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Fui dizer não; e V•i como toda a gente se espantou e me olhou interrogativa. «Lou- co ... » - me pareceu ler em certos olhares! Ao qt,Iinhão que nos cabia, renunciámos em favor dt outra Obra de Assistência a Rapazes da espécie dos nossos - uma Obra socialmente válida, que se empenha em construir ho- mens e não em acumular bens e, por isso, também menina dos oMtos do Pai Celeste. Será que os homens pensam assim?! Se não fosse o interesse com que acompanhais a nossa vida, não tinha cõragem de escrever estas notas. Se elas não fossem escritas com o sangue daqueles a quem servimos, não ter iam va- lor algum. Se não fossem o eco da voz dos que nos procuram, seriam mentira. Ora eu :fui a Lisboa por mor É que a nós, Igreja de Cristo, - nas suas células vivenciais do Evangelho - compete-nos viver uma Pobreza heróica, re- volucionária. A autêntica Po- .breza evangélica é sinal do Rei- 1no de Deus. E Este uma revolu- ção - revolução do homem dentro de si, com projecção na História. Pobreza que não é re- signada nem fatalista, mas di- nâmica e dinamizadora, porque gera e renova bens interiores, espirituais. PobrezGt que coloca o homem enamorado dela na pista essencial da partilha com o seu Próximo, a quem sempre se deve, senão pela justiça dos homens, por aquela suprema Lei de Deus, que é o amor. Padre Abraão Um belo recanto da Casa do Gaiato de Lisboa- Tcjal (Loures) Entrei, dias, na casa mor- tuária do nosso hospital, para uns de companhia a um corpo, cuja vida fora rouba- da , momentos antes, num aciden- te. Vários corpos de crianças ja- ziam em cima das mesas, em- brulhadas em lençois, em cober- tores e dois no seu caixrio. Sinal de que tinham chegado ali pouco tempo. Fiquei triste. Antes de chegar à casa mortuária, atravessei a M assangarala e o T chioge. Falar em Massangarala, Tchioge, Co- tel e outros lugares semelhantes é tocar numa ferida muito grave do nosso corpo sócial. Estes bairros sub-urbanos, assilJl se HABITAÇÃO PROBL.EMA PRIMEIRO Uma nota sempre chocante na realização· de planos habitacionais é a costumada se- gregação classistá.: bairros de geme endi- n!hei.rada, bairros para a classe média e deles para Pobres. Voltando ao activismo - oxalá sempre equilibrado e pacífico - dos moradores das «Curraleiras» e dos «Barredos >> , uma aspira- ção justa é a de que o seu problema habita- cional seja solucionado ali, onde se habitua- ram a morar em condições degradantes, que eles próprios querem redimir por uma outra forma de viver digna de pessoas. E porque to há-de ser ali? Ainda que aqueles terrenos sejam hoje zona relativamente central nas urbes em constante expansão - não foram eles ·durante tantos anos terra desaproveitada pela sede de uma gangrena que deverá ter envergonhado e deveria ter motivado prioritariamente os urbanistas? De resto, uma so.Iução que não seja a?i, é sempre meia solução, porquanto às rendas, mesmo módicas, que se viessem a praticar mais longe, haveria de juntar-se a renda dos transportes para os locais de trabalho - o que atrai çoa a modicidade pretendida. Este é um grande engano em que se tem caído e que sai do corpo (com variados prejuízos e quase nula utilidade) dos trabalhador es. Não vou alhures para justificar. Basta considerar a falange numerosa dos que desta região rural quotidianamente se deslocam ao Porto para ganhar o pão. Para os que têm casa sua, o sacrifício ainda tem uma com- pensação: ausência de renda e a alegria de um telhado próprio. Mas os qtUe têm de pa- gar a casa, a não encontram capaz, por muito menos do conto mensal. Acrescente- mos-lhe o preço do comboio; e não consi- doremos as saídas de madrugada e o regres- so a casa à hora de dormir, a1penas como um esforço do que vai, mas vejamos também a comparticipação dos familiares, privados do conví'Vio durante toda a semana: pais e filhos que só se vêem ao sábado e domingo, com os inconvenientes evidentes deste di- vórcio. O problema dos transportes urbanos e sub-urbanos anda, pois, intimamente ligado com os das rendas de casa. E que não podem todos morar ao lado do trabalho, que considerá-los em conexão. Cont. na QUARTA página Por Padre Manuel António ch(J)mam estes sítios, feitos de cubatas, de lixo, de miséria, não são lugares de vida. São cemité- rios de vivos. Aqueles corpos inocentes que fui encontrar sem vida são testemunhas de acusação contra os membros de - uma ·so- ciedade que, pertencendo ao mes- mo corpo, uivem indiferentes ou, quando muito se lamentam desta situação e por se ficam. Temos que dar contas do que guarda- mos para nós e não nos pertence. Ninguém conseguirá calar a voz do-s inocentes, vítimas da injus- tiça. Ali perto mora a Rita. Man- dou-me um recado urgente e fui. A Rita é uma viúva que ficou com 4 filhos e mora num quarto onde comem e dormem todos. Queria di::er-me que ia para a rua se não arranjasse dinheiro para aDugar outra casa com dois quartos pelo menos. Deitei em suas mãos do que tinha recebido pouco antes e regressei a casa. Estava à minha espera a Ma- ria Gueve, do bairro da Fron- teira. É outra viúva que ficou com seis filhos ainda pequenos. Que quer? «Não tenho que co- mer.» Levou do pouco que temos neste momento, para repartir e prometeu voltar quando se aca- basse. Falar-vos das contas deste nosso rosário seria longo. Tem os contas em atraso. Estas são mais urgentes. Quem dera nos acompanhásseis nestes passos dolorosos! batemos ii porta de alguns homens de dinheiro, mas o silêncio foi a resposta. V amos insistir por amor deles, «oportuna e importunamente». REDACÇAO E ADMINISTIIAÇAO: CASA DO GAIATO * PAÇO D( SOUSA VALES 00 CORIIEIO PA .. JIA PAÇO Dl SOUSA * AvE' 'Nç" • • Üu NlE NAOIO fuNDADOR· 1/c}_ /. , PROPRIEDADE DA OaRA DA RuA * "" DIRECTOR: PADRE CARLOS COMPOSTO E IMPREsso NAS EscoLAS GR ... ICAS DA CASA DO GAIATO

