PORTUGALIA: Arquitectura medieval en un espacio de Frontera, por MARIO JORGE BARROCA

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    Nova Srie, Vol. XXIX- XXX, 2008 - 2009

    DE MIRANDA DO DOURO AO SABUGAL ARQUITECTURA MILITAR E TESTEMUNHOS ARQUEOLGICOS

    MEDIEVAIS NUM ESPAO DE FRONTEIRA

    Mrio Jorge Barroca*

    RESUMO:

    Estudo da evoluo da ocupao humana de uma vasta rea territorial na fronteira Leste de Por-

    tugal, compreendida entre Miranda do Douro e o Sabugal, entre a Alta Idade Mdia e os incios

    do Sc. XVI. Apesar da ateno ter sido focada na evoluo das estruturas militares, no foram

    esquecidos outros testemunhos (arqueolgicos, toponmicos e documentais) que ajudam a traar

    a evoluo deste territrio de fronteira.

    Palavras-chave: Povoamento altimedivico, Povoamento islmico, Reconquista crist, Castelos

    ABSTRACT:The author analyses the medieval evolution of a vast area in the east frontier of Portugal,

    between Miranda do Douro and Sabugal, from the Early Middle Age to the beginning of the 16th

    century. Although the main attention is centered in the evolution of military structures, other

    testimonies of the medieval occupation are also mentioned in this paper.

    Key-words: Early Middle Age, Islamic occupation, Christian reconquest, Medieval Castles

    NOTA PRVIA

    O texto que aqui se publica o resultado da nossa participao num projecto de investigao

    intitulado Do Douro Internacional ao Ca, que surgiu no contexto das comemoraes dos sete-centos anos do Tratado de Alcaices (1297-1997) e que congregou um grupo de docentes deIdade Mdia da FLUP. Apresentado em 1999, no termo do referido projecto, foi concebido paraum volume de textos de sntese que nunca chegou a ser editado1. A uma dcada de distncia, esem perspectiva de essa edio sair do prelo, optamos por o divulgar nas pginas da PORTVGALIA.Certamente que, volvidos tantos anos, as referncias bibliogrficas seriam mais vastas e algu-mas passagens seriam redigidas de forma distinta. Optmos, no entanto, por manter o texto de1999, assumindo-o como um estudo datado.

    * Professor Associado com Agregao do Departamento de Cincias e Tcnicas do Patrimnio, Faculdade de Letras daUniversidade do Porto. Investigador do CEAUCP-CAM, unidade I&D 281 da FCT.

    1 Apenas foi publicada a base de dados que esteve na sua origem cf. Lcia Maria Cardoso Rosas e Mrio Jorge Barroca, Do

    Douro Internacional ao Ca. As Razes de uma Fronteira, CD-Rom, Porto, IDH-FLUP, 2000.

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    O objectivo central deste texto tentar traar um panorama sobre a forma como evoluiu aarquitectura militar portuguesa ao longo da Idade Mdia na zona raiana do Nordeste de Portugal,numa rea que se estende desde Miranda do Douro at ao Sabugal. Trata-se de um espao que,geogrfica e politicamente, se estruturou em torno de duas bacias hidrogrficas a do rio Douroe a do rio Ca que se afiguram fundamentais para a compreenso de toda a evoluo histricadesta regio. A nossa ateno ir centrar-se sobretudo no perodo que vai desde a ReconquistaCrist at aos fins da Idade Mdia, ou seja, grosso modo desde os Scs. X-XI at aos incios doSc. XVI. Mas, at por necessidade de enquadramento histrico, iniciaremos o nosso texto comuma breve resenha dos testemunhos documentais e arqueolgicos relativos Alta Idade Mdia,paleocristos e suevo-visigticos, e com um outro apontamento sobre os indcios da ocupaoMuulmana, posteriores a 711. E, porque entendemos que a compreenso do fenmeno militarperde sentido sem uma referncia matriz de povoamento, abordaremos, sempre que tal se afi-gure necessrio, os principais testemunhos documentais e arqueolgicos relativos ao povoa-mento, que do coerncia evoluo das formas arquitectnicas militares.

    Uma zona geogrfica to ampla, que se estende de Norte a Sul por cerca de 170 km, com-porta, naturalmente, uma enorme diversidade de condicionalismos que ajudam a explicar as dife-

    renas que se detectam entre os vrios assentamentos humanos (factores de natureza geogr-fica, distintas cronologias do processo da Reconquista e do repovoamento, diferentes senhoriospor que as zonas passaram, diferentes eventos militares a que estiveram sujeitas, etc). Entre opovoamento de Miranda do Douro, ocorrido certamente no Sc. X ou XI, no mbito do repovoamentodo vale do Douro, e a criao de Sortelha, na segunda dcada do Sc. XIII, no quadro de tensesfronteirias com o vizinho reino de Leo e Castela, vai uma enorme distncia, geogrfica e tempo-ral, mas tambm histrica. E o mesmo se passa quando comparamos a construo da Torre deMenagem do Castelo do Sabugal, nos fins do Sc. XIII ou incios do Sc. XIV, pouco depois destapovoao ter entrado na posse definitiva da coroa portuguesa (1296-97), e a reforma do Castelode Alfaiates, em que se empenhou D. Manuel I, cerca de 1515-1525. Os condicionalismos polti-cos eram outros, as armas usadas no palco da guerra tinham evoludo muito. sobre essa evolu-

    o, que se processa a vrios nveis, que nos iremos ocupar nas pginas que se seguem.

    1. ANTECEDENTES

    1.1. Testemunhos paleocristos e altimedivicos

    A zona em estudo encontrava-se, na Alta Idade Mdia, repartida entre duas dioceses: aDiocese de Braga ( qual pertencia o territrio a Norte do Rio Douro) e a Diocese de Viseu (comos territrios a Sul deste rio). Situada na periferia de uma zona aurfera muito importante e a

    Ocidente de uma das vias estruturantes do espao ibrico a Via da Prata, que ligava AsturicaAugusta(Astorga) a Emerita Augusta(Mrida) a rea sobre a qual nos iremos debruar sofreuum processo de romanizao relativamente tardio, aparentemente com escasso desenvolvimentodo fenmeno urbano2. Compreende-se, por isso, que os primeiros sintomas da difuso doCristianismo sejam, tambm eles, tardios. Na realidade, os primeiros testemunhos da presenade comunidades crists estruturadas no Nordeste de Portugal remontam aos meados do Sc. VI,quando, no Paroquial Suvico ou Divisio Theodomiri, um documento atribudo ao ano de 569 masna realidade redigido entre 572 e 5823, se mencionam trs parquias nesta rea geogrfica: naDiocese de Braga a parquia de Astiatico(correspondendo hoje ao lugar de Santiago, freg. Vila de

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    2 GARCIA MORENO 1997, pp. 115-118.3 O Paroquial Suvico, que traz data expressa de 569, foi analisado por Pierre David, em 1947, num estudo ainda hoje insubstitu-

    vel DAVID P. 1947, pp. 1-82. Sobre a datao crtica deste documento veja-se sobretudo pp. 67-68.

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    Ala, conc. Mogadouro)4 e de Vallariza (Vilaria, freg. Cardanha, conc. Torre de Moncorvo)5; e naDiocese de Viseu a parquia de Caliabria(Monte Calabre, freg. Almendra, conc. Vila Nova de FozCa)6. Se para a primeira parquia no possumos outros testemunhos coevos (nem documen-tais, nem materiais), j para os outros dois casos podemos avanar com mais alguns elementos.

    A parquia suvica de Vallariza, que corresponde hoje a Vilaria (Torre de Moncorvo), no viuo seu estatuto alterado com a Divisio Wambae, permanecendo no Sc. VII na condio de simplesparquia7. Mas deve ter assistido a um aumento da sua importncia se no demogrfica, pelomenos poltica e econmica j que aqui foi sediada uma cecavisigtica a ceca Vallearitia que cunhou moeda com Viterico (603-609)8.

    No caso de Calbria podem ser avanados mais alguns elementos. A referncia da DivisioTheodomirina cpia exarada no Liber Fideiacrescenta, em relao a Calbria, numa clara interpo-lao posterior, o seguinte comentrio do copista: ... et Caliabria, qui apud Gotos postea sedisfuit...9. E, na realidade, Calbria, parquia nos meados do Sc. VI, seria elevada na centriaseguinte a sede de uma nova Diocese, que surge documentada pelo menos desde 633, mas cujaformao poder ser uma ou mais dcadas anterior a essa data. O incremento da importnciadeste povoado era, no entanto, j perceptvel no virar da centria, quando Viterico (que reinou

    entre 603-609) aqui instalou uma ceca visigtica, cunhando moeda, num gesto que seriaseguido, alguns anos mais tarde, por Chintila (636-639), que voltaria a cunhar tremisses emCalbria10. A Diocese de Calbria surge referida nessa condio pela primeira vez na DivisioWambae, onde se anotaram os seus limites geogrficos: ... Calabria teneat de Sorta usqueAlbenam, de Sotto usque Farum...11. O seu territrio ia, portanto, desde Sorta, (limite comum sdioceses de Lamego e Viseu, que deve corresponder actual Serra da Lapa) at Albena(no Lestedo seu espao, hoje talvez Alba), enquanto que os limites setentrionais e meridionais seriam Faroe Soto (que, segundo a proposta de Almeida Fernandes, corresponderiam respectivamente aMonte Faro, freg. de Vilas Boas, conc. de Vila Flor, e a Souto, no conc. Sabugal) 12. A rea da Dio-cese de Calbria estendia-se, portanto, por ambas as margens do rio Douro, a Norte e a Sul desterio, como de resto a implantao da sua sede, no actual Monte Calabre (freg. de Almendra, conc.

