Humano Demasiado - Humano I

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outras energias, e uma produção exagerada pode levar à beira da loucura o mais dotado homens. Também nas artes as naturezas extremas despertam demasiada atenção; mas é pre uma cultura muito inferior para ser cativado por elas. Por hábito, as pessoas se submete tudo o que deseja o poder. 261. Os tiranos do espírito. — A vida dos gregos brilha somente onde cai o raio do m fora disso ela é sombria. E precisamente do mito os filósofos gregos se privam: não é com quisessem deslocar-se da luz do sol para a penumbra, a escuridão? Mas nenhuma plant desvia da luz; no fundo esses filósofos procuravam apenas um sol mais claro, para eles o não era puro nem luminoso o bastante. Encontravam essa luz em seu conhecimento, naq que cada um denominava sua "verdade". Mas o conhecimento tinha então um esplendor m era ainda jovem e conhecia pouco as dificuldades e os perigos de seus caminhos; ainda po naquele tempo, ter a esperança de chegar ao centro de todo o Ser com um salto e dali reso o enigma do mundo. Esses filósofos tinham uma sólida fé em si mesmos e em suas "verdad e com ela derrubavam todos os seus vizinhos e precursores; cada um deles era um belico violento tirano. Talvez jamais tenha sido maior, no mundo, a felicidade de se crer possu da verdade, mas também a dureza, a arrogância, a tirania e maldade de uma tal crença. eram tiranos, ou seja, aquilo que todo grego queria ser e que todo grego era, se  podia s Talvez apenas Sólon fosse uma exceção; em seus poemas ele diz como desprezava a tir  pessoal. Mas o fazia por amor à sua obra, à sua legislação; e ser legislador é uma fo sublimada de tirania. Parmênides também fazia leis, assim como Pitágoras e Empédo  provavelmente; quanto a Anaximandro, fundou uma cidade. Platão foi o desejo encarnad se tornar o supremo filósofo-legislador e fundador de Estados; parece ter sof terrivelmente pela não-realização de sua natureza, e perto do fim sua alma se encheu da negra bile. Quanto mais os filósofos gregos deixavam de ter poder, tanto mais sofr interiormente com a biliosidade e ânsia de ofender; quando as diversas seitas saíram a l  por suas verdades nas ruas, as almas desses pretendentes da verdade estavam inteiram enlameadas de inveja e cólera; 113  o elemento tirânico grassava como um veneno em corpos. Todos esses pequenos tiranos teriam gostado de se comer vivos; neles não res centelha de amor, e muito pouca alegria por seu próprio conhecimento. — A afirmação de em geral os tiranos são assassinados e sua descendência tem vida breve também é válida os tiranos do espírito. Sua história é curta, violenta, sua influência é bruscam interrompida. De quase todos os grandes helenos pode-se dizer que parecem ter cheg muito tarde, ou seja, de Ésquilo, de Píndaro, de Demóstenes, de Tucídides; uma ger depois — e tudo termina. É o que há de turbulento e inquietante na história grega. Sem dúv hoje se admira o evangelho da tartaruga. Pensar historicamente, nos dias de hoje, equiva crer que a história sempre se fez conforme o princípio de "o menos possível no tempo m longo possível". Ah, a história grega passa tão rápida! Nunca mais se viveu tão prodigame tão imoderadamente. Não me convenço de que a história dos gregos tenha tido o curso nat que nela é decantado. Eles tinham talentos muito grandes e muito diversos para s raduais, à maneira da tartaruga que anda passo a passo na competição com Aquiles: o q chamado de desenvolvimento natural. Com os gregos tudo avança rapidamente, mas tam

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Nietzsche

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  • outras energias, e uma produo exagerada pode levar beira da loucura o mais dotado doshomens. Tambm nas artes as naturezas extremas despertam demasiada ateno; mas precisouma cultura muito inferior para ser cativado por elas. Por hbito, as pessoas se submetem atudo o que deseja o poder.

    261. Os tiranos do esprito. A vida dos gregos brilha somente onde cai o raio do mito;fora disso ela sombria. E precisamente do mito os filsofos gregos se privam: no como sequisessem deslocar-se da luz do sol para a penumbra, a escurido? Mas nenhuma planta sedesvia da luz; no fundo esses filsofos procuravam apenas um sol mais claro, para eles o mitono era puro nem luminoso o bastante. Encontravam essa luz em seu conhecimento, naquiloque cada um denominava sua "verdade". Mas o conhecimento tinha ento um esplendor maior;era ainda jovem e conhecia pouco as dificuldades e os perigos de seus caminhos; ainda podia,naquele tempo, ter a esperana de chegar ao centro de todo o Ser com um salto e dali resolvero enigma do mundo. Esses filsofos tinham uma slida f em si mesmos e em suas "verdades",e com ela derrubavam todos os seus vizinhos e precursores; cada um deles era um belicoso eviolento tirano. Talvez jamais tenha sido maior, no mundo, a felicidade de se crer possuidorda verdade, mas tambm a dureza, a arrogncia, a tirania e maldade de uma tal crena. Eleseram tiranos, ou seja, aquilo que todo grego queria ser e que todo grego era, se podia s-lo.Talvez apenas Slon fosse uma exceo; em seus poemas ele diz como desprezava a tiraniapessoal. Mas o fazia por amor sua obra, sua legislao; e ser legislador uma formasublimada de tirania. Parmnides tambm fazia leis, assim como Pitgoras e Empdocles,provavelmente; quanto a Anaximandro, fundou uma cidade. Plato foi o desejo encarnado dese tornar o supremo filsofo-legislador e fundador de Estados; parece ter sofridoterrivelmente pela no-realizao de sua natureza, e perto do fim sua alma se encheu da maisnegra bile. Quanto mais os filsofos gregos deixavam de ter poder, tanto mais sofriaminteriormente com a biliosidade e nsia de ofender; quando as diversas seitas saram a lutarpor suas verdades nas ruas, as almas desses pretendentes da verdade estavam inteiramenteenlameadas de inveja e clera;113 o elemento tirnico grassava como um veneno em seuscorpos. Todos esses pequenos tiranos teriam gostado de se comer vivos; neles no restavacentelha de amor, e muito pouca alegria por seu prprio conhecimento. A afirmao de queem geral os tiranos so assassinados e sua descendncia tem vida breve tambm vlida paraos tiranos do esprito. Sua histria curta, violenta, sua influncia bruscamenteinterrompida. De quase todos os grandes helenos pode-se dizer que parecem ter chegadomuito tarde, ou seja, de squilo, de Pndaro, de Demstenes, de Tucdides; uma geraodepois e tudo termina. o que h de turbulento e inquietante na histria grega. Sem dvida,hoje se admira o evangelho da tartaruga. Pensar historicamente, nos dias de hoje, equivale acrer que a histria sempre se fez conforme o princpio de "o menos possvel no tempo maislongo possvel". Ah, a histria grega passa to rpida! Nunca mais se viveu to prodigamente,to imoderadamente. No me conveno de que a histria dos gregos tenha tido o curso naturalque nela decantado. Eles tinham talentos muito grandes e muito diversos para seremgraduais, maneira da tartaruga que anda passo a passo na competio com Aquiles: o que chamado de desenvolvimento natural. Com os gregos tudo avana rapidamente, mas tambm

  • declina rapidamente; o movimento da mquina to intensificado, que uma nica pedra jogadanas engrenagens a faz explodir. Uma tal pedra foi Scrates, por exemplo; numa s noite aevoluo da cincia filosfica, at ento maravilhosamente regular, mas sem dvida aceleradademais, foi destruda. No uma questo ociosa imaginar se Plato, permanecendo livre doencanto socrtico, no teria encontrado um tipo ainda superior de homem filosfico, para nsperdido para sempre. Contemplar os tempos anteriores a ele como examinar a oficina ondese esculpem tais tipos. No entanto, os sculos VI e V parecem prometer alguma coisa mais,maior e superior ao que foi produzido; mas ficaram na promessa e no anncio. E dificilmentehaver perda mais grave que a de um tipo, de uma nova e suprema possibilidade de vidafilosfica, no descoberta at ento. Mesmo os velhos tipos, em sua maioria, chegaramprecariamente at ns; os filsofos de Tales a Demcrito me parecem dificilmentereconhecveis; quem capaz de recriar essas figuras, no entanto, caminha entre imagens domais puro e poderoso dos tipos. Esta capacidade certamente rara, no se acha sequer nosgregos posteriores que estudaram a filosofia antiga; Aristteles, sobretudo, parece no terolhos no rosto, ao deparar com os filsofos mencionados. como se esses esplndidosfilsofos tivessem existido em vo, ou devessem apenas preparar o cho para as hostespolmicas e loquazes das escolas socrticas. H aqui, como disse, uma lacuna, uma ruptura naevoluo; uma grande desgraa deve ter sucedido, e a nica esttua em que teramos notado osentido e a finalidade desse grande exerccio em escultura se quebrou ou no deu certo: o querealmente aconteceu permanecer um segredo de oficina. Aquilo que sucedeu entre osgregos que todo grande pensador, na crena de possuir a verdade absoluta, tornou-se umtirano, de modo que tambm a histria do esprito adquiriu o carter violento, precipitado eperigoso que nos mostrado em sua histria poltica , esse tipo de acontecimento no seesgotou ento: coisas semelhantes ocorreram at a poca mais recente, embora cada vez maisraras, e hoje dificilmente com a conscincia pura e ingnua dos pensadores gregos. Pois emgeral a doutrina oposta e o ceticismo falam agora com muita fora, e com voz bastante alta. Operodo dos tiranos do esprito passou. Nas esferas da cultura superior sempre haver umpredomnio, sem dvida mas esse predomnio est, de ora em diante, nas mos dosoligarcas do esprito. Apesar da separao espacial e poltica, eles formam uma sociedadecoesa, cujos membros se conhecem e se reconhecem, seja qual for a avaliao favorvel oudesfavorvel disseminada pela opinio pblica e pelos julgamentos de jornalistas efolhetinistas influentes na massa. A superioridade espiritual, que antes separava e hostilizava,agora costuma unir: como poderiam os indivduos se afirmar e prosseguir em seu trajeto,contra todas as correntes, se, ao ver aqui e ali seus iguais, vivendo nas mesmas condies, nolhes agarrassem as mos, na luta contra o carter oclocrtico114 da semi-inteligncia e dasemicultura e as eventuais tentativas de erguer uma tirania com a manipulao das massas? Osoligarcas so necessrios uns aos outros, tm um no outro sua maior alegria, conhecem seusemblemas mas apesar disso cada um deles livre, combate e vence no seu posto, e preferesucumbir a sujeitar-se.

    262. Homero. O fato de Homero ter se tornado pan-helnico to cedo continua a ser omais importante na formao grega. Toda a liberdade espiritual e humana alcanada pelos

  • gregos remonta a esse fato. Mas isso foi, ao mesmo tempo, a verdadeira fatalidade daformao grega, pois Homero aplainou medida que centralizou, e dissolveu os mais sriosinstintos de independncia. De quando em quando se erguia, da profundeza do sentimentogrego, o protesto contra Homero; mas ele sempre foi vencedor. As grandes potnciasespirituais exercem uma influncia opressora, alm daquela libertadora: mas sem dvida hdiferena se Homero, a Bblia ou a Cincia que tiraniza os homens.

    263. Dons. Numa humanidade altamente desenvolvida como a de hoje, cada um tem danatureza a possibilidade de alcanar vrios talentos. Cada qual possui talento nato, mas empoucos inato ou inculcado o grau de tenacidade, perseverana, energia, para que algum setorne de fato um talento, isto , se torne aquilo que , ou seja, o descarregue em obras e aes.

