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    DESOBEDINCIA CIVIL ELETRNICA (DCE):Inventando o Futuro do Ativismo On-line Antes de 11/9

    RICARDO DOMINGUEZ

    Ricardo Dominguez co-fundador de The

    Electronic Disturbance Theater (EDT), grupo

    que, em 1998, desenvolveu tecnologias vir-

    tual-sit-in em solidariedade s comunidades

    zapatistas em Chiapas, no Mxico. tambm

    co-diretor de The Thing.net e ex-membro do

    Critical Art Ensemble. Seu *TransborderImmigrant Tool* (um sistema de segurana

    de telefonia celular GPS para cruzar a fron-

    teira entre o Mxico e os Estados Unidos) foi

    vencedor do Transnational Communities

    Award. professor adjunto do Departa-

    mento de Artes Visuais da Universidade da

    Califrnia em San Diego (UCSD) e gerente de

    pesquisa no instituto de tecnologias de

    ponta CALIT2 (www.calit2.net), onde traba-

    lha em projetos de nanotecnologia.

    Em nossos sonhos, vimos um outro mundo... E esse mundo novo e verdadeiro no era um sonho do pas-

    sado; no era algo que veio de nossos ancestrais. Ele veio a ns do futuro; era o prximo passo que

    teramos que dar.

    Subcomandante Marcos, 1994

    Oficiais militares prevem que as guerras do futuro iro se manifestar sob a forma de guerras de infor-

    mao e guerras multidimensionais, e nas batalhas no haver distino entre fronte retaguarda, alm

    de serem no lineares, dispersas e distantes. Isso significa que a vitria ou a derrota nas guerras do futuro

    depender da tecnologia militar de ponta e do poder da informao.

    Documento de Poltica de Defesa Bsica, A 15 Year National Defense Vision for South Korea, 1999

    Enquanto Bin Laden pode ter seu dedo no gatilho, seu neto tem o dedo no mouse.

    O espao ciberntico visto como potencial campo de batalha,

    The New York Times, 23 de novembro de 2001

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    english version:page 113

    O 11 de setembro tem sido construdo como um evento ontolgico que redefine a

    natureza de todas as formas de realismo poltico, tanto no que diz respeito guerraquanto segurana, um evento a partir do qual a histria se bifurca entre um recomeo

    ruim e um recomeo terrvel. Naquele dia, a narrativa neoconservadora do Fim da

    Histria tornou-se a futura e presente Operao Guerra Infinita, tudo sob os signos

    da velocidade e do instantneo irradiados do ataque s torres do World Trade. O que nem

    sempre considerado a histria do protesto, de como ativistas, artistas e os incmo-

    dos artivistas1 responderam a essa mudana cultural bem antes dos eventos de 11 de

    setembro. Essas formaes artivistas, ou culturas ps-mdia,2 nunca deixaram de estar

    presentes nos fluxos da histria como locais de intervenes crticas que procuram con-

    fundir as fronteiras do Estado e dos fluxos transnacionais sem fronteiras esses artivis-

    tas construram uma nova linguagem de desobedincia civil 3 que combina a netwar

    social4 e a frivolidade ttica5, apagando uma e amplificando outra como uma per-

    turbao metapoltica6. As redes de artivistas entendem que o ncleo ontolgico do 11

    de setembro que est sendo vendido sob as polticas do medo no pode e no pode-

    ria estar completamente blindado resistncia crtica, ao counter-publics e veloci-

    dade dos sonhos que vieram antes ou depois do 11 de setembro.

    Isso no equivale a dizer que os artivistas no entendem ou no entendiam que as pertur-

    baes artivistas/digitais como a desobedincia civil eletrnica (DCE) eram cheias de lacu-

    nas, de falhas e de [...] persistentes ciladas na concepo do ativismo eletrnico: por um

    lado, a tendncia por parte de alguns ativistas e acadmicos de romantizar a ao eletrni-

    ca e, por outro, o repdio de tticas eletrnicas contenciosas, consideradas ineficazes, dis-traes da mobilizao real ou um inquietante retorno dos arruaceiros. Ambos extremos

    representam uma falha no engajamento mais atento e na diferenciao da ampla va-

    riedade de ferramentas e tcnicas que compem o repertrio da ao eletrnica, ou uma

    falha em considerar o que a palavra eficaz pode significar nesse contexto. 7

    De fato, os artivistas diagramaram respostas a essas preocupaes inventando gestos que

    foram do falar sobre ou do mostrar a DCE para o fazer aes aps aes de DCE,

    1 Artivista uma palavra composta que

    combina arte e ativista. O artivismo

    desenvolveu-se em anos recentes, quandoos protestos de alterglobalizao e antiguer-

    ra se proliferaram. Um tpico objetivo de

    curto prazo dos artivistas reivindicar o

    espao pblico, principalmente subvertendo

    ou destruindo anncios em reas urbanas

    ou nos sistemas de transporte da cidade.

    No obstante, os artivistas engajam-se em

    dife-rentes mdias, como a internet, no

    apenas para aes que poderiam ser

    descritas como hacktivismo. Disponvel em:

    .

    2 As formas independentes de aes comu-

    nicativas que emergiram ao longo dos lti-

    mos anos em rdios livres, midiativismo,tele-rua, des-propaganda (subvertising) etc.

    podem ser vistas como a expresso e a pr-

    figurao do que Flix Guattari chamou de

    civilizao ps-mdia. Sua interdependn-

    cia um desafio aos poderes que existem.

    Para entender seu significado, precisamos

    retornar noo guattariana de montagem

    coletiva e refletir sobre a diferena entre o

    conceito de automatismo tcnico e o de

    arranjo tcnico. Disponvel em:

    .

    3 CRITCHLEY, Simon. Infinitely demanding.

    London: Verso, 2007. p. 123.

    4 RONFELDT, David; ARQUILLA, John. Thezapatista social netwar in Mexico. Santa

    Monica: RAND, 1998. p. 1.

    5 CRITCHLEY, Simon. Infinitely demanding.

    London: Verso, 2007. p. 124.

    6 Idem, p. 129.

    7 COSTANZE-CHOCK, Sasha. Mapping the

    repertoire of electronic contention. In:

    Representing resistance: media, civil disobe-

    dience, and the global justice movement.

    Westport: Praeger Publishers, 30 set. 2003.

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    como uma sria e necessria repetio antes e depois do 11 de setembro, e deixando que

    a teoria se concretizasse como prtica, de forma a moldar a dade eficaz/ineficaz nas fa-

    lhas ssmicas entre computadores e paz, bombas e largura de bandas, networkse faanhas.

