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    LUCINDA, Maria da Consolao, NASCIMENTO, Maria das Graas;CANDAU, Vera Maria.Escola e violncia. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.1. Sociedade e violncia

    A produo intelectual sobre a violncia e suas diferentes manifestaes na sociedade brasileiratem-se multiplicado e diversificado enormemente, nos ltimos anos, especialmente a partir dos anossessenta.

    Para Minayo (1990) e seus colaboradores responsveis pela Bibliografia comentada da produocientfica brasileira sobre violncia e sade,este fato faz pensar que aumentou muito neste perodo "onvel da conscincia social dos intelectuais sobre o problema" (p. 12).A bibliografia com a qual trabalhamos privilegia os estudos realizados a partir da dcada de oitenta,momento em que a violncia urbana se torna objeto de uma intensa produo na perspectiva dascincias sociais.Assim sendo, os eixos principais que nos servem de referncia se fundamentam nas contribuiesdas abordagens desenvolvidas a partir da sociologia e da antropologia, com nfase na dimensohistrico-cultural da problemtica da violncia na sociedade brasileira.1.1. O que se entende por violncia?

    As aes caracterizadas como manifestaes de violncia abarcam freqentemente uma gama

    grande de comportamentos. No entanto, em geral, identifica-se violncia com criminalidade e/ouagresso fsica. tambm comum uma abordagem to abrangente da violncia, que o espectro decomportamentos percebidos como violentos se amplia significativamente. Desta forma, diluem-seas fronteiras que permitiriam distinguir uma situao de violncia de outra, no includa na mesmacategorizao, apesar de se reconhecer a existncia de elementos comuns entre ambas. Nestesentido, importante que nos detenhamos um pouco sobre o significado do termo violncia.

    No Novo Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa(1986), encontramos a palavra violncia assimdefinida: "Violncia significa qualidade de violento; ato violento, ato de violentar; constrangimentofsico ou moral; uso da fora; coao" (p. 1779).

    Nesta perspectiva, a violncia est intimamente unida coao e ao uso da fora no plano fsico oumoral.Uma outra aproximao a este termo a que apresenta oDicionrio do pensamento marxista (1988):

    Por violncia entende-se a interveno fsica de um indivduo ou grupo contra outro indivduo ou grupo (outambm contra si mesmo). Para que haja violncia preciso que a interveno fsica seja voluntria ( ... ). Ainterveno fsica, na qual a violncia consiste tem por finalidade destruir, ofender e coagir ( ... ). A violnciapode ser direta ou indireta. direta quando atinge de maneira imediata o corpo de quem sofre. indiretaquando opera atravs de uma alterao do ambiente fsico no qual a vtima se encontra ( ... ) ou atravs dadestruio, da danificao ou da subtrao dos recursos materiais. Em ambos os casos, o resultado o mesmo:uma modificao prejudicial do estado fsico do indivduo ou do grupo que o alvo da ao violenta (p. 1291).

    Embora provenham de fonte de natureza muito especfica - o dicionrio -, percebemos nestas duasaproximaes diferentes enfoques. No primeiro, a caracterizao da violncia ultrapassa o limite daagresso fsica, admitindo uma violncia de carter psicolgico e moral, ao passo que, no segundo,a nfase recai exatamente no aspecto relacionado ao dano fsico, ao uso da fora no sentido de

    prejuzo fsico. Esta ltima abordagem aproxima-se dos estudos que tratam violncia e

    criminalidade como se fossem a mesma coisa.Por esta pequena amostra, podemos verificar no ser fcil definir o que se entende por violncia.Tal dificuldade fica patente no texto clssico de Hannah Arendt, Sobre a violncia(1994), em que aautora distingue violncia de poder (power),fora (force)e vigor (strenght),complexificando aindamais a questo (p. 13).

    Neste trabalho, utilizaremos como referncia fundamental a contribuio de Jurandir Freire Costa,afirmando que

    violncia o emprego desejado de agressividade com fins destrutivos. Agresses fsicas, brigas, conflitos podem ser expresses de agressividade humana, mas no necessariamente expresses de violncia. Naviolncia a ao traduzida como violenta pela vtima, pelo agente ou pelo observador. A violncia ocorrequando h desejo de destruio (in: Fukui, 1991, p. 103).

    Neste sentido, a marca constitutiva da violncia seria a tendncia destruio do outro, ao

    desrespeito e negao do outro, podendo a ao situar-se no plano fsico, psicolgico ou tico.1.2. As diferentes faces da violncia

    No mbito da sociedade brasileira, tm sido ::_ vez mais preocupantes os nveis de complexidade e

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    debanalizao da violncia. Para Dimenstein (1997), como polcia ineficiente ou corrupta, pobreza;distribuio de renda, desemprego, aumento do narcotrfico, descrena na justia, valorizaoesquadres da morte so fortemente responsveis ::-dificuldade de erradicao da violncia urbana.

    No entanto, tais ingredientes sozinhos no explicam a rotinizao da violncia, apesar de sabermoalimentam seu crculo vicioso. necessrio ressaltar ..... os estudos que tm procuradocompreende:problemtica da violncia no mbito urbano e:: acenando para perspectivas diferentesdas assina pelo referido autor. Arnoud e Damascena (1996) a:-: da seguinte hiptese bsica: a

    violncia multica ':_ plural. A compreenso deste fenmeno depende -9da percepo de fatoresestruturais, como a econmica, a misria e o empobrecimento, quanto do complexo de mediaesmateriais e culturais que envolvem a violncia, expressando-se atravs da quebra dos laos desolidariedade na sociedade e da crise das relaes sociais tradicionais. Afirmam que,

    hoje, a luta contra a violncia comea a fazer parte do debate sobre uma nova relao Estado/sociedade,conquista/ autonomia( ... ) e passa a ser considerada como forma tambm de busca de novas relaesarticuladas e conflituais, e de maneiras de se estabelecer relaes solidrias e reconhecimento recproco (p. 3).

