Os Partidos Políticos e a Crise Da Democracia Representativa

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Os partidos políticos e a crise da democracia representativa Por: Arnaldo Manuel Abrantes Gonçalves - Elaborado em 05.2005. 1.Introdução Desde os primórdios do pensamento e filosofia políticas, a questão «quem deve governar?» tem sido um ponto central de debate e reflexão. Foi visualizando esta questão que Aristóteles (384-322 A.C.) elaborou sobre a problemática de qual a melhor forma de governo em Política, partindo da ideia de que, para que os homens se tornem bons, é necessário que o governo e as leis do país sejam orientadas para a consecução do bem, «pois a maior parte das pessoas obedecem mais à necessidade do que aos argumentos e mais às punições do que ao sentido do que é nobre. As leis são por isso necessárias, pois o controle público é plenamente efectuado por leis, e o bom controlo depende de boas leis». Quanto ao valor específico dos regimes políticos, Aristóteles foi prudente: todos os governos que têm por fim a utilidade comum dos cidadãos são bons e conformes à justiça, em sentido próprio e absoluto; mas todos os que tendem para o benefício particular dos homens que governam estão no caminho errado, pois não passam de corrupções ou desvios do bom governo. Daí retira Aristóteles a sua famosa classificação bipartida das formas sãs e degeneradas de governo: «uma vez que o governo é a autoridade suprema nos Estados, e que necessariamente essa autoridade suprema tem de estar nas mãos de um só ou de vários, ou da multidão: daí se segue quando um só, ou vários, ou a multidão, usam a autoridade de acordo com a utilidade comum, esses governos têm necessariamente de ser bons; mas aqueles que não usam o poder senão no interesse de um só, ou de vários, ou da multidão, são desvios em relação a esses bons governos». Questionando-se sobre o que considera como melhor forma de governo, Aristóteles conclui que a resposta não pode ser a mesma para todos os países e para todas as épocas, sugerindo que deve ser a ciência política a dar a conveniente resposta. (01)

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Os partidos polticos e a crise da democracia representativa

Por: Arnaldo Manuel Abrantes Gonalves - Elaborado em 05.2005.

1.Introduo

Desde os primrdios do pensamento e filosofia polticas, a questo quem deve governar? tem sido um ponto central de debate e reflexo. Foi visualizando esta questo que Aristteles (384-322 A.C.) elaborou sobre a problemtica de qual a melhor forma de governo em Poltica, partindo da ideia de que, para que os homens se tornem bons, necessrio que o governo e as leis do pas sejam orientadas para a consecuo do bem, pois a maior parte das pessoas obedecem mais necessidade do que aos argumentos e mais s punies do que ao sentido do que nobre. As leis so por isso necessrias, pois o controle pblico plenamente efectuado por leis, e o bom controlo depende de boas leis.

Quanto ao valor especfico dos regimes polticos, Aristteles foi prudente: todos os governos que tm por fim a utilidade comum dos cidados so bons e conformes justia, em sentido prprio e absoluto; mas todos os que tendem para o benefcio particular dos homens que governam esto no caminho errado, pois no passam de corrupes ou desvios do bom governo. Da retira Aristteles a sua famosa classificao bipartida das formas ss e degeneradas de governo: uma vez que o governo a autoridade suprema nos Estados, e que necessariamente essa autoridade suprema tem de estar nas mos de um s ou de vrios, ou da multido: da se segue quando um s, ou vrios, ou a multido, usam a autoridade de acordo com a utilidade comum, esses governos tm necessariamente de ser bons; mas aqueles que no usam o poder seno no interesse de um s, ou de vrios, ou da multido, so desvios em relao a esses bons governos.

Questionando-se sobre o que considera como melhor forma de governo, Aristteles conclui que a resposta no pode ser a mesma para todos os pases e para todas as pocas, sugerindo que deve ser a cincia poltica a dar a conveniente resposta. (01)

Como que projectamos esta questo, no nosso tempo, a propsito do tema proposto: Partidos Polticos e a crise do Liberalismo? No andaremos muito longe da verdade se afirmarmos que desde os incios do Sculo XX, na sequncia da II Revoluo Industrial, da luta pelo alargamento do sufrgio universal e da criao primeiro em Inglaterra, depois nos Estados Unidos e, finalmente no Norte da Europa do movimento obreirista e trade-unionista, que daria lugar aos grandes partidos de massas socialistas e social-democratas, a questo de qual a melhor forma de governo foi preterida por uma assero simples: o Povo deve Governar, o Povo tem o Poder

Talvez nenhuma outra ideia tenha colhido uma aprovao to generalizada, uma quase reverncia que goza nas democracias ocidentais como a meta-ideia do governo-povo. Sejam liberais, socialistas, conservadores, comunistas ou mesmo ultra-direitistas como o Sr Joerg Haider a coqueluche da direita populista e xenfoba europeia os lderes polticos no desdenham uma oportunidade para afirmar as suas credenciais democrticas ou jurar o seu compromisso perante o ideal democrtico da representao popular.

esta popularidade, esta ambiguidade conceptual que faz a ideia de democracia difcil de entender e delimitar com o mnimo rigor heurstico porque quando um conceito significa tudo, para toda a gente, torna-se sem sentido.

Na realidade, um nmero significativo de modelos de democracia desenvolveram-se em diferentes momentos histricos em vrias partes do mundo. Nestes se incluem a democracia directa e indirecta, a democracia social e poltica, a democracia dita "socialista".

Quanto primeira distino entre o carcter directo e indirecto da democracia, preciso esclarecer, desde j, que as concepes modernas de democracia raramente so estruturadas no plano do autogoverno que tornaram antolgico o pensamento poltico na Grcia Antiga. Concepes essas que radicam, provavelmente, no pensamento de Pricles, essa figura mtica do imaginrio da Antiguidade Clssica.

As premissas fundamentais do paradigma democracia so preenchidas pela ideia que o Povo elege os polticos e que estes e as foras polticas que integram ou lideram, por alguma forma o representam e agem em seu benefcio, materializando, na sua aco as expectativas de progresso e bem-estar. Nunca a imagstica do bem-estar e o culto da felicidade esteve to presente e obsessivo como na sociedade dos nossos dias. Ora, este crescendo exponencial de expectativas quanto s respostas que a sociedade deve dar coloca o interessante problema do que que significa a representao nas sociedades liberais dos nossos dias e como pode ser materializada. Mutatis mutandis, ser igualmente de questionar o que efectivamente representado: a vontade do Povo, dos vrios grupos que constituem o substracto humano do Estado-Nao, das classes em que a sociedade se estratifica, dos agrupamentos de interesses? a representao o humus da democracia ou um pretexto para afastar os cidados da gesto directa dos negcios pblicos ou, apenas, o menor denominador comum da democracia?

Finalmente, os governos democrticos invocam governar em nome do interesse nacional ou pblico. Contudo o que significa numa democracia plural "interesse pblico"? E qual o papel dos partidos na organizao e prossecuo de interesses?

Em termos metodolgicos e por simplificao de exposio remeteremos para anotao pontos complementares que constituem do nosso ponto de vista aprofundamentos das asseres avanadas.

2.Democracia e a exegese da Liberdade

O termo democracia e a clssica concepo do governo democrtico provm da Antiguidade Clssica, bero da civilizao ocidental e sobretudo da Grcia Antiga. A palavra democracia tem como raiz etimolgica as palavras demos e kratos, significando, na acepo mais corrente, o governo de muitos ou do povo. Na Antiguidade Clssica, como patente nas obras de Plato e Aristteles, o conceito como o entendemos nos nossos dias o governo de todos tem uma valorao negativa. Significa o governo das massas ignorantes e deserdadas e fundamentalmente a anarquia das massas, a mob rule, preferindo estes autores respectivamente a aristocracia e a politeia, como melhores formas de governo.

A democracia para eles o inimigo da liberdade e da sabedoria, predicados caros ao homem clssico e educado, j que s o cidado poderia acrescentar algo ao governo da plis, pois s ele dispunha da qualidade de membro. (02) (03)

Curiosamente, este preconceito da menoridade do homem comum para participar e influenciar por alguma forma a gesto dos negcios pblicos subsistiria por sculos, sendo tambm um elemento informador do liberalismo clssico posteriormente abandonado mas constituindo em todo o sculo XX um dos elementos que caracterizam o pensamento poltico reaccionrio, legitimista, e ultradireitista (04).

O conceito moderno de democracia distinto. dominado pela forma de democracia eleitoral e plebiscitria maioritria no Ocidente, a que chamamos democracia liberal (05) ou representativa. Mas no obstante a sua aceitao generalizada sobretudo no ps-guerra Fria - a democracia liberal apenas uma das formas de representao balanceada de interesses, compreendida num conceito global de isonomia (06).

Na verdade, e de forma crescente, a cincia poltica comparada vem ganhando novo interesse no estudo de outras experincias civilizacionais, como as das sociedades orientais ou africanas, em que a representao do colectivo assume corporizaes antigas muito prprias, profundamente consensualizadas e estabilizadas em termos de dinmica social. Naturalmente, a nossa arrogncia cultural eurocentrista e crist conduz-nos, muitas vezes, a consider-las como no democrticas.

No seu famoso "Discurso de Gettysburg", proferido na Guerra Civil Americana, Abraham Lincoln exortava as virtudes do que chamou o governo do Povo, pelo Povo e para o Povo. Ao faz-lo e entre duas noes alternativas de democracia, proclamava a do "Governo do Povo" no sentido do governo em que participa o colectivo populao que se governa a si prpria. Acentuava, por outro lado, o "Governo para o Povo" na perspectiva de que a finalidade do governo o interesse pblico e que este deve ser exercido em benefcio do povo, de uma forma directa ou indirecta.

Discpulos de Montesquieu, os Founding Fathers da Amrica retomam a sua teoria em favor de um pluralismo poltico a que daro o nome de Repblica, em detrimento da pureza antiga da sua formulao grega. Benjamin Constant fixar o sentido desse regresso na oposio entre "antigos" e "modernos", os primeiros reconhecendo a alguns a necessidade de uma participao directa e permanente nos assuntos pblicos; os segundos situando a liberdade no plano da independncia, da diversidade de opinies e de modos de vida.

Mas sobretudo Alexis de Tocqueville (07) que vem dar a contribuio mais importante noo de democracia no mundo moderno. O facto gerador da democracia, a chave da imagem de si prpria e da sua ligao ao Homem, dos seus valores e da representao do povo acrescenta - a igualdade das condies que condicionam a vida humana. Assumido como um dado natural e histrico para Constant, a igualdade torna-se para Tocqueville o local de um processo misterioso, absolutamente indito e superiormente importante. Momento epilogar da democracia, a ideia da liberdade trabalha nas sociedades do velho continente marcadas pela sua histria e toma conta das desconfianas derivadas das hierarquias, do dio dos privilgios, das aspiraes de uma liberdade reflectida na identidade dos indivduos.