    Enquanto a era da insegurana comeava a disseminar-se com toda a fria de um novo

    destino manifestado que fora perdido e reencontrado, em 1999, os neoconservadoresso-nhavam que um novo Pearl Harbor estava prestes a ser acionado e gravado (as

    misses descritas em Reconstruindo as defesas americanas(2000) eram lutar e ganhar

    de modo decisivo mltiplos e simultneos grandes teatros de guerra. Elas tambm

    expressavam um pedido de Natal que mais parecia um pesadelo: Alm disso, o proces-

    so de transformao, mesmo que traga uma mudana revolucionria, dever ser longo,

    exceto no caso de algum evento catastrfico e catalisador como um novo Pearl

    Harbor). Os neoconservadores tambm esperavam promover a expanso de controles

    internos de multido nos Estados Unidos por meio de zonas de liberdade de

    expresso cujas manifestaes ocorreriam longe dos detentores do poder, vigilncia

    no controlada dos cidados norte-americanos, agrupamento indiscriminado de quais-quer pessoas que parecessem ser as outras (e que logo seriam classificadas de com-

    batentes inimigos) e tornar qualquer um que no estivesse alinhado com o regime

    Osama Bin Bush invisvel para a mdia dominante.

    Ativistas, artistas, artivistas e a sociedade civil internacional iriam descobrir o que o

    novo normal significava para o movimento dos movimentos (outro nome para o

    movimento alterglobalizao) durante o encontro do Frum Econmico Mundial ocorri-

    do em 31 de janeiro de 2002 (apenas quatro meses depois do 11 de setembro), que

    geralmente acontecia em Davos, na Sua, mas que decidiram teletransportar para a

    cidade de Nova Iorque a fim de demonstrar que o capitalismo virtual no estava

    fechando as portas, estava apenas se aquecendo para a prxima boa guerra. Nossa

    escolha foi marchar pelos arcos de realidades sem medo, soltar os cezinhos brincalhes

    e que todos continuassem a compartilhar tticas laterais nas ruas e on-line estvamos

    todos em um acordo fractal segundo o qual os movimentos de alterglobalizao no

    seriam extintos. Quando o site do Frum Econmico Mundial entrou em colapso assim

    que o encontro comeou, parecia que os ativistas on-line antiglobalizao haviam con-

    quistado uma importante vitria. Mas os organizadores do sit-in virtual esto se recu-

    sando a assumir os crditos pela humilhao.8 Realmente, h que se dar crdito a

    quem de direito foram as multides eletrnicas que humilharam o Frum Econmico

    Mundial. Embora as ruas da cidade de Nova Iorque permanecessem relativamente qui-

    etas enquanto l se realizava o Frum Econmico Mundial (FEC), mais de 160.000 mani-festantes on-line encenaram um sit-in virtual na home page do FEC.9 O Electronic

    Disturbance Theater (Teatro de Perturbao Eletrnica) no buscava de forma pr-ativa

    o crdito pela honra do que havia acontecido. Em vez disso, ns oferecemos a seguinte

    resposta: Eu penso que algo mais aconteceu ao URL do FEC ou, talvez, a infra-estrutu-

    ra do FEC seja to mal construda quanto sua viso econmica durante os ltimos 31

    anos.10 Para os artivistas, ser capaz de desconectar o acesso internet dos poderosos

    indivduos que representavam as naes mais ricas de nosso planeta no era to impor-

    9 Idem.

    10 Idem.

    8 SHACHTMAN, Noah. Hacktivists stage vir-

    tual sit-in at WEF Web site. AlterNet, 7 fev.

    2002. Disponvel em:

    .

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    11 BEY, Hakim. T. A. Z. The Temporary

    Autonomous Zone, ontological anarchy,

    poetic terrorism. Brooklyn, NY: Autonomedia,

    1991. p. 107-108.

    12 CRITICAL ART ENSEMBLE; The electronic

    disturbance. Brooklyn, NY: Autonomedia,

    1994. p. 11.

    tante o que realmente importava era ser capaz de demonstrar que o fluxo transna-

    cional do FEC era defeituoso em todos os sentidos.

    DE VOLTA AO FUTURO: CRITIC ART ENSEMBLE (CAE) E DESOBEDINCIA CIVIL

    ELETRNICA (DCE)

    A Critic Art Ensemble (CAE) apresentou a teoria da DCE como uma aposta contra uma

    forma especfica do demasiadamente presente-futuro do capital morto. As perturbaes

    eletrnicas seriam os gestos centrais que iniciariam uma matriz performtica profunda-

    mente ligada ao sonho de Hakim Bey, segundo o qual:

    Esses nmades mapeiam seu curso orientados por estranhas estrelas, que podem ser as

    luminosas aglutinaes de dados no ciberespao ou, talvez, alucinaes. Abra um mapa da

    Terra; sobre ele, coloque um mapa da mudana poltica; em cima disso, um mapa da Rede,

    especialmente da contra-Rede com sua nfase no fluxo clandestino de informao e nas

    logsticas e, finalmente, em cima de tudo isso, o mapa 1:1 da imaginao criativa, dosvalores estticos. A malha resultante ganha vida, animada por turbilhes inesperados e

    oscilaes de energia, coagulaes de luz, tneis secretos e surpresas.11

    Enquanto isso era verdadeiro para a trajetria dos contrafluxos, tambm verdadeiro

    para a classe virtual.

    A Perturbao Eletrnica refaz os mapas dos fluxos de poder nmades no captulo Poder

    Nmade e Resistncia Cultural como novas zonas cambiantes nas quais A localizao

    do poder e o lugar da resistncia situam-se em uma ambgua zona sem fronteiras.

