→ −x + 13   ←→   x − 14   ←→   x5   ←→   x + 16   ←→ −2x − 27   ←→ −2x − 18   ←→ −2x9   ←→ −2x + 1

    10   ←→ −2x + 211   ←→ −x − 212   ←→ −x + 213   ←→   x − 214   ←→   x + 215   ←→   2x − 216   ←→   2x − 117   ←→   2x18   ←→   2x + 119   ←→   2x + 220   ←→ −2x2 − 2x − 2

    . . .

    Agora, para “colocarmos em fila” os números algébricos basta substituirmos cadapolinômio pelas suas ráızes (em ordem crescente), suprimindo os que já foram listados.Fazendo assim obtemos:

    0  ←→ −

    1 (raiz do polinômio −

    x−

    1)1   ←→   0 (raiz do polinômio −x)2   ←→   1 (raiz do polinômio −x + 1)3   ←→ −2 (raiz do polinômio −x − 2)4   ←→   2 (raiz do polinômio −x + 2)5   ←→ −1

    2  (raiz do polinômio −2x − 1)

    6   ←→   12

      (raiz do polinômio −2x + 1)7   ←→   1−

    √ 3

    2  (primeira raiz de −2x2 − 2x + 1)

    8   ←→   1+√ 3

    2  (segunda raiz de −2x2 − 2x + 1)

    . . .

    Com isso Cantor mostrou que o conjunto dos números algébricos “tem o mesmotamanho” que o dos números naturais. Isso significa dizer que o conjunto dos númerosalǵebricos é enumer´ avel , ou seja, podemos enumerar todos seus elementos numa listainfinita, indexada com os números naturais.

    É fácil intuir   1 que um subconjunto infinito de um conjunto enumerável é enu-merável. Assim, os conjuntos dos números inteiros, racionais e algébricos são todosenumeráveis.

    1A demonstração rigorosa desse fato é mais trabalhosa, como veremos posteriormente.

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    10   CAP ́  ITULO 1. APRENDENDO A CONTAR 

    A essa altura começamos a imaginar que todos os conjuntos são enumeráveis.Talvez por isso o aparente paradoxo de Galilei não tenha impactado tanto os ma-temáticos. Infinito é infinito e parece natural que todos os conjuntos infinitos te-nham o mesmo tamanho. Parece que, se nos esforçarmos bem, como fizemos com osnúmeros algébricos, conseguimos colocar qualquer conjunto infinito numa sequênciabem comportada. Poŕem, Cantor surpreende a todos ao provar que o conjunto dosnúmeros reais  n˜ ao   é enumeŕavel.

    Vejamos a prova de Cantor da não-enumerabilidade dos números reais. Seja f uma função de  N  em  R. Mostraremos que  f   não pode ser sobrejetora.

    Para cada   n   natural, consideremos   an   a parte inteira de   f (n) e (anm)m∈N   asequência dos algarismos após a v́ırgula na representação decimal   2 de  f (n).

    f (0) = a0, a00, a01, a02, a03 . . .f (1) = a1, a10, a11, a12, a13 . . .f (2) = a2, a20, a21, a22, a23 . . .f (3) = a3, a30, a31, a32, a33 . . .

    . . .

    Agora mostremos que existe um real  r  que não pertence a essa lista. Definimosr   da seguinte forma: a parte inteira pode ser qualquer número (0, por exemplo) ea   n-ésima casa decimal de   r   será 1 se  ann   for 0 e será 0 caso contrário. Portanto,para todo n  teremos que a n-ésima casa de  f (n) difere da n-ésima casa de  r, de ondeconcluı́mos que  r  não está na imagem de  f .

    Ou seja, escolhemos um número real que “evita” a diagonal da matriz infinitaformada pelas casas decimais de cada número real da sequência. Essa prova ficouconhecida como  argumento diagonal de Cantor   3.

    Com isso Cantor mostrou que o conjunto dos números reais é  n˜ ao-enumer´ avel ,isto é, realmente a quantidade de números reais é maior que dos números naturais.

    Ora, se o conjunto dos números algébricos é enumerável, e o conjunto dos númerosreais é não-enumerável, conclúımos que existem infinitos números reais que não sãoalgébricos.

    Concluı́mos também que há uma bijeção entre os números reais e os transcen-dentes. De fato, considere em  R  uma sequência (xn)n∈N  de números transcendentesdistintos (por exemplo, xn  pode ser π + n) e (an)n∈N a sequência de todos os númerosalgébricos (lembre-se que os algébricos são enumeráveis). Podemos definir uma funçãobijetora do conjunto dos números reais nos transcentendes da seguinte forma: cadaan   é mapeado para  x2n, cada   xn   é mapeado para   x2n+2, e os demais números sãomapeados para eles mesmos.

    A demonstração de Cantor causou uma das maiores controvérsias da história damatemática. Para alguns, essa prova desvirtua o propósito da matemática e perderelação com o mundo real. Uma corrente filosófica da matemática – os   construti-vistas   – não aceitou o argumento de Cantor pois ele prova a exist̂encia de diversos

    2Aqui assumimos que  a representação decimal é aquela que nunca utiliza uma dı́zima de perı́odo9. Ou seja, a representação decimal de 1 que consideraremos é 1, 000 . . ., e não 0, 999 . . ..

    3Um argumento semelhante foi usado por Gödel em uma parte crucial da demonstração doTeorema da Incompletude.

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    números transcendentes sem ser capaz de exibir (a partir da prova) sequer um númerotranscendente.

    Para outros matemáticos, no entanto, a prova de Cantor foi uma inovação nopensamento abstrato e um grande passo para a Rainha das Ciências. O matemáticofrancês Henry Poincaré (1854–1912) chegou a dizer que “o cantorismo é uma doença da qual a matem´ atica precisa se curar ́ ´, enquanto, por outro lado, David Hilbertreagia às cŕıticas a Cantor dizendo que “ninguém nos tirar´ a do paráıso criado por 

    Cantor ́ ´.

    Exerćıcios

    1.   Mostre uma bijeção entre o conjunto dos números inteiros e os naturais.

    2.   Prove que qualquer subconjunto infinito dos números naturais é enumerável.

    3.   Na bijeção que constrúımos entre os números naturais e os polinômios, encontre

    o polinômio associado ao número 30.

    4.   Na bijeção que constrúımos entre os números naturais e os números algébricos,encontre o número natural associado ao número

    √ 2

    5.   Suponha que, em um conjunto infinito, existe uma forma de representar cada ele-mento do conjunto como uma sequência finita de sı́mbolos, dentre um conjunto finitode śımbolos. Mostre que esse conjunto é enumerável e use esse resultado diretamentepara mostrar que os conjuntos dos números racionais e dos números algébricos sãoenumeráveis.

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    Caṕıtulo 2

    O paradoxo de Russell

    O que é conjunto? Todos têm uma noção intuitiva do que é um conjunto, mas, comosempre ocorre na matemática (e ocorreu com o próprio Euclides, quando tentoudefinir o que era ponto e reta), qualquer tentativa de definição seria circular ouinsatisfatória. Portanto, como costuma ocorrer na matemática moderna, em vez de

    tentarmos explicar  o que s˜ ao  os conjuntos, nos limitaremos a descrever  como s˜ ao  osconjuntos, enunciando os axiomas que os regem, e discutindo o conceito intuitivo quetais axiomas procuram formalizar.

    Inicialmente, o conceito de conjuntos estava diretamente ligado ao das fórmulasda linguagem de primeira ordem com uma variável livre. Por exemplo, a fórmula∃y(x   = 2 · y) tem   x   como variável livre (veremos isso no próximo capı́tulo) e, sepensarmos no universo dos números naturais, representa o conjunto dos númerospares. Um conjunto, então, é determinado por uma propriedade.

    Gottlob Frege (1848–1925) tentou levar essa ideia adiante, propondo uma forma-lização da matemática em que lógica e conjuntos eram praticamente indissociáveis.

    Porém, Bertrand Russell (1872–1970) encontrou uma inconsistência nessa forma-lização, através do seu famoso paradoxo   1.

    Se qualquer propriedade determina um conjunto, então podemos definir um con- junto X   como  o conjunto de todos os conjuntos que n˜ ao pertencem a si mesmos   2

    Se permitirmos livremente a construção de conjuntos através de uma expressãoque descreve todos seus elementos, e ainda utilizarmos a linguagem natural, cheiade auto-referências, podemos definir o  conjunto de todos os objetos que podem ser descritos com menos de vinte palavras.  Certamente esse conjunto, se assim existisse,pertenceria a ele próprio. Ou, um exemplo mais simples, se existir o conjunto de todos os conjuntos , ele pertence a si próprio.

    Surge a pergunta:   X  pertence a si mesmo? Se sim, então, pela sua definição, ele

    1Esse paradoxo possui uma variança popular conhecido como   paradoxo do barbeiro, que diziaque havia numa cidade um barbeiro que cortava o cabelo de todas as pessoas que n ão cortavam seupróprio cabelo, e apemas dessas.

    2Podemos nos perguntar se é posśıvel um conjunto pertencer a si próprio. Nota-se que há umadiferença entre  pertencer   a si próprio e   estar contido   em si próprio. Essa confus̃ao entre as duasrelações é muito comum, devido a uma falha clássica do ensino de matemática no ńıvel básico, queserá discutida melhor durante a disciplina. Um conjunto sempre está contido nele próprio, maspoderá pertencer a si próprio?