    Vila Nova de Foz Ca), sobranceiro ao curso do Douro, na sua margem Sul, parece corroborar.Para a histria de Calbria ficaram os nomes de 5 bispos:

    Servus Dei, que esteve presente nos IV, VI e VII Conclios de Toledo (respectivamente 633,638 e 646);

    Caledonio, que assinou as actas dos VIII e X Conclios de Toledo (respectivamente 653 e 656); Aloario, presente no Conclio de Mrida (666); Andres, presente no XI Conclio de Toledo (675); Ervigio, presente nos XV e XVI Conclios de Toledo (respectivamente 688 e 693)13.

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    LFidei, doc. 10, vol. I, p. 19. Vd., entre outros, FERNANDES A. A. 1997, p. 63.5 LFidei, doc. 10, vol. I, p. 19. Pierre David aceitou como autentica a referncia a uma parquia Valle Aritia dentro da Diocese doPorto, declarando a Vallariza da Diocese de Braga (Vilaria, Torre de Moncorvo) como interpolao na lista do Liber Fidei cf. DAVID P.1947, pp. 35 e 46.

    6 LFidei, doc. 10, vol. I, p. 19; DAVID P. 1947, p. 37. Vd., entre outros, FERNANDES A. A. 1997, p. 86.7 Na Diocese do Porto existia uma outra parquia com nome semelhante Valle Aritia o que levou alguns autores, como Pierre

    David, a excluir a parquia de Vallarizada lista de Braga, tomando-a como interpolao do Sc. XII (cf. DAVID P. 1947, p. 46). AlmeidaFernandes, no entanto, considera a existncia das duas parquias, Vallericiaou Valle Aritiana Diocese do Porto (e hoje situada dentrodo mbito da cidade do Porto), e Vallarizacoincidindo com Vilaria (Torre de Moncorvo) (cf. FERNANDES A. A. 1997, pp. 75-76).

    8 L. A. Garcia Moreno interpreta as cecasvisigticas de Vallearitia e de Caliabria como sendo cecas de viaje, onde os monarcascunharam moeda por convenincia militar, para satisfazer pagamentos aos exrcitos. Cf. GARCIA MORENO 1997, pp. 119-123.

    9 J Pierre David anotou que, obviamente, o comentrio a Calbria resulta da interveno do copista que exarou o diploma noLiber Fidei, e que ter de ser posterior Invaso de 711, que ditou a decadncia do Bispado de Calbria DAVID P. 1947, p. 45.

    10 MATEU Y LLOPIS 1979, pp. 7-12. A cunhagem com Viterico comummente assinalada pelos diversos autores. A de Chintilaencontra-se recenseada em MARQUES, CABRAL e MARINHO 1995, p. 278.

    11 LFidei, doc. 9, vol. I, p. 16; FERNANDES A. A. 1997, pp. 127-129.12 FERNANDES A. A. 1997, pp. 127-128.13 Cf. VIVES 1969.

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    Depois do XVI Conclio de Toledo, reunido em 693, nos fins do Sc. VII, no conhecemos onome de nenhum outro bispo que tenha estado frente dos destinos de Calbria. provvel quea Diocese ainda existisse em 711, aquando da invaso muulmana, mas certamente pouco maistempo ter conseguido sobreviver. O silncio documental que paira sobre ela at ao ano de 1171,quando Fernando II doa o povoado (abandonado) de Calbria ao recm-criado Bispado de CiudadRodrigo ... do vobis etiam civitatem dictam Caliabriam quae jacet inter Coam et Agadam... revela os tempos difceis que a diocese visigtica atravessou depois de 711, que culminaram como abandono do povoado em data ainda no determinada.

    Como referimos, as runas de Calbria correspondem, hoje, ao Monte Calabre, na freguesiade Almendra (conc. Vila Nova de Foz Ca)14. Trata-se de um monte de dimenses imponentes que se ergue mais de 250 m, at atingir uma cota absoluta de 510 m que se destaca facilmentena paisagem, mesmo a grande distncia, e que beneficia de boas condies defensivas e de umamplo domnio sobre o espao envolvente. No seu topo, aplanado e hoje plantado com amendoei-ras, so perceptveis os restos de uma linha de muralha em xisto, com mais de 2 m de espes-sura, que protegia o povoado abandonado. Os testemunhos de romanizao, que se tm vindo arecolher desde os tempos de Fr. Joaquim de Santa Rosa Viterbo, confirmam que a sede episcopal

    visigtica sucedeu a um povoado tardo-romano relativamente importante, que se estendia igual-mente pelo sop do monte, nomeadamente zona hoje reconhecida pelo elucidativo microtop-nimo de Olival dos Telhes, que est a ser objecto de escavaes arqueolgicas15.

    O aparecimento da Diocese de Calbria corresponde, sem dvida, a um aumento da impor-tncia das comunidades crists nesta zona da Pennsula. Estamos, de resto, na vizinhana deuma das manchas de maior densidade de testemunhos visigticos, que se espelham no tanto emtestemunhos arquitectnicos monumentais mas antes numa densa mancha de necrpoles que for-necem materiais germnicos e, sobretudo, nas vrias centenas de pizarras visigticas, com textose registos de contabilidade, aparecidas numa zona centrada em torno das Provncias de Salamanca,vila e Plasncia, estudadas por D. Manuel Gomez Moreno, Manuel Diaz y Diaz e, mais recente-mente, por Isabel Velazquez Soriano16. A quantidade de textos conhecidos 104 textos publica-

    dos e estudados por Isabel Velazquez Soriano traduz a existncia de comunidades humanasrelativamente numerosas, dominando a escrita e perfilhando a religio crist. No de estranhar,por isso, que a rea de Calbria, confinante com a zona de Salamanca-vila, tambm fosse palco,no Sc. VII, de um significativo aumento demogrfico e, sobretudo, de uma restruturao religiosa.Salientemos, de resto, que h referncias a possveis achados de pizarras visigticas junto daCapela de St. Andr (Almofala, Figueira de Castelo Rodrigo), que nunca foi devidamente explorada17.

    Sensivelmente coevos do aparecimento da Diocese de Calbria podem ser apontadosdiversos testemunhos arqueolgicos no Nordeste de Portugal. Ordenando-os segundo um critriogeogrfico, partindo de Norte para Sul, comearemos por registar um P de Altar altimedivicoque jaz abandonado junto do adro da Igreja paroquial de Duas Igrejas (Miranda do Douro) e que

    chegou at hoje indito. Trata-se de um fuste cilndrico, talhado em mrmore de Vimioso, que apre-senta, numa das extremidades, uma moldura simples e, no topo menor oposto, o loculusparaalbergar as relquias. Este P de Altar no pode deixar de recordar outros exemplos registados noNorte de Portugal, nomeadamente o P de Altar de St. Eullia de Rio Covo (Barcelos), publicadopor Carlos Alberto Ferreira de Almeida18, e o P de Altar que se preserva, reaproveitado, na

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    14 Sobre as runas de Calbria vd. GEPB, II, p. 82; VEIGA F. A. 1856; FITA 1913a; FITA 1913b; GOMEZ CENTURIN 1913;ALMEIDA J. 1945, II, pp. 375-379; CABRAL 1962, pp. 138-158; CABRAL 1963; FERNANDES A. A. 1965-69, vol. V, p. 55, e vol. VII, pp. 7--10; MATEU Y LLOPIS 1979, pp. 7-12; GOMES J. P. 1981, pp. 59-61; MARQUES, BARE e COSME 1996, pp. 278-279; COIXO 1996, pp.202-203; FERNANDES A. A. 1997, pp. 86 e 127-129; POLICARPO 1998, pp. 107-114; COSME 1998, pp. 63-68.

    15 MARQUES, BARE e COSME 1996, pp. 278-279; COSME 1998, pp. 63-68. O Monte Calabre j tinha sido objecto de uma son-dagem arqueolgica, realizada por Nelson Rebanda, e nunca publicada.

    16 Vd. GOMEZ MORENO 1966; DIAZ Y DIAZ 1961 e 1975; VELAZQUEZ SORIANO 1989.17 Cf. COELHO 1972, p. 276; BARROCA 1991, p. 148.18 ALMEIDA 1979, p. 312 e Est. III.

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    Capela-Mor da Igreja Velha de Ermelo (Baio)19. Apesar de surgir sem contexto, o P de Altar deDuas Igrejas pode ser imputado ao Sc. VI ou VII, de acordo com os paralelos conhecidos.

    Ao segundo quartel do Sc. VII pertence a inscrio funerria aparecida em Janeiro de 1933no lugar do Prado, junto a S. Martinho do Peso (freg. do conc. de Mogadouro), e levada pelo Abadede Baal para o Museu de Bragana, onde hoje se conserva. Trata-se do epitfio de Thuresmude,falecida a 24 de Dezembro de 634, encomendado por seu marido, Protheus. A inscrio diz:

    + PROTHEUS FECIT / THURESMUDE UXO / RI SUE OBIIT IPSA /SUB DIE VIIII KaLendas IA / NUARi ERA DCLXXII20.

    fcil de avaliar a importncia desta inscrio. Bastar, para tanto, salientar que o epitfiode Thuresmudeconstitui o nico testemunho epigrfico altimedivico que possumos para a zonado nosso estudo e mesmo para todo Trs-os-Montes. Mas devemos registar que na periferia dazona que nos tem ocupado, na zona das Beiras, se conhecem outros testemunhos epigrficos doSc. VI e VII, nomeadamente o epitfio de [...]vanda (Servanda, Amanda?), de 23 de Junho de586, aparecido junto da Capela de S. Joo, em Vide (freg. de Rua, conc. de Moimenta da Beira),

    o epitfio de Florentia, falecida em 1 de Abril de 588, aparecido na Capela de N. S. de Seixas(freg. Sever, conc. Moimenta da Beira), e o epitfio de Suinthiliuba, falecida a 5 de Novembro de566, que se conserva na Igreja de Aores (freg. Aores, conc. Celorico da Beira)21. Se, a estesepitfios paleocristos associarmos a notcia do achado de pizarras visigticas nas imediaesda Capela de St. Andr (Almofala, Figueira de Castelo Rodrigo), a que acima j aludimos, teremosreunido o conjunto dos textos epigrficos respeitantes Alta Idade Mdia disponveis para o estudodo avano do Cristianismo nesta zona. E todos estes testemunhos apontam para uma cronologiatardia, espelhando as dificuldades que a nova religio parece ter enfrentado nesta zona. Nestesentido no podemos deixar de salientar que so todos exemplos coevos ou posteriores acoevangelizadora de S. Martinho de Dume (falecido em 579)22.