    264. O homem de esprito, superestimado ou subestimado. Pessoas no cientficas,mas talentosas, apreciam todo indcio de esprito, esteja ele numa trilha certa ou numa falsa;elas querem, sobretudo, que a pessoa com que lidam as entretenha com seu esprito, asestimule, inflame, conduza seriedade e ao gracejo, e de todo modo as proteja do tdio, comoum poderoso amuleto. As naturezas cientficas, porm, sabem que o dom de ter muitas idiasdeve ser refreado severamente pelo esprito da cincia; no aquilo que brilha, aparece eexcita, mas a verdade muitas vezes sem lustre, o fruto que ele deseja sacudir da rvore doconhecimento. Ele pode, como Aristteles, no fazer distino entre "tediosos" e"espirituosos"; seu demnio o conduz tanto pelo deserto como pela vegetao tropical, paraque em toda parte ele se alegre apenas com o real, slido, genuno. Disso resulta, eminsignificantes eruditos, desprezo e desconfiana da espirituosidade, enquanto freqentementeas pessoas espirituosas tm averso pela cincia: como, por exemplo, quase todos os artistas.

    265. A razo na escola. A escola no tem tarefa mais importante do que ensinar opensamento rigoroso, o julgamento prudente, o raciocnio coerente; por isso ela deveprescindir de todas as coisas que no so teis a essas operaes, por exemplo, da religio.Ela pode esperar que depois a falta de clareza humana, o hbito e a necessidade afrouxaro denovo o arco demasiado tenso do pensar. Mas enquanto durar sua influncia, deve promover fora o que essencial e distintivo no homem: "Razo e Cincia, suprema fora do homem" como pelo menos Goethe de opinio. O grande naturalista Von Baer v a superioridadedos europeus em relao aos asiticos na capacidade, adquirida na escola, de oferecer razespara tudo aquilo em que crem, algo de que os asiticos no so absolutamente capazes. AEuropa freqentou a escola do pensar coerente e crtico, enquanto a sia ainda no sabedistinguir entre poesia e realidade e no est consciente de onde vm suas convices, se dasua prpria observao e pensamento correto ou de fantasias. A razo na escola fez daEuropa a Europa: na Idade Mdia ela estava a caminho de se tornar novamente um pedao eapndice da sia isto , de perder o senso cientfico que devia aos gregos.

    266. Efeito subestimado do ensino ginasial. Geralmente no enxergamos o valor doginsio nas coisas que nele aprendemos de fato e que dele sempre conservamos, mas naquelas

  • que so ensinadas e que o aluno assimila a contragosto, para delas se livrar o maisrapidamente que possa. A leitura dos clssicos toda pessoa educada h de convir , domodo como se realiza em toda parte, um procedimento monstruoso: feita para jovens que demaneira alguma esto maduros para ela, e por professores que com toda palavra, s vezes coma prpria figura, j cobrem de mofo qualquer bom autor. Mas nisso est o valor quenormalmente no reconhecido esses professores falam a lngua abstrata da culturasuperior, pesada e difcil de compreender, mas uma elevada ginstica da mente; em sualinguagem aparecem continuamente conceitos, termos especiais, mtodos, aluses que osjovens quase nunca ouvem na conversa com familiares ou na rua. Se os alunos apenasouvirem, seu intelecto ser involuntariamente preparado para um modo de ver cientfico. No possvel que algum saia dessa disciplina totalmente intocado pela abstrao, como purofilho da natureza.

    267. Aprender muitas lnguas. Aprender muitas lnguas enche a memria de palavras,em vez de fatos e idias, quando a memria um recipiente que em cada indivduo s podeacolher uma medida certa e limitada de contedo. Alm disso, o aprendizado de muitaslnguas prejudica por fazer acreditar que se tem habilidades, e realmente confere algumprestgio sedutor no trato social; tambm prejudica indiretamente, ao obstar a aquisio deconhecimentos slidos e a inteno de ganhar de maneira sria o respeito das pessoas. Porfim, como um golpe de machado na raiz do refinado sentimento da lngua que se tenha doidioma materno: ele incuravelmente ferido e arruinado. Os dois povos que produziram osmaiores estilistas, os gregos e os franceses, no aprenderam lnguas estrangeiras. Porm,como as relaes entre os homens devem se tornar cada vez mais cosmopolitas e como agoraum comerciante estabelecido em Londres, por exemplo, j tem de se comunicar por escrito eoralmente em oito idiomas, aprender muitas lnguas sem dvida um mal necessrio; que,chegando ao extremo, forar a humanidade a encontrar um remdio: e num futuro distantehaver para todos uma nova lngua, primeiro como lngua comercial e depois como lngua dasrelaes intelectuais, to certo como um dia existir navegao area. Pois com que finalidadea cincia lingstica teria estudado por um sculo as leis do idioma e aquilatado o que necessrio, valioso e bem-sucedido em cada lngua?

    268. Sobre a histria blica do indivduo. Numa vida humana que passa por vriasculturas, achamos concentrada a luta que normalmente se desenrola entre duas geraes, entrepai e filho: o parentesco prximo exacerba esta luta, porque cada uma das partes nelaenvolve, de maneira implacvel, o ntimo da outra, que conhece to bem; ento a luta serparticularmente dura no indivduo; nele cada nova fase passa por cima das anteriores, comcruel injustia e desconhecimento de seus meios e fins.

    269. Quinze minutos antes. s vezes encontramos algum cujas opinies esto frentede seu tempo, mas apenas o bastante para antecipar as idias vulgares da dcada seguinte. Elepossui a opinio pblica antes que ela seja pblica; isto : quinze minutos antes dos demais,ele caiu nos braos de uma opinio que merece tornar-se trivial. Mas sua fama costuma ser

  • mais rumorosa que a dos verdadeiramente grandes e superiores.

    270. A arte de ler. Toda orientao forte unilateral; assemelha-se direo da linhareta e exclusiva como esta, ou seja, no toca em muitas outras direes, como fazem ospartidos e naturezas fracas em seu ir-e-vir ondulatrio: portanto, tambm aos fillogosdevemos perdoar que sejam unilaterais. O estabelecimento e a preservao dos textos, ao ladode sua exegese, realizados numa corporao durante sculos, fizeram com que agora sechegasse enfim aos mtodos corretos: toda a Idade Mdia foi incapaz de uma exegeseestritamente filolgica, isto , de simplesmente querer entender o que diz o autor no foipouco encontrar esses mtodos, no subestimemos esse fato! A cincia inteira ganhoucontinuidade e estabilidade apenas quando a arte da boa leitura, isto , a filologia, atingiu seuapogeu.

    271. A arte de raciocinar. O maior progresso feito pelo homem foi aprender araciocinar corretamente. Isso no coisa to natural como supe Schopenhauer, ao dizer que"capazes de raciocinar so todos, de julgar, poucos";115 mas foi algo aprendido tardiamente, eque at hoje no predomina. Nos tempos antigos a regra era o falso raciocnio: e as mitologiasde todos os povos, sua magia e superstio, seus cultos religiosos, seu direito, so asinesgotveis jazidas de provas de tal afirmao.

    272. Os anis de crescimento da cultura individual. A fora ou fraqueza daprodutividade espiritual no se acha ligada tanto ao talento herdado quanto medida devigor116 que veio junto com ele. A maioria dos jovens cultos de trinta anos retrocede nesseprimeiro solstcio de sua vida e a partir de ento perde o gosto para mudanas espirituais. Porisso a salvao de uma cultura que no pra de crescer requer imediatamente uma novagerao, que entretanto no vai muito longe tambm: pois para recobrar a cultura do pai ofilho tem de gastar quase toda a energia herdada, que o prprio pai possua na fase da vida emque gerou o filho; com o pouco excedente ele vai adiante (pois, ao se fazer o caminho pelasegunda vez, avana-se um pouco mais rpido; para aprender o mesmo que o pai sabia, o filhono despende tanta energia). Homens bastante vigorosos, como Goethe, por exemplo,percorrem tanto caminho quanto quatro geraes; mas por isso avanam depressa demais, demodo que os outros os alcanam apenas no sculo seguinte, e talvez nem o faam inteiramente,pois a coeso da cultura, a coerncia de seu desenvolvimento, foi enfraquecida pelasinterrupes freqentes. As fases habituais da cultura espiritual que se atingiu ao longo dahistria so recobradas pelos indivduos de modo cada vez mais rpido. Atualmente elescomeam a entrar na cultura como crianas movidas pela religio, e aos dez anos de idadeatingem talvez a vivacidade maior desse sentimento, depois passando a formas mais atenuadas(pantesmo), enquanto se aproximam da cincia; deixam para trs a noo de Deus, deimortalidade e coisas assim, mas sucumbem ao encanto de uma filosofia metafsica. Esta lhesparece tambm pouco digna de crdito, afinal; e a arte parece prometer cada vez mais, demodo que por algum tempo a metafsica s persiste e sobrevive transformada em arte, oucomo disposio artisticamente transfiguradora. Mas o sentido cientfico torna-se cada vez

  • mais imperioso e leva o homem adulto cincia natural e histria, sobretudo aos mtodosmais rigorosos do conhecimento, enquanto a arte vai assumindo uma significao mais brandae mais modesta. Nos dias de hoje, tudo isso costuma suceder nos primeiros trinta anos da vidade um homem. a recapitulao de um trabalho que ocupou a humanidade por talvez trinta milanos.

    273. Retrocedendo, mas no ficando para trs. Quem hoje ainda comea o seudesenvolvimento com sentimentos religiosos e depois continua, talvez por muito tempo, aviver na metafsica e na arte, recuou certamente um bom pedao e inicia a disputa com outroshomens modernos em condies desfavorveis: aparentemente ele perde tempo e terreno.Mas, por haver se detido em regies onde o calor e a energia so desencadeados, e ondecontinuamente o poder flui de fonte inesgotvel, como uma torrente vulcnica, ao deixar nomomento certo essas regies ele avana mais rapidamente, seu p adquire asas, seu peitoaprende a respirar de maneira mais calma, mais profunda e constante. Ele apenas recuou,para ter terreno bastante para seu salto: ento pode at haver algo de terrvel, de ameaador,nesse recuo.

    274. Um segmento de nosso Eu como objeto artstico. um indcio de culturasuperior reter conscientemente certas fases do desenvolvimento, que os homens menoresvivenciam quase sem pensar e depois apagam da lousa de sua alma, e fazer delas um desenhofiel: este o gnero mais elevado da arte pictrica, que poucos entendem. Para isto necessrio isolar essas fases artificialmente. Os estudos histricos cultivam a qualificaopara essa pintura, pois sempre nos desafiam, ante um trecho da histria, a vida de um povo ou de um homem , a imaginar um horizonte bem definido de pensamentos, uma foradefinida de sentimentos, o predomnio de uns, a retirada de outros. O senso histrico consisteem poder reconstruir rapidamente, nas ocasies que se oferecem, tais sistemas de pensamentoe sentimento, assim como obtemos a viso de um templo a partir de colunas e restos deparedes que ficaram de p. Seu primeiro resultado compreendermos nossos semelhantescomo tais sistemas e representantes bem definidos de culturas diversas, isto , comonecessrios, mas alterveis. E, inversamente, que podemos destacar trechos de nosso prpriodesenvolvimento e estabelec-los como autnomos.

    275. Cnicos e epicrios. O cnico percebe o nexo entre as dores mais numerosas emais fortes do homem superiormente cultivado e a profuso de suas necessidades; elecompreende, portanto, que a pletora de opinies sobre o belo, o conveniente, decoroso,prazeroso, deveria fazer brotarem ricas fontes de gozo, mas tambm de desprazer. Emconformidade com tal percepo ele regride no desenvolvimento, ao renunciar a muitas dessasopinies e furtar-se a determinadas exigncias da cultura; com isso ganha um sentimento deliberdade e de fortalecimento; e aos poucos, quando o hbito lhe torna suportvel o modo devida, passa realmente a ter sensaes de desprazer mais raras e mais fracas que os homenscultivados, e se aproxima da condio do animal domstico; alm do mais, sente tudo com ofascnio do contraste e pode igualmente xingar a seu bel-prazer: de modo a novamente se

  • erguer muito acima do mundo de sensaes do animal. O epicrio tem o mesmo ponto devista do cnico; entre os dois existe, em geral, apenas uma diferena de temperamento. Oepicrio utiliza sua cultura superior para se tornar independente das opinies dominantes;eleva-se acima destas, enquanto o cnico fica apenas na negao. Aquele anda, digamos assim,por caminhos sem vento, bem protegidos, penumbrosos, enquanto acima dele as copas dasrvores bramem ao vento, denunciando-lhe a veemncia com que o mundo l fora se move. Ocnico, por outro lado, vagueia nu na ventania, por assim dizer, e se endurece at perder asensibilidade.

