Enredo de Vidas Secas

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  • 7/28/2019 Enredo de Vidas Secas

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    Enredo:

    I-Mudana

    Em meio paisagem hostil do serto nordestino, quatro pessoas e uma cachorrinha se arrastam

    numa peregrinao silenciosa. O menino mais velho, exausto da caminhada sem fim, deita-se nocho, incapaz de prosseguir, o que irrita Fabiano, seu pai, que lhe d estocadas com a faca no

    intuito de faz-lo levantar. Compadecido da situao do pequeno, o pai toma-o nos braos e

    carrega-o, tornando a viagem ainda mais modorrenta.

    A cadela Baleia acompanha o grupo de humanos agora sem a companhia do outro animal da

    famlia, um papagaio, que fora sacrificado na vspera a fim de aplacar a fome que se abatia

    sobre aquelas pessoas. Na verdade, era um papagaio estranho, que pouco falava, talvez porque

    convivesse com gente que tambm falava pouco.

    Errando por caminhos incertos, Fabiano e famlia encontram uma fazenda completamente

    abandonada. Surge a inteno de se fixar por ali. Baleia aparece com um pre entre os dentes,

    causando grande alegria aos seus donos. Haveria comida. Descendo ao bebedouro dos animais,

    em meio lama, Fabiano consegue gua. H uma alegria em seu corao, novos ventos parecem

    soprar para a sua famlia. Pensa em Seu Toms da bolandeira. Pensa na mulher e nos filhos.

    A inesperada caa preparada, o que garante um rpido momento de felicidade ao grupo. No

    cu, j escuro, uma nuvem - sempre um sinal de esperana. Fabiano deseja estabelecer-se

    naquela fazenda. Ser o dono dela. A vida melhorar para todos.

    II-Fabiano

    Em vo Fabiano procura por uma raposa. Apesar do fracasso da empreitada, ele est satisfeito.

    Pensa na situao da famlia, errante, passando fome, quando da chegada quela fazenda.Estavam bem agora. Fabiano se orgulha de vencer as dificuldades tal qual um bicho. Agora ele

    era um vaqueiro, apesar de no ter um lugar prprio para morar. A fazenda aparentemente

    abandonada tinha um dono, que logo aparecera e reclamara a posse do local. A soluo foi ficar

    por ali mesmo, servindo ao patro, tomando conta do local. Na verdade, era uma situao triste,

    tpica de quem no tem nada e vive errante. Sentiu-se novamente um animal, agora com uma

    conotao negativa. Pouco falava, admirava e tentava imitar a fala difcil das pessoas da cidade.

    Era um bicho.

    A uma pergunta de um dos filhos, Fabiano irrita-se. Para que perguntar as coisas? Conversaria

    com Sinh Vitria sobre isso. Essas coisas de pensamento no levavam a nada. Seu Toms da

    bolandeira, apesar de admirado por Fabiano pelas suas palavras difceis, no acabara como todo

    mundo? As palavras, as ideias, seduziam e cansavam Fabiano.

    Pensou na brutalidade do patro, a trat-lo como um traste. Pensou em Sinh Vitria e seu

    desejo de possuir uma cama igual de Seu Toms da bolandeira. Eles no poderiam ter esse

    luxo, cambembes que eram. Sentiu-se confuso. Era um forte ou um fraco, um homem ou um

    bicho _ ? Sentia, por vezes, mpeto de lutador e fraqueza de derrotado.

    Lembrando dos meninos, novamente, achou que, quando as coisas melhorassem, eles poderiam

    se dar ao luxo daquelas coisas de pensar. Por ora, importante era sobreviver. Enquanto as coisas

    no melhorassem, falaria com Sinh Vitria sobre a educao dos pequenos.