    No que respeita a testemunhos arquitectnicos, o espao que temos vindo a analisar no

    oferece elementos muito abundantes. Devemos, no entanto, registar testemunhos arquitectni-cos atribudos ao perodo paleocristo em dois locais junto da margem Sul do Rio Douro: naMuxagata (Vila Nova de Foz Ca) e no Prazo (Freixo de Numo).

    Na Quinta da Ervamoira (freg. Muxagata, Vila Nova de Foz Ca), Gonalves Guimares esca-vou, desde 1984, uma estao arqueolgica com uma ampla diacronia, que se prolonga desde aocupao romana (Sc. III-IV d.C.) at Baixa Idade Mdia (Sc. XIII)23. Os testemunhos maisremotos parecem corresponder a uma mutatio, com ocupao no Sc. III e sobretudo IV, e, anexaa ela, uma taberna. No Sc. VI foi aqui construda uma baslica paleocrist, que Gonalves Gui-mares classifica como martirial, e da qual apareceram os alicerces de quatro paredes. Entre oesplio fornecido pela escavao deste templo paleocristo encontra-se uma teguladecorada

    com um Crismon, testemunho indiscutvel da filiao religiosa desta construo. Apesar de noser possvel obter uma planta integral do espao, tudo parece indicar que seria um edifcio deplanta basilical com nave nica. O edifcio ter sido abandonado e, mais tarde, j em plena BaixaIdade Mdia, o local teve nova fase de ocupao, qual corresponde a construo de uma capelade invocao de St. Maria e um sarcfago antropomrfico.

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    19 BARROCA 1984, pp. 131-132.20 Vd. ALVES 1934, pp. 91-92; OLIVEIRA M. 1941, n. 38, pp. 41-42; VIVES 1969, n. 502-503 (Sic), p. 168; NETO 1975, p. 285;

    ALVES 1976, pp. 91-92; MOURINHO 1986, p. 8; BARROCA 1995, vol. III, Insc. n. 66, p. 29.21 Veja-se BARROCA 1995, vol. III, Inscs. n. 56, 58 e 70, respectivamente (onde se registam todas as referncias bibliogrficas

    conhecidas para estas inscries beiroas).22 Sobre a importncia da aco de S. Martinho no Noroeste Peninsular veja-se, entre outros, ALMEIDA C. A. F. 1973, pp. 14-16

    (da separata).23 Sobre as runas de St. Maria de Ervamoira, vd. os estudos de Gonalves Guimares: GUIMARES 1995; GUIMARES 1996;

    GUIMARES 1997; GUIMARES 1998 (no prelo).

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    Um pouco a Ocidente da Muxagata, nas runas romanas do Prazo (freg. de Freixo de Numo),que S Coixo tem vindo a escavar desde 199524, apareceu a estrutura de uma villaromana doSc. I-II da nossa Era, com uma ocupao que se prolonga at ao Sc. V, que revelou a sua zonatermal relativamente bem conservada. Na periferia da villaforam postas a descoberto as paredesde um templo que, segundo aquele arquelogo, remontaria ao perodo paleocristo. As estruturasvisveis revelam um templo de dimenses relativamente modestas, com perto de 8 m de compri-mento e 4,5 m de largura, apresentando uma cabeceira recta, tripartida, e o corpo principal divi-dido em trs naves por meio de pilares (ao centro das naves) e por meio de antas(junto da cabe-ceira e do arco triunfal). possvel que junto da fachada principal o templo adoptasse igualmentea soluo das antas, to do agrado da arquitectura altimedivica, sobretudo da Reconquista.Acompanhando toda a parede Sul da Nave, desde a zona das Capelas at fachada do templo,encontram-se dois compartimentos rectangulares, enquanto que um terceiro se desenvolve aNorte do templo, acompanhando a parede da Capela lateral Norte e parte da Nave. Uma anlisemais atenta permite, no entanto, determinar que as capelas laterais resultam de um acrescentoposterior, tal como acontece com o grande compartimento do lado Norte. Deste modo, o templofora, inicialmente, concebido com trs naves e uma nica capela, tendo, a Sul, dois compartimen-

    tos de apoio actividade litrgica (se que estes corresponde j ao programa inicial, e no a umafase intermdia). A estes compartimentos, que comunicam entre si por meio de porta, tinha-seacesso apenas a partir da nave lateral Sul. Mais tarde, na zona da cabeceira foram acrescenta-das as duas capelas laterais, que comunicam por meio de portas com as naves laterais e com aprpria capela-mor. Nessa ocasio acrescentou-se um amplo compartimento a Norte, ao qualapenas se pode aceder a partir da Capela lateral Norte ou directamente a partir do exterior. Otemplo do Prazo tem, ainda, a particularidade de apresentar uma orientao invertida, com acabeceira voltada a Ocidente e a porta principal rasgada na parede Oriental. Dentro do espao deculto, repartidas pelas naves e pelas trs capelas, e nas suas proximidades, encontram-se diver-sos sepulcros (ao todo 20) que denunciam cronologias mais tardias que a proposta cronolgicaavanada por S Coixo. Na realidade, duas das sepulturas apresentam solues antropomrfi-

    cas que pertencem j ao Sc. X, enquanto que outras adoptam tipologias que so igualmentecompatveis com uma cronologia bastante mais avanada, talvez dentro dos Sc. X-XI. Cremos,de resto, que as sepulturas 6 e 7 (ambas no interior da Capela-Mor) e a sepultura 2 (ao centro danave, junto do arco triunfal) se afiguram fundamentais para a datao do espao de culto. E asepultura 7, antropomrfica, no pode ser anterior ao Sc. X. Esta nova proposta cronolgicaest, de resto, de acordo com o local escolhido para a implantao dos monumentos no interiordo templo, contra as recomendaes da Igreja, nomeadamente a interdio aprovada no Concliode Braga de 561.

    Analisemos, finalmente, a ocorrncia de esplio mvel altimedivico na zona em estudo.Este tipo de achados, pela mobilidade inerente sua prpria natureza, revela-se bastante menos

    elucidativo para a anlise do povoamento, suscitando problemas interpretativos complexos. Noentanto, perante um panorama to pobre em testemunhos arquitectnicos, no podemos deixarde os referir aqui. Dentro da nossa rea geogrfica os achados altimedivicos so muito escas-sos. Apenas poderemos registar o aparecimento de um tremissisvisigtico de Hermenegildo,monarca rebelde que se documenta entre 579 e 584, aparecido em Almeida e registado porManuel Severim de Faria nas suas Noticias de Portugal, editadas em 165525. Mas, na periferiada nossa rea de estudo encontra-se recenseada uma srie de testemunhos impressionante: tre-misses visigticos em Castelo Branco (6 exemplares de diferentes reinados), Idanha-a-Velha (5exemplares), em Medelim (Castelo Branco) (2 exemplares), no Castro de Tintinolho (Guarda) (2

    198

    24 Sobre as runas do Prazo vd., entre outros estudos, COIXO 1996, pp. 175-181; COIXO 1997, pp. 49-62.25 X. BARRAL Y ALTET, 1976, n. 54, p. 177.

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    exemplares), em Castelo Velho (Guarda) (2 exemplares), em Monsanto (2 exemplares), em San-tana da Azinha (Guarda) (1 exemplar) e na Lousa (Castelo Branco) (1 exemplar)26. Acrescentemos,ainda, o aparecimento de patenas crismalisvisigticas no Castro da Trepa (Sobral Pichorro, Fornosde Algodres) e em Safail (Gouveia), ambos estudados por Fernando Russel Cortez27, e de umaplaca de cinturo visigtica em Salvaterra do Extremo, divulgada por Jos Leite de Vasconcelos e

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    ARQUITECTURA MILITAR E TESTEMUNHOS ARQUEOLGICOS MEDIEVAIS NUM ESPAO DE FRONTEIRA

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    26 Os elementos constantes dos achados numismticos encontram-se sistematizados no quadro do Anexo 1, com a respectivareferncia bibliogrfica.

    27 Cf. CORTEZ F. R. 1950. O achado de Safail um prato de patena com respectivo cabo apresenta uma inscrio com o antro-pnimo ARGIMIRI, de raiz germnica.

    LocalN.

    AchadoEx.