    276. Microcosmo e macrocosmo da cultura . As melhores descobertas acerca dacultura o homem faz em si mesmo, ao encontrar em si dois poderes heterogneos quegovernam. Supondo que algum viva no amor das artes plsticas ou da msica e tambm sejatomado pelo esprito da cincia, e que considere impossvel eliminar essa contradio peladestruio de um e a total liberao do outro poder: ento s lhe resta fazer de si mesmo umedifcio da cultura to grande que esses dois poderes, ainda que em extremos opostos, possamnele habitar, enquanto entre eles se abrigam poderes intermedirios conciliadores com forabastante para, se necessrio, aplainar um conflito que surja. Mas esse edifcio da cultura numindivduo ter enorme semelhana com a construo da cultura em pocas inteiras e, poranalogia, instruir continuamente a respeito dela. Pois em toda parte onde se desenvolveu aarquitetura da cultura, foi sua tarefa obrigar harmonia os poderes conflitantes, atravs dapossante unio dos outros poderes menos incompatveis, sem no entanto oprimi-los ouacorrent-los.

    277. Felicidade e cultura. A viso do ambiente de nossa infncia nos comove: a casacom jardim, a igreja com tmulos, o lago e o bosque essas coisas sempre revemos comosofredores. A compaixo para conosco nos assalta, pois o quanto sofremos desde ento! E alitudo permanece to sereno, to eterno: apenas ns somos to diferentes, to agitados; ereencontramos algumas pessoas em que o tempo no cravou seus dentes mais do que numcarvalho: camponeses, pescadores, moradores da floresta so os mesmos. Comoo,autocompaixo face cultura inferior a marca da cultura superior; o que mostra que afelicidade, em todo o caso, no foi aumentada por ela. Quem quiser colher felicidade esatisfao na vida, que evite sempre a cultura superior.

    278. Analogia da dana. Hoje devemos considerar como sinal decisivo de grandecultura algum possuir fora e flexibilidade tanto para ser puro e rigoroso no conhecer comopara, em outros momentos, deixar que a poesia, a religio e a metafsica vo cem passos suafrente, por assim dizer, apreciando-lhes o poderio e a beleza. Tal posio entre duasexigncias to diversas muito difcil, pois a cincia requer o domnio absoluto de seusmtodos, e, no sendo este requisito satisfeito, surge o outro perigo, o de oscilar debilmentepara cima e para baixo, entre impulsos diversos. No entanto, a fim de mostrar uma via para asoluo dessa dificuldade, ao menos com uma analogia, lembremos que a dana no omesmo que um vago balanceio entre impulsos diversos. A alta cultura semelhar uma dana

  • ousada: por isso, como foi dito, necessria muita fora e flexibilidade.

    279. Aliviando a vida. Um dos principais meios de aliviar a vida idealizar todos osseus eventos; mas preciso obtermos da pintura uma noo clara do que idealizar. O pintorsolicita que o espectador no olhe de maneira demasiado aguda e precisa, ele o obriga arecuar uma certa distncia para olhar; ele tem de pressupor um afastamento bem determinadodo observador em relao ao quadro; deve at mesmo presumir, em seu espectador, um grauigualmente determinado de agudeza do olhar;117 em tais coisas ele no pode absolutamentehesitar. Portanto, quem quiser idealizar sua vida no deve querer v-la com demasiadapreciso, deve sempre remeter o olhar para uma certa distncia. Desse artifcio entendiaGoethe, por exemplo.

    280. Quando o que agrava alivia, e inversamente. Muita coisa que em certos nveisda vida humana agravamento, serve a um nvel superior como aliviamento, porque taishomens conheceram mais fortes agravamentos da vida. Ocorre tambm o inverso: a religio,por exemplo, tem uma dupla face, conforme um homem erga o olhar para ela, para que lhediminua o fardo e a misria, conforme desa os olhos at ela, como um grilho que lhepuseram para que no se eleve muito pelo ar.

    281. A cultura superior necessariamente incompreendida. Quem dotou seuinstrumento apenas de duas cordas, como os eruditos, que alm do impulso de saber tmsomente um impulso religioso adquirido, no compreende os homens que sabem tocar maiscordas. da natureza da cultura superior, de muitas cordas mais,118 que ela sempre sejainterpretada erradamente pela inferior; o que sucede, por exemplo, quando a arte tida comouma forma disfarada de religiosidade. De fato, pessoas apenas religiosas compreendem at acincia como busca do sentimento religioso, tal como os surdos-mudos no sabem o que msica, se no for movimento visvel.

    282. Lamentao. So talvez as vantagens de nosso tempo que trazem consigo umretrocesso e uma ocasional subestimao da vita contemplativa. Mas preciso reconhecerque nosso tempo pobre em grandes moralistas; que Pascal, Epiteto, Sneca, Plutarco sobem pouco lidos; que o trabalho e a diligncia que antes estavam no cortejo da deusaSade s vezes parecem grassar como uma doena. Como falta tempo para pensar etranqilidade no pensar, as pessoas no mais ponderam as opinies divergentes: contentam-seem odi-las. Com o enorme aceleramento da vida, o esprito e o olhar se acostumam a ver ejulgar parcial ou erradamente, e cada qual semelha o viajante que conhece terras e povos pelajanela do trem. Uma atitude independente e cautelosa no conhecimento vista quase como umaespcie de loucura, o esprito livre difamado, particularmente pelos eruditos, que na artecom que ele observa as coisas sentem falta de sua prpria mincia e diligncia de formiga, eque de bom grado o baniriam para um solitrio canto da cincia: enquanto ele tem a tarefa bemdistinta e superior de comandar, de um ponto afastado, todas as hostes de cientistas e eruditos,mostrando-lhes os caminhos e objetivos da cultura. Uma lamentao como a que acaba de

  • ser entoada provavelmente ter seu tempo e se calar por si mesma, ante um intenso retorno dognio da meditao.

    283. Defeito principal dos homens ativos. Aos homens ativos falta habitualmente aatividade superior, quero dizer, a individual. Eles so ativos como funcionrios,comerciantes, eruditos, isto , como representantes de uma espcie, mas no como seresindividuais e nicos; neste aspecto so indolentes. A infelicidade dos homens ativos quesua atividade quase sempre um pouco irracional. No se pode perguntar ao banqueiroacumulador de dinheiro, por exemplo, pelo objetivo de sua atividade incessante: ela irracional. Os homens ativos rolam tal como pedra, conforme a estupidez da mecnica. Todos os homens se dividem, em todos os tempos e tambm hoje, em escravos e livres; poisaquele que no tem dois teros do dia para si escravo, no importa o que seja: estadista,comerciante, funcionrio ou erudito.

    284. Em favor dos ociosos. Como sinal de que decaiu a valorizao da vidacontemplativa, os eruditos de agora competem com os homens ativos numa espcie de fruioprecipitada, de modo que parecem valorizar mais esse modo de fruir do que aquele querealmente lhes convm e que de fato um prazer bem maior. Os eruditos se envergonham dootium [cio]. Mas h algo de nobre no cio e no lazer. Se o cio realmente o comeo detodos os vcios,119 ento ao menos est bem prximo de todas as virtudes; o ocioso sempreum homem melhor do que o ativo. Mas no pensem que, ao falar de cio e lazer, estou mereferindo a vocs, preguiosos.

    285. A intranqilidade moderna. medida que andamos para o Ocidente se tornacada vez maior a agitao moderna, de modo que no conjunto os habitantes da Europa seapresentam aos americanos como amantes da tranqilidade e do prazer, embora semovimentem como abelhas ou vespas em vo. Essa agitao se torna to grande que a culturasuperior j no pode amadurecer seus frutos; como se as estaes do ano se seguissem comdemasiada rapidez. Por falta de tranqilidade, nossa civilizao se transforma numa novabarbrie. Em nenhum outro tempo os ativos, isto , os intranqilos, valeram tanto. Logo, entreas correes que necessitamos fazer no carter da humanidade est fortalecer em grandemedida o elemento contemplativo. Mas desde j o indivduo que tranqilo e constante decabea e de corao tem o direito de acreditar que possui no apenas um bom temperamento,mas uma virtude de utilidade geral, e que, ao preservar essa virtude, est mesmo realizandouma tarefa superior.

    286. Em que medida o homem ativo preguioso. Acho que cada pessoa deve ter umaopinio prpria sobre cada coisa a respeito da qual possvel ter opinio, porque ela mesma uma coisa particular e nica, que ocupa em relao a todas as outras coisas uma posionova, sem precedentes. Mas a indolncia que h no fundo da alma do homem ativo impede oser humano de tirar gua de sua prpria fonte. Com a liberdade de opinies sucede omesmo que sade: ambas so individuais, no se pode criar um conceito de validade geral

  • para nenhuma delas. O que um indivduo necessita para a sua sade , para um outro, motivode doena, e vrios caminhos e meios para a liberdade do esprito seriam, para naturezassuperiormente desenvolvidas, caminhos e meios de servido.

    287. Censor vitae [Censor da vida]. Por muito tempo, a alternncia de amor e diocaracteriza o estado interior de um homem que quer ser livre em seu julgamento da vida; eleno esquece, e tudo ressente das coisas, tudo de bom e de mau. Enfim, quando a tbua de suaalma estiver totalmente coberta de experincias, ele no desprezar nem odiar a existncia, etampouco a amar, mas estar acima dela, ora com o olhar da alegria, ora com o da tristeza, etal como a natureza ter uma disposio ora estival ora outonal.

    288. Exito secundrio. Quem deseja seriamente se tornar livre perder a inclinaopara erros e vcios, sem que nada o obrigue a isso; tambm a raiva e o desgosto o assaltarocada vez menos. Pois sua vontade no deseja nada mais instantemente do que o conhecimentoe o meio de alcan-lo, ou seja: a condio duradoura em que ele est mais apto para oconhecer.

    289. Valor da doena . O homem que jaz doente na cama talvez perceba que em geralest doente de seu ofcio, de seus negcios ou de sua sociedade, e que por causa dessas coisasperdeu a capacidade de reflexo sobre si mesmo: ele obtm esta sabedoria a partir do cio aque sua doena o obriga.

    290. Sensibilidade no campo. Quando no se tem linhas firmes e calmas no horizonteda vida, como as linhas das montanhas e dos bosques, a prpria vontade ntima do homem vema ser intranqila, dispersa e sequiosa como a natureza do citadino: ele no tem felicidade nemd felicidade.