Princpio instituidor das sociedades modernas, a liberdade transporta o seu sentido nas revolues que desperta, as razes do carcter inelutvel da forma democrtica existente no seu seio, mais as incertezas que pesam sobre os meios de a concretizar as naes dos nossos dias no sabem produzir seno no seu seio as condies para serem desiguais; mas depende delas a igualdade que as conduza servido ou barbrie, prosperidade ou misria concluir significativamente Tocqueville.

A moderna noo de democracia que se desenvolveu durante todo o Sculo XIX e se firmou no Sculo XX est, assim, intimamente ligada ao ideal de participao popular, que remonta aos gregos, mas que enriquece enquanto polifenmeno com os contributos da Revoluo Francesa, do Governo Representativo Liberal ingls e, finalmente, da Revoluo Americana, como experincias de libertao do Homem e afirmao da sua autonomia.

Recordamos, a esse propsito, que uma das pedras cbicas da democracia ateniense era a participao contnua e empenhada dos "cidados" na vida pblica da plis. (08) Outras configuraes da sempre adiada participao directa dos cidados nas decises da vida colectiva pode ainda ser encontrada nas formas comunalistas de organizao poltica do Norte de Inglaterra, da Sua e de vrios comunidades rurais nos Estados Unidos.

Mesmos nos Estados modernos do Norte e Centro da Europa, onde existe uma entroncada tradio de mediao de interesses atravs da instituio parlamentar, a figura do referendo aparece nos nossos dias e a propsito tanto de questes regionais ou locais como um regresso a uma certa forma de plebiscito vivificador, de auscultao da vontade das populaes at a resignadas a um estatuto de menoridade intelectiva. Um pouco na conscincia que a representao poltica, embora cmoda e apropriada complexidade da vida moderna, tem efeitos perversos, o menor dos quais no ser a excluso dos eleitores de uma monitoragem efectiva da aco dos seus representantes nas assembleias representativas.

3.O Governo Representativo e o pathos democrtico

Tm sido vrias, nos ltimos anos, as vozes dos que vm alertando para um perigoso artificialismo, abulismo e distanciamento dos representados face s instituies parlamentares, o qual reflexo no menos desprezvel da crise do Estado-Nao ou da prpria civilizao judaico-crist.

Nos tempos actuais, o governo deixado nas mos de polticos profissionais que so investidos na responsabilidade de tomar decises, em nome do Povo. A democracia representativa assume-se, assim, como uma forma limitada ou indirecta de democracia. Limitada, no sentido que a participao popular tanto pouco frequente como muito breve, reduzindo-se, a mor das vezes, ao uso do direito de voto sazonal e peridico, consoante o ciclo nacional e local. Indirecto, no sentido que o pblico, o eleitor mantido distncia pelo governo e pelos parlamentos: o povo participa unicamente atravs da escolha de quem deve governar, fenecendo nesse acto, por um perodo relativamente alargado, o direito a remover os seus representantes.

Mas esta crtica necessria e pertinente ao governo representativo no nos deve levar longe de mais quanto admissibilidade, outra vez, da alternativa totalitria seja qual for a sua cor ou invlucro. A profissionalizao excessiva dos polticos, a mediocridade no seu recrutamento, a corrupo e o trfico de influncias, o abstencionismo eleitoral, constituem fenmenos associados ao Poder Democrtico, que devem e podem ser invertidos. Mas no obstante esses antemas a democracia representativa continua a ser uma forma referencial de democracia. Embora limitado no seu alcance e ritualista no seu procedimento, o acto de votar em que a democracia se plasma, persiste como a fonte vital do poder popular e da soberania fundada na vontade do Povo, livremente expressa.

Porqu? Porque muito simplesmente os eleitores tm, com o seu voto, o poder soberano de "dispensar" os maus governos, de derrotar os partidos em que perdem confiana, de remeter para as prateleiras do esquecimento os polticos que persistem no logro, o que constitui pilar fundamental do controlo popular da representao poltica e expresso da sua public accountability, para usarmos o conceito frequente na teoria poltica anglo-saxnica.

O principal tipo de democracia poltica dos nossos dias a democracia liberal ou representativa.

A democracia, diz Jurgen Habermas definida como o Estado poltico governado por uma legitimidade em que o princpio consiste na formao discursiva da vontade antecipando, portanto, a existncia de um consenso que s pode dar sentido ao seu descanso e torna-se, assim, capaz de imaginar uma situao de comunicao ideal, exemplo de persuaso, onde se forjar um acordo sobre a tica da discusso (09).

Ela assenta na convico de que o homem livre e que se pode e deve opor a todas as tentativas ilegtimas para ferir ou limitar a sua liberdade individual (10).

A democracia liberal traz associada o combate ( a oposio ) a todo o tipo de despotismo ou totalitarismo: a rejeio em nome da conscincia da liberdade dos obstculos das imposies como que uma autoridade externa, seja qual for a sua origem ou sua finalidade, visa paralisar as determinaes individuais. Isso no significa que seja uma sociedade isenta de conflitos.

Paul Ricouer afirma (11) a este propsito que a democracia no um regime sem conflitos, mas um regime em que os conflitos so abertos e negociveis segundo as regras de arbitragem conhecidas. Da que a questo da democracia seja conexa da questo da modernidade. Afrontar a parte da indeterminao da sociedade democrtica sem ceder vertigem tomar conscincia da existncia de um senso comum, no mundo moderno, o projecto de um pragmatismo universal desenvolvido por Habermas (12) no sentido da procura no funcionamento da linguagem das condies de legitimidade plural.

Criada no mundo industrializado, j no Sculo XIX, com o alargamento do sufrgio a toda a populao activa e s minorias, o apelo da democracia rapidamente se estendeu ao mundo ex-comunista e ao Terceiro Mundo. Na verdade, na sequncia da imploso do comunismo, na Unio Sovitica e com a queda consequente da Europa de Leste e do bloco do Pacto de Varsvia, vrios autores com destaque para Francis Fukuyama e Immanuel Wallerstein proclamaram o triunfo universal da democracia liberal, descrita como o Fim da Histria (13) ou a Economia-Mundo (14), parecendo significar, com isso, o declnio de uma Ordem caracterizada pelo conflito e competio entre modelos ideolgicos e cosmovises antagnicas e exclusivas e o perecimento da procura da Sociedade Ideal como meta ltima da construo da sociedade humana.

Fukuyama refere logo a abrir The End of History que as origens do livro (e das suas teses) podem ser encontradas num artigo intitulado o Fim da Histria que escreveu para a revista "The National Interest" no Vero de 1989. Nela defendeu que, nos ltimos anos, tinha ocorrido por todo o mundo um consenso notvel quanto legitimidade da democracia liberal, como sistema de governo, medida que esta triunfou sobre as ideologias rivais, como a monarquia hereditria, o fascismo e, mais recentemente, o comunismo. Nele defendia que a democracia liberal poderia constituir o ponto terminal da evoluo ideolgica da humanidade e aforma ideal do governo humano e, como tal, o fim da histria.

E conclui esta ideia dizendo que " embora alguns pases da actualidade possam no ter atingido um desenvolvimento liberal estvel e outros possam regredir para formas de governo mais primitivas como a teocracia e a ditadura militar, o ideal de democracia liberal no pode ser aperfeioado.

Um pouco na mesma linha, mas com uma provenincia poltica diferente o economista poltico Immanuel Walerstein sublinha na obra que assina com Terence Hopking que "um elemento crucial da cincia newtoniana tem sido a sua reivindicao de universalismo, uma questo que se reflecte directamente no liberalismo, a ideologia dominante no mundo, nos ltimos duzentos anos e que veio definir as geoculturas do sistema-mundo. O mais reconfortante elemento da ideologia liberal o seu argumento relativo s trajectrias de mltiplos vectores do sistema-mundo. O liberalismo apregoa o triunfo de uma gradual convergncia no bem-estar da humanidade, bem como a eventual eliminao da violncia que resultar se exigida pela crescente coeso dos Estados e posta em agenda pela diminuio das desigualdades. Num certo sentido, o liberalismo ofereceu a prtica de um paciente reformismo para solucionar as crises e satisfazer os descontentes da civilizao."

Fechando o vrtice, o filsofo Karl Popper enfatiza na sua introduo a "A Sociedade Aberta e os seus Inimigos" (15) que a nossa civilizao caracterizada pelas suas aspiraes humanitrias e pelos seus ideais de racionalidade, igualdade e liberdade. uma civilizao que ainda no recobrou do choque do seu nascimento - a transio de uma "sociedade fechada" ou tribal, com a submisso a foras mgicas, para uma "sociedade aberta", que liberta os poderes crticos do Homem. O choque da transio um dos factores que tornou possvel o surgimento daqueles movimentos reaccionrios que tentaram, e ainda tentam, derrubar a civilizao e retornar ao tribalismo.

4.A gnese programtica do Liberalismo Clssico

O elemento liberal no conceito de liberal democracy ter emergido antes dos Estados se poderem qualificar como democracias. Na verdade, muitos Estados europeus desenvolveram formas de governo constitucional no Sculo XIX, num tempo em que a capacidade eleitoral era restrita a terratenentes ou proprietrios fundirios e a homens. (16)

A doutrina do liberalismo est profundamente ligada ao conceito de democracia e certamente muito difcil distinguir o que liberal do que democrtico, nas nossas democracias. Por outro lado, ela assumiu formas histricas diferentes, na Revoluo Gloriosa, em Inglaterra de 1688-1689, na maior parte dos pases europeus no Sculo XIX, nos Estados Unidos, na sequncia da revoluo que conduziu Declarao de Independncia.

O Estado Liberal foi baseado no princpio do governo limitado, a ideia que os indivduos devem gozar de uma efectiva forma de proteco contra os abusos do Estado. Como escreve Antnio Paim (17) em seus primrdios, a doutrina liberal no guardava compromissos com o ideal democrtico. Seu propsito era criar freio e limites ao poder absoluto do monarca. A experincia inglesa comprovou que a reaco monrquica assumia formas de extrema violncia. Somente a elite proprietria tinha condies de levar essa luta a bom termo () o sistema concebido por Locke reflectia o consenso da parcela significativa da elite. A prtica do sculo XVIII configurou-o como modelo (18).

Em sentido confluente Roger Scruton (19) acentua que a histria do liberalismo contempornea com a histria do governo limitado, i.e., com a tentativa bem sucedida dos que se encontram subordinados a um governo de, com vista a restringir os poderes deste, obter em seu benefcio constituies (constitutions), cartas (charters), estatutos (statues), instituies e formas de representao que garantam aos indivduos direitos contra as invases do poder soberano. Mas foi preciso esperar pelo boom do racionalismo trazido pela Revoluo Francesa para que as crenas fundamentais defendidas pelo Estado monista da res publica christiana fossem contraditas pelas conquistas da cincia e da investigao e estas comeassem a dar respostas aos problemas das pessoas, dando corpo laicizao do Estado que o movimento da Contra-Reforma ser o hmus.