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AVENÇA

3 DE AGOSTO DE 1974

ANu XXXI -N.0 793- Preço 2$00

o ·BRA DE RAPAZES, PARA RAPAZES, PELOS RAPAZES

N.ota da Quinzena Venho da cidade e sinto-me

aturdido com as andanças por lá. As correrias dos carros e das pessoas; o ruído dos esca­pes e das travagens; o silvo enervante dos aviões; a com­pressão das pessoas nas ruas e nos transportes; a ans.iedade e canseira ·que seus rostos não escondem - toda esta amál­gama de coisas característ-icas

da vida na cidade me tornam difícil reflectir no que vim fa­zer e me sug~rem o salmo 126: «Se o Senhor não construir a casa, em vão trabalham os que a constroem. Se o Sen.hor não guarda a cidade, em vão vigiam os sentinelas».

de uma herança, que não por amor dela. Fui dizer não; e V•i como toda a gente se espantou e me olhou interrogativa. «Lou­co ... » - me pareceu ler em certos olhares!

Ao qt,Iinhão que nos cabia, renunciámos em favor dt outra Obra de Assistência a Rapazes da espécie dos nossos - uma Obra socialmente válida, que se empenha em construir ho­mens e não em acumular bens e, por isso, também menina dos oMtos do Pai Celeste.

Será que os homens pensam assim?!

Se não fosse o interesse com

que acompanhais a nossa vida,

não tinha cõragem de escrever

estas notas. Se elas não fossem

escritas com o sangue daqueles

a quem servimos, não ter iam va­

lor algum. Se não fossem o eco

da voz dos que nos procuram,

seriam mentira.

Ora eu :fui a Lisboa por mor É que a nós, Igreja de Cristo,

- nas suas células vivenciais do Evangelho - compete-nos viver uma Pobreza heróica, re­volucionária. A autêntica Po­. breza evangélica é sinal do Rei-1no de Deus. E Este uma revolu­ção - revolução do homem dentro de si, com projecção na História. Pobreza que não é re­signada nem fatalista, mas di­nâmica e dinamizadora, porque gera e renova bens interiores, espirituais. PobrezGt que coloca o homem enamorado dela na pista essencial da partilha com o seu Próximo, a quem sempre se deve, senão pela justiça dos homens, por aquela suprema Lei de Deus, que é o amor.

Padre Abraão

Um belo recanto

da Casa do Gaiato

de Lisboa- Tcjal

(Loures)

Entrei, há dias, na casa mor­

tuária do nosso hospital, para

uns momen~os de companhia a

um corpo, cuja vida fora rouba­

da, momentos antes, num aciden­

te. Vários corpos de crianças ja­

ziam em cima das mesas, em­

brulhadas em lençois, em cober­

tores e dois no seu caixrio. Sinal

de que tinham chegado ali há

pouco tempo.

Fiquei triste. Antes de chegar

à casa mortuária, atravessei a

M assangarala e o T chioge. Falar

em Massangarala, Tchioge, Co­

tel e outros lugares semelhantes

é tocar numa ferida muito grave

do nosso corpo sócial. Estes

bairros sub-urbanos, assilJl se

HABITAÇÃO PROBL.EMA PRIMEIRO

Uma nota sempre chocante na realização· de planos habitacionais é a costumada se­gregação classistá.: bairros de geme endi­n!hei.rada, bairros para a classe média e deles para Pobres.

Voltando ao activismo - oxalá sempre equilibrado e pacífico - dos moradores das «Curraleiras» e dos «Barredos>> , uma aspira­ção justa é a de que o seu problema habita­cional seja solucionado ali, onde se habitua­ram a morar em condições degradantes, que eles próprios querem redimir por uma outra forma de viver digna de pessoas. E porque nãto há-de ser ali? Ainda que aqueles terrenos sejam hoje zona relativamente central nas urbes em constante expansão - não foram eles ·durante tantos anos terra desaproveitada pela urba~nização, sede de uma gangrena

que deverá ter envergonhado e deveria ter motivado prioritariamente os urbanistas?

De resto, uma so.Iução que não seja a?i, é sempre meia solução, porquanto às rendas, mesmo módicas, que se viessem a praticar mais longe, haveria de juntar-se a renda dos transportes para os locais de trabalho - o que atraiçoa a modicidade pretendida. Este é um grande engano em que se tem caído e que sai do corpo (com variados prejuízos e quase nula utilidade ) dos trabalhadores.

Não vou alhures para justificar. Basta considerar a falange numerosa dos que desta região rural quotidianamente se deslocam ao Porto para ganhar o pão. Para os que têm casa sua, o sacrifício ainda tem uma com­pensação: ausência de renda e a alegria de um telhado próprio. Mas os qtUe têm de pa-

gar a casa, já a não encontram capaz, por muito menos do conto mensal. Acrescente­mos-lhe o preço do comboio; e não consi­doremos as saídas de madrugada e o regres­so a casa à hora de dormir, a1penas como um esforço do que vai, mas vejamos também a comparticipação dos familiares, privados do conví'Vio durante toda a semana: pais e filhos que só se vêem ao sábado e domingo, com os inconvenientes evidentes deste di­vórcio.

O problema dos transportes urbanos e sub-urbanos anda, pois, intimamente ligado com os das rendas de casa. E já que não podem todos morar ao lado do trabalho, há que considerá-los em conexão.

Cont. na QUARTA página

Por

Padre Manuel António

ch(J)mam estes sítios, feitos de

cubatas, de lixo, de miséria, não

são lugares de vida. São cemité­

rios de vivos. Aqueles corpos

inocentes que fui encontrar sem

vida são testemunhas de acusação

contra os membros de -uma ·so­

ciedade que, pertencendo ao mes­

mo corpo, uivem indiferentes ou,

quando muito se lamentam desta

situação e por aí se ficam. Temos

que dar contas do que guarda­

mos para nós e não nos pertence.

Ninguém conseguirá calar a voz

do-s inocentes, vítimas da injus­

tiça.

Ali perto mora a Rita. Man­

dou-me um recado urgente e fui.

A Rita é uma viúva que ficou

com 4 filhos e mora num quarto

onde comem e dormem todos.

Queria di::er-me que ia para a

rua se não arranjasse dinheiro

para aDugar outra casa com dois

quartos pelo menos. Deitei em

suas mãos do que tinha recebido

pouco antes e regressei a casa.