    Nesta perspectiva, a combinao dos referidos fatores favorece uma trama dialtica da violnciaque articula aspectos de diferentes naturezas. Da a necessidade de estabelecer distines entre seusnveis e dimenses: a violncia reconhecida e efetivamente punida como crime; a que se instalouem parte da estrutura do Estado e a que tece as mais amplas relaes sociais e domsticas.1.3. A dimenso estrutural da violncia

    Uma das vertentes mais trabalhadas nos estudos sobre violncia , sem dvida, a sua relao com adesigualdade social. No entanto, no se pode afirmar que a pobreza constitua o nico fatorexplicativo da violncia na sociedade brasileira. A pobreza isoladamente no explica a perda dereferenciais ticos que sustentem as interaes entre grupos e indivduos (Velho, 1996).Ao traar um quadro da questo da violncia no Brasil, Adorno (1994) afirma que "a Histria doBrasil , sob um certo aspecto, uma histria social e poltica da violncia" (p. 19). Lembra asrepresses s lutas populares nas diferentes regies do pas, salientando que nesse processorepressivo no se economizou fora, no se pouparam vidas.Ao afirmar que a questo da violncia tambm um problema da cultura poltica do pas, sustentaque a questo da violncia no Brasil , antes de tudo, ( ... ) o problema do modo pelo qual nossa sociedade estabelececulturalmente as relaes de poder (p. 23).

    nesta linha, tambm, que se situa a reflexo de Arnoud e Damascena argumentando que (. .. ) opoder a capacidade de agir em conjunto e a violncia comea onde o consenso (e o poder) terminam. A violncia, emsntese, expresso da impotncia (p. 5).A assimetria das relaes de poder na sociedade brasileira pode ser evidenciada por diversosngulos, e um deles o poder poltico. Mas, segundo Adorno (1994), importante levar emconsiderao, tambm, o poder da sociedade em geral. nesta perspectiva que se inserem os estudos sobre violncia que relacionam Estado esociedade. O Estado aparece, assim, como uma instncia que reflete as relaes autoritriasexistentes na sociedade e a maneira, tambm autoritria, de esta resolver seus conflitos esuperar as diferenas e dificuldades nos campos econmico, social, poltico cultural, assimcomo nas relaes intersubjetivas de um modo geral. Alguns autores chegam a afirmar que nas

    razes da violncia encontra-se um "sistema autoritrio enraizado socialmente" (O'Donnel).Velho (1996), em sua abordagem acerca do tema, sustenta que uma das variveis fundamentais paracompreender a crescente violncia da sociedade brasileira o fato de ser acompanhada por umesvaziamento de contedos culturais, particularmente os ticos, no sistema de relaes sociais. Ocenrio privilegiado de tudo isto constitudo, sem dvida, pelas grandes cidades - espao onde oscontrastes dos modos de vida atuam como potencializadores da iniqidade social.1.4 - A dimenso cultural da violncia

    Referindo-se ao aumento da violncia na sociedade brasileira, Zaluar (1996) afirma que,hoje as idias que fazamos das 'nossas culturas', das 'nossas sociedades' esto cada vez mais difceis de sereconhecer no real. ( ... ), eu creio que estava certa ao afirmar a necessidade de entender essa onda recente deviolncia costumeira no Brasil, mas dentro do panorama do crime organizado internacionalmente, do crimetambm ele globalizado, com caractersticas econmicas, polticas e culturais sui generis,sem perder algo do

    velho capitalismo da busca desenfreada do lucro a qualquer preo (p. 54).No entanto, ressalta, tambm, que "o crescimento da violncia no pas remete ao plano subjetivo, dainterpretao" (p. 60). Em outras palavras, Zaluar prope a incorporao do plano cultural na sua

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    anlise.Tendo como perspectiva a afirmao da importncia do sistema de reciprocidade,2 afetado com ocrescimento das grandes cidades, Velho (1996)1 prope um referencial antropolgico no estudo daviolncia. O sistema de valores e relaes sociais no Brasil passou por profundas modificaes coma expanso da economia de mercado, as migraes, a industrializao, a introduo de novastecnologias e o florescimento da cultura de massas. No bojo destas transformaes, de acordo como autor, as ideologias individualistas ganharam terreno, o campo de possibilidades socioculturais

    diversificou-se e houve um aumento das alternativas e escolhas quanto aos estilos de vida.Argumenta, ainda, que a difuso dos valores individualistas significou um enfraquecimento nasformas tradicionais de relacionamento, associadas a uma viso hierarquizada de mundo.Cumpre notar a nfase dada pelo autor (Velho, 1996) s mudanas que afetaram o universo devalores e, especificamente, as expectativas de reciprocidade. Assinala que

    h trinta ou quarenta anos as relaes interclasses ou, em geral, entre categorias sociais hierarquicamentediferenciadas eram regidas por padres de interao mais amistosos, dentro da lgica do clientelismo. ( ... ) medida que o individualismo foi assumindo formas mais agonsticas e a impessoalidade foi, gradativamente,ocupando espaos antes caracterizados porcontatosface-to-face, a violncia fsica foi se rotinizando, deixandode ser excepcional para tornar-se uma marca do cotidiano (p. 17).

    Apesar de sustentar que os valores tradicionais, pelos quais as geraes mais velhas ocupavamposies de prestgio, foram perdendo fora no bojo das transformaes sociais de nossa sociedade,

    Velho afirma que o crescimento e a difuso de valores individualistas na sociedade brasileira nosignificaram o fim da hierarquia. Para ele, o que se nota atualmente a coexistncia e combinaodas duas vises de mundo, embora com nuances diferentes.Esta abordagem da dimenso cultural da violncia, que enfoca o "individualismo desancorado decompromissos ticos", tambm contribui para entender a naturalizao da violncia atravs da"midiatizao" (Velho, 1996).A imagem tem ocupado cada vez um maior espao na construo dos processos de socializao. Deacordo com Perz Guzmn (1996), encontramo-nos frente a uma ordem simblica que secaracteriza por um grande consumo de signos e imagens, assim como de uma profundasemiotizao da vida cotidiana. Tais fenmenos tm sido possveis devido ao nvel dedesenvolvimento da nova indstria cultural transnacionalizada.

    A naturalizao de comportamentos violentos pela cultura de massa , sem dvida, outro fator querefora a banalizao da violncia. Uma cultura do medo, da desconfiana, da competitividade, dainsegurana, da representao do outro como inimigo, particularmente se pertence a diferenteuniverso social e cultural, permeia as relaes interpessoais e sociais cada vez com maior fora,especialmente nas grandes cidades. Crescem as manifestaes de uma sociabilidade violenta, taiscomo gangues, violncia no esporte e nos bailes, especialmente entre os jovens.