Os princpios estruturantes do liberalismo consubstanciados num documento fundamental com a Magna Carta de 1215 so considerados como uma criao do Sculo XVIII ou do Sculo XIX, em razo das obras de filsofos polticos como Spinoza, Locke, Montesquieu, Kant, Bentham, J.S. Mill, Benjamin Constant, Jefferson ou Madison, conjuntamente com muitas figuras do Iluminismo. A ideia da liberdade e da preservao da liberdade, entendida esta na sua expresso econmica, poltica, individualstica , portanto, uma das bandeiras justamente atribudas ao liberalismo, a que outras doutrinas de fuso como a social-democracia, o socialismo democrtico, o social-liberalismo, o socialismo "de rosto humano" - foram buscar pontos significativos de demarcao perante as formulaes totalitrias do Sculo XX como o fascismo, o nacional-socialismo e o comunismo.

Entendemos aqui liberdade no conceito epistemolgico que vem de Max Weber (20), como a faculdade presente em todo o homem de agir segundo a sua prpria determinao, sem ter de suportar outros limites, para alm daqueles que so necessrios para a liberdade dos outros. (21)

Estamos portanto no campo da liberdade interpessoal ou social a que se refere s relaes de interaco entre pessoas e grupos e dentro deste na mais importantes das liberdades sociais: a liberdade poltica entendida por Oppenheim (22) como a liberdade dos cidados ou das suas associaes em relao ao Governo. Preenchida, numa primeira fase, pela liberdade de religio, de expresso, de imprensa, de associao e de participao, a ideia da liberdade poltica ganha novos contornos quando explodem os anseios de liberdade econmica, de autodeterminao face ao Estado colonial.

Como trao primeiro do pensamento liberal emerge a defesa de uma sociedade civil vigorosa e prspera, baseada no respeito dos direitos individuais e da propriedade, na crena da oportunidade do sucesso (23) e do progresso social, em que se coligam o governo democrtico liberal e o sistema econmico capitalista. Matriz desta concepo de sociedade, que ao mesmo tempo uma forma nova de organizao das relaes econmico-sociais e uma ideologia , naturalmente, a crena num conjunto de direitos inalienveis, que ficariam "a coberto" das arremetidas do poder absoluto do soberano.

Locke trata-os de uma forma paradigmtica no seu Two Essays on Civil Government (24) e que poderemos sumariar da seguinte forma: quando, por conveno unnime o contrato social os homens renunciam sua liberdade primitiva absoluta que herdaram do Estado de Natureza (25) para fundar a autoridade pblica, no abdicaram em benefcio do poder seno a parcela da sua independncia original incompatvel com a existncia de uma ordem social. O que conservam da sua liberdade primitiva constituem os direitos individuais. Esses direitos, resduos da liberdade absoluta primitiva, nada devem ao Estado, nem na sua origem, nem na sua consistncia. Porque anteriores podem ser-lhe opostos, e ao Estado cabe respeit-los e garanti-los (26). Mas mais, os homens precisam de sair do estado de natureza porque eles esperam encontrar melhores condies numa ordem organizada, com leis positivas, juzes para as interpretar e um poder executivo para as aplicar. A acumulao de riqueza e a desigualdade na sua repartio precisam de ser considerados fora do estado de natureza, mas esta mudana no negativa: o sucesso material dos indivduos promete o bem-estar pblico.

Destes direitos, a Declarao de 1789 conferiria a definio e o inventory que os perpetuaria. J no caso ingls, tanto o Bill of Rights como a Act of Settlement de 1786 so consagraes de liberdades, mas de uma natureza diferente: so liberdades histricas e tradicionais da nao - no de um ser abstracto - ou seja promovem um individualismo de acordo com as exigncias da vida social, moderado (27) e pragmtico. um pouco no casamento destas duas etho-vises do indivduo que a experincia americana ir beber: a f no homem como ponto de partida, mas a convico profundamente tica e moral que no ao seu ttulo abstracto de homem racional que o homem deve a liberdade que reivindica, mas sim convico de que pertence a cada homem forjar o seu prprio destino o the pursuit of happyness, na Constituio Americana.

O trao segundo referenciador do liberalismo, enquanto doutrina poltica, a ideia que a eleio popular a nica fonte legtima de autoridade poltica. Eleies que devem respeitar o princpio da igualdade poltica e ser baseadas no sufrgio universal e na ideia um homem, um voto. As eleies para serem democrticas devem ser regulares, abertas e acima de tudo competitivas. A pedra cbica do processo democrtico , portanto, a capacidade indeclinvel do povo fiscalizar e "julgar" os polticos que faz eleger. Da que o pluralismo poltico, a concorrncia aberta entre partidos, movimentos e organizaes polticas seja a verdadeira essncia da democracia representativa.

Joseph Schumpeter sublinharia esta caracterstica essencial da viso liberal em Capitalism, Socialism & Democracy (1942) (28), aquele arranjo institucional para alcanar decises polticas, no qual o indivduo adquire o poder de decidir atravs de uma competio aberta, pelo voto popular () os votos exercem o mesmo poder no mundo poltico que o consumidor desempenha no mundo econmico.

Esta accountability reforada pela capacidade dos cidados exercerem uma influncia directa no governo atravs de grupos de presso e de interesses. A questo da plasmagem da prossecuo de interesses representao poltica to antiga quanto a existncia da democracia e ganhou novo alento com o fim do conflito Este-Oeste, roubando legitimidade aos partidos que se reivindicam duma estrita viso ideolgica e programtica no combate poltico. Na verdade, h medida que as velhas doutrinas: socialismo, liberalismo, comunismo ou fascismo, deixaram de responder s crenas e expectativas dos eleitores, a prossecuo e representao dos interesses caldeados sociedade substitui e substitui-se competio ideolgica, quebrando a velha matriz ordenadora que os arruma da esquerda direita.

Estreitamente relacionado com este ponto assinalmos anteriormente que a democracia liberal baseada na ideia que os polticos agem como representantes do Povo. Mas o que que isso significa? Que uma pessoa representa a outra? Que representa um certo grupo de pessoas os eleitores ou um certo grupo de interesses?

5. Governabilidade e Liberalismo

A representao configura uma relao entre duas entidades jurdico-polticas separadas e distintas: os governantes e os governados. Pressupe que atravs dessa ligao os interesses, os pontos de vista, dos representados so assegurados e prosseguidos. A natureza precisa dessa ligao e a sua mobilidade tm sido pontos interminveis de desacordo na teoria poltica .

Para comear, na origem no h um nico e comummente aceite modelo de representao. Os representantes, os eleitos, tm sido muitas vezes vistos como os que sabem mais e dessa forma podem servir de uma forma mais adequada e diligente os interesses dos representados. Mesmo nos sistemas de monarquia absoluta, considerava-se que os monarcas governavam com o conselho dos estamentos, designadamente os proprietrios fundirios e o clero.

Nessa perspectiva, os polticos no devem se entender vinculados como delegados em razo dos interesses dos eleitores, mas ter a capacidade de pensar por si prprios e utilizar de, per si, a sua capacidade de julgamento. No seu famoso Discurso aos Eleitores de Bristol em 1774, Edmund Burke (1729-1797) (29) refere:

A felicidade e a glria de um representante devem consistir em viver na unio mais estreita, na correspondncia mais ntima e numa comunicao sem reservas com os seus eleitores. Os seus desejos devem ter, para ele, grande peso, a sua opinio, o mximo respeito, os seus assuntos uma ateno incessante(...) O vosso representante deve a vs no somente a sua indstria, seno o seu juzo, e atraioa-vos em vez de vos servir, se se sacrifica vossa opinio

e acrescenta de forma significativa:

O Parlamento no um congresso de embaixadores que defendem interesses distintos e hostis, interesses que cada um dos membros deve sustentar, como agente ou advogado, contra outros agentes ou advogado, ele seno uma assembleia deliberante de uma Nao, com um interesse: o da totalidade; de onde devem prevalecer no os interesses e preconceitos locais mas o bem geral que resulta da razo geral do todo. Elegeste um Deputado mas quando o escolheste, no ele o deputado por Bristol, mas um membro do Parlamento.

Na doutrina de Burke, que influenciou todo o pensamento poltico-constitucional ingls, o deputado no guarda obedincia a instrues imperativas, mandatos explcitos dos seus eleitores (30), porque isso seria desvirtuar a sua misso e a ordem e temor da nossa Constituio. A essncia da representao para ele o servio dos seus constituintes atravs de um julgamento amadurecido de uma conscincia esclarecida.

Este modelo de representao - o trustship - o que confina o mandato atravs do qual uma pessoa investida com a responsabilidade formal de representar e agir por conta da propriedade e negcios de outro. A representao assume aqui o papel de um dever moral.

John Stuart Mill (1806-1873) confina o seu pensamento com a mesma natureza do mandato representativo em Consideraes sobre o Governo Representativo (31):

Desde o princpio temos afirmado, e nunca perdemos de vista, a importncia igual de dois requisitos do governo: 1)a responsabilidade perante os que em cujo proveito poltico o poder deve ser empregue; 2)o exerccio dessa funo por pessoas de inteligncia superior, especialmente treinadas para essa tarefa por meio de uma longa meditao e uma disciplina prtica(...)se o propsito for de obter representantes superiores em inteligncia mdia dos seus eleitores, deve-se esperar que o representante tenha por vezes opinio diferente da dos seus eleitores, e quando a tiver, a sua seja frequentemente a mais certa das duas. Decorre da que no estando agindo sabiamente os eleitores se impuserem como condio para a manuteno do cargo, conformidade absoluta com suas opinies por parte do representante.

A perspectiva de Mill tem como fundamento que embora todos os indivduos tenham o direito de ser representados, nem todas as ideias polticas tm o mesmo valor. Mill ir propor um sistema de voto plural em que quatro ou cinco votos sero destinados a eleitores com estudos acadmicos, dois ou trs a operrios especializados e supervisores e um a operrios sem especializao. No mesmo sentido, ele argumentava que os eleitores "racionais" suportariam preferencialmente polticos que actuassem sabiamente em seu benefcio, mais do que polticos que reflectissem os pontos de vista dos eleitores.

Esta ideia hoje naturalmente controversa mas ao tempo nem tanto de limitao do poder eleitoral activo a certas classes de eleitores no exclusivo do pensamento liberal tradicional, de matriz inglesa (32). A Constituio monrquica francesa de 1791 reservaria o direito de voto aos cidados activos, isto queles que pagavam impostos, na perspectiva de uma clara estratificao social das lites dirigentes.

Thomas Paine, o conhecido autor ingls e posteriormente exilado na Amrica contraporia no seu famoso panfleto Common Sense (1776) que se os polticos, nessa lgica, fossem autorizados a exercer o seu julgamento, usariam essa margem de aco para prosseguir os seus prprios interesses pessoais e no quem representavam. Nesta perspectiva, a representao tornava-se um puro substituto da democracia.

contra a viso mitigada de soberania popular que se vo revoltar os enciclopedistas e os philosophes em geral com Voltaire, Diderot, Rousseau e o prprio Paine.