    Almeida (Almeida, Guarda) 1 um tremissis de Hermenegildo (579-584)(BARRAL y ALTET 1976, N. 54, p. 177)

    Castelo Velho (Rochoso, Guarda) 2 um tremissis suvico (FARIA 1988, n. S-4) um tremissis de Egica (687-695) (FARIA 1988, n. 33)

    um tremissis de Suintila (621-631)

    Castro de Tintinolho (Guarda) 2(FARIA 1988, n. 16)

    um tremissis de Sisebuto (612-621)(BARRAL y ALTET 1976, p. 183)

    Demoura (A-de-Moura, Joo Anto)1

    um tremissis de Recaredo (581-601) cunhado emou Santana da Azinha (Santana da Azinha, Guarda) Monecipio(BARRAL y ALTET 1976, n. 67, p. 179)

    Manteigas (Guarda) 1 um tremissis de Sisenando (631-636)

    (FARIA 1988, n. 19)

    Quinta do Burrinho (Medelim, Castelo Branco) 1 um tremissis de reinado no identificado(BARRAL Y ALTET 1976, n. 185, p. 198)

    Santiago (Medelim, Castelo Branco) 1 um tremissis de Leovigildo (568-586)

    (FARIA 1988, n. 6)

    Monsanto (Idanha-a-Nova, Castelo Branco) 2 dois tremisses de Recesvindo (653-672)

    (FARIA 1988, n. 25 e 26)

    um tremissis de Chindasvinto (642-649) cunhadoem Barbi (BARRAL Y ALTET 1976, n. 113, p. 187)

    um tremissis de Recesvinto (653-672) cunhado emIspalis (BARRAL Y ALTET 1976, n. 122, p. 188)

    Idanha-a-Velha (Idanha-a-Nova, Castelo Branco) 5 um tremissis de Wamba (672-680)

    (FARIA 1988, n. 27) um tremissis de Egica (687-695)

    (FARIA 1988, n. 34) um tremissis de Egica-Vitiza (695-702) cunhado emEgitania(BARRAL Y ALTET 1976, n. 154, p. 193)

    Lousa (Castelo Branco) 1 um tremissis de Recaredo (581-601) cunhado em

    Monecipio(BARRAL Y ALTET 1976, n. 69, p. 180)

    um tremissis suvico cunhado em nome de Valen-ciano III (BARRAL Y ALTET 1976, n. S-2, p. 166)

    um tremissis suvico do tipo Munita(BARRAL Y ALTET 1976, n. S-6, p. 167)

    Castelo Branco (Castelo Branco) 6 dois tremisses suvicos(BARRAL Y ALTET 1976, n. S-12 e S-13, p. 167)

    dois tremisses visigticos cunhados em nome deJustino II (BARRAL y ALTET 1976, n.s. 25 e 26,pp. 172-173)

    Quadro 1

    Quadro dos achados monetrios altimedivicos no Nordeste de Portugal

    (Distritos de Bragana, Guarda e Castelo Branco)

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    D. Fernando de Almeida28. H, por isso, uma verdadeira nebulosa de achados germnicos nasBeiras, que enquadram a rea que temos vindo a estudar e que anunciam a possibilidade de virema aparecer mais testemunhos nesta zona num futuro prximo29.

    So estes os parcos vestgios altimedivicos que se podem recensear na rea em estudo.Eles revelam a presena de comunidades humanas que, partindo de um substrato cultural roma-nizado, abraaram o Cristianismo numa fase relativamente tardia e assimilaram os seus valores.Estruturaram-se em amplas parquias, maneira altimedivica, e tumularam os seus mortos emlocais memorizados, piedosamente, por epgrafes. A importncia demogrfica e econmica encon-tra-se espelhada na criao das cecasvisigticas da Vilaria e de Calbria e, do ponto de vistareligioso, na elevao desta ltima parquia suvica condio de Bispado (ambos acontecimen-tos do Sc. VII). No entanto, depois de uma centria onde todos os elementos conhecidos apon-tam para um crescente desenvolvimento desta rea, com os incios do Sc. VIII viriam temposmais difceis.

    1.2. A Ocupao Muulmana

    1.2.1. Os testemunhos toponmicos

    A invaso muulmana de 711 marcou um duro golpe para a civilizao altimedivica peninsu-lar, cujas consequncias se prolongaram por vrios sculos. No entanto, os eventos do ano de711 poucas repercusses tero tido de imediato na zona que estamos a estudar. Na realidade,os exrcitos invasores apenas parecem ter conseguido estender o seu domnio a estas paragensdepois de dobrado o meado da dcada. Em 713 as foras muulmanas conquistam Egitania(actual Idanha-a-Velha), que, tal como Calbria, fora sede de uma cecae de um Bispado durante oreino visigtico. Em 715-716 os exrcitos norte-africanos alcanam Conimbrigae Eminio, cidadesque preferem negociar a sua rendio a enfrentar as consequncias de uma conquista militar.Deve ter sido apenas na segunda metade da dcada que as foras muulmanas alcanaram o vale

    do Douro e a zona que nos interessa. Em 720-22, quando Pelgio consegue suster o avano dasforas invasoras, em Covadonga, o processo de ocupao militar encontra-se, nas suas linhasgerais, praticamente concludo.

    A ocupao muulmana prolongou-se, a Norte do Douro, por perto de dois sculos, entre 715--716 (data em que o vale do Mondego se encontra dominado pelos exrcitos invasores e estesse dirigem para Norte) e os finais do Sc. IX (quando as campanhas de Afonso III das Astriascolocaram a fronteira crist no vale do Rio Douro). Adivinha-se que esses tero sido tempos dif-ceis. Mas so, sobretudo, tempos obscuros, onde escasseiam as referncias documentais eonde a Arqueologia ainda no conseguiu lanar luz. Aos primeiro anos a fase dos Governadores(711-756) sucede o Emirado de Crdova (756-912), inaugurado por Abd al-Rahman I (756-788)

    com mo firme.O estudo da zona do Nordeste de Portugal nos primeiros tempos de dominao muulmanaesbarra ante o silncio dos registos cronsticos e mesmo das descries geogrficas que os auto-res rabes nos legaram. Nem a Crnica do Mouro Rasis lhe reserva qualquer meno, nem asvrias Geografias, nomeadamente a de al-Idrisi (j do Sc. XII)30, a ela se reportam. Este silnciono deve ser entendido como sintoma de que a zona estava deserta, sem povoadores, mas, como

    200

    28 Cf. VASCONCELOS J. V. 1932-34, pp. 4-5; ALMEIDA F. 1962, n. 365. Segundo revela Leite de Vasconcelos, a placa de cinturoter aparecido em 1926 num campo onde apareceram tambm tijolos antigos e sepulturas feitas de lage (VASCONCELOS J. V. 1932--34, n. 6, p. 5).

    29 Apareceu uma fivela de bronze no povoado desertificado de Sabugal Velho que foi apresentada publicamente como sendo alti-medivica (vd. OSRIO 1998, no prelo), mas na realidade trata-se de uma fivela gtica, da Baixa Idade Mdia, que no poder ser ante-rior ao Sc. XII.

    30 MACHADO J. P. 1964, p. 30.

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    Maria-Jess Viguera Molins sublinhou recentemente, deve ser encarado antes como um reflexo damarginalidade desta rea, que nunca chegou a ser plenamente integrada dentro do sistema pol-tico do Emirado de Crdova, permanecendo sempre margem dos grandes eixos do seu espaopoltico e econmico31. esta marginalidade que ajuda a explicar porque que o processo daReconquista Crist progrediu tanto e to depressa na zona da Marca Inferior, enquanto que naszonas mais ricas, nomeadamente na Marca Superior, que foram desde cedo plenamente integra-das no espao econmico e poltico do Emirado, a progresso da fronteira enfrentou tantas difi-culdades durante vrios sculos. Recordemos apenas que, na Marca Superior, a fronteira cristse estabeleceu no vale do rio Ebro em 809, e que da s conseguiu avanar j em pleno Sc. XI.

    Em 868 Vimara Peres procedeu presria do Porto em nome de Afonso III das Astrias,sendo poucos anos depois secundado por Odorio (que reconquistou Chaves em 872) e porHermenegildo Guterres (que presuriou Coimbra em 878). Com estes eventos a linha de fronteiracrist ficou definitivamente colocada no Vale do Douro e, no extremo ocidente, avanou mesmoat ao Vale do Mondego. No entanto, se a Norte do Douro o processo se revelou definitivo, a Suldo Douro o processo no foi linear nem definitivo, tendo ficado marcado por avanos e recuos dalinha de fronteira, podendo ser individualizadas diversas fases. Como referimos o conde

    Hermenegildo procedeu presria de Coimbra em 878. Mesmo que alguns indcios revelem queeste processo no esteve isento de problemas recordemos que s em 904 a comunidademuulmana expulsa da cidade o domnio cristo no vale do Mondego efectivo nos incios dasegunda dcada do Sc. X. A Igreja morabe de S. Pedro de Lourosa da Serra, sagrada em 912, um testemunho eloquente, como o so outros vestgios arquitectnicos morabes da Beira.Deste modo, podemos dizer que no ltimo quartel do Sc. IX (depois de 878) e durante as primei-ras dcadas do Sc. X, o espao da Beira Ocidental voltou a estar na posse das foras crists. Azona a Leste de Lamego, compreendida entre os rios Tvora e Ca, tambm foi integrada noespao cristo, tendo sido a construdos 10 castelos por iniciativa condal, como teremos oportu-nidade de referir mais adiante. Mas, com a aproximao dos finais do Sc. X, depois da subidaao poder de al-Mansur e das suas devastadoras campanhas militares, que se sucedem a um ritmo

    anual, toda esta zona ocidental a Oeste do rio Ca, que integrava a Marca Inferiore que tinhasido temporariamente incorporada no espao cristo, voltou a cair na posse dos exrcitos muul-manos, para s mais tarde, em meados do Sc. XI, ser de novo, e definitivamente, incorporadadentro dos limites da Cristandade. E se at aos fins do Sc. X a zona entre o Tvora e o Caesteve na posse das foras crists (embora no definitivamente), na rea a Leste deste ltimo rioa presena muulmana parece ter-se prolongado de forma mais ou menos contnua at s vspe-ras da Campanha das Beiras, organizada por Fernando Magno entre 1055/58 e 1064. Uma ocu-pao que se prolonga, portanto, durante perto de trs sculos e meio.

    Deste modo, no podemos estranhar que seja forte a marca deixada pela presena muul-mana ao nvel da toponmia e, sobretudo, da microtoponmia desta regio. Este um aspecto que

    tem sido quase sempre silenciado pela nossa Historiografia e que carece de um estudo atentoque, para ser significativo, deveria envolver uma rea mais ampla e contar com o sancionamentodas fontes documentais. Por ele passar, por certo, a compreenso da presena muulmananestas zonas mais setentrionais da Pennsula, ao longo da Marca Inferior, onde os testemunhosarqueolgicos e documentais permanecem muito escassos e lacunares. Arrisquemos, por isso,uma primeira abordagem.

    Um dos primeiros autores a chamar a ateno para a importncia da toponmia no estudode Riba-Ca foi Lus Filipe Lindley Cintra, na notvel Introduo que escreveu para A Linguagemdos Foros de Castelo Rodrigo32. Nesse marcante estudo, Lindley Cintra defendia um quase-erma-mento da zona de Riba-Ca entre a Invaso Muulmana e o Sc. XI e salientava a escassez de

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    31 VIGUERA MOLINS 1998, p. 152.32 CINTRA 1959.