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    14   CAP ́  ITULO 2. O PARADOXO DE RUSSELL

    não pode pertencer. Se não pertence a si mesmo, novamente usando sua definição,conclúımos que ele pertence. Chegamos numa inevitável contradição, que só se resolvenão permitindo a existência de tal conjunto.

    Isso derruba a proposta de Frege de unificar conjuntos e lógica, relacionandoum conjunto com uma sentença que descreve seus elementos. Para contornar esseproblema surgiram várias alternativas. O próprio Bertrand Russell criou uma for-malização da aritmética usando teoria dos tipos. Nela, os objetos são classificados

    hierarquicamente. Os objetos de primeiro tipo são os números naturais. Os objetosde segundo tipo são os conjuntos de números naturais. Os de terceiro tipo são osconjuntos de conjuntos de números naturais, e assim por diante. Nessa formalização,a pertinência só poderia ser usada entre um objeto de um determinado tipo e outrodo tipo subsequente. Por exemplo, entre números e conjuntos de números.

    Ernest Zermelo (1871–1953) e Abraham Fraenkel (1891–1965) propuseram umaoutra formalização mais eficaz e mais simples. Diferente da proposta de Russell, nosistema de Zermelo e Fraenkel – conhecido como ZFC, quando consideramos o axiomada escolha (do inglês choice , ou como ZF, quando não consideramos tal axioma – tudoé conjunto, e podemos agrupar vários objetos matemáticos em um mesmo conjunto.

    Como tudo é conjunto, em particular, os próprios números naturais são conjuntos, eos elementos de conjuntos  sempre s˜ ao   conjuntos. Não há a distinção absoluta entre“elementos” e “conjuntos”, como erroneamente nos ensinaram alguns professores deensino médio, nem tampouco há uma hierarquia entre “tipos” de conjuntos, comoformalizou Bertrand Russell.

    Para resolver o problema do paradoxo de Russell, a solução foi a seguinte: pode-mos definir um conjunto através de uma propriedade, como queria Frege,  desde que essa propriedade seja estabelecidada a partir de um conjunto previamente fixado . Porexemplo, não podemos definir o conjunto de todos os conjuntos finitos , pois não estáclaro qual é o universo que estamos considerando, mas podemos definir o   conjunto

    dos n´ umeros reais que s˜ ao maiores que 2 . Ou seja, dentro de um conjunto previa-mente fixado,  separamos  aqueles que têm a propriedade desejada. Esse é o  axioma da separa瘠ao, que iremos falar, com mais detalhes, em algumas aulas.

    Essa restrição criada pelo axioma da separação em relação à proposta inicialde Frege cria uma dificuldade na axiomatização: o axioma da separação não nospermite criar um conjunto “do nada”, sendo necessários outros axiomas que garantema exist̂encia de certos conjuntos. Assim, enquanto na teoria intuitiva dos conjuntos– que mais se aproxima da concepção de Frege – basta definirmos um conjunto paragarantir sua existência, na teoria axiomática precisamos provar que ele existe, atravésdos axiomas.

    Podemos separar os axiomas de ZFC em três grupos. O primeiro deles é formadopelos axiomas que garantem a exist̂encia de um conjunto, em particular. São eles: oaxioma do vazio  e o axioma da infinidade . Como os nomes sugerem, eles garantem aexistência, respectivamente, do conjunto vazio e de um conjunto infinito.

    O segundo grupo de axiomas é formado por aqueles que nos permitem construiruns conjuntos a partir de outros. São eles o   axioma do par , o   axioma da uni˜ ao,o   axioma das partes , o   axioma da escolha , o   axioma da separa瘠ao   e o   axioma da substitui瘠ao. Na realidade, esses dois últimos não são, propriamente, axiomas, mas

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    esquemas de axiomas  (isto é, sequências infinitas de axiomas dadas por alguma regraespećıfica), pois, conforme vimos (e veremos com mais detalhes quando estudarmos alinguagem da teoria dos conjuntos), cada propriedade nos dará uma versão diferentedo axioma da separação. O axioma da substituição é uma generalização do axiomada separação.

    O terceiro grupo de axiomas de ZFC são aqueles que descrevem a natureza dosconjuntos. São eles: o  axioma da extens˜ ao   e o   axioma da regularidade . O primeiro

    serve para determinar quando dois conjuntos são iguais, e o segundo garante quetodos os conjuntos são constrúıdos sequencialmente a partir do vazio, evitando cir-cularidades como “um conjunto pertencer a ele próprio”.

    A versão atual do axioma da separação impede que o paradoxo de Russell gereuma contradição no sistema. Poŕem, o argumento de Russell mostra um teoremaimportante de ZFC: n˜ ao existe o conjunto de todos os conjuntos . De fato, se existisse,o axioma da separação garantiria a existência do  conjunto de todos os conjuntos que n˜ ao pertencem a si mesmos , gerando, novamente, o paradoxo. Retornaremos a esseassunto quando falarmos, formalmente, do axioma da separação.

    Na tentativa de resgatar a conceitologia de Frege – de definir coleções de objetos a

    partir de uma propriedade, sem impor alguma limitação no universo, como ocorre como axioma da separação – alguns matemáticos criaram outras teorias dos conjuntosonde é apresentado o conceito de  classe . Todos os conjuntos são classes, mas algumasclasses – chamadas de   classes pr´ oprias   – são “grandes demais para formarem umconjunto”. Por exemplo: classe de todos os conjuntos, classe de todas as funções, eassim por diante. As teorias que formalizam o conceito de classe dentro da teoriados conjuntos são NGB (Neumann-Gödel-Bernays) e KM (Kelley-Morse). Porém,dentro de ZFC podemos trabalhar com o conceito de classe identicando-a com umafórmula. Apesar dessas três teorias adotarem formalizações diferentes, os resultadossão essencialmente o mesmo.

    Como o axioma da separação depende de escrevermos uma propriedade, não po-demos axiomatizar a teoria dos conjuntos valendo-se apenas da imprecisa linguagemnatural. Faz-se necessário criarmos uma linguagem de  sintaxe controlada e livre de contexto  – como idealizou Frege – que não deixe dúvidas sobre quais frases possamser consideradas “propriedades”. Para isso, o próximo capı́tulo discorrerá sobre alinguagem da lógica de primeira ordem, que será usada na teoria dos conjuntos.

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    16   CAP ́  ITULO 2. O PARADOXO DE RUSSELL

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    Caṕıtulo 3

    A linguagem da teoria dosconjuntos

    Há um ćırculo vicioso entre lógica de primeira ordem e teoria dos conjuntos. A for-malização de uma depende da formalização da outra. Seja como for que lidemos

    com essa dicotomia, em algum momento precisamos apelar para a abordagem intui-tiva da outra. Ou seja, podemos desenvolver toda a teoria dos conjuntos de formaaxiomática mas utilizando a linguagem natural (tal como Halmos faz em seu livro,e também como é feito nas disciplinas de Análise Real e  Álgebra) para, posterior-mente, formalizarmo-la com a lógica de primeira ordem (que possui a vantagem deser muito próxima à argumentação que costumamos fazer na linguagem natural, paraprovarmos teoremas matemáticos). Ou podemos estudar lógica primeiro, utilizandonoções intuitivas de teoria dos conjuntos – tais quais aprendemos no Ensino Médio– para depois desenvolvermos a teoria dos conjuntos axiomaticamente. Seguiremosaqui uma terceira opção: apresentar apenas uma parte da lógica de primeira ordem(a sintaxe) – que requer apenas uma parcela mı́nima de noções intuitivas de conjuntose aritmética – para depois formalizar a teoria dos conjuntos com o rigor da lógica.

    Podemos separar a lógica de primeira ordem em três aspectos: a linguagem,o sistema de axiomas e a semântica. Os dois primeiros constituem a   sintaxe   dalógica de primeira ordem, que trata da manipulação dos śımbolos através de regrasbem definidas, livre de contexto e de significado. A  semˆ antica   trata justamente dosignificado das expressões lógicas.   É justamente na semântica que o uso de teoriados conjuntos é mais evidente e, por essa razão, trataremos aqui apenas da partesintática, fazendo apenas alguns comentários a respeito da semântica.

    A lógica de primeira ordem pode se adaptar a vários contextos, apresentandośımbolos espećıficos de algum assunto que quisermos axiomatizar. Assim, para axi-

    omatizar a aritmética utilizamos alguns śımbolos espećıficos da aritmética, como +,×, 0 e 1. Na teoria dos conjuntos, o śımbolo espećıfico será o de pertinência (∈).Por isso, muitas vezes, em vez de dizermos  a   lógica de primeira ordem, dizemos  uma lógica de primeira ordem, ou  uma linguagem  de primeira ordem.

    Aqui trataremos especificamente da linguagem da teoria dos conjuntos. Nãodemonstraremos nenhum dos teoremas aqui enunciados   1. Como referência recomen-

    1Os teoremas a respeito da lógica de primeira ordem fazem parte do que chamamos de   meta-

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    18   CAP ́  ITULO 3. A LINGUAGEM DA TEORIA DOS CONJUNTOS 

    damos o livro  Set Theory and Logic , de Robert Stoll.

    3.1 O alfabeto

    Os sı́mbolos utilizados na linguagem da teoria dos conjuntos são os seguintes:

    Varíaveis:   representadas pelas letras minúsculas:   x , y , z , . . .. Eventualmente, sãoindexadas pelos números naturais:   x1, x2, x3, . . ..