Rousseau escreve no Contrato Social (33) que o contrato no um contrato entre indivduos (como em Hobbes) nem um contrato entre indivduos e o soberano (como em Suarez). um contrato em que cada indivduo se une a todos. Cada um de ns pe em comum a sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direco de uma vontade geral, e ns recebemos em corpo cada membro como parte indivisvel do todo. Cada associado se une a todos e a ningum se une em particular; s obedece deste modo a ele prprio e fica to livre como anteriormente. O soberano para Rousseau essa vontade geral, que a vontade da comunidade e no dos membros que constituem essa comunidade. obedecendo s leis que o homem realiza a sua liberdade:

Um povo livre obedece, mas no serve; tem chefes, e no senhores; obedece s leis; e por fora das leis que no obedece aos homens.

O governo apenas desempenha um papel subordinado. O soberano faz as leis, que tm um valor para-religioso, j que so o reflexo de uma ordem transcendental. O governo um simples executante da lei, o depositrio do poder. Foi contra a tentao totalitria implcita na doutrina da soberania popular e a limitada abertura concedida pela Reforma Eleitoral de 1832 que o liberalismo anglo-saxnico se rebelou no sculo XIX. Essa rebelio veio concretizar no movimento cartista a exigncia de uma reforma substancial do sistema de sufrgio eleitoral e com ele o voto secreto, a anualidade das eleies, a supresso da exigncia de renda como requisito da capacidade de ser eleito o reconhecimento do direito do "homem" abstracto de aceder ao sufrgio patente na sua Carta de Liberdades do Povo.

Foi em resposta ao movimento cartista que o Parlamento britnico empreendeu o caminho da reforma eleitoral patente na introduo do voto secreto (1872), na diviso do pas em distritos eleitorais (constituencies) de idntico peso, elegendo cada um deles um deputado. O movimento cartista seria responsvel pela profunda democratizao da ideia liberal, que fala Antnio Paim (34) mas seria o movimento trade-unionista que est na origem do Labour, que lhe dar o impulso decisivo.

o povo dos cidados que passa a constituir a base do poder do Estado Liberal. Naturalmente, medida que as instituies democrticas e o referido alargamento do sufrgio se tornam realidade, esse povo cada vez mais numeroso, um povo que ignora classes. A Nao tem uma voz, a dos rgos que ela cria para querer em seu nome.

nas assembleias parlamentares, periodicamente eleitas, que se estabelece a expresso concreta da representao poltica dos eleitores. A representao poltica ser como noo um mecanismo poltico para a realizao de uma relao de controle regular de checks & balances entre governantes e governados.

6. Sistemas de Representao Poltica

Ser til referir, neste ponto, que se colocam fundamentalmente trs sistemas de representao poltica na histria recente da democracia, no que respeita relao entre representantes e representados. Segundo Norberto Bobbio (35): 1) a representao como relao de delegao (delegation), em que o representante concebido como executor privado da iniciativa e da autonomia das instituies que os representados lhe distribuem no fundo uma espcie de "embaixador"; 2) a representao como relao de confiana (trustship), tendo o representante autonomia no exerccio do seu mandato poltico, supondo a sua nica orientao o interesse dos representados como foi por ele percebido e que vimos patente em Burke; 3) a representao como "espelho" ou representao sociolgica (resembalance) concebendo a organizao representativa como um microcosmos que fielmente reproduz as caractersticas do corpo poltico.

Na perspectiva do primeiro modelo descrito por Bobbio, o delegado uma pessoa que escolhida para actuar por outra com base em orientaes claras e instrues precisas. como que um embaixador ou um agente de vendas que no autorizado actuar de acordo com o seu julgamento. Quem prefere este modelo cria mecanismos que asseguram que os polticos esto vinculados to perto quanto possvel s perspectivas dos eleitores. Isso inclui o que Paine designa por uma "interaco frequente" entre representantes e seus constituintes, na forma de eleies regulares e mandatos curtos (36). A virtude do que podemos chamar de "delegao de representao" que o sistema providencia maiores oportunidades para uma participao popular e serve para fiscalizar as inclinaes do self-serving dos polticos profissionais. Constitui, portanto, a forma de representao mais prxima do ideal distante da soberania popular. Os principais defeitos do modelo incluem um estreitamento excessivo do mandato representativo, um ponto de frico entre delegados e eleitores.

O modelo referido encontra-se hoje rejeitado pela proibio explcita do "mandato imperativo" por parte das principais leis constitucionais e eleitorais europeias e ocidentais.

O segundo modelo encarna, segundo Bobbio, a ideia do representante como "fiducirio" tendo a Nao normalmente como centro focal de representao ou pela inoportunidade do colgio eleitoral do representante, entendido como parcela fragmentada do todo que a Nao.

No despiciendo sublinhar que este modelo ganha novo flego, nos nossos dias, medida que o Estado Unitrio, incapaz de responder s necessidades, diversidade territorial e cultural dos pases, se descentraliza e regionaliza. As novas regies autnomas vm os interesses das suas circunscries institucionalmente prosseguidos e defendidos por parlamentares que fazem valer os interesses regionais, respondem pelas suas circunscries eleitorais e intervm, por vezes como balana e factor de desempate, nas crises polticas de mbito nacional. (37)

O ltimo modelo naturalmente o mais utilizado em termos de engenharia eleitoral (38).

O modelo tem menos a ver com a maneira como os representantes so seleccionados do que com a forma como eles tipificam ou "espelham" o grupo que pretendem representar. A noo est imbuda de uma representao alargada cross-section como se lhe referem os marketeers polticos. De acordo com esta formulao, um governo representativo dever constituir um microcosmos de uma sociedade mais vasta, compreendendo membros provenientes de todos os grupos e estratos da sociedade ( em termos de classe social, sexo, etnia, religio, idade, etc) e no mnimo que seja proporcional dimenso dos grupos sociais em si.

O modelo-espelho sugere que cada pessoa que vem de um dado grupo e partilha as suas experincias e vivncias pode se identificar plenamente com os seus interesses. Facto que em si discutvel. Por outro lado, o modelo tem um efeito perverso: configura a representao como algo de restrito e exclusivo, acreditando por exemplo que s uma mulher pode representar as perspectivas das mulheres, um negro ou um indiano as minorias rcicas, um ecologista os amigos do ambiente. A questo que da resulta que se os representantes polticos apenas representam os interesses dos grupos donde provem o resultado ser uma profunda estratificao social e conflitualidade latente, j que ningum ser capaz de defender o bem-comum ou o interesse da colectividade.

Por outro lado, um Governo que seja o espelho de uma sociedade, no sentido literal, reflectir tanto os seus pontos fortes como as suas fraquezas. Ora o modelo s exequvel com fortes restries escolha eleitoral e, sobretudo, s liberdades individuais. Em nome deste modelo, os partidos podem ser pressionados pela opinio dos seus eleitores a escolher quotas para as mulheres, os ecologistas, os homossexuais, os negros, os muulmanos e outros grupos ditos "minoritrios".

Os sistemas eleitorais proporcionais tm sido um eficaz instrumento institucional para reproduzir as caractersticas polticas, ideolgicas, mas tambm sociolgicas dos grupos populacionais dispersos pelo territrio nacional mas tem presidido uma preocupao de moderar os mpetos estratificadores do modelo. Da que no se possa deixar de conceder que as formaes polticas que visavam responder a um "espelho" de determinados estratos da populao como os partidos operrios, agrrios, confessionais, tnicos ou feministas ganharam no fim do Sculo XX uma nova projeco, j que a profissionalizao da vida poltica fomenta uma maior representatividade sociolgica relativamente a perfis no-estritamente polticos, caso dos ecologistas. Mas isso no se traduziu no curto-circuitar do modelo do governo representativo.

H autores que adiantam, ainda, um modelo intermdio, o modelo de mandato, o qual convive com o actual modelo de mediao poltica atravs dos partidos.

Este modelo baseado na doutrina que ao vencer as eleies um partido ganha um mandato popular que o autoriza (e legitima) a executar as polticas e programas com que se comprometeu na campanha eleitoral. Sendo um mandato em benefcio de uma entidade colectiva o partido e no de polticos individuais, a doutrina do mandato confere uma adequada justificao para a unidade partidria e a disciplina organizativa e de voto.

Nesta perspectiva, os polticos servem os seus constituintes no por julgarem por eles prprios mas por serem leais s orientaes do partido que integram e as suas polticas.

A vantagem decisiva do modelo de mandato de representao que confere uma lgica aos resultados eleitorais, assegura uma revisitabilidade das promessa eleitorais aquando da campanha para novas eleies e possibilita uma separao mais ntida das opes polticas em confronto numa sociedade plural e democrtica.

O modelo peca, no entanto, por algumas assunes precipitadas. Em primeiro lugar acredita que os eleitores votam sempre nos partidos de acordo com as suas fronteiras ideolgicas e as suas polticas seriadas nos programas. Os votantes nem sempre so to racionais e previsionais como a convico subjacente revela. Hoje, cada vez mais, os eleitores so influenciados (e incutidos) por um vasto leque de factores "irracionais" e extra-ideolgicos como a personalidade, o carisma dos lderes, a linearidade das mensagens e condicionamentos sociais e hbitos vrios.

Em segundo lugar, discutvel que os eleitores sejam atrados pelos compromissos assumidos nos "manifestos" eleitorais, na perspectiva que o voto seja um endosso ao manifesto na sua plenitude e no num ou noutro aspecto em que os eleitores e revejam. Finalmente, o modelo fortemente condicionador: limita as polticos do governo s propostas que o partido anunciou na campanha eleitoral e deixa reduzida margem capacidade de as adaptar ou mudar em razo de circunstncia supervenientes. A doutrina significativamente aplicvel em sistemas de maioria eleitoral, fundamentalmente em sistemas bipartidrios.

7.A gnese dos Partidos Polticos

A ambio de ocupar o poder uma caracterstica essencial da poltica. O poltico quer o poder na forma mais genuna ou propagandstica porque tem uma soluo para o interesse pblico. O Partido a organizao poltica em que os membros desenvolvem uma aco conjunta com vista conquista e exerccio do poder (39), por meio eleitoral ou qualquer outro, para atribui-lo a uma pessoa, a um grupo ou para fazer vingar uma certa ideologia. O Partido reflecte tambm este comportamento individual e adiciona e sumaria a energia e os propsitos dos que entendem que s ocupando o Poder lhes permite executar um projecto que na sua forma genuna diz respeito ao futuro da comunidade poltica e na forma mais perversa satisfao de interesses sectoriais e privados.