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    topnimos que se podiam imputar aos tempos anteriores dominao muulmana, a esta e aosprimeiros presores:

    So nela escassos, embora no faltem completamente, os nomes cuja fixao possamos

    com alguma segurana fazer remontar a uma data anterior ao repovoamento de Fernando II.

    Efectivamente, no me parece possvel apontar qualquer nome de lugar povoado que provenha

    com certeza de poca romana ou visigtica. S os nomes dos rios Coa (< Cuda), gueda ( expedio guerreira), palavras

    que ao contrrio do que aconteceu com Almeida, penetraram no lxico comum, so vestgios

    seguros de povoamento na fase sarracena. Quanto aos primeiros sculos da Reconquista, h,

    segundo creio, apenas um topnimo actual que a documentao conservada permita fazer

    remontar at eles:Almendra. Pela sua origem e forma, outro nome de lugar sugere a hiptesede uma fixao em data muito recuada:Escarigo; no , no entanto, impossvel que provenha

    do repovoamento do Sc. XII.33

    A posio de Lindley Cintra cautelosa e deve ser tida em ateno, mas julgamos que ocepticismo que dela perpassa pode ser um pouco matizado. Uma dcada depois da edio doestudo de Lindley Cintra, Pedro Cunha Serra, com a sua Contribuio Topo-Antroponmica para oEstudo do Povoamento do Noroeste Peninsular, voltou a chamar a ateno para a importncia datoponmia para o estudo do processo de repovoamento do Noroeste34. Recentemente, e no querespeita nossa zona, Maria-Jess Viguera Molins teve ensejo de arrolar alguns topnimos deorigem muulmana ou rabe do Nordeste de Portugal na zona de Riba Ca e reas limtrofes

    Alfndega da F, Marofa, Marvo, Mura, Almeida, Arrifana, Caria, Meimoa, Alcafoces, Almofala,Algodres, Benespera, Alverca, Atalaiae Alfaiates salientando que es complejo decidir el procesode su instalacin y uso, estando en ocasiones documentada desde finales del siglo IX, como escomplejo determinar quinesson exactamente (mozrabes?, Muladies? berberes residuales?),los portadores de toda esa onomstica rabe35. Segundo a mesma autora, uma tal profuso detopnimos de origem rabe apenas se poderia explicar por uma permanncia de colonos rabes eberberes no vale do Douro, inclusive depois da retirada macia destes ltimos, nos meados doSc. IX36, ou pela chegada de populaes morabes, vindas do Sul:

    ... es antroponmia de origen rabe, sin duda, pero sin que sirva para conocer la adscrip-

    cin o no de sus portadores a una determinada comunidad religiosa. Es decir, que tan abun-dante onomstica arbizada (que se manifesta claramente hacia mediados del siglo X, y cuyo

    uso decae paulatinamente en las dcadas siguientes, para pasar a ser un hecho residual en el

    siglo XI) podran llevarla cristianos venidos de al-Andalus, cristianos autctonos, mulades o ex-

    mulades, rabes o berberes residuales.37.

    Se as concluses de Maria-Jess Viguera Molins nos parecem acertadas, j o universo deamostra toponmica apontado por esta autora pode ser muito ampliado. Na realidade, a microto-

    202

    33 CINTRA 1959, pp. XXXIII-XXXVI.34 SERRA 1967.35 VIGUERA MOLINS 1998, p. 148.36 VIGUERA MOLINS 1998, p. 149.37 VIGUERA MOLINS 1998, p. 149.

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    ponmia desta regio fornece muitos mais exemplos dignos de nota, para alm da dezena e meiade casos arrolados por Viguera Molins.

    Muitos topnimos referem-se indiscriminadamente a Mouros, quer directamente (Moura,freg. Pvoa, conc. Miranda do Douro; Moira, freg. Ervedosa, conc. Pinhel) quer, sobretudo, comoqualificativo. Como sabemos, o nosso povo costuma remeter para o tempo dos mouros tudoquanto lhe parece antigo. Por isso, muitas das designaes ... dos Mouros podem perder a suafora probatria. Mas, apesar das suas limitaes, vale a pena registar aqui alguns exemplos:Cruz Mourisca (freg. Pvoa, conc. Miranda do Douro); Cabeo da Moura (freg. Valverde, conc.Mogadouro); Urreta Mourisca (freg. Vilar de Rei, conc. Mogadouro); Castelo dos Mouros (freg.Vilarinho dos Galegos, conc. Mogadouro); Cabea do Mouro (freg. Cabea Boa, conc. Moga-douro); Cova da Moura(freg. Poiares, conc. Freixo de Espada Cinta); Tapada dos Mouros(freg.St. Comba, conc. Vila Nova de Foz Ca); Ch dos Mouros (freg. Escalho, conc. Figueira deCastelo Rodrigo); Castelo da Moura (freg. Carvalhal, conc. Meda); Lomba do Moiro (freg. Erve-dosa, conc. Pinhel); Vale do Mouro (freg. Tamanhos, conc. Trancoso); Prado da Nave do Moiro(freg. Malpartida, conc. Almeida), Poo dos Mouros (freg. Nave de Haver, conc. Almeida), ValeMourisco(freg. Lomba, conc. Sabugal) e Fonte da Moura(freg. Lomba, conc. Sabugal).

    Mas h outros topnimos substancialmente mais esclarecedores. Sem uma preocupa-o de exaustividade, registemos aqui alguns exemplos, partindo e Norte para Sul: Mola38 (freg.Pvoa, conc. Miranda do Douro); Cabeo Almouro39 (freg. Palaoulo, conc. Miranda do Douro);Azenha do Andaluz (freg. Malhadas, conc. Miranda do Douro); Azenha da Atafona40 (freg.Malhadas, conc. Miranda do Douro); Almofada41 (freg. Mogadouro, conc. Mogadouro); Algo-sinho42 (freg. Bem-posta, conc. Mogadouro); Quinta da Alfarela43 (freg. Torre de Moncorvo, conc.Torre de Moncorvo); Maores44 (freg. Maores, conc. Torre de Moncorvo); Quinta de Farfo45

    (freg. Lousa, conc. Torre de Moncorvo); Mesquita(dois topnimos distintos na freg. Fornos, conc.Freixo de Espada Cinta); Calada de Alpajares(freg. Poiares, conc. Freixo de Espada Cinta);Numo46 (freg. Numo, conc. Vila Nova de Foz Ca); Almoinhas47 (freg. Freixo de Numo, conc.Vila Nova de Foz Ca); Mura48 (freg. Mura, conc. Vila Nova de Foz Ca); Ribeiro do Almacabra49

    (freg. Muxagata, conc. Vila Nova de Foz Ca); Almendra (freg. Almendra, conc. Vila Nova de FozCa); Algodres50 (freg. Algodres, conc. Figueira de Castelo Rodrigo); Quinta das Arzilas51 (freg.Escalho, conc. Figueira de Castelo Rodrigo); Almenara52 (freg. Mata de Lobos, conc. Figueira deCastelo Rodrigo); Almofala53 (freg. Almofala, conc. Figueira de Castelo Rodrigo); Serra daMarofa54 (freg. Castelo Rodrigo, conc. Figueira de Castelo Rodrigo); Cabeo da Mesquita(freg.Castelo Rodrigo, conc. Figueira de Castelo Rodrigo); Alcarva55 (freg. Ranhados, conc. Meda);Ponte de Alcarra (freg. Ranhados, conc. Meda); Quinta de Marvo56 (freg. Longroiva, conc.

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    38 Moladeriva do rabe moldono, proprietrio, senhor cf. MACHADO 1991, p. 109.39 Sobre a origem de Almouro, tal como Almourol, vd. LOPES 1968, p. 166; MACHADO 1991, p. 109.40 Atafona, do rabe aT-Tahuna, moinho ou moinho de moer trigo cf. LOPES 1968, p. 37; MACHADO 1991, p. 78.41 Do rabe al-mukhad-d, coxim, travesseiro cf. MACHADO 1991, p. 67.42

    Talvez derivado do rabe al-gozz, nome de tribo cf. MACHADO 1991, p. 60.43 Do rabe al-fakhkhar, faiana, loua, + ariu cf. MACHADO 1991, p. 54.44 Tal como Manores(Manores, Arouca; Manores, Tondela) deriva do nome prprio Mansurou al-Mansur cf. MACHADO 1991,

    p. 106; SERRA 1967, p. 50.45 Do nome prprio Farhun cf. SERRA 1967, p. 41.46 Do nome prprio Numan cf. SERRA 1967, pp. 44-45.47 Como Almuinhas, do rabe al-munia, casal, herdade cf. LOPES 1968, pp. 34-35; MACHADO 1991, p. 69.48 Tal como Mura (Alij), Mura (St. Eullia, Arouca), Mura (Silvares, Braga) e Mura (Crestuma, Vila Nova de Gaia), topnimo

    que deriva do nome prprio Mua cf. LOPES 1968, p. 28; MACHADO 1991, p. 111; SERRA 1967, p. 65.49 Do rabe al-maqabar, cemitrio, de onde vem Almocavar cf. LOPES 1968, p. 164; MACHADO 1991, p. 62.50 Como Fornos de Algodrese Algodres(freg. de Fornos de Algodres), forma divergente de al-godor, plural degadir, pequeno

    rio cf. LOPES 1968, p. 164; MACHADO 1991, p. 59.51 Como Arzila, topnimo marroquino cf. LOPES 1968, pp. 175-176; MACHADO 1991, p. 77.52 Do rabe al-mnaraou al-manara, farol, local onde est a luz cf. MACHADO 1991, p. 66; LOPES 1968, pp. 94-95.53 Do rabe al-mahall, campo, arraial, acampamento, aldeia cf. LOPES 1968, p. 164-165; MACHADO 1991, p. 67.54 Do nome prprio Maruf cf. SERRA 1967, p. 53.55 Do rabe al-qarb, proximidade, vizinhana cf. MACHADO 1991, p. 48.56 Do nome prprio Marwan cf. LOPES 1968, p. 28; SERRA 1967, pp. 51-52.

