Memória Jurisprudencial Ministro Teori Zavascki...Ministro Luís ROBERTO BARROSO (26-6-2013)...

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Ministro Teori Zavascki Memória Jurisprudencial Brasília 2020 Supremo Tribunal Federal

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  • Ministro Teori ZavasckiMemória Jurisprudencial

    Brasília2020

    Supremo Tribunal Federal

  • SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

    Memória JurisprudencialMINISTRO TEORI ZAVASCKI

    DANIEL MITIDIEROBrasília

    2020

  • Secretaria-Geral da Presidência Daiane Nogueira de Lira

    Secretaria do Tribunal Eduardo Silva Toledo

    Secretaria de Documentação Naiara Cabeleira de Araújo Pichler

    Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência Flávia Carvalho Coelho Arlant

    Diagramação: Camila Penha Soares

    Capa: Jorge Luis Villar Peres

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Supremo Tribunal Federal – Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

    Mitidiero, Daniel.

    Memória jurisprudencial [recurso eletrônico]: Ministro Teori Zavascki / Daniel Mitidiero. - Brasília : Supremo Tribunal Federal, Secretaria de Documentação, 2020.

    353 p. - (Série Memória Jurisprudencial).

    Modo de acesso: .

    ISBN 978-65-87125-10-7

    1. Ministro de tribunal supremo, decisão judicial. 2. Ministro de tribunal supremo, biografia. 3. Brasil. Supremo Tribunal Federal, jurisprudência. 4. Zavascki, Teori Albino, 1948-2017, homenagem. I. Título. II. Série.

    CDD-341.419104

  • SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

    Ministro José Antonio DIAS TOFFOLI (23-10-2009), PresidenteMinistro LUIZ FUX (3-3-2011), Vice-PresidenteMinistro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989), DecanoMinistro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002)Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006)Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)Ministra ROSA Maria Pires WEBER (19-12-2011)Ministro Luís ROBERTO BARROSO (26-6-2013)Ministro Luiz EDSON FACHIN (16-6-2015)Ministro ALEXANDRE DE MORAES (22-3-2017)

  • Ministro Teori Zavascki

  • APRESENTAÇÃO

    A Constituição de 1988 retomou o processo democrático interrompido pelo período militar.

    Na esteira desse novo ambiente institucional, a Constituição significou uma renovada época.

    Passamos para a busca de efetividade dos direitos no campo das presta-ções de natureza pública, como pelo respeito desses direitos no âmbito da socie-dade civil.

    É na calmaria institucional que se destaca a função do Poder Judiciário.É inegável sua importância como instrumento na concretização dos valo-

    res expressos na Carta Política e como faceta do Poder Público, em que os hori-zontes de defesa dos direitos individuais e coletivos se viabilizam.

    O papel central na defesa dos direitos fundamentais não poderia ser alcançado sem a atuação decisiva do Supremo Tribunal Federal na construção da unidade e do prestígio de que goza hoje o Poder Judiciário.

    A história do SUPREMO se confunde com a própria história de constru-ção do sistema republicano-democrático que temos atualmente e com a conso-lidação da função do próprio Poder Judiciário.

    Esses quase 120 anos (desde a transformação do antigo Supremo Tribunal de Justiça no Supremo Tribunal Federal, em 28-2-1891) não significaram sim-plesmente uma seqüência de decisões de cunho protocolar.

    Trata-se de uma importante seqüência político-jurídica da história nacio-nal em que a atuação institucional, por vários momentos, se confundiu com defesa intransigente de direitos e combate aos abusos do poder político.

    Essa história foi escrita em períodos de tranqüilidade, mas houve tam-bém delicados momentos de verdadeiros regimes de exceção e resguardo da independência e da autonomia no exercício da função jurisdicional.

    Conhecer a história do SUPREMO é conhecer uma das dimensões do caminho político que trilhamos até aqui e que nos constituiu como cidadãos brasileiros em um regime constitucional democrático.

    Entretanto, ao contrário do que a comunidade jurídica muitas vezes tende a enxergar, o SUPREMO não é — nem nunca foi — apenas um prédio, um plenário, uma decisão coletada no repertório oficial, uma jurisprudência.

    O SUPREMO é formado por homens que, ao longo dos anos, abraçaram o munus publicum de se dedicarem ao resguardo dos direitos do cidadão e à defesa das instituições democráticas.

  • Conhecer os vários “perfis” do SUPREMO.Entender suas decisões e sua jurisprudência.Analisar as circunstâncias políticas e sociais que envolveram determi-

    nado julgamento.Interpretar a história de fortalecimento da instituição.Tudo isso passa por conhecer os seus membros, os valores em que acre-

    ditavam, os princípios que seguiam, a formação profissional e acadêmica que tiveram, a carreira jurídica ou política que trilharam.

    Os protagonistas dessa história sempre foram, de uma forma ou de outra, colocados de lado em nome de uma imagem insensível e impessoal do Tribunal.

    Vários desses homens públicos, muito embora tenham ajudado, de forma decisiva, a firmar institutos e instituições de nosso direito por meio de seus votos e manifestações, são desconhecidos do grande público e mesmo ignorados entre os juristas.

    A injustiça dessa realidade não vem sem preço.O desconhecimento dessa história paralela também ajudou a formar uma

    visão burocrática do Tribunal.Uma visão muito pouco crítica ou científica, além de não prestar home-

    nagem aos Ministros que, no passado, dedicaram suas vidas na edificação de um regime democrático e na proteção de um Poder Judiciário forte e independente.

    Por isso esta coleção, que ora se inicia, vem completar, finalmente, uma inaceitável lacuna em nossos estudos de direito constitucional e da própria for-mação do pensamento político brasileiro.

    Ao longo das edições desta coletânea, o aluno de direito, o estudioso do direito, o professor, o advogado, enfim, o jurista poderá conhecer com mais pro-fundidade a vida e a obra dos membros do Supremo Tribunal Federal de ontem e consultar peças e julgados de suas carreiras como magistrados do Tribunal, que constituem trabalhos inestimáveis e valorosas contribuições no campo da interpretação constitucional.

    As Constituições Brasileiras (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988) consubstanciaram documentos orgânicos e vivos durante suas vigências.

    Elas, ao mesmo tempo em que condicionaram os rumos político-institu-cionais do país, também foram influenciadas pelos valores, pelas práticas e pelas circunstâncias políticas e sociais de cada um desses períodos.

    Nesse sentido, não há como segmentar essa história sem entender a dinâ-mica própria dessas transformações.

    Há que se compreender os contextos históricos em que estavam inseridas.

  • Há que se conhecer a mentalidade dos homens que moldaram também essa realidade no âmbito do SUPREMO.

    A Constituição, nesse sentido, é um dado cultural e histórico, datada no tempo e localizada no espaço.

    Exige, para ser compreendida, o conhecimento dos juristas e dos polí-ticos que tiveram papel determinante em cada um dos períodos constitucio-nais tanto no campo da elaboração legislativa como no campo jurisdicional de sua interpretação.

    A Constituição, por outro lado, não é um “pedaço de papel” na expressão empregada por FERDINAND LASSALE.

    O sentido da Constituição, em seus múltiplos significados, se renova e é constantemente redescoberto em processo de diálogo entre o momento do intérprete e de sua pré-compreensão e o tempo do texto constitucional.

    É a “espiral hermenêutica” de HANS GEORG GADAMER.O papel exercido pelos Ministros do SUPREMO, como intérpretes ofi-

    ciais da Constituição, sempre teve caráter fundamental.Se a interpretação é procedimento criativo e de natureza jurídico-política,

    não é exagero dizer que o SUPREMO, ao longo de sua história, completou o tra-balho dos poderes constituintes que se sucederam ao aditar conteúdo normativo aos dispositivos da Constituição.

    Isso se fez na medida em que o Tribunal fixava pautas interpretativas e consolidava jurisprudências.

    Não há dúvida, portanto, de que um estudo, de fato, aprofundado no campo da política judiciária e no âmbito do direito constitucional requer, como fonte primária, a delimitação do pensamento das autoridades que participaram, em primeiro plano, da montagem das linhas constitucionais fundamentais.

    Nesse sentido, não há dúvida de que, por exemplo, o princípio federativo ou o princípio da separação dos Poderes, em larga medida, tiveram suas fron-teiras de entendimento fixadas pelo SUPREMO e pela carga valorativa que seus membros traziam de suas experiências profissionais.

    Não é possível se compreender temas como “controle de constitucionali-dade”, “intervenção federal”, “processo legislativo” e outros tantos sem se saber quem foram as pessoas que examinaram esses problemas e que definiram as pautas hermenêuticas que, em regra, seguimos até hoje no trabalho contínuo da Corte.

    Por isso, esta coleção visa a recuperar a memória institucional, política e jurídica do SUPREMO.

  • A idéia e a finalidade é trazer a vida, a obra e a contribuição dada por Ministros como CASTRO NUNES, OROZIMBO NONATO, VICTOR NUNES LEAL e ALIOMAR BALEEIRO, além de outros.

    A redescoberta do pensamento desses juristas contribuirá para a melhor compreensão de nossa história institucional.

    Contribuirá para o aprofundamento dos estudos de teoria constitucional no Brasil.

    Contribuirá, principalmente, para o resgate do pensamento jurídico--político brasileiro, que tantas vezes cedeu espaço para posições teóricas cons-truídas alhures.

    E, mais, demonstrará ser falaciosa a afirmação de que o SUPREMO deve ser um Tribunal da carreira da magistratura.

    Nunca deverá ser capturado pelas corporações.

    Brasília, março de 2006.Ministro Nelson A. Jobim

    Presidente do Supremo Tribunal Federal

  • PREFÁCIO

    Conforme bem observou Norberto Bobbio, em sua obra O Tempo da Memória, “somos aquilo que lembramos”. É a memória institucional que define a identidade de uma instituição.

    A preservação da memória do Poder Judiciário não constitui apenas um tributo ao passado, mas um compromisso com as futuras gerações, que têm o direito de conhecer a história nacional sob a perspectiva da atuação do SUPREMO na defesa do Estado Democrático de Direito. É a Justiça que, fazendo valer as leis e a Constituição, livra o cidadão do arbítrio e assegura a efetividade de seus direitos mais básicos.

    Nesse contexto, a coletânea Memória Jurisprudencial veio para resguar-dar a memória institucional, política e jurídica do SUPREMO, por meio do res-gate da vida e da obra dos Ministros de hoje e de sempre.