    Conectivos: ¬  (negação – “não”), → (condicional – “se. . . então”), ∧ (conjunção –“e”), ∨ (disjunção – “ou”), ↔ (bicondicional – “se, e somente se”).

    Quantificadores: ∀  (quantificador universal – “para todo”), ∃   (quantificador exis-tencial – “existe”).

    Parênteses:   são os parênteses esquerdo e direito: ( e ).

    Śımbolo de igualdade:   =

    Predicado binário: ∈  (pertence).

    3.2 Fórmulas

    Fórmulas são sequências finitas de śımbolos do alfabeto que seguem as seguintesregras:

    1. Se  x e  y  são variáveis,  x ∈ y  e  x =  y  são fórmulas.

    2. Se  A  e  B   são fórmulas, ¬(A), (A) → (B), (A) ∧ (B), (A) ∨ (B) e (A) ↔ (B)são fórmulas;

    3. Se  A  é fórmula e  x  é uma variável, então ∀x(A) e ∃x(A) são fórmulas.4. Todas as fórmulas têm uma das formas descritas nos itens 1, 2 e 3.

    Por exemplo, pela regra 1, temos que  x ∈ y   é uma f́ormula. Pela regra 1,  x =  z também é uma f́ormula. A regra 2 nos garante que (x ∈   y) →   (x   =   z ) é umafórmula. Logo, a regra 3 nos garante que ∀x((x ∈  y) →   (x  =   z )) é uma fórmula.matem´ atica , isto é, a matemática utilizada para formalizar a matemática. A lógica de primeiraordem é a linguagem utilizada na matemática. Então nos perguntamos qual é a linguagem utilizadaquando formalizamos a lógica de primeira ordem. Obviamente, utilizamos a linguagem natural,mas podemos, posteriormente, formalizá-la utilizando a própria ordem de primeira ordem. A essalinguagem que utilizamos para descrever a lógica de primeira ordem chamamos de  metalinguagem .

    Em seu livro   Uma Breve História do Tempo, Stephen Hawking menciona uma história que servecomo uma curiosa alegoria para entendermos o que é metalinguagem e metamatemática: de acordocom algumas pessoas, a Terra era achatada e estava apoiada no casco de uma tartaruga gigante,sendo que essa tartaruga, por sua vez, estava apoiada no casco de uma outra tartaruga gigante, eassim sucessivamente.

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    3.3. UNICIDADE DE REPRESENTAÇ ˜ AO    19

    De fato, é uma expressão que “faz sentido” (ou seja, entendemos o que ela significa,independente de ser verdadeira ou não). Traduzindo para a linguagem natural, seriao seguinte: “para todo  x, se  x pertence a  y   então  x  é igual a  z ”. Ou, simplesmente,“z   é o único elemento de  y”.

    As fórmulas usadas no processo de construção de fórmulas mais complexas sãochamadas de  subf´ ormulas . Por exemplo, A  e  B   são subfórmulas de (A) → (B). Nocaso do nosso exemplo, as subfórmulas de

     ∀x((x

     ∈ y)

     → (x = z )) são  x

     ∈ y ,  x =  z ,

    (x ∈  y) →  (x  =  z ) e, para alguns efeitos práticos, consideramos a própria fórmula∀x((x ∈ y) → (x =  z )) como subfórmula dela mesma.

    As fórmulas que constam no item 1 são chamadas de  f´ ormulas atˆ omicas , porquenão podem ser divididas em subfórmulas menores.

    3.3 Unicidade de representação

    A regra 4 nos diz que as únicas fórmulas são aquelas que se enquadram numa dastrês anteriores. Ou seja, toda fórmula é da forma  x ∈  y,  x  =  y, ¬(A), (A) →  (B),(A) ∧ (B), (A) ∨ (B), (A) ↔   (B), ∀x(A) ou ∃x(A), onde   x   e   y   são variáveis e   Ae   B   são fórmulas. Uma questão important́ıssima para evitarmos ambiguidades nalimguagem é: toda fórmula pode ser escrita em  apenas uma   dessa maneira? Isto é,olhando para uma sequência de śımbolos que representa uma fórmula, existe apenasuma maneira de lermos essa sequência de śımbolos como uma dessas formas?

    A resposta é sim : se escrevemos uma fórmula de duas posśıveis maneiras, tanto ośımbolo quanto as variáveis e fórmulas envolvidas são as mesmas, nas duas maneiras.Não demonstraremos isso aqui. Apenas ressaltamos que esse é o papel dos parêntesesna fórmula. Por exemplo, se não houvesse parênteses, considere a fórmula x ∈ y →x =  z ∨z  ∈ x. Podemos cosiderá-la como da forma A → B , onde A é a fórmula x ∈ ye  B   é a fórmula  x  =  z  ∨ z  ∈  x, ou como da forma  A ∨ B, onde  A   é a fórmula  x ∈y → x  =  z  e  B   é a fórmula z  ∈ x. Assim, sem os parênteses não sabemos se se tratade uma disjunção ou de uma implicação, gerando uma ambiguidade que, inclusive,fará diferença na interpretação da fórmula. Porém, com a regra dos parênteses naformação das fórmulas, ou a escrevemos (x ∈   y) →   ((x   =   z ) ∨ (z  ∈   x)) – quenão há outra forma de descrevermo-la senão da forma (A) →  (B) – ou escrevemos((x ∈ y) → (x =  z ))∨(z  ∈ x) – que é uma fórmula exclusivamente da forma (A)∨(B).

    Há uma notação que dispensa o uso de parênteses e, mesmo assim, é livre deambiguidades. Chama-se  nota瘠ao pré-fixada , ou  nota瘠ao polonesa , que consiste emcolocar os śımbolos na frente das fórmulas e variáveis. Por exemplo, no lugar dex ∈

      y  escreverı́amos ∈

      xy, no lugar de   x   =   y   seria =   xy, em vez de (A) ∧

     (B)teŕıamos ∧AB. As fórmulas que acabamos de escrever ficariam →∈ xy∨ =  xz  ∈  zxou ∨ →∈ xy  = xz  ∈ zx. Essa notação é elegante e evidencia a questão da unicidade,pois basta observarmos o primeiro śımbolo para reconhecermos o formato da fórmula.Porém, como o leitor deve ter percebido, a leitura e compreensão das fórmulas escritasnessa notação não são nada intuitivas, e se tornam piores para fórmulas longas   2.

    2Quem já usou a calculadora financeira HP12C deve se lembrar que ela usa uma notação seme-lhante, só que pós-fixada, em vez de pré-fixada. Ou seja, nessa calculadora pressionamos primeiro

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    20   CAP ́  ITULO 3. A LINGUAGEM DA TEORIA DOS CONJUNTOS 

    3.4 Omissão de parênteses

    Como uma espécie de abuso de notação, às vezes omitimos alguns parênteses des-necessários para a correta compreensão da fórmula. Por exemplo, embora a formacorreta seja (x =  y)∧ (¬(x ∈ y)), podemos escrever simplesmente (x =  y)∧¬(x ∈ y),sem prejúızo da compreensão da fórmula. Outra situação é que evitamos o uso deparênteses é em torno de um quantificador, como no exemplo

    ∀x(x

     ∈ y)

     → ∃x(x

     ∈ y).

    Em sequência de conjunções ou de disjunções também omitimos os parênteses.Por exemplo, podemos escrever simplesmente (x =  y) ∨ (x ∈ y) ∨ (y ∈  x). Emboraessa notação seja amb́ıgua a respeito do formato – pois, apesar de sabermos queé uma fórmula do tipo (A) ∨ (B), não tem como sabermos se   A   é   x   =   y   e   B   é(x ∈ y) ∨ (y ∈ x), ou se  A  é (x =  y) ∨ (x ∈ y) e B   é  y ∈ x  – as duas posśıveis formassão logicamente equivalentes, ou seja, expressam o mesmo significado.

    3.5 Variáveis livres

    Cada lugar que surge uma variável dentro de uma subfórmula atômica de uma fórmula

    chamamos de  ocorrência  de tal variável. Por exemplo, a fórmula (x  =  y) ∨ (x ∈  z )apresenta duas ocorrências da variável  x, e uma de cada uma das variáveis   y   e   z .Na fórmula ∀x(x =  y), não consideramos o primeiro śımbolo  x  como uma ocorrênciada variável, pois não está numa subfórmula atômica. Ou seja, não consideramoscomo ocorrência de uma variável quando tal śımbolo está imediatamente após umquantificador.

    Dizemos que uma ocorrência de uma variável  y  numa fórmula  A  está  no escopode uma variável x  se a A  apresenta uma subfórmula da forma ∀x(B) ou ∃x(B), e essaocorrência de  y  está em B. Por exemplo, na fórmula (x ∈ y) ∧ ∃x(y  =  x), a segundaocorrência de  y  está no escopo da variável  x, mas a primeira, não.

    Dizemos que uma ocorrência de uma variável   x   numa fórmula  A   é livre   se talocorrência não está no escopo dela mesma. Chamamos de   vari´ aveis livres de uma  f´ ormula  A aquelas que apresentam pelo menos uma ocorrência em que é livre. Umasentença   é uma f́ormula que não apresenta variáveis livres.