    No entanto, convm sempre ter presente a articulao entre as dimenses estrutural e cultural daviolncia. Existe mtua implicao, e elas no podem ser dissociadas. Configura-se, assim, umatrama complexa e dramtica da problemtica da violncia na sociedade brasileira hoje, dentro daqual se situam as questes especficas relativas s manifestaes da violncia no contexto escolar.

    2. Cotidiano escolar e violncia

    1 A abordagem que Velho faz acerca do sistema de reciprocidade vinculada-se concepo de autores clssicos da antropologia, como Malinowski,Mauss e LviStrauss, que entendem a reciprocidade como motor e expresso do social. Para estes autores, "a impossibilidade da troca e de processos dereciprocidade pode gerar impasses socioculturais e irrupes de violncia dentro de grupos e sociedades ou entre eles".

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    Neste item, apresentaremos algumas reflexes sobre as diferentes manifestaes de violnciano cotidiano escolar, suas causas e possveis aminhos para trabalhar tal problemtica na prtica

    pedaggica luz de alguns estudos que, especialmente nos ltimos anos, tm-se voltado paraesta questo.2.1. As manifestaes da violncia na escola

    Observa-se hoje uma crescente preocupao de pais e educadores com as variadas expressesda violncia no interior das escolas.Nesta perspectiva,procuramos identificar diferentesformas de violncia presentes no cotidiano escolar, analisadas por alguns pesquisadores e

    pesquisadoras que tm trabalhado esta temtica.A interferncia de grupos externos

    Nos ltimos anos, possvel observar o crescimento significativo da presena e do poder donarcotrfico nos grandes centros urbanos.No Rio de Janeiro, apartir dos anos oitenta, estesgrupos tornam-se mais visveis e se intensifica sua interveno em diferentes espaos pblicos,includa a rede de ensino.Guimares (1995) analisa as relaes entre algumas escolas pblicas da rede municipal doensino fundamental do Rio de Janeiro e grupos externos, tais como o narcotrfico e asgaleras. 3Destaca, ainda, a interferncia destes grupos na organizao escolare na capacidade de a escola

    cumpriras funes que lhe so atribudas pela sociedade.Para a referida autora, "a interveno porparte do narcotrfico nessas escolas se faz ... de formasutil, com pouca visibilidade, atravs de diferentes mediadores, representativos de posiesdiversas em relao s quadrilhas, tendo como propsito ampliar a rea fsica e os grupossociais sob seu controle" (p. 7).Conclui, ainda, que esta operao "resulta em sistemas de proteo/subordinao dasinstituies, a exemplo do que se obtm por parte dos moradores das reas ocupadas".Por outro lado, a atuao das "galeras" caracteriza-se "por abordagens diretas e ostensivas decerco e de sitiamento da instituio em torno da dramatizao diria e contnua de diferentestticas de invaso, ameaa sempre latente ... e pela produo de situaes de confronto com ocorpo escolar" (p. 7 e 8).

    No raras vezes asgaleras utilizam a instituio escolar como lcuspara a soluo dependncias com grupos rivais. Assim,brigas que comearam em outras instncias acabamsendo estendidas ao espao escolar ou s proximidades deste.

    Outras formas de interferncia de grupos externos so, ainda, apontadas por Fukui (1992): asinvases por parte de "alunos insistentes",4 que vo escola "para desfrutar de um mnimo deconvvio social" (p. 111), a invaso pela populao do bairro, que ocorre "maispela indefiniodos espaos da escola e pela facilidade de acesso ... do queporao agressiva" (p. 112), e ainvaso pela polcia ou representantes de outras instituies, quando, sem licena, "invadem aesfera de autoridade do diretor e dos professores" (p. 113),para revistarem alunos,porexemplo.l "Grupos dejovens habitantes das periferias da cidade, constitudos de acordo com a rea de residncia e relativamente organizados"(Guimares, 1995,p. 7).

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    Segundo Fukui (1992), so aqueles alunos que, embora tenham abandonado os estudos, ainda esto matriculados e vo

    escolapara jogarbola,participar de algumas atividades, namorar, encontraros amigos, etc.

    possvel con statar que , em todo s os cas os de in vaso, ocorre uma fort e interfernci a navida escolar, em sua organiz ao, em sua lgic a institucional. O fechamento d a escola,"aprisionand o" os alunos, as alteraes nos hor rios de funcionamento , apreocupao deprofessores e alu nos assustados pelo risco que correm, a nfase na funo disciplinadora daescola so algumas das conseqncias desta interferncia.A depredao escolar

    Atos de vandalismo, como a quebra de louas das instalaes sanitrias, o furto de lmpadas eoutros materiais, e as pichaes, caracterizam a depredao escolar. Para Fukui (1992), tais atosrelacionam-se falta de difuso do conceito de "bem pblico", tornando-se, assim, necessria eurgente a divulgao, por exemplo, dos custos eprejuzos causados por estas depredaes.Referindo-se depredao nos bairros, Crdia (1997) observa que estes atos de violncia podem serelacionados baixa qualidade de vida em termos de infra-estrutura, no que se refere vidacoletiva. Em espaos onde, ao lado de infra-estrutura deficiente (reas de lazer, iluminao pblica,

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    pavimentao, etc.), o meio ambiente feio, duro, sem vegetao e sujo, as pessoas "no tmoportunidadepara o desenvolvimento de regras de competio, de cooperao e de pertencimentoao grupo" (p. 29). E conclui:

    o meio ambiente no permite prazer esttico: os espaos coletivos, alm de insuficientes, so to desagradveis edesvalorizados que agudizam ostress, impossibilitando um lazersaudvel. Trazem ainda uma carga simblica querepresenta a desvalorizao atribuda aos moradores. Como se sentirem valorizados, respeitados, importantespara asociedade quando o lugar onde vivem to abandonado e feio? (p. 29).