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    III-Cadeia

    Fabiano vai feira comprar mantimentos, querosene e um corte de chita vermelha. Injuriado

    com a qualidade do querosene e com o preo da chita, resolve beber um pouco de pinga nabodega de seu Incio. Nisso, um soldado amarelo convida-o para um jogo de cartas. Os dois

    acabam perdendo, o que irrita o soldado, que provoca Fabiano quando esse est de partida. A

    ideia do jogo havia sido desastrosa. Perdera dinheiro, no levaria para casa o prometido.

    Fabiano, agora, pensava em como enganar Sinh Vitria, mas a dificuldade de engendrar um

    plano o atormentava.

    O soldado, provocador, encara o vaqueiro e barra-lhe a passagem. Pisa no p de Fabiano que,

    tentando contornar a situao sua maneira, aguenta os insultos at o possvel, terminando por

    xingar a me do soldado amarelo. Destacamento sua volta. Cadeia. Fabiano empurrado,

    humilhado publicamente.

    No xadrez, pensa por que havia acontecido tudo aquilo com ele. No fizera nada, se quisesse atbateria no mirrado amarelo, mas ficara quieto. Em meio a rudes indagaes, enfureceu-se,

    acalmou-se, protestou inocncia. Amolou-se com o bbado e com a quenga que estavam em

    outra cela. Pensou na famlia. Se no fosse Sinh Vitria e as crianas, j teria feito uma besteira

    por ali mesmo. Quando deixaria que um soldadinho daqueles o humilhasse tanto? Arquitetou

    vinganas, gritou com os outros presos e, no meio de sua incompreenso com os fatos, sentiu a

    famlia como um peso a carregar..

    IV-Sinh Vitria

    Naquele dia, Sinh Vitria amanhecera brava. A noite mal dormida na cama de varas era o

    motivo de sua zanga. Falara pela manh, mais uma vez, com Fabiano sobre a dificuldade de

    dormir naquela cama. Queria uma cama de lastro de couro, como a de Seu Toms da bolandeira,

    como a de pessoas normais.

    Havia um ano que discutia com o marido a necessidade de uma cama decente e, em meio a uma

    briga por causa das "extravagncias" de cada um, Sinh Vitria certa vez ouviu Fabiano dizer-

    lhe que ela ficava ridcula naqueles sapatos de verniz, caminhando como um papagaio, trpega,

    manca. A comparao machucou-a _ .

    Agora, ela irritava-se com o ronco de Fabiano ao lembrar-se de suas palavras. Circulando pela

    casa, fazia suas tarefas em meio a reza e a ateno ao que acontecia l fora. Por pensar ainda na

    cama e na comparao maldosa de Fabiano, quase esqueceu de pr gua na comida. Veio-lhe a

    lembrana do bebedouro em que s havia lama. Medo da seca. Olhou de novo para seus ps einevitavelmente achou Fabiano mau _ . Pensou no papagaio e sentiu pena dele _ .

    L fora, os meninos brincavam em meio sujeira. Dentro de casa, Fabiano roncava forte,

    seguro, o que indicava a Sinh Vitria que no deveria haver perigo algum por ali. A seca

    deveria estar longe. As coisas, agora, pareciam mais estveis, apesar de toda a dificuldade.

    Lembrou-se de como haviam sofrido em suas andanas. S faltava uma cama. No fundo, at

    mesmo Fabiano queria uma cama nova.

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    V-O Menino mais novo

    A imagem altiva do pai foi que lhe fez surgir a ideia. Fabiano, armado como vaqueiro, domava a

    gua brava com o auxlio de Sinh Vitria. O espetculo grosseiro excitava o menor dosgarotos, impressionado com a faanha do pai e disposto a fazer algo que tambm

    impressionasse o irmo mais velho e a cachorra Baleia _ . No dia seguinte, acordou disposto a

    imitar a faanha do pai. Para tanto, quis comunicar a inteno ao mano, mas evitou, com medo

    de ser ridicularizado.