    Por exemplo, a fórmula ¬(x ∈  y) (x  não pertence a  y) apresenta duas variáveislivres:   x  e  y. Não podemos, portanto, julgar tal fórmula como verdadeira ou falsa,pois não conhecemos quem é x  ou quem é y . As variáveis correspondem ao pronome,na linguagem cotidiana. Se falarmos   Ele foi à feira , a pergunta que naturalmentesurge é:  Ele quem?   Se falarmos  Jo˜ ao foi à feira , ou  alguém do prédio foi à feira , outodo mundo do prédio foi à feira , então a frase fica mais completa, e ganha o status

    de  sentença , que permite averiguar se a frase é verdadeira ou falsa.Digamos, então, que acrescentemos um quantificador no nosso exemplo. A fórmula∀x¬(x ∈ y) tem apenas uma variável livre: que é y. A variável x não ocorre livre, poissó ocorre no escopo dela própria. A fórmula significa “para todo  x,  x  não pertencea  y”, ou, colocada de outra forma, “y  não possui elementos”, ou, simplesmente “y   éum conjunto vazio”. Observamos que, para julgarmos a fórmula como verdadeira ou

    os números (separados pela tecla “enter”) e depois pressionamos a opera ção para obtermos os re-sultados.

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    3.6. ABREVIATURAS    21

    falsa, basta agora conhecermos quem é y . Em outras palavras, a fórmula em questãonos dita uma propriedade a respeito de  y, enquanto a fórmula ¬(x ∈  y) dita umapropriedade a respeito de  x e de  y.

    Se, porém, escrevemos ∃y∀x¬(x ∈ y), não há mais variáveis livres nessa fórmula.Essa é uma sentença , cujo significado não depende mais de interpretarmos as variáveis.Essa sentença diz que  existe um conjunto vazio, que veremos ser verdadeira. Se es-crevêssemos

     ∀y

    ∀x

    ¬(x

     ∈ y) teŕıamos um significado totalemnte diferente, que seria

    todo conjunto é vazio. Claramente essa é uma sentença falsa. Mas é uma sentença,pois os sı́mbolos estão dispostos numa ordem que faz sentido e não apresenta variáveislivres.

    Se  A   é uma f́ormula e x  e  y  são variáveis, denotamos por  Ayx  a fórmula obtida aosubstituirmos toda ocorrência livre da variável  x  pela variável  y. Por essa notação,A  é sentença se  Ayx   é igual a  A, para todas variáveis x e  y.

    Frequentemente denotamos por P (x) uma fórmula que tem x como (única) variávellivre, ou por P (x, y) uma fórmula que tem duas variáveis livres, x e y  (e analogamentepara outras quantidades de variáveis livres). Nesse caso,  P (y) denota  P (x)yx.

    O motivo de utilizarmos a letra  P  nessa notação é justamente pelo fato de  P (x)

    designar uma propriedade de  x. Veremos mais para frente como criar fórmulas pararepresentar propriedades como “x  é um conjunto infinito”, ou “x  é enumeŕavel”.

    3.6 Abreviaturas

    À medida que desenvolvemos assuntos mais complexos, as f órmulas vão se tornandodemasiadamente longas e ileǵıveis. Para resolver isso, introduzimos novos sı́mbolosque funcionam como abreviaturas para expressões maiores. O importante é que oprocesso de conversão da linguagem abreviada para a linguagem da lógica de primeira

    ordem seja perfeitamente claro.Comecemos a exemplificar isso com o śımbolo de inclusão. Dizemos que  x  est´ a 

    contido   em  y   se todo elemento de  x  pertence a  y. A fórmula para designar inclusãoé ∀z ((z  ∈  x) → (z  ∈  y)). Observe que essa fórmula tem duas variáveis livres,  x  e  y.Abreviamos essa fórmula como  x ⊂ y.

    Assim como o śımbolo de pertinência, a inclusão é um   predicado bin´ ario   (ouśımbolo relacional bin´ ario), pois relaciona uma propriedade entre dois objetos douniverso (no caso, o universo dos conjuntos). Podeŕıamos ter introduzido o śımbolode inclusão entre os sı́mbolos primitivos , como o de pertinência. Mas como a inclusãoé perfeitamente definı́vel a partir da pertinência e dos demais śımbolos lógicos, é

    tecnicamente mais fácil utilizarmos o śımbolo de inclusão apenas como abreviatura.Outras abreviaturas são um pouco mais sutis na transcri ção. Por exemplo, o

    conjunto vazio é denotado por ∅. A rigor, para utilizarmos a expressão  o   conjuntovazio e denotá-lo por um śımbolo, antes precisarı́amos mostrar que ele existe e é único.Aceitemos esse fato, por enquanto, antes de o provarmos num momento oportuno.

    Saber utilizar corretamente essa abreviatura requer um pouco mais de atenção.Primeiro notemos que, ao contrário da inclusão, o conjunto vazio não se refere a umarelação entre objetos, mas   a um objeto em particular , e, ao contrário das variáveis,

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    22   CAP ́  ITULO 3. A LINGUAGEM DA TEORIA DOS CONJUNTOS 

    se refere a  um objeto bem definido. Corresponde a um nome próprio na linguagemcotidiana. A esse tipo de sı́mbolo, na lógica, chamamos de  constante .

    Assim como as variáveis, as constantes são   termos , isto é, se referem a objetosdo universo. Podemos utilizá-las no lugar de uma variável em fórmulas atômicas.Por exemplo, ∅ ∈   x   é uma fórmula na linguagem abreviada. Para encontrarmoso correspondente na linguagem original, precisamos   explicar quem é  ∅. Para isso,tomamos uma variável que não está na fórmula (y, por exemplo) e escrevemos da

    seguinte forma:∀y((∀x¬(x ∈ y)) → y ∈ x)

    Um importante detalhe da fórmula acima é que a ocorrência não-livre da variávelx não mantém qualquer relação com a ocorrência livre que ocorre a seguir (se quise-rem, podem substituir  x  por  z , tanto na primeira ocorrência, em  x ∈ y  quanto apóso ∀). A fórmula significa, numa interpretação literal, “para todo  y, se  y  não possuielementos, então  y   é pertence a  x”, ou, “para todo  y, se  y   é vazio, então  y  pertencea  x”, ou, simplesmente, “o conjunto vazio pertence a  x”. Notem que essa fórmulaapresenta  x como a única variável livre.

    Descrevemos, a seguir, o processo formal dessa abreviatura:

    Seja   B   a sequência de śımbolos obtida ao substituirmos todas asocorrências livres de uma variável   x   numa fórmula   A   pelo śımbolo ∅.Então  B   designará a fórmula ∀x((∀y¬(y ∈ x)) → (A).

    Outro exemplo que citaremos aqui é da união de conjuntos. A expressão  x ∪ yrepresenta o conjunto formado pelos elementos que pertencem  x   ou a  y. Ou seja,∀z (z  ∈ x ∪ y ↔ ((z  ∈ x) ∨ (z  ∈ y)).

    Desta vez, essa abreviatura trata-se de um śımbolo funcional bin´ ario, pois associa

    a cada dois objetos do universo um terceiro. Outros exemplos de śımbolos funcionaisbinários são as operações + e ×  na aritmética. Eis o detalhamento do processo deabreviatura:

    Sejam  A uma fórmula e  x, y,z  variáveis distintas. Seja  B  a sequênciade śımbolos obtida ao substituirmos toda ocorrência livre de  z  em  A porx ∪ y. Então  B  designa a fórmula

    ∀z (∀w((w ∈ z ) ↔ ((w ∈ x) ∨ (w ∈ y))) → A)

    Para algumas finalidades – como no estudo da metamatemática ou na elaboraçãodo sistema de axiomas, como será feito na seção seguinte – convém reduzirmos osśımbolos primitivos ao mı́nimo posśıvel. A partir de agora, passaremos a considerarcomo śımbolo primitivo da linguagem apenas as variáveis, os parênteses, o śımbolode pertinência ∈, o sı́mbolo de igualdade =, o quantificador universal ∀, a negação ¬e a implicação →.

    Definiremos a partir desses śımbolos os demais anteriormente descritos:  ∨, ∧, ↔e ∃. Eis as regras:

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    3.7. SISTEMA DE AXIOMAS    23

    (A) ∨ (B) é abreviatura para (¬(A)) → (B);(A) ∧ (B) é abreviatura para ¬((¬(A)) ∨ (¬(B));(A) ↔ (B) é abreviatura para ((A) → (B)) ∧ ((B) → (A));∃x(A) é abreviatura para ¬(∀x(¬(A))).

    Fica como exerćıcio ao leitor entender, a partir da concepção intuitiva dessesśımbolos, o porquê dessas abreviaturas.

    3.7 Sistema de axiomas

    O sistema de axiomas da lógica de primeira ordem é composto de sete axiomas eduas regras de inferência. Na verdade, são cinco esquemas de axiomas , pois cada umrepresenta uma lista infinita de axiomas.

    Uma   demonstra瘠ao matem´ atica   é uma sequência de fórmulas onde cada uma oué um axioma ou é obtida das fórmulas anteriores através de uma regra de inferência.

    Um  teorema   é qualquer fórmula que conste em uma demonstração.Os axiomas apresentados aqui são os  axiomas l´ ogicos , que valem em qualquer

    teoria que utiliza a lógica de primeira ordem. Esses axiomas traduzem os argumen-tos comuns que utilizamos em demonstrações matemáticas. Nos outros caṕıtulosestudaremos os axiomas espećıficos da teoria dos conjuntos.