    Aplicando esta concepo ao espao escolar, pode-se afirmar que, muitas vezes, o estado deabandono eprecariedade em que se encontra grande parte das escolas pblicas pode, de algummodo, estar relacionado com a depredao escolar.Existe ainda, a possvel relao de depredao escolar como forma de contestao. Guimares(1996), citando Da Matta (1982), destaca que oquebra-quebra um grito e tem como objetivo ... obterum reconhecimento atravs deste ato violento, que anuncia a vozdaqueles indivduos destitudos, que as elites consideram de segunda classe (p. 26).Dentro desta perspectiva, a depredao, no mbito escolar, pode ser compreendida como um"protesto motivado" (Peralva, 1997). freqente, ainda, a descrio de atos violentos, cujos atores parecem cumprirum ritual.Nestecaso encontram-se, por exemplo, os grupos de jovens que saem pelas ruas tocando campainhas,

    pichando muros, etc. Tais rituais destacam o fato de a violncia poder, tambm, sercompreendida como expresso no do individual, mas do coletivo. Como afirma Guimares(1996), "as depredaes, as pichaes, as brigas entre alunos e a formao das turmas, dasgangues podem representar uma forma de persistncia social que se nega a submeter-se" (p.50). Nesse sentido, a depredao escolar pode ser compreendida tambm como uma forma deresistncia diante das imposies de normas.As brigas e agresses entre alunos(as)

    Esta forma de violncia , sem dvida, a mais presente nos relatos de educadores, alunos e pais, e,em alguns aspectos, mantm uma ntima relao com a depredao escolar. Roubos, insultos,

    brigas, explorao dos mais novos pelos mais velhos so atos que, de to freqentes no cotidianoescolar, acabam por serem banalizados e/ou tidos como manifestaes "normais" da idade e/ou da

    condio sociocultural e econmica do jovem.A violncia entre alunos constri-se em torno de duas lgicas complementares: de um lado, encenao ritual edica de uma violncia verbal e fsica; de outro, engajamento pessoal em relaes de fora, vazias de qualquercontedo preciso, exceto o de fundar uma percepo do mundo justamente em termos de relaes de fora.Nosdois casos, o que est em jogo a construo e a auto-reproduo de uma cultura da violncia (Peralva, 1997,p. 20).

    A lgica que permeia essa cultura da violncia est intimamente relacionada a um sentimento demedo, fundado na idia, amplamente difundida, de que "a violncia est em toda parte e que, paraenfrent-la, preciso poder defender-se" (id.). Esta dimenso ritual e ldica da violncia permiteum distanciamento subjetivo com relao ao medo, ao mesmo tempo que serve como instrumento

    para a reproduo de uma cultura da violncia.o desenvolvimento de tal cultura ... s possvel porque ocorre margem do mundo dos adultos. Ele traduz adebilidade do controle exercidopelos adultos sobre o universo juvenil, sua incapacidade ... de fundar, nointerior do colgio, um modelo de ordem (Peralva, 1997,p. 21).

    Assim, mesmo sendo uma modalidade de violncia cujas razes situam-se alm dos muros daescola, observa-se que ela afeta, efetivamente, a vida escolar, cabendo,portanto, instituio

    buscar alternativas quepossam transformartais relaes.As agresses entre alunos(as) e adultos

    Destacam-se neste item as agresses e ameaas a professores(as), feitas poralunos(as), e asagresses verbais, fsicas ou psicolgicas, sofridaspelos(as) alunos(as)por parte de profissionaisque atuam nas escolas.

    N a viso dos adultos, tais manifestaes de violnciapodem estar relacionadas com a falta de"competncia relacional"5 do profissional que atua nas escolas e com o fracasso na formalizaodos papis do professor e do aluno. Assim, a violncia do aluno manifesta-se sob a

    forma de um transbordamento de estratgias de gesto de conflitos,pouco eficazes - quersejam aquelas que sereferem diretamente idia de competncia relacional, ou aquelas que enfatizam a construoprecria de umpapel profissional (Peralva, 1997,p. 17).

    Na viso dos (as) alunos(as), a violncia contra o adulto sempre motivada. Pode servista como

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    uma forma de protesto. "Protesta-se contra o mau exerccio,pelo adulto, de sua capacidade dejulgar e promoverajustia" (Peralva, 1997,p. 18). Esta forma de violncia compreendidapelos(as) alunos(as) como manifestao de resistncia ao julgamento escolar ou deprotesto contrao "mau"professor(a) ou funcionrio(a). Com freqncia, o/a mau() professor(a) descrito(a) pelosalunos como aquele(a) que falta, que fraco(a), que no consegue manter a disciplina na turma, que injusto(a),principalmente no que se refere aos resultados escolares, que no tem disponibilidade

    para com os/as alunos(as), ou, ainda, que no demonstra entusiasmo pelo que faz.

    Segundo Peralva (1997), "um campo de conflitos particularmente sensvel refere-se avaliao dosresultados escolares e s notas" (p. 18). O sentido de inj .. u:s.tia, aqui, " vivido como umaagresso personalidade individual e capacidade do sujeito em construir uma imagempositiva desi mesmo, para si mesmo e para os outros" (p. 19), e podeprovocar reaes diversas, que vo desdeestratgias defensivas, como o isolamento e a apatia, at estratgias ofensivas, como a agresso, adepredao, o insulto. Pode-se afirmar que, neste caso, a desvalorizao dentro dos padresescolares compensada por uma autovalorizao de acordo com os padres da rua.Para osjovens que tm baixa-estima, que no conseguem se vincular com a escola devido aos repetidos fracassos,vandalizar a escola ... se apropriar dela e de certo modo venc-la (Cardia, 1997,p. 56).

    5 Expresso utilizada por Peralva (1997) para designar a competncia doprofissional de educao para "fazer-se conhecido atravs de atributos dejustia, escuta, capacidade de negociao, seralgum com quem sepossa falar".

    Estas estratgias ofensivas podem ser vistas, ento, como uma maneira de mostrar aos colegas que

    podem ser bem sucedidos.Nesta perspectiva,pode-se compreender tais atos como manifestao de uma lgica deenfrentamento. Tanto o/a jovem como o adulto desenvolvem uma representao dos papis

    profissionais na escola. Quando o profissional no corresponde s expectativas dos(as) alunos(as),as atitudes e comportamentos violentospodem ser entendidos como uma estratgia de contestaodestespapis.A violncia familiarA violncia familiar, sofrida pela criana e o adolescente, tem sido motivo de grande preocupao doseducadores. Apesar de estar localizada, quase sempre, fora dos muros escolares, tal forma de violnciainterfere significativamente no cotidiano escolar. Torna-se cada vez mais freqente o fato de crianaschegarem escola vtimas de violncia familiar. So diversos os fatores que podem estar relacionados a

    esta manifestao de violncia.Famlias onde h pouco debate sobre decises,pouca interao social,poucas atividades compartilhadas, ondea disciplina errtica e, quando ocorre, dura e ameaadora, e onde h muita disputa por dinheiro, so famliasnas quais o risco de violncia entre ospais e desses contra os filhos mais provvel (C ardia, 1997,p. 40-41).