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    Meda); Alcaria57 (freg. Coriscada, conc. Meda); Marrocos(freg. Cidadelhe, conc. Pinhel); Alto daFalifa58 (freg. Pinhel, conc. Pinhel); Arrifana59 (freg. Pala, conc. Pinhel); Mangide60 (freg. Pereiro,conc. Pinhel); Almofada61 (freg. Pnzio, conc. Pinhel); Falifa62 (freg. Ctimos, conc. Trancoso);Casal da Atafona63 (freg. Pvoa do Concelho, conc. Trancoso); Malpartida64 (freg. Malpartida,conc. Almeida); Prado das Ftimas65 (freg. Malpartida, conc. Almeida); Almeida66 (freg. Almeida,conc. Almeida); Ribeira da Alverca67 (freg. Almeida, conc. Almeida); Mesquitela(freg. Mesquitela,conc. Almeida); Arrifana68 (freg. Vilar Maior, conc. Sabugal); Alfaiates69 (freg. Alfaiates, conc.Sabugal); Alvercas70 (freg. Casteleiro, conc. Sabugal); Arrabalde71 (freg. Sortelha, conc. Sabugal);Fatela72 (freg. Sortelha, conc. Sabugal); Quinta das Almoinhas73 (freg. Bendada, conc. Sabugal);Malcata74 (freg. Malcata, conc. Sabugal); Marofa75 (contraforte da Serra da Malcata); Alcambar76

    (freg. Vale de Espinho, conc. Sabugal).Apesar de no excluirmos no nosso horizonte as consideraes de Lindley Cintra, nomeada-

    mente no que diz respeito ao perigo de se considerarem topnimos cujas expresses entraramno domnio da linguagem comum (como ser o caso de Atalaia, de Almenara, de Almoinhaou deAlfaiates, entre outros), julgamos que a nossa lista oferece topnimos bastante elucidativos(como Atafona, Falifa, Fatela, Ftimas, Murae Marvo, entre outros exemplos sobejamente

    conhecidos). Uma tal densidade de toponmia de raiz muulmana apenas se pode explicar pelafixao de comunidades muulmanas ou berberes nesta zona, durante os sculos em que a zonaesteve sob domnio do Emirado ou do Califado.

    1.2.2. Os testemunhos arqueolgicos

    A esta densidade de testemunhos toponmicos de raiz muulmana, que se afiguram como astestemunhas silenciosas de um passado que quase no encontra registo na documentaoescrita, corresponde apenas um testemunho arqueolgico digno de nota. Referimo-nos CisternaMuulmana de Castelo Rodrigo, que chegou at aos nossos dias praticamente indita77.Efectivamente, na zona ocidental do povoado de Castelo Rodrigo, junto da linha de muralhas que

    o delimitam e no muito longe da Porta de Alverca, encontra-se uma notvel cisterna, em parteescavada no afloramento. Acima da linha de solo eleva-se um corpo construdo com altura de umedifcio trreo, socorrendo-se de silhares de granito. A construo corresponde, actualmente, aolote urbano n. 121, no Levantamento Aero-Fotogramtrico de Castelo Rodrigo, promovido pelaCmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo. A Cisterna de Castelo Rodrigo uma constru-o de planta irregular, sub-trapezoidal, que apresenta duas fases distintas: o corpo direita, cor-responde a uma fase mais antiga, ostentando uma porta com arco ultrapassado quebrado; o corpo

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    57 Do rabe al-qari, aldeia, pequena povoao cf. LOPES 1968, p. 30; MACHADO 1991, p. 47.58 Do rabe khanif, pele de cordeiro, manto de l cf. MACHADO 1991, p. 94.59 Do rabe ar-rihana, murta cf. MACHADO 1991, p. 77.60 Como Magide, do rabe masjid, mesquita cf. LOPES 1968, p. 76, nota 3; MACHADO 1991, p. 106.61

    Do rabe al-mukhad-d, coxim, travesseiro cf. MACHADO 1991, p. 67.62 Do rabe khanif, pele de cordeiro, manto de l cf. MACHADO 1991, p. 94.63 Do rabe aT-Tahuna, moinho ou moinho de moer trigo cf. LOPES 1968, p. 37; MACHADO 1991, p. 78.64 Cf. LOPES 1968, p. 146.65 Do nome prprio feminino cf. LOPES 1968, pp. 28 e 170; MACHADO 1991, p. 95.66 Do rabe al-maid, mesa, outeiro cf. LOPES 1968, pp. 33-34; MACHADO 1991, p. 65.67 Do rabe al-birk, piscina, lagoa cf. LOPES 1968, p. 35; MACHADO 1991, p. 73.68 Do rabe ar-rihana, murta cf. MACHADO 1991, p. 77.69 Do rabe al-khaiiaT, com o mesmo sentido cf. MACHADO 1991, p. 53.70 Cf. LOPES 1968, p. 35; MACHADO 1991, p. 73.71 Cf. LOPES 1968, p. 54; MACHADO 1991, p. 76.72 Derivado do nome prprio Fathallah cf. SERRA 1967, p. 41.73 Do rabe al-munia, casal, herdade cf. LOPES 1968, pp. 34-35; MACHADO 1991, p. 69.74 Cf. LOPES 1968, p. 146.75 Do nome prprio Maruf cf. SERRA 1967, pp. 52-53.76 Talvez derivado do rabe al-qanbar, calhandra, cotovia cf. MACHADO 1991, p. 46.77 Apenas conhecemos uma pequena referncia em SILVA J. J. 1992, pp. 37-38, mas que, no entanto, no a valoriza devida-

    mente enquanto testemunho civilizacional.

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    do lado esquerdo corresponde a um acrescento gtico, apresentando uma porta com arco apon-tado. Esta segunda porta, de vo amplo, d acesso a um balco que permitia aos habitantes deCastelo Rodrigo retirarem a gua com maior comodidade, puxando o recipiente na vertical, comajuda de cordas, a partir de uma cota um pouco superior ao actual nvel da rua. Na realidade,para se alcanar o referido balco necessrio subir alguns degraus. Por seu turno, a porta deorigem muulmana, mais antiga, rasgada cota da rua, optava por uma diferente modalidade deextraco da gua, dando acesso a uma escadaria que, adossada s paredes da cisterna, permi-tia descer at junto da linha de gua e a recolher a gua. Deste modo, a primitiva cisterna da vilade Castelo Rodrigo, que servia o povoado civil que se desenvolveu sombra do castelo, era umaconstruo com uma capacidade de armazenamento bastante mais modesta do que a que hojeali se pode observar. Com a reforma gtica, que a julgar pelo tipo de arco e sua modinaturadever ser obra do Sculo XIV, a cisterna muulmana viu ampliada a sua capacidade de armaze-namento de gua para mais do dobro. Esta reforma gtica deve ter correspondido a uma fase dedesenvolvimento demogrfico do povoado civil, que sempre demonstrou grande ateno aos pro-blemas de abastecimento de gua78 e que no Sc. XIV sentiu necessidade de ampliar as suasreservas de gua. Uma inscrio do Sc. XIX, gravada na fachada principal desta notvel constru-

    o, revela que ela foi limpa pelo povo de Castelo Rodrigo em 25 de Agosto de 1874 e que a cis-terna alcana os 13 metros de profundidade.

    A cisterna de Castelo Rodrigo constitui o testemunho arquitectnico muulmano mais seten-trional que conhecemos em Portugal79, e bem merecia que fosse objecto de classificao patri-monial (proteco de que ainda no goza...). Do ponto de vista tipolgico-estilstico, o arco muul-mano da Cisterna de Castelo Rodrigo que, como referimos, um arco ultrapassado quebrado encontra paralelos na arquitectura califal, podendo ser atribudo ao Sc. X. Ele tem paralelo,nomeadamente, na Puerta Vieja de la Bisargae na Puerta del Sol, ambas da muralha de Toledo,portas que tm sido unanimemente consideradas obras califais e atribudas ao Sculo X. Na rea-lidade, a Puerta Vieja de la Bisargaapresenta, ao centro, uma entrada munida de arco ultrapas-sado com lintel, maneira cordovesa, a qual se encontra enquadrada por trs arcos cegos: um,

    central, mais amplo, que enquadra o vo da porta, os dois laterais ostentando arcos quebradosultrapassados (ou arcos de ferradura apontados). Quer a soluo do arco central (ultrapassadocom lintel) quer os cenogrficos arcos cegos laterais apontam para o Sculo X. A mesma cronolo-gia tem sido atribuda ao arco ultrapassado quebrado da Puerta del Sol, tambm das muralhasde Toledo. Trata-se de uma porta que ostenta um duplo arco: o interior ultrapassado, sem lintel, omais exterior, um arco cego com maior projeco, optando pelo perfil ultrapassado quebrado.Deste modo, a Cisterna de Castelo Rodrigo pode ser cronologicamente atribuda ao Sculo X ou,quando muito, aos incios do Sculo XI. Seria, portanto, uma obra califal enquadrvel no tempode al-Mansur, quando este caudilho estendeu, com renovado vigor, o domnio muulmano at margem sul do Douro, depois de ter reconquistado e destrudo a cidade de Coimbra (em 987) e

    de ter lanado uma srie de expedies militares, a um ritmo anual, contra as possesses cris-ts que culminam, no Ocidente Peninsular, na clebre expedio contra Santiago de Compostela(em 997).

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    78 Nos arredores de Castelo Rodrigo, junto da EN, encontra-se uma fonte de chafurdo gtica, impropriamente chamada FonteRomana, que revela o cuidado colocado pela populao de Castelo Rodrigo no abastecimento de gua ao povoado, que nos perodos deestio se costumam agudizar. A fonte de chafurdo est ligada ao povoado de Castelo Rodrigo por um caminho antigo que caiu hoje emdesuso.

