MUSEOLOGIA PATRIM ÓNIO

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MUSEOLOGIA PATRIMÓNIO e Fernando Magalhães · Luciana Ferreira da Costa Francisca Hernández Hernández · Alan Curcino · COORDENADORES ESECS·PolitécnicodeLeiria Volume 8

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MUSEOLOGIAPATRIMÓNIOe

FernandoMagalhães · Luciana Ferreira da CostaFrancisca HernándezHernández · Alan Curcino

·C O O R D E N A D O R E S

ESECS · Politécnico de Leiria

Volume 8

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Fernando Magalhães Luciana Ferreira da Costa

Francisca Hernández Hernández Alan Curcino

(Coordenadores)

MUSEOLOGIA E PATRIMÓNIO Volume 8

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MUSEOLOGIA E PATRIMÓNIO

Volume 8

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POLITÉCNICO DE LEIRIA

Presidente Rui Filipe Pinto Pedrosa

ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS

POLITÉCNICO DE LEIRIA

Diretor Pedro Gil Frade Morouço

EDIÇÕES

https://www.ipleiria.pt/esecs/investigacao/edicoes/

Conselho Editorial Alan Curcino

(Universidade Federal de Alagoas, Brasil) Dina Alves

(Instituto Politécnico de Leiria, Portugal) Emeide Nóbrega Duarte

(Universidade Federal da Paraíba, Brasil) Fernando Paulo Oliveira Magalhães

(Instituto Politécnico de Leiria, Portugal) José António Duque Vicente

(Instituto Politécnico de Leiria, Portugal) Leonel Brites

(Instituto Politécnico de Leiria, Portugal) Luciana Ferreira da Costa

(Universidade Federal da Paraíba, Brasil) Marco José Marques Gomes Alves Gomes (Instituto Politécnico de Leiria, Portugal)

Silvana Pirillo Ramos (Universidade Federal de Alagoas, Brasil)

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FICHA TÉCNICA Título: Museologia e Património - Volume 8 Coordenadores: Fernando Magalhães, Luciana Ferreira da Costa, Francisca Hernández Hernández, Alan Curcino Projeto gráfico: Alan Curcino, Luciana Ferreira da Costa, Leonel Brites Capa: Leonel Brites Imagem da capa: “Coração de Florim” (2021) por Renan Florindo Edição: Escola Superior de Educação e Ciências Sociais – Politécnico de Leiria ISBN 978-989-8797-64-3 Setembro de 2021 ©2021, Instituto Politécnico de Leiria APOIOS

RededePesquisae(In)Formaçãoem Museologia,MemóriaePatrimônio

Facultad de Geografía e Historia: Grupo de Investigación Gestión del Patrimonio Cultural

U N I V E R S I D A D COMPLUTENSE

M A D R I D

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

Centro de Investigação em Qualidade de Vida

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Àcontínuacooperaçãoentreosamigosbrasileiros,espanhoiseportuguesesemtornodaMuseologiaedoPatrimónio.

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ÍNDICE

Apresentação.......................................................................................................FernandoMagalhãesLucianaFerreiradaCostaFranciscaHernándezHernándezAlanCurcino

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ProloguePublic memory as the art of quality maintenance forsocietal development (some notes on mindset and thecontext)...................................................................................................

TomislavSladojevićŠola

13

Museosespañolesentiemposdepandemia...............................NancyFariasDolorsVidal-Casellas

45

OJardimiSensorialdeCastelodeVide........................................ManueldaCostaLeite

71

Objetos museológicos: a estrutura de um modelo devaloração................................................................................................

AntonioCarlosdosSantosOliveiraMarcusGranato

102

OpesodeimagenssacramentadaseosdesafioscientíficoseeducativosdoMuseuPaulista......................................................

CeciliaHelenadeSallesOliveira

137

Da Casa de Morada ao Museu-Casa de Cultura HermanoJosé............................................................................................................

BernardinaMariaJuvenalFreiredeOliveiraBertrandPereiraMartins

184

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ConsideraçõessobreoconceitodeFratrimônio.......................DiogoJorgedeMeloPriscilaFaulhaber

213

Ascoisas,omuseu,seusprocessoseopúblico:apedagogiadasexposiçõesmetamuseológicas.................................................

ManuelinaMaraDuarteCândido

234

AsimbioseentreUniversidadeseMuseusComunitáriosnaextensão universitária: o Museu dos Assentados,metodologias,passado,presenteeapontamentosfuturos...

LeonardoGiovaneMoreira-GonçalvesRosângelaCustodioCortezThomaz

255

OPatrimônioEducativodeumaescoladeeducaçãobásica:memóriaeformaçãodeidentidade...............................................

AnaPaulaBorgesEloiIvanaMartadaSilvaReginaldoAlbertoMeloni

299

Feito à Mão: Museu do Quilombo do Ipiranga, Conde,Paraíba,Brasil,comoPatrimônioComunitário.........................

RobsonXavierdaCosta

331

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Apresentação

Vivemos temposdifíceis, até sombrios e estranhos. Temposdeluto,lutaeresistência.Temposdeolharparaooutro,serempático,tempo de ser colaborativo, tempo de se reinventar. Tempos de sepermitir estar perplexo e de se ter coragem. E, sendo assim, qual opapeldosmuseusedopatrimónionestestempos? Osmuseusdesempenhamumpapelfundamentalnaofertadeespaçosondepossamosrefletirsobreosignificadodopatrimónioedaculturahoje.Seporumladoosmuseuscomoespaçosdememórianospermitemconhecermelhoropatrimónioculturalenatural,ajudando-nos a valorizá-lo, por outro lado, o património oferece-nos umpanoramaglobaldadiversidadeculturalqueosmuseusabrigam.Porisso,ambossãochamadosatrabalhar juntosparaeducaroscidadãosde que é preciso criar novos laços para realizar uma estratégia deconscientização e valorização do património cultural e natural comorecurso que contribui para a humanização e transformação dasociedade. Por outro lado, os museus têm como objetivo social umadiversidadedeleituraspossíveisquepodemseroferecidasapartirdediferentes perspetivas e perante as quais os cidadãos têm aoportunidade de se posicionar de acordo com as suas preferências enecessidades. Não é de estranhar, portanto, que diante da situaçãoexcepcional que vivemos com a pandemia de COVID-19, observemoscomoosmuseuseopatrimónioestãoemcondiçõesdenosoferecerapossibilidadedesuperá-laparanosajudarasairmosrenovadosecomnova energia para enfrentar os desafios futuros. A partir dos novosdiscursos que os museus e o património assumem sobre oenvolvimentodasociedadenavidadas instituiçõesdememória, serápossíveldefinirotipodeparticipaçãoquenelasocorrerá.Osmuseus,nocontextodaemergênciasanitáriaprovocadapelapandemia, foramobrigados a usar uma metodologia participativa que não é maisexclusivamentepresencial e física,mas imagináveisdeoutras formasdeapresentaropatrimónioculturalmuitodiferentesdoqueosusamosaté agora. Portanto, eles têm que estabelecer uma nova forma de serelacionarcomosvisitantesparaqueacomunicaçãosejamaisfluidaeumarelaçãomaispróximasejacriadaentreeles.

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Isso os levou a usar novas tecnologias para apresentar eoferecer informaçõesàsociedade.Ascoleçõesonlinesãoagoramuitomais valorizadas do que antes e estão sendomais promovidas comomeiodedivulgaçãodopatrimónioedaculturanosmuseus.Osgrandesmuseus têm aumentado muito a percentagem de visitas recebidasonline, bemcomoaparticipação e comunicação atravésdautilizaçãodefeedbacknosmeiosdecomunicaçãodemassa,utilizandopodcasts,Google Art & Culture e realidade virtual, enriquecendo assim aexperiência culturaldos cidadãos.A importânciaque, nopassado, foiatribuída às coleções tradicionais, dá lugar à preocupação e aointeresse pela divulgação e pedagogia de novas formas deapresentação de objetos e património cultural. Pretende-se que osvisitantes virtuais também se tornem criadores de conteúdos einterajamcomoutraspessoaspreocupadasemtransmitiropatrimónioe participar na sua divulgação. As novas tecnologias são, portanto,transformadas em verdadeiros instrumentos e ferramentas dedivulgaçãodopatrimóniocultural. Assim,osmuseussãochamadosaofereceràsnovasgeraçõesde nativos digitais uma comunicação de qualidade em que osvisitantes, físicos ou virtuais, sintam-se à vontade e possam interagirdeformaapermitirageraçãodeconhecimentoeconteúdo.Alémdisso,são obrigados a se deslocar e atuar em condições especiais que osobrigam a considerar novas práticas museográficas nas quais oterritorial e o físico se transformam em ciberespaço, o patrimóniocultural e natural se transmuta em património digital e os visitantesemusuáriosdaInternetcomosquaissecomunicamunscomosoutrospormeiodasconhecidasredes. Hojepodemosnosperguntarcomodeveriamserasrelaçõesentre museus, cultura e património em tempos de pandemia. Osmuseussãochamadosaexplorarnovosmodelosdeatuaçãoquesejamcapazes de manter um diálogo efetivo com os visitantes de formacriativa, valendo-se dosmeios digitais para continuar conservando ecompartilhando seupatrimónio cultural.Osmuseusdevemajudarosvisitantesasesentiremconfiantesparaabordá-losapósapandemiaedispostosacolaborardeformaparticipativaeacolhedoraparavoltarànormalidade. Mas, aomesmo tempo, será necessário analisar como lidarcom os problemas que a crise da saúde está causando e que afetará

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necessariamenteodesenvolvimentodesuasfunçõessociais,culturais,econômicas e trabalhistas. Sem dúvida, os museus são chamados aenfrentar um novo paradigma em que têm que assumir a tarefa derecriarumanova imagemdomuseuna sua relação coma sociedade.Isso significa que eles não serãomais capazes de colocar todo o seuinteresseeesforçoemprogramar,depreferência,grandesexposiçõesdotipoblockbusterparaatrairgrandesmassasdepúblico,masterãoque prestarmais atenção aos fundos próprios quemantêm em suasreservasequegeralmentesãodesconhecidosdosvisitantes. Comoemqualquertipodecrise,nestatambéménecessárioenfrentá-la criativamente, vendo nela a possibilidade de aprimorar aforma de enfrentar a realidade do património cultural a partir deorçamentosmais inclusivos e globais, que incluem todos os aspectoshistóricos, culturais, naturais e elementos ambientais, que ajudam aconhecê-lo e valorizá-lo. Será esta diversificação das expressõesculturaisqueterádeservalorizadanasuadevidamedida,aomesmotempoqueestastêmdeserselecionadasparaseremexpostasapartirdos diferentes discursos museográficos. Talvez estejamos perante amelhor oportunidade para fazer uma crítica construtiva de como aexperiênciamuseológicaeculturalsedesenvolveuduranteasdécadasanteriores à pandemia e analisar como enriquecê-la com novasfórmulasquesaibamseadaptaràsnecessidadesdomomentopresente.E,nesteprocessodeanálise,nuncadevemosesqueceraimportânciadeouvir as sugestões dos vários públicos que estão a exigir umamaioratenção e uma oferta mais enriquecedora e plural do patrimóniocultural. Património e museus são chamados a realizar juntos umcaminhoqueosleveaenfrentardeformaintegralqualquerdimensãosocioculturalqueafetaoserhumanocomoumtodo.Esseéograndedesafioqueambasasrealidadespatrimoniaistêmqueenfrentar,numaépocaemquenadaprofundamentehumanopodeserestranhoaelas.Não em vão, o património cultural preservado dentro e fora dosmuseus deve contribuir para o desenvolvimento e o bem-estar detodasaspessoas. Aqui, diferentes contribuições escritas por diversas mãos,por autores especialistas reconhecidos, de forma colaborativa e emrede, não pretendem senão evidenciar a importância das múltiplasformas de encarar a realidade patrimonial para que seja conhecida,

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valorizadaeusufruídaportodososquechegamaosmuseusetambémvisitam os monumentos culturais em todo o mundo, por um futuro,sempre crítico e otimista, melhor, através de se fazer ciênciatransnacionalecomunicá-la. Nesse sentido, temos, portanto, a honra de apresentar àcomunidadeacadémico-científicaeprofissionalosmaisnovosquatrovolumesdaColeçãoMuseologiaePatrimónio,obrasjáconsideradasdereferênciaeesperadasanualmente.

Os livrosMuseologia e Património – Volume5, Volume6,Volume7eVolume8dãocontinuidadeàpublicaçãodosVolume1eVolume 2, publicados no ano de 2019, e Volume 3 e Volume 4,publicados no ano de 2020, e são resultado de uma cooperaçãocientíficainternacionalqueseinicioucomoCentroInterdisciplinardeCiências Sociais (CICS.NOVA) – Polo Leiria em 2019, e, desde 2020,com o protagonismo do Centro em Rede de Investigação emAntropologia(CRIA)daEscolaSuperiordeEducaçãoeCiênciasSociais(ESECS)edoCentrodeInvestigaçãoemQualidadedeVida(CIEQV)daEscola Superior de Saúde de Leiria (ESSLei), todos vinculados aoInstituto Politécnico de Leiria (IPLeiria), Portugal, juntamente com aRede de Pesquisa e (In)Formação em Museologia, Memória ePatrimónio (REDMUS) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB),Brasil, e o Grupo de Investigación Gestión del Patrimonio Cultural(GIGPC) da Facultad de Geografía e Historia (FGH)da UniversidadComplutensedeMadrid(UCM),Espanha. O percurso desta cooperação inicia-se com a publicação dequatro Dossiês Temáticos sobre "Museu, Turismo e Sociedade”,respectivamente nos anos de 2014, 2015, 2017 e 2018, na RevistaIberoamericana de Turismo (RITUR), editada em conjunto peloObservatórioTransdisciplinaremTurismodaUniversidadeFederaldeAlagoas (UFAL), Brasil, e pela Facultat de Turisme e LaboratoriMultidisciplinardeRecercaenTurismedaUniversitatdeGirona(UdG),Espanha.Taisdossiês contaramcomoapoiodaREDMUS/UFPBparasua publicação entre 2014 e 2017, além doInstituto de HistóriaContemporânea -Grupode InvestigaçãoCiência,EstudosdeHistória,Filosofia e Cultura Científica (IHC-CEFCi)daUniversidade de Évora(UÉvora), Portugal, assumindo a organização e assinatura comoEditores. Já no ano de 2018, acrescentou-se ao apoio à publicação oCICS.NOVA/ESECS/IPLeiria.

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Os dossiês objetivaram contribuir para as diversas áreasdedicadas a reflexões sobre os espaços museais e o conhecimentomuseológico, enfocando, sobretudo, uma perspectiva a partir doTurismo, lançando mão de análises sob dimensões sociais,antropológicas, históricas, políticas e econômicas, evocando,transversalmente, os conceitos de cultura, memória, património eeducação na constelação das relações entre museus, turismo esociedadeapresentadaspelosautoresdosartigospublicados.

Comoconsequênciapositivadodossiêde2018,realizou-seemnovembro ainda no ano de 2018 o I Colóquio Internacional sobreMuseu,PatrimónioeInformação,organizadopelaREDMUS/UFPBcomo apoio do CICS.NOVA/ESECS/IPLeiria, na cidade de João Pessoa,Brasil.

A partir do êxito do colóquio, agregando cooperativamenteautores dos dossiês da RITUR como convidados, além de outrosespecialistas reconhecidos internacionalmente, nasceu o projetodestes livros tendo, por sua vez, como autores professores epesquisadoresdoBrasil,daEspanhaedePortugal,dedicadosàsáreasdaMuseologia e doPatrimónio, como objetivo primordial de reunirum conjunto de textos científicos capazes de plasmarem a grandevariedadeeriquezadoqueéproduzidosobreestasáreasnestestrêspaíses.

Os autores que participam de todos os livros oferecem umaamostra muito variada e enriquecedora de quais são os desafios daMuseologiaatualedecomoénecessárioapostaremumaMuseologiasustentável que leve em consideração a promoção, valorização econservação do Património Cultural em conexão necessária prática epolítico-epistemólogica com diversas disciplinas, como aqui sãoencontradas: História, Sociologia, Antropologia, Ciência Política,Turismo, Ciência da Informação, Artes Visuais, Tecnologias, dentreoutras. Para o leitor, descortinam-se aqui pesquisas e ensaioscontemporâneossobreaMuseologiaeoPatrimóniointer,pluri,multietransdisciplinaresnaperspetivadoqueéproduzidonaatualidadenoBrasil,naEspanhaeemPortugal.

Nesteanode2021,temosaalegriaeoorgulhodecontarcomumPrólogonosquatrovolumesapresentadosdaColeçãoMuseologiaePatrimónio, assinado pelo competente amigo e museólogo croata, oProfessorTomislavSladojevićŠola.

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TomislavSladojevićŠola estudou MuseologiaContemporâneana Sorbonne, França, e fez o seu Doutoramento em Museologia naUniversity of Ljubljana, Eslovénia. Foi professor daUniversidade deZagreb,Croácia,desenvolvendoatividadesligadasàpráticadeensinoecomocurador, diretor, editor, conferencista e consultor. Muitocontribuiupara oConselho Internacional deMuseus (ICOM). Cunhoutermos como “Patrimoniologia” e “Mnemosofia”, dedicando-se,atualmente,comofundadoreDiretordoTheBest inHeritage,aúnicainvestigação e divulgação anual do mundo sobreprojetospremiadosdemuseus,patrimónioseconservaçãodesdeoanode2002.

Vale destacar, para coroar nossas publicações, neste ano de2021 contamos com as belas capas do Professor Leonel Brites(IPLeiria,Portugal) apartirdas fotografiasdos “CoraçõesdeFlorim”,magníficotrabalhodojovemartistaplásticobrasileiroRenanFlorindo,quenostrazememoçõeseváriossignificadosemtemposdepandemiasobreavida.AquiseencontraaArteentrelaçadanosconhecimentosepropostasdaMuseologiaedoPatrimónio.

Vistotratar-sedepublicaçãointernacional,estesquatrolivrosapresentamemduas línguasoficiais,portuguése castelhano,os seuscapítulosoriginais,eeminglêsoseuPrólogo.Ademais,todoconteúdode cadacapítulo, incluindoas figuras, fotografias, imagens, gráficosequadrosanalíticos,bemcomosuasresoluçõesenormalização,sãodaresponsabilidadedosseusrespetivosautores.

Cabe ressaltar, ainda, que cada capítulo aqui encontrado foisubmetidoporavaliaçãoporparesàscegascomvistasàqualidadedapublicação.

Ao final desta apresentação, fica o desejo a todos de umaprofícua leitura na perspetiva de seu uso e de sua ampla divulgaçãocomocontribuiçãoàevoluçãoefuturodoscamposdaMuseologiaedoPatrimónio.

FernandoMagalhãesLucianaFerreiradaCosta

FranciscaHernándezHernándezAlanCurcino

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Prologue

PUBLICMEMORYASTHEARTOFQUALITYMAINTENANCEFORSOCIETALDEVELOPMENT

(Somenotesonmindsetandthecontext)

TomislavSladojevićŠolaChairofTheBestinHeritage

ChairofEuropeanHeritageAssociation(EHA)http://www.mnemosophy.com

https://independent.academia.edu/TomislavSola1.Theprivilegeofcommunicationandthevalueofinvoking

Iwasgiventheprivilegeofcontributinganintroductorytextto

this well-respected publication in full liberty granted to the seniorsonly, I believe. I will use the opportunity with appreciation, but, asannounced to the benevolent editors by writing an informal text,hardlymore than a collection of lecturer’s notes. So the text is not ascientificone, -at leastnot in form. Ihopethereaderswillbearwithmenonetheless.

I speak from the long experience, insight and frustration andclaim someprofessional relevance even if it comes at the expense ofthescientificimpression.Asever,Iwriteinthefirstperson,givingmyinsideropiniongatheredthroughalongperiodofdiverseinterestsandrolesthat Ihaveassumedinthedomainofpublicmemory.All Ihaveeverwritten is freely accessible at Academia.edu and onmywebsite(mnemosophy.com).

When an idea or thought has an obvious source, quoting isaboutbasic honesty, not somuch thematter of scientific norms.We,the actual living, are just like the blooming surface of the coral reef,made possible by those beneath. I was a direct disciple of GeorgesHenriRiviere and a close colleague toKennethHudson.MywebsitesandTheBest inHeritageconferenceareverbatimdedicated to them.Likepeopleoftendo,theyare(asdifferentastheywere)myimaginaryinterlocutorswhilewriting: whatwould they say or comment on it?

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Someotherbrightmindsofthesectorinspiremetoo(GraceMorley,J.C.Dana,D.S.Ripley,W.Sandberg,HuguesdeVarine,JacquesHainard,JeanVeillard,PierreMayrand,BožoTežakand someothers),but likeall of us, I rely upon some greatminds of choice and preference (E.Fromm, L. Mumford, A. Huxley, B. Russell, N. Wiener, MarshallMcLuhan, A. Toffler, R. M. Pirsig and many others). The important,usuallyolderothers,arebehindeverythingweare,nomatterhowwemay,orindeed,shoulddifferfromthem.AntunBauerinitiatedmeintoresearchingmuseumsandcuratorialwork.IvoMaroevićinvitedmetothe position of assistant professor at the Department of Museology,whichhehadjustfounded(1984)attheUniversityofZagreb.

Insomecases,Ireferredverydirectlytosourcesofwisdomandinspiration. Inabook Iwroteasakindofglossaryof "museumsins"("Eternity does not live here any more ..."; translated into Spanish,RussianandLatvian),Iwaswidelyparaphrasingtwowonderfulbooks:"Gulliver'sTravels"and"Faust".2. Knowing the broad context as the way to the meaningfulmission

Will for power and flight from freedom, Erich Frommwould

claim,preventus fromcreatingasanesociety.The temptation,strivefor eternity, the passion for possessing and the pleasure of conquestcreated conventional museums. The whole matter, compressed intoonephrasewouldbethatallthatneedstobedoneistointerprettheneed for museums as a pursuit of the divine inspiration of humans,serving their incessant need for perfecting of human condition.Museumsarenotthereforourmaterialitybutforourspirituality,-thetemples,notofsciencebutsecularspirituality.AsR.Barthessaid,theonly eternity given to humans is that of the human race. Othereternitiesseemtobereachablebyreligiousprojectionsandspeculatedupon by philosophy or natural history. Humanist ethic by which weshould interpret and communicate the accumulated experience (toguide theworld and care for its harmonious development), – that iswhatmuseumsareabout.Inmyyoungcuratorialyears,some45yearsago, Dillon S. Ripley, a legendary director of Smithsonian Institutionwas claiming that museums are there for our “survival”. The ideastruckmeasatypicalmindopener.Whowouldhavethoughtthatwe

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shall face it literally by experiencing even the end of species option?EversinceIhavehearditfromhim,Iknewthatmuseumsoughttobeverybusyinstitutions.Well,allgoodmuseumsare!

Itisnotthesocietalgroupsbutthevaluesystemsthatruletheworld. The living humans are all temporarily there as passers-by, asthe changingmembersof humanity;what stays changing at a slowerpaceandoscillating, are thevalues indifferent “packages”. Identity, -the central issue tomost of themuseums is one of them. They onlyserve or feed or their Machine as it transforms in time andcircumstances.Theirmuseumsarethecorepartofthat.Shouldtheybesuch? Not really. Correctly understood museums are mechanisms ofadaptationtosomeextentbutshouldbeacorrectiveforce,theonethatserves the change helping us to create it for the simple, banallysoundinggoal,-ofmakingtheworldabetterplace.Shallowwords?No.Thebestmuseums, like thebestpeople,are just that.Thechange forthebetterorthesteady invitationtosticktothestatusquo.Howcanyou recognize the latter? They never excess their selfishness, nevertranscend their first, pragmatic interests. To recognize them whentheydisguiserequiresinsightandaprofessionalmindset.Inthehandsof a professional “open authority” becomes sharing the insight andexpertise,whereasthemerechasersofbuzzwordsloseauthority.

Technology is a direct consequence of increasing knowledgebutalwaysbecomestheextensionofourselves.Ourspiritualandmoralcapacities fail to control thismaterializing knowledge so it producesalmost its autonomous change. We may blame ourselves formiscalculating the effects but a minority, which is increasinglyprivatizing this development, does it merely for profit ignoring theconsequences. Generally, our technology represents our psychemirrored.Knowledgewithoutethicsis,toputitsimply,-harmful.3.Theunnumberedrevolutionandthechangedvaluesystem

Theworldisconstantlychanging.Themega-trendsareusually

registered as “revolutions” and we now live in the fourth, that ofartificial intelligence, the one changing, mentioned often as “cyber-physical systems”. To remain in the comfort zone of convenientknowledge we decided long ago to understand revolutions astechnological.Howeverthetheoryandpracticemaychaseeachother

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competingforpriorityright,itislikelythatsparkhappensinspiritandturnsintoaconceptwhich,inturnimmediatelyseeksforsomefurtherinspiration and finally demands legitimacy from the practicalapplication.

The romantic claim is that revolutions happen due to theepochal inventions of genius minds. But, do technologies happenbecause the world changes or the radically different technologieschangetheworld?Itisnoteitherway,butbothways.Likethecircleoftheory and practice that Kurt Levinewas so ingeniously defining bysaying that there was nothing so practical as a good theory. So,revolutions, I believe, happen rather as a change of mindset, of theworldview,andthewaywejuxtaposeourvaluesbywhichwemeantoshapeourhumandestiny.Wedreamandprojectandcraveidealsandvalues that seem to be the natural part of our spirituality. Namingrevolutions after technological changes is therefore only partly truebut certainly toosterileSTEM-minded. )Theawkwardbalance to thismanipulativesimplificationistheinventionofcolouredrevolutionsastheway of warmongering and geopolitical engineering). Humanities,memoryinstitutionsincluded,aresupposedtostayoutoftheway.

The one that dominates Anthropocene is unnumbered andoverwhelming, heralded by Tacher and Ronald Regan; it took theleading two global politicians at the time hardly a decade (approx.1980-1990)tobestservetheforceswhichimposedthemasleaders.Tothis purpose, huge quasi-democratic machinery was engaged toprovide them with legitimacy to lead the fatal privatisation of theworld. This libertarian movement was adorned by a fake historicalalibidatingbacktomid-18thcenturyAdamSmith’sromanticeconomicmoralizing.Insteadof“theinvisiblehand”ofthemarketgoverningthesociety,thesocietygraduallyslippedintotheauthoritarianruleoftheunobservable forces of the ultra-rich. Velvet totalitarianismprovidedall needed support, from Nobel prize winners (and juries) toinnumerablehiredexperts inprivatizedmediaandbecameknownasliberal capitalism. It is just libertarian and it is not capitalism.Privatisation, meaning the incessant concentration of ever greaterownershipmeansthatprocessissooverwhelmingthatwillnotstopatour doors. It changes the way politicians and the masses theymanipulate,perceivetheworld.

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Why is this seeming “politicizing” justified in awriting aboutmuseums? Because in the last four decades the governing worldparadigm changed fromproduct toprofit. Before that, profitwas theconsequence of producing and selling products, whereas, from theearly1980s,theproductbecamethemeremeansofprofit.Theprocessof great commodification took place. Even the culture, even theheritage even the intangible heritage, even their air, water, animals,woods…eventhehumans,allcouldhavegraduallybeenviewedasanasset. Product was so unimportant that the very labour becameunimportantandhumiliated.Assuch itwasassignedtothe laboriousandneedyothersand that ishowtheWest’worldviewmounted intoits geopolitical and geostrategic problem. Such detrimental,involutional developments inflicted upon others return like acontagiousdisease.

The consequences of the growing financial adventurismenabled the banks and military-industrial complex to corruptdemocratic processes somuch that even the global financial crisisof2008was itself grabbed as an opportunity for the plunder of publicmoney.Itisduetothesechangesinapproachtoeconomyandpoliticsthattheworkingclassdisappearedandeverythinglegitimatelybecamethe potential asset. Commoditisation of the world began. Thelibertarian triumph was presented as the blossoming of freedom.Whatever the scenario of the fall of the USSR was, the changedparadigm melted additionally its deviated bureaucratic illusion.Gorbachevwasnottheonlypersonwhobelievedthattheworld,onceprincipally and predominantly democratic and capitalist will losereasons for conflicts and (finally) unite its nations to save theendangeredPlanet.AynRand’sevilgospelandprophecyoftriumphalselfish individualism became themost sinister reality. Knowing this,the disintegration of theWest seemed at first possible, then obviousand finally inevitable. Of course, an unfavourable prophecy may berightfullytakenasariskyclaimbenevolentlyofferedonlytoavoidtheunhappyoutcome.

Contrarytowhatnewlibertariancapitalistsclaim,AynRand'sdestructivecelebrationofultimateindividualismwasnotcapitalismatall, but an apotheosis of selfishness and greed against any decenthumanity.Nevertheless,theclownsfrompoliticalrealityshow(ashervulgarfollowers)canbestillworse:"Thereasonwehavethevaccine

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success is because of capitalism, because of greed my friends". This“private”statementofBorisJonsonpubliclyhasspreadallaroundtheworld. How can this man understand why any country should havemuseums.Howcouldmanyothers, less educatedand lessobligedbytheirfunction?

Thedepreciationoflabourisequallyaneconomicandculturalsin.Tomentionagain thevalue-lesssociety, thedisappearanceof theworkingclassledtotheextinctionofcriteriaofqualitywhichtogetherwith products withdrew into the unattainable 1%. The diminishingmiddle class made non-culture possible, - a certain state of dis-culturation or apathy: the post-modern syntagm “anything goes”imperceptiblyslippedinto“nothingmatters”.Cynically,thecreatorsofproblemscanbeeasiestrecognizedatthemomentwhentheypresentthemselvesasthesavioursfromtroublewhentheyproposesolutionstoproblems theyhavecreated themselves.Evenwhendisguised intosmallbusinessesand franchising, theblueprint reveals thewritingofmultinationalcompanies.Sotheofferedremedyfordevaluedlabourisin further robotisation, virtualisationof reality, universal incomeanddeeperdecreaseofquality,risingprivatisationofresourcesbygeneticmanipulationandpatentingofrealityas,theyconvinceus,thismakeseverythingmoreaccessibleand fightspending famine. Itmaywellbejustthecontraryandyet,publicmemoryinstitutionswillhardlyutterawordlikeitdidnothappenbeforeinmanyways.4.Whywouldthelibertarianworldbeconcerningmuseums?

So, knowing the context matters. The cultural or creative

industryhasbeentherightfulrealitybutat its fringesandinsomeofits coreareas, the society tookcare that creativitywouldnotdependentirely upon thewhims of any individual or a group. Even socialistcountrieswere insomedegrees tolerating this freedom.Thewesterndemocraciesrespectedandanarrayofpractices,fromphilanthropictoentirelypublicfinancing.

But, still, what has this to do with heritage and museums?Simple: the very idea of heritage is transcending the particular andextends into collective and public. Heritage is about value systems.Protagonists, be they institutions or occupations serving it, - change,but values systems live and govern us. The world not only became

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managed (what I naively thought in my PHD to be the call forresponsibility) but becomes constantly re-invented, registered,classified, catalogued and then appropriated as ownership, bought,concessioned, “genetically” managed and therefore rightfully owned.Identity has been historically misused for nationalist and economicconflicts.Cultureofheritage,or(whatitshouldbedefinedinto)publicmemory is built upon thebasic humanneed for peace andharmony,for continuation and flourishing of differences as of richness, be itnature of culture. Funnily, most religious people that thank theircreator god(s) for the beautiful world, are the most ominoushypocrites.TheirmonopolyovertheGod(s)usuallyexcludesothers,-exactlythatlavishinheritedGod-givenrichness.Whilethethreemainreligions(claimingthatGod isoneandbeingonbadtermswitheachother)maybestillcontemplatingthemathematicaltruthbehindit,wemay rightfully claim some significant space for public spirituality,becauseitisexactlythatclaimthatmatters.Thesecularworldknowsthat heritage is but the well-chosen, profoundly studied, attentivelycared for and generously communicated wisdom. A responsible andethicallyfoundedhumanexperience.

Inbrief,whathasbecomearuthlessmonetisationoftheworld,tends to end up as a clearance sale of values, its institutions, itscollections and its rights to a public mission. Who will own ourmemory?Willhumanbeingsbecomeobsolete?That“revolution”maypasseasilyunderthesocietalradarsaswefumblewithdisputableAI,geneticmanipulationandplanetarymega-brainasamerely technical“revolution”.Muchmore is at stake. Aswe are being reduced to thehyper-mnesic,autisticcharacterfromthe“RainMan”movie,wemightstill contemplate, however, whether our heritage may hold somesuperior wisdom than fun stories for tourists that we finallyappropriateasacosytruth.Funnily,alldictatorsbethemoldfashionedones or hidden behind the curtain of the staged democracy seeheritageandissuingidentity,astheirmightiest,ultimatetool.

Thatengineeredconsenttotheunstoppablerightofownershipgo so symbolically well with the basic procedure of science, -cataloguingtheworldseemedlikethefirstphaseofpossessingit.Thechanges seem to be irreversible. The subjugation of memoryinstitutions may well be just a technical fact on the way to theownershipoftheminds.

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5.Thevalueframeworkisalwayspolitical

Beyond certain basic education, we all form our own

knowledge “bubbles”, or quanta, particular compilations of humanexperience that become uniquely ours, sort of our ever-changing“private”cognitivecloudsandpulsatingmentalmaps.Allofthem,anyof them, nomatterwhom they belong to, - they deserve a chance ofsharing,andalltakepartinanimmense“parallelogramofforces”bringabout resultant vector(s) representing the magnitude, direction andchoices… Any person, community or culture is a unique amalgam ofverydifferent experiences. Its frequencies, densities, prevailing tonesortypesofimaginingmakeussodifferent,sometimesintheinvisiblesubtletieswhileatothertimesdifferencesamounttorepresentspecificcivilisations.

Such prevailing patterns of thinking and values dominate thebasisofcultureandidentities;theorganisationofanysocietyisaboutitandstems from it.Thespanoforganisationalvariants ranges fromintentional chaos (which some call liberty) to forced order. Bothpoliticaloptionsclaimtorepresenttheruleofthemajorityandbelievetobeabletostoptheprocesseswheretheychoose.Historically,bothsystemshavehadthedisguisedelitesthathijackedthemandatesfromthe“masses”andruleintheirname.IfwelimitthecritiquetotheWest,whichseemstobefairwearetalkingaboutochlocracy,theruleofthemobbyitsquality,seeminglyobsessedwithhumanrightsandjustice.It is always, except in occasional cases, about interests, stageddemocracybeingameretacticofit.

Theillusionsfedtothemassesoftheprecariataremaskingthetrue power of the obscenely rich but false elites hiding behind theappearanceofthestagedrealitybeitnews,events,happenings…evenconflictsandwarsjustaswellasthetrickswhichseeminglyadvocatepeace.Onlythehonesthomofaberprofitsfromthepeace;totherulingwarisalwaysthebestbusiness,beitasforcedeliminationofrulesoropenplunder.ThebigprivatisationofEasternEuropewasoneof thegreatest plunders in history: deindustrialisation, de-population, braindrain, deprivation of own banks and resources, privatisation of thefunctionalpublicsector…

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Using the advantage of generalisation tomake things obviouslet us say that the world today is truly post-democratic and post-ideological. The false elites are always flirtingwith the social evil ofpoverty, the cradleofmanycalamities. So theochlocracyasa ruleofthemob becomes the daily face of democracy: the world of a blandsimulacrum, a certain shifted, derivative reality. Such “elites” (byinfluenceandshare indecisionmaking)eitherbeginbyattacking theculture or, more likely, end by harming it. Any war is like that; anypush for power is organized like that. (People from the “firstcountries”, be themgeneralpublicor curatorsdismiss this reasoningjudging by themselves). But, to form a world view and meaningfulmindset comprises knowing the world, all of them, - the first, thesecond, the third, and the appearing, shameful “fourth”. That one iscomposed of our contemporaries, - continents, countries andcommunities less lucky by their economic and political past, thesuffering society, exposed tobadlydisguised colonisation, permeatedbycorruption,povertyandslavery.

Globalization is effectively functioning only in the interest ofglobal corporations and as internationalisation of cultures. Mostculturessuffercertainschizophreniaasawideningdividebetween,ononeside,apopulationculturallyestrangedbytheinternationalmedia-generated “culture”, and, on the other, by the radical alt-rightidentitarianmovement.Neither of the two extreme groupswould behappywithlongterm,non-sensationalist,scientificallybaseddiscourseofpublicmemory institutions.Heritage institutionsarenotprotectedby the integrity of the profession nor isolated from these processes.They are, on the contrary, increasingly pressured to act in favour ofparticular interests (tourist industry, corporative strategies,geopolitics,nationalist/chauvinistpolitics).

Deviations are many and varied. To illustrate it we mayrememberthatmuseumexhibitionsarebeingreplacedbyprofessionalexhibition-dealing companies, while the expensive and waywardcuratorshipissubstitutedbypeoplefrommedia,marketingandinstant“cultural managers”. Any ambitious provincial mayor and hisadministrationwillprefertoinvestafewhundredthousanddollarstohave the “sensational” AndyWarhol’s exhibition or one on “Titanic”and receive 50 thousand visitors than fumblewith local curator andforgottenthemesorgeniusesthatboostdeeplocalvalues.Thisgoesas

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farasmacabre,necrophilicexhibitionslike“Bodies2.0”,advertisedas“Shocking! Impressive! Incredible” in several European cities. Likeinstead of embracing some relevant future, we are reiterating theprimitiveconcepts:BarnumwasdoingthesameinhisprotomuseuminTheStates,backinthesecondhalfofthe19thcentury.

Toillustratethesecond“positionitwouldbeenoughtofollowarisingnumberofnationalistexhibitionswithzealouspropagandaofnational identity that should stand firm against something orsomebody…Likewearewarmingupforsomerealconflicts.Insteadofprotecting and affirming what is the most vital and valuable inidentities, they are in charge, some museums fail prey to politicallymisused overtones. There is nothing wrong to build monuments ormake exhibitions but only the sense of measure, calculated for thelong-term accountability, can protect us from harm by, say, turningmasses into nationalist illusions of greatness and uniqueness againstdignified,modestprideandsense fordiversity.Calibratingandsenseofmeasuredosoundasanidealistfolly.Butthousandsofmonumentsbuilt generations ago got recently demolished. To tell the truth,museumsmanageoftentoresistsuchpressure,seeminglyattheirloss,because this aggressive energy (and the money and influence thatcome with it) is then channelled to the streets, stadiums, new“historical” monuments, media etc. Again, if a profession has hadexistedtoinsistuponstandards,proceduresandcriteria,ifitstillcouldcome into being, the care for heritage and identitieswould not havebeen hijacked by the radical political right or unarticulated activists.My heart iswith the latter, but their solitary actwitnesses that theyhave been abandoned by their museums. Heritage, if exclusive,overstressed and tailored to suit specific interests, myths andnarratives, represents the most fertile ground for alt-right orcorporative interests. Any society not only requires but deserves aprofessionalresponsetoitsthreats.

Most of us work in the public domain, some in the memoryinstitutions directly in charge of forming, caring for andcommunicating the public memory. You must have noted, however,thatmajor social topicsare typicallyopenedby thegeneralpublicororganizedcitizens,-notbyus.Wearetoleratingtheportraits,statuesand plaques of slave traders and colonial despots and similardespicablepersonalitiesinourinstitutions,onthesquaresofourcities

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squares. , But, our public lost patience and started to act in the onlywayitcan,-inaggressive,riotousaction.Thatshouldnotbethewayinan organized, democratic society, but it is justified in the absence oftimelyinitiativefromcompetentprofessions.

Againignoringtheinert,dismemberedmemoryinstitutions,insomeEuropeantransitionalcountries,thenewnationalist,rightistandvulgarlylibertarianregimestookthechancetowipeoutordistorttheantifascist past by massive destruction of reminders: museums,monuments,sites, libraries,archives,namesofstreetsandsquaresoreven the identityofentirecities. In thepost-ideologicalworld, this isnot truly politics but historical authoritarian templates thatdemonstrate efficiency in manipulation with the masses. Thesetemplates should have been denounced long ago by all thoseoccupations whose task is to record and evaluate the historicalexperience.

The decades-long formidable phenomenon of museums“growing like mushrooms” has had many causes and motives, someimplicit, others tacitly expected to be fulfilled. Decades ago in a textabout it, I remarkedthatnotallof themareedible. Ifpeopleseemtowanttheirmuseum,whosaystheyhavegottentheoneneeded?Readypublic consent should never be taken for granted. For decades themanagement and marketing (directly imported from the economy)stressedtheimportanceofresearchofpublicneed,but,sterilizedasitcomes out it cannot replace the true force of professionalism whichformsaclear,bravevisionstudyingtheneedsofsociety.Whatifpeopledonotknowhowto formulate theirneeds.Allwouldagree that theyneedgoodhealthbut it takesanautonomousprofession to constructthe public health service.Marketing is first and foremost the qualityproduct. Ifwewant tobe loved,wemust love,asanoldLatinsayingclaims.Tolovemeansfirstunconditionalgivingandaffectionalcare.Itagreeswellwitholdwisdom.ABuddhistonesaysthatyoucannotmissifyouarethesameasyourtarget.Intheworldinwhichyourusersaretricked,deceived,abandonedandmanipulated, livingsomeillusionofdemocracy in a betrayed society, - true friends are easily sensed.Peoplefeelthatmuseumsmightorshouldbetheplaceofsecurityandunconditionedgiving,butformost,theyarenot.

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6.Thepowerofmindsetasabasisofusableprofessionalism

The vantage point does not change reality itself, but our

relation to it. I preach some emerging science of publicmemory andbeing rather a solitary radical I use the freedom to be occasionallyprovocative. It is interestinghowadifferentpoint of viewmaypaintmoreintriguing,challenginganddynamicpictureofagrandprocessoftransfer of collectiveexperience that we classify into overlapping(memory) institutions. In them, -whateverwe are andwhateverwemaywishtoattain,dependsupontheworldaroundus:thewayitwas,or it is or the way it could be. Such shifts in mindset, expressedundoubtedly bymany,makes us see possibilities and challenges thatweotherwisenotperceive.

Webster Merriam dictionary says that mindset is “a mentalattitude or inclination” say of voters that politicians may like todeterminesothattheygrabormaintainthepoweroverthem.Itisalsothewayofreasoning,acertainlifeattitude,itlaterexplains.So,onecansay,itcanbefixed,asortofstableconvictionthatguaranteesthestatusquo(whenwewant topreserveandcontinuesomethingworth it)orbe modified (when we need to oppose something or adapt to it) tobecomethemostpowerfulvehicleofchange.

A productive, creative, flexible, receptive mindset is like aformulainarithmeticintowhichonesubstitutesevermodifiedvaluesto attain the correct, credible effect, - be able to apply it to anysituation. It is also an equation that has to function nomatter whatchangeshappenateithersideofit.So,nottoobfuscatethepointIammaking,Iwishtosaythatmerefactographyorlearnedknowledgedoesnot necessarily help or change anything. If you are a trained curatorworking in the children’s museum, having passed whatever wasnecessarytoprovideyouwithworkingskillsandyouhappentodislikechildrenorbeindifferenttothem,-thewholeeffortandprospectareinvain.But, lovingchildren isbeing them,knowing them, finding thework with them pleasurable and fulfilling; that is the mindset moreeitherimportantthanformaleducationaboutitoridealbasisforit.Inthat case, talent or love are enough to present the correct mindset.When there is a conviction and attitude, only then the knowing theinstitutionanditsworkingprocedures(whathandbooksareabout), -

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becomes important. Maybe the god-given, the talented and the veryspecialamongus,mayhardlyneedtheformaleducation,buttherestofus, however, cannot do without the training and professionaleducation. We need the regular and organized transfer of theaccumulated professional experience. That is one of the obligatoryfeaturesofanyprofession.

Butonly thewider theoretical insight into thesocietyand thewayitismanagedcanhelpusinbuildingadeepunderstandingofthesociety and its functions, - assist us in creating the clear sense ofmission.Handbooksarenotmeant toreachthat farasbooks.Agoodtheory, a scientific discipline, a sciencemaybe, - that can provide uswith inspiration and self-assurance as we come to realize that anycommongoodisbaseduponcollective,shareddevotion.Knowingthatwe are not alone, but rather part of society designatedwithmissionacquires theprofessionalconsciousness,certainethics, responsibility,importance, riles and expectations, - that is the way to build anyprofession.

7.Lackofautonomyisalwayshidingaservitude

Therefore, both systems are called democratic. So, where do

museums stay?With the rulers. Their natural choicewould be, withtruth, honesty, humanist ethics and virtues of the autonomousprofession. Neither of the two extreme systems can tolerate suchmuseums, - representing some independently chosen, researched,caredforandcommunicatedpublicmemory.Soundsidealtohavesucha conductorof varieties and curatorof values, that like anorchestra,needtoproducewisdomtolivebyinaharmonioussociety.Thisiswhyheritage activities (new statistical term in Australian governmentaldocuments;elsewheretoo,obviously)comprisingmuseums, libraries,archives,digitallybornactions,andallsimilarpublicmemoryactivitieswereneverenvelopedintoacommontheory,letalonespecificscience.Suchaself-confidentandautonomoussectorwouldcounter-actandatthe threats to collective integrity and sane societal reasoning (say,showing howwars compare to natural disasters and unlike the firstcan all be avoided). That, of course, cannot be allowed. (Here, only astepseparatesmefrombeingaccusedofofferingconspiracytheories).How it came that the greedy, gluttonous, mendacious, aggressive,

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pervertedor simply stupidhave somuchpoweroverus?Howcomethatwepromotethevaluesandlivesofsomanyrascalsandno-goods,of unworthy, from decadent aristocracy to mass murderers? Havingsuchahuge,scientificallydocumentedinsightintothehumanodyssey,museums are best when controlled at least by the lack ofprofessionalism and obligatory training and by discouraging theirstrategic unificationwith other institutions of publicmemory. Thosewhoknowthisare frustratedandtrap themselves imperceptibly intoslowcareers.

7.1“Neutralism”andpublicintellectualism

Inones’life,onemeetsafewscientistsorartists,asalltherest

are craftsmen, followers, imitators, reproducers, many of themmasteringtheirtradequitewell.Sowhoarethescientistsandartists?The rare ones. Those who change the way we see and understandthings. Thosewho change theworld for the better,who are bridges,cornerstones, passages, gates, crossing points, sometimes sensors,amplifiersorcatalysers,-alwaysvisionary.

If deeds,not thewords, are let to speak themostpretentiousamong them are the weakest and always somehow disguised and,often, protected by the professional, social or political statuses andtitles.Inthecaseofprofessorsandscientists,onecanrecognizethemfirstby their fateful seriousness and incomprehensible, almostoccultlanguagetheyuse.Somearealsobiasedasservantsshouldbe.Othersenjoy being useless, as the status of “being neutral” acquired somelegitimacy:powerholdershonourthemthusgettingoutof theirway;majority fells for the hype of some romantic “right” to scientificaloofness to theproblemsof theworld.Have younoticedhowmanyscientists and artists manage to be so avant-garde that they missaddressinganyproblemofcontemporarysociety?Or,whentheydo,itremainsadecorative,agreed,properlydosedone:anyneoliberalrascalbenevolentlycultivatessomeharmlesscriticism.Thisway,theillusionof democracy is shared on both sides of the deceiving mirror.Contemporaryartistsareacaseinthepoint,assomanyaredisguiseddissidents, false tribunes, salon leftists,pretendedrebelsand inactiveactivists. Their proper, just dose of non-conformism flatters theirbosses, - from the obscenely rich who control the society to lesser

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bosses, in fact, theirpolitical,media and cultural concealers. Like theeasy-goingscientists,suchartistsprovidethemwithaplausiblepublicimageofwidthandindulgence.Whereshouldweplacethemajorityofourmuseumsaccordingtothissocietalreality?

Public intellectuals do not have any more the conditions todedicate themselves to thepublicgood. If theywish tosurvive in theprivatized world, they have to compromise their knowledge, insightandunderstandingofthepublicgood.Inthelastthreetofourdecades,inwaysthatdependuponthesystemandthecountry,thescienceandthe arts as a public good are losing ground and slowly sliding intocommodification.

Paradoxically, only the countries which are declaredauthoritarian, stand a chance to keep public interests outside of thereach of profit, and, for those who know better, even them arewrestlingwiththerisingpressureofseeingcultureandscienceasyetanotherasset.

Learnedmaterial, if not interiorized, if not absorbed at somesub-levelofmind (asmotivation, inspirationetc.) is eitheruselessoreven harmful. As the latter may sound exaggerated, one should bereminded that some of the greatest criminals, be them amongpoliticians,militaryorbusinessmenhavebeenveryknowledgeablebutimmoral antipodes ofwisdomandhonesty.Our collective andpublicmemory,writtenorcarvedintostatuesandplaques,issaturatedwithsuchfallacies,becomingrecentlysubjecttopublicprotests.

Radical thinking is not there for others to agree, but topersuadeothers into thinkingand reflection, toweighing theoptionsand forming theirownopinion; theobjective is, not just any, but thewell informed, ethical and responsible one. That simple proposal isincreasingly blurred by the media denunciations and informationmanipulationofcommonsense,like“Acuibono”(Whostandstogainfrom this?). The greatest existing conspiracy is exactly the tirade ofdisqualifying any relevant testimony by the etiquette of conspiracy.Museumsnevermadeittooneofthepossibledozenmainfeaturesofany profession: autonomy as implied right to offer responses todetected questions and needs in the community that finances them.Butagain,somedidofcourse,insomerarecountriesandinstitutions.Beitmuseologyormnemosophy,anytheoryletalonesciencefailsitsvery idea if itappliesonlytosome.(Ihaveamplywrittenabout it,as

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visible at Academia.edu and at www.mnemosophy.com). Likeknowledge,anytransferofmemory(turnedintoheritageandidentity),survives in the long run only upon the ethical responsibility. The re-examinationofconsciencethattookplaceintheWestasaspontaneouscivilprotestenabledthevoicesofwisdomfromtheheritagesectortofinally come to the fore.Oxfordprofessor and curatorDanHicks haswritten a wonderful book onmuseum ethics, seemingly talking onlyaboutBritishmuseumsandthecriminalraidandplunderofBenin inthe 19th century (Brutish museums - The Benin Bronzes, ColonialViolenceandCulturalRestitution,2020).

8.Theessentialroleofmuseumsinsocietyorwhywouldweneedmuseums?

Museumsareheretomaketheworldabetterplace.Whyelse

would they exist? What is public memory there for? To buildnational/religiousidentities?Mostofthewarswerefoughtinthenameofthoseconstructedreasons.Conventionalmuseumsareanyhowonlyexpected to support the preconceptions or assist the projected ones.Deniedourproperprofessionalism,theyproclaimedthemselvessomeextendedscientificelite,theretoresearchthenatureoftheworld.Withdue respect (while theymay contribute to that) – others are createdand paid to do precisely that. So, why would museums and othermemory institutions boast of being educational or scientificinstitutions per se. One would expect them to be some business ontheir own, comprising these but taking part, say, in developmentstrategies.Theirbasicideawasalwaysdisturbedbycorruptdelusionsdisguised into scientific fascinations and that basic idea could havebeen one and only: the noble transfer of collective experience. Thememoryinstitutionsweresupposedtorespondtotheimplicitpursuitofvaluesthatmeritedcontinuationandwerethesupposedinstrumentofsurvivalandimprovement.Itissobanaltofindoutthatwealwaystendtosmilewhenphotographed.Notmeaningtomythicizeit,justbereminded:theimpulseofourbasicsurvivalurgeistoleavethebestofourselvesbehind.Weareinaconstantgameofeugenics:asmankind,wewant to be better, but instead of spirituality andwisdomwe areeither offered vaster oceans of knowledge to drown in, or robots,mutantsandcyborgstochoosefrom.Whatweneedissimple:wisdom.

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Responsible, ethically founded and chosen experience of our bestpredecessors.Whatnew“flowers”onthecoralreefknowbytheself-effacingwisdom,wehavetopainfullytransfertoeachnewgeneration.9.Survivingontheendangeredplanetwiththehelpofprofessions

Through the appropriate mindset, we can build up a specific

ethosof public service, therefore, an attitudewhichby itself inspiresandguidesusasprofessionals.Eitherweshallhaveawell-moderatedandreliableprocessofpublicrememberingsothatourentities,beitafamily, community or society steadily improve, living harmoniouslyand in peace, or we shall have an irregular, hectic, manipulated anddistorted version of it, leading to social convulsions, unrest, fear,insecurityandconflicts.

Mindset can become a worldview or stem from it. Thoughlibertyhas tobeuniversal,wealways teachacertainnorm,acertainspace of negotiated valueswhich the professions, the positive elites,propose that we live by, or rather, that we improve ourselves byappropriatingthem.So,whatever itmaybe, theworldviewor,closer,the mindset, it is best if it is tolerant towards the otherness andbroadly based. It is the mindset that gives the tonality and generalorientationtoourdiscourse.

Humankindiscuriouslyandincrediblyknowledgeableandableto guide innumerable processes in society, let alone in technology. Ituses scienceandallothermeans to control theprocesses, competingwith nature. But as species,we have so damaged the Planet and ourchances that theorists propose the end-of-the species option as thelogical outcome. In national parks (different frommuseums only bysizeandourinabilitytoputtheminagrandioseglasscase)weknowbypersonalnameandthechipcodemostoftheraresurvivorsoftheendangered animal species. Aremuseums an involuntary part of thetriumphalhypocrisy?Themorewetalkaboutthequality,thereislessofit,themorewealarmthelesswecareabouttheoutcome,themorewewarnagainstthreats,themoretheymultiply.Evencivilsocietyhasbeenengaged, alas, turning into ahighlymanipulatedpublicdomain.The excuses are manipulative disguises of our values: liberties,economicprosperity,individualfreedoms,humanrights,-finallyallinthe name of the huge privatization. More and more objections are

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cunningly labelled as radical activism, denounced as conspiracy anddismissedassubversive.

Pauperised,enragedandfrightenedcitizensdogetradicalandrebellious, - and easily become subject to the barbarization andaggressive mentality of the horde. So, leaving the good side ofglobalisation,-asacertainplanetarisationof its inhabitants,-wecanresortanewtoprimitivenationalismandreligiousexclusionism.Onlythen we can accept that the entire Planet is turned into an unsafe,poisonous and ugly place. If I amwrong, an authority like ZbigniewBrzezinski cannot be (his latest book carrying the title “The GrandChessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives“).Reading abundant sources of the sort, one realizes that museums,public memory institutions in general, are not meant to decide onanything. Participation in making developmental (and thereforepolitical) decisions brings importance andmoney. That explainswhywedonotfigureinstrategicplanningnorweget(even)decentlypaid.It ishardto imaginethatmemoryofanysocietybackinganysocietalcontract,orthesimplelifeofanycommunityevenissuchahaphazardandunsystematicproject.

Weall liveby somevalue system.Thosewho ruleus actuallyrulebythevaluesystemthattheyhaveeitherimposedorthatwehaveagreed upon democratically. First,we research, document and selectvaluesthatdeservecontinuity,preservethemandmediatethemtothecommunity. This is a systemic question of any society. That is whatprofessions do and what they are created for. Public memoryinstitutions cannot take up the task of saving the world by we cancontribute to it. Citizens cannot defend themselves without beingbackedupbyprofessions.Thesystemofselective,ethicallyresponsibleremembering is inevitable democratic institute. The velvettotalitarianism is harming the autonomy, integrity and influence ofprofessions with subtle strategies because professions are the bestinvention in the evolution of the society: autonomous, with its owncriteriaofquality,obligatory transferof internalexperience itsethicsandwithitsownidealsabouttheroleinsociety.

ToparaphrasethepoetW.H.Auden,weareheretomaketheworld better; what others are doing here, as he says, “I would notknow”.Theworldinperilshouldhavehadanew,coherentprofession

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toupkeepitsdiversityandvaluesystemsthatstillmakeitsounique.Professionspossesstheauthoritytonegotiatethesocialcontract.

Itisquitelikelythatwearelatetobuildanewprofession.Somewell-established ones, like that of medical doctors, are undercut byexcessive commercialisation coinciding with the destruction of thedominantroleofthepublichealthsysteminhealthcare.Itdoessoundlike a utopian ideal amidst the global process of professions’degradation. If doctors and engineers did not make it how couldcurators?Mostprobably theycouldnot. Itwouldbewrong,however,to become a curator not knowing about it. Even worse would be toretire from any curatorial position without an awareness of theunderlyingmission.Thisjustifiedfrustrationdeservestobeconveyedtoallinthe(public)memorysector.Unlikeoccupations,allprofessionsarerespectedandprosperous,thereforepartnersinthesocialcontract.They have their own science, obligatory education, autonomy, ethics(wider as the mere code of behaviour), mission, idealist goal,legislationandlicencetobepracticed.

10.Theobsoletenatureofindividualheroism

Thequalityofasocietycanusuallybe judgedby thecommon

definitionsofheroism,bywhat isconsideredbraveandsignificant inany society. The advance of modern society is exactly reduction ofsocialriskintheopenprocessesoffreenegotiationandaction,withoutretaliationagainstdissidents.Asmuchaspublicinstitutionsandpublicintellectualsdeservetheblameforopportunisticpracticesandlackofcourage, one should also bear in mind that the prevailing “staged”democracydiscreetlybutdecidedlydealswithrebelliousamongthem.Individualheroismisverymuchexpulsedfromthesetofpublicvalues.Rightfully so, after romanticism and revolutions are long gone. Notmanyamongthemasspublicwouldregardcertainradicalismof,sayamuseum director, in confrontation with the mainstream (politics ormedia)asanactofjustifiedbravery.Whenevertheyhavechosentodosotherefollowedeithertheenragedreactionoftheiremployersorthepublic. The first is in charge of their power structure and the latterconditioned by national myths and parochialism and expect thatmuseumsoffermythsupportiveoftheircollectiveego.

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Individual or institutional courage should be respected butwhatweneedisthatitbecomesalegitimatepracticeprotectedbytheinfluential profession and the prevailingmindset in the society.Whywouldwerelyuponsolitaryuncompromisingness,causingsetbacksincareeror the family?Manyofusknowhowmuch families can sufferbecause of excessive professional engagement, so a convincingperformance of an organized profession should provide safeenvironmentforsafecreativityagainsttakingexcessiverisks.Museumdirectors and curators are not trained to appropriate some activiststance,but it shouldbepartof theirmindset,acquiredsometimesbythetalentand,regularly,aspartoftheirprofessionaltraining.

So,todemonstratecourageandindependenceinstitutionsandtheiremployeescanonlydoitasasystem,asanorganizedprofession.Todothesame,citizensneedademocraticrule.Bothdo.Itsufficesforthe latter that individuals are allowed to be integrated, independent,free to abstain, resign or simply express an opinion opposite to thehigherauthoritywithoutbeingsanctioned.

Tohumanists,bethempublicintellectualsorcuratorswhoaretheconsciousnessoftheircommunity,beingignoredbythemediaandbeingobstructedbythesysteminprovidingresourcestotheprojectsmaybecomeanimperceptibleelimination.Insomecountries,theycaneasily slip into being publicly badly perceived or typically unable toprocuredecent life to their familieswhile trying toexercisescientificandmoral integrity in their job. Besides the favourable value systemthatcanimprovethis,theonlyclosesolutionseemstobeinsupportingthe active existence of autonomous professions. Whereas this mayappearself-understood inDenmarkorFinland, it isnotso inmostofthe countries of the world where being free is a painful process ofaccumulating sacrifice, loss, stumbling over invisible social barriers,fightingforautonomy,-allthatoftenendsinbeingsubtlyostracized.

11.Theinnatecyberneticnatureofpublicmemory

The expression cyber, came tomean everything related to or

deriving from the culture of computers, information technology, andvirtual reality. The rare connoisseurs of cybernetics might rightfullyclaim that thewordwith its etymologywas curiously hijackedwhilethe science itself was largely set aside. The somewhat sloppy

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development of the 3rd revolution usurped the term “cybernetics”from its author (Norbert Wiener, 1948) and the brilliant scientificperspective it suggested only to call in its newmeaning denoting itsvirtualityandversatility.Cyberneticswasimportedintothehumanistsciencesinthe60sunderthepresumptionthatitwouldhelpmanagesocietal guidance systems, but little was proved in practice and theconceptwasmischievouslyandunfortunatelyabandoned.

I regret it ever since, as “cybernetic” was a simple term tosignifyitscapacityofgovernance,asofguidanceofasystem.Thetermand the theory behind describe this vision as applied to mattersrelating toheritageandpublicmemory. I have spent fourdecades inproposingit,-stillveryconvinced(thoughunsuccessful)thatweneedthistheoreticalargumenttoattainthestatusofaprofession.

Cybernetics,-oftendefinedasascienceaboutguidingsystems,anartofanalysis,recognizingdesirabledevelopmentandmaintainingthebalancebycounteringthethreats.Itisaboutbalanceandharmony,homeostasis ifwe apply it to society. Hoping that cyberneticswouldreturnIhaveoftenwrittenaboutthecyberneticmuseum,-theonethatactively shapes its present by participating in governing of itscommunity or society. In the 1960s we have been after educationalmuseums, in thenextdecade, itwasculturalactionandnowperhapsactivism,implyingwillandabilitytoproduceorsupportsocialchange.

Ifdisorderlyoblivionoruncriticalhypomnesiaaredetectedbysocietyasthreats,itlogicallydevelopscounteractiveimpulseswiththeaimtokeep,returnorsimplyachievethebalance.Bothcalamitiescanbe intentional or spontaneous but are dangerous if used formanipulationandenslavement,-asitisoftenthecase.Whatheritageinstitutions should do is use their principles of cybernetics toameliorate the art of guiding and governing society as a system,assisting in managing it towards certain harmony by the use ofmemory input. The bestmeanswill always be communication. Theycannotchangetheworldbuttheycertainlycanhelptomakeitbetter.

Museumsshouldberegardedresponsiblyasaddingthemselvestothesocietyasasystemhelpingtoguideandregulateit.Mostofourenvironmentisregulatedandmaintainedwithinpre-setconditionsbytheactionof cyberneticdevices in constantlyunstableor inanynewgiven conditions. Simply, cybernetics is about guidance by counter-active corrections, of knowingwhere wewant to arrive or what we

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wanttoachievewithinchangingcircumstances.Anysystem,asoriginalcyberneticsteaches,analysesitsstateandusingfeedbackinformationcorrectsitsfurtherdestiny.Thegreatstartingpositionisthecharacterof societalutopiaweare closest to, ifwehave retainedanycoherentonestill.

Beyond its applications in technology where its function iskeeping thepresetnorm, insociety, inall typesofmemory that formthe onewe constantly negotiate as obliging collective achievement, -the public memory, cybernetics is bout homeostasis, the very samebalancethatmakestheessenceofsustainabledevelopment.Ofcoursewe have to change the Planet being so many and so demanding ashumankind,butweneedtodoit incooperationwithnature,strikingthe amount and quality of change which deprives neither of the“partners”ofitsviability.

Whenitcomestomemory,ofcourseweshallforgetanddistortwhatwehaveretainedaccordingtheownorsomebodyelse’sinterest,led by the circumstances, - and will be at unhappiest loss. So, weemploy some conscious maintenance of the memory. With the firstdrawingonthecave’swall,westartedagianthumanprojectinwhichweselectandresearchanddocumentandcareandcommunicatewhatwe have decided to remember. Each one of us does it incessantly,collective memory does it, cultural memory does it, science and artenvelop both our criteria and our mnemotechnique into institutionsandpremeditationsthatlaybehindthem.

All we need is that long term memory in our community orsocietyisofasufficientqualityandnobilitytoleadusinthedirectionofour ideals, therewhereour identity lies.As it isobvious,museumsarenottheretoscrutinizeothersbutrathertheownsociety,asasortof self-knowing and self-evaluation: Like we would be hearing(probably)theoldestmotounitingallphilosophiesovertheagesNosceteipsum!Knowyourself!,asacallforbasicwisdom.Otherscanonlybeaninsightintothediversityasrichness,asanopportunityoflearningoradmiration.Allelseissimplywrong.Identity,thoughsurprisinglyadynamicvariable,mustbeestablishedinawaysoscientificallyarguedand morally convincing that it provides us with stability and self-esteem,butsocredibleandhonourable thatothershavenodifficultyagreeing to thevalues it invokes.So, - that to the first itbecomesthebasisof thequalityof life and to theothersapleasureof richness to

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knowandenjoyandbeinspiredby.Allthenotoriousbrandingrestsontheseassumptions.Bytheway,whenitappearedinthe80s,Ifeltthatasabusinessitbelongedtoheritageinstitutionsandnottomanagersbarely accustomed to understanding culture let alone identity. If wewereaprofession,wemighthavetakenthatlucrativeandresponsiblejob,mostlyturnedintoarealityshowtoday.

Ifweall,withthehelpof thedescendantsof thevictims,builtmuseums for the crimes committedbyourancestors, thepastwouldceasetoliveastheseedofnewdivisionsanddestruction.Museumsarea means of continuity of vital forces of identity. All but some. Onlymuseumsofsufferingandwar(suchthemescanbefoundinallmuséesde société),nomatterhow justified, can continue conflicts if theyaremadeuncriticallyandwithoutallsidesparticipating.

Usually,allwewant(purelycybernetically) is tounderpinthenecessary, useful, and grounded memory, so that the identity themuseum is talking about lives on. We always make museums whenthere is a dyingheart of an identity, - not as a replacement for thatheart,butasakindofpacemakertoit,-areminderandstimulatorofitslifefunctions,nomatterhowchangedovertime.

Thepastanddeatharesinfulgoals,whilethefutureandlifeareright.Without thisethicalattitude,ourmemory isnot justamemorybutcanalsobeharmful.

12.Mnemosophy,anameasconventionandasignpost

Knowing the institutional practice and researching the needs

for strategies of public remembering may lead to proposing newapproaches (heritology /1982,/ mnemosophy /1987/). Like with allinventions,neologismsaretheresometimestoillustrateorprovokeacertain re-direction or balance rather than to criticize. But, I wasalways serious about the need for real science in our profession. Ifproposed innovation is too far from the dominating theory andpractices it may be severely opposed. Some people and some ideashave that role of constant reminder and quality of being correctiveproposal.Theirprofitisthere,nevertheless,because,asitissaid,ifyouwant to know something, then you should try to change it.My claimwasrecentlyrefusedbyaninternationalprofessionalauthorityonthegroundthat theterm“science” is “neverusedwhentalkingabout the

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fieldsofknowledgelikephilosophyorculturalstudies,ormuseology”.Deriving from an Anglos-Saxon taxonomy often revived in thesehypocriticaltimes,bywhichthestatusofscienceisallowedonlytotheSTEM domain, - this persisting conservatism is, nevertheless,embarrassing. It necessarily denies the status to sociology,anthropology or any other “new” sciences from the socio-humanistsphere.Theability to changeandadvancemadeus souniqueamongthespecies.Canweaffordtostoporregress?

Museology is just fine, likeall terms ifaconsensus finds it so,andifweagreeonwhatitscontentis.Thatmaybethecase,butwhyisit assigned more and more names? So museology is named NewMuseology, Critical Museology, Post Critical Museology Critical,MuseumStudies,CriticalHeritageStudies,RadicalMuseology,Museumstudies, Critical Museum Studies, Critical Museum Theory, SocialMuseology,CulturalHeritageSciences (ScienzedelPatrimonio), or inmore recent time, Heritage management / Identity management,HeritageScienceorHeritageStudies…Duringmycareer,beforeandafter I attained a certain apostate status I have myself added somemore. I taught some as fully approved study subjects (Heritology,General Theory of Heritage, Mnemosophy) and about one I havewritten a book (freely accessible at my web sitehttp://www.mnemosophy.com). Some did not find their ambitionsencoded in any variant so have chosen specific terms to fulfil theirneed for theory (Ecomuseology, Economuseology, specialmuseologies…).Allofus,whetheropenlyorimplicitly,demonstratedacertain ambition to get closer to a definition that would ( as I havepleadedat ICOFOMconference inHyderabad,1988.whichwasabouttheuseofmuseologyindevelopingcountries)thatmuseologymustbea universal theory “that can withstand equally desert drought andtropical rain”. I still think the same and it seemswedonot yet haveagreed upon any such theory, let alone science. Museology is stillmisleading any newcomer because the term implies an unspokensuggestionisthatitissomescienceofmuseuminstitutions.

Archivists,librarianscravefortheirattributesofprofessionsintheirownright.Oneconditionisseeminglythescienceofone’sown,-notthetheoryofparticularmemorypracticesbutawiderone,-abletoassistustoformulatethecommonidealistgoalforallpubliclyrelevantmemorypractices,-also,theethicsofheritage,tryingtofindthefinal

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purpose of societalmemory. It is not some “sciencia generalis” but asuggestion for the scientific basis of a profession that encompassesvarious, converging memory occupations, be them called LAM orGLAM,memoryinstitutions,or,asIprefer,publicmemoryinstitutions.Its term composed of compatible Greek words for memory andwisdom, suggests exactly what it says: it is a theoretical disciplineabout qualitymemory, the one based upon knowledge formed uponresponsible, ethical choices, - wisdom, in fact.We have to name andserve our ideals, be them, wisdom or love or justice, - howeverunscientificandbanaltheymaysound.

Mnemosophyisatrans-disciplinaryscienceofpublicmemory,servingheritageprofession,throughwhichsocietyselects,documents,studies and understands its past, its narratives formed throughcollectiveandsocialmemoryandmoderatesthecontinuousformationand societal use of public memory as the contents of the collectiveexperiencetransfer.

Ifollowmyfascinationforalmostfourdecadesinasomewhatwayward,provocativeandsolitarymanner.Theheritologythat I firstproposed(1982)madesomesuccess,butmnemosophy(1987)didnot.By that time, I was way too far from the mainstream to make anyimpact. The rather unknown book “Mnemosophy – and essay uponscience of public memory” (2015) witnesses that well, though it isfreelyaccessibleon the Internet since then. I thought,however, thatsuggestingacleardirectionwouldcount.ButtheconceptualchangeIwasaftercanbedoneonlywhengeneratedwithinthesystem.13.Whoistheownerofourcommonmemory?

Ultimately, if we take it without the least ideological

implication, democracy is heavily dependent upon the question ofproperty.Whoownsyourmuseums,libraries,archives,nationalparks,protected natural areas, interpretation centres, history trails, visitorcentres,monumentsandsites?Itisrareandunlikelythattheanswerissimpleandobvious,letaloneclaimingbluntlythat“people”istheone.The real proprietor is, therefore, in control of your public, societalmemory, but to quite an extent your ownmemory. By the nature ofthings,thiscannotbeallthesametoanybody.

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Paradoxically,evenifweignorethefactofownership,theverycharacteroftheGreatGreederamanipulatesitsdependentindustriestowardsexcessivemarketization.Sointerpretationscanchangetosuitor boost financial outcomes. Scientists are then being forced intofalsifications or are gradually pushed out of the institutions as tooexpensive. Too often lately we have heard or even seen that“technicians”andcommunicationexpertsaremoreappreciated.MaybeAI procedure at the entrance of museums will care that visitors getexactly the experience they are willing to pay for. The increasingliteraturemuchpresenton the Internet is “aimedatcoordinating thedevelopment of cultural and tourism industries”. Bizarrely, thequotationexplainstheofficialreasonswhyChinamergedtheMinistryof Culture and National Tourism Administration into a Ministry ofcultureandtourism.

Perhapsa strongcentralizedstate cankeepsucha flammablemixture stable, but the existing division in the West is still someguarantee thatprofitwillnotbecome themasterofheritage.Neitherculturenorheritagecanexistonlyas industries,orrather, if theydo,weeven symbolically abandon thedemocratic characterof the socialproject. It may seem like a political statement, but the socialism ofEastern Europe allowedworkers daily access to top culture. Did wehave to reject that unique quality with everything that was wrong?Havingfreeaccessisalsolegitimacy,muchlikepublichealth.

Almost all museums in The States are private but run ascharities by their trustees. But the temptations ofmodern crisis anddemocraticchallengesdemonstratedhowfragileinstitutionsbecomeifexposed to the timeofGreatGreed (the term is an early proposal ofmine but, naturally, others thought of it too). To illustrate howprivatisation casts a long shadow, - let us mention that the veryoccurrence of private prisons in The States. This scandalous societalperversion,turnedintoalegitimatepractice,aspartofasocialcontextthey make a privatized culture or memory transfer seem lessOrwellian.Andindeed,thestate,eventoitscritics,maysuddenlyseemasmerelyacorruptbureaucracy,notatreacherousgangbetrayingitscitizens.Yes,theStalinistrepressionwasworsebutwenowlearnfromit,amongotherways,frommuseumsofgulagsandalike…

Curiously,when the governing forces find it necessary, AdamSmith’s 18-century ideas are called in, but they refrain in disgust at

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Marx’s 19-century ideas. Though Marx could not have in mind ournotion of civil society, he regarded it as linked to the state andrepresenting the bourgeoisie. In Theses to Feuerbach (No.10), heclaimsthat“thestandpointoftheoldmaterialismiscivilsociety”,while“the standpoint of the new (materialism) is human society or socialhumanity”.Ifreaditwiththemindofapost-ideological(possiblypost-democratic)standpoint,itcallsforeternalideals.Haveweeverdesiredanythingelse?LewisMumford(StoryofUtopias,1922)impliesthat.Atbest, utopias are ideal visions concernedwith the essential values oflife.

We are curating values in museums, not objects. If we werecurating objects, the academic discipline would suffice for ourexpertise and our professional virtue would be merely the expertknowledge. If we are curating the past as an evolution of values,academic discipline is not enough to build our responsibility andmission into our output tomakewisdom our professional virtue. Soobjectsarenottheobjective,butpeople,thequalityoftheir livesandtheir ability to progress and transferwhat deserves to be continued.Nationalorreligiousidentitiescannotbeata loss ifbydefinitionandtheir virtue regardothers as equal.Theobsessionwith conquest is asortofPonzischemeofdevelopmentinwhichthesufferingnatureandfuturegenerationsarerobbedtoprovidequickandunfoundedprofits.Inmodernsociety,colonisationwaspartofitsvisionof“development”,a methodology of power. It is significant that museums have beenshowcases of this kind ofWestern progress from the beginning andonlynowthebrilliantmindsamongcuratorsandscientists(readDanHicks’“BrutishMuseums”)cantell theappallingtruthand launchthecallforhonesty.