    Como poderia ser diferente, quando os traos do poder fluem em transio entre dinmi-

    cas nmades e estruturas sedentrias entre a hipervelocidade e a hyperinteria?. 12 A

    CAE argumenta que o capital morto, tambm conhecido como capital passado, esta-

    va sendo constitudo como uma forma de mercadoria eletrnica em constante fluxo. O

    capital reagrupava-se e continuaria a se reagrupar, o vo do capital nos domnios do

    ciberespao que, mesmo agora, mais difcil de se ver, na medida em que a elite contem-

    pornea move-se das reas urbanas centralizadas para o ciberespao descentralizado e

    no territorializado.13 A resposta a esse enigma era teletransportar o sistema de bloqueio

    e transgresso historicamente ancorado Desobedincia Civil (DC) para essa nova fase de

    fluxos econmicos na era das networks:

    A estratgia e as tticas da DCE no deveriam ser um mistrio para nenhum ativista.Elas so as mesmas da DC tradicional. A DCE uma atividade no violenta por sua

    prpria natureza, pois as foras opostas nunca se confrontam fisicamente. Assim como

    na DC, as tticas primrias da DCE so a transgresso e o bloqueio. Sadas, entradas

    condutos e outros espaos-chave devem ser ocupados pelas foras de contestao de

    modo a criar presso sobre as instituies legitimadas engajadas em aes antiticas ou

    criminosas. Bloquear condutos de informao anlogo a bloquear espaos fsicos;

    entretanto, ao contrrio do bloqueio fsico, o bloqueio eletrnico pode causar stress

    13 Idem, p. 13.

    Textos / PERFORMANCE PRESENTE FUTURO 31

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    financeiro e pode ser usado alm do nvel local. A DCE a DC revigorada. O que a DC

    foi um dia, a DCE hoje.14

    Na verdade, foi a conexo aberta e transparente entre a DC e a DCE que capacitou o poder

    performtico das aes de massa no violentas, diretas e on-line a se atualizar. Essa for-

    mao assimtrica se tornaria no apenas uma ferramenta para perturbar o capitalismo digi-tal, mas tambm uma nova contranetwork que iria transportar a ontologia do circuito domi-

    nante de comunicao e documentao como a nica possibilidade de ao das networks

    de luta para um estgio no qual a multido logo seria capaz de marchar pelas vias efmeras

    dessa nova super-higway. Em 2004, muitos anos depois, no livro Multitude: War and

    Democracy in the Age of Empire, Michael Hardt e Antonio Negri escreveram: Modelos tradi-

    cionais bsicos de ativismo poltico, luta de classes e organizao revolucionria tornaram-se

    ultrapassados e inteis,15 pois, para, a CAE era claro que o ciberespao, como era chamado

    na poca, constitua o prximo estgio da luta. Isso significava que, em vez da facilidade de

    ver sinais de comando e controle, seria necessrio reconfigurar as linhas de comando dos

    fluxos de cdigos e mudar seus registros de valor e padres de dados. A CAE disse issoantes e ir dizer outra vez: no que diz respeito ao poder, as ruas so capital morto! Nada que

    tenha valor para a elite do poder pode ser encontrado nas ruas, nem tampouco essa classe

    precisa controlar as ruas para administrar e manter com eficincia a instituio do estado. 16

    Nos estranhos dias que estavam por vir, se tornaria difcil distinguir uma falha tcnica no sis-

    tema de um gesto social de ciberpresena de massa. Assim, tornou-se extremamente impor-

    tante certificar-se de que todas as aes de DCE so perturbaes transparentes contra um

    sistema demasiadamente disposto a se entregar a seus desejos de batalha espacial sem

    fronteiras da ciberguerra, ciberterrorismo e o arraigado sonho da segurana nacional.

    FLIP_FORWARD: Zapatismo Digital Re-conecta o Novo (lo)balismo

    As condies para uma matriz performativa capaz de encenar a DCE como prtica vieram

    de um mundo alm das networks digitais. Elas vieram do estado mais meridional do

    Mxico Chiapas. Foi l que o hacktivismo comeou a ascender em 1 de janeiro de1994, quando o Tratado Norte-americano de Livre Comrcio (North American Free Trade

    Agreement (NAFTA)) foi introduzido, o que aconteceu no mesmo momento em que o web

    browser(o Mosaic para o X-Windows em computadores Unix foi lanado em fevereiro de

    1993) ensaiava seus primeiros vos. Tudo isso ocorreu quando a viso neoliberal da glo-

    balizao estava sendo introduzida e David Ronfelt e John Arquilla tinham acabado de

    publicar Cyberwar is Coming! na edio de vero de 1993 do Comparative Strategy.

    Esses eventos se acumularam, manifestando-se como uma rebelio invisvel de grupos

    15 HARDT, Michael; NEGRI, Antonio.

    Multitude: war and democracy in the age of

    empire. New York: The Penguin Press, 2004.

    p. 68.

    16 CRITICAL ART ENSEMBLE. The Electronic

    Civil Disobedience and other unpopular ideas.

    Brooklyn, NY: Autonomedia, 1996. p. 18.

    14 CRITICAL ART ENSEMBLE. The Electronic

    Civil Disobedience and other unpopular ideas.

    Brooklyn, NY: Autonomedia, 1996. p. 18.

    Ns seguimos a velocidade dos sonhos.

    Subcomandante Marcos, 2007

    Anderson rastreou o hacktivismo ao levante da guerrilha zapatista de 1994 por mais democracia e

    pelos direitos indgenas no estado sulista mexicano de Chiapas.

    Jim Wolf, Hacktivism, creditado aos zapatistas, Reuters, Washington, 2 nov. 2001

    PERFORMANCE PRESENTE FUTURO / Textos32

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    17 MCKENZIE, Jon; DOMINGUEZ, Ricardo.

    Dispatches from the future: a conversation

    about hacktivism. Connect: Art, Politics,

    Theory, Practice, v. 2, 2001. p. 118.

    indgenas, que se tornou a primeira revoluo ps-moderna. As novas networks-

    baseadas no browsersentiram a primeira onda ssmica de informao e comearam a sur-

    far nas ondas todas se movendo na velocidade dos sonhos.

    A rebelio zapatista permitiu que as networksartivistas emergentes cruzassem o espao

    entre o impossvel e o possvel, entre a fantasia e os protocolos, entre a teorizao crticae os gestos de ao direta bombas e larguras de bandas podiam ser perturbadas e reori-

    entadas. Enquanto RAND tentava acompanhar a ascenso das afluentes networksda

    paz, partes dos novos movimentos de (lo)balizao, que contrapem-se ao processo

    neoliberal de glocalizao, comearam a se desdobrar como movimentos laterais mlti-

    plos. Uma das mais importantes networks laterais foram os zapatistas digitais, que

    estavam mudando o padro da ciberguerra, do ciberterrorismo e da guerra ao ter-

    ror que viria logo aps o 11 de setembro. Eles eram literalmente, despachos do

    futuro.17 Ao mesmo tempo, outros movimentos de (lo)balizao procuravam alterar a

    forma e a funo da globalizao enquanto glocalizao (a mdia dominante usou a

    expresso movimento antiglobalizao, que reflete mais do que qualquer outra coisa odesejo pelas trajetrias de negcios transnacionais), mudando o estilo de cima para baixo

    e de baixo para cima da glocalizao para a hiperconectiva lateralizao da (lo)balizao,

    que flua entre culturas de alta tecnologia, baixa tecnologia e sem tecnologia.