    Lembramos que é virtualmente imposśıvel demonstrar teoremas complicados uti-lizando estritamente o rigor lógico apresentado aqui. Na prática, utilizamos os argu-mentos usuais que estamos acostumados em cursos como Análise Real ou  Álgebra.Mas conhecer o processo formal de demonstração lógica nos dá uma base de sus-tentação, evitando as armadilhas da linguagem cotidiana. Isto é, devemos, em cada

    momento, tomar o cuidado de saber como formalizaŕıamos cada trecho de uma argu-mentação matemática, caso fosse necessário.

    Os três primeiros esquemas de axiomas são puramente proposicionais. Lembra-mos que utilizamos as abreviaturas apresentadas na seção anterior, para os conectivos∧, ∨, ↔ e o quantificador ∃.

    Se  A,  B,  C   são fórmulas, as seguintes fórmulas são axiomas:

    A1   (A) → ((B) → (A));A2   ((C ) → ((A) → (B)) → (((C ) → (A)) → ((C ) → (B)));

    A3   ((¬(A)) → (¬(B))) → ((B) → (A)).Os outros quatro esquemas de axiomas tratam da natureza dos quantificadores

    (ou melhor,  do quantificador , já que reduzimos o quantificador existencial a abrevia-tura). Nesses esquemas é preciso prestar atenção às regras quanto às variáveis livres(lembre-se da Seção 3.5)

    A4   (∀x((A) →  (B))) →  ((A) →  (∀x(B))), se  A   e  B   são fórmulas, e  x  não possuiocorrência livre em A;

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    24   CAP ́  ITULO 3. A LINGUAGEM DA TEORIA DOS CONJUNTOS 

    A5   (∀x(A)) → (Ayx), se  A   é uma f́ormula e  x   é uma variável que não ocorre livre noescopo de y, em  A;

    A6   x =  x   é um axioma, para qualquer variável  x;

    A7   (x  =  y) →  ((A) →  (B)), sempre que  x, y   são variáveis,  A   é uma f́ormula, e  Bé obtido de  A   substituindo  alguma  ocorrência livre de  x  por uma ocorrêncialivre de  y.

    As regras de inferência são duas:

    Modus Ponens:   Se  A  e (A) → (B) são teoremas então  B   é teorema.Generalização:   Se  A  é um teorema e  x  é uma variável, então ∀x(A) é teorema.

    Agora que descrevemos os axiomas e regras de infer̂encia, faremos alguns co-mentários e exemplos para esclarecer o sistema.

    Os três primeiros axiomas, juntamente com o  Modus Ponens , são suficientes paraprovar todas as   instˆ ancias de tautologia   3. Isto é, se pegarmos uma tautologia dalógica proposicional, e substituirmos cada proposição por uma fórmula de primeiraordem (devidamente cercado de parênteses, como mandam nossas regras de formaçãode fórmulas), a fórmula obtida é um teorema da lógica de primeira ordem, que podeser deduzida a partir dos três primeiros axiomas e do   Modus Ponens . Esse surpre-endente resultado é conhecido como  teorema da completude do c´ alculo proposicional .A verificação de que uma fórmula é uma instância de tautologia – construindo umatabela-verdade – é bem mais simples que uma demonstração axiomática.

    O axioma  A5 requer uma explicação especial. Primeiro, vejamos, como exemplode aplicação, que (∀y(y ∈  x)) →   (z  ∈  x) é um axioma do esquema  A5, pois subs-titúımos a variável livre   y   por   z   na fórmula   y

     ∈  x. Propositalmente utilizamos   y

    no lugar de  x  e  z  no lugar de  y, na forma como enunciamos o esquema de axiomas,para deixar claro que, na forma como está enunciada,  x  e  y   representam  quaisquer variáveis.

    Se tomamos A  como a fórmula (y ∈ x) → ∀y(y =  x), precisamos tomar um certocuidado na aplicação do esquema de axiomas  A5. A fórmula Azy   é (z  ∈ x) → ∀y(y =x). Ou seja, não substituı́mos a segunda ocorrência de  y  porque  essa ocorrência n˜ aoé livre . Esse detalhe na definição de  Ayx  (ou  A

    zy, como queiram) é essencial.

    Por fim, outro cuidado que devemos tomar é com a última condição: a variávelsubstituı́da não pode estar no escopo da variável nova. Vamos dar um exemplo deporque existe essa condição e, novamente, para não viciar o leitor com alguma ideia

    errada, vamos fazer a substituição da variável y  por  z , na aplicação de A5. ConsidereA a fórmula ∃z ¬(y  =  z ). Vamos utilizar o axioma A5 para a fórmula A  e as variaveisy  e  z . Teremos o seguinte (já omitindo o excesso de parênteses):

    (∀y∃z ¬(y = z )) → (∃z ¬(z  = z ))3Aqui, assumimos que o leitor está familiarizado com noções de lógica proposicional e tabela

    verdade. Se não estiver, isso não é absolutamente essencial para o curso, mas é aconselhável estudarum pouco sobre o assunto, especialmente para melhor compreender a lógica.

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    3.8. NOTAS SOBRE S ́  IMBOLOS RELACIONAIS E FUNCIONAIS    25

    Ora, num sistema em que ∀y∃z ¬(y  = z ) é um teorema (não é dif́ıcil um sistemaassim, pois basta uma teoria em que existem dois objetos diferentes), por   modus ponens  e essa aplicação de  A5 concluı́mos que ∃z ¬(z  = z ), o que é um absurdo (porA6, regra da generalização e a definição de ∃, temos que a negação dessa fórmulaé um teorema). Portanto, podeŕıamos ter uma inconsistência na lógica de primeiraordem se não declarássemos que essa substituição é proibida:   y   está no escopo dez , na fórmula  A, e, portanto, não podemos fazer essa substituição na aplicação do

    esquema  A5.No esquema de axiomas   A7 lembramos que a substituição pode ser feita em

    apenas uma ocorrência  da variável livre, diferente dos axiomas  A4 e  A5, em que asubstituição precisa ser feita em  todas as ocorrências .

    Um exercı́cio não trivial é mostrar que, se podemos fazer uma substituição, emA7, podemos fazer quantas quisermos.

    É bom observar que, no esquema  A5, podemos escolher uma variável para subs-tituição que não ocorra em  A. Dessa forma, como caso particular temos que, paratoda fórmula A, (∀xA) → A   é um axioma.

    3.8 Notas sobre śımbolos relacionais e funcionais

    Aqui nos limitamos a sistematizar apenas a linguagem da teoria dos conjuntos, quepossui apenas um śımbolo relacional (também chamado predicado), que é o śımbolo∈. Dizemos que é um śımbolo relacional binário porque tem dois argumentos, istoé, relaciona dois termos. A rigor, a igualdade poderia ser considerado também umśımbolo relacional binário, mas costuma entrar na lista dos śımbolos obrigatórios dalógica de primeira ordem (mas isso depende da formalização que seguimos).

    Os śımbolos relacionais correspondem ao verbo da linguagem cotidiana. Porexemplo, quando dizemos “o pai de João” não estamos enunciando nenhuma afirmação.

    A frase “o pai de João” não está passı́vel a julgá-la como verdadeira ou falsa, poisapenas se refere a algum indiv́ıduo, e nada diz sobre ele. Mas se dissermos “o pai deJoão conhece o pai de Joaquim”, então aı́, sim, temos uma frase completa. O verboconhecer  relaciona duas pessoas, e, se soubermos quem são os indivı́duos relacionadospelo verbo  conhecer , seremos capazes de julgar se a frase é verdadeira ou falsa.

    “O pai de João” e “o pai de Joaquim” correspondem aos   termos   da lógica deprimeira ordem, pois se referem a indivı́duos do universo que estamos considerando.“João” e “Joaquim” seriam constantes, pois se referem a indiv́ıduos especı́ficos, di-ferentemente das variáveis (os pronomes, como   ele ,   ela ,   algúem , correspondem àsvariáveis). A expressão “O pai de” é, na lógica,  sı́mbolos funcionais un´ arios , pois

    representa uma função que associa a cada indivı́duo do universo um outro indivı́duodo mesmo universo. Assim, se criarmos uma lógica para formalizar relações entrepessoas, nosso universo será o conjunto de todas as pessoas, e “pai de” ser á umafunção que associa a cada indivı́duo um outro indivı́duo.

    Observe que só é possı́vel estabelecermos “pai de” como sı́mbolo funcional porquecada pessoa possui um único pai biológico (ainda que não esteja mais vivo ou sejadesconhecido). Se a clonagem vingar, já não poderemos tratar “pai de” como śımbolofuncional. Da mesma forma, a expressão “o irmão de” não pode ser usada como

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    26   CAP ́  ITULO 3. A LINGUAGEM DA TEORIA DOS CONJUNTOS 

    śımbolo funcional, pois nem todas pessoas têm irmãos, e algumas têm mais queum irmão. A expressão “o irmão de” pressupõe que o indiv́ıduo tem apenas umirmão, e, na lógica, só podeŕıamos usar algo semelhante se isso acontecesse a   todos os indiv́ıduos. Por outro lado, nada impede de considerarmos “é irmão de” comośımbolo relacional binário, assim como “é pai de” como śımbolo relacional binário. Aformalização do “pai” permite escolhermos entre śımbolo funcional e relacional, mas“irmão” necessariamente será um śımbolo relacional.