Thegreatmanipulativedoctrineofwesterndemocracyisbasedupon the rule of the majority, upon the illusion of willingness andability of masses to practice the virtues of harmonious living in anorganized society. So, with rare exceptions, any dominant societalsystemtookcaretoobtainthemandatefromthecrowdandruleinthebestinterestsofthepowerholders.Theyimpeccablyindicatetheweakpointsincollectivepsychologyusethefetishistandmythicalqualityofidentity tomake it the cause of an irrational threat. So identities areformed through nationalism which always lacks self-criticism andaboundswiththefearofothersandthedifferent.

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Besides, all identities deteriorate and need collective, publiccaretobemaintained.Inmoderntimestheirviolentdestructionisrarebutcolonialambitionsarerealisedinsubtlerwaysandaglobalscale.Within the delusive western society, the usual prime cause of theendangeringofidentitiesbetheynatural,culturalorpolitical,-aretheinterests of the ruling false elites juxtaposed internationally by themightofthecorporationsandstateadministrationsbehindthem.Theprocess, even if it may end in the disappearance of identities, isdisguisedintodemocraticform.

In a general sense,heritage canbemany, - from individual tocommunity’s or nation’, - but what public memory institutions areabout is heritage as public memory, almost by definition essence ofdemocracyandgoodgovernment,-thequalityessenceofharmoniousdevelopment.Toassurethatheritageisunderstoodascollectivevalue,itselfbynature“ofthepeople,bythepeople,forthepeople”doesnot“perishfromtheearth”(asfamousLincoln’squotationmayinspireus)weneedaprofession,anorganized institutionalsystemtocare for it.Looksliketoomuchstateandalmostcommunistwehavebeentaughttoleaveit.Theimpressionisthatanunengagedandneutralacademicstance is serving the rising vision of the privatised world. What is“public”issupposedtograduallyslipintotheprivatedomain,butthisexpectationhasanoverwhelmingnature.Turnedintothemindsetandworldview,itwillgoasfaraswaterandair,devouringpublicmemoryinstitutionsinitsprogress.Thiscanbedonegraduallybyoutsourcingmanagement, reducing curatorial presence in museums, by leasepublicinstitutionsormonumentstoprivateentities….

Most of the curators might have learned by now that thepauperisation of the state will quite possibly result in makingconcessions that destruct the very professional basis of thisresponsibility. No deaccessioning can or should happen without theprofessionitselfdecidingaboutit.Moreclearly,deaccessioningforthesakeof financingmuseums is theendofanydecent futureofsociety.Withinmuseums,thatcanbearareexception,decidedbythecollectivewill of the profession, but it needs to be formed first, with all itsprerogatives. Private institutions rarely serve public needs, or theymay do, but in away tacitly agreed as harmless to private interests:much of contemporary art is in the same way commoditized andcrushedbythemarketandmediaterrorofobligatory innovationand

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excessive, kitschy modernism at any price. The more the myth ofmoderngeniusesisbackedup,therearefewerandfewerofthem.Whywould Banksy be possible if the entire projectwasn’t amanipulatedfailureofart?WhyisitthatauthorslikeKurtVonneguttestifystrongertothetruenatureofartthanartmuseums?Shallwefinallycuratetheentiretruthtoourvisitors?Art isverymuchaproductof themarketandprevailing ideology, - likemuseums, to tell the truth.Ormore tothe banal truth, we have to interpret Degas as more a symbolicbiographerofhistimethananartistpredisposedtooursubtleformalanalysisofhisextravagantcompositionsandspecificdrypalette.Thatis why I think that heritage should bemore often simply termed aspublicmemory.Outofthesamereasonandsheerextravagance,Ihavewritten a book on science that we have the right and obligation to,naming it mnemosophy. Terms are a matter of convention but theyshouldtrytosuggestadirectioninwhichtogo.

14.Plainhonestyvs.Theinversevaluescales

I always regarded museums, so packed with reminders of

humanexperienceimplicitlychargedbythetasktorevealitamakeusmore ready to face the challengesor liveour livesmeaningfully. Theeagerpeopleinmuseumsoftenlookforthat,butitisunlikelythattheyrationalize their urge. Usually, the museum fills the urge to buy thereadycontent,oftencreatingcognitivedissonanceorsimplyprevailingwithitsagenda.Veryspecialmuseums,compassionateandconcerned,offer their visitors the same spiritual fulfilment as any goodwork ofart, a theatre piece, concert or, indeed excellent food or drinkwouldproduce.Thestriveanddedicationtoqualityconfirmthatthisdoesnothappenoftenenough.

Once too old to continue, former curators turn to reading,gardeningorgrandchildren-orifthey’relucky,allofit.Humanly,thatis not bad at all, but their past reaches as far as that. In contrast, acriminal and opportunistic past is always an asset when retiring. Aprofitable servitude can be reversed into verbal betrayal of formerbossesandturnedintomoneyandsocialreputation.Onecanrecognizethepastambassadors,highgovernmentfunctionariesorpotentatesofcorporate empires taking, this time their second trump card out oftheir longsleeves,andcapitalizing theirexperienceby turning it into

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anacademiccareerevenatthepublicuniversities. Inthehypocriticalworld,thesefalsepenitentswhoturnedintothegreatliberalmindandprogressive professors are even regarded as valuable. In away, theymaybettertestifyagainstthewrongfulorcriminaldeceptivenatureoftheactivitytheyhavepursuedthemselveswhileinbusiness,resultinginethicallyrepulsivefinancialandpersonalgains.Theirmagicofbeingfaithful husbands while taking their legal mistresses to the mess isnevertheless a remarkable skill. Anyhow, amidst the fascinationwiththe very idea of success, everybody applauds them for that. Privateuniversitiesandacademiesaremostlyfoundedonthatfascinationandthriveupon it. So,wehavebuta fewsuchdefectors fromour sector,apart frommaybe some curators and directors of contemporary artmuseums(wheremoneymakersoftenknockatthedoors)whoturnupingalleriesandauctionhouses.Whenat itsworst,oursector ismoreattractive to slackers than to rogues,which, inall its cynicism,getsacertain message across. Some curators make it to universities andinstitutesandsotheyovercomethefrustrationwhenfindingoutthatmuseumsareprimarily communicationalbusinesswith anobligationtoscience,ratherthanviceversa.

Given the privilege of non-scientific discourse, allows me toremindyouthatworthlessandbadpeopleusethesamelanguageandsamelearnedandwisewordsasthemostvaluableamongusmaydo.Most of them are masters in verbalizing the virtues, an art that hasbecomequite an achievementof (western?)hypocrisy; it now, in thetimesoffakenews,ofpost-truthandpost-fact,beingperfected.

Is it not the basic truth that we have to affirm and defendheartily, that museums (public memory institutions) are to be anexample of credible discourse? If possible, following the Latinproverbial plea: res non verba!Deeds, notwords. Research of publicopinion demonstrates that people trust museums almost more thanany other public institutions. We daily hear the most compromisedpersonsspeakingthewordsthattheyhavetheleastrighttoutter.Noreligion approves gluttonous, vainglorious and authoritarian priests.Such are easywithwords andhardonbeing example. The excessiverichness of billionaires is the fault of society. Though being rich byitself is not a sin, possession andownership cannotbe a social ideal.We need to prefer the modest and humble because they can rejectprivileges and make ethical choices even if that may be

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counterproductivefortheircareers.Theyrefusewhatisimproperandresignwhen forced to do compromise theirmorality.Moralizing hasbeen rightly unsympathetic but honest people and honest museumsaretherealityanddesiredone,atthat.Thatcanandshouldbesaidinmuseumstoo.Whywouldalargelydisputabletelevisionbebraverbyclaiming(rightfully)that“historyisacrimescene”?Weneverdaretosayitbut,paradoxically,itisuswhohavethearguments.Andyet,onefamous commercial TV channel does it, fighting smartly for theattention,byofferingacommongottakenawaysensereasoningabout,otherwisemythicizedpast.

Kenneth Hudson’s favourite syntagm to describe a job welldone was commenting that a certain museum is an “honest” one.ElaboratinghisvisionformyaudiencesItriedtolectureuponhonestmuseums. It is not so difficult to imagine an unpretentious friendlyinstitutionsincerelyinterestedtoservetheneedsofthecommunityofits users. Is it amoralist tirade topraisehonest amongpeople?Howunscientific and unimpressive, one would probably comment! Amuseum from Luxembourg sent a Seasons’ greetings card. KennethreceivedoneandcommenteditinoneoftheEMYAbulletinsinMarchthesameyear“Amuseumthatdoesallthesethingsissurelyfulfillingitspurpose”.Themuseumstatedthatit“hopesthattheirpatronageofthemuseumwill:

• helpthemtorediscovertheirroots• forgestrongerlinkswiththepast• experienceasenseofchange• satisfytheircuriosity• calmtheiranxieties• makethembecomeawareofnewtrends• strengthentheirbeliefs• renewtheirideas• awakentheircreativity• anticipatethefuture• breathetheatmosphereofhappiness

I have included it intomy lectures on the quality ofmuseum

productasaslidetitled„Thedynamicquality“,-adirectreferencetoR.Pirsig's„metaphysicsofquality“(Zenandthemotorcyclemaintenance,1974). This remains a theory of reality, based upon wholistic

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apprehensionof virtuesother than subjective/objectivemindset, andcompatiblewiththeunderstandingofthetruenatureofthemuseum.Museums are not about the past but about the present. Theirconnection with the past has hardly any more connection thanMichelangelo’s sculptureswith the Carrara quarry. But still, the pastmaybemore likeamine fromwhichwewill, longandpainstakingly,firstextractore(knowledge,insight)andthenpreciousmetal- inourcase wisdom with all its glorification of virtues. Pirsig calls themquality,whileHudson,speakingabouttheproactiveandcounter-activeunderstandingofmuseums,callsgoodmuseumshonest,likewouldbespeakingaboutthevirtuousamongthehumans.Noprofessionimpliesthat its members could be selfish and socially disinterested and yetcorrect and plausible. The professions exist to run society, thereforefor the common good. A profession that would deal with publicmemoryimplieshonourablepeopleandsuchinstitutions.Itshouldbehard to imagine a real curator with the mindset of taking and notgiving. A great curator cannot be but an honest person. The entireinnovationofecomuseumswas,inessence,aboutthatmindset.

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MUSEOSESPAÑOLESENTIEMPOSDEPANDEMIA

NancyFarias

UniversitatdeGirona,Españahttps://orcid.org/0000-0003-3966-5010

DolorsVidal-Casellas

UniversitatdeGirona,Españahttps://orcid.org/0000-0002-2731-1808

1.ElCovid–19enelcontextoespañol

El12demarzodel2020,laOrganizaciónMundialdelaSalud-OMS,declara alCovid-19 comopandemiamundial. Estadeclaratoriahizo que cada país estableciera medidas extraordinarias einimaginables en algunos casos y sectores, a fin de evitar lapropagación exponencial de este nuevo virus detectado en el2019.(Hao,Xiao,yChon,2020)Entre las primeras acciones adoptadas por los distintos países fue ladelconfinamiento.EnEspañapropiamente,elEstadodealarma fueelmecanismo legalqueobligóa los ciudadanosespañolesyextranjerosresidentes en este país, amantenerse encerrados en sus residenciashabituales (exceptuandodiversas situaciones, como la adquisicióndealimentos y medicinas, acudir a los puestos de trabajo consideradosesenciales, la atención de emergencias, cuidado de personas de latercera edad, etc.). Ésta inició a las 00:00 horas del domingo 15 demarzo del 2020 y finalizó el 20 de junio del mismo año, luego deprorrogarsepor6ocasiones.(«BOE.es-Sumariodeldía14/03/2020»,s.f.)

Dicha declaratoria incluyó también, el cierre temporal de lasactividadesdehostelería, restauración, las actividades educativas entodos sus niveles, así como la suspensión de actividades culturales,deportivas,fiestaspopulares,reduccióndeltrasportepúblico,cierredefronteras,limitacióndeaforos,entreotras;quesibienbuscabanfrenarlapropagacióndelCovid-19,originaronundurogolpea laeconomíaen general, pero con mayor énfasis al sector turístico de España,

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considerado como líder mundial, y que constituye uno de losprincipalespilaresdesueconomía,aportandoel11,7%delPIByqueemplea al 12,2% del total de afiliados en España. («Ministerio deIndustria, Comercio y Turismo - Estrategia deTurismo Sostenible deEspaña2030»,s.f.)

Enelsectordelacultura,específicamentelosmuseosíconosyde gran renombre a nivel nacional e internacional de España, sontestigosdelosestragosquehansurgidotraslacrisisdelapandemia.ElMuseodelPrado,porejemplo,hacerradosuspuertasporprimeravezdesdelaGuerraCivilEspañola,ylohizotambiénelMuseoReinaSofía,el Thyssen-Bornemisza, y demásmuseos nacionales en toda España.(«Coronavirus:cierranelPrado,elReinaSofía,elThyssen,laFilmotecaylosmuseosnacionalesentodaEspaña|Cultura|ELPAÍS»,s.f.)

Duranteloscasitresmesesdelasuspensióndelasactividadesfísicas de los museos españoles, se han puesto en evidencia lasdebilidades y fortalezas que afronta cada uno de ellos, así como hamostrado la capacidadde adaptarse, transformar, crear, comunicar ycolaborar activamente entre ellos, a fin de superar una crisis quegolpea al mundo entero, con la finalidad de continuar su labor dedifusión cultural ymantenerse en contacto estrecho y activo con suspúblicos.

Elpresentetrabajoinvestigativo,examinómedianteelanálisisdecontenido, loswebinarsquesurgieronduranteelestadodealarmaen España, enfocados estrictamente a las reacciones y medidasadoptadas por los museos españoles frente al Covid – 19, y susimplicacionesenelcorto,medianoylargoplazo.2.LosSeminariosweboWebinars

En la actualidad, las tecnologías basadas en internet se hanextendidorápidamenteatodoslosaspectosdelavidacotidiana.(Kear,Chetwynd,Williams, y Donelan, 2012). El arribo e interacción socialbasado en la web ha aumentado aún más la integración de lacomunicaciónenlíneaeneltrabajoylasactividadesdeocio(Donelanetal.,2010,Joinsonetal.,2007).

Unodeestosentornosdeaprendizajee interacciónsocial,sonlosseminarioswebotambiénconocidoscomowebinar.Esteúltimo,es

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un neologismo y un acrónimo de las palabras web y seminario.(GegenfurtneryEbner,2019).

Para Gegenfurtner y Ebner, 2029, “Los seminarios web sedefinen como seminarios basados en la web, en los que losparticipantesyfacilitadoressecomunicanenvivoatravésdeInterneta través de ubicaciones geográficas distantes utilizando plataformasvirtualescompartidaseinteractúandemaneraubicuaysincrónicaentiemporealatravésdetecnologíadevozsobreIPyequiposdecámaraweb.”

Loswebinarofrecenunavariedaddemodosdecomunicacióncomoelaudio,videos,compartirpantallas,diapositivas,chatdetexto,preguntas y respuestas, encuestas, y comentarios en tiempo real,generandovalorycercaníaentrelosexpositoresyespectadores.(Kearetal.,2012)

El procesopara llevar a caboun seminarioweb, empieza conunaplanificacióndeleventoy temaa tratar,dondeconstarádesde lafijación del día, hora y duración del mismo, así como el tiempodestinado a cada sección e intervención de los expositores einteracciónconlaaudiencia.

Dependiendo de las plataformas utilizadas para su ejecución(por ejemplo; Google Meet, Zoom, Skype etc.) puede requerirse elregistro en línea de los participantes, caso contrario, tienen accesodirecto al espacio virtual, con el enlace proporcionado por losorganizadoresygeneradoporlaplataformadigitalutilizada.

Actualmente, un webinar puede acoger técnicamente hasta3000participantes,pudiendoaumentarenunfuturo.Sinembargo,enel campo educativo principalmente, este número es mucho menor.(GegenfurtneryEbner,2019).

Como requerimientos técnicos y necesarios para acceder yparticipar de unwebinar, deben de estar: conexión a internet, en loposibledealta velocidadparaevitar interrupcioneso inconvenientesdeconexión,unnavegadory/oaplicación instaladaenundispositivodigital,comounordenador,teléfonointeligenteoTablet.

Enresumen,sepuedeindicarqueunwebinaresunseminarioquesellevaacaboenlíneaatravésdeinternet,dondelacomunicaciónsincrónicaentreexpositoresyaudienciaserealizatecnológicamenteatravésdecámaraswebyvozsobre IP. (GegenfurtneryEbner,2019).Una de las ventajas de este tipo de herramientas, es justamente la

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ubicuidad y flexibilidad geográfica, que permite la interacción desdecualquier lugar del mundo, (siempre que cumpla con los requisitostécnicos),generandoasíunamayorparticipaciónyaccesoaeventosdegraninterés,queanteriormenteerandealgúnmodoexcluyentesporladificultadolimitacionesdetrasladarseaunlugarfísicoenconcreto.

Losseminarioswebsehanconvertidoenunaherramientadetrabajo, aprendizaje e interacción social, y, a través de ellos, seconstruyenmetasyobjetivos comunes(Häkkineny Järvelä,2006).Yes justamente en este tiempo de crisis sanitaria, donde elconfinamiento y distanciamiento social, han provocado que lasorganizaciones públicas y privadas, así como iniciativa propiaciudadana,hayanvolcado sumiradaaestaalternativadigital, quehatomadounenormeprotagonismo,estrechandodistanciasyrespetandolasmedidassanitarias.3.LosMuseos,contextogeneral

Los museos son quizás una de las más importantesrepresentacionesdelpatrimonioculturaldeunanación,yaqueenellosse condensa el deseo de preservar el legado dejado por susantepasados, así como el deseo y la necesidad de mantener,seleccionar y difundir aquellos bienes que reflejan la creatividad eidentidaddeunasociedad(delBarrio,Herrero,ySanz,2009).

Los museos juegan un papel importante en la regeneracióneconómica y el desarrollo turístico de los territorios (Moreno-Mendoza, Santana-Talavera, y Boza-Chirino, 2020) ya que sonconsiderados una fuente de riqueza y un imán para el turismo y elgastoresultante(delBarrioetal.,2009).

SegúnelConsejoInternacionaldeMuseos(ICOM),unmuseoes“una institución permanente, sin ánimo de lucro, al servicio de lasociedad y de su desarrollo, y abierta al público, que adquiere,conserva, investiga y comunica, y exposiciones con fines de estudio,educaciónydisfrute,evidenciamaterialdelaspersonasysuentorno”.Sonelvínculoprincipalentreelpasado,elpresenteyelfuturo(Sharif-AskariyAbu-Hijleh,2018).

Para Del Barrio, 2009; los museos también proporcionan unespacio fructífero para estudios de caso en el campo de la economíacultural, ya que reflejan y delimitan directamente las preferencias y

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predilecciones de los consumidores a través de las visitas de losmuseos,permiteanalizarlagestióndelosbienespúblicos,laspolíticasculturalesyplanesdedesarrolloeconómico.Asímismo,seindicaquelos museos juegan un papel importante en la restauración urbana,pudiendoserclaveenalgunoscasos,paraelcambiodeimagendeunaciudad a través de inversiones en nuevas instalaciones urbanas quesonatributosculturalesexnovo.Portanto,losmuseossonimportantesinstitucionesculturalesquetienenlamisióndeconservar,interpretar,investigar y exhibir el patrimonio (Guccio, Martorana, Mazza,Pignataro,yRizzo,2020).4.MuseosdelEstadoEspañol

Según el Ministerio de Cultura y Deporte de España, laaparición de la institución museística en España va estrechamenteunidaalcoleccionismoreal,eclesiásticoynobiliario,dedondesurgiránlas dos grandes tipologías demuseos en cuanto a su titularidad: lospúblicosylosprivados.

Los museos públicos tienen como base fundamental lascolecciones reales y eclesiásticas. En particular destacan Isabel laCatólica,CarlosI,FelipeII,FelipeIV,FelipeV,CarlosIIIoCarlosIV.LaIglesia,porsuparte,acumulaalolargodelossigloselotrograntesoroartístico de España, parte del cual pasará tras los procesosdesamortizadores a constituir la base de losMuseos provinciales, detitularidad pública. («El Observatorio de Museos de España -ObservatoriodeMuseosdeEspaña|MinisteriodeCulturayDeporte»,s.f.)

Españaexistenmásde1.600museossegúnlosdatosrecogidosenelDirectoriodeMuseosyColeccionesdeEspaña.(«ElObservatoriodeMuseosdeEspaña-ObservatoriodeMuseosdeEspaña|Ministeriode Cultura y Deporte», s.f.) Son institucionesmuy distintas entre sí,tanto por sus tamaños (grandes y pequeños), como por su origen(públicasoprivadas),asícomoporsucategoría(dearte,arqueología,etnografía etc.). No obstante, se encuentran unidas por su afán deconservación, investigación, educación, comunicación y disfrute delarte,conlaquebuscancontribuiraldesarrollodelasociedad.

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Están enmarcados en la Ley 16/1985, de 25 de junio, delPatrimonio Histórico Español, y el Reglamento de los Museos deTitularidadEstatalydelSistemaEspañoldeMuseos.

Segúnelartículo59,3,de laLey16/1985,de25de junio,delPatrimonio Histórico Español, “son Museos las Instituciones decarácterpermanentequeadquieren,conservan,investigan,comunicanyexhiben,parafinesdeestudio,educaciónycontemplación,conjuntosy colecciones de valor histórico, artístico, científico y técnico o decualquierotranaturalezacultural.”

Asímismo,se indicaqueentre lasfuncionesde losmuseosdeEspañaestán:

a) Laconservación,catalogación,restauraciónyexhibición

ordenadadelascolecciones.b) Lainvestigaciónenelámbitodesuscoleccionesodesu

especialidad.c) Laorganizaciónperiódicadeexposiciones científicasy

divulgativasacordesconlanaturalezadelMuseo.d) Laelaboraciónypublicacióndecatálogosymonografías

desusfondos.e) Eldesarrollodeunaactividaddidáctica respectoa sus

contenidos.f) Cualquierotrafunciónqueensusnormasestatutariaso

por disposición legal o reglamentaria se lesencomiende.

Con la finalidad de impulsar y proyectar un potencial

museísticoconjuntoquerefuercelaexcelenciadecadamuseo,mismoquecontribuyaalamejoradelacohesiónsocialyfomenteelturismocultural,elGobiernoEspañolcreamedianteRealDecreto1305/2009,de31dejulio,laReddeMuseosdeEspaña.

Además,este realdecretocontempla laposibilidaddeque,deforma voluntaria y siempre previo acuerdo con la Administraciónterritorial competente, puedan adherirse a la Red aquellasinstituciones museísticas de titularidad autonómica o local que,reuniendo análogos requisitos, lo soliciten, sin que en ningún casoquede comprometida ni la titularidad de las competencias ni laautonomíadegestióndelasmismas.

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Entalrazón,laReddeMuseostienelafinalidaddepromoverelintercambio de experiencias y la adopción mediante acuerdo dedecisiones comunes, mismas que determinarán la marca común decalidadquedistinga a las institucionesmuseísticasque formenpartedelaRed,respetandoencualquiercasolamarcaoimagenpropiasdecada institución, la titularidadde lascompetenciasy laautonomíadegestión.5.Metodología

Dada lanaturaleza, circunstancias e impactos sinprecedentesdel Covid-19, las investigaciones que se estándesprendiendode estapandemiasonrelativamenteescasasencuandoalanálisisdelagestiónyrespuestadelosmuseosentiemposdecrisiscomolaqueseviveenla actualidad. Sin embargo, dada la importancia que tienen estosespaciospara el fomentode la cultura y el turismo cultural, sehaceimprescindible efectuar un análisis de su accionar, considerandoprincipalmentequeestapandemianosoloesdiferentealasanteriores(Ébola,SARS,Zika,etc.,)sinoquepuedetenercambiosestructuralesytransformadores profundos y de largo plazo para el turismo comoactividadsocioeconómicaeindustria.(Sigala,2020)

Paralarealizacióndeesteestudio,seadoptóunametodologíacualitativa, la cual se caracteriza por un proceso de investigaciónenfocadoenlainterpretaciónyelsignificado,quetienecomoobjetivoexplorar los fenómenos sociales o humanos. (Manson,2002; Rice yEzzy, 2000). Los enfoques de la investigación cualitativa, hancontribuido significativamente al campo turístico, logrando unacomprensiónmásprofundadelasconectividadessociales,culturalesypolíticasdentroyparaelturismo(WilsonyHollinshead,2015).

El uso de la investigación cualitativa, es apropiada cuandoexisterelativamenteescasoconocimientosobreeltemaqueseplanteainvestigar (Singleton y Straits, 2005); ya que tiene como propósito“reconstruir”larealidaddeunfenómenosocial,talycomolaobservanlosactoresdeunsistemasocialespecífico(HernándezS.,FernándezC.,yBaptistaL.,2004;MarkwellyBasche,1998).

Para Cortés y Iglesias, 2004, los estudios exploratorios seefectúan,normalmente,cuandosebuscaexaminaruntemaoproblemade investigación poco estudiado, del cual se tienen dudas o no se ha

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abordadoantes.Enotraspalabras,elenfoqueexploratoriosirveparafamiliarizarse con fenómenos relativamente desconocidos (Gómez,2006).6.Identificaciónyseleccióndelasfuentesdeinformación

El presente estudio exploratorio, ha recabado los seminarioswebowebinarsquehansurgidoentreel15demarzoal20dejuniodel2020,(periodoenelqueregíaelestadodealarmaentodoelterritorioespañol). Los seminarios web que forman parte del análisis sonaquellos donde se discute concretamente las reacciones y accionestomadas por losmuseos españoles durante y post pandemia. Se hantomadoencuentaaquellosorganizadospor institucionesmuseísticas,culturales,universidadesyentidadesafinesalosmuseos,organizadosdentroyfueradelterritorioespañol,yaquellosdondehancontribuidoprofesionales relevantes de este país, con amplia experiencia enpuestos estratégicos como; directores de museos, docentes,investigadores,etc.

Elpromediodeduracióndelosseminarioswebesdeunahoray34minutosycuentanconalmenos2expositores.

Se han recabado un total de 9 eventos que cumplen con losparámetros indicados, talcomosemuestraen latablanúmero1, delos cuales 6 de ellos son organizados estrictamente por institucionesespañolas (webinarios números 1, 2, 4, 5, 7 y 8),mientras que los 4restantes (webinarios 3, 6 y 9), son gestionados por paresinternacionales, que han considerado en sus participaciones aexpositoresdegranrenombreytrayectoria investigativaenelcampodelosmuseosdeEspaña,porlocualtambiénseloshaincluidoenesteanálisis,porlasimportantesaportacionesquepudierandaralestudio.

Es importante resaltar que loswebinarios analizados cuentancon la participación de autoridades de instituciones referentes en elmundodelosmuseoscomoICOMylaUNESCO,asícomodeDirectoresdeMuseosdeEspañadegranrenombreyprestigiocomoelMuseodelPrado, Reina Sofía, de Museo de Bellas Artes de Bilbao, el MuseoThyssen-Bornemiszaporcitaralgunos,quelosfacultanyagreganvalora sus intervenciones, por la experticia en este campo. Por otro lado,también están las intervenciones de los Directores de Museos quetienen una menor incidencia (si se compara con el Prado o el

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Bornemisza), como por ejemplo el de Museo del Teatro Romano deCartagena,MuseodeArteModernodeMurcia,MuseodelaUniversidaddeNavarra etc., que también son de gran interés, puesmuestra otraperspectivadelaccionardeentidadesdemenorenvergadura.

Si bien los webinars son eventos llevados a cabo de formasincrónicaoentiemporeal,muchosdeellossongrabadosypuestosadisposición del público en general, a través de la plataforma deYouTube(espaciodigitaldondeserecabólainformación)quepermiteaccederaellosdeformareiterativa,gratuita,sindiscriminacióndedíasuhorarios,facilitandoasí,suinterpretaciónyanálisis.WebinariossurgidosenelEstadodealarma,accionesyreaccionesdelosmuseosespañolesfrentealCovid19Webinario,Organización,FechayDuración

ParticipantesyLinkdeacceso

1.Coronavirus(COVID-19)ymuseos.Impacto,innovacionesyplanificaciónpost-crisis.ICOMyOECD10deabrilde20201:30:53

Mattia Agnetti: Secretario Ejecutivo MUVE, Italia;NatalieBondil:DirectorGeneralMontrealMuseumof Fine Arts, Canada; Inkyung Chang: DirectorFundador, IronMuseum, República de Corea; JohnDavies: Economia, Creative Economy & DataAnalytics, nesta; Peter Keller: Director General,ICOM; Antonio Lampis: Director General de losMuseosMIBACT; JoanRoca: MuseodeHistoriadeBarcelona (MUHBA), España;Ekaterina Travkina:Cultura, industrias creativas y desarrollo local,OCDE.https://www.youtube.com/watch?v=PIo_8VWMU6o

2.Tours,atraccionesymuseosenlaerapost-covid19.Civitatis.com12demayode20201:06:08

MaribelHipólito:PromociónTurísticaenelMuseoThyssen-Bornemisza; Alberto Gutiérrez: CEO yFundador de Civitatis;Rubén Rueda: Responsabledel tour del Santiago Bernabéu; José Arozarena:CEO de Amigo Group; Brian Álvarez: Miami &LATAMSalesManagerdeBigBus.https://www.youtube.com/watch?v=41YM6u0h9Bc

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3.Museosentiemposdepandemia-innovaciónyperspectivas.ProgramaIbermuseos,delcualEspañaformaparte.15demayode20202:10:10

ErnestoOttone:SubdirectorGeneraldeCulturadeUNESCO; Alan Trampe: Subdirector Nacional deMuseos de Chile, D2;Valeria González: Secretariade Patrimonio Cultural de Argentina; PatriciaBuchwald: Directora Ejecutiva delMuNa, Ecuador;Marina Chinchilla: D. Adjunta de Administracióndel Museo del Prado, España; Andrés Azpiroz:Director del Museo Histórico Nacional, Uruguay;Mediadora Cecilia Genel Velazco: Directora delMuseoNacionaldelasIntervenciones,México.https://www.youtube.com/watch?v=iF8LxJ3Rfb0

4.Elmuseodespuésdelconfinamiento|DíaInternacionaldelosMuseos2020.MuseoNacionalThyssen-Bornemisza18demayode20201:02:10

Evelio Acevedo: Director Gerente; GuillermoSolana: DirectorArtístico;Carolina Fábregas: JefadelÁreadeMarketingyDesarrollodeNegocio.https://www.youtube.com/watch?v=LqHDiR_zPdA

5.MuseosdespuésdelaPandemia.BombasGensCentred'Art18demayode20200:45:57

NuriaEnguita:DirectoradelCentrodeArteBombasGens: JoseM.GarcíaCortés:Director del InstitutoValencianodeArteModerno.https://www.youtube.com/watch?v=Eq3zJ3kBBOw

6.DíaInternacionaldelosMuseos,losretosentiemposdepandemia.UninorteAcadémico18demayode20201:25:48

PilarFatas:DirectoradelMuseoNacionalyCentrode Investigación de Altamira, España; MarceloGodoy: Director de la Dirección Museológica de laUniversidad Austral de Chile; William AlfonsoLópez: Coordinador Académico de la Maestría enMuseología y Gestión del Patrimonio de laUniversidad Nacional de Colombia; Juan Martin:DirectordelMuseoMAPUKA.https://www.youtube.com/watch?v=4TZU79G0QH8

7.Museosporlaigualdad:diversidad

JuanGarcíaSandoval:DirectorArtísticodelMuseoRegional de ArteModerno de la Región deMurcia;

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einclusión.MuseoCristóbalGabarrón-FundaciónCasaPintadadeMula,laFundaciónGabarrónylaFundaciónFronteradelConocimiento19demayode20201:24:58

Camilo José Cela Conde: Antropólogo, ProfesorEmérito de la Universidad de las Islas Baleares;Elena Ruiz Valderas: Directora del Museo delTeatro Romano de Cartagena; Ángel CarroCastrillo: Presidente de la Open Earth Foundationde Bruselas;Modera: Cris Gabarrón: Director delMuseoCristóbalGabarrón.https://www.youtube.com/watch?v=6WSAM-Vqrgw

8.Arteymuseoshoy.UniversidaddeNavarra11dejuniode20201:02:40

MiguelZugaza:DirectordelMuseodeBellasArtesde Bilbao; Jaime García del Barrio: Director delMuseodelaUniversidaddeNavarra.https://www.youtube.com/watch?v=sRx-IOikViM

9.Elmuseoysuspúblicosentiemposdecrisis.ProgramaIbermuseos,delcualEspañaformaparte.18dejuniode20202:08:29

Américo Castilla: Director de la Fundación TyPA,Argentina; Hugo Pineda Villegas: Director delCentro Cultural e Histórico José Figueres Ferrer,CostaRica;OlgaOvejero:JefadeláreadeDifusiónyDesarrollo de la Subdirección General de MuseosEstatales, España; Manuel Gándara: DivulgaciónSignificativa, México; Ana Carvalho: Museóloga,investigadora y miembro del grupo Museus noFuturo, Portugal; Mediadora: Laura Fernández:Coordinadora del programa cultural de MedialabPrado,Madrid.https://www.youtube.com/watch?v=7PjIGKKBbg4

Tabla N. 1 Listado de Webinarios utilizados para el análisis delpresentetrabajo.Ep.7.Análisiseinterpretacióndelosdatos

Como ya se habíamanifestado, el análisis e interpretación dedatos se realizómediante la adaptación de la técnica del análisis decontenido, que es definido como un método de investigaciónobservacional que se utiliza para evaluar sistemáticamente elcontenido simbólico de recursos textuales y no textuales registradosdurantelainvestigación(Abela,2002;KolbeyBurnett,1991).

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Paraello,seprocedióaunacodificaciónabierta,apartirde lacual se obtuvieron cinco categorías que serán presentadas ydesarrolladas en la sección de resultados propiamente: los impactosgenerales e inmediatos del Covid-19 en los museos de España, latecnologíaynuevospúblicos,apoyoensituacióndecrisis-efectividadde las redes de colaboración museística, reapertura a la “nuevanormalidad” y un análisis general de cómo se desarrollaron losseminariosweb.8.Resultados

En este apartado se presenta los resultados obtenidos de lacodificaciónabiertadelos9webinariosanalizadosyquecumplíanconlosparámetrosantesmencionados.8.1.LosimpactosgeneraleseinmediatosdelCovid19enlosmuseosdeEspaña

Entre los impactos y preocupaciones inminentes y que sonreiteradas por los expositores (conformados en su mayoría porrepresentantes de entidades museísticas de gran reconocimiento ytrayectoria dentro y fuera de España, funcionarios con puestosestratégicos y con una incidencia relevante en el sector cultural,museístico, académico e investigativo) se recaban las siguientesnecesidades:

• Necesidad de recursos financieros para el mantenimiento y

sustento de gestiones administrativas, de talento humano opersonal,instalaciones,equipamientoyelaccesoalaconexiónainternet.

• Se hace notorio el requerimiento de recursos humanos yfinancieros, para el desarrollo, ejecución y sustento deproyectos que promuevan servicio al público, desde eldistanciamiento social, como por ejemplo de personalespecializado en el manejo de redes sociales, creación decontenidoymediaciónen formatosdigitales, tandemandadosenlaactualidad.

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• Necesidadde trabajar enplanesdemitigación y adaptación acortoymedianoplazodeproyectosyáreasdelasinstituciones.

• Protocolos y proyectos de apoyo en la seguridad física ysanitariaparalostrabajadoresylosvisitantes.

• Apoyo para el desarrollo de plataformas y divulgación decontenidos, exposiciones, visitas en línea, personalespecializado.

• Necesidadde formacióny capacitaciónvirtual en temas comoelusodemediosvirtuales,gestiónderiesgos,planesdegestiónetc.

• Conservacióndecoleccionesydigitalización.

Comoseobserva,lanecesidaddeconservacióndecolecciones,haquedado rezagadade lasprincipalesprioridades generadaspor lapandemia.

Como lo manifiestan varios de los expositores, ante la crisissanitariaqueseviveactualmenteacausadelcoronavirus, losmuseostambién se verán seriamente afectados con la reducción de suspresupuestos(puesnosonunenteaislado).Siantesde la llegadadelCovid -19, los recursos eran insuficientes, ahora su escenario seavizoraconmayordificultad.

Las taquillas de los museos íconos de España se han vistoseriamente afectadas, pues su mayor audiencia es un públicoextranjero,elcualporahorasevelimitadoavisitarlopresencialmente.Alregirelestadodealarmaqueimplicaentreotrascosas,elcierredefronteras,cierredeestetipodeinfraestructurasculturales, limitacióndelamovilidadetc.,medidasquesibienbuscanlacontencióndelvirus,afectaatodalaeconomíadelpaísydelosmuseos.

Suspresupuestosdeberándejarde ladoaquellasaccionesqueseteníanplanificadasalmedianoolargoplazo,yquenoseajustenala“nuevanormalidad”(términoutilizadoporvariospanelistas,referenteal contextoque se vivirá finalizadoel estadode alarma) y exigenciassanitariasquemodificaránla formadehaceryvivir laexperienciaenlosmuseos.

Ante estas razonables preocupaciones, algunos de losmuseoshanmanifestadoquehanvistoenel espaciodigital,unaoportunidadno solo de mantener el contacto con su público, sino de poner adisposicióndeellos,unmaterialespecial,alcualpuedanteneracceso

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por un importe económico razonable, generando de esta forma,alternativas de ingresos económicos. Otra alternativa es la venta on-linedesusartículosdelalmacén,comorecuerdos,accesoriosetc.

Sin visitantes, no hay ingresos; y dado el régimen definanciación,éstosdebenvolversecreativos,maximizarlosrecursosyminimizarlosgastos.

Otra de las preocupaciones y/o medidas que tienen queafrontar, son la reduccióndelpersonal (especialmente losdelámbitode la educación como han acordado lamayoría de los ponentes), asícomolasuspensióndeproyectosorecortesdeáreas.Eselteletrabajolaalternativapor laquesehaoptado,conelobjetivodemantener laconexiónconsuspúblicos,evitarlasuspensióntotaldelasactividadesdelmuseo,ypreservarlospuestosdetrabajo

8.2.LaTecnologíaylosnuevospúblicos

Otro de los puntos quemayor énfasis dieron los expositores,son al uso de la tecnología y redes sociales (Facebook, Twitter,Instagram, Youtube etc.) como alternativa de acercamiento yfidelizacióndesuspúblicos.

Paraalgunosdelosexpositores,ydadalascaracterísticasdelasituación sanitaria y recomendaciones para el distanciamiento social,latecnologíasehaconvertidoenunaliadoestratégico,quesiyaveníateniendounprotagonismo importante antesdelCovid–19, ahora sehaafianzadoaúnmás.

ElPradohareaprovechadosumaterialdigitalizado,conlocualhapuestoenmarchaydeformainmediataaladeclaratoriadealarmaycierredemuseosenEspaña,lainiciativa“Pradocontigo”entodassusredes sociales, logrando triplicar su audiencia en Facebook, heincrementadoen6vecesmásenTwitter,segúnlohamencionadoOlgaOvejero,funcionariadedichaentidad.(WebinarNro.9)

“Los números nomienten” decíaOvejero, y semanifestaba lanecesidad de acompañar a la ciudadanía en general, en los durosmomentosquerepresentó lapandemiaensus inicios,para lo cual sebuscabayseleccionabancontenidosdelmuseoqueseasemejabanaloqueseestabaviviendo.Sebrindóaccesoacolecciones,visitasvirtuales,reproducción de videos con expertos en arte, que le daban un valorañadido a las obras que este museo posee. El Prado pudo hacer y

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trabajar en muchos aspectos de comunicación e interacción con supúblico, que los pequeños museos y con escaso presupuesto, nopudieronlograrlo,sumandoaellolacarenciadematerialdigitaldesusobrasydenoposeerpersonalespecializadoeneláreadigital,creacióndecontenido,comunicaciónymarketing.

Algoparecido alMuseodel Prado, lo pudieronhacer elReinaSofía, el Thyssen, el Museo Nacional de Arte de Cataluña, por citaralgunos.

Elllevarlascoleccionesaunformatodigital,provocótambién,que se incorporen nuevos públicos, aquellos que por limitacioneseconómicas y de diversos factores, no han podido visitarlos ydeleitarsedesusobraspresencialmente,ahoratenganlaoportunidaddehacerloenlínea.Estohallevadoatenerpúblicosdeotrospaíses,deotras edades, gustos, necesidades y expectativas, que el museo deberecabar, analizar y ofertar. Por lo que ahora los museos deberánplantearse, ¿cómo lograr mantener la atención de esos nuevospúblicos?

Algunospanelistas indicabanqueesunaalternativamásparademocratizar el acceso a la cultura. (Webinar Nro. 1 y 3) Y esjustamente la democratización y acceso a ésta, que encontró otropuntodedebateentrelospanelistas,puessibienlatecnologíaabrelaposibilidad de que todo el mundo pueda acceder a sus salas ycoleccionesenformatodigital,esnecesariolaconexiónaunpuntoderedointernet,servicioquenoespúblicoyqueparaaccederalmismodebe ser pagado. La cuestión es si luego de esta pandemia y de quemuchas personas perdieran sus trabajos e ingresos económicos,tendránlaposibilidaddecostearunserviciodeinternet(muyvariableen tarifas y proporción al salario en los distintos países delmundo).¿Seráparatodosfàcilaccedera losmuseosvirtuales,oensuefectoyluegodequelosmuseosabransuspuertas,esteconglomeradopodrácostearypriorizarunaentradaaestosespacios?

Comobienlomanifestóunodelosexpositores,latecnologíaesunaherramientaquefortaleceeltrabajoquellevaacabolosmuseos,yque la pandemia aceleró la utilización de la misma, no solo en estesector, sino en todos en general. Si bien el visitante presencial esfundamental, el campo virtual es o debe ser un complemento. Elmundovirtualestáallí,ytambiénpermiterecibiralpúblico.

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Por otro lado, también se discutió y se mencionó, que ladigitalización tampoco debe concebirse como una panacea (webinarNro. 4, 6 y 8); pues si bien las circunstancias excepcionales queestamos atravesando han hecho que se adopte este tipo dealternativas,esjustamenteesapremuradetiempoporbuscaryofreceruna solución, lo que ha provocado un poco desarrollo en suscontenidosyofertaalpúblico.

Los espacios museísticos, de menor envergaduraprincipalmente, al verse limitados por sus recursos económicos y depersonal experto en temas digitales, han tenido que ir aprendiendosobre lamarcha, publicandoen algunos casos, contenidos escasosdevalor.

Unade lasponentes,pusoaconsideracióntambiénelhechooreflexión,dequevariosmuseostuvierontal interacciónenredes,queloconsiderabacomounareaccióndepánico,anteelolvidoquepuedantener de sus públicos. Era como un grito de pánico, por un “no nosolvides”.

Por lo tanto, sehacenecesarioquedichos espacios culturalesconsiderenalatecnologíacomocomplementoalavisitapresencial.Sedeberápensarentoncessielterritoriofísicodelosmuseos,esigualaldigital; ya que dependiendo de ellos se deberá elaborar, diseñar, ydifundircontenidosqueeduquen,difundanyponganenvalordistintoselementos,detalformaqueayudenalaconstruccióndeunasociedadmáscríticayreflexiva.

La digitalización vino para quedarse, pero es responsabilidaddecadaentidadmuseística,analizarsilanarracióndigitalescorrectaoapropiada,estácumpliendosufunción,esinteresantey/oatractivaalpúblico, genera valor. Además, los procesos demediación deben serindispensablesenloscontenidosdigitales.

Pero la tecnologíano solo seenfocaaabrir las colecciones, latecnologíaocupahoyunprotagonismomayorporel temordeentraren contacto con el virus; por ello, situaciones que antes eranopcionales,hoysevuelvenobligatorias,porejemplo,lacompraon-linede las entradas, reservaciones previas, pago con tarjetas etc. Por talrazón, éstas han de ser fáciles de aprender y recordar para susvisitantes.

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8.3. Apoyo en situación de crisis - efectividad de las redes decolaboraciónmuseística

Unadelassituacionesquemáshallamadolaatenciónenestoswebinars,hansido lasmuestrasdeaceptaciónaestas iniciativas,queayudanagenerarvalor,contenido,intercambiodeexperiencias,quehasidosindudaunodelosaspectosmejorvalorados,pueslosmuseosdemayorrenombre, son losquehanservidodereferente,paraafrontarestasituacióndecrisis.

SibienenEspañaexistelaReddeMuseos,comolohanreferidoalgunosexpositores,enmuchasocasionesestafiguraquedacomounameraformalidad(webinarNro.4,5,8y9),yaqueenlaprácticaaúnseencuentraninconvenientesparaunacolaboraciónefectiva.

Ha sido justamente la pandemia, quien ha provocado unacolaboraciónmásactiva,dondelosmuseosquemejorhanreaccionadoaestacrisis,hanidogenerandomanuales,procedimientos,normativasyprotocolos entornoalCovid19, quehan servido comoguíapara laadaptaciónalasdistintasrealidadesdecadamuseo.

Elllamadogeneralesdeunacercamientomásprofundo,ágilycompleto.Lacolaboraciónnosolodebedarseentremuseos, sinoconbibliotecas, entidades de educación superior o universidades, y engeneral con entidades estratégicas que permitan y garanticen ladifusiónculturalensusentidomásamplio.

Entre los ejemplos que se presentaban, están por mencionaralgunos,depersonal,sienunmuseocuentanconvariosespecialistasde cierta rama, éstos pudieran colaborar temporalmente en otrosmuseos.Siseutilizóciertosmaterialesparaalgunaexhibiciónyluegohandeiraunabodega,esosmaterialesbienpudieranservirparaotromuseo.

Perolacolaboraciónibamásallá,seproponía,porejemplo,quedadalalimitaciónderecursoseconómicosdelospequeñosmuseos,ydeloscostosqueimplicaeldiseño,gestiónyejecucióndeplataformasvirtuales educativas, los museos pequeños podrían adherirse yparticipar activamente a las plataformas de los grandes museos, oagruparseconotrosdeigualtamaño.

La colaboración en estos momentos es fundamental y debeversematerializadacompartiendoyracionalizandorecursoshumanos,materiales,coleccionesetc.

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8.4.Reaperturaala“nuevanormalidad”

Quizáestaseaunadepreocupacionesmásgrandesquetengaelsectordelosmuseos,seguidaclaramenteporeltemaeconómico.Yesque el futuro es de total incertidumbre, ante lo cual difícilmente sepuedaacertaraalgoverásydefinitivo.

Lanuevanormalidad,definitivamentenovaaserlamismaaladel15demarzodel2020,fechaenlaqueentroenvigenciaelestadodealarmaenEspaña,acausadelapandemiageneradaporelCovid–19.Enelloconcuerdantodoslosexpositores.

Losprotocolosydemásrecomendacionesdadasporlasanidadhansidoimplementadasencadaespaciomuseísticosegúnloaseguransus representantes que ha participado en los webinar; segúncomentaron,adaptarlasmedidassanitariasnohasidounmayorreto,puesbastanteexperienciatienenconelgestióndeaforos,elnotocaromanipular lasobras,esculturasetc.,asícomomantenerunadistanciaprudente frente a ellas, sonmedidas que se aplicaban desdemuchoantesdelallegadadelcoronavirus;eltrabajosehadadoencuantoalaseñalización,marcarelrecorridodepordóndedebeirelvisitante,setratarádeevitarenloposibleelcruceentreelpúblicoypersonaldelmuseo, laadaptaciónde lugares paraelsuministrode solucionesdehidroalcohol, gestionar y priorizar recursos económicos para laadquisicióndemascarillasparaelpersonaldelainstituciónmuseística,como para facilitar a aquellos turistas que no la posean en esemomento. Se encuentran trabajado y/o reforzando aplicacionestecnológicas que permita principalmente, comprar las entradas enlínea,gestionar lasreservasdevisitas,ventadeaccesoriosdelmuseoetc.

Sinembargo,¿cómoevitarelmiedoalcontagioporpartedelosempleadosdelmuseo y que esto se vea reflejadoo transmitido a losvisitantes?,¿cómoafectarálasnuevasmedidasderestriccióndeaforoalaexperienciadelavisitaalmuseo?Paraalgunospanelistas(webinarNro. 4) lo ven como una oportunidad de disfrutar delmuseo de unaformamás íntima, ya que por la limitación de aforo, serán pocas laspersonas que puedan estar cerca (no menos de los 2 metros dedistancia),sinembargoparaotros(WebinarNro.5),losvencomoalgono tan positivo, pues justamente la restricción de aforo, hará que se

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tenga un límite de tiempo para visitarlo, ya que deberá darse laoportunidaddequemáspersonasaccedanrespetandolosprotocolosydistanciamientosocial.

Larestriccióndelaforo,influirádirectamenteenelnúmerodevisitantes a los museos, por tanto ¿se dejará de preocuparse por elnúmero de asistentes y se dará mayor énfasis a la calidad de laexperiencia? ¿Cuáles serán las acciones extramuros que los museosllevarán a cabo? ¿Se cambiarán las formas de financiación de losmuseos?

Son varias las interrogantes que se plantean en cuanto a lareapertura de los museos, muchas de ellas aún son difíciles decontestarporloinciertodelescenarioqueestáporvenir.8.5.Análisisgeneraldeldesarrollodeloswebinars

La dinámica de loswebinars gira entorno a una presentaciónefectuadaporlapersonamoderadora, lacualpresentaa losexpertos,poneencontextoyexplicacómoestáplanificadoelevento.Haceunoscuestionamientos y hay por lo general dos o tres rondas deintervencionesporcadaponente,unarondadepreguntasrecogidasalo largodelseminarioweb,yfinalizarecogiendolosaportesypuntosmássobresalientes.

Engeneral,sepuedeseñalarqueloswebinarssedesarrollarondeformaamena,interactivaeinteresante.

Se evidencian problemas técnicos como en elwebinarNro. 4,donde el evento inicia propiamente en el minuto 9, dejando losminutos anteriores con la información relativa al seminarioweb. Losproblemasdeaudio fueelcomúndenominador,pueselmoderadoromoderadora,pedíasilenciar losmicrófonosde losexpositoresquenoestén interviniendo, a fin de evitar ruidos que interfieran con laponenciadeotrapersona,ycuandodebíanintervenir,seolvidabandeactivar sus micrófonos, pasando un par de segundos hasta que secorrigiera;lomismopasabaenocasionesconlacámara.(WebinarNro.6y7)

Las interacciones con el chat y visualizaciones se venincrementadasconformepasanlosminutos.Susaudienciasnosolosonlocales(España),sinoquetienenunalcanceapaísesprincipalmentedeAméricaLatina(Argentina,Chile,Ecuador,Brasil,Perú,Méxicoetc.).

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Las preguntas planteadas por el chat, son filtradas por losmoderadores, y redirigidas a los ponentes para sus respectivasrespuestas,oensuefectosevancontestandoconlaexplicacióndelosdemáspanelistas.

Lamayoríadeloswebinarsincitananodesconectarse,pueslostemasabordadosyenespecialelrelatodelasexperienciaspropiasdecadainstitución,enriquecensunarrativaycautivaalosespectadoresatomarnotasdelascosaspositivasynegativasquehansurgidoduranteelconfinamiento.

5delos9webinarssujetosdeestudio,sedesarrollaronentreel15 y 19 de mayo del 2020, como iniciativas alusivas al Día de losMuseos (18demayo), y que en este año tenían como temaprincipal“Museosporlaigualdad:diversidadeinclusión”.9.Discusión

El objeto del presente trabajo exploratorio, fue analizar loscontenidos de loswebinars surgidos durante el estado de alarma deEspaña,(9entotal)referentealasmedidasadoptadasporlosmuseosespañolesenelcorto,medianoylargoplazocomoconsecuenciadelapandemia del Covid 19. El aporte de este trabajo tiene variasfinalidades,unadeellasesservirdebaseparafuturasinvestigacionesylaotraproporcionarunpanoramageneraldelasaccionesadoptadasporlosmuseosentiemposdecrisis.

Labúsquedadelosseminarioswebseloshizoenlaplataformade Youtube, donde se efectuó una discriminación en los siguientestérminos: debían ser webinar organizados por institucionesmuseísticas,culturales,universidadesyentidadesafinesalosmuseos,organizadosdentroy/ofueradelterritorioEspañol,yaquellosdondehancontribuidoprofesionalesrelevantesdeestepaís.Losseminariosweb debían de contar con al menos dos panelistas o expositores degranrelevanciaytrayectorialaboral,investigativa,oacadémica,yquedebíanhabersegeneradoentreel15demarzoal20dejuniodel2020.Las palabras clave de la búsqueda fueron: webinar, seminarios web,museos,España,Covid–19ypandemia.

Luegodelanálisisydelacodificaciónabiertadelosseminariosweb,seobtuvo5categoríasprincipalesenlasquecoincidenlamayoríade los expositores; los impactos generales e inmediatos del Covid-19

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en losmuseos de España, la tecnología y nuevos públicos, apoyo ensituacióndecrisis-efectividaddelasredesdecolaboraciónmuseística,reaperturaa la “nuevanormalidad”,yunanálisisgeneraldecómosedesarrollarondichoseventos.

En cuanto a la primera categoría, se evidencia la clara yprofundapreocupaciónde losactores,encuantoa lamodificacióndesuspresupuestosydisminuciónde ingresosporconceptodetaquilla,alquiler de espacios, o venta de los accesorios del almacén de losmuseos. El decremento de sus ingresos, ha hecho que se recortepersonal, principalmente de los equiposde educación, se suspenda yelimine proyectos y áreas que no son relevantes y apegadas a lasnecesidades actuales. Por otro lado, se hace visible la necesidad decontar conpersonal especializadoenelusoumanejodeplataformasdigitales, llámense redes sociales, páginas web etc., que permita unmayor acercamiento y captación y fidelización de los públicos. Lainteracción con lospúblicos en losmediosdigitales, les hapermitidocaptar nuevas audiencias, con nuevos gustos, criterios, edadesexigencias etc., que pone a prueba al departamento de creación decontenido y al de comunicación, de adaptar sus publicaciones ymaterialesaestosnuevosvisitantes.

Se observa también que el aspecto de la restauración ypreservación de su patrimonio, ha quedado rezagada por lasnecesidadessanitariasurgentes.

Porotrolado,eltemadelatecnologíahasidoobjetodeanálisisdesdevariosaspectos.Porunladosehamencionadoquehanservidocomounaalternativaparaacercarsealospúblicos,perotambiénsehaindicadoquepor el afándedaruna respuesta inmediata, algunosdesuspublicaciones carecende valor ypor tantopasandesapercibidas.Sehacomentadoquelaaltainteracción,podríaconsiderarsecomoungritodesesperadoanoserolvidadoporsuspúblicos.Endefinitiva, lamayoría de los ponentes es consiente que la tecnología vino paraquedarseyquelapandemiaayudóasurápidaadaptación.

Los espacios virtuales también sirven para acoger visitantes,por lo que es necesario brindar las facilidades de uso y entrega dematerial productivo y útil, el cual es logrado gracias a un adecuadomanejo de contenidos, y mediación con los públicos a los que esteenfocado.

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Sibienparalosmuseospequeños,elcrearcontenidosdigitalesinteractivos, así como la administración de estas plataformas resultacomplicado por las limitaciones económicas, se ha propuesto lacolaboración efectiva de la red demuseos. Que deje de ser solo unafiguraenpapel,ypaseaseralgoreal.

Perono tododebegiraren tornoa lodigital, comobien se loseñalabareiteradasvecesporlospanelistas,lavisitadeformafísicanopodrá ser reemplaza por ninguna tecnología, por lo que se haceimprescindiblequelosmuseosempiecenapensarencómollevarsuscolecciones de forma segura a sus públicos. Varios de ellos ponían aconsideraciónexposicionesalairelibreuotrasiniciativasquepermitaretomar ese acercamiento físico. Deberán de dirigir sus miradas alpúblico local, a dejar de pensar que viven solo de visitantesextranjeros, en especial para las grandes instituciones museísticas,cuyademandaeraaltísima.

Elregresoalanuevarealidad,esunadelascategoríasquemásha inquietado a los ponentes, pues ante un futuro incierto y unapandemia sin precedentes, se hace casi imposible dar una respuestafiableycertera.

Sehanespeculadoescenarios,perosetrabajaenlomeramentecertero, es decir, asegurar el distanciamiento social, mantener yasegurar las medidas sanitarias, con la finalidad de evitar posiblesrebrotes y con ellos retroceder y/o volver a los inicios de unapandemiarealmentetrágica.

Encuantoalanálisismismodeldesarrollodeloswebinars,entérminos generales se ha de manifestar que fueron ejecutados deforma interactiva, con panelistas que por su experticia y trayectoriaprofesional, aportaron significativamente a la formulación decuestionamientos,ideasypropuestasenprodelsectormuseístico.

Se presentaron algunos inconvenientes técnicos, comodesactivación de audífonos, cámaras web, que no tuvieron mayorincidencia en el desarrollo del mismo, pues fueron solucionados enpocosinstantes.Vale indicarqueestetipodeincidentesonovedades,selospodríaconsiderarpropiosdeestaépoca,dondesuusosevolvíamásnecesarioysuadaptaciónerasobrelamarcha.

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10.Conclusionesyrecomendaciones

El presente trabajo ha recabado información de loswebinarssurgidos durante el confinamiento en España, luego de declararse elEstado de Alarma por la pandemia mundial a raíz del Covid-19,dejando ver un panorama general de las acciones tomadas eimplementadas por los museos españoles, durante y postconfinamiento. Surgiendo problemáticas muy puntuales en torno aldecremento de sus ingresos y con ello el alto riesgo de suspender oparalizardefinitivamenteproyectosyáreas como lasdeeducación,uotras consideradas importantes por la vinculación que existe con lasociedad,yquesevenlimitadasporlasnuevasmedidassanitarias.Esareduccióndeingresosporsustaquillas,alquilerdeespacios,ventadesouvenirsetc.,haafectadodirectamenteydeformamássignificativaainstitucionesmuseísticasconautogestióny demayordemandaenelterritorio español. Sin embargo, los museos públicos y de menorenvergadura,puedaquetambiénveanreducidosupresupuestodebidoalasconsecuenciaseconómicasdejadasporelcoronavirusyqueafectaatodoslossectores.

Es entonces, donde se cuestiona si se seguirá manteniendocomoindicadordeéxito,alnúmerodevisitasfísicasquetieneelmuseomensual o anualmente, considerando las limitaciones de movilidad,cierre de fronteras, y reducción del turismo en general. ¿Se daráprioridadalacantidadantesquelacalidadyexperienciadelavisita?

La tecnología ha jugado un rol importante en este tiempo, ymuyseguramenteselamireconotrosojos,luegodequelapandemiahiciera que se adapte a ella de manera obligatoria y rápida,descubriendooreinventandonuevas formasdecontinuarconectadosy en interacción con sus públicos. Es por ello que muchos museosoptaron por reforzar sus contenidos virtuales, abrir digitalmente susgalerías,buscarentresusarchivosybrindarnuevasexperienciasasuaudiencia,produciendolacaptacióndenuevospúblicos,quedebenserfidelizados.

Comopuedenotarse, los resultadosobtenidosde lapresenteinvestigación,esdegraninterésyutilidadparafuturasinvestigacionesenestecampo, puesbrindaunpanoramageneraldelasituaciónque

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vivieron los museos en España, y su accionar ante una crisis sinprecedentes.

De la investigación y análisis realizado, se desprenden variasinterrogantes que se espera puedan ser contestadas con otrasinvestigaciones que profundicen y complementen a lo planteado acontinuación:¿SeráelCovid–19unaoportunidadparatrasformarelmodeloy conceptodemuseo?; ¿Cómo losmuseosvana replantearseconelusode la tecnología? ; ¿Servirá lapandemiacomoexcusaparaaquellosmuseosqueseresistíanalusoeimplementacióndeesta,paraque la adoptendefinitivamente?; ¿Cuáles serán las formasenque losmuseosbusquenllegarasusespectadoresextramuros?;¿Cómopuedesalirelmuseoaencontraseconelpúblico?;¿Quéhabránaprendidolosmuseos en este tiempo de crisis sanitaria?; ¿Estarán listos anteposiblesrebrotesdelvirusyunnuevoconfinamiento?;¿Secontinuaráconlasexposicionesmasivas(consideradasexitosas)osepreferirálasde menor público?; ¿Cómo interpretarán los museos las nuevasrealidades?; ¿Reabrirán todos los museos, y si es así, bajo quécircunstancias?;¿Supúblicosehamantenido,havuelto?;¿Losgrandesmuseosseguirándependiendodelturismointernacional,oregresaranalospúblicoslocales?

Preguntasquetendránrespuestamuypronto.BibliografíaBOE.es-Sumariodeldía14/03/2020.(s.f.).Recuperado12deagostode2020,dehttps://www.boe.es/boe/dias/2020/03/14/.Coronavirus:cierranelPrado,elReinaSofía,elThyssen,laFilmotecaylos museos nacionales en toda España | Cultura | EL PAÍS. (s.f.).Recuperado 12 de agosto de 2020, dehttps://elpais.com/cultura/2020-03-11/coronavirus-el-mundo-de-la-cultura-pone-en-mayo-sus-esperanzas-tras-el-aluvion-de-cancelaciones.html.Cortés,M.E.,yIglesias,M.(2004).GeneralidadessobreMetodologíadela Investigación. Universidad Autónoma del Carmen, Primera Ed, 1-105.Tomadoel24dejuliode2020.

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OJARDIMiSENSORIALDECASTELODEVIDE

ManueldaCostaLeite

UniversidadeLusófonadeHumanidadeseTecnologias,Portugalhttp://orcid.org/0000-0003-2828-4677

Nas últimas décadas, os desenvolvimentos da IA, InteligênciaArtificial, e a designada IoT, Internet of Things [Internet das Coisas]vêmcolocandonovosproblemasmastambémnovosrecursosenovassoluções tecnológicas, abrindo por vezes horizontes de soluçõescompletamentenovos.ÉnestecontextodefundotecnológicoinovadorquesejustificaapresentaroJardimiSensorialdeCastelodeVide,juntoaoCentrodeExperiênciaViva/MuseuTiflológico,tambémemCastelodeVide,emPortugal.1. Apresentaçãogeral,jardinssensoriais

OJardimSensorialdeCastelodeVide,ouporventuramelhor,oJardim i Sensorial e Dialogante de Castelo de Vide, é um jardimsensorialconvencionalnosentidoemquesedirigeaos5sentidos,davisão[ver],daaudição[ouvir],dotacto[tocar]edoolfacto[cheirar],eatéeventualmentedopaladar[saborear],oquejáseriaporsimesmosuficientemente interessante, se ficasse por aqui; mas oJardim iSensorial e Dialogante de Castelo de Vide quer ir tecnologicamentemaislongeepretenderecorrertambémeaindaàintroduçãodoáudio,numa dimensão proativa, não estritamente musical, “passiva”, dedeleite,comomúsicadefundomesmoquerelaxanteeterapêutica;oiJardimSensorialdeCastelodeViderecorreadispositivosdialogantes[tipo chatbots ou assistentes virtuais] permitindo que uma criança[normovisualou]cega,ouumadulto,interpelemasárvoresdojardim,dialogandocomelassobresiousobreasuanatureza,oumesmosobreoutros seres, outros itens das proximidades, numa amplitudeestratégicasubordinadaaosprincípiostecnológicosdaIoT,a Internetdas Coisas; por exemplo, centripetando a dada altura os muroshistóricos que abraçam o Jardim, trazendo à liça, à ilharga, por

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exemplo, a Muralha medieval de Castelo de Vide, fazendo-a intervirtambémnodiálogo,“pedindo-lhequeapresenteoseupontodevista”,esse tremendo ponto de vista histórico com uma escala brutal deséculos. E é extraordinário como esse diálogo patrimonial a 2, comoqualquer diálogo, passa assim, em transversão, a um diálogo maisenriquecido,atrês,oqueemrigorotransformanumtriálogo.

Tudooqueé+,acrescentaeenriquece,eéporissobem-vindo.

Demodo o menos formal e técnico possível, digamos que os

JardinsSensoriaisatéagoratêm-sedirigido–emuitobem–sobretudoaossentidosdo tacto edoolfacto eporvezesaopaladar,permitindoque os visitantes cegos ou com baixa visão possam tocar, provarsaboresesentirocheirodeárvores,plantasoufrutosnoedoJardim.Esclareça-se que os Jardins Sensoriais se dirigem a todos, a umuniverso amplode visitantes, não apenas a visitantes com limitaçõespercetivo-sensoriais,psicomotorasoucognitivas,emborasereconheçaqueporqueenfatizam,exacerbamalgunsdossentidoscomootacto,oolfacto ou o paladar, fiquem frequentemente associados a essascomunidadesmaiscondicionadas.

O JardimSensorial eDialogantedeCastelodeVide é tambémnesta acepção um jardim sensorial convencional porque se dirigeigualmenteaos5sentidosemboramaisenfaticamenteaossentidosdotacto [tocar],dopaladar [provarsabores]edoolfacto [cheirar,sentiraromas]. A estes sentidos, porém, o Jardim i Sensorial de Castelo deVide pretende acrescentar – e é essa a inovação específica do seuProjeto-,sobretudooáudioenumadimensãoproativaporque–comodissemos já - não usa o áudio apenas para reproduzir um fundomusicalpormaisbelo,relaxanteeterapêuticoqueseja,masrecriando,entreoutros,dispositivos tecnológicosdialogantesquepermitamquequaisquer pessoas (adultas ou crianças) (cegas, com baixa visão ounormovisuais)interpelemasárvoresoumesmooutrositensdojardim,dialogando com elas; as crianças surdas ou com deficiência auditivasignificativapoderãotambémdialogar,masporescritoecomteclado,sebemquenestafaseinicialdoProjeto[faseinicial,00,Celeste]ofocoseconcentresobretudonacomunidadeinvisual,comlimitaçãototalouparcialdavisão.

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2. JardinsSensoriaisparadigmáticos

É mais que razoável que pela ordem natural e histórica dascoisas tenham emergido alguns exemplos de Jardins Sensoriais, osquais se tornaram paradigmáticos, ou seja, passaram a assumir dealgummodo um papel de padrão, em conceito ou em execução. Unsporqueforamosprimeiros,pioneirosouprecursores,outrosdevidoaquaisquercircunstânciasespeciaisquelhesemprestaramnotoriedadeespecial,efectivaousimbólica.AmatrizvindadeFrança.

PelahistóriaepelaconjugadapresençacarismáticadeLouisdeBraille, não surpreende que tenham vindo de França e atésimbolicamente no contexto singular de Louis Braille, algumasinfluências relevantes sobre o conceito e execução de JardinsSensoriais.

A influênciadoconceitogeraldo JardimFrancêsvs jardins “àinglesa” bem como em particular o Jardim Monet, um percursor daideia de jardins dirigidos, com planeamento e targets selecionados,aindahojepersistemnaconcepçãoeexecuçãodosJardinsSensoriais.Simbolicamente e em particular, a recente iniciativa (19 e 20 desetembrode2020)doJardimdos5Sentidos,noMuseuLouisBraille,integrada nas Jornadas Europeias do Património 2020, são acomprovaçãodessamagistraturadeinfluência.

“Lejardindescinqsensinvitelesvisiteursàuneexplorationdetouslessensautourd’unepergolaformantuntunnelquireprésentelanuit (pertede vue), auboutduquel, tous les sens sont sollicités.” (cf.https://www.journees-du-patrimoine.com/SITE/musee-louis-braille--coupvray-249859.htm,consultadoem15deJunho,2021).Espanha,oJardimSensorialdaONCE

Na Europa e não apenas em Espanha, o Jardim Sensorial daONCEéumareferência.ApresentadocomoEljardíndelossentidosdelaONCE,aOrganizaciónNacionaldeCiegosdeEspaña,o Jardimcobre1.200m2 [o deCastelo deVide tem1.170m2] emarcoupadrãopelaescala do empenho financeiro assumido, com uma fonte financeiraúltimanosJogosdeAzaradministradospelaONCE.

MantémligaçãoparaparceriacomCastelodeVide.

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Bremen,umJardimSensorialeinovaçõestecnológicas

De influênciaeuropeia,o JardimdeBremenémaisumJardimparadigmático.Com1.600m²oJardimSensorialdeBremenintegra-secontudonoKnoopsPark,umgrandiosoehistóricoparquecommaisde2 séculos de existência e 65 hectares de área [650.000 m²]. É umJardimSensorial paradigmáticomas convencional;mas é emBremenque se encontran a atitude e as potencialidades tecnológicas maispróximasdosprincípiosdedesenvolvimentotecnológicodeCastelodeVide.ComaparticipaçãoativadaUniversidadedeBremen [a grandeinstituição local do conhecimento], criou-se uma atitude e amplitudede aplicações tecnológicas tecnicamente próximas. Veja-se aexperiênciadeMixedReality interativa,hácercadeumadécadaatrás,em2002.

“Interactive Mixed Reality installations combine multimediawithnovelmulti-modalinteractiontechniques.Asanexampleofmixedrealityenvironmentsthe"SensoricGarden"-seveninstallationsshownduringafestivalinBremen-aredescribed.Asthiskindofeventcannotbe evaluated in terms of usability or effectiveness, we need othercategories toassess theattractivenessor "joyofuse"of installations.Categories from the discourse on interaction design and interactivitywerefoundhelpfulforadesignreflectionintowhysomeinstallationswere an "interactive success" and others failed tomeet expectationsandreceivedlittlevisitorattention.”(Hornecker&Bruns,2004).OutrosJardinsedesignadamentenosEUAeBrasil.

Pelo mundo fora continuam a surgir dezenas de Jardins eexperimentaçõesSensoriais,unscomênfasesmaisnumsentido,outroscomespecificidadesinovadoras,quevaleriaapenamencionar.

A título de exemplo, refira-se a experiência multi-sensorialpremiada[MuseudoIngá]equepodeservistaemhttp://www.ibermuseos.org/pt/recursos/boas-praticas/sala-experiencias-do-olhar/.

Neste particular, não se trata de um Jardim mas deexperimentações multi-sensoriais que nos são absolutamente afins,

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que sãodo âmbitode estudodoCPTei.1 Ainda,masnumescopoqueultrapassaosdesígniosdesteCapítulo,deixa-seaquiumamençãoparacontemplaradiversidadeepopularidadedecaminhosemergentes,porvia das iniciativas espontâneas, não institucionais, nas redes sociais,com2referências2.3. OJardimiSensorialdeCastelodeVide

OJardimSensorialdeCastelodeVide,outalvezmaisemrigor,

o Jardim i Sensorial e Dialogante de Castelo de Vide, pressupõe queestãopresentes[inplace][todos]osrecursostecnológicosdisponíveis[hojeemdia],paraavaliarmosoquejáéeoquevaipoderseroJardimSensorialdeCastelodeVide,obedecendoaumprojetotecnológicodeárvores dialogantes e mais em particular nesta fase, de oliveirasdialogantes.

Note-sequequandosedizprojetodeárvoresdialogantesvs(emdistinçãode)oliveirasdialogantes,se quer dizer obviamente que há mais árvores de outras espéciesenvolvidas no projeto, e admitem-se mesmo e desde já arvorescolocadas até fora do perímetro do jardim, o que implica portantoconexõestecnológicasdelongadistância,telecomunicações;equandosediziJardimSensorialvs(emdistinçãode,simplesmente)JardimSensorialsequerdizerquehaverárecursostecnológicosditosinteligentes,deIA,

1 Obrigado a Roberta Gonçalves, cf. Repositório Moodle de Laboratório deMuseografia e Computação do Mestrado e Doutoramento de Museologia daULHT,cf.Bibliografia.2 210 Ideias, https://www.pinterest.pt/crop15/jardim-sensorial/; e 150Ideias,https://br.pinterest.com/denise_tasca/jardim-sensorial/.

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emborasempreaoserviçodeprincípiosdeumaprestaçãoeducativaepedagógica, nunca para efeitos de uma pura exibição tecnológica. Osnossosprincípios,queorganizamtodootrabalhoemCastelodeVideesubordinadoaoCPTei[CentroPortuguêsdeTiflologia,oseucentrodeinvestigação], são de uma Museologia Social (cf. Moutinho, 1993). Atecnologia está e deve estar sempre ao serviço das Pessoas e daSociedade, subordinada a objetivos formativos e educacionais, nuncaporexibiçãotecnológicastrictosensu.E–ainda-quandosediziJardimSensorialeDialogantevs(emdistinçãode,simplesmente)iJardimSensorialquer-se apenas enfatizar que os dispositivos adicionados não sãoconcebidos meramente para debitarem unilateralmente informação,mas são omais possível interativos. Trata-se apenas de uma ênfase,mas ficogratoaoProf.AugustoDeodatoGuerreiropor tersalientadoestanuance.4. Espíritoouprincípiodeorientaçãotecnológica

Oespíritoouprincípiodeorientação tecnológicaquepresideaesteProjeto,podemosavançardesdejáqueéprevalecentementeodaIoT,ouseja,aInternetdasCoisas,ouseja,oprincípiosegundooqualatodas ou quaisquer coisas se pode associar um oumais dispositivosautomáticoscomalgumgraudeautonomia[smartdevices]capazesdeinteragir com omeio ambiente, com utilizadores finais humanos, oucomoutrosdispositivossemelhantesnassuasproximidades.

Nadamelhordoqueseremasprópriascoisasafalar,nenhumaencenaçãooucenografiaserãomelhoresdoquequandosecolocamosprotagonistas a falar, sem intermediários; sabemos isso já datermodinâmica e pelo conceito termodinâmico de entropia, mastambém da sua posterior interpretação informacional pela teoria dainformaçãoedacomunicação,segundoaqualoconceitofundamentalde energia da termodinâmica pode ser substituído homologamente

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peloconceitodeinformação,mantendo-seválidos/válidasosmesmosprincípioseasmesmasleis,datermodinâmica.3

Quantos mais intermediários usarmos num fluxoinformacional,maioréapresumíveldegradaçãodeenergia[entropia],emaiorportantoadegradaçãopotencialdainformação,peloque,maisumavez,nadamelhordoque termosospróprios, osprotagonistas afalar,semmediadores.