    Os movimentos de (lo)balizao no so antiglobalizao. Em vez disso, buscam inventar

    outro tipo de globalizao. Os movimentos de (lo)balizao no so formaes sociais cen-

    tralizadas ou descentralizadas. Em vez disso, propagam-se pelos arcos de realidades como

    networksdistribudas que buscam ligar-se a todos os que foram deixados de fora do globo

    neoliberal. So networksde pessoa para pessoa que eram, e que so, mais voltadas para

    seres humanos nas ruas do que para aqueles que tiveram ou que tm acesso network

    as networkstornam-se networkspara aqueles que no esto nelas:

    A fractalizao temporal do capital morto permitiu que um espasmo de microinveno

    emergisse e cintilasse no espao limiar da Selva Lancadona; ocorrendo em algum lugar

    entre as fronteiras imaginrias do holograma americano e do verdadeiro poder Taco Bell

    do neoliberalismo da NAFTA: os zapatistas. Na Lancadona, uma selva em delrio, flui uma

    construo temporria de planta, carne e circuitos que tentam causar uma perturbao

    rizomtica, a antecmara de uma revoluo que tornar a revoluo possvel [...]. Os

    zapatistas no so a primeira revoluo ps-moderna, mas a ltima; eles so uma evanes-

    cente mediao entre o espelho quebrado da produo (capital morto) e o cristal

    despedaado da (des)materializao (capital virtual).18

    O ponto de desequilbrio estava agora fumegante e pronto para revelar-se como pleno

    espectro de fora dos movimentos de (lo)balizao que foram arremessados ao sculo 21

    pela vanguarda dos ndios.

    Os zapatistas no apenas rasgaram o tecido eletrnico das networksdo primeiro mundo

    como um n de distribuio de informao como tambm, e principalmente, criaram novos

    18 DOMINGUEZ, Ricardo. Run for the bor-

    der: the Taco Bell war. CTHEORY, 13 dez.

    1995. Disponvel em:

    .

    Textos / PERFORMANCE PRESENTE FUTURO 33

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    tipos de sujeito(s) poltico(s) e nova(s) condio(es) de ao em escala global. Eles cri-

    aram um diagrama para um novo nome (lo)bal, que oferecia uma ncora guia para os

    emergentes movimentos de (lo)lalizao por meio de sua ocupao estratgica do ter-

    reno universalstico dos direitos internacionais e da lei internacional que proporciona a ala-

    vancagem de uma articulao poltica local cujos efeitos tm se mostrado globais.19 Foi

    uma chamada local que estabeleceu as profundas conexes entre lentas micropolticas eos fluxos velozes das articulaes transnacionais a (lo)balizao um circuito de retro-

    alimentao para aqueles que esto dispostos a inventar outras formaes sociais alm

    das flexveis zonas de precariedade empurradas para a frente pela ideologia do mercado

    livre que, em 1994, j estava se apossando do Canad, Mxico e Estados Unidos.

    A intergaltica emergncia dos zapatistas, do zapatismo digital e da (lo)balizao foi

    categorizada como um movimento dos movimentos, que exemplifica uma nova abor-

    dagem do conflito social,20 e que foi promovida pelo RAND como um importante tipo

    de netwarsocial. Esta pesquisa foi preparada para o Exrcito dos Estados Unidos pelo

    RAND de Arroyo Center como a identificao de uma nova formao social que no seencaixava no paradigma da ciberguerra e ciberterrorismo. Em vez disso, criava um

    ativismo transversal que no procurava esmagar o estado e tomar o poder movi-

    mentos (lo)bais, como o zapatismo,valem-se do poder das networks e fortalecem a

    sociedade civil global para contrabalanar os atores do estado e dos mercados. 21 A

    nova formao de pblicos (lo)bais tambm estava vinculada a modos de protestos

    reconfigurados que mediram a glocalizao ao redor do mundo: no protesto que os

    verdadeiros contornos da glocalizao comeam a ser percebidos: somente com os

    zapatistas que o significado de uma Associao de Livre Comrcio Norte-Americana

    comea a ser percebido; somente com o hacktivismo que as polticas da internet vm

    luz; somente com o engarrafamento cultural que os absurdos da publicidade ps-

    moderna so desnudados.22

    FLIP_OUT: Quando a Teoria Chega Prtica, ou Hacktivismo Digitalmente Incorreto

    Desde o nosso primeiro encontro com mquinas analticas, temos oscilado entre o que-

    bra-quebra das mquinas proporcionado pelos Luddites de 1811 ao cdigo escrito em

    meados do sculo 19 por Augusta Ada Byron King, condessa de Lovelace, para a

    mquina de diferenas, entre utopia e apocalipse, entre reduo de trabalho e perda

    19 CRITCHLEY, Simon. Infinitely demanding.

    London: Verso, 2007. p. 107.

    20 RONFELDT, David; ARQUILLA, John. The

    zapatista social netwar in Mexico. Santa

    Monica: RAND, 1998. p. 1.

    22 JORDAN, Tim; TAYLOR, Paul A. Hacki-

    tivism and cyberwars: rebels with a cause?

    New York: Routledge, 2004. p. 64.

    Vemos que um certo tipo revolucionrio no possvel, mas ao mesmo tempo compreendemos que

    outro tipo revolucionrio se torna possvel, no por meio de determinada forma de luta de classes, mas

    por meio de uma revoluo molecular, que no apenas coloca em ao classes sociais e indivduos como

    tambm uma revoluo maqunica e semitica.

    Felix Guattari, 1977

    A batalha entre o Electronic Disturbance Theater e o Pentgono pode entrar para a histria como um

    momento de definio.

    Winn Schwartau, 2000

    21 Idem, p. 5.

    PERFORMANCE PRESENTE FUTURO / Textos34

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    23 JORDAN, Tim; TAYLOR, Paul A. Hackitivism

    and cyberwars: rebels with a cause? New

    York: Routledge, 2004. p. 74.

    de empregos, entre comum e demasiadamente novo, entre mquinas boas e ms. O

    grupo artivista The Electronic Disturbance Theater (EDT) esteve entre os primeiros a

    desenvolver uma relao entre m tecnologia, cdigo ineficiente e rebelio por uma boa

    causa o EDT operava, e opera, em contradio com o ciberespao. 23 O EDT criou

    uma mquina de protestos de massa (FloodNet) que se conecta a aes de massa nas

    ruas e que estava, e est, intimamente ligada aos zapatistas e aos movimentos de alter(lo)balizao uma matriz performtica que muda o ncleo da networkda comunicao

    e da documentao para a ao de massa direta e on-line, um gesto que tenta suturar

    indivduos e browsers, a massa virtual e os protestos de massa em espaos pblicos que

    so, ao mesmo tempo, locais e (lo)bais.