    291. Cautela dos espritos livres. Os homens de senso livre, que vivem apenas para oconhecimento, alcanaro logo o objetivo exterior de sua vida, sua posio definitiva ante asociedade e o Estado, e se daro por satisfeitos, por exemplo, com um pequeno emprego oufortuna que baste justamente para viver; pois se organizaro de modo tal que uma grandereviravolta nas condies externas, ou mesmo subverso da ordem poltica, no transtornetambm a sua vida. Em todas essas coisas empregam o mnimo de energia, para, com toda afora acumulada e com grande flego, por assim dizer, mergulhar no conhecer. Assim podemter a esperana de descer profundamente e talvez enxergar o fundo. Um tal esprito gosta detomar apenas a borda de uma experincia, no ama as coisas em toda a largueza e abundnciade suas dobras: pois no quer se emaranhar nelas. Ele tambm conhece os dias de semanade cativeiro, de dependncia, de servio. Mas de quando em quando dever ter um domingode liberdade, de outro modo no ter como suportar a vida. provvel que mesmo o seuamor aos homens seja cauteloso e de flego curto, pois ele no quer se envolver com o mundodas propenses e da cegueira mais do que o necessrio para os fins do conhecimento. Precisaconfiar em que o gnio da justia ter algo a dizer em favor do seu discpulo e protegido, se

  • vozes acusadoras o qualificarem de pobre em amor. Em seu modo de viver e pensar h umherosmo refinado, que desdenha se oferecer adorao das massas, como faz seu irmo maisrude, e anda em silncio atravs do mundo e para fora dele. No importa por quais labirintosvagueie, sob que rochas tenha se espremido sua torrente chegando luz ele segue o seucaminho, claro, leve, quase sem rudo, e deixa que o brilho do sol brinque no seu fundo.

    292. Avante. Assim, avante no caminho da sabedoria, com um bom passo, com firmeconfiana! Seja voc como for, seja sua prpria fonte de experincia! Livre-se do desgostocom seu ser, perdoe a seu prprio Eu, pois de toda forma voc tem em si uma escada com cemdegraus, pelos quais pode ascender ao conhecimento. A poca na qual, com tristeza, voc sesente lanado, considera-o feliz por essa fortuna; ela lhe diz que atualmente voc partilhaexperincias de que homens de uma poca futura talvez tenham de se privar. No menosprezeter sido religioso; investigue plenamente como teve um genuno acesso arte. No possvel,exatamente com ajuda de tais experincias, explorar120 com maior compreenso enormestrechos do passado humano? No foi precisamente neste cho que s vezes tanto lhedesagrada, no cho do pensamento impuro, que medraram muitos dos esplndidos frutos dacultura antiga? preciso ter amado a religio e a arte como a me e a nutriz de outro modono possvel se tornar sbio. Mas preciso poder olhar alm delas, crescer alm delas;permanecendo sob o seu encanto no as compreendemos. Igualmente voc deve familiarizar-secom a histria e o cauteloso jogo dos pratos da balana: "de um lado de outro lado". Faao caminho de volta, pisando nos rastros que a humanidade fez em sua longa e penosa marchapelo deserto do passado: assim aprender, da maneira mais segura, aonde a humanidade futurano pode ou no deve retornar. E, ao desejar ver antecipadamente, com todas as foras, comoser atado o n do futuro, sua prpria vida adquirir o valor de instrumento e meio para ocrescimento. Est em suas mos fazer com que tudo o que viveu tentativas, falsos comeos,equvocos, iluses, paixes, seu amor e sua esperana reduza-se inteiramente a seuobjetivo. Este objetivo tornar-se voc mesmo uma cadeia necessria de anis da cultura, edesta necessidade inferir a necessidade na marcha da cultura em geral. Quando o seu olhartiver se tornado forte o bastante para ver o fundo, na escura fonte de seu ser e de seusconhecimentos, talvez tambm se tornem visveis para voc, no espelho dele, as distantesconstelaes das culturas vindouras. Voc acha que uma vida como essa, com tal objetivo,seria rdua demais, despida de coisas agradveis? Ento no aprendeu ainda que no h melmais doce que o do conhecimento, e que as nuvens de aflio que pairam acima lhe servirode beres, dos quais voc h de extrair o leite para seu blsamo. Apenas ao chegar velhicevoc nota como deu ouvidos voz da natureza, dessa natureza que governa o mundo inteiromediante o prazer: a mesma vida que tem seu auge na velhice tem seu auge na sabedoria, nosuave fulgor solar de uma constante alegria de esprito; ambas, a velhice e a sabedoria, vocas encontra na mesma encosta da vida, assim quis a natureza. Ento chegado o momento, eno h por que se enraivecer de que a nvoa da morte se aproxime. Em direo luz o seultimo movimento; um grito jubiloso de conhecimento o seu ltimo som.

  • Captulo sextoO HOMEM EM SOCIEDADE

    293. Dissimulao benvola. Freqentemente necessria uma dissimulao benvolana relao com as pessoas, como se no penetrssemos os motivos de sua conduta.

    294. Cpias. No raro encontrarmos cpias de homens importantes; e, como no casodas pinturas, a maioria das pessoas prefere as cpias aos originais.

    295. O orador. Pode-se falar muito adequadamente e, no entanto, de maneira que todoo mundo grite o contrrio: isso ocorre quando no se fala para todo o mundo.

    296. Falta de confidncia. A falta de confidncia entre amigos uma falha que nopode ser repreendida sem se tornar incurvel.

    297. Arte de presentear. Ter de recusar um presente apenas porque no oferecido damaneira correta nos desgosta com quem o d.

    298. O partidrio mais perigoso. Em todo partido h algum que, ao enunciar comdemasiada f os princpios do partido, estimula os demais apostasia.

    299. Conselheiros do doente. Quem d conselhos a um homem doente adquire umasensao de superioridade sobre ele, no importando se eles so acolhidos ou rejeitados. Porisso h doentes suscetveis e orgulhosos que odeiam os conselheiros mais ainda que a doena.

    300. Dois tipos de igualdade. A nsia de igualdade pode se expressar tanto pelodesejo de rebaixar os outros at seu prprio nvel (diminuindo, segregando, derrubando) comopelo desejo de subir juntamente com os outros (reconhecendo, ajudando, alegrando-se com seuxito).

    301. Combatendo o embarao. A melhor maneira de ajudar pessoas muitoembaraadas, de tranqiliz-las, consiste em elogi-las firmemente.

    302. A preferncia por certas virtudes. No atribumos valor especial posse de umadeterminada virtude, at que percebemos a sua ausncia total em nosso adversrio.

    303. Por que contradizemos. freqente contradizermos uma opinio quando, narealidade, apenas o tom com que foi exposta nos antiptico.

  • 304. Confiana e confidncia.121 Quem busca propositadamente a confidncia comoutra pessoa, em geral no est seguro de ter sua confiana. Quem est seguro da confiana dpouco valor confidncia.

    305. O equilbrio da amizade. s vezes, em nosso relacionamento com outra pessoa, ojusto equilbrio da amizade restaurado se pomos em nosso prato da balana uma pitada defalta de razo.

    306. Os mdicos mais perigosos. Os mdicos mais perigosos so os que, atores natos,imitam o mdico nato com o perfeito dom de iludir.

    307. Quando cabem os paradoxos. A fim de conquistar pessoas inteligentes para umadeterminada tese, s vezes basta apresent-la na forma de um tremendo paradoxo.

    308. Como conquistar pessoas corajosas. Persuadimos pessoas corajosas adeterminada ao apresentando-a como mais perigosa do que de fato.

    309. Cortesias. Consideramos ofensas as cortesias de pessoas que no amamos.

    310. Fazer esperar. Um meio seguro de irritar as pessoas e lhes pr maus pensamentosna cabea faz-las esperar muito tempo. Isso torna imoral.122

    311. Contra os confiantes. Pessoas que nos do toda a sua confiana acreditam, comisso, ter direito nossa. um erro de raciocnio; ddivas no conferem direitos.

    312. Meios de compensao. Muitas vezes basta dar a algum que prejudicamos aoportunidade de fazer um gracejo a nosso respeito, para proporcionar-lhe satisfao e mesmodisp-la favoravelmente.

    313. Vaidade da lngua . Uma pessoa escondendo suas ms caractersticas e vcios, ouos revelando abertamente, nos dois casos sua vaidade quer lucrar: basta ver a sutileza comque ela distingue entre aquele diante do qual esconde essas caractersticas e aquele diante doqual cndida e sincera.

    314. Respeitosamente. No querer magoar, no querer prejudicar ningum pode sersinal tanto de um carter justo como de um carter medroso.

    315. Requisito para a discusso. Quem no sabe pr no gelo seus pensamentos nodeve se entregar ao calor da discusso.

  • 316. Companhia e presuno. Desaprendemos a presuno quando sabemos andarsempre com pessoas de mrito; estar s estimula a soberba. Os jovens so presunosos porquese relacionam com seus iguais, que nada so, mas gostam de parecer muito.

    317. Motivo do ataque. No se ataca apenas para fazer mal a algum, para derrot-lo,mas talvez simplesmente para tomar conscincia da prpria fora.

    318. Adulao. As pessoas que, ao relacionar-se conosco, desejam embotar nossaprudncia com adulaes, empregam um meio perigoso, como um sonfero que, quando no fazadormecer, torna ainda mais desperto.

    319. O bom autor de cartas. Quem no escreve livros, pensa muito e vive emcompanhia inadequada, ser normalmente um bom autor de cartas.

    320. O mais feio. duvidoso que um homem muito viajado tenha encontrado emalguma parte do mundo regies mais feias do que no rosto humano.

    321. Os compassivos. As naturezas compassivas, sempre dispostas a auxiliar nadesgraa, raramente so as mesmas que se alegram juntamente com as demais: na felicidadealheia elas no tm o que fazer, so suprfluas, no se sentem na posse de sua superioridade, epor isso facilmente se desgostam.

    322. A famlia do suicida. Os familiares de um suicida no lhe perdoam no ter ficadovivo em considerao ao nome da famlia.

    323. Prevendo a ingratido. Quem d um grande presente no acha gratido, pois parao presenteado j um fardo aceitar.

    324. Na companhia de pessoas sem esprito. Ningum agradece ao homem de espritosua cortesia, quando ele se adapta a um grupo de pessoas no qual no corts mostraresprito.

    325. A presena de testemunhas. Atrs de um homem que cai na gua nos lanamos demuito bom grado, se estiverem presentes pessoas que no ousam faz-lo.

    326. Silncio. Para ambos os lados, o modo mais desagradvel de responder a umataque polmico se aborrecer e calar, pois geralmente o atacante interpreta o silncio comoum sinal de desdm.

    327. O segredo do amigo. Poucos so aqueles que, estando embaraados por falta detemas para a conversa, no revelam os assuntos secretos dos amigos.

  • 328. Humanidade. A humanidade das celebridades do esprito, ao lidar com pessoasno clebres, consiste em amavelmente no ter razo.

    329. O desconcertado. Pessoas que em sociedade no se sentem seguras aproveitamtoda ocasio em que h algum que lhes prximo, e a quem so superiores, para demonstrarpublicamente essa superioridade mediante gracejos, por exemplo.

    330. Agradecimento. Incomoda a uma alma delicada saber que algum lhe deveagradecimento; a uma alma grosseira, saber que o deve a algum.

    331. Indcio de estranhamento. O indcio mais forte do estranhamento de opiniesentre duas pessoas se d quando dizem uma outra algo irnico, mas nenhuma delas percebe aironia.

    332. Presuno com mrito. A presuno aliada ao mrito ofende ainda mais que apresuno de pessoas sem mrito: pois o prprio mrito j ofende.

    333. Perigo na voz. Pode acontecer de, numa conversa, o som de nossa prpria voznos embaraar e nos levar a afirmaes que no correspondem absolutamente a nossa opinio.

    334. Numa conversa. Dar razo ou no ao outro, numa conversa, puramente questode hbito: as duas coisas fazem sentido.

    335. Medo do prximo. Tememos a disposio hostil do prximo, porque receamosque, graas a esta disposio, ele chegue aos nossos segredos.

    336. Distinguindo ao repreender . Pessoas muito respeitadas distribuem mesmo a suarepreenso como se nos distinguissem com ela. Esperam que atentemos para a solicitude comque se ocupam de ns. Ns as compreendemos de modo totalmente errado, ao tomar suarepreenso objetivamente e nos defendermos dela; assim as irritamos e as afastamos de ns.