    Além de fundamental do ponto de vista histórico e cultural, esta coletânea é um retrato do SUPREMO, instituição centenária de defesa da Constituição, com foco nos homens e nas mulheres que, “ao longo dos anos, abraçaram o munus publicum de se dedicarem ao resguardo dos direitos do cidadão e [à] defesa das instituições democráticas”.*

    Preservar e honrar a memória institucional do Supremo Tribunal Federal e de seus Ministros é reafirmar e fortalecer as bases republicanas e democráticas desta grande instituição.

    Sempre que esse tema vinha à mente, meu coração lembrava o querido amigo Teori Zavascki. Segui esse sentimento. Por isso, este volume da Memória Jurisprudencial dedicado ao Ministro TEORI ZAVASCKI tem um significado especial.

    Conheci o Ministro Teori em 2003, quando foi nomeado para ocupar uma cadeira no Superior Tribunal de Justiça e se mudou de Porto Alegre, onde atuava no Tribunal Regional Federal, para Brasília. Naquela época, eu era advogado e atuava na Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República. Com sua nome-ação para o Supremo Tribunal Federal, passei a desfrutar de seus ensinamentos e a fazer parte do grupo seleto de amigos que tinham o privilégio de conviver mais pro-ximamente com ele. Inúmeras foram as conversas a respeito da vida e do Direito.

    Teori Zavascki sempre se destacou pela firmeza e elegância com que expunha seus argumentos. Divergir dele era sempre muito difícil, exatamente pelos robustos fundamentos técnico-jurídicos de seus julgamentos.

    * Ministro Nelson A. Jobim, Presidente do Supremo Tribunal Federal, Apresentação Memória Jurisprudencial, março de 2006.

  • Os julgados em destaque na presente obra retratam a magnitude do legado deixado pelo Ministro Teori Zavascki para o aperfeiçoamento dos insti-tutos processuais e do Estado Democrático de Direito.

    Casos extremamente importantes foram incluídos nesta obra, como a condução dos processos do STF a respeito da chamada operação “Lava Jato”, a prisão de um Senador da República e o afastamento do então Presidente da Câmara dos Deputados. Mesmo nos momentos dramáticos da vida nacional, o Ministro Teori sempre teve a exata percepção da gravidade das questões que lhe eram submetidas e o alto significado do Poder Judiciário para a preservação do Estado Democrático de Direito, para a vida dos cidadãos e para a integridade das instituições.

    Em razão de sua defesa do Estado e do patrimônio público, preocupava--se com o impacto de suas decisões, sempre fundamentadas no direito posto e na Constituição. Em matéria tributária e fiscal, destacava-se pelo rigor técnico--jurídico e pela convicção de suas firmes posições.

    Para escrever este volume da coleção Memória Jurisprudencial, a escolha não poderia ser mais acertada. O Professor Daniel Mitidiero é pós-doutor pela Universidade de Pavia (Itália), doutor e mestre em Direito pela UFRGS, advo-gado, ex-aluno, colega de departamento na UFRGS e amigo de Teori Zavascki. Daniel Mitidiero revelou um Teori completo. Do perfil pessoal ao judicante. Com uma impressionante capacidade de análise e sensibilidade, identificou o traço do Ministro Teori Zavascki na construção e evolução jurisprudencial do SUPREMO.

    Certa vez, citei uma frase muito marcante do escritor e cineasta francês Marcel Pagnol para externar a tristeza que carrego pela perda do Ministro e amigo Teori. Ela diz o seguinte: “a vida é feita de alegrias passageiras e de tristezas inesquecíveis”. Reelaborando essa frase, digo: lançar o volume da Memória Jurisprudencial dedicado ao Ministro Teori Zavascki, durante minha gestão como Presidente do Supremo Tribunal Federal, é uma alegria inesquecí-vel que carregarei por toda a minha vida.

    Aproveitem, caros leitores, os conhecimentos e o potencial transforma-dor das lições, ideias e julgados do Ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, que assim sempre se fará presente entre nós.

    Brasília, agosto de 2020.Ministro Dias Toffoli

    Presidente do Supremo Tribunal Federal

  • SUMÁRIO

    ABREVIATURAS 13DADOS BIOGRÁFICOS 16 NOTA DO AUTOR 24 INTRODUÇÃO 26 PARTE I — DA CONSTITUIÇÃO AO PROCESSO 27 1. TEORI ZAVASCKI E A EFICÁCIA DAS SENTENÇAS NA

    JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL 28 1.1 Supremo Tribunal Federal: Corte de cúpula do Poder Judiciário e Corte Constitucional 28 1.2 Sistema de controle de constitucionalidade das normas 31 1.3 A eficácia das sentenças na jurisdição constitucional 36 2. TEORI ZAVASCKI E O DEVIDO PROCESSO 45 2.1 Direito ao devido processo 45 2.2 Direito ao juiz natural 51 2.3 Direito à tutela jurisdicional adequada 65 2.4 Direito à segurança jurídica no processo 69 2.5 Direito ao recurso 74 3. TEORI ZAVASCKI E O PROCESSO COLETIVO 82 3.1 Processo coletivo: tutela dos direitos coletivos e tutela coletiva dos direitos 82 3.2 Atuação do Ministério Público no processo coletivo 82 4. TEORI ZAVASCKI E OS JUIZADOS ESPECIAIS 100 4.1 Acesso à Justiça e juizados especiais 100 4.2 Juizados especiais e devido processo 100PARTE II — DO PROCESSO AO DIREITO 104 1. TEORI ZAVASCKI, O ESTADO DEMOCRÁTICO E

    AS ELEIÇÕES 105 1.1 Estado Democrático e eleições 105 1.2 Financiamento político e controle de contas 105

  • 2. TEORI ZAVASCKI, O ESTADO DE DIREITO E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 131

    2.1 Concurso público 131 2.2 Vencimentos dos servidores públicos 131 2.3 Pensão especial para viúva de prefeito 132 2.4 Responsabilidade civil 135 3. TEORI ZAVASCKI, O ESTADO SOCIOAMBIENTAL E

    A QUESTÃO INDÍGENA 143 3.1 Estado Socioambiental e terras indígenas 143 3.2 Esbulho renitente 143CONSIDERAÇÕES FINAIS 146REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 147APÊNDICE 149LISTA DE CASOS 350ÍNDICE NUMÉRICO 353

  • ABREVIATURAS

    1ª T Primeira Turma2ª T Segunda Turmaac. AcórdãoAC Ação CautelarACO Ação Cível OrigináriaADC Ação Declaratória de ConstitucionalidadeADCT Ato das Disposições Constitucionais TransitóriasADI Ação Direta de InconstitucionalidadeAgRg Agravo RegimentalAI Agravo de InstrumentoAO Ação OrigináriaAP Ação PenalARE Recurso Extraordinário com Agravoart. artigoCC Conflito de Competênciac/c combinado comCJ Conflito de JurisdiçãoCDC Código de Defesa do ConsumidorCEF Caixa Econômica FederalCF Constituição FederalCLT Consolidação das Leis do TrabalhoCNJ Conselho Nacional de JustiçaCP Código PenalCPC Código de Processo CivilCPP Código de Processo PenalDIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos

    SocioeconômicosDJ Diário da JustiçaDJE Diário da Justiça Eletrônico

  • EC Emenda ConstitucionalED Embargos de DeclaraçãoEREsp Embargos de Divergência em Recurso EspecialExt Extradiçãofl. FolhaFUNAI Fundação Nacional do ÍndioHC Habeas Corpusj. Julgamento emLC Lei ComplementarMC Medida Cautelarmin. MinistroMP Medida ProvisóriaMPF Ministério Público FederalMS Mandado de SegurançaNCPC novo Código de Processo CivilOAB Ordem dos Advogados do BrasilONU Organização das Nações UnidasP Plenáriop/ paraPet PetiçãoPL Projeto de LeiPPE Prisão Preventiva para ExtradiçãoQO Questão de OrdemRcl Reclamação RE Recurso Extraordináriorel. RelatorResp Recurso EspecialRG Repercussão GeralRHC Recurso Ordinário em Habeas CorpusRISTF Regimento Interno do Supremo Tribunal FederalRMS Recurso Ordinário em Mandado de Segurança

  • RTJ Revista Trimestral de JurisprudênciaS Seção STF Supremo Tribunal FederalSTJ Superior Tribunal de JustiçaT TurmaTCU Tribunal de Contas da União TRF Tribunal Regional FederalTSE Tribunal Superior EleitoralTST Tribunal Superior do TrabalhoUFRGS Universidade Federal do Rio Grande do SulURP Unidade de Referência de Preçosvs. versus

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    Ministro Teori Zavascki

    DADOS BIOGRÁFICOS

    Teori Albino Zavascki nasceu em Faxinal dos Guedes, Santa Catarina, em 15 de agosto de 1948. Filho de Severino Zavascki e Pia Maria Fontana, casou-se, em 1972, com Liana Maria Prehn Zavascki, com quem teve três filhos: Alexandre Prehn Zavascki (1974, médico), Liliana Maria Prehn Zavascki (1978, advogada) e Francisco Prehn Zavascki (1980, advogado). Em 2004 casou-se com Maria Helena Marques de Castro, de quem ficou viúvo no ano de 2013.

    Em 1968, após cursar o ensino básico nas Escolas Reunidas Antônio Cabrera, em Faxinal dos Guedes, e no Seminário Diocesano, em Chapecó, ambos em Santa Catarina, Teori transferiu-se para Porto Alegre, onde prestou vestibular para a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tendo logrado aprovação de imediato. Destacado aluno, foi o orador de sua turma na formatura de 1972. Adotou Porto Alegre como sua cidade do cora-ção — assim como o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, do qual era notório e apaixonado torcedor, como lembra o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Paulo de Tarso Sanseverino.

    Ao longo da vida, Teori Zavascki foi Advogado, Professor Universitário, Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Ministro do Superior Tribunal de Justiça e Ministro do Supremo Tribunal Federal. Além de ter marcado época por onde passou, especialmente no STF, em que é consi-derado um dos mais importantes e exemplares Ministros, exerceu o magistério universitário por vários anos. A admiração e o afeto despertos em seus alunos e alunas estão muito bem representados nas numerosas distinções que recebeu como professor paraninfo e professor homenageado, notadamente na Faculdade de Direito da UFRGS.

    A carreira teve início ainda no primeiro ano da faculdade, quando o uni-versitário Teori iniciou estágio no escritório de advocacia de Luiz Carlos Lopes Madeira, onde também trabalhavam Paulo Odone e Manoel André da Rocha. Permaneceu por lá advogando depois de formado, até abrir o próprio escritório com a sua então esposa, Liana, e Luís Souza Costa, seu colega de faculdade.