Estava à minha espera a Ma­

ria Gueve, do bairro da Fron­

teira. É outra viúva que ficou

com seis filhos ainda pequenos.

Que quer? «Não tenho que co­

mer.» Levou do pouco que temos

neste momento, para repartir e

prometeu voltar quando se aca­

basse.

Falar-vos das contas deste

nosso rosário seria longo. Tem os

outr~ contas em atraso. Estas

são mais urgentes. Quem dera

nos acompanhásseis nestes passos

dolorosos! lá batemos ii porta

de alguns homens de dinheiro,

mas o silêncio foi a resposta.

V amos insistir por amor deles,

«oportuna e importunamente».

REDACÇAO E ADMINISTIIAÇAO: CASA DO GAIATO * PAÇO D( SOUSA ~ ~~ VALES 00 CORIIEIO PA .. JIA PAÇO Dl SOUSA * AvE''Nç" • • Üu • NlE NAOIO fuNDADOR· 1/c}_ /. ,

PROPRIEDADE DA OaRA DA RuA * "" DIRECTOR: PADRE CARLOS ~i(! COMPOSTO E IMPREsso NAS EscoLAS GR ... ICAS DA CASA DO GAIATO

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Ad Mais uma carta chegou. Não

é todos os dias nem todas as semanas que elas surgem, mas há aí um lote delas com pedi­do semelhante: «Não temos filhos, o que muito nos des­gosta. Por isso gostaríamos de adoptar um menino (outros uma

, menina) de pouca idade, se pos­sível, de meses. Saberão de algum? Poderiam .indicar-me a quem me dirigir neste sentido?»

E nós passamos palavra •.. mas tem sido em vão.

Na verdade não é fácil en­contrar uma criança tão sem ninguém que p·ossa entregar:.se à primeira pessola de boa von­tade e credenciada que apare­cer.

A figura jurídica da Adopção é recente entre nós. Data do novo Código Civil. Antes, a forma de entrega de uma crian­ça abandonada a uma família idónea era sempre . precária e sujeita a risco de chantagem de um parente que viesse a aparecer mais tarde .••

A Adopção legal é uma for· ma definitiva e segura que foi legislada justamente pela pos­sibilidade de resposta a situa­ções de crianças, sem família de sangue ou sem família ca­paz, que assim entram noutra com tcdas ou quase to~as as garantias dos filhos e herdeiros.

Creio que o desconhecimen· to das possibilidades que a Adopção oferece está na base deste desencontro entre neces­sidades autênticas de crianças que a Adopção remediaria e a vontade de adc4ptar da parte de casais sem filhos, ou que, tendo-os, se acham capazes de ainda receber mais um.

Aqui fica, pois, esta palavra de alerta aos nossos leitores, que estejam em condições de favorecer este encontro.

Confrange-nos a onda de imoralidade que grassa por toda a parte, em que até os mais responsáveis parecem de­mitir-se das suas responsabili­dades, por medo ou falsos res­peitos humanos, por comodis­mo ou falta de coragem. As vezes ouvimos a interrogação sobre s·e valerá a pena lutar pela sobrevivência e incarna­ção dos autênticos Valores ante o mar· caudaloso da corrupção que tudo e a todos procura submergir. Um certo fatalismo instala-se na mente das pes-

TRANSPORTADO NOS AVIõES DA T. A. P. PARA ANGOLA E

MOÇAMBIQUE

•·•·· ® a~'"a.tõ- : \ .

Pãgina 2 3/8/74

Foi na sala de expedição de «0 Gaiato»; escritório, ainda, d·a t·ipografia. Barulho ensurde­cedor! Intenso movimento: ma­ços de jornais endereçados à mâquina - comandada pelo <<!Eusébio»; deles amarrados por Sabino, «João Ratão», «Rouxi­nol», «Campanera» e outros, para diversas terras do mundo português e comunidades lusía­das espalhadas pelos quatro continentes.

Do Porto, chega um que fora - é! - nosso. Sim, é. Para todos aquele pretérito deveria situar-nos só pelo domicílio, não pelo estado d'alma. Porque a separação - como natural­mente sucede em nossa Obra - jamais deveria ser rompi­mento~ p.arcial ou total.

Não vamos, agora, alinhavar os cornos e os porquês de rom­pimentos. Dariam pano para mangas! Sejam por crises ine­vitáveis na Juventude; sejam por negócio dos próprios fami­liares; sejam por falta de cons­ciencialização ou de r6ceptivi­dade da mística que deveria enformar quantos temos ou ou tivemos a felicidade de nos· acolher sob o tecto da nossa Obra - dada a infelic-idade de havermos sido mais ou menos marginalizados, por .carências d'ordem familiar, social, econó,. mica ...

Assunto que daria pano para mangas!

Ele chegou. Cumprimentou. Sentou-se a nosso lado. Con­versou de irmão para irmão.

Aquele ar de crise, de paler­mice doutros tempos dobrou o Cabo das Tormentas! O riso, a fala, os conceitos de vida emergem com uma naturalida­de salutar.

Primeiro, o trabalho. A sua formação e consciencialização profissional. A defesa de direi­tos inalienáveis. A maturida­de da escolha do delegado sin­dical da sua oficina: «Escolhe­mos um colega isento; um equi-

soas, levando a considerar como natural tudo o que acontece e, pior do que isso, a deixar cair os braços, numa atitude de conformidade arripiante, como se não houvesse obriga­ção de lutar, sempre e até ao fim, dentro de nós próprios e contra o que nos assalta de fora, mau grado os insucessos e as fraquezas de cada um.

·Quem passar os olhos pelos jornais encontrará sinais exter· nos evidentes do desregramen­to acima apontado2 com o seu cortejo de crimes, assaltos, rou­bos e desajustamentos das re­gras salutares de bom conví­vio social, apanágio das socie­dades civilizadas. Confrange­-nos em particular que, no acréscimo de criminalidade, tenham grande peso os jovens, os adultos de amanhã. A nossa porta continuam a bater pais e familiares aflitos, buscando soluções ou conselhos eficazes para problemas que os afligem, de cujas raízes são, não raro, os primeiros culpados e que

BAR R E· DO e «No meio da porcaria também nascem flores ... »

librado defen~or dos nossos di­reitos».

Depois, exulta com a farta .carteira de encomendas na em­presa: «Temos sempre muito trabalho, graças a Deus!»