    Os sit-insvirtuais, que o nome dado pelo EDT a essas aes baseadas na network,

    eram um eco direto da viso que a CAE tinha para a DCE. Porm, em vez da verso da

    CAE de um ncleo de hackerssecretos e eficientes, o EDT criou uma reconfigurao trans-

    parente e artivstica da DCE que, por todas as leis que regem os cdigos bem feitos,

    jamais deveria funcionar. Mas desde quando a arte precisa ser bem feita para espalhar-sepelo mundo? Foi uma nova potica cultural que permitiu que a verso do EDT para a DCE

    negociasse com o estado pr-11 de setembro e com os poderes transacionais as mobiliza-

    es discursivas de cibercrime, ciberguerra e ciberterrorismo, mudando o enfoque

    para o da Desobedincia Civil (DC) e sua histria legal em relao DCE sem abrir mo

    da arte do artivismo ou do ativismo. Esse termo hbrido inclui:

    [...] o Electronic Disturbance Theater ilumina um novo conjunto de possibilidades para

    entender a relao entre performance, personificao e prtica espacial no ciberespao. Ao

    contrrio de inmeros outros artistas performticos que exploraram a relao do corpo com

    a tecnologia por meio do encontro literal do corpo fsico dos indivduos com as mquinas

    as cirurgias transmitidas ao vivo de Orlan; os experimentos cibernticos de Stelarc o EDT

    colocou a prpria noo de personificao sob um rigoroso questionamento, e pensou

    entender as possibilidades especficas de constituir presena no espao digital que , ao

    mesmo tempo, coletivo e politizado [...]. Essas aes sugerem que a performance no

    ciberespao pode reproduzir ensaiar ou praticar o ciberespao de maneiras que pro-

    duzem uma forma alternada de espacialidade. Para o EDT, assim como para os zapatistas,

    o ciberespao pode ser praticado como uma nova esfera pblica, uma passarela para ence-

    nar linhas de luta mais produtivas para os que lutam pela mudana social. 24

    O plano da composio de grupo do EDT era predominantemente artista-centrado e

    extremamente focado para que sua verso da DCE fosse simples e amplamente dis-tribuda a partir de seu comeo mas talvez sua deciso mais transgressora e aber-

    rante fosse a de ser completamente transparente, ou to transparente quanto um

    corpo de dados possa ser, via assinatura do corpo real. Desde aquela fase no ci-

    bertempo, o apelo de um anonimato utpico era uma doutrina central para hackers,

    phreakers, crackerse, para cada companhia vendendo a internet ao mundo de 1994

    em diante ningum tinha de saber o seu sexo, raa ou classe , ser ningum era a

    nova forma de liberdade. O EDT escolheu perturbar essa ontologia social de imaterialidade

    24 LANE, Jill. Digital zapatistas. The Drama

    Review: The Journal of Performance Studies,

    Summer, 2003, p. 131.

    Textos / PERFORMANCE PRESENTE FUTURO 35

  • 8/9/2019 Performare Acervo_Artesquema Daniela-labra Artigos Performancepresentefuturo1 Ricardo-dominguez

    9/14

    estabelecendo uma clara conexo entre nomes e ao: Carmin Karasic (artista,

    designer de interfaces e designer grfico da FloodNet), Brett Stalbaum (programador Java,

    artista e autor do FloodNet Applet), Stefan Wray (terico, escritor e agitador) e eu

    mesmo, Ricardo Dominguez (organizador, agitador, artista e terico). Essas foram as

    designaes que demos a ns mesmos em 1998 no websitedo Electronic Disturbance

    Theater e lista que adicionamos a cada chamada para a ao enviada por e-mail. Dessaforma, fomos capazes de criar um contexto performativo que nos deu um elevado grau

    de controle sobre a questo da significao ( isso ciberguerra, ciber-terrorismo,

    cibercrime ou uma nova forma de DC?), o gesto em direo ao transparente j que

    as networksde zapatistas digitais, artivistas, ativistas, estranhos on-line, governos, mili-

    tares e a mdia dominante sabiam o que iramos fazer, quando faramos uma ao, por

    que a faramos e onde poderiam nos encontrar caso voc quisesse ainda mais infor-

    maes. A escolha do EDT de traduzir o Satyagraha25 de Gandhi a fim de conectar nos-

    sos corpos de dados aos nossos corpos reais criou uma forma de artivismo digital-

    mente incorreto, que redirecionou o futuro ps-11 de setembro de networksbaseadas

    no medo desenvolvidas pelos Estados Unidos e pelas polticas transnacionais.

    Essa escolha de conectar o lado externo e o interno do continuumciberntico tambm per-

    mitiu DCE, como um gesto artivista, exemplificar um gesto contra a hegemonia da

    comunicao.26 A ltima nota de rodap do ltimo captulo de Felix Guattari: an aberrant

    introduction, de Gary Gonosko, ressalta que:

    Deleuze lanou esta idia: o aspecto chave pode ser criar vacolos de no-comunicao,

    interruptores de circuitos, de maneira que possamos iludir o controle. Um tipo de criativi-

    dade que no era ligada comunicao, mas que nela irrompeu em algum momento ao

    estabelecer cavidades pelas quais suas mensagens no podiam passar ou, para colocar em

    termos positivos, passavam bem demais [...] um exemplo do vacolo anterior sugere for-

    mas mais virulentas dessa espcie de ataques da networkdesenvolvidos por hacktivistas,

    tais como a criao de perturbaes [...] usando softwareFloodNet que inunda os sitese

    satura as linhas.27

    A FloodNet criou uma forma extrema de transparncia informtica e um sistema de con-

    tracomunicao que no apenas saturam a networkcom um novo tipo de personificao

    das massas, mas que tambm cria um simples grupo de lacunas-enquanto-significado que

    aderem de modo parasitrio ao desaparecido e ao perdido nos bancos de dados do

    poder dominante, tornando-os visveis com a fora dadasta do documento 404 no

    encontrado.

    Brett Stalbaum, um dos co-fundadores do EDT, insere esse gesto do documento 404 no

    encontrado na moldura da histria da arte networkconceitual (arte net).

    A FloodNet um exemplo de arte.net conceitual que d poder s pessoas por meio da

    expresso ativista/artivista. Ao selecionar fases para usar na construo de ms urls por

    exemplo, usar direitos_humanos para formar a url http://www.xxx.gb.mx/human_rights

    27 Ibidem.

    25 Gandhi chamou seu mtodo geral de

    ao no violenta de Satyagraha. Isso

    pode ser aproximadamente traduzido como

    Verdade-Fora. Uma interpretao mais

    completa seria: a fora que gerada por

    meio da aderncia Verdade. Disponvel

    em:.