    337. Dissabor com a benevolncia alheia. Enganamo-nos quanto intensidade em quenos cremos odiados ou temidos: porque ns mesmos conhecemos bem o grau de nossadivergncia em relao a uma pessoa, uma tendncia, um partido, mas eles nos conhecemsuperficialmente, e portanto nos odeiam superficialmente. freqente depararmos com umabenevolncia que para ns inexplicvel; mas se a compreendemos, ento ela nos ofende,porque mostra que no nos levam bastante a srio, no nos do suficiente importncia.

    338. Vaidades que se cruzam . Duas pessoas que se encontram, e cuja vaidade igualmente grande, conservam m impresso uma da outra, pois cada uma delas estava toocupada com a impresso que queria produzir, que a outra no lhe causa nenhuma impresso;

  • enfim, as duas percebem que seus esforos foram vos, e atribuem a culpa outra.

    339. Maus modos como bons sinais. O esprito superior tem prazer nas incivilidades,arrogncias, e mesmo hostilidades de jovens ambiciosos contra ele; so os maus modos decavalos fogosos que ainda no levaram cavaleiro, e que logo sentiro orgulho de lev-lo.

    340. Quando aconselhvel no ter razo. Convm recebermos acusaes semrefut-las, mesmo quando so injustas, se o acusador vir como uma injustia maior de nossaparte o fato de o contradizermos e at o refutarmos. Sem dvida, desse modo um homem podesempre estar errado e conservar a razo, transformando-se enfim, com tranqila conscincia,num insuportvel tirano e atormentador; e o que vale para o indivduo pode suceder comclasses inteiras da sociedade.

    341. Muito pouco reverenciadas . Pessoas muito convencidas, s quais se mostra umaconsiderao menor do que a que esperavam, tentam durante muito tempo enganar a si mesmase aos outros a esse respeito e se tornam psiclogos muito sutis, a fim de estabelecer que afinalos outros as reverenciaram o bastante; se no atingem seu objetivo, se o vu da iluso serasga, entregam-se a uma raiva tanto maior.

    342. Estados primitivos ecoando na fala. Na maneira como os homens fazemafirmaes em sociedade, reconhece-se freqentemente um eco dos tempos em que elesentendiam mais de armas que de alguma outra coisa: num instante manejam suas frases comoatiradores que apontam sua besta, no outro pensamos ouvir o sibilar e o tilintar das lminas; eno caso de certos homens uma afirmao cai como um slido porrete. J as mulheres falamcomo seres que durante milnios sentaram-se junto ao tear, manusearam a agulha ou foramcrianas com as crianas.

    343. O narrador. Quem narra alguma coisa, logo deixa perceber se narra porque o fatolhe interessa ou por querer despertar o interesse mediante a narrativa. Neste caso ele exagera,usa superlativos e faz outras coisas assim. Ento ele geralmente no narra to bem, porquepensa mais em si do que no assunto.

    344. Lendo em voz alta. Quem l criaes dramticas em voz alta faz descobertassobre o seu prprio carter: para certos momentos e estados de esprito, para o que forpattico ou burlesco, digamos, acha sua voz mais natural do que para outros, enquanto na vidacotidiana talvez s no tenha tido oportunidade de mostrar pathos ou comicidade.

    345. Uma cena de comdia que sucede na vida. Algum concebe uma opinioespirituosa sobre um tema, a fim de express-la num grupo. Numa comdia, veramos eouviramos como ele se esfora em chegar ao ponto e conduzir o grupo at onde possa fazer asua observao: como sempre empurra a conversa para um nico objetivo, s vezes perde a

  • direo, recupera-a, e afinal chega o instante: quase lhe falta o flego ento algum dogrupo lhe tira a observao da boca. Que far ele? Ser contra a sua prpria opinio?

    346. Indelicado sem querer. Quando algum, sem o querer, trata indelicadamente outrapessoa, por exemplo, no a cumprimenta por no t-la reconhecido, isto o aborrece, ainda queno possa repreender sua conscincia; incomoda-o a m impresso que produziu no outro, outeme as conseqncias de um mal-entendido, ou o entristece ter ferido o outro portanto,vaidade, medo ou compaixo podem ser despertados, ou talvez tudo isso ao mesmo tempo.

    347. Obra de mestre da traio. Expressar a um cmplice a suspeita mortificante deestar sendo trado por ele, e isso justamente quando se est praticando uma traio, um golpede mestre da maldade, pois ocupa o outro com a prpria pessoa e o obriga a se comportar deforma aberta e insuspeita por algum tempo, permitindo que o verdadeiro traidor tenha as moslivres.

    348. Ofender e ser ofendido. muito mais agradvel ofender e mais tarde pedirperdo do que ser ofendido e conceder perdo. Quem faz a primeira coisa d mostra de poder,e em seguida de bom carter. O outro, se no quiser passar por desumano, tem que perdoar.Por causa dessa obrigao, mnimo o prazer na humilhao do outro.

    349. Na disputa. Quando se contradiz a opinio de outra pessoa e ao mesmo tempo sedesenvolve a prpria, a persistente considerao da outra opinio costuma atrapalhar apostura natural da prpria: ela parece mais intencional, mais aguda, talvez um tanto exagerada.

    350. Artifcio. Quem quer obter algo difcil de outra pessoa no deve enxergar a coisacomo um problema, mas simplesmente apresentar seu plano como a nica possibilidade; se noolhar do interlocutor despontar a objeo, a contradio, ele deve saber rapidamenteinterromper e no lhe deixar tempo.

    351. Remorsos aps reunies sociais. Por que temos remorsos aps as reuniessociais de costume? Porque tratamos levianamente coisas importantes, porque ao conversarsobre pessoas no falamos com inteira lealdade ou porque nos calamos quando deveramosfalar, porque oportunamente no nos levantamos e samos, em suma, porque nos comportamosem sociedade como se pertencssemos a ela.

    352. Somos julgados erroneamente. Quem quer sempre escutar os julgamentos quefazem de sua pessoa, ter sempre desgosto. Pois mesmo por aqueles que nos so maisprximos ("que nos conhecem melhor"), somos julgados erroneamente. Mesmo bons amigospodem dar vazo ao aborrecimento numa palavra desfavorvel; e seriam eles nossos amigosse nos conhecessem precisamente? Os juzos dos indiferentes causam muita dor, porquesoam to imparciais, quase objetivos. Mas se notamos que algum que nos hostil nos

  • conhece num ponto sigiloso, to bem quanto ns mesmos, como enorme ento nossacontrariedade!

    353. Tirania do retrato . Artistas e homens de Estado que a partir de alguns traosisolados compem rapidamente a imagem de uma pessoa ou um evento costumam ser injustos,ao exigir depois que o evento ou a pessoa seja realmente como eles o pintaram; exigem mesmoque algum seja to talentoso, to ladino, to injusto como vive na sua representao.

    354. O parente como o melhor amigo. Os gregos, que sabiam to bem o que umamigo de todos os povos, s eles tiveram uma discusso filosfica profunda e variadasobre a amizade; de modo que foram os primeiros e at hoje os ltimos a ver o amigo comoum problema digno de soluo , esses mesmos gregos designavam os parentes com umaexpresso que o superlativo da palavra "amigo". Isto permanece inexplicvel para mim.

    355. Honestidade no compreendida. Quando numa conversa algum cita a si mesmo("eu disse ento", "costumo dizer"), isto d impresso de arrogncia, mas com freqncia vemda fonte contrria, pelo menos da honestidade, que no quer adornar e embelezar o instantecom idias de um momento anterior.

    356. O parasita. indcio de completa falta de nobreza algum preferir viver nadependncia, custa de outros, apenas para no ter que trabalhar, e geralmente com secretaamargura em relao queles de que depende. Tal mentalidade muito mais freqente nasmulheres que nos homens, e tambm muito mais perdovel (por razes histricas).

    357. No altar da reconciliao. H circunstncias em que s obtemos algo de umhomem se o ofendemos e criamos inimizade com ele: este sentimento de ter um inimigo oaborrece tanto, que ele aproveita o primeiro sinal de uma disposio mais branda para sereconciliar, e no altar dessa reconciliao sacrifica a coisa a que dava tanta importncia, queno pretendia ceder por nenhum preo.

    358. Solicitar compaixo como sinal de presuno. H pessoas que, ao se encolerizare ferir os outros, exigem primeiramente que no as levem a mal e, em segundo lugar, quetenham compaixo delas, por estarem sujeitas a paroxismos to violentos. A tal ponto chega apresuno humana.

    359. Isca. "Todo homem tem o seu preo" isso no verdadeiro. Mas para cada umpode haver uma isca que tem de morder. assim que, para ganhar muitas pessoas para umacausa, basta que se d a ela o brilho da filantropia, da nobreza, da caridade, da abnegao e a que causa no se poderia d-lo? So os doces e guloseimas de sua alma; outras pessoastm outros.

  • 360. Comportamento diante do elogio. Quando bons amigos elogiam um homemtalentoso, ele com freqncia ficar alegre por cortesia e benevolncia, mas na verdade issolhe indiferente. Sua autntica natureza fica inerte diante disso, e no possvel mov-lo umpasso para fora do sol ou da sombra em que est; mas as pessoas querem causar alegriamediante o elogio, e significaria mago-las no se alegrar com ele.

    361. A experincia de Scrates. Quando algum se torna mestre numa coisa, em geralcontinua a ser, por isso mesmo, um perfeito inepto na maioria das outras coisas; mas pensa-seexatamente o contrrio, algo de que Scrates j teve experincia. Este o inconveniente quetorna desagradvel a relao com os mestres.

    362. Meios de embrutecimento. Na luta contra a estupidez, os homens mais justos eafveis tornam-se enfim brutais. Com isso podem estar no caminho certo para a sua defesa;pois a fronte obtusa pede, como argumento de direito, o punho cerrado. Mas, tendo o carterjusto e afvel, como disse, eles sofrem com tal meio de defesa, mais do que fazem sofrer.

    363. Curiosidade. Se no existisse a curiosidade, pouco se faria pelo bem do prximo.Mas, sob o nome de dever ou compaixo, ela se insinua na casa do infeliz e necessitado. Talvez at mesmo no decantado amor materno haja uma boa parcela de curiosidade.

    364. Erro de clculo na sociedade. Este deseja ser interessante com seus juzos,aquele com suas afeies e averses, um terceiro com suas relaes, um quarto com seuisolamento e todos calculam mal. Pois aquele diante do qual se representa o espetculopensa ser ele mesmo o nico espetculo que interessa.

    365. O duelo. A favor das questes de honra e dos duelos pode-se dizer que, sealgum suscetvel a ponto de no querer viver se fulano ou sicrano diz ou pensa isto e aquilosobre ele, tem o direito de deixar a coisa ser resolvida pela morte de um ou do outro. Sobre ofato de ele ser to suscetvel, no h o que discutir; nisto somos herdeiros do passado, de suagrandeza como de seus excessos, sem os quais nunca houve grandeza. Havendo um cdigo dehonra que admite o sangue no lugar da morte, de maneira que aps um duelo segundo as regraso corao aliviado, isto um grande benefcio, pois de outro modo muitas vidas humanasestariam ameaadas. Uma instituio assim, alis, educa os homens na cautela com aspalavras e torna possvel o trato com eles.

    366. Nobreza e gratido. Uma alma nobre gostar de se sentir obrigada gratido, eno evitar medrosamente as ocasies de se obrigar a algo ou algum; tambm se mostrarserena depois, ao expressar sua gratido; enquanto as almas baixas resistem a tudo o que podeobrig-las, ou depois exageram e so muito vidas em expressar a gratido. Isso ocorreigualmente com pessoas de origem baixa ou de situao humilhante: um favor que tenhamrecebido lhes parece uma graa miraculosa.

  • 367. As horas da eloqncia. Para falar bem, certa pessoa tem necessidade de algumque lhe seja clara e reconhecidamente superior; uma outra s acha inteira liberdade dediscurso e os felizes fraseados da eloqncia diante de algum a quem sobrepuja: nos doiscasos a razo a mesma; cada uma delas s fala bem quando fala sans gne [semconstrangimento], uma porque, frente ao superior, no sente o impulso da concorrncia, dacompetio; a outra tambm por isso, diante do inferior. Mas h uma espcie muitodiferente de pessoas, que s falam bem ao falar competindo, com a inteno de ganhar. Qualdas duas espcies a mais ambiciosa: aquela que fala bem ao ter a ambio estimulada ouaquela que, justamente por esse motivo, fala mal ou absolutamente no fala?