    Passados alguns anos na advocacia privada, Teori prestou três concursos públicos (para advogado do Banco Central, para Procurador do Estado do Rio Grande do Sul e para Juiz Federal). Aprovado em todos, decidiu-se pela advoca-cia do Banco Central. De 1976 a 1989, exerceu a advocacia pública, primeiro no Banco Central (de 1976 a 1986), depois no Banco Meridional do Brasil S.A. (de 1986 a 1989), já como superintendente jurídico.

    Ainda na década de 1980, iniciou a carreira de professor universitário e trilhou-a com grande destaque por boa parte da sua vida. Inicialmente, foi

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    Ministro Teori Zavascki

    professor de introdução ao estudo do direito na Unisinos, de 1980 a 1987. Neste mesmo ano, foi aprovado em concurso público para o cargo de professor da UFRGS, onde lecionou direito comercial e, logo em seguida, direito processual civil — terreno em que sua produção bibliográfica ganharia enorme importância no cenário nacional. Esse primeiro vínculo com a UFRGS permaneceu até o ano de 2005, quando teve de se mudar para Brasília em função da nomeação para o cargo de Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Tão logo se instalou na capital federal, Teori passou a lecionar na Universidade de Brasília e permaneceu vin-culado à instituição até 2013 — ano em que retomou o vínculo com a UFRGS.

    Foi também na UFRGS que Teori Zavascki obteve os títulos de Mestre e de Doutor em Direito. Orientado pelo saudoso Professor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira em ambas as ocasiões, tornou-se Mestre em Direito no ano 2000 (com a defesa da dissertação Eficácias da Sentença na Jurisdição Constitucional) e Doutor em Direito no ano de 2005 (com a defesa da tese Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos).

    Mesmo antes de ser nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki já era reconhecido como importantíssimo doutrinador, tendo produzido livros de inegável relevância, cujas lições penetraram fundo na dou-trina, na jurisprudência das Cortes de Justiça e nos precedentes das Cortes Supremas. Trata-se de legado oriundo da vocação docente, manifestada não só nas salas de aula, especialmente em nossa Velha Faculdade, mas também no compromisso permanente com um público mais amplo a partir de suas obras.

    Deixando de lado seus numerosos ensaios, Teori publicou monografias e comentários que marcaram época no direito brasileiro.

    Em 1997, veio à lume seu primeiro livro, Antecipação da Tutela, publicado em sucessivas edições1. Em 1999, foi lançado seu segundo trabalho de fôlego, Título Executivo e Liquidação, publicado em duas edições antes de ser consi-deravelmente ampliado e transformado em Processo de Execução em 20042. Em 2001, Teori nos presenteou com a obra Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional, apresentada igualmente em sucessivas edições3. Em 2006, publi-cou Processo Coletivo - Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos, obras com várias posteriores edições4.

    Preocupado em instrumentalizar a prática, Teori Zavascki comentou tanto o Código de 1973 como o Código de 2015. Em coleção coordenada por

    1 Publicado em sete edições pela Saraiva em 1997, 1999, 2000, 2005, 2007 e 2009. 2 Publicado em três edições pela Revista dos Tribunais em 1999, 2001 e 2004. 3 Publicado em quatro edições pela Revista dos Tribunais em 2001, 2012, 2014 e 2017. 4 Publicado em sete edições pela Revista dos Tribunais em 2006, 2007, 2008, 2009, 2011, 2014 e 2017.

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    Ministro Teori Zavascki

    Ovídio Baptista da Silva sobre o Código de 1973, também de saudosa memó-ria, publicou, em 2000, o oitavo volume dos Comentários ao Código de Processo Civil, no qual enfrentou especificamente o processo de execução5. Em coleção sobre o Código de 2015, dirigida por Luiz Guilherme Marinoni e coordenada por Sérgio Cruz Arenhart e por mim, encarregou-se igualmente do processo de execução6, tendo publicado em 2016 o 12º volume dos Comentários ao Código de Processo Civil.

    Todos esses livros encontraram ampla recepção na jurisprudência e em numerosos precedentes judiciais. Para ficarmos apenas no terreno das Cortes Supremas, uma rápida pesquisa nos sítios eletrônicos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça confirma essa inequívoca acolhida7.

    Para além, portanto, da sua dedicação à magistratura, o elevado espírito público do Ministro Teori Zavascki levou-o a se comprometer igualmente com o desenvolvimento do direito — sobretudo do processo civil — em nosso país como professor e escritor amplamente reconhecido. Nas páginas de seus livros, também aparece o jurista brilhante, que prima pela clareza e pelo comprometi-mento com o Estado de Direito em suas construções doutrinárias.

    A magistratura alcançou Teori Zavascki em 1989, quando foi nomeado Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região pelo quinto constitucional. Presidiu a Corte de 2001 a 2003, ano em que ocorreu sua nomea-ção para o Superior Tribunal de Justiça - indicado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e nomeado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2012, foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal pela Presidente Dilma Rousseff, preenchendo a vaga antes ocupada por Cezar Peluso, Sydney Sanches, Alfredo Buzaid, Cunha Peixoto e Aliomar Baleeiro — atualmente a cadeira é ocupada pelo Ministro Alexandre de Moraes.

    5 Publicados em duas edições pela Revista dos Tribunais em 2000 e 2003. 6 Publicados em duas edições pela Revista dos Tribunais em 2016 e 2018 (essa última com a atualização de Francisco Zavascki). 7 Por exemplo: Antecipação da Tutela (STF: AR 2.328 MC-AgR/DF, rel. min. Marco Aurélio, j. 19-3-2015, P, DJE de 16-4-2015; STJ: REsp 1.101.740/SP, rel. min. Luiz Fux, j. 4-11-2009, Corte Especial, DJE de 7-12-2009), Comentários ao CPC (de 1973), vol. VII (STJ: REsp 544.189/MG, rel. min. Luiz Fux, j. 2-12-2003, 1ª T, DJ de 28-4-2004), Comentários ao CPC (de 2015), vol. XII (STJ: REsp 1.670.143/RO, rel. min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 27-3-2019, DJ de 6-6-2019), Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional (STF: AR 2.436 AgR/SC, rel. min. Celso de Mello, j. 19-5-2017, P, DJE de 13-6-2017; STJ: REsp 1.031.092 AgR/AL, rel. min. Benedito Gonçalves, j. 18-8-2009, 1ª T, DJE de 31-8-2009), Processo Coletivo (STJ: REsp 1.340.444/RS, rel. min. Humberto Martins, rel. p/ o ac. min. Herman Benjamin, j. 14-3-2019, Corte Especial, DJE de 12-6-2019), Processo de Execução (STJ: RMS 20.755/RJ, rel. min. Denise Arruda, rel. p/ o ac. min. José Delgado, j. 13-11-2007, 1ª T, DJE de 4-8-2008) e Título Executivo e Liquidação (STJ: REsp 792.647/BA, rel. min. Nancy Andrighi, j. 3-10-2006, 3ª T, DJ de 20-11-2006).

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    Ministro Teori Zavascki

    Como Relator, Teori Zavascki julgou no Supremo Tribunal Federal 2.203 casos de 2013 a 2016. Postumamente, apareceram ainda 60 casos de 2017 a 2019 sob a sua relatoria, perfazendo um total de 2.263 casos julgados no Supremo Tribunal Federal.

    Jurista na mais genuína acepção do termo, com ampla bagagem cultural, Teori foi conhecido como um juiz extremamente técnico (adjetivo que nesse contexto significa sobretudo fiel ao Direito e apartidário do ponto de vista polí-tico)8 e discreto9 (certa vez ouvimos o Ministro Teori declarar, no Plenário do STF, que “juízes devem falar nos autos”, não devem se alvoraçar na “imprensa”). Lembrando passagem da infância em que Teori formou com colegas o time de futebol chamado de “Explosivo” (a que rapidamente se contrapôs outro, o

    8 Manifestando-se justamente sobre esse ponto em entrevista a Fernando Fontainha, as res-postas de Teori são extremamente pertinentes para a compreensão da maneira pela qual enten-dia a função jurisdicional em um Estado Constitucional: “a imprensa costuma retratá-lo com um perfil técnico, calmo e sereno. O senhor concorda com essa descrição, sobretudo sobre o comportamento...?”, ao que respondeu Teori: “eu acho que o calmo e o sereno, sim. Quanto ao técnico, eu nunca soube bem o que significa ser, mas tudo bem, pode me chamar de técnico. Eu nunca sei bem se é um elogio ou uma crítica”. O diálogo continua: “costuma opor o perfil técnico ao perfil político”. Teori responde: “também não sei o que é o perfil político. Exatamente esse é o problema. O que é o político? O que é um juiz político? Essa definição, eu acho até de certo modo incompatível com o juiz, se se entender política como fugir do Direito. O juiz não tem como fugir do Direito. Isso não significa dizer que o juiz não decida questões políticas, mas ele não decide politicamente, ele decide questões políticas juridicamente. Fora daí, eu não sei qual a diferença. Até quando decide questões políticas, o juiz tem que ser técnico num certo sentido. Porque não existe decisão judicial discricionária, não existe. Isso os teóricos do direito dizem há muito tempo. O que é o discricionário ou o político? Um juízo político no sentido de exercício da política como exercício de vontade de opções. O juiz discricionário, o juiz político, é aquele que pode escolher entre duas opções. Uma que seja mais conveniente. O juiz não tem essa margem de escolha, o juiz quando assume o cargo ele diz eu prometo que vou cumprir a Constituição e as leis. Claro que tem nas leis algum conteúdo que a gente chama tecnicamente de conceitos indeterminados ou conceitos abertos que permitem uma margem de preenchimento valorativo, vamos dizer assim. E aí entra a figura do juiz, a experiência da vida. Agora, não tem muita mar-gem de vontade. O juiz não tem que fazer aquilo que ele acha, mesmo nesses conceitos abertos, mas aquilo que ele acha que o Direito faz naquele momento. Ele não tem a opção de ser político no sentido de aqui não vou aplicar a lei, aqui eu vou aplicar a lei. Nesse sentido, no meu enten-der, não existe juiz político possível, é uma incompatibilidade. Agora, claro, os juízos políticos se fazem na medida em que se trata de matéria política, principalmente no Supremo. Quando se diz que o Supremo é um tribunal político, isso tem que ser muito bem entendido. Há questões, principalmente quando se examina a Constituição, que dependem mais de juízos valorativos, mas não são juízos políticos. Não é ‘a lei diz isso, mas eu quero que seja assim’. Não estou dizendo que não tenha juiz que decida assim, ‘vou decidir assim porque eu quero’, mas eu acho que não é o correto. Acho que o juiz tem pouca margem para ser político nesse sentido. Ele tem a política com um sentido diferente. Por isso, quando se fala esse é um juiz político e esse é um juiz técnico, é preciso primeiro saber o que se quer dizer com isso. Não é que eu não saiba, eu até imagino o que seja, mas eu vejo que as pessoas que põem esse carimbo, que pode estar certo, nem sem-pre combinam corretamente o sentido do que é o político e o que é o técnico.” (FONTAINHA, Fernando de Castro; VIEIRA, Oscar Vilhena; e SATO, Leonardo Seiichi Sasada (orgs.). História oral do Supremo (1988-2013) - Teori Zavascki. Rio de Janeiro: FGV Rio, 2017. v. XVI, p. 63-64.) 9 Cf. Fernando de Castro Fontainha, Oscar Vilhena Vieira e Leonardo Seiichi Sasada Sato (orgs.), op. cit., p. 17, 23 e 26.