    A partir de relatos de alunos(as) e educadores(as), e bem como do resultado de diversas pesquisas narea,pode-se afirmar que o comportamento dos(as) alunos(as) na escola e na rua, assim como o seudesempenho escolar fortemente afetado pela violncia familiar.Para Cardia (1997), "famlias onde h violncia entre seus membros tm alta probabilidade de estaremsocializando os filhos para a violncia" (id.,p. 40)Partindo destas reflexes,pode-se concluir que a famlia pode contribuir para aumentar ou minimizar osefeitos da violncia em outras instncias sobre seus filhos(as). Sabe-se, ainda, que a violncia na famlia

    pode comprometer o desenvolvimento cognitivo das crianas e jovens. Referindo-se ao desempenho

    escolar, Cardia (1997) destaca que esta forma de violncia pode interferirnegativamente, por exemplo,na capacidade de leitura e concentrao das crianas e jovens, assim como na capacidade de seintegrar e interagir com os colegas.

    A combinao da presena da violncia no bairro com a violncia domstica . .. ter efeitos sobre odesempenho acadmico das crianas e jovens que esto expostos a essas circunstncias, sobre a sua capacidadede adaptao a normas e disciplina e sobre a violncia na escola: crianas vtimas de violncia tm maisdificuldades de leitura e compreenso de textos,porque a inteligncia verbal afetada pela combinaopobreza-violncia, menor capacidade de ateno e de concentrao em tarefas e menor capacidade de elaborarcrticas (p. 50).

    Tal interferncia acaba por acarretar que estas crianas e jovens tenham mais problemasdisciplinares, piores notas, repetncias, o que, conseqentemente, afetar a auto-percepo decompetncia e a motivao para as atividades escolares e os vnculos entre eles(as) e a escola.

    2.2. Procurando algumas pistas para compreender a problemticaReferindo-se sociedade francesa, mas com evidentes pontos de interseo com nossa cultura,Peralva (1997) associa o fenmeno da violncia na escola ao tema "incivilidade", ou sej a, a uma

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    crise no processo civilizatrio. Estamos vivendo um momento de "inverso das condies ... queteriam definido o curso do processo civilizatrio" (p. 11). A autora, apoiada na perspectiva dosocilogo Norbert Elias, identifica inicialmente as trs condies histricas consideradas como"parteiras do processo civilizatrio" (p. 11): a centralizao do poderatravs da constituio doEstado moderno, a codificao dos comportamentos, ou seja, a existncia de regras comuns decomportamento social compartilhadas pelas pessoas e a adeso voluntria dos indivduos ordemcivilizada.6Recorre perda ou enfraquecimento tais condies, para explicar esta crise atual do

    processo civilizatrio.No que se refere centralizao do poder, observa-se, hoje, uma poltica mundial, centrada nomercado, que prope um enfraquecimento do Estado no que se refere garantia dos direitos sociais

    para a maioria da populao. Torna-se evidente que a lgica do mercado afeta a capacidade de oEstado investir nas reas sociais, tais como sade, educao, justia e segurana pblica. Reduz-sea capacidade do Estado de garantir, populao como um todo, um mnimo de qualidade de vida.Observa-se uma pauperizao dos servios pblicos, decorrente da desvalorizao do pblico em

    benefcio do privado. Temos, assim, cada vez mais, uma sociedade marcada pela desigualdadesocial.Ao lado deste enfraquecimento do poder do Estado, observa-se, de modo intenso, a partir dos anossessenta, uma forte crtica s convenes sociais. Segundo Peralva (1997), estas convenes

    "cedem, cada vez mais, espao a mecanismos de regulaes da relaes interindividuais pautadosem definies auto-referenciais" (p. 13). Temos assistido a uma substituio gradativa dasubordinao do indivduo s regras de comportamento estabelecidas pelo comportamentoorientado por escolhas individuais. Na verdade, possvel afirmar que vivemos, hoje, odescompasso entre dois momentos:

    De um lado, o momento de uma ordem que envelheceu - a ordem scio-centrada; de outro, o momento de umanova ordem emergente, centrada no indivduo ... insuficientemente constituda, incapaz, portanto, de afirmarsua prpria hegemonia enquanto modelo (id.).

    A sociedade, hoje, marcadapor uma "anorexia moral",? que se reflete no descompromissocausado pelo sentimento individual de apatia em relao vida social, na ausncia de utopias, na

    perda do sentido de viver, na falta de solidariedade, na ausncia de parmetros definidos sobre oque certo e errado.

    Outra ordem de fatores que estpresente na tentativa de compreenso do fenmeno da violncia dizrespeito ao debilitamento do interesse dos indivduos em aderir ordem "civilizada". Podem-seidentificar dois fatores que vm contribuindo para isto. Em primeiro lugar, verifica-se odebilitamento do prprio modelo. "Quando a ordem se fragmenta ... o interesse desaparece"(Peralva, 1997, p. 13). Em segundo lugar, a adeso a uma ordem est associada aos ganhos que taladeso pode proporcionar.Numa sociedade marcada pela excluso social, aumenta a distncia entreas expectativas do indivduo e a realidade.

    Cresce o fosso entre as aspiraes e as expectativas de mobilidade social e o que pode efetivamente realizar emuma sociedade que valoriza muito o sucesso econmico e que v neste sucesso a nica forma de garantir avivncia de direitos e assim atingir a cidadania (Cardia, 1997,p. 28).