Por fim, a sua vida familiar: «Estou a viver com os meus padrinhos. Não passo cartão ao meu pai ... »

- Onde moras? - Na Bainharia (Porto). A Bainharia - quem for do

Porto ou tiver lido «0 Barredo», sabe - é das zonas mais negras do velho burgo tr·ipeiro.

- Eu e o meu padrinho não queremos viver lá ...

Começa a abrir o leque da miséria do meio ambiente: os lupanares; proxenetas, «Chulos» e meretrizes; famí'lias sobre­postas ou empilhadas; alber­garias; guerrilhas noite e dia - o esgoto da cidade.

Conti:nua: - Nós temos possibilidades

de mudar p'ra outro lado. Só eles os dois, a minha madri­nha e o meu padrinho, ganham contos de réis por mês!

- Então, porque não mu­dam de casa?!

Entramos, talvez, na parte mais substancial da história, do bate-papo:

- Olhe, ela casou aos 14 anos. Tem 33. Estâ por lá a viver hã cerca de dez anos. Praticamente nasceram lã os meus primos.

- Ela que faz? ... - É bordadeira, costureira e

vende roupa; além do traba­lho de casa. Olhe, toda a gente gosta da minha madrinha - por ser uma mulher equilibrada. E ajuda os Pobres!

-Como!?

não sabemos ou podemos re­solver.

Sendo, embora, dramática a hora que atravessamos, não há razões, porém, para se per­der a esperança. Se soubermos opor um dique forte, bem ali­cerçado n' Aquele que disse ter vencido o mundo, as águas im­petuosas do mal acabarão por ser contidas e raiarã a aurora por que todos ansiamos do bom senso e do respeito mú­tuos. O que importa é que não nos deixemos sossobrar e faça· mos uma chamada real e efec­tiva às ~nergias de que dispo- · mos, abandonando as atitudes de conformismo ou de egoísmo feroz que tantas vezes nos imo­bilizam. Nunca como boje foi tão necessário dar testemunho de vida e procurar a coerên­cia de atitudes. Se somos h o- · mens de fé não duvidemos do êxito da luta, mas não espere­mos que outros venham subs­tituir-nos no que nos ccmpete.

Padre Luiz

- Quando lhe aparecem al­guns retalhos (e não só ... ), faz peças e oferece a vizinhas que precisam. Veja lã: há dias ofe­receu roupa a uma que lhe deve contos de réis!

- Mas, afinal, porque não mudam de casa!?, insisto.

- Por causa disto mesmo. Sabe a resposta que dâ quando eu e meu padrinho ralhamos por a gente viver ali?: «No• meio da porcaria também nascem flores» ..•

Olha para mim suspenso. Ar muito sério. Esmagado! E re­pete ~ais pausadamente: <<Ela

diz que no meio da porcaria também nascem flores!» ..•

Baixa a cabeça. E levanta­-se do banco, num suspiro.

Estremeci. Fiquei sufocado. <<No meio da porcaria também nascem flores»! ..• Quisesse Deus ter permitido que Pai Amé­rico visse, ouvisse e contasse - escrevendo.

Ele há realmente forças para as quais a razão não conta - porque transcendentes; para além do precârio conhecimento ou sabedoria dos homens.

No Barredo é assim!

Júfio Mendes

Notas do momento

e Chegou o correio. Nele duas cartas com um carim­

bo de S. R. e dentro delas circu­lares de um agrupamento de estudantes de Liceu, dando conta de reuniões, umas com representatividade, outras sem ela, nas quais se trataram ma­gnos problemas de salvação pública.

Muito bem. Duvidamos de qual o critério objectivo de representatividade, de tanto a vermos discutida; e ignoramos quem arbitra em tal matéria. É tempo de geral sabença e de inflação de iluminados. Espe­remos que de tanta discussão saia alguma luz.

O que nós. supúnhamos é que o uso do S. R., com dis­pensa de franquia postal, era um direito muito reservado aos órgãos estatais. Estamos vendo que não; que qual•quer grupi­nho, assumindo serviço da Re­pública, se pode arrogar, com honra e proveito, o direito a esse privilégio. Sendo assim, fico a pensar se não é chega­da também para nós a hora de reivindicarmos o acesso a tal poupança. Além de outros serviços à Coisa Pública, nestes 34 anos de existência, também contribuímos para a animaçãq dos Correios cóm largos contos de réis em cada mês. E já que o subsídio oficial recebidà­ao longo destes anos mal che­ga para cobrir esta rubri.ca de despesas, seria um modo de, sem mais dispêndio, no-lo au­mentar __: face a novos encar­gos que, sept ninguém pergun­tar se possíveis, nos são impos­tos.

Poderia ser?... Não custa nada. Em vez de carimbo, até nos é fâcil imprimir com um nadinha mais de elegância grâ­fica o poupa-selos S. R.!

e Difícil está o papel. Sabe­mo-lo à saciedade do esfor­

ço feito, e a continuar, para não faltarmos aos nossos Leitores

com o jornal, tampouco com os livros de Pai Américo. Apro­veitando umas resmas daqui, outras d'acolâ, realizãmos o maior investimento de sempre neste sector, à custa - é ·evi­dente - da expansão noutros sectores de actividade.

Não percebemos, pois, a pro­liferação de publicações, que se verifica. Doi-nos o gasto de tanto papel ao serviço da incultura e da desmoralização do Povo. Espanta-nos à indis­creção de anúncios de pâginas inteiras escravizadas à publi­cidade de Empresas que, por si mesmªs se imporão, se ainda se não impuseram - ao estilo de uma sociedade de con· sumo que parece bem ultrapas­sada jâ pelos acontecimentos mundiais.

Neste ponto, não terá a Li-' herdade também a sua lei?!

e Pensâvamos que a Comuni-,cação Social, na sua missão

informativa, era a arte de rela­tar autenticamente os factos. E na sua missão formatirva, a de os reflectir na óptica da forma­ção própria de cada órgão. Des­sa reflexão havia de nascer juizos que conteriam um prever e um prevenir de possíveis amanhãs.

Os acontecimentos tónicos dos últimos dias na vida socia'l portuguesa, puseram em evi­dência uma dose insana de sen­sacionalismo, uma ânsia incon­tida de vedetismo, que enforma ainda a Informação.

