O Sermão Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Português)

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    O SERMO DA MONTANHA

    SEGUNDO O VEDANTA

    SWAMI PRABHAVANANDA

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    SUMARIO

    PREFCIO, De Henry James Forman

    Agradecimentos

    Introduo

    Captulos I. As Bem-aventuranas

    II. Sal da Terra

    III. No Resistais ao Mal

    IV. Sede, pois, Perfeitos

    V. A orao do Senhor

    VI. Deus e o Dinheiro

    VII. Estreita a Porta

    PREFCIO

    No deveria ser novidade, no seio de uma comunidade crist, um livro sobre

    o Sermo da Montanha, que o prprio cerne do ensinamento cristo. Mas, sendo este

    livro escrito por um swami hindu, adepto do Vedanta e do evangelho de Sri

    Ramakrishna, livro que, ademais, no apenas interpreta, mas tambm enaltece o

    Sermo, como se fora do prprio Ramakrishna ento, certamente, o menos que se

    pode dizer dele que incomum.

    Por mais bonita que seja em si mesma essa interpretao, Swami

    Prabhavananda no a mostra como um ideal distante, dificilmente atingvel que a

    forma de v-lo da maior parte dos ocidentais , mas como um programa prtico de

    vida e conduta cotidianas. To clara a interpretao que o Swami faz desse grandetexto, que muitos cristos havero de descobrir atravs dela uma abordagem mais

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    simples ao ensino de seu Mestre, e mais objetiva do que qualquer outra que encontraram

    at hoje.

    O Vedanta ensina que a verdadeira natureza do homem divina, e que o

    mais importante e real objetivo da vida humana expor e revelar essa Divindade. Parans, o Sermo um desgnio de perfeio. Ao vedantista, cuja nica meta a

    manifestao de Deus, nada h de estranho nisso. O sannyasin da Ordem Ramakrishna,

    qual pertence o Swami Prabhavananda, procura seguir o caminho da perfeio em

    cada dia da sua vida. Ele ora diariamente, em sua meditao, para que consiga superar o

    egosmo (= sentido do ego), para que possa abster-se da crtica e da busca de erros

    alheios e para que alcance o amor e a simpatia para com todos. O vedantista no pode se

    sentar para meditar enquanto no tiver limpado a mente de todos os dios eressentimentos. A literatura da Ordem Ramakrishna como, por exemplo, o

    Evangelho de Sri Ramakrishna, os escritos do Swami Vivekananda e o inestimvel

    livrinho de Swami Prabhavananda, O companheiro eterno est toda ela carregada de

    ensinamentos semelhantes aos do Sermo da Montanha e de outras passagens da Bblia.

    Lemos no livro do xodo que, ao descer da montanha, ''Moiss no sabia

    que a pele de seu rosto brilhava". Swami Prabhavananda conta-nos neste volume que

    viu um de seus antepassados um discpulo direto de Sri Ramakrishna assim

    transfigurado. Uma luz emanava de todo o seu corpo. No s o Swami a viu mas,

    numa passagem do templo onde isso ocorreu, uma multido espantou-se e abriu

    caminho, enquanto o homem iluminado passava completamente absorvido na meditao

    em Deus.

    Fenmenos dessa espcie no se limitam s escrituras que datam de

    centenas de milhares de anos atrs. Podem ocorrer, e de fato ocorrem ainda hoje. A

    religio uma ocorrncia permanente na vida humana. Os preceitos do Sermo da

    Montanha podem estar e esto vivos ainda hoje; depende apenas do esprito com que

    so acolhidos. Swami Prabhavananda e seus confrades vedantistas aceitam-nos

    realisticamente. Talvez seja por isso que pessoas de diferentes crenas e seitas cristas,

    freqentando palestras sobre o Vedanta, comeam de repente a enxergar mais

    claramente E com mais brilho sua prpria crena, e a compreenso que dela tm atinge

    uma penetrao mais profunda. Em suma, o Vedanta chega ao Ocidente, no para

    suplantar qualquer religio, e sim para trazer uma espiritualidade mais tangvel aos que

    o buscam. Ele no visa ao proselitismo, mas a ajudar o homem a perceber a divindade

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    dentro de si. Nesse, sentido ele afirma ser a mais prtica das filosofias religiosas. esta

    prtica que o Swami Prabhavananda transmite com xito atravs da sua interpretao,

    notavelmente lcida e bela, do Sermo da Montanha.

    Henry James Forman

    AGRADECIMENTOS

    Merecidos agradecimentos cabem a inmeros editores pela permisso de

    reproduzir selees de seus livros: a Advaita Ashrama, Mayavati, ndia, pelas passagensde The Complete Works of Swami Vivekananda [Obras completas de Swami

    Vivekananda], a Methuen & Company Ltd., Londres, pela passagem de The

    Confessions of Jacob Boehme, compilado e editado por W. Scott Palmer; Society for

    Promoting Christian Knowledge, Londres, pelos trechos de The Way of a Pilgrim [O

    caminho de um peregrino] e The Pilgrim Continues His Way [peregrino continua o seu

    caminho], traduzidos do russo por R.M.French; e Vedanta Society of Southern

    Califrnia pelas passagens das seguintes obras: How to Know God, the Yoga

    Aphorisms of Patanjali [Como conhecer Deus, os aforismos iogues de Patanjali],

    traduzida com novos comentrios pelo Swami Prabhavananda e Christopher Isherwood;

    The Song of God: Bhagavad-Gita [A cano de Deus: Bhagavad-Gta], traduzida por

    Prabhavananda e Isherwood; The Upanishads [Os Upanishads], traduzida por

    Prabhavananda e Frederick Manchester; The Wisdom of God (Srimad Bhagavatam) [A

    sabedoria de Deus (Srimad Bhagavatam)], traduzida por Prabhavananda.

    As selees da vida e dos ensinamentos de Sri Ramakrishna soprincipalmente de Sri Ramakrishna Lilapra-sanga, de Swami Saradananda, e Sri

    Ramakrishna Kathamritaf de M.

    As palestras nas quais se baseia este livro foram proferidas pelo autor nos

    templos de Hollywood e Santa Brbara, da Sociedade Vedanta do Sul da Califrnia.

    Partes do material apareceram na revista Vedanta and the West [O Vedanta e o

    ocidente], e numa antologia, Vedanta para o mundo ocidental, editada por Christopher

    Isherwood.

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    Gostaria de agradecer a Henry James Forman por escrever o prefcio. Sou

    devedor da Pravrajika Anandaprana por editar o manuscrito e dar ao livro sua forma

    atual e a Benjamin Saltman pela assistncia editorial.

    S.P.

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    INTRODUO

    Este livro baseia-se em palestras que proferi sobre o Sermo da Montanha.

    Essas palestras foram revistas e ampliadas a fim de inclurem ensinamentos no

    comentados anteriormente. Para mim, o Sermo da Montanha representa a essncia do

    Evangelho de Cristo; e aqui ele vem reproduzido em sua inteireza, conforme foi

    registrado, para que as palavras de Cristo possam ser lidas seqencialmente, e a unidade

    de sua mensagem possa ser vista com clareza.

    No sou cristo, no sou telogo, no li as interpretaes da Bblia feitaspelos grandes eruditos cristos. Estudei o Novo Testamento da mesma forma como

    estudei as escrituras da minha prpria religio, o Vedanta. O Vedanta, que surgiu dos

    Vedas, as mais antigas das escrituras hindus, ensina que todas as religies so

    verdadeiras, porquanto levam a um e ao mesmo objetivo a manifestao de Deus.

    Minha religio, portanto, aceita e reverencia todos os grandes profetas, os mestres

    espirituais e as expresses da Divindade venerados em diferentes crenas,

    considerando-os como manifestaes de uma verdade subjacente.

    Jovem monge viveu bem prximo da maioria dos discpulos de Sri

    Ramakrishna, fundador da ordem qual perteno. Esses homens santos viviam

    conscientes de Deus e ensinavam-nos os mtodos pelos quais se pode atingir o estado

    final e abenoado da unio mstica samadhi, como se diz no Vedanta. A partir do que

    vi nesses homens santos e de todo o ensinamento que absorvi, sentado aos ps deles,

    procurei abordar a doutrina de Cristo. Da por que retorno com freqncia s palavras

    de Sri Ramakrishna e de seus discpulos, buscando apoio na explicao das verdades do

    Sermo da Montanha.

    Um desses discpulos de Sri Ramakrishna foi meu mestre: Swami

    Brahmananda. Embora no fosse ele um estudioso da Bblia, com base em sua prpria

    experincia espiritual, ensinava de modo bem semelhante ao empregado por Cristo, e

    no raro usava quase as mesmas palavras. Meu mestre vira Cristo numa viso espiritual

    e comemorava todos os anos o Natal, oferecendo reverncia especial a Jesus costume

    esse que tem sido observado em todos os mosteiros da Ordem Ramakrishna at hoje.

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    Nessas ocasies, oferecem-se frutas, po e bolo, a modo hindu. Com freqncia faz-se

    uma conferncia sobre Cristo, ou ento se l a histria da Natividade ou o Sermo da

    Montanha.

    Uma dessas celebraes crists, a primeira a que assisti, teve muito a vercom o que Cristo significa para mim. Isso aconteceu em, em Belur Math, perto de

    Calcut, onde ficava a sede da nossa ordem. Eu ingressara no mosteiro poucos dias

    antes. Na vspera do Natal, reunimo-nos diante de um altar sobre o qual fora colocada

    uma imagem de Nossa Senhora com o Menino. Um dos monges mais velhos prestava

    reverncia, ofertando flores, incenso e alimento. Muitos dos discpulos de Sri

    Ramakrishna assistiam cerimnia: entre eles achava-se o meu mestre, prior da nossa

    ordem. Enquanto estvamos sentados em silncio, meu mestre disse: "Meditem noCristo interior e sintam sua presena viva. Intensa atmosfera espiritual invadiu o recinto

    do culto. Nossas mentes se elevaram e sentimo-nos transportados para outra

    conscientizao. Percebi, pela primeira vez, que Cristo era to nosso quanto Krishna,

    Buda e outros grandes mestres iluminados que reverencivamos. Como hindu,

    ensinaram-me desde criana a respeitar todos os ideais religiosos, a reconhecer a mesma

    inspirao divina em todas as diferentes crenas. Por isso, como expresso manifesta da

    divindade, eu jamais poderia considerar Cristo um estranho. Mas, para uma experinciapessoal e viva Dele, precisei da conscientizao resultante da venerao naquela

    memorvel vspera de Natal.

    Perdura h muitos anos uma ntima conexo espiritual entre Cristo e a

    minha ordem monstica, iniciada pelo fundador, Sri Ramakrishna, que mereceu

    venerao divina durante a vida, e desde que faleceu, em, tem recebido reconhecimento

    crescente na ndia, como uma encarnao de Deus. Dos muitos santos e iluminados

    mestres na histria do Vedanta, Sri Ramakrishna manifestou em vida, em grau maiselevado do que qualquer outro, a idia da harmonia e da universalidade religiosas.