É claro que o ser humano, o homo sapiens sapiens, a únicaespécie que produz conhecimento, criou ela própria conceitos eprincípios de representatividade, de delegação e de procuração, paraque nas devidas circunstâncias outros falempor outros,mas semprequepossíveldevemserosprópriosafalar,aassumiraprópriaposição,adaroprópriotestemunho.

Pela primeira vez na história tecnológica e da humanidade,temos,comaIoT,apossibilidademassivadefazeressaencenaçãosemmediadores.4

Os carros sem condutor estão aí já a colocar-nos problemasresultantes da não mediação, mas tanbém a demover / removerdescriminações, e isso – é extraordinário – é tão impressionantequanto expectável. 5 E noutras áreas, outros exemplosIoT estão aemergir,masvamosficar-nosporaqui.

Por fim, enfaticamente, nada melhor para preservar emequilíbriooPatrimónio,materialou imaterial,doquedarvoza todosou quase todos os intervenientes, seres humanos, animais, plantas,coisas, enfim… – aquela comunidade de intervenientes, de itensrelevantes a que os economistas e financeiros chamariam osstakeholders.

Claro que há aqui uma subtileza, na verdade e em últimainstânciaésempreohomosapienssapiensquemproduzconhecimento,eésempreportantoohomosapienssapiensquemestápordetrásdosstakeholders, em ventríloquismo. Claro, mas é sempre preferível o

3Cf.diMaria(2021).4Idem.ibidem.5Veja-seacontundenteintervençãodoPresidentedaWorldBlindUnion,Prof.Fredric K. Schroeder, Autonomous Vehicles and the Blind: ExpandingOpportunitiesforFullIntegration,no1stInternationalCongressonTyphlology,CastelodeVide,Portugal,15,16,17June2021.

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ventriloquismoouotransvestismodoqueamudezouanãopresençapuraesimples,porquesignificaautomaticamentequeaidentidadedosdiferentes intervenientes está a ser nitidamente equacionada (pelomenos, na versão minimal) ou (numa versão melhor) nitidamentereconhecida.5. Cáestamosparadialogar...Cruzamentosinstitucionaisepatrimoniais

O Jardim iSensorialeDialogantedeCastelodeVide fazparteconceptualmenteeinstitucionalmentedeumatrilogia:[1]MuseudeTiflologia,[2]CentrodeExperiênciaVivae[3]CentroPortuguêsdeTiflologia,e / mas é procedente de uma histórica Fundação – FNSE, FundaçãoNossaSenhoradaEsperança–emactividadedesde1863,quandoJoãoDiogo Juzarte de Sequeira e Sameiro (1792-1865) tomou a iniciativaextraordináriadefundarumAsilodosCegos.

Ascoisas,oseventos,asconcreçõesnotemposãosempreumasingularidade. Mas não obstante essa monumentalidade singular,podempassaraonossoladoimperceptíveis,semquenosapercebamosdelas,sendoelassingulares.

Maisde150anosdehistóriaperpassampelassuasoliveiras;enão, não é indiferente que essa história e esse tempo se alojemsimbolicamentenas suas costas, sobretudoquandoestamosa refletirsobre um Jardim Sensorial de Castelo de Vide num enquadramentotemáticoeeditorialdeMuseologiaePatrimónio.

Quando o Património está em questão, o tempo nunca estáausente,nemémenornasuaequação.

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LogotipodeCEV-MT

Fonte:FNSE

Quase todas estas instituições foram recentemente criadas,comexceçãodaFNSE,FundaçãoNossaSenhoradaEsperança,amaisvelha (1863) e com pergaminhos importantes porque é a única quecomporta essa sensibilidade e experiência fundamental do Asilo dosCegos e com o sentido de formação musical qualificada das e dosjovens cegos. A sua qualidade pode comprovar-se hoje no Museu

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Tipológico e a sua solidez musicográfica pode ver-se patenteada noarquivo-sala de musicografia braille, cf.https://en.tiflologia.pt/bibliotecabraille, consultado em 03 de Julho,2021.

Ocentrodeinvestigação,CPTei,CentroPortuguêsdeTiflologia,equidade e inclusão AugustoDeodato Guerreiro, existe há dois anos eestá devidamente registado na FCT,mas a sua notoriedade começouapenas agora a afirmar-se, com a edição recente do1st InternationalCongressonTyphology, levadoacaboem15,26e27deJunhoúltimo,cf. https://www.tiflologia.pt/icongressointernacional, consultado em03deJulho,2021.

O Centro de Experiência Viva - Museu de Tiflologia foiinauguradoeabriuasportasaopúblicorecentemente,em15deJunhode2021,bemcomooJardimSensorial,contíguoaoMuseu,maseste.oJardim – como foi devidamente anunciado - apenas na sua fase dearranque.6. Aherançamaterialnatural

Um Olival com 37 oliveiras implantadas em 1.170 m2 deterreno.Essaéaherançanatural,material,deorigem.Oliveiras relativamente novas, aí com uns 70 anos de idade [umaestimativaquevaiterdeseroficialmentefeita,confirmada][segundoocritériopadrãodaUTAD].MAS façamos tanbém e desde já um exercíciomaximalista, como emPowersofTen6,echeguemosfinalmenteaoJardimquenosabraçaemCastelodeVide.Abraço é um termo que iremos usar por vezes, para uma definiçãometafóricamasidealdePatrimónio.Oumelhor,oPatrimónioéaquiloqueoabraçoabraça.anossaGaláxiaanossaCasacósmicaaViaLácteaonossoPatrimónionaturalcósmicoonossoPatrimóniomaterialenatural

6PowersofTen,cf.Bibliografia.

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máximo,emescalamaioraTerraonossoPlaneta,anossaCasaplanetáriaonossoPatrimónionaturalplanetáriocomcrisesgravesdeeco-sistemasedesequilíbriosambientais,nossosPortugaleCastelodeVideomunicípiodeCastelodeVidenamalhadosmunicípiosportuguesas,emPortugalcontinental,noAlentejo,sub-regiãodoAltoAtentejo.Umconcelhodaraia,ouseja,defronteira.CastelodeVidenumaescalaquenosremeteparaaUrbeaescalaquenosremeteparaaCidade,opatrimóniourbanísticoesocial;asuamanchaurbana,ocasariosãoapertadosnumabraço~milenarpormuralhaseporumCastelo,umCastelotoponímicoredundantedeCastelodeVideEisentãoaviladeCastelodeVidecomoCastelononomeenosossos,atrazerasobranceriadoTempo,ajustasobranceriadaHistória,umolhareumabraçocontido,dasmuralhashistóricasdaVila;todooseuPatrimóniohistóricoéavalizadopelassuasMuralhasepeloseuCasteloaustero

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Avelhaentrada,principaldoMuseu(hátambémumeentradafuncional)Fonte:FNSEMUSEUTIFLOLÓGICOemCastelodeVide,oex-armazémeumaPortadeEntrada,umavelhaportadeentre1a2séculos;aserrestauradaousubstituídaumdia,éoimplacávelpreçohistóricodotempo;eoCentrodeExperiênciaViva

Fonte:FNSE/AnaLuísaCruz cf.https://www.tiflologia.pt/jardimsensorialMUSEUTiflológicoemCastelodeVide,ocorpodoex-armazémaindaemvistamas já comalgumasdasOliveiras do JARDIM emprimeiroplanoeumaAndorinha,asobrevoar…Eis, em Castelo de Vide aquilo que nos importa, numa equacionaçãopatrimonial,oequilíbriodoartefacto[doserhumano,pordefinição]+anatureza.CastelodeVideiSensoryGardenAalma,oobjetivoúltimodoJardimocorreráquandoumacriançacegaounormovisual quiser retomar umdia uma conversa tida dias antes

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comXis, umadas37oliveirasdo Jardim.Demomento,na fase inicial00,sóuma–aCeleste–estáemexperimentação.Oobjetivocomeçouporserapresentadodeformaficcionada.“GostavadevoltaraCastelodeVide.”“Porquê?”“GostavadevoltarafalarcomaCeleste.”“Celestequê?”“Celeste,aoliveirinhadoJardimdaEsperança.”“Ah,doMuseu?”“Sim.”“Deixastealgumaconversaameio?”“Não,masgosteidela.Édoceecarinhosa.”“…!?...”“Aprendimuitocomela.”“Ok,estábem.Quandoqueresir?...”“Muitoobrigado,mãe.”“...hojeeamanhãnãodavamuitojeito;masnaquinta-feira,porexemplo,tudobem.”“Tábem,quinta-feiraentão,estábem.”“...àtarde,quedemanhãtenhoaulas!”“Sim,sim;semproblema.”(diMaria,2020b,pág.94)ChegadasdoJardim…“SófalastecomaCeleste,hoje?”“Não,játedissequefaleicomvárias,aSpeseaPalmiratambém,masfoicomaCelestequeestive+tempo.OssenhoresdoJardimforammuitogentis,levaram-meumacadeirinhaalentejana,daquelaspequeninasecomráfia,eentãofiqueialisentada,tranquilamente,quasetodootempo.”“Boa.”“ACelestetambémgostadeconversar,faloucomigoecomoJoanito.”

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“QueméoJoanito?”“Éumpardal,umpardaldotelhadoquecostumavirdaserra,daCapela,desceporaliabaixoatéaotelhadoaltodoMuseu,aliondemedeixaste,àentrada...”“Sim,eusei.”“Eémtoengraçado,sódepoisvoapróJardim.”“Éumcompincha.”“É,éumpássarocompincha.”(diMaria,2020b,págs.102-103)7. Umainterpelaçãoética

Poder-se-á sempre colocar uma questão pertinente do foroético;oquesepretendeaqui!?Érazoávelcolocarumdispositivomóvelcomumaaplicaçãoepretenderqueasárvoresfalam?

As instruções oficiais assumem o compromisso contrário, aosvisitantes(emparticularcriançasepaisdecrianças)éesclarecidoquese trata de um porta voz dos presumidos interesses botânicos eecológicosdasárvores.Nuncaseomitequese tratamdedispositivosartificiais. Trata-se de um projeto educativo, nunca de qualquermistificação ou propósitos enganosos. O que se faz é um apelo àcuriosidadeeimaginaçãodascrianças,conjugandoaaprendizagemdedados científicos sobre a natureza, com os mundos imaginativosjáexplorados no passado por autores como Walt Disney, ou todasastradições literárias fabulosas, a começar em Esopo. “ Um jardim éumfragmentodeumsonho…”(Corajaud,M.apudOsório,2018).

Nosprocessosdeaprendizagemdascrianças,háumpapeldasestórias imaginosas, das fábulas, das adivinhas divertidas, os trava-línguasouaslengalengas7,estóriasfantásticas,estóriasdeadormecerquetodasascriançasesperamequereme,decertomodo,socialmenteexigem.Ascriançasaquemtiramodireitodebrincar,porqueaspõemporexemploforadetempo,naguerraounamiséria,seequandoissoacontece, é social e cognitivamente trágico. O mundo da fantasia, o

7Cf.Guerreiro,M.L.(2013).

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mundofabulosonaaprendizagem,omundodopossívelenãoapenasdoexequível,podeserummundodifícilmasnecessárioetalvezafinalnãotãodifícil,pelatecnologiadisponível[afinaldesdehámuitoquehábrinquedos]enoqualportantoasárvores-enãoapenasasoliveiras–podemafinal“falar”…

OJardimiSensorialdeCastelodeVideéumprojetoeducativo,é nesse sentido uma Fantasia e uma Festa onde se podem trocarpalavraseestórias,contarcoisaseestórias,fantásticasedomundo.

Comos recursos tecnológicos disponíveis procuramespelhar-se e preservar o equilíbrio dos patrimônios naturais, materiais eimateriais, numahomologia comos processos naturais, ver omundopelasraízes,oupelorespirardasfolhas,natrocadeoxigéniopeloCO2,naquiloqueéafinalarespiraçãodasárvores.EcomoetiquetaramostecnólogosdaintervençãoemBremen,em2002,devolveràscriançaseaosdemaisutilizadores,thejoyofuse8.8. O saber e a sabedoria das árvores, as KB a construir, cadaárvoretemumapersonalidade

O“saber”ancestraldasárvoresvaiserrepresentadoatravésdebasesdeconhecimentoqueelaboradasparacadaárvore,respeitandoos traços individuais de cada árvore, no respeito pela sua históriaindividualedoecosistemaemquecresceu.

As oliveiras, cada oliveira têm nome próprio, a começar pelaCeleste, “sabem muito”, sabem aquilo que a sua ligação à natureza,raízes sobretudo mas também a copa e o seu “lugar ao sol” lhespermitiuacumular.Oseuacumulardesabedoriaeasuapersonalidadeprópria são o que dão consistência à sua conversação, tecnicamenteuma base de conhecimentos a que recorre automaticamente parasuportardeformaconsistenteumaconversa.

Nãoéesteumcapítulotécnicodecomputação,muitomenosdeIA, pelo quenão faz sentido explicitar como e emque circunstânciastécnicasseelaboraumaadequadaKB[=umaBasedeConhecimentos]ou se constroem Campos Lexicais ou Semânticos determinados, mascompreende-se bem que são matérias tecnicamente fulcrais. Umacriançainterpelantedeumaárvoreartificialdialogante,abandona-la-á

8Cf.Hornecker&Bruns(2004).

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noprimeirominuto emque se aperceba que está perante umameramáquina repetitiva, ou perante uma máquina de voz eletrizante, ou[aindapioreporúltimo]senãoforcordialeafávelnodiálogo.Edepoisainda,seodiscursonão for fluente,umdiálogocomoqueempanado,gripado,nãofunciona.Todosestessenãossignificamdesafiostécnicosnão triviais, a desenvolver em 1, 2, 3 anos; e não haverá nunca umhorizonte final, haverá sempre formas de melhorar, actualizar osdiálogoseasconversas.

Mas os desafios estão aí, estão há muito e não sãocontemporâneosdoJardimdeCastelodeVide;porisso,háquereuniras competênciasde conhecimento [eque têmproximidade territoriallegítima],nestecasoaUniversidadedeÉvora,oInstitutoPolitécnicodePortalegre, a Universidade da Extremadura. Muitos sabem, muitosoutros sabem, mas importa também que não cresçamosselvaticamente, antes com lógica e logística de coesão territorial;quando há próximos, vizinhos ou familiares que sabem, vamosrecorreraelesemprimazia[cf.EixosdeCoesão,doProgramaNacionaldeCoesãoTerritorial].EportantocáestamosparadialogarcomotempohistóricocomotempopsicológicoesocialdoscastelovidensescomanaturezaosanimaiseasplantasdeCastelodeVidecomopatrimóniomaterialpatrimónioarquitectónicodeCastelodeVideasmuralhasmedievaiseocasteloasmuralhasdoséculoXVIIavelhasinagogacomopatrimónioarqueológicocomasruínasromanasdeAmmaiacomasvelhasOliveirasvisigóticasqueaindaexistemIrradiandodeumsimplesJardimSensorialdeumMuseuTiflologico,deum olival, a procura e o encontro de itens - seres ou coisas - dopatrimônio localouregional, formarão,pelasconexões tecnológicasa

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estabelecer,umaredepatrimonialefetiva,comumpotencialeducativoóbvio.“o afastamento do ser humano da natureza gera distorções nacompreensão sobre o meio natural, influenciando a percepçãoambiental e o grau de consciência sobre a conservação dabiodiversidade e dos recursos naturais para a sustentabilidade doplaneta.”(Matarezi,2001,apudOsório,2018,pág.23).“Neste sentido, os jardins como ambientes não formais de ensinopodem funcionar como uma ferramenta de estreitamento dessarelação ser humano/natureza, em especial no que diz respeito aoensinodetemasrelativosàbotânica.”(Osório,2018,pág.24)9. Opatrimónioéumequilíbrio,cruzamentosverticais,notempo,ehorizontais,noespaço

Temosassumido sempre, implicitamente, desdeo iníciodestecapítulo, as definições institucionais consagradas deMuseologia e dePatrimónio,centraisnopresenteegratoenquadramentoeditorial(cf.Definições institucionais consagradas). Mas tanbém, na ousadia queigualmente prometemos assumir, gostaríamos de propor que apreservação,ocuidadocomoPatrimónioéumabraço.Umabraçocommúltiplosbraçosemúltiplasmãos,acruzarem-seeapartilharaseiva,num fluxo hidrodinâmico tanto + rico qto + dinâmico. Ou talvez oPatrimóniosejaaquiloqueseabraça.

Não há Património se as trocas entre as partes [itens] dopatrimónio se dão desiguais. Haverá “arranjos”, uma cosedura demeias, costura corta e cose,mas não Património. O Património é umequilíbrio, é sempre um equilíbrio. Se há fluxos desordenados, trocasdesiguais, desproporções, desmandos ou corruptelas, o Patrimónioesvai-se, o Património desvaloriza. Isso, como na bolsa de valores,desvaloriza. Deixa de o ser e é ou passa a ser uma imparidade, umsofrimentoparatodaacomunidadequelheéafeta.

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Asconexõessãoaquientendidascomoconexões tecnológicaentreoselementospatrimoniais,materiaisouimateriais,• navertical,aolongodoeixodotempo,porexemplo,aligaçãodasOliveirasdoJardimaosexemplareshistóricosdeoliveirasvisigóticasaindaexistentesnaregião,oualigação,sempreportelecomunicações,dasoliveirasdoJardimàsoliveirasdacidaderomanadeAmmaia;e• nahorizontal,aolongodeeixosgeográficos,porexemplo,aligaçãotanbémesempreportelecomunicações,dasoliveirasdoJardimàsoliveirinhasdaserra,defronte,juntoàcapela,ermidadeNossaSenhoradaPenha,oualigaçãoquesequerfazer-emsegundafase-ademaisárvores(nãoapenasoliveiras)dosrestantesJardinsdeCastelodeVide,masatédeÉvoraemaisalém,outras.10.Patrimónioemcampoaberto

O principio do laboratório em campo aberto [open lab] é umconceitodeinvestigaçãoeexploraçãoinovador,minimamenteinvasivoe – quanto a nós – exemplar para os nossos presentes objetivos detrabalhonoâmbitodoJardim,sobretudoapartirdafase

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10.1.Patrimónioemcampoaberto,aconexãoparaacidaderomanadeAmmaiao+vastoolhar,paraumapreservaçãomaximalistao+vastoolhar,paraumaintrusãoinvasãominimalistasemconsonânciacomoespíritodoProjetoRadio-Past

Vénia ao Projeto Radio-Past,acrónimo de Radiography of thePast, Radiografia do Passado,pela excelência da magnitude [vastidãoecogeográfica]edaprofundidadetemporalcomomínimodetécnicasinvasivas.O conhecimentoque se encontra alojado, enterradono soloemergecomomínimodeinvasão,redesenhadoem3Dparabenefícioesabedoriadetodos,eisa tecnologia -aqui,comodeve-aoserviçodoconhecimentoedaeducação,sem“destruiçãodeprovas”.

“EuropeanfundedprojectRADIO-PASTor“Radiographyof thePast.Integratednon-destructiveapproachestounderstandandvalorisecomplex archaeological sites”. In order to develop non-invasiveapproaches to investigate, interpret, visualize and valorize complexarchaeological sites, the researchers of the project have selected thesite ofAmmaia, a deserted Roman town in Portugal, as an “openlaboratory” for intensive field research. Here innovative approachesranging from field archaeology to geomorphology, from remotesensing to geophysical survey, from ICTs to Cultural Heritagemanagement,haveleadtoanexemplarystudyofalostRomantown.”

“ThisresearcheffortispartofawidertrendallovertheancientworldtostudyabandonedRomantownsusingawidearrayofmodernsurveymethods.When combinedwithmore established approaches,such as stratigraphic excavations and the study of legacy data, thesemethodscanproduceamuchmorecompletevisiononurbanismunderRoman dominance. The impressive results of interdisciplinaryfieldworkundertaken inAmmaiaover the last fiveyearsaddmuchtoour understanding of the organization and character of a newlyestablished town in theRomanWest and in the Iberian peninsula inparticular. The present study helps to shift the focus of Romanurbanism studies from provincial capitals and larger, moremonumentalized or better preserved cities in theWest, tomid-sizedand smaller urban settlements: they indeed are the backbone of the

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urban world as the Romans developed it with the help of nativepopulations.”(Corsi&Vermeulen,2013)10.2. Património em campo aberto, a conexão para as oliveirasvisigóticasNorespeitopeloCódigoVisigóticode654.Uma outra grande extensão, conexão por telecomunicação, é, será àsvelhas oliveiras visigóticas, onde as houver na região. Dentro dosprincípios de respeito não destrutivo do Projeto Radio-Past, e norespeito pelas 2 Leis antigas doCódigode 654, deixá-las às oliveirasonde estão e partilhar de forma não-invasiva da sua “sabedoria” etemporalidade.Esta2agrandeconexão[vertical]liga-nosaotempodoreiRecesvindo.LeisdoCódigoVisigótico(de654),as2LeissobreasÁrvores(tanbémOliveiras)eosJardins:LEIANTIGA.I.CompensaçãopeloAbatedeÁrvores.Se alguém cortar uma árvore que pertence a outrem e semconhecimentododono,seforumaárvoredefrutodevepagar3soldos,se forumaoliveiradevepagar5 soldos, se forumcarvalhogrande,2soldos, e se for um carvalho pequeno 1 soldo; por uma árvore dequalqueroutraespéciemascomumtamanhoconsiderável,2soldos.LivroVIII,TítuloIII,LeiI.Para além das árvores, árvores em geral, árvores de fruto, oliveiras,carvalhos(grandesoupequenos),háosjardins.LEIANTIGA.II.SealguémdestruiroJardimdeoutro.Sealguémdestruiro Jardimdeoutro,devede imediato serobrigadopelo juiz a pagar ao dono uma quantia igual ao valor do prejuízocausado.Seoculpadoforumescravo,paraalémdopagamentodevidopelosprejuízoscausados,develevar100chicotadas.LivroVIII,TítuloIII,LeiII.

Estas conexões temporais transmilenares são uma formadocumentadadedesenharumabraçopatrimonialquenosremeteparaumcruzamentonãoapenasdasOliveirasmas,comovimos,tanbémdo

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Direito e dos Costumes de povos distintos, os romano-ibéricos, ossuevos e os recém-invasores germânicos, os visigodos, entretantoconvertidos ao cristianismo. Um fantástico cruzamento de que asnossasOliveirassão“apenas”umtestemunhomaterialnatural.11.AsInstituiçõesdoConhecimento

RAZÕES[racional]destaRedeInstitucionaldoConhecimento:! AsEscolasdoAgrupamentodeCastelodeVide,razãoóbvia,sãoasprimeirasEscolasdaVilaedoConcelho.! EscolaMouzinhodaSilveira,naIlhadoCorvo,pelaligaçãoíntimacomumfilhodaterra,patrimónioimaterial.! UTAD,UniversidadedeTrásosMonteseAltoDouro,pelocritériocientíficodedataçãodeOliveirasantigas.! IPP,InstitutoPolitécnicodePortalegre,ograndeInstitutoPolitécnicododistrito.! UE,UniversidadedeÉvora,agrandeUniversidadedaregião.! UniversidadedaExtremadura,agrandeuniversidadetransfronteiriça,aconectarsegundooseixosdoProgramaNacionaldeCoesãoTerritorial.12.Definições

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DefiniçõesinstitucionaistácitasTemosassumidosempre,implicitamente,desdeoiníciodestecapítulo,as definições institucionais consagradas de Museu, Museografia,MuseologiaePatrimónio.MUSEU.Os Museus são espaços democratizantes, inclusivos e polifónicos,orientados para o diálogo crítico sobre os passados e os futuros.Reconhecendoelidandocomosconflitosedesafiosdopresente,detêm,emnomedasociedade,acustódiadeartefactoseespécimes,porelapreservammemóriasdiversasparaasgeraçõesfuturas,garantindoaigualdadededireitosedeacessoaopatrimónioatodasaspessoas.Osmuseusnãotêmfinslucrativos.Sãoparticipativosetransparentes;trabalham em parceria activa com e para comunidades diversas narecolha, conservação, investigação, interpretação, exposição eaprofundamentodosváriosentendimentosdomundo,comoobjectivode contribuir para a dignidade humana e para a justiça social, aigualdadeglobaleobem-estarplanetário.Nova definição de Museu. Publicado por ICOM Portugal em Ago 16,2019emDestaques,ICOMPortugal,Notícias.cf.https://icom-portugal.org/2019/08/16/nova-definicao-de-museu/MUSEOLOGIAeMUSEOGRAFIA.Cf. Conceitos-chave de Museologia, editado por André Desvallées eFrançoisMairesse,trad.brBrunoBrulonSoareseMariliaXavierCury,ArmandColin,2010,br2013.Embora centrais no texto do presente capítulo, não queremos nemsomos competentes para uma discussão definicional, bastando-nosassumiratradiçãoeaspráticascorrentesqtoaousoevalordeusodostermos. Não se chegam nunca ou chega-se dificilmente a consensosdefinicionais,porémavidaàvoltadosMuseuscontinuaecomsaúde.PATRIMÓNIO.

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Aquilo que se confia genericamente ao ICOM no que respeita aosconceitos deMuseu,Museologia ouMuseografia, confia-se àUNESCOno que respeita ao Património. Mantemos aqui a mesma filosofia,supra.13.Enquadramentolegaleinstitucional,oacolhimentoeáreasdegovernaçãorelevantes

NoâmbitodoXXIGovernoConstitucional,odia18deFevereirode2019,diade reuniãosemanalordináriadoConselhodeMinistros,foi para a causa deste Capítulo, um dia interessante. Porque foramtomadasdecisõesculturalmenterelevantessobaformadeResoluções[n.35&n.36],importantesambas.“d)Conceber e propormodelos inovadores demediação cultural, queestimulemnovas experiências e projetos, designadamente atravésdorecursoàsnovastecnologias;”“e)Definireproporofertadiferenciadaquerespondaàsnecessidadesdos diversos públicos, conduzindo a um maior envolvimento e àparticipação ativa de novos públicos, nomeadamente gruposvulneráveis,populaçãomigranteeminoriasétnicas;”“n)Proporaçõesespecialmentedirigidasaospúblicosinfantilejuvenil,nomeadamenteatravésdo incrementoda relaçãoentreasescolas, asestruturasjuveniseosmuseus.”ResoluçãodoConselhodeMinistrosn.35/2019Nomesmodia,tambémumaresoluçãoquenósépertinente,pelofoconoáudio.“O Programa do XXI Governo Constitucional, reconhecendo a culturacomo pilar essencial da democracia, da identidade nacional, dainovação e do desenvolvimento sustentado, prevê a criação de umarquivosonoronacional,paraapreservação,valorizaçãoedivulgaçãodopatrimóniomaterialeimaterialcultural.”“O património fonográfico português, nas suas variadas expressões,constituiumamarcafundamentaldaidentidadeediversidadeculturalnacionais. Considera-se hoje, aliás, que os acervos sonoros que se

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encontram na posse de distintas entidades devem ser devidamenteidentificados,comvistaàsuasalvaguardaedisponibilização.Contudo,Portugal é um dos poucos países da Europa que não dispõe de umarquivo sonoro nacional, enquanto infraestrutura com as condiçõestecnológicasadequadasàpreservação,estudoedivulgaçãopúblicadopatrimóniofonográfico.”ResoluçãodoConselhodeMinistrosn.36/2019Finalmente,oacolhimentomaioremaisamploédadopeloProgramaNacional para a Coesão Territorial. O enquadramento do JardimSensorial de Castelo de Vide nos objectivos e eixos do ProgramaNacionalparaaCoesãoTerritorial éóbvio.O JardimSensorial éumapequena iniciativa local, não pode pretender preencher os requisitosde todo um Programa Nacional, mas pela ambição do Projeto temalgumaexpressãoemtermosdosObjetivoseEixostalcomodefinidosno Documento oficial do Ministério da Coesão Territorial, pelo queelencamosdeseguidaospontosconvergentes.“EIXOSdoProgramaNacionalparaaCoesãoTerritorialUMTERRITÓRIOINTERIOR+CoesoConstruirsistemascapazesdepromoverainclusãosocialeaequidadeatravés de uma maior igualdade de competências territoriais,promovendo uma melhor articulação entre a oferta de serviçosurbanos e rurais e propondo novos serviços em rede que valorizemvisões intersectoriais e interescalares, tendo em vista a qualidade devida.+CompetitivoAlargarascapacidadesdedesenvolvimentodosterritóriosdointerior,potenciandonovasestratégiasdevalorizaçãodosseusrecursos,ativose agentes, assim como a geração de maiores níveis de atratividade,afirmandoeconsolidandoumanovacompetitividade.+SustentávelPotenciaradiversidadegeográfica,integrandoapaisagem,osrecursosendógenos, o património natural e cultural em prol de uma maiorsustentabilidade, valorizandoos espaçosdemontanha, de fronteira eosterritóriosmaisperiféricos.

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+ConectadoReforçar a conectividade dos territórios do interior, facilitando a suainserção em espaços mais alargados, por forma a potenciar osrelacionamentosentreasbasesprodutivaslitoral-interior,defronteirae com a diáspora, gerando, assim, novas formas de articulação e deorganizaçãoparaacoesão,acompetitividadeeasustentabilidade.+ColaborativoPromovera transversalidadedaatuação interministerial, valorizandoas lideranças locais e a capacitação institucional, difundindoplataformas de diálogo e de cocriação, de experimentação eimplementação de políticas, em prol de processos inovadores degovernançaterritorial.”Agradecimentos

Antes de mais, os meus agradecimentos aos responsáveiseditoriais deMuseologia e Património, simbolicamente na pessoa doSenhorProfessorAlanCurcino,daUniversidadeFederaldeAlagoas,noBrasil, a origem do convite para redigir este Capítulo, uma simpatiaqueagradeçoatodos,emseunome.Umabraçograto.

Osmeus agradecimentos a todos os responsáveis, implicados,coniventes e cúmplices dessa fantástica aventura intelectual eemocionalquecontinuaaviver-seeadesbravar-seemCastelodeVide,umavilapequenaemtamanho[umaáreade264,9km²]epequenaempopulaçãoatual[cercade2300habitantes]masquefoieédealgummodo centro do mundo, de onde já irradiaram e irradiam pontosfulgurantesdeluz,deinsofismávelenergiaecriatividade,equealbergaatéumalendasegundoaqual-foi-nosdito-acriaçãodoMundoteriacomeçadoaqui,emCastelodeVide.Emparticularmasmaximamente,osmeus agradecimentos a João Palmeiro, Presidente do Conselho deAdministraçãodaFNSE-FundaçãoNossaSenhoradaEsperança,ecomeleosmeusagradecimentosa todosos responsáveise colaboradoresdaFNSE.

Tanbém,osmeusagradecimentosatodososresponsáveispelaorganização e realização do1st International Congress on Typhlology,emparticular e simbolicamentenapessoadonosso caríssimo colegaProfessor Augusto Deodato Guerreiro, uma personalidade ímpar nodomíniodaTiflologiaedaTifloCiência.

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Tanbém e ainda simbolicamente reunidos na pessoa doProfessorAugustoDeodatoGuerreiro,osmeusagradecimentosatodososresponsáveisecolegasdoCPTei,CentroPortuguêsdeTiflologia.

Os meus agradecimentos a Ana Assis Pacheco, pelos debatesprofícuossobreosconteúdosaquiapresentadosmastambémetalvezsobremaneirapelosesboços[sketches]etodososdesenhosoudemaisexpressões diagramáticas utilizadas na preparação deste capítulo,mesmoque,porrazõeseditoriais,nãotenhamsidoporfimutilizáveis.Semisso,aexposiçãodasideiasficariamsempremenosclaras.

OsmeusagradecimentosatodoseatudooqueéouadvémdaMuseologia,napessoadeMárioMoutinho,fundadorelíderdalinhadeMuseologia Social e SocioMuseologia na ULHT, em Portugal eporventuraalémfronteiras.

E, ainda que no clichê last but not least, os meusagradecimentos aos responsáveis e colegas do CICANT, Centro deInvestigação emComunicaçãoAplicada, Cultura eNovasTecnologias,daULHT-UniversidadeLusófonadeHumanidadeseTecnologiasBibliografiaCarvalho,C.(2011).OJardimSensorial:umRecursoparaaEstimulaçãoSensorialdeSurdoCegos.DissertaçãoapresentadaàEscolaSuperiordeEducaçãodeLisboaparaobtençãodograudemestreemCiênciasdaEducação, Mestrado em Educação Especial. Lisboa: InstitutoPolitécnicodeLisboa.CEV/MT,1aNewsletterdoCEV/MT.https://shoutout.wix.com/so/35NfLMxm.Chimenthi,B.(n.d.).Ojardimsensorialesuasprincipaiscaracterísticas.Consultadoem24deJunho,2021,dehttp://www.forumdaconstrucao.com.br/conteudo.php?a=16&Cod=130.Chimenthi,B.,&Cruz,P.(n.d.). JardimSensorial.Consultadoem25deJunho,2021,http://www.casaecia.arq.br/pequenos_jardins.htm.

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OBJETOSMUSEOLÓGICOS:

AESTRUTURADEUMMODELODEVALORAÇÃO

AntonioCarlosdosSantosOliveiraUniversidadedoEstadodoRiodeJaneiro,Brasil

https://orcid.org/0000-0001-9153-2720

MarcusGranatoMuseudeAstronomiaeCiênciasAfins,Brasil

https://orcid.org/0000-0003-1616-93131.Introdução Uma coleção pode ser descrita como um conjunto de objetos(obras, artefatos, espécimes, documentos arquivísticos, testemunhos,etc.) que a sociedade se responsabilizou por reunir, classificar,selecionareconservaremumcontexto,ancoradaemumtemaequeéexposta para o público. Para se constituir uma verdadeira coleção, énecessário que esses agrupamentos de objetos formem um conjunto(relativamente) coerente e significativo. A missão de um museutradicional é adquirir, preservar e valorizar suas coleções com oobjetivo de contribuir para a salvaguarda do patrimônio natural,culturalecientífico(ICOM,2006). A escolha dos objetos que farão parte desse patrimôniorelaciona-se com a atribuição de valores aos objetos por quem foiresponsável por essa seleção. Este artigo apresenta a estruturação esistematização baseada na normatização definida pelo InstitutoBrasileirodeMuseus-IBRAM9.Avaloraçãoéumaformadepriorizara

9OInstitutoBrasileirodeMuseusfoicriadopelopresidentedaRepública,LuizInácioLuladaSilva,emjaneirode2009,comaassinaturadaLeinº11.906.Anovaautarquia,vinculadaaoMinistériodaCultura(MinC),sucedeuoInstitutodoPatrimônioHistórico eArtísticoNacional (Iphan) nos direitos, deveres eobrigações relacionados aos museus federais. O órgão é responsável pelaPolíticaNacional deMuseus (PNM) e pelamelhoria dos serviços do setor –aumento de visitação e arrecadação dos museus, fomento de políticas de

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preservaçãoeosalvamentodosbensculturaisemcasodesinistro, jáqueépraticamenteimpossívelosalvamentoglobal. Na elaboração da pesquisa analisou-se os elementos deidentificaçãodeobjetosmuseológicosparaaconstruçãodomodelodevaloração, a partir da ontologia10 objetiva e subjetiva. A primeiraidentificadaatravésdaResoluçãoNormativaNº2,de29deagostode201411, determinando quais os elementos que deverão ser adotados

aquisição e preservação de acervos e criação de ações integradas entre osmuseus brasileiros. Também é responsável pela administração direta de 30museus. Disponível em: http://www.museus.gov.br/acessoainformacao/o-ibram/.Acessoem:06jan.2019.10 Parte da filosofia que considera o ser em si mesmo, na sua essência,independentementedomodoemquesemanifesta.[PorExtensão]Reuniãodeconceitos e definições; representação de um conceito compartilhado.[Informática]Técnicadeorganizaçãode informação,comorepresentaçãodeum conhecimento, buscando compartilhar e reutilizar essas informações.[Filosofia]Partedafilosofiaquesededicaaoestudodascaracterísticasmaisgerais do ser, separando-as das categorizações que ofuscam sua essênciaabsoluta. [Filosofia] Raciocínio sobre a significação mais geral do ser,exemplificando aquilo que faz com que seja possível as várias existências.Disponívelem:<https://www.dicio.com.br>.Acessoem:06jan.2019.11RESOLUÇÃONORMATIVANº02,DE29DEAGOSTODE2014PublicadanoDiárioOficialdaUniãoem1ºdesetembrode2014.Estabeleceoselementosde descrição das informações sobre o acervo museológico, bibliográfico earquivístico que devem ser declarados no Inventário Nacional dos BensCulturais Musealizados, em consonância com o Decreto nº 8.124, de 17 deoutubro de 2013. O PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS(IBRAM),nousodasatribuiçõesquelheconfereoart.20,IIeIVdoAnexoIdoDecretonº6.845,de7demaiode2009,considerandoodispostonosarts.3ºe4ºdaLeinº11.906,de20dejaneirode2009,enaLei11.904,de14dejaneirode2009,resolve:Art.1º-EstaResoluçãoNormativaestabeleceoselementosde descrição das informações sobre o acervo museológico, bibliográfico earquivístico que devem ser declarados no Inventário Nacional dos BensCulturaisMusealizados–INBCM,emconsonânciacomoDecretonº8.124,de17deoutubrode2013eaResoluçãoNormativanº1,de31dejulhode2014.(…)Art.3º-ParaefeitodestaResoluçãoNormativa,consideram-se:I-Osbensculturaisdecarátermuseológico-bensmateriaisqueaoseremincorporadosaosmuseus perderam as suas funções originais e ganharam outros valoressimbólicos, artísticos, históricos e/ou culturais, passando a corresponder aointeresse e objetivo de preservação, pesquisa e comunicação de ummuseu.

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paraumavaloraçãopreliminar.Aresoluçãoestabeleceoselementosdedescriçãodasinformaçõessobreoacervomuseológico,bibliográficoearquivístico.Easegundadizrespeitoàvaloraçãosubjetivabaseadanasignificânciadoobjetonomuseu. Delimitamosomuseu,napesquisarealizada,comoumespaçoconcreto com os limites baseados no espaço e tempo, duas variáveisque, quando controladas, podemdefinir as possibilidades emestudo.Paraavaloraçãoecriaçãodeumapolíticadepreservaçãoénecessáriaa compreensão do espaço físico em que o objeto esteja inserido, aanálisedosespecialistasqueexecutamagestãodoacervo,odossiêdoobjeto,espaçosdeexposiçãoeguarda.Porespaçoentende-seumlocalfinito, constituído por barreiras físicas de proteção, e por tempo umciclofinitodeexposição,controlado,assimcomorotinasdeverificaçãoperiódicas do estado de conservação para a manutenção máximapossíveldaintegridadefísicadoobjeto.Estascaracterísticasdeespaçoe tempo denotam um museu tradicional ortodoxo. A estrutura domodeloobedeceàscondiçõesiniciaisdessetipodemuseu,quepossuiestepadrãodecontrole,incluindohoráriodefuncionamento,museáliacompostaporobjetostridimensionaiserestriçãodeacessoàmesma. Com a catalogação realizada e analisada, assim como aqualidade das informações registradas, é importante verificar se éverdadeira a premissa: “Quanto maior a quantidade de informaçõessobreoobjetonoprocessodemusealização,melhor seráavaloraçãoobjetivadamuseália.”.Avaloraçãoépautadaem informações sobreoobjetomuseológico. Todas as inferências são sobre um único objeto,coisa, tangível, móvel e/ou imóvel. A partir do modelo, criou-se umfluxo de informações que estruturam a valoração dos objetos, coisas,emseuestadoinicial. O objetivo geral domodelo é produzir conhecimento sobre avaloração de acervos museológicos, levando em consideração osaspectos objetivos e subjetivos que possam ser estimados tanto deforma quantitativa, quanto qualitativa, e processados a partir de ummodelomatemáticoparaavaloraçãodoobjetodemuseu.Avaloraçãoéa compreensão da significância, dos valores individuais do objeto

Disponível em: http://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2014/09/ResolucaoNormativa2_INBCM.pdf. Acesso em: 06jan.2019.

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museológico, para que se possa dimensionar a representatividade dopatrimônio, sua penetração na cultura da sociedade e, o maisimportante, o indivíduo da sociedade precisa saber quais critérioslevaram o objeto “A” e não o “B” a ser o objeto museológico maisvaloradoouomenosvalorado.2.Aspectosteóricos Oconceitodepatrimônioculturalpermeiaa ideiadelegado,éum conjunto de bens patrimoniais herdados. O objeto transforma-seem patrimônio no momento em que se detecta sua representaçãosocial com o grupo a que pertença, e quanto maior a representaçãosocialmaiorserásuavaloração.Davallon(2002)afirmaqueaherançaimplicana ideiade algoquenos foi transmitidopor aquelesquenosprecederam e Dominique Poulot ratifica o conceito de patrimôniocomoelementodeherançaatravésdaseguintecolocação:

O direito romano, que formou uma parte daconsciência ocidental, define como patrimônio oconjunto dos bens familiares considerados nãosegundo seu valor pecuniário,mas na sua condiçãodebens-a-transmitir.Essa característicaodistingueinteiramentedosdemaisbens(…) (Poulot,2008,p.29)

Como conceito de patrimônio comoherança coletiva de umasociedade, compreende-se agora que a valoração se aplica aopatrimônio cultural.Noentanto, ao contráriodapropriedadedeumapessoa, o Estado brasileiro tem a obrigação de preservar, para asgerações futuras, o patrimônio cultural e o patrimônio natural. Essaherançacultural,naqualháuminteressecoletivo,nãopertencemaisaomovimentodastrocaseconômicas,havendoagoraumoutrotipodevaloração, pois o patrimônio cultural representa o conjunto de bensculturaisquepertencemànação. Davallon(2002)descrevedoismovimentos.Oprimeirosedáapartirdadescobertadoobjeto,econsistenasuaanálisecientífica,queatribuirá a “autenticidade” e a pesquisa será essencialmentereconstruircientificamenteumaligaçãocomomundodeorigem,uma

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análiseobjetivaquecertificaaautenticidadedoobjetoeofatodequeele nos conecta a um mundo que realmente existiu. O segundomovimento é a representação domundo de origem para o presente,atribuindo ao objeto o status de representante de uma parte darealidadedomundodeorigemeparatalreconhecimentoérealizadaaanálisesubjetiva. Um modelo estruturado de valoração auxilia na análise dosvalores atribuídos aos objetos museológicos, apresentando comorespostavaloresauditáveisatravésdosomatóriodasparametrizaçõesrealizadas pelos especialistas do museu e em conformidade com apolíticadepreservaçãodoacervomuseológico.Estasprimeirasregrasnecessitam de revisão constante e de forma recursiva. Dentro desteconjunto de informações, inseridas nomodelo de valoração, existe aformulação de significados em que se estabelecem as interpretações,recepções,representaçõeseanálisedevalores,sendodiagnosticados:oacréscimo e decréscimo de valor; a diversidade da valoração; osconflitosdavaloração;assimcomosupressão,superposiçãoeevoluçãodevalores.

Definir o valor baseado nas características extrínsecas doobjetomuseológicoéimportanteparaacompreensãodeseucontextohistóricoeparaavaloraçãopelasociedadequepossuioobjeto.Pode-sequestionarseumobjeto,analisadoporummodelo,écompreensivoà valoração em função das imagens, crenças e comportamentossimbólicosquerepresentamalgumtemahistórico,científico,artísticoesocial. Os temas, ideias fontes, conceitos e imagens dos objetos sãoancorados em classes de discursos, temas, que se referem àsrepresentaçõessociais.Aobjetivaçãomarcaotrabalholinguísticoquelimita o campo de ação do tema ancorado e as leis protocolam asatribuiçõesquecadaobjetorecebe,legitimandoasargumentações:naretórica comum; no senso comum; nas representações; nos modoscomunsdejustificaçãoecrençasconfirmadorasbaseadosnateoriadasrepresentaçõessociaisdeSergeMoscovici(2015). O objeto valorado, identificado, longe dos riscos deapagamento,oudoesquecimento,possuipotênciapara serdifundidopela sociedade e até mesmo influenciar outras culturas. Um objetodeve sempre possuir o maior valor de potencial cultural, para quedesta forma seja o elementomais representativo nas representações

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sociaisequepossaassimfortaleceracultura.SegundoRandallMason,em Economics and Heritage Conservation: Concepts, Values, andAgendasforResearch(1988,p.2),medindoopatrimônioemtermosdepreço, os modelos econômicos tradicionais falham ao analisar opatrimônio e a conservação. Esses modelos são projetados paraexpressartodososvaloresemtermosdepreços,quesãoestabelecidosnosmercados. No entanto, todos os valores patrimoniais não podemser colocados em um único e tradicional quadro econômico e nemtodospodemsermedidosemtermosmonetários. Amusealizaçãonãoterminaquandooobjetosetornamuseália.A musealização prossegue em um processo contínuo analisando asinterações entre o objeto, agora museália, e o tema do museu,procurando identificar se os valores atribuídospara as categorias doobjetomuseológicopermanecemcomuma tendênciapositiva, neutraou negativa. A tendência positiva de valoração pode ser entendidacomo um objeto que após o processo de musealização aumenta ainteraçãocomasociedade.Jáaneutralidadedizrespeitoaoobjetoquemantémconstanteasuasignificânciaevaloração,desdeomomentoderegistroatédepoisdeváriasinteraçõescomogrupoaquepertença.Atendência negativa pode ocorrer quando a valoração das categoriasatribuídas para o objetomuseológico tende a ser nula refletindo umdesuso,umdescaso,uma faltade interessepeloobjetoquepertenciaao“processoculturaldasociedade”eagorarepresentapoucosvaloresdasociedade.3.Categorização,ressonânciaeaderênciadoobjetomuseológico A ressonância é um termo desenvolvido pelo historiadorGreenblatt (1991) e por ressonância entende-se que um objetomuseológicoexpostopodeatingirumuniversomaisamplo,paraalémdesuasfronteirasformais,opoderdeevocarnoexpectadorasforçasculturaiscomplexasedinâmicasdasquaiseleemergiuedasquaiseleé,paraoexpectador,orepresentante.(Greenblatt,1991,p.42-56).Umpatrimônio cultural museológico não depende apenas da vontade edecisãopolíticadeumaagênciadeEstadoetampoucodependeapenasdeumaatividadeconscienteedeliberadade indivíduos.Énecessárioapresentarrepresentaçõessociaiscomressonânciaaotemadomuseu.Os objetos museológicos que compõem um patrimônio precisam

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encontrara‘ressonância’juntoaseupúblico(Gonçalves,2005,p.214),o patrimônio culturalmuseológico deve ser rememorado pelo gruposocialepercebe-sequesemaressonânciaincorre-senapossibilidadedo apagamento e esquecimento, o que implica negativamente nasalvaguarda do patrimônio cultural museológico para as geraçõesfuturas. O termoaderência (Borges&Campos,2012) édefinido comoum elemento que os autores descrevem como complementar paraidentificar o quanto este objeto encontra-se em uso, dentro de suafinalidadeprimáriaouabstraídodesuafunçãoparaumanovafunção.A ressonância indica a atração pelo significado do objeto de museu,enquanto a aderência possui relação direta com a prática cultural,podendo ser verificado, por exemplo, se um objeto litúrgico aindaestabelece uma relação de uso com a comunidade local em datascomemorativas. A união da ressonância e da aderência expressam aidentificaçãodeobjetosfamiliaresedaapropriaçãodestesobjetosporquemosproduzequesocialmenteinterajamcomeles.Aressonânciaeaderência possuem referências com o contexto da coleção, podendoexpressaroquantoasreferênciasestãoligadasaocontextodoacervoedomuseu.Umarevistaemquadrinhospodepossuirressonânciaàumabiblioteca de obras raras de manuscritos do século XV, porémapresentarábaixaaderênciaparacomoacervodoséculoXV. Os conceitos ressonância e a aderência expressam os valoresrelativosdaidentificaçãodeobjetosfamiliaresedaapropriaçãodestesobjetos por quem os produz. Possui referências com o contexto dacoleção, podendo expressar o quanto as referências de ressonânciaestão ligadas ao contexto da coleção e da instituição. E sãodefinidosparaasoluçãodamodelagem. Nomomentoemqueumobjetoécomparadoaoparadigmadeuma categoria ou tema, o objeto adquirirá as características dessacategoria.Umavezclassificado,qualquerideiaposteriorfarácomquehajaumreajustenacategoriaadequando-seaosistemadevaloração.Osobjetosmuseológicose suas categorias serãodefinidos comoumaentidade que possui atributos para valoração. A entidade “A”, ou aentidade de tipo “A”, possui tantos atributos quantos foremnecessáriosparadefiniravaloraçãodentrodaquelasociedade.Eseusatributos poderão se relacionar com os atributos de outra categoria,

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paraquesepossaidentificarograudecorrelaçãoentreosobjetosdeumamesmacoleçãoeseexisterelacionamentoentreacervosdistintos.Cadacategoriapoderáreceberumaatribuiçãodevaloreosomatóriode todos os atributos deverá ser menor ou igual ao valor total dosatributos definidos pela equipe de valoração do patrimônio. Nestesentido, a estrutura do processo demodelagem é estabelecida comoumamatrizdeatributos. Paradeterminarcoerentementeosvalores,oresponsávelpeloregistro do objeto fica obrigado a realizar uma anamnese12 desteobjeto para identificar se as características culturais do objeto e ocontexto cultural em que esteja inserido possuem ressonância eaderência com o grupo social a que pertença. Esta anamnese e opreenchimento da ficha catalográfica são importantes para omodelomedir amétrica da quantidade e qualidade das informações sobre oobjeto. Configuram-se no campo museal novas ferramentas paraqualificarenormalizaravaloraçãodoobjetoapósamusealização.Umadelas, depois de identificada sua ressonância e aderência, é a suasignificação,seuvalorabsoluto,dascategorias identificadascomseusatributosvalorados.Acompreensãodasignificânciadofatocultural13,

12 Anamnse: [Filosofia] Platão. Ato de recordação emque o próprio filósoforedescobredentrode si - suasverdades intrínsecas, e relembraumperíodoanterior à sua existência experimental. [Retórica] Durante um discurso,momento em que o narrador recorda os fatos, anteriormente, esquecidos eacha conveniente informar naquele momento de sua fala. Liturgia. Oraçãorealizada nas missas, após a elevação, que recorda os acontecimentos dasalvação de Cristo. [Medicina] Conjunto das informações recolhidas pelomédico a respeito de um doente e de sua doença. Neste caso o termo éutilizado pela museologia assim como na medicina. O “paciente” damuseologia é o objeto a ser musealizado. Disponível em:https://www.dicio.com.br.Acessoem:26set.2019.13 A função da linguagem é comunicar, representar emoções. Ela é um fatocultural,poisédesenvolvida justamentenasociedade.As línguassealteramde regiões para regiões através das gírias. O papel da cultura nodesenvolvimento da sociedade está no passar conhecimento através deescritos. Logo o objeto fruto de uma determinada sociedade, dotadalinguagemprópria,éumfatocultural.Etrataremosoobjeto“coisa”candidatoàmuseália como fato cultural, pois todo o bem cultural é oriundo de umadeterminadalinguagem.

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se processa através do método de valoração, sendo neste momentodeterminada pela qualificação das categorias e seus atributos devaloração, distribuídas nos seguintes rótulos de significância ALTA,REGULARePEQUENAeseusrespectivosvaloresabsolutos. A análise objetiva e subjetiva é um prelúdio da estrutura domodelo de valoração e sua construção ao longo da pesquisa. Mas,claramente, pode-se identificar os elementos objetivos em uma fichacatalográficadeummuseu,paraposterioridentificaçãodoselementossubjetivos. As propostas apresentadas não qualificam a questão daobrigatoriedade sobre a conservação para longevidade do acervo,somente para um tratamento seguro do acervo. Sendo assim, avaloraçãoéimportante,pois,quandoqualificado,oobjetomuseológicositua-se com seus respectivos graus de valoração determinando aprioridadenosplanosdeaçãodeemergência,depreservaçãooualgumtratamentoespecíficodeconservação. Apartirdaconstruçãodomodeloépossíveloprocessamentodosvaloresatribuídospelosespecialistasdoacervo.Paralelamente,ousode sistema informatizado,modeladoparaatenderà valoraçãodeacervos museológicos, propicia um aumento na velocidade nahierarquizaçãodosacervosquereceberãooprimeiroatendimento.Damesma forma, é útil para auxiliar na auditoria e rastreabilidade denovosinventários. Para a preservação do objetomuseológico deve-se identificarascaracterísticasfísicasdoobjetoparaasnecessidadesdeconservaçãoe suas características extrínsecas de caráter subjetivo, como arepresentação do objeto com a narrativa do museu. A Museologiaclassifica os objetos em função de uma ontologia orientada para anarrativa. Assim, o inventário é uma das ações de preservação; olevantamento inicial é a “valoração” do acervo, para a percepção daestrutura do acervo, direcionando a preservação do patrimônioculturalmuseológico. Sobre os problemas de avaliação e atribuição de valor para apreservação da museália, identifica-se em Assessing Values inConservation Planning: Methodological Issues and Choices, escrito porMason (2002), que a preservação do patrimônio émelhor entendidacomo atividade sociocultural, não simplesmente uma prática técnica.Istoenglobamuitasatividadesqueprecedemeseguemqualqueratodeintervençãoparaapreservação.Éimportanteconsideraroscontextos

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de um patrimônio como projeto de preservação – social, cultural,econômico, geográfico e administrativo. A motivação que leva àpreservação do patrimônio cultural museológico parte de umaprimeiravaloração, indicandoanecessidadedeguardaepreservaçãodoobjeto.Oscomponentesdevalorindicarãoparaogrupodetrabalhodomuseucaminhospararealizaratarefademusealizaçãodoobjeto. Deve-seperceberque, dependendodadefiniçãoda valoração,haverá a separação de objetos de grandes dimensões, estado deconservação,tipodematerial/técnica,comonãosendorelevantesparaa coleção. O modelo descartará os objetos com características nãoadequadasparaseremanalisadosconformeapolíticadomuseu.Umaescolha desalinhada com o tema do museu, no momento daparametrização, levaria a uma valoração inválida e até a umdesperdício de recursos, em função de descartes ou aquisiçõesdesnecessárias. Portanto, antes da parametrização, é necessário oconhecimentoprofundodotemadomuseu. O estudo de valores é uma maneira útil de entender oscontextoseaspectossocioculturaisparaapreservaçãodopatrimôniocultural museológico. Os valores patrimoniais são, por natureza,variados e estão frequentemente em conflito. Modos tradicionais deavaliara“significância”estãofortementeligadosaostemashistóricoearqueológico,noçõesmantidasporvezespelosprofissionaisdemuseue que podem ser atribuídos valores inautênticos. A consideração devalor venal ainda é um item de atribuição de valor que interfere napreservaçãodoobjetomuseológicopelomotivodepodersesobreporàsoutrascategoriasdevalores.4.Aaxiologiaevalores Para fundamentar o valor dentro daMuseologia é necessáriovisitarateoriademercadoriaeseuvalor,inseridanoCapital,Livro1,de Marx (1867). No mundo real uma mercadoria possui duascaracterísticas: a primeira é ser indispensável para o grupo social, ovalordeuso,mesmonãoestandoimplícitoencontra-seadjacenteàsuautilidadeparagarantirovalordeuso;asegundaéovalordetroca,queé medido pelo tempo de trabalho socialmente necessário, o tempopadrão, para produzir amercadoria. Alteram-se os valores do objetoatravésdamusealização.Amusealidadeatribuíumavaloraçãodetroca

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entre museus, agora medido não pelo tempo de trabalho, mas pelaaderênciaeressonânciaaotemadosmuseus. Para o estabelecimento do valor de um objetomuseológico énecessário separar os dois espaços, o primeiro, o mundo real, domercado especialista constituído, seja de arte, de numismática, dearmamentoetc.eoespaçomuseuemqueoobjetomuseológicopossuimusealidade.Comooobjetoestáincorporadoaomuseu,ovalordeusosetransforma,passandoapossuirumasingularidade,comressonânciaeaderênciaparaasociedade,assim,ovalorvenalnãoérelevante,poisoobjetomuseológicopertenceaomuseueàsociedade. Um objeto de museu, obra de arte, como a de Portinari,contendoorigemeautoria,possuicorrespondênciadiretacomoutrasobrasdeartedoautornomercadoespecialistadearte.Assim,aobradePortinaripoderia,senãofosseumobjetodemuseu,servaloradaemfunção da atribuição de valor venal existente no espaço domercadoespecialista.Noentanto,umacartadeumoperárioquetenhaauxiliadoPortinari poderá não possuir um mercado especialista que permitacorrelacionar e atribuir um valor venal para este objeto. Mas talvezeste objeto garanta a autenticidade da pintura de Portinari, sendo oelementoprincipaldodossiêdoobjeto. A Axiologia, que é referente ao campo da Filosofia, avalia aatribuiçãodevaloresmédiosdeumasociedade.Logoapósotrabalhode seleção no museu, os objetos passam a compor um acervo pararepresentarumestratoda sociedadee, por fim, serparte integralnadifusão dos valores atribuídos. Pode-se compreender que umaexposição museológica promove também uma difusão de valores dequem a produziu, através da transmissão dos significados destesobjetoscomomuseuondeencontram-seacondicionados. Osobjetosainda coisas seancoramemum tema,umassunto,uma narrativa, que se entende como a prática social voltada para asartes,ciências,saúde,religião,vidae/ouqualqueroutroenunciadoquefaça parte do cotidiano da sociedade, que materializa seuspensamentos, ideias, em bens móveis e imóveis. Esses temas dãoorigem aos objetos e possuem atributos intrínsecos e extrínsecos devaloração. Um exemplo são os objetos religiosos, produzidos para aatividade litúrgica, que são frutos da necessidade de auxiliar oucomporofazerreligioso.

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Aformadeprodução,asrepresentaçõessociais,ofazersocialeasrelaçõessociaiscriamconexõeseinterconexõesnosindivíduosqueparticipamdas atividades culturais, religiosas, cívicas etc.Dentrodosrelacionamentos, encontram-se as atribuições de valores que seoriginamda somadas representações sociais do grupo. Sendo assim,tende-seàpermanênciadevaloresquepodemsealterarao longodotempo em função do grupo social ou de valores transitórios quepermanecemenquantooobjetopossuirrelaçãocomotemadomuseu. Segundo Nildo Viana (2007), numa sociedade os valoresinautênticossãoatribuídosporumaclassedominante,quecontrolaoprocesso econômico, político e cultural. Um grupo social dominantepodecriarcamadasdevaloresquesereferenciamaomododevidaquese pensa ser adequado para toda a sociedade. Separando os valoresautênticos dos inautênticos, percebe-se que pode existir umaimposição na formação das coleções de museus, pautada na luta declassesquecompõemocorpotécnicodomuseu. Os termos valores autênticos e valores inautênticos são adefinição para a compreensão dos valores que se alteramgradativamente em função da dinâmica cultural dos valorestransitórios.SegundoViana:

O valor é algo significativo, importante, para umindivíduo ou grupo social. Os valores, porconseguinte, são o conjunto de “seres” (objetos,ações,ideias,pessoas,etc.)quepossuemimportânciapara os indivíduos ou grupos sociais. Portanto, sedissermos que algo é um valor, queremossimplesmente dizer que ele é significativo,importante.(Viana,2008,p.17-18)

Osvaloresautênticossãoasatribuiçõesdesignificaçãoparaosobjetos que possuam uma ligação com a sociedade. A partir de umavisão de uma sociedade “x” que produziu o objeto “y”, percebe-se arelação ativa deste tipo de objeto como elo cultural. Seu valor éexpresso pela vontade de todos do grupo ou da maioria,caracterizando-seassimcomoumvalorautênticodasociedade. Osvaloresautênticossãonormalmenteconstruídosdentrodoseio da sociedade. Cada construção de valores autênticos é uma

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representação social, ancorada no tema do museu em que se estejadesenvolvendo, em conjunto com as práticas da sociedade. Estesvalores autênticos alteram-se de forma gradativa em função daressonânciaeaderênciaqueasociedadeirradiaemrelaçãoaotema.Jáos valores inautênticos apresentam-se de forma transitória, pois, acriação e o fazer podem ser impostos ou não possuírem ressonânciae/ou aderência com o tema. Assim, não seria gerado o grau derelevância do objeto para o grupo e temporariamente não receberiaumaatribuiçãodevalorcomoadosobjetosatreladosaostemasequepossuemvaloraçãoautêntica. O que contextualiza a ligação entre o tema da sociedade e avaloração do objeto são as representações sociais que tratam daintensidade de ligação entre o objeto e o tema ao qual pertença.Descobrir os valores autênticos e inautênticos, valores transitórios epermanentes com alterações graduais, é função do especialista nomomentodacatalogação,identificandoesomandoomaiornúmerodeinformaçõespossívelacercadoobjetoparaaformaçãododossiê. A ancoragem e objetivação, ou os dois processos, geram asrepresentaçõessociaisquesãoastransformaçõesdepensamentosemobjetos concretos e tangíveis. Tais objetos devem ser ancorados nostemas a que pertençam e às ideias que as geraram. Os objetos sãocoisas estranhas e perturbadoras, que se transformam em algoreconhecívelemnossosistemaparticulardecategoriaseoscomparamcom um paradigma de uma categoria que nós pensamos serapropriada.É como “ancorar”uma “faca” emuma “cozinha”denossoespaçosocial. Umobjetomuseológicoestarásempreatreladoaotemaemquese encontra ancorado. Sendoassim, ocorrendoalteraçãona estruturade representações sociais do tema a que pertença o objeto, a suavaloração poderá sofrer alterações. Portanto, é necessário, com umadeterminada frequência, a ser definida pelo curador do acervo, areavaliaçãodavaloraçãodoacervo. Partindo do pressuposto de compreender em que área doconhecimentoou tema emqueomuseu esteja inserido, pode-se, porBourdieu (1989), identificar um sistema de poder que delimita eprotege o conhecimento de um espaço do saber, determinando a‘propriedade’ e ‘valores’ de um tema associado e de um enfoqueespecializado que, deste modo, formaliza-se como marca de

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“distinção”, istoé, “posição” indicativadaexclusividadedeumespaçodoconhecimento. Os signos identificadoresdas tomadasdeposiçãodos camposestabelecem as diferenciações dos predicados atribuídos a áreas,agentes ou elementos e estão ligados à aquisição e ao comando da“competência” (exemplos: critérios, normas), do “capital cultural” (osaber específico construído e reconhecido), entre outros valoresrepresentativos da legitimidade do reconhecimento e da autoridadequeéoutorgadoprópriocampo. São personagens do museu que lidam diretamente com oacervo: omuseólogo, o conservador, o curadorouo especialista, queconhecem acerca do objeto museológico. São profissionais quepossuem respeitabilidade por suas qualidades e posição funcionaldentro do museu para mediar a narrativa, o objeto e o grupo deprofissionaisdeoutrasáreasdomuseu.Estepersonagem,responsávelpelo acervo, possui um códigode éticapróprio.Quedeve, segundooCOFEM (1985), no caso dos museólogos, observar os princípiosmuseológicos, servir à coletividade, respeitar as atividades de seuscolegas e de outrosprofissionais, bem comoas leis e normas fixadaspara exercício de sua profissão nos Estatutos do ConselhoInternacionaldeMuseus–ICOM/UNESCO.Paraavaloraçãodoacervo,ocódigodeéticaenormasdeprocedimentosdentrodomuseudevemestarplenamenteestabelecidosparaevitarequívocosdeclassificaçãoevaloraçãodoobjetoemanálise.5.Aestruturadomodelodevaloração Aestruturademodelodeclassificaçãooraapresentadopossuiuma singularidade na classificação do museu que abriga umdeterminado patrimônio museológico e possui relacionamento comuma determinada área do conhecimento, contendo uma finalidadeeminentementeprática,objetivandoproporcionarumamaneiraágilefuncionaldesistematizarerelacionaraáreadeatuaçãodomuseucomotema.

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PartindodoestabelecidopelaCAPES14paraaorganizaçãodasÁreas do Conhecimento, verifica-se uma hierarquização em quatroníveis, domais geral aomais específico, e abrangendo nove grandesáreasnasquaissedistribuemas48áreasdeavaliação.Utiliza-seestasáreasdeavaliação,porsuavez,agrupadasemáreasbásicas(ouáreasdo conhecimento) para classificar a áreade atuaçãodomuseu. Estasáreassãosubdivididasemsubáreaseespecialidades:1ºnível-GrandeÁrea-aglomeraçãodediversasáreasdoconhecimento,emvirtudedaafinidadedeseusobjetos,métodoscognitivoserecursosinstrumentaisrefletindo contextos sociopolíticos específicos; 2º nível – Área doConhecimento (Área Básica) - conjunto de conhecimentos inter-relacionados, coletivamente construído, reunido segundo a naturezado objeto de investigação com finalidades de ensino, pesquisa eaplicações práticas; 3º nível – Subárea - segmentação da área doconhecimento (ou área básica) estabelecida em função do objeto deestudoedeprocedimentosmetodológicosreconhecidoseamplamenteutilizados; 4º nível – Especialidade - caracterização temática daatividade de pesquisa e ensino. Uma mesma especialidade pode serenquadrada em diferentes grandes áreas, áreas básicas e subáreas.Paracompatibilizaçãotemáticautiliza-senamodelagematéosegundonível. Na Figura 1, a seguir, representou-se somente até o segundonível. Apré-classificaçãodomuseuatravésdaáreadeconhecimentopode colaborar para efetiva e clara comunicação da informaçãoespecializada entre pares e demais usuários dos serviços e produtosmuseológicos; em razão da categorização elaborada permitirá a suarepresentação pormeio do agrupamento dosmuseus em temas comsignificaçãocontrolada.Paraaconstruçãodaclassificação,utilizou-seosistemadeassuntosISBN.Criadoem1967eoficializadocomonormainternacionalem1972,oISBN-InternationalStandardBookNumber-éumsistemaqueidentificanumericamenteoslivrossegundootítulo,oautor,opaíseaeditora,individualizando-osinclusiveporedição.

14 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior é umafundaçãovinculadaaoMinistériodaEducaçãodoBrasilqueatuanaexpansãoe consolidação da pós-graduação stricto sensu em todos os estadosbrasileiros. Criada em 1951. https://www.capes.gov.br. Acesso em 25 ago.2019.

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Figura1-ÁreasdoConhecimento(ÁreaBásica).Fonte:gráficoelaboradopelosautores O sistema ISBN é controlado pela Agência Internacional doISBN,queorientaedelega funçõesàsagênciasnacionais.NoBrasil, aBibliotecaNacionalcoordenaesupervisionaasatividades técnicasdaAgênciaBrasileira do ISBN15, emparceria coma FundaçãoMiguel deCervantes, responsável pela gerência administrativa e pela interfacecomaAgênciaInternacional.Apartirde1ºdejaneirode2007,oISBNpassou de dez para treze dígitos, com a adoção do prefixo 978. Oobjetivo foi aumentar a capacidade do sistema, devido ao crescentenúmero de publicações, com suas edições e formatos. A Tabela 1apresenta um fragmento da compilação de assuntos do ISBN e naprimeiracolunaocódigoISBNesuadescrição.Anumeraçãoéutilizadaparamanteracompatibilidade.Tabela1-AssuntosISBN

003 Sistemas

004 CiênciadaComputação

010 Bibliografiasecatálogos

028 Literaturaeleituracomplementar

028.5 Literaturainfantil

060 Organizaçõesgerais(academias;fundações;associações)

069 Museologia(Ciência)

070 Jornalismo;Publicidade;Jornais

090 ManuscritoseLivrosraros

100 Filosofiaedisciplinasrelacionadas

133 Parapsicologia(Ocultismo;Espiritismo)

150 Psicologia

200 Religião

264.23 Hinos

15BibliotecaNacional,http://www.isbn.bn.br/website/.Atabeladeassuntosencontra-se em http://www.isbn.bn.br/website/tabela-de-assuntos. Acessoem:04set.2019.

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Fonte:elaboradopelosautores Desta forma, com os itens apresentados, pode-se propor umsistemade classificaçãoparamuseus contemplandoassunto (ISBN)eáreado conhecimento (CAPES), que resultamno temadomuseu.Emrelação ao tema do museu, um determinado objeto é comparado aoparadigmadeumacategoriaeseráverificadaapertinênciadoobjetocomascaracterísticasdessacategoria.Umavezclassificado,qualquerideia posterior fará com que haja um reajuste na classificação emrelação à categoria, adequando-se ao sistema de valoração. O objetomuseológicoesuascategoriasserãodefinidascomoumaentidadequepossui atributosparavaloração.Aentidade “A”, oua entidadede tipo“A”, possui tantos atributos quantos forem necessários para definir avaloração dentro daquela sociedade. E seus atributos poderão serelacionar com os atributos de outra entidade, para que se possaidentificarograuderelacionamentoentreasentidadesdeumamesmacoleçãoeseexistecorrelaçãoentreacervosdistintos. Naestruturadomodelo são criadasas classesqueexpressamasentidadesquedescrevemosobjetosmuseológicose,noprocessodeclassificação, é eliminadaaparteda individualidadedoobjeto, sendoconsideradocomoumexemplardeuma“classepadrão”.Quandosefazisso, aceita-sequeesseobjetoéagorauma instânciadeumaclasseeestá relacionada a um tema. Na Tabela 2, a seguir, define-se ahierarquia entre o objeto, a categoria e a nota de aplicação,apresentandoadescriçãodoobjetoemrelaçãoàclasseaquepertença.Utilizandoobjetosmuseológicoseclassificando-oscomostesaurosdomuseu,pode-seagora identificar, emprimeiraavaliação,a relaçãodacategoria do objeto e a nota de aplicação com o tema do museu,baseado na seguinte ordem, Figura 1 – área do conhecimento (áreabásica)eTabela1–deassuntosISBN. Com a Tabela 1 – de assuntos ISBN, pode-se caracterizar,utilizando os tesauros, a relação do objeto com o tema domuseu. Éimportantenotarque,navidareal,umobjetopodepertenceraváriasclasses.Todasascaracterísticasdeumacategoriarepresentamaclasseà qual o objeto pertença. A classificação é ummecanismo básico doraciocínio humano. Talvez seja o que nos permita tratar de todainformaçãoquerecebemosdiariamente.AssociandoaFigura1 -áreadoconhecimento(áreabásica)-esegundoFerrez:

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Tabela2–TesauroseotemamuseuObjetomuseológico

SCA–Categoria/subcategoria

NA–NotadeAplicação Tema em relação aomuseu

Pintura 060616 ObjetosAssociados às ArtesPlásticas e aoDesenhoTécnico

Objeto sobre o qual sefixam pigmentos ououtros materiaismediante distintosprocedimentospictóricos com um fimessencialmenteestético.A pintura é, antes detudo, um objetoelaborado por umapessoa,àsvezesporumgrupo, e caracterizadopor uma técnica querevela sua época ou,ainda, as opções de umartista.

CAPES – 80000002 -Linguísticas, Letras eArtes / 80300006 -ARTES / ISBN 750 –PINTURA

Termógrafo 0510 EquipamentosdeMedição

Termômetro queregistra continuamentenum gráfico os valoresmedidos datemperatura.

CAPES – 10000003 -Ciências Exatas e daTerra / 10500006 -Física / ISBN 600 -Tecnologia (Ciênciasaplicadas)

Fonte:elaboradopelosautores.

Entretanto, fugindo à regra de subordinar cadatermo a uma única categoria, encontramos algunspoucos casos como facão e peixeira, incluídos emarmaseinstrumentosdetrabalho;esinoecencerro,em objetos de sinalização sonora e instrumentosmusicais.(2016,p.8)

16Número do tesauros museológico disponível em:<http://tesauromuseus.com.br/>.Acessoem:06jan.2019.

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Normalmente,emtesauros,pode-seidentificaraquantidadedeclassesaqueumobjetomuseológicopertença, epara tal, utiliza-seaanálise da função do objeto museológico de modo a facilitar apercepção da composição ou agregação (é feito de, é parte de).Entende-sequeumobjetomuseológicocomplexopodeserformadodeum conjunto de outros objetos, entendendo o conjunto como um sóobjeto. É como se percebe uma bicicleta ou um carro. Ao eliminar anecessidade de descrever as partes, simplifica-se a compreensão doobjetoanalisado. Umavezestruturadaa formadeancoraroobjetocandidatoaserobjetomuseológicoparapreservação,deve-sevalorarosaspectosde representação social. Para o processo de musealização, oprofissional estuda como proteger, acondicionar, guardar, analisar,aumentarotempodeintegridadedoobjetoerecuperara informaçãoabstraindo a forma e tipo. Porém, para o museu receber os objetosimplica em diagnosticar seu valor de representação social, agoraancoradoemumtema,devendoverificarseestetemaespecíficopossuirelaçãocomotemadomuseu. Quantomaior o número de classes17 a que o objeto pertença,maiorserásuavaloraçãoousignificância.Umavezdefinidosostemasdos museus, constrói-se o caso de uso para um museu tradicionalortodoxo. Em função das atividades de um museu, descreve-se asfunções: aquisição, classificação e documentação; valoração; econservação.Aanálisedaintegridadefísica(Vasconcelosetal.,2017)18é determinada através dos parâmetros axiológicos para valorar se aestrutura física do objeto em musealização corresponde àsnecessidadesdomuseuqueexecutaaprimeirainteraçãocomoobjeto,aindaqualificadocomocoisa,inclusivepeloaspectojurídico. Os indivíduos possuem formas de atribuição de valores porvezes conflitantes, subjetivas, que podemavaliar umobjeto de forma“A”e, temposdepois,de forma“B”, sendo“A”e “B”conflitantesporse

17Entidadelógicaquepossuicaracterísticasefunçõesquesatisfazemacertasregras,equesepoderepresentarintuitivamentecomoumacoleçãodeobjetosmuseológicos.18A integridade física, conceitual e cultural é tratada por Carret e Granato(2017)em“Anoçãodeintegridadeaplicadaàconservaçãoerestaurodebensculturaismóveis:algunsantecedentesedesdobramentos,Rev.CPC,SãoPaulo,n.23,p.93-113,jan./jul.2017”.