As coisas sérias, como a vida, começam a gerar-se . no segredo e requerem silêncio e respeito até ao fim. A curio­sidade de saber se é rapaz ou rapariga não apressa o· dia de dar à luz.

Informar autenticamente a tempo e horas é uma coisa muito séria. Rasteirar as pes­soas no entretenimento de to~ tobolas cuja chave, a seu tem­po, serâ mesmo conhecida - é bisbilhotice.

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;Caríssimos leit10res, te.m esta. o fim de vos dar a conhecer um dos vários sectores da nossa Aldeia;

PINTOS - É o tema em c.ausa. Par.a além dos porcos que temos e que IliOS dão a carne, temos também as vacas que nos dão o leite. (Até parece que estou a fazer uma redac­ção da instrução primária!) Deu-nos na real gana dedicarmo-nos il criação de pintos. Daí temos duplo proveito, porquanto deles vendemos e come­mos.

Temos também os ovos que são ridos em calorias, de que o!> nossos rap.azes muito precisam e apreciam.

PaTa nos dedkarmos à criação de pmtos, temos necessidade de alguém que nos compre com uma certa assi­duidade. Assim poderemos ter, nãk> só galiphas com um certo peso, como também frangos para os ~ão aprecia­dos churrasaos.

Logo que os nossos leitores se passem a interessar pelos nossos fran­gos e a dar preferência aos mesmos, mais entusi.asmados vamos ficando e com vontade de .continuarmos neste campo.

Não pretendemos fazer publicidade aos nossos frangos, se bem que fosse essa a ideia i.nicial. Até porque os nossos fr.angos e as nossas galinhas, devido às suas características, 'não precisam de publicidade.

Queremos simplesment e dar-viOs a conhecer que também possuímos · estas aves de tão apreci~rcLa ca:rne.

O nosso P.e Manuel está tão entu­siasmado com os pintos que passa boa parte das suas horas de volta deles.

Portanto, se alguma vez o quiser­des encontrar, já sa!beis to local da sua preferência.

Não restam dúvidas que há neces­sidade d~ nos lançarmos ua criação de pintos. Se não, vejam por que pr_eço está a carne! Dizei ag~ora se poderíamos lá chegar? Assim temos carne da casa.

P~ocurem-nos, procurando as nossas galinhas.

Ficamos a aguardar a vossa oferta. Apareçam quando quiserem. Come­cem por ~ar preferência aos nossos frangos e galinhas que nós cá esta­mos para V\Os servir com t'odSJ. a deli­c~rdeza. Especulação e inflação são palavras que nós não usamos.

Para todos um abraço dos Gaiatos de Benguela.

Barradas

natí[ia!i ·~ : .. ·:~ .·· . do lanferênEiu ::_.: de·Pata .. de Sousa .

. ·-.-.·. ,.

ALCOOLISMO - Teve um~t infân- . cia e juventude ' difíceis. Sofreu as car'éncias do meio familiar e social. Depois, principiou a querer amadu­recer. Casou. E especializJou-se, na construção c1vil, como preparador ou assentador de ferragem em pllllcas de betão. Trabalho, aliás, muito bem remunerado.

Andou por lá, em vanos estale·iros: barragens, etc. Andou por lá e viciou-

-se no álcool. Ausência da Ílamília, velhos complexos, bolsa cheia, insti­gado por ctompanheiros ... ? Difícil sa­ber porquê. Esses factores, porém, são parte de um todo, parte impor­tante do mal.

Como dissemos, recebia 'um bom ordenado. E era disputado pelos em­preiteiros, no mercado do trabalho. Até que, vítima do álcool, tombou de vez, regressando definitivamente à ~rra, praticamente inválidlo.

Um di,a, já distante, fomos alertados pela miséria dele e dos seus. Acu­dimos; formulando, então, vanas hipóteses e formas de solução. Pri­meiro, dar de comer àquela gente toda: pão, mercearia, etc.; ter.d"' sido entretanto surpreendidos com uma insólita acção de despejo! Consegui­mos outra casa, da qual somos fia­dores-pagadores. Depois, remédio para o doente: Centno PsiquiátrLco. Aqui, tudo rosas, eficácia; da gentilíssima assistente social ao próprio. médico

- sacerdotalmente debruçados, tam­bém, na cura de alcoólicos. Desva­neceu-nos o cu~dado, tratando-se, como se trata, de serviço público. Por isso, sublinhamos o facto. Nem tudo são espinhlos .. .

Foi intel'nado, a primeira vez. No fim ~o tratamento, regressa. E o vicentino é visita assídua. Procuna ajudar nos mais diverSIOs problemas do dia-.a-dia. Cruz muito difí.cil!

Agora, porém, caíu o Carmo e a Trindade! O homem descamha, nova­mente. Meteu-se nos cop~os. Piora. E, da noite para o dia, deixa a pobre mulher ensanguentada! Os vizinhos wcodem. Requisitam a ambulância. Segue para o hospital. Claro, ele foi no di·a · seguinte. Mas tarde, in:fe­lizmen te. O médidO, no Centro, só presta assistência de manhã.

- Tivemos de o levar ao Porto, ao Hospital Magalhães Lemos. Foi tratado imediatamente. E volta ao Centro na próxima semana, para de­pois ser internado. Gastámos tanto dinheiro na viagem! - suspira quem

o acompanhou.

- Não se aflija! Hoje mesmo, do Porto, recebe~os um cheque de 2.500$00 de um leitor sempre atento aos nossos apelos. «0 cht;que vai com a intençM de ser para a Con­ferência de Paço de Sousa - que se queixa de penúria» - disse.

Deus acode na hora própria! O doente voltou ao Centro, como

fora estabelecido. Mas :1ão queria, como é naotural. No fim cle contas, porém, depois de muito esfc>rço, ace· deu. Ficou em Trava~ca. E Deus permita que, depois da cura, não volte mais.

RECEBEMOS Da assinante 6790, «50$00 para a família mais

necessitada da Conferência Vicentina>>. E mais ~rdiante sublinha: Que Deus

ajude a Obra na sua missão e o Jornal na transmissão da paLavra do

Evangelho e da autêntica caridade

cristã, cheia de amor>>.