    Submeteu-se no apenas s disciplinas de seitas divergentes dentro do Hindusmo,

    como tambm s do Islamismo e do Cristianismo. Ele descobria em cada caminho

    religioso a suprema manifestao de Deus, credenciando-se assim a proclamar com a

    autoridade da experincia pessoal: "Muitas religies, muitos caminhos para alcanar um

    nico e mesmo objetivo.

    Foi por volta de que Sri Ramakrishna comeou a se interessar pelo

    Cristianismo. Um devoto que costumava visitar o Mestre no jardim do templo de

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    Dakshineswar, prximo de Calcut, explicava-lhe a Bblia em bengali. Certo dia,

    sentado na sala de visitas da casa de outro devoto, Sri Ramakrishna viu um quadro de

    Nossa Senhora com o Menino. Absorvido em contempl-lo, viu-o de repente tomar-se

    vivo e resplendente. Um amor ardente por Cristo invadiu seu corao, sobrevindo-lhe a

    viso de uma igreja crist, onde devotos queimavam incenso e acendiam velas diante de

    Jesus. Durante trs dias, Sri Ramakrishna viveu sob o apelo dessa experincia. No

    quarto dia, enquanto caminhava por um bosque de Dakshineswar, viu aproximar-se uma

    pessoa de semblante sereno, cujo olhar o fixava. Do recesso mais profundo do corao

    adveio-lhe a manifestao: "Este Jesus, que derramou o sangue de seu corao pela

    redeno da humanidade. Este no outro seno a personificao do amor/' O Filho do

    Homem abraou ento Sri Ramakrishna e entrou dentro dele: Sri Ramakrishna

    atingiu o samadhi, o estado de conscincia transcendental. Foi assim que Sri

    Ramakrishna se convenceu da divindade de Cristo.

    Pouco depois de sua morte, nove de seus jovens discpulos reuniram-se

    numa noite diante de um fogo sagrado, a fim de pronunciarem os votos de renncia

    formal - da em diante haveriam de servir a Deus como monges. Seu lder, o futuro

    Swami Vivekananda, contou aos irmos a histria da vida de Jesus, pedindo-lhes que

    eles prprios se tornassem outros Cristos, empenhando-se na ajuda da redeno domundo e negando-se a si mesmos, como o fizera Jesus. Mais tarde, os monges

    descobriram que aquela noite fora a da vspera do Natal ocasio realmente propcia

    para o pronunciamento de seus votos.

    Desse modo, desde os primeiros dias da nossa ordem, Cristo tem sido

    honrado e reverenciado por nossos swamis como um dos maiores mestres iluminados.

    Muitos de nossos monges citam as palavras de Cristo para explicar e ilustrar as

    verdades espirituais, percebendo uma unidade essencial entre a mensagem dele e a dosnossos sbios e videntes hindus. Como Krishna e Buda, no prega Cristo um mero

    evangelho tico ou social, mas sim um evangelho incondicionalmente espiritual. Ele

    afirmou que Deus pode ser visto, que a perfeio divina pode ser alcanada. Para que os

    homens atinjam o objetivo supremo da existncia ensinou a renncia ao mundanismo, a

    contemplao de Deus e a purificao do corao atravs do amor de Deus. Estas

    verdades simples e profundas, declaradas reiteradamente no Sermo da Montanha,

    constituem-lhe o tema subjacente, como tentarei demonstrar nas pginas que se seguem.

    Julho, Swami Prabhavananda

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    CAPTULOI

    ASBEMAVENTURANAS

    Antes de chegada a hora de pronunciar o Sermo da Montanha, Jesus

    pregou por toda a Galilia. "Sua fama alcanou a Sria inteira", como disse So Mateus.

    As novas revelavam um mestre extraordinrio, e multides afluam para v-lo como

    haviam feito h milhares de anos no Oriente, e ainda o fazem, aproximao de um

    homem-Deus. Elas vinham "da Galilia e da Decpolis, de Jerusalm e da Judia, e de

    alm do Jordo". E Jesus ensinava as multides de acordo com a capacidade delas; mas

    o Sermo que contm seus ensinamentos mais elevados reservou-o ele para os seus

    discpulos, para aqueles que estavam espiritualmente preparados. Levou-os encosta de

    uma colina, onde no seriam interrompidos pelos que no estivessem preocupados com

    sua verdade suprema.

    Vendo a multido, subiu ao monte. Ao sentar-se, aproximaram-se dele os

    seus discpulos:

    E abrindo a boca, ensinava-os, dizendo...

    Todo mestre espiritual, seja uma encarnao divina ou uma alma iluminada,

    tem dois conjuntos de ensinamentos um para a multido, outro para os discpulos. O

    elefante possui dois conjuntos de dentes: as presas com que se defende das dificuldades

    exteriores e os dentes com os quais come. O mestre espiritual prepara o caminho de sua

    mensagem com lies genricas seriam suas presas. A verdade profunda da religio

    ele a revela apenas aos discpulos ntimos. Porque a religio algo que pode de fato ser

    transmitido. Um mestre verdadeiramente iluminado pode transmitir-nos o poder que

    revela a conscincia divina, latente em ns. Mas preciso que o campo seja frtil e o

    solo esteja pronto antes que a semente possa ser semeada.

    Quando multides vinham aos domingos visitar Sri Ramakrishna, o mstico

    da ndia moderna mais amplamente reverenciado, ele lhes falava de um modo vago, quelhes fazia benefcio. Mas quando os discpulos ntimos se reuniam sua volta

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    conforme me contou um deles ele procurava certificar-se de que ningum mais o

    ouvia, enquanto lhes ministrava as verdades sagradas da religio. No que as verdades

    em si sejam secretas elas esto registradas e qualquer um pode l-las. O que, porm,

    ele dava queles discpulos era mais do que ensinamentos verbais; de um jeito divino,

    ele lhes despertava a conscincia.

    Cristo ensinava desse mesmo modo. Ele no pronunciou o Sermo da

    Montanha para as multides, e sim para os discpulos, cujos coraes estavam prontos

    para receb-lo. As multides ainda no esto aptas para entender a verdade de Deus. De

    fato, nem a desejam. Meu mestre, Swami Brahmananda, costumava dizer: "Quantos

    esto prontos? Sim, muita gente vem at ns. Temos o tesouro a dar-lhes. Mas eles

    querem apenas batatas, cebolas e berinjelas.

    Qualquer um de ns que deseje sinceramente o tesouro, que busque a

    verdade, pode beneficiar-se da mensagem dada no Sermo da Montanha e pode tornar-

    se um discpulo. Cristo, como veremos em nosso estudo do Sermo, fala das condies

    que temos de possuir para sermos discpulos e para as quais precisamos preparar-nos.

    Ele ensina os caminhos e os meios para atingirmos a purificao de nossos coraes, de

    modo que a verdade de Deus possa revelar-se por inteiro dentro de ns.

    Bem-aventurados os pobres em esprito, porque deles o reino dos cus.

    Nesta primeira bem-aventurana, Cristo fala da principal caracterstica que o

    discpulo precisa possuir, antes que esteja pronto para receber o que o mestre iluminado

    tem para lhe dar. Ele precisa ser pobre em esprito: noutras palavras, precisa ser

    humilde. Se uma pessoa orgulha-se do que sabe, da riqueza, da beleza ou da linhagem;

    se tem idias preconcebidas do que seja a vida espiritual e de como deveria ser ensinada

    ento sua mente no est receptiva aos ensinamentos mais elevados. Lemos noBhagavad-Git, o evangelho dos hindus:

    "As almas iluminadas que perceberam a verdade ho de instruir-te no

    conhecimento de Brahma (o aspecto transcendental de Deus), se tu te prostrares diante

    delas, as inter-rogares e as servires como um discpulo.

    Segundo um conto indiano, certo homem procurou um mestre e pediu-lhe

    para ser seu discpulo. Com intuio espiritual, percebeu o mestre que o homem noestava ainda preparado para ser instrudo. Por isso lhe perguntou:

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    Voc sabe o que precisa fazer para ser meu discpulo?

    O homem respondeu que no e pediu ao mestre que lho dissesse.

    Bem, disse o mestre, voc precisa ir buscar gua, apanhar lenha,

    cozinhar e trabalhar muitas horas em servios pesados. Precisa tambm estudar. Est

    disposto a fazer tudo isto?

    O homem respondeu:

    Sei agora o que o discpulo precisa fazer. Diga-me, por favor: e o mestre,

    o que ele faz?

    Ah, o mestre fica sentado, e em sua maneira recolhida d as instruesespirituais.

    Entendi, disse o homem. Nesse caso, no quero ser discpulo. Por que

    voc no faz de mim um mestre?

    Todos ns desejamos ser mestres, preciso, porm, que antes de nos

    tornarmos mestres, aprendamos a ser discpulos. Precisamos aprender a humildade.

    Bem-aventurados os que choram: porque sero consolados.

    Enquanto nos julgarmos ricos de bens terrenos ou de conhecimentos, no

    poderemos progredir espiritualmente. Quando sentirmos que somos pobres em esprito,

    quando nos afligirmos por no termos percebido a verdade de Deus somente ento

    seremos consolados. Sem dvida que todos ns choramos mas por qu? Pela perda

    de prazeres e de posses terrenos. Mas, no desse tipo de lamento que Cristo fala. O

    lamento que Cristo chama de "abenoado" bastante raro, porquanto nasce de um

    sentimento de perda espiritual, de solido espiritual. um lamento que surge

    necessariamente antes que Deus nos console. A maioria de ns est inteiramente

    satisfeita com a vida superficial que leva. No fundo de ns, talvez tenhamos conscincia

    de que nos falta algo, mas agarramo-nos ainda na esperana de que essa falta possa ser

    preenchida pelos objetos sensveis deste mundo.

    Sri Ramakrishna costumava dizer: "As pessoas derramam rios de lgrimas

    porque um filho no nasceu ou porque no conseguiram ficar ricas. Quem, entretanto,verte sequer uma lgrima por no ter visto Deus?" Este falso sentido de valores

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    resultado da nossa ignorncia. No tocante natureza dessa ignorncia, o filsofo

    indiano Sankara dizia que o sujeito, o cognocente (o Eu ou o Esprito), ope-se tanto ao

    objeto, o conhecido (no-Eu ou matria), como a luz se ope s trevas. No entanto, por

    influncia de maya o poder inexplicvel da ignorncia sujeito e objeto misturam-

    se a tal ponto que, em geral, o homem identifica o Eu com o no-Eu. muito fcil

    entender intelectualmente que o Eu verdadeiro diferente do corpo, da mesma forma

    que somos diferentes da roupa que vestimos. Todavia, quando o corpo adoece, dizemos:

    "Estou doente." Intelectualmente, podemos entender que o verdadeiro Eu diferente da

    mente. Mas, se temos uma alegria ou um sofrimento, dizemos: "Estou feliz", ou "Sou

    um miservel." Alm disso, identificamo-nos com os nossos parentes e amigos: algo

    que aconteceu a eles parece estar acontecendo a ns. Identificamo-nos com as nossas

    posses. Se perdemos nossas riquezas, sentimo-nos como se perdssemos a ns mesmos.