    368. O talento para a amizade. Entre as pessoas que tm um dom especial para aamizade, dois tipos sobressaem. Um est em contnua ascenso, e para cada etapa de seudesenvolvimento encontra um amigo adequado. Desse modo conquista uma srie de amigosque raramente se relacionam entre si, e que s vezes divergem e se contradizem: algo que temcorrespondncia no fato de as etapas posteriores de seu desenvolvimento anularem ouprejudicarem as fases do incio. A algum assim podemos chamar, brincando, de escada. Ooutro tipo representado por aquele que exerce atrao sobre caracteres e talentos muitodiversos, de modo que granjeia todo um crculo de amigos; e eles prprios estabelecemrelaes amigveis entre si, apesar de toda a sua variedade. Uma tal pessoa pode ser chamadade crculo: pois preciso que nela esteja prefigurado, de algum modo, esse nexo de naturezase disposies to diversas. Em vrias pessoas, alis, o dom de ter bons amigos muitomaior que o dom de ser um bom amigo.

    369. Ttica no conversar. Depois de conversar com algum, estamos na melhor dasrelaes com o interlocutor se tivemos oportunidade de lhe mostrar nosso esprito e nossaamabilidade em todo o seu brilho. Homens espertos, que querem dispor algum a seu favor,recorrem a isso na conversa, dando pessoa timas oportunidades para um bom gracejo ecoisas assim. Pode-se imaginar uma divertida conversa entre dois espertalhes que queremdispor favoravelmente um ao outro, e por isso lanam as melhores oportunidades para l epara c, sem que nenhum deles as aproveite: de modo que a conversa transcorre geralmentesem esprito e sem amabilidade, pois cada um deixou para o outro a oportunidade de serespirituoso e amvel.

    370. Descarga do mau humor. O homem que no consegue algo prefere atribuir esteinsucesso m vontade de outro homem, em vez de ao acaso. Sua irritao aliviada se elepensa numa pessoa, e no numa coisa, como razo para o seu insucesso; pois de uma pessoapodemos nos vingar, mas as intempries do acaso tm de ser engolidas. Quando um prncipefracassa em algo, os que o rodeiam costumam indicar-lhe um homem como suposta causadaquilo, sacrificando-o no interesse de todos os cortesos; pois do contrrio o mau humor doprncipe se descarregaria sobre todos eles, no podendo ele vingar-se contra a deusa daFortuna.

  • 371. Assumindo a cor do ambiente. Por que so to contagiosas a simpatia e aaverso, de maneira que no podemos viver prximos a algum de sentimentos fortes semsermos preenchidos, como um receptculo, por seus prs e seus contras? Em primeiro lugar, atotal absteno do julgamento muito difcil, s vezes francamente intolervel para a nossavaidade; ela possui as mesmas cores da pobreza de idias e de sentimentos, ou do receio e dapouca virilidade: e assim somos levados a pelo menos tomar partido, talvez em oposio aosque nos rodeiam, se essa postura d mais prazer ao nosso orgulho. Mas em geral este osegundo ponto no nos tornamos de fato conscientes da passagem da indiferena simpatiaou averso, e sim nos habituamos pouco a pouco maneira de sentir de nosso ambiente; e,sendo a concordncia simptica e o entendimento recproco to agradveis, logo adotamos osseus signos e cores partidrias.

    372. Ironia. A ironia s adequada como instrumento pedaggico, usada por ummestre na relao com alunos de qualquer espcie: seu objetivo a humilhao, a vergonha,mas do tipo saudvel que faz despertar bons propsitos, e que inspira respeito e gratido aquem assim nos tratou, como a um mdico. O irnico se faz de ignorante, e to bem que osdiscpulos que com ele dialogam so enganados e ficam arrojados ao crer que tm umconhecimento melhor, expondo-se de todas as maneiras; eles perdem o cuidado e se mostramcomo so, at que, num dado momento, a luz que sustentavam ante o rosto do mestre mandade volta os raios sobre eles, de modo bem humilhante. Quando no h uma relao comoessa entre o mestre e os discpulos, a ironia um mau comportamento, um afeto vulgar. Todosos escritores irnicos contam com a espcie tola de homens que gostam de se sentir superioresa todos os demais, ao lado do autor, que consideram o porta-voz de sua presuno. Ohbito da ironia, assim como o do sarcasmo, corrompe tambm o carter; confere aos poucosa caracterstica de uma superioridade alegremente maldosa: por fim nos tornamos iguais a umco mordaz que aprendeu a rir, alm de morder.

    373. Presuno. O que mais devemos prevenir o crescimento dessa erva daninha quese chama presuno, que arruna toda boa colheita dentro de ns; pois h presuno nacordialidade, na demonstrao de respeito, na intimidade benvola, no carinho, no conselhoamigo, na confisso de erros, na compaixo por outros, e todas essas belas coisas provocamrepugnncia, quando tal erva cresce entre elas. O presunoso, ou seja, aquele que quersignificar mais do que ou aquilo por que tido, faz sempre um clculo errado. certo queele tem um xito momentneo, na medida em que as pessoas diante das quais presunosonormalmente lhe tributam, por medo ou comodidade, a medida de respeito que ele solicita;mas elas se vingam asperamente, subtraindo, do valor que at ento lhe deram, tanto quantoele solicitou alm da medida. No h nada que os homens faam pagar mais caro que ahumilhao. O presunoso pode tornar o seu mrito real to suspeito e pequenino aos olhosdos outros, que pisoteado por eles com ps sujos. Mesmo uma atitude orgulhosa devemosnos permitir somente quando podemos estar seguros de no ser incompreendidos e vistoscomo presunosos, diante de amigos e esposas, por exemplo. Pois nas relaes humanas noh tolice maior do que granjear a fama de presuno; ainda pior do que no ter aprendido a

  • mentir por delicadeza.

    374. Dilogo. O dilogo a conversa perfeita, porque tudo o que uma pessoa dizrecebe sua cor definida, seu tom, seu gesto de acompanhamento, em estrita referncia quelecom quem fala, ou seja, tal como sucede na troca epistolar, em que a mesma pessoa tem dezmaneiras de exprimir sua alma, conforme escreva a este ou quele indivduo. No dilogo huma nica refrao do pensamento: ela produzida pelo interlocutor, como o espelho no qualdesejamos ver nossos pensamentos refletidos do modo mais belo possvel. Mas como se dcom dois, trs ou mais interlocutores? Ento a conversa perde necessariamente em finuraindividualizadora, as vrias referncias se cruzam e se anulam; a locuo que agrada a um nosatisfaz a ndole de outro. Por isso o indivduo forado, lidando com muitos, a se recolherem si mesmo, a apresentar os fatos como so, mas tira dos assuntos o ldico ar de humanidadeque faz da conversa uma das coisas mais agradveis do mundo. Oua-se o tom em que homensque lidam com grupos inteiros de homens costumam falar, como se o baixo-contnuo de todoo discurso fosse: "este sou eu, isto sou eu que digo, pensem disso o que quiserem!". Esta arazo por que em geral as mulheres de esprito deixam uma estranha, penosa, desanimadoraimpresso naqueles que as conhecem em sociedade: falar com muitos, diante de muitos, priva-as de toda amabilidade de esprito, e apenas mostra, numa luz crua, a consciente preocupaode si mesma, a ttica e a inteno de uma vitria pblica: enquanto no dilogo essas mesmasmulheres tornam a ser femininas e recuperam a graa de seu esprito.

    375. Fama pstuma. S faz sentido esperar o reconhecimento de um futuro distante sesupomos que a humanidade permanecer essencialmente a mesma, e que toda grandeza sertida como grande no apenas numa poca, mas em todas. Isso um erro, porm; em todas aspercepes e julgamentos do que belo e bom a humanidade se transforma intensamente; fantasia acreditar que estamos algumas lguas frente e que toda a humanidade segue o nossocaminho. Alm disso, um sbio no reconhecido pode hoje dar como certo que a suadescoberta ser feita igualmente por outros, e que no melhor dos casos um historiador futuroreconhecer que ele j sabia isto ou aquilo, mas no pde obter crdito para a sua tese. Noser reconhecido interpretado pela posteridade como falta de vigor. Em suma, no se devefalar to facilmente a favor do isolamento altivo. H excees, sem dvida; mas geralmenteso nossos erros, nossas fraquezas e tolices que impedem o reconhecimento de nossas grandesqualidades.

    376. Amigos. Apenas pondere consigo mesmo como so diversos os sentimentos, comoso divididas as opinies, mesmo entre os conhecidos mais prximos; e como at mesmoopinies iguais tm, nas cabeas de seus amigos, posio ou fora muito diferente da que tmna sua; como so mltiplas as ocasies para o mal-entendido e para a ruptura hostil. Depoisdisso, voc dir a si mesmo: como inseguro o terreno em que repousam as nossas alianas eamizades, como esto prximos os frios temporais e o tempo feio, como isolado cada serhumano! Se algum percebe isso, e tambm que todas as opinies, sejam de que espcie eintensidade, so para o seu prximo to necessrias e irresponsveis como os atos, se

  • descortina essa necessidade interior das opinies, devida ao indissolvel entrelaamento decarter, ocupao, talento e ambiente talvez se livre da amargura e aspereza de sentimentoque levou aquele sbio a gritar: "Amigos, no h amigos!".123 Esta pessoa dir antes a simesma: Sim, h amigos, mas foi o erro, a iluso acerca de voc que os conduziu at voc; eeles devem ter aprendido a calar, a fim de continuar seus amigos; pois quase sempre tais laoshumanos se baseiam em que certas coisas jamais sero ditas nem tocadas: se essas pedrinhascomeam a rolar, porm, a amizade segue atrs e se rompe. Haver homens que no seriamfatalmente feridos, se soubessem o que seus mais ntimos amigos sabem no fundo a seurespeito? Conhecendo a ns mesmos e vendo o nosso ser como uma esfera cambiante deopinies e humores, aprendendo assim a menosprez-lo um pouco, colocamo-nos novamenteem equilbrio com os outros. verdade, temos bons motivos para no prezar muito os nossosconhecidos, mesmo os grandes entre eles; mas igualmente bons motivos para dirigir essesentimento para ns mesmos. Ento suportemos uns aos outros, assim como suportamos ans mesmos; e talvez chegue um dia, para cada um, a hora feliz em que dir:

    "Amigos, no h amigos!" disse o sbio moribundo;

    "Inimigos, no h inimigos!" digo eu, o tolo vivente.

  • Captulo stimoA MULHER E A CRIANA

    377. A mulher perfeita. A mulher perfeita um tipo de ser humano mais elevado que ohomem perfeito; e tambm algo muito mais raro. A cincia que estuda os animais ofereceum meio de se tornar provvel esta afirmao.

    378. Amizade e casamento. O melhor amigo ter provavelmente a melhor esposa,porque o bom casamento tem por base o talento para a amizade.

    379. Sobrevida dos pais. As dissonncias no resolvidas na relao entre o carter e aatitude dos pais124 ressoam na natureza da criana e constituem a histria ntima de seussofrimentos.

    380. Vindo da me. Todo indivduo traz em si uma imagem de mulher que provm dame: isso que o leva a respeitar as mulheres, a menosprez-las ou a ser indiferente a elas emgeral.

    381. Corrigindo a natureza. Quando no se tem um bom pai, convm providenciar um.

    382. Pai e filho. Os pais tm muito o que fazer, para compensar o fato de terem filhos.

    383. Erro das mulheres nobres . As mulheres nobres pensam que algo no existeabsolutamente, quando no possvel falar dele em sociedade.