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tratardeumúnicoobjeto,epodendoseraforma“B”omododelevarauma desvaloração ou supervaloração. A forma e método devem serúnicos para manter os processos e procedimentos replicáveis econstantes. É necessário pontuar, ancorar o momento da valoração doobjeto, congelar a realidade observada e, a partir dos parâmetrosobservados, reconstruir o cenário e analisar os movimentossocioculturaisparadetecçãodacontinuidadeourupturadarelaçãodasociedade local ou global com a entãomuseália constituída. Algunsvalores se sobrepõem a outros valores, dependendo do grupodominante que fará a imposição de sua perspectiva axiológica. Acompreensão da sobreposição de valores depende do referencial dadinâmica cultural e se este referencial serámanipulado. Este tipo deestudo,objetoaobjeto,éumatarefadecaráterdepesquisa,deformacontínua, e sem possibilidades de automação ou modelagem, emfunçãodaquantidadedevariáveisaseremanalisadas. NoâmbitodaMuseologia,duranteoprocessodemusealização,a definição de metadados para a valoração é complexa e imprecisa,devido ao grau de subjetividade que algumas informações agregam.Comoexemplo,emfunçãodovalorvenaldemercadodomaterialquecompõeoobjeto,estepassaasermaisoumenos“representativo”dacoleção, o objeto pode ser atribuído como o mais “importante” dacoleção e outros objetos, que representam o tema do museu, seremcategorizadoscomumvalormaisbaixoimpedindoumahierarquizaçãoadequadadosvaloresdamuseália. A definição do objeto museológico e determinação damusealidade são ações estruturantes que delimitam e permitem aanálise do objeto. Para tanto, é necessária uma estrutura deinformações.Todooobjetopossuiumarelaçãoespaço temporal comum ou vários locais de interesse. Este interesse é relevante para atemática da instituição, esta relação é valorada de forma qualitativa,baseada em regras estabelecidas pelo grupo que gerencia o museu.Esteobjetorecebeaatribuiçãodeobjetomuseológico. Alimitaçãodouniversodediscursosobreosmetadadoséumaformadecontrolarasaídadosresultadosdamodelagem.Porindução,pode-seafirmarquetodososmetadados,candidatosparaomodelodevaloração,possuemumconjuntodevaloresrelativosmaioresouiguaisa zero e serão atribuídos no momento de identificação dos dados

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associados. Os metadados passam a ser qualificados conforme avaloração, para que se tenha uma normalização, no momento daclassificaçãodograudepertencimentodo itemanalisadoparacomomuseu que o possui. Um objeto que possua fortes ligações com acultura local poderá possuir valor excepcional, garantindo altaspontuações. A abstração facilita a construção de modelos de análise,diagnóstico e valoração, levando à implementação de métodoscientíficos para aplicação em um mundo real que apresenta umadiversidade de tipos de objetos com origens distintas. Definir ascategorias do inventário como um modelo é importante para aprimeiratriagemdeobjetoseposteriorcompreensãodeseucontextohistórico, para a valoração pelo museu que o possui, além dapossibilidade da comparação entre coleções, acervos e suasrepresentaçõessocial,local,regionaleglobal. No momento do registro inicial do objeto, o modelo jáconfigurado, responde à valoração quantitativa dos acervosmuseológicos de forma a auxiliar na política de preservação dosmuseus, pois, em função das diretrizes da política de aquisição domuseu, o agente responsável pela parametrização obtém uminventário,valoradodeacordocomotemadomuseu. As categorias de patrimônio nos museus devem possuir umvocabuláriocontroladoparadelimitarotipodemuseáliaasertratada.Assim, faz-se necessário definir as categorias de valoração para aconstrução de uma correlação entre as definições e os metadadospropostos pelo IBRAM, com os metadados e classes relativas aostesaurosmuseológicoadotadospelomuseu.Estaconstruçãosebaseianosomatóriodositensválidosdafichadoobjetomuseológico.Eparaaefetiva valoração, recorre-se às estruturas matemáticas, aritméticasimples,somaselogaritmosparaordenarasprioridadesetratamentosduranteamusealizaçãodoobjeto. No modelo de valoração está referenciada: a constituição doobjetomuseológicoqueintegraamuseália,seusatributos,adefiniçãoda causa final de sua existência, seu uso, que será alterado, e anecessidadedepreservação.Objetosdiferentes, comobjetivosdeusobemdefinidos,tendemamanterumasimilaridadedadenominação,daforma, do tamanho, do material e da função. Um objeto do tipo“guarda-chuva” possui a denominação: objetos de auxílio, cuidados e

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conforto pessoais, guarda-chuva. NA: objeto portátil constituído poruma armação flexível de varetas móveis coberta de tecidoimpermeáveloudeoutromaterialqueseesticaaoabrir-seaarmação,protegendo da chuva ou do sol o seu portador.19 Percebe-se que otesauros museológico nos auxilia na determinação de valor de usoatravésdaNA-notadeaplicação. A valoração das categorias que apresentem característicasontologicamentesubjetivasteráumadependênciadiretaemrelaçãoàqualificação do especialista, em que as representações sociais doinvestigadorpodemsesobreporaodiagnósticodoobjeto,detalformaa criar uma curva de tendência para a vontade política do grupodominante,deslocadadarealidade,damusealidadedoobjetoaogrupoaquepertença.Asnormasdecatalogaçãodevemserrespeitadasparaevitardistorçõesnomomentoderegistro. ATabela3apresentaosmetadadosobrigatóriospelaresoluçãonº2de2014doIBRAM,queestabeleceasinformaçõesmínimasparainventáriodeacervosmuseológicos,contendotrêscolunas:parâmetro,termo que descreve o metadado relativo à norma; justificativa, omotivo da existência do metadado; classificação, se o parâmetro(metadado)possuicaráterobjetivoousubjetivo.Tabela3-MetadadosevaloresParâmetro Justificativa Classificação

SITUAÇÃO Onde se localiza o objeto; estainformação é obrigatória.Opções: localizado; nãolocalizado;eexcluído;

OBJETIVA, questionamentoprático do conhecimentosobrealocalizaçãoespacialdoobjeto.

DENOMINAÇÃO Alguns museus não possuemtesauros específicos, então adenominação genérica é aceita.Informação obrigatória donomedoobjeto;

OBJETIVA, conhecimentosobre o que é o objeto,denotandoassimsuafunção.

TÍTULO Sepossuiumtítulodadoporqueproduziu o objeto. Informação

SUBJETIVA, em função docaráter e existência da

19 Disponível em:<http://tesauromuseus.com.br/download/tesauro.pdf>. Acesso em: 10 out.2019.

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facultativadadenominaçãodadaao objeto atribuído pelo autor,curador ou pelo profissional dadocumentação;

informação

AUTOR informação obrigatória do nomedoautordoobjeto(individualoucoletivo);

OBJETIVA, em função daexistência da informação e seo autor se relaciona com otemadainstituição

CLASSIFICAÇÃO A informação é facultativa daclassificaçãodoobjetosegundooThesaurus para AcervosMuseológicos” ou outrosvocabulárioscontrolados.Porém,auxilia na classificação e análisedepertinênciadoobjetoaotemadainstituição.

OBJETIVA,écomparadocomoconjuntodeobjetosdomuseue em função da existência dainformação.

RESUMODESCRITIVO

A informação é obrigatória, comdescrição textual do objeto,apresentando as característicasque o identifiqueinequivocamente e sua funçãooriginal;

SUBJETIVA,Auxilia na identificação darelaçãodoobjetoaotema.

DIMENSÕES A informação é obrigatória,consistenasdimensõesfísicasdoobjeto, considerando-se asmedidas

OBJETIVAAnálise do espaço ocupadopeloobjeto

MATERIAL /TÉCNICA

A informação é obrigatória dosmateriais do suporte quecompõem o objeto,hierarquizando sempre a suamaior áreaconfeccionada/manufaturada,eatécnica empregada na suamanufatura;

OBJETIVA,écomparadocomoconjunto demateriais objetosdomuseu.

ESTADO DECONSERVAÇÃO

A informação é obrigatória doestadodeconservaçãoemqueseencontra o objeto na data dainserçãodasinformações;

OBJETIVA, em função doobjeto(BOM,REGULAR,RUIM,PRECÁRIO)

LOCAL DEPRODUÇÃO

A informação é facultativa daindicação geográfica do localondeoobjetofoiconfeccionado;

OBJETIVAauxilianaanálisedarepresentatividade do objetoemrelaçãoàregiãogeográficadotema

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DATA DEPRODUÇÃO

A informação é facultativa dadata ou período deconfecção/produção/manufaturadoobjeto;

OBJETIVA, auxilia na análiseda representatividade doobjeto em relação ao períododotema

CONDIÇÕES DEREPRODUÇÃO

Ainformaçãoéobrigatóriacomadescrição das condições dereproduçãodoobjeto;

SUBJETIVO, auxilia na análiseda representatividade doobjetoemrelaçãoaotema

MÍDIASRELACIONADAS

Ainformaçãoéfacultativaacercada inserção de arquivos deimagem, sons, vídeos e/outextuaisrelacionadosaoobjeto.

SUBJETIVO, auxilia na análiseda representatividade doobjetoemrelaçãoaotema

Fonte:elaboradopelosautores A classificação objetiva e subjetiva, como apresentada naTabela3,expressaocomportamentodecadametadadoqueconstituíanormaNº2doIBRAM,paraacervosmuseológicos,definindoolimitedeentradadedadosdomodelo.Estadefiniçãoéabaseparaamétricadavaloração do objeto. Alguns itens, como condições de reprodução emídias relacionadas, constituem parte do dossiê do objeto, sendonecessáriaaanálisesubjetivaparaaatribuiçãodevalores. Definir o valor baseado nas características extrínsecas doobjetomuseológicoéimportanteparaacompreensãodeseucontextosocial, para a valoração pela sociedade local que possui o objeto,registrando as relações de representações sociais. A partir daí,investiga-se se há ali presente um objeto, um modelo recorrente ecompreensivodeimagens,crençasecomportamentossimbólicosparaidentificar quais são os temas e quais elementos orbitam sejam:históricos,científicos,artísticos,religiosos,sociaisetc. Umavezestruturadaa formadeancoraroobjetocandidatoaserextratodememóriaparapreservação,deve-sevalorarosaspectosderepresentaçãosocial.Paraoprocessodemusealizaçãoporém,parao museu receber os objetos implica em diagnosticar o valor de suarepresentaçãosocial,agoraancoradaemumtema,verificandoseestetemaespecíficopossuirelaçãocomotemadomuseu. Umapinturasacradescreveumritualparaaquelasociedadeepossui valores como ferramentadepropagaçãoda religião, histórico,cronografia etc. O potencial cultural caracteriza-se pelo acúmulo devaloresdosatributosdasrepresentaçõessociais.Ograudeassociação

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destes objetos para com a sua sociedade está ligado ao potencialcultural acumulado que, após o processamento pelos métodos daMuseologia,transforma-seemcinéticacultural,eoobjetomuseológico,com suas representações sociais, poderá interagir com outrassociedades. AmatrizdeAtributos,aquiapresentadanaTabela4,relacionaos seguintes valores e respectivas referências: artístico; estético;histórico; uso; pesquisa; pedagógico; significância; venal;singularidade,desenvolvidabaseadanametodologiadetratamentodaconservaçãodeBarbaraAppelbaum(2007).Tabela4-CategoriasereferênciasAtributo Perguntasdereferência

Artístico Criado intencionalmente como arte? Foi desenvolvido para serapreciadocomotal?

Estético Aparênciaestéticarelevanteparaasrepresentaçõessociais?

Histórico Associadocomumeventoespecíficoouperíodo?

Uso Estáemuso?

Pesquisa Podefornecerinformaçõesparaospesquisadores?

Pedagógico Possuifunçãoeducacional?

Significância PossuiRepresentaçõesSociais?

Venal PossuiValoreconômico?

Singularidade Sãopoucosexemplares?

Outrascategorias Outrasreferênciasquepoderãoserdefinidas.

Fonte:elaboradopelosautores Cadacategoriapoderáreceberumaatribuiçãoemvalordeumaunidade até tantas unidades na escala de valoração, sendoposteriormente normalizadas para a mesma escala de grandeza e osomatório de todos os atributos deverá sermenor ou igual ao valortotaldosatributosdefinidospelaequipedevaloraçãodopatrimônio.No processo de modelagem, detalhou-se cada atributo com base emApplelbaum(2007)comoapresentadoaseguir: –Artístico:quandooobjetoartísticoécriadointencionalmentecomo arte obedece à uma escola, podendo em seu momento de

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“nascimento” apresentar singularidade única, por se tratar de umobjetoúnico.Umaanálisepodeserrealizadasobreasuaintençãoeumexemplo é quando Marcel Duchamp (1917) transforma ummictórioemumaobrade arte e se inscreve emuma exposição comoR.Mutt,desconstruindo o sentido clássico de arte. Assim, a partir deste fato,acrescenta-seoquestionamento:“Foidesenvolvidoparaserapreciadocomotal?”Osobjetosemuseusestritamentedeartedevemencontrar-senotemadomuseu,assuntoeáreadoconhecimento; –Estético:estética20(percepçãoesensibilidade)éumaáreadaFilosofiaquetemporobjetivooestudodaNaturezaedosfundamentosdaArte.Estudaojulgamentoeapercepçãodaproduçãodasemoçõescomo:asdiferentesformasdearte;técnicaartística;aideiadeobra,dearte e de criação; a relação entre matérias e formas. A aparênciaestética é relevante para as representações sociais? Com estequestionamentopode-seavaliarquequandoumobjetonãoartísticoéconstruído, leva-se em consideração, atualmente, a ergonomia e odesigndoobjeto,queherdacaracterísticasfísicasesociaisdosvaloresdo grupo em que é produzido. Estas características interferem naformaqueoobjetopossui.EsteitemédescritopelocampodaFilosofiacomoa sociedadepercebea forma, a cor e a texturadosobjetosquesãofrutodapercepçãodoentorno; – Histórico: estar associado com um evento específico ouperíododenotanãoaimportânciadoobjetoemsi,masoeventoe/oucenário histórico do qual fez parte, como uma caneta tinteiro queencerrou uma guerra, um microscópio utilizado para erradicar umadoença, ou uma representação pictórica de ummomento singular dedeterminada sociedade. Com a retirada do objeto da realidadecotidianaparaamusealidade,otempoeespaçodepermanênciadesteobjetonomundorealsãocessadase,comopassardotempo,adquire

20Ciência filosóficadaarteedobelo.Kant faladeumjuízoestético,queéojuízo sobre a arte e sobre o belo, ele chama de Estética transcendental adoutrinadasformasprioridoconhecimentosensível.ContemporaneamenteaEstética pode ser entendida como qualquer análise, investigação ouespeculação que tenha por objeto a arte e o belo, independentemente dedoutrinas ou escolas. Disponível em:<http://www.filosofia.com.br/vi_dic.php?pg=6&palvr=E>.Acessoem:12ago.2019.

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as novas informações pelas pesquisas e pelas interações devido aosnovosusos; - Uso: segundo Baudrillard (1993), todo objeto possui duasfunções, uma que e a de ser utilizado e a outra a de ser possuído. Aprimeiradependedocampodetotalizaçao21dapráticadomundopeloindivíduo; a outra um empreendimento de totalização abstratarealizado pelo individuo sem a participação do mundo. Estas duasfunçoesencontram-senarazaoinversaumadaoutra. Quando osobjetos são adquiridos para um museu deixam de ser tapete, mesa,bussola ou bibelo para se tornarem objetosmuseológicos. Quando oobjeto nao e mais especificado por sua funçao, e qualificado peloespecialistaparaumanovafunção.Oobjetomuseológicoexerceduplafunção, a de objeto para educação e de pesquisa, fato que poderádiminuir sua “vida” como objeto museológico, porém expande arepresentação social. Assim como um livro raro, que é emprestado,retiradodaestantedeguarda,educaumanovageraçãoepotencializaseu valor como objeto para educação e/ou pesquisa. Para o objetomuseológicopode-se questionar: “Está emuso sendo exposto, ou empesquisa,oununcafoiretiradodareservatécnica?” - Pesquisa: a pesquisa ou a investigação é um processosistemático para a construção do conhecimento humano, gerandonovos conhecimentos, podendo também atualizar uma pesquisapreexistente.Napesquisaquestiona-seseesgotoutodaapossibilidadede produção de conhecimento. O objeto ainda sofre intervenções emsuamaterialidade?A funçãoanteriordoobjetoestáancoradaemumtema que a sociedade necessita explorar para compreender o usoinicial?Épossívelqueapesquisapossaindicarnovoscaminhosparaodesenvolvimentosocialoutecnológico,podendo,ainda,fornecernovasinformações para os pesquisadores. A busca destas informaçõesperpassa pela pesquisa na materialidade do objeto e das suasinformaçõesextrínsecas;

21Baudrillard(1993)expressaatotalizaçãocomousoplenodoobjetoemtodaa suapotência.Martelos sãoutilizadospara fixaçãodepregose retiradas.O“mundo”outodosutilizamplenamenteomartelo,porémoindivíduopoderáutilizar o martelo somente para fixação de pregos, diminuindo assim seupotencialtotaloutotalizaçãodeuso.

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- Pedagógico: a compreensão da prática educativa revela aoshomens sua condição de humanos. O museu e suas atividadeseducativasserãoentendidoscomolugarparadiálogoconstanteentreasociedadecomoseuacervoquepossuimusealidade.Éprimordialparauma educação emancipadora, diferentemente da educaçãodomesticadora, pautada em uma metodologia estruturante,universalizanteehomogeneizadora,queomuseuseconstruacomoumlocaldeexperimentaçõesedepráticaspedagógicasestimulantes,quepromovamodesenvolvimentodospatrimônios,pessoalesocial(Reis& Pinheiro, 2009). Certos objetos museológicos, ou quase todos,possuem função de ensino, de experimentação, sendo necessário umespecialista educador para definir como desenvolver a potênciapedagógica do objeto, para determinar a amplitude de sua funçãoeducacional. - Significância: em linguística, segundo Barthes (1964) anatureza do significado deu lugar à discussão sobretudo referente aseugraude “realidade”, entretanto, o significadonãoé a “coisa”masuma representação psíquica da “coisa”. O significado do objetomuseológico só pode ser definido dentro do processo de significaçãopraticamente tautológica22 entre o objeto museológico e seusignificado. O significante sugere, de um modo geral, as mesmasobservações do significado. Em Semiologia, o significante pode serdivididoemmatériaesubstância,quepodeserimaterial,quenocasodasubstânciaéoconteúdo,a ideiaeopensamentohumano;pode-sedizer somente que o material do significante será o próprio objetomuseológico. Assim a significação pode ser concebida como umprocesso da junção do significado e do significante, como elementoclassificatório.Asignificânciadeterminaseoobjetoestáancoradoaotema da instituição museu e se possui representações sociais. Asociedadepoderia conviver semoobjeto?Atéquepontoaexistênciadoobjetopode influenciarumanação?Cabeao especialista indicar ainfluênciadoobjetomuseológicocomofatoculturalquepossuirelaçãodiretacomalinguagemecomunicaçãoemqueoobjetomuseológicoéinterpretado e reinterpretado pelos especialistas da museália,

22Usodepalavrasdiferentesparaexpressarumamesma ideia; redundância.Nalógicaéumaproposiçãoanalíticaquepermanecesempreverdadeira,umavezqueoatributoéumarepetiçãodosujeito(p.ex.osalésalgado).

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utilizando uma linguagem própria para dar significação ao objetomuseológico; – Venal: pode estar relacionado com a venda,mercado, valormarginal, valor utilitário, com a comercialização de algo mediantepagamento,preçovenal.Éovalordemercadodeumproduto.Nãoéovalor real do produto, nem necessariamente incorpora seu custo deprodução: é o valor com que pode ser comercializado. (Sandroni,1999). O especialista deve separar os valores autênticos dos valoresinautênticos,pois,dificilmenteumobjetomuseológicoéavaliadopeloseuvalorvenal,tantoquealgunsobjetosnãoencontramsemelhançasnomercadoparadiagnosticarseuvalorvenal.Umexemploseria“umdeterminado presidente assinou sua diplomação de posse utilizandouma caneta de uso comum sem nenhum atributo excepcional”. EsteobjetofoidoadoparaoMuseudaRepública,recém-confeccionado,semvalor comercial, se for cabível a especulação, pelaAxiologia seriaumobjetovaloradopelaintençãopolítica.Assim,nãocabeaoespecialistadacoleçãodefinirseexisteounãoovalormonetário,comreferênciasaoespaçomercado,poiscessaovalorvenaldoobjeto.Quandoesteseinserenoprocessodemusealização;

- Singularidade: segundoBaudrillard (1993, p.101): “O objetoúnico é precisamente apenas o termo final emque se resume toda aespécie; o termo privilegiado de todo um paradigma (virtual,encoberto, subentendido, pouco importa) que em sumaé o emblemada série. […] O objeto verdadeiramente único, absoluto, de tal formaqueseapresentesemantecedente,semdispersãoemqualquersérie,éimpensável. Não existe, tal como não existe som puro.” Porém osobjetos museológicos adquirem singularidade única quandoadicionado o dossiê em que as características físicas, através deexames de laboratório e história garantem a singularidade pelatrajetória do objeto dentro e fora do museu. Os objetos adquirem aqualidadede singularquando sãomusealizados e tratadosno acervocomo elementos que representam parte da realidade, o objetomuseológico único de sua espécie, distinto, ímpar. Este item proveráumacondiçãoespecialparaasalvaguarda.6.ConsideraçõesFinais

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Foram apresentadas as categorias, logo, o somatório devaloraçãodeverásermaiorqueapontuaçãoindividualdascategorias.Nacategoriaquenãoapresentavalores,significaquenãoénula,masseu valor encontra-se sem representação para o tema do museu,podendo ser ativado conforme a interação que se estabeleça com oobjetomuseológico.Aestruturaapresentadafornecesubsídiosparaaconstrução de um modelo de valoração de objetos museológicos,passível de ser parametrizado e automatizado para a realização decálculos, no intuito de classificar a valoração que estará diretamenteligadaàcondiçãodepreservaçãodoobjeto. Daestruturadesenvolvidafoiapresentadaumanovaformadeclassificaçãodotemademuseu,seguindoumesquemaqueapresentaumaabrangênciamaioremtermosdeclassificação.OISBNeÁreadoConhecimento (ÁreaBásica) (CAPES) passa a qualificar o assunto domuseu que, em união com os tesauros museológicos, são utilizadoscomo elementos fundamentais para a ligação entre a função dosobjetoseotemadomuseu,criandoassimaestruturaparavaloração. Para estudo efetivo do objeto apresentamos a valoraçãoobjetiva,utilizandoosmetadadosdafichacatalográficadoIBRAM,easubjetiva,baseadanotrabalhodeBarbaraAppelbaum.Nestemomentoé possível a identificação da ressonância e aderência do objeto emrelação ao temadomuseu. E a partir da síntese da ressonância e daaderência é possível a quantificação da significação do objeto para otemadomuseu.ReferênciasAppelbaum, B. (2007). Conservation Treatment Methodology. Oxford(UK):Butterworth-Heinemann.Aron,R.(2004).OMarxismodeMarx.trad.JorgeBastos.SãoPaulo(SP):EditoraArx.Bittencourt, J. N.; Benchetrit, S. F.; Granato, M. Museus, Ciência eTecnologia: livro do seminário internacional. (2007). In: Museus,Ciência e Tecnologia: livro do seminário internacional. (pp. 279-279).RiodeJaneiro:MuseuHistóricoNacional.

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OPESODEIMAGENSSACRAMENTADASE

OSDESAFIOSCIENTÍFICOSEEDUCATIVOSDOMUSEUPAULISTA

CeciliaHelenadeSallesOliveira

MuseuPaulistadaUniversidadedeSãoPaulohttps://orcid.org/0000-0003-0314-271X

“...Problematizar nossa relação com o passado é o que efetivamentetransformaesse tempopretéritoemobjetode investigação, tornando-opresentificável por diferentes recursos e meios, capazes de dotar desentido,novamente,umconjuntodeaçõeshumanasque significaramenão significam mais. Igualmente, refletir sobre nossa relação com opassado ajuda-nos a ancorarmos, no presente, identidades e projetos,comocondiçãoúnicadeproduçãodefuturos.Escritadahistória,usosdopassado, conectam-se, assim, como investimentos sociais necessários àproduçãodesentidoparaasaçõeshumanas...”

(ManuelLuizSalgadoGuimarães,2007)

1.IntroduçãoCentrosdeproduçãoeirradiaçãodeconhecimentos,osmuseus

de História no mundo contemporâneo inscrevem-se em debateacaloradosobrepolíticasdeciênciaedecultura,capazesdepromover,simultaneamente, a ampliação de saberes e sua democratização. Detrinta anos para cá, pelomenos, semodificaram os questionamentosfeitosaessasinstituições,emtermosdesuainserçãodentroeforadomundodasciênciasenoâmbitodapermeabilidadedeaçõesparacomseus públicos e diferentes setores da sociedade. Isso aconteceu emfunção, notadamente, da rapidez com a qual novas tecnologiastransformaram relaçõesde trabalho, práticas educativas, descobertascientíficas, compartilhamento de saberes e mobilizações sociais.Poderiam os museus permanecer na posição de repositórios depatrimônios ememórias sem refletir profundamente sobre ospapéis

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inovadoresqueasociedadedelesreclama?Paraalémdasquestõesqueenvolvem o conhecimento nas várias áreas do saber, poder-se-iaimaginar que, frente às transformações em curso, os museus seprestariam a atualizar, sem questionamentos, práticas de coesãonacional cuja gênese, comoapontaramNoraePoulot, encontra-senoséculoXIX?(Nora,Pierre,1984;Poulot,Dominique,1997)

Adespeitodoreconhecimentodeque,desdeosanosde1960,começarama se tornar visíveis osdesajustes e contradições entre asnarrativas propostas pelos museus, os conteúdos do ensinofundamental e temáticas exploradas pela pesquisa acadêmica,particularmente no campo da História, isso não impediu que essesespaços se consolidassem como referências tanto para estudosinovadoresrelacionadosprincipalmenteaocampodaCulturaMaterialquanto, sobretudo, para manifestações diferenciadas da memóriasocial(Poulot,Dominique,2003).

Entretanto, é preciso considerar, como observou Pierre Nora(Nora, Pierre, 2009), a ocorrência, na atualidade, de uma “inversão”nasposiçõesatéentãoocupadaspelaHistóriaepelamemória,geradaporprocessospolíticoseculturaisdedescolonizaçãoedaemergênciadedemandasdegruposétnicosedeminorias,especialmenteapartirda segunda metade do século XX e inícios do século XXI. Muitossegmentos sociais não encontram identificação na História-memórianacional23 tampouco em instituições que parecem representá-la, emespecial os museus de História, a exemplo do Museu Paulista, temacentraldesteartigo.NoraobservaqueodomínioexercidoporaquelaHistória, quer em termos de eventos e personagens quer no âmbitonotadamentede interpretações sobre opassadonacional, vem sendosubvertido pela emergência gritante de memórias múltiplas efacetadasqueseoriginamdegruposecoletivosqueexigemvozevezna cultura e na política contemporâneas, à busca de narrativas

23UtilizoaexpressãonosentidoquelhefoidadoporPierreNoraquandosereferiuaomovimentopeloqual,napassagemdosséculosXVIIIeXIX,históriaememória se entrelaçaram para compor identidades nacionais. A partir defins do século XIX, porém, a memória passou pelo crivo e julgamento daHistória(disciplinadeconhecimento)e,nosquadrosreferenciaisdanação,ahistória nacional se transforma em “nossa memória”, construção política ehistoriográficaqueserápostaemdebatepelachamadaEscoladosAnnales,apartirdosanosde1920.(Nora,2011,p.19-22)

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encobertas por visões dominadoras e excludentes do processohistórico24.

Emquemedida,porém,aHistóriapoderiaserentendidacomoumsaberindependentedasinfluênciasedasarmadilhascriadaspelosprocessosdeconstruçãodesaberesedememorizaçãoqueperpassamos próprios registros com os quais trabalha o historiador? Seriapossível lidarcriticamentecomaHistóriaeamemóriasem inscrevê-lasnasdimensõesdapolíticaedasformasdeproduçãoe legitimaçãoda cultura na sociedade ocidental? Se, por um lado, é essencial aosmuseusdeHistóriaformularreflexõessobresuastrajetóriasesobreaHistória-memória nacional que ali foi cristalizada, por outro, comoessas instituições poderiam acolher criticamente reivindicações dematizados segmentos sociais sem indagar sobre os fundamentos dasmemóriasqueconstruíram?

Como já observei em outra oportunidade (Oliveira, 2019),Andréa Huyssen contesta a premissa de que os museus,contemporaneamente,teriamopoderdealimentaracoesãosocial,pormeio da memória e da preservação de heranças e patrimônioshistóricos e culturais. Aproxima-se de Nora, pois também eleproblematizaaobsessãopelamemóriaepelapreservaçãodetradiçõesedepassados.Noentanto,seufocomaioréofuturo,tantodaculturaquantodasinstituiçõesdecultura,dasquaissubtraiqualqueraspectoconservador, pela impossibilidade dessa prática ser exercida hoje talcomo foi especialmente no século XX. Para ele, a procura incessantepelamemóriaepelaacumulaçãoepreservaçãodeobjetos,vestígioseruínasestariavinculadaaoconsumocultural,aodesenraizamentoeàespetacularização de museus e exposições, o que pavimentaria, emcontraposição,o caminhoparaaprofundaresquecimentos.Questiona,assim, as polaridades entre história/memória e real/imaginário,alertando para o fato de que a cultura da memória não tem acapacidade de compensar perdas incontornáveis, como se o passadofosseumespaçovazioehomogêneo,preenchidode inúmeras formas

24AdespeitodePierreNoraconsiderarapositividadedosquestionamentosque procuram interrogar as narrativas históricas que sustentaram aconstruçãoimagináriadasnaçõesnosséculosXIXeXX,fazcontundentecríticaà suposição de que essas narrativas possam ser compreendidas ouenfrentadaspormeiodapolaridadeverdade/mentira.(Nora,2009)

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pelopresente, e como se as temporalidadesnão fossemengendradaspela mudança. Sugere que “a amnésia é um produto colateral dociberespaço” e que, ao invés de uma preocupação extrema com ofuturodamemória,dever-se-iaenfatizarofuturodacultura(Huyssen,Andreas,2000).

Noentrelaçamentoentrememóriasdopassadoeperspectivasde futuro situam-se os argumentos que apresento neste artigo,voltadosparaadiscussãodealgunsdosaspectosdas transformaçõesinstitucionais e conceituais pelas quais passou o Museu Paulista daUniversidade de São Paulo nos mais de 120 anos de sua existência,período no qual em inúmeras ocasiões foi palco de celebrações damemórianacional.ParticularmentenaprimeirametadedoséculoXX,oMuseu foi interpretado como guardião da memória nacional,inscrevendo-se nos parâmetros da escrita da História herdados doséculoXIX, remodeladosporpolíticose intelectuaisdispostosareveros fundamentos da nação por ocasião do Centenário de 1922. Nomomento presente, diante da proximidade do Bicentenário daIndependência, é oportuno pontuar momentos do percursoinstitucional para lançar interrogações sobre como oMuseu pode seprojetar para o futuro, considerando-se, também, experiênciasacumuladasporoutrasinstituiçõeslatino-americanasdesseportequeigualmentesetornaramfocosdascomemoraçõesdosbicentenários25.2.Ciência,políticaecelebraçãopatriótica A história do Museu Paulista, de sua criação e inserção nouniverso da cultura e da ciência brasileiras, encontra-seirremediavelmente vinculada ao edifício comemorativo à

25 As questões que apresento neste artigo estão inspiradas em algunstrabalhos anteriores, especialmente:Oliveira, CeciliaHS, 1995;2000;2011;2017;2019.ReferênciasimportantessobreatrajetóriainstitucionalepolíticadoMuseuPaulistapodemserencontradasnosestudosde:Elias,Maria José,1996; Witter, José Sebastião & Barbuy, Heloisa, 1997; Alves, Ana Maria deAlencar, 2001; Makino, Miyoko, 2002/2003; Makino, Miyoko, 2003; Brefe,AnaClaudia,1999;Bittencourt,VeraLúciaNagib,2017;Marins,PauloCésarGarcez,2017.

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Independência, o Monumento do Ipiranga, erguido na cidade de SãoPaulo,nofinaldoséculoXIX26.

A construção desse Monumento, um palácio majestoso,idealizado e realizado na década de 1880, atendeu ao projeto delideranças políticas de São Paulo e também do Rio de Janeiro, entãocapitaldoImpériodoBrasil,nadireçãodedemarcardefinitivamenteolugar da proclamação da Independência, assinalando, de formaimaginária,opontoapartirdoqualanaçãoteriaseoriginado.Foramcircunstâncias políticas complexas, e ainda não completamentedesvendadas,quesustentaramaconcretizaçãodepropostadiscutidainúmerasvezesaolongodoSegundoReinado,massemprerechaçadasob a duvidosa alegação da falta de recursos financeiros. Bastalembrar, que a “questão do Ipiranga”, como foi chamada por váriosórgãos de imprensa à época, atravessou as décadas de 1860 e 1870,envolvendo, entre outros aspectos relevantes, o debate sobre atransferência simbólica do Rio de Janeiro para São Paulo do polo dafundaçãonacional.Oiníciodasobrassósedefiniuapartirde1885,oque ocorreu, simultaneamente, à intensificação da propagandarepublicana,aorecrudescimentodascríticasaoregimemonárquicoeaos intensos debates em torno da emancipação dos escravos, domovimento abolicionista e da entrada massiva de imigrantes

26AolongodoséculoXIXforamváriasastentativasparaerguermonumentosalusivosàdatade7de setembrode1822eàdeclaraçãoda Independência.Duasdessaspropostasseconcretizaram:aestátuaequestreemhomenagemaPedro I, inaugurada no centro da cidade do Rio de Janeiro, em 1862; e oMonumento do Ipiranga, edifício em estilo neorrenascentista, entregue aopoderpúblicoem1890,erguidonobairrodoIpiranga,nacidadedeSãoPaulo,local distante do centro da cidade, onde supostamente D. Pedro teriaproclamado a Independência. OMuseu ali instalado,mesmo sendo batizadocom o nome de Museu Paulista, tornou-se popularmente conhecido comoMuseu do Ipiranga, em razão doMonumento em que se encontra abrigado,desde sua criação em 1893. Sobre a estátua equestre, ver: Knauss, Paulo,2010;sobreoMonumento,ver:Elias,MariaJosé,1996;Witter,JoséSebastião& Barbuy, Heloisa, 1997. O PlanoMuseológico da instituição, publicado em2020, define o Museu Paulista como museu universitário polinucleado,englobandooMuseudoIpiranga,sediadonacidadedeSãoPaulo,noParqueda Independência, e oMuseuRepublicano “Convençãode Itu”, na cidadedeItu, interior do estado de São Paulo (PlanoMuseológico doMuseu Paulista,2020,p.10).

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estrangeiros, especialmente italianos, nas regiões Sudeste e Sul dopaís27.

Figura1-MuseuPaulistac.1996.FotoJoséRosael.AcervoMuseuPaulistadaUSP

Os políticos e empreendedores que patrocinaram oMonumento contaram com o apoio de D. Pedro II em favor da obra,cujaconcepçãosedeveuaoarquitetoeengenheiroitalianoTommazzoBezzi, projeto e personagem que se constituíram em outra fonte depolêmicas. E das controvérsias em torno do palácio também nãoescapouoartistaPedroAméricodeFigueiredoeMello,contratado,em1886, para elaborar a pintura histórica “Independência ou Morte”,especialmentedestinadapara figurarnoSalãodeHonradoedifícioe

27SobreatransiçãodoImpérioàRepública,consultar,especialmente:Fausto,Boris(dir),1975;Sevcenko,Nicolau,2003;Sevcenko,Nicolau,1992.

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complementararepresentaçãosimbólica incrustadanos trabalhosdealvenaria(Oliveira&Valladão,1999).

A concretização domonumento esteve sempre ameaçada, orapelasuspensãoderecursosfinanceiros,oraporpolêmicasemtornodesuautilidade,tantoqueoedifíciofoidadocomoterminado,em1890,logo após a proclamação da República, sem que muitos dosacabamentos destinados a celebrar a Monarquia estivessemefetivamentecompletados.Mas,dopontodevistadaconformaçãodamemória, a edificação foi tributária de matizadas recriações quecercaramaproclamaçãode7desetembrode1822,duranteoséculoXIX28.

Os políticos que sustentaram o projeto, predominantementevinculadosaopartidoconservadordaépoca,revestiramdedimensõesinéditas a memória da Independência divulgada até então, não serestringindoàslinguagensvisuaisespecíficascomasquaisprocuraramtraduzir e perenizar esse fragmento do passado, quer nas linhas daproposta arquitetônica e sua ornamentação externa, quer na pintura

28DesdeomomentodaproclamaçãodaIndependênciaforamapresentadasedebatidasdivergentesinterpretaçõesarespeitodosepisódiosqueocorreramna então América portuguesa, entre 1808 e 1822. A despeito da difusão denarrativasquebuscavamvalorizaracapacidadedasociedadeemescolherseupróprio destino e em desenvolver condições para o autogoverno e para aconstrução de uma obra política e social despregada das tradiçõesportuguesas e monarquistas, prevaleceu, ao longo do século XIX, a versãodelineada pelo governo de D. Pedro sediado no Rio de Janeiro. Ou seja, emdetrimentodosconflitosarmadosquesedesenrolaramemváriasregiõesdoBrasil e também na sede da Corte, notadamente após 1820, em função daRevolução do Porto, o enredo que até hoje prevalece é o de que aIndependênciafoi frutodeumconfrontodenaturezacolonialprotagonizadopelasCortesdeLisboaeogovernodoRegenteD.Pedroque,porintermédioda atuação de ministros e conselheiros, como José Bonifácio, por exemplo,conseguiucentralizaremtornodesialegitimidadenecessáriaparadeclararaseparação e organizar uma monarquia representativa e constitucional queacabouporreceberaadesãodoconjuntodasforçaspolíticas,mostrando-seaúnica alternativa viável para a preservação da ordem social e para aconfiguração de uma nova nacionalidade. Sobre os fundamentos dessanarrativa e a atual discussãohistoriográfica queproblematiza e desconstróisuaspremissas,ver: Jancsó, István,2003;Jancsó, István,2005;Pimenta, JoãoPaulo,2017;Oliveira,CeciliaHS2020a;2020b.

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históricadaqualPedroAmérico foioautor.Paraeles,vencera“açãodestruidora do tempo”, como afirmou Joaquim Ignácio de Ramalho,que presidiu a comissão encarregada das obras (RAMALHO, 1886),implicava recompor, em hora marcada por profunda avaliação daMonarquia, umamemória recortada,maspositiva, da Independência,doImpérioedeseufundador,articulando,porém,esseenunciadoaumlugar, São Paulo, que passou a encarnar a centralidade da nação. Equanto a isso foram bem-sucedidos, pois o edifício resguardou aimagem da Independência como “fato”, datado e localizável, o quenenhuma das outras rememorações anteriores havia fixado,conferindo-lhe o caráter de referência temporal e espacial cujarealidade supostamente precedia qualquer interpretação (OLIVEIRA,2020b).

Figura 2 - Independência ou Morte. Pedro Américo de Figueiredo eMelo,1888.Óleosobretela,4,15X7,60.AcervoMuseuPaulistadaUSP.Foto:JoséRosael,c.1996.

Edificadooriginalmenteparairradiaraversãoconservadoradaproclamação da Independência e da fundação do Império, o palácio-monumento adquiriu outros significados a partir da organização da

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República, em 188929. Amemória e a tradição que atrelaram o 7 desetembrode1822àemergênciadoImpérioreapareceram,nadécadade 1890, modificadas pela articulação do ato da independência ao“renascimentodanação”,talcomopropostopeloideáriorepublicanoàépoca.OMonumentofoiapropriadoem1893parasetransformaremmuseupúblico,sustentadopelogovernodoestadodeSãoPaulo,entãocomandadoporrepublicanosjacobinos,transformando-seemumdossuportes materiais do entendimento de que as origens nacionais seconfundiamcomosabercientíficoeo“progressodasterraspaulistas”,sintetizadonacolinadoIpiranga,umadasportasdeentradadacidadede São Paulo e caminho a comunicar as riquezas interioranas,particularmente a lavoura de café, com o principal porto exportadoremSantos.

SobosdesígniosdaRepública,oedifíciometamorfoseou-seempoderoso recurso na difusão de uma renovada leitura da histórianacional, o que impingiu feições peculiares à memória daIndependênciasemque,entretanto, fosserompidooenredohistóricocriado e atualizado inúmeras vezes ao longo do século XIX30. Asliderançasrepublicanasnaépocadefendiamo“governodopovopelo

29 A versão conservadora da Independência, fundamentada na narrativaconstruída pelo governo de D. Pedro, está pautada na afirmação de umacontinuidadehistóricaentreoperíodocolonialeaemergênciadanaçãoenoentendimento de que somente por meio da Monarquia e da figura deautoridade do imperador seria possível sublimar a inorganicidade social, oque representa uma desqualificação não só das oposições ao projetomonárquico vitorioso, em 1822, como das demais forças políticas e sociaisque, especialmente durante a primeirametade do século XIX, lutaram pararevolucionaroregimeouparamodificarsuaestruturaefuncionamento.Ver,especialmente,Marson,IzabelAndrade,2009.30NaperspectivadivulgadanosprimeirosanosdaRepública,aoinvésdeumatodevontadedoprimeiroImperadorpara libertaroBrasildodomíniodasCortesportuguesas,aIndependênciafoiapresentadacomoresultadonaturaldeumconfrontosecularentrecolôniaemetrópole,exemplificadoemváriasrevoltas coloniais, como a Inconfidência Mineira, em 1789. Porém, o passoinicial de 1822 teria uma necessária complementação, em 1831, com aabdicação de Pedro I, momento em que efetivamente os brasileirosassumiriamogovernodopaís.ARepúblicaseriaocorolárioevolutivodalutacontraasherançascoloniais,representadaspeloImpério,demarcandoaplenaindependênciadasociedade.Ver:Janotti,MariadeLourdes,1998.

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povo”, apregoando uma participação política ampliada. Ao mesmotempo, acreditavam que a viabilidade deste princípio dependia dasuperaçãoda “ignorância geraldapopulação”.Assim,dessepontodevista era imperativo “emanciparopovo”, impondo-lheumaeducaçãopreparatória da cidadania. O Museu Paulista foi inauguradooficialmente a 7 de setembro de 1895 e surgiu como instituiçãocientífica,voltadaparaapesquisaeainstruçãopopularnocampodasciências naturais. No entanto, esse direcionamento não impediu quecoleçõesdeinsetos,peixeserépteis,porexemplo,convivessemcomapresençaimpactantedateladePedroAméricoecomsalasdestinadasàapresentaçãodeobrasdearteede“objetoshistóricos”atribuídosapersonagens“ilustres”deSãoPauloedoBrasil.

Aênfasenahistórianaturalnãocolidiacomascaracterísticasde lugar privilegiado para a celebração da memória nacional. Pelocontrário, o primeiro Regulamento da instituição, datado de 1894,determinava que o acervo museológico teria abrangência sul-americana,destinando-seaosestudosdahistóriazoológicabemcomoda história natural e cultural do homem. Ou seja, não haviadistanciamento entre estudos de prospecção do território, geografia,históriaehistórianatural,sendoque,desdesuaorganização,oMuseuestabeleceuconexõescomoutras instituiçõescongêneres,naAméricae na Europa. Por meio da política, da ciência e da instrução públicarearticulavam-serelaçõesentrenaçõesmetropolitanasenovasnaçõesnas antigas áreas coloniais criando-se um ambiente para acolherestrangeiros e promover laços de identidade e pertencimento entrenacionaiseimigrantes(Lopes,1997;Bittencourt,2012).

Núcleo de pesquisas científicas sobre a natureza, o Museudeveria reunir, ao lado das coleções atinentes à história natural,coleções dedicadas à história nacional, prevendo-se a compilação earquivamentodedocumentos relativosaoperíododa Independência,bem como uma coleção de esculturas, bustos e retratos emhomenagema“cidadãosbrasileiros”quetivessemprestadorelevantesserviçosaoEstadoeànaçãoequemerecessema“perpetuaçãodesuamemória”, ressaltando-se o espaço privilegiado destinado à pinturahistóricadePedroAmérico.Nessesentido,datadaorigemdoMuseuoentrelaçamento entre ciência e História, concebida como memórianacional (Decreto do governo do estado de São Paulo, n. 294,26/07/1894).

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Como demonstrou Fábio Rodrigo de Moraes, durante osprimeirosanosdoMuseu,emquenadireçãoseencontravaozoólogoHermannvonIhering,houvesignificativoinvestimentonaexpansãodecoleçõesdehistóriapátria,denumismáticaedepinturashistóricasdecunhonacionaleregional.Essascoleçõeseramvistascomoinstrutivase didáticas e também celebrativas de personagens recuperadas dosperíodoscoloniale imperial, selecionadasparaespelharaconstruçãoda nacionalidade, valorizando-se o papel determinante de São Paulonessaconquista(Moraes,FábioRodrigo,2008).

Mais recentemente, Pedro Nery e Carlos Lima Júniorprocuraram reconstituir os principais lineamentos das obras de artequeoMuseuabrigoudurante a gestãodevon Ihering,mostrandodequemodopinturasdeartistas importantes, comoAlmeida Júniorporexemplo,dialogavamcomopaineldePedroAmérico,enfatizandonãosó a centralidade de São Paulo na fundação da nação como,principalmente,retratandoidealizaçõesdo“povo”paulista,dohomemsimplesdointerior(campôniooucaipira),representativodemodosdevida fadados a morrer, em razão do “progresso” material e da“civilização” que os capitais geradas pela lavoura cafeeira e pelosempreendimentos industriais pareceriam impor, aos quais seassociavamosavançosdaciênciaedaeducaçãopública(NeryeLimaJúnior,2019).

Não foi por acaso, portanto, que apartirdessa época, emSãoPaulo, as festividades cívicas em tornoda Independência passaramaser realizadas no monumento-museu, inventando-se, por essa via, oritualdeperegrinaçãoaosítioondeoBrasil-nação teriaseoriginado,práticareforçadaporocasiãodoCentenário,em1922,equecontinuouaseratualizada,aindaquecommenorrepercussão,atéomomentoemque a instituição foi fechada, em 2013, para que tivessem início asobrasderestauraçãoeampliaçãoasereminauguradasem202231.

Assim, o majestoso prédio passou a articular significaçõesestéticas, celebrativas, científicasepedagógicas.EaesserespeitosãosugestivasasobservaçõesfeitasporMarieRobinsonWright,em1902:

31 Sobre o projeto de restauração e modernização do Museu Paulista,atualmente, em curso, consultar, especialmente, PlanoMuseológico de 2020disponívelnaplataformawww.mp.usp.br

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(...) O principal ponto de atração de todos osvisitantes da cidade é o Ipiranga, o magníficomonumento erigido em 1885 no lugar onde foiproclamadaaIndependênciadoBrasilem1822.Éamais bela realização da arquitetura brasileira,planejada não só para comemorar esse gloriosoevento,mastambémparaservircomo“instituiçãodeconhecimentos”. O Museu do Ipiranga possuitesouros de grande interesse histórico e científico;valiosas e curiosas relíquias e tambémalgumasdasmelhorespinturasdeartistasbrasileiros(...)32

Já em 1912, outro cronista, Archibald Stevenson Forrest,

comentava:

(...) Aos domingos e feriados, o passeio favorito dopovo – italianos, negros, portugueses, alemães,paulistaseingleses–éirdecarrodaPraçadaSéatéos jardins e o Museu do Ipiranga. A viagem ocupacercademeiahora,eopercursoéfeitosaindo-sedoLargo 7 de Setembro, descendo pela rua da Glória,com suaspequenas casasuniformes, passandopeloMatadouro, e seguindo pelas alamedas arborizadasdeambososladosequevãoemdireçãoaosbairros,ondeosedifíciosavançamemtodasasdireçõeseosoperários executam suas tarefas apesar de serdomingo... Amaioria dos passageiros desce para osjardins do Ipiranga, situados em terreno de largascalçadasquevaiseelevandosuavementemarginadoporciprestes,canteirosdefloresmuitobemtratadosetodosostiposdearbustos.OMuseu,erigidocomomonumento para comemorar o históricoacontecimento, éuma construção imponente ebemdesenhada,combelasescadaseluxuosasgaleriasem

32CitaçãoretiradadeBruno,1981,p.136-137.

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umadasquaisestáumenormequadro ilustrandooepisódio“IndependênciaouMorte!(...)33

Estas impressões testemunhamamaneirapelaqual, no início

do século XX, o monumento-museu havia sido incorporado aocotidiano da cidade, servindo de referência urbanística, histórica ecultural para diferenciados segmentos sociais. Além disso, nessamesma época, tornara-se também lugar de visitação obrigatória paraprofessoreseestudantes,comorevelamaspalavrasdevonIhering:

(...) O dia 7 de setembro, que o Monumento doIpiranga comemora, foi aqui dignamente festejadoem 1912. Graças aos esforços empregados pelogoverno, a solenidade teve brilho excepcional,devido ao concurso das escolas públicas queenviaram para mais de 10.000 crianças; omonumentoartisticamenteornamentadobemcomoogrande jardimondesearmarambarracasparaospequenos convidados, apresentavam belíssimoaspecto(...)(Ihering,1914).

AatuaçãopedagógicadesempenhadapeloMuseuultrapassava

seu caráter de agente conservador de um passado imaginado eimaginário. A prática de rememorar acontecimentos e personagensexponenciais da história do Brasil e de São Paulo dava-se emconcomitância ao estudo conceitual e prático das potencialidadesnaturais do país, promovendo-se, igualmente, a exposição daexuberância da fauna e da flora. Mediatizados por um sabersolidamente erguido na observação, experimentação e classificação,estavam colocados à disposição do público os mais variadosexemplares da natureza paulista e brasileira aos quais se agregavamrochas, minerais, vestígios arqueológicos, bem como “amostras” da

33CitaçãoretiradadeBruno,1981,p.172-173.

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culturados“primitivos”habitantes,gruposindígenasquelutavamparasobreviveraoavançoda“civilização”34.

Dopontodevistadoensinopúbliconesseperíodo,épossívelconsiderar que efetivamente o Museu Paulista representava papelfundamentalnadifusãoda“históriapátria”,poisaaprendizagemdessadisciplina não se limitava à sala de aula, envolvendo práticaseducativaspúblicas,comofestascomemorativaseeventosdestinadosa celebrar “heróis nacionais”, recurso mobilizado para valorizar acoesãosocial,aindaqueomomento fossepautadoporreivindicaçõespolíticas e pelo reconhecimento de direitos sociais de trabalhadoresbrasileiros e imigrantes, homens e mulheres, radicados em grandescidadescomoSãoPaulo(BITTENCOURT,Circe,1990).Eaesserespeitosão significativas as palavras de José Veríssimo escritas nos fins doséculoXIX:

(...)Porquenãoésomentenasescolasoupeloestudode autores e documentos que se pode estudar ahistória pátria... Os monumentos, os museus, ascoleções arqueológicas e históricas, essasconstruções que nossos antepassados com tantapropriedadechamarammemórias,sãooutrastantasmaneiras de recordação do passado, do ensinohistórico e nacional (...) (Veríssimo, José, 1985, p.101).

3.OCentenáriode1922: oMuseue a consagraçãodamemóriaconciliadoradaIndependência

A inserção do Museu no âmbito das concepções políticas

republicanas adquiriu novos contornos especialmente a partir dadécada de 1920, momento no qual, também, começou a se tornarreferêncianapesquisaeproduçãodeconhecimentoshistóricossobreSãoPauloeoBrasil. Nessaocasião, oMuseuPaulista teve seuperfilinstitucional e pedagógico transformado, graças às intervenções

34 Sobre os museus de história natural no Brasil, ver: Lopes, 1997.Especificamente sobre o Museu Paulista, consultar: Bittencourt, Vera LúciaNagib,2012.

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estéticasehistoriográficasprojetadaseconsumadasduranteagestãodeAffonsod´EscragnolleTaunay,quedirigiua instituiçãode1917a1945. Ao longo desse período, foram atualizadas premissas traçadaspor Veríssimo no âmbito das conexões entre narrativas referentes àHistória irradiadaspeloensinofundamental,especialmenteopúblico,e narrativas expográficas propostas pelos museus. Mas, essaarticulação entre instituição de preservação e ensino públicofundamentou-se, sobretudo, em uma ruptura conceitual emuseográficaemrelaçãoaoperíododevonIhering.Aquestãonãoselimitapropriamenteaoconteúdodascoleções,jáqueTaunay,durantea maior parte do tempo em que esteve na direção, conviveu com oacervo de história natural que sofreu um primeiro e grandedesmembramento, a partir de 1939, quando da criação doDepartamento de Zoologia da Secretaria deAgricultura do estado deSão Paulo, posteriormente transformado em Museu de Zoologia(Landim,MariaIsabel,2011).Orompimentoémaisamploeprofundo,envolvendo divergências tanto no modo de mobilizar as coleçõesherdadas quanto em um esforço imenso para ampliar coleçõestextuais,tridimensionaiseiconográficasquepautassemestudossobreaHistória regional e do país. A intenção de despregar-se do períodoanterior levou Taunay a criticar, em seus Relatórios ao governo doestado, uma suposta ausência de coleções e exposições históricas nagestão Ihering, o que se verificou inexato, evidenciando asdiscordânciasquemantinhacomseuantecessoreosgrupospolíticosque o haviam respaldado, bem como a imagem que deles pretendiaregistrar,valorizandosuaatuação(RelatóriosinstitucionaisdoMuseuPaulista,1917-1922).

Como destacou Ângela de Castro Gomes, as lutas políticas esimbólicas do período que transcorreu entre a proclamação daRepública e os anos de 1920 modificaram a escrita da História e ocampo da historiografia brasileira. “Neste momento, introduzem-se erearranjam-se acontecimentos e personagens, produzem-se debates einterpretaçõesqueseconsagrameestabelecem-separâmetrossobreasformas de narrar a história da nação”, afirmando-se aRepública semrejeiçõesourompimentoscomopassadomonárquico,configurando-seumaleituraconciliadoracomaexperiênciadoImpério(Gomes,Ângelade Castro, 2004; Oliveira, Cecília H S, 2000). Mesmo com as críticaslevantadasaosfeitosdopassado,umalinguagemmoderada,segundoa

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autora, combinava com interpretações que demarcavam acontinuidade(enãomaisaruptura)doprocessodeformaçãonacional,sublinhando-se, por outro lado, o papel pedagógico da História.Diferentemente do momento de criação do Museu, no qual osdirigentes do governo paulista buscavam se despregar do legado doImpério, frisando o início de uma nova era, capaz de revolucionar opaísparalibertá-lodeumpassadovistocomoretrógado,nosanosde1910 e 1920, as condições erammuito diferentes e frente às críticasqueatingiamosgovernosrepublicanospela incapacidadedecumprirpromessas transformadoras, outras alternativas políticas semanifestavam.

Segundo Maria de Lourdes Janotti, nessa época, ocorreu um“diálogo convergente”, de natureza política e historiográfica, possívelpelocontroledosjacobinosmilitaresecivisduranteogovernoCamposSalles (1898-1902), que aproximou desiludidos do novo regime,monarquistas e republicanos vinculados às elites cafeicultoras emembros das oligarquias estaduais contemplados pela chamadapolítica dos governadores (Janotti, Maria de Lourdes, 1998). Oconsenso pactuado por intelectuais que integravam a AcademiaBrasileira de Letras e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileironaquela ocasião, possibilitou que, em momento assinalado pelaexpansão do nacionalismo, interpretações sobre a positividade damonarquia na construção da nacionalidade fossem entrelaçadas àcompreensão da “evolução” contínua do país e à inevitabilidade dosacontecimentos, o que abriu espaços para que fosse retomada eatualizada a versão conservadora da Independência, amparada agoraporoutrasevidênciasdocumentaisepeloempenhoemtransporparaas linguagensvisuaisemuseológicasoqueostextosdehistoriadoresdivulgavam (Gomes, Ângela de Castro, 2004; Guimarães, LúciaMariaPaschoal,2007)35.

35 No mesmo período em que, em São Paulo e no Museu Paulista, AffonsoTaunaydiscutia comseusparesdos InstitutosHistóricos e compolíticosdoPartido Republicano Paulista as linhas gerais das reformas e decoraçãointernodoprédio,noRiodeJaneiro,ogovernofederalpreparavaosfestejosdoCentenárioecomelesacriaçãodoMuseuHistóricoNacional.OrganizadaporGustavoBarrosoeinauguradaem1922,ainstituiçãoestavavoltadaparaa celebraçãodo Império epara a recuperaçãodos vínculosde continuidadehistórica que ligavam o período colonial, o período monárquico e os anos

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Durantesuagestão,Taunay,comoapoiofinanceirodepolíticoseempresários, foigradualmentereorganizandoasáreasexpositivasesubstituindocoleçõeszoológicasebotânicasporacervosdestinadosàrememoração de fatos históricos e tradições brasileiras e paulistas36.Passodecisivonessadireçãofoidadoquandodamontagemconceituale física da decoração interna do prédio, existente ainda hoje, e quevisava a celebrar o Centenário da Independência, em 1922, o quecontribuiu para reforçar ainda mais os laços entre a instituição, aIndependênciaeamemórianacional.

Seguindo os padrões da época no que se refere àsinterpretações sobre a formação da nacionalidade, Affonso Taunayamparou-se em cronologia da Independência estabelecida desde oséculo XIX, traçada por historiadores como João Manuel Pereira daSilva e Francisco Adolfo Varnhagen, e consolidada nos anos de 1920porManueldeOliveiraLima, entreoutros37. Reiterouepresentificousob a forma de narrativa visual o entendimento que até hojerepresenta o substrato cultural comum a partir do qual se ensina epensa-seaIndependência,seusprotagonistaseaidentidadenacional.

Emlinhasgerais,oconjuntofigurativo,planejadocomesmero,e que foi sendo concretizado aos poucos, notadamente entre asdécadas de 1920 e 1930, ocupa o saguão de entrada do prédio, aescadariamonumental emmármoreque leva ao segundopavimento,osespaçosqueacercameoSalãodeHonra,fazendodoeixocentraldo

iniciais da República à configuração da nacionalidade brasileira. Ver:Magalhães, Aline et al, 2014. Cabe lembrar, também, que o período dereformulaçãodoMuseuPaulistaparaasfestasdoCentenáriocoincidiucomamudança visual e simbólica do entorno do Museu. Os antigos jardins,concebidos entre os fins dos séculos XIX e início do século XX, foramsubstituídosporumparque,oParquedaIndependência,quereuniuemúnicoespaço urbanístico fontes, jardins franceses e um Monumento construídoespecialmente para celebrar o Centenário. O Parque desde então passouvárias reformulações, mantendo, porém, seus desígnios originais. Sobre otemaconsultar:Escobar,Miriam,2005;Monteiro,Michelli.C.Scapol,2017.36SobreainserçãodeAffonsoTaunaynahistoriografiabrasileiraepaulistaeas repercussões de suas interpretações no Museu Paulista, consultar:Anhezini, Karina, 2002/2003; Bittencourt, Vera Lúcia Nagib, 2017. Ver,também,Taunay,Affonso,193737Marson,IzabelAndrade,2009;Oliveira,CeciliaHS,2020b.

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edifício um “caminho”, demarcado por episódios e personagens querepresentamopercursodahistóriadeSãoPauloedoBrasil,equeseinicia com a colonização portuguesa encontrando seu desfecho naIndependência.

Sob feições teatralizadas e formais, pinturas, retratos,esculturas de mármore e bronze, bem como as ânforas de cristalcontendo as águas dos principais rios brasileiros,metáfora criativa eimpactantedaconfiguraçãodoterritórionacional,compõemocenáriodeumespetáculovisual,esteticamenteimpressionante,equeprocuramobilizar sensibilidades para a “realidade objetiva” e aparentementeinquestionáveldopassadoaliapresentado.Dadecoração fazemparteasfigurasdosprimeiroscolonizadoresdasterraspaulistas,bemcomoos“bandeirantes”(dispostosnacondiçãodeprotagonistasdecisivosdaexpansãodoterritórioenadefiniçãodefronteiras)eospolíticosqueteriam contribuído para a concretização da obra nacional. Nessesentido, o conjunto de retratos que ornamenta os espaços acima daescadariae a galeriaqueantecedeoSalãodeHonra compõeoqueopróprioTaunaydenominou“panteãonacional”,reunindoemumúnicoeconsagradolugarpersonagensquelutaramporpropostaspolíticasesociaishistoricamentedivergentesecontraditórias.Sãoexpostosladoa lado,oTiradentesde1789,oDomingosMartins, revolucionárioem1817, assim como, por exemplo, CiprianoBarata,Hipólito da Costa eJosédaSilvaLisboaque,entre1821e1822,forammortaisadversáriosna cena política. Entretanto, seus perfis ali expostos de modobidimensionaleseguindoumúnicomodeloderepresentaçãopictórica,fazem crer ao visitante desavisado que todos agiram na mesmadireção, que podem ser equiparados e que o que predominou naIndependênciafoiuma“conciliação”deideais(Taunay,Affonso,1937;Makino,Miyoko,2002/2003).

Mas, o ponto culminante da decoração está, sem dúvida, noSalão de Honra onde estão reunidas a tela de Pedro Américo, osretratos de D. Pedro I e Da. Leopoldina, além das representações depersonagens interpretados comomais ilustres e memoráveis que osdemais, a exemplo de JoséBonifácio. Ali foramarranjadasmais duastelas: uma, representando o episódio de expulsão das tropasportuguesas do Rio de Janeiro e outra, celebrativa da atuação dosdeputados brasileiros nas Cortes em Lisboa. Na época damontagemexpositiva, havia objetos e manuscritos expostos em vitrinas para

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comprovar o que as pinturas cuidadosamente encomendadasexpunham. Dentre eles, mereceram especial atenção de Taunay asmadeixasdeDa.LeopoldinaeDa.Amélia,esposasdeD.PedroI,assimcomoasdeDa.TeresaCristina,esposadePedroIIedaPrincesaIsabel.EssaexpografiafoipreservadaatéoiníciodoséculoXXI.

Figura3-PartedadecoraçãointernadoMuseuPaulista,comdetalhesda escadaria central, ornamentada com figuras de bandeirantes,próceres nacionais e ânforas de cristal contendo águas dos riosbrasileiros.AcervoMuseuPaulista.Foto:JoséRosael,c.1996

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Adisposiçãoespacialdoselementosquecompõemadecoração

interna revela uma proposta de comunicação com o público, queprocuravamotivarentusiasmocívico, fruiçãoestéticaememorização.Anarrativahistóricatransformadaemlinguagemvisual,aomenosnosmoldes concebidos nos anos de 1920, deveria convencer homens emulheres simples, e especialmente jovens escolares, da existência“real”daspessoasedoseventosselecionadosparadelinearatrajetórianacional. Apesar da profusão de retratos, datas e episódios, a figuradominante da decoração é Pedro I, representado em uma esculturadisposta na escadaria central, rodeada pelas ânforas de cristalcontendo as águas dos principais rios que atravessam e interligamoterritório,ornadasporexemplaresestilizadosda faunaeda floradasrespectivasbaciashidrográficas.

Nessesentido,oprojetomuseográficoehistoriográficodoqualTaunay foi um dos mais importantes mentores e que contou com aparticipação de vários historiadores e políticos pertencentes aosInstitutos Históricos do Brasil e de São Paulo, entre outrasagremiações, ancorava-se em uma concepção museológica bastantedifundida em sua época e que não foi ainda totalmente superada,apesar do enorme debate que cerca as contradições e osdescolamentos entremuseus deHistória, produção de conhecimentohistóricoeensinodeHistórianaatualidade.Nessaconcepção,omuseudeveria congregar coleções ordenadas e classificadas, reunindo, alémdisso, coisas raras e únicas (a exemplo da mecha de cabelos de Da.Leopoldina) expostas com sabedoria para instruir e disciplinar osnexosentreobservação,conhecimentoeidentificação.Suaimportânciamaior estaria na conservação e exposição de “provas autênticas” dasatividades e realizações humanas. Ou seja, os museus de históriaestariam destinados a promover a “visualização do passado comorealidade experiencial”, conforme observou Stephen Bann, como sefossepossíveltraduzirefixaremumaoutralinguagemconteúdosqueosmanuaisescolaresditavam(Bann,Stephen,1994).

Daí o empenho de Taunay em coletar “monumentos”(testemunhos históricos fidedignos) e objetos portadores de “valoresde época” (vestígios da “realidade” de um passado desaparecido). Aquestão é que “monumentos” e “valores de época” são construçõeshistóricas e politicamente determinadas por sujeitos que detém o

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poder de transformá-los em emblemas de uma celebração daquelepresente. Não foram escolhidos e ali colocados para suscitarquestionamentosarespeitodoprocessohistóricodaIndependênciaoudaformaçãodasociedadebrasileira,masparaautenticaramemóriadaIndependência e da nacionalidade inscrita nas figuras, retratos eimagens ali apresentados. Como observou Nora: “...quanto maisgrandiosas fossem as origens tanto mais elas nos tornariam maiores.Somos nós que somos venerados através do passado...” (Nora, Pierre,2011).

Figura4-PartedadecoraçãointernadoMuseuPaulista,comdetalhesda escadaria central, ornamentada com figuras de bandeirantes,próceres nacionais e ânforas de cristal contendo águas dos riosbrasileiros. Destaca-se a escultura monumental de Pedro I. AcervoMuseuPaulista,Foto:JoséRosael,c.1996

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O que e por que os objetos, cenas, estátuas,mapascuidadosamente reunidos e apresentados porTaunaytentamcontar?Evidencia-se,aparentemente,umaremissãoàmonarquiaesuaimportânciaparaoBrasil... No entanto, esta primeira impressão, aindaqueamparadana ideiade “comemoração”propostapela agenda de 1922, em relação à separação doBrasildePortugalpodeserproblematizadaelançarsubsídiosparadiscutirocontextocomqueoDiretore seus colaboradores dialogavam. O estudo deconcepções expográficas e acervos museológicospode remeter ao esforço de preservar o que seencontraemquestionamentoe,destaforma,revelarlutas pela apropriação do passado, enquanto formade preservação de poder, no presente. Encontra-se,desta forma, espaço de reflexão sobre uma“insistência”,ouseja,aformulaçãodeumamemóriasocialquelutaparafazerlembrar,parapoderexistire enfrentar processo que lhe parece ameaçador,sugerindo candente embate entre forças políticas...”(Bittencourt,VeraLúciaNagib,2017,p.77).

AAutora observa que o contexto da reinauguração doMuseuPaulista,em1922,eratensoeemblemáticodeembatesentrepassadoefuturo:aSemanadeArteModerna,oslevantesmilitarestenentistas,a desarticulação interna do Partido Republicano Paulista, a fundaçãodoPartidoComunista,osmovimentosreivindicatóriosdeoperáriosemváriaspartesdopaís.EmSãoPaulo,agravavam-sedivergênciasentrepoderes executivo e legislativo em torno de políticas deindustrialização e de políticas de intervenção e privilegiamento doslucros da lavoura cafeeira, ao mesmo tempo em que operários eimigrantes, homens e mulheres, reivindicavam a ampliação daparticipação política. O projetomuseológico ganha, assim, dimensõesmais amplas: o passado recuperado demonstra realizações delideranças, delineando estratégias para as lutas políticas que setravavamnaquelepresente(Bittencourt,2017,p.78).

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Em outra perspectiva de análise, Paulo César Garcez MarinsponderouqueTaunayteriaoptadopor“umahistóriaquelançavaparao futuro um sentido de conciliação e acomodação”, ao contrário deoutrosmuseus americanos, a exemplodoMuseoNacional deBuenosAires, herdeiro de grandes telas históricas de batalhas e cenasmilitares, produzidas no século XIX e que projetavam uma narrativavisualnaqual anaçãoemergia como resultadode conflitosviolentos(MARINS,PauloCésarGarcez,2017,p.187).Essanarrativavisualteriase estendido, também, ao Museu Republicano “Convenção de Itu”,inaugurado na cidade de Itu, no interior do estado de São Paulo, em1923, como instituição vinculada aoMuseu Paulista. Ali, celebrou-se,por meio de objetos históricos e retratos, o consenso de políticos ecafeicultorespaulistasem tornodaorganizaçãodaRepúblicanopaís(Marins,2017,p.183-187).4.Transformaçõesinstitucionaisenovosrumos:aincorporaçãoàUniversidadedeSãoPaulo Os anos de 1960 assinalaram o início de uma grandetransformaçãoinstitucionaleconceitualnoMuseuPaulista.Depoisdeintenso debate, envolvendo a Direção do Museu, dirigentes daUniversidade de São Paulo e do governo do estado, bem como aAssembleiaLegislativa,aimprensaeosmeiosintelectuaispaulistas,oMuseu que pertencera a Secretaria de Agricultura e fora transferidopara a Secretaria de Educação nos tempos de Taunay, tornou-se, em1963, instituição subordinada à Reitoria e aos desígnios daUniversidadedeSãoPaulo,decisãoque,emcertamedida,concretizavaum dispositivo presente no próprio decreto de fundação daUniversidade,em1934,quandooMuseufoilistadocomoumdeseusinstitutoscomplementares38.

38 De acordo com o Decreto 6.283 do poder executivo estadual, de 25 dejaneirode1934,o“MuseudeArqueologia,HistóriaeEtnografiaqueéoMuseuPaulista” deveria concorrer, junto com o Instituto Butantã e os demaisinstitutos de pesquisa do estado de São Paulo, para as ações educacionaisdesenvolvidas pela Universidade. O Decreto está disponível no sitewww.5usp.br.

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Essa ruptura em termos dos objetivos sociais e do futuro doMuseu,defendidaporhistoriadorescomoSérgioBuarquedeHolanda(1902-1982)eEurípedesSimõesdePaula(1910-1977),aconteceunagestão de Mário Neme (1912-1973)39, intelectual autodidatarespeitadoporsuasrelaçõescomacoletaepreservaçãodepatrimôniocultural e comaMuseologia.Não só se abriu a possibilidadedeumainserção do Museu nas discussões historiográficas da época,dominadas cada vez mais por professores e pesquisadores dasuniversidadesbrasileirasemdetrimentodosInstitutoHistóricos,comodeu-se importante articulação das atividades do Museu com metasestabelecidaspeloInternacionalCouncilofMuseums,fundadoem1946,ecujafilialbrasileirafoicriadaem1948.Nessaocasião,espelhandoascircunstâncias sociais e políticas do mundo no pós-guerra, novosdesafiossecolocavamaosmuseus.Porumlado,oreconhecimentodeque essas entidades deveriam reformular suas funções educativas,estabelecendo vínculos sólidos com a educação formal em seusdiferentes níveis e com diferentes comunidades, apontando-se parasua capacidade de auxiliar os processos de desenvolvimento social eculturaldoconjuntodaspopulações.Poroutro,especialmenteapartirdos anosde1970, a compreensãodequeosmuseuspoderiamatuarnasmudançassociais,revendo-setantoosfundamentosdasnarrativashistóricas,antropológicas,científicaseartísticasquetinhamirradiadoaté então quanto a perspectiva de sua inserção política, cobrando-seuma Museologia de cunho social, engajada, na qual as coleções nãoeram fins em si mesmas, mas poderiam ser mobilizadas a favor daconstrução de um mundo mais solidário e menos desigual(Vasconcellos;Funari;Carvalho,2015,p.9-10). Ao período inicial de adaptação funcional aos ditames daUniversidade, se seguiram anos de difícil e complexa redefinição dasáreas de atuação do Museu, bem como do corpo de profissionais,docentes e pesquisadores sem o qual não poderiam se realizar asmudanças necessárias para que se projetasse como instituiçãouniversitária.Esseprocesso,paraoqualforamdecisivasasgestõesdeUlpiano Toledo Bezerra de Meneses (1989/1994) e José SebastiãoWitter (1994/1999), ainda se encontra em desenvolvimento na

39SobreoperíododeMárioNemeafrentedoMuseu,consultar:SILVA,2020.Ver,também,Maciel,AnaCarolina&Oliveira,CeciliaHS,2015.

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atualidade, particularmente em função das amplas reformulaçõesfísicas pelas quais atravessa o edifício, o que exigiu a reconfiguraçãototal das áreas expositivas e dos programas educativos40. Nessesentido,osanosde1990foramfundamentaisparaoestabelecimentodas linhas historiográficas que servem de guia até hoje (História doImaginário,UniversodotrabalhoeCotidianoeSociedade),orientandoacoleta,conservaçãoeestudodascoleções,bemcomoaproduçãodeconhecimentoshistóricoseaextroversãodeseusresultados,pormeiodeexposições,cursosemdiferentesníveisemodalidades,publicaçõeseaçõesjuntoàUniversidadeeàsociedadedeformageral,emespecialossegmentosvoltadosparaaeducaçãoformaleinformal. Nomomentoatual,oMuseuPaulistaespecializou-senocampodaHistóriadaCulturaMaterial comoeixo conceitual emetodológico,desmembrando-sedeseuacervocoleçõesdenaturezaarqueológicaeantropológica, remanescentes do período Taunay, que auxiliaram acomporanovaestruturadoMuseudeArqueologiaeEtnologiadaUSP,tambémnos anos de 199041. Entretanto, a definição doMuseu comonúcleodepesquisasinovadorasnaáreadaHistória,comaabordagemde temaseproblemas resultantesdoestudoe curadoriadeantigasenovas coleções, se permitiu sua inserção aos desígnios daUniversidade,nãorepresentoupatenterompimentoemrelaçãoà suatrajetóriahistórica anterior.Os compromissos comoenormepúblicoque,desdeainauguraçãooMuseuconquistou,bemcomoasdemandasda sociedadeporHistória,muitasvezes emumsentido contrárioaosustentado por historiadores e pelos especialistas do Museu,provocaram(eprovocam)desafiospenososequetalveznãovenhama

40 Descrição detalhada da nova proposta de exposições de longa duração etemporárias,bemcomoasprincipaisaçõeseducativasadotadas,noâmbitodaacessibilidade universal ao edifício e no das mediações entre públicos eexposições,encontra-senoPlanoMuseológicode2020,p.35-42,bemcomonaAula inaugural do programa de Pós-Graduação Internunidades emMuseologia,ministradaporPauloCésarGarcezMarins,ministradaem15demarço de 2021 e disponível na plataforma Youtube.com Ressalte-se que seencontra em andamento a gradual disponibilização digital do acervo dainstituição.41 Sobre o percurso conceitual e institucional do Museu de Arqueologia eEtnologiadaUSP,consultar,especialmente,Fleming,MariaIsabeld´Agostino&Florenzano,MariaBeatriz,2011.