    Essa ignorncia comum a toda a humanidade. Somente o conhecimento direto de Deus

    pode remov-la. Quando comeamos a sentir uma ausncia espiritual dentro de ns,

    quando comeamos a lamentar como o Cristo queria que lamentssemos, quando

    vertemos pelo menos uma lgrima por Deus ento estamos preparando o caminho

    para o consolo daquele conhecimento divino.

    A espcie de lamento que Cristo chamava de bem-aventurado vem expressona imitao de Cristo:

    " meu Deus, quando poderei ser um contigo e fundir-me em teu amor, a

    ponto de me esquecer por inteiro de mim mesmo? S tu em mim, e eu em ti; e concede

    que possamos permanecer assim, sempre juntos num s.

    preciso que atinjamos esse estgio, quando sentirmos que nada mais nos

    d paz, a no ser a viso de Deus. Ento Deus atrai a mente do homem para si como um

    m atrai a agulha e o consolo chega.

    Bem-aventurados os mansos, porque eles herdaro a terra.

    A ignorncia e a iluso so caractersticas da mente degenerada. Tal

    ignorncia confirmada e suportada pelo nosso sentimento de ego a nossa idia de

    que estamos separados uns dos outros e de Deus. Importa superar o egosmo para que a

    mente se livre da iluso. Portanto, bem-aventurados os mansos. Mas, por que diz Cristo

    que eles herdaro a terra? primeira vista isso parece de difcil compreenso. Entre os

    aforismos iogues de Patanjali (ioga significa unio com Deus, bem como o caminho

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    para essa unio) h um que corresponde a essa bem-aventurana: "O homem que toma a

    resoluo de no roubar torna-se o mestre de todos os ricos." Que quer dizer "no

    roubar"? Quer dizer que precisamos desistir da iluso egosta de que podemos possuir

    coisas, de que algo pode pertencer-nos de modo exclusivo, como indivduos. Podemos

    pensar: "Mas somos pessoas boas. Nada roubamos! Tudo quanto possumos fruto do

    nosso trabalho e merecimento. Pertence-nos por direito!" A verdade, porm, que nada

    nos pertence. Tudo pertence a Deus. Quando olhamos qualquer coisa deste universo

    como nossa, estamos apropriando-nos de coisas de Deus.

    O que ento a mansido? viver em auto-sujeio a Deus, livre do

    sentimento de "eu" e de "meu". Isso no significa que devamos fugir da riqueza, da

    famlia e dos amigos; devemos, porm, fugir da idia de que eles nos pertencem. Elespertencem a Deus. Devemos olhar-nos como servos de Deus, aos quais ele confia suas

    criaturas e bens. To logo assimilemos essa verdade e desistamos de nossas pretenses

    ilusrias e individuais, descobriremos que, em seu sentido mais genuno, tudo nos

    pertence, no final das contas.

    Os conquistadores que se empenham em serem senhores do mundo pela

    fora e pelas armas jamais herdam outra coisa alm de ansiedades, aborrecimentos e

    dores de cabea. Os avarentos, que acumulam riquezas enormes, no fazem mais do que

    acorrentarem-se ao ouro jamais o possuem realmente. Mas o homem que abandona o

    sentimento de apego prova as vantagens que os bens proporcionam, sem a angstia que

    a posse acarreta.

    Muita gente se desagrada desta palavra de Cristo, por julgar que o manso

    nunca pode conseguir nada. Julgam que no h felicidade na vida, a menos que se use

    de agressividade. Quando lhes dizem para porem de lado o ego, para serem mansos

    temem que perdero tudo. Erro deles, porm. Nas palavras de Swami Brahmananda:

    "As pessoas que vivem pelos sentidos pensam que esto gozando a vida.

    Que sabem elas do prazer? S aqueles que esto plenos da felicidade divina gozam de

    fato a vida.

    Todavia, argumentos no provam esta verdade: preciso vivenci-la a,

    ento, fica-se convencido.

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    Se um candidato espiritualidade segue sinceramente o ensinamento de

    Cristo quanto mansido, acabar por ach-lo muito prtico. Descobrir que a clera e

    o ressentimento podem ser conquistados pela doura e pelo amor. O mstico chins Lao-

    Tzu expressa esta verdade ao dizer:

    "Das coisas macias e fracas deste mundo, nenhuma mais frgil do que a

    gua. Mas, para vencer o que firme e forte, ningum pode igual-la. que macio

    conquista o duro. A rigidez e a dureza so companheiras da morte. A maciez e a ternura

    so companheiras da vida' Abandonando sinceramente o ego a Deus tornando-nos

    mansos alcanaremos tudo: herdaremos a terra.

    Bem-aventurados os que tm fome e sede de justia, porque eles sero

    saciados.

    Qual a justia da qual o Cristo nos quer sedentos e famintos? Trata-se da

    justia que em inmeras passagens do Antigo Testamento praticamente sinnimo de

    salvao noutras palavras, libertao do mal e unio com Deus. Esta justia,

    portanto, nada tem a ver com o que comumente pensamos como virtudes morais ou

    boas qualidades, no se relaciona com o bem em oposio ao mal, nem com a virtude

    em oposio ao vcio; trata-se da justia absoluta, da bondade absoluta. O faminto e

    sedento de justia de que fala o Cristo o faminto e sedento do prprio Deus.

    J se salientou que a maioria de ns no quer de fato Deus. Se nos

    analisarmos, descobriremos que nossos interesses relativos a Deus quase nada tm da

    fora do nosso interesse por todo tipo de objetos materiais. Mas at mesmo um ligeiro

    desejo de conhecer a realidade divina um comeo que nos pode levar mais acima.

    Precisamos comear com um esforo prprio. Precisamos batalhar para desenvolver o

    amor ao Senhor, praticando a relembrana dele, rezando, adorando e meditando. medida que praticarmos essas disciplinas espirituais, o nosso frgil desejo de

    compreend-lo h de intensificar-se, at se converter em fome violenta, em sede

    ardente.

    queles que lhe perguntavam como compreender Deus, Sri Ramakrishna

    dizia:

    ''Gritem-lhe com um corao anelante, e ento vocs o vero. Aps a luzrsea da aurora, surge o Sol; do mesmo modo, ao anelo segue-se a viso de Deus. Ele se

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    revelar a vocs se vocs o amarem com a fora combinada destes trs apegos: o apego

    do avaro sua riqueza, o da me criana recm-nascida e o da esposa virtuosa a seu

    marido. O anelo intenso o caminho mais seguro para a viso de Deus.

    Precisamos aprender a direcionar todos os nossos pensamentos e toda anossa energia, de forma consciente, para Deus. preciso que se erga em nossa mente

    uma onda gigantesca de pensamento, envolvendo todos os desejos e paixes que nos

    desviam da meta espiritual. Quando a mente se torna focalizada e concentrada em Deus,

    ento seremos locupletados de justia.

    Conta-se a histria de um discpulo que perguntou ao mestre:

    Senhor como pode ter a percepo de Deus?

    Venha disse o mestre , vou lhe mostrar.

    O mestre levou o discpulo a um lago e ambos mergulharam. De repente, o

    mestre chega ao discpulo a afunda-lhe a cabea na gua. Momentos depois, o solta e

    pergunta-lhe:

    Ento, como se sentiu?

    Oh, eu quase morri de falta de ar disse ofegante o discpulo.

    Ento o mestre retrucou:

    Quando voc tiver essa mesma sensao intensa por Deus, no precisar

    mais esperar muito pela viso dele.

    Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcanaro misericrdia.

    Um dos aforismos de Patanjali, o pai da psicologia hindu, corresponde a

    esta bem-aventurana:

    "A calma imperturbvel da mente alcanada atravs da amizade para com

    aquele que feliz, da misericrdia e compaixo para com o infeliz, da satisfao na

    virtude e da indiferena pelo mal/' Ser misericordioso condio necessria para que

    possamos receber a verdade de Deus. A inveja, o cime, o dio eis algumas das

    fraquezas universais inatas no homem. Esto ligadas ao nosso sentimento do eu que

    provm da ignorncia. Como faremos para super-las? Erguendo uma onda oposta de

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    pensamento. Quando algum feliz, no devemos invej-lo; devemos procurar

    concretizar nossa amizade e unio e sermos felizes com ele. Quando algum infeliz,

    no devemos ficar alegres com isso: devemos sentir simpatia e ser misericordiosos.

    Quando uma pessoa boa, no devemos invej-la. Se for m, no a odiemos. Sejamos

    indiferentes ao malvado. Qualquer pensamento de dio, mesmo o assim chamado "dio

    justo" ao mal, despertar uma onda de dio e de maldade em nossas prprias mentes,

    aumentando nossa ignorncia e inquietao. No podemos pensar no Senhor, ou am-lo,

    enquanto subsistir essa onda de pensamento. Se desejarmos encontrar Deus precisamos

    assemelhar-nos a Deus na misericrdia.

    Meu mestre costumava dizer: "Qual a diferena entre o homem e Deus? O

    homem, se voc o ferir apenas uma vez, esquecer toda a bondade anterior que voc lhefez e se lembrar sempre da nica vez em que voc falhou. Mas, se voc se esquecer de

    Deus e pecar contra ele centenas de vezes, ainda assim ele olvidar todas as faltas e se

    lembrar das poucas vezes em que voc rezou a ele com sinceridade. O pecado existe

    apenas nos olhos do homem; Deus no olha para os pecados do homem.

    Bem-aventurados os puros de corao, porque eles vero a Deus.

    Encontramos em qualquer religio dois princpios bsicos: o ideal de

    realizao e o mtodo para realizar-se. Qualquer escritura do mundo tem proclamado a

    verdade de que Deus existe e de que a finalidade da vida do homem conhec-Lo. Todo

    grande mestre espiritual tem ensinado que o homem precisa conhecer Deus e renascer

    em esprito. No Sermo da Montanha, a realizao desse objetivo vem expressa como a

    perfeio em Deus: "Sede perfeitos como vosso Pai que est nos cus perfeito." E o

    mtodo de realizao que Cristo ensina a purificao do corao que leva a essa

    perfeio.

    Qual essa pureza que precisamos ter antes que Deus se revele a ns: Todos

    ns conhecemos pessoas que poderamos descrever como puras no sentido tico

    mas que no tm visto Deus. Por qu? A vida tica, a prtica decidida das virtudes

    morais, se faz necessria como preparao para uma vida espiritual, sendo, portanto,

    ensinamento fundamental de qualquer religio. Todavia, isso no nos habilita a que

    vejamos a Deus. como o alicerce de uma casa; no a estrutura superior.

    Como testar a pureza? Procure pensarem Deus, exatamente neste momento.

    O que voc encontra? O pensamento da presena dele passa por nossa mente, talvez

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    como um relmpago. Seguem-se depois muitas distraes. Voc acaba pensando em

    tudo o mais que h no universo, menos em Deus. Tais distraes evidenciam que a

    mente ainda impura e que no est preparada para receber a viso de Deus. As

    impurezas consistem em diferentes impresses que a mente foi acumulando atravs de

    sucessivos nascimentos. As impresses foram criadas e armazenadas no inconsciente da

    mente, como conseqncia de aes e pensamentos individuais, representando em sua

    totalidade o carter da mente. Importa dissolver por completo essas impresses antes

    que se possa considerar a mente purificada. So Paulo refere-se a essa reviso mental

    em sua Epstola aos Romanos, ao dizer: "... busquem transformar-se atravs da

    renovao da mente".