    26 GENOSKO, Gary. Felix Guattari: an aber-

    rant introduction. New York: Continuum,

    2002. p. 227.

    PERFORMANCE PRESENTE FUTURO / Textos36

  • 8/9/2019 Performare Acervo_Artesquema Daniela-labra Artigos Performancepresentefuturo1 Ricardo-dominguez

    10/14

    28 STALBAUM, Brett. The Zapatista Tactical

    FloodNet: a collabortive, activist and concep-

    tual art work of the net. 1998. Disponvel em:

    .

    29 RONFELDT, David; ARQUILLA, John. The

    zapatista social netwar in Mexico. Santa

    Monica: RAND, 1998. p. 10.

    30 Idem, p. 73.

    , a FloodNet capaz de carregar mensagens para logs de erro de servidor ao pedir inten-

    cionalmente um url que no existe. Isso faz com que o servidor devolva mensagens como

    direitos_humanos no encontrados neste servidor.28

    Essa funo aberrante da tecnologia baseada no browserpermite que os sonhos etreos

    do ciberespao reforcem aquilo que est ausente da infra-estrutura de governo e da ori-entao neoliberal que, naquela poca, consolidavam a relao entre o mercado global e

    a informao no Mxico sob o domnio do NAFTA.

    A DCE nunca esteve, nem est, voltada para as ciberbombas e larguras de banda. Seu foco

    um estilo de pulsao sustentada29 agora possvel para as formaes sociais que emer-

    giram nos anos de 1990 (os zapatistas, o zapatismo digital, a mdia ttica, o hacktivismo,

    os engarrafamentos culturais e as networks alterglobalizao), e que entrelaaram as

    comunidades de Chiapas, no Mxico, as ruas, as infra-estruturas digitais e as intervenes

    de softwaree semntica em nvel (lo)bal. Para o RAND, a perspectiva da DCE em 1998,

    conforme era praticada pelo EDT, iria criar

    [...] efeitos divisores, possivelmente conduzindo a uma separao entre os proponentes

    da netwar [...] que acreditam que os novos designs organizacionais do mundo real deve-

    riam ser a base para as doutrinas e estratgias artivistas, e os proponentes mais

    anrquicos, para os quais os ataques tecnolgicos teatrais o zapatismo digital

    devem ser o corao da doutrina e da estratgia. 30

    verdade que ocorreu uma discordncia entre muitos artivistas e grupos artsticos da nova

    mdia quanto ao papel da DCE deslocar-se da comunicao e documentao como nexo

    primrio das prticas ativistas/artivistas on-line. Contudo, isso no ocorreu com a intensi-

    dade prevista pelo RAND. Em dois anos (1998 a 2000), a verso do EDT para a DCE con-

    seguiu integrar-se ao cardpio tpico de gestos tticos disponveis para ativistas e artivis-

    tas ao longo dos arcos de realidades, conforme os zapatistas gostam de cantar.

    O diagrama de Jon McKenzie para os gestos e entrelaamentos recombinados do EDT

    manifestava, a priori, as futuridades como uma condio ntima de suas possibilidades no

    passado, o que permitiu aos gestos de DCE driblar as sndromes ps-11 de setembro de

    medo como poltica, inseguranas sociais e os constantes alarmes de exagerados

    eltrons digitais da guerra de informao. McKenzie desestratificou as noopolitiks31 do

    estilo EDT de DCE como uma mquina do tempo ontolgica:

    [...] seria interessante rastrear o modo como intervenes fsicas, sintticas e semnticas

    desdobram-se nos trs nveis principais de performances que eu identifiquei: o nvel dos

    discursos-prticas (i.e, palavras e gestos, o nvel no qual a maioria dos artistas ainda tra-

    balha; experimentao formal e conceitual), o nvel dos sistemas sociotcnicos (i.e, grupos

    sociais e organizaes como instituies culturais, educacionais e corporativas), e o nvel

    dos estratos onto-histricos (i.e, formaes de poder/conhecimento que definem em

    grande parte o que para uma determinada sociedade durante um longo perodo de

    31 Noopolitik uma abordagem do

    estadismo feita por atores no ligados ao

    estado, e que enfatiza o papel do podersuave de expressar idias, valores, normas

    e ticas por meio de todos os tipos de

    mdia. Isso a diferencia da realpolitik, que

    ressalta as pesadas dimenses materiais

    do poder e trata os estados como determi-

    nantes da ordem mundial. ARQUILLA,

    John; RONFELDT, David. The emergence of

    noopolitik: toward an American informa-

    tion strategy. Santa Monica: RAND, 1999.

    p. 27.

    Textos / PERFORMANCE PRESENTE FUTURO 37

  • 8/9/2019 Performare Acervo_Artesquema Daniela-labra Artigos Performancepresentefuturo1 Ricardo-dominguez

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    tempo). Performances menores operam nesses trs nveis a fim de desestratificar as formas

    e as funes das performances principais [...]. Mover-se para o nvel dos estratos onto-

    histricos exige mais do que situar as formaes de conhecimento e os mecanismos de

    poder atuais de modo a antecipar e at mesmo ensaiar futuras formas de desestratifi-

    cao. Para mim, o que mais chama a ateno na tecnologia FloodNet do EDT no so

    suas mensagens, mas seu potencial como uma mquina de escrever sem igual: ela literal-mente envia despachos do futuro.32

    Esse movimento entre estratificaes e (des)estratificaes tambm foi ligado questo

    da(s) lei(s), tanto dentro dos Estados Unidos quanto internacionalmente, em relao

    histria da DC, e parte dessa histria poderia ser estabelecida com a DCE e sua relao

    com os paradigmas da lei local/global e das prticas eletrnicas.

    PARA NOMOS E DE VOLTA: A Desobedincia Civil Eletrnica Desobedincia Civil?