    A crise da funo da escolaPartindo desta anlise mais ampla do contexto onde se situa a escola, importante, tambm,identificar, no in terior desta instituio, relaes entre fatores relacionados com a crise naidentidade da escola e as manifestaes de violncia ocorridas em seu interior.Assim como possvel constatar uma crise no processo civilizatrio a partir do enfraquecimentodas condies que o definiram, e considerando que a escola, durante muito tempo, funcionou comoum micro-Estado,pode-se identificar, nos ltimos anos, uma crise no que se refere ao poder destainstituio, aos modelos de comportamento que a se constroem e adeso chamada "ordemescolar".6 Peralva refere-se, a, ao interesse estratgico dos indivduos, diante do monoplio da fora exercido pelo Estado e conscientes das regras decomportamento, em abrir mo - ou no - da fora nas suas relaes recprocas, em favor de procedimentos definidospela capacidade de influncia e depersuaso (p. 12).Termo utilizado porJurandirFreire em conferncia proferida na PUe-Rio, em novembro de 1997.

    A escola, que podia ser caracterizada como "um espao definido por fronteiras, no interior do qualum governo central era exercido" (Peralva, 1997,p. 12), no corresponde mais a esta imagem.Constitua um microEstado, que funcionava como um Estado dentro do Estado. "A legitimidade dainstituio escolar, do educador e do processo educativo fundava-se em uma delegao de funes

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    referida a uma entidade maior, a sociedade nacional" (id.). Hoje, debilitaram-se o controle e aexigncia de um modelo de ordem central codificado atravs de regulamentos.

    Mudou a escola e mudou oCa) professor(a). "A escola era vista enquanto instrumento de ascensosocial, o professor possua status como mediador dessa ascenso, a escola era fonte privilegiada deinformaes" (Fvero, 1997, p. 32).Nos ltimos anos, temos vivido uma reverso de tal quadro.Noque se refere formao destes profissionais, observamos que,por um lado, a democratizao doensino fundamental e mdio provocou um aumento efetivo do nmero de vagas nestes nveis e a

    necessidade urgente de profissionalizao de professores, nem sempre bem-conduzi da;por outrolado, a ampliao das oportunidades de educao superior muda as "expectativas dos formandosque, antes, preparavam-se para uma vida dedicada ao magistrio" (Paiva, 1992,p; 82). Estastransformaes tiveram como efeitos visveis o esvaziamento e a fragmentao na formao dos

    professores, a diminuio drstica nos salrios, o profundo mal-estar presente nos meioseducacionais, a desvalorizao da educao e do magistrio, acabando por gerar uma grave crise deidentidade da escola. Todos esses fatores, ao lado do baixo investimento do Estado no setoreducacional e da falta de polticas educacionais voltadas para uma real democratizao da escola,levam a crer que tal expanso quantitativa no foi acompanhada de um equivalente a

    perfeioamento qualitativo.

    Diante desta realidade, observa-se um enfraquecimento do papel da escola. A expectativa de muitos

    pais e alunos continua sendo a de que a escola proporcione s crianas e aosjovens o acesso a uma"vida melhor",8 atravs de suas funes clssicas: a transmisso dos saberes historicamenteconstrudos e de uma disciplina que lhes seja tilpara o desempenho de uma profisso no futuro.

    Este discurso enfrenta, no entanto, srias contradies.

    Se de um lado, no imaginrio popular, a escola "promete" ascenso social respeitabilidade, de outroa realidade desmente essa promessa. Segundo Paiva (1992), "a idia de que maior escolaridadeassegura empregos e melhores salrios convive com a percepo emprica de que isto nem sempreacontece" (p. 78).

    Constata-se, ainda, que, diante do enfraquecimento do papel da escola, esta acaba por serresponsabilizada por outras funes, como alimentao e segurana. Com freqncia, tais funes

    so atribudas escola tanto pelas classes favorecidas economicamente, que desejam que a escolatire das ruas as crianas pobres, como pelas classes mais pauperizadas. Famlias pobres mostram-seespecialmente preocupadas em

    assegurar proteo e assistnciapara seus filhos ... de modo a poder evitar a prtica ... de deixar trancadas ascrianas, para que nopossam sair rua na ausncia dos pais -bem como minimizarseusproblemasdomsticos, encontrando em casa menores socializados de modo a desenvolveratitudes que no perturbem apaz familiar nem adicionem preocupaes s j existentes (paiva, 1992,p. 86).

    A crise de identidade da escola reforada quando se conjuga a ela a crise nos modelos decomportamento, tratada anteriormente, que caracteriza nossa sociedade atual. H de se esperar queesta crise afete, tambm, o interior da escola.Citando Bordieu(1989), Paiva ((1992) afirma que

    opoder da disciplina escolar e da internalizao de normas de conduta, valores, esquemas de percepo e aoresulta de um longo processo de incorporao inconsciente das estruturas sociais objetivas que ocorre atravsde anos de freqncia escola e que o embate com as condies objetivas de vida pode reduzirsua eficcia (p.69).

    8 A idia de "vida melhor" freqentemente associada insero no mercado de trabalho e oportunidade de emprego em funes socialmentemais valorizadas.

    Numa sociedade marcada pelo individualismo, pela apatia social, pela falta de solidariedade, pelaconfuso no que se refere ao certo e ao errado, certamente no constitui tarefa fcil estabelecerlimites e/ou construir regras disciplinares. Pais e educadores, no querendo repetir, com seusfilhos(as) e alunos(as), o modelo de educao autoritrio em que, muitas vezes, foram criados, tmdificuldades em estabelecer limites e regras de disciplina.Outros fatores associados violncia na escolaAo lado da crise de identidade da escola e da dificuldade de construir um modelo de

    comportamento apoiado em amplo consenso, outros fatores podem estarassociados smanifestaes de violncia presentes na escola.