Aí vem a «Ínfima gotinha corres­pondente ao mês de Julho - 5$00. Ainda não . pode ser aumentada, como · eu tanto desejo!» E acrescenta: «0 caruncho cada vez me invalidç mais; e não há meio de receber ajuda atra­vés da Casa do Povo - por mais ·. que o médico explique que estou

inutilizada, sem cura possível...>> !! Utilíssimas remessas: uma de · Sa­

brosa (Fermentões); outra de •algu- ·

res «para crianças protegidas pela Conferência» ; outra de Bej11; e mais outra de Lisboa.

Mais 50$00 de um Médico muito amigo. O mesmo do Porto; «ficará

no anonimato - basta que Deus saiba». De Louro (V. N. Famalicão) o <<excedente do pagamento da assi­natura do Jornal. 1J: pouco mas é de boa vontade». Mais 100$00 de Lis­boa, Bairro Presidente Carmona. Idem, rua Alexandre HercuLano. Idem, de Meschede (Alemanha): «Um pouco

do me·u pouco para os meus irmãos -/nais Pobres>>.

Por in~rmédio do Espelho da Moda, esta presença:

. «Junto envio 20$00 para a Confe­rênçia e esses medicame·ntos se

fiizerem jeito. 1J: pou.co, mas é de boa vontade, pois sou pobre.»

E mais esta:

<<Re-meto 50$ última metade duma promessa feita há já algwn tempo.

Peço aos nossos Irmãos mais pobres de bens materiais mas, sem dúvida,

mais ricos do que eu em bens es.pi· ritumis, uma prece por um tio que se encontra muito mal. Uma professora primária.»

Mais o costume de assinante 17740; 100$00 de D. Adriana, entregues na Casa do Gaiallo do Tojal; 250$00 da Póvoa de Santo A dr ião; 50$ de Con­tumil - <<.dádiva ' do coração» cuja nota queima!

Finalmente, os 600$00 dlo costume e a legenda que nos traz sempre luz da Luz:

<<Na fraternidade habitual pago " minha partilha com os irmãos da Conferência.

Uma assinante do Seixal.»

Em nome dos Pobres, muito obri­gado.

Júlio Mendes

CUSTA A CRER - Níio duvido das tendências que todos temos pa:-a as respostas mais ou menos fáceis para soluções pensadas ou improvisa­das.

Para muitos de nós n.llda há mais doloroso do que sermos lev.ados a pensar; É uma tendência para a fra· queza de espíritos demasiadamente crédulos? Em muitos sentidos creio plenamente que sim.. Porque muitas vezes vamos na «onda» de certas .pessoas só porque têm «paleio» para endobrir' os seus erros, invocando a verdade que chega a convencer. Mas não vence! Diz-se muitas vezes que de «boas intenções está o infern'O cheio» porque as acções mereceram casügb; as «lindas» palav:-as ecoar,am mas ... não passaram disso. Apeteda-me tantas vézes apontar certas coisas concretas, mas as minhas palavras não · convencem humildes quailto mais «senhores».

Istto vem a propósito de, entre outras coisas, expressar uma opinião. Poderá não convencer ninguém, mas, pelo· menos, ficam a saber o que p'enso.

Embora eu não tenha, até hoje, assistido a qualquer comÍ·cio disto ou daquilo, de que temos conhecimento através da rádio em especial; apesar de ouvirmos discursos integrais ou parciais em postos radiofónicos - nem sempre ficamos a saber o que se pre· tende concretamente. Mas como uma ideia fico ao ouvir e aiO ver, algumas vezes, como tantas pessoas são leva· das a desejar determinados produtJos, só porque o eco das mais variadas formas publicitárias dizem que sãio os melhores, consoante a finalidade a que são destinados. Não será de­masiada crença nas baladas h~beis e atraentes e nas formas como se pro­cessa a publicidade? Pois como disse não tenho assistido amda !i qualquer dtmlonstração pública desse género; fico com a ideia de que todos esses motiV'Os serão válidos se forem para construir uma sociedade aonde pos­samos viver como irmãos e não com1o seres procurando só o «eu», e os outros que se arr.anjem! ... Porque há quem se exceda na tendência para a leitura de jornais ou revistas vendo e aceitando como verdade única, o

Património <~ev.o Padre Manuel:

Eu também já não tive casa, mas tenho-a agora, graças a Deus, ao cabo de bastantes anos de trabalho bravo.

Sou há muitos anos assinan­te de «0 Gaiato» e, dentro da orientação pelo mesmo segui­da no respeitante a casas para Pobres, venho expor-lhe uma ideia em que penso já há algum tempo:

Sou o assinante de número perto dos 15.000. Ora, como nem toda a gente pode dar para o Património dos Pobres grandes quantias, o que se com-

·preende, julgo, porém, que to­dos poderíamos dar uma pe­quena quantia anual que va­leria pelo número.

Assim, supondo que todos não fôssemos mais de 15.000, poderíamos dar anualmente e sem falhas, 20$00, que totali­zariam 300.000$00, os quais, a 30.000$00, dariam 10 casas.

Evidentemente que isto não «aposentaria» aqueles benemé­ritos que podem contribuir, e contribuem, com mais.

Este seria o grupo dos pe­quenos, dos que podem pouco, mas que podem privar-se de uma importância que já nem dá bem para 3 maços. de cigarros. Uma verdadeira migalha ...

E por falar nisto, creio que se podia constituir o que para o efeito se poderia chamar «A Caixa das Migalhas» ...

Fica a ideia se entender que merece ser desenvolvida, e eu abro o activo com «cinco mi­galhas», que, não sendo assim, servirão para outro fim.

Com toda a consideração e que Deus nos ajude a todos ... »

o que se escreve sob a apa:ência d1 verdade. E tantas outras formas qut vão sacudindo os espíritos com semi -verda:des. Já não falando em pre conceitos fanáticos e factos vestido! com falsid.1de, embora adornados cou: a verdade. Nesta altura em que hojt se fala e escreve dos erros passadm e se procl.ama a necessidade de st trilharem novos caminhos que con· duzam à verdade, temos verificadc que ainda nem se começou a esho· çar tal. Porque as contradições con· tinuam. Se as bases forem alicerça· das em liberalismos que levam a acre· ditar em tantas propagandas que nos trazem confusão, anarquia, não nos 'podem conduzir a:o amor, pa2 e perdmo.

Em todos os rostos se nota a preo­cupação deste tempo que todos dizem ser uma crise que tem os seus peri· g10s e as suas oportunid.11des; tanto podem provocar a salvação como a ruína.