At ao chamado Estado Liberal de Direito, os titulares dos rgos do poder poltico as Cortes limitavam-se a exercer o papel de meros nncios ou mandatrios a ttulo imperativo. O reconhecimento da natureza representativa do mandato s se verifica com o estabelecimento de mecanismos democrticos para a sua designao, afirma Marcelo Rebelo de Sousa. (40) (41)

Os primeiros partidos modernos nasceram, por um lado, da relao com a tradio parlamentar burguesa das sociedades industrializadas do Ocidente ou com o ambiente das mesmas sociedades, o que adita razes aos que entendem que o desenvolvimento de partidos polticos, a interiorizao de um sistema pluripartidrio podero ser identificados como sinais de modernizao e pluralismo (42).

Maurice Duverger (43) utiliza, a este propsito, a distino entre partidos de criao eleitoral e os de criao exterior, consoante surgem relacionados com a citada tradio parlamentar das sociedades liberais ou com circunstncias histricas excntricas a esta tradio. Configuram o primeiro tipo, os de criao eleitoral e parlamentar , os partidos fundados com vista ao estabelecimento de uma ligao permanente entre grupos parlamentares, de um lado, comits eleitorais, de outro. O partido cria, a partir do centro, novos comits eleitorais e assim cresce, conferindo a si prprio uma direco central distintiva da seco parlamentar. Reconhecem-se nos segundos, os de criao exterior provindos de grupos sociais situados para alm do sistema poltico propriamente dito (44): associaes camponesas, sindicais, cooperativas, seitas religiosas, franco-maonaria, associaes de antigos combatentes e outros grupos de interesses ou de presso, partidos que nascem de certa maneira em oposio ao sistema.

Dever se ter em ateno, antes de irmos mais adiante, que existem segundo um conhecido cientista poltico Joseph La Palombara (45) quatro critrios para distinguir os partidos de outros grupos de presso, clubes, grupos parlamentares ou cliques. Os Partidos devero ser assim, em primeiro lugar organizaes durveis, cuja esperana de "vida poltica" seja superior ao dos seus dirigentes, podendo resultar da iniciativa de um grupo ou de um lder carismtico. Em segundo lugar, devero ser uma organizao completa da direco central at ao nvel local, ou de base. Em terceiro lugar, devero ter a vontade explcita de exercer directamente o poder, sozinhos ou em coligao com outros, ao nvel local ou nacional. Finalmente, devero procurar e conquistar o apoio popular, quer seja a nvel de militantes ou de eleitores.

Para Max Weber (46) o partido poltico uma associao que visa um fim determinado, seja objectivo, como a realizao de um plano com intuitos ideais ou materiais, seja "pessoal" , destinado a obter benefcios, poder e, consequentemente, glria para os chefes e os sequazes, ou ento voltado para todos esses objectivos conjuntamente. A concepo francamente mais lata que a de La Palambora.

Os primeiros partidos polticos modernos organizam-se nos Estados Unidos, a partir de 1828, sob o impulso do Presidente Jackson (47). Os partidos britnicos nascem das reformas eleitorais de 1832 (Reform Act) e 1867 que conduzem ao alargamento do sufrgio e criao das registration societies donde saem as organizaes locais dos partidos que se criam aps a lei eleitoral de 1832. Em Frana, os partidos polticos surgem depois de 1848. No Terceiro Mundo, curiosamente os partidos emergem para dar corpo aos movimentos nacionalistas e de autodeterminao contra o poder colonialista e partem, regra geral, de uma situao de ostensiva clandestinidade e ostracismo. Os partidos emergem, na origem, da necessidade de afirmao do poder da classe burguesa contra os privilgios da velha aristocracia e tornam-se com a exploso do movimento socialista e operrio porta-vozes do proletariado urbano contra a nova classe possidente. Ou como diria Marx, os parteiros da revoluo:

Em suma os comunistas apoiam em todos os pases todo o movimento revolucionrio contra a ordem social e poltica existente. Em todos estes movimentos pem frente a questo da propriedade, qualquer que seja a forma mais desenvolvida que revista, como a questo fundamental do movimento. Finalmente, os comunistas trabalham para a unio e o acordo entre os partidos democrticos de todos os pases () Proclamam abertamente que os seus objectivos s podem ser alcanados derrubando pela violncia toda a ordem existente. Que as classes dominantes tremam ante a ideia de uma Revoluo Comunista! Os proletrios no tm nada a perder com ela, alm dos seus grilhes. Tm, em troca, um mundo a ganhar (48).

Da que se possa afirmar que os partidos nascem com o liberalismo moderno, quer em sintonia com o seu modelo poltico-econmico de sociedade, quer em ruptura com esse modelo. No que os partidos nasam automaticamente com o governo representativo, como que num passo de mgica. Isso ocorre porque os processos de tmida representao poltica, franqueada pelos aristocratas fundirios e seus partidos, desencadeiam reaces vivas de exigncia de participao no processo de formao das decises polticas, por parte de classes e estamentos inferiores da sociedade, excludos numa lgica de representao censitria elitista e possidente.

O movimento em direco constituio de elites polticas organicamente estruturadas ocorre num tempo de grandes transformaes econmicas, sociais, culturais que abalam a ordem tradicional da conservadora sociedade liberal e pem definitivamente, em causa, a lgica dos equilbrios do poder.

nesta ocasio que emergem grupos mais ou menos organizados que se propem agir em ordem ampliao da gesto do poder poltico a sectores, que excludos ou marginalizados, propem uma estruturao poltica e social diferente e inovadora para a sociedade.

Na Inglaterra do Sculo XVIII os dois grandes partidos polticos da aristocracia, entretanto surgidos os tories e os whigs no tinham fora do controlo parlamentar qualquer relevncia ou tipo de organizao. Correspondiam a simples labels atrs dos quais se acantonavam os representantes de grupos homogneos, no divididos por conflitos de interesses ou por diferenas ideolgicas substanciais, que aderiam a qualquer deles por tradies familiares, locais ou nobilirquicas. A eles refere-se Max Weber afirmando tratar-se de squitos de poderosas famlias aristocrticas tanto que quando um Lord, por qualquer motivo, mudava de partido, toda a estrutura social que dependia dele passava, na mesma hora, para o partido oposto (49).

S com o Reform Act comeam a surgir em Inglaterra algumas estruturas organizativas que tm como finalidade ocupar-se do processo de eleio de representantes para o Parlamento e de recolher votos em favor deste ou daquele candidato. Estas so as primeiras associaes locais de suporte eleitoral s candidaturas ao Parlamento, organizadas por este ou por grupos de aristocratas que se haviam organizado para fazer representar, naquele, os seus interesses confluentes. Associao com um nmero restrito de "fiis" que funcionam qusi exclusivamente nos perodos eleitorais, dissolvendo-se aps estes. A sua identidade partidria, a sua expresso programtica comea e acaba no Parlamento, preparando o programa e fazendo eleger os lderes do partido. A isto acrescia que os deputados tinham um mandato absolutamente livre, no sendo responsveis pela sua actividade poltica, nem perante o partido, nem frente aos eleitores, respondendo, como se dizia, pela sua prpria conscincia.

Nos anos que precederam e se seguiram ao fim do Sculo XIX, a situao comea a mudar, com o desenvolvimento do movimento operrio. As transformaes econmicas, sociais, populacionais, despertadas pelo fenmeno da industrializao capitalista cataduplaram para a ribalta poltica as massas populares at a mantidas ostensivamente margem da vida pblica e da agrupao de interesses. Com reivindicaes que inicialmente se expressavam em movimentos espontneos de protesto contra as miserveis condies de vida, os magros salrios, as condies desumanas de organizao do trabalho e alojamento social, rapidamente adquiriram uma dimenso mais poltica, por aco de intelectuais burgueses que enquadraram essas exigncias, aditando-lhe pontos reivindicativos de clara transformao social e de ruptura poltica com o status quo.

Na verdade, com o desenvolvimento do movimento operrio surgem os primeiros partidos de massas - os partidos socialistas - em 1875, na Alemanha, em 1892, na Itlia, em 1900, em Inglaterra, e em 1905, na Frana. Estes distinguem-se dos partidos de notveis ou de quadros em vrios aspectos: tm um vasto apoio de massas, uma organizao difusa e estvel com um corpo de funcionrios profissionalizados (50) e um programa poltico-sistemtico.

Estes aspectos visam responder ao desgnio da criao dos partidos socialistas, enquanto partidos dos trabalhadores adstritos a uma lgica classista de representao horizontal e emancipao econmica, social e poltica das massas laboriosas.

Para esse objectivo era necessrio educar as massas, torn-las politicamente activas e conscientes do seu papel. Para que isso ocorresse era necessrio mais que uma genrica agitao poltica aquando das eleies e no tinha grande interesse a actividade parlamentar. Era essencial que se criasse uma estrutura organizativa estvel e articulada, capaz de enfrentar uma aco poltica contnua que envolvesse o maior nmero possvel de trabalhadores e que atingisse toda a esfera da sua vida social, que enquadrasse as suas exigncias especficas e as articulasse num programa geral.

A estrutura assim criada desenvolve-se numa geometria piramidal: na base, as unies locais, seces ou crculos, enquadrando os militantes de base de determinado espao territorial, tm reunies peridicas onde discutem os principais problemas polticos e organizativas, ocupando-se da actividade de propaganda e elegendo os seus prprios rgos de direco; por sua vez, as seces esto organizadas a nvel provincial e regional em federaes, que constituem os rgos intermedirios do partido, com funes fundamentalmente de coordenao; finalmente , a cpula constituda pela direco central, eleita pelos delegados enviados pelas seces ao Congresso Nacional, rgo mximo de deliberao dentro do partido, o qual estabelece a linha poltica a que devem sujeitar-se todos os nveis do partido, desde as seces direco central. Todas as funes de responsabilidade so de carcter electivo, sendo funo dos Congressos escolher os candidatos s eleies. Estes se eleitos tm um mandato imperativo e so obrigados a uma rgida disciplina partidria na sua actividade parlamentar.

Este era o modelo que podemos chamar hoje em dia de partido de aparelho ou partido de organizao de massas e que se aplica claramente evoluo do partido social-democrata alemo, do Labour, dos partidos socialistas francs, italiano ou espanhol.

A introduo do sufrgio universal, a rpida ascenso dos partidos operrios e socialistas no mundo industrializado, a ruptura com os partidos comunistas, a sua parcial ou total integrao no sistema poltico veio produzir mudanas sensveis nos partidos do sistema. Depois de numa primeira fase revelarem uma acentuada hostilidade em relao aos partidos de massas, os partidos de notveis no puderam, por fim, mais que render-se lgica de alargamento da participao popular nos crculos e comits eleitorais, que claramente beneficiava os partidos socialistas, os quais a partir da criao da Internacional Socialista decidem romper a unidade com os comunistas e democrata-revolucionrios e jogar dentro do sistema.

curioso assinalar que tendo nas suas mos o controlo do poder poltico, do exrcito e da burocracia estatal, os partidos burgueses puderam impedir, durante algum tempo, a integrao poltica dos partidos dos trabalhadores e neutralizar a concorrncia do seu aparelho mais bem organizado e mobilizador, consolidado nos distritos eleitorais.