    De acordo com a psicologia iogue, cinco so as causas originais dasimpresses existentes na mente. A primeira a ignorncia, num sentido amplo, da nossa

    natureza divina. Deus habita dentro de ns e nossa volta; todavia, no guardamos

    conscincia dessa verdade. Em vez de ver Deus, vemos o universo de muitos nomes e

    formas, que julgamos real exatamente como o homem que, vendo uma corda

    esticada em meio poeira do cho, no escuro de sua ignorncia pode pensar que uma

    cobra. Em segundo lugar vem o sentimento do eu, projetado por essa ignorncia, que

    nos faz pensar em ns mesmos como separados de Deus e separados uns dos outros.Alm do sentimento do eu, desenvolvemos o apego e tambm a averso: somos atrados

    por umas coisas e repelidos por outras. Tanto o desejo como o dio so empecilhos no

    caminho para Deus. A quinta causa das impresses mentais impuras a nsia de viver,

    que Buda chama de tanha, e qual o Cristo se refere quando diz: "Quem quiser salvar

    sua vida, que a perca." Este apego vida, ou medo da morte, natural em todos, tanto

    nos bons como nos maus. Somente as almas iluminadas esto imunes ignorncia, ao

    sentimento do eu, ao apego, averso e ao medo da morte; para elas, as impresses

    todas se esvaram.

    Mesmo que Deus nos oferecesse, neste exato momento, o esclarecimento

    espiritual ns o recusaramos. Mesmo que estivssemos procurando Deus,

    momentaneamente recuaramos de pnico se estivssemos prestes a ter uma viso dele.

    Agarramo-nos instintivamente nossa vida superficial e conscientizao, temerosos

    de abandon-las, muito embora, ao agir assim, estejamos passando para uma

    conscientizao infinita, comparada qual nossas percepes normais so, nas palavrasdo Bhagavad-Gita, "como uma noite espessa e um adormecer".

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    Swami Vivekananda, o apstolo de Sri Ramakrishna, foi desde a mocidade

    uma alma pura que anelava por Deus. No entanto, ele provou desse mesmo medo.

    Quando esteve pela primeira vez com seu futuro mestre, Sri Ramakrishna tocou-o e sua

    viso espiritual comeou a abrir-se. Ento Vivekananda exclamou: "O que ests fazendo

    comigo? Tenho meus pais em casa!" Respondeu Sri Ramakrishna: "Ah, at voc!/;

    Ele viu que mesmo aquela alma grandiosa estava sujeita ao apego universal da

    conscincia superficial.

    Existem muitos caminhos de purificao do corao. Como haveremos de

    ver, Cristo procurava mostr-los ao longo do seu Sermo. Qualquer que seja o mtodo,

    o princpio essencial o devotamento a Deus. Quanto mais pensarmos em Deus e nele

    nos refugiarmos, tanto mais o amaremos e mais puros se tornaro nossos coraes.

    O princpio de centralizar nosso corao em Deus igualmente afirmado

    pelos homens santos, quer sejam das tradies judaicas, crists ou hindus. "O Senhor

    minha fora e meu escudo", diz o Salmista. Na Imitao de Cristo, lemos: 'Tu s minha

    esperana, minha verdade e meu consolo... Vejo que tudo fraco e inconstante fora de

    ti.

    Swami Brahmananda ensinava essa mesma verdade a seus discpulos:

    "Agarre-se ao pilar de Deus!" Na ndia, as crianas primeiro se agarram a um pilar,

    depois giram ao seu redor sem perigo de cair. De igual modo, enquanto nos

    agarrarmos a Deus, perceberemos que a experincia do prazer e da dor so inconstantes

    em sua natureza profunda. E quanto mais nos apegarmos ao pilar de Deus e a ele nos

    devotarmos, nossas paixes e desejos, que atrapalham a viso de Deus, perdem a sua

    fora.

    Um modo de aplacar a mente e aumentar a pureza tentar sentir que jsomos puros e divinos. No se trata de uma iluso. Deus nos criou sua imagem;

    portanto, a pureza e a divindade so, no fundo, a nossa natureza. Se gritarmos a vida

    toda que somos pecadores, apenas nos enfraqueceremos. Sri Ramakrishna costumava

    dizer que, repetindo continuamente, "Sou um pecador", a gente acaba virando de fato

    pecador. Deve-se ter tanta f, a ponto de dizer: "Cantei o santo nome do Senhor. Como

    pode haver algum pecado em mim?

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    "Reconhece teus pecados perante o Senhor ensinava Sri Ramakrishna

    e jura no repeti-los. Purifica o corpo, a mente e a lngua, cantando o nome dele. Quanto

    mais te moveres rumo luz, mais te afastars da escurido.

    Bem-aventurados os pacficos, porque sero chamados filhos de Deus.

    Somente quando estivermos iluminados pelo conhecimento unificador de

    Deus que nos tornaremos seus filhos e produtores da paz. Claro que somos filhos

    permanentes de Deus, mesmo em nossa ignorncia. Mas, em sua ignorncia, nosso ego

    "imaturo": arrogante e se esquece de Deus. No podemos trazer paz enquanto no

    tivermos completado nossa unio com Deus e com todos os seres. No estado de

    conscincia transcendental (a unio divina perfeita, que os hindus chamam samadhi) a

    alma iluminada no tem ego; seu ego est imerso na mente de Deus. Ao retornar a um

    nvel mais baixo de conscincia, mostra-se ela novamente segura da sua

    individualidade; agora, porm, tem um sentimento "maduro" do ego, que no cria

    nenhuma escravido para si mesmo ou para os outros. Para ilustrar esse ego

    amadurecido, as escrituras hindus falam de uma corda queimada: tem o aspecto de uma

    corda, mas no pode prender nada. Sem esse tipo de ego, no seria possvel para um

    Deus-homem viver sob a forma humana e ensinar. Quando eu era ainda um jovem

    monge, um discpulo de Sri Ramakrishna disse certa vez:

    "Por vezes -me impossvel ensinar. Para onde quer que olhe, vejo apenas

    Deus, usando diferentes mscaras, assumindo inmeras formas. Quem o mestre ento?

    Quem deve ser ensinado? Mas, quando minha mente desce de nvel, passo a ver as tuas

    faltas e fraquezas e procuro remov-las.

    H uma passagem no Bhagavata, escritura devota e popular dos hindus, que

    reza: "Aquele em cujo corao Deus se manifestou leva a paz, a alegria e o encantoaonde quer que v." o promotor de paz de que fala Cristo nas Bem-aventuranas.

    Recordo-me de uma vida que vi vida de meu mestre, Swami Brahmananda. Todos os

    que vinham sua presena sentiam uma alegria espiritual. E aonde quer que fosse

    levava consigo uma atmosfera de festividade.

    Num de nossos mosteiros havia certo nmero de jovens postulantes, ainda

    no preparados, recm-vindos da escola. Aps ficarem juntos algum tempo, suas velhas

    tendncias comeavam a afirmar-se e os rapazes formavam grupinhos e discutiam. Um

    veterano swami de nossa ordem investigou a situao; interrogou cada um e logo

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    descobriu os lderes. Depois, escreveu para o Swami Brahmananda, principal da nossa

    ordem, dizendo que eles no se adequavam vida monstica e deviam ser expulsos.

    Meu mestre respondeu: "No faam nada a respeito; vou a pessoalmente." Ao chegar

    no mosteiro, no perguntou nada a ningum. Apenas ficou vivendo ali. S num ponto

    insistia que todos os jovens meditassem regularmente todos os dias na sua presena.

    Logo, os jovens esqueceram suas discusses. A atmosfera geral do lugar tornou-se

    elevada. Quando Swami Brahmananda partiu, dois ou trs meses mais tarde,

    estabelecera-se uma harmonia perfeita no mosteiro. Ningum fora expulso. As mentes e

    os coraes dos postulantes transformaram-se. Assim que entrei em nosso mosteiro de

    Belur, dois jovens discutiram e pegaram-se aos tapas. Swami Premananda, ento abade,

    viu isso e pediu a Brahmananda, seu discpulo-irmo, que os mandasse embora.

    Respondeu-lhe meu mestre: "Irmo, eles no vieram para c como almas perfeitas;

    vieram a ns para atingir a perfeio. Faa algo por eles!" Swami Premananda disse:

    "Voc tem razo!" Reuniu-nos a todos e levou-nos a Swami Brahmananda. Cruzando as

    mos, pediu a meu mestre que nos abenoasse. Swami Brahmananda ergueu a mo

    sobre nossas cabeas e, um a um, prostramo-nos diante dele. Falando de minha prpria

    experincia, o que posso dizer que aquela bno foi como uma ducha fria num corpo

    febril. Produziu uma exaltao interior que podia ser sentida, mas no descrita.

    Esquecemo-nos de todas as preocupaes e nossos coraes encheram-se de amor. Essa

    a maneira como um verdadeiro promotor da paz nos afeta. Ao serem nossos coraes

    elevados pela presena dele, no temos vontade de discutir, porque mergulhamos no

    amor de Deus.

    Bem-aventurados os que so perseguidos por causa da justia, porque deles

    o reino dos cus.

    Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem e vos perseguirem e,mentindo, disserem todo o mal contra vs por causa de mim.

    Alegrai-vos e regozijai-vos, porque ser grande a vossa recompensa nos

    cus, pois foi assim que perseguiram os profetas, que vieram antes de vs.

    As pessoas profanas no compreendem o valor da vida espiritual.

    Freqentemente, caoam do aspirante espiritualidade e s vezes, o ultrajam, tentando

    fazer-lhe injrias. Mas, o religioso no reage a isso. Sua mente est fixada em Deus;

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    portanto, sente a unidade, enxerga a ignorncia e misericordioso. No importa que seja

    criticado ou injuriado; no lhe interessa agradar s pessoas profanas.

    Conta-se a histria de um monge em viagem que, cansado, repousou sob

    uma rvore. No tendo travesseiro, arrumou alguns tijolos e neles descansou a cabea.Algumas mulheres transitavam pelo caminho, indo apanhar gua no rio. Vendo o

    monge em repouso, disseram entre si: "Esse jovem tornou-se monge e ainda no

    consegue passar sem um travesseiro; usa tijolos em seu lugar!" Prosseguiram em seu

    caminho e o monge pensou: 'Tm razo de criticar-me." Pondo de lado os tijolos,

    descansou a cabea na terra. Logo depois, as mulheres voltaram e viram que tijolos

    haviam sido postos de lado. Ento exclamaram com desdm:

    Que belo tipo de monge! Ofendeu-se quando dissemos que usava

    travesseiro. Veja, agora ps fora o travesseiro!