    A negligncia com os prdios escolares

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    possvel observar, hoje, que muitas escolas pblicas se encontram em ms condies fsicas:prdios maltratados, paredes pichadas e sujas, ptios mal iluminados, quadros-negrosdestrudos, mobilirios sem manuteno, banheiros feios e sem condies de higiene soalgumas das evidncias da desvalorizao da escola e do pblico, de maneira geral. Anegligncia em manter os prdios escolares mais "um sinal de descaso que o Estado tem paracom quem usa as escolas e com quem l trabalha" (Cardia, 1997, p. 56). Prdios nestas condiesde conservao so, certamente, um convite a maior depredao e violncia. "O descuido com

    prdios sugere uma terra de ningum, uma terra sem dono que pode ser ocupada por aquele que temfora e coragem para faz-lo"(id.).Para alm da manuteno precria dos prdios escolares, a prpria construo destes um sinal dareferida desvalorizao. Muitas vezes, os prdios escolares so construdos s pressas, com oobjetivo de aumentar o nmero de vagas oferecidos em determinada comunidade e/ou com fins de

    propaganda poltica e, neste caso, sem o devido cuidado tanto no que se refere ao materialempregado como s tcnicas de construo. Uma visita a alguns destes prdios pode nos revelar,

    por exemplo, ralos que no esto ligados a um sistema de esgoto, tomadas sem conexo com a redeeltrica, pisos que se deterioram em contato com a gua e muitas outras irregularidades que vodesde "ingnuos enganos" at falhas que podem pr em risco a integridade dos alunos, professores,funcionrios, tais como janelas inadequadamente colocadas, rebocos soltos, degraus da escada

    quebrados, etc.Desapareceu a escola que era facilmente identificada ... como um dos prdios mais imponentes da cidade, aescola que, pela aparncia,j exigia um comportamento formal, de respeito, que impunha uma disciplina e quedemarcava um territrio ... (C ardia, 1997, p. 56).

    Partindo desta constatao, muitas pesquisas tm mostrado, hoje, a correlao entre a m aparnciae conservao dos prdios com a violncia e a depredao deles.A pauperizao da escola fica evidenciada, tambm, pela falta de recursos humanos que acompanhao descuido com os prdios escolares. Faltam professores, funcionrios administrativos, inspetores,

    porteiros, serventes, merendeiras, o que provoca uma sobrecarga de trabalho e funes para osprofissionais que atuam nas escolas. Este problema - associado aos baixos salrios e conseqentebaixo status social dos profissionais, falta de condies materiais de trabalho, de oportunidade deeducao continuada para professores e funcionrios, e pouca eficcia dos programas desse tipode educao, quando existentes, desmoralizao da escola pelos meios de comunicao de massa -acaba por causar, nos meios educacionais, um mal-estar que se reflete nas relaes que seestabelecem no interior da escola. No encontrar professores que, trabalhando em duas ou trsescolas, malformados, sobrecarregados de funes, desesperanados, acabem por limitar sua funo transmisso de conhecimentos; funcionrios desviados de funes; dirigentes voltados

    preferencialmente para funes burocrticas; alunos desinteressados e descompromissados com acom unidade escolar.A falta de funcionrios e professores interfere, ainda, na concepo do espao escolar e noaproveitamento que se faz dele. Este quadro "leva a restringir suas atividades apenas ao ensino

    propriamente dito" (Fukui, 1992, p. 116). Toda a rotina escolar est voltada para as atividades desala de aula. Conseqentemente, todos os espaos ociosos, onde outras atividades poderiam ser

    desenvolvidas,passam a ser ocupados desordenadamente, ficando expostos depredao e violncia.H de ressaltar, contudo, que, apesar de toda esta situao em que se encontram educadores(as) ealunos(as), a escola ainda o lugar onde se acredita que as coisas podem ser diferentes. Um grandenmero de professores(as), mesmo diante de todos os problemas que afetam a escola e omagistrio, acredita na educao e demonstra preocupao em buscar alternativas pedaggicas paralidar com os problemas cotidianos. Em geral, mesmo alunos(as) que desistiram de estudarmanifestam que no desistiram da escola. Voltam a ela para desfrutar de um mnimo deconvivncia social, por nela se sentirem mais seguros ou, ainda, por estar ligados afetivamente aosque nela estudam ou trabalham.

    A influncia da mdia

    A desmoralizao do magistrio e da escola freqente nos meios de comunicao e, como jmencionamos neste trabalho, pode afetar significativamente os vnculos entre educao esociedade. A interrelao entre a desvalorizao do magistrio e da escola e o aumento da violncia

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    escolar no pode ser negada. Podem ser assinaladas outras duas formas de influncia da mdia nasmanifestaes de violncia encontradas na escola. A primeira refere-se s cenas de violncia queso destaque nos jornais e televiso. Pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos da Cultura eEducao Continuada (IEC) demonstra que a violncia na programao de TV percebida porgrande parte dos jovens como sendo maior do que aquela encontrada na realidade. Uma segundaforma prende-se propaganda massiva voltada para o consumo,bem como s r: que divulgam evalorizam os padres de vida da mais favorecidas, o que tem influenciado os padres de consumo

    da sociedade como um todo. Processos deproduo industrializados substituem os domsticos asgrifes do o tom da distino social. Como afirma Paiva (1992), "as aspiraes de consumodiferenciado surgem ainda na infncia" (p. 84) e no esto presentes -: nas classes mdias, mastambm nas maispauperizadas. Com freqncia, estas "necessidades" deparam-se com aimpossibilidade de satisfaz-las por meios legais, surgindo como alternativa a revolta e suamanifestao em atos violentos ou a possibilidade de consegui-lo atravs de atividades ilegais.Referindo-se criminalidade Zaluar(1990) afirma que, nesta perspectiva, "a sada criminosa aentrada possvel para a sociedade de consumo j instalada no pas" (p. 65).2.3. Apontando alguns caminhos de atuaoPelos estudos analisados, poucas so as alternativas apresentadas para o enfrentamento das questesrelativas s relaes entre violncia e escola. Contudo, entre ospossveis caminhos apontados,

    constata-se que estes se relacionam a dois diferentes nveis de atuao: o que se refere ao conjuntoda sociedade como um todo, incluindo-se, a, o governo, como rgo de representao dasociedade, e o que se refere ao trabalhopedaggico desenvolvido na escola. evidente que as soluespara o enfrentamento de um problema to complexo e abrangenteafetam no somente as bases do funcionamento escolar como tambm as relaes entre a educaoe a sociedade.Neste sentido, torna-se necessrio que o Estado, a sociedade e os educadores sevoltem para medidas que tenham por finalidade valorizar a educao e o magistrio, e reforar o

    papel da escola. Destaca-se, a,a importncia do empenho e da deciso poltica por parte dos governantespara a implementao de umaurgente e real valorizao da educao e do magistrio que,partindo de soluespara os problemas estruturaisda educao, como melhores condies de trabalho e salrio digno para os profissionais do ensino, se voltempara a formao dos (as)professores(as) (Nascimento, 1997,p. 240),