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    Ministro Teori Zavascki

    “Extintor”), o Ministro Castro Meira, do Superior Tribunal de Justiça, excla-mou: “Que paradoxal! Explosivo é tudo o que o Teori não é. Você nunca vai vê-lo batendo boca no plenário ou tentando impor a sua opinião, ele é reservado e sereno”10.

    A opinião de seus colegas de toga no Supremo Tribunal Federal não des-toa, revelando a altíssima consideração de que gozava com seus pares. A admi-ração por Teori, aliás, transpassava gerações de juristas.

    Na abertura do Ano Judiciário de 2017, por exemplo, o Ministro Celso de Mello, em nome do Plenário do Supremo Tribunal Federal, destacou Teori como “o exemplo de um notável magistrado que sempre soube agir, em todos os graus de jurisdição pelos quais passou, com independência, isenção, serenidade, compostura, discrição e inegável talento, projetando, na experiência concreta de sua atuação profissional, a figura ideal do verdadeiro Juiz”. Ressaltou que “o rigoroso padrão ético que sempre pautou a irrepreensível atuação do Ministro Teori Zavascki como magistrado constitui um dos mais preciosos legados de sua marcante passagem por este Supremo Tribunal Federal”. O decano do STF ainda observou a imprescindibilidade de magistrados “livres, isentos e indepen-dentes” — como foi o Ministro Teori Zavascki — para a promoção dos princí-pios fundamentais do Estado Democrático de Direito e arrematou o discurso afirmando que a lição de vida de Zavascki

    representará referência indissociável para aqueles que desejam servir ao nosso País com decência, com dignidade, com probidade e com elevado espírito público. Esse, na realidade, é o grande e inestimável legado que nos deixa o sau-doso e eminente Ministro Teori Zavascki, cujo nome se inscreve, para sempre, nos anais desta Suprema Corte e na memória afetiva de seus colegas e, também, no justo respeito de seus jurisdicionados e concidadãos.11

    Na mesma linha, a Ministra Cármen Lúcia pontuou que Teori “repre-senta um dos pontos altos na história da nossa Justiça e seu trabalho perma-necerá para sempre, e a sua presença e o seu exemplo ficarão como um rumo do qual não nos desviaremos, cientes de que as pessoas morrem, suas obras e seus exemplos, não”. O Ministro Ricardo Lewandowski lembrou-o como “um homem de bem, um juiz extremamente competente e um colega leal”, e o Ministro Luiz Fux observou que Teori “será daquelas pessoas das quais não só nos lembraremos sempre, mas antes, jamais o esqueceremos pelo bem que rea-lizou em prol do País e da Justiça”. Daí ter o Ministro Dias Toffoli assinalado que “a serenidade do Ministro Teori Zavascki, sua simplicidade, sua humildade

    10 Cf. Fernando de Castro Fontainha, Oscar Vilhena Vieira e Leonardo Seiichi Sasada Sato (orgs.), op. cit., p. 17.

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    Ministro Teori Zavascki

    marcarão para sempre a Justiça brasileira”12. Recordando-o, o Ministro Edson Fachin ressaltou que Teori “muito honrou e sempre honrará esta Suprema Corte e a sociedade brasileira”, sendo um “exemplo de magistrado sereno, técnico, independente e imparcial”13.

    O Ministro Luís Roberto Barroso observou ainda que Teori

    era um brasileiro que orgulhava o país por sua integridade, seu patrio-tismo e seu compromisso com o bem. Era um juiz que também era motivo de orgulho para o tribunal pelo seu talento, pela sua formação técnica, pelo seu senso de justiça. E era um amigo querido, era o orgulho dos seus amigos tam-bém pela sua lealdade, pelo seu companheirismo, pelo seu senso de humor.14

    Abordando especificamente a sua atuação como Relator da Lava Jato, pontuou Barroso que a sua condução era “impecável”, imbuído de um “empe-nho verdadeiro, sincero e discreto em mudar o patamar ético do país [que] marcará época”15. De acordo com o Ministro Marco Aurélio, Teori era um “excepcional amigo”, “homem firme em convicções”, que “tocava as coisas com muita temperança, com muita tranquilidade, com muita convicção”16. Ademais, destacou igualmente o Ministro Carlos Velloso:

    a trajetória de Teori Zavascki na magistratura foi luminosa. Ele conduzia as ações e inquéritos com extrema dedicação e, sobretudo, com extrema compe-tência. Ele sabia o que estava fazendo. Sabia o que devia fazer, fazia o que devia fazer. Granjeou, por isso mesmo, o respeito da cidadania, o respeito do jurisdi-cionado brasileiro.17

    Também na abertura do ano judiciário de 2017, o Ministro Gilmar Mendes lembrou o Ministro Teori Zavascki como um “notável magistrado de conduta austera e de inestimável saber jurídico”, que deixa “um precioso legado

    12 Conforme notícia publicada no site do STF em 23 de janeiro de 2017: “Homenagens ao Ministro Teori são unânimes em destacar seu legado e sua atuação exemplar”, disponível em www.stf.jus.br. 13 Conforme notícia publicada no site do STF em 2 de fevereiro de 2017: “Nota do Gabinete do Ministro Edson Fachin”, disponível em www.stf.jus.br. 14 Conforme notícia publicada no site do STF em 20 de janeiro de 2017: “Ministro Roberto Barroso lembra que Teori Zavascki orgulhava o Brasil por sua integridade”, disponível em www.stf.jus.br. 15 Idem.16 Conforme notícia publicada no site do STF em 20 de janeiro de 2017: “Ministro Marco Aurélio expressa tristeza com falecimento de Teori Zavascki”, disponível em www.stf.jus.br. 17 Conforme notícia publicada no site do STF em 20 de janeiro de 2017: “Ministro Carlos Velloso considera falecimento de Teori Zavascki ‘uma perda irreparável’”, disponível em www.stf.jus.br.

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    pela incansável defesa da Constituição, por sua contribuição pelo fortaleci-mento da democracia, pela ética e retidão que pautavam suas decisões”18.

    Ao inaugurar o “Espaço de Imprensa Ministro Teori Zavascki” no Supremo Tribunal Federal, a Ministra Cármen Lúcia pontuou que a decisão de assim nomeá-lo constitui uma “singela homenagem que os 11 ministros que compõem atualmente o Supremo Tribunal Federal prestam a esse grande cida-dão e magistrado brasileiro”. Ao justificá-la, a Ministra afirmou que a decisão não se deve apenas a “tudo que ele representa como magistrado”, mas “prin-cipalmente pelo compromisso que ele tinha com todas as formas de liberdade e com a liberdade de imprensa”. E continuou referindo que o Ministro Teori Zavascki desempenhara um trabalho modelar para o Brasil e que “seu legado sempre persistirá para nós como um lúmen a nos lembrar que os bons juízes não morrem, ficam encantados, como diria Guimarães Rosa”. Na mesma ocasião, o Ministro Alexandre de Moraes lembrou que Teori “sabia dialogar e aproximar as pessoas” e que era um “juiz sério, competente e trabalhador” — “um grande homem”, “tranquilo e sensato”19.

    Naquela que foi a última conferência do Ministro Teori Zavascki, profe-rida em evento em comemoração aos 75 anos da Justiça do Trabalho e aos 70 anos do Tribunal Superior do Trabalho, a Ministra Rosa Weber saudou-o como “amigo querido”, que conheceu já “lá no final dos anos sessenta, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul”, que “engrandece o Supremo Tribunal Federal”. A Ministra grifou ainda a “excelência de seu trabalho”, como “magistrado paradigmático, magistrado exemplar, jurista de escola, processualista insigne, professor emérito, com obras em especial no campo do processo da maior qualidade” - e que, sobretudo, tem a “exata com-preensão” de que “o direito” exige “sensibilidade”, “equilíbrio”, “consciência” e “reflexão ética”. Enfrentando o tema “Princípios Constitucionais do Processo”, Teori exortou o público a “bem compreender” como os princípios “operam no ordenamento jurídico, para que não façamos com eles nossas próprias leis”20. É uma mensagem que resume muito bem a maneira pela qual o Ministro Teori Zavascki pautava a sua atuação jurisdicional.

    Como as páginas que seguem dão conta, o Ministro Teori Zavascki conduziu, enfrentou e julgou no Supremo Tribunal Federal casos da mais alta importância para a vida pública de nosso país — casos verdadeiramente

    18 Conforme notícia publicada no site do TSE em 1º de fevereiro de 2017: “TSE abre ano judici-ário de 2017 com homenagem a Teori Zavascki”, disponível em www.tse.jus.br. 19 Conforme notícia publicada no site do STF em 28 de agosto de 2018: “Presidente do STF inau-gura Espaço de Imprensa Ministro Teori Zavascki”, disponível em www.stf.jus.br. 20 Conforme exposições orais da Ministra Rosa Weber e do Ministro Teori Zavascki em semi-nário realizado em 25 de novembro de 2016: “Seminário Comemorativo: 75 Anos da Justiça do Trabalho e 70 Anos do TST”, disponível em www.youtube.com.

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    emblemáticos. Do financiamento de campanhas políticas à execução imediata da pena, do Mensalão à Lava Jato, seus votos e suas decisões em nossa Suprema Corte de Direito Constitucional procuraram conduzir o Brasil a um novo pata-mar moral a partir do direito.