    O monge refletiu: "Se uso travesseiro, criticam-me. Se deixo de us-lo,

    tambm no lhes agrado. Impossvel satisfaz-las. Deixe-me, pois, agradar apenas a

    Deus.

    Nenhum homem verdadeiramente espiritual age tendo em vista causar boa

    impresso aos outros ou buscando prestgio para si. s vezes sente exatamente o oposto,

    ou seja, se por amor de Deus for preciso ficar contra o mundo inteiro, ele ficar e

    ficar sozinho. Ele no se preocupa com o que os outros pensem dele.

    Em geral, quando algum fala mal de ns ou tenta ofender-nos, somos

    instintivamente levados a aplacar nosso ego, e no a agradar a Deus; e sentimos vontade

    de revidar. Mas, se nos entregarmos a esse desejo de revide a ningum mais

    causaremos danos a no ser a ns prprios; porque, quando irritados ou ressentidos,

    interrompemos nosso pensamento em Deus. Por isso, todos os grandes mestres

    espirituais tm ensinado como Cristo, a no revidar, a no resistir ao mal mas sim, a

    rezar por aqueles que nos insultam e perseguem.

    Naturalmente, nem todos podem conseguir a no-resistncia. Para o homem

    que no vive em estado de conscincia de Deus, que v o mal seu dever combat-

    lo. Para ele, a no-resistncia seria uma desculpa para a hipocrisia ou para a covardia, e

    no uma virtude. Antes que um indivduo esteja pronto para oferecera outra face, preciso que esteja espiritualmente amadurecido; preciso que tenha atingido a pureza

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    de corao. (Isto se discutir mais detalhadamente no Captulo.) Somente a alma

    iluminada, que v Deus em todos os seres, pode conservar a pacincia, a tolerncia e a

    tranqilidade perfeitas, em meio aos conflitos e s contradies da vida.

    Ao longo da histria da religio, encontramos essas almas iluminadas santos e encarnaes divinas que vivem o ideal da no-resistncia e do perdo. Ao

    implorar na Cruz: "Pai, perdoai-lhes, pois no sabem o que fazem", Cristo se torna o

    maior e mais famoso dos exemplos. Em nosso prprio tempo, Sri Ramakrishna tipificou

    o mesmo ideal, conforme ilustram as passagens a seguir.

    Um padre no jardim do templo de Dakshineswar, onde vivia Sri

    Ramakrishna, enciumou-se porque Mathur Babu, o administrador dos bens do templo,

    preocupava-se com Sri Ramakrishna, e estava sempre presente menor perturbao, a

    fim de garantir-lhe o bem-estar. Esse padre comeou a pensar que Sri Ramakrishna

    lanara palavras mgicas sobre Mathur, para conserv-lo sob controle. Insistentemente

    implorava, pois, a Sri Ramakrishna que lhe revelasse a frmula secreta desse sucesso. E

    todas s vezes, repetia-lhe o Mestre que no empregara poderes ocultos. Mas o padre

    no acreditava nele. Certo dia, estando Sri Ramakrishna em seu quarto, absorto na

    conscientizao de Deus, o padre entrou sorrateiramente chutando-o e batendo-lhe at

    deix-lo sangrando. Sri Ramakrishna no relatou o ocorrido a ningum, a no ser muito

    mais tarde, depois que o padre pedira para deixar o templo por outra razo qualquer.

    Quando falou disso a Mathur, este exclamou: "Ah, pai, por que no me contou antes! Eu

    teria arrancado a cabea dele!" Retrucou Sri Ramakrishna: "Justamente por isso no lhe

    contei... Ele no tinha culpa: estava sinceramente convencido de que eu dominava voc

    por meios mgicos. Censuro-me por no o ter convencido de que eu dizia a verdade!

    Diz-nos Cristo que o cu a recompensa daqueles que so perseguidos por

    causa de Deus. De igual modo, imediata a recompensa da alma iluminada que no

    revida s injrias recebidas, pois sabe que o cu est sempre presente, em seu interior

    como fora dele, mesmo nesta vida. Ele v Deus sob a forma de Atman habitando em seu

    corao. V Deus sob a forma de Brahma penetrando todo o universo. Venera a Deus

    em cada criatura. As pessoas talvez pensem que o santo perseguido um sofredor. No

    percebem que a mente dele, absorta em Deus, transcende a conscincia fsica, e que o

    santo superou as tribulaes deste mundo, apesar de ainda viver na terra. Nas palavras

    do Bhagavad-Gta:

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    Sua mente est morta Para o apeio das coisas exteriores:

    Mas vive para A bem-aventurana de Atman.

    E porque seu corao conhece Brahma, Sua felicidade perene!

    CAPITULOII

    OSALDATERRA

    Vs sois o sal da terra. Ora, se o sal se tornar insosso, com que se h desalgar? Para nada mais serve, sendo para ser lanado fora e pisado pelos homens.

    Na ndia, quando um discpulo busca um mestre, este, antes de mais nada,

    procura infundir-lhe confiana em si prprio, e o sentimento de que a fraqueza, a

    covardia e o fracasso no fazem parte da sua verdadeira natureza. No segundo livro do

    Bhagavad-Gita, quase s primeiras palavras de Sri Krishna a encarnao divina a

    Arjuna, lemos: "Que fraqueza essa? Ela est abaixo de voc... Livre-se dessa

    covardia!

    Assim como voc v o contedo de um armrio de loua atravs de suas

    portas de vidro, assim um grande mestre v o ntimo do seu corao. Entretanto, ele no

    o condena por suas faltas e fraquezas. Ele conhece a natureza humana. E porque sabe

    que, ao sentir-se fraco e deprimido, voc no consegue realizar nada, no pode crescer

    espiritualmente ele lhe transmite confiana em si mesmo.

    O mestre no enxerga apenas o que voc agora, mas tambm ascapacidades que voc pode desenvolver. H QO alguns anos, um jovem swami,

    deixando a ndia para ir pregar na Amrica, procurou o Swami Turiyananda. Quando

    este grande discpulo de Sri Ramakrishna se ps a elogiar com nfase o jovem monge,

    este protestou: "Senhor, no tenho nenhuma das qualidades com que ests me

    elogiando!" Replicou-lhe Turiyananda: "Que sabes sobre ti mesmo? Vejo o que ests

    para revelar!" Temos todos o poder de revelar a divindade latente em ns; o mestre,

    porm, d-nos confiana em nossa capacidade de faz-lo.

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    Ao mesmo tempo, impe-se lembrar a bem-aventurana: "Bem-aventurados

    os mansos..." A mansido e a confiana em si mesmo precisam estar juntas. A f que

    Cristo incutia em seus discpulos, chamando-os de "sal da terra", no era a f no Eu

    inferior, no ego, mas a f no Eu superior, a f no Deus dentro de ns. Com essa f, vem

    a auto-submisso, a libertao de todo sentimento do ego.

    Sri Ramakrishna ilustrava esta verdade com uma passagem da mitologia

    hindu. Contava ele como Radha, a mais ilustre das pastoras, preferida de Sri Krishna,

    tornou-se aparentemente assaz egosta. Quando as outras pastoras se queixaram dela,

    aconselhou-as Krishna que a interpelassem.

    Claro que possuo um ego, disse Radha. Mas, de quem esse ego?

    Meu que no , pois tudo o que tenho de Krishna!

    Aquele que entrega tudo a Deus, no possui um ego, no sentido comum.

    Nem consegue ser vaidoso ou orgulhoso. Tem profunda f no Eu verdadeiro de seu

    interior, o qual se torna um com Deus.

    As palavras de Jesus: "Sois o sal da terra..." relembra-me outras que meu

    mestre costumava citar-nos:

    "Vocs tm a graa de Deus, tm a graa do guru (mestre espiritual), e tm

    a graa dos devotos; mas, pela falta de uma nica graa, vocs podem perder-se.

    Qual essa graa nica? a graa da prpria mente, o desejo de lutar em

    prol da perfeio. Se, a despeito de todas aquelas graas que nos tornariam "o sal da

    terra", falta-nos a qraa da nossa prpria mente, podemos "ser pisados pelos homens".

    Precisamos empenhar-nos arduamente para entregar-nos por inteiro a Deus a fim de

    que a divindade que est dentro de ns possa manifestar-se.

    Vs sois a luz do mundo. No se pode esconder uma cidade situada sobre

    um monte.

    Nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no

    candelabro, e assim ela brilha para todos os que esto na casa.

    Um grande mestre espiritual concentra as almas puras sua volta e as

    ensina, no apenas por palavras, mas tambm atravs da transmisso efetiva de

    espiritualidade. No lhes d simplesmente autoconfiana; ilumina de fato os coraes de

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    seus discpulos e converte-os em luz do mundo. Somente aqueles que alcanaram a

    iluminao, atravs da unio com a luz que mora no corao de todos, podem tornar-se

    a luz do mundo. Somente esses iluminados tm condio de ensinar a humanidade;

    somente eles podem dar continuidade mensagem da encarnao divina. Quando Sri

    Ramakrishna encontrava algum que desejava pregar a palavra de Deus, perguntava-

    lhe: "Voc tem autorizao divina?" Somente quem j viu Deus pode receber sua

    autorizao, sua ordem direta para ensinar. A religio se perverte quando ensinada por

    pessoas no iluminadas. No bom fiar-se num diploma obtido em escolas de teologia:

    os livros no podem dar a iluminao. Pode-se estudar as escrituras, filosofia, histria

    pode-se ser versado em teologia, dogmas e doutrinas, e fazer sermes maravilhosos

    e, no entanto, permanecer ainda como crianas no que tange vida espiritual. A fim

    de transformar a vida das pessoas, preciso primeiro acender a sua prpria candeia.

    De acordo com o Vedanta, h dois tipos de conhecimento. O primeiro,

    inferior, consiste no conhecimento acadmico, como o das cincias e da filosofia.

    Mesmo o conhecimento das escrituras considerado um conhecimento inferior. O

    segundo, o conhecimento superior, a percepo imediata de Deus. A pessoa iluminada

    por esse conhecimento superior no precisa de informaes enciclopdicas a fim de

    discorrer sobre as escrituras: ela ensina a partir da sua experincia interior.

    Swami Adbhutananda, discpulo de Ramakrishna, era um desses

    iluminados. Entre seus irmos monges, era o nico que no tivera nenhuma educao

    formal. Veio at Ramakrishna como um menino de servios, que nem sequer sabia

    escrever o prprio nome. Sri Ramakrishna tentou ensinar-lhe o alfabeto bengali, mas

    Adbhutananda no conseguia ler corretamente nem a primeira vogai. Entretanto,

    estivemos entre os privilegiados que mais tarde o encontraram e viram a sabedoria desse

    homem iletrado. Certa feita, alguns jovens monges depararam-se com uma passagemdifcil dos Upanishads, as antigas escrituras dos hindus. Apesar de recorrerem a

    inmeros comentrios, no conseguiam captar-lhe o sentido. Por fim, pediram a

    Adbhutananda uma explicao. Como o Swami no soubesse snscrito, os jovens

    parafrasearam a passagem na lngua verncula. Adbhutananda refletiu um instante,

    depois disse: "Entendi!" E usando de um exemplo simples, explanou-lhes a passagem

    e eles acharam um sentido maravilhoso nela.