    Quando as cabras foram ao bebedouro, levadas pelo menino mais velho e por Baleia, o pequeno

    tomou o bode como alvo de sua ao. Sentia-se altivo como Fabiano quando montava. No

    bebedouro, o garoto despencou da ribanceira sobre o animal, que o repeliu. Insistente, tentou se

    aprumar mas foi sacudido impiedosamente, praticando um involuntrio salto mortal que o

    deixou, tonto, estatelado ao cho. O irmo mais velho ria sem parar do ridculo espetculo,

    Baleia parecia desaprovar toda aquela loucura . Fatalmente seria repreendido pelos pais.

    Retirou-se humilhado, alimentando a raivosa certeza de que seria grande, usaria roupas devaqueiro, fumaria cigarros e faria coisas que deixariam Baleia e o irmo admirados.

    VI-O Menino mais velho

    Aquela palavra tinha chamado a sua ateno: inferno. Perguntou Sinh Vitria, vaga na

    resposta. Perguntou a Fabiano, que o ignorou. Na volta Sinh Vitria, indagou se ela j tinha

    visto o inferno. Levou um cascudo e fugiu indignado. Baleia fez-lhe companhia tentando alegr-

    lo naquela hora difcil.

    Decidiu contar cachorrinha uma histria, mas o seu vocabulrio era muito restrito, quase igual

    ao do papagaio que morrera na viagem _ . S Baleia era sua amiga naquele momento. Por que

    tanta zanga com uma palavra to bonita ? A culpa era de Sinh Terta, que usara aquela palavra

    na vspera, maravilhando o ouvido atento do garoto mais velho.

    Olhou para o cu e sentiu-se melanclico. Como poderiam existir estrelas? Pensou novamente

    no inferno. Deveria ser, sim, um lugar ruim e perigoso, cheio de jararacas e pessoas levando

    cascudos e pancadas com a bainha da faca _ . Sempre intrigado, abraou-se Baleia como

    refgio.

    VII-Inverno

    Todos estavam reunidos em volta do fogo, procurando aplacar o frio causado pelo vento e pela

    gua que agitava a paisagem fora da casa. Chegara o inverno, e isso reunia a famlia prxima fogueira. Pai e me conversavam daquele jeito de sempre, estranho, e os meninos, deitados,

    ficavam ouvindo as histrias inventadas por Fabiano, de feitos que ele nunca tinha realizado,

    aventuras nunca vividas. Quando o mais velho levantou-se para buscar mais lenha, foi

    repreendido severamente pelo pai, aborrecido pela interrupo de sua narrativa.

    A chuva dava famlia a certeza de que a seca no chegaria por enquanto. Isso alegrava

    Fabiano. Sinh Vitria, porm, temia por uma inundao que os fizesse subir ao morro,

    novamente errantes. A gua, l fora, ampliava sua invaso.

    Fabiano empolgava-se mais ainda em contar suas faanhas. A chuva tinha vindo em boa hora.

    Aps a humilhao na cidade, decidira que, com a chegada da seca, abandonaria a famlia epartiria para a vingana contra o soldado amarelo e demais autoridades que lhe atravessassem o

    caminho. A chegada das guas interrompera aqueles planos sinistros. Em meio narrativa

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    empolgada, Fabiano imaginava que as coisas melhorariam a partir dali; quem sabe, Sinh

    Vitria at pudesse ter a cama to desejada.

    Para o filho mais novo, o escuro e as sombras geradas pela fogueira faziam da imagem do pai

    algo grotesco, exagerado. Para o mais velho, a alterao feita por Fabiano na histria que

    contava era motivo de desconfiana. Algo no cheirava bem naquele enredo. Sempre pensativo,

    o menino mais velho dormiu pensando na falha do pai e nos sapos que estariam l fora, no frio.

    Baleia, incomodada com a arenga de Fabiano, procurava sossego naquela paisagem interior.

    Queria dormir em paz, ouvindo o barulho de fora.