    384. Uma doena masculina. Para a doena masculina do autodesprezo o remdiomais seguro ser amado por uma mulher inteligente.

    385. Uma espcie de cime. fcil as mes sentirem cime dos amigos de seus filhos,quando eles tm sucesso extraordinrio. Habitualmente a me ama, em seu filho, mais a simesma do que ao prprio filho.

    386. Sensata insensatez.125 Na maturidade da vida e da razo, sobrevm ao indivduoo sentimento de que seu pai errou ao ger-lo.

    387. Bondade materna. Algumas mes necessitam de filhos felizes e respeitados;outras, de filhos infelizes: seno, sua bondade de me no pode se mostrar.

  • 388. Suspiros diversos. Alguns homens suspiraram pelo rapto de suas mulheres; amaioria, porque ningum as quis raptar.

    389. Casamentos por amor. Os matrimnios que so contrados por amor (oschamados casamentos de amor [Liebesheiraten]) tm o erro como pai e a penria(necessidade) como me.126

    390. Amizade com mulheres. Uma mulher pode muito bem tornar-se amiga de umhomem; mas para manter essa amizade para isso necessrio talvez uma pequena antipatiafsica.

    391. Tdio. Muitas pessoas, mulheres sobretudo, no sentem tdio, porque nuncaaprenderam realmente a trabalhar.

    392. Um elemento do amor. Em toda espcie de amor feminino tambm aparece algodo amor materno.

    393. A unidade de lugar e o drama. Se os cnjuges no morassem juntos, os bonscasamentos seriam mais comuns.

    394. Conseqncias habituais do casamento. Toda associao que no eleva rebaixa,e vice-versa; por isso os homens habitualmente decaem um pouco, ao tomar esposa, enquantoas mulheres so elevadas um pouco. Homens demasiado intelectuais necessitam do casamentotanto quanto resistem a ele, como um amargo remdio.

    395. Ensinando a mandar. Por meio da educao deve-se ensinar as crianas defamlias modestas a mandar, e as outras crianas a obedecer.

    396. Querer se apaixonar. Noivos que foram juntados pela convenincia se esforamfreqentemente por apaixonar-se, para fugir censura da utilidade fria e calculista. Assimtambm, as pessoas que adotam o cristianismo por vantagem prpria se empenham em tornar-se verdadeiramente devotas; dessa maneira a pantomima religiosa mais fcil para elas.

    397. No h repouso no amor. Um msico que ama o tempo lento tocar as mesmaspeas cada vez mais lentamente. Em nenhum amor existe repouso.

    398. Pudor. Geralmente o pudor da mulher aumenta com sua beleza.

    399. Casamento estvel. Um casamento no qual cada um quer alcanar um objetivoindividual atravs do outro se conserva bem; por exemplo, quando a mulher quer se tornarfamosa atravs do homem, e o homem quer se tornar amado atravs da mulher.

  • 400. Natureza de Proteu .127 Por amor, as mulheres se transformam naquilo que so namente dos homens por quem so amadas.

    401. Amar e ter. Em geral as mulheres amam um homem de valor como se o quisessemter apenas para si. Bem gostariam de tranc-lo a sete chaves, se isto no contrariasse a suavaidade: pois esta requer que a importncia dele seja evidente tambm para os outros.

    402. Teste de um bom casamento . Um casamento prova ser bom pelo fato de toleraruma "exceo".

    403. Meios de levar todos a fazer tudo. Atravs de inquietaes, medos, sobrecargade trabalho e de pensamentos possvel fatigar e enfraquecer qualquer homem, de modo queele no mais se ope a algo que tem aparncia de complicado, cedendo a isso como bemsabem os diplomatas e as mulheres.

    404. Respeitabilidade e honestidade. Essas jovens que querem confiar apenas em seusencantos juvenis para o sustento de toda a vida, e cuja esperteza ainda insuflada por mesastutas, querem o mesmo que as hetairas,128 apenas so mais sagazes e menos honestas do queestas.

    405. Mscaras. H mulheres que, por mais que as pesquisemos, no tm interior, sopuras mscaras. digno de pena o homem que se envolve com estes seres quase espectrais,inevitavelmente insatisfatrios, mas precisamente elas so capazes de despertar da maneiramais intensa o desejo do homem: ele procura a sua alma e continua procurando parasempre.

    406. O casamento como uma longa conversa. Ao iniciar um casamento, o homemdeve se colocar a seguinte pergunta: voc acredita que gostar de conversar com esta mulherat na velhice? Tudo o mais no casamento transitrio, mas a maior parte de tempo dedicada conversa.

    407. Sonhos de garotas. Garotas inexperientes se lisonjeiam com a idia de que estem seu poder tornar um homem feliz; mais tarde elas aprendem que significa menosprezar umhomem supor que basta uma garota para faz-lo feliz. A vaidade da mulher exige que umhomem seja mais que um marido feliz.

    408. Desaparecimento de Fausto e Margarida . Conforme a aguda observao de umerudito, os homens cultos da Alemanha de hoje se assemelham a uma mistura de Mefistfeles eWagner,129 mas de modo algum a Fausto: que os avs deles (ao menos na juventude) sentiamse agitar dentro de si. Por dois motivos, ento para dar prosseguimento frase no lhesconvm as Margaridas. E, por j no serem desejadas, parece que se esto extinguindo.

  • 409. Garotas no ginsio. Por nada no mundo se transmita a nossa educao ginasial sgarotas! Essa educao que freqentemente faz de jovens ardentes, cheios de esprito, vidosde saber cpias de seus mestres!

    410. Sem rivais. As mulheres percebem facilmente quando a alma de um homem j foitomada; elas desejam ser amadas sem rivais, e censuram nele os objetos de sua ambio, suasatividades polticas, suas cincias e artes, se ele tiver paixo por tais coisas. A menos que elebrilhe por essas coisas ento elas esperam que uma unio amorosa com ele realce tambmseu prprio brilho; neste caso elas incentivam aquele que amam.

    411. O intelecto feminino. O intelecto das mulheres se manifesta como perfeitodomnio, presena de esprito, aproveitamento de toda vantagem. Elas o transmitem aos filhos,como sua caracterstica fundamental, e a isso o pai acrescenta o fundo mais obscuro davontade. A influncia dele determina, por assim dizer, o ritmo e a harmonia com que a novavida deve ser tocada; mas a melodia vem da mulher. Ou, expresso para aqueles que sabemperceber algo:130 as mulheres tm a inteligncia, os homens o sentimento e a paixo.131 Issono est em contradio com o fato de os homens realizarem muito mais coisas com a suainteligncia: eles tm impulsos mais profundos, mais poderosos; so estes que levam to longea sua inteligncia, que em si algo passivo. No raro as mulheres secretamente seadmirarem da venerao que os homens tributam ao seu sentimento. Se os homens, na escolhado cnjuge, buscam antes de tudo um ser profundo e sensvel, enquanto as mulheres buscamalgum sagaz, brilhante e com presena de esprito, v-se claramente que no fundo o homembusca um homem idealizado, e a mulher, uma mulher idealizada, ou seja, no um complemento,mas sim um aperfeioamento das prprias qualidades.

    412. Um julgamento de Hesodo confirmado.132 Um indcio da sagacidade dasmulheres que em quase toda parte elas souberam como se fazer sustentar, como zanges nacolmia. Pensemos no que isto significa originalmente e por que os homens no se fazemsustentar pelas mulheres. Certamente porque a vaidade e a ambio masculinas so maioresque a sagacidade feminina; pois as mulheres souberam assegurar para si, atravs dasubmisso, uma forte vantagem e mesmo a dominao. At a guarda das crianas podeoriginalmente ter sido usada, pela inteligncia das mulheres, como pretexto para se furtar oquanto pudessem ao trabalho. Ainda hoje, quando realmente trabalham, como donas-de-casa,por exemplo, elas sabem fazer disso um desconcertante alarde: de modo que o mrito do seutrabalho costuma ser enormemente superestimado pelos homens.

    413. Os mopes se apaixonam. s vezes bastam culos mais fortes para curar umapaixonado; e quem tivesse fora de imaginao para conceber um rosto, uma silhueta vinteanos mais velha, talvez passasse pela vida imperturbado.

    414. Mulheres com dio. Tomadas pelo dio as mulheres so mais perigosas que oshomens; antes de mais nada porque, uma vez despertado o seu sentimento hostil, no so

  • freadas por nenhuma considerao de justia, deixando o seu dio crescer at as ltimasconseqncias; depois, porque so exercitadas em descobrir feridas (que todo homem, todopartido tem) e espica-las: no que sua inteligncia, aguda como um punhal, presta-lhes umtimo servio (ao passo que os homens, vendo feridas, tornam-se contidos, so comfreqncia generosos e conciliadores).

    415. Amor. A idolatria que as mulheres tm pelo amor , no fundo e originalmente, umainveno da inteligncia, na medida em que, atravs das idealizaes do amor, elas aumentamseu poder e se apresentam mais desejveis aos olhos dos homens. Mas, tendo se habituado aessa superestimao do amor durante sculos, aconteceu que elas caram na prpria rede eesqueceram tal origem. Hoje elas so mais iludidas que os homens, e por isso sofrem maiscom a desiluso que quase inevitavelmente ocorre na vida de toda mulher desde que elatenha imaginao e intelecto bastantes para ser iludida e desiludida.

    416. Sobre a emancipao das mulheres . Podem as mulheres ser justas, se esto toacostumadas a amar, a imediatamente simpatizar ou antipatizar? Em virtude disso no tmtanto interesse por causas como tm por pessoas: mas, sendo a favor de uma causa, tornam-sede imediato suas partidrias, e assim corrompem sua pura, inocente influncia. H ento umperigo nada pequeno, quando lhes so confiados a poltica e certos ramos da cincia (aHistria, por exemplo). Pois o que seria mais raro do que uma mulher que realmente soubesseo que cincia? As melhores nutrem inclusive um secreto desprezo a ela, como se de algummodo lhe fossem superiores. Talvez tudo isso possa mudar; no momento assim.

    417. A inspirao no julgamento das mulheres. As sbitas decises a favor ou contra,que as mulheres costumam tomar, os lampejos de simpatias e averses que iluminam suasrelaes pessoais, em suma, as provas da injustia feminina foram envolvidas de uma aurapelos homens apaixonados, como se todas as mulheres tivessem inspiraes de sabedoria,mesmo sem a trpode dlfica e a coroa de louros:133 e muito tempo depois suas sentenas sointerpretadas e explicadas como orculos sibilinos. No entanto, se refletirmos que se podedizer algo em favor de cada pessoa, de cada causa, mas tambm contra elas, que todas ascoisas tm no apenas dois, mas trs ou quatro lados, difcil se equivocar totalmente nessasdecises sbitas; e poderamos at dizer que a natureza das coisas tal que as mulheres tmsempre razo.

    418. Fazer-se amar. Como, num par amoroso, geralmente uma pessoa ama e a outra amada, surgiu a crena de que em todo comrcio amoroso h uma medida constante de amor:quanto mais uma delas toma para si, tanto menos resta para a outra. Pode ocorrer,excepcionalmente, que a vaidade convena cada uma das duas pessoas de que ela quem deveser amada; de modo que ambas querem se fazer amar: do que resultam, em especial nocasamento, cenas algo cmicas, algo absurdas.

    419. Contradies nas cabeas femininas. Sendo as mulheres to mais pessoais do

  • que objetivas, tendncias que se contradizem logicamente toleram uma outra no seu crculode idias: elas costumam se entusiasmar precisamente pelos representantes dessas tendncias,um aps o outro, e adotam redondamente os seus sistemas; mas de modo tal que sempre surgeum ponto morto, onde mais tarde uma nova personalidade vem a preponderar. Pode acontecerque toda a filosofia, na cabea de uma mulher de idade, consista em pontos mortos desse tipo.