    A pessoa que viu Deus no carece de conhecimento acadmico para ensinar

    religio. Seu corao foi purificado e iluminado e sua luz se irradia e conforta a todos.

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    Ele no precisa sair cata de discpulos. Sri Ramakrishna costumava dizer que, quando

    a flor de ltus desabrocha, as abelhas

    afluem de toda parte, espontaneamente, em busca do mel. "Faam a ltus

    florir!" repetia ele aos discpulos.

    Quando um iluminado desse tipo aparece e os aspirantes espirituais se lhe

    agrupam em torno, eles no podem deixar de pensar em Deus e de am-lo. Na presena

    dessa alma, eles sentem que a manifestao de Deus fcil. Essa foi a minha

    experincia aos ps dos discpulos de Sri Ramakrishna. No difcil de entend-lo: no

    h mistrio nisso. Quando se visita um advogado, que espcie de pensamentos nos

    ocorre? Pensamentos de natureza jurdica. Junto de um mdico, pensamos sobre

    doenas e remdios. Tais pensamentos nos vm porque a pessoa com quem estamos

    vive nessa atmosfera particular. Assim tambm com o homem santo. Voc pode no

    saber nada a respeito dele, mas a prova ser esta: quando se chega sua presena, o

    pensamento de Deus nos advm, ainda que a pessoa santa possa estar falando de algo

    absolutamente diferente.

    Na verdade, preciso ser um buscador da verdade de Deus para que se

    tenha essa susceptibilidade atmosfera espiritual. Se no estivermos interessados na

    manifestao de Deus, pode o prprio Cristo pr-se a nossa frente para ensinar-nos e

    ns no lhe daremos valor nem reconheceremos sua grandeza. Dar-lhe-emos as costas,

    como o fez a maioria das pessoas h dois mil anos passados. Mas, se formos aspirantes

    da espiritualidade e nos virmos diante de uma alma iluminada, no saberemos fazer

    outra coisa seno glorificar a Deus, porque em sua presena sentiremos a presena do

    Pai. Era disso que falava Jesus quando disse aos discpulos:

    Brilhe do mesmo modo a vossa luz diante dos homens, para que, vendo asvossas boas obras, glorifiquem vosso Pai que est nos cus.

    Depois acrescentou:

    No penseis que vim revogar a lei ou os profetas, no vim revog-los, mas

    dar-lhes pleno cumprimento.

    Porque em verdade vos digo que, at que passem o cu e a terra, no ser

    omitido um s iota, uma s vrgula da Lei, sem que tudo seja realizado.

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    Aquele, portanto, que violar um s destes menores mandamentos e ensinar

    os homens a fazerem o mesmo, ser chamado o menor no reino dos cus; aquele,

    porm, que os praticar e os ensinar, esse ser chamado grande no reino dos cus.

    Jesus fala aqui da misso da encarnao divina, chamada de avatar peloshindus e de Filho de Deus pelos cristos.

    O conceito de avatar evoluiu da teoria do Logos, tanto na filosofia ocidental

    como na oriental. No Ocidente, os gregos foram os primeiros a desenvolver a teoria do

    Logos, lanando uma ponte entre a distncia que separa o homem de Deus, o conhecido

    do desconhecido. Nos primrdios, o Logo identifica-se com um ou outro dos elementos

    fsicos. Plato definiu o Logos como a finalidade csmica, o Bem supremo ao qual se

    submetem todas as idias menores isto , os arqutipos eternos das coisas, das

    relaes, das qualidades e dos valores. Mais tarde, os esticos negaram a validade dos

    arqutipos platnicos que se situavam alm dos sentidos. Para eles, o princpio da razo

    era imanente e atuante no universo. Filo, judeu alexandrino contemporneo de Jesus,

    combinou a razo estica com o transcendentalismo de Plato e ligou-os com o

    hebrasmo. Afirmou ele que o Logos no s era imanente no universo, como ainda o

    transcendia, formando uma unidade com Deus. Autor do quarto Evangelho empregou

    depois a teoria do Logos de Filo como base para sua interpretao da vida de Cristo,

    dando lhe, porm, nova viso, adequada s necessidades do Cristianismo. Alm de

    atribuir personalidade real ao Logos, ele enfatizou no o seu aspecto criador, mas a sua

    funo redentora, a sua transmisso de espiritualidade aos homens. Alm disso,

    salientou a concepo do Logos como Palavra (Verbo), mais do que razo,

    interpretando-o como expresso da vontade divina, efuso da bondade, poder, luz e

    amor de Deus. Citando So Joo:

    "No princpio era a Palavra e a Palavra estava com Deus e a Palavra era

    Deus. No princpio ela estava com Deus... E a Palavra se fez carne, e habitou entre

    ns; e ns vimos a sua glria, como a glria do unignito do Pai, cheio de graa e de

    verdade.

    O Logos, "o unignito do Pai", "se fez carne" em Jesus Cristo.

    Nos Vedas (as escrituras mais antigas do mundo), encontramos passagens

    quase idnticas sentena de abertura do Evangelho segundo So Joo: "No princpio

    era o Senhor das Criaturas: depois dele vinha a Palavra." "A Palavra era na verdade

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    Brahma." Segundo os hindus, Brahma, induzido por maya, seu poder criador (base da

    mente e da matria), manifesta-se inicialmente como a Palavra eterna no-distinguvel,

    a partir da qual se origina depois o mundo concreto e sensvel. Para os hindus, portanto,

    a Palavra encarna-se em todos QS seres, cada um dos quais pode manifestar Deus

    atravs do poder divino da Palavra. Mas, como So Joo, acreditam os hindus que, num

    sentido especial, o Logos se faz carne no avatar sendo este um descendente de Deus,

    enquanto o homem comum ascende para Deus.

    Entre os conceitos da encarnao divina dos hindus e os dos cristos existe

    esta diferena importante: os cristos crem num acontecimento histrico nico, que

    Deus se fez carne apenas uma vez e para todo o sempre, na pessoa de

    Jesus de Nazar. Mas os hindus acreditam que Deus manifesta-se como

    homem muitas vezes, em diferentes tempos e formas.

    Em apoio ao seu ponto de vista de que Jesus foi o nico representante de

    Deus na terra, os cristos citam com freqncia suas palavras: "Sou o caminho, a

    verdade e a vida: ningum chega ao Pai, a no ser por mim." Todavia, quando

    estudamos as palavras de outros mestres universais, descobrimos que eles fizeram

    afirmaes quase idnticas, declarando-se igualmente como encarnaes da divindade.

    Por exemplo, diz Sri Krishna:

    "Sou a meta do homem sbio e sou o caminho." "Sou o fim da estrada, a

    testemunha, o Senhor, o Sustentculo. Sou o lugar de residncia, o comeo, o amigo e o

    refgio." "Os idiotas passam sem ver pelo lugar de minha moradia, aqui sob a forma

    humana: e nada sabem de minha grandiosidade que sou o Senhor, a alma deles."

    "Enchei vossos coraes de mim, adorai-me, fazei de todos os vossos atos uma oferenda

    a mim, curvai-vos a mim em auto-sujeio, Se dessa forma descansardes em mimvossos coraes, e me tomardes por vosso ideal, acima de todos os outros, converter-

    vos-eis em meu Ser.

    Similarmente, Buda revela-se como o caminho: "Sois meus filhos, sou

    vosso pai; atravs de mim vs vos libertastes de vossos sofrimentos. Tendo eu prprio

    alcanado a outra margem, ajudo os demais a cruzarem a correnteza; tendo obtido a

    salvao, sou um salvador para os outros; tendo sido confortado, conforto os demais e

    conduzo-os a lugar seguro." "Meus pensamentos esto sempre na verdade. Vejam! Meu

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    eu converteu-se na verdade. Todos quantos compreendem a verdade vero o

    Abenoado!

    Que devemos fazer? De quem aceitaremos a palavra? De Jesus, de

    Krishna ou de Buda? A questo a seguinte: Se tomarmos o "Eu" desses mestres comose referindo a uma mera pessoa histrica, jamais entenderemos suas afirmaes.

    preciso saber que quando Jesus, Krishna ou Buda dizem: "Eu", no esto afirmando o

    ego, o eu inferior, como as almas ordinariamente corporificadas o fazem. Eles esto

    afirmando sua divindade, sua identidade com o Eu universal. Esto nos dizendo que o

    Pai, a Divindade, alcanada pela graa do Filho, a encarnao. Para o hindu, as

    afirmaes destes avatares no so contraditrias trazem igual verdade, evocadas que

    so pela mesma inspirao divina. Por isso o hindu aceita todos os grandes filhos deDeus que so venerados pelas diversas religies.

    Evidentemente, a validade dos avatares no se prova pela pretenso deles de

    serem a via da iluminao ou salvao. Em primeiro lugar, ela se revela pelo poder que

    eles tm de transmitir espiritualidade e de transformar a vida dos homens pelo contato,

    pelo olhar ou pela simples vontade. Jesus manifestou esse poder quando soprou sobre os

    discpulos e lhes disse: "Recebam o Esprito Santo." Sri Krishna manifestou o mesmo

    poder ao dar a Arjuna a viso divina, de tal sorte que o discpulo podia ver a forma

    universal de Deus. Em segundo lugar, a validade dos avatares mostra-se pela revelao

    de sua divindade na transfigurao. Jesus transfigurou-se diante de Pedro, Tiago e Joo.

    Sri Krishna transfigurou-se diante de Arjuna, conforme vem descrito no captulo XI do

    Gita. A vida e o Evangelho de Sri Ramakrishna registram exemplos em que o mestre

    concretizou a manifestao de Deus aos discpulos pelo toque, e apareceu transfigurado

    a vrios devotos, segundo a forma em que concebiam a aparncia de Deus.

    Mas, pode-se perguntar: Por que Deus se manifestaria mais de uma vez?

    Qual a finalidade disso? A resposta pode ser encontrada na teoria hindu, confirmada

    pelai histria, de que a cultura espiritual caminha por ondas, por sucessivos altos e

    baixos. Aps a queda da vida espiritual de uma nao, quando a verdade e a justia so

    desprezadas e esquecidas, nasce um avatar para reavivar a chama dai religio nos

    coraes. Diz Sri Krishna:

    Quando a bondade fraqueja,

    Quando cresce o mal,

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    Torno-me um corpo.

    Retorno a cada poca

    Para libertar o sagrado,

    Para destruir o pecado e o pecador,

    Para restabelecer a justia.

    Como se fosse para cumprir a promessa de {Sri Krishna, surgiu Buda.

    poca do nascimento de Buda, a cultura espiritual na ndia estava em mar baixa; ela

    consistia unicamente no cumprimento de rituais e sacrifcios, pois o povo esquecera o

    simples fato de que religio antes de tudo uma questo de experincia pessoal.Analogamente, no tempo do advento de Jesus, as exteriorizaes dia f judaica

    usurpavam sua verdade interior: ele veio para purificar e reavivar a religio dos judeus.