    VIII-Festa

    A famlia foi festa de Natal na cidade. Todos vestidos com suas melhores roupas, num traje

    pouco comum s suas figuras, o que lhes dava um ar ridculo. A caminhada longa tornava-se

    ainda mais cansativa por causa daquelas roupas e sapatos apertados. O mal-estar era geral, at

    que Fabiano cansou-se da situao e tirou os sapatos, metendo as meias no bolso, livrando-se

    ainda do palet e da gravata que o sufocava. Os demais fizeram o mesmo. Voltaram ao seunatural. Baleia juntou-se ao grupo .

    Chegando cidade foram todos lavar-se beira de um riacho antes de se integrarem festa.

    Sinh Vitria carregava um guarda-chuva. Fabiano marchava teso. Os meninos maravilham-se,

    assustados, com tantas luzes e gente. A igreja, com as imagens nos altares, encantou-os mais

    ainda. O pai espremia-se no meio da multido, sentindo-se cercado de inimigos. Sentia-se

    mangado por aquelas pessoas que o viam em trajes estranhos sua bruta feio. Ningum na

    cidade era bom. Lembrou-se da humilhao imposta pelo soldado amarelo quando estivera pela

    ltima vez na cidade.

    A famlia saiu da igreja e foi ver o carrossel e as barracas de jogos. Como Sinh Vitria negou-

    lhe uma aposta no boz, Fabiano afastou-se da famlia e foi beber pinga _ . Embriagando-se, foi

    ficando valente. Imaginava, com raiva, por onde andava o soldado amarelo. Queria esgan-lo.

    No meio da multido, gritava, provocava um inimigo imaginrio _ . Queria bater em algum,

    poderia matar se fosse o caso. Vez ou outra interrompia suas imprecaes para uma confusa

    reflexo. Cansado do seu prprio teatro, Fabiano deitou no cho, fez das suas roupas um

    travesseiro e dormiu pesadamente.

    Sinh Vitria, aflita, tinha que olhar os meninos, no podia deixar o marido naquele estado.

    Tomando coragem para realizar o que mais queria naquele momento, discretamente esgueirou-

    se para uma esquina e ali mesmo urinou. Em seguida, para completar o momento de satisfao,

    pitou num cachimbo de barro pensando numa cama igual de seu Tomas da bolandeira.

    Os meninos tambm estavam aflitos. Baleia sumira na confuso de pessoas, e o medo de que ela

    se perdesse e no mais voltasse era grande. Para alvio dos pequenos, a cachorrinha surge de

    repente e acaba com a tenso. Restava, agora, aos pequenos, o maravilhamento com tudo de

    novo que viam. O menor perguntou ao mais velho se tudo aquilo tinha sido feito por gente. A

    dvida do maior era se todas aquelas coisas teriam nome. Como os homens poderiam guardar

    tantas palavras para nomear as coisas?

    Distante de tudo, Fabiano roncava e sonhava com soldados amarelos.

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    IX-Baleia

    Pelos cados, feridas na boca e inchao nos beios debilitaram Baleia de tal modo que Fabiano

    achou que ela estivesse com raiva. Resolveu sacrific-la. Sinh Vitria recolheu os meninos,

    desconfiados, a fim de evitar-lhes a cena.

    Baleia era considerada como um membro da famlia, por isso os meninos protestaram, tentando

    sair ao terreiro para impedir a trgica atitude do pai. Sinh Vitria lutava com os pequenos,

    porque aquilo era necessrio, mas aos primeiros movimentos do marido para a execuo,

    lamentou o fato de que ele no tivesse esperado mais para confirmar a doena da cachorrinha.

    Ao primeiro tiro, que pegou o traseiro da cachorra e inutilizou-lhe uma perna, as crianas

    comearam a chorar desesperadamente.