    420. Quem sofre mais? Aps uma desavena e disputa pessoal entre uma mulher e umhomem, uma parte sofre mais com a idia de ter magoado a outra; enquanto esta sofre maiscom a idia de no ter magoado o outro o bastante, e por isso se empenha depois, comlgrimas, soluos e caras feias, em lhe amargurar o corao.

    421. Ocasio para a generosidade feminina. Se por um momento pusssemos de ladoas exigncias dos costumes, bem poderamos considerar se a natureza e a razo no destinamo homem a vrios matrimnios sucessivos, talvez de forma que inicialmente, na idade de vintee dois anos, ele se case com uma jovem mais velha, que lhe seja superior intelectual emoralmente e se torne sua guia em meio aos perigos dos vinte anos (ambio, dio,autodesprezo, paixes de todo tipo). Mais tarde o amor dessa mulher se converteria emmaternal, e ela no apenas suportaria como estimularia, da maneira mais salutar, que aos trintao homem estabelecesse uma relao com uma moa bastante jovem, cuja educao ele tomarianas prprias mos. Para o homem de vinte anos, o casamento uma instituio necessria,para o de trinta, til, mas no necessria: para a vida posterior ele freqentementeprejudicial e favorece a regresso intelectual do homem.

    422. Tragdia da infncia. No raro que homens nobres e de altas aspiraestenham tido que empreender seu combate mais duro na infncia: talvez por terem que imporseu modo de pensar contra um pai de pensamento baixo, afeito aparncia e mentira, ou,como lorde Byron, por viverem perpetuamente em luta com uma me infantil e colrica. Sevivenciamos algo assim, por toda a vida no superaremos a dor de saber quem foi realmentenosso maior e mais perigoso inimigo.

    423. Tolice dos pais . Os erros mais crassos, no julgamento de uma pessoa, socometidos por seus pais: isto um fato; mas como explic-lo? Tero os pais demasiadaexperincia de seu filho, j no podendo reuni-la numa unidade? Observou-se que um viajantes capta corretamente os traos distintivos gerais de um povo na primeira fase de sua estadia;quanto mais conhece o povo, mais deixa de ver o que nele tpico e diferente. Atendo-se aoque est perto, seus olhos no mais percebem o que est longe. Ento os pais julgamerradamente o filho por nunca terem estado suficientemente longe dele? Uma explicaobem outra seria: as pessoas costumam no refletir sobre aquilo que as cerca, aceitando-osimplesmente. Talvez a habitual falta de reflexo dos pais seja a razo por que, tendo dejulgar seus filhos, julguem to equivocadamente.

    424. Do futuro do casamento. Essas mulheres nobres e livres, que assumem como

  • tarefa a educao e elevao do sexo feminino, no devem ignorar uma considerao: ocasamento concebido em sua mais alta forma, enquanto amizade espiritual entre duas pessoasde sexo diferente, isto , realizado como o futuro espera que seja, com o fim de gerar e educaruma nova gerao um tal casamento, que usa o elemento sensual apenas, digamos, como ummeio raro e ocasional para um fim maior, provavelmente requer, devemos desconfiar, 134 umauxlio natural, o do concubinato. Pois, se por razes de sade do homem a esposa devertambm se prestar sozinha satisfao da necessidade sexual, ento na escolha de uma esposaser determinante uma considerao errada, oposta aos fins indicados: a obteno da proleser casual, e a educao bem-sucedida, bastante improvvel. Uma boa esposa, que deve seramiga, ajudante, genitora, me, cabea de famlia, administradora, e talvez tenha de,separadamente do marido, cuidar at do seu prprio negcio ou ofcio, no pode ser aomesmo tempo concubina: em geral, significaria exigir demais dela. Assim poderia ocorrer, nofuturo, o oposto do que se deu em Atenas na poca de Pricles: os homens, que em suasesposas tinham pouco mais que concubinas, recorriam tambm s Aspsias,135 porqueansiavam pelos encantos de uma convivncia liberadora da mente e do corao, que somente agraa e a docilidade espiritual das mulheres podem criar. Todas as instituies humanas,como o casamento, permitem apenas um grau moderado de idealizao prtica, de outro modoremdios grosseiros se fazem necessrios.

    425. Perodo de Tempestade e mpeto das mulheres .136 Nos trs ou quatro pasescivilizados da Europa pode-se fazer das mulheres, com alguns sculos de educao, tudo oque se queira, at mesmo homens; no no sentido sexual, est claro, mas em qualquer outrosentido. Aps tal influncia, elas tero adquirido todas as virtudes e foras masculinas, edevero adotar igualmente as fraquezas e os vcios dos homens: tudo isso pode-se obter, comodisse. Mas como suportaremos o estado intermedirio ento produzido, que pode ele mesmodurar alguns sculos, durante os quais as loucuras e injustias femininas, seus dotes ancestrais,ainda predominaro sobre tudo o que foi ganho e aprendido? Ser o tempo em que a iraconstituir o afeto propriamente masculino, ira pelo fato de que todas as artes e cinciasestaro inundadas e enlameadas por um diletantismo inaudito, a filosofia ser silenciada porum atordoante palavrrio, a poltica ser mais fantstica e partidria do que nunca, asociedade estar em total dissoluo, porque as guardis dos velhos costumes137 tero setornado ridculas para si mesmas e se empenharo em ficar fora dos costumes em todo sentido.Pois, tendo as mulheres seu maior poder nos costumes, a que recorrero elas parareconquistar semelhante plenitude de poder, aps terem renunciado aos costumes?

    426. O esprito livre e o casamento. Vivero com mulheres os espritos livres? Creioque em geral, como as aves profticas da Antigidade, sendo aqueles que hoje pensamverdadeiramente e dizem a verdade,138 eles preferiro voar sozinhos.

    427. Felicidade do casamento. Tudo o que habitual tece nossa volta uma rede deteias de aranha cada vez mais firme; e logo percebemos que os fios se tornaram cordas e quens nos achamos no meio, como uma aranha que ali ficou presa e tem de se alimentar do

  • prprio sangue. Eis por que o esprito livre odeia todos os hbitos e regras, tudo o que duradouro e definitivo, eis por que sempre torna a romper, dolorosamente, a rede em torno desi; embora sofra, em conseqncia disso, feridas inmeras, pequenas e grandes pois essesfios ele tem que arrancar de si mesmo, de seu corpo, de sua alma. Ele tem que aprender aamar, ali onde at ento odiava, e inversamente. Nada deve ser impossvel para ele, nemmesmo semear dentes de drago no campo139 em que fizera transbordar as cornucpias de suabondade. A partir disso podemos julgar se ele feito para a felicidade do casamento.

    428. Prximo demais. Se vivemos prximos demais a uma pessoa, como serepetidamente tocssemos uma boa gravura com os dedos nus: um dia teremos nas mos umsujo pedao de papel, e nada alm disso. Tambm a alma de uma pessoa, ao ser continuamentetocada, acaba se desgastando; ao menos assim ela nos parece afinal ns nunca mais vemosseu desenho e sua beleza originais. Sempre se perde no relacionamento ntimo demais commulheres e amigos; s vezes se perde a prola de sua prpria vida.

    429. O bero dourado. O esprito livre respira aliviado, quando afinal decide sedesvencilhar dos cuidados e da proteo maternais com que governam as mulheres sua volta.Pois que mal lhe pode fazer uma corrente de ar mais fria de que o abrigam to ansiosamente, oque significa desvantagem, perda, acidente, doena, dvida, iluso a mais ou a menos em suavida, comparados ao cativeiro do bero dourado, do abanador de cauda de pavo e dasensao oprimente de, alm disso, ter de ser grato por ser tratado e mimado como um beb?Por isso, o leite que lhe dado pelo sentimento maternal das mulheres ao seu redor podefacilmente se transformar em fel.

    430. Sacrifcio voluntrio. Mulheres notveis aliviam a vida de seus maridos, no casode eles serem grandes e famosos, ao se tornarem como que o recipiente do desfavor geral e doocasional mau humor das demais pessoas. Os contemporneos costumam relevar muitos erros,tolices e mesmo atos de grossa injustia dos seus grandes homens, se encontram algum que,como verdadeiro animal de sacrifcio, possam maltratar e abater para aliviar seussentimentos. No raro que uma mulher tenha a ambio de se oferecer para tal sacrifcio, eento o homem ficar satisfeito caso seja egosta o bastante para tolerar em seu convvioesse voluntrio pra-raios, guarda-chuva e abrigo contra tempestades.

    431. Amveis adversrias. O pendor natural das mulheres para a existncia e asrelaes calmas, regulares, feliz-harmoniosas, a espcie de brilho apaziguador que suas aesdeixam no mar da vida, contraria involuntariamente o ntimo impulso herico do esprito livre.Sem que o percebam, as mulheres agem como quem tira as pedras do caminho de ummineralogista, para que seus ps no tropecem nelas quando ele saiu precisamente paranelas tropear.

    432. Dissonncia de duas consonncias. As mulheres querem servir, e nisso est suafelicidade; o esprito livre no quer ser servido, e nisso est sua felicidade.

  • 433. Xantipa. Scrates encontrou uma mulher tal como precisava mas no a teriabuscado, se a tivesse conhecido suficientemente bem: mesmo o herosmo desse esprito livreno teria ido to longe. Pois Xantipa o impeliu cada vez mais para a sua peculiar profisso, aotornar sua casa e seu lar inabitveis e inspitos:140 ela o ensinou a viver nas ruas e em todolugar onde se pudesse prosear e exercer o cio, e com isso o transformou no maior dosdialticos de rua de Atenas: que afinal se comparou a um moscardo impertinente, colocadopor um deus no pescoo do belo cavalo Atenas, para impedi-lo de repousar.141

    434. Cegas para o que est longe. Assim como as mes s tm mesmo olhos e sentidopara as dores sensveis e visveis dos filhos, tambm as esposas de homens altamenteambiciosos no suportam ver seus maridos padecendo, sofrendo privaes e menosprezo quando tudo isso talvez seja no apenas sinal de uma correta escolha de seu modo de vida,mas at a garantia de que suas grandes metas tero de ser alcanadas um dia. As mulheressempre conspiram sigilosamente contra a alma superior de seus maridos; elas querem fraudar-lhes o futuro, em favor de um presente indolor e confortvel.

    435. Poder e liberdade. Por mais que as mulheres respeitem seus maridos, elasrespeitam ainda mais as autoridades e noes reconhecidas pela sociedade: h milnios estoacostumadas a inclinar-se, com as mos sobre o peito, diante daqueles que dominam, edesaprovam toda rebeldia contra o poder pblico. por isso que, sem a inteno de faz-lo,mas como que por instinto, prendem-se como um freio s rodas de um esforo independente ede pensamento livre, e em certas ocasies tornam seus maridos muito impacientes, sobretudoquando estes persuadem a si mesmos que no fundo o amor que as leva a isso. Desaprovar osmeios das mulheres e magnanimamente respeitar os motivos desses meios esta a maneiramasculina, e freqentemente o desespero masculino.

    436. Ceterum censeo [Alm disso, sou de opinio].142 ridculo que uma sociedadede homens sem vintm decrete a abolio do direito de herana, e no menos ridculo queaqueles sem filhos elaborem a legislao prtica de um pas: eles no possuem lastrobastante em seu barco, para poder navegar seguramente no oceano do futuro. Mas pareceigualmente descabido que um homem que escolheu por misso o conhecimento mais universale a avaliao da existncia como um todo assuma o fardo de preocupaes pessoais comfamlia, segurana, alimentao, amparo de mulher e filhos, e estenda ante o seu telescpio umvu opaco, que alguns raios do firmamento distante mal conseguem atravessar. De modo quetambm eu chego afirmao de que, em questes filosficas mais elevadas, todos os homenscasados so suspeitos.

    437. Enfim. H vrias espcies de cicuta, e geralmente o destino encontraoportunidade de pr nos lbios do esprito livre um clice desse veneno para "puni-lo",como d