    Os estratos da lei foram um encontro inicial na performance recombinada do EDT. De novo

    e de novo, a questo era proposta por ativistas, artistas e foras de segurana: a DCE

    legal? A prpria questo tornou-se parte da performance como uma poltica da questo

    que interpelava uma resposta que j havia sido formulada pela CAE a DCE agora a

    DC. O estabelecimento de uma conexo epistemolgica entre DCE e DC como parte da tra-

    jetria esttica pela CAE na teoria e pelo EDT na prtica criou a necessidade de respos-

    ta a esse metapadro por parte de todos os envolvidos. A pergunta, ento, no era como

    isso no DC, mas de que maneira a DCE se encaixa na definio legal de DC. Em 1998,

    a questo era categorizada como potencialmente ilegal, como um cibercrime conhecido

    como DoS Denial of Service (negao de servio), ou DDoS Distributed Denial of

    Service (negao distribuda de servio):

    Um ataque de negao de servio (ataque DoS) ou um ataque de negao distribuda

    de servio (ataque DDoS) uma tentativa de tornar um recurso de computador

    indisponvel aos que pretendem us-lo. Embora os meios, motivos e alvos de um ataque

    DoS possam variar, ele geralmente consiste em esforos orquestrados e malvolos de

    uma pessoa ou mais para impedir que um siteou servio da internet funcione com efi-

    cincia, ou at mesmo impedir que funcione, de forma temporria ou por tempo

    indefinido.33

    33 Disponvel em:

    .

    32 MCKENZIE, Jon; DOMINGUEZ, Ricardo.

    Dispatches from the future: a conversation

    about hacktivism. Connect: Art, Politics,

    Theory, Practice, v. 2, 2001. p. 118.

    Se o Electronic Disturbance Theater no era ilegal, certamente era imoral...

    Departamento de Defesa dos Estados Unidos, New York Times, primeira pgina, 3 out. 1998

    Em sua deciso (1 Ss 319/05), a Primeira Cmara Penal do Tribunal Superior Regional de Frankurt

    derrubou o veredicto inicial. O Tribunal Superior achou que as demonstraes on-lineno constituem

    uma exibio de fora, mas pretendem influenciar a opinio pblica.

    Torsten Kleinz e Craig Morris, 2006.

    Disponvel em: .

    PERFORMANCE PRESENTE FUTURO / Textos38

  • 8/9/2019 Performare Acervo_Artesquema Daniela-labra Artigos Performancepresentefuturo1 Ricardo-dominguez

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    34 RAWLS, John. Civil disobedience and the

    social contract. In: ARTHUR, J. (Ed.). Morality

    and moral controversies. 4. ed. New Jersey:

    Prentice Hall, 1996. p. 356.

    35 Idem, p. 358.

    O EDT deixou consistentemente claro que essa no era a questo adequada, uma vez que

    a DCE era uma questo de ontologia social e no de tecnologia no se tratava de um

    cdigo enquanto cdigo entre mquinas, mas de uma nova forma de contestao social e

    da(s) lei(s).

    John Rawls, em seu ensaio Civil disobedience and the social contract, afirma que a deso-bedincia civil um ato pblico, no violento e consciente contra a lei, geralmente rea-

    lizado com a inteno de provocar uma mudana na poltica ou nas leis do governo.34 Ele

    tambm se estende sobre vrias outras fases legais da DC que atuam para criar um con-

    tra-espao pblico:

    A desobedincia civil um ato poltico no sentido de que um ato justificado por princ-

    pios morais que definem uma concepo de sociedade civil e do bem pblico [...]. A deso-

    bedincia civil um ato pblico no qual o dissidente acredita que justificado pela con-

    cepo de justia e, por essa razo, ela pode ser entendida como algo que se dirige ao

    senso de justia da maioria a fim de encorajar a reconsiderao das medidas que causaramo protesto e para advertir que, na sincera opinio dos dissidentes, as condies de coope-

    rao social no esto sendo honradas.35

    Para o EDT, a matriz performativa de teletransportar a DC para o ciberespao foi uma impor-

    tante ncora para a futura DCE. A DCE, conforme praticada pelo EDT e por qualquer outro

    grupo que funcione dentro dos roteiros estabelecidos pelo EDT, deve ser julgada por tri-

    bunais locais, nacionais e internacionais como um transparente ato civil de desobedincia,

    e no como um cibercrime. Como afirmou a Dra. Dorothy E. Denning, da Universidade de

    Georgetown, em seu testemunho perante o Painel Especial de Superviso do Terrorismo do

    Comit dos Servios Armados da Cmara dos Deputados dos Estados Unidos em 23 de

    maio de 2000: o EDT e os Electrohippies vem suas operaes como atos de desobedin-

    cia civil anlogos aos protestos de rua e aos sit-insfsicos, e no como atos de violncia ou

    de terrorismo. Essa uma distino importante. A maioria dos ativistas, seja participando

    da Marcha de Um Milho de Mes ou de um sit-in na web, no terrorista.

    A DCE no um grupo secreto de indivduos annimos ou de networksinvadindo e

    escravizando servidores de modo a poder lanar ataques de Negao Distribuda de

    Servios (DDoS). Essas aes representam apenas uma ou duas pessoas escondidas, ou

    crackers, que invadem os sistemas e os utilizam secretamente. A DCE o produto de

    uma ao de massa on-line em um protesto civil e transparente cujo principal objetivo

    questionar e disseminar informao sobre aquilo que, na opinio deles, uma condiosocial que deve ser corrigida a fim de criar uma sociedade melhor para todos. impor-

    tante que a sociedade civil e os tribunais entendam esse ato de transparncia digital: a

    DCE e deveria ser tratada como outra condio digital intimamente ligada longa e

    profunda tradio ocidental de Desobedincia Civil nada mais, nada menos. O

    acadmico de direito William Karam, da Universidade de Ottawa, em seu ensaio

    Hackitivism: is hacktivism civil disobedience, de 2000, v na DCE ligaes que vo

    alm: modernas razes tericas do final do sculo 19, a jurisprudncia da desobedin-

    Textos / PERFORMANCE PRESENTE FUTURO 39

  • 8/9/2019 Performare Acervo_Artesquema Daniela-labra Artigos Performancepresentefuturo1 Ricardo-dominguez

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    cia civil envolve uma narrativa global que se estende de squilo e outros atenienses a

    um prisioneiro visionrio de uma priso no Alabama e a manifestantes nmades opon-

    do-se globalizao. Para Karam, a prtica de DCE que o Electronic Disturbance

    Theater usa em suas campanhas se encaixa em duas importantes condies de DC (ile-

    galidade deliberada e assumir responsabilidade). Os membros do EDT [...] costumam

    usar seus verdadeiros nomes e aceitaram abertamente a responsabilidade por suasaes [...]. Embora tais prticas ainda estejam longe da norma, h, ao mesmo tempo, o

    reconhecimento de que as idias de Thoreau so igualmente aplicveis ao hacktivismo

    na era da informao [...] em resumo, se o hacktivismo vier a ser tratado como desobe-

    dincia civil, ter de haver um contnuo aumento na disposio dos hacktivistas de

    assumir a responsabilidade e aceitar a punio por seus atos.