    dada a importncia destes(as) para a implementao de projetos de melhoria da qualidade dotrabalho que se realiza nas escolas.Ao lado da melhoria das condies de trabalho e de salrio dos profissionais do ensino e da adoode uma poltica de formao inicial e continuada de professores, torna-se necessrio um amplodebate, com o objetivo de redefinir o papel da educao escolar, o que certamente poder contribuir

    para uma superao da atual crise de identidade da escola.As anlises e debates sobre a vida escolar, que se multiplicam a partirda dcada de sessenta,colocam em pauta a legitimidade da cultura escolar. Para Guimares (1995), tais debates refletem-se, em

    geral, ... na relativizao das funes da escola, enquanto instituio destinada s tarefas de instruo e de construo

    de umsujeito social... e seleo, concebida enquanto classificao de competncias (p. 161).Essa ltima , sem dvida, a funo mais contestada por educadores(as) e especialistas. Com a

    democratizao do ensino fundamental, muitos estudos vm mostrando que "os vnculos entre estasduas funes so marcados por tenses epodem at mesmo tornar-se abertamente contraditrios"(Peralva, 1997,p. 23). Certamente, tais contradies encontram-se na origem do conflito em tornodojulgamento escolar, que, comoj afirmamos, constitui um dos fatores relacionados com aviolncia na escola. Construir um caminho quebusque equacionaras referidas contradies,reforando a funo formadora da escola, voltada para a aprendizagem escolar, concebida como umdos instrumentos de formao cultural e de construo do sujeito tico,poltico e social, constituicertamente um grande desafio para a sociedade e, em especial,para os educandos e educadores.

    Nesta perspectiva, consideramos que tal reflexo precisa fazerparte dos debates sociais e,especialmente, ser feita no interior das escolas e das instituies responsveispela formao deeducadores. Assim, preciso que se garanta, naprtica, aos educadores do nosso pas os direitosassegurados no art. 67 da Lei de Diretrizes e Bases,9 que prev, entre outros, o direito a um perododestinado a estudos, reflexes, planejamento e avaliao, includo na carga horria de trabalho.

    No nvel mais especfico de atuao, o que se refere ao trabalho que se realiza no interior da escola,destacamos a necessidade de uma organizao dos espaos e tempos escolares que propicie

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    comunidade que ali atua momentos freqentes de reflexo coletiva sobre as questes que afetam ocotidiano escolar, como forma de melhorar o trabalho que ali se realiza. Neste sentido, salientamosa importncia de buscar alternativas para a organizao escolar que permitam maior aproximaocom os pais e mes, e com a comunidade na qual se insere a escola, bem como a realizao deoutras atividades alm das que se realizam na sala de aula, no s porque estas atividades tornam ocotidiano escolar mais agradvel, melhorando os vnculos entre os alunos e a escola, mas tambm

    porque evitam, inclusive, que os espaos ociosos do prdio escolar sejam ocupados de forma

    catica, o que contribui, muitas vezes, para uma aumento das manifestaes de violncia.Se, como vimos anteriormente, a decadncia fsica das escolas no pode ser desvinculada daviolncia, uma outra medida possvel para o enfrentamento da questo no interior da escola resideno cuidado com o ambiente fsico e os materiais escolares. Tornar o ambiente mais bonito,iluminado, confortvel e limpo poderia contribuir para valorizar os que ali trabalham e estudam,minimizando os atos de vandalismo contra os prdios escolares. Contudo, esta uma medida queno depende exclusivamente da comunidade escolar, mas sobretudo do Estado, responsvel pelaconstruo e manuteno dos prdios escolares. Como afirma Cardia (1997), "prdios degradados,grafitados, com ar de vandalizados convidam a maior degradao e violncia" (p. 56).

    9 LDB art. 67: "Os sistemas de ensino prom overo a valorizao dosprofissionais da educao, assegurand o-Ihes, inclusive nos termos dosestatut os e dos planos de carreira do mag istrio pblico: I. ingresso exclusivamentepor concu rsopblico deprovas e ttulos; lI.

    Aperfeioamento profissional continuado, inclusive com licenciamento peridico remunera dopara esse fim; IlI.piso salarial profis sional; IV.Progresso funcional baseada na ti tulao ou habilitao, ou na avaliao do desempenho; V. perod o reservado a estudo ,planejamento eavaliao, includo na carga de trabalho; VI. Condies adequ adas de traba lho. Pargrafo nico. A experi ncia docen te pr-requisito para oexerccioprofissional de quaisquerfunes de magistrio, no s termos das normas de cada sistema de ensino."

    Finalmente, destacamos a importncia do dilogo como forma de enfrentamento da questo daviolncia na escola e, dentro desta perspectiva, de se voltar o trabalho pedaggico para a construode um sersocial dotado da capacidade de falar. A linguagem considerada, a, como instrumentode sobrevivncia e de luta para a transformao da sociedade. Para Freire (1993), "no dominar asformas elitistas (de comunicao) s faria com que fosse mais difcil para eleslOsobreviverem naluta" (p. 91). Algumas experincias tm mostrado que a aquisio de confiana na palavra,substituindo a comunicao pela ao,pode diminuiras manifestaes no verbais de violncia.

    Nestaperspectiva, a violncia concebida como "uma forma de dizer com atos o que no se pode

    dizer com palavras".11

    Reforando tal dimenso da violncia, Paiva (1992) afirma que, sem a comunicao lingstica,a tendncia uma comunicao muda, em que a ao fala porsi e se apia sobre a identificao com figurasque predominantemente atuam ao invs de fazerem uso da palavra (p. 91).a ao da escola no sentido de ampliar e firmar padres de comunicao verbal precisa ser muito massiva parapoder contra-restar o peso de um ambiente em que eles no so dominantes (id.).

    Neste sentido, o dilogo pode ser considerado como instrumento privilegiado para alcanar talobjetivo. Dar voz aos estudantes, discutir com eles(as) sobre suasprprias expectativas , desvendaros ingredientes ideolgicos da tarefa educacional, desenvolver formasparticipativas de construode normas so fatores que podem contribuirsignificativamente para a construo de um ser socialcapaz de falar, de respeitar, de lutar pela transformao da sociedade.

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    10 Os ai unos das classes menos favorecidas.11Expresso utilizadapor Raquel Villardi no I Seminrio de Educao,promovidopela 3' Coordenadoria Regional de Educao da Secretariade Educao do Rio de Janeiro (1998).