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ser solucionados rapidamente, pois, comoalertouPoulot, osmuseusde História sofrem das tensões entre o legado da tradição, acoexistência de narrativas historiográficas divergentes e as fissurasentre essas narrativas e os conteúdos da História ensinada formal einformalmente, devendo-se, notadamente, ponderar o peso daschamadas redes sociais na disseminação de representações sobre opaísnopretéritoenopresente(Poulot,2003).

AaproximaçãoentreoMuseueosdebatesdepontanaáreadaHistóriaedasHumanidades,emgeral,significaramoquestionamentovigoroso, nos últimos anos, por parte do corpo técnico-científico dainstituição, das narrativas historiográficas e das representaçõesmuseográficas herdadas, notadamente, das décadas de 1920 e 1930.Um dos recursos mais utilizados para contraditar a memóriaconservadoraeconciliadoradaIndependênciaedaformaçãonacionalbrasileira ali fixada foimobilizar as diferentes salas de exposição delongaduraçãoetemporáriasparaadiscussãodeoutrasdimensõesdoprocessohistórico,quepermitissemaproblematizaçãodasfigurasdoshomens e mulheres “ilustres” da história pátria, debatendo-se osprocessosdeconstruçãopolíticaetemporaldaHistória,damemóriaede seus personagens consagrados. Estabeleceu-se, assim, umdescolamentomuseográficoentreaparte centraldoedifícioque levadaentradadoMuseuatéoSalãodeHonraeasdemaissalas,nasquaisabordaram-se temascomo,porexemplo, a configuraçãodacidadedeSãoPaulonosséculosXIXeXX; imagensfotográficasdaescravidãoedeafrodescendentesemSãoPaulo;olugarocupadopelasmulheresnotrabalhoenosespaçosdomésticos; relaçõesdegênero;brinquedosebrincadeirasinfantis;apresençadeartíficesedotrabalhomanualemmeio ao movimento de industrialização no início do século XX; ainserção de imigrantes de variada origem na sociedade paulista ebrasileira; e em especial, osmodos pelos quais a pintura histórica eoutros registros visuais, como as fotografias, foraminstrumentalizadospara“criar”versõessobreahistóriaeasociedadebrasileiras.

Apesar da receptividade dessas temáticas e exposições, foipossível observar, em concomitância, a resistência e a capacidade deadaptação ao longo do tempo da memória histórica em torno daIndependência e do lugar em que foi proclamada, o que entrelaçouirremediavelmente o Museu a esse enredo. Tive a oportunidade de,

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entre 1992 e 1998, colher depoimentos de pessoas que escolherampropositadamente a data de 7 de setembro para visitar o Museu(Oliveira, Cecilia H S, 2000). Naquela ocasião, já eram visíveis asdistânciasconceituaisentreasnovassalasdeexposiçãoeadecoraçãointerna,mas o quemais chamou a atenção foi o fato de que,mesmofragmentada, a memória sobre a Independência que os visitantesverbalizavam estava em plena sintonia com as representaçõesmuseográficaspresentesnoeixocentraldoprédioenoSalãodeHonra,sublinhando-sequeparamuitosdelesoquealiestavaexpostonãoeramemória e representação, mas a própria História. O peso da“imaginação histórica” que impregnou os testemunhos coletados,estava ancorada não só em signos imagéticos e textuais múltiplos(desdelivrosdidáticosatéfilmesdecinemaepropagandas)comoemrelações de afetividade pautadas na oralidade e na transmissãogeracional de impressões e tradições, indicando que um passadodistante e intangível podia ser incorporado, como representaçãocontinuadamente alimentada, no âmbito da “história vivida”. MuitosdepoimentosmencionaramovínculoentreaIndependênciaeofimdadominação colonial, outros, menos entusiastas, afirmaram que aIndependênciaaindanãoestavacompletada,emrazãodascarênciasepobreza de grande parte da população e da falta de participaçãopolítica.Outros,ainda,colocaramemdúvidaanarrativaqueoMuseuexpôs,interrogandoaausênciado“povo”eadistânciaentreasfigurasdeautoridadealiapresentadas,especialmenteD.Pedro,eocotidianoenfrentado pelas pessoas comuns. Sem dúvida, foi o momento daentrevistaeoespaçoemqueocorreuqueiluminaramosdepoimentos,provocandonosentrevistadosabusca,noarsenalculturalesimbólicoque tinham acumulado, dos elementos para estabelecer um diálogoentre o passado, a História e a situação presenciada ali. Mas, asrecriações da Independência verbalizadas demonstraram o quanto aformação daquelas pessoas estava imbricada aos “quadros sociais damemória”(Bosi,1983;Halbwachs,1990).

Mais recentemente, entre 2012 e 2014, João Paulo Pimenta eseugrupodealunosrealizaramumapesquisaabrangentearespeitodacultura de história sobre a Independência. Procuraram confrontar oresultado de um conjunto de entrevistas com conteúdos divulgadospor livros didáticos, obras de historiadores, filmes, documentários epáginasnainternet,compondoummosaicoderegistrossobreotemae

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os caminhos pelas quais foi descrito, interpretado, interrogado portodosessesveículos.Ainvestigação,pertinenteemuitoinstrutivaparatodos os que lidam com o processo de Independência e a memóriahistórica, é de grande valia, igualmente, para os que militam emmuseus.

(...) A depreender das fontes aqui analisadas, comsuaslimitações,mastambémcomsuaabrangênciaevariedade,pode-sedizerquenoBrasil,atualmente,aIndependência é tema bastante presente e atuantena sociedade; ...ela se mostra motivada e capaz dedesenvolvernoçõesdehistóriaque,porseuturnoecom regularidade, ensejam concepções erepresentaçõesvariadas,coexistenteseconflitivas...aIndependência“paira”porsobreumasociedadequenãonecessariamente seposicionaa seu respeitodemodoconsciente,claroecoerente,quemuitasvezesmesmodepreciaeridicularizaseupassadocoletivo,PareceevidentequeosdetratoresdaIndependênciasãomaisnumerososeporvezesmaisvirulentosdoque seus defensores que, não obstante, estão longedeseremirrelevantes...[Mas],ambasasposiçõessãocapazesdeconvergirem,porexemplo,emtermosdevalorização de datas e personagens; de umreconhecimentodavalidadedesaberesacadêmicos;..de embaralharem referências temporais; e de serenderem com facilidade às demandas de ummercado educacional e cultural não só de bensmateriais, mas também de capitais simbólicos, noqual a vulgarização de vidas privadas alheias, opresuntivo combate a “histórias oficiais” reais ouimaginárias, ou a ostentação de posições sobre ahistória podem perfeitamente interagir e seassemelhar...(Pimentaet.al,2014,p.33-34).

Segundo os Autores, a investigação revelou que o tema daIndependência faz parte de uma cultura de história, multifacetada ecomplexa que envolve a todos e que em sua longa duração, mesmo

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sofrendo alterações, reduções ou se prestando a caricaturasbanalizadas, manteve sua força e aparente eficácia. Ao lado deinúmeros questionamentos, dois se revelaram mais significativos doponto de vista dos argumentos que desenvolvo. O primeiro, dizrespeito ao fato das fontes não acadêmicas (livros didáticos,documentários, entrevistas, por exemplo) terem se mostrado“recriadorasdeconteúdosfortementeconvencionais”,reiterando-seaIndependência como um confronto de cunho colonial, que opôsbrasileiros eportugueses eque resultou emuma saída conservadoracom a monarquia e Pedro I. Vê-se, assim, o quanto representaçõesmuseográficas expostas no Museu Paulista ainda podem encontraramplo respaldo social. Mas, o segundo questionamento é maisinstigante ainda pois, a investigação revelou, no confronto entre osconteúdos das variadas fontes produzidas e selecionadas, quehistoriadores da Independência encontram-se igualmente enredadospela mesma cultura de história, atuando frequentemente a favor dafácil replicação de “verdades” anteriormente estabelecidas, mesmodiante de inúmeros estudos que há décadas contestam a memóriaconsagrada42, o que mostra o peso de suas formações escolares esociais às quais se aliam demandas mercadológicas cada vez maisintensas(Pimenta,JoãoPauloetal,2014,p.34-35). O dinamismo dessa cultura de história e a materialização doMuseu Paulista como emblema do entrelaçamento entre histórianacional e memória encontram-se exemplificados de forma cabal novídeoNovoMuseudoIpiranga,preparado,em2019,pelogovernodoestadodeSãoPauloepelaUniversidadedeSãoPauloparaapresentara empresários e à classe política paulista o projeto de restauração eampliação do Museu, a ser inaugurado no Bicentenário em 2022. Anarração tem caráter promocional, tendo em vista a obtenção derecursosdainiciativaprivadaparaasobras.Seuconteúdoressaltaque:“estánascendoonovoMuseudoIpiranga,oMuseudaIndependênciadoBrasil, amado por todos os brasileiros...”43. Alimentam-se entãoexpectativas sobre as exposições reforçando não só um supostoespelhamentoentremuseografiaeprocessohistóricocomo,sobretudo,

42 Sobre a renovação da historiografia da Independência, consultar: Jancsó,2003;Jancsó,2005;Oliveira,2020b.43VídeopromocionalNovoMuseudoIpiranga,2019.

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asnarrativaserepresentaçõesqueháanosocorpotécnicodoMuseubusca problematizar, sublimar e substituir por outros temas eenfoques.5.Impassesecontradiçõesentrerepresentaçõesmuseográficas:omomentodosBicentenários Vários dos museus de História latino-americanos estiveramenvolvidosnascomemoraçõesenaspolêmicaspolíticaseculturaisdosBicentenários que vêm se sucedendo desde pelo menos 2010. EmBuenosAires,noMuseuHistóricoNacional,porexemplo,foramfeitasintervenções nas áreas expositivas, buscando-se interrogar osfundamentos do lugar simbólico ocupado pela instituição naformulaçãoereiteraçãodamemórianacional.AofocaroBicentenário,os curadores da mostra, como discutiram Di Liscia, Bohoslavsky eOleaga, confrontaram o “drama épico” composto por conflitosmilitareseheróisdapátria,aexemplodeSanMartí,comumanarrativa“irônica”queprocuravaevidenciarosmodospelosquais,porocasiãodo Centenário, em 1910, os dirigentes do Museo produziraminterpretações, projetando para o passado episódios, personagens evalores que continuaram a repercutir como se espelhassem as lutaspolíticas dos inícios do século XIX e não os embates do presente emque foram idealizadas. Narrativas museográficas e historiográficasdistintas foram contrapostas, apontando o caráter fluido dasidentidades nacionais para provocar uma reflexão questionadora dorelatogloriosoquecercaapátriaesuaconfiguração.

(…) El MHN se dirige en la actualidad a públicossimilares a los que fue creado para impactaroriginariamente(escolaresyturistas,obviamenteennúmero muy diferente). Se presenta como unainstitución “de cara” al Bicentenario, en la medidaqueelpróximoaño,de2010,loincorporademaneradecisiva tantoenelpresupuestode laSecretaríadeCultura de la Nación, como en las diversasconmemoraciones festivasy recordatorias.A lavez,haintroducidounareflexiónirónicasobresumismacondición de forjador de ese pasado. ¿Cuál será el

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impacto en los visitantes? Muchos de los cuales…acuden a losmuseos históricos a que les “cuenten”sobreloquenosaben,conunaexpectativadeloquelosmuseoshansidoenelpasado.Esdifícilanalizar,con los elementos que disponemos, si estas formasde asumir y representar la memoria comunitariaserán aceptadas, pero es interesante saber queinstalan un debate. Así, cien años después de lasimulaciónimpuestaapartirdelanarraciónépica,elMuseo hace su propia circunspección y se lee conojossemióticos,paraqueesteBicentenariodescubralasimposturasdelpasado.Opretendaotrasnuevas…(DiLiscia,Bohoslavsky&Oleaga,2010).

Também Sigal Meirovich, ao discutir recente exposição noMuseuHistórico Nacional do Chile, aberta em 2018, apontou de quemodo as comemorações do Bicentenário ensejaram da parte demuseólogos e historiadores uma crítica contundente às narrativastradicionais e amplamente divulgadas no interior da sociedade,municiando um debate sobre as condições atuais da democracia nopaís,oquegerouenormepolêmicapolíticaapontodeaexposiçãoserfechadaeseudiretordemitido. No Chile, algumas das principais comemorações doBicentenário aconteceram em 2010, para rememorar a formação daprimeiraJuntadegovernoautônomo.OMuseuNacionalpreparouparaaquele momento uma exposição centrada na organização política ejurídica da nação bem como de seus cidadãos. Mas, em 2018, foicelebrada a assinatura da Ata de Independência propriamente dita epreparadapela instituição umanovamostra temporária denominada“Hijosdelalibertad”.Segundooscuradores:esta exposición intenta abordar cómo el concepto de libertad poseediversas vertientes: política, social, económica y/o cultural, las quemuchasvecessoncontrapuestaseinclusoantagónicas,ycómo,porotrolado,laculturamaterialvinculadaaestosideariosseexpresaatravésdesoportes conmemorativos y simbólicos que buscan hacer perdurar lamemoria.(Alegría,L.etal.,2018,s/p) Pensada a partir de coleções comuns aosmuseusdeHistória,comoasquereúnemmoedas,medalhas,armas, indumentáriamilitar,

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pinturas históricas e retratos, a exposição pretendeu expor relaçõesentreos ideaisdaRevoluçãoFrancesaesua incorporaçãoeaplicaçãoaosdiscursoseaçõesdeliderançaspolíticaschilenas.Ofocomaiordaspolêmicas foi, entretanto, um grande painel com frases sobre aliberdadeeseussignificadosproferidasporváriosdospresidentesdaRepúblicachilena,emdiferentesperíodoshistóricos.Aquestãoéque,dentreosgovernantesmaisrecentes,encontrava-seogeneralPinochete a frase selecionada justificava o governo ditatorial e violento quedirigiuemnomedaliberdadeedadestruiçãodomarxismo,associadoaAllende. Aocontráriodeapresentaraquiloquepartedasociedade,da imprensa e da classe política imaginava em termos de uma certaestabilidade política nacional vinculada ao exercício da liberdade aolongodotempo,aexposiçãotransgrediurelaçõesentrepoder,saberememória comumente aceitas e sugeriu ainda que o conceito deliberdade da época da ditadura não havia sido rechaçado pelosgovernosqueseseguiram.ParaMeirovich

(…)Unproyectoexperimentalqueincluyaverdadesincómodas, como la continuidad y actualidad de laidea libertaria pinochetista en nuestra democraciaoficial, es valioso para la reflexión colectiva, sinembargo, resultó evidente que fue ambicioso yrequería mayor maduración. A pesar de ello, laexposiciónfueexitosaparaalgunosvisitantes,tantopara los trabajadores del ámbito museal como elpúblico general, al poner en tensión su discursotradicionalmodernode lahistoriacomoprogresoydel museo como dispositivo disciplinar. Logróvisibilizarquelaconstruccióndelideariopolíticonoes un horizonte universal consensuado, sino uncampo en disputa que se resignifica de maneracontingente…”(Meirovich,2020,p.281-282).

Talvez,noentanto,paraodebatesobreosnexosentremuseusde História, política e celebrações da Independência, o caso maisexemplarsejaodoMuseuHistóricoNacionaldaColômbia,emBogotá.Como observou William Alfonso López Rosas, o momento doBicentenário, em 2010, assinalou um dos pontos mais agudos do

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embate entre duas representações museográficas da memóriahistórica na Colômbia: uma, associada às tradições museais devalorização das coleções a serviço, porém, de uma história queprivilegia os “pais fundadores” e a “simulação social” da naçãounificada e apaziguada; e outra, inspirada nomulticulturalismo e naplurietnicidade, concepções que integram a Constituição colombianade 1991, e que, segundo o Autor, procura incorporar, nos espaçosculturais do país, atores até então excluídos ou encobertos por umahistóriapolíticadominadapelaselites(Rosas,2015,p.115-116).

Na concepção de Amada Carolina Pérez, historiadora quecompôso comitê curatorial, a exposição temporária “Lashistoriasdeumgrito:200añosdesercolombiano”:

(...) tinha como um dos seus conceitos centrais arepresentação, conceitoqueprestaatençãoespecialàs relações entre a realidade e a linguagem. ...À luzdesse conceito, buscava-se estabelecer umaabordagemanalíticaquepropiciasseareflexãosobrea mediação entre o processo que tem sidodenominadode Independênciaea formacomo temsidoelaboradaamemóriasobreoreferidoprocessonosúltimosdoisséculos:quaisosacontecimentoseos personagens que se tem privilegiado, quais têmsido ocultados e por quais motivos?.... tentava-sedesnaturalizar as imagens e os relatos sobre aIndependênciaetornarexplícitoqueelesrespondema práticas específicas e buscam legitimar relaçõessociais epolíticas, ou seja, são tambémconstruçõeshistóricas...(Perez,2011).

Para a organização damostra forammobilizadas coleções doMuseurelacionadasaotemadaIndependência,aexemplodepinturashistóricas, retratos, armas e indumentária pertencentes aos heróisnacionais, porcelanas, mobiliário, moedas e medalhas, mas uma dasmetas foi a de relativizar o peso de suas significações por meio dainserçãodeobjetosdocotidiano (roupas, fotografias, reproduçõesdesímbolos nacionais, por exemplo), imagens e vídeos elaborados emmomentos históricos diferentes e por outros sujeitos que

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tradicionalmentenão integramo circuitomuseológico, especialmentedescendentesdeindígenaseafricanosescravizados.Assim,produçõesgeradas pelos meios de comunicação de massa, como rádio, TV ecinema,ajudaramacomporumanarrativaquequestionavaaimagemqueaselitesprojetavamdesimesmas, incorporando-seaoelencodepersonagens conhecidos, a exemplo de Bolívar, “heróis sem rosto”:homensemulheresdeumasociedademúltipla,visandoaapresentaçãodediversidadesocialeracialquetambéminterrogava,porsuavez,asrepresentaçõescorrentessobreo“povo”colombiano. As críticas mais contundentes à exposição partiram dapresidênciadaRepública,depolíticose intelectuais e, igualmente,deumapartedocorpotécnicodopróprioMuseu,oqueacarretounãosóofechamento antecipado da mostra como o pedido de demissão dacoordenadoracuratorial,CristinaLLeras. AoladodaacusaçãodequeasopçõesmuseográficaslembravamumparquetemáticoDisney,ondetudo era banal, acrescentaram-se críticas veementes ao modo comoforam tratados os “pais fundadores”. A profusão de cores, os balõesinfláveis com os logotipos de patrocinadores, as pinturas de artistascontemporâneos “misturadas” às telas de século XIX e imagens detelevisãoemmovimento,projetandonovelas,desenhosefilmes,foramdescritos como sinônimos da mercantilização da cultura. Mas, osdetratoresdaexposiçãodemonstrarammaiorvirulênciaemrelaçãoaofato da ideia de diversidade étnica e social estar representada, entreoutras opções museológicas, pela colocação de perucasafrocolombianasnosbustosdeBolívareSantander, tradicionalmenteexpostos em lugar de grande destaque no saguão do Museu. Aintervençãofoi feitaporumjovemartistacolombiano,NelsonFory,esegundoLleras,muitodistantedeumabrincadeiraoudesrespeitoparacom personagens históricos tinha a intenção de reivindicar aparticipação política de afrodescendentes na história da nação e deassinalarainvisibilidadedenegrosemulatosque,mesmolutandopelaIndependência, especialmente em Cartagena, não faziam parte dasnarrativas históricas (Lleras, 2010). Na visão de William Rosas, aspropostas de Lleras e do grupo de professores universitários emuseólogos que auxiliaram a delinear a exposição, mesmo sendocriticadas,acabaramprevalecendonohorizontedenovasexperiênciasmuseológicas. Avaliações positivas dentro e fora da Colômbiacontribuíram para corroborar a importância da proposta central

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daqueleprojetoquefoitransformaramemóriadascomemoraçõesemobjeto de estudo da História. Além disso, as próprias circunstânciasinternas da Colômbia e a vivência de um conflito armado que sedesenrola há anos apontaram para a impossibilidade do MuseuHistórico Nacional reproduzir, sem acurada reflexão, narrativashistoriográficasemuseográficas,sistematicamentedesmentidaspeloslimitespolíticosesociaisemqueseencontraanação(Rosas,2015,p.131). NoMuseuPaulista,aconcepçãoeconcretizaçãodasexposiçõesparaoBicentenárioacompanham,atualmente,osintensostrabalhosderestauraçãoeampliaçãodoedifício-monumento,cujainauguraçãoestáprometida para o 7 de setembro de 2022. O Plano Museológico dainstituição, datado de 2020, indica as linhas gerais das novas áreasexpositivas: “Para entender a sociedade” e “Para entender oMuseu”.Ambas exploramproblemashistóricos e acervos relacionados às trêsvertentes principais de investigação acadêmica - História doImaginário, Cotidiano e Sociedade eUniverso do Trabalho – alémdeprocurarem discutir os procedimentos técnicos e científicos quepautam os trabalhos de curadoria do acervo, o que envolve desde acoleta, identificação, documentação, conservação e condicionamentodepeçasecoleçõesatéseuestudoeextroversão(PlanoMuseológico,p.35-36). No que diz respeito, especificamente ao tema daIndependência, será abordado em exposição temporária intitulada“Memóriasda Independência”, voltadaparaa reconstituiçãoedebatedos modos pelos quais a Independência foi celebrada, ao longo dotempo,privilegiando-seasdatasde1822-1872-1922-1972e2022eascidades de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Salvador. Emconcomitância, está prevista, também, a exposição “OutrasIndependências” na qual serão tratadas comemorações de eventos, aexemplodas revoluçõesde1817e1824,que, geralmente, não fazempartedamemóriamaisdivulgadasobreoperíodo44,lembrando-sequetoda a decoração interna do edifício, abrangendo o painel de Pedro

44 A curadoria dessas exposições temporárias está a cargos dos professoresPauloCésarGarcezMarins,MariaAparecidaMenesesBorregoeJorgeCintra,todosdocentes atuantes noMuseuPaulista. As perspectivas historiográficasmaisgeraisqueinformamessasexposiçõesencontram-senoPodcastEcosdoIpiranga.com.br,setembrode2020.Disponívelnaplataformawww.mp.usp.br.

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Américo,asíntesehistóricadaformaçãonacionaleopanteãonacional,idealizadosporTaunay,foirestauradaemantida.

Figura 5 - Desenho da portada frontal doMuseu Paulista segundo oprojeto Novo Museu do Ipiranga, 2019. Projeto atualmente emexecução.Disponívelnaplataformawww.mp.usp.br. Poresseesboçoépossívelperceberapresençadeconcepçõeshistóricas e museológicas exploradas pelas três outras experiênciascomemorativasdoBicentenárioquemencioneianteriormente.Ouseja,nãoéoprocessohistóricoohorizontedeanáliseeextroversão,masasformasemodospelosquaisseconfigurarammemóriasecelebraçõesdeepisódioseprotagonistas.NocasodoMuseuPaulista,asexposiçõesmobilizam predominantemente representações visuais em suasdiferentes modalidades, desde a pintura histórica até a fotografia ecartões postais. O escopo da proposta segue, assim, premissassugeridasporUlpianoToledoBezerradeMeneses,paraquem:

(...)ofiocondutoréadimensãocríticadaexposição."Crítica" no sentido etimológico, que implicacompetênciadedistinguir, filtrar, separar,portanto,possibilidade de opção, escolha. Se o museu tem

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responsabilidadesnatransformaçãodasociedade(ea exposição, para tanto, é recurso fecundo), isto sefaránãocomprocedimentosdeexclusãoelitista,oucatequese populista, mas na medida em quecontribuirparacapacitarnasescolhastodosaquelescomquempuderseenvolver.Seomuseuseeximirda obrigação de aguçar a consciência crítica e decriar condições para seu exercício estará apenaspraticando uma formamascarada do autoritarismoqueosmuseólogos tanto têmexpostoà execração...SeoTeatrodaMemóriaéumespaçodeespetáculoque evoca, celebra e encultura, o Laboratório daHistóriaéoespaçodetrabalhosobreamemória,emqueelaé tratada,nãocomoumobjetivo,mascomoobjetodeconhecimento(Meneses,1994,p.40-41).

CompreenderoMuseucomo“laboratóriodaHistória”,noqualo saber é reconhecidamente parcial, provisório, em constanterenovação e transformação, pode constituir caminho enriquecedorparaproblematizareevidenciaroqueRaquelGlezerdenominou“mitoda identidade nacional”, inscrito no edifício doMuseu e no conjuntodecorativoproduzido,notadamente,nasdécadasde1920e1930.Aoescreverem2003,quandodirigiaainstituição,Glezerponderou:

É surpreendente que, em nosso dias, no início doséculoXXI,apesardetodasascríticasepropostasdetransformação do perfil museológico do MuseuPaulista...ele ainda não seja um museu para ocidadão, no qual os cidadãos brasileiros possam[perceber] o patrimônio cultural como seu.....Mas ofuturo o aguarda...Trabalhar de forma analítica ecrítica o mito [nacional] pode ser uma tarefarelevanteesignificativaparaofuturo,masparaquetalocorra,arelaçãocomoconhecimentohistóricoehistoriográfico deverá ser estabelecida e umaatuação clara e crítica deve ser determinada paraafastar os riscos do conservadorismo social....(Glezer,2002/2003,p.17-19).

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Ambososhistoriadoresedirigentesdainstituiçãoregistraramadvertências pertinentes e contundentes sobre os desafios deenfrentar tradições centenárias e empreender sua discussão. Mas,detiveram-se emdimensões particulares (aindaque entrelaçadas) daprática museológica. Meneses frisou sua preocupação com os nexosentreoMuseueapesquisaacadêmicanocampodaHistóriadaCulturaMaterial, apontando a necessidade de se transformar o “teatro damemória” em objeto de conhecimento, condição essencial para quehouvesse a plena inscrição do Museu Paulista no universo daUniversidade de São Paulo, privilegiando-se a transformação dascoleções e da curadoria do acervo em recurso para a produção deconhecimentohistóricoehistoriográfico.Glezer,aocontrário,mesmoquestionandoacapacidadedocorpotécnicoproblematizaro“mitodaidentidadenacional”,deleseafastandoparacomporoutroroldetemashistóricos mais amparado nas coleções, sublinhou um problemasecular do Museu: as intrincadas mediações entre o que ahistoriografia discute, o que as exposições propõem e aquilo que opúblicoaguardaouimaginaqueoMuseupossaoferecer. Esses aspectos remetem, por sua vez, a reflexões de RégineRobin que talvez possam iluminar o trabalho complexo e penoso deproblematização da memória histórica consagrada e dos mitosnacionais, particularmente no momento político que atravessamos.Lembrando-se que a propaganda feita pelo governo estadual, porpatrocinadores e pela Universidade em torno da museografia e dadisponibilização de recursos tecnológicos e virtuais a sereminaugurados enseja grande expectativa para sujeitos sociais queimaginam vivenciar situações e prazeres nos quais se confundemficção e “realidade”. Para uma sociedade estilhaçada, na qual seconfrontamcotidianamenteindividualidades,demandasporrespeitoaalteridades,diversidadeétnica,subjetividadesaguçadas,oqueesperarde espaços e lugares que do passado remoto até o presente foramassociadosacivismo,celebraçãodasaganacionalecoesãosocial?

Além de chamar a atenção para a simultaneidade entre osprocessosdememorizaçãoedeapagamento,expressosnasnarrativashistoriográficas emuseográficas que osmuseus expõe, Robin discutecomoosesquecimentosdeeventos,personagenserealizaçõesnãoserelacionam diretamente à destruição física de locais e vestígios,

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mostrandooengodoeafragilidadedeseimaginarqueporintermédiodesubstituiçõessejapossívelsuprimirsilênciosmantidosdopretéritoparaopresente(Robin,2016,p.81-96).

O verdadeiro esquecimento talvez não seja o vazio,masofatodeimediatamentesecolocarumacoisanolugar de outra, em um lugar já habitado, de umantigomonumento,deumantigotexto,deumantigonome. Ou ainda voltar atrás passando por cima deumpassadorecente,obliteradoemfavordeummaisantigo.(Robin,2016,p.93)

Porcaminhosespecíficosabordaasarticulaçõesentremuseus,patrimôniosaliconservadoseoempenhodediferentessegmentosdasociedade em produzir narrativas sobre o passado desejosas de quesejam guardadas nesses nichos ainda sacralizados. Por outro lado,apontaparaofatodequeosmuseussãoentidadespúblicasmarcadaspor tensões, contradições e negociações políticas avivadaspermanentemente. Neles vicejam a memória de conhecimentos e depráticas de saber que também carecemde questionamento para quesejam explicitados os fundamentos dos contrastes inevitáveis entrerecalqueseapagamentoseavisibilidadedecoisas, imagens,nomesepersonagens.

Essas tensões e contradições foram agravadas nos temposatuais em razão do universo virtual que nos envolve marcado pelaprofusão, fragmentação e rápida mudança e justaposição derepresentações, imagens e “informações”. Dada a impossibilidade dereconstituir as origens de atos, imagens e palavras, a quantidade ediversidade daquilo que se apresenta a nossos sentidos ao invés deesclarecer,tornamaisopacoosespelhamentosda“realidade”.ÉnessecenárioqueoMuseuPaulistaeosmuseusdeHistóriasesituam.Oquese espera para o futuro é que ofereçam possibilidades de reflexãosobre as relações viscerais entre o que está ali colocado à luz deolharesepercepçõeseoqueseencontrasombreadonecessariamentepelasopçõespolíticasadotadas frenteàs coleçõeseaoconhecimentohistórico.Nessesentido,diantedadimensãodastradiçõeslegadaspelopassadoedesdobradaspelopresente,oespaçodoMuseu, tantopara

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curadores e especialistas quanto para amultiplicidade de segmentosdepúblico,entrelaçaconquistasefrustações.BibliografiaAlegría, L., Andrade, P., Arriagada, P., Covarrubias, M., Martínez, J., ySilva, B. (2018). Hijos de la Libertad. 200 años de Independencia.Santiago:MuseoHistóricoNacionaldeChile.Alves, Ana Maria de Alencar. (2001) O Ipiranga apropriado: ciência,política e poder. O Museu Paulista, 1893/1922. São Paulo,Humanitas/ProgramadePós-GraduaçãoemHistóriaSocialdaUSP.Anhezini,Karina.(2002/2003)MuseuPaulistaetrocasintelectuaisnaescritadaHistóriadeAfonsodeTaunay.AnaisdoMuseuPaulista.SãoPaulo,MuseuPaulistadaUSP,Novasérie,vol.10/11,p.37-60.Bann, Stephen (1994) As invenções da História. Ensaios sobre arepresentaçãodopassado.Trad.F.Villas-Boas.SãoPaulo,UNESP.Bittencourt, Circe Maria F (1990). Pátria, civilização e trabalho. OensinodeHistórianasescolaspaulistas,1917/1939.SãoPaulo,Loyola,1990.Bittencourt,VeraLúciaNagib(2012).RevistadoMuseuPaulistae(m)capas: identidade e representação institucional em texto e imagem.AnaisdoMuseuPaulista,v.20,n.2,julho/dez,p.149-184.Bittencourt,VeraLúciaNagib(2017).Affonsod´EscragnolleTaunay:amusealização de acervos e práticas historiográficas. In: OLIVEIRA,Cecilia Helena de Salles (org). O Museu Paulista e a gestão Taunay.EscritadaHistóriaeHistoriografia.SãoPaulo,MuseuPaulistadaUSP,p.52-81.E-bookdisponívelnoPortalAbertodaUSP.Bosi, Ecléa (1983).Memória e Sociedade. Lembranças de Velhos. 1ª.Reimpressão.SãoPaulo,TAQueiróz.

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DACASADEMORADAAO

MUSEU-CASADECULTURAHERMANOJOSÉ

BernardinaMariaJuvenalFreiredeOliveiraUniversidadeFederaldaParaíba,Brasil

https://orcid.org/0000-0002-6836-3102

BertrandPereiraMartinsInstitutoNacionaldoSeguroSocial–Cultural,Brasil

https://orcid.org/0000-0003-3500-6149

1.Introdução

[...] tudo é tão penetrado de afetos, móveis,cantos, portas e desvãos, que mudar é perderuma parte de si mesmo; é deixar para tráslembranças que precisam desse ambiente parareviver.(BOSI,2006,p.436)

Esteensaioobjetiva registrar amudançada casademorada

do artista plástico Hermano José para o Museu-Casa de CulturaHermano José.Todavia,anarrativaaquipostapartedeummomentohistórico específico, que se inicia em novembro de 2016 amarço de2018,comtodaaproblemáticadotempopassadoque,naocasião,jáseaproximavados18mesesdoencantamento45dotitular,desvelandoaspeculiaridadeseenfrentamentonamudançadefunçãodoimóvel,bemcomo a problemática que envolve esse tipo de atuação, sobretudoquandoestessedãoemumprocessodetransiçãoentreprivadoversuspúblico,entreprivadoeprivativo.

45 Como disse João Guimarães Rosa, em discurso, durante sua posse naAcademia Brasileira de Letras (ABL), em 16 de novembro de 1967: “Aspessoas nãomorrem, ficam encantadas… a gente morre é para provar queviveu.”. Por essa razão, adotamos o mesmo termo para referir-se aofalecimentodeHermanoGuedesdeMelo.

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Nessa trilha, adotamos como abordagem metodológica, ospressupostos da abordagem qualitativa de caráter etnográficoassociadaaocampoexperiencial,daspráticasevivênciasentremeadaspelosaspectosteóricosdamuseologiaeáreasafinsquerpelocontextohistórico-socialquerpelanecessidadedeabordarcategoriasteóricasàluz dos fundamentos teórico-metodológicos das casas-museu e dosprocessosdetratamentotécnicodessepatrimônio,particularmenteaorefletir sobreoquenosalertaPonte (2007,p.25), aoafirmarqueascasas-museusdeverão:

[...] deverá reflectir a vivência de determinadapessoaque,dealgumaforma,sedistinguiudosseuscontemporâneos, devendo este espaço preservar, omaisfielmentepossível,a formaoriginaldacasa,osobjectoseoambienteemqueopatronoviveu,ounoqual decorreu qualquer acontecimento derelevância, nacional ou local, e que justificou acriaçãodestaunidademuseológica.

Por outro lado, temos que considerar tambéma vontade do

titular, especialmente quando este registra o uso que gostaria quefosse dado ao imóvel tornando-o público, no sentido lato da palavra.Umespaço,comacessibilidade,pensadoestruturalmenteparaatenderaopúblico.Talperspectivaorientounãoapenasmudançadeutilizaçãodo imóvel, bem como requereu pensar possíveis alterações físicas,conformedesejouHermanoGuedesdeMelo.

2.Hermano[José]GuedesDeMelo:deproprietárioabenemérito

Hermano Guedes de Melo, que posteriormente teve o José

incorporado artisticamente ao seu nome, nasceu no Engenho Baixa-Verde,situadonomunicípiodeSerrarianoBrejoparaibanonodia15de julho de 1922, primogênito do músico e coletor público RaulEspínola Guedes e deMariaAliceMelo Espínola Guedes que tiverammaisonzefilhos.Suainfânciavivida,duranteasférias,emumacasadeestilocolonial,edificadaemdoispavimentos,entreasbelezasnaturaisdas serras e montes recobertos pelas cores da natureza, onde opequenoHermanoteveseusprimeiroscontatoscomaarte,conforme

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assinala Andrade (2013, p. 20-21), em sua obra A vida luminosa deHermanoJosé:

Foi nessa casa que Hermano teve os primeiroscontatoscomlinguagensvisuais:desenhosaguache,litogravuras, quadros a óleo e muitos objetos artnouveau. [...]. O cheiro das frutas, das flores, dobagaçodacana[deaçúcar],amúsicadospássaroseoapitodoengenho,[...]sãosensaçõesinesquecíveisqueficaram,indelevelmente,namemóriadomeninoHermano, como ele diz numa frase poéticas: o‘Engenho Baixa-Verde era o lugar dos aromas, dascoresedaalegria´.

Essa memória lhe era frequente, tanto que em 2007, ele

escreveopoemaintituladoBaixa-Verde:

OsjardinsdeBaixa-verdeComoesquecê-los?Perfumesderosas,jasmins,crisântemosamargosseexpandiamentrecanteiroscoloridosdeverbenas.OsjardinsdeBaixa-verdeFicaramsuspensosemumtempoquenãoacaba.Naentrada,tanquecomáguaverde-lodo,Espelhoondeoscilavamreflexosdeminhainfância.

Em1923,aindanaprimeirainfância,afamíliamuda-separaa

cidadedeCaiçara.Caiçaracantadaemverso,commesmotítulo,poreleemfaseadulta:

OssonsdosmetaiszunindoNasrodasdoscarrosdeboisOsolapinoMatasecaestalandoUrubus,bichosmortossobrevoandoCaiçara.Otemponãosabia

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SeestavacomeçandoOuacabandoCriançaqueeueraNomundochegandoCaiçara.NolímpidoazuldoscéusNoclarãodomeio-diaAtéumaestrelaeuviaCaiçara.NasmargensdorioAcompanhavaacorrentezaquedesciaFalavamqueiapromarEdelánãovoltariaCaiçara.QuemsomosnósQuenãopodemossernovamenteOmelhorquejáfomos?

Noretornoaotempodainfância,momentoemqueopequeno

Hermano passa a ser chamado de José, desejo de sua mãe que eradevota de São Hermano José Steinfeld, de origem alemã (ANDRADE,1993). De tanto ser assim chamado, embora não constasse do seuregistro civil, ele ficou conhecido como Hermano José, nome queadotou tambémem sua carreira artística. Foi naquela cidade emquetevecontatocomaculturacircense,comosfestejosjuninosereligiososeasfestasderuas.Nesseirevir,ocoloridodasfestasedoscircos,dealguma forma, vai ficarmarcado nas obras do artista, assim como anatureza.

Emsuaformaçãoescolar,Hermanoveioresidirnacapitaldoestado, de início, na casa dos avós maternos, um novo mundo oconfrontara.Hermano,agora,sedeparavacomumacidadetecnológica,dosbondes,doscafés, as falésiasdoCaboBranco.Estudouemváriasescolas até entrar para o Lyceu Paraibano, momento em que tevecontatocomprofissionaisrenomadosnoestadonocampodasartesdeforma geral, fotógrafos, pintores, desenhistas, musicistas, e se

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transformou em um apaixonado pela música clássica, sobretudo porcompositorescomoChopin,Mozart,BeethoveneVillaLobos,dequemconseguiu arrancar-lhe um autógrafo quando este esteve na Paraíba,pelaprimeiravez.

Com essa educação fundamentada em uma formaçãohumanista,Hermanovaiaprimorandoseuladosensivelmenteartístico.Aos23anos,integraocorpofuncionaldoBancodoBrasiliniciandosuacarreiranoestadodoRioGrandedoNorte.Apesardaescassezdeseutempo, foi desenvolvendo sozinho seusprimeiros traços e pinturas aóleosobretela,tendosuaprimeirapinturasidoinspiradanapraiadePontaNegra(RN),datadade1946,medindo28x36cm.Nessemesmoano,eleretornaàcapitalparaibanae integraoficialmenteoConselhoDiretor do Centro de Artes Plásticas da Paraíba (CAP), cujo objetivoconsistia na luta pela inserção do ensino do desenho e pintura nacidade de João Pessoa, entidade que fez com queHermano estivesseentre os mais representativos nomes das artes plásticas paraibanas.SuaprimeiraexposiçãosedeuemumacoletivanaBibliotecaPúblicadoEstado,localizadanaRuaGeneralOsório,em1950.

Ressalte-se, todavia, que em 1949, quando da fundação dosuplemento literário O Correio das Artes, Hermano José e outrosartistaspassaramailustrá-lo,emboraelejáofizesseadespeitodasuailustraçãoquefoipremiadanojornalDiáriodePernambucoem1948,intitulada‘Vencida”.

Na Europa, Hermano José procurou aprofundar seuconhecimentopormeiodocontatoeapreciaçãodasobrasdosgrandesartistas,oquelherendeucertainfluênciadessevanguardismoeuropeuepondoempráticaquandodeseuretornoaoBrasil.

Foi plural em sua arte, no campo das artes plásticas ousoupintar en plein air, na busca pela captação da natureza, adotouinfluênciasdoimpressionismo.Emsuapluralidadeartístico-literáriaecultural,HermanoJoséfoipintor,desenhista,gravador,críticodeartes,dramaturgo,cenógrafo, ilustradorde livrose jornais,poeta,professordedesenho,ativistaegestorcultural,ecologistaebenemérito.

Esta última atividade se revelou em pequenos e grandesgestos,desdeaquelesaquempresenteavacomsuasobrasoumesmoaquelaquetornouaUniversidadeFederaldaParaíbaherdeiradeseupatrimônio.PráticainusualnoestadodaParaíba.

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Aoefetivar suadoação, compouca exigência, percebe-se emHermano José uma dupla dimensão: a) o cidadão-artista com toda asuapluralidade, inquietonoatodecriar;eb)ohomemdesprendido,com a convicção de que tudo o que construíra só teria sentido sepudesse ser transformado em instrumento de visitação pública,servindoefetivamenteaoseupróprioeu–asarteseoestardisponívelparaoensino,apesquisa,aextensãooumesmoaapreciação.

Comesteespírito.HermanoJosédoousuacasaetudonoquenelahavia, umespaçoprivado, para tornar-seumespaçopúblico, dopovo.Nesseaspecto,temosqueconsiderararelaçãopúblicoeprivadoque,naconcepçãodeArendt(2015),abordaessarelaçãoedefendeoslimites que são impostos a cada um desses domínios. Para a autora,esselimiteseestabelecena“[...]distinçãoentreoquedeveserexibidoeoquedeveserocultado”(ARENDT,2015,p.89).Distinguindo-sedocaráterprivativoque,paraela,“significava literalmenteumestadodeencontrar-se privado de alguma coisa, até dasmais altas e humanascapacidadesdohomem”(ARENDT,2015,p.47).

AatitudebeneméritadopluralHermanoJosé,conhecidoportraçosdelicadosedecaracterísticaspeculiaresemsuaarte,seefetivoupostmortemem21demaiode2015,datadeseuencantamento,aos93anosdeidade.Dopatrimôniorecebido,desconhecia-se,emminúcias,oespóliodeixado.Apartirdedezembrode2016,foiiniciadootrabalhodearrolamentoecatalogaçãodetodososobjetosdeixadosnoespaçodesuavivênciapessoal,suaantigaresidência,suacasademorada.

3CASADEMORADA,RECANTODEVIDA

[...] a casa afasta contingências, multiplicaseus conselhos de continuidade. Sem ela, ohomem seria um ser disperso. Ela mantém ohomematravésdas tempestadesdocéuedastempestadesdavida.(Bachelard,1993,p.26).

A epígrafe introdutória é um fragmento extraído da obra,

Poética do Espaço de Gaston Bachelard, na qual o autor discute sobuma perspectiva fenomenológica valores da intimidade no espaçointerior elegendo, para tanto, a “casa” como este espaço ilusório deestabilidade (Bachelard, 1993). Por outro lado, este mesmo espaço

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acolheohomem,protege-o,poiselaé,nodizerdoautor,“nossocantonomundo”.

Nesseaspecto,acasa

[...] abrigaodevaneio, a casaprotegeo sonhador, acasanospermitesonharempaz.[...].[...]acasaéumdos maiores poderes de integração para ospensamentos,aslembrançaseossonhosdohomem.[...].Elaé corpoealma.Éoprimeiromundodo serhumano. Antes de ser ´atirado ao mundo´, [...], ohomemécolocadonoberçodacasa.[...]acasaéumgrandeberço.(Bachelard,1993,p.26).

Oespaçoqueoacolhe,queoembala,oespaçodovivido,ou

seja,uma“topografiadonossoser íntimo”(BACHELARD,1993,p.14).FoicomesseespíritodecompreensãoqueHermanoexperienciouseuvivido, a casa de sua propriedade construída em frente ao mar,localizadanoJardimOceania,nacidadedeJoãoPessoa/PB-Brasil,áreanobredacapitalparaibana,localemqueviveuporlongosanosdesuavida.Oespaçoeraparaalémdeconstructomeramentefísico.Láviveu,recebeu amigos, produziu sua arte, escreveu seus poemas, fez seusdiários,defendeuanatureza.Eleestavanacasanamesmaproporçãoqueelaestavanele,comoafirmouBachelard(1993,p.20):“[...]estãoemnóstantoquantoestamosnelas”.

De pé-direito alto, a casa mistura-se com a natureza, emespecial com vista para o ponto mais oriental das Américas, o queimpulsionouoartistaatornar-seumdefensordaecologia,bemcomousarsuaartepararetrataranaturezaeosdesafiosdotempo.Frenteaomar, a casa foi “construídaem tijolose recobertade telhas, comdoispavimentos, contendo no pavimento térreo: terraço descoberto,terraço social, três quartos, uma sala, banheiro social, banheiro deempregadaecozinha.Nopavimentosuperiorhá:umaescadaquevemdoandarinferior,varanda,doisquartos,saladeestar,banheirosocial,com portas, janelas e janelões, edificada em terreno parte próprio eparteforeiraao“DomíniodaUnião”,conformedescriçãoconstantenaescriturapúblicadedoaçãofls.081.

Doprimeiro andar, o artista encontrava sua inspiraçãoparapincelar telas, colecionar obras de artes, móveis, discos, livros e um

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vasto conjunto de peças sacras, além das notícias veiculadas emjornais, revistas e textos de críticos de arte sobre ele. A casa eraconstruída, em seu sentido lato, do ser dialético de seu proprietário.Umacasacheiadememórias,sendo,pois,aprópriamemória.

Figura1:AcasademoradadoartistaplásticoHermano

VistafrontaldaresidênciaVistalateraldaresidência

Fotografia:OrielFarias

Figura2:ÁreaexternadacasademoradadoartistaplásticoHermanoJosé

Fotografia:OrielFarias

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Ao doar formalmente seu patrimônio para a Universidade

FederaldaParaíba(UFPB),emmarçode2015,pormeiodeescriturapública de doação, Hermano José revelou seu desejo pessoal detransformar o lugar numa espécie de Casa de Cultura, estabelecendocomocláusuladeencargoàdonatária: “Usufrutovitalício,dodoador;ser criado o Centro Cultural com seu nome, no prazo de 24meses acontar da data demorte do doador; garantir a reformada casa, comcondiçõesfavoráveisàvisitaçãopública;tratartecnicamentetodososobjetos;garantirarestauraçãodacasaedosobjetosdearte;elaborarum projeto de uso artístico para o imóvel; possibilitar a visitaçãopública, bemcomogarantir as condiçõesde segurançaepreservaçãodoimóveletudooqueoacompanhava”46.

Com gesto generoso, o benemérito propôs em vida,registrando em cartório seu desejo e de pronto aceito pelauniversidadeFederaldaParaíba.Aotomaressaatitude,HermanoJoséestabelece uma espécie de itinerário de si. Em outras palavras, umaescritadesi(Foucault,1992),oucomoesclareceGomes(2004)escritaautorreferencial,podesermaisbemcompreendidaapartirdarelaçãoestabelecidaentreoindivíduomodernoeseusacervos.Poroutrolado,essaspráticaspodemenglobaraçõesdiversificadaspelorecolhimentode documentos dosmais variados gêneros, ou seja, documentos quematerializemamemóriaouahistóriadotitular.Háqueconsiderarqueaescritadesioumesmoaautorreferencialrevelatambémumaescritaque pode carecer da narrativa de outra voz, um sujeito com préviaautorização para assumir o papel de uma espécie de ghost writer47,compondo,assim,seuitineráriopessoal,suaautobiografia.

Nocasoempauta,aodesejarabrirsuaresidênciaenelatodosos seus pertences ao público por meio de uma instituição tambémpública, Hermano José delineia, com certa precisão, o recorte de suavida privada e pública na construção de sua escrita de si ou escritaautobiográfica: a de professor, artista plástico, desenhista, gravador,

46Folhas082daescriturapúblicadedoaçãodeHermanoGuedesdeMeloemfavordaUniversidadeFederaldaParaíba,soboprotocolo14897doCartórioCarlosUlyssesnacidadedeJoãoPessoa/PB.47Expressãoinglesaquedesignaumprofissionalqueescreveparaoutrosemaparecerpublicamente.Poressarazão,aalusãoaofantasma.

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ativista cultural, poeta, diretor de teatro, cenógrafo, ilustrador delivros, ecologista, entre tantas outras atividades, dentre as quais arelação artística que manteve anos a fio com seus ex-alunos, algunsdesses consagrados artistas plásticos, a exemplo de Flávio Tavares,MigueldosSantos,FredSvedsen,TerezinhaFialho, JuanCortez,entreoutros. Sãomuitos consagrados, porém deixou também a relação derespeitopor seus alunos, arquivandoosprimeiros trabalhospor elesdesenvolvidosemsaladeaula.Na searade suanarrativa,percebe-seainda um homem de gestos generosos, ao valorizar em sua coleçãoparticular as primeiras expressões de seus alunos, os primeirosrabiscos de aprendizes das artes com o mesmo cuidado com quepreservouobrasdeartistasjáconsagrados.

AoreferendarformalmentesuadoaçãoàUFPB,emmarçode2015, ele foi homenageado com abertura, temporária48, de uma salacomseunomeecomolançamentodolivrodepoemasdesuaautoriaintitulado Anotações no Tempo. Na ocasião, ao referir-se ao seupatrimônio que seria, no futuro, da instituição em que ele atuou eaposentou-secomoprofessor,eledisse:“nãoélágrandecoisaenãoémérito meu, apenas uma parte da história da Paraíba produzidaaqui49”.

AotomaressaatitudeHermanoadotaomodelodebenfeitoriaquesurgeno iníciodoséculoXXassentadona liberdadedemocráticacomo desejo de institucionalizar sua casa demoradia emuma casa-museu documental (Butcher-Younghans, 1993 citado por Moreira,2007,p.19)

Acasaveiocomtudooquenelaexistia,um incomensurávelquantitativodepeçaseobrasdearte,mobiliários,entretantosobjetos.O primeiro desafio ao entrar nesse espaço era descortinar quem defato residiu nessa casa, ou mesmo naquele espaço acumulador e

48Adotamosotermotemporáriaporquenaescrituradedoação,HermanoJoséestabeleceu a doação com encargos, dentre os quais transformar a casa emambiente cultural, conforme registrado no Livro C-012, folhas 081 daEscrituraçãoPública,registradaemcartório.UmdesejoexpressodequetodooconjuntodesuaobraseconstituísseintegrantedaCasadeCultura.49 Fragmento extraído do site oficial da UFPB. Para outras informaçõesconsultar http://www.ufpb.br/content/ufpb-inaugura-sala-e-sedia-lan%C3%A7amento-de-livro-de-hermano-jos%C3%A9.

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cumulativo de tantos objetos. Com esse intento, a equipe50,inicialmente, composta por arquivistas, bibliotecários, museólogos eespecialistas em artes plásticas, mapeou todos os espaços adotandoquaseumrecortearqueológicoapartirdaplantaoriginaldacasa.Localemqueobeneméritorealizousuasexperiênciasartísticas,aprofundousuastécnicas,apreciouaboamúsica,etomoucomoalicerceanaturezaque lhe era testemunha do cotidiano, suas vivências privadas epúblicas,bemcomoarevelaçãodeseuslaçosfamiliareseafetivoscomanatureza.

Aequipemultidisciplinariniciouoarrolamentodetudooquefora encontrado em cada espaço, em cada vão, com o objetivo devasculharosdesvãosdamemóriaeidentidadedobenemérito.Acadaabertura de gaveta, de armário, havia uma descoberta, exigindo daequipeumanovametodologiadetrabalhocomvistasàpreservaçãodopatrimônio,bemcomodascaracterísticasarquitetônicasdacasacomointuito de transformá-la em Casa de Cultura requerendo da

50 Registre aqui a participação ativa das professoras doutoras Ana ClaúdiaCruz Córdula (Arquivista), Manuela Eugênio Maia (Bibliotecária), MarizaPinheiro de Oliveira (Jornalista e de Artes Visuais), e dos técnicos: RildoFerreira Coelho (Designer de Interiores), Bertrand Martins (Licenciado emArtes Visuais), Alexandra Matos (Arquiteta e Urbanista), Rosaly Ferraz daCosta Nascimento (Arquiteta e Urbanista), Piedade Farias (Restauradora),RosaneCoutinhoPereiraLacet (Bibliotecária),EvertonFernandesdeLimaeJoana Ferreira de Araújo (ambos graduandos em Biblioteconomia), SheilaLarissa Araújo da Silva, Ellen Pereira da Silva, Nataniel José Amorim Fiuza,Lilian de Mendonça Pereira, Edneide Carvalho Anjos de Menezes, RonielleVictor da Silva, Marcilio Herculano da Costa, estes à época graduandos emArquivologia. Todos voluntários e, posteriormente, dois deles se tornarambolsistasdeextensão;MarisaPiresRodrigues (Museóloga),AntôniodaSilvaSobrinho Junior (Engenheiro Civil), Elenice dos Santos Monteiro(Cerimonialista),LuísCarlosKherle(Designer),docursodegastronomiasobacoordenação do Prof. Juliano Sebastião Gonçalves Pereira, os estudantesTadeuRenaValente, JoséMaurícioBrumdeMello, JoandersonGamaSantos,Josué Fernandes Pereira, Alexandre Daher Ferreira Sales, Cely Correa dosSantos, alguns destes profissionais atuaram temporariamente, outros foramatéàinauguraçãoeoutrospermanecematéopresente.Atodos,registramososnossosagradecimentos.

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universidade a preservação integral do conjunto. Em cada espaço,objetossurgiamcomoárvoresfrutíferasemtemposdefloração.

Figura3:Objetospertencentesaotitulardacasa–

vistainternadacasa

Fotografia:AnaClaúdiaCruzCórdula

Diantedaanálisetécnicadoimóveledaretiradadetodosos

pertences, já arrolados e encaixotados, com QR Code em todas asembalagens, o objetivo foi controlar, pormeiodas listas inventariais,osobjetosedocumentosretiradosdacasaelevadosparaoutroespaçoda própria universidade, denominado de reserva técnica HermanoJosé51. A casa ficou vazia, momento de olhar o imóvel e suaspeculiaridades, estudar suas plantas arquitetônicas, fazer estudocromáticoedefiniraspossíveisalteraçõesfísicascomvistasaatenderao desejo do doador, o qual era possibilitar a visitação pública, porexemplo, requerendo a construção de meios que viabilizassem oacesso, bem como o cumprimento do arcabouço legal brasileiro deacessibilidade.

51 Este espaço foi definido para receber todo o acervo a fim de darcontinuidadeaoprocessodetratamentotécnico,bemcomoselecionaroqueconstituiriam a exposição permanente e as exposições temporárias.Considerandoasexigênciasapontadaspelodoador,tornar-se-iaimpossíveloretorno de todos os pertences ao mesmo espaço em razão do grandequantitativodepeçasque inviabilizariaocircuitomuseal internodo imóvel.Eraprecisofazerescolhas,semperderdevistaqueacasa“[...]retémotempocomprimido”(Bachelard,1993,p.28).

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Otrabalhofoiiniciadoetínhamosqueenfrentarorelógiodotempo. Reuniões foram sucessivas envolvendo os profissionaistécnicosnecessáriosàsdefinições.Nessemomento, ficouestabelecidoquem efetivamente poderia adentrar a casa, resumindo-se apenas àequipe técnica autorizada. Dessarte, fez-se necessário criar umaidentificaçãoprópriaparaoprojetocomalogomarcaaseguir

Figura4:Logomarca1:CriadaporLuísCarlosKherle,

paraidentificarafasedeintervenção

A força-tarefa ficou definida por atividades: a equipe de

arquivistas,bibliotecáriosvoltadosaotratamentotécnicodomaterial.Arquitetos, restauradores, designers, engenheiros, responsáveis pelarestauraçãodoimóvelepelaexpografiadolocalparainauguraçãonoprazodefinidonostermosdedoação.Apesardadivisãodasatividades,todas estavam sob a coordenação-geral da professora doutoraBernardinaMariaJuvenalFreiredeOliveira,naocasiãovice-reitoradaUFPB.Odiaadiapassouaserdedicadoaoprojeto,horasa fio,entrereuniões, obras e capacitaçãodaequipe,queoptoupor trazerparaaintimidadedacasaascorespintadaspeloartista,oqueresultouemumestudocromático,prevalecente,nasobrasdoartistaplásticoHermanoJosé,chegandoàseguintepaletadecores:

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Figura5:EstudoCromático–definiçãodecoresparaointeriorda

casadeHermanoJoséTelapintadapeloartistaóleosobretela–FalésiasdoCaboBranco

Com o fito de viabilizar o acesso a todos indistintamente, e,

considerandoasituaçãofísicadacasaeanecessidadedepreservaçãodosobjetosedocumentosaseremexpostos,o imóvelpassouporumsignificativo processo de restauração com a readequação de algunsambienteseconstruçãodenovosespaços.

A intervenção teve como base os projetos de Arquitetura eEngenharia, em que foram identificados os pontos cruciais quenecessitavam de urgência para a sua preservação. A cobertura foipraticamentetodarefeita,emfunçãodeinfestaçãodecupinseoutraspragas que comprometiam o todo, além de inúmeros pontos devazamentos e infiltração. A mesma, também recebeu um forro delambril, e todo um novo sistema de iluminação. As passagens nointerior da casa foram alargadas a fim de atender as normas deacessibilidade e mobilidade a cadeirantes. Rampas com corrimãosforam instalados na parte externa do imóvel, facilitando da mesmaforma o acesso. Para aumentar as áreas expositivas, os terraços dopavimento térreo e do primeiro pavimento foram envidraçados eaparelhosdear-condicionadoforaminstaladosemtodososambientes.

Externamente, a casa recebeu uma atenção especial nosmurosbemcomonosjardins,comiluminaçãocenográficavalorizandoo imóvel. Ao readequar os ambientes da casa para a nova função, osdois banheiros internos foram desativados, transformando-se em

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deposito e almoxarifado, e a cozinha e área de serviços na sala daadministração, sendo necessário a construção de uma bateria debanheiros e uma copa para dar suporte aos funcionários e futurosvisitantes.

Figura6:VistalateraldoMuseuCasadeCulturaHermanoJosé,por

ocasiãodainauguraçãoem19demaiode2017.

Fotografia:OrielFarias

OMurolateralefrontaldacasa,conformeconstadafigura2,foi substituído por outro construído commateriais misto em tijolos,vidrosepainéisemferroevidro,comdesenhosinspiradosemformatorosáceo de um vitral alterado e recoberto commassa encontrado naantiga cozinha no interior da casa. A substituição domuro frontal elateral se deu em razão da valorização e reiteração do HermanoEcologista, uma vez que em frente à casa, voltada para omar, existedesovas de tartarugas marinhas, e o titular cantava em verso essaintegraçãodacasacomanatureza.

Após as primeiras intervenções na edificação, com vistas aabertura do equipamento cultural, em foi possível mostrar umapequena fração do que estaria por vir, desvelando e avançando noarrolamentodetodosospertencesdacasa,aequipeiniciouumasériedediscussõesacercadoquefoireveladoesedebruçounaelaboraçãode um projeto expográfico, possível de comtemplar uma significante

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parcela do acervo do benemérito, bem como sua trajetória de vidapessoaleprofissional.

Figura7:Partedomurofrontalcompainéisemferroevidroemobiliáriosrestaurados,prontosparaamontagemdaexposição

inaugural.

Fotografia:OrielFarias

Figura8:VistalateraldomurodaCasadeCulturaHermanoJosé

Fotografia:OrielFarias

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Figura9:Imagensdaexposiçãoinaugural,‘quartodoartista’.

Fotografia:OrielFarias

Figura10:Imagensdaexposiçãoinaugural,‘coleçãodeoratórios’,‘relógiosdeparede’e‘discosdevinil’.

Fotografia:OrielFarias

AdaptaroimóveldecasademoradaparaMuseuCasa,foium

desafio singular, uma vez que o considerável volume de objetosnecessitaria de uma curadoria capaz de apresentar de forma,cronológica,organizadaedidática,asmúltiplasfacesdeHermanoJosé.Nestesentido,foielaboradoumProjetoExpográfico52emquetodososespaços foram reconfigurados e adaptados aos novos usos. Dos dozeambientesquecompunhamoriginalmentea casa/atelierdeHermano

52 Projeto expográfico, editado em 2 volumes, de autoria de BernardinaOliveiraeBertrandMartins.Osvolumesoriginaisencontram-sedepositadosnoArquivodoMCCHJ.

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José, dois foram destinados à administração, mais dois para aBiblioteca,umparaExposiçõesTemporáriaseseteparaaExposiçãodeLongaDuração.OacessoprincipalaoMuseuérealizadopelaRecepção,e, opcionalmente pela Galeria de Exposições Temporárias, sendo ocircuito expositivo não impositivo, podendo o visitante fazer o seuprópriotrajetolivremente.

Disponível em dois pavimentos, totalizando uma áreaexpositiva de 202,72m², a distribuição ficou organizada da seguinteforma:

Neste pavimento foram alocados a Administração e Sala daCoordenação,noantigoespaçodacozinhaeáreadeserviços,alémdaRecepção, Sala Central, Biblioteca e a Galeria de ExposiçõesTemporárias.

No terraço lateral esquerdo, anteriormente destinado aoabrigodeumveículo, passou a ser aRecepçãodoMuseu, contandocomumpainelemqueéapresentandoonovoequipamentoculturaleaofundodanova‘sala’,oHermanoAtivistaAmbiental,sendopossívelverareprodução,emgrandeescala,deumdostemasmaisrecorrentesdo artista: a falésia do Cabo Branco53. Neste nicho encontra-seinformações sobre suas ações como ativista ambiental e uma singelacoleçãodecaracóiseconchasmarinhas,alémdeseucavaleteportátil.

A Sala Central, com pé direito alto e um mezanino comestruturademadeira,fazumareferênciaasuaantigacasaondepassoua infância, neste espaço maior o visitante terá a possibilidade deconhecer, na vitrina da ‘Linha do Tempo’, um resumo dos principaisfatos que marcaram a trajetória de vida e profissional de HermanoJosé; o módulo seguinte (no sentido horário) traz a célebre poesia“Duasvezesnãosefaz”,juntamentecomasegundacoleção:relógiosdeparedeedealgibeira;nomesmosentido,a terceiracoleçãode louçasseráapresentadaemcristaleirasenaparedecompédireitoduploumaamostra da coleção de pratos; no lado oposto, é a vez da coleção deobjetossonoroseaudiovisuaise,paraintroduziropróximoambiente,umpainelapresentaaBibliotecapessoaldeHermanoJosé.

53BairroqueseestendeaolongodapraiademesmonomenacidadedeJoãoPessoa/Brasil, e, abrigaopontomais oriental dasAméricas, demarcadoporum farol que fica no penhasco e de lá pode-se apreciar o infinito que semisturacomaságuasquenteselímpidas.

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Figura11:DesenhodasestruturasexpográficasdaRecepçãodoMuseuCasadeCulturaHermanoJosé.Desenhos:BertrandMartins

Figura12:DesenhodasestruturasexpográficasdaSalaCentral,comavitrina da ‘Linha do Tempo’ e, ao lado, a coleção dos relógios dealgibeira e de parede; expositor, em baixo da escadaria, destinado acoleçãodeobjetossonoroseaudiovisuais.Desenhos:BertrandMartins.

NaentradadaBibliotecaver-seumavitrinacomacabeçaem

gessodeHermanoJosé,juntamentecomobjetosdeusopessoalemaisuma das coleções: a de objetos comemorativos ao centenário daProclamaçãodaRepública.Nesteambiente,emqueantesexistiamdoisdormitórios, foi disponibilizado parte dos livros que compunham oacervo de livros que colecionou durante toda sua vida. O terraçolateral, voltado para frente mar, após o envidraçamento dos arcos,ficoudestinadoàGaleriadeExposiçõesTemporárias.

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Figura13-DesenhodasestruturasexpográficasdaGaleriade

ExposiçõesTemporárias.Desenhos:BertrandMartins

PavimentoSuperiorNesteoutropavimentoforamalocadosmaiscincoambientes:

oAtelierIeII,aSaladasColeções,oMezaninocomarepresentaçãodoSagradoeoQuartodoArtista.

No Atelier I, onde era o terraço voltado para um frondosojardim com grandes arvores, que Hermano frequentemente recebiaseus amigos, a partir de agorao visitantepoderá sabermais sobreoHermano José artista plástico, artista gráfico, poeta, gestor cultural,diretor de teatro, cenógrafo, professor e pesquisador. O espaçotambém foi projetado para abrigar a segunda Linha do Tempo: porordemcronológica, trazendo à cena asprincipais obras, entre telas egravuras realizadas pelo artista, num recorte de temporal entre osanos1940atéosanos1970.

AtelierII, locadonoterraçode frenteparaomar,comvistapara a Ponta do Cabo Branco, foi reconstituído cenograficamente oAtelier de pintura de Hermano José, incluindo-se uma das telasinacabadas, juntamente com exemplares das suas últimas séries detelasepastéis.ASaladasColeções,ondeantesfuncionavaseuateliêde gravura, foi possível conhecer o Hermano Josécolecionador/acumulador.Todasavitrinasdoespaçoestãodedicadasasamostrasdasinúmerascoleçõespessoais.

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Figura14-DesenhodasestruturasexpográficasdoAtelierI.Desenhos:BertrandMartins

Figura15-DesenhodasestruturasexpográficasdaSaladasColeções.

Desenhos:BertrandMartins

NoMezanino destinamos à presença da representação dosagrado na coleção de Hermano José. O ambiente de pequenasdimensõesficoudivididodestaforma:deumlado,numavitrinadepisoateto,ficamexpostosacoleçãodeimagenssacraseruditas,juntamentecom alguns oratórios, mísulas e objetos litúrgicos. No praticável do

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ladoopostoempequenosmódulos,comproteçãoemvidro,acoleçãodeimagenssacrasdecunhopopular.

Figura16-DesenhodasestruturasexpográficasdoMezanino.

Desenhos:Bertrandmartins

E, finalmente, no ambiente mais privado da casa, seráreconstruído cenograficamente oQuarto do Artista, com boa partedosobjetoseobrasrecolocadosnoslocaisondeelehaviadeixado,alémde boa parte dos exemplares de mobiliário. No painel será possívelsabermaissobreaconstruçãodacasa,dentreoutrosdetalhesdavidaprivadadoartista.

Figura17-DetalhedoProjetoexpográficocomoestudodozoneamentoondeserãocolocadososmoveisedaestrutura

expográfica.Desenho:BertrandMartins

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Considerandoqueaotomarpossedacasahaviaumamistura

deobjetosinterditandoacompreensãodocotidianodotitular.EssefoiumdoscaminhospercorridosparaatenderosdesejosdobeneméritoHermano José sem perder de vista o que Bachelard (1993)compreende como fixaçõesnos espaçosde estabilidade.Parao autor“[...] um ser que não quer passar no tempo, que no próprio passado,quandosaiembuscadotempoperdido”.(Bachelard,1993,p.28)

Após a recuperação da casa os estudos apontaram que elaestarianocontextodeumacasa-museu,quetambémseriaumacasadecultura. Nesse aspecto Rildo Coelho inspirado nas pinturas deHermanoJosécriaamarcadaCasadeCultura.

Considerandoqueaotomarpossedacasahaviaumamisturadeobjetosinterditandoacompreensãodocotidianodotitular.EssefoiumdoscaminhospercorridosparaatenderosdesejosdobeneméritoHermano José sem perder de vista o que Bachelard (1993)compreende como fixaçõesnos espaçosde estabilidade.Parao autor“[...] um ser que não quer passar no tempo, que no próprio passado,quandosaiembuscadotempoperdido”.(Bachelard,1993,p.28)

Após a recuperação da casa os estudos apontaram que elaestarianocontextodeumacasa-museu,quetambémseriaumacasadecultura. Nesse aspecto Rildo Coelho inspirado nas pinturas deHermanoJosécriaamarcadaCasadeCultura.

Figura18-LogomarcaparaidentificaraCasadeCulturaHermano

JosédaautoriadoDesign:RíldoCoelho

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RildoCoelho,aoproporamarca,assimadescreve54:

Amarca "Casa de CulturaHermano José" foi criadacom uma estrutura do tipomista, composta de umsímboloeumatipografia.Nosímbolo,destacamosasiniciais "HJ" do importante artista paraibano,fazendo uso de volutas no feitio das letras. Essainspiração veio da natureza das telas de HermanoJosé onde a natureza é sempre presente. Natipografia que nomeia a casa de cultura, a fonteGeorgiacomsutiladaptação.Aescolhadeumafonteserifada,masemcaixabaixamostraessediálogodoclássico comomoderno, característica tambémdasobrasdeHermano José.Na cor,omarromsugereonaturaleoorgânicodatemáticadostrabalhosmaismarcantesdoartista.

Instalada em 19 de maio de 2017, sob aplausos da

comunidade artística e científica do estado da Paraíba, regado a umcoquetelacompanhadodefingerfoods,todosfeitosnascoresdapaletapredominantenaobradoartista.ACasadeCulturaHermanoJosésóseinstitucionalizou quando da aprovação do seu Regimento peloConselho Superior da UFPB (CONSUNI), por meio da Resolução Nº10/201855,quecriouformalmenteoespaçopassandoadenominar-seMuseu-Casa de Cultura Hermano José (MCCHJ), um complexoconstituído pela casa principal e anexos, os quais possibilitaram aampliação do espaço para os fins a que se destinam, estabelecendo,dessemodo, apreservaçãodaobradeHermano Josée suamemória,suarelaçãocomacasaeestacomomundoexterior,emespecial,omareojardimcomoumadasmaissublimescaracterísticasdolocal,comoelebemexpressouemseuverso:

54 Descrição feita para a equipe gestora do Projeto e aprovada porunanimidade. Passando a figurar como logomarca oficial doMuseu-Casa deCulturaHermanoJosé.55 Esta Resolução foi alterada pela Resolução nº 23/2020 - CONSUNI,especificamenteemseusArts.6ºe15.

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AquichegueiAquifiquei

livreatédesaudades,sócomosventosoceânicos.(HermanoJosé,2014,p.35)

Nos idosde2018, a responsabilidadeea coordenaçãoGeral

doMCCHJpassaram,apartirde28demarçodoanomencionado,parao produtor cultural Alexandre Santos, embora continuemos a fazerparte do conselho científico cultural do órgão. Com ele, a históriacontinua....E,amemóriadeHermanoJosévive,afinalcomoescreveuoartistanopoemaintituladoCúmplicesdaCriação:

ResgataraimagemAprisionadanovazioEdevolvê-laàluzdotempoEisoofíciodosquetrabalhamNebulosasvisõesClareadasacadainstanteNasinsôniasdoexistirPorveladoscaminhos,Ondeaspaixõessedebatemnaslutasadversas,Percorreotraçoliberto,TecendotramasarquitetônicasEmcoresdesconhecidasSurgemfacesalucinadasComolharesàespreita,Confundindo-senadúvidaEntreoamoreoódioSorrisosinterrompidosEmhorizontesfechados,OndeaspalavrascalamSemdizermaisnada.Naspaisagensilusórias,

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háferasparalisadassemquesepossasaberdomedoqueasdomounobrancodoamanhecer,frutasefloresdesabrochadasnovérticedocéunordestinoHáummundorecriadoemvermelhasexplosões,marcandoocomeçoeofimdosnítidoscontornosdavida.HáumaangústiacontidaNosespaçosocultosdaforma,Numsentimentodeespantoaseverhomemeartistacúmplicedacriação.

4ÚLTIMASPINCELADAS...

Ao experienciar o desafio de transformar a casa demorada,primeiramenteemcasadecultura,atendendoaosrequisitosdefinidospelotitular,e,depoisemMuseu-CasadeCulturaHermanoJosé,emumespaço de tempo, em princípio quase que impossível, só se efetivoumedianteajudademuitosprofissionaisdedistintasáreas,unidosemproldomesmoobjetivo.Todavia,háqueseregistrarqueo lastroemque todos se assentaram foi o diálogo. Esseprocesso requereu saberouvirasexperiências,conheceroslimitesepossibilidadesadvindasdeuma instituiçãopúblicacomlimitesorçamentáriose financeiros,bemcomo a burocracia cara às entidades públicas brasileiras. Por outrolado,asdificuldadesenfrentadastambémsetornaramemenergiaembusca da parceria público/privada, e aqui se registre o importantepapeldesempenhadopeloUnipê–CentroUniversitáriodeJoãoPessoa–, pormeio de sua reitora à época que retirou do caminho algumaspedras,comodiriaopoetaCarlosDrummonddeAndradenopoemaNomeiodoCaminho:[...]Nuncameesquecereidesseacontecimento/Navida deminhas retinas tão fatigadas / Nuncame esquecerei que nomeiodo caminho/Tinhaumapedra /Tinhaumapedranomeiodocaminho/Nomeiodocaminhotinhaumapedra.

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Foram muitas as pedras a serem retiradas, mas o trabalho“arqueológico”feitonoespóliodeHermano[José]GuedesdeMelo,emcada vão da casa, das gavetas, dos armários, nos transformou emcaçadores de um passado/presente, conduzindo-nos a um certoitineráriovividonoprivadodotitular.Afinal,

As casas museus (sejam elas casas das camadaspopulares,dasclassesmédiasoudaselitessociaiseeconômicas),arigor,sãocasasquesaíramdaesferaprivada e entraram na esfera pública, deixaram deabrigarpessoas,masnãodeixaramnecessariamentede abrigar objetos, muitos dos quais foramsensibilizados pelos antigos moradores da casa. Ascasasmuseuseosseusobjetosservemparaevocarnos visitantes lembranças de seus antigoshabitantes, de seus hábitos, sonhos, alegrias,tristezas, lutas, derrotas e vitórias; mas servemtambém para evocar lembranças das casas que ovisitante habitou e que hoje o habitam. (Chagas,2013,p.6),

Escolhas foram feitas, todavia, o quantitativo de objetos e

documentos torna possível inúmeras exposições temporáriastemáticas.Todos,prontosparaviremapúblico.Nãofoipossíveldeixartodososseuspertencesecoleções.Poroutrolado,aequipedebruçou-se cuidadosamente sobre a vida e obra de nosso beneméritoconstruindo uma narrativa possível, no habitar de um homemgeneroso de ações e palavras que se multiplicaram, possibilitandoolharespúblicossobreasparedesdeseuacolhimento.