    Comeou, l fora, o jogo estratgico da caa e do caador. Baleia sentia o fim prximo, tentava

    esconder-se e at desejou morder Fabiano. Um nevoeiro turvava a viso da cachorrinha, havia

    um cheiro bom de pres. Em meio agonia, tinha raiva de Fabiano, mas tambm o via como o

    companheiro de muito tempo. A vigilncia s cabras, Fabiano, Sinh Vitria e as crianassurgiam Baleia em meio a uma inundao de pres que invadiam a cozinha _ . Dores e

    arrepios. Sono. A morte estava chegando para Baleia.

    X-Contas

    Fabiano retirava para si parte do que rendiam os cabritos e os bezerros. Na hora de fazer o

    acerto de contas com o patro, sempre tinha a sensao de que havia sido enganado. Ao longo

    do tempo, com a produo escassa, no conseguia dinheiro e endividava-se.

    Naquele dia, mais uma vez Fabiano pedira a Sinh Vitria para que ela fizesse as contas. O

    patro, novamente, mostrou-lhe outros nmeros. Os juros causavam a diferena, explicava ooutro. Fabiano reclamou, havia engano, sim senhor, e a foi o patro quem estrilou. Se ele

    desconfiava, que fosse procurar outro emprego. Submisso, Fabiano pediu desculpas e saiu

    arrasado, pensando mesmo que Sinh Vitria era quem errara.

    Na rua, voltou-lhe a raiva. Lembrou-se do dia em que fora vender um porco na cidade e o fiscal

    da prefeitura exigira o pagamento do imposto sobre a venda. Fabiano desconversou e disse que

    no iria mais vender o animal. Foi a uma outra rua negociar e, pego em flagrante, decidiu nunca

    mais criar porcos _ .

    Pensou na dificuldade de sua vida. Bom seria se pudesse largar aquela explorao. Mas no

    podia! Seu destino era trabalhar para os outros, assim como fora com seu pai e seu av.

    As notas em sua mo impressionavam-no. "Juros", palavra difcil que os homens usavam

    quando queriam enganar os outros. Era sempre assim: bastavam palavras difceis para lograr os

    menos espertos. Contou e recontou o dinheiro com raiva de todas aquelas pessoas da cidade.

    Sinh Vitria que entendia seus pensamentos.

    Teve vontade de entrar na bodega de seu Incio e tomar uma pinga. Lembrou-se da humilhao

    passada ali mesmo e decidiu ir para casa. o cu, vrias estrelas. Deixou de lado a lembrana dos

    inimigos e pensou na famlia. Sentiu d da cachorra Baleia. Ela era um membro da famlia.

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    XI-O Soldado Amarelo

    Procurando uma gua fugida, Fabiano meteu-se por uma vereda e teve o cabresto embaraado

    na vegetao local. Faco em punho, comeou a cortar as quips e palmatrias que impediam oprosseguimento da busca. Nesse momento, depara-se com o soldado amarelo que o humilhara

    um ano atrs _ . O cruzar de olhos e o reconhecimento durou frao de segundos. O suficiente

    para que Fabiano esfolasse o inimigo. O soldado claramente tremia de medo. Tambm

    reconhecera o desafeto antigo e pressentia o perigo.

    Fabiano irritou-se com a cena. O outro era um nadica. Poderia mat-lo com as mos, sem armas,

    se quisesse. A fragilidade do outro aos poucos foi aplacando a raiva de Fabiano. Ponderou que

    ele mesmo poderia ter evitado a noite na cadeia se no tivesse xingado a me do amarelo. No

    meio daquela paisagem isolada e hostil, s os dois, e se ele pedisse passagem ao soldado?

    Aproximou-se do outro pensando que j tinha sido mais valente, mais ousado. Na verdade, na

    frao de segundo interminvel Fabiano ia descobrindo-se amedrontado. Se ele era um homem

    de bem, para que arruinar a sua vida matando uma autoridade? Guardaria foras para inimigomaior.