Na Gr-Bretanha onde o Partido Trabalhista, fundado pelas trade-unions foi aceite como aspirante legtimo ao exerccio do poder - o Partido Conservador britnico inicia a sua transformao em partido de massas, no fim da 1 Guerra Mundial. Na Europa continental isto s veio a ocorrer depois da 2 Guerra Mundial, quando os partidos de comits eleitorais so obrigados a criar um aparelho estvel para garantir uma eficaz penetrao nos eleitores, criando uma clientela de massas e uma malha de coligaes com grupos e associaes da sociedade civil, capaz de conferir aos partidos uma base estvel de mobilizao e unicidade programtica e poltica.

Da que os partidos de notveis tenham evoludo para partidos eleitorais de massa no dirigidos a uma classe ou estrato social homogneo da sociedade, no se propondo uma gesto alternativa da sociedade e do poder, mas procurando ganhar a confiana eleitoral dos mais diversos estratos da populao, decalcando a sua organizao no modelo dos partidos operrios. Baseados em plataformas amplas e flexveis, procurando responder aos mais diversificados anseios e problemas sociais, os partidos eleitorais de massa ganham proeminncia.

Precisamente porque os seus objectivos so essencialmente eleitorais, a participao de militantes na formulao da plataforma poltica e na escolha de dirigentes puramente formal e ritualista. Mais que o debate poltico de base, a actividade crucial destes partidos a ratificao da escolha dos candidatos s eleies, que devem responder a um conjunto de requisitos destinados a aumentar o potencial eleitoral do partido, j que ocupando posies-chave na sociedade podem procurar para o partido novas clientelas e fornecer os meios financeiros necessrios ao seu crescimento. O partido eleitoral de massa o ltimo a surgir no plano europeu.

A conquista de lugares no Parlamento e a gesto dos negcios pblicos a nvel nacional e local vai permitir o aumento das massas votantes nos partidos eleitorais de massas, que a partir dessa posies podem corresponder s exigncias dos vrios grupos da populao e legitimar o seu apoio. Dado no existir, neste tipo de partidos, uma disciplina partidria que coordene a aco dos vrios representantes eleitos para a assembleia parlamentar, pelos crculos eleitorais, nenhuma aco poltica organizada e unificada, o partido assume tantas faces quanto a natureza e expresso societria dos interesses, camadas sociais ou zonas geogrficas que agrega e representa. Na cincia poltica, estes partidos so por vezes designados por partidos-pega-tudo (51).

Em termos de simblica a normalizao do sufrgio e o crescente papel partidrio associados ao mandato imperativo conduziram a uma identidade entre o representante e o partido poltico que faz parte, na qual polarizada a opo do eleitorado. Com a transio para o chamado Estado Social de Direito, as leis constitucionais comeam a acolher no quadro legal os partidos, consagrando neles o exclusivo da representao poltica geral.

A adopo do modelo de escrutnio proporcional vai pr em destaque a mediao partidria, destruindo os ltimos sinais do Estado Liberal, na vertente da independncia do representante face ao eleitorado e ao partido. Paralelamente assiste-se ao reforo da importncia da representao poltica parcelar, estratificada, do papel das minorias no Estado Democrtico, do reforo da aco e multiplicao dos grupos de lobbying poltico, econmico e social.

Como o constatam Seymour M. Lipset (52), Stein Rokkan (53), Richard Rose (54) e Derek Urkin (55), de 1945 a 1967, no se verificam grandes mudanas na estratificao e sistema de partidos. A exploso de movimentos independentistas no Terceiro Mundo trar ribalta um novo tipo de partidos de massas, profundamente nacionalistas, com uma direco poltico-censitria decalcada dos partidos de notveis do sculo XVIII na Europa, mas legitimados por um fervor ideolgico que se ir confundir com os Estados Nacionais que criam das cinzas do colonialismo.

A crise do sistema de representao proporcional que se agrava durante os anos 70 e 80 vai problematizar os anacronismos e as mistificaes de um Estado de Partidos que aparecem aos olhos das elites como profundamente redutor e totalitrio quanto representao dos interesses plurais da sociedade. O papel das novas minorias sociais profundamente militantes e no-acomodatcias, o ascenso de novos estratos sociais, o esvaziamento ideolgico dos partidos, a partidarizao da representao local e municipal de interesses vem pr em causa a estabilidade do sistema.

O fim dos anos 80 vai assistir ao aparecimento de partidos de contestao que no se revem na desmobilizao programtica dos partidos clssicos e lanam novas temticas polticas, como a defesa do meio-ambiente, a ecologia, o combate energia nuclear. Questes que pelo seu carcter segmentrio escapam lgica massificadora dos partidos tradicionais, eleitorais de massas. Configurando, no incio, um fenmeno particular das sociedades desenvolvidas do Norte da Europa, estas formaes partidrias despertam em toda a Europa, pondo em causa a lgica da bipolarizao favorecida pelos sistemas de representao proporcional (56). No obstante algumas opinies que prevem a diminuio das aces polticas de protesto e contestao, medida do desenvolvimento e expanso de influncia das sociedades ps-industriais do Ocidente, outros argumentam com a frequncia dos protestos e outras formas de aco poltica "desenquadradas" nos ltimos vinte anos, precisamente nas naes mais desenvolvidas (57). Tendncia que se reforar no futuro.

8.O estiolamento da funo representativa

Embora os partidos polticos sejam definidos por uma funo central a conquista e exerccio do poder - o seu impacto no sistema poltico substancialmente mais complexo. Da que as funes que cumprem em democracia podem ser extensas, acompanhando a complexidade do fenmeno poltico.

A representao vista, no entanto, como a mais importante das funes polticas. Simboliza a capacidade dos partidos representarem e articularem os pontos de vista quer dos seus membros, quer dos eleitores. instrumento de integrao privilegiado que assegura que o governo acolha as necessidades e sentimentos nutridos pelo vasto espectro da sociedade.

A funo de representao claramente melhor cumprida num sistema aberto e competitivo que force os partidos a responder s preferncias dos eleitores. Anthony Dowes (58) caracteriza esta funo sugerindo de uma forma singular que o mercado poltico semelhante a um mercado econmico em que os partidos actuam como empresrios procura de votos, transformando os partidos em estruturas empresariais. O poder reside, ao fim e ao cabo, nos consumidores, os votantes.

O modelo de Dowes susceptvel de crtica quanto ao diminutio tico que implica, mas hoje evidente que com a complexidade dos fenmenos eleitorais, com a penetrao dos media como concorrente mediador da sociedade, o combate poltico recorre mais aos instrumentos do marketing research do que do confronto de projectos polticos claros e distintos, firmados em princpios. O apelo irracionalidade do eleitor tentacular e profundamente sedutor.

Por outro lado, dado o papel crucial que os partidos desempenham nas sociedades ps-industriais dos nossos dias, como espelho que so da realidade social em que se encontram embebidos, a crise de um certo modelo de representao proporcional desperta interrogaes quanto aos interesses que verdadeiramente servem. So os partidos verdadeiras instituies democrticas que possibilitam a participao dos militantes e aderentes em todos os aspectos da vida colectiva? Ou so simplesmente instrumentos de legitimao dos lderes cooptados pela elites e impostos aos militantes?

Um dos contributos clssicos para a discusso desta problemtica foi dada por Robert Michel num trabalho intitulado Political parties: a sociological study of the oligarchical tendencies of modern democracy, em que analisa a distribuio do poder do SPD alemo. Michels (59) argumenta que no obstante a organizao formalmente democrtica do partido, o poder concentra-se na mo de um pequeno nmero de lderes, segundo uma lgica que designa por a lei de ferro da oligarquia. Segundo esta lei, existe uma tendncia inevitvel para as organizaes polticas e por extenso todas as organizaes serem oligrquicas.

Isto ocorre segundo Michel por trs razes fundamentais: primeiro porque dados os custos de transao em grandes organizaes, os partidos s conseguem uma adequada coordenao por diferenciao funcional e relaes hierrquicas de controle organizacional por lderes designados; em segundo lugar, a massa dos apoiantes no tem os recursos nem as inclinaes para governar a organizao pelo que dirigida por lderes fortes, com forte carisma; em terceiro lugar, os lderes so polticos profissionais que vivem da poltica, mais que para a poltica. Todos estes factores favorecem o status quo.

Conclui Michel que as estruturas participativas ou democrticas no podem controlar estas tendncias, unicamente podem disfar-las.

A viso conspirativa subjacente tese de Michel foi vivamente criticada pela sociologia poltica (60), mas seria ulteriormente retomada por Robert McKenzie que num trabalho de 1955 (61) sobre o sistema partidrio ingls, combateria a viso tradicional que o Partido Conservador era elitista e dominado por uma lgica de hegemonia dos lderes, enquanto o Labour se caracteriza pela forte cultura democrtica interna. McKenzie conclui que no obstante as lgicas internas distintas e diferentes sistemas de valores, ambos os partidos so dominados pela rede dos lderes parlamentares e rendem-se lgica dos seus interesses, sendo por outro lado os grupos parlamentares cmaras de eco das orientaes das direces parlamentares e rendem-se lgica dos seus interesses, sendo por outro lado os grupos parlamentares cmaras de eco das orientaes da direco parlamentar.

Procurando contrariar esta tendncia concentracionria, vrias reformas so tentadas ao longo dos anos 70 e 80 para reforar a democraticidade interna e a participao dos militantes na vida partidria. Iniciativas que tm lugar sobretudo quando os partidos sofrem pesadas derrotas eleitorais, que os afastam vrios anos do poder (62).

Este problema fundamental porque imbrica directamente com a outra funo dos partidos polticos a que aludimos em primeiro lugar. Se nos partidos polticos preside uma lgica aparelhstica, oligarquista de perpetuao poltica da elite que dirige o Partido e o representa no Parlamento, discutvel que quer o partido quer os deputados se sintam "obrigados" em responder s expectativas e anseios da sociedade civil. que no obstante a proibio do "mandato representativo" subsiste na lgica da representao poltica mediada pelos partidos uma obrigao no s moral, como poltica de responder pelos distritos (constituencies) em que os candidatos eleies so propostos.

No este o local para desenvolver esta questo, mas sempre se adiantar que a opo por crculos plurinominais ou por listas, em que os candidatos partidrios aparecem geograficamente por crculos que no da sua naturalidade ou residncia conforme o interesse partidrio na distribuio das front figures retira credibilidade pretextada responsabilidade dos deputados pelos seus eleitores.

A evoluo nas nossas democracias de sistemas de governo multipartidrio para bipartidrio, por forma a propiciar maiorias parlamentares pr ou ps-eleitorais duradouras pode ser considerada como uma das causas da deficiente accountability dos sistemas polticos modernos mediados pelos partidos.