    Teori Zavascki deixou-nos em 19 de janeiro de 2017, em Paraty, Rio de Janeiro. Seu falecimento em um desastre de avião foi uma tragédia que chocou e enlutou todo o país. Naquele dia, o Brasil perdeu um grande ser humano, Jurista, Professor e Magistrado. Naquele dia, o Supremo Tribunal Federal per-deu reconhecidamente um dos maiores Ministros de toda a sua história. Sua personalidade marcante, no entanto, permanece muito viva entre nós, especial-mente naqueles que com ele se irmanaram e irmanam-se nos princípios funda-mentais do Estado de Direito, aos quais o Ministro Teori Zavascki procurou dar a mais profunda e sentida concretização.

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    Ministro Teori Zavascki

    NOTA DO AUTOR

    O convite para organizar a Memória Jurisprudencial do Ministro Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal - formulado pelo Ministro Dias Toffoli - encheu-me de grande alegria, mas também me despertou para uma enorme responsabilidade.

    Em primeiro lugar, encheu-me de grande alegria. Conheci o Ministro Teori Zavascki por volta do ano de 2005, quando

    frequentávamos o Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ambos sob a orientação do Professor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Já o admirava pelo seu trabalho na doutrina, mas a partir daquele momento passei a prestar atenção igualmente em sua produção jurisprudencial. De 2005 em diante, assisti à sua distinta escalada do Tribunal Regional Federal da 4ª Região para o Superior Tribunal de Justiça e dali para o Supremo Tribunal Federal - sempre cercada dos mais altos e merecidos encô-mios. Nós nos encontramos muitas vezes pelos caminhos da vida, e nosso con-vívio sempre foi fonte de alegria e aprendizado para mim.

    Em segundo lugar, despertou-me para uma enorme responsabilidade. O Ministro Teori Zavascki converteu-se, ao longo do tempo, em uma

    figura pública de altíssima estima em todos os círculos sociais, judiciais e aca-dêmicos. Sua firme e serena atuação na doutrina e em nossas cortes - espe-cialmente no Supremo Tribunal Federal - notabilizou-o como um dos mais importantes processualistas e juízes da história do Brasil. O convite, então, para participar da sua Memória, despertou-me para a grande responsabilidade da tarefa - a qual procurei desempenhar com muito gosto.

    Para elaborar esta Memória, contei com o auxílio de muitas pessoas, de modo que se mostra imperioso agradecer a colaboração de todas elas.

    Agradeço o honroso e gentil convite do eminente Ministro Dias Toffoli para participar deste projeto - é motivo de grande alegria poder me associar de algum modo ao trabalho do Ministro Teori Zavascki. Agradeço também à equipe do Supremo Tribunal Federal que me auxiliou na consecução desta Memória, fazendo esse agradecimento nas pessoas do Alexandre Freire, da Andreia Fernandes de Siqueira e da Lilian Braga. Pela mesma razão, agradeço a Adriano Chaves, Camila Plentz, Daniel Coussirat Azevedo, Daniela Serafini, Débora de Mello Moreira, Mariana Morshel, Nicole Witmann, Ludmila Oliveira Lacerda, Luciano Ataíde Rodrigues e Paulo Victor de Carvalho Mendonça pela

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    Ministro Teori Zavascki

    colaboração na seleção de alguns julgados. Por fim, agradeço ao Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça, e a Francisco Zavascki pelos diálogos a respeito do Ministro Teori Zavascki.

    Porto Alegre, outono de 2020.Daniel Mitidiero

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    INTRODUÇÃO

    É difícil abordar um jurista da envergadura intelectual e moral do Ministro Teori Zavascki. Procuramos, portanto, fazê-lo a partir de dois diferentes perfis: o biográfico e o jurisprudencial. Parece-nos que dessa maneira é possível traçar um quadro mais ou menos abrangente da sua vida e da sua produção.

    Relativamente ao perfil biográfico de Teori Albino Zavascki, expomos aquilo que entendemos ser mais relevante em sua vida pessoal e em sua forma-ção intelectual. Exibimos, ainda, a forte impressão que o jurista deixou em seus pares - a qual, de resto, reflete a communis opinio a seu respeito. Além disso, exploramos, mesmo que brevemente, seus livros, cujo conjunto permite traçar um pano de fundo teórico particularmente profícuo para a compreensão de muitas decisões do Ministro no Supremo Tribunal Federal.

    No aspecto jurisprudencial, selecionamos casos especialmente represen-tativos de sua passagem pela nossa Suprema Corte brasileira. Esse rico material foi organizado em duas grandes partes: da Constituição ao processo e do pro-cesso ao direito. Para não ocupar indevidamente o espaço destinado aos pre-cedentes do Ministro Teori, optamos por apresentá-los em um contexto mais amplo, deixando-os falarem por si mesmos. Por fim, formulamos algumas con-siderações a título conclusivo, além de coligir a bibliografia utilizada para esta Memória.

  • PARTE IDA CONSTITUIÇÃO AO PROCESSO

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    Ministro Teori Zavascki

    1. TEORI ZAVASCKI E A EFICÁCIA DAS SENTENÇAS NA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

    Ao publicar a versão comercial de sua dissertação de mestrado em 2001, Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional, Teori Zavascki registrou na sua dedicatória que “magistratura e magistério constituíram a fonte e a fina-lidade do presente estudo”21. Naquela altura, Teori vivia em Porto Alegre, era desembargador federal no TRF da 4ª Região e professor de Processo Civil na UFRGS. Lendo-a em retrospectiva, soa quase como vaticínio.

    Em Brasília, como Ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori teve a oportunidade de concretizá-la entre 2015 e 2016 no mínimo em três diferentes pontas. Em primeiro lugar, ao afirmar o STF como cúpula do Poder Judiciário e Corte Constitucional. Em segundo, ao desenvolver as formas de controle de constitucionalidade. Em terceiro, ao projetar a eficácia das sentenças na jurisdi-ção constitucional.

    1.1 Supremo Tribunal Federal: Corte de cúpula do Poder Judiciário e Corte Constitucional

    Um importante esforço de Teori Zavascki no STF - para além de grifar o papel da Corte como “Tribunal da Constituição”, detentor da “palavra definitiva em matéria de interpretação e aplicação das normas constitucionais”22 - foi no sentido de acentuar a função de intérprete do Texto Constitucional e não tanto de controlador das decisões dos demais tribunais23. A consequência dessa posição está em ver a decisão do caso concreto como tarefa dos juízes e das Cortes de Justiça, sendo papel do STF o de outorgar adequada interpretação ao direito. Ao fazê-lo, Teori procurou destacar o Supremo como órgão de cúpula do Poder Judiciário.

    Esse trabalho pode ser bem ilustrado com Dantas vs. STJ, julgado em 2016 pelo Plenário24. Mostrando que a garantia da presunção de inocência é atendida com o duplo grau de jurisdição, Teori Zavascki sublinha exatamente o caráter extraordinário da atuação do STF.

    21 Cf. ZAVASCKI, Teori. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional (2001). 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. 22 Ibidem, p. 23. 23 Sobre a contraposição entre cortes de controle e cortes de interpretação na formatação das cortes de vértice, com as devidas indicações bibliográficas, cf. MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas - do Controle à Interpretação, da Jurisprudência ao Precedente (2013). 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. 24 Cf. Dantas vs. STJ, 2016 (HC 126.292/SP, rel. min. Teori Zavascki, j. 17-2-2016, P, DJE de 16-5-2016).

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    Ministro Teori Zavascki

    Em seu voto em Dantas, observa o Ministro:

    Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é, portanto, no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado. É dizer: os recursos de natureza extraordinária não configuram desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não são recursos de ampla devoluti-vidade, já que não se prestam ao debate da matéria fático-probatória. Noutras palavras, com o julgamento implementado pelo Tribunal de apelação, ocorre espécie de preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa. Os recursos ainda cabíveis para instâncias extraordinárias do STJ e do STF - recurso especial e extraordinário - têm, como se sabe, âmbito de cognição estrito à matéria de direito. Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então observado. Faz sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos recursos extraordinários, como o fazem o art. 637 do Código de Processo Penal e o art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990.

    (...) Realmente, a execução da pena na pendência de recursos de natureza

    extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não cul-pabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual. Não é incompatível com a garantia constitucional autorizar, a partir daí, ainda que cabíveis ou pendentes de julgamento de recursos extraordinários, a produção dos efeitos próprios da responsabilização criminal reconhecida pelas instâncias ordinárias.

    E segue:

    Não custa insistir que os recursos de natureza extraordinária não têm por finalidade específica examinar a justiça ou injustiça de sentenças em casos concretos. Destinam-se, precipuamente, à preservação da higidez do sistema normativo. Isso ficou mais uma vez evidenciado, no que se refere ao recurso extraordinário, com a edição da EC 45/2004, ao inserir como requisito de admissibilidade desse recurso a existência de repercussão geral da matéria a ser julgada, impondo ao recorrente, assim, o ônus de demonstrar a relevância jurídica, política, social ou econômica da questão controvertida. Vale dizer, o Supremo Tribunal Federal somente está autorizado a conhecer daqueles recursos que tratem de questões constitucionais que transcendam o interesse subjetivo da parte, sendo irrelevante, para esse efeito, as circunstâncias do caso concreto. E, mesmo diante das restritas hipóteses de admissibilidade dos recursos extraordi-nários, têm se mostrado infrequentes as hipóteses de êxito do recorrente. Afinal, os julgamentos realizados pelos Tribunais Superiores não se vocacionam a per-mear a discussão acerca da culpa, e, por isso, apenas excepcionalmente teriam, sob o aspecto fático, aptidão para modificar a situação do sentenciado.

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    Ministro Teori Zavascki

    E arremata:

    Nesse quadro, cumpre ao Poder Judiciário e, sobretudo, ao Supremo Tribunal Federal, garantir que o processo - único meio de efetivação do jus puniendi estatal - resgate essa sua inafastável função institucional. A retomada da tradicional jurisprudência, de atribuir efeito apenas devolutivo aos recursos especial e extraordinário (como, aliás, está previsto em textos normativos) é, sob esse aspecto, mecanismo legítimo de harmonizar o princípio da presunção de inocência com o da efetividade da função jurisdicional do Estado. Não se mostra arbitrária, mas inteiramente justificável, a possibilidade de o julgador determinar o imediato início do cumprimento da pena, inclusive com restrição da liberdade do condenado, após firmada a responsabilidade criminal pelas ins-tâncias ordinárias.

    (...)12. Essas são razões suficientes para justificar a proposta de orientação,

    que ora apresento, restaurando o tradicional entendimento desta Suprema Corte, no seguinte sentido: a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordi-nário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência. (HC 126.292/SP, rel. min. Teori Zavascki, j. 17-2-2016, P, DJE de 16-5-2016.)