    Na aritmética, há dois exemplos clássicos de śımbolos funcionais binários: asoperações + e ×, que representam funções que associam a cada dois números um ter-ceiro. Também podemos considerar como constantes os números 0 e 1 (as constantestambém podem ser vistas como śımbolos funcionais 0-ário, ou seja, sem parâmetronenhum). Já a relação de ordem  

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    3.9. NOTAS SOBRE A SEM ̂ANTICA   27

    Se preferirmos, podemos dispensar o uso de śımbolos funcionais no sistema,transformando-os em śımbolos relacionais. Por exemplo, o śımbolo de +, na aritmética,pode ser transformado num śımbolo relacional ternário R(x,y,z ) que significa x+y =z . Precisamos, porém, tomar mais cuidado na axiomatização espećıfica.

    Embora na teoria dos conjuntos só contamos com um śımbolo relacional, se es-tendermos a linguagem com as abreviaturas que utilizaremos ao longo da disciplina,podemos pensar em uma série de śımbolos funcionais e constantes que utilizamos.

    Temos as constantes ∅   (conjunto vazio),   ω   (o conjunto dos números naturais, queserá explicado posteriormente) etc. Dentre os śımbolos funcionais unários adiciona-dos teremos P (X ) (o conjunto dos subconjuntos de   X ), {x}   (o conjunto que temcomo único elemento o conjunto  x), e assim por diante. A união e a intersecção deconjuntos podem ser vistos como śımbolos funcionais binários, e a inclusão como umnovo śımbolo relacional binário.

    3.9 Notas sobre a semântica

    Para falarmos sobre a semântica da lógica de primeira ordem, a rigor precisaŕıamosprimeiro desenvolver a teoria dos conjuntos. Porém, nesta seção apresentamos umabreve explicação da semântica, a partir da noção intuitiva de conjuntos que o leitorprovavelmente adquiriu no ensino médio e nas outras disciplinas do curso de ma-temática. Mas, como prometemos anteriormente, essa parte não será necessária paraaprender a teoria dos conjuntos axiomática, e nada impeça que o leitor só leie estaseção (ou retorne a ela) após o fim do livro (ou, pelo menos, após o capı́tulo 11).Não há, portanto, circularidade nessa apresentação. Mas entendermos um pouco dasemântica ajuda a tornar mais intuitiva a sintaxe da lógica de primeira ordem.

    Seja L uma linguagem de primeira ordem. Um  modelo M  para a linguagem L  éuma estrutura constitúıda das seguintes componentes:

    •  Um conjunto não-vazio  D, que chamaremos de  domı́nio, ou  universo, de M;•   Para cada śımbolo relacional  n-ário R  uma relação RM  em D  (isto é,  RM  é um

    subconjunto de  Dn);

    •  Para cada constante  c  um elemento  cM  de  D;•   Para cada śımbolo funcional  n-ário  F  uma função  F M  de  Dn em  D.

    Uma   atribui瘠ao de vari´ aveis   é uma função   σ   que associa a cada variável umelemento de  D.

    Dados um modelo M e uma atribuição de variáveis σ , a interpreta瘠ao de termos sob a atribuição σ é uma função σ∗ que estende a função σ a todos os termos, conformeas seguintes condições:

    •   Se  x  é variável  σ∗(x) = σ(x);•   Se F   é um sı́mbolo funcional n-ário e t1, . . . , tn são termos, então σ∗(F (t1, . . . , tn)) =

    F M(σ∗(t1), . . . , σ∗(tn)).

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    28   CAP ́  ITULO 3. A LINGUAGEM DA TEORIA DOS CONJUNTOS 

    Se M  é um modelo, σ  é uma atribuição de variáveis e A   é uma f́ormula, denota-mos por (M, σ) |=  A  quando  A   é verdadeira no modelo M  para uma atribui瘠ao de vari´ aveis  σ, que definimos através das seguintes propriedades:

    •  Para quaisquer termos t1 e t2, (M, σ) |= t1  =  t2 se, e somente se, σ∗(t1) = σ∗(t2);

    •  Se   R   é um śımbolo relacional  n-ário e   t1, . . . , tn   são termos, então (

    M, σ)

     |=

    R(t1, . . . , tn) se, e somente se, (σ∗(t1), . . . , σ∗(tn)) ∈ RM;

    •   (M, σ) |= ¬(A) se, e somente se, não ocorre (M, σ) |= A;

    •   (M, σ) |= (A) → (B) se, e somente se, (M, σ) |= B  ou não ocorre (M, σ) |= A;

    •   (M, σ) |= ∀x(A) se, e somente se, para toda atribuição de variáveis θ  tal queθ(y) = σ(y), para toda variável y  diferente de  x, temos (M, θ) |= A.

    Vamos dar um exemplo para entender melhor o significado de modelo. Considere

    a linguagem da aritmética, com dois śımbolos funcionais binários + e ×, as constantes0 e 1 e o śımbolo relacional binário  

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    3.9. NOTAS SOBRE A SEM ̂ANTICA   29

    Teoremas fundamentais:   Os três principais teoremas metamatemáticos a res-peito da lógica de primeira ordem são os teoremas da  completude , da  compacidade   ede  Loweinhein-Skolen .

    O teorema da completude diz que Γ  A  se, e somente se, Γ |= A. Ou seja, con-sequência sintática é equivalente a consequência semântica, provando que o sistemade axiomas que constrúımos é suficiente para provar tudo que podemos provar pelosargumentos usuais da linguagem cotidiana.

    O teorema da compacidade diz que, se para todo Γ  subconjunto finito de Γ existeum modelo que satisfaz todas as fórmulas de Γ, então existe um modelo que satisfaztodas as fórmulas de Γ.

    O teorema de Loweinhein-Skolen pode ser enunciado da seguinte maneira: seexiste um modelo que satisfaça todas as fórmulas de um conjunto Γ, então, paraqualquer conjunto infinito   X , existe um modelo cujo domı́nio é   X   e que tambémsatisfaz Γ. Em geral, as linguagens de lógica de primeira ordem que utilizamos têmuma quantidade enumerável de śımbolos. Senão, precisamos assumir que   X   temcardinalidade maior ou igual à cardinalidade do alfabeto. Uma versão do teoremadiz que todo modelo possui um modelo equivalente (isto é, ambos possuem as mesmas

    fórmulas como verdadeiras) cujo domı́nio é enumerável.

    Exerćıcios

    1.   Usando a linguagem de primeira ordem da teoria dos conjuntos, escreva fórmulaspara representar as seguintes frases:

    a)   Não existe conjunto de todos os conjuntos.

    b)  Existe um único conjunto vazio.

    c)   x  é um conjunto unitário.

    d)  Existe um conjunto que tem como elemento apenas o conjunto vazio.

    e)   y   é o conjunto dos subconjuntos de  x.

    2.   Marque as ocorrências livres de variáveis nas fórmulas abaixo.

    a)   (

    ∀x(x =  y))

     → (x

     ∈ y)

    b) ∀x((x =  y) → (x ∈ y))

    c) ∀x(x =  x) → (∀y∃z (((x =  y) ∧ (y = z )) → ¬(x ∈ y)))

    d) ∀x∃y(¬(x =  y) ∧ ∀z ((z  ∈ y) ↔ ∀w((w ∈ z ) → (w ∈ x))))

    e)   (x =  y) → ∃y(x =  y)

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    30   CAP ́  ITULO 3. A LINGUAGEM DA TEORIA DOS CONJUNTOS 

    3.   Na linguagem da aritmética dos números naturais (com os śımbolos funcionais +e ×  e as constantes 0 e 1) escreva as f órmulas de primeira ordem que correspondemàs frases abaixo.

    a)   x  é número primo.

    b)   x  é menor do que  y.

    c)  A soma de dois números ı́mpares é par.

    d)   A equação  x3 + y3 = z 3 não tem soluções inteiras positivas.

    e)  Todo número par maior do que dois pode ser escrito como soma de dois n úmerosprimos.

    4.   Julgue se cada uma das f́ormulas abaixo é verdadeira em cada um dos seguintesmodelos:  N,  Z,  Q,  R.

    a) ∀x∀y∃z (x + y  =  z )b) ∀x∀y(¬(y  = 0) → ∃z (x × y = z ))c) ∃x(x × x = 1 + 1)

    5.   É posśıvel uma axiomatização de primeira ordem para os números reais? Justi-fique, tentando descobrir o que significa uma “lógica de segunda ordem”.

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    Caṕıtulo 4

    Axioma da extensão

    O primeiro dos axiomas que estudaremos é quase uma definição de conjuntos, poisnos diz que um conjunto é caracterizado exclusivamente pelos seus elementos.

    Axioma 1   (da extens˜ ao) Dois conjuntos s˜ ao iguais se, e somente se, eles têm os mesmos elementos.

    ∀x∀y((x =  y) ↔ (∀z (z  ∈ x ↔ z  ∈ y))

    Há essencialmente duas maneiras de representar um conjunto: descrevendo oselementos do conjunto através de uma propriedade comum a todos eles ou descre-vendo cada elemento, entre chaves e separados por v́ırgulas. Por exemplo, numaabordagem informal, considere os seguintes “conjuntos”:

    {Uruguai, Itália, Alemanha, Brasil, Inglaterra, Argentina, França, Es-panha}

    Conjunto dos páıses que já venceram alguma Copa do Mundo de fu-tebol

    Ambos os conjuntos possuem os mesmos elementos. Cada elemento do primeiroconjunto também é um elemento do segundo, e vice-versa. Logo,  os dois conjuntos s˜ ao iguais , isto é,  s˜ ao o mesmo conjunto.