9. A crise do Sistema de Partidos e o Ps-Modernismo

O fenmeno da representao poltica atravs dos partidos o aspecto mais decisivo e ao mesmo tempo controverso das democracias representativas modernas. Os partidos assumem-se como promotores de programas polticos e de formulao de alternativas polticas de gesto dos assuntos pblicos, mas dificilmente conseguem concretizar os seus intentos, forados a negociar coligaes ou apoios parlamentares, por vezes esprios, para poderem cumprir uma legislatura.

O mecanismo da representao poltica hoje o resultado de um processo de encenao entre organizaes partidrias, na melhor estratgia para a conquista e manuteno do poder, que qusi se esgota em si prprio face a um pblico que funciona formalmente como um juiz, mas muitas vezes como mero espectador que se espera cinzento, taciturno e pouco activo.

O papel do deputado tornou-se, portanto, equvoco, adstrito lgica da disciplina partidria: ecoar no mecanismo plural dos votos na Cmara as decises da direco partidria, votar de acordo com elas, sendo-lhe raramente permitido que vote "por conscincia" em questes de valorao pessoal, de forte componente tica ou moral.

H hoje face clara desvalorizao do debate ideolgico e programtico entre esquerda e direita, socialismo, liberalismo e conservadorismo, um claro predomnio dos partidos eleitorais de massas como a essncia do regime representativo. Da que a distino entre partidos ideolgicos e partidos democrticos tenha, talvez, perdido sentido: o ncleo programtico que at h pouco tempo os diferenciava em conservadores, liberais ou socialistas, deixou de ser um elemento com qualquer relevncia na mobilizao e escolha dos eleitores.

Hoje as eleies ganham-se e perdem-se nos debates televisivos, na forma como se faz passar a imagem do lder partidrio nos media, fazendo revestir o candidato-chave dos facies que representem o sentir, as expectativas das vrias classes de eleitores, num determinado momento conjuntural. Neste sentido, poderemos afirmar que existe uma clara descaracterizao ideolgica dos partidos, em benefcio da obsessiva personificao meditica do lder partidrio. Lder este que vale por si, muitas das vezes contra o estilo e o perfil do prprio partido e do seu aparelho ou grupo de notveis.

As eleies ganham-se hoje ao centro, no eleitorado da classe mdia que no guarda fidelidades, nem convices, mas que avalia em cada momento de viragem (ou de entropia) qual o partido que melhor pode responder aos seus anseios ora de mudana, ora de estabilidade e consumismo.

Ecoa-nos, por isso, o incontido libelo de Rousseau contra o artificialismo da representao poltica prpria do Estado Liberal (63):

A soberania no pode ser representada, pela mesma razo que no pode ser alienada; consiste essencialmente na vontade geral, e a vontade geral no se representa: ou a mesma, ou outra no existe meio-termo. Os deputados do povo no so, pois, nem podem ser os seus representantes; so simples comissrios, e nada podem concluir definitivamente. Toda a lei que o povo no tenha ratificado directamente nula, no uma lei. O povo ingls pensa ser livre, mas est redondamente enganado, pois s o durante a eleio dos membros do Parlamento; assim que estes so eleitos, ele escravo, no nada. Nos breves momentos de sua liberdade, pelo uso que dela faz bem merece perd-la.

Talvez porque por vezes perceba que pouco vale t-la, o eleitor moderno tenha hoje um comportamento sui generis: quando chamado a eleies regateia a maioria aos partidos que a reivindicam, tornando-os dependentes das coligaes de interesses explicitadas pela vida parlamentar; ou pura e simplesmente demite-se do exerccio do direito do voto (64).

Na opinio de Russel J. Dalton (65), o sistema de representao encontra-se em crise uma vez que os partidos estabelecidos foram confrontados com novas exigncias e desafios e a mudana partidria tornou-se notria. Na base deste desenvolvimento est uma relao decrescente entre as clivagens sociais tradicionais e a escolha partidria. Por causa desta eroso na tradicional base social do votante, os sistemas partidrios tornaram-se mais fraccionados. As flutuaes nos resultados eleitorais aumentaram. O voto agora caracterizado por altos nveis de instabilidade partidria ao nvel agregado e individual. Por outro lado, como refere outro autor (66) paralelamente a estas tendncias existe o que podemos chamar por anti-poltica, isto , a emergncia de movimentos e organizaes polticas cujo nico ponto comum parece ser a sua antipatia face aos convencionais centros de poder e a sua oposio aos partidos estabelecidos. Exemplos disso so o partido do bilionrio Ross Perot que nas eleies presidenciais de 1992, obteve 19% dos votos expressos, o sucesso do empresrio dos media Silvio Berlusconi com a Forza Italia em 1994.

Os Partidos que provieram da Revoluo Industrial confrontam-se, hoje, com questes novas que manejam com alguma impercia ou relutncia como a proteco do meio ambiente, a igualdade social, a energia nuclear, a igualdade sexual e formas alternativas de sexualidade, a legalizao do consumo dos estupefacientes, a incluso das minorias tnicas ou a exploso das novas tecnologias e da sociedade de informao.

Um dos problemas que os "partidos do status quo" so vistos, sobretudo pelos novos estratos dos eleitores como mquinas polticas burocratizadas onde o contributo dos militantes seno desprezada pelo menos despiciendo. Por isso, os grupos de protesto temticos tm maior sucesso em atrair militantes e apoios nomeadamente entre os jovens, provavelmente porque so mais flexveis, mais locais, mas tambm porque coloca uma maior nfase na participao e na militncia. A imagem pblica dos partidos do status quo tem sido atingida pela sua conexo com o trfico de influncias e com os sinais de corrupo.

Os cidados exigem maiores oportunidades de participao nas decises que afectam directamente a sua vida, actuam de uma forma por vezes egosta em relao ao interesse geral e pressionam por uma maior democratizao da sociedade e da poltica. Democratizao que querem, apesar dos partidos e regra geral fora deles. H provavelmente uma emancipao das exigncias de bem-estar ou melhoria das condies de conforto e sociabilidade comunitria extra-partidrio e muitas vezes contra eles (67).

Da que vrios autores (68) refiram que estamos a assistir a uma reestruturao permanente dos alinhamentos polticos como resultado das mudanas socio-econmicas da industrializao avanada. Eles defendem que as democracias industriais esto a experimentar uma terceira revoluo a Revoluo Pos-Industrial como resposta aos novos interesses, aos novos modos de participao, s novas expectativas cerca do papel do cidado na sociedade. Os sistemas partidrios esto em estado de acentuada catarse, mas difcil concluir se o fim do actual sistema de partidos est vista.

Uma outra explicao que a actual crise do sistema representativo seja um sintoma do facto que as modernas sociedades so cada vez mais difceis de governar. Desiluso e cinismo cresceu e instalou-se medida que os partidos proclamam a sua capacidade para responder a todos os problemas das pessoas mas uma vez no poder esquecem-se do implementar. Isso reflecte-se nas cada vez maiores dificuldades com que se confronta qualquer partido no poder face ao poder expansivo dos grupos de interesse e de uma economia global. Outra explicao que os partidos esto em crise porque as identidades sociais e as tradicionais afinidades que os projectaram esto a desaparecer e as prprias solidariedades que consolidam uma sociedade civil esto fragmentadas.

10.Concluso

O fenmeno da representao poltica no mundo contemporneo traveja-se na doutrina do governo representativo que vem de Locke, Bentham, John Stuart Mill, Benjamin Constant, mas tambm de Alexis de Tocqueville e na procura, sempre inacabada, de uma adequada representao de interesses e expectativas da sociedade civil. Essa projeco no corpo poltico dos anseios e expectativas da base social, algo fundamental na histria do liberalismo e na sua viso da necessidade e plausibilidade de aperfeioamento da sociedade humana, com base na defesa dos direitos do indivduo, da democracia e do pluralismo, do sufrgio eleitoral e nas virtualidades do mandato representativo.

Os checks and balances da representao poltica vm caracterizando as democracias ocidentais, constituindo um instrumento fundamental para as manter vivas e obstar ao desvio que sempre as espreita para o totalitarismo, o despotismo, o abuso de poder, o trfico de influncias, a corrupo. O manejamento dos interesses existentes na sociedade, sobretudo os menos transparentes, de facto dos maiores e mais difceis desafios das sociedades ps-industriais, porquanto o seu agrupamento como mecanismo de presso sobre o poltico no tem tido uma resposta eficaz e moralizadora por parte do poder poltico, possibilitando nessas meias-tintas o aumento da desconfiana do pblico (e do eleitor) quanto honorabilidade do poltico e as suas promessas de honrar o interesse pblico e servir quem o elegeu.

A criao do chamado terceiro poder os media - e o seu disparar em termos de importncia, nos ltimos decnios, pode constituir um outro factor de lubrificao do sistema poltico, de reforo da legitimidade da representao poltica, da transitoriedade do exerccio do poder, que o que distingue, a final, um regime democrtico de um ditatorial.

Os partidos polticos, criao do Estado Liberal, esto hoje confrontados com este tipo de desafios e padecem de um evidente afastamento face aos novo segmentos de leitores, que no se revm na lgica burocrtica, aparelhista, que os caracteriza e que pouco menos que cilindra a diversidade de opinies, a autonomia individual, o direito indiferena, mostrando um profundo desconforto perante as novas questes sociais como a defesa do meio ambiente, a proteco das minorias, as novas sexualidades, o combate excluso. E esto cada vez mais afastados do seu eleitorado tradicional que desconfia das suas intenes, da sinceridade dos seus programas e promessas eleitorais, da responsabilidade dos seus eleitos para o Parlamento em cumprir ( e responder) pelo mandato que periodicamente lhes confiado.

O ideal da soberania popular directa defendido por Rousseau em si um ideal, difcil, seno impossvel de concretizar nas sociedades complexas, exigentes dos nossos dias. A tentao do desvio totalitrio, como vimos no terror robespierriano, na sovietizao imposta por Lenine coronhada, a ameaa latente que o confronta e invalida. A democracia directa subsiste como fenmeno residual nalguns cantes da Suia, nas comunidades agrrias quaquers e mormons dos Estados Unidos e pouco mais.

Democracy is the worst form of government except all the other forms that have been tried from time to time, disse Sir Winston Churchill num discurso famoso em 1947 na Cmara dos Comuns. A democracia no um fim mas um meio disse outro autor.

A democracia representativa persiste como o modelo possvel, exequvel, de poder mediado atravs dos representantes, agrupados em partidos polticos. evidente e no pode ser negada a crise do sistema de representao e dos partidos. Por presso das circunstncias e dos tempos os partidos transformaram-se mais em mquinas eleitorais de eleio de lderes do que em plataformas de concepo e propositura aos eleitores, de opes polticas claras, distintas.