Que suaatitude sirvadeexemploparaqueações comoadeHermano José semultiplique,principalmentenaParaíba, cujapráticaaindaépoucousual.Aquificaassinaladoapenasumpontodevistadotrabalho realizado na implantação da Casa de Cultura ou melhor doMuseu Casa de Cultura Hermano José. Outros, serão traçados,desenhadosepintadosemtextosfuturos.

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Referências

Andrade,I.F.de.(2013).AvidaluminosadeHermanoJosé.JoãoPessoa:SENAC/PB.Arendt, H. (2015). A condição humana. Rio de Janeiro: ForenseUniversitária.Bachelard, G. (1993).Apoética do espaço.SãoPaulo:Martins Fontes,1993.Bosi,E.(2006).Memóriaesociedade:lembrançasdevelhos.13.ed.SãoPaulo:CompanhiadasLetras.Brasil. (2004). Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004.RegulamentaasLeisnos10.048,de8denovembrode2000e10.098,de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critériosbásicosparaapromoçãodaacessibilidadedaspessoascomdeficiênciaoucommobilidadereduzida,edáoutrasprovidências.Brasília.Chagas, M. A poética das casas museus de heróis populares. RevistaMosaico, 4(2), 4-12.http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/mosaico/article/view/62790/61925.Acessoem:fev.2021.HermanoJ.(2014).Anotaçõesnotempo.JoãoPessoa:EditoradaUFPB,Foucault,M.(1992).Aescritadesi.In:FOUCAULT,Michel.Oqueéumautor?Lisboa,Passagens.Gomes, Â. de C. (Org.). (2004). Escrita de, escrita da história. Rio deJaneiro:FGV.Moreira,M.R.(2007).Dacasaaomuseu:adaptaçõesarquitetónicasnascasas-museu em Portugal. 386f. Dissertação (Mestrado emMetodologias de Intervenção no Património Arquitetónico) –FaculdadedeArquiteturadaUniversidadedoPorto,Porto/PT.

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Disponívelem:https://www.google.com/search?q=Da+casa+ao+museu&spell=1&sa=X&ved=2ahUKEwi1svDulbHxAhVzr5UCHd8AD1QQBSgAegQIARA2&biw=1455&bih=717.Acessoemjan.2021.Ponte,A.M.T.da.(2007).Casas-MuseuemPortugal:teoriaseprática.Dissertação (Mestrado em Museologia). Faculdade de Letras,UniversidadedoPorto.

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CONSIDERAÇÕESSOBREOCONCEITODEFRATRIMÔNIO

DiogoJorgedeMelo

UniversidadeFederaldoPará,Brasilhttps://orcid.org/0000-0001-7266-2570

PriscilaFaulhaber

MuseudeAstronomiaeCiênciasAfins,Brasilhttps://orcid.org/0000-0002-0251-5433

1.Introdução Ao incorporarmos diversos referenciais teóricos, como osestudos decoloniais, os estudos de gênero e antirracistas,principalmente as escritas das feministas negras56, passamos a nosincomodar bastante e a questionar sobre a semântica estrutural dapalavra“patrimônio”.Sendoelaaltamentemachistaequeatualmentepoucorepresentaaevoluçãoteóricaqueotermoadquiriuaolongodosanos, como a percepção de um patrimônio integral e seu caráter deintangibilidade justamente a partir desta crítica, passamos a nosdedicarediscutirumaoutraterminologiaanálogaapatrimônio,queseconfigura de forma semelhantemente e evidencia diversas questõesnãotãoevidentesnoconceito.

Gostaríamos tambémde deixar claro que a nossa proposta, apriori, não é romper com o termo, pois o mesmo já se encontralegitimado em estruturas políticas já institucionalizadas, como asutilizadas por instituições legitimadas de proteção do patrimônio,comooInstitutodoPatrimônioHistóricoeArtístico(IPHAN)noBrasil,mas trazer essa discussão à tona. Desta forma, nossas colocações seencaminhamno sentidodeumadiscussão teóricapara fornecerumanovaalternativadeabordagem,ampliandoediscutindooconceitode“fratrimônio”, para evidenciar aspectos processados em um sentidomaishorizontalaoinvésdeumaestruturadepodervertical.

56 Como exemplos destes aportes teóricos referenciamos: Quijano, 2002 e2005;Spivak,2010;Ballestrin,2013;Hooks,2017;Ribeiro,2017.

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Com relação à compreensão do termo patrimônio, Arruda eRangel(2016)noslembramqueestaconcepçãoganhaforçaapartirdoconceito de “PatrimônioMundial”, remetida ao final do século XIX57,quandosurgiuaconcepçãodecooperaçãoentrepaísesemumsentidode garantir a preservação de seus bens culturais, principalmente emtempos de guerra e que tais ideias adquiriram força após a I e IIGuerras Mundiais. Especificamente em 1945, quando foi criada aOrganizaçãodasNaçõesUnidasparaaEducação,aCiênciaeaCultura(UNESCO). Esta instituição tornou-se a principal agencia dedesenvolvimento das ações de preservação patrimonial no mundo.Devemosdestacarqueemdecorrênciadalegitimaçãodaterminologia“Patrimônio Mundial”, ocorreu a consolidação de um outro termoderivado,ode“patrimonialização”(Lima,2015).Acepçãoquedestacaovalorsimbólicovinculadoaocaráterdesimbolismouniversalistadeexcepcionalidade, autenticidade e integridade. Concepções que nosfornecem um panorama da amplitude da utilização do termo“patrimônio”, desdobrado em diversos sentidos e que nos fazcompreenderotermocomopolissêmico,abrangendoumadiversidadedequestões,inclusiveprocessosrelacionaisdeafetividade.

Com isto, não queremos perder de vista que a utilização dotermo“patrimônio”estáhistoricamentevinculadoaquestõesdepoder,deumcaráterdominadorehegemônico,estruturadocomafunçãodeidentificar o que poderia ser ou não reconhecido como tal, logo,impondoedizendooquetemodireitodeserpreservadoelembrado.Como mascarado pelo falseamento gerado pela identificação de umcaráter de universalismo e de excepcionalidade presentes nasconcepções do Patrimônio Mundial. Um processo histórico quecomeçamos a nos permitir questionar e que possibilita outraspercepções, como realizar críticas ao próprio termo. Por isso, nosdispomos a ampliar as discussões referente ao termo “fratrimônio”proposto por Mario Chagas (2003) em sua tese de doutorado “Aimaginação museal: museu, memória e poder em Gustavo Barroso,GilbertoFreyreeDarcyRibeiro”.Ecomissolançarolharesreflexivosecríticos em um contexto de giro decolonial (Ballestrini, 2013), quepermita o rompimento estrutural libertador em nossas práticas

57OsautoressereferemaDeclaraçãodeBruxelasem1874easconvençõesdeHaiaem1899e1907.

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profissionaisedodia-a-diaaolidarmoscomquestõesdepreservaçãoevalorizaçãodamemória,assimcomodassociabilidadeshumanas.

2.Do“patrimônio”ao“fratrimônio”

Comoapontandoanteriormente,sabemosqueosignificadodo

conceito de patrimônio se expandiu significativamente ao longo dotempo, mas a sua semântica, em nosso ponto de vista, ainda seencontra paralisada temporalmente com relação às discussõesdesenvolvidas nas últimas décadas. Vinculada a uma estrutura queentendemos como colonizadora e que evidencia explicitamente umaquestão de gênero, principalmente pela atribuição ao aspectomasculino como um agente dominador do processo, evidenciado noprefixo“patri”.Característicaextremamentesegregadoraparacomosque não correspondem aos padrões eurocêntricos, masculinos e debranquitude.ComonosfoiesclarecidoporDussel(2008)eGrosfoguel(2016) esteprocesso se estruturoue ganhou força apartir docogitocartesiano -“penso logo existo” - como nos aprofundaremos maisadiante.

O “eu conquisto”, que começou com a expansãocolonial em 1492, é a fundação e a condição dapossibilidadedo“eupenso”idolátricoquesecularizatodos os atributos doDeus cristão e substitui Deuscomofundamentodoconhecimento.Umavezqueoseuropeus conquistaram o mundo, assim o Deus docristianismo se fez desejável como fundamento doconhecimento. Depois de conquistar o mundo, oshomens europeus alcançaram qualidades “divinas”que lhesdavamumprivilégio epistemológico sobreosdemais.(Grosfoguel,2016,p.31)

Aoanalisarmosaestruturagramaticaldo termo“patrimônio”,

identificamos que o prefixo “patri” (pai), remente à figuramasculinaquenaculturaocidental,eurocêntrica,secaracterizousimbolicamentecomooportador/provedordainstituiçãofamiliar,detentordopoderedodireitosobreosseusedosseusbensfamiliaresecomasuamorte,passava seus bens materiais e seu poder simbólico prioritariamente

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paraseufilhohomem,primogênito,queherdariaeassumiriaomesmostatusdepatriarca.

Porexemplo, comparativamenteomesmoprefixoencontra-sepresentenapalavra“pátria”,quesecaracterizacomoanaçãoquenosfilia emesmo assimo termo se constitui positivistamente comoumaestruturamasculina, contrariando a lógica do significado da palavra,logicamente muito mais feminina em seu sentido gestacional. O quereitera, como já apresentado, que o sujeito dominante do sistemamundoseestabeleceramapartirdapreponderânciadabranquitudeedaheteronormatividade, estabelecidahistoricamentepelosprocessoscolonizadores.

Devemos tambémconsideraremnossasanálises,queosufixo“monio” é a junção de dois sufixos latinos “mon” e “io”, que seconstituememumsufixo“agente,oquefazalgumacoisa”eosegundopossui uma associação a os “valores em diversos sentidos”. Ambosformam uma base estrutural complexa para a palavra “patrimônio”,que friamente se refere a: um homem, que produziu algo de valor epassa esta riqueza para seu filho, de preferência o seu primogênito.Devemos também considerar os aspectos culturais linguísticos,análogosaotermo“patrimônio”,comonocasodaslínguassaxônicas,oqualotermocorrelatoderivadapalavra“herança”,comoheritageeminglês.Talaspecto foipostoporMarioChagas(2016)aonos lembrarquedopontodevistafilológico,patrimônioderivadovocábulolatinopatrimonium, referente a herança paterna ou de bens familiarestransmitido de pais emães e que o termo herança, em sua essêncialatina,sereporta"aquelequetemcondiçõesdereceberosbensdeumfalecido,herdeiro".

A partir do apresentado, entendemos que historicamente aestruturapatriarcalelegeuotermo“patrimônio”,masosestudospós-coloniais,comoaspropostasdegirosdecoloniais(Ballestrin,2013),nospermitem realizar revisitações epistêmicas, com críticas construtivaspara com as estruturas do pensamento preponderante no sistemamundo. Retomando o pensamento de Ramón Grosfoguel (2016), emseu debate sobre os genocídios epistêmicos nos processos coloniaiscomo a preponderância do pensamento de RenéDescartes, com o jámencionado cogito cartesiano, que possibilitou determinadasestruturasdedominaçãoeseperpetuareperdurarnosistemamundo.Conformeesteautor,umprocessocaracterizadoefundantedasbases

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doconhecimentodasuniversidadesocidentalizadas,quenormatizoueuniversalizou o “pensamento culto” como a forma dominante depensamento. Justamente dentro deste contexto que o termo“patrimônio”conquistousuapreponderância.

Como já apresentado, no pensamento de Descartes o “Eu”produz “[...] um conhecimento que é verdadeiro alémdo tempo e doespaço, universal no sentido que não está condicionado a nenhumaparticularidade e “objetivo”, sendo entendidodamesma formaque a“neutralidade” e equivalente à visão do “olho de Deus” (Grosfoguel,2016,p.28).Comisto,ressaltaumargumentoepistemológicopautadodo solipsismo58, ao qual o “Eu” alcança certezas na produção deconhecimentos e se confronta com os ceticismos. O que gerou umaconsagraçãodopensamentoaristotélicoecolocouaantiguidadegregacomooberçodopensamentodomundoocidental.Comistoalicerçouatradiçãodopensamentoocidentalcomosendomasculino,jáqueantesdeDescartesnãosebuscavaaproduçãodeconhecimentonãosituadoalémdodivino.

Ondeo“Eu”lançaperguntassobreascondiçõesdequemfalaedequecorpopolíticoougeopolíticaoconhecimento foiproduzido?Eassimtraçaumarespostaapartirdaanalogiado “penso, logoexisto”com“conquisto,logoexisto”-oEgoconquiro-acondiçãodeexistênciadoEgocogitodeDescartes.Construindoumaarrogânciapressuposta,estabelecida a partir de alguém que pensa e se estabelece como ocentrodomundo,um“Serimperial”(Dussel,2008).

O “eu conquisto”, que começou com a expansão colonial em1492, é a fundação e a condição da possibilidade do “eu penso”idolátricoquesecularizatodososatributosdoDeuscristãoesubstituiDeus como fundamento do conhecimento. Uma vez que os europeusconquistaramomundo,assimoDeusdocristianismosefezdesejávelcomofundamentodoconhecimento.Depoisdeconquistaromundo,oshomenseuropeusalcançaramqualidades“divinas”quelhesdavamumprivilégioepistemológicosobreosdemais(Grosfoguel,2016,p.31).

Aoseaprofundarnestaquestão,Grosfoguel(2016)evidenciouque o conectivo entre “conquisto, logo existo” (Ego conquiro) e a

58Métodoqueseestabeleceapartirdeummonólogointeriordosujeitocomele mesmo, perguntando e respondendo questões a si mesmo até alcançarcertezasdoconhecimento.

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idolatria do “penso, logo existo” (Ego cogito) seria o racismo e osexismoepistêmico.Queporsuavezgerouo“extermino, logoexisto”(Ego extermino). Concepções quemuitas vezes historicamente estevevinculadaaoconceitode“patrimônio”.

Justamente com base nesse contexto, reconhecemos eenquadramos a estruturação de uma tradição de estudos econhecimentos caracterizada a partir do termo “patrimônio”,defendidocomoumaáreadoconhecimentoquepodeserdenominadode“Patrimonial”ouaténominadade“Patrimoniologia”,equivalentea“Heritology”,comofoipropostoporKlausSchreinereTomislavSola59em 1982 (Lima, 2010). Tendo se estabelecido como uma ferramentaconstruída sob a lógica de favorecimento de dominações, degenocídio/epistemicídio, já que a lógica patrimonial se estruturou apartirdeumalógicadeatribuiçãodevalor,capital,dizendoedefinindooqueeraeoquenãoeraimportante.Pautadaemumafalsalógicadeseleçãoedescarte,oumelhor,deextermíniodoqueseencontravaforade seu sistema vigente e de interesse. Delegando aos “nãopatrimônios”, o status de subalternidade, exterminando-osepistemicamente,impondooesquecimento/apagamento.

Este processo não se encerra no esquecimento e sim naspossibilidadesde resistência, nossadiscussãodo termo “fratrimônio”seprocessa emoutros lugares e emcomosoutros saberes.Umavezquetemosasmemóriasocultas,submersas,assimcomosomoscapazesdeconstruirlugaresdecontrapoder,ondeasmemóriaseasepistemesculturais resistem e até se reconfiguram. Por exemplo, no caso dasreligiõesafrodiaspóricasnaAmazônia,asquaisexistemamplosaportedos saberesdas culturas locais, comoos indígenase ribeirinhos. Issosemmencionar que o próprio eixo do poder colonial, eurocentrado,gera lugares de subalternização em suas próprias culturas. Como asabedoriasditaspagãs,queforamdizimadasemnomedocristianismo,porumacruzadadecombateasbruxasquehistoricamentetevegrandedestaque por meio dos processos de inquisição. São diversas asculturas que se preservaram encontrando lugares de resistência,principalmente asdesenvolvidas e gestadaspelas culturaspopulares.Tornaram os terreiros, as aldeias, as comunidades e diversas

59EstesautorescomestaproposiçãobuscavamumsentidodeampliaçãodotermoMuseologia.

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manifestaçõesculturais(comoasrodasdecapoeiras,dejongo,decoco,dentremuitasoutras)emlugaresdefratrimônio.3.ConceituandoFratrimônio

O termo “fratrimônio” surgiu a partir da proposição presente

natesedeMáriodeSouzaChagas(2003),queaotentarcompreenderoutras relações possíveis a partir da conceituação de “patrimônio”,principalmenteemsuaperspectivadetransmissão,herança,queparaele pressupõe uma transferência e uma recepção que acaba porcontestar a existência de apenas uma estrutura diacrônica nesteprocesso.Logo,esteautordestacouaestruturapatriarcaldo termoecriticouapermanênciadaacepçãodalógicadiacrônica,propondoumexercício mental de substituição do termo “patrimônio” por“matrimônio”.

Proposição que se encontra em um posicionamento delicado,não só pela plena substituição domasculino pelo feminino, o que jáseriaeumavançosignificativo,maspeloprópriosignificadodotermo“matrimônio”,que lançaapercepçãode junçãoentredois indivíduos,mas que historicamente se convencionou por indivíduos de sexodistinto, conforme os padrões da heteronormatividade60 (Chagas,2016).

EmsuateseaproposiçãodeMarioChagas(2003)sedestacoucomo um resultado da sua teorização a partir da sua proposição de“imaginação museal”, que o fez identificar as possibilidades deampliaçãodaconcepçãode“patrimônio”,comoobservamosnotextoaseguir:

A imagemdo "segundo"oudo "agora" como "portaestreitapelaqualpodiapenetrar[asemente,onovo,apromessa]oMessias",quandoaplicadaaosmuseuse ao patrimônio cultural é capaz de iluminar oterreno: 1o - Ela contribui para a desconstrução daideiadequeopatrimônioculturalétão-somenteumaherançapaternaoualgoquesetransmitede

60 Vide todamilitânciamundial para a aceitação do casamente em relaçõeshomoafetivas.

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"paiparafilho",demaneiralinearediacrônica;2o-Ela favorece o entendimento de que se há umaherança paterna, também há uma herançamaterna (um matrimônio), sem o qual opatrimônio não se constitui,mesmo se consideradaapenas a perspectiva diacrônica; 3o - Ela abreespaço para que se admita a possibilidade deumapartilha socialdebens culturaisque se fazdemodosincrônicodentrodeumamesmaépoca,de umamesma geração (um fratrimônio) e 4o -Ela sugere ainda que de filho ou filha para pai oumãetambémsetransmitemsementes,experiências,saberes, valores, promessas, afetos e muito mais.(Chagas,2003,p.279,grifonosso)

PosteriormenteMárioChagas (2016) retomoua ideia lançada

em sua tese e se aprofundou em sua percepção para com o quecompreenderiacomoumidealde“fratrimônio”,quandodescreveu:

Há uma herança que se transmite e se recebe nacontemporaneidade, talvez pudéssemos de modopoético denomina-la de fratrimônio. Já não se tratadeumaherançamaternaoupaterna,masdealgumacoisa partilhada entre os contemporâneos, entre osamigose irmãos,entreosmembrosdeumamesmacomunidade.(Chagas,2016,p.143-144)

Ideia em que o autor amadurece a sua percepção sobre o

conceito e o apresenta como uma alternativa ao termo “patrimônio”,colocando-o em uma perspectiva que nos mostra as relações de“fratrimônio”, as quais podem e devem ser pensadas por meio derelações sociais inter e intrapessoais, inclusive se aproximando daslógicasdeoutrossaberesexistentes inmundo.Rompendocomaideiadeumbem/objetodevalorpertencentesadeterminadosindivíduosourepresentandoconjuntamenteumgrupodeindivíduosemumlugardedominação.

Chagas (2016) também quebrou a estrutura de gêneroencontrada oculta no termo, como já abordado, e ao lançar a

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condicionantefraternalexaltaoaspectodeafetividade,queemnossopontodevista,éextremamente importante,principalmentediantedoreconhecimento da complexidade dos saberes, das relações e dasmanifestaçõeshumanas.

Devemosentenderquenemsempreasrelações fraternaissãoamistosas em sua plenitude, pois existem disputas, como as famosasbrigasentreirmãoeatéosfratricídios,comoentreAbeleCaim.Termoque se refere ao homicídio causado por um irmão ou irmã,mas quetambémpodesereportaradoismembrosdeummesmogruposocial,normalmenteminoritário,oucompatriotas,ouatémesmosoldadosemcampodebatalha.

Apontamosemnossasconsideraçõesotermo“parricídio”,queSigmund Freud analisou em três de seus livros – “Totem e Tabu”,“Dostoievski e o parricídio” e “Moisés e o Monoteísmo” - onde oconceito surge em um contexto de eliminação, extirpação, da figurapaterna pelos filhos em busca da assimilação das concepções dadominação paterna. Como nos lembra Maria Thereza Á. D. Coelho(2011), com base na obra citada de Freud, o parricídio é o crimefundadordahumanidade, sendoesteumataquehistéricogeradordeumadinâmica sadomasoquista entre o ego e o superego, um conflitoentreestruturasdepoder.Comamortedopai,osirmãosreencontramsuaspartesematitudesepráticasdodiaadia.

Processo que em nossa compreensão, também associamos afaladePauloFreire(2014),comoooprimidotentandosetransmutaremagenteopressor,quenãodeveserapenasvistocomoumprocessode sucessão de poder, mas também na potencialização detransformações nas estruturações dos poderes já legitimados. O quenos leva ao cumprimento de posturas éticas, humanas, ao lidarmoscomoconceitode“fratrimônio”.Devemosteorizarcoma intençãodenossasproposiçõesestaremsempreemalerta,nosentidodequealgocriadocomolibertadorpossasetornaruminstrumentodeopressãoedemartírio em outros contextos sociais. Também devemos salientarqueanossadefesanoconceitode“fratrimônio”nãoéumarecusadoamorpaternal,queremosmostrarqueessaéapenasumadasvigênciassociais possíveis, dentre muitas outras, se configurando como umrompimentoreflexivoeengajadonosaportesteóricosapresentados.

Retomando a discussão travada por Mario Chagas (2016), oautorcolocouaproposiçãodotermo“fratrimônio”comoumaproposta

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poética,mascomoacreditamoseestamosinvestindonestadiscussão,paranósautilizaçãodotermoseconfiguroucomoalgoquevaialém,seestabelecendo principalmente como um posicionamento político. Jáque querermos distinguir circunstancialmente o termo “fratrimônio”do“patrimônio”.Historicamentevinculadoaumatutelapública/legal,que noBrasil se institucionalizou a partir da década de 1930, com acriaçãodoServiçodoPatrimônioHistóricoArtísticoNacional(SPHAN),atual Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN)(Andrade,1987).

Ainda segundo Chagas (2016) a concepção fratrimonial setornou mais evidente por meio do componente discursivo, que sesucedeuatravésdapercepçãodosJovensAgentesqueatuamnoMuseuVivodeSãoBento,nomunicípiodeCaxiasnoRiode Janeiro,quandoproclamaram: “Todas as coisas aonosso redor sãopatrimônio”.Umapercepçãodecorridaemproldeduascategoriasquesedestacaramemsuas pesquisas: “o que é importante” e “o que parece não serimportante”. As quais podemos compreender como um domínio doincerto, onde se sabe ou não o que é um patrimônio, masespecificamente no caso da concepção fratrimonial, se sente e sepercebeoqueérelevanteparaossujeitosegrupossociais.Comisto,oautornos lembradaexistênciadeoutrasdimensõespoéticas,queéade criação e de comunicação, e destaca a relevância da palavra“importante” nesse contexto, como foi proferida na definição dosJovensAgentes:

Apalavra“importante”põeemevidênciaadisputa,olitígio,oconflitoquereinanocampodopatrimônio.O“importante”estáassociadoaumsaberdizereaoafirmarque“oquepareceserimportante”tambémépatrimônio anuncia-se a arbitrariedade dessemesmosaberdizer.(Chagas,2016,p.156)

Com esta proposição Mario Chagas (2016) compreende aconstituição do patrimônio a partir de um discurso validado poralguémequeaolongodocontextohistóricoessafunçãoesteveeestápreponderantemente nas mãos das estruturas dominantes do poderhegemônico. Imerso em questões políticas e econômicas, vinculadasaos padrões colonizadores dos homens brancos e da

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heteronormatividade, as quais excluem pessoas de outros gêneros eraças.Apartirdestapercepção, abordouo termo “fratrimônio” comoumaopçãodiscursivanospermite,coletivamentedeslocarafunçãodeidentificaredecidiroqueéounãorelevanteparaosgrupossociaiseosindivíduos,forçando-nosaagirepensarapartirdoreconhecimentodediferentespontosdevista,dialogandocomdistintoslugaresdefala,distintasrealidadeseformasoutrasdepensar.

A“conversacomaamiga”éumpatrimônio.Aquise explicita de modo contundente a dimensãorelacional do patrimônio: só há patrimônio ondehárelaçãoeaconversaéaafirmaçãodapotênciadarelação.Énarelação,noencontro,navivênciaena convivência que o patrimônio se constitui, seenraíza e adquire sentido. De outro modo: é nocotidiano,nodiaadia,queopatrimônioserevela,seafirmaeseconfirma.Odesafiocolocadopelosjovenscriadoresdoconceitoemanálisenãoéreconhecerafestacomoumpatrimônioimaterial,nãoétrabalharcom o evento extraordinário (a Festa do Divino, ocarnaval,oCíriodeNazaré,aFestadaIndependênciada Bahia celebrada no dia 2 de julho), mas,reconhecerqueháumadimensãopatrimonialnocotidiano da qual não se pode fugir. (Chagas,2016,p.157,grifonosso)

Apartir desteponto, fica evidente a razãopelaqual devemospensar em fratrimônios, principalmente quando trabalhamos comoutros saberes e contextos culturais, como o caso dasculturas/religiões afrodiaspóricas ou qualquer outro segmento degrupossubalternos,quesofremesofreramdrasticamenteasaçõesdocolonialismo.Consideramosqueotermo“fratrimônio”seadequabemcomgruposcomunitários,organizadosem famíliasouassociadosporafinidades, por militância de reconhecimento de direitos, contra opreconceito ou pelo próprio sofrimento vivenciado coletivamente,comooracismoreligioso,porseconstituírempormeiodasvivênciasedas experiências/conhecimentos adquiridos em seus lugares desociabilidade,defratrimônio.

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Devemos destacar que também compreendemos que aconcepçãode “fratrimônio” estávinculada,mesmose confrontandoebuscando rompimentos, com a ideia de “compadrio61 interclasse”,conforme discutido por Maria Sylvia de Carvalho Franco (1997). Aautoracompreendeotermoapartirdasrelaçõesde“homenslivresepobres” em um processo de ajustamento entre grupos dominantes edominados, caracterizado em duas faces constitutivas da sociedade:umaqueseordenaconformeligaçõesdeinteresses;eoutraporviadeassociaçõesmorais. Princípios opostos que constroemassimetrias depoder, circunscritas pelo mais forte e reforça a submissão do maisfraco.

Douglas Texeira Monteiro (1974) enfocou circunstâncias da“crise do compadrio interclasse”, entendendo-a como formação dealianças,pormeioderelaçõesqueinterligamumdeterminadogrupoaoutros de natureza semelhante, que se conectam por fundações debases “metafísicas”,debase “mística”oude “substância comum”,quedefinecomo,“relaçõesdeincorporação”.Justamentenestesentido,quePriscilaFaulhaber(1987)afirmou:

No caso do compadrio interclasse, dada a“incompatibilidade da coexistência de umaconsciência niveladora e de uma subordinação debase econômica”, surgiria a crise e a “tentativa desuperaçãodestacontradição,atravésdolançamentodas bases de uma aliança e da criação de um novo‘nós’ onde a substância seria dada por umaconsciêncianiveladoraquebuscaseus fundamentosemvínculosdenaturezamísticas.(Faulhaber,1987,p.225)

61Devemosevidenciarqueassimcomo“patrimônio”o termo“compadrio”einterpostoporumaestruturapatriarcalemachista.Aquioutilizamosporsuaconsagração na literatura, mas o utilizamos para ser pensado por diversosaspectos,comopresentenaspalavrascomadreeconfrades.Emnossopontode vista e de nossas discussões, seria mais interessante a utilização do“confradrio”,masdeveriaserinterpostaemumadiscussãomaisaprofundada.

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Devemosdestacar queo “compadrio” por ser posto comoumagente nivelador pode ser colocado em um processo mais fraternal,quenãobuscaapenasanivelaçãodosujeito,masquelheatribuiumaautonomiadecisiva,quesecircunscreveapartirdacoragemedosatos:dopoderfazer,dopodersefazerpresenteedopodersereestruturarem um sistema já interposto colonialmente. Promovendo umareaveriguação das relações sociais hierárquicas, que se justapõe decimaparabaixo.Nessesentido,o“subalterno”,comoapresentadoporSpivak (2010), simbolicamente pode conseguir emergir como sujeitosocial,porpotencializarosujeitoemseuatodeseredeser-no-mundo.Dando forças, por exemplo, para encarar os processosque lhe foraminterpostospelacolonialidade,dentremuitosoutros.

Lembramos que não estamos falando de diversaspossibilidadesde“compadrio”,quepodemsersimbólicas,míticasedemuitasoutrasnaturezaseseestabelecerapartirdediversos lugares.Nocasodesuaconjugaçãocomo“fratrimônio”,deveseestabeleceremum sentido de romper com a tutela do patriarcalismo no sistemamundo, estabelecendo sistemas de ajudamúltiplas.Melo (2020), porexemplo, considera as entidades afrodiaspóricas vinculadas ao orixáExu,deominadasdeexus (CompadresePombagiras) com tendoumarelação de compadrio com os sujeitos das religiões afrodiaspóricas,sendo eles considerados grandes protetores. Aspectos que vemos namáxima-“Quemandacomigonãodorme”.

Podemosaquimencionarqueasvivênciaseexperiênciasaquiapresentadas,apartirdaacepçãodo“fratrimônio”,sãomediadaspelossujeitos,ondeosmaisexperientesequeseencontramem lugaresdeprivilégio devem contribuir para que seus pares adquiram omesmoprestígio, autonomia e pensamento crítico, configurado em umaconduçãodemotivaçõesvoltadasparanovasgerações,comoacontecenasculturasafrodiaspóricas.4.Aportesafrodiaspóricos,oubuntueoconceitodefratrimônio

Como já apontado, devemos entender que nosso maiorestimulo para lidar como o conceito de “fratrimônio” decorre daaproximaçãodenossaspesquisascomasreligiõesafrodiaspóricas,noentantoestenãoéoobjetivocentraldestetrabalho,masnãopodemosdeixardenosreportaralgunsdestesconceitos,comoodoubuntu.Cabe

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aquientãoindicarumpoucodealgumasespistemesafrodiaspóricasasquais estamos nos aportando, muitas delas presentes no Brasil ediversos lugares onde as culturas africanas chegaram por meio dadiáspora(Hall,2006e2013;Gilroy,2012;ButlereDomingues,2020).

Dentre as epistemes pelas quais estamos nos debruçando,temos as questões ligadas ao orixá Exu, também nominadas deexusíacas,dandodestaqueasconcepçõesapresentadasporLuizRufino(2017; 2019) com sua Pedagogia das Encruzilhadas, a qual usamoscomo base estrutural, conjuntamente com aportes teóricos daMuseologia, para circunscrever umaMuseologia das Encruzilhadas, aqualoconceitodefratrimôniofoiinterpostocomoumadesuasbases,conformeapresentadoporMelo(2020).

Com isso, devemos destacar que a própria lógica datransmissãodosconhecimentosdasreligiõesafrodiaspóricaspormeioda oralidade, acaba por configurar a sua base estrutural, ligada àconcepçãodeancestralidade,mesmosendoela imaginada,construídae reconstruída constantemente. Compondo uma lógica que interliga,principalmenteideologicamente,aidentificaçãodiretadestasreligiõescom o continente africano. Aspecto quemantem nessas religiões umfortesentimentoligadoadiásporado“AtlânticoNegro”,poisassumemas dores dos negros africanos escravizados, separados de sua terranataledestituídosdesuasculturasdeorigem.

As culturas afrodiaspóricas foramobrigadas a reconfigurar assuas práticas nos territórios do “Novo Mundo” e encontrar nareinvençãoenarestituiçãoaresistênciadesuasculturas,processoqueconsolidounovasestruturasculturais,híbridas, ricaseextremamentediversascomoasreligiõesafrodiaspóricas.

Aconcepçãofratrimonial,emnossaestruturaçãodoconceitoseaproximada ideia africanadoubuntu62, que conformeNataliadaLuz(2014)seconfiguracomoumconceitoestabelecidoapartirdaideiadeuma“humanidadeparacomosoutros”.Umapercepçãoampladequeomundo não se comporta como uma ilha, compostas de sujeitosisolados, conformeexplicitadonamáximadoubuntu, “eu souporque

62Concepçãoqueseacredita terseoriginadonoEgito,masqueseencontraatualmente espalhada por grande parte do continente africano,principalmente a África Subsaariana, sendo mais plena dentre os povosbantos.

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nós somos”. Percepção de mundo estabelecida como umaética/filosofia,consideradaumadasbasesdaFilosofiaAfricana.

MogobeB.Ramose (1999;2002)acreditaqueaconcepçãodotermoubuntu,pormeiodaFilosofiaedaÉtica,éumacompreensãodehumanidade em um sentido de atitudes de respeitabilidade cortês.Sendoumacondiçãodeseremestadodeacontecimento,deprocesso,configurada em um estado de gerúndio. Compreende que ubuntu sedivideemtrêsdimensõesinter-relacionais.

Aprimeiradimensãoéadavivência,que tornaodiscursodoserpossível.Asegundaseriaadimensãodosseresquepassaramparaomundo dosmortos, pois amorte interrompeu a sua existência emrelaçãoaoconcreto,docorpoedavidacotidiana,maselanãoécapazde interromper a vida dos seres que partiram. Nesta concepção quecompreende os falecidos como mortos-viventes, muitas vezesconsiderado em tradução para o ocidente, como “ancestral”.Justamente é está a distinção entre as bases da concepção de“ancestralidade” ocidentalizada com as culturas africanas e de suadiáspora.

Os mortos-viventes continuam vivos apesar de não maispertencerem ao mundo dos vivos, como observamos nas religiõesafrodiaspóricas.Osfalecidosganhamsentidodeimortalidadeeevocamosentidodeumarelaçãodefratrimônio,nãoestabelecidaapenaspormeio do processo da memória, mais como um estado do ser e dopresente,restituindosimbolicamenteopassado,masemumsentidodeatualidade/virtualidade63,relacionadodiretamentecomessesmortos-viventes, já que existem trocas com os desencarnados, que semanifestampororáculosouincorporações.

Uma construção distinta do imaginário social ocidental, quehegemonicamente colocou a percepção humana em duaspossibilidades, a da lógica científica, como apresentada, construída apartirdeumstatuscartesiano,ouadogmática,impostapelafécristãeestabelecida na redenção e julgamento do divino. Nas culturasafrodiaspóricas os fatrimônios, o mundo dos invisíveis, ou o dosmortos-viventes estão diretamente interligados e não devem serpostosoujulgadoscomoumprocessofantástico/fantasioso,poisestão

63Conceitodevirtualutilizadoapartirdosaportes teóricosdeLevy(2011),nosentidodeestarempotênciaeseopondoaoatual.

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diretamente relacionados às vivênciashumanas. Sendoparte integralda comunidade imaginada64 destas culturas, inclusive interagindodiretamentenasrelaçõessociais,humanaseafetivas.

Tambémnãopodemosesqueceraterceiradimensão,colocadaemfunçãoaosseresqueaindavãonascer,umestabelecimentocomofuturo, uma vez que estes precisam se tornar de fato, pois precisamnascer. Logo, conjuntamente as três dimensões do ubuntu constróirelações temporais e atemporais, somadas à dimensão dos mortos-viventes65 e aproximadas a contextos teóricos como a acepção de“patrimônio integral” ou “museu integral”, a qual foi amplamentediscutidaepopularizadapelaMuseologiaapartirdadécadade1970(Scheiner,2012).

Diantedoexposto,nosreportamosaosdiversosodús,tambémchamado de biblioteca de Ifá, estes são mitos da cosmologiaafrodiaspórica e uma de suas finalidades é nos ensinar sobre aspercepções/concepçõesdasrelaçõescomosmortos(mortos-viventes)comosvivos.ContamosmitosqueObatalá(mesmoqueOxalá)moldouos seres humanos para que Olodumaré lhes desse a vida com seusopro. Contudo, para criar o ser humano foi preciso descobrir omaterial certo e Obatalá teve que procurar e experimentar diversostiposdemateriaisesóconseguiuomaterialperfeitocomNanã,quelheemprestou o seu barro. Foram criados diversos seres humanos até obarroacabareimpossibilitarqueasnovasgeraçõesfossemcriadas.FoiquandooorixáIku,foidesignadocomoosenhordamorte,paraqueobarro de Nanã fosse restituído, para que continuasse a empresta-lopara se criar as novas gerações (Prandi, 2001; 2017). Devemos aquidestacar que Iku representa a morte, mas não o fim, conformeproferidoporWandersonFlordoNascimento(2020):

Assim, Iku, a morte, não é entendida como umprocesso que rompe nossa pertença à comunidade.Ela a transforma. Passamos da condição de vivos àcondição de ancestrais mortos-viventes quepertencem à comunidade, vivendo namemória daspessoas e também no espaço comunitário, no qual,

64ConceitodesenvolvidoporBenedictAnderson(2008).65ConceitoempregadoapartirdeRamose(1999;2002).

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como ancestrais, nos comunicamos, nosalimentamos,agimos.(Nascimento,2020p.30-31)

Com isto, as possibilidades de se pensar em relações

fratrimoniaisapartirdocontextodasreligiõesafrodiaspóricas,buscarepensar teoricamente as possibilidades de atuação dos espaços inloco, de manifestação destas culturas, conjuntamente a tradições, anovos olhares e novos fazeres. Compreendemos distintas epistemesculturais e visionamos transformações sociais as quais os“fratrimônios” se fazem presentes e se manifestam em suaspotencialidades,noscabendoosdevidosreconhecimentosesapiênciasparasuaexaltaçãonestescontextos.

5.Consideraçõesfinais Como base no que foi apresentado, percebemos que apercepção fratrimonial, vinculada a categoria “fratrimônio”, aquidesenvolvida, evidencia processos e questões que muitas vezes seencontram encobertos pelo que foi convencionalmente atrelado aoconceito de “patrimônio”. O qual percebemos grandes avançosteóricos,masque emsua estrutura terminológica ainda se apresentacom características excludentes, principalmente na vinculação doprefixo “patri”. Lembramos que pensar “fratrimônio” não é umanegação de tudo que já se foi construído e debatido a respeito de“patrimônio”, e sim, em sua apropriação, criativa, ofertar outrapossibilidade que desvela diversos processos de dominação que nosforamimpostos.Rompe,pormeiodegirosdecoloniais,comosistemamundovigente,ondeamáximadepreservação foia incorporaçãodopatrimôniobranco,europeuededominânciamasculina.

Comisso,trazemososlugaresdassubalternidadesedasoutrasrelações sociais existentes no mundo, como seus saberes e seusfazeres, para reconhecermos seus processos epistêmicos. Diversasvisões de mundo, que podem e devem se somar em um anseioconstitutivo de novos lugares e olhares de valorização destesprocessos,desuasmemóriasedasrelaçõesafetivas,queseconstituemnoquenominamoslugaresdefratrimônio. Comisso, relembramos,que“fratrimônio”surgiu timidamentena tese de doutorado de Mário Chagas e que posteriormente o

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desenvolveu mais efetivamente, o colocando como uma proposiçãopoéticae justamenteapartirdestapercepçãoedonossodesconfortocomotermo“patrimônio”,queresolvemosnosdebruçarteoricamentenaterminologia,resultandonadiscussãoaquiapresentada.

Compreendemosqueotermo“fratrimônio”seconfiguroucomoumaformadistintadesepensarapreservaçãocultural,rompendocoma ideia do homem, sujeito masculino, ideologicamente branco, comosendooprovedoreograndemecenasdossaberesedasdesignaçõesde valores do mundo. Aspecto que destacou diversos laços afetivosexistentes em diversas possibilidades de instauração de assimetriasculturais, como as exemplificadas por meio das culturasafrodiaspóricas.Reconhecemos assimque a imaterialidadehumanaécompostapormovimentaçõesenãoporsuaparalização,nosentidodefornecer possibilidades de preservação nos próprios contextosculturaisdemanifestaçõeseaceitandoqueexistemtransformaçõesemsuamanutenção.

Otermotambémseabreparaumainfinidadedepossibilidades,de produção e eleição de valoração, sendo promovida por distintossujeitos que se interligam principalmente por relações afetivas maishorizontais,mas também por ideologias e processos políticos. Assimcomoosatosderesistênciaseencontramimplícitosnestaconcepçãoeassimoconjugamoscomoubuntu.Configuradacomoumapercepçãode humanismo para com os outros em uma dimensão afetiva queexalta a realização pessoal estabelecida na coletividade. Umapercepção afetiva de mundo que nos coloca em sintonia com adimensão dos mortos-viventes, trançando relações temporais emsentidos simétricos e assimétricos, conjugado em diversos ciclosgeracionais,postospelobarrodeNanã,quedevesempreserrestituídopormeiodoatodemorterealizadopeloorixáIkui,queoriginaoutrosestágiosdoexistirhumano.ReferênciasAndrade,R.M.F.(1987).RodrigoeoSPHAN:coletâneadetextossobrepatrimôniocultural.RiodeJaneiro:MinistériodaCultura,SecretariadoPatrimônio Histórico e Artístico Nacional, Fundação Nacional Pró-Memória.

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ASCOISAS,OMUSEU,SEUSPROCESSOSEOPÚBLICO:APEDAGOGIADASEXPOSIÇÕESMETAMUSEOLÓGICAS

ManuelinaMaraDuarteCândido

UniversidadedeLiège,Bélgica/UniversidadeFederaldeGoiás,Brasilhttp://orcid.org/0000-0001-9695-3807

1.Introdução:

Estetextoapresentareflexõesrealizadasnoâmbitodoprojeto

depesquisaOssentidos,ostemposeosdestinosdascoisas,coordenadopor mim desde 2017 na Universidade Federal de Goiás, Brasil, etambém, a partir de 2018, na Universidade de Liège, na Bélgica. SeumoteinicialfoiaexortaçãoporpartedeUmbertoEco,ànecessidadedecriação de uma teoria da filtragem, à qual associei o campo daMuseologia.

Aomesmo tempoemqueprocuro, juntamente compesquisasdesenvolvidas por orientandas e orientandos de graduação, demestradoededoutoradoeoutros(as)colegasdepesquisaperceberasconexões entre aMuseologia e esta possível teoria da seleção ou dafiltragem,investigamososdestinoseusosdascoisasquesetornamoudeixamdeseracervosdemuseus(Oliveira,2021;Oliveira,2018;Silva,2017), com ênfase em processos de seleção e de descarte (Nonato,2017,Araújo,2017),mastambémdascoisasdocotidianoquenãovêma passar por processos demusealização e de patrimonialização,masque, eventualmente, podem ganhar uma segunda vida em feiras decoisas usadas (Rosa, 2021), na reciclagem, entre outros66. Por outrolado, investigamos conjuntos de artefatos ou coisas que mesmoestando em museus não conseguiram vencer o destino desilenciamentoedeapagamento(Mendesetal.2019),oprópriodestinodosmuseuscomomegaartefatos(DuarteCândidoetal.2019)ecomocompartilhar com o público estes processos e escolhas que sãoinerentesàmusealização(Amaral,2021)permitecontribuirparauma

66UmaobrainspiradoraparaesteprojetoéolivroAntropologiadosrestos,deOctaveDebary(2017)

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pedagogiamuseológica(Bruno,2006)eparaoavançodaMuseologia(Collineau,2020).

Dadosdocampodãocontadeumcrescimentoanualmédiodascoleçõesde1a2%,mesmoeminstituiçõescompolíticasdeaquisiçãoconsistentes (Lord & Lord, 1989, apud Mairesse, in Desvallées &Mairesse, 2011, p. 262). Considerando o ônus, em geral público, querepresentam estes acúmulos, é importante discutir, compartilhardecisões, estimular a racionalização das aquisições por museus(mesmo quando por coleta ou doação), publicizar reflexões sobre aformaçãodosacervosenãoosapresentaraopúblicocomoalgodado.Neste sentido, o foco deste texto são as questões envolvendoreflexividadeemmuseuseaformadeapresentá-laaopúblico,noqueMartinSchärerchamoude“exporaMuseologia”(Schärer,2018)eeuchamarei também demetamuseologia, em diálogo com a formulaçãodeCristinaBrunoarespeitodepedagogiamuseológicacomo

“lasreciprocidadesentrelassiguientesacciones:- la identificación de la musealidad que esresponsable de las propuestas de incentivo a laobservaciónyalapercepción;-elperfeccionamientodelapercepciónselectivaquereiteralapotencialidaddelejerciciodelavisiónydelaidentificacióndeloqueesvisto.Esedespertardeposibilidadesdepercepcióneidentificaciónllevaacompromisosen...-eltratamientodelosbienesseleccionadosque,asuvez,representaunainducciónalusocalificadodelas referencias culturales, potenciando las rutasconstitutivasdelaherenciaculturalenfunciónde- la valorización de los bienes patrimoniales.”(Bruno,2014,p.3,grifosdaautora)

EstaabordagemcontribuiparaexpandiraMuseologia,segundo

a autora, porque a configura como um processo pedagógico em suatotalidade,valorizandosuapotencialidadeparadarumdestinoàquiloqueassociedadeselegeramcomorelevante,deformaqueexerçamsuafunçãosocial(Bruno,2014,p.3).

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2. A pesquisa e amusealização como camadas demediação quetambémpodemserexibidas

Emtextode2005eumereferiaaosdiferentescontextosparaacultura material segundo Peter Van Mensch: contexto primário (P),contexto arqueológico (A) e contexto museológico (M). O autorsublinha que “Quanto mais intermediada é a passagem do contextoprimário para o museológico, maior o número de processos deinterpretação e seleção pelo qual o objeto passou” (Duarte Cândido,2005, p. 83). A forma tradicional de exposição de museus é fazerreferênciasomenteaoseucontextoprimário,edescartarascamadasdebiografiaqueatrajetóriadoobjetovaisobrepondoaseuprimeiromomento de produção e uso. Não se fala do seu descarte, que podeestar na origemda formação de umnovo contexto, o arqueológico67.Eventualmente,algunsmuseuseexposiçõesdeArqueologiapassarama falar do contexto arqueológico, e apresentar em seu discursoexpositivos elementos que permitiam compreender a pesquisaarqueológica: as hipóteses, o trabalho de campo, as análises, asinterpretações,ascontrovérsias.Destaforma,oregistroarqueológico68passouacomporalgumasexposiçõesapartirdadecisãodeiralémdaexibição dos vestígios arqueológicos, apresentando, por exemplo,cadernos de campo, desenhos, fichas, planilhas, fotografias edepoimentos de várias pessoas envolvidas com a pesquisaarqueológica,inclusivemoradoreslocais69.

67 Nem todos os objetos passam pelo contexto arqueológico antes dechegarem ao contexto museológico, passando diretamente do contextoprimárioaocontextomuseológico.68 O registro arqueológico “es la parte de la metodología que inventaría(recoge, observa,define, identifica, ordenay ficha) losbienesarqueológicos,que, por su mediación, pasan a ser bienes patrimoniales. El registroarqueológico es el instrumento metodológico que autentifica el hallazgo, loconvierteenpatrimonioarqueológicoylotransmutaendominiopúblico.”(DelaTorre,2017,p.27)69UmbomexemploéaexposiçãoLoulé: territórios,memóriae identidades,realizada noMuseu Nacional de Etnologia, em Portugal, de 21 de junho de2017 a 23 de junho de 2019 e disponível online emhttp://www.museunacionalarqueologia.gov.pt/?p=7573.Emummódulofinaldaexposiçãoquemavisitaéconvidado(a)aconhecermaisde20habitantes

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Tanto eu no meu texto (resultante de minha dissertação demestrado em Arqueologia) como Peter Van Mensch estávamos nosreferindoapatrimônioarqueológicoeamuseusdeArqueologia,masevidentemente isto é válido para museus de outras naturezas, quepodem (ou devem) apresentar os processos de produção doconhecimento e suas conexões coma formaçãode coleçõesnasmaisdiferentes áreas do conhecimento, que vão da História às ciênciasnaturais, passando pela Antropologia, História da Arte, etc. Estasestratégias são também pedagógicas no sentido demostrar como seconstroemossaberes,algotãoimportanteemtemposdenegacionismocientíficoedeconfusãoentreciênciaeopinião70.

A metamuseologia seria um passo a mais, de mostrar aopúblico outras camadas de mediação que são adicionadas às coisasdesdesuaentradanomuseu,edesnaturalizartambémamusealização,evidenciando interesses, escolhas, prioridades, silenciamentos,tensões, desconfortos, disputas. Tudo isto é extremamente didático,conduzopúblico aumolhar sem ingenuidades sobreodiscursoquetemdiantedesie,namelhordashipóteses,aumaconsciênciacríticaecapacidadedeleiturademundo(Freire,1989)queoacompanhariaemoutrasvisitasdemuseus,tornando-oautônomo,enaprópriavida.

No textosobreo itineráriobiográficodeumagarrafadesidraThierryBonnot (2015)nos apresentaospercursosque levaramumagarrafa de grés produzida em Palinges a uma exposição em umapequenaigrejaemComblot,naFrança.Emseutrabalhodeetnografia,o autor persegue toda a cadeia operatória de produção da garrafadesdeopontodecoletadaargila.Tornadamercadoriapeloprocessoindustrial de produção das garrafas emmeados do século XIX, ela éprovavelmente transportada por barcos até uma fábrica de sidra naNormandia,ondenãoémaisvendidacomorecipiente,mascomosidraque, após consumida, tem novo estatuto: de simples resíduo. Seuúltimo uso neste contexto ainda primário (mas com tantas camadas,

da cidade de Loulé que são considerados(as) guardiães e guardiãs dopatrimônio arqueológico do município e que colaboraram com o MuseuMunicipal doando peças, ou que ainda mantém e zelam pelos sítiosarqueológicosemsuaspropriedades.70 Sobre a importância dos museus exprimirem controvérsias e perguntasmaisqueafirmaçõesreificadas,sugiroaleituradeDoom(2020).

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vejam),éoreaproveitamentodagarrafacomomaterialdeconstruçãonaobstruçãodeumapequena janeladurante a reformada igreja emComblot,ondeacabaaindaporsetornar,alémdepartedaedificação,habitação de um enxame de abelhas. Ela é encontrada pelosarqueólogosem1998nestevilarejode68habitantes,ondesegundooautor, provavelmentenão seria tocada senão fosse anecessidadederemoveracolmeiadeabelhasnoprocessoderestauraçãodaigreja.

Este exercíciode retraçar suabiografia nosmínimosdetalhesfaz com que o objeto, absolutamente banal, seja revestido de umgrandeinteresseeaparóquiadesejeexpô-lacomopartedopatrimôniolocalquandodareaberturadaigreja.Bonnotaproveitaparalançarnotexto uma série de provocações sobre que localidade teria maislegitimidadeparapatrimonializaragarrafa (PalingeouComblot?)Ouaindaqualaúltimaetapadesuabiografia,lembrandoque

“oadventopatrimonialqueconstituiparaoobjetoaentrada no museu não é um fim de percurso, umestatutodefinitivo:elepodeserexpostooucolocadonareserva,emprestadoouutilizadopelopessoaldomuseu em questão – para decorar o balcão darecepção,porexemplo.”(Bonnot, inDuarteCândido&Ruoso,2015,p.139)

Oautorlembraaindaque“Abiografiadeumacoisaé,defato,a

história das suas singularizações sucessivas e das classificações ereclassificaçõesàsquaiselafoisubmetida.”(Bonnot,inDuarteCândidoeRuoso,2015,p.146)Istonoslevaaconcluirquesuaapresentaçãoemummuseunãodeveriaprivilegiar somenteo contextoprimário (P)enem mesmo uma somatória de contexto primário e contexto depesquisa básica71 (PB) – que uso aqui para substituir o contextoarqueológico de Peter van Mensch e adaptar seu esquema a outrastipologias de museu –, mas também exprimir em seu discursoexpositivo o contextomuseológico (M). Se “examinar a biografia dascoisas pode dar grande realce a facetas que de outra forma seriam

71Paracompreenderminhamaneiradeusarpesquisabásicaemmuseucomoalgo diferente da pesquisa aplicada ou pesquisa museológica, ver DuarteCândido(2019).

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ignoradas” (Kopytoff, 1986, p. 93), é importante jogar luz tambémsobre o que se passa na sua vida depois que elas chegam aomuseu,pois sua trajetória não se encerra aí. Por outro lado, considerar erevelarnasexposiçõesmuseológicasossucessivoscontextos(P–PB–M) permitiria um caminho na direção das perspectivas decoloniaissobreo colecionamentoevocadosporCamilaMoraesWichers, jáqueraramentevemosneles“ahistóriadascoleções,noquetangeasformasde coleta e inserção desses vestígios nos museus, tantas vezesmarcadasporsaqueseespólios.”(MoraesWichers,2019,p.60).3. Metamuseologia: mostrar as entranhas do processo demusealização

Temos aqui, portanto, uma vasta gama de argumentos que

sugeremadotarodiscursodametamuseologia emexposições, comointuito de promover uma pedagogia museológica. Esta pedagogia,segundo Bruno (2006), é capaz de levar à reflexão crítica sobre asescolhas feitas no decorrer do processo de musealização e tambémsobre sua reversibilidade. Desta forma, indica que a Museologia nãoapenassocializaosresultadosdeseutrabalho,mastambémécapazdecompartilhar procedimentos técnico-metodológicos e mesmo suasformasdepensaredeconduzirprocessos,oqueestáemsintoniacomas tendências contemporâneas para uma Museologia maisparticipativa,colaborativaeco-criadora.

Elatambémexplicaarazãodealgunsmuseuscontemporâneosescolherem deixar traços das antigas formas de musealizar e exporcomoestratégiasdepromoverreflexãocrítica,desdequeistonãosejasubterfúgio para manter as coisas imóveis. Evidentemente énecessário, para que o público acompanhe esta propostaautorreflexiva, que não seja simplesmente um abandono daspossibilidades de transformação, mas a criação de dispositivos emmetalinguagemquepermitam se interrogar sobre os próprios gestosde colecionar e de expor72. Porém, estas estratégias não convêm

72 O Africamuseum de Tervuren, na Bélgica, tentou com estes recursos serecolocar quando da abertura, em 2019, diante da imagem domuseumaisemblemático do colonialismo, umaherança ou identidadedifícil de superar,aindamaispelofatodotombamentodaedificaçãoemqueseencontratersido

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sempre. Em seu texto de 2007, Durand se refere à ideia demusealizaçãodeummuseucomoalgodesconcertante,quandocríticasao fechamento do Museu de Arte Popular de Portugal consideram“que, além do edifício, tinha de se preservar o seu projecto e otipo de olhar que propunha sobre a ’cultura popular’” (Durand,2007,p.380).

Portanto,énecessáriocuidarparaqueestetipodeabordagemnão seja instrumentalizado como justificativa para tudo manterconservado como no passado, expressão de pura nostalgia eacomodação. O que está sendo discutido aqui é a possibilidadeeventualdemanutenção(ourecriação)dealgumasreferênciasàformade musealização já considerada ultrapassada, como elementospedagógicos. Estas referências podem suscitar uma partilha, com opúblico, de reflexões e escolhas que ocorrem nos bastidores dosmuseus, ao longo do processo curatorial73, e, consequentemente, deseusaspectospolíticos.

ParaMartinSchärer(2018),ointeressedestetipodeexposiçãoestáemcompartilharcomopúblicoumpoucoda reflexão teóricadaMuseologia. Para ele isto faz tanto sentido quanto também já foiexperimentado por outros tipos demídias, como o teatro de BertoldBrecht. Esta posição assume (e compartilha com o público)notadamente a consciência da não neutralidade do museu, aoevidenciarseusmecanismosdecontroledopassado,dosquaisos(as)profissionaisdemuseussãoconscientes,masopúblico,nemsempre:

«C’est pourquoi le musée n’est pas du tout aussineutre ni, en un sens, aussi inoffensif qu’il sembleêtre à première vue. Ne fait-il que rassembler devieux objets qui ne sont plus utilisés ou deprestigieuses pièces de collection que l’on se doitd’admirer? Si tel était le cas, un examen plusapprofondi révélerait le danger d’une telle

feito juntamente com as pinturasmurais e outros elementos arquitetônicosdificilmenteaceitáveishojeemperspectivasdecoloniais.73Adotoaquioconceitodecuradoriacomo“ciclocompletoetodasasaçõesem torno do objeto museológico - formação de coleções, pesquisa,conservação,documentação,exposiçãoeeducação”(Cury,2021,p.15).

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entreprise.Commelemuséenepeutnitoutréunirnitoutexposer,ildoitforcémentsélectionnerlesobjetsqu’ilacquiertetceuxqu’ilexpose.Or,cettesélectionet la manière de présenter les objets sont nonseulement soumises à des modes, mais elles sontégalementtrèssubjectives.Lemuséecommelieudecommunication multimédiatique, de fiction et demanipulation est donc tout sauf une institutionneutre.Iltransmetauxvisiteursdemanièrelatente,mais trèsrarementen thématisantcettedimension,une conception particulière de l’histoire et dumonde. Cette position de contrôle sur le passé (etdoncsur l’avenir)confèredefaituncertainrapportde force dont il faut user consciemment et demanièreresponsable.»74(Schärer,2018,p.16)

Atítulodeexemplo,Schärercompartilhaoprocessodecriação

deumapartedaexposiçãodelongaduraçãonoMuseuquedirigiuemVevey, na Suíça, o Alimentarium. Trata-se de uma intervenção naexposição de longa duração que como se pode imaginar, tem comotema alimentação. Para esta intervenção foi adotado um objeto-gerador,comodiriaRégisLopesRamos(2004)umasopeira:

74“Éporissoqueomuseunãoédemodoalgumtãoneutroou,decertaforma,tão inofensivo quanto parece à primeira vista. É apenas uma coleção deobjetos antigos que não estão mais em uso, ou itens de colecionadores deprestígioquedevemseradmirados?Seestefosseocaso,umolharmaisatentorevelariaoperigodeumtalempreendimento.Comoomuseunãopodecoletare exibir tudo, ele devenecessariamente selecionar os objetos que adquire eaqueles que exibe. Mas esta seleção e a forma como os objetos sãoapresentadosnãoestãoapenas sujeitos àmoda, eles tambémsãoaltamentesubjetivos. O museu como lugar de comunicação multimídia, ficção emanipulação é, portanto, tudomenos uma instituição neutra. Ela transmiteaos visitantes de forma latente, mas muito raramente tematizando estadimensão,umaconcepçãoparticulardahistóriaedomundo.Estaposiçãodecontrolesobreopassado(e,portanto,sobreofuturo)confereumcertopoderquedeveserusadodeformaconscienteeresponsável.”(Traduçãolivre)

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«il s’agit d’un dispositif théorique, heuristique, quine veut et ne peut expliquer une réalité beaucoupplus complexe. Le but de cette installation estd’ouvrirdespistesderéflexionsurdesphénomènesmuséologiques. Le visiteur intéressé (plus exigeantque lamoyenne, il est vrai!) a très bien accueilli cemessage,quiapeut-êtretransformésonregardetsacompréhensiondel’exposition.»75(Schärer,2018,p.21)

Após esta introdução o(a) visitante chega a um livro gigante

sonorizado criado em torno da sopeira, que procura explicar aexposiçãocomoumamídiapelaqualsepodemtransmitirasdiferentesetapasdabiografiada sopeira, desdeomomento emque éutilizada,guardadacomolembrança,colecionadaeconservada,atésuaentradanomuseue aprópria exposição.Estressandoa temática, o autornosprovoca a pensar a possibilidade de criação de um “Musearium”, ummuseumuseológico onde os temas seriam aMuseologia e o própriomuseu(Schärer,2018,p.21)epassaraapresentardiversoscasosdemuseus que já enveredaram por esta reflexão metamuseológica emsuasexposições.

4.Ametamuseologiaespalhadaemexposiçõespelomundo

Outros exemplos de grande interesse poderiam ser

mencionados,comoaexposiçãoExercíciodeinventário:apropósitodeduasdoaçõesdeolariaportuguesa,noMuseuNacionaldeEtnologia,dePortugal76, que privilegiou revelar ao público os procedimentos dedocumentação museológica de uma coleção de alfaias rurais; e a

75 "Éumdispositivo teórico,heurístico,quenãoexplica enãopodeexplicaruma realidade muito mais complexa. O objetivo desta instalação é abrircaminhos para a reflexão sobre os fenômenos museológicos. O visitanteinteressado(reconhecidamentemaisexigentedoqueamédia!)acolheumuitobemestamensagem,oquepodetertransformadosuavisãoecompreensãodaexposição."(Traduçãolivre)76Aexposiçãopôdeservistaaté21desetembrode2011.Mais informaçõesem https://mnetnologia.wordpress.com/2008/10/29/exercicio-de-inventario-a-proposito-de-duas-doacoes-de-olaria-portuguesa/.

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exposição Jews, Money, Myth, realizada de 19/03 a 17/10/2019 noMuseu JudaicodeLondres77,queapresentouentreos textos todoumdiálogo entre o curador e o diretor da instituição discutindo o que ecomo apresentariam, inclusive a decisão de abrir seus diálogos noformato de textos apostos às paredes da exposição. Também aexposiçãodelongaduraçãodoMuseuHistóricoAbílioBarreto,emBeloHorizonteexplorouesterecurso.

Figura2:TextodaexposiçãoJews,Money,Myth.MuseuJudaicode

Londres,2019.Foto:LéontineMeijer-vanMensch

77https://jewishmuseum.org.uk/exhibitions/jews-money-myth/.

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NaBélgica,possodestacaraexposiçãoLestrucs(Ascoisas),no

MAS78, da cidade de Antuérpia até 01/05/202279. Trata-se de umaexposição temporária que foimontadana entradada reserva técnicavisível80 do museu, portanto, encontra-se em diálogo com ela,provocando reflexões sobre acumulação e sobre o colecionamentocomo forma de organizar omundo. A exposição tem como ponto departida a aquisição, pelo museu, de uma coleção de 10.000 objetoscoletados pelo filósofo belga Jaap Kruithof (1929-2009). Eles sãoapresentadoscomo“objetosqueninguémquer”.Ofilósofotinha,entreseusinteresses,umacríticadaculturadodescartável.Comsuamorteemusealização da coleção em 2018, o museu pretendia investigar ovalor destes objetos. Um primeiro experimento é a instalação dosartistasGuyRomboutseBenjaminVerdonck,criadaapartirdemetadedacoleção,queancoraaexposição.Elamostra,nasparedes,fichascomfotografias dos objetos, tendo em destaque seus números deinventário. Uma seleção ampla de objetos é apresentada em umavitrineaoníveldosolo.Areflexãointrínsecaésobreacumulação:sãoobjetos absolutamente banais que ganham significado ao estaremjuntos, constituindo o registro material de um pensamento. A salaseguintedaexposiçãoseconstituipelareservavisível,quepermiteàspessoasquevisitamcompreenderumpoucodosbastidoresdomuseu.

Ainda na Bélgica, a ação denominada Apporte-moi ton trésor,realizada pelo Prehistomuséum de Ramioul em fevereiro de 2020,traziaumapropostaquepossoassociaràmetamuseologia,emboranãotenhasidoconcebidacombaseempremissas teóricasdaMuseologia,masporumadasarqueólogasdaequipedomuseu.Valedizerqueestainstituiçãojárecorreaartifíciosmetamuseológicosdesdesuacriação,poisoseuCentredeconservation,d’étudeetdedocumentation(CCED)éumaáreadetrabalhovisívelaopúblicoquepode,assim,comopartedo

78 O museu é mais conhecido pela sigla de sua denominação em holandês,MuseumAandeStroom,quequerdizerMuseusobreorio.79https://mas.be/fr/trucs..80Areservatécnicavisível,tambémexperimentadanoMuseudoQuaiBranlyemParis,porexemplo,nãochegaaserumareservatécnicavisitávelporquevisitantes nãopodem realmente entrar nela e ali realizar umpercurso,maspodem,aindaquedeseuexterior,visualizarpartedelaatravésdesuperfíciestransparentes(vidro,acrílico)ouvazadas,comotelasemmetal.

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percurso de longa duração do museu, visualizar parte da reservatécnica e dos laboratórios, com indicações precisas e dispositivos demediaçãoquechamamaatençãoparaacadeiaoperatóriadetrabalhoportrásdasexposições,daescavaçãoàconservação,estudoedifusãodeacervosepesquisas.Otextodeintroduçãodestapartedaexposiçãodáotom:

«ARCHÉOLOGIE,MÉTIERSETRECHERCHEEnparcourantcetteexposition,découvreztouteslesfacettesdesmétiersdel’archéologie,delafouilleàladiffusion des données archéologiques, en passantparlaconservationetl’étudedescollections.Vous pénétrez dans le véritable Centre deconservation, d’étude et de documentation duPréhistomuséum, et découvrez la face cachée dumusée.À l’aide de votre tablette, explorez les réserves,rencontrezdesspécialistesde l’archéologieet faitesapparaître l’invisible. Bonne visite!»81(Préhistomuséum,s.d.)

Como o texto anuncia, a visita é autônoma, com mediação

realizada pormeio de tablets que ficam à disposição de visitantes. Épossível perceber, na imagem a seguir, a simulação do próprio sítioarqueológico, ao centro, por meio de uma adesivagem no chão, oslocaisdeondesevisualizamareservatécnica(esquerda),ostrabalhosdegabinete(emfrente)epartedo trabalhodedifusãodomuseupormeio de suas publicações à direita. Infelizmente a comunicação pormeiodeexposiçõeseaçõeseducativasnãoapareceevidenciadanestacadeiaoperatória,queacabaporprivilegiarostrabalhosnoâmbitoda

81“ARQUEOLOGIA,PROFISSÕESEPESQUISANesta exposição, você descobrirá todas as facetas da arqueologia, desde aescavaçãoatéadivulgaçãodedadosarqueológicos,incluindoaconservaçãoeoestudodecoleções.VocêentraránoverdadeiroCentrodeConservação,EstudoeDocumentaçãodoPréhistomuséum,edescobriráoladoocultodomuseu.Com a ajuda de seu tablet, explore as reservas, encontre especialistas emarqueologiaefaçaoinvisívelaparecer.Boavisita!”(traduçãolivre).

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Arqueologia82. As áreas mencionadas são dotadas de QR codes que,lidospelostablets,informamsobreostrabalhosqueserealizamali.

Figura3:Préhistomuséum,Ramioul(2018).

Foto:ManuelinaDuarte

Também à esquerda e em frente, uma série de caixas comartefatos e documentos de campo, devidamente protegidas comtampos de vidro, possui igualmente os QR codes que remetem ainformações sobre as diferentes etapas da pesquisa e do tratamentodosartefatos,destacandoadiversidadedeprofissionaisquecompõemaequipecomoarqueólogo(a),administrador(a),geólogo(a),técnico(a)de escavações, técnico(a) de coleções, conservador(a), fotógrafo(a),desenhista, designer gráfico(a), educador(a)83, etc. A cada etapa dacadeia operatória são informadas as profissões a ela associadas e as

82 Importante lembrar que a Museologia na Bélgica é considerada umaespecializaçãodaformaçãoemHistóriadaArteeArqueologiaoualgoqueseaprendenapráticaemmuseus,masnãoumcampoautônomo.83Adeclinaçãodasprofissõesnofemininofoiopçãominhaenãoaparecenooriginal,emboraofrancêsdiferencieasgrafiasdestasprofissõesnomasculinoenofeminino.Aescritainclusivaéaindamaisraraemmuseusbelgasquenosbrasileiros, bem como os postos superiores dos museus ocupadospredominantementeporhomens,eocampodaArqueologiabastantesexista.

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atividades realizadas, que podem inclusive ser simuladas (comohigienizar ou numerar um artefato, por exemplo) por meio derealidadeaumentada.

Figura4:Préhistomuséum,Ramioul(2018).

Foto:ManuelinaDuarte

Para a ação Apporte-moi ton trésor, infelizmente realizadaapenas pontualmente, e não integrante dos programas regulares deaçãoeducativadomuseu,cadacriançaeraconvidadaatrazerseubemmais precioso, um brinquedo. Com este objeto em mãos, a criançaparticipante é conduzida a agir simulando o trabalho do museu,passando-o pelas etapas de quarentena, lavagem, condicionamento,descrição e, finalmente, inscrição de seu tesouro no “patrimônio dahumanidade”:

«Eneffet,au-delàdecetteexpérienceconcrète,c’esttouteuneréflexionmuséologiquequiestabordée,entoute transparence, par le musée. Comment desobjets archéologiques sont-ils arrivés au sein del’institution?Quilesaccueilleetleslégitimeentantquepatrimoine?Commentfait-onpour les intégrer

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àunecollection?Quelsvaleursoustatutsattribue-t-onàcettecollection?»84(Collineau,2020,p.56).

Durante a atividade, todo um trabalho de apresentação dos

materiais neutros usados pelo museu e de suas funções também érealizado. Da mesma forma, na simulação do inventário, toda umaexplicaçãosobreanecessidadederecolheromáximode informaçõespossíveis sobre o objeto no momento de sua entrada para o acervotambém é realizada. O público, mesmo o infantil, pode, portanto,compreenderepassaraterelementospararefletircriticamentesobreas escolhas e sobre os procedimentos realizados internamente pelomuseu:

«Cetteexpérienceproposedoncdepartageravecunjeune public, en adoptant un discours à samesure,les doutes et la remise en question constants quesuscitelapréservationd’unecollection.Lanécessitépourlepersonnelmuséal,enchargedescollections,de faire des choix pour la bonne préservation desobjetsetartefacts inscritsaupatrimoine.La lecturede cette expérience nous permet de mettre enlumière l’utilitéet l’intérêtquecelaapour lepublicdedécouvrirlefonctionnementd’uneinstitution,lesdiversmétiers ou professions que celle-ci abrite etsurtout l’importance de sa mission au sein de lasociété.»85(Collineau,2020,p.64).

84“Naverdade,alémdestaexperiênciaconcreta,omuseuestáseaproximandodetodaumareflexãomuseológica,comtransparência.Comoéqueosobjetosarqueológicos chegaram à instituição? Quem os acolhe e os legitima comoherança?Comoelessãointegradosemumacoleção?Quevaloresoustatussãoatribuídosaestacoleção?”(traduçãolivre)85 “Esta experiência se propõe, portanto, a compartilhar com um públicojovem, adotando um discurso adaptado às suas necessidades, as constantesdúvidas e questionamentos que a preservação de uma coleção suscita. Anecessidadedopessoaldomuseu,encarregadodascoleções,defazerescolhasparaapreservaçãoadequadadosobjetoseartefatosinscritosnopatrimônio.A leituradestaexperiêncianospermitedestacarautilidadeeo interessedopúblicoemdescobrirofuncionamentodeumainstituição,osdiversosofícios

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5.Consideraçõesfinais

O interesse principal deste tipo de atividade é, a meu ver,

revelarparaopúblicoasengrenagensdamusealização,oquepermiteenterrar, de uma vez por todas, omito da neutralidade dosmuseus,pois evidencia escolhas, interesses, atribuição e valores quehierarquizam e priorizam certos objetos (e, portanto, certasmemórias), automaticamente deixando outras em segundo plano.Outrapotencialidadecomumentedestacadaésuscitarvocaçõesparaotrabalhonocampodosmuseusedopatrimônio.EstelleCollineauvaimaisalémelembradopotencialdametamuseologiaparafazerevoluira própriaMuseologia, como formade reflexão crítica sobre a práticaqueporsuavezvaialimentarnovasteorias(Collineau,2020,p.72).

Naacepçãomaispedagógica,estametamuseologiaseconstituicomooqueCristinaBrunochamadepedagogiamuseológica:

Trata-se de uma pedagogia direcionada para aeducação da memória, a partir das referênciaspatrimoniais que, por um lado, busca amparar doponto de vista técnico os procedimentosmuseológicos e, por outro, procura ampliar asperspectivas de acessibilidade e problematizar asnoçõesdepertencimento”.(Bruno,2006,p.122)

Assim, defendo que a aplicação das estratégias baseadas na

metamuseologia no discurso dos museus junto a seus públicos,notadamente em sua linguagem mais específica que é a exposição,garante compartilhar com o público os processos internos aomuseuemseutratamentododestinodascoisase,destaformaconfrontarasnoções de permanência outrora tão caras aomundo dosmuseus emdireçãoanoçõesmaisdinâmicasequeconsideremareversibilidade,afalha, amudança de paradigma, a busca de outros futuros possíveis.Isto é essencial para retirar osmuseus da esfera puramente ligada a

ou profissões que ela abriga e, especialmente, a importância de suamissãodentrodasociedade.”(Traduçãolivre)

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nostalgia emanutenção do status quo, conectando-os com o futuro ecomatransformaçãosocial.ReferênciasAmaral, StéliaBragaCastrodo. (2021).Museusnormativos easnovaspráticasmuseológicas:umestudodosprocessoscuratoriais.SãoPaulo:UniversidadedeSãoPaulo.(ProjetodemestradonoProgramadePós-Graduação Interunidades em Museologia, manuscrito não publicado,25páginas).Araújo, Glen Ataídes. (2017). Coleção de objetos do candomblé nãoincorporados ao acervo doMuseu Antropológico da UFG: processo deelaboraçãododossiêpara submissão àComissãodeAcervo.Goiânia:Curso de Bacharelado em Museologia, FCS/UFG. (Trabalho deConclusãodeCurso).Bonnot,Thierry.(2015).Itineráriobiográficodeumagarrafadesidra.Em:DuarteCândido,ManuelinaMaria;Ruoso,Carolina(Orgs).Museuse patrimônio: experiências e devires. (pp. 121-151) Recife: FundaçãoJoaquimNabuco:EditoraMassangana..Bruno,MariaCristinaO. (2006).Museusepedagogiamuseológica:oscaminhos para a administração dos indicadores da memória. Em:Milder,SaulEduardoS.(Org.).AsVáriasFacesdoPatrimônio.(pp.119-140).SantaMaria:Pallotti.Bruno,Maria Cristina Oliveira. (2014). A pedagogíamuseológica y laexpansión del campo científico de la Museología. Em: 36º SimposioInternacionaldel ICOFOM:nuevas tendenciasenMuseología,5a9dejunio de 2014. Paris: Comité de la Museología del ConsejoInternacional de museos (ICOFOM/ICOM), 2014. Manuscrito nãopublicado, disponível em http://www.ibermuseos.org/wp-content/uploads/2015/07/Unidad1Texto_La-Pedagogia-Museologica.pdf.