    Trata-se de precedente que marcou época no direito brasileiro. Vários casos foram decididos com base nessa orientação, sendo o de maior repercussão seguramente o caso Lula vs. STJ, julgado pelo Plenário em 201825.

    Com Teori, no entanto, o STF teve não só bem cultivada sua função de cúpula do Poder Judiciário, como se pode perceber em Dantas, mas também de Corte Constitucional26. Em 2016, como árbitro das relações entre os Poderes, o Supremo foi chamado a intervir para determinar a prisão de Senador da República27 e afastar o Presidente da Câmara dos Deputados de seu cargo e do exercício de seu mandato parlamentar28. Em ambas as ocasiões, o Tribunal atuou mediante a firme e serena condução de Teori Zavascki.

    Em Delcídio, a decisão ficou assim ementada:

    Constitucional. Processual penal. Prisão cautelar. Senador da República. Situação de flagrância. Presença dos requisitos de prisão preventiva.

    25 Cf. Lula vs. STJ, 2018 (HC 152.752/PR, rel. min. Edson Fachin, j. 4-4-2018, P, DJE de 26-6-2018). 26 Cf. ZAVASCKI, Teori. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional (2001). 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 20/23. Para uma perspectiva comparada, cf. FAVOREU, Louis; MASTOR, Wanda. Les Cours Constitutionnelles (1986). 4. ed. Paris: Dalloz, 2011; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. Los Tribunales Constitucionales en Iberoamérica. México: Fundap, 2002. 27 Cf. PGR vs. Delcídio do Amaral, 2015 (AC 4.039/DF, rel. min. Teori Zavascki, j. 25-11-2015, 2ª T, DJE de 13-5-2016). O inteiro teor do acórdão não está disponível, por se tratar de segredo de justiça. 28 Cf. PGR vs. Eduardo Cunha, 2016 (AC 4.070/DF, rel. min. Teori Zavascki, j. 5-5-2016, P, DJE de 21-10-2016). O inteiro teor do acórdão não está disponível, por se tratar de segredo de justiça.

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    Ministro Teori Zavascki

    Inafiançabilidade. Cabimento da prisão cautelar (art. 53, § 2º, da CF). Decisão referendada. (AC 4.039/DF, rel. min. Teori Zavascki, j. 25-11-2015, 2ª T, DJE de 13-5-2016.)

    E em Cunha:

    Constitucional. Processual penal. Medida cautelar de suspensão do exer-cício da função (art. 319, VI, do CPP), a abranger tanto o cargo de presidente da Câmara dos Deputados quanto o mandato parlamentar. Cabimento da providên-cia, no caso, em face da situação de franca excepcionalidade. Comprovação, na hipótese, da presença de múltiplos elementos de riscos para a efetividade da juris-dição criminal e para a dignidade da própria casa legislativa. Especificamente em relação ao cargo de presidente da Câmara, concorre para a suspensão a cir-cunstância de figurar o requerido como réu em ação penal por crime comum, com denúncia recebida pelo Supremo Tribunal Federal, o que constitui causa inibitó-ria ao exercício da presidência da República. Deferimento da medida suspensiva referendado pelo Plenário. (AC 4.070/DF, rel. min. Teori Zavascki, j. 5-5-2016, P, DJE de 21-10-2016.)

    Delcídio e Dantas representaram dois casos da mais alta importância da vida pública brasileira. Ainda que em um primeiro momento Teori os tenha analisado monocraticamente, cuidou de submetê-los o mais rápido possível ao julgamento pelos pares em Plenário. A atuação coordenada e unânime do cole-giado fortaleceu o Supremo como instituição. Já o desempenho preciso em uma situação de “franca excepcionalidade” garantiu à Corte accountability e incre-mentou o sentimento social de supremacia da Constituição e de igualdade de todos perante o Direito.

    1.2 Sistema de controle de constitucionalidade das normas

    O controle de constitucionalidade no Brasil dispõe de “meios variados e sofisticados”29, constituindo um criativo ponto de encontro entre as vertentes americana e austríaca30. Com tantos instrumentos aplicáveis, o difícil é achar o equilíbrio no seu emprego - conhecida e reiterada preocupação de Teori Zavascki31.

    29 Cf. ZAVASCKI, Teori. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional (2001). 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 23. 30 Amplamente, MENDES, Gilmar. Jurisdição constitucional (1996). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2014; BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro (2006). 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de direito constitucional (2012). 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, em coautoria com Ingo Sarlet e Daniel Mitidiero.31 Entrevista de Teori Zavascki a Fernando Fontainha. FONTAINHA, Fernando de Castro; VIEIRA, Oscar Vilhena; SATO, Leonardo Seiichi Sasada (orgs.). História oral do Supremo (1988-2013) - Teori Zavascki. Rio de Janeiro: FGV Rio, 2017, v. XVI, p. 80.

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    Ministro Teori Zavascki

    Um exemplo desse exercício de autocontenção pode ser conferido em Rollemberg, julgado em 2013 pelo Plenário32. No caso, procurava-se realizar controle difuso e preventivo de constitucionalidade material de projeto de lei. Relator para o acórdão, o Ministro Teori apresenta a questão nestes termos:

    Trata-se de mandado de segurança impetrado por Senador da República visando a obter provimento jurisdicional que determine a suspensão da trami-tação e o arquivamento de projeto de lei, já aprovado na Câmara dos Deputados sob n. 4.470/2012, ora tramitando no Senado Federal sob n. 14/2013. O que se alega, substancialmente, é que tal PL está impregnado de manifesto vício de inconstitucionalidade material, por ofender o art. 1º, V, e o art. 17, caput, da Constituição. Sustenta o impetrante que tem direito líquido e certo de, na con-dição de parlamentar, “não participar da produção de atos normativos” eivados com vício desse jaez. Em nome e para tutela desse afirmado direito é que deduz o pedido de sentença mandamental com a extensão indicada.

    2. É evidente, registre-se desde logo, que o direito líquido e certo afirmado na impetração - de não ser obrigado, o parlamentar impetrante, a participar do processo legislativo - não traduz a verdadeira e delicada questão constitucional que decorre do pedido formulado na demanda. Esse alegado direito representa, na verdade, uma engenhosa criação mental para justificar a utilização da ação de mandado de segurança, cujo objetivo real, todavia, é outro. Realmente, a esse afirmado direito subjetivo individual de não participar da formação da questionada proposição normativa, seria simples contrapor que tal direito não está sendo sequer ameaçado, nem mesmo em tese, eis que a participação do parlamentar no processo de formação das leis não é obrigatória, nada impedindo o impetrante de, espontaneamente, exercer o afirmado direito, abstendo-se de participar ou de votar ou mesmo, ainda, de apresentar voto contrário à aprovação. Em termos estritamente formais, portanto, está clara a dissociação lógica entre o direito tido como ameaçado e a efetiva pretensão deduzida na demanda. Na verdade, o que se busca, a pretexto de tutelar direito individual, é provimento de consequência muito mais profunda e abrangente: de inibir a própria tramitação do projeto de lei, o que significa impedir, não apenas o impetrante, mas todos os demais parlamentares, de discutir e votar a proposta.

    E analisa-a:

    Assim definida a efetiva pretensão da demanda e abstraindo as impli-cações de natureza processual daí decorrentes, as questões constitucionais que a ela subjazem ganham contornos de maior dimensão. Põe-se em primeiro plano a questão, prejudicial a todas as demais, referente à viabilidade consti-tucional da intervenção do Poder Judiciário na atividade do Legislativo para, a pedido de um parlamentar, fazer juízo sobre a constitucionalidade material de projetos de lei ou de emendas à Constituição lá em andamento, ordenando, como aqui se pretende, a suspensão do correspondente processo legislativo e o próprio arquivamento da proposta. A discussão dessa matéria, bem se per-cebe, assume, do ponto de vista institucional, importância maior que a do próprio tema de mérito da impetração. É que, por mais relevantes que sejam as

    32 Cf. Rollemberg vs. Câmara dos Deputados, 2013 (MS 32.033/DF, rel. min. Gilmar Mendes, rel. p/ o ac. min. Teori Zavascki, j. 20-6-2013, P, DJE de 18-2-2014).

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    Ministro Teori Zavascki

    alegações de inconstitucionalidade da proposta legislativa aqui questionada - e inegavelmente o são, como ficou demonstrado pelos exaustivos fundamentos do erudito voto do Ministro relator -, elas dizem respeito a tema pontual e cir-cunstancial no cenário normativo e no contexto político, que, se não for agora, poderá ser enfrentado e resolvido se e quando o projeto se transformar em lei. Já a discussão sobre a legitimidade do controle jurisdicional preventivo da constitucionalidade de propostas legislativas, essa tem natureza institucional de consequências transcendentais, com reflexos não apenas para o caso em pauta, mas principalmente para o futuro, já que definirá um marco permanente nas relações entre os Poderes da República. Envolvendo, como envolve, juízo sobre os limites dos espaços de competências, é questão que toca o cerne da autonomia e da harmonia dos Poderes e, portanto, do sistema representativo e do próprio princípio democrático estabelecido na Constituição. Não custa enfatizar que, no vasto domínio da jurisdição constitucional, é justamente no plano do controle de constitucionalidade das normas que as relações de poder se mos-tram mais sensíveis. É que ali se estabelece, como percebeu Mauro Cappelletti, um confronto entre Jurisdição e Legislação. “O aspecto mais sedutor”, escreveu ele, “diria também o aspecto mais audaz e, certamente, o mais problemático do fenômeno que estamos para examinar está, de fato, justamente aqui: o encontro entre a lei e a sentença, entre a norma e o julgamento, entre o legislador e o juiz” (CAPPELLETTI, Mauro. O controle de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1999. p. 26). Daí a importância que deve merecer essa questão.

    Após demonstrar que o Supremo Tribunal Federal abre exceção à regra do controle de projetos normativos em apenas duas hipóteses (proposta de emenda à Constituição manifestamente ofensiva à cláusula pétrea e a projeto legislativo com violação a cláusulas concernentes ao devido processo legisla-tivo), o Ministro Teori Zavascki observa que o objeto da impetração no caso é outro (“o projeto de lei tem conteúdo incompatível com o art. 1º, V, e com o art. 17, caput, da Constituição Federal”, do qual se retirou o pedido de suspen-são da “tramitação do projeto” e inibição de “qualquer discussão ou delibera-ção parlamentar a respeito”)33. Diante disso, passa a defender a necessidade de denegação da ordem como meio de preservar a separação dos poderes.