    79 Em termos de esplio mvel, h vestgios mais setentrionais, nomeadamente o achado de cands rabes junto a Chaves (hojeconservados na coleco do Museu Flaviense). No entanto, e como j referimos a propsito do esplio germnico, a mobilidade destes

    testemunhos diminui o seu valor probatrio.

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    2. A EVOLUO DA ARQUITECTURA MILITAR NA ZONA RAIANA

    2.1. Do Castelo da Reconquista ao Castelo cabea-de-Terra (960-1170)

    Como j referimos, o processo da Reconquista Crist teve no reinado de Afonso III das Ast-rias (866-909) um momento de crucial importncia, quando a linha de fronteira avanou do valedo rio Minho (onde se posicionara em 854 com a presria de Tuy) para o vale do rio Douro. Esteavano ficaria marcado pela presria do Porto por Vimara Peres, em 868, logo acompanhada pelapresria de Chaves pelo conde Odorio, em 872, que, respectivamente, abrem as portas ocu-pao da zona de Braga-Guimares, cerca de 879, e ocupao da zona de Trs-os-Montes oci-dental, em torno do eixo Chaves-Lamego. Menos de uma dcada depois das primeiras presrias,a cidade de Coimbra era reconquistada em 878 pelo Conde Hermenegildo e a linha de fronteiracrist avanava, na fachada atlntica, at ao vale do Mondego. Na fase final do reinado de AfonsoIII, o processo da Reconquista regista outros avanos significativos a Leste do actual territrioportugus, consolidando a fronteira do vale do Douro: as presrias de Zamora (em 893), Siman-cas (em 899), Toro (em 900) e Burgo de Osma (em 912).

    Nos alvores do Sculo X as foras crists encontram-se na posse de um vasto territrio que,grosso modo, tinha a sua fronteira no vale do Douro mas que, na zona da fachada atlntica, actualterritrio portugus, descia at ao vale do Mondego e, caminhando para interior, acompanhava abacia hidrogrfica do Mondego at atingir o vale do rio Ca, que se assumia como espao de fron-teira. Na realidade, ultrapassado este rio, os domnios cristos recuavam at ao vale do Douro,posicionando-se nele at zona de Len e de Toro. Cremos, efectivamente, que o vale do Ca,to alcantilado, ter servido (nesta como noutras pocas) de fronteira entre diferentes senhorios.O silncio que encontramos para a presena crist no territrio entre o Ca e o gueda ao longodo Sculo X, contrastando com os elementos que conhecemos para o interflvio Tvora-Ca paraa mesma poca, leva-nos a pensar que a linha de fronteira do vale do Mondego subiria, pelo valedo Ca, at s arribas do Douro.

    Coevos deste progresso da linha de fronteira podem ser referidos diversos testemunhos. Doponto de vista arquitectnico mencionemos, entre outros, os conhecidos vestgios morabes daigreja de S. Pedro de Lourosa da Serra (templo sagrado em 912, um ano antes de S. Miguel deEscalada), as runas do templo morabe de Viseu (junto da S) e os elementos arquitectnicosavulsos de Soure, Coimbra, Lorvo, Frguas e S. Pedro do Sul (todos do Sc. X). Mais junto doDouro, so os vestgios morabes do Mosteiro de Arouca e, s portas de Lamego, a Igreja de S.Pedro de Balsemo (a mais asturianadas igrejas portuguesas, do Sc. X). Uma cerrada rede desepulturas escavadas na rocha, que tem vindo a ser inventariada e que abrange todo o espao daBeira, testemunha igualmente a presena de comunidades nestes tempos da Reconquista. Estescemitrios, que podem ir desde extensas necrpoles (algumas com mais de meia centena de

    enterramentos, como S. Pedro de Marialva e St. Maria de Moreira de Rei) at pequenos ncleosde um, dois ou poucos mais exemplares, documentam-nos a presena de comunidades que aindano se encontravam estruturadas numa rede paroquial maneira gregoriana, que seria difundidano Sc. XII, quando se imps o modelo que associa intimamente o templo (espao de baptismo ede culto) ao cemitrio.

    Do ponto de vista militar, esta nova fase inaugura-se com importantes inovaes. Primeiro, eantes de tudo, com o aparecimento das primeiras estruturas militares que, verdadeiramente,devem ser classificadas como castelos. At ento todas as estruturas defensivas tinham optado,invariavelmente, pela soluo da fortificao do habitat. Esta opo prende-se, antes do mais,com a prpria estrutura de povoamento, onde o predomnio do habitat concentrado permitia queas necessidades de defesa se satisfizessem por meio da construo de uma muralha em torno

    do local onde residia uma parte significativa da populao. No entanto, ao contrrio do mundo

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    romano (que optou pelo povoamento concentrado como forma predominante de organizar a paisa-gem) e da Alta Idade Mdia germnica (que manteve um povoamento baseado essencialmente namesma matriz), a Reconquista Crist enfrentou problemas muito distintos, com um povoamentoque, ao fim de alguns sculos de paulatina evoluo, era estruturalmente disperso. Perante umamatriz de povoamento disperso a satisfao das necessidades de defesa no podiam passarapenas pela fortificao de povoados: havia que fortificar a prpria paisagem, e nesse processoradica a origem do castelo, uma inovao medieval, e o processo do Incastelamento. nessecontexto que se assiste ao aparecimento dos primeiros exemplos seguros de castelos. No Nortede Portugal esses primeiros exemplos podem ser apontados a partir de 875. Trata-se, portanto,de um fenmeno que no pode deixar de ser colocado em paralelo muito estreito com o avanoda linha de fronteira com Afonso III, o Magno, e com as novas circunstncias que se geraram,com uma agudizao das necessidades defensivas.

    A segunda inovao que se regista foi ao nvel da organizao da paisagem, com o apareci-mento das civitates. A incorporao dentro dos limites do espao cristo de uma to vasta reaterritorial, como aquela que resultou das presrias de Afonso III entre 868 e 878, obrigou, natu-ralmente, reformulao dos mecanismos de defesa e de gesto deste espao de Estremadura.

    O vale do Douro assiste, ento, a uma reforma da organizao territorial e militar, com o apareci-mento das civitates. Estas eram grandes unidades territoriais comandadas, do ponto de vistamilitar, a partir de um lugar central que era confiado a um Conde ou um Dux, o qual ficavaencarregado de coordenar os esforos defensivos. A primeira civitasque se encontra documen-tada a de Anegia, que se implantou na periferia de um povoado castrejo com uma ocupao alti-medivica, junto da confluncia do Tmega com o Douro. A civitasde Anegiacorresponde, hoje,ao morro da Senhora da Cividade (Eja, Entre-os-Rios)80. Esta extraordinria estrutura militar, quevem referida nas Crnicas Asturianas de Afonso III, controlava um vasto territrio que se desen-volvia por ambas as margens do rio Douro, abrangendo, a Norte, uma boa parte do actual distritodo Porto (alargando-se pelos concelhos de Penafiel, Marco de Canaveses e Baio) e, na margemSul, abrangendo os concelhos de Castelo de Paiva e de Cinfes e ainda a zona Norte do concelho

    de Arouca. O seu territrio ficava, na margem Norte do Douro, compreendido entre os rios Sousa(a Oeste) e Gove (a Leste), enquanto que na margem Sul do Douro, ia desde o vale do Alarda (aOeste) at ao Paiva (a Leste), ultrapassando um pouco este limite. A civitasde Angia, ampla-mente documentada desde 875 at segunda metade do Sc. XI, pode, deste modo, ser apon-tada como um primeiro exemplo do modelo condal de organizao militar: um lugar central, con-fiado a um Conde ou Dux, com uma estrutura militar incipiente, quase sem arquitectura, essen-cialmente construda com recurso movimentao de terras e criao de taludes, com mura-lhas em pedra secaou mamposteria, sem silhares aparelhados, ignorando torrees e (obvia-mente) a Torre de Menagem. Subordinado a esse lugar central encontrava-se um vasto territrioenvolvente, onde conviviam outras estruturas militares, erguidas pelas populaes locais para

    sua defesa. Angia no foi, obviamente, exemplo isolado no Norte de Portugal. A seu lado podemser identificadas outras civitates como Portucale (Porto), Maia, Santa Maria (Feira), Lamego,Montemor-o-Velho, Coimbra, Seia, etc. Este modelo de organizao territorial e militar, que temparalelo na Galiza, em Len e noutras zonas do Norte da Pennsula, no teve, aparentemente,aplicao na orla oriental de Trs-os-Montes e na Beira Interior. Aqui a situao foi distinta,embora a organizao do territrio fosse, igualmente, confiada a um conde ou, pelo menos, auma famlia condal.

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    80 O estudo fundamental sobre a civitasde Angia continua a ser o artigo de Carlos Alberto Ferreira de Almeida (ALMEIDA e LOPES

    1981-82). Outros contributos mais recentes encontram-se em BARROCA 1990-91 e em LIMA 1993.

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    2.1.1. O Castelo da Reconquista

    Para o estudo das estruturas fortificadas da zona da Beira Interior no Sc. X, o documentomais importante de que dispomos a ampla doao com que D. Flmula Rodrigues contemplou oMosteiro de Guimares em 960. D. Flmula era filha de D. Rodrigo Tedones e de D. LeodegndiaDias, descendendo, deste modo, de duas famlias condais: a de D. Afonso Betote, o presor de Tuy

    (de quem era bisneta pelo lado paterno), e a de Diogo Fernandes, o povoador da zona de Lamego(de quem era neta pelo lado materno)81. D. Flmula era, ainda, sobrinha de D. Mumadona Dias,em casa de quem fez, em 960, a importante doao ao mosteiro de Guimares, onde resolveuentrar como deovota. Nesse extenso diploma, onde se arrolam dezenas de propriedades concen-tradas sobretudo no Entre-Douro-e-Minho, refere-se a dado passo:

    ... nostros castellos id est Trancoso, Moraria, Longobria, Nauman, Vacinata, Amindula,

    Pena de Dono, Alcobria, Seniorzelli, Caria, cum alias penellas et populaturas que sunt in ipsa

    strematura...82.