Custa ' a crer... - Haja senso e harmonia n.a constru~ão.

M anue[ Simões

dos Pobres N. da R.:

Nem esta ideia é nova, nem o signatário o único a reno· vã-la. Ainda hã dias, leitora de Alquerubim alvitrava um grande plano a lançar em todas as paróquias de Portugal para a recolha de fundos destinados a esta cwbra revolucionária e pacífica>> de levantar casas para abater barracas. Claro que a ideia é shnples e por isso ·di· fícil neste mundo que· os ho· mens complicam doentiamen­te. Uma vitória há a cansid'e­rar, graças a Deus: nunca se olhou para trás, desde que ·Pai. Américo lançou mãos ao arado, nesta empresa de pToporcionar casa para humanos aos homens que vivem como animais. Nun­ca se olhou para trás e por isso se não deixou de andar em frente. Nem nós sabemos bem avaliar o bem realizado, nem hã que p2rder tempo nis· so, sabido que ê imensamente mais o que b.â para realizar.

Portanto, em torrente ou á «fio de água>>, que nunca se­que esta fonte que nos dá voz para responder aos homens de boa vontade e com coragem para se ir dotando e ao País desse . valor de base que é uma morada digna de pessoas.

E, embora .esperando neles, não confiamos demais nos grandes planos - <<Vamos nós andando com quem anda».

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Page 4: N.ota da Quinzena - 03.08.1974.pdf · n!hei.rada, bairros para a classe média e deles para Pobres. Voltando ao activismo - oxalá sempre equilibrado e pacífico - dos moradores das

A meu lado, dois reformados e um trabalhador no activo. Conversa animada. No veículo, janela aberta. Sintomático. Foi uma hora deliciosa!

Janela aberta obrigaria a uma organização bem montada. Desaparecedam as barracas. E até se acabaria com a porcaria das ilhas no Porto.

do, a caminho do século XXI! ... E sinto, como eles, a mesma angústia por ver desaproveita­da, até :nas horas vagas (sabe Deus como!), a valiosíssima par­ticipação de mão d'obra, espe­cializada ou não, que seria a di­recta beneficiária- numa ver­dadeira escola cívica de edu­cação e participação P.Olítica. O Mandamento Novo, afinal!

- Empresta-me o jornal, se faz favor?

- Não é d'hoje ... - Obrigado. Abro o periódico. Passo re­

vista ao panorama, dentro e fora do País. Chavões, «man­chetes», reportagens, publicida­de; sei lá!

Termino a leitura. Dobro o periódico. Entrego e agradeço.

- Não tem de quê. Resolvo então meditar, sem

intervir, em certas opiniões dis­secadas por aqueles homens do Povo:

- No meu tempo, para con­seguir promoção, aquilo é que era estudar e trabalhar! E as cunhas?! •••

Conflito de gerações? Não senhor. Continua:

- E a miséria dos ordena­dos?! Pior do que isso, o tra-

balho escr.avo. .. Olha, um dia, o inspector calha de me ver todo sujo, todo borrado, à vol­ta de peças avariadas. «Então você quem é ... ?!» Tínhamos de nos desenrascar para servir o público, muitas vezes sem . ho­ras p'ra comer ...

A análise dos postos de tra­ba1ho prossegue acaloradamen­te:

- A gente vê p'raí, agora, em postos da maior responsa­bilidade, homens novos, mas sem preparação, sem prática. A prática é -que é. Cursos feitos à pressa são uma desgraça para a empresa, para o público.

Depois, como não podia dei­xar de ser - e muito bem -vem a Política. Opções, anedo­tas à mistura; e política domés­tica - o princípio do fim ...

Reflectindo Vi há algum tempo um pequeno f.ilme francês que mostrava

através de imagens cheias de poesia, os cuidados de uma mulher bastante idosa por uma planta posta por ela num Viaso. Essa planta era a única expressão viva dentro da solidão dessa mulher - sabia a quantidade de sol necessário para o bom crescimento das folhas; ao levantar-se a sua atenç_ão ia em primeiro lugar para o vaso; e para ele era o seu último olhar antes de adormecer. Chegou ao ponto de não ir à rua sem levar a planta dentro de um cesto.

Esta história ilustra bem a necessidade profunda que os seres humanos têm de t5e entre­gar, de se darem, de amar. Di­zemos todos que os homens são egoístas (al~iás esta é uma verdade muito fáci'l de com­provar ao longo da vida), mas eu diria que .o egoísmo tem raízes mais superficiais no ho­mem, e mais facilmente por­tanto se revela. O altruísmo tem raízes mais profundas, mais fortes, mas muitas vezes adormecidas pelo gosto do mais fácil, pela fuga aos riscos inerentes a um empenhamen­to com os outros e por muitas outras razões.

Continuando a pensar neste assunto, podemos afirmar sem qualquer medo de errar que muitas pessoas ultrapassam a sua vida sofrendo dolorosamen­te, por não porem a render a sua capacidade e necessidade de se darem aos outro~. Simul­taneamente, (também sem qual­quer receiq de erro) coexistem, nesta rmesma terra onde se de­senvolve a nossa vida, um sem número de irmãos que preci­sam de quem lhes dê a m~o, de quem os ampare e lhes dê o sol necessár~io, de quem re­ceba os seus risos e limpe as suas lágrimas. Porque conti­'nuam separados, scffrendo cada um por seu lado - os que sentem a vida inútil, vazia,

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sem sentido e por outro lado os abandonados, os fracos, os doentes, os Pobres. Parece-me que é preciso juntar estes dois grupos de pessoas. Pensemos todos nisto porque não é fácil resolver o problema.

O homem é um mistério cheio de contradições, e não é levianamente, sem atender ao seu ser global, que ele con­segue encontrar uma resultan­te positiva de todas as forças que o impelem. Por isso, todos precisamos de verdade dentro de nós para procurarmos os caminhos que nos permitam ser felizes e ajudar os outros a sê-lo também.

S. Paulo diz que os homens têm dons diferentes e que a construção do Reino necessita que cada um ocupe o 'lugar a que Deus o chama profunda­mente. É pois necessário que cada um descubra o -seu lugar, que nos ajudemos uns aos outros a descobri-lo.

Dentro da Obra da Rua estão muitos irmãos que precisam do calor daqueles que sintam em si necessidade de se darem, de encontrar sentido para as for­ças de bem que os habitam, forças essas que gritam por se­rem postas a render.