    Observa o Ministro Teori Zavascki:

    Ora, admitir mandado de segurança com essa finalidade significa alterar radicalmente o entendimento até aqui adotado, a respeito do controle da ati-vidade parlamentar pelo Supremo Tribunal Federal. A mais notória e evidente consequência será a universalização do controle preventivo de constituciona-lidade, em manifesto desalinhamento com o sistema estabelecido na Carta da República, abonado, nesse aspecto, por antiga e pacífica jurisprudência da Corte, como ao início ficou demonstrado. Ao modelo constitucional de exclusivo con-trole de normas (= controle sucessivo-repressivo), exercido com exclusividade pelos órgãos e instituições arrolados no art. 103 da CF, mediante ação própria ali

    33 MS 32.033/DF, voto do rel. p/ o ac. min. Teori Zavascki, p. 144.

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    Ministro Teori Zavascki

    indicada, admitir-se-á, caso acolhido o pedido formulado nesta impetração, um controle jurisdicional, por ação, da constitucionalidade material de projetos de normas (= controle preventivo), a ser exercido por qualquer parlamentar, e exclu-sivamente por parlamentar, mediante utilização, com essa exótica finalidade, da via do mandado de segurança, sob o artificioso pretexto de tutelar direito líquido e certo de não participar da votação do projeto. Tal elastério - que consagraria um modelo de controle jurisdicional preventivo sem similar no direito compa-rado, porque direcionado a meros projetos, antes mesmo de qualquer delibera-ção definitiva do Legislador a respeito (o exemplo, sempre referido de controle preventivo, exercido pelo Conselho Constitucional na França, tem por objeto leis ainda não promulgadas, mas já aprovadas pelo Parlamento) - certamente ultrapassa os limites constitucionais da intervenção do Judiciário no processo de formação das leis, judicializando-o excessiva e injustificadamente.

    E segue:

    É preciso considerar, nesse ponto, que o processo legislativo constitui a mais típica e peculiar atividade do Poder Legislativo, que o exerce por critérios e mediante instrumentos de caráter marcadamente políticos. Embora se saiba, como assinalou Dieter Grimm, que, nos Estados modernos, “não é mais possível uma separação entre direito e política no nível da legislação”, é preciso acentuar, como ele também reconhece, que as decisões políticas, no plano da formação da lei, pertencem ao Legislativo, não ao Judiciário, cujas decisões somente são consideradas políticas quando e porque têm por substrato o controle de cons-titucionalidade, ou a interpretação ou a aplicação de leis, já formadas, de con-teúdo político (GRIMM, Dieter. Constituição e política. Tradução de Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 11, 14-15). É indispensável, por isso mesmo, que, na relação entre direito e política e seus correspondentes ato-res institucionais, se leve na devida conta a necessária separação que há entre o processo para a formação da lei e o processo para interpretação e aplicação da lei já formada: aquele, pertencente ao domínio político do Parlamento e do poder de veto do Executivo, deve ser resguardado de interferências jurisdicionais inde-vidas, assim como esse, que pertence ao domínio judiciário, não pode ser con-taminado por interferências externas de origem política. Invocando outra vez a lição experiente do professor Dieter Grimm, escrita já na condição de ex-juiz e Presidente da Corte Constitucional da Alemanha, “(...) tribunais constitucionais só podem cumprir sua função fiscalizadora a partir de uma posição de distân-cia da política. A vinculação constitucional a que a política está submetida no estado democrático é uma vinculação jurídica” (op. cit., p. 169). Ora, inserir os tribunais na fiscalização do conteúdo material de projetos de leis significa trans-portá-los para o próprio âmago do debate político, o que compromete o distan-ciamento que se recomenda. E se recomenda, quanto mais não seja, até para preservar as Cortes Constitucionais de sua reconhecida inaptidão “para resolver, por via de ação, os conflitos carregados de paixões políticas”, uma vez que, como foi anotado com ironia e certo exagero, “à semelhança dos sismógrafos, que registram com precisão os abalos sísmicos ocorridos a distância, esses tribunais se transformam em escombros quando situados no epicentro dos terremotos políticos” (Inocêncio Mártires Coelho, citando Georges Burdeau, na apresenta-ção da obra citada, de Dieter Grimm, cit., p. XXIII)”.

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    Ministro Teori Zavascki

    Continua o Ministro Teori:

    Pois bem, se as hipóteses de intervenção jurisdicional no processo legislativo hão de estar contidas nos parâmetros expressamente estabeleci-dos na Constituição, não faz sentido algum atribuir a parlamentar, a quem a Constituição nega habilitação para provocar o controle abstrato de constitucio-nalidade de normas, uma prerrogativa, sob todos os aspectos muito mais abran-gente e muito mais eficiente, de provocar esse controle sobre os próprios projetos legislativos. Aliás, a se admitir, em situação assim, a legitimação ativa de um parlamentar, certamente não haveria razão alguma para negar - pelo contrário, seria uma imposição necessária do sistema admitir - que medida semelhante e com a mesma finalidade fosse proposta por qualquer dos legitimados pela Constituição (art. 103) a promover o controle repressivo, ou sucessivo.

    7. Também não se pode admitir, como justificativa para essa espécie de controle preventivo por mandado de segurança, o argumento da gravidade do vício que visa a atacar. Soa um pouco redundante falar em inconstitucionali-dade grave. A inconstitucionalidade de uma norma pode ser classificada como mais ou menos evidente, mais ou menos manifesta, porque tal classificação depende apenas da sofisticação maior ou menor dos recursos hermenêuticos necessários para identificar sua ilegitimidade. Todavia, identificada a inconsti-tucionalidade, ela será invariavelmente grave, como é grave, sempre, qualquer ofensa à Constituição. Assim, a discriminação pelo critério de gravidade - que, de resto, é conceito jurídico manifestamente indeterminado, sujeito a preen-chimento valorativo de múltiplos matizes - apenas comprova esta inafastável constatação: admitir essa espécie de mandado de segurança, para controle da constitucionalidade material de projetos de lei, significa, na prática, consagrar a universalização do seu controle preventivo, o que afronta o sistema consagrado na Constituição.

    E arremata em um exercício de moderação judicial e de respeito ao Poder Legislativo:

    Outra relevante consequência da prematura intervenção do Judiciário em domínio jurídico e político de formação dos atos normativos em curso no Parlamento é a de subtrair, dos outros Poderes da República, sem justificação plausível, a prerrogativa constitucional que detêm de, eles próprios, exercerem o controle preventivo da legitimidade das normas. Convém enfatizar que a manutenção e a preservação do Estado Constitucional de Direito é poder-dever comum aos três Poderes, a ser exercido e exaurido no âmbito das suas corres-pondentes atividades, no seu devido tempo e segundo seus métodos e sua pauta. Não há dúvida que a antecipada intervenção do Judiciário no processo de for-mação das leis, ressalvadas as excepcionais hipóteses antes indicadas e justifi-cadas, retira do Poder Legislativo a prerrogativa constitucional de ele próprio, através do debate parlamentar, aperfeiçoar o projeto e, quem sabe, sanar os seus eventuais defeitos. Reside justamente nesse debate a tipicidade e a essência da atividade parlamentar, com sua lógica e sua logística peculiares, que, embora diferentes das do Judiciário, devem ser igualmente respeitadas e preservadas. Não se pode desacreditar ou dispensar, por antecipação, a eficácia depuradora e enriquecedora da função parlamentar. O mesmo se diga, aliás, da prerrogativa de controle de constitucionalidade que a Constituição atribui ao Presidente da

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    Ministro Teori Zavascki

    República, investido que está do poder, do qual não pode ser destituído por antecipação, de apor vetos a projetos inconstitucionais (CF, art. 66, § 1º).

    9. Em suma, ainda que se reconheça - e se reconhece, a plausibilidade da alegação de inconstitucionalidade material do projeto de lei aqui atacado, e ainda que se dê crédito à afirmação do Impetrante - de que a aprovação do projeto é de interesse da maioria hegemônica do Parlamento e da Presidência da República e que, portanto, é elevada a probabilidade de sua transformação em lei -, isso não justifica, no meu entender, que se abra precedente com tão graves consequências para a relação institucional entre os Poderes da República, que é o de inaugurar e universalizar a tutela jurisdicional da atividade parlamentar mediante controle de constitucionalidade material de projetos de lei, tudo fun-dado na presunção de que, tanto o Legislativo quanto o Executivo, permitirão que a inconstitucionalidade se concretize. Aliás, quanto mais evidente e grotesca for a inconstitucionalidade material de projetos de leis - como seriam as dos exemplos trazidos no voto do relator (instituição de pena de morte, descrimi-nalização da pedofilia ou instituição de censura aos meios de comunicação) - menos ainda se deverá duvidar do exercício responsável do papel do Legislativo, de negar-lhe aprovação, e do Executivo, de apor-lhe veto, se for o caso. Partir da suposição contrária significaria menosprezar por inteiro a seriedade e o senso de responsabilidade desses dois Poderes do Estado. Mas, se, por absurdo, um projeto assim viesse a ser transformado em lei, ainda não ficaria de modo algum comprometida a eficácia do controle repressivo pelo Judiciário, para negar-lhe validade, retirando-a do ordenamento jurídico. (MS 32.033/DF, rel. min. Gilmar Mendes, rel. p/ o ac. min. Teori Zavascki, j. 20-6-2013, P, DJE de 18-2-2014.)

    Ao decidir não decidir, o Supremo reafirmou em Rollemberg os limites da sua atividade em relação ao processo legislativo, preservando o espaço de autonomia de cada um dos Poderes. Fortaleceu-os ao reconhecer a “seriedade e o senso de responsabilidade”34 de cada um.

    1.3 A eficácia das sentenças na jurisdição constitucional

    Como fica a coisa julgada oriunda do controle difuso diante da super-veniência de decisão contrária em controle abstrato? Com o incremento do controle concentrado com a Constituição de 1988, as questões daí oriundas ganharam a pauta do Supremo Tribunal Federal. Duas dessas questões ocupa-ram especialmente o Ministro Teori Zavascki.

    A primeira diz respeito à necessidade de distinguir a eficácia normativa da eficácia executiva da declaração de constitucionalidade ou inconstituciona-lidade. De acordo com o decidido em Yanasse, uma vez realizada a fiscaliza-ção abstrata, seu resultado não se impõe à coisa julgada anterior de maneira

    34 MS 32.033/DF, voto do rel. p/ o ac. min. Teori Zavascki, p. 148.

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    Ministro Teori Zavascki

    automática, sendo imprescindível para tanto oportuna atuação concreta da parte interessada35.