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ASIMBIOSEENTREUNIVERSIDADESEMUSEUSCOMUNITÁRIOSNAEXTENSÃOUNIVERSITÁRIA:

OMUSEUDOSASSENTADOS,METODOLOGIAS,PASSADO,PRESENTEE

APONTAMENTOSFUTUROS86

LeonardoGiovaneMoreira-GonçalvesUniversidadedeSãoPaulo,Brasil

https://orcid.org/0000-0002-4251-4806

RosângelaCustodioCortezThomazUniversidadeEstadualPaulista,Brasil

https://orcid.org/0000-0001-7118-00001.Introdução

O ensino, a pesquisa e a extensão estão regimentadas pelaConstituição Federal Brasileira, desde 1988, bem como a suaindissociabilidade (Brasil, 1988), mas as discussões sobre o tópicoantecedemomarco.Aolongodosanosaextensãouniversitáriafoisetransformando, ora necessitando de recursos financeiros einstitucionalização, ora sendo utilizada pelas universidades comoinstrumento de desenvolvimento comunitário, aproximação eoxigenaçãodosconteúdos(Deus,2020).

A Resolução n. 7, de 18 de dezembro de 2018, bem comoexplicitadonoPlanoNacionaldeEducação2014/2024,apontaemseuartigo 4º que “as atividades de extensão devem compor, nomínimo,10%(dezporcento)dototaldacargahoráriacurricularestudantildoscursosdegraduação,asquaisdeverãofazerpartedamatrizcurriculardos cursos” (Brasil, 2018). Sendo que a extensão universitária éentendida “sob o princípio constitucional da indissociabilidade entreensino,pesquisaeextensão,éumprocessointerdisciplinar,educativo,

86 Pesquisa de mestrado: “O museu e a comunidade: a nova museologia, amuseologia social, a colaboração e o Museu do Assentado de Rosana/SP”.BolsaFAPESP,Processo:2019/18045-7.

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cultural,científicoepolíticoquepromoveainteraçãotransformadoraentreUniversidadeeoutrossetoresdasociedade”(FORPROEX,2012,p.28).

A Universidade Estadual Paulista (UNESP), em sua Resoluçãon.75,de18denovembrode2020,expõeemseuartigo8ºqueasaçõesdeextensãosãodesenvolvidaspormeiodeprogramas,subprogramas,projetoseatividadesinseridosemáreastemáticas,visando:

I - integraroensinoeapesquisacomasdemandasda sociedade, buscando o comprometimento dacomunidade universitária com interesses enecessidades da sociedade, em todos os níveis,estabelecendomecanismos que relacionem o saberacadêmico ao saber popular; II - democratizar oconhecimentoacadêmicoeaparticipaçãoefetivadasociedadenavidadaUniversidade;III- incentivaraprática acadêmica que contribua para odesenvolvimento da consciência social e política,formando profissionais-cidadãos; IV - participarcriticamente das propostas que objetivem odesenvolvimento regional, econômico, social ecultural; V - contribuir para reformulações deconcepções epráticas curricularesdaUniversidade,bem como para a sistematização do conhecimentoproduzido(UniversidadeEstadualPaulista,2020).

SegundoBoaventuradeSousaSantos(2004)omeioacadêmico

éomundodorigordosmétodos,positivista,hegemônico,distantedasociedadeeemgrandemedidacolonial.Porcontadisso,auniversidadeenfrentatrêscrisessistêmicas:acrisedehegemonia,alegitimidadeeacriseinstrucional.ParaFollmann(2014,p.28)“omundoacadêmicoéomundo das disciplinas. É, também, muitas vezes, um mundo quesucumbe a certas arrogâncias disciplinares”. O combate a essaestruturaherdada,podeserfeitaporexemplo,comaintensificaçãodasrelações da universidade com a comunidade, flexibilização doscurrículos, transformação dos métodos de ensino e a uma abertura“maduraparaaintegraçãodesaberesdiferentes,sejamelessaberesdedisciplina ou combinação de disciplinas ou, ainda, saberes de outras

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ordens,que transcendemasdisciplinas,atuandocomo“interrogantesexternos”(Ibidem).

SandradeDeus (2020, p.19), expõequehá três componentesreais, atuais, que colocam em risco a abertura universitária e apopularizaçãodaextensão,sendo:

I) os currículos fechados entre quatro paredes, emque os estudantes necessitam cumprir uma cargahorária estruturada em créditos, sendo muitosobrigatórios epoucos eletivos; II) o acomodamentotanto docente quanto discente; e III) a própriaestrutura universitária, que se coloca distante docotidiano, dos movimentos sociais e das demandasgeraisdasociedade

Nocampodamuseologiaedoturismo,conhecemospropostas

excepcionais que demonstram as possibilidades do trabalhouniversitáriocomascomunidadese,osbenefíciospossíveisparatodososenvolvidos.Istoposto,opresenteartigobuscaentenderarelevânciada extensão universitária no processo educativo e na produção deconhecimentopelosdiscentesedocentes, investigareexemplificarosbenefícios dessas ações para as comunidades e dissertar sobre osdesdobramentospossíveisparaauniversidade.Emespecial,trazemoso caso do Museu dos Assentados de Rosana, São Paulo, objetivandorelatarecompreenderosavançosqueesseprocessomuseológicotrazparaoscamposteóricosdoconhecimento,pormeiodesuaspráxis,easmetodologias, contextos e apontamentos futuros deste museucomunitário.

O artigo está dividido em duas partes. A primeiracontextualizando a extensão universitária, suas implicações, desafios,possibilidades e benefícios. Além disso, a sessão traz exemplos deações extensionistas em museus comunitários brasileiros e dadosestatísticos da presença universitária em museus comunitários eecomuseusna regiãoSudestedoBrasil.A segundapartededicadaaoestudodecasodoMuseudosAssentadosdeRosana,visadescreveroprocesso contínuo de formação do museu, suas dificuldades,facilidades, resultados, reflexões, apontamentos futuros e a interaçãocomunidadeeuniversidadeàluzdamuseologiasocial.

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1.1.Metodologia

Apesquisabibliográficaedocumentaldedicou-seementender

temasqueseinterrelacionamcomooextensionismouniversitáriosuasimplicaçõesebenefícios(Deus,2020;Forproex,2012;Fernandes,etal,2012), colonialidade (Quijano, 2000; Mignolo, 2018), processoeducativo(Santos,2008),produçãodeconhecimento(Follmann,2014)e extensionismo e museologia social (Carvalho, 2019; Santos, 2017;Zen,2016).Essestemas,relacionadoscomosautorescitadoseoutros,auxiliam a embasar as discussões e aprofundar as reflexões sobre oMuseudosAssentados.

Objetivando trazer elementos que ilustrem e representem apresençadasuniversidadesnosmuseuscomunitárioseecomuseusnaregião Sudeste do Brasil, sistematizou-se as informações das FichasMuseográficas produzidas por Suzy Santos (2017), referentes aosmuseusdosquatroestadosdaregião:SãoPaulo,EspíritoSanto,MinasGeraiseRiodeJaneiro.Pormeiodessasistematização,fazendousodeplanilhas criadas no Microsoft Excel, tornou-se possível aferir aparticipação e presença universitária e suas tipologias e asuniversidades, professores e projetos em destaque por unidadefederativa.

Na segunda parte do artigo, além do relacionamento combibliografias,foiexpostoumrelatosistematizadodaexperiênciacomoMuseudosAssentadosdeRosana,queocorredesde2014.Paratanto,asessão apresenta quadros, tabelas e figuras que auxiliam acompreensão do leitor, bem como entrevistas feitas por veículos deimprensa com as assentadas dos assentamentos do município, quedemonstramapotênciadoprojeto.2. O Processo Educativo para além da Sala de Aula: Ensino,PesquisaeExtensão

Mesmo que a indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e

Extensão seja regimentada desde 1988, por muito tempo houvedicotomiasnostrêspilaresdauniversidadeenoperíodoatualasaçõesextensionistas, muitas vezes, são enxergadas como assistencialismo(Fernandes, et al, 2012). Deus (2020) expõe que em alguns casos a

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extensão é vista como a “terceira via”, carecendo ainda de recursosfinanceiros,institucionalizaçãoeinternacionalização.

O Fórum de Pró-Reitores de Extensão das UniversidadesPúblicas Brasileiras (Forproex, 2012, p.31), por meio da PolíticaNacional de Extensão Universitária, expõe que a diretrizindissociabilidadepermiteque“asaçõesdeextensãoadquiremmaiorefetividade se estiverem vinculadas ao processo de formação depessoas (Ensino) e de geração de conhecimento (Pesquisa)”. Noentanto a diretriz não beneficia somente a extensão, mas todos ospilares,tendoemvistaque:

o ensino deve ser estimulado e trabalhadosimultaneamente com a pesquisa e a extensão nasuniversidades, pois o ensino meramentetransmissivo quebra o elo da indissociabilidade,comprometendo a qualidade do processo deaprendizagem. Trabalho com grupos populares dacomunidadedeveexistir,paraquesepossaconstruiruma cultura acadêmica com espaços de integraçãoentreasociedadeeauniversidade(Fernandes,etal,2012,p.172).

A formação dos alunos não pode ser entendida somente pela

simples transmissãodeconhecimentos, todaviaprecisaserconcebidade forma crítica e plural (Forproex, 2006). É preciso entender que oconhecimentoeaeducaçãosãoadquiridosesistematizadospormeiodeprocessos,sendoesses“contínuosepermanentesenãoseesgotamno ambiente escolar, numa forma combinada e transversal entre oconhecimento acadêmico, o prático e o comunicativo” (Zen, 2014,p.362).

Maria Célia Teixeira Moura Santos (2008) pontua que asaprendizagens extrapolam o ambiente formal de ensino e que épossível construir conhecimento por meio da troca dos diferentessaberes.Transformandoaextensãoemação,respeitandoaexperiênciaeacriatividadedossujeitossociais,cria-seumambientefavorávelaodiálogo, conhecimento e a ampliação dos horizontes acadêmicos, e oenriquecimentodaspráticassociaispormeiodareflexão,emumaviade mão dupla. As trocas entre a comunidade acadêmica e a

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comunidade local são permitidas por meio de ambientes inter etransdisciplinares,umavezque:

[...]aintegraçãodossaberesinternoseexternosaosesquemas disciplinares, onde os saberes de fora daacademia (buscados nas percepções do cotidiano,naspercepçõesartísticaseoutras sensibilidadesoumesmo nas tradições sapienciais da humanidade),funcionam como interrogantes externos dentro doprocesso de produção do conhecimento e doprocesso educativo. É quando a extensãouniversitáriapassaafazerpartedetodooprocessoeducativodainstituiçãoacadêmica(Follmann,2014,p.29).

A extensão fazpartedoprocessoeducativoedaproduçãodo

conhecimento à medida que possibilita a interação de diferentessaberes, fazendo com que os discentes desenvolvam uma “atitudeinvestigativa e questionadora que, ampliando a capacidade deaprenderporsidoserhumano,vaicriarcondiçõesparaqueelepossa,permanentemente, semanteraprendendo” (Forproex,2006,p.43).Acapacidade de (re)criar o conhecimento e administra-lo é o querealmente qualifica os discentes e docentes para o mercado detrabalho,mastambémparavidaeaçãocidadã.

A universidade no contexto atual, constantemente tem quebuscar ser um ambiente de encontro, dispersão e agregação desaberes.Sendoquea“hegemoniadauniversidadedeixaderesidirnocaráterúnicoeexclusivodosaberqueproduzetransmiteparapassararesidirnocaráterúnicoeexclusivodaconfiguraçãodesaberesqueproporciona” (Santos, 1996, p.224). Alterando dessa forma o eixopedagógico tradicional “estudante-professor”, pelo eixo “estudante-professor-comunidade”,promovendoprotagonismoaoestudante,quedeixa de sermero receptáculo do conhecimento e passa a se tornarconstituintedoprocesso(Forproex,2012).Destemodo,

Há uma nova forma de racionalidade no ensino, napesquisa e na extensão universitária, em que aênfase nos conteúdos e métodos está aos poucos

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sendosubstituídaporconsideraçõesdecaráteréticoe social, em que está sendo criado um novo sensocomum. O anterior foi extinto pela ciênciatradicional.Auniversidadetemopapeldeconstruirnovasalternativasparainserçãodasubjetividadenaconstruçãodoconhecimento(Zen,2011,p.236).

A partir da extensão é possível a construção de um

conhecimentomais inclusivo e democrático, que escuta as diferentesvozes, sem fazer distinções e hierarquizar os saberes (Zen, Silva &Minuzzo, 2009). Buscar formas para romper o abismo entre auniversidadeeasociedadeéumdosdesafiosnãosóparaaextensãouniversitária, mas também para o ensino e a pesquisa. Follmann(2014) aponta que a extensão é a principal responsável por romperessa defasagem e distância entre os saberes, tendo em vista suaamplitudeepotencialcomunicativoeeducador.

Walter Mignolo (2018) ressalta que as universidades e osmuseus foram e ainda são instituições que acumulam significados eerudiçãoe,tempapelfundamentalparaareproduçãodacolonialidadedos seres edo conhecimento.Comoentãodecolonizar esses espaços,práticasepúblicos?Qualseriaaopçãodecolonial?OpróprioMignolo(2018,p.323)respondepartedasinquietações,umavezque“trazero“‘outro’ lado” para a conversa significa emmeu argumento engajar àopçãodescolonial”.

Chamarooutro,osoutros, todos,acolaboraréamaneiraquetambém entendemos como ferramenta para democratizar oconhecimento, o acesso e extinguir os muros. As universidades emuseusnãodevemfazerações“extramuros”,poisnãodeveriaexistirmuros entre a sociedade, a universidade e osmuseus. Na derrubadadosmuros,nacongregaçãodassabedorias,

aproduçãodeconhecimentoeoprocessoeducativosupõemaintegraçãodossaberesesupõem,também,a abertura e o não-fechamento dos saberes, nosentido de se alimentarem mutuamente e,sobretudo,desedeixaremtranscender(ultrapassar)na permanente busca do melhor bem para o serhumanoeoseucontexto(Follmann,2014,p.29).

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Oconhecimentoacadêmico,muitasvezesvistocomoteórico,e

o conhecimento social, entendido como prático e popular, não sãoantagônicos nem contraditórios. Uma vez que, “ao trabalhar com aExtensãoUniversitária,percebe-seque teoriaepráticaandam juntas,estão em constante diálogo, contribuindo para a renovação e para odesenvolvimento da universidade e da sociedade como um todo”(Deus, 2020, p.440). Dentre os benefícios da extensão universitáriaparaaprópriauniversidadeeparaa formaçãodosalunos,destaca-seque

As atividades de Extensão Universitária constituemaportesdecisivosàformaçãodoestudante,sejapelaampliação do universo de referência que ensejam,seja pelo contato direto com as grandes questõescontemporâneas que possibilitam. Esses resultadospermitemoenriquecimentodaexperiênciadiscenteem termos teóricos e metodológicos, ao mesmotempo em que abrem espaços para reafirmação ematerializaçãodoscompromissoséticosesolidáriosdaUniversidadePúblicabrasileira (Forproex, 2012,p.34).

No entanto, as ações, projetos e programas de extensão não

devemserdesenvolvidossemoplanejamentoecomprometimentodosenvolvidos,ouseja,nãosedeveesgotaremsimesmo,sendoapráticapela prática visando atenderumademandauniversitária (Fernandes,etal,2012).Carvalho(2018)ressaltaqueévitalqueasuniversidadesestejamabertasaodiálogoequepossamsemoldarfrenteàsurgênciase necessidades das comunidades. Dessa forma, “a priori é necessárioqueauniversidadealcanceossaberessociaisequeseinvestiguecomoesses saberes sociais são compostos em uma linha política, social,econômica e cultural, para posterior estudo, pesquisa e atividadesjuntoàscomunidades”(Ibidem,p.173).

Silmara Carvalho é professora da Universidade de Brasília(UnB), e vem colaborando por meio de ações extensionistas com oPonto de Memória da Cidade Estrutural, zona periférica no DistritoFederal. Em 2011 foi aprovado o projeto de extensão intitulado

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“Conservação do acervo do Ponto de Memória da Estrutural”, queposteriormentefoiadaptadoconformeosinteressesdacomunidadeeanecessidadedetrabalharaconservaçãoparticipativa.Dentremuitasreflexões e inquietações propostas pela autora, ressaltamos anecessidadedeadaptarosprojetos,osdiscursoseométodocientíficoparaatenderasdemandaslocais,oquenotrabalhodeCarvalho(2019,p.311), propiciou “compreender as infindáveis possibilidades damuseologia”.

Em consonância, Ana Maria Dalla Zen professora daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que desenvolveprojetosdeextensãocomoMuseuLombadoPinheiro,afirmaquenasaçõescomacomunidade:

[...] foram ignoradas as tradicionaiscompartimentaçõesdoconhecimentoemdisciplinasisoladas, substituídaspor olhares transdisciplinaresesolidários,oquepermitiuatessituradereflexõesaum só tempo racionais, subjetivas, sensíveis eemotivas. Sem essa trama, teria sido impossível aUniversidade atuar junto com o Museu e com aspessoasdaLombadoPinheiro(Zen,2014,p.359).

Oprocessoeducativoeaproduçãodoconhecimentopormeio

da museologia social acontecem de forma concomitante entre osenvolvidos, aqueles que ensinam, ora aprendem e assimsucessivamente.SegundoCarvalho(2019,p.328):

Reafirmo que ao fazer a vivência na MuseologiaSocial em comunidades foi possível perceber quesomente há democracia quando não silenciamos odireito de intervir e decidir do outro sobre seupatrimônioememória.Estapercepção tambémnosmodifica, ampliamos o olhar, experienciamos atransdisciplinaridade e passamos a compreenderqueoqueestáentre,atravésealémdamuseologiaéoSerdoserhumano,suamemóriaehistória.

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Portanto, o trabalho com a comunidade pela ótica damuseologia social, requer escutas sensíveis, compreender amultidimensionalidadedocampo,“respeitandoasdiferenças, fazendoaescutadooutro,entendendoo tempodeabsorçãodo fazerdecadaum,construindojuntosasaçõesmuseais”(Carvalho,2019,p.318). Jápara Zen (2014, p. 361), o que permitiu o diálogo entre o museu, acomunidade e a universidade na Lomba do Pinheiro foi o papelatribuído às emoções, que estão conectadas à razão. Sem a conexãoentreessasduasesferas“oconhecimentoaserproduzido,aspráticaspedagógicaseasatividadesaseremrealizadas,teriamumadimensãoconservadora, própria da ciência tradicional, com seus traços deexagerada racionalidade, em detrimento das demais dimensões quenostornahumanos”.Porcontadisso,

a pesquisa, preservação e comunicação, eminteração, com as emoções dos sujeitos,devidamente questionadas e problematizadas,constituem-seemvetoresdaproduçãodeumnovotipo de conhecimento dentro do Programa, quecontribuíssediretamenteparaaconstruçãodeumasociedade mais ética, mais equitativa e solidária.(Ibidem,p.362).

ComofrutosdoprogramanaLombadoPinheiro,MinuzzoeZen

(2016,p.30)destacamqueomuseueauniversidadeserelacionandopormeiodeumatessituracomplexaentreensino,pesquisaeextensão,passaram “a atuar no processo de reversão da baixa autoestima eredução dos altos índices de vulnerabilidade social da comunidade.Espera-se que, com isso, as pessoas possam acreditar mais em simesmas,tornando-seprotagonistasdesuasprópriasvidas”.

Ao considerar as diferentes vozes, as acadêmicas ecomunitárias, os museus e universidades se tornam espaçospolifônicos, democráticos, permitindo o encontro e a construção desaberesdasmaisdiferentestipologias.Parasuatransformaçãoreal,éimprescindível que as iniciativas extensionistas, inter etransdisciplinar, tenham foco estratégico, projete os benefícios quepoderão ser alcançados para todos os envolvidos, sejam contínuas enãopontuais, tendoemvistaque“pode-seatédesenvolver iniciativas

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pontuaiseproduzirbeloseventostrazendoàdiscussãoestátemática.Podem-se enriquecer currículos e produzir papers e artigos. O meioacadêmico, no entanto, permanecerá omesmo, enriquecido por umanovaperformancediscursiva”(Follmann,2014,p.30).

As universidades, assim como os museus, ao ampliar adiscussão e rever posições hegemônicas do passado que aindaimperam em algumas estruturas, permitem novas participações,reconhecemoutrossaberesalémdosdisciplinareseaprendemsobreapluralidadeediversidadedopatrimôniocultural(Cury,2020a).Santos(2008,p. 134) expõequehistoricamente ao expandir o conceito e ascategorias de patrimônio, além de permitir a proliferação de novastipologias demuseus, permite um repensar e uma transformação naaçãomuseológicaquevaialémdoespaçorestritodomuseu,referindo-se ao patrimônio global, “na dinâmica da vida, tornando assimnecessária uma ampla revisão dos métodos a serem aplicados nasações de pesquisa, preservação e comunicação nos diferentescontextos”.

NoBrasilhádiversasiniciativasacadêmicasdeextensãoquesedesdobram em ações museológicas que congregam museuscomunitários, sociedadeeuniversidades.SuzydaSilvaSantos (2017)em sua dissertação de mestrado, apresenta que foram identificados196ecomuseusemuseuscomunitáriosnoBrasilem2017,sendoquealguns desses possuem participação de estudantes e docentes dasuniversidadescircunvizinhase,algunssãogeridosporuniversidades,como por exemplo o Eco-Museu da Ilha da Pólvora da UniversidadeFederaldoRioGrande(FURG)eoEcomuseudaUniversidadedoValedoItajaí(Univali);hátambémmuseusquepossuemuniversidadesnoconselho gestor, como por exemplo, Museu do Alto Sertão da Bahia,cogeridopelaUniversidadedoEstadodaBahia(UNEB)e,oEcomuseudo Cerrado Laís Aderne, tendo como núcleo impulsionador aUniversidadedeBrasília(UnB).

Santos (2017) aponta que somente 30% dos museuscomunitárioseecomuseus levantadosestãonascapitaisbrasileirase,quenascapitaisquepossuemcursosdegraduaçãoemmuseologia,hádiferentes tipos de relacionamentos entre os museus e asuniversidades, boa parte delas relacionadas a projetos de pesquisa eextensão. Dessa forma, “as experiências analisadas permitem queassociemosaatuaçãodeestudantes/aseprofessores/asdoscursosde

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Museologia com a criação de ecomuseus emuseus comunitários nasregiõesemqueasuniversidadesestãoinstaladas”(Ibidem,p.238).

Nas experiências museológicas registradas em 2017, SuzySantosconcluiqueas instituiçõesdeensinosuperiorestãopresentesnosmuseus pormeio dos projetos de docentes e discentes,mas nãosomente os cursos de graduação demuseologia, como também o deturismo,arqueologia,arquitetura,geografiaeoutros,oquenosmostraatransdisciplinaridadedaextensãoedamuseologiasocial.Segundoaautora:

Causou-nos surpresa a quantidade de pesquisasrealizadassobreosmuseusousobreasorganizaçõesàsquaisestãovinculados.Essesestudoscomprovama abertura desses espaçosmuseais para a recepçãode estudantes universitários, o que contribui aindamais com a divulgação das atividades realizadas.Alémdadivulgação, é possível observar, em algunscasos, outros tipos de contrapartida por parte dosestudantes, que contribuem com as atividades dosmuseus oferecendo formações técnicas ou atuandona organização das atividades museológicas(pesquisa-ação)(Santos,2017,p.257).

Buscando ampliar as análises de Suzy, examinamos

cuidadosamente as Fichas de Apoio à Pesquisa disponibilizadas noApêndice B da dissertação e, observamos que na região sudeste doBrasil,quecompreendeosestadosdoEspíritoSanto(ES),MinasGerais(MG), Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP), haviam 62 experiênciasmuseológicas.Dessas,em30(48%)foipossívelidentificarapresençadeInstituiçõesdeEnsinoSuperior(IES),sendoqueem57(93%)asIESatuam como parceiras e no apoio, em 4 (7%) atuam na gestão (verQuadro1eTabela1).

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Quadro1-EcomuseusdoSudestegeridospor

InstituiçõesdeEnsinoSuperiorEcomuseu Cidade(Estado) EntidadeGestora

EcomuseudaFazendaBoaVista Roseira(SP) FaculdadedeRoseira(FARO)

EcomuseudaSerradeOuroPreto OuroPreto(MG) UniversidadeFederaldeOuro

Preto(UFOP)

EcomuseuIlhaGrande AngradosReis(RJ) UniversidadedoEstadodoRiodeJaneiro(UERJ)

EcomuseudaComunidade

QuilomboladeSãoPedrodeCima

Divino(MG) UniversidadeFederaldeJuizdeFora(UFJF)

Fonte:Osautores,2021.OestadodoEspíritoSantopossuidoismuseuscomunitáriose

emnenhumdeles foi constatadopresençauniversitáriapormeiodasFichasMuseográficas(Santos,2017).Asestatísticastambémapontamqueemmédia,em40%dasexperiênciasmuseológicasporestadoháapresençauniversitária(Tabela1).SendoqueproporcionalmenteMinasGeraislideracom60%deatuaçãodasuniversidadesnosecomuseusemuseuscomunitáriosdoestado,seguidoporSãoPaulo(55%)eRiodeJaneiro(43%).

Tabela1-Proporçãoentremuseuscomunitárioseecomuseuse

apresençauniversitária

Estados

Museuscomunitárioseecomuseuspor

estado

Presençauniversitárianos

museuseecomuseusporestado

Proporçãoentremuseusporestadoepresença

universitária

ES 2 0 0/2(0%)MG 10 6 6/10(60%)RJ 30 13 13/30(43%)SP 20 11 11/20(55%)Total 62 31 Fonte:Osautores,2021.Observa-se que mesmo o estado do Rio de Janeiro tendo a

maiorpresençadeexperiênciasmuseológicas(30),asuniversidadessóparticipam em 13 experiências. Por outro lado, com base em outros

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dados (Tabela 2) aferidos pelas FichasMuseográficas aUniversidadeFederaldoEstadodoRiodeJaneiro(UNIRIO)desponta-secomoaIESquemais colaboraemexperiênciasmuseológicasna regiãoSudesteeemseuestado,dentreoutras22IES.

Tabela2-InstituiçõesdeEnsinoSuperioresuapresençaemMuseusComunitárioseEcomuseus

InstituiçõesdeEnsinoSuperior Estado/País Museusatendidos

UniversidadeFederaldoEstadodoRiodeJaneiro(UNIRIO) RJ 11

UniversidadedeSãoPaulo(USP) SP 7UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro(UFRJ) RJ 5

UniversidadeFederalFluminense(UFF) RJ 4UniversidadeFederaldeMinasGerais(UFMG) MG 2PontifíciaUniversidadeCatólica(PUC-RJ) RJ 2

UniversidadeEstadualdoRiodeJaneiro(UERJ) RJ 2UniversidadeFederaldeJuizdeFora(UFJF) MG 2UniversidadeFederaldeOuroPreto(UFOP) MG 2UniversidadeFederalRuraldoRiodeJaneiro

(UFRRJ) RJ 2

UniversidadeEstáciodeSá-SantaCruz RJ 1FaculdadedeRoseira(FARO) SP 1

FaculdadeGetúlioVargas(FGV-RJ) RJ 1IstitutoEuropeodiDesign(IED) SP 1

PontifíciaUniversidadeCatólica(PUC-Campinas) SP 1UniversidadeCândidoMendes(UCAMSantaCruz) RJ 1

UniversidadeFederaldeUberlândia(UFU) MG 1UniversidadeLusófonadeHumanidadese

Tecnologias(ULHT) Portugal 1

UniversidadeAnhanguera RJ 1UniversidadeAnhembiMorumbi SP 1UniversidadeCasteloBranco RJ 1

UniversidadedoEstadodeMinasGerais(UEMG) MG 1Fonte:Osautores,2021.Se relacionarmos a Tabela 1 e 2 pode-se observar que no

estadodoRiodeJaneiroaUNIRIOtemaçõesem11dos30ecomuseusemuseuscomunitáriosdoestado,comdestaqueespecialaoprojetodeextensão coordenadopeloprofessorMárioChagas: “Mutação:museu,turismo, ação”, iniciado no Museu de Favela e estendido para oEcomuseu Nega Vilma, Museu da Maré, Museu Sankofa Memória e

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HistóriaRocinha,MuseudasRemoções e outros.A ementamencionaque,

Projetoqueintegraatividadesdeensino,extensãoepesquisa. Nasceu a partir dos compromissos,atividadesereflexõesdesenvolvidaspordocentesdaUNIRIO em conexão com suas práticas de ensino;avançou e desdobrou-se em práticas e atividadesextensionistasqueenvolveramdocentesediscentesdos Cursos de Turismo e de Museologia (PPGMUSUNIRIO,2021).

Já no estado de São Paulo, a USP está presente em 7 dos 20

museusdoestado, comdestaqueacolaboraçãodaprofessoraMaríliaXavierCurycomosmuseusindígenas:MuseuWorikg(TerraIndígena-TI Vanuíre),MuseuAkãmOrãmKrenak (TI Vanuíre),MuseuNhandéManduá-rupá (Aldeia Nimuendaju, TI Araribá) e Museu Trilha DoisPovosUmaLuta(TIIcatu)87.

A participação universitária nosmuseus indígenas que tem aprofessoraMarília Cury comoparceira se dá de diversas formas, pormeiodeeventoseaulasnauniversidade,comoporexemploaSemanada Mulher Indígena no Museu de Arqueologia e Etnologia (USP)realizada em 2020 (Cury, 2020a), publicações científicas (ver Cury2020b), exposições, como a exposição colaborativa no MAE (USP)“Resistência já! Fortalecimento e união das culturas indígenas –Kaingang, Guarani Nhandewa e Terena” (Cury, 2021), entre outrasações.Emespecial,pormeiodeSantos (2017),destacamososcursosde extensão do MAE (USP) ministrados por Marília Xavier Cury,Maurício André da Silva e Viviane Wermelinger Guimarães paraformação dos museus indígenas, sendo os cursos: Museologia paraIndígenas em 2015, Museologia para Indígenas II – MuseografiaAplicada a Museus em 2016 e Museologia para Indígenas –Comunicaçãomuseológica:ométodocolaborativoempautaem2017.

NoestadodeMinasGeraisdestacamosotrabalhodaprofessoraYáraMattosdaUniversidadeFederaldeOuroPreto,quepormeiodeprojetosde extensãovemcontribuindo comoEcomuseuda Serrade

87DadosatualizadosporMariliaXavierCuryem2021.

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Ouro Preto (MG). Mattos (2012) evidencia alguns projetos, sendo o“Projeto Memória de Vida – Inventário Participativo – Oficinas deEducaçãoePatrimôniodirecionadas à capacitaçãode jovens–Rodasde Lembrança – Projeto VERdeFOTO”, entre outros, que vemcontribuindoparaoreconhecimentodopatrimôniolocal,identificaçãode laços afetivos, pertencimento e empoderamento comunitário. Omuseu foi contemplado comdois projetos de extensão: “Implantaçãodo Ecomuseu da Serra de Ouro Preto”, iniciado em 2005 e,“DesenvolvimentodoEcomuseudaSerradeOuroPreto”, iniciadoem2012,tendoestecomoumdeseusobjetivos“servircomolaboratóriopara atuação de alunos do curso de graduação em Museologia, querealizam estágios curriculares supervisionados e desenvolvemtrabalhosmonográficosdeconclusãodecurso(TCC)”(Mattos,2021).

Em 2011, em uma semana que contou com uma intensaprogramação que envolvia a universidade e comunidade, Hugues deVarineestevepresenteeauxiliounoprocessodereconhecimentodosbairros. Já em 2016, foi criado o Laboratório de Pesquisas emArqueologia, Patrimônio e Processos Museológicos Comunitários(LAPACOM),queformalizouelegitimouacolaboraçãoentreomundocientífico e o conhecimento popular vivenciado no ecomuseu, sendoquearelaçãoentreosdoismundosvemgerandoresultadospositivosparaambos(Varine,Mattos,2019).3.AUniversidadeeoMuseudosAssentadosdeRosana,SãoPaulo,Brasil3.1Contextoseantecedentes

O Museu dos Assentados de Rosana (SP) entendido comoprocessomuseal,que“nãoéumainstituiçãoouumaestruturaacabada.Éumservivo,comoaprópriacomunidade,emconstantemovimentoparaseadaptaràsmudançasqueacontecemnelaeemseuambiente,seja ele regional, nacional ou global” (Varine, 2014, p.29). Foidesenvolvidoantesmesmodaideiadecriaromuseu.Háumpercursoanterioraideiaquenecessitadanossaatençãoedeveserconsideradopara entender o presente e os apontamentos futuros deste museucomunitário.

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O município de Rosana localiza-se no extremo sudoeste doestadodeSãoPaulo,noPontaldoParanapanema. Aregiãovivenciouum intensoperíododedisputapelo território, principalmente após aabertura da estrada da 'Boiadeira" no final do século XIX, comdesmatamento,genocídioindígena,ocupaçãoilegaldeterras,grilagem,instalação de usinas hidrelétricas. Mais recentemente a regiãotestemunhou os movimentos sociais para a reforma agrária e aconquista de cento e dezessete assentamentos em todo o Pontal(SobreiroFilho,2012).

OsmovimentossociaisnoPontaldoParanapanemainiciamnadécadade1940, interrompidoduranteoregimemilitarerenascendonadécadade1980,comachegadadenovosmigrantesàregião.Essesmigrantes, que hoje se identificam como assentados, têm diversasorigens, majoritariamente vindos da região Nordeste do país, dosestados de Pernambuco, Bahia, Ceará e Paraíba e, uma minoriaproveniente dos estados de Santa Catarina, Paraná eMinas Gerais, ealguns pertencentes a municípios paulistas (Gonçalves, 2018). Omunicípio de Rosana possui na atualidade quatro assentamentos dereformaagrária:GlebaXVdeNovembro (1984),NovaPontal (1998),Bonanza (1998)ePortoMaria (2005), comquaseoitocentas famíliasassentadas.

O Campus da Universidade Estadual Paulista (UNESP) nomunicípio de Rosana (SP) foi fundado em agosto de 2003, dispondoinicialmentesomentedocursodebachareladoemTurismocomênfaseem meio ambiente. Na atualidade o campus oferta os cursos deTurismo e Engenharia de Energia. Desde o princípio os docentesCâmpusExperimentaldeRosanabuscaramalinharos conhecimentosproduzidos na universidade com o cotidiano das comunidadeslimítrofes(Pinho,2019).Dentreosprojetosquearticulamoensino,apesquisaeaextensãodocampuscomacomunidadelocal,destacamos:Cursinho Alternativo da UNESP de Rosana (CAUR), UniversidadeAberta a Terceira Idade (UNATI), Núcleo Negro da Unesp paraPesquisa e Extensão (NUPE), Programa de Educação Tutorial (PET)Turismo,ProjetoMemóriaFerroviária (PMF)eoGrupodeEstudosePesquisasemTurismonoEspaçoRural(GEPTER).

OGEPTERdesenvolveprojetosdepesquisa,extensãoeensinoem todos os assentamentos do município de Rosana (SP). Entre osprojetos desenvolvidos e em desenvolvimento podemos citar o

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inventário turístico do Assentamento Porto Maria, livro de receitasrural, observação de pássaros, armazém rural, glamping, trilhas nanatureza, hospedagem rural, cicloturismo e o Observatório TurísticoIntermunicipal Avaré (SP) e Rosana (SP). O Grupo formado pordocentes,discentese técnicosadministrativos, realizou,porexemplo,capacitações profissionais, estudos e organização de festividades emconjuntocomaAssociaçãodeMulheresdoAssentamentoPortoMaria,responsáveis pelo Restaurante Rural do Porto Maria. As ações dogrupo ocorrem desde 2006 coordenadas pela professora RosângelaCustodioCortezThomaz,tendocomoobjetivos:

[...] pesquisar e contribuir com a interiorização daatividade turística e promover uma melhorperspectiva das condições de vida das famíliasrurais, diminuindo o êxodo rural, contribuindo noresgate da autoestima do homem do campo, pormeio de novas oportunidades de trabalho e aintegraçãodocampocomacidade[...](Cnpq,2020).

PormeiodosinúmerosprojetosrealizadospeloGEPTERcoma

comunidade de assentados doMunicípio de Rosana, observando seupatrimônio cultural e o processo de territorialização do Pontal doParanapanema, apósumavisita técnica aoMuseuHistóricodeVarpaJanisErdbergs,em2013,situadonodistritodeVarpa,noMunicípiodeTupã(SP),alíderdogrupoviuapossibilidadedacriaçãodeummuseupara os assentados em Rosana. Evidencia-se que omuseu de Varpa,sobre a migração leta na região é um museu com visão colonialistareforçadapelaideiadospioneiros,noêxitonacolonização,àreveliadogenocídio Kaingang na região. A ideia de um museu com basescomunitárias gerido pelos próprios assentados surgiu posterior elentamente, vem se transformando em uma proposta que levanteoutras narrativas históricas, muito além da história oficial e dopioneirismocolonialista.

Tomando como base a profunda relação do GEPTER com acomunidadetrilhadaporoutrasaçõesdogrupoeprojetosdaUNESP-Campus de Rosana, em 2014 iniciam-se as pesquisas sobre osconceitos de museus, patrimônio, cultura e processos museais(Gonçalves, 2019). De2015a2018 foramrealizadasduas iniciações

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científicas88 para inventariar o patrimônio material e imaterial dosassentamentos de reforma agrária de Rosana, tomando como base ahistóriaoral.Entendemosàépoca,queainventariaçãofosseaprimeiraetapadamusealizaçãoparaaconcepçãodomuseu,hojeessaposiçãoseria revista, pois o inventário é um registro na musealização, oinventário participativo poderia unir a identificação damuseália e aconstruçãodamusealidadecomadocumentação.SegundoCury(2005,p.26):

[...] entende-se o processo de musealização comouma série de ações, sobre os objetos, quais sejam:aquisição, pesquisa, conservação, documentação,comunicação.Oprocesso inicia-seao selecionarumobjetodeseucontextoecompleta-seaoapresentá-lopublicamentepormeiodeexposições,deatividadeseducativasedeoutrasformas.

Ociclodoinventáriotevepapelfundamentalparafomentaras

primeirasdiscussõessobreoMuseudosAssentados.Paraaelaboraçãodoinventárioforamrealizadasvisitasinlocoaoslotesdacomunidadeassentada e nessas oportunidades os pesquisadores da UNESPaplicaramametodologiadahistóriaoral,utilizandoumroteiropréviode entrevista. Tais relatos orais eram gravados, posteriormentetranscritos e armazenados no banco de dados, criado para omuseu,com autorização dos assentados e assentadas. Durante essasinteraçõescomacomunidade,tambémseconstituíaconjuntomaterialdofuturomuseu,assim,pormeiodasvisitasacomunidadecomeçouacompreender o que o projeto propunha e a sua relevância para aressignificação, recriação e salvaguarda dos seus patrimônios(Gonçalves,2019),àvisãodauniversidade.

88 2015-2016, Projeto; “Patrimônios e lazeres turísticos: O Museu doAssentadonoMunicípiodeRosana/SP”,financiadopeloConselhoNacionaldeDesenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); 2017-2018, Projeto“Turismoculturalrural:oMuseudoAssentadonoMunicípiodeRosana/SP”,financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo(FAPESP),Processo17/05615-4.

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Foramouvidosvinteeseteassentadoseassentadasdosquatroassentamentosdomunicípio.Duranteasentrevistas,osatoressociaistiveram suas memórias ativadas relacionadas a sua origem eterritórios vivenciados até a chegada em Rosana. As entrevistasduravamemmédiaumahoraemeia,eemalgunscasosoutrasvisitasforamfeitasporqueacomunidadetinhaoutrashistóriasquegostariamde registrar e objetos para guardar. A escolha de quem seriaentrevistadopartiudas liderançasdosassentamentos,que indicavamaqueleseaquelasqueresidiamamais temponosassentamentos.Emalguns casos, as escolhas dos entrevistados foram devido aparticipaçãodestesemprojetosanterioresnaUNESP.

Taisprocessostrouxeàluzdoprojetoaidentificaçãodealgunspatrimôniosdosassentadoseassentadasqueseprojetadediferentesformas: seja na alimentação, fala, vestimentas, cuidado com a terra,saberes, fazeres e dizeres sobre o modo de vida, permanência eresistência.Resultantedeste levantamento,o conjuntomaterial contana atualidade com poucomais de quinhentas fotos digitalizadas queremontam o período de acampamento, infância, adolescência,celebrações religiosas e outrosmomentos que retratama história devidaevivênciadosentrevistados(Moreira-Gonçalves,2020).

O processo de inventário focou-se em entender o patrimôniocultural dos assentados pormeio de suasmemórias, contudo algunsobjetos foram salvaguardados durante as visitas. Os museáliaprocedentes dos quatro assentamentos do Município de Rosanacompreendem sessenta objetos tridimensionais (Tabela 3), novecédulas de dinheiro, entre cruzeiros e cruzados, e documentos comocartazes e anotações referentes ao período de acampamento eocupações.Osobjetos(Figura1)estãosobaguardadoLaboratóriodeArqueologiadoGEPTER,naUNESP,CampusExperimentaldeRosana,com o consentimento dos assentados que os cederam espontânea emomentaneamenteparaoMuseudosAssentados.

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Tabela3-RelaçãodeobjetosdoConjuntoMaterialdo

MuseudosAssentadosQuantidade Objeto Quantidade Objeto

1 ApontadorFixo 1 Lampiãodevareta

1 BalançaFixa 4 Máquinadecostura

1 BalançaManual 2 Máquinadeescrever

2 BandeiradoMST 1 Máquinafotográfica

4 BicosdeArado 2 Moedordecafé

1 BonéMST 1 Moedordecarne

1 Braçodearado 2 Moedordegrãos

1 Cabaça 1 Paneladeesmaltada

1 Cavadeira 2 Paneladebarro

1 Chaleira 2 Paneladeferro

1 Cortadordeamendoim 2 Panelasdealumínio

1 DiscodeVinil 1 Peneiradecolorau

1 Enxada 1 Raladordemilho

1FacãodeCana-de-açúcar

1 Sanduicheiramanual

2 Facãodecapim 1 Semeadoramanual

3 Ferroabrasa 1 Serrote

1 Ferroelétrico 1 TocaDisco

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1 Foicedearroz 1 TravessadeCerâmica

1 Lamparinadequerosene 1 Vasilhacoletoradelátex

Fonte:Gonçalves,2018(Adaptadoem2021).

Figura1-Conjuntomaterial

Fonte:Osautores,2019.

É interessante salientar que devido a dinâmica dos

acampamentos e ocupações os assentados não possuíam o hábito deacumularobjetosefotos,umavezquetinhamquemontaredesmontaracampamentos rapidamente e as lonas ao se romperem durante aschuvas,danificaramseupatrimôniomaterial.Dessemodo,aformaçãodosmuseáliadoMuseudosAssentadosadquireumafunçãosimbólica,documentaleafetiva,sendoestesumdospoucosresquíciosmateriaisdesseperíodo.

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Emconformidadecomoquefoiapresentado,ainiciativaparaacriação do Museu dos Assentados não nasceu da comunidade deassentados de Rosana, mas sim dos pesquisadores do GEPTER. Noentanto, o processo de inventário, a realização do Colóquio dosSaberes, Fazeres e Dizeres do Campo em 2018 e as pesquisasdesenvolvidas na atualidade junto ao Programa de Pós-graduaçãoInterunidadesemMuseologianaUniversidadedeSãoPaulo(PPGMus-USP), vem trazendo resultados significativos para a apropriação daideia de museu comunitário, expandido as práxis e reflexõesmuseológicas,quecarecemdedescriçãoeanálisepormenorizada.3.2 O Inventário do patrimônio material e imaterial: uma primeiraaproximação

Tendoemvistaqueem2015oGEPTERestavadesenvolvendoprojetosmuitopróximosàcomunidadeassentadanoPortoMaria,bemcomoapoioaoRestauranteRuraleoInventárioTurístico,optamosporiniciar o ciclodo inventáriopatrimonial pelo assentamento.Umadaslíderes desse assentamento, a senhora Vera Lúcia Ferreira LeãoOliveira,em2015foiaprimeiraaserentrevistada.

Aentrevista foi realizadanoRestauranteRuralPortoMaria,etanto os pesquisadores quanto a assentada, estavam confusos com ametodologiadepesquisa.Sabíamosoobjetivodaquelaconversa,masametodologia, a história oral, ainda estava em apreensão. A princípio,entendia-se que nossa entrevista era semiestruturada, meses depoisquandojáestávamosaplicando,conhecemosametodologiadahistóriaoral.AssimcomoapontadoporCarvalho(2019),quealterouométodoparaatuarcomacomunidade,nosassentamentosemRosanatambémhouve a necessidade de adaptar o método, os objetivos e as formascomo conduzíamos a pesquisa de acordo com a realidade e asnecessidadeslocais.

Logo de início, percebeu-se que Vera na entrevista estavaevitandotocaremdeterminadosassuntossobreconflitos,dificuldadesepreconceitosquesofreu.Diferentementedasoutrasentrevistasqueviriam posteriormente, a entrevista com Vera durou apenas trintaminutos. Mas foi importante para que eu pudesse adaptar ametodologia e obter os nomes de quais seriam os próximos

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entrevistados, e principalmente, saber que estaríamos trabalhandocomosensível,opolêmicoeonãofalado.

Thompson (1992, p. 272) expõe que “falar sobre o passadopode despertar memórias dolorosas que, por sua vez, despertamsentimentos intensos que, muito fortuitamente, podem afligir oinformante”.Sendoamemóriaseletivaesubjetiva,quebuscaguardareesquecer,tambémhámuitoaaprendernoesquecimentoenoquenãoé dito, assim como suas razões. Para Lang (2013, p.74) temos queexplorareaprendercom“os“nãoditos”,os“nãoperguntados”eainda,os“nãocompreendidos”pelopesquisadornaquelemomento”,emuitasvezes,nãoconseguimoscompreendernomomentoda interação,poisaindanãoestamospreparadosparaotrabalhocomacomunidade.

Ametodologiadehistóriaoral, utilizadaem todasas fasesdoinventário, foi relevante para estabelecer laços de confiança entre osparticipantes e os pesquisadores. Entendendo a pesquisa como umaconversa, os assentados se sentiam confortáveis em contar suashistórias em seus lotes. Emalgunsmomentos foi possível observarodesconfortodelesaosaberqueaentrevistaestavasendogravada,masmuitos deles, depois das entrevistas relataram experiências queacreditavam serem relevantes para si e para os pesquisadores, masquenãoprecisariamsergravadasepublicizadas.

Além de Vera, outras duas pessoas foram entrevistadas noPortoMariaem2015:IvaneEsterPereiraeSandraBorgesdaSilva.Noinício,Vera ia comospesquisadores aos lotesdaspessoas indicadas,faziaa introdução,nosapresentava,emalgunsmomentosparticipavadasentrevistas,emoutrossaiaparaconversarcomosoutrosnascasas.

Vera foi muito importante na fase inicial do trabalho com asindicaçõesque fazia, comsuaajuda iniciamosas entrevistasnaNovaPontal. A primeira foi a senhoraMaria de Lurdes Santos deOliveira,que todas as sextas-feiras ia atéoDistritodePrimaveraparavenderseus bolos, doces e produtos agrícolas na feirinha. A entrevista comLurdesfoiemummomentodedescansonomeiodanoite.Noiníciodaentrevista Lurdes estava receosa de compartilhar suas histórias comdesconhecidos,maslogoganhouconfiança,aentrevistafoi longa,ricaem detalhes, histórias e acontecimentos. Lurdes também indicou aspróximas entrevistadas do assentamento: Neuzeme Maria da SilvaOliveiraeCamilaCárceresMarssolla.

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No Assentamento Gleba XV de Novembro não conhecíamosmuitaspessoas,VerahaviaindicadoasenhoraEleoniceMariadaSilvaNascimento,lídercomunitáriadaOrganizaçãodasMulheresUnidasdoSetor II (OMUS), e em uma oportunidade fomos ao seu lote paraconversar sobre o projeto. Naquele momento a entrevista não foirealizada, pois a assentada não nos conhecia, por isso escolhemosdeixarparaoutromomento.Noentanto,aoportunidadefoirelevantepara estabelecer o primeiro contato e receber a indicação de doisoutrosnomes:MariadeJesusdaSilvaeMariaJosédaSilva.

As entrevistas comMaria de Jesus e Maria José (1947-2017)foram extremamente detalhadas. As assentadas tinham grandeexperiência nos acampamentos e uma longa trajetória de vida emdiferentesterritórios.InfelizmenteMariadeJoséfaleceuemsetembrode2017,sendoassimaassentadanãoteveoportunidadedeparticipardoColóquiodosSaberes,FazereseDizeresdoCampo,que falaremosadiante, mas sua filha, Cacilda Aparecida Silva, esteve presente noeventoepodeobservarolegadodeixadoporsuamãe.

Eleonice além de apresentar aos pesquisadores outrosassentados, também foi educadora, nos educando pela práticaexpandiuosobjetivoseoslimitesdapesquisa.Narealidadeaacademiaque é regimental, impõe prazos, metodologias, escopos e fronteiras,quedificilmentepodemserultrapassadosereinventados.Eleonicenoslevou ao Acampamento dos Agregados (ver Thomaz & Gonçalves,2019),paraquenóspudéssemosentendertodososprocessosdalutapelapossedeterra:ocupação,acampamentoereformaagrária,ecomissoqualificarnossapesquisa.

O Assentamento Bonanza era um dos espaços em que ospesquisadores da UNESP menos tinham contato. No momento dapesquisanãoconhecíamosnenhummoradordalocalidade,eporisso,umareuniãonaFundaçãoInstitutodeTerrasdoEstadodeSãoPaulo(ITESP) foi marcada para conversar com o técnico responsável peloassentamento.Otécniconarrouahistóriadecriaçãodoassentamento,bem como suas características políticas, culturais, econômicas esociais,e,alémdisso, informouosprincipaisnomesdoassentamento,forneceualgumasfotosemateriaisdeapoio.

NoAssentamentoBonanzaentrevistamosAmerentinaCarneirodeMatoseMariadasDoresBarbosa. Porproblemastécnicos, tempodiminuto,desconhecimentodospesquisadoressobreoassentamentoe

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logística, não conseguimos entrevistar três pessoas noAssentamentoBonanza.Masas entrevistasdeAmerentinaeMariadasDores foramesclarecedoras e auxiliaram nos próximos passos da pesquisa. OQuadro2abaixoapresentaarelaçãodasassentadasentrevistadasporassentamentoeperíodo:

Quadro2-RelaçãodeEntrevistadosnaPrimeiraFasedoInventário

Porto

Maria Datada

Entrevista N

ova

Pontal Datada

Entrevista Gl

ebaXV

de

Novembro

DatadaEntrevista

Bonanza Datada

Entrevista

Vera

Oliveira

Agosto2015 Lu

rdes

Oliveira

Outubro2015

MariaJesus

Maio2016

Amerentin

aMatos

Junho2016

Ivane

Pereira

Dezembro2015 Ca

mila

Marssolla

Novembro2015

MariaJosé

Maio2016Mariadas

Dores Junho

2016

Sandra

Silva Dezembr

o2015

Neuzeme

Oliveira

Novembro2015

Eleonice

Nasciment

o Maio2016

Fonte:Osautores,2021.Na segunda fase do inventário (2017-2018), a aproximação

com a comunidade foi facilitada pelas experiências anteriores. Emfunção disso, ampliou-se a quantidade de entrevistados para quatropor assentamento. Contudo, mesmo conhecendo mais a localidade,seusmoradoresemelhorentendendoaspossibilidadesdapesquisa,nasegunda fase buscou-se uma aproximaçãoum tanto quanto diferenteda anterior. Nesta fase as entrevistas eram agendadas comantecedência, seja por telefone ou por meio de uma visita prévia,durante essa consulta os objetivos do projeto e a metodologia eram

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apresentados e, assim, cada pessoa procurada decidia se queriaparticiparequando.

A consulta prévia também facilitou a resolução de um dosmaiores problemas da pesquisa, a logística. Os assentamentos,conforme mostra a Figura 2, são extensos e distantes do perímetrourbano de Porto Primavera, onde se localiza a UNESP, Campus deRosana, alémdo isolamentogeográfico,observa-sequenem todososassentados possuíam internet e telefone, por isso, o contato inicialgarantia que encontraríamos os assentados em seu lote e nãoperderíamosaviagem.

Figura2-MapadosPerímetroUrbanoeAssentamentosem

Rosana(SP)

Fonte:Moreira-Gonçalves,2020.

O contato inicial também auxiliou em ganhar confiança e

estabelecer uma relação de amizade. Com essa transformação nomodus operandi, cada pessoa foi visitada e/ou contatada pelomenos

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três vezes, a primeira para o agendamento da entrevista; a segundapararealizaçãodaentrevista;aterceiraparadevoluçãodefotose/ouobjetosfotografadoseescaneados,eparaanálisedosdocumentos.

Sendo a logística um dos principais problemas da pesquisa,destaca-seopapelfundamentaldoapoiodaUNESPnasuperaçãodessaproblemática.Foramfeitasmuitasvisitasaosassentamentosecomoasentrevistasduravamemmédiaumahoraemeia,eramagendadasduaspessoasporperíodo.Auniversidadesempreatendeuasrequisiçõesdetransporte dos pesquisadores para ida aos assentamentos, sem esteapoio, a pesquisa teria sido inviabilizada, sua amostragem seriadiminutae seu tempodeexecução seriaprolongado, sedesdobrandoem menos benefícios para os pesquisadores, comunidade euniversidade.

Na segunda fase do inventário foram entrevistados noAssentamentoGlebaXVdeNovembro as assentadas:DezildaDiasdaSilva, Edvalda Maria da Silva, Vanda Noronha Mesquita e MariaFrancisca dos Santos. Do Assentamento Bonanza: Francisco AlaorPinheiro Siqueira, Evangelista Gomes da Rocha, Heraldo Luiz dosSantos e Maria Nilza de Souza. Do Assentamento Nova Pontal: GeniTeixeira, Ana Santa de Sá Lima,Helena Francisca de CarvalhoPino eSonia de Paula Hoshiro Kotaki. Do Assentamento Porto Maria: IvaniMartinsdaCosta,MariaAparecidaOliveiraSobral,MariaGomesSouzae Rosane Boulduan. O Quadro 3 abaixo apresenta a relação dasassentadasentrevistadasporassentamentoeperíodo:

Quadro3-RelaçãodeEntrevistadosnaSegundaFasedoInventário

Nova

Pontal

DatadaEntrevista Po

rto

Maria

DatadaEntrevista

GlebaXV

de

Novembro

DatadaEntrevista

Bonanza

DatadaEntrevista

Sonia

Kotaki

Setembro2017 Maria

Gomes

Novembro2017 M

aria

Francisca

Abril2018

MariaNilza

Maio2018

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Helena

Pino

Setembro2017 M

aria

Sobral

Março2018 Va

nda

Noronha

Abril2018

Alaor

Siqueira

Julho2018

AnaSanta

Outubro2017

IvaniCosta

Março2018

Edvalda

Silva

Abril2018

Evangelista

Rocha Agosto

2018

Geni

Teixeira

Novembro2017 Ro

sani

Bolduan

Março2018 De

zilda

Silva Agosto

2018

Heraldo

Santos

Agosto2018

Fonte:osautores,2021.

Pelaampliaçãodonúmerodeentrevistas,tivemosqueconvidaralgumas pessoas dos assentamentos que não haviam sido indicadaspelas lideranças.Ao convidar tivemos respostaspositivasenegativasquanto ao convite. Uma das respostas negativas auxilia noentendimento sobre os estigmas e preconceitos a respeito dosassentados. Uma assentada mencionou que não considerava suahistória relevante e que as pessoas não gostariam de ouvi-la, alémdisso a assentada afirmou que: “há memórias de sofrimento que nãodevemsercompartilhadas”.

Dopontodevistadeproduçãocientífica,visandoreflexionarepublicizar o conhecimento produzido nas fases do inventário, foramproduzidasatéopresentemomento13artigoscientíficos,10resumoscientíficos, 6 capítulos de livro, 1 documentário e 1monografia e, naatualidade, está em curso uma dissertação de mestrado. Dentre asproduções,destacamos:

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Quadro4-ProduçõesCientíficasemDestaquesobreo

MuseudosAssentadosdeRosanaTítulo Proposta Autores

Turismo no espaço ruralcomo instrumento devalorização patrimonial emassentamentos de reformaagrária: o caso de Rosana,SãoPaulo

Abordar osassentamentos ruraiscomo territórioseducativos.

Moreira-Gonçalves(2020)

Lagénesisylosprocesosdeun museo comunitario: OMuseo do Assentado en elmunicipio de Rosana, SãoPaulo,Brasil

Discutir o Museu dosAssentados à luz danova museologia emuseologiasocial.

MoreiraGonçalves(2020)

Alimento como cultura,patrimônio, identidade eresistência:osresquíciosdamemória no futuro MuseudoAssentado

Evidenciar oselementos daalimentação, preparoe conservação comopatrimônio culturaldosassentamentos.

GonçalveseThomaz(2020)

As sementes do passado eos frutos do amanhã: asinfluências etransformações do temponos traços culturais doacampamento dosagregados domunicípio deRosana,SãoPaulo

Discutir astransformaçõesculturais ocorridasnosacampamentosdopassadoedopresente.

ThomazeGonçalves(2019)

Os saberes, fazeres edizeresdocampo:oMuseudoAssentado noMunicípiodeRosana/SP

Monografia deconclusãodoprocessode inventário,elencando opatrimônio culturaldosassentamentos.

Gonçalves(2018)

Histórias e memórias: asbrincadeiras, brinquedos,mitos, cantigas, histórias elendas rurais comopatrimônioculturalrural

Reflexionar sobre opatrimônio culturaldos assentamentos deRosana relacionado ainfância dacomunidadeassentada.

GonçalveseThomaz(2018)

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O Recordar como sentidode existir: o futuro MuseudoAssentadoeostraçosdareforma agrária nomunicípiodeRosana/SP

Discutir os resquíciosda reforma agrária namemória dosassentados.

GonçalveseThomaz(2017)

Fonte:Osautores,2021.Oinventáriofoirelevanteparaativarasmemóriasqueestavam

adormecidas, ressignificar o patrimônio cultural dos assentados echamá-los a uma nova proposta. O processo demusealização se deupelaselaboraçõesdosassentadoseassentadasentrevistados,quandosuas memórias foram provocadas e ativadas e os relatos oraisregistrados,revelandoumacuradoriaquantoàformaçãodecoleçãodeentrevistas associada a objetos - imaterialidade e materialidade.Muitos dos objetos que foram confiados à guarda da universidadeestavam despidos de sua musealidade, jogados ao relento ouesquecidosnofundodacasa.EleoniceNascimentoemumaentrevistapara a Rádio TV Novo Mundo, Programa Inventores de Memórias,mencionou algomuito significativo sobre a doaçãodos objetos e seusignificado,paraassentada:

Eu acho que quando a gente doava aquilo que agentetinhaagentetavanaverdadefalando:-eutôfazendo parte desse Museu, né! Um exemplo, deumamáquinademão era, daminhamãe, que erada minha avó, tava lá no recanto. Então ele[Leonardo] pega aquela máquina, ali com certezamaiscedomaistardeelaiaparaoferrovelho,nãoia, iaacabarahistória,o ferrovelho iapassaraíelevar, ele não, ele pegou levou. Você sabe quequando você chegar ali naquele canto você vaiolhar,vocêvai lembrardamãe,vai lembrardavó,queeunemconheci,mashistóriaqueaminhamãecontava. O dia que meu filho lá visitar, ele vaichegar lá vai falar que podão de cortar, aquelefacão de cortar arroz, quando nós viemos paraGleba XV, era pequeno, meus pais usavam paracortar várias coisas e várias coisas que tem lá(InventoresdeMemória,2021).

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AfaladeEleonicemostraquepormeiodoinventário,daação

universitária, foi possível identificar a musealidade do objeto, suarelevânciaeoenxergarcomomuseália.Agoraaassentada,assimcomooutras, reconhece a musealidade das coisas, está desperta ao seupatrimônioeaslocuçõesqueestepermite.Jáparaauniversidade,essarelaçãosimbiótica,foiprodutivaemestreitarlaçoscomacomunidade,reconhecer novos saberes e exercer sua função social. Para ospesquisadores, o inventário foi aprendizado, produção deconhecimento e processo educativo, metodologias a priori propostasforamrevistas,aprendeu-seatrabalharcomacomunidade,aterumaescutasensível,respeitarotempodosparceirosepoucoapoucoasedecolonizar.Masessesaprendizadosnãoseextinguiramnoinventárioondeauniversidadefoiacomunidade.3.3 O Colóquio sobre os Saberes, Fazeres e Dizeres do Campo: acomunidadenauniversidade

Mesmo sem gerar a ideia de criar um museu, a comunidadeassentada em entrevista após entrevista passava a perceber seupatrimônio e realizarumprocessomuseológico autônomo, fazendoacuradoria das memórias que queriam registar e os objetos quequeriamguardar.Nessesentido,o“Colóquiosobreossaberes,fazerese dizeres do campo”, realizado em setembro de 2018, na UNESP,CampusdeRosana,teveumpapelimportante,paracompletarumcicloeiniciaroutro,seminterrupçãodoprocesso.

OColóquiofoiorganizadopeloGEPTERemparceriacomoPETTurismoe,comoapoiodaUNESPedaPrefeituraMunicipaldeRosana.A programação89 do evento foi organizada em: abertura com aapresentação dos participantes do Museu dos Assentados,apresentaçãodoinventáriopatrimonialedodocumentário“Daestradaparao lote”90,mesacomosrepresentantesdopoderpúblico,rodade

89AgravaçãodoColóquioestádisponívelnainternetemumasériedevídeos.Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WPByUNq1tDo&list=PLpjdfSwKFnyhDabtpZ_dONO-f0VU-3661.90 Produzido em 2018. O documentário pode ser acessado pela internet.Disponívelem:https://www.youtube.com/watch?v=1WTv8pxJyr4&t.

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conversa com as lideranças dos assentamentos sobre os saberes,fazeresedizeresdocampo,visitaàexposição.

OintuitodoColóquioeradarumadevolutivaaosparticipantesdoinventário, tambéminformaraacademiaeaopoderpúblicosobreesse relevante patrimônio, visando possíveis articulações eesclarecimentos.Poroutro lado,a construçãodemuseuquevinhasefazendo no inventário era individualizada, entre pesquisadores eentrevistados, assim, o evento seria a oportunidade de unir todos osenvolvidosnosquatroanosdepesquisa.

O evento contou com a presença de vinte e dois assentados,dezenove gestores públicos, entre esses o Prefeito, Vice-prefeito,Vereadores, representantes do Conselho Municipal de Turismo(Comtur) de Rosana e do Instituto Sociocultural do Pontal doParanapanema(Iscap),oCoordenadorExecutivoeoCoordenadordoCursodeTurismodaUnesp,CampusdeRosana,docentesdocursodeturismoesessentae trêsdiscentes (cincodocursodeEngenhariadeEnergiaecinquentaeoitodocursodeTurismo).

Mais uma vez o apoio da universidade para o projeto foiindispensável, a UNESP disponibilizou dois veículos para transportarosassentadosatéoauditóriodocampus.Alémdisso,permitiuusarasdependênciasdauniversidadepararecepcionarosvisitantes,montaraexposição e para as demais ações do evento. Desse modo, segundoMoreiraGonçalves(2020,p.370)noColóquio:

Sehizoposibleobservarlasonrisadelosassentadoscuandovieronsusfotosenlosmurales,susinformesorales ilustrados y sus objetos identificados; loslíderes de los asentamientos municipales fueronescuchados y aplaudidos, hablando frente a laaudiencia;hubounamiradadesatisfacción,orgulloyaprecio de los assentados por estar representados,escuchadosyestarpresenteseneseespacio.

Agregandovaloraoquevinhasendotrabalhadonoinventário,

o evento permitiu a abertura ao conceito de museu comunitário,mesmo que a época fosse desconhecido pelos pesquisadores. Oassentados puderam ver a magnitude de seu patrimônio,, os usospossíveis e que haviam outros, além deles, juntos nessa empreitada.

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HelenaFranciscadeCarvalhoPino, assentadanaNovaPontal, nodiadoeventodeuumaentrevista aAssessoriade ImprensadeRosanaemencionou:

Quandoo[sic]Leochegoucomaproposta,mesentivalorizada, pois a mulher do campo é muitoesquecida, e uma universidade como a UNESP sepreocupar com as mulheres é muito gratificante. Éemocionantepodervoltaraopassadoecontarcomofoi a nossa trajetória, o projeto superou minhasexpectativas, pois contar nossa história é contar osofrimentoedanossaluta.Hojevendoerecordandotudoquevivenciamoséemocionante (PrefeituradeRosana,2018).

O Colóquio permitiu no ambiente acadêmico uma ecologia de

saberes (Santos, 2011), uma perfeita simbiose entre universidade ecomunidadequenaquelemomentosecompletavam,pensavamjuntose prospectavam projetos futuros. Nos professores e principalmenteestudantes que naquele momento estavam na plateia, enquanto asassentadas preenchiam a tribuna, era visível o deleite doconhecimento,aeuforiadedescobriralgoeapartirdali transformar.Para nós, pesquisadores que já tínhamos contato com a comunidadeassentada, novas indagações surgiram, vontades ambiciosas decontribuiraindamaiscomoprojeto,maspara isso,precisaríamosdeum olhar diferenciado, para que assim, pudéssemos vislumbrarapontamentosfuturos.3.4Amuseologiasocialentraemcena:oMuseudosAssentadoseosapontamentosfuturos

Quando mencionamos que atualmente entendemos o Museu

dosAssentadoscomomuseucomunitário,queestáconstantementesealterando, renovando e sendo repensado, é porque o contato dospesquisadorescomosconceitosdamuseologiasósedáem2019,pormeio da pesquisa demestrado que vem sendo no PPGMus-USP.Mashoje, observamos que já praticávamos museologia social sem dar

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nome,jáéramoseestávamosconstruindoummuseucomunitáriosemsaber,assimcomodescritoporLerscheOcampo(2004,p.4)

Omuseu comunitário é um processo,mais que umproduto.Combinaeintegraprocessoscomplexosdeconstituição do sujeito coletivo da comunidade,através da reflexão, auto-conhecimento ecriatividade, processos de fortalecimento daidentidade, através da legitimação das histórias evalores próprios; processos de melhoramento daqualidadedevida,aodesenvolvermúltiplosprojetosno futuro, e processos de construção de forçasatravésdacriaçãoderedescomcomunidadesafins.Éumprocessocoletivoqueganhavidanointeriordacomunidade e por isso podemos afirmar que é ummuseu“da”comunidade,nãoéelaboradofora“para”a comunidade. O museu comunitário é umaferramenta para avançar na autodeterminação,fortalecendoascomunidadescomosujeitoscoletivosquecriam,recriamedecidemsobresuarealidade.

A museologia social no Museu dos Assentados se insere de

diversas formas, ao admitir uma nova forma de fazer museus edespertar para o patrimônio, ao valorizar as comunidades enquantosujeitos críticos e conscientes da sua realidade, ao permitir outrasvozes e ao conceber o museu está a “servir à comunidade e ao seudesenvolvimento” (Varine, 2014, p.26). Essa museologia queestávamospraticando, pouco apouco, desvelandoasnossasprópriasposiçõescolonialistas,élibertadora.

Na maioria dos casos, em minha experiência, amuseologia comunitária preocupa-se em libertar asprópriaspessoasdaalienaçãocultural,ouliberarsuacapacidadede imaginaçãoou iniciativa,ou liberaraconsciência dos seus direitos de propriedade sobreseu patrimônio, tanto material quanto imaterial(Varine,2014,p.32).

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Somentecomajunçãodotrabalhoemcampocomaspesquisasacadêmicasqueestamosalcançandoessaliberdadeedesatando,poucoa pouco, as amarras da colonialidadedepoder, dosere dosaber(Quijano, 2000). Mignolo (2018, p. 310) aponta que nos engajar emprojetos decoloniais, “aprender a desaprender os princípios quejustificammuseus e universidades, e formular umnovohorizonte decompreensãoedecondiçõesdevidahumana,alémdacrençasagradadequeaacumulaçãoéosegredoparaumavidadecente”.

No entanto, aplicar a museologia social é um processo lento,difícil e que necessita ser contínuo para que ocorra a realtransformação, todavia,dáresultadossurpreendentes, tendoemvistaque se não fosse o trabalho comprometido a comunidade não teriaabraçado a proposta da universidade e hoje decidir sobre asperspectivasfuturas.Emconcordânciaaisso,entendemosque,

Oprocessomuseológico é umprocesso educativo ede comunicação, capaz de contribuir para que ocidadão possa ver a sua realidade e expressar essarealidade, qualificada como patrimônio cultural,expressar-se e transformar a realidade. Nessesentido, o processomuseológico é ação educativa edecomunicação(Santos,2008,p.137).

Nesse sentido praticamos essa museologia experimental,

reflexionando nos acertos e erros, ouvindo e colaborando com acomunidade, propondo e reformulando, nos levando a “conceber omuseu como um dispositivo social que parte das experiênciasindividuais para formular enunciados coletivos, moldando assubjetividades e criando novas experiências do real” (Brulon, 2019,p.225). Como obra inacabada, os Museus dos Assentados está emconstante movimento e mesmo, quando tiver sua sede, e se tiver,continuaráemtransformaçãoatéqueacomunidadedecidaooposto.

Na atualidade o Museu dos Assentados não possui sua sedefísica, muitos assentados querem que seja nos assentamentos, masdivergememqualdelesseria.OutrosoptamparaqueomuseufiquenaUNESP,outalvezemalgumprédiopúbliconacidade.Hádesencontroem quem cuidará do museu, uns mencionam que precisamos defuncionários,outrosdizemqueacomunidadepodeserevezar.Discute-

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setambémopróprionomequeserádadoaomuseu,aspeçasquevãocomporoacervo,odiscursoexpositivoeospúblicosquevisitarão.

Essaseoutrasquestõesestãosendodebatidasnestemomentoàluzdanovamuseologia,museologiasocialeasexperiênciastrazidaspelosmuseuscomunitários,paraqueacomunidadepossatomarumadecisão legítima. Os conflitos, divergência de ideias, propostas ealteraçõessãooquemovemomuseucomunitário,éoqueotornavivo,eloquente e significante para os envolvidos. Nos pesquisadores, queauxiliamosdamaneiraquepodemos,compromissadoscomotrabalho,a comunidade e a museologia, estamos assim como o museu emconstante transformação, aprendendo, reaprendendo, ressignificandoecriandonovasmuseologiasesaberesparaalémdoprédiodomuseuedauniversidade.4.ConsideraçõesFinais

Diante deste quadro de perspectivas e apontamentos que

trazemos,podemos constatarquenosencontramosemummomentode novos olhares sobre novas leituras, tanto no que diz respeito anovos princípios de gestão do patrimônio, comona aparição de umasérie de novos produtos turísticos. Entendemos o Museu dosAssentados como museu comunitário, que está constantemente sealterando, renovando e sendo repensado, após o contato dospesquisadorescomosconceitosdamuseologia,pormeiodapesquisa,verificamosquejápraticávamosmuseologiasocialsemdarnome.

Consideramos ser necessário definir novas estratégias deintervençãoquepermitamestabelecerplanejamentocomumentreaspolíticasdeproteção,conservaçãoeinvestigaçãodopatrimônioesuavalorização como recurso turístico, portanto sujeito a uma sériedelineamentos técnicos de produção que permitam obter bonsresultados em base à exploração racional e sustentável destesrecursos, por meio de iniciativas acadêmicas de extensão que sedesdobraram em ações museológicas que congregam museucomunitário,sociedadeeuniversidade.

Asseveramos ser necessário a presença e a participação deprofissionais que, com um amplo conhecimento da problemática dopatrimônioculturalemtodosseusaspectos(legislação,documentação,catalogação, conservação e restauração, e difusão cultural), sejam

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capazesdeunirpatrimônio,museologiaeturismodentrodorespeitoedo princípio de sustentabilidade. Somente uma boa gestão dopatrimônio cultural poderá arbitrar soluções eficazes aos muitosproblemasqueaconservaçãodestetememnossosdias.

Nestecontextohistórico,comosujeitossociaiseinvestigadoresda cultura, é necessário ter a responsabilidade de atuar junto àscomunidades.Nãoseesquecendo,éclaro,queosmaioresinteressadose implicadosnoprocessosãoascomunidadese,por isso,asaçõesdeturismo, museologia, ou quaisquer outras áreas, devem estar emdiálogoconstantecomascomunidades.

As ações extensionistas, como visto, são eficazes na formaçãode profissionais responsáveis, que respeitam a comunidade,investigadores e cidadãos. A universidade, por sua vez, aprende areconhecer outros saberes, se torna plural e polifônica. Ascomunidades, reconhecem e aprendem novas formas de gerir seupatrimônio,seempoderamefortalecemseussaberes.Asimbioseentreuniversidadeemuseuscomunitárioséclaraquandodesenvolvidacomresponsabilidade e comprometimento, os benefícios necessitam sermútuosentreosenvolvidos,afinal“amuseologiaquenãoserveparaavida,nãoserveparanada”(Chagas&Bogado,2017).ReferênciasBrasil (1988). Constituição.Constituição da República Federativa doBrasil de 1988.Brasília, DF: Presidência da República.https://d.docs.live.net/fe83fbd44f5a8549/10.26512/museologia.v8i16.27327.Brasil(2018).Resoluçãon.7,de18dedezembrode2018.EstabeleceasDiretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira eregimentaodispostonaMeta12.7daLeinº13.005/2014,queaprovao Plano Nacional de Educação – PNE 2014-2024 e da outrasprovidências.DiárioOficialdaUnião.Brulon, Bruno (2019). Museus, patrimônios e experiência criadora:ensaiosobreasbasesdaMuseologiaExperimental.In:Magalhães,F.etal. MuseologiaePatrimónio.Volume1.Portugal: InstitutoPolitécnicodeLeiria.