Voltarei a este assunto. Hoje quis trazer aqui este ponto de :reflexão que continuarei a tra­balhar dentro de mim: Temos que juntar os que têm força e necessidade de amar com os que estão em situação humana de carência de amor. Para que uns e outros sejam mais felizes.

Abel

Da japela aberta corre uma ffes-cura deliciosa.

- Hoje, andei todo o santo dia a arrancar batata. A refor­ma não é grande, como sabes. Temos de esfolar!

Prossegue o homem das ba­tatas:

- Conheces a minha casa. Sabes do sacrifício que me deu prá levantar! Quando ia em via­gem, cingia-me ao caldinho. De casa, levava couves, adubo, ,cebola, batata. Foi assim, tiran­do à boca, q'a levantei.

O problema da habitação veio ao de cima - nu e cru. Poucos, como os auto-construtores, têm uma opinião válida, uma pala­vra a dizer sobre o assunto. Eles sofreram, sofrem, na sua carne, um conjunto de deficiên­cias, carências, omissões, des­mandos, negligências que nun­ca deveriam ter existido!!

- A planta foi uma fortuna! E o tempo que demorou a ser aprovada na Câmara?! Depois, as licenças; tive de renovar a licença mais do que uma vez. Porquê?! Não há direito ... Em vez de ajudar, sugaram o meu suor.

O companheiro do lado acres­centa: - Sugavam mas era a nossa vida. Fomos uns sacrifi­cados.

A conversa prolonga-se na descrição do esforço heróico do lev:antamento da casa: as horas livres, os dias de folga, as noites, os alicerces, os. bal­des de massa, a pedra, os tijo­los, os carretas, a telha, as pinturas, o dinheiro - a mo­radia completa.

- Estás a ver - dizia o mais novo - estás a ver como, se nos ajudassem, poderíamos todos ter a nossa casa ... ?

Replica outro: - Se todos déssemos as mãos, acabariam as barracas. Era só juntar trolhas e pedreiros e carpinteiros, quem quisesse dar o corpo ao mani­festo - nas horas vagas. Uns trariam os outros. Mas isto

Estávamos a chegar à cida­de. Ao fundo, passa o Douro, calmo e sereno. Avista-se uma parte do Barredo. Vejo os bar­redos da cidade, os sub-alugas, o ,comércio negro da habitação, as colmeias humanas - a ver· gonhosa tristeza do nosso mun-

RETALHOS DE VIDA

O ((6Ril011

Júlio Mendes

Amigos leitores, vou escrever uma crónica da minha vida. Nasci em 18 de Janeiro de 1960 em llhavo. Eu morava na Gafa:nha da Nazaré junto dos meus irmãos, que

são mais pequenos do que eu. A minha mãe e o meu padrasto vivem junto deles.

A razão porque estou na Casa do Gaiato é a seguinte: O meu padrasto dizia que eu não era filho dele, tendo-me

até muitas vezes mandado embora! Ele não era desses que ia para as tascas tomar a cartola. Ele é que sabia a razão porque me mandava embora ...

Eu pouco ligava ao que ele me dizia, mas aproveitando-me disto fugia de casa, ainda por cima. Sempre que fugia, a minha niãe tratava logo de saber onde eu estava; mas ele não.

Depois de me habituar a isto ninguém me encontrava em casa: Após uns anos sempre nesta vida, chegou o fim de eu andar a veranear.

A minha mãe, como queria acalmar-me, foi ter com uma senhora que é assinante de «0 Gaiato». Contou-lhe a história, que, aliás, ela já sabia, e prqcurou arranjar que eu viesse para aqui. Então, vim para a Casa do Gaiato em 1969 com 9 anos. Andava na 2." classe e já tinha reprovado um ano na 1." porque também não aparecia à escola. Nos primeiros dias andava des­confiado, mas agora sinto-me bem e acho que aqui é mais tran­qui'lo do que andar na triste vida.

Tenho 14 anos e fiz o Ciclo Pr~aratório TV. Trabalho na limpeza da casa-mãe. Agora, sou vendedor de «0 Gaiato» em Amarante e tenho mui~tos amigos nessa vila.

'E aqui acabo um reta~ho da minha vida, com um abraço do vosso amigo

Luis Gonzaga Martins («Grilo»)

HABITAÇÃO

- PROBLEMA PRIMEIRO Cont. da PRIMEIRA página

Por isso dizia que a solução de «Barredos» e «Curraleiras» fora d' ali é um remendo no pro· blema - tanto que faz hesitar os seus moradores sobre a van· tagem de morar longe em me­lhores condições em relação a permanecer ali, naquelas preca­ríssima5 que conhecemos e muito têm sido divulgadas recentemen· te.

Mas não só! A nota relevante de choque é exactamente o aten­tado à unidade social que deve procurar-se numa sociedade or· , gânicamente diversa, mas que há-de estruturar-se no respeito mútuo de uns pelos outros, nas­cido da consideração da necessi­dade de todos para a realização

do Bem-comum que a todos in­teressa.

A própria construção entre­meada de casas para ricos e pobres travará os excessos sump· tuários dos primei·ros em pro· veito de uma tendência homo­geneizante, que produzirá nos segundos, sem qualquer confusão com luxo, a presença d~ todas aquelas comodi.dades essenciais que hoje são timbre de um pa· drãú de vida simplesmente ci· vilizado.

Mas acima destes aspectos mais materiais avulta a maior possibilidade de um encontro entre níveis culturais diferentes, de modo a subir-se o nível mé­dio da educação, impossível com a mera tréliilsferência da barraca ou da «ilha» para um bloco ra-

zoá.vel, onde permanecem por muito tempo os mesmos costu­mes sub-humanos, o mesmo teor de vida sub-desenvolvido.

Não queremos absolutizar, mas cremos que o quebrar deste cri­tério discriminatório na urbani­zação, é instrumento válido ao serviço da educação nacional.

Gostaria agora de aduzir aqui trechos de Pai Américo onde esta doutrina foi, tantas vezes, trata·da. Falta-me o tempo para pro:curá-los. Mas quem cqnhece o seu pensamento, no saborear em pequeninos golos dos seus escritos, decerto recordará pá­ginas cheias de beleza, em que ele projectava uma cidade nova a construir pelos homens inspi­rados pelos critérios qa cidade de Deus.