    Considere agora o seguinte conjunto:

    {Alemanha, Argentina, Brasil, Espanha, França, Inglaterra, Itália,Uruguai, Brasil

    }O axioma da extensão nos garante que esse conjunto é o mesmo que o anterior.

    Ou seja, vale aquela máxima que aprendemos no ensino básico:  em um conjunto n˜ aoimporta a ordem dos elementos nem contamos as repeti瘠oes.

    É claro que não estamos falando de conjuntos matemáticos, existentes em ZFC.Mas é bom ressaltar que, sendo esse o primeiro axioma que enunciamos (o que énecessário, pois esse axioma é fundamental para a compreensão do conceito de con- junto), não podemos provar, neste momento,  a existência de qualquer conjunto. Por

    31

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    32   CAP ́  ITULO 4. AXIOMA DA EXTENS ̃  AO 

    enquanto trabalharemos com a teoria ingênua dos conjuntos, de forma semelhanteà concepção fregeana, em que um conjunto é definido simplesmente pela descriçãode seus elementos ou das propriedades que os delimitam. Assumiremos também aexistência dos números naturais, mesmo que ainda não tenhamos sequer os definido.Isso será necessário para discutirmos alguns conceitos apresentados a seguir.

    Śımbolo de inclusão:   Apresentamos o conceito de subconjuntos, introduzindo um

    novo śımbolo relacional binário que, no ensino básico, costuma ser bastante confun-dido com o śımbolo de pertinência.

    Definição 4.1  Dizemos que x  est´ a contido em  y  – ou x  é subconjunto de  y – se todoelemento de  x pertence a  y. Denotamos por  x ⊂ y  quando  x  está contido em  y.

    Com essa definição, introduzimos ⊂   como um novo sı́mbolo relacional bináriona linguagem, chamado de   śımbolo de inclus˜ ao. Podemos enxergá-lo como apenasuma abreviatura. Ou seja, onde está escrito  x ⊂  y   lê-se “todo elemento de  x   é umelemento de y”, ou “para todo  z , se  z  pertence a  x  então  z  pertence a y”. Ou ainda,na linguagem de primeira ordem, podemos escrever  x

     ⊂ y  como

     ∀z (z 

     ∈ x

     → z 

     ∈ y).

    Isto é, vale a seguinte fórmula:

    (x ⊂ y) ↔ ∀z (z  ∈ x → z  ∈ y)Por exemplo, o conjunto {1, 2, 3} está contido no conjunto {2, 1, 3, 4}, uma vez que

    todos os elementos do primeiro conjunto também são elementos do segundo. Se doisconjuntos são determinados por propriedades, um ser subconjunto do outro significaque a segunda propriedade é mais geral do que a primeira. Por exemplo, o  conjuntodos n´ umeros transcendentes   está contido no  conjunto dos n´ umeros irracionais , poisser transcendente implica ser irracional (isto é, a propriedade de ser irracional é maisgeral que a de ser transcendente).

    Com essa simbologia e através de uma simples manipulação lógica (faça comoexerćıcio), podemos reescrever o axioma da extensão da seguinte maneira:

    Afirmação:  Dois conjuntos  x  e  y  são iguais se, e somente se,  x ⊂ y  ey ⊂ x.

    Em partiular,  x ⊂ x, para todo conjunto  x.Dizemos que   x   é um   subconjunto pr´ oprio   de  y   se   x ⊂   y   mas  x =  y. Ou seja,

    todo elemento de  x  pertence a  y, mas existe pelo menos um elemento de  y  que nãopertence a  x.

    Conjuntos de conjuntos:   Difundiu-se pelo ensino básico uma maneira errônea dedistinguir os śımbolos de pertinênia e de inclusão. Dizem que o sı́mbolo de inclusãosó relaciona conjuntos, enquanto o de pertinência é utilizado apenas entre elementoe conjunto, e nunca entre dois conjuntos.

    Ora, além de ignorar a possibilidade dos elementos de um conjunto serem, elespróprios, conjuntos, esse “macete” foge da real definição dos dois conceitos. A in-clusão de conjuntos é definida de uma maneira simples, a partir do śımbolo de per-tinência e de conceitos elementares de lógica. Os dois śımbolos têm significados

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    completamente distintos, e, se alguém ainda os confunde, é porque ainda não com-preendeu as notações conjuntı́sticas. Vamos reforçar a explicação que fizemos sobrea notação das chaves:   representamos um conjunto descrevendo seus elementos entre chaves e separando-os por v́ırgulas . Dessa forma, cotinuando com a nossa suposiçãode que existem os números naturais e os conjuntos que iremos descrever, analisemosquem são os elementos do seguinte conjunto:

    X  = {1, {1, 2}, {1, 3}, 3}O primeiro elemento representado no conjunto  X  (lembrando que a ordem dos

    elementos de um conjunto não importa, e, por esse motivo não devemos chamá-lode  primeiro elemento de   X ) é o número 1. A seguir, como manda nossa notação,escrevemos uma v́ırgula e começamos a representar outro objeto matemático, que éo próximo elemento que representamos em  X . Se a notação {1 representasse algumacoisa, podeŕıamos ter dúvida sobre a notação, achando que {1 seria o segundo ele-mento descrito em  X . Mas, como não é o caso, fica claro que o próximo elementodescrito no conjunto X   é um outro conjunto: {1, 2}; que bem sabemos ser o conjuntoformado pelos números 1 e 2.

    Assim, os elementos de  X  (supondo que ele existe) são:

    1

    {1, 2}{1, 3}

    3

    Portanto, podemos escrever 1 ∈ X , o que não deve causar nenhum impacto a umestudante secundarista. Mas também podemos escrever

    {1, 2} ∈ {1, {1, 2}, {1, 3}, 3}Temos áı a pertinênia entre dois conjuntos e, se compreendemos bem a notação daschaves, não há motivo algum para nos assustarmos com isso.

    Podemos também dizer que {1, 2}  é um subconjunto de  X ? Vamos analisar issocom calma, usando a definição lógica da inclusão de conjuntos. Precisamos verificarse todo elemento de {1, 2}   é, também, um elemento de  X . Quais são os elementosde {1, 2}? A resposta é fácil: 1 e 2. O número 1 pertence a  X ? Sim, vimos acimaque 1 é um dos elementos do conjunto  X . E o 2, pertence a  X ? Não! Na descriçãodos elementos de  X   não consta o número 2. Encontramos, portanto, um elemento

    de {1, 2}  que  n˜ ao  pertence a  X . Denotamos isso como{1, 2} ⊂ {1, {1, 2}, {1, 3}, 3}

    Vimos que um conjunto pode pertencer a outro e não estar contido nele. Seráque pode um conjunto ser subconjunto e elemento de outro, ao mesmo tempo? Ve-rifiquemos o conjunto {1, 3}. Ele é um elemento de  X . Vale, portanto:

    {1, 3} ∈ {1, {1, 2}, {1, 3}, 3}

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    34   CAP ́  ITULO 4. AXIOMA DA EXTENS ̃  AO 

    Será que {1, 3}   está contido em  X ? Os números 1 e 3 são ambos elementos deX , e esses são todos os elementos de {1, 3}. Ou seja,  todo elemento de  {1, 3}   é um elemento de  X . Logo, vale o seguinte:

    {1, 3} ⊂ {1, {1, 2}, {1, 3}, 3}

    É importante ressaltar que essa análise foi feita na teoria ingênua dos conjuntos,

    assumindo que os números naturais não são conjuntos. Se defińıssemos, por exemplo,o número 2 como o conjunto {1, 3}, teŕıamos {1, 2} ∈   X . Mas esse não é o caso,mesmo na construção que faremos dos números naturais. Na construção de Venn-Euler, o número 2 será definido como o conjunto {0, 1}.

    Os detalhes apresentados nessa discuss̃ao talvez tenham sido exagerados e exaus-tivos, mas um v́ıcio de aprendizagem é algo que requer muito esforço e cuidado paraser superado. Os exercı́cios apresentados a seguir são imprescindı́veis para a continui-dade do curso. Lembrem-se sempre: não esperem a véspera das provas para fazeremos exerćıcios e tirarem as dúvidas!

    ExerćıciosPara esses exerćıcios, assumimos que os conjuntos enunciados existem, e não trata-remos os números como conjuntos. Em particular, supomos que um número nuncapertence a outro   1.

    1.   Usando o axioma da extensão, verifique se os conjuntos de cada um dos itensabaixo são iguais. Justifique

    a) {1}  e {{1}}.b) {1, 3, 2, 4, 2} e {4, 3, 2, 1}.c) {x ∈ N : x

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    e) {1, 2} . . . {1, {1}, 2, {2}, {3}}f) {{1}, {2}} . . . {{1, 2}}g) {{1}} . . . {1, {1}}h) {{1, 2}, {1}} . . . {x ⊂ N : x   é finito }.

    i) {{1}, {{1}}} . . . {x ⊂ N : x   é finito }. j) {{{1}}} . . .Conjunto dos subconjuntos dos subconjuntos de  N.