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OPATRIMÔNIOEDUCATIVODEUMAESCOLADEEDUCAÇÃOBÁSICA:

MEMÓRIAEFORMAÇÃODEIDENTIDADE

AnaPaulaBorgesEloiUniversidadeFederaldeSãoPaulo,Brasilhttps://orcid.org/0000-0002-9571-0296

IvanaMartadaSilva

EscolaEstadualRaulSaddi,Brasilhttps://orcid.org/0000-0002-6555-9118

ReginaldoAlbertoMeloni

UniversidadeFederaldeSãoPaulo,Brasilhttps://orcid.org/0000-0002-4664-1079

Acasa–rústicaousolarenga–semhistóriavisível,sópor sombras, tintas surdas: a janela parapeitada, opatamar da escadaria, as vazias tarimbas dosescravos, o tumulto do gado? Se eu conseguisserecordar, ganharei calma, se conseguisse religar-me:adivinhar o verdadeiro e real, já havido. Infância écoisa,coisa?(Rosa,2001,p.98).

1.IntroduçãoQuase todas as instituições escolares no Estado de São Paulo

nãoconhecemasuaprópriahistória.Issoocorreporpelomenosdoismotivos: 1. há uma grande circulação dos sujeitos escolares (osestudantesnaturalmenteavançamparaoutrosníveisdeensino,masosagentesescolarestambémcirculammuitopelasinstituições);2.nãohápolíticas públicas consistentes que tenham como objetivo a

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preservação da memória escolar, a conservação do patrimônioeducativoouaelaboraçãodahistóriadaeducação.

Essa ausência de mecanismos de preservação da memóriacontribuiparaqueascomunidadesescolaresnãosereconheçamenãocompreendam a cultura escolar que produzem e que fazemparte damemória afetiva e da formação das crianças e dos jovens em umperíododedescobertaspessoais.

Nesse processo, projetos muitas vezes de grande valorformativo não se mantêm como tradição. Experiências se perdem e,muitas vezes, o que prevalece é o senso comum que se reflete emafirmações do tipo: “a escola pública é ruim”, “a escola pública éviolenta”,“osestudantesnãoqueremaprender”etc.

Háprojetosqueprocuramrompercomestalógicaeresgatarahistória das instituições escolares, as trajetórias, as experiênciasvivenciadas e as culturas que emanam das ações realizadas pelosagentesescolareseda instituiçãocomorealidadefísicacompostaporespaços e tempos. Em geral são projetos isolados que têm comoobjetos de estudo instituições escolares icônicas para a educação,localizadasnoscentrosdasgrandescidades,representantesdegrupossociais predominantes em certo período e detentoras de umareputação quase sempre difusa que se apoia em mitos degrandiosidadeesupostaexcelênciaexistentesemumpassadoremoto.

Estas instituições normalmente são investigadas comosímbolos do investimento realizado, no passado, na construção deprédiossuntuososenaaquisiçãodemateriaispedagógicos.Emgeral,são essas escolas que recebem maior atenção dos historiadores daeducação,sejaparaainvestigaçãodocurrículocompostoporáreasdoconhecimento,programasdeensinopráticaspedagógicasetc,sejaparaanalisarosespaçoseostemposescolareseosobjetosdeensino.

A materialidade dessas instituições tem sido utilizada comoumaimportantefontedeinformaçãoparaacompreensãodacirculaçãode ideias, dos processos educativos e das transações comerciais. Osobjetos, reconhecidos como cultura (ou culturas?) material escolar,também se constituem como fontes documentais para a investigaçãodaspráticasescolaresenvolvendo,porexemplo,asmetodologiaseasconcepçõesdeensinoemcadaépoca(entreoutros,MadiFilho,2013;Meloni&Alcântara,2019;Souza,2013).

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Normalmente, a investigação da cultura material escolarprecisa ser precedida de um longo processo de organização dessematerial. Especialmente quando se trata de objetos de ensino deciências, a maioria das escolas os mantém misturados, sujos e malacondicionados.Comonãofazpartedaatividadefimdaescola,émuitoraroqueaequipeescolardomineasaçõesbásicasparaaconservaçãopatrimonial dos objetos de educação em ciências, entre as quais, alimpezacorreta,aidentificaçãoeaclassificaçãodosobjetos.Époressemotivo que essas operações são realizadas apenas em um pequenonúmerodeinstituições.

Noentanto,oreconhecimentodeumpatrimônionãoocorredeforma neutra, objetiva ou semmotivações de ordempolítica e social(Cadavez, 2019). Todas as escolas possuem uma história. Todas asinstituições educativas, são importantes em determinadascomunidades, promovem culturas específicas e estão envolvidas emhistórias de vida de muitos sujeitos, mas apenas algumas delas têmmerecidoatenção,sejadaacademia,sejadopoderpúblico.

Pode-se dizer que, sem exceção, todas as instituiçõessão/possuemumpatrimônioculturalquedeveserpreservadoe,umavezqueaosejamreconhecidasemumacomunidadecomoinstrumentodeformaçãoeproduçãodecultura,seconstituemcomo“portadoresdereferência à identidade, à ação, à memória dos diferentes gruposformadores da sociedade brasileira” (Constituição da RepúblicaFederativadoBrasil,1988,Artigo216).

Neste sentido, este artigo apresentará os resultados de umprojeto que tem como objetivo contribuir para a preservação damemóriaescolardeuma instituiçãodeensinosituadanaperiferiadacidadedeDiadema,SPeverificaraspectosdasrelaçõesqueossujeitosestabelecemcomainstituiçãoescolaratravésdamemóriadaspráticasescolaresmediadaspelosobjetosdeensino.

Ainvestigaçãoprivilegiaoacervofotográficoeosmateriaisdeensino de ciências, mas não desconsidera outras materialidades daescola. O desenvolvimento do projeto foi orientado por algumasquestões norteadoras. Quais as relações dos objetos com amemóriaescolar?Qualéaculturamaterialescolarda instituiçãode interesse?Como os objetos de ensino de ciências participaram da relação dossujeitoscomaescola?

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Otextoaseguirestádivididoem3seções.Aprimeiratratadamemória escolar: o que é a memória escolar; do que se constitui amemória escolar; como a memória escolar pode ser um objeto depesquisa.Asegundaeaterceiraseçõesapresentarãodoisaspectosdoprojetodepreservaçãodamemóriaeconservaçãodaculturamaterialda escola. A segunda seção apresentará o trabalho que vem sendorealizado com o acervo fotográfico discutindo o processo deconservação e as marcas da instituição: as especificidades da suacriação; as características da comunidade escolar e a suamaterialidade. A terceira seção tratará das ações que vêm sendorealizadas para constituir o acervo dos objetos de educação emciências.2.Amemóriaescolar

Todosvivemosos temposdaescola.E temosmemóriasdesse

período:umdiretorsevero,umprofessorcompreensivo,algumasaulasenfadonhas, as cópias e as repetições sem sentido, os momentos deaprendizagem deliciosos, as aulas marcantes, as traquinagens e ospitos carinhosos da dona fulana, a dona beltrana com suasmanifestações do carinho materno que ensinavam e tambémeducavam, os amigos “para toda vida”, os primeiros olhares tímidosqueenviávamosouquerecebíamosnopátio.

As memórias escolares reproduzem espaços e tempos: quemnão se lembradopátionashorasda entradana escola e do recreio?Quem não se lembra dos cantos onde muitos se refugiavam nasobservações e nos pensamentos tentando entender os seussentimentos e o seu próprio corpo? Quem ainda não guarda namemóriaosomdosinalquecontrolavatodososmovimentos,inclusiveosfisiológicos?Quandonoslembramosdostemposdaescola,aindaépossívelouvirmos,mesmonosilêncio,aenormegritariaqueacontecianosjogosenasbrincadeirasnaquadra.

Normalmente, fazem parte das lembranças os ritmos, osmovimentos,ossaboreseosodores.Émuitocomumque,mesmoapósmuito tempo, ainda estejam namemória o sabor dasmerendas e osaromas das cozinhas escolares onde as “tias” merendeiras faziamdelíciascom(oquehojesupomos)osrarosingredientesculináriosdeque dispunham. É verdade que também havia outros aromas: os

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cheiros do ar saturado das salas de aula; o odor dos insuportáveisdesinfetantesusadosnossanitáriosouoaromadecaféqueexalavadasimpenetráveissalasdosprofessores.Amemórianostransportaparaaescolaquefoi(ouqueaindaé?)emseussimbolismos,emsuaspráticas,emsuasculturas.

Mas a memória não é uma lembrança fugidia ou apenas umsentimento nostálgico que nos emociona ou que nos transporta aopassado.Amemóriapodenosreligarcomalgo,comodesejavaosujeitodescrito na epígrafe por Guimarães Rosa. Parado em frente à casarustica ou solarenga sem história visível seu desejo era se religar àinfância, ao já havido. Não há ali ninguém que possa contar seupassado,nemgenteviva,nemnadaescrito,masháacasarústica,háamaterialidade,háobjetoquepodereligaroagoracomoantes.

As imagens da memória estão relacionadas aos vestígios deumarealidadeousãoconstruçõesdenossaimaginação?Oqueemergena memória são lembranças individuais e intransferíveis ou hámemórias comuns, reconhecíveis por um grupo? Como a escola deagora, com suas sombras e tintas surdas, com seus ritmos, sons eodores,comseusespaçoseseusobjetospodereligarcomo jáhavido,com a infância? Quais as relações entre amaterialidade escolar e asculturasqueformamoquesomos?Seriaútilparaaescoladehojequeessaslembrançasfossemestimuladas?

EmumaobrajáclássicaLeGoff(1996,p.423)chamaaatençãopara os vários campos que se dedicam ao estudo damemória como“propriedade de conservar certas informações”: a psicologia, apsicofisiologia,aneurofisiologia,abiologiaouapsiquiatria.Masse,porumlado,amemóriapode“guardarcertasinformações”,tambémpodepromover sentimentos e estimular a formação de identidadesconstruídas a partir da educação formal ou das experiências comunsvividasnoambienteescolar.

Ainstituiçãoescolar,vistamuitasvezescomoacasarústicadocontodeGuimarãesRosa,semmemóriaesemhistóriavisível,expressasempre um conteúdo simbólico importante. Toda escola tem umahistória, toda escola possui uma materialidade que está associada aumaculturaquedeve serpreservada.Nesse sentido, algunsaspectosdamemória estão relacionados com a necessidade de desconstruir aideiadememóriacomoprocessodearmazenamentoerecuperaçãodeexperiências individuais para pensá-la como um instrumento da

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formação de identidades coletivas. Assim, na sequência, serãodesenvolvidas as ideiasdeque amemória é formadora, amemória écoletivaeamemóriatemconteúdos.3.Amemóriacomo“culturaencarnada”

Uma equipe de estudantes tem a sua frente ummicroscópio.Pelaprimeiravezessesestudantesirãoobservarosmicro-organismosquehabitamumagotade suas salivas.Osestudantesnão irãoverosmicro-organismos, mas observar, discutir, comparar, descrever,registrar,relacionarcomasteoriasdoslivrosdidáticos.Osestudantesirãoexperimentarprocedimentosquedificilmenteseriampossíveisemoutroambientequenãosejaodaescola.

Alguns desses estudantes desenvolverão saberes queextrapolammuito os conceitos científicos ou os fenômenos naturais.Alguns desses estudantes guardarão na memória pelo resto de suasvidasasexperiênciasvivenciadasnaquelemomento,ascaracterísticasdaqueleambiente,osdetalhesdomicroscópio,asimagensobservadasna lâmina. É possível que essa formação seja incorporada e utilizadaem outrosmomentos das suas vidas. Por exemplo, quando o adulto,muitotempodepois, foraumaexposiçãodeartesplásticasoulerumlivro talvez se lembredadiferença fundamental entreverno sentidodeperceberpelavisãoeenxergarcomoumprocessodeconstruçãodesentidos.

Dessaforma,amemórianãoéumarquivodoqualserecuperalembranças,masuma“culturaencarnada”(Escolano,2017,p.201)quenos transforma e que compõe aquilo que somos. Entre outrosexemplos, Agustin Escolano (2017) apresenta padrões decomportamentoquesãoinculcadosnaescola:aatitudequeseassumeno ato da leitura, o gesto da mão no ato da escrita, as formas deexpressãooraleasformasdeusodamatemática.

A esses podem ser somados outros tantos como osrelacionados às relações com outros sujeitos ou com os símbolos danaçãoeàsatitudesemrelaçãoàsciências.Porexemplo,énaescolaquesomos condicionados a ter certos comportamentos em relação àbandeiranacionalouàsautoridades.Énasaulasdeciênciasquesomoslevadosaobservar(enxergar,alémdever)asestrelasouascoresdo

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arco-íris; é na escola que racionalizamos e desenvolvemos certoscomportamentosrespeitososemrelaçãoaomeioambiente.

Em todos esses casos desenvolvemos comportamentos eatitudesquenosacompanhamemnossaformadeserelacionarcomomundo tanto intelectualmente, como fisicamente e todas essassituaçõespodemsermediadaspelamaterialidadequefezpartedessavivência:abandeiradapátria,osuniformesescolaresouosobjetosdeeducaçãoemciências.Eessamaterialidaderemeteaopassado, religaao já havido, transporta aos tempos escolares e nos provoca. ComodescreveGuimarãesRosa:“Infânciaécoisa,coisa?”.

Quem não se lembra com algum orgulho a lição aprendidaquando revê um livro didático antigo emque estudou?Quemnão selembra da aula sobre os seres vivos ao se deparar com o velhomicroscópio? A materialidade pode fazer emergir situações comunsque estavam esquecidas e promover lembranças coletivas eidentidades que sequer imaginávamos que existiam. Os objetosescolares,comoinstrumentosquemediaramessasexperiênciaspodemtrazer a tona essa memória adormecida, esses valores inculcados eessa“culturaencarnada”queestápresente,masemsilêncio.4.Amemóriacoletiva

Osobjetosescolaresorganizadoseexpostospodempromoverumaarticulaçãodacomunidadecomainstituiçãoescolarparaalémdoimaginado.DeacordocomEscolano(2017,p.200)“épossívelque,aoreativar os conteúdos da memória, os sujeitos reflitam sobre asaprendizagenspessoaisecomunitárias,daquelaetapadistantedeseudesenvolvimento escolar, como também sobre as permanências,metamorfosesemudançasoperadasnosmodelosdecultura[...]”.

Voltamos ao laboratório de Biologia. Quais experiênciascomuns podem ser obtidas pelos estudantes com a atividade deobservaçãodosmicrorganismospelomicroscópio?Certamenteessaéumaquestãomuitodifícilderesponder.Emcadacasoumaexperiênciadiferente, em cada cabeça uma intenção, uma motivação, umamemória. O que é certo é que a escola promove situações deaprendizagemque são assimiladas de forma individual,mas tambémcriacomportamentoscomuns.Emoutrostermospodemosdizerque“a

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culturadaescola[...]passouafazerpartedanossamemóriaindividualecoletiva”(Escolano,2017,p.177).

Se,porumladonãosepodesaberqualosignificadoconstruídopor cada sujeito da aula ministrada ou o que a memória de cadaestudante filtroueoquedescartoudaquelemomento,poroutro ladoháaspectosdaorganizaçãoescolarquesãocomunsosquaistodosserecordam quase da mesma forma. Assim, é possível identificaraspectos da vida escolar que são percebidos de forma muitosemelhante pelos sujeitos, tais como: os tempos, os espaços, asfestividades,osjogos,assolenidades,asaulaseosseusobjetos.

Essa memória coletiva forma os sujeitos e também osidentificaepor isso,comoafirmaLeGoff(1996,p.426),éumcampodedisputasna lutapelopoder:“Tornarem-sesenhoresdamemóriaedo esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dosgrupos, dos indivíduos que dominaram e dominam sociedadeshistóricas.Osesquecimentoseossilênciosdahistóriasãoreveladoresdessesmecanismosdemanipulaçãodamemóriacoletiva”.

Esse seria um dos impedimentos para a preservação damemóriaeparaa conservaçãodopatrimônioeducativo? Essepontojustifica o fatodeque a historiografia da educaçãoouosprojetosdepreservação da memória e do patrimônio escolar tenham comoobjetos,principalmente,asescolascriadasparaatendercertosgruposdominantesnasrelaçõesdepoder?

Se essa questão tiver sentido, então os projetos que visam aescrever uma história das escolas de periferia e preservar os seusconteúdos de memória conservando o seu patrimônio cultural têm,além do aspecto acadêmico, também um forte conteúdo político quedeve ser destacado. Como afirmamos desde o inicio, toda escola temuma história que deve ser contada e a suamaterialidade é uma dasfontesdesseconhecimento.

Assim, a valorização do patrimônio escolar torna possíveltransformar as potencialidades da memória em um instrumento deformaçãoedevalorizaçãoda instituição escolar junto à comunidade,de construção de uma memória coletiva e de identidades quecaracterizam as comunidades escolares que passaram pelasinstituições.Eéoaspectodoconteúdodamemóriaqueiremostratarnessaterceirasubseção.

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5.Osconteúdosdamemória

Oprédioinconfundível,opátiocomosbebedouroseacantina,

a biblioteca, as salas de aula, os laboratórios, a bandeira nacional, ostroféus ganhos nos jogos escolares, as placas comemorativas, osobjetos de ensino. Apesar de algumas especificidades, a escola comoinstituição social temse constituído comoumespaçomaisoumenoscomumnassociedadesmodernascomseussignos–lugares,símbolos,ritmos,odores,sabores,objetosetc-quecumpremaomesmotempoasfunçõesformativasformaiseapromoçãodesentidos.

Oespaçoescolar(emesmooseuentorno)contémsignosqueficarão namemória e na formaçãodas identidades.Mas não se podereduzir esteprocessoà relaçãoentreos sujeitos comoespaço físico.Fazempartedessesprocessosdeconstruçãosentidos,porexemplo,ossímbolos, as festas, os odores, os objetos de uso pessoal. E taisprocessospodemserexemplificadospelaanálisededoistrabalhos:umsobreocurrículoeoutrosobreosuniformesescolares.

Oprimeirotrabalhofoirealizadocomestagiáriosdeumcursodeformaçãodeprofessoresetinhacomoobjetivoexperimentaroutrasdimensões – “pessoais, sociais e históricas que não tem a prescriçãocomo fator determinante” (Rosa, Ramos, Corrêa & Almeida, 2011,p.215) -paraaconstruçãodocurrículo.Emumadassituações forampropostasas seguintesquestõesparaosestagiários: “Queodores sãosentidos no ambiente da escola onde se realiza seu estágio? Quememóriassãoacionadasapartirdessesodores?”(Rosa,Ramos,Corrêa&Almeida,2011,pp.206e207).

Os relatos apresentadospelos estagiários revelamquemuitosretinhamnamemórialembrançasdessesentidovividonostemposdaescola.Umdos estagiários descreve que “ao chegar, antesmesmodepassarpeloportão, sentiaquelecheirode terramolhadamisturadaàpoeiradaestradaeaocheirodemato,omesmoodorqueeupercebia,quandoaluna“[...]e,nasaladosprofessores,“umamescladecheirodecafé com fumaça de cigarro” (Rosa, Ramos, Corrêa & Almeida, 2011,p.207)queatransportouparaopassado.

Emoutrocaso,oestagiárioreconheceu3odoresqueofizeramlembrar da escola em que estudou: o do banheiro, o da poeira dabibliotecaeodacantina.Essesrelatosindicamcomo,porexemplo,os

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odores podem ser um dos elementos da constituição dos sujeitos ecomo uma “memória encarnada” pode emergir a partir de algunsestímulospromovendolembrançaseproduzindoidentidades.

Ooutrotrabalhoserefereaosuniformesescolares.Trata-sedeum trabalho no qual a autora procura investigar a sua própriamemóriaescolarincluindoseusafetoseseuprópriocorpo.Otrabalhobuscou compreender quais os sentidos que eram promovidos pelosuniformesescolaresnocontextodaditaturamilitarargentinanofinaldosanosde1970(Dussel,2018).

Aautoraargumentaqueosuniformesescolaresemsociedadesmulticulturais tinham como objetivo “promover identidades ydisciplinar cuerposde formahomogénea” (Dussel, 2018,p.321)eque,emsuaslembranças,eleerausadoparamanteroscorposquietos,umavezquesefossemencontradasmanchasousujeirasnosuniformesqueerambrancoshaviacastigosehumilhaçõespúblicas.Assim,aimagemdosuniformesescolaresdespertaalgumaangústiaapontodeaautoradeclararque“losodiabaaposionadamente”(Dussel,2018,p.322).Paraos objetivos desse texto é suficiente perceber como os objetosescolaresseligamàsmemóriasdossujeitos.

E é com a expressão “os conteúdos da memória” (Escolano,2017, p.186) que Agustin Escolano (2017, p.199) descreveconstruções, espaços e objetos que podem se configurar comoinstrumentos de “mediações-vestígio, que circulava no pequenouniverso da instituição educativa” e que tanto oferecem pistas dosprocessoseducativosedaculturaescolarda instituiçãocomopodem,seconservadosorganizadoseexpostosàcomunidade,fazercomqueaescolasetorneumareferênciadaculturaencarnadaedaformaçãodossujeitosdeumacomunidade.

Assim, embora se reconheça uma “imprecisão da noção de‘lugares de memória’” (Gonçalves, 2012, p.11), as características daescolapermitemqueelasejaidentificadacomo“lugardememória”talcomopropostoporPierreNora(2008).Deacordocomessanoção“oslugares de memória são simultaneamente materiais, simbólicos efuncionais” (Nora, 2008, p.111), tais como se verifica na escola. Porexemplo: omicroscópio usado pela equipe de estudantes na aula deciências tem uma constituição física que precisa ser conservado, umaspecto funcional relacionadoaos conteúdosda ciênciaeumaspectosimbólicoquepromovesentidossobreaciênciaousobreanatureza.

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Oslugaresdememóriaorganizadosnaescolapodemreligar,nosentido que fala Guimarães Rosa na epígrafe desse texto, os sujeitoscomseupassado.Ao indicaraos investigadores4marcosconceituaispara“guiaraleituradosmateriais”AbreuJunior(2005,p.155)ofereceuma pista de possíveis processos que se colocam em movimentoquandoumsujeitoentraemcontatocomobjetosdoseupassado.

Nesse trabalho, Abreu Junior se inspira em elementos daliteratura para descrever como um objeto esquecido ou um sinalimperceptível podem ser percebidos por um olhar dirigido. Entre osmarcos conceituais indicados porAbreu Junior (2005), está o que oautor denomina como o efeito Madeleine em referência à famosapassagemdaobra“Embuscadotempoperdido”naqualProustnarraas lembranças do momento em que após muitos anos degustounovamenteochácombolinhoschamadosmadalenas.

Proustiniciaanarrativaafirmando:

É assim com nosso passado. Trabalho perdidoprocurar evocá-lo, todos os esforços de nossainteligência permanecem inúteis. Ele está oculto,fora do seu domínio e de seu alcance, em algumobjeto material (na sensação que nos daria esseobjeto material) que nós nem suspeitamos. Esseobjeto, só do acaso depende que o encontremosantes demorrer, ou que não o encontremos nunca(Proust,1990,p.48).

Se,porumlado,talvezsejaumexageroafirmarqueamemória

não pode ser evocada pela inteligência, por outro lado reconhece-seque os objetos podem estimular os sentidos da memória. E essasensação pode ocorrer por acaso, quando por acidente nosdefrontamoscomalgumobjetodopassado,oupodeserestimuladanossujeitosquepassarampelaescolanocontatocomoambienteecomosobjetos escolares. Abreu Junior (2005, p.155) descreve essa situaçãocomoummomentodedescoberta.

Trata-se da “sensação que nos daria esse objetomaterial”,aoprovocaremnósimpressõesoscilantesque, num instante, parecem muito fortes e

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significativas,mas,nomomentoseguinte,tornam-sevagaseseesvanecem.Entretanto,ficaumasensaçãoincômoda de que perdemos algo de importantenessa impossibilidade de rememoração não só defatos,masatédelugaresquefizerampartedenossavida[...]

Porquenãoexploraressapossibilidadenasescolaseprovocaruma inquietação e uma aproximação dos sujeitos com a instituiçãoescolar?O resgate de objetos pode representar uma aproximação dacomunidade coma escola, uma reaproximação e um reconhecimentodopapeldainstituiçãonoprocessodeconstruçãodeumaidentidade.

Paraissoénecessário,quasesempre,umtrabalhoarqueológiconassalasdedespejo,nasgavetasesquecidasenoschamados“arquivosmortos”.Oinventárioeaorganizaçãodeobjetosesquecidosoferecemapossibilidadedodespertardeumsentimentodeafetopelainstituiçãoeuminstrumentodeapoiopedagógicoedevalorizaçãodaescola.

É reconhecidoque “ocontatocomumasituaçãomuseográficapode suscitar a recuperação, por parte dos sujeitos, de imagensrelacionadasàssuasvivênciasescolares”(Escolano,2017,p.223).Paraisso é preciso entender que “os restos da escola são, pois,materialidadescommemória”(Escolano,2017,p.227)equeocontatocom os objetos pode suscitar várias emoções, sentimentos einformaçõesindiciáriassobreopassadoeaculturaproduzidanaqueleespaço.

Emresumo,éprecisorecuperarosconteúdosdamemóriaparareligar os sujeitos à escola e torna-las referências culturais de suascomunidades.Todasasescolastêmumahistória,todasasinstituiçõesescolarestêmumamemória,têmumaculturaetêmumamaterialidadequepodeedeveserconservadaeutilizadaembenefíciodaeducação,da instituição escolar e da possibilitar de que a comunidade possacontarasuaprópriahistória.

Napróximaseçãoserãoapresentadasascaracterísticasdeumainstituição escolar descritas, em parte, a partir da interpretação doacervo fotográfico. As fotografias e outras materialidades da escolaestãosendoobjetodeemprocessodeconservaçãoqueestánoâmbitodas ações do projeto de pesquisa-ação intitulado “Formaçãoprofissional de professores e gestão democrática: uma parceria

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universidade-escola para a melhoria do ensino público” (ProcessoFapespn.2019/24592-0)quetementreseuseixosdeaçãooresgatedamemóriaescolareaconservaçãodaculturamaterial.6.Aescolaesuasmarcas

A Escola Estadual Raul Saddi está situada na periferia domunicípiodeDiadema,SPedesdeasuainauguraçãoestevevinculadaàSecretariaEstadualdaEducaçãodoEstadodeSãoPauloeàDiretoriade Ensino deDiadema. Em sua trajetória essa instituição já ofereceudiversas modalidades de ensino como a etapa II do EnsinoFundamentaleaEducaçãodeJovenseAdultos.

Aescolafoicriadaem1962(Decreton.41.106,1962)naregiãoqueeradenominadaporJardimLuso.Odecretodispõesobreacriaçãodos grupos escolares de segundo (2º) estágios com seis classes,medianteaanexaçãodas1ª,2ª.3ªe4ªséries,deacordocomomodelodesériesgraduadasquevigorounainstruçãopúblicanoBrasildesdeofinaldoséculoXIX(Baduy&Ribeiro,2020).

Desdea implantaçãodaRepública,em1889,anecessidadedeinstruçãodapopulação,quenasuamaioriaeraanalfabeta,mobilizouaconstrução de espaços de instrução escolar que aos poucos foireunindo as escolas isoladas. Esse movimento que ocorreu primeiroemSãoPauloedepoisemoutrosestadosdopaísdeuorigemaocursoprimárioorganizadoporfaixaetária(Baduy&Ribeiro,2020).

Osprimeirosprédiosdosgruposescolaresforamconcebidoseconstruídos de formamonumental a partir de plantas padronizadas,mas que levava em conta a quantidade de alunos. Em geral essesprédiospossuíam4,6ou8salas,comvariaçãonasfachadas,edificadasem tornode umpátio central e ummuro separandoosmeninos dasmeninas.

Eramprevistosumoudoispavimentoscontendoabiblioteca,omuseuescolar,asaladosprofessoreseaadministração(Faria&Vidal,2000)queeramprovidoscommuitosobjetosparaváriasfinalidades:administrativos, como móveis e materiais de registro; simbólicos,como bandeiras, bustos, flamulas etc; pedagógicos, como osmanuaisde ensino, os globos, os materiais esportivos e os materiais para oensinodas ciências.Naviradados séculosXIX/XXera comumqueasescolas tivessem em seus acervos grande quantidade de objetos de

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ciências importados de fornecedores franceses e alemães, mas, pormuitosmotivos,essasituaçãofoisetransformandoaolongodoséculoXX.

NoiníciodoséculoXXoprojetoestético,cultural,ideológicodanova sociedade republicana promoveu a construção dos prédiosescolares cercada de muitos cuidados como, por exemplo, oscorredoresamplos,opé-direitoalto,asjanelaseasportasgrandiosasea localização privilegiada, normalmente nas praças centrais doscentrosurbanos.(Theodoro,S/D).OsgruposescolaresnoBrasilforamimportantes para a difusão dos valores republicanos e, ainda hoje, épossívelencontraremsuasarquiteturasouemseusacervossímbolosde uma educação que procurava, através das práticas pedagógicasprescritas ou dos atos simbólicos, valorizar a formação do cidadãointegradonasociedadeurbanaecapitalista.

Nos anos de 1930, em virtude dos movimentos culturais de1922 e das mudanças propostas pela escola nova, houve umamodificaçãonaconcepçãodosedifíciosescolares.Apartirdasdécadasde 1950 e 1960 foram intensificadas as construções de edifíciosescolarescomumaarquiteturamais simplesebarata.Aexpansãodonúmerodeescolasocorreu,porumlado,emvirtudedasmudançasnaconcepção sobre os espaços escolares que primava por prédiosintencionalmente construídos para desenvolver uma educação ágil,eficaz e prática e, por outro lado, pela demanda social advinda doaumentocrescentedapopulaçãourbanaedaindustrialização.

Além disso, nessa época havia um movimento em prol daalfabetizaçãode jovense adultosedaexpansãodeescolasdeensinoprimário, pautado em concepções que percebiam na educação e naindustrialização a possibilidade de desenvolvimento do país e aascendência na camada social (Colese & Lima, 2010). Foi nessecontexto de crescente urbanização devido à migração e à explosãodemográfica na região do ABCD paulista e de demanda social pelacriação de uma instituição escolar que foi criada a Escola do JardimLuso, hoje denominada Escola Estadual Raul Saddi, no município deDiademanoEstadodeSãoPaulo.

No início dos anos de 1960, a região onde a escola foiconstruída era relativamente desabitada e distante do centro dacidade.Oprédioda escola apresentavaumaarquitetura simples comumúnicopavimentoeumaquantidadereduzidadesalas. Nadécada

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de1980oprédiopassouporampliaçãoeatualmentepossuinovesalasde aula, uma sala de tecnologia e multimídia, uma sala para osprofessores,umasalaparaaadministraçãosubdivididaemsecretaria,gerência, direção e coordenação, uma quadra para esportes, umacozinha,opátioecincobanheiros,sendoumparaasmeninas,umparaos meninos, um unissex adaptado para pessoas portadoras dedeficiênciafísicaedoisadministrativos,umparamulhereseoutroparaos homens. Uma nova ampliação ocorreu nos anos de 1990,documentadapormeiodaplantapara a construçãoda residênciadozelador.

Muitas gerações estudaram na escola e esse ciclo vem serepetindo com o retorno dos filhos, netos e bisnetos. A comunidadeestá presente no cotidiano escolar participando da organização deinúmerasaçõesecontribuindocomaformaçãodemilharesdepessoasqueresidemnoseuentorno.Essemovimentoestárelativamentebemdocumentado em imagens do seu acervo fotográfico que possuiaproximadamente 970 fotografias físicas referentes ao período de1982 a 2006 e outro conjunto de imagens em suporte digitalregistradasapósoanode2006.

O uso das imagens como fontes documentais permitiramidentificar marcas e vestígios das práticas culturais realizadas nainstituição e alguns aspectos das concepções ideológicas quenortearam essas práticas. Para isso foi usado o método da análisecrítica e da descrição das imagens. Inicialmente, as imagensfotográficas foram agrupadas em três categorias: os protagonistas,divididosemdocentes,discentesevisitantes;asatividadesprescritasno currículo oficial, desenvolvidas nas salas de aula ou na quadrapoliesportiva;outrasatividades,comofestas,cerimôniasdeformatura,desfiles cívicos, ações de conscientização ambiental, atividades depromoçãodeumestilodevidasaudáveleasaçõesdeinclusão.

Emseguidaestãosendofeitasasanálisesapartirdasnoçõesdeimagem/documento, ou seja, aquela que apresenta relações comalguma característica ou representação da realidade e imagem-monumento,querepresentaumsímboloestabelecidonopassadoaserlembrado no futuro (Le Goff, 2003, pp.537-538). As interpretaçõestambém vêm se valendo da proposição de que a fotografia pode serinterpretadaapartirdeumaprimeira realidade constituídapeloquefoi registrado e uma segunda realidade elaborada pelas inúmeras

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interpretações que podem divergir do real que foi registrado pelofotógrafo(Kossoy,2014). Asimagensindicamgrandeenvolvimentodacomunidadecomaescola.Nelasseobservadesdeapresençadediversosservidoresquetrabalham atualmente na instituição e que são oriundos dacomunidade até o reconhecimento de alguns ex-alunos que aindamantém alguma ligação com a escola e permanecem prestandoserviços,algunshámaisdeduasdécadas.

Ovínculodaescolacomossujeitostornaoambientepropíciopara acolhimento das demandas sociais e para desenvolvimento deprojetos de ensino-aprendizagem, de inclusão escolar, de esportes ecultura.Asfotografiasindicamtambémumgrandeenvolvimentocomoutros tipos de atividades como as paradas ambientais, os desfilescívicos e as festas tradicionais como, por exemplo, as festas juninas(Figura1)quesempreforambastanteprestigiadas.

Figura1.Festajuninade1991

Fonte:Acervofotográficodaescola.

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O acervo fotográfico é um patrimônio material que indica aspráticas culturais desenvolvidas na instituição e tem o potencial deresgatarasmemóriaseaproximarossujeitosdaescola.Sendoassim,as imagens fotográficas podem ser concebidas tanto como umpatrimônio cultural da escola como fontes documentais para oreconhecimento de materiais do acervo da escola que foram usadosnaspráticasdeeducaçãofísicaenasaulasdeciênciasnopassado.

Atualmente todas as salas de aulas possuem um armáriocolorido com materiais de uso coletivo - ábacos, tangram, sólidosgeométricos, letras móveis, material dourado, tampinhas, palitos,quebra-cabeça, jogo da memória, rádios etc – que participam doprocesso educativo e que se constituem em elementos da culturamaterial escolar. Os recursos pedagógicos da disciplina de educaçãofísica incluemaquadraesportivae elementosdanatureza como,porexemplo,asárvoreseojardim.

Entreosobjetosque compõeamaterialidadedaescolaestão:aparelho de som, bolas oficiais para o ensino de esportes e bolas deborracha, bolinhas de tênis de quadra e de mesa, barreiras infantis,tatames, cones, cordas, bastões, raquetes de badminton, raquetes defrescobol.Há tambémoutros objetosnão convencionais comopneus,arcosconstruídos,pédelata,pernadepau,jogosdetabuleiro-jogodedamaejogodexadrez–quecaracterizamasaçõesdaescolaeincutemnos estudantes uma cultura escolar própria. Entre esses objetos háalgunsquenãosãomaisusadosnasatividadespedagógicasequeestãosendoselecionadosparacomporumlugardememóriadasatividadesfísicasdaescola.

Oacervofotográficoindicaquenopassadoaescolaatendeuasexigências civis e sociais, compartilhando do mesmo trabalho e daspropostaseducacionaisquepermitiramaampliaçãodosconteúdosdeeducação física para além dos esportes com novas abordagenseducacionaisparaessadisciplinacompropostasdemaiorinclusão.Háinúmeras imagens que indicam as práticas realizadas na escola. Porexemplo,aFigura2mostraumjogodefutebolpraticadocommeninosemeninasdemãosdadasnaquadradaescola.Trata-sedeumjogoemduplas.

Ofuteboldecasaisfezpartedasaulasdaspropostasnasquaisse procurava desenvolver atividades lúdicas e cooperativas para adisciplina de Educação Física. Porém, a abordagem dos jogos

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cooperativos “parece não se ter aprofundado, como deveria, nasanálises sociológicas e filosóficas subjacentes à construção de ummodeloeducacionalvoltadoparaacooperação”(Darido,2003,p.27).Apesar disso, tanto os espaços como os objetos dessa práticapedagógica compuseram elementos sígnicos de grande importância,identificadoseinterpretadosatravésdasimagensfotográficas.

Figura2.JogodefutebolemduplasFonte:Acervofotográficodaescola.

Ao longo do tempo a escola foi adquirindo outros objetos. O

parque infantil é um local bastante apreciado pelos alunos e pelacomunidade.Ficaemfrenteàescoladoladoopostoao jardim,possuibalanço, escorregador espaço para dependurar e subir. É um localcoloridoepossibilitaasocialização,obrincardelivreescolha,trazendobenefíciosvisíveiseodesenvolvimentodehabilidadesmotoras.Assim,amaterialidadedaescolacooperaparaformaçãodasidentidades.

Partedessamaterialidadeéatual,masháobjetosmaisantigosquevêmpassandoporumprocessodereconhecimentoeidentificaçãopara se constituir em uma fonte de conteúdos da memória. É nesseambientemediadoporessesobjetosque se identificaapossibilidade

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do fortalecimento do sentimento de pertencimento dos sujeitos dacomunidadeescolaredaemergênciadeumamemóriacoletiva.

Nesse sentido, o projeto de conservação da cultura materialescolarqueestáemdesenvolvimentosecolocacomomaisumaaçãodepreservaçãodamemóriadaeducaçãoedeconstruçãodaidentidadedeum grupo social bastante específico. Na próxima seção serãoapresentados os resultados desse projeto que tem como objetivo emumaprimeirafaseaconservaçãodosobjetosdeensinodeciênciasdaEscolaEstadualRaulSaddi.

Na seção será discutido inicialmente o conceito de culturamaterial escolar e posteriormente serão apresentados os objetos deensinodeciênciasqueirãocomporopatrimônioeducativodestaáreadoconhecimentonessaescola.7.Caminhandopelaescola,descobrindoosobjetos7.1.Aculturamaterialescolar

QuandosecaminhapelacalçadadaEscolaEstadualRaulSaddiépossívelvisualizarárvoresenfeitandoafachada,carrosestacionados,vasosdeplantasfeitoscompneus,entreoutroselementos.Oacessoàescolapodefeitoporumaescadacentralouporumarampanalateral.Ascoresazul,verdeeamarelonafachadadaescolasãoumamarcadanacionalidade.Hámuitacorportodapartesejanasportasdassalasdeaula, na fachada ou nos brinquedos. A materialidade da escola dizmuitosobreopúblicoqueelaatendeesobreaspráticasqueocorrememseusespaços.

Apósoportãoprincipal,àdireita,háoutroportãoverdequedáacesso ao parquinho onde existem brinquedos muito coloridos -escorregador, balanços e gangorras -, alguns carregam as cores dabandeiranacional.Nesseespaçoépossívelouvirosruídos,astrocaseas risadas daquele momento nos quais se brinca, mas também seaprende.Osartefatosdizemmuitosobrequeminteragenesseespaço,essamaterialidadeécaracterísticadeumaescoladeeducaçãoinfantil.

Aculturamaterialescolarcompreendetodososmateriaisquepertencem à escola. Podem-se dividir esses elementos em artefatosfixos e artefatos móveis, os mesmos estão inter-relacionados. Oartefato fixoéa suaestrutura física,oedifício, jáosartefatosmóveis

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sãoomobiliárioescolar,osmateriaisescolares,osrecursosdidáticos,as fotografias, os instrumentos de laboratório, os brinquedos, osinstrumentosmusicaisentreoutros.

A materialidade da escola é um tipo de registro da culturaempíricadosespaçoseducativos,quediferedaacadêmicaedapolítica.Pode ser reconhecida como o expoente perceptível e, depois de sualeitura, como uma fonte que produz significados (Escolano, 2010). Aculturamaterial é, por causa disto, estimadapela nova historiografiadaeducaçãocomoumafontedeinformaçãorelevanteparaconheceropassado da escola nas dimensões da prática e do discurso. Nessasmaterialidades estão impressas algumas marcas das práticaspedagógicas desenvolvidas na escola que possibilitam interpretar osdiscursoseasaproximaçõesteóricasquegeriramseudesenhoeseusempregos(Escolano,2010).

Essevalordadoàsfontesmateriaisdahistóriadaescolarefleteumaviradaepistêmicanapráticahistoriográficaenoreconhecimentodaculturamaterialescolarcomoumpatrimônioculturalquedeveserpreservado. Isso se justifica pelo fato de que a investigação históricapassouaintegraremseusobjetosdeestudoaspráticaspedagógicaseavidacotidianaescolar.

Emconsequênciadessaviradaepistêmicaosobjetosescolaresganharamumaimportânciaqueelesnãodispunham(Escolano,2010)resultando em uma maior atenção aos processos de conservação,incluindoaseleção,alimpeza,aidentificação,oregistroeaguardadosmateriais(Meloni&Granato,2014).

Amaterialidadedecadaescolaé frutodeumprocesso,poisainstituição escolar vai adquirindo os objetos ao longo do tempo pormeio de compras e doações e pela ação de professores que muitasvezes osproduzem.Mas tambémháo consumodessematerial pelosusos oupelas perdas e, assim, a culturamaterial é dinâmica e vai semodificando ao longo do tempo por meio de cada material que éacrescentadoouperdido.

Aculturamaterialdeumaescolaestárelacionadatambémcomo ensino realizado nesse espaço. As práticas realizadas nesse âmbitodizem muito sobre os jeitos e os objetivos da aprendizagem. Amaterialidade de uma escola de ensino fundamental I, por exemplo,tem a tendência a ser mais voltada aos materiais lúdicos. Em umaescoladeensinomédioosobjetos já sãooutrose seususos também,

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pois a finalidade pedagógica é diferente. Dessa maneira, toda escolapossuiumaculturamaterialquelheéprópria.7.2.Aculturamaterialdoensinodeciências

Entreamaterialidadedaescolaestãoosobjetosdeensinode

ciências. Na Escola Estadual Raul Saddi foram encontrados até omomento6placasdePetri,2provetasdevidro,4provetasdeplástico,3béqueres,181tubosdeensaio,13pipetas,7balanças,entreasquaisaqueestárepresentadanaFigura3,5 funis,2 lentesdivergentese1estereoscópiobinocular(Figura4).

Como o projeto está em desenvolvimento, ainda hápossibilidadedeseencontrarmaisobjetos,umavezqueháespaçosnaescolaqueaindaprecisamser investigadoscommaisatençãoou,naspalavras de Abreu Junior (2005, p.153), serem olhados com umaatitudedeestranhamento,ouseja,comum“esforçoparanostirardaautomatizaçãoaquesomoslevados,pelaforçadohábito”.

Figura3.Balança

Fonte:Arquivodaautora.

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Figura4.EstereoscópioBinocular

Fonte:Arquivodaautora.

Há uma quantidade considerável de instrumentos delaboratório na escola e esses objetos apresentam um bom estado deconservação. As vidrarias estão praticamente intactas e há algumasplacas de Petri ainda na embalagem, o que sugere que, se em algummomentoaescolaadquiriumuitosobjetos, éprovávelqueousonãotenhasidomuitointenso.

É possível imaginar os experimentos que podem ter ocorridocom alguns desses objetos, as reflexões despertadas nasmentes dascrianças,oolhardecuriosidade,oolhardeespantoaodescobrirumanovainformação,ashipóteseslevantadasemsaladeaulaaorealizarosexperimentos, entre outros acontecimentos. Sendo assim, olevantamento da cultura material, as ações de conservação e aorganizaçãodeumlugardememórianaescolapoderãocolaborarparaa análise das práticas pedagógicas já realizadas e o ensino naatualidadeapartirdousocontroladodoacervo.

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Além das vidrarias, foram encontrados 1 corpo anatômico(Figura 5), 1 esqueleto (Figura 6), 1 arcada dentária (Figura 7) e 25banners com as temáticas de ciências (Figura 8). As marcas de usonesses objetos são mais evidentes, indicando que foram objetos depráticas pedagógicas e, consequentemente, que participaram damediaçãodosprocessoseducativosentreosprofessoreseascrianças.

Foto5.Corpoanatômico

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Fonte:Arquivodaautora.

Foto6.Esqueleto

Fonte:Arquivodaautora.

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Figura7.ArcadadentáriaFonte:Arquivodaautora.

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Figura8.Banner

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Fonte:Arquivodaautora.

Há marcas de caneta vermelha e de lápis e a cor de algunsdessesobjetos se encontradesbotada.Háváriaspossibilidades sobrecomo eles eram manuseados e utilizados. As marcas que elesapresentam falariam sobre as práticas executadas com os mesmos?Uma fonte importante para essa investigação são as inúmerasfotografias que trazem alguns aspectos relacionados ao ensino deciências que poderão complementar as informações obtidas pelaanálise direta dos objetos. A organização de um “lugar dememória”específicodoensinodeciênciasnaescolacomosobjetoseasimagensencontradas poderá estimular amemória dos sujeitos que passaramporessaescolaefazercomquereconheçamnaquelesobjetosantigosmomentosdeaprendizagem.

A partir domomentoque sujeitos entramem contato comosobjetos,essespodemcontarumahistória.Osobjetoscarregamemsuaestrutura física as representações da sua funcionalidade e os signosque promovem para os que os tocaram, para os que vivenciaram asexperiências, os sentimentos e as sensações causadas pelas aulas deciências.

Ariquezademateriaisdaescolaégrande,porémmuitossãoosdesafiosenfrentadosparaqueessaculturamaterialsejamantida.Emgeral,essesobjetosrecebemaatençãodevida,por issoa importânciadesse projeto que procura fazer com que os objetos não caiam noesquecimentoousejamdescartados.8.Algumaspalavrasfinais

Embora a Constituição da República Federativa do Brasil emseu artigo 216 estabeleça que “constituem patrimônio culturalbrasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomadosindividualmente ou em conjunto, portadores de referência àidentidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores dasociedadebrasileira”, ainda émuito comumque instituições quenãotenhamumaligaçãocomosgrupossociaisdominanteseseusobjetos

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culturaisnãorecebamaatençãodevidanemdopoderpúblicoenemdaacademia.

Nocasodasinstituiçõesdeensino,osprojetosdeconservaçãodepatrimônioede investigaçãohistórica seconcentram,geralmente,nas instituições e nos objetos icônicos. Normalmente, as instituiçõesquerecebemmaioratençãoestãolocalizadasnoscentrosdasgrandescidadeseosobjetosouforamadquiridosháalgumasdezenasdeanosoupossuemumaestéticaquechamaatençãodosinvestigadores.

No projeto que vem sendo desenvolvido na Escola EstadualRaulSaddihouveaquebradessesdoisparadigmas.Emprimeirolugar,essa instituição escolar está localizada na periferia do município deDiadema e atende, principalmente, uma população de maiorvulnerabilidadesocial.Emsegundolugar,oprojetotemsededicadoainvestigar o potencialmuseológico demateriais que, geralmente, sãovistoscomosucatassemimportância,comoosobjetosdeensino.

Ahipótesequemotivouessetrabalhoéadequeaescolaéumaprodutora enão reprodutorade cultura, permeável ao seu ambiente,mas também disseminadora dessa cultura. Além disso, partiu-se dapossibilidade de que esse processo está relacionado também com amaterialidadedaescolaque,situadaemumcontextoemediadoradepráticas pedagógicas, possui um conteúdo simbólico importante naproduçãodessacultura.Investiu-se,portanto,napossibilidadedequeos sujeitos que passaram pela Escola Estadual Raul Saddi tenhamestabelecido certa identidade que foi mediada, em muitas situações,pelosobjetospedagógicos.

Namedidaemqueoprojeto foi sendodesenvolvido,oqueseobservouéquemuitosmateriaisquenãoeramnotadosemfunçãodasatividadesrotineiras,passaramachamaraatençãodospesquisadoresedealgunsantigosestudantesqueaindacirculampelaescola.Oolharmotivado pelo “estranhamento” em relação ao rotineiro mobilizoualgumaspessoasanotaraquiloqueestavadiantedosolhos,masnãoerapercebido.Amotivaçãoparaacompreensãodasfinalidadesoudosusos de alguns objetos aguçou os olhares a enxergarmarcas de usoondeantessóseviamanchas,defeitos,problemas.

Aanálisedoconjuntode fotografiasdespertou lembrançasdevelhos amigos ou de antigas práticas pedagógicas e revelou aspotencialidadesdessamaterialidadeparaamobilizaçãodememóriascoletivas que estavam adormecidas. E como as imagens fotográficas

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correspondem ao tempo de atuação de alguns membros dacomunidade escolar, o trabalho tem despertado um sentimentoidentitáriovinculadoàsexperiências sociaisqueremetemàmemóriacoletiva.

Portanto,nosdoiscasos(adescobertadosobjetosesquecidosea retomada das antigas fotografias), foi possível perceber apotencialidade dos objetos para a mobilização dos conteúdos damemóriae,portanto,daimportânciadatransformaçãodoconjuntodemateriais em objetos de cultura, selecionados, identificados eanalisados. Esse patrimônio escolar possui um significado muitoimportante para aquela comunidade, pois se trata de umamaterialidade que contribui para a formação das identidades, para oreconhecimento de pertencimento a um grupo social e para avalorizaçãodaescolacomoreferênciaculturaldaquelaregião.

Aindarestamuitoaserfeitocomo,porexemplo,compreendermelhorasfinalidadesdaspráticasescolareseopapeldamaterialidadena mediação entre o professor e os estudantes. No entanto, osresultadosqueforamobtidosatéomomentopermitemafirmarqueaorganização de um lugar de memória, seja na forma de um museuescolar ou uma “coleção visitável” (Lei n. 11.904, 2009) será muitoimportantetantoparacomunidade,quantoparainstituiçãoescolar.ReferênciasAbreu, L. M., Jr. (2005). Aprontamentos para uma metodologia emculturamaterialescolar.Pro-Posições,16(1/46),145-164.Baduy, M. & Ribeiro, B. (2020). Origens do grupo escolar e amodernização(educacional)noBrasil.Intercursos,19(1),5-17.Colese,A.&Lima,M.F.(2010).Omovimentodaeducaçãopopularnasdécadasde1950e1960.In:AnaisISemináriodePedagogiaUnicentro.EducaçãoePráticapedagógica.Paraná,Brasil.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Recuperadode: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-outubro-1988-322142-publicacaooriginal-1-pl.html.

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FEITOÀMÃO:MUSEUDOQUILOMBODOIPIRANGA,

CONDE,PARAÍBA,BRASIL,COMOPATRIMÔNIOCOMUNITÁRIO

RobsonXavierdaCosta

UniversidadeFederaldaParaíba,Brasilhttps://orcid.org/0000-0003-3012-3741

1.Notasintrodutórias

Esse ensaio apresenta um tom de narrativa e descrição dememórias,denossasvivênciascomacomunidadedoNovoQuilombodo Ipiranga, Gurugi, Conde, Paraíba. Desde 2012 temos frequentadoperiodicamenteasatividadesdacomunidade,sejanosdiasdococoderoda,abertosaopúblicoemgeral,nosquaischegamosalevarturmasde estudantes de artes visuais da Universidade Federal da Paraíba(UFPB),ouemencontrosdeumgrupodeamigosdacomunidade,ondecostumávamos visitar periodicamente o quilombo, em datascomemorativas e nas reuniões dos aniversários da Mestra AnaRodrigues, com atividades festivas e de imersão, com os grupossentados a sombra de uma enormemangueira no quintal da casa damestra.

Ao retomar essas memórias, temos a concepção que aslembranças não são descrições exatas do passado e simreinterpretações das vivências a partir da concepção dos autores,representando as memórias coletivas (Halbwachs, 1990 [1950]). Aaproximação com a comunidade favoreceu o desenvolvimento destetexto, por nos colocar no lugar de interlocutores e de pesquisadoresdasartesvisuais,interessadosnouniversodosmuseus,namuseologiasocial, no seu potencial educativo e na produção cultural daComunidadeQuilomboladoIpiranga.

Nesta investigação objetivamos analisar o Museu QuilomboladoIpirangacomomuseucomunitário,pormeiodepesquisaqualitativa(Guerra, 2014) com estudo de caso (Yin, 2001). Trabalhamos comnarrativas de memórias, revisão bibliográfica e fontes imagéticas, apartirdasvisitasevivênciasjuntoaomuseueacomunidade.

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A Comunidade Quilombola do Ipiranga, está localizada nodistritodoGurugi,municípiodoConde,estadodaParaíba,Brasil,onderesidem,hámaisde200anos,umamédiade127famíliasdescencentesde quilombolas. Segundo o laudo antropológico feito pelo INCRA, oprimeiroregistrodenascimentodacomunidadedatadecercade200anosatrás,oquilomboobtevecertidãodeautorreconhecimento,comocomunidade remanescente de quilombolas, emitida pela FundaçãoCultural de Palmares (FCP), em 08 de setembro de 2006. Acomunidade foi formada por descendentes de escravizados oriundosdos estadosdePernambuco,Alagoas e Sergipe. “Oatual territóriodomunicípiodoCondefoinoséculoXVIIasesmariadaaldeiadosíndiosda Jacoca, formadapor caboclos de língua geral. Em1822, ocorreu asuspensãodedoaçõesdesesmariasporD.PedroI”(Almeida,2016).

O também chamado Novo Quilombo do Ipiranga consiste emumaregiãoquefoihabitadapornaçõesindígenasTabajaras,expulsospelos colonizadores europeus, posteriormente ocupada pelosescravizadosfugitivos,queformaramumquilombo,entreovaledoRioGurugiedoRioGramame,municípiodoConde, litoralsuldaParaíba.Hámaisdequatrogerações,essaregiãoéhabitadapelosdescendentesde escravizados. Inserida como comunidade quilombola a partir dodecretonº7.352,de4denovembrode2010,apartirdasalteraçõesnadefiniçãode“populaçõesdocampo”,quecompreendem(Silva,2017,p.51):

População do campo: os agricultores familiares, osextrativistas, os pescadores artesanais, osribeirinhos, os assentados e acampados da reformaagrária, os trabalhadores assalariados rurais, osquilombolas, os caiçaras, os povos da floresta, oscaboclos e outros que produzem suas condiçõesmateriaisdeexistênciaapartirdotrabalhonomeiorural.(Decretonº7.352,Art.1º,§1º,I,2010,s/p).

Comopopulaçãoquilombolaecomumafortetradiçãodococo

de roda, dançado na comunidade há mais de 200 anos,tradicionalmente liderada pela Família Rodrigues do Nascimento,liderada atualmente pela Mestra Ana Lúcia Nascimento, que batalhacotidianamente para manter vivas suas tradições culturais. A

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comunidade é popularmente conhecida pela festa do coco de roda,realizada no último sábado de cada mês, reunindo brincantes dacomunidade e convidados, bem como, visitantes de todo o estado.Desde2019acomunidadeganhouumterrenonasproximidadeseestáorganizandomutirõese campanhasdedoaçõesparaconstruira sededo coco de roda do Ipiranga, objetivando ampliar os públicosvisitantes,integrandocadavezmaisacomunidadedoentorno.

De acordo com osmembros do grupo, o coco do Ipiranga foimarcado por dois momentos: o coco antigo e o novo quilombo.Inicialmente o coco era uma brincadeira entre vizinhos e parentes,amigos das comunidades vizinhas como Gurugi, Mituaçu e Paratibe,que se reuniam para comemorar as festas do calendário católico,organizadas peloMestre Luis de França, com seu falecimento o cocoenfraqueceu. O coco foi revitalizado após o “novo quilombo doIpiranga”, após a comunidade receber a certidão deautorreconhecimento em 2006, o coco de roda serviu comoinstrumentopolíticoepassouaserchamadode“coconovoquilombo”,passando a absorver a participação de crianças e jovens dacomunidade,atraindoumamédiade300visitantesmês(Silva,2017).

O termo coco designa assim ao mesmo tempo umritmo e uma dança. Dessas duas vertentes derivamcombinaçõesdeelementos,dandoorigensa grandevariedadedecocosexistentes.Entreasvariaçõesdecocoencontradasnodecorrerdestapesquisa, estãocatalogadas:ococoderoda,cocodeembolada,cocodezambê,cocodelinha,cocosolto,cocovirado,cocodeengenho,cocopraieiroecocodosertão.(Barreto,2017,p.22).

O conjunto de ações da comunidade formam um complexo

cultural, onde além do coco de roda, uma das ações centrais foi acriaçãodo“MuseuQuilomboladoIpiranga”,apartirdamanutençãodeumaantigacasadetaipadacomunidade,residênciadamãedaMestreAnaRodrigues,comquatrocômodos,chãodeterrabatida,restauradapelosmoradoresetransformadaemsededomuseu.Alémdococoderodaedomuseu,existenacomunidadeaproduçãodebiojóias,venda

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deprodutosdaagriculturafamiliar,caminhadasecológicaseofícioderezadeiras.

(...) Ancestralmente os territórios da Posse deGurugy e do Sítio Piranga eram “uma terra só”. Osmoradores mais antigos afirmam que, por estaremilhados,naspossesdoantigoPiranganãohaviaterrasuficienteparaplantar.Dessemodo,seushabitantesplantavam nas áreas que correspondiam à vastaextensão de terras que compreendia a Posse doGurugy. (...) No caso da comunidade quilombolaIpiranga a apropriação e valorização desse espaçoestá vinculada a reprodução social do grupo. Issoocorre pois seus habitantes são agricultores quevivem da terra, do que produzem nela. Portanto,além da conotaçãomaterial, o território possui umaspectosimbólico.Ousoeaapropriaçãoancestraldaterra inspirounogrupoestudadouma identificaçãodiferenciadacomoseuterritório.(Almeida,2016,p.5).

Em relação aos seus direitos humanos a Comunidade

Quilombola do Ipiranga foi por muito tempo desprovida dos seusdireitos fundamentais, apresentando um passado de colonização eexploraçãodemãodeobra,alutapeloreconhecimentoeafirmaçãodoseu patrimônio cultural é um ato de afirmação e resiliência,engrossando o caldo da luta das populações negras quilombolas emtodoopaís,levandoaregulamentaçãodassuaaçõeseposseterritorial.

OArtigo 68 doAto dasDisposições ConstitucionaisTransitórias(ADCT)quegarante“aosremanescentesdas comunidades dos quilombos que estejamocupando suas terras é reconhecida à propriedadedefinitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulosrespectivos”(...)noArtigo68doADCT,alegislaçãoarespeito das comunidades quilombolas toma comobaseoDecreton°4.887,de20denovembrode2003,queregulamentaoprocedimentoparaidentificação,

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reconhecimento,delimitação,demarcaçãoetitulaçãodas terras ocupadas por remanescentes dascomunidades dos quilombos. (...)De acordo comasinformações da Fundação Cultural Palmares (FCP)existem hoje no Brasil mais de 2.000 comunidadesautorreconhecidas quilombolas no Brasil. Destetotal, mais de 1.500 estão localizadas na regiãoNordeste.Acomunidadequilombolaanalisadanesteartigo compõe uma das 37 autorreconhecidas ecertificadasnoestadodaParaíba.(Almeida,2016,p.1-2).

AdimensãosimbólicaeculturaldaComunidadeQuilombolado

Ipirangaestánocentrodalutasocialemobilizaçãopolíticapelodireitoa terra, a cultura comoenfrentamentoe resiliência.Amobilizaçãodacomunidade por meio de uma associação foi fundamental para queseus direitos e reconhecimento fossem postos em prática. MárioChagasaoabordaraconstruçãodosecomuseus,museuscomunitários,etc. afirmou que “(...) não se tratava mais, tão somente, de abrir osmuseusparatodos,masdeadmitirahipótese(edesenvolverpráticasnesse sentido) de que o próprio museu (...) poderia ser utilizado,inventado e reinventado com liberdade pelos mais diferentes atoressociais.(Chagas,2009,p.49).

Oreconhecimentodaancestralidadenegraedoseupatrimôniocultural, tornou-se garantia para a inserção em políticas públicas edemarcaçãoterritorial.AcriaçãoemanutençãodoMuseuQuilombolado Ipiranga é o símbolo da salvaguarda do patrimônio material eimaterial dessa comunidade, apontando para a continuidade dastradiçõesesuarenovaçãopelasnovasgerações.

2.OMuseuQuilomboladoIpiranga:patrimôniovivo

O Museu Quilombola do Ipiranga está localizado a 5 km dacidadesededomunicípiodoConde,acercade22kmdaCapital JoãoPessoa, Paraíba, situado emumaComunidadeQuilombolanodistritodoGurugi,foicriadoem2013,acasaqueabrigaasededomuseuédetaipa,nosmoldesdascasasdoséculoXIX, temquatrocômodos,chãobatidoemaisdeoitentaanosdehistória(figura01).

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A tradicional técnica de construçãode taipademão, variaçãodataipadepilão,técnicamilenar,queutilizaterracomomatériaprima,socada em pilões de madeira, chamados taipal, foi abundantementeutilizadapelosconstrutoresdoBarrocobrasileiroduranteoperíododacolonizaçãoportuguesa,nonordestebrasileiroataipademãotemsidosecularmente utilizada com uma estrutura de varas entrelaçadas, oucruzadaseamarradascomcipóoufibras,osespaçosentreasvarassãopreenchidos com barro amassado, que ao secar endurece e fecha asaberturas.

Na entrada da casa sede domuseu encontramos símbolos dareligiosidade da comunidade, imagens de santos católicos em umoratório, como tambémdeorixásquesimbolicamenteestãoexpostosno chãode terrabatida (figura02), alémde: bonecasdepano, feitaspelasescravizadasquetrabalhavamnacozinhadascasasgrandes,comretalhosdetecidosdasroupasdassenhorasdeengenho,paradiversãodas crianças das casas de fazenda. Potes de barro para acondicionaráguadafonte,xilogravurasnasparedes.Umpilãodemadeiracommaisde duzentos anos. Uma cama de vara sem pés, fixada na parede,lamparinasàquerosene,umfogãoalenhadebarro,umjiraudepanela,instrumentosdepesca,comoapererecaeojererê,potesdebarrocomtampademadeiraecoposdealumínio,etc.

O museu surgiu da necessidade da comunidade em mostrarpara filhos e netos como era a vida alguns deles no passado,preservaram a casa com alguns objetos mais antigos que foramutilizados por pessoas da comunidade, para recontar a sua própriahistória. O museu recebe anualmente mais de 1.000 visitantes, amaioria estudantes das escolas públicas da região e turistas quecostumamvisitaracomunidadeefrequentarococoderodatradicionaldo Ipiranga, que acontece todos os últimos sábados de cadamês e éabertoaopúblico.

A visita é um passeio pela vida e hábitos da populaçãoquilombola, a religiosidade está presente na entrada do museu, pormeiodasimagensdesantoscatólicoseimagensdosorixás,nacozinhaestão peças como o samburá, a arupemba, cabaços, balaios de cipó,abanodepalha, cuia, quengo, fogãode barro à lenha.No exterior domuseu, foi preservado o cultivo de ervas medicinais, uma farmáciaverde ao lado da casa (figura 03). O museu abriga também umapequena biblioteca com livros didáticos, paradidáticos e acadêmicos

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relativos à cultura afro brasileira e africana, que são acessíveis paratodaacomunidadequilombola.

Figura01–FachadadoMuseuQuilomboladoIpiranga.Fonte:acervodoautor.Foto:RobsonXavier,2015

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Figura02–OratórioeimagensdeSantoseOrixásnointeriordo

MuseuQuilomboladoIpiranga.Fonte:Acervodoautor,2015.

Figura03–MestraAnaRodriguesnafrentedoMuseuQuilombolado

Ipiranga,acompanhandoavisitadecrianças.Fonte:http://www.portaljacuma.com.br/pb/2018/03/15/museu-

quilombola-do-ipiranga.

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Aconservação,manutençãoemediaçãodacasasededomuseué feita pelas crianças e jovens da comunidade, demonstrando ocompromisso coletivo e as práticas sociais democráticas envolvidas,essas ações favorecem a educação e reforçam o vínculo dos maisjovens com as tradições ancestrais quilombolas. As visitas sãomediadas pelas crianças e jovens da comunidade, que foramcapacitadas e fazem a mediação com o público, demostrando oprotagonismo das crianças que são também responsáveis pelarestauração da casa do museu e sua manutenção permanente. Avalorizaçãodaculturanegra,daproduçãoculturallocal,dasuahistóriae dos traços genéticos afro, promovem a autoestima e oempoderamentodasnovasgeraçõeseorespeitopelosmaisvelhos.

Portanto, isso nos leva a pensar a criança comoprotagonista, jáquetantoelainterpretaossistemassimbólicos que lhes são impostos como tambémosreconfiguram, logo, criando os seus própriossistemas, pois a cultura não é algo dado, fixo eimutável, mas passível de elaborações,incrementações e ressignificações, tanto deexperimentações individuais como coletivas. Nestesentido,configura-seumacriançaatuante,possuindoum papel ativo na constituição das relações sociaisde papéis de comportamentos sociais, trata-se dereconhecerqueacriançainterageativamentecomosadultos e as outras crianças, com o mundo, sendoparte importante na consolidação dos papéis queassumeedesuasrelações.(Silva,2017,p.58).

O museu expõe em sua casa sede fotos históricas da

comunidade,artefatosdecaçaepesca,utensíliosdecozinha,símbolosreligiosos, objetos do cotidiano, plantas medicinais, mas também opatrimônio imaterial da comunidade. Ao lado da casa que abriga omuseu fica o “cantinho da leitura” na sombra de uma frondosamangueira, os visitantes são convidados para sentar e ler,aproveitandooespaçoeaconvivência.Duranteasatividadespúblicasdo coco de roda, geralmente realizadas no turno da noite, o museu

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permanece aberto para visitação, garantindo que o público externopossateracessoaoseuacervo.

Desdemarçode2020, comapandemiadoCovid-19,oMuseuQuilombolado Ipiranga semanteve fechadoamaiorpartedo tempo,comumaúnicavisitaagendadaem2021,paraumpequenogrupodeestudantes, seguindo os protocolos de higienização sanitária e asrecomendaçõesdaOrganizaçãoMundialdaSaúde.

3.MuseuQuilomboladoIpirangacomomuseucomunitário DesdeaelaboraçãodoconceitodeecomuseunaIXConferênciaGeraldo ICOM,emParis, como tema“Omuseuaserviçodohomem,atualidade e futuro, o papel educativo e cultural”, baseado napreocupação de Georges Henri Riviere, ao reformar o Museu doHomem em Paris (1897-1985), demonstrando uma preocupaçãosocioambiental.O ecomuseu foi definidoporHuguesdeVarine comoummuseuquesegueosseguintesprincípios:

Umterritório,umpatrimónioeumacomunidadeUm espaço de desenvolvimento integral (museuintegral)AsustentabilidadedoprojetoAvalorizaçãodaidentidadelocalUm espaço de exercício de cidadania. (Leite, 2015,s/p).

Oecomuseuéummuseucujapreocupaçãocentraléarelação

entre os seres humanos e o meio ambiente, na perspectiva desustentabilidade, envolvendo museus ao ar livre, museus integrais,museus de vizinhança, museus de territórios, museus locais, etc. Oconceitodeecomuseucontribuiuparaaemergênciadachamadanovamuseologia, sociomuseologia ou museologia social, ao incorporar asrelações das comunidades com o território, a comunidade e opatrimônio material e imaterial. Conceito ratificado nos seguinteseventos:

1958 – Conferência do ICOM no Rio de Janeiro –realçaafunçãoeducativadosmuseus

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1972–MesaRedondadeSantiagodoChile.Museusda América do Sul estabelecem a educação comofunçãosocialdosmuseus1984–DeclaraçãodeOaxtepec,sobreaparticipaçãodaComunidade.1984 - O Encontro de Ecomuseus no Quebéc.Reconhece a necessidade de trabalhar uma novamuseologia.1985 – Declaração de Lisboa sobre a “novaMuseologia”1992 – Declaração da UNESCO em Caracas- «AMissão do Museu na América latina hoje: novosdesafios.»,2013 – “Por uma museologia do Afeto” DeclaraçãodoMINOM,RiodeJaneiro.2015 – Declaração da UNESCO sobre “Museus ecoleções, a sua diversidade e função social (Leite,2015,s/p).

A museologia social ampliou a concepção do ecomuseu

inserindo a preocupação social com a comunidade, ampliando oconceitodeobjetomuseológico,asalvaguardadopatrimôniomaterialeimaterial,adescentralizaçãodagestão,ainserçãodagestãocoletivaecompartilhadaeamusealizaçãodavidacotidianadascomunidades.

Com o reconhecimento das memórias coletivas dascomunidades tradicionais e de base como “patrimônio vivo”, a partirdashistóriasdevidadaspessoasenvolvidasnoprocesso,avalorizaçãodaspráticassociais,a inserçãoe transformaçãodavidacotidianadaspessoas.Omuseudeixoude ser simplesmenteumespaço expositivo,para tornar-se um espaço de luta e resiliência comunitárias,absorvendo as práticas políticas de libertação da opressão, açõesdecoloniais, as representações dos grupos socialmente excluídos,privilegiandooencontro,odiálogoeaexperimentação,fomentandooprotagonismoearepresentaçãodaspessoasnassuascomunidades.

Nomuseucomunitárioosobjetossãoreferênciasasmemóriascoletivas e a simbologia das lutas da comunidade, são gatilhos paraacionar as identidades e afirmações dos diferentes grupos sociais,favorecendoo encontro entre aspessoas e a trocade experiências, é

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um museu vivo, parte integrante da vida social e elemento dedemarcação de territórios simbólicos para a efetivação das práticassociaistransformadoras.

Omuseucomunitáriotemumagenealogiadiferente:suas coleções não provêm de despojos,mas de umato de vontade. O museu comunitário nasce dainiciativadeumcoletivonãoparaexibirarealidadedo outro mas para defender a própria. É umainstância onde os membros da comunidadelivremente doam objetos patrimoniais e criam umespaçodememória.(LerscheOcampo,2004,p.3).

Diante do exposto, consideramos o Museu Quilombola do

Ipiranga um museu comunitário, por ser representativo das açõesculturais coletivas, ter sido construído epor sermantidopelo grupo,por representaromododevida tradicionalda comunidade,o acervomaterial ter sido criado com objetos doados e/ou construídos pelaspessoas quilombolas, por representar seus valores culturais, poracolherasnovasgerações,comamediaçãodesenvolvidapelascriançase jovens da comunidade, por ser um equipamento cultural criado apartirdainiciativalocalecoletiva.4.Notasfinais

OMuseuQuilomboladoIpirangaéumsímbolodaresiliênciaesalvaguarda do patrimônio vivo da Comunidade Quilombola doIpiranga, diante da omissão do estado e das inúmeras dificuldades eopressõesvivenciadaspelosmoradoresdacomunidade.Mesmocomorepresentantes de um grupo social ligado a produção agrícola desubsistência, a vida rural e sujeitos as situações de violência eapropriaçãodosseusdireitos,essacomunidadesobrevivehámaisdedoisséculos. Aomantervivaumacasadeumadasmestrasematriarcasdacomunidadecomosededomuseu,oquilombogarantiusuamemóriaeacontinuidadedasnarrativasorais,construídasapartirdosartefatosmateriais,umahistóriarecontadaporgeraçõeseagoranasmãosdascrianças e jovens, que tem de aprender e narrar as vivências da

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comunidadeaosvisitantes.Amaneiradeorganizarosobjetosexpostosemanteracasaabertaacomunidade,étambémumaformadetrazeratona as memórias do que produziram a partir das relaçõesestabelecidascomaterraeorespeitoaopatrimôniocoletivo. O museu comunitário representa esse lugar de resistênciapolítcadaComunidadeQuilomboladoIpiranga,símbolodalutacontrao esquecimento e a manutenção das memórias, em busca daconstrução do patrímônio cultural da comunidade. Para além desimplesobjetosexpostosemumacasadetaipa,omuseucontemplaéapenas a sede simbólicade todoopatrimônio cultural comunitário ererpesenta a continuidade das vivências dos membros do novoquilombodoIpiranga. A resistência cultural da comunidade passa peloautorreconhecimento étnico como remanescentes de quilombolas, orespeitopelaancestralidadenegra,amobilizaçãocoletiva,apolitizaçãodogrupo,oenfrentamentodosposseiros,aresistênciaaexploraçãodamãodeobraeoencaminhamentoburocráticoparaoreconhecimentoterritoriallegal.ReferênciasAlmeida,MayraPortode(2016).“Aterraéamãe,éopai,étudo!Tudocomeçapelaterra”:aterritorialidadeétnicadacomunidadeIpiranga–PB.In:Anaisdo2ºColóquioNacionaldeEstudosAgrárioseCulturais–Cinestar. João Pessoa, Paraíba, Brasil: UFPB, 2016. Disponível em:http://plone.ufpb.br/gestar/contents/documentos/publicacoes/artigos/artigo-cinestar.pdf/view.Acessoem:26.06.2021.Bachelard, Gaston (1949). A psicanálise do fogo. 3ª ed. Trad. PauloNeves.SãoPaulo:MartinsFontes,2008.Barreto, Janaina Lucene Mendonza (2017). Coco de Roda NovoQuilombo: da roda ao centro, imagens e símbolos de uma tradição.Dissertação demestrado em artes visuais. Orientador Dr. GuilhermeSchulze.JoãoPessoa,Paraíba,Brasil:PPGAVUFPB/UFPE.Brasil.Decretonº7.352(2010).Dispõesobreapolíticadeeducaçãodocampo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária –

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