Os partidos deixaram, pouco a pouco, de ser partidos de massas, vivendo das suas energias, dos seus entusiasmos, da sua mobilizao. So mquinas de produo de lderes cooptados por elites dirigentes e submetidos a sufrgio censitrio. So partidos de notveis de uma nova aristocracia, sufragada pelas cmaras de televiso, pelos pools de opinio, amovvel velocidade (e cansao) dos eleitores-consumidores.

Porque se tornaram artificiais, viram surgir ao lado movimentos, partidos cujo nico ponto comum serem frontalmente contra os interesses instalados e se mobilizarem por objectivos parcelares, normalmente singulares e que vorazmente captaram os votos dos eleitores inconformados, vidos de mudana e, sobretudo, desejosos de uma poltica mais autntica.

Estamos, certamente, a assistir a uma reestruturao dos alinhamentos polticos, das famlias ideolgicas, das estruturas de representao para dar corpo (e forma) a estes novos interesses da sociedade que no se revem no sistema poltico vigente. Ir o governo representativo resistir a essa mutabilidade nas preferncias dos eleitores ou ir adaptar-se a elas a questo que fica em aberto.

Notas

1 Compete a uma mesma cincia procurar a propsito da melhor forma de governo, o que ela , quais so as condies que podem dar-lhe a perfeio desejvel, independentemente de todos os obstculos exteriores, e qual a que convm mais a este ou aquele povo, pois provavelmente impossvel maior parte deles possuir a mais excelente ... No se trata apenas de considerar a melhor constituio, mas a que for mais praticvel, e a que for de mais fcil execuo, e a que se ajustar melhor aos diferentes Estados.

2 Diz Plato (427-347 a.c.) nas Cartas o gnero humano no ver melhores dias at que os legtimos partidrios da verdadeira filosofia recebam o poder nas suas mos, ou que aqueles que geralmente tm o poder nas mos se transformem, mediante a influncia de poderes mais altos em verdadeiros filsofos

3 Diz Plato na Repblica que a democracia a menos boa das formas boas e amenos m das formas ms de Governo e acrescenta sob todo o aspecto fraca e no traz nem muito benefcio nem muito dano se a compararmos com outras formas de governo, porque nela esto pulverizados os poderes entre fraces, entre muitos. Por isso de todas as formas legais, esta a mais infeliz, enquanto que entre outras que esto contra a lei a melhor. Se todos forem desenfreados na democracia que h mais vantagem em viver.

4 Acolhemos aqui a caracterizao do espectro poltico e partidrio feito pela cincia poltica americana e que posiciona as vrias opes face ideia de mudana poltica e de valores polticos, alinhando-as da esquerda para a direita, respectivamente: radical, liberal, moderado, conservador e reaccionrio. Neste perspectiva analtica, o pensamento reaccionrio ou ultra-direitista propugna o regresso a um estado anterior da evoluo social e poltica ou a outra escala de valores entretanto precludida pela obra da modernidade. Ver Negel Ashford e Stephen Davis, A Dictionary of Conservatism and Libertarian Thought, New York, Routledge, 1991, Robert A. Nisbet, Conservatism, Minneapolis, University of Minnesota Press, 1986.

5 Referenciamos aqui liberalismo numa dupla acepo, compreendendo o liberalismo clssico (classical liberalism) e o liberalismo contemporneo (modern liberalism). A distino assenta no seguinte: enquanto os liberais clssicos tendiam a focar-se nos direitos individuais (liberties), de propriedade, relativos, portanto respeitantes salvaguarda da liberdade do self, os modernos liberais vem as pessoas em termos colectivos e enfatizam os direitos humanos. Mas ambas as concepes ou etapas na evoluo do pensamento liberal partilham a mesma crena na individualidade, na liberdade, na razo, na igualdade, na tolerncia, no consenso e no constitucionalismo.

6 A igualdade perante a lei dos gregos.

7 Alexis de Tocqueville, The old regime and the French Revolution, 1856 (1947), Oxford, Blackwell.

8 Diz Pricles na Orao Fnebre Um cidado ateniense no descura o Estado a favor dos seus negcios particulares. Mesmo aqueles de entre ns que procuram o lucro esto imbudos de ideias polticas esclarecidas. Um homem que no se interesse pelos problemas pblicos para ns no apenas perigoso, mas intil. Bem poucos de ns so autores, mas todos somos crticos da Poltica.

9 Desde que o indivduo toma a palavra em pblico, afirma Jurgen Habermas em The Theory Of Communicative Action 1. Reason and the rationalization of Society, Polity Press, Nova York, 1996 pretende enunciar uma verdade e supe, imediatamente, a possibilidade de uma argumentao racional num espao comum segundo as regras universais.

10 Diz Montesquieu no Esprit des Lois que a repblica democrtica aquela em que a soberania est nas mos do Povo, distinguindo a democracia directa da representativa. O princpio prevalecente o civismo e a sua legislao deve manter a igualdade e a pureza dos costumes.

11 In Soi-mme comme un autre, Paris, Seuil, 1990.

12 Ver The Theory Of Communicative Action - 1 Reason And The Rationalization Of Society, Jurgen Habermas.

13 Francis Fukuyama em The End of History and the Last Man, Penguin Books, London, 1992, pg. XI

14 Immanuel Wallerstein com Terence Hopking em The Age of Transition Trajectory of the World System, 1945-2025, Zed Books, London, 1996.

15 Na traduo portuguesa publicada na Editora Fragmentos, Lisboa, 1996.

16 As mulheres s viram reconhecido o seu direito a participar no sufrgio e na vida pblica s muito recentemente na Suia s em 1971. Antes da era moderna, o povo era desencorajado de encontrar solues para os seus prprios problemas. A populao deveria fazer o que lhe era ditado pelos seus lderes espirituais e temporais. s pessoas comuns no era permitido participar no sistema poltico. A poltica estava reservada aos reis frente de uma pequena classe dirigente. Frederico II da Prssia comentaria a propsito uma guerra qualquer coisa que no deve preocupar o meu povo.

17 In Liberalismo Contemporneo, Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 2000, pg. 23.

18 Como refere Antnio Paim de acordo com o modelo de Locke os eleitores foram agrupados em circunscries limitadas, que tomavam como base as divises administrativas consagradas. Cada shire (condado ou distrito) elegia dois representantes. Existindo 300 dessas divises, o Parlamento constitua-se de 600 deputados. Os eleitores tinham que possuir bens de raz e determinados nveis de renda.

19 In A Dictionary of Political Thought, Macmillan Reference Books, 1982, pg. 268.

20 Max Weber, From Max Weber: essays in sociology, 1948, Londres, Routledge & Kegan Paul.

21 A liberdade consiste em poder fazer aquilo que no prejudica os outros diz o artigo 4 da Declarao francesa de 1789. Embora o estado de natureza seja um estado de liberdade no de modo algum um estado de libertinagem clarificava Locke no Tratado do Governo Civil. Atento reserva da liberdade dos outros, escrevia Montesquieu em LEsprit des Lois: a independncia provoca a anarquia e desemboca na opresso; a liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que se deve querer e em no ser obrigado a fazer aquilo que no se deve querer

22 Felix E. Oppenheim in Dimensioni della libert, 1962.

23 muito curiosa a aproximao de Georges Burdeau a esta faceta da sociedade liberal o liberalismo d mais importncia ao seu fundamento que s suas consequncias. E a liberdade pertence a todos os homens, ainda que nem todos estejam igualmente habilitados a us-la. Todavia essa desigualdade no uso da liberdade no uma predestinao; a consequncia duma falta de jeito que a experincia e a reflexo podem corrigir(...) O facto de essa liberdade se exteriorizar no plano econmico pela promoo dos vencedores, o facto de socialmente essa liberdade os instalar numa situao dominante, nada tem que deva surpreender e muitos menos causar indignao. As diferenciaes que provoca no infirmam a sua universalidade; provam apenas que se todos os homens tm a vocao da liberdade, pertence a cada um realizar as suas promessas pelo uso que dela sabe fazer in Le Libralisme, ditions du Seuil, Paris, 1979, pg. 27

24 Na verso portuguesa publicada pela Martins Fontes.

25 Diz Locke no Ensaio sobre o Poder Civil que o Estado de Natureza sendo um estado de paz uma situao em que a sociedade civil no existe - o contrato social pode bem ser uma conveno limitada, condicional e revogvel conduzindo liberdade e no servido. No estado de Natureza os homens so livres e iguais, a famlia existe com o poder paternal, diferente do poder poltico. O direito de propriedade respeitado. O princpio de cada um neste estado a conservao individual, o princpio de de todos a salvaguarda do gnero humano. No Estado de Natureza, as violaes do direito natural so sancionadas pela justia privada.

26 Reza a Declarao de Independncia dos Estados Unidos de 1776, consideramos de per si evidentes as verdades seguintes: todos os homens so criaturas iguais, so dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienveis e, entre estes, acham-se a vida, a liberdade e a nsia da felicidade; os governos so estabelecidos entre os homens para assegurar estes direitos e os seus justos poderes derivam do consentimento dos governados; quando a forma do governo se torna opressora desse fim, direito do povo alter-la ou aboli-la e instituir novo governo.

27 Em rigor, a clivagem entre pensamento liberal francs e ingls a propsito da conceptualizao dos direitos consagrantes da liberdade artificial: os homens da Revoluo Francesa foram hostis ao poder, mas o Estado que eles combatem o Estado Absolutista, opressor da autonomia individual, colocando e claramente defendendo um outro Estado fundado sobre o contrato social, mas que fosse respeitador da ordem natural, no tendo outros poderes que aqueles que os homens lhe delegaram para que ele garantisse a sua liberdade. O impulso para a estigmatizao do Estado, vem de um outro leque de pensadores liberais, entre os quais Benjamin Constant e Spencer, que viam na aco do Estado um pretexto para a correco de injustias decorrentes dos excessos de autonomia individual e da iniciativa burguesa.

28 Publicado pela Routledge, London, 1996.

29 Edmund Burke, On government, politics and society, Londres, Fontana, 1975.

30 Como refere Antnio Paim in ob. cit supra o mandato imperativo a denominao que se d ao tipo de delegao que era atribuda aos representantes dos Estados Gerais ou Cortes. Essa instituio existiu em diversas monarquias europeias e no tem maior relao com o Parlamento moderno

31 John Stuart Mill, Utilitarism, Considerations on Representative Government, Philosophy and Religious Writing, Everyman, London.

32 incontornvel tambm o contributo de Edmund Burke (1729-1797) para esta questo, designadamente na crtica feroz que faz da Revoluo Francesa em Reflections on the Revolution in France concluindo que desde que a revoluo separou a Frana do seu desenvolvimento passado, substituindo a monarquia pela repblica colocou uma ameaa dramtica prpria civilizao francesa. Burke acreditava que as instituies de uma sociedade so o resultado de uma sabedoria acumulada ao longo de sculos. Nenhuma gerao tem o poder de produzir mudanas abruptas que melhorem a sociedade. Ao mexer com instituies que