    3.   Seja  x o conjunto {0, {0}, 0, {0, {0}}}.

    a)  Quantos elementos tem o conjunto  x?

    b)  Descreva todos os subconjuntos de  x.

    c)   Descreva, utilizando chaves e v́ırgulas, o conjunto de todos os subconjuntos de  x.

    d)  Quantos elementos o conjunto dos subconjuntos de  x possui?

    4.   Prove que  x ⊂ x, para todo  x.

    5.   Prove que  x ∈ y  se, e somente se, {x} ⊂ y .

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    36   CAP ́  ITULO 4. AXIOMA DA EXTENS ̃  AO 

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    Caṕıtulo 5

    Axiomas do vazio, par e união

    Vimos no caṕıtulo anterior o axioma da extensão, que caracteriza quando dois con- juntos são iguais. No entanto, conforme frisamos nos exerćıcios e exemplos, apenascom o axioma da extensão não podemos garantir a existência de qualquer conjuntoespećıfico. Por isso, nosso próximo axioma garante a existência de um conjunto bem

    especial.

    Axioma 2 (do vazio)  Existe um conjunto vazio.

    ∃x∀y¬(y ∈ x)

    Usando a notação  /∈ para n˜ ao pertence , o axioma do vazio pode ser reescrito como

    ∃x∀y(y /∈ x)

    Na verdade, o axioma do vazio é dispensável, pois veremos que ele pode ser

    provado a partir do axioma da separação, desde que assumamos que existe pelo menos um conjunto. Assim,podemos reescrever o axioma do vazio como existe um conjunto   1

    Teorema 5.1  Existe um ´ unico conjunto vazio.

    Demonstração:   A existência de um conjunto vazio é ditada pelo axioma do vazio.Mostremos a unicidade. Suponhamos que existem  x e  y   conjuntos vazios diferentes.Pelo axioma da extensão, existe um elemento de x  que não pertence a y  ou existe umelemento de  y  que não pertence a  x, o que, em ambos os casos, contradiz que  x  e  ysão vazios.  

    Como o conjunto vazio é único, podemos adicionar uma constante na linguagemque o represente. O śımbolo adotado para o conjunto vazio é ∅.

    Teorema 5.2  O conjunto vazio est´ a contido em qualquer conjunto.

    1Na verdade, a formulação que aqui apresentamos da lógica de primeira ordem não permite queo domı́nio (vide a seção sobre semântica, no Capı́tulo   ??) seja vazio. Logo, a rigor, o axioma dovazio – ou da existência de conjuntos – é dispensável. Poŕem, mantemos esse axioma por motivoshistóricos e didáticos.

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    38   CAP ́  ITULO 5. AXIOMAS DO VAZIO, PAR E UNI ̃  AO 

    Demonstração:   Seja x  um conjunto. Se ∅ não está contido em x, isso significa queexiste um elemento de ∅  que não pertence a  x, contradizendo que o conjunto vazionão possui elemento.  

    O próximo axioma é o primeiro que nos permite construir um conjunto a partirde outros.

    Axioma 3 (do par)  Para todos conjuntos  x  e  y  existe um conjunto cujos elementos 

    s˜ ao  x  e  y.∀x∀y∃z ∀w((w ∈ z ) ↔ ((w =  x) ∨ (w =  y)))

    Pelo axioma da extensão, podemos provar que o conjunto formado por  x   e  y   éunicamente determinado por   x   e  y. Isto é, se   z   e  z    têm como elementos  x   e  y, eapenas esses, então z  = z . Isso justifica introduzirmos a notação do caṕıtulo anterior:{x, y}  denota o conjunto formado por  x  e por  y. Essa notação pode ser vista comoum śımbolo funcional binário, apesar de seguir uma regra de formação um poucodiferente do padrão. A saber, podemos introduzir a seguinte regra de formação determos: se  t e  s  são termos, {t, s}  é um termo.

    Notemos que, pelo axioma da extensão, a ordem dos elementos não importa. Ouseja, {x, y}   = {y, x}. Por esse motivo, costumamos chamar esse conjunto de   par n˜ ao-ordenado, para diferenciar do par ordenado, que será visto posteriormente.

    Se x  =  y, o par {x, y} – que passa a ser o par {x, x} – possui, na verdade, apenasum elemento, e denotaremos por {x}. Vista como um śımbolo funcional unário,essa notação pode ser formalizada pela seguinte regra: se  x   é um termo então {x}é um termo. Ou seja, usando os axiomas do par e da extensão, podemos garantir aexistência de um conjunto unitário.

    Teorema 5.3  Para todo  x, existe um conjunto formado s´ o pelo elemento  x.

    ∀x∃y∀z (z  ∈ y ↔ z  =  x)Com o axioma do par e o Teorema 5.3 podemos formar vários conjuntos a partir

    do vazio. Aplicando o Teorema 5.3 tomando  x  como ∅ obtemos o conjunto {∅}. Peloaxioma da extensão, esse conjunto é diferente de ∅, pois ∅ ∈ {∅}  mas ∅   /∈ ∅. Comaplicações sucessivas do axioma do par (e do Teorema 5.3) criamos vários outrosconjuntos (ou melhor, provamos a existência de  vários outros conjuntos), a partir dovazio: {∅, {∅}}, {{∅}}, {{{∅}}}, {{∅}, {{∅}}}, e assim por diante. Usando o axiomada extensão podemos provar que todos esses conjuntos são diferentes.

    No entanto, o axioma do par não é o bastante para construirmos conjuntos commais de dois elementos. O próximo axioma – que também pertence ao grupo deaxiomas de constru瘠ao  – permite-nos construir todos os conjuntos finitos e  heredi-tariamente finitos . Isto é, conjuntos finitos cujos elementos são, também, conjuntosfinitos, e os elementos de seus elementos também são finitos, e assim por diante.

    Axioma 4 (da união)  Para todo conjunto x  existe o conjunto de todos os conjuntos que pertencem a algum elemento de  x.

    ∀x∃y∀w((w ∈ y) ↔ ∃v((w ∈ v) ∧ (v ∈ x)))

  • 8/19/2019 Elementos Conjuntos

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    Repare que o axioma da união não garante, a prinćıpio, a união de dois conjuntos,mas, sim, a   uni˜ ao de uma famı́la de conjuntos . Se pensarmos em um conjuntode conjuntos como uma caixa cheia de pacotes menores, a unĩao desse conjuntode conjuntos corresponde a despejarmos todo o conteúdo dos pacotes menores nacaixa maior. Vejamos, como exemplo (assumindo que existe – visto que ainda nemexplicamos o que são os números naturais), o seguinte conjunto:

    {{1, 2}, {1, 3}, {4}}A união do conjunto acima é o conjunto formado por todos os números que pertencema pelo menos um de seus elementos, a saber:

    {1, 2, 3, 4}

    Em outras palavras, a união de  x   é   o conjunto dos elementos dos elementos de x.

    Denotamos a união de um conjunto  x  por 

    x. O axioma da extensão garanteque a união é única. Isto é, dado qualquer conjunto  x, não existem dois conjuntos

    diferentes que, no lugar de   y, tornariam a sentença correspondente ao axioma daunião verdadeira. O axioma da união determina unicamente um conjunto a partir dex. Isso justifica introduzirmos

    como um śımbolo funcional unário.

    Deixamos ao leitor a tarefa de mostrar as seguintes igualdades:

    ∅ = ∅{∅} = ∅{∅, {∅}} = {∅}{{∅}} = {∅}

    Com o axioma do par e o axioma da uni ão em mãos podemos definir a união dedois conjuntos.

    Teorema 5.4   Dados dois conjuntos   x   e   y  existe o conjunto formado por todos os conjuntos que pertencem a  x  ou a  y.

    ∀x∀y∃z ∀w((w ∈ z ) ↔ ((w ∈ x) ∨ (w ∈ y)))

    Demonstração:   Dados dois conjuntos   x   e   y, aplicamos o axioma do para paraobtermos o conjunto {x, y}. Aplicando o axioma da unĩao sobre o conjunto {x, y}obtemos o conjunto z  =

    {x, y}. Observe, pela definição da união de uma famı́la deconjuntos, que, para todo w,  w ∈ z  se, e somente se, existe  u ∈ {x, y} tal que  w ∈ u.Mas, se  u ∈ {x, y}, temos que  u =  w  ou  u =  y , provando que  z  satisfaz o enunciadodo teorema.  

    Novamente notamos que a união de dois conjuntos é única, pelo axioma da ex-tensão, o que nos permite introduzir a seguinte definição.

  • 8/19/2019 Elementos Conjuntos

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    40   CAP ́  ITULO 5. AXIOMAS DO VAZIO, PAR E UNI ̃  AO 

    Definição 5.5   Definimos a   união  de  x   e  y   como o conjunto formado por todos os conjuntos que pertencem a  x  ou a  y, e denotaremos esse conjunto por  x ∪ y.

    Combinando o axioma do par e da união, podemos construir as triplas (não-ordenadas) de conjuntos.

    Teorema 5.6  Para todos conjuntos  x, y  e  z  existe um ´ unico conjunto cujos elemen-

    tos s˜ ao  x,  y   e  z .

    ∀x∀y∀z ∃u∀v(v ∈ u ↔ (v =  x ∨ v = y ∨ v =  z ))

    Demonstração:   Pelo axioma do pa