    Depois de observar que “cumpre decidir se a declaração de inconstitu-cionalidade tomada em ADI atinge desde logo sentenças anteriores já cober-tas por trânsito em julgado, que tenham decidido em sentido contrário”36, o Ministro Teori expõe a distinção entre eficácia normativa e eficácia executiva da decisão a respeito da constitucionalidade, para em seguida chamar a aten-ção para a importância de se compreender tal diferença:

    A afirmação da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade da norma no âmbito de ação de controle concentrado (ADI ou ADC) simplesmente reconhece a sua validade ou a sua nulidade, gerando, no plano do ordenamento jurídico, a consequência (que se pode denominar de eficácia normativa) de manter ou excluir a referida norma do sistema de direito. Todavia, dessa sen-tença de mérito decorre também o efeito vinculante, consistente em atribuir ao julgado uma qualificada força impositiva e obrigatória em relação a superve-nientes atos administrativos ou judiciais. É o que se pode denominar de eficácia executiva ou instrumental, que, para efetivar-se, tem como mecanismo execu-tivo próprio, embora não único, a reclamação prevista no art. 102, I, l, da Carta Constitucional.

    4. É importante distinguir essas duas espécies de eficácia (a normativa e a executiva), pelas consequências que operam em face das situações concretas. A eficácia normativa (= declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade) se opera ex tunc, porque o juízo de validade ou nulidade, por sua natureza, dirige-se ao próprio nascimento da norma questionada. Todavia, quando se trata da eficácia executiva, não é correto afirmar que ele tem eficácia desde a origem da norma. É que o efeito vinculante, que lhe dá suporte, não decorre da validade ou invalidade da norma examinada, mas, sim, da sentença que a examina. Derivando, a eficácia executiva, da sentença (e não da vigência da norma examinada), seu termo inicial é a data da publicação do acórdão do Supremo no Diário Oficial (art. 28 da Lei 9.868/1999). É, consequen-temente, eficácia que atinge atos administrativos e decisões judiciais superve-nientes a essa publicação, não atos pretéritos. Os atos anteriores, mesmo quando formados com base em norma inconstitucional, somente poderão ser desfeitos ou rescindidos, se for o caso, em processo próprio. Justamente por não estarem submetidos ao efeito vinculante da sentença, não podem ser atacados por sim-ples via de reclamação.

    Assentadas essas premissas, segue:

    Isso se aplica também às sentenças judiciais anteriores. Sobrevindo deci-são em ação de controle concentrado declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo, nem por isso se opera a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento

    35 Cf. Yanasse vs. CEF, 2015 (RE 730.462/SP, rel. min. Teori Zavascki, j. 28-5-2015, P, DJE de 8-9-2015). 36 RE 730.462/SP, voto do rel. min. Teori Zavascki, j. 28-5-2015, p. 11.

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    Ministro Teori Zavascki

    diferente. Conforme asseverado, o efeito executivo da declaração de constitucio-nalidade ou inconstitucionalidade deriva da decisão do STF, não atingindo, con-sequentemente, atos ou sentenças anteriores, ainda que inconstitucionais. Para desfazer as sentenças anteriores será indispensável ou a interposição de recurso próprio (se cabível), ou, tendo ocorrido o trânsito em julgado, a propositura da ação rescisória, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495). Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispen-sabilidade da ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto, notadamente quando decide sobre rela-ções jurídicas de trato continuado, tema de que aqui não se cogita. Interessante notar que o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 16-3-2015), com vigência a partir de um ano de sua publicação, traz disposição explícita afir-mando que, em hipóteses como a aqui focada, “caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal” (art. 525, § 12, e art. 535, § 8º). No regime atual, não há, para essa rescisória, termo inicial especial, o qual, portanto, se dá com o trânsito em julgado da decisão a ser rescindida (CPC, art. 495).

    6. Pode ocorrer - e, no caso, isso ocorreu - que, quando do advento da decisão do STF na ação de controle concentrado, declarando a inconstituciona-lidade, já tenham transcorrido mais de dois anos desde o trânsito em julgado da sentença em contrário, proferida em demanda concreta. (Fenômeno semelhante poderá vir a ocorrer no regime do novo CPC, se a parte interessada não propuser a ação rescisória no prazo próprio). Em tal ocorrendo, o esgotamento do prazo decadencial inviabiliza a própria ação rescisória, ficando a sentença, consequen-temente, insuscetível de ser rescindida, mesmo que contrária à decisão do STF em controle concentrado.

    Imunidades dessa espécie são decorrência natural da já mencionada irre-troatividade do efeito vinculante (e, portanto, da eficácia executiva) das deci-sões em controle concentrado de constitucionalidade. Há, aqui, uma espécie de modulação temporal ope legis dessas decisões, que ocorre não apenas em relação a sentenças judiciais anteriores revestidas por trânsito em julgado, mas também em muitas outras situações em que o próprio ordenamento jurídico impede ou impõe restrições à revisão de atos jurídicos já definitivamente consolida-dos no passado. São impedimentos ou restrições dessa natureza, por exemplo, a prescrição e a decadência. Isso significa que, embora formados com base em preceito normativo declarado inconstitucional (e, portanto, excluído do orde-namento jurídico), certos atos pretéritos, sejam públicos, sejam privados, não ficam sujeitos aos efeitos da superveniente declaração de inconstitucionalidade porque a prescrição ou a decadência inibem a providência extrajudicial (v.g., o lançamento fiscal) ou o ajuizamento da ação própria (v.g., ação anulatória, cons-titutiva, executiva ou rescisória) indispensável para efetivar o seu ajustamento à superveniente decisão do STF. No âmbito criminal, configura hipótese típica de modulação temporal ope legis a norma que não admite revisão criminal da sen-tença absolutória (art. 621 do CPP), bem como inibe o agravamento da pena, em caso de procedência da revisão (art. 626, parágrafo único, do CPP). Isso significa que, declarada inconstitucional e excluída do ordenamento jurídico uma norma penal que tenha sido aplicada em benefício do acusado em sentença criminal transitada em julgado, há empecilho legal à eficácia executiva ex tunc dessa declaração, por falta de instrumentação processual para tanto indispensável.

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    Ministro Teori Zavascki

    E conclui:

    Estando o acórdão recorrido em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cumpre negar provimento ao recurso extraordiná-rio, afirmando-se a seguinte tese para efeito de repercussão geral: a decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucio-nalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente; para que tal ocorra, será indispensável a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495). (RE 730.462/SP, rel. min. Teori Zavascki, j. 28-5-2015, P, DJE de 8-9-2015.)

    A segunda questão concerne à necessidade de saber se o precedente cons-titucional superveniente torna inexigível a obrigação constante de título execu-tivo oriundo de coisa julgada contrária. Em Conselho Federal da OAB, julgado em 2016 pelo Plenário, decidiu-se que é constitucional a cessação de eficácia do título executivo em face da superveniência de precedente constitucional em sentido contrário37.

    A questão é assim apresentada pelo Ministro Teori Zavascki:

    A constitucionalidade do parágrafo único do art. 741 e do § 1º do art.  475-L do CPC/73 (semelhantes aos artigos 525, §§ 12 e 14; 535, § 5º, do CPC/15) decorre do seu significado e da sua função. São preceitos normati-vos que, buscando harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição, vieram apenas agregar ao sistema processual um instrumento com eficácia rescisória de certas sentenças eivadas de especiais e qualificados vícios de inconstitucionalidade. Não se trata, portanto, de solução processual com a força ou com o desiderato de solucionar, por inteiro, todos os possíveis conflitos entre os princípios da supremacia da Constituição e o instituto da coisa julgada e muito menos para rescindir ou negar exequibilidade a todas as senten-ças inconstitucionais.

    São muito variados, com efeito, os modos como as sentenças podem ope-rar ofensa à Constituição. A sentença é inconstitucional não apenas (a) quando aplica norma inconstitucional (ou com um sentido ou a uma situação tidos por inconstitucionais), ou quando (b) deixa de aplicar norma declarada constitu-cional, mas também quando (c) aplica dispositivo da Constituição considerado não autoaplicável ou (d) quando o aplica à base de interpretação equivocada, ou (e) deixa de aplicar dispositivo da Constituição autoaplicável, e assim por diante. Em suma, a inconstitucionalidade da sentença ocorre em qualquer caso de ofensa à supremacia da Constituição, da qual a constitucionalidade das leis é parte importante, mas é apenas parte.

    Repita-se, portanto, que a solução oferecida pelo § 1º do art. 475-L e pará-grafo único do art. 741 do CPC/73 (e seus correspondentes no atual Código de Processo Civil) não abarca todos os possíveis casos de sentença inconstitucional. Muito pelo contrário, é solução legislativa para situações específicas, razão pela

    37 Cf. Conselho Federal da OAB vs. Presidente da República, 2016 (ADI 2.418/DF, rel. min. Teori Zavascki, j. 4-5-2016, P, DJE de 16-11-2016).

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    Ministro Teori Zavascki

    qual, convém alertar, não envolve e nem se confunde com a controvertida ques-tão, aqui impertinente e por isso não tratada, a respeito da denominada “relati-vização da coisa julgada”, questão essa centrada, como se sabe, na possibilidade ou não de negar eficácia a decisões judiciais em hipóteses não previstas pelo legislador processual, o que não é o caso.

    A partir daí a questão passa a ser enfrentada na forma que segue:

    A interpretação literal desse dispositivo sugere que são três os vícios de inconstitucionalidade que permitem a utilização do novo mecanismo: (a) a aplicação de lei inconstitucional; ou (b) a aplicação da lei a situação conside-rada inconstitucional; ou, ainda, (c) a aplicação da lei com um sentido (= uma interpretação) inconstitucional. Há um elemento comum às três hipóteses: o da inconstitucionalidade da norma aplicada pela sentença. O que as diferencia é, apenas, a técnica utilizada para o reconhecimento dessa inconstitucionalidade. No primeiro caso (aplicação de lei inconstitucional), supõe-se a declaração de inconstitucionalidade com redução de texto. No segundo (aplicação da lei em situação tida por inconstitucional), supõe-se a técnica da declaração de incons-titucionalidade parcial sem redução de texto. E no terceiro (aplicação de lei com um sentido inconstitucional), supõe-se a técnica da interpretação conforme a Constituição.

    A redução de texto é o efeito natural mais comum da afirmação de inconstitucionalidade dos preceitos normativos em sistemas como o nosso, em que tal vício importa nulidade: se o preceito inco