    Assim, de tempos em tempos, impe-se a i encarnao divina, a fim de

    restaurar o esprito eterno da religio. Por seu exemplo vivo, a encarnao mostra

    humanidade como ela pode ser perfeita, semelhana do Pai no cu. O avatar torna-se

    ento o caminho, a verdade e a vida. Entretanto, sempre o mesmo Esprito supremo

    que se corporifica no avatar. Deus o nico sem duplicidade. Ele, que veio comoKrishna e Buda, ressurgiu como Cristo e outros avatares: apenas escolhe diferentes

    vestes. Para respondei s necessidades particulares de cada poca, a cada nova vinda,

    revela Deus uma manifestao caracterstica e renovada da verdade eterna da religio.

    Quando um avatar nasce na terra, ele assume o corpo humano com algumas

    conseqentes limitaes e privaes, como fome e sede, doena e morte. Mas, seu

    advento difere radicalmente do nascimento das almas comuns corporificadas. Nas

    palavras de Jesus: "Vs vindes de baixo, eu sou dcima!" Do ponto de vista hindu, as

    almas comuns nascem em decorrncia do seu karma (resultado de seus pensamentos e

    aes passados). Elas nascem num determinado ambiente, com aptides especficas

    ditadas pelos desejos e tendncias por elas criados numa vida anterior. So produtos da

    evoluo; esto presas pelos grilhes da ignorncia e vivem sob o fascnio de maya, o

    poder oculto de Brahma, que faz a realidade absoluta aparecer como o universo de

    mltiplos nomes e formas. So escravos do Prakriti, da natureza primitiva.

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    O nascimento de um Krishna, de um Buda ou de um Jesus, entretanto,

    resultado de uma escolha livre: no possui ele karmas, nem desejos, nem tendncias

    passadas; no est sujeito dominao de maya, mas submete maya sujeio; aparece

    sob a forma humana apenas com o fito de fazer o bem, condodo pela humanidade. Diz

    Krishna:

    Sou o no-nascido,

    o que no morre,

    Senhor de tudo o que respira.

    Parece que nasci:

    apenas aparncia,

    Apenas o meu maya.

    Sou ainda o mestre

    De meu Prakriti,

    O poder que me faz.

    Aquele que conhece

    A natureza de minha obra e de meu nascimento

    No renasce

    Ao deixar este corpo:

    Vem para mim.

    Comparem-se estas linhas com as palavras da Bblia: "Mas, a todos que o

    receberam deu o poder de se tornarem filhos de Deus, mesmo queles que acreditam

    em seu nome.

    Adorar um Cristo ou um Krishna adorar a Deus. No , porm, adorar um

    homem como Deus, adorar uma pessoa. adorar o prprio Deus, a Existncia

    impessoal-pessoal na encarnao e atravs dela; ador-la como una com o Esprito

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    eterno, transcendente como o Pai e imanente em nossos coraes. Neste contexto, o

    testemunho de So Paulo sobre Cristo de importncia relevante. Diz ele:

    "Pois nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade. E nele

    fostes levados plenitude, Ele que a cabea de todo principado e poder.

    De igual peso a afirmao de So Joo de que a mesma Palavra que era

    "no princpio" e "era Deus" se fez carne em Cristo. Nesta passagem, o autor do quarto

    Evangelho relembra-nos que seu mestre no era um mero homem histrico, mas que o

    Cristo eterno, um com Deus desde os tempos sem princpio. Este ponto de vista parece

    validado por Jesus, ao dizer: "Antes que Abrao existisse, eu sou.

    Um hindu, pois, acharia fcil aceitar Cristo como uma encarnao divina eador-lo sem reservas, exatamente como adora Sri Krishna ou outro avatar de sua

    escolha. Mas no pode aceitar Cristo como o nico filho de Deus. Os que insistem em

    encarar a vida e os ensinamentos de Jesus como nicos, certamente tero grande

    dificuldade para compreend-los. Qualquer avatar pode ser muito mais bem entendido

    luz de outras grandes vidas e doutrinas. Nenhuma encarnao divina jamais veio para

    refutar a religio e a doutrina de outro, e sim para cumprir todas as religies, porque a

    verdade de Deus uma verdade eterna. Disse Santo Agostinho:

    "Aquilo a que chamamos religio crist existia entre os antigos, e nunca

    deixou de existir desde o comeo da raa humana, at que Cristo se fez carne, quando

    ento a religio verdadeira, que j existia, comeou a ser chamada de Cristianismo.

    Se Jesus, na histria do mundo, tivesse sido a nica fonte geradora da

    verdade de Deus, ela no seria a verdade; porque a verdade no pode ser gerada: ela

    existe. Mas se Jesus simplesmente revelou e interpretou essa verdade, ento podemos

    olhar para os outros que fizeram o mesmo antes dele e da mesma forma o faro depois

    dele. E, de fato, medida que lemos os ensinamentos de Jesus, descobrimos que ele

    deseja de ns todos que descubramos a verdade: "E conhecereis a verdade, e a verdade

    vos libertar." Ele veio como declara no para destruir a verdade eternamente

    existente, mas para cumpri-la. Isto ele fez, reafirmando-a, dando-lhe vida nova atravs

    de uma apresentao renovada.

    Reiteradamente, esquecem os homens que essas apresentaes dasencarnaes divinas visam a revelar-se em suas prprias vidas. Agarram-se por demais

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    s palavras, aparncia externa da mensagem do avatar e perdem de vista o esprito

    subjacente a ela. Tais so os escribas e os fariseus; os guardies ciumentos de uma

    tradio que se tornou obsoleta. Da dizer Cristo:

    Com efeito, eu vos asseguro que se a vossa justia no exceder a dosescribas e a dos fariseus, no entrareis no reino dos cus.

    Os escribas e os fariseus esquecem o primeiro mandamento: "Ama o

    Senhor teu Deus com todo o teu corao, com toda a tua alma e com toda a tua mente."

    So pessoas muito ticas, corretas em seu modo de vida; prendem-se, porm, s formas

    e observncias exteriores, o que os leva intolerncia, estreiteza e ao dogmatismo. A

    justia que ultrapassa a dos escribas e dos fariseus exatamente o oposto disso. uma

    tica que encara a observncia das formas e dos rituais no como um fim em si mesmo,

    mas como meios para entrar no reino dos cus.

    Deus est alm do bem e do mal relativos. Ele o Bem absoluto. Quando

    nos unimos a ele em nossa conscincia, vamos alm da justia relativa. Essa verdade

    com freqncia mal compreendida: no significa que devamos desculpar a imoralidade,

    pois a tica o fundamento real da espiritualidade. Ao nos iniciarmos na vida espiritual,

    preciso que nos abstenhamos conscientemente de fazer mal aos outros; que nos

    abstenhamos da mentira, do roubo, do desregramento e da avidez; impe-se que

    observemos a pureza fsica e mental, o contentamento, o autocontrole e a lembrana

    contnua de Deus.

    Mas o desejo de viver uma vida verdadeiramente tica e de praticar as

    disciplinas espirituais vem-nos apenas se decidirmos viver o primeiro mandamento

    se aprendermos a amar a Deus e a lutar por manifest-lo. Sem este ideal, a moralidade

    degenera para o decoro exterior dos escribas e dos fariseus. Se, porm, o primeiromandamento observado, ento o segundo se segue como decorrncia natural. Quando

    amamos Deus, precisamos amar nosso prximo como a ns mesmos porque nosso

    prximo o nosso prprio eu.

    Pela prtica do autocontrole, pela conteno interior das paixes, desenvolvemo-nos

    espiritualmente na direo da unio com o Deus absoluto. A pessoa que atinge este

    estgio supremo no precisa fazer distino consciente entre o certo e o errado, nem

    praticar o autodomnio. A santidade e a pureza tornam-se sua verdadeira natureza. Ela

    transcende a justia relativa e entra no reino dos cus.

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    Ouvistes o que foi dito aos antigos: No matars. Aquele que matar ser

    ru de juzo.

    Eu, porm, vos digo: todo aquele que, sem motivo, se encolerizar contra seu

    irmo, ser ru de juzo. Aquele que chamar a seu irmo: Raa ser ru do Sindrio.E qualquer que lhe disser: Louco! ser ru do fogo do inferno.

    No basta observar o mandamento: "No matars!" Mesmo o pensamento

    de matar, de odiar, to mortal quanto o prprio ato. Podemos achar que no importa o

    que pensemos desde que ajamos corretamente. Mas, quando chega a hora da provao,

    acabamos por trair-nos, porque os pensamentos controlam os atos. Na hora da provao,

    se nossas mentes esto cheias de dio, esse dio se traduzir em atos de violncia, de

    destruio, de morte. Postar-nos no plpito e falarmos sobre o amor no nos ajudar;

    no acabar com a guerra e com a crueldade se faltar amor em nossos coraes. O

    amor no vir a ns simplesmente porque dizemos que o possumos, ou porque

    procuramos impressionar os outros com a doura aparente de nossas naturezas. Ele

    ocorrer somente quando tivermos controlado interiormente nossas paixes e tivermos

    dominado nosso ego. Ento o amor divino crescer em ns e, com ele, o amor aos

    nossos semelhantes. Mas o amor de Deus conquista-se com a autodisciplina, que

    deixamos de pr em prtica. Esquecemo-nos da finalidade da vida: a percepo e a

    viso de Deus. Esta a nossa real dificuldade e por isso que, quando Jesus nos pede

    que amemos nossos inimigos, somos incapazes de obedecer-lhe, mesmo que o

    queiramos. No sabemos como fazer.

    No podemos amar a Deus e odiar nosso prximo. Se, de fato, amamos a

    Deus, ns o encontraremos em todos; assim, como podemos odiar algum? Se

    prejudicamos algum, prejudicamos a ns prprios; se ajudamos algum, ajudamos a

    ns prprios. Todos os sentimentos de separao, de exclusivismo e de dio no so

    apenas moralmente errados so tambm ignorncia, porque negam a existncia da

    Divindade onipotente.

    Portanto, se estiveres para trazer a tua oferta ao altar e ali te lembrar de

    que o teu irmo tem alguma coisa contra ti, deixa a tua oferta diante do altar e vai

    primeiro reconciliar-te com o teu irmo; e depois vem e apresenta a tua oferta.

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    Concilia-te depressa com o teu adversrio, enquanto ests com ele no

    caminho, para no acontecer que o adversrio te entregue ao juiz, e o juiz te entregue

    ao oficial e, assim, te encerrem na priso.

    Em verdade te digo que de maneira alguma sairs dali enquanto nopagares o ltimo ceitil.

    At que alcancemos efetivamente a unio com Deus, claro que

    absolutamente natural a ocorrncia de disputas e desentendimentos entre ns e os

    outros. preciso, porm, que no deixemos o ressentimento permanecer em ns; caso

    contrrio, ele nos corroer os coraes como um cncer. Cristo que, como todos os

    mestres verdadeiramente espirituais, era grande psiclogo, ensinou que devemos

    reconciliar-nos o mais cedo possvel com nosso irmo, antes de oferecermos nossa

    oferenda a Deus. Todos quantos tenham praticado a meditao compreendero

    imediatamente quo profundo este ensinamento.