    Para o EDT, o estabelecimento de um plano de consistncia entre a legitimao da DC e

    da DCE era extremamente importante, no apenas no nvel do Estado mas tambm no

    nvel transnacional. Tratava-se agora de ter a teoria legal conectada prtica legal como

    resultado da habilidade do EDT de sintonizar-se com padres futuros dos modelos delegal/ilegal ps-11 de setembro.

    Em 2005, um processo legal em Frankfurt, na Alemanha, desenrolou-se em torno de uma

    ao de DCE contra a Lufthansa relativa ao negcio de deportao de imigrantes que a

    empresa estava fazendo em parceria com o estado alemo. Em 2001, o EDT foi convida-

    do por dois importantes grupos ativistas da Alemanha ningum ilegal e

    Liberdad! para falar em duas cidades alems sobre a histria da DCE e o uso que o

    EDT faz das aes de massa no violentas, diretas e on-line desde 1998. O EDT ajudou

    a espalhar a notcia do sit-in virtual na Lufthansa que iria ocorrer durante a reunio

    anual dos acionistas em 20 de junho de 2001. Falamos com grupos grandes e pequenos

    de ativistas, mdia, artistas e hacktivistas, bem como todos os principais jornais, rdio e

    televiso. A Ao Classe Deportao, conforme foi chamada, seguiu todos os protoco-

    los de transparncia que tinham sido estabelecidos para a DCE. Todos os ativistas, artis-

    tas e artivistas anunciaram as datas, horrios e razes para a ao on-line, todas as aes

    nas ruas e dentro da reunio dos acionistas nada foi ocultado. Cerca de 13 mil pessoas

    participaram do protesto on-line daquele dia e o websiteda Lufthansa ficou fora do ar.

    O resultado foi muito positivo para as comunidades que protestavam a Lufthansa

    encerrou o negcio da classe-deportao com o governo alemo (disponvel em:

    , junho de 2001).

    Em 14 de junho de 2005, Andreas-Thomas Vogel foi a julgamento em um tribunal deprimeira instncia em Frankfurt, na Alemanha. Vogel era o ativista que registrou o

    domnio (liberdad.de) no qual, em 2001, a chamada para a ao contra a Lufthansa

    havia sido divulgada. Vogel foi processado em uma sala de segurana mxima onde os

    terroristas costumavam, e costumam, serem julgados. O resultou foi que o [...] tribunal

    de primeira instncia julgou o iniciador Andreas-Thomas Vogel culpado e o sentenciou

    a uma multa de 90 dias de salrio. O tribunal considerou a demonstrao como sendo

    uso de fora contra a Lufthansa enquanto operadora de website, bem como contra outros

    PERFORMANCE PRESENTE FUTURO / Textos40

  • 8/9/2019 Performare Acervo_Artesquema Daniela-labra Artigos Performancepresentefuturo1 Ricardo-dominguez

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    usurios da internet; especificamente, a companhia area havia sofrido perdas econmi-

    cas por causa da campanha, ao passo que outros usurios da internet foram impedidos de

    usar o website da Lufhtansa. A demonstrao on-line foi considerada uma ameaa de

    dano considervel, conforme definio dada pela Seo 240 do Cdigo Penal alemo; com

    isso, Vogel foi julgado culpado de incitar as pessoas a cometer coao.36

    Era possvel perceber que o tribunal de primeira instncia estava lendo a questo da DC

    pela tica das foras de mercado e do cibercrime e no como uma forma de DC rep-

    resentada pelos direitos constitucionais de seus cidados alemes. Um ano depois, um

    jornal noticiou que a Primeira Cmara Penal do Tribunal Superior Regional de Frankfurt

    tinha derrubado o veredito inicial. O tribunal Superior considerou que a demonstrao

    on-line no constitua uma exibio de fora, mas pretendia influenciar a opinio pbli-

    ca. Essa nova interpretao no deixou espao para as acusaes de coao, e o acusa-

    do foi considerado inocente.37

    Essa deciso do tribunal Superior de Frankfurt era, e , um passo importante para intro-duzir a teoria e a prtica da DCE estabelecida pelas estticas crticas do EDT na lin-

    guagem legal emergente do (lo)bal que se ope desapario da presena constitucional

    e dos direitos sob a obliterao da lei (no-lei) promovida pelos mercados globais e pela

    guerra contra o terror. Essa conexo foi primeiramente explorada pelos ativistas

    alemes. Para eles, a ao de DCE no estava relacionada com a lei e a tecnologia, mas

    com a lei e as condies desumanas dos migrantes, que estavam sendo mortos pela

    hiperviolncia da lei ilegal da deportao: Como diz o porta-voz do Liberdad, Hans-

    Peter Kartenberg, embora seja virtual por natureza, a internet ainda um espao pbli-

    co real. Sempre que acordos esprios ocorrem, os protestos tambm tm de ser pos-

    sveis. Ele tambm conclamou todo mundo a no esquecer dos objetivos do protesto on-

    line luz da confuso legal. De acordo com o Liberdad, cerca de 20.000 pessoas so

    deportadas fora a cada ano. Kartenberg lembra a todos que essa poltica desumana

    causa centenas de mortes anualmente.38

    Para o ativista do Liberdad, assim como para o EDT, a DCE a tecnologia enquanto

    gesto de amplificao para aqueles que no tm acesso s regras biopolticas da globa-

    lizao ou s leis do Estado, tanto dentro quanto fora, tanto para cidados quanto para

    imigrantes. Nos dias de hoje, ningum est isento do estado de exceo ps-11 de

    setembro de forma que tambm continuar valendo o fato de que medida que os

    esforos hacktvistas permanecerem comprometidos com a responsabilidade e chamarem

    a ateno, de modo consciente, para importantes questes sociais e outras referentes justia e aos direitos humanos, eles continuaro sendo bem-sucedidos em encontrar [...]

    o modelo de desobedincia civil.39 39 KARAM, William. Hackitivism: is hack-tivism civil disobedience. Universidade de

    Ottawa, Faculdade de Direito, Departamento

    de Estudos Graduados, na home page de

    Karam, 2000. p. 27. (Essa home page e o

    ensaio no esto mais disponveis on-line

    desde abril de 2007. Uma cpia impressa do

    ensaio est em poder do autor).

    36 HIGHER Regional Court says online

    demonstration is not force. Heise Online,

    2006. Disponvel em:

    .

    37 Ibidem.

    38 Ibidem.

    Textos / PERFORMANCE PRESENTE FUTURO 41