    A identificao destes dez topnimos na maior parte dos casos simples e bvia, mas num

    ou noutro caso bastante mais problemtica j foi ensaiada por diversos autores, desde LusFilipe Lindley Cintra a Almeida Fernandes, e ns prprios j sobre ela nos debrumos 83.Julgamos, no entanto, ter progredido um pouco mais na identificao dos topnimos mais proble-mticos. Comecemos pelas identificaes pacficas para analisarmos as ilaes que delaspodemos retirar. Trancosocorresponde, obviamente, a Trancoso, sem qualquer oscilao ortogr-fica. Moraria foi, durante os tempos medievais, conhecida por Moreira e passou, mais tarde, aser conhecida por Moreira de Rei, recordando o facto de D. Sancho II ter a permanecido a suaderradeira noite no Reino, quando se dirigia para o exlio no conturbado ano de 1247. Longobriahoje Longroiva, Nauman corresponde a Numo, Pena de Donocorresponde a Penedono, Seniorzeli hoje Sernancelhe e Cariaainda nos nossos dias se designa Caria. A cartografia destes sete

    topnimos revela uma coerncia surpreendente: todos eles se localizam no interflvio Tvora--Ca. Ou, dito por outras palavras, eles constituam uma mancha coerente de castelos nos quaisse estruturava o territrio cristo que se estendia a Leste do territrio de Lamego, entre os riosTvora e Ca. Aquilo que, nos documentos medievais, se dizia, com toda a justia, ser a Strematura.A Leste do Ca, como j referimos, iniciavam-se os domnios muulmanos e a fronteira cristposicionava-se de novo no vale do Douro. Esta rea entre o Tvora e o Ca constitua, portanto,um espao de fronteira com uma importncia crucial. Os castelos de D. Flmula estendiam-se poruma rea que ia at Trancoso, o mais meridional de todos os castelos referidos, situado 40 km aSul do curso do Douro. Deixamos para o fim os trs topnimos mais problemticos: Vacinata,Amindulae Alcobria. Atendendo coerncia geogrfica denunciada pelos exemplos anteriores, jul-gamos que eles devem ser procurados no espao compreendido entre o Tvora e o Ca. Lindley

    Cintra acreditava que o topnimo latino Amindulacorrespondia a Almendra (freg. do conc. de VilaNova de Foz Ca)84. No entanto, se assim fosse, Amindulaseria o nico castelo de D. Flmulaque se localizava a Leste do Ca. Pela nossa parte, j noutro estudo sugerimos a identificao deAmindula com a actual Meda, que nos documentos medievais do Sc. XIII surge com a grafiaAmida85, e que fica em pleno entre-Tvora-e-Ca, no corao do territrio dos castelos de D. Fl-mula. Nesse mesmo estudo levantamos a hiptese de que Vacinata, outro dos topnimos do Sc.X que permanece por identificar, correspondesse ao microtopnimo Castelo, junto a Muxagata,

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    81 Vd. MATTOSO 1981, pp. 137 e 153.82 PMH, DC 81 = VMH, 11.83 Vd., entre outros, CINTRA 1959, pp. XXXVI-XXXVIII; BARROCA 1990-91, p. 94 e ss.; BARROCA 1998, no prelo.84 CINTRA 1959, pp. XXXVI-XXXVII.85 BARROCA, 1990-91, p. 94.

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    igualmente a Ocidente do rio Ca. Finalmente, em relao a Alcobria, topnimo para o qual nohavamos proposto qualquer identificao em 1990-91, julgamos que deve corresponder a Alcarva,uma pequena aldeia a Leste de Ranhados, onde, de resto, sobrevive o topnimo Castelo, emboradeste no restem vestgios.

    As visitas que realizmos a todos estes locais, na expectativa de encontrarmos elementoscoevos da referncia documental de 960, permitiram-nos identificar, em 1990, a notvel TorreMorabe do castelo de Trancoso, que permanece testemunho nico em Portugal. Trata-se, efec-tivamente, da velha estrutura morabe doada por D. Flmula ao Mosteiro de Guimares em 960,e que se conservou ao longo dos anos, sendo mais tarde incorporada no interior do permetro docastelo romnico, onde passou a desempenhar as funes de Torre de Menagem. No entanto, aocontrrio da esmagadora maioria dos exemplos conhecidos, em que a Torre de Menagem maistardia do que o Castelo, aqui a situao a inversa. A Torre de Trancoso uma construo muitomais antiga do que o castelo romnico que se ergue em seu torno, como vrias das suas caracte-rsticas denuncia86. Em primeiro lugar, o seu perfil tronco-cnico, com paredes que se vo tor-nando mais estreitas medida que ganham altura, numa opo que denuncia arcasmo e antigui-dade. Por outro lado, a porta de entrada, rasgada ao nvel do primeiro andar, apresentando arco

    ultrapassado tipicamente morabe, com impostas de grande desenvolvimento. Finalmente, regis-temos que a Torre de Trancoso foi erguida com recurso a um aparelho de construo no-isdomo,cheio de cotovelos, de cunhas e de rolhas, numa das mais extraordinrias demonstraes da tc-nica de construo morabe tpica das manchas granticas. Entre os seus silhares encontramos,igualmente, silhares almofadados, que surgem noutros monumentos do Sc. X, testemunhando oressurgimento de tcnicas classicistas. Todos estes pormenores aparelho no-isdomo, comcotovelos, cunhas e rolhas, ostentando silhares almofadados remetem-nos para a tcnica deconstruo pr-romnica, em que o pedreiro-talhante assumia igualmente as funes de pedreiro--assentador. O sistema de acesso ao interior da torre, que era mvel, encontra-se documentadonos encaixes para a escada de madeira, talhados nos silhares imediatamente abaixo da soleirada porta. O Castellode Trancoso de D. Flmula era, deste modo, constitudo por uma robusta

    torre, de planta quase quadrada, erguida com espessos muros e com porta rasgada no primeiroandar, munida de acesso mvel. A Torre foi construda no alto do mais destacado afloramentorochoso da zona de Trancoso, que, por isso mesmo, mais tarde recebeu o castelo romnico. Oconjunto das estruturas militares assumiu-se desde cedo como ncleo-gerador do fenmenourbano, polarizando em torno de si a rea mais antiga do burgo de Trancoso. No entanto, o povoa-mento desta zona nesses remotos tempos da Reconquista no se encontra apenas documentadopelas estruturas militares. A elas pode ser associada uma pequena, mas interessante, necrpolede sepulturas escavadas na rocha que sobrevive junto do actual Tribunal de Trancoso, onde secontabilizam sepulturas de adulto e de criana, e onde se pode admirar um dos raros exemplosportugueses de tampas associadas a estes sepulcros87.

    Depois do invulgar exemplo de Trancoso, notvel pelo seu estado de conservao, h umoutro castellode D. Flmula para o qual podemos apontar elementos militares coevos do Sc. X.Referimo-nos ao Castelo de Sernancelhe, que se erguia no alto do Monte do Castelo, um pouco aNorte da Igreja paroquial de Sernancelhe (onde, sublinhemos, existem igualmente sepulturasescavadas na rocha). No Monte do Castelo so visveis testemunhos importantes do velho cas-telo da Reconquista. O Monte sofreu bastantes maus-tratos num passado recente: no limitado

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    86 De resto, nesta altura (Sc. X) o castelo ignorava, ainda, a Torre de Menagem.87 So raros os exemplos de sepulturas escavadas na rocha que apresentam, associadas, as respectivas tampas (com excepo,

    como obvio, das necrpoles reveladas por meio de escavaes arqueolgicas). No entanto, na zona que nos tem vindo a ocupar, regis-tamos alguns exemplos de tampas que chegaram at aos nossos dias associadas aos respectivos sepulcros: na pequena necrpole dopovoado de St. Cruz da Vilaria (conc. de Torre de Moncorvo), na necrpole da Igreja de Castelo de Penalva (conc. de Penalva doCastelo), na necrpole da Igreja de Sernancelhe (conc. de Sernancelhe) e na necrpole do Tribunal de Trancoso (conc. de Trancoso). Noprimeiro caso as tampas eram formadas por uma nica laje de xisto, no segundo caso vrias lajes de granito, nos dois restantes astampas, de granito, apresentavam seco triangular ou em duas guas, recordando as tipologias das tampas de sarcfagos mais tardios.

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    espao da sua coroa construiu-se um depsito de gua, ergueu-se um monumento religioso eimplantou-se um marco geodsico. Ao longo da encosta lanou-se uma escadaria monumental parafacilitar o acesso a esse que , seguramente, o melhor miradouro da vila de Sernancelhe, de ondese desfruta um notvel domnio da paisagem. E, a meia encosta, junto de uma plataforma inter-mdia que tambm abrigou estruturas de habitat medievais, ergueu-se um coreto e construram--se mesas para merendas. Todas estas intervenes j tinham mutilado de forma significativa osrestos do velho Castelo de Sernancelhe, cuja existncia se adivinhava apenas pelo troo de mura-lha. Recentemente novas obras voltaram a maltratar o Castelo de D. Flmula: abriram-se valas noalto do morro para se construir um passeio, fizeram-se desaterros a meia encosta para ampliar area de merendas, e reformulou-se a escadaria de acesso, mutilando-se de novo a topografia dolocal. Aproveitando o revolvimento de terras tivemos oportunidade de recolher fragmentos decermicas da Alta Idade Mdia, de fabrico manual ou em torno lento, que podem ser atribudosaos Sc. VII-VIII, e outros, mais tardios, da Baixa Idade Mdia. Estes achados revelam-se impor-tantes por documentarem uma ocupao aparentemente anterior aos meados do Sc. X, data dareferncia ao Castelo de D. Flmula. Apesar de todas