    Suponha que algum o tenha ofendido e que voc se irritou. Ao comear a

    meditar, o que acontece? A orao e a meditao concentram a mente e intensificam as

    emoes. Conseqentemente, o montculo de irritao converte-se numa montanha de

    raiva. Voc comea a imaginar coisas terrveis sobre a pessoa que o ofendeu. Voc

    acaba por sentir-se incapaz de meditar e de rezar, incapaz de achegar-se de Deus,

    enquanto no se reconciliar sinceramente com seu irmo. S h um meio de sentir-se

    sinceramente reconciliado: procurar ver Deus em todos os seres e am-lo neles todos. Se

    voc se irritou com seu irmo, reze por ele como voc o faz por voc mesmo; reze para

    que ambos possam crescer no entendimento e na devoo a Deus. Logo voc alcanar

    a espiritualidade. Mas, se guardar a raiva no corao, voc ferir tanto a si mesmo

    quanto a seu Irmo.

    Ensina-se no Budismo e no Vedanta que dever do homem rezar pelos

    outros antes de rezar por si mesmo. Pede-se que mandemos um pensamento de boa-

    vontade a todos os seres antes de nos oferecermos a Deus. Semelhante prtica um

    estgio significativo na conquista do amor ao nosso prximo e a Deus.

    "Concilia-te depressa com o teu adversrio, enquanto ests com ele no

    caminho..." Cristo est nos ensinando que no podemos perder tempo e energia em

    discusses e ressentimentos, mas que devemos refazer-nos to rapidamente quanto

    possvel no pensamento de Deus. Perceber Deus eis o nosso propsito de vida;

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    portanto, preciso que procuremos manter-nos conscientes dele com poucas

    interrupes e que elas sejam as menores possveis. "Joga fora todas as conversaes

    inteis" dizem-nos os Upanishads. "Conhece apenas a Atman. O desejo de discutir

    e de brigar um sinal do ego. Se desejarmos encontrar Deus, precisaremos eliminar o

    ego e humilhar-nos no diante de nosso adversrio, mas diante do Deus que est

    dentro dele. No te submetas jamais a um adversrio poderoso por temeres a

    conseqncia de desagrad-lo; isso seria covardia. Faze distino, porm, entre

    princpios e opinies. Diz um ditado hindu: "Dize, 'sim, sim' para todos, mas conserva

    firme a tua posio!" No te comprometas com ideais e princpios. Mas, em se tratando

    de opinies, aprecia pontos de vista diferentes dos teus, e aceita-os quando valerem a

    pena. Swami Turiyananda dizia:

    'Teimosia no fora. A teimosia apenas mascara a prpria fraqueza.

    Forte quem flexvel como o ao e no quebra. Forte quem pode viver em harmonia

    com muitas pessoas e pode dar ateno a opinies que no sejam as suas.

    Se fores intolerante com as opinies alheias e insistires teimosamente em

    teres teu prprio jeito de ser, sofrers as conseqncias at que "tenhas pago o ltimo

    ceitil".

    Ouvistes o que foi dito aos antigos: No cometers adultrio.

    Eu, porm, vos digo: Todo aquele que atentar numa mulher para a cobiar

    j cometeu adultrio com ela em seu corao.

    Portanto, se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e lana-o para

    longe de ti, pois prefervel que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu

    corpo lanado no inferno.

    E se a tua mo direita te escandalizar, corta-a e lana-a para longe de ti,

    pois prefervel que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo

    lanado no inferno.

    Foi dito: Qualquer que deixar a sua mulher, d-lhe uma carta de divrcio.

    Eu, porm, vos digo: Todo aquele que repudia a sua mulher, a no ser por

    motivo de fornicao, faz que ela cometa adultrio; e qualquer que casar com arepudiada comete adultrio.

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    Neste ponto, Jesus est falando da necessidade do autodomnio, do

    controle mental das paixes, particularmente da luxria. Apenas abster-se das aes

    lascivas no basta; os pensamentos lascivos tambm precisam ser contidos.

    Existem, por certo, muitos mestres que diriam: "Sim, concordamos; umrefreamento interior das paixes , sem dvida, necessrio. Nossos jovens precisam

    empregar o autocontrole." Entretanto, pouqussimos dentre estes mestres saberiam

    responder por que o autocontrole necessrio. por isso que os jovens de hoje os

    questionam, e chegam mesmo a supor que os mestres odeiam o prazer pelo prprio

    prazer, porque so velhos demais para dele participarem. que importa o que fazemos",

    diz o jovem, "se no ofendemos ningum mais?" Quanto a isto esto sendo

    perfeitamente honestos e sinceros.

    De nada adianta dizer-lhes que os prazeres so maus, ou que errado ser

    feliz, porque eles jamais acreditaro: o instinto lhes diz que estamos mentindo. Quando

    falamos sobre o pecado, eles se mostram indiferentes. Mas, se pararmos de cham-los

    de pecadores, e comearmos a falar-lhes que Deus est dentro de cada um deles; se

    sustentarmos o ideal da percepo de Deus, mostrando-lhes que a batalha pela

    autodisciplina dura, mas estimulante, como o treino para os atletas; se lhes

    mostrarmos que, dissipando-se, privam-se a si mesmos da maior alegria da vida, alegria

    muitssimo maior do que todos os seus prazeres mundanos estaremos ento falando

    uma linguagem que eles podem entender. Talvez sejam cticos, mas alguns deles pelo

    menos desejaro tentar a vida espiritual por conta prpria.

    O ideal da continncia tem sido to mal-apresentado nos Estados Unidos

    que quase todos o encaram como algo negativo, como um "no seja". No seja

    incontinente, dizem as igrejas: isso pecado! Dessa forma, para a grande maioria, que

    instintivamente odeia os "no", a idia de continncia tornou-se um desestmulo,

    associando-se represso, tristeza e covardia; ao passo que o conceito de

    incontinncia torna-se cada vez mais atraente, associando-se liberdade, alegria e

    coragem. Esse mal-entendido terrvel e destrutivo, se no for corrigido, acabar por

    envenenar a vida de toda a sociedade. A menos que os rapazes e as moas aprendam a

    ligao existente entre a continncia e a vida espiritual, gastaro gradualmente suas

    foras, perdero a possibilidade de crescimento espiritual e, com ela, toda a criatividade

    genuna, toda a conscincia efetiva.

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    Continncia no represso; ela acumula energia e dirige essa energia para

    melhores usos. No um fim em si, mas um meio indispensvel para conter a mente

    contra paixes dispersivas e mant-la na conscientizao de Deus. A energia sexual

    controlada converte-se em energia espiritual. Para aquele que se mantm continente, o

    crescimento espiritual vem de forma rpida e fcil.

    Muita gente pensa que, sendo continente, perde o maior prazer que o mundo

    pode oferecer; mas um fato curioso que, na realidade, no perde coisa alguma.

    medida que a energia sexual conservada e se transforma, as pessoas encontram um

    prazer novo e muito mais intenso, que cresce dentro delas; e esta a alegria de se

    alcanar cada vez mais intimamente a unio com Deus.

    No Bhagavad-Gta, o estado da mente do homem autocontrolado vem

    descrito da seguinte forma:

    A gua corre continuamente para o oceano.

    Mas o oceano jamais se descontrola:

    O desejo aflui na mente do vidente, Mas ele jamais se descontrola.

    O vidente conhece a paz:

    O homem que incita a prpria concupiscncia Jamais conhecer a paz.

    S conhece a paz quem esqueceu o desejo.

    Este vive sem avidez:

    Livre do ego, livre do orgulho.

    A pessoa mundana pode pensar que a paz do vidente como a quietude da

    sepultura. Ao contrrio trata-se de uma experincia de alegria suprema e permanente,

    comparada qual as satisfaes passageiras, provadas na vida sensvel, parecem

    inspidas e sem importncia. Se desejamos encontrar felicidade e paz duradouras,

    precisamos voltar-nos para Deus. Quanto mais nos devotarmos a ele, mais o desejo da

    satisfao dos sentidos nos abandonar e a castidade e as outras virtudes

    desabrocharo naturalmente em nossas vidas.

  • 8/14/2019 O Sermo Da Montanha Segundo a Vedanta - Por Swami Prabhavananda (Portugus)

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    A continncia completa e perptua para aqueles que tm uma dedicao

    especial a Deus, como o fizeram os discpulos do Cristo. Eram monges e seu mestre

    treinava-os a fim de que se convertessem em doutrinadores de homens. Portanto, ele

    empregava palavras incisivas para recordar-lhes que deviam preservar a continncia do

    pensamento, da palavra e da ao. Para eles, era importante arrancar todos os desejos da

    mente e renunciar a todos os motivos de tentao. Mas, porque Cristo sabia que seu

    ensinamento de renncia total no podia ser observado universalmente, ele acrescentou:

    "Nem todos so capazes de compreender essa palavra, mas s aqueles a

    quem concedido. Com efeito, h eunucos que nasceram assim, desde o ventre

    materno. E h eunucos que foram feitos eunucos pelos homens. E h eunucos que se

    fizeram eunucos por causa do reino dos cus. Quem tiver capacidade paracompreender, compreenda.

    A luxria est na mente e carece de ser vencida pelo controle da mente, no,

    porm, de forma negativa. Alimentar pensamentos lascivos, enquanto se observa uma

    continncia no exterior isso no autocontrole. Isso no passa de represso. E no

    estimular a pessoa a purificar a mente; apenas enfraquece o corpo. O verdadeiro

    autodomnio ou controle interior alcanado somente quando as pessoas se

    transformam em eunucos, "por causa do reino dos cus"; se praticam a continncia

    porque sabem que os prazeres mundanos so inspidos e vazios, comparados alegria

    de Deus.

    Ouvistes tambm que foi dito aos antigos: No perjurars, mas cumprirs

    os teus juramentos para com o Senhor.

    Eu, porm, vos digo: No jureis em hiptese alguma: nem pelo cu, porque

    o trono de Deus; nem pela terra, porque o escabelo dos seus ps; nem porJerusalm, porque a cidade do grande Rei.

    Nem jurars pela tua cabea, porque no tens o poder de tornar um cabelo

    branco ou preto.

    Seja, porm, o vosso falar: Sim, sim; No, no; porque o que passa disso

    vem do maligno.

    Sri Ramakrishna costumava dizer que Deus sorri em duas ocasies. Sorri,

    quando dois irmos repartem a terra entre si, dizendo: "Este lado pertence a mim, e

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    aquele a voc Ele sorri, dizendo a si mesmo: "Este universo todo meu; e eles dizem a

    respeito de um pedacinho da terra este lado me pertence, e aquele te pertence'." Deus

    volta a sorrir quando o mdico diz me que chora, face doena grave de sua criana:

    "No se preocupe. Vou curar sua criana." mdico no se d conta de que ningum pode

    salvar a criana, se Deus desejar que ela morra.

    Na passagem acima, Cristo nos diz a mesma coisa. Apesar de no poder

    tornar "um fio de cabelo branco ou preto", em sua ignorncia o homem pensa que pode

    faz-lo.

    Afirma seu eg