    Sentindo o inimigo acovardado, o soldado ganhou fora. Avanou firme e perguntou o caminho.

    Fabiano tirou o chapu numa reverncia e ainda ensinou o caminho ao amarelo.

    XII-O Mundo Coberto de Penas

    A invaso daquele bando de aves denunciava a chegada da seca. Roubavam a gua do gado,

    matariam bois e cabras. Sinh Vitria inquietou-se. Fabiano quis ignorar, mas no pde; a

    mulher tinha razo. Caminhou at o bebedouro, onde as aves confirmavam o anncio da seca.

    Eram muitas. Um tiro de espingarda eliminou cinco, seis delas, mas eram muitas. Fabiano tinha

    certeza, agora, de uma nova peregrinao, uma nova fuga.

    Era s desgraa atrs de desgraa. Sempre fugido, sempre pequeno. Fabiano no se conformava,

    pensava com raiva no soldado amarelo, achava-se um covarde, um fraco. Irado, matou mais e

    mais aves. Serviriam de comida, mas at quando ? Quem sabe a seca no chegasse...Era sempre

    uma esperana. Mas o cu escuro de arribaes s confirmava a triste situao _ . Elas cobriam

    o mundo de penas, matando o gado, tocando a ele e famlia dali, quem sabe comendo-os.

    Recolheu os cadveres das aves e sentiu uma confuso de imagens em sua cabea. Aquele lugar

    no era bom de se viver. Lembrou-se de Baleia, tentou se convencer de que no fizera errado

    em mat-la, pensou de novo na famlia e no que as arribaes representavam. Sim, era

    necessrio ir embora daquele lugar maldito. Sinh Vitria era inteligente, saberia entender aurgncia dos fatos.

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    XIII-Fuga

    O cu muito azul, as ltimas arribaes e os animais em estado de misria indicavam a Fabiano

    que a permanncia naquela fazenda estava esgotada. Chegou um ponto em que, dos animais, ssobrou um bezerro, que foi morto para servir de comida na viagem que se faria no dia seguinte.

    Partiram de madrugada, abandonando tudo como encontraram. O caminho era o do sul. O grupo

    era o mesmo que errava como das outras vezes. Fabiano, no fundo, no queria partir, mas as

    circunstncias convenciam-no da necessidade.

    A vermelhido do cu, o azul que viria depois assustavam Fabiano _ . Baleia era uma imagem

    constante em seus confusos pensamentos. Sinh Vitria tambm fraquejava. Queria, precisava

    falar _ . Aproximou-se do marido e disse coisas desconexas, que foram respondidas no mesmo

    nvel de atrapalhao.

    Na verdade, ele gostou que ela tivesse puxado conversa. Ela tentou animar o marido, quem sabea vida fosse melhor, longe dali, com uma nova ocupao para ele. Marido e mulher elogiam-se

    mutuamente; ele forte, aguenta caminhar lguas, ela, tem pernas grossas e ndegas volumosas,

    aguenta tambm. A cidade, talvez, fosse melhor. At uma cama poderiam arranjar. Por que

    haveriam de viver sempre como bichos fugidos _ ?

    Os meninos, longe, despertavam especulaes ao casal. O que seriam quando crescessem?

    Sinh Vitria no queria que fossem vaqueiros. O cansao ia chegando medida que avanava a

    caminhada, e assim houve uma parada para descanso. Novamente marido e mulher

    conversavam, fazendo planos, temendo o mau agouro das aves que voavam no cu.

    Sinh Vitria acordou os pequenos, que dormiam, e seguiu-se viagem. Fabiano ainda admirou a

    vitalidade da mulher. Era forte mesmo! Assim, a cada passo arrastado do grupo um mundo de

    novas perspectivas ia sendo criado. Sinh Vitria falava e estimulava Fabiano. Sim, deveria

    haveria uma nova terra, cheia de oportunidades, distante do serto a formar homens brutos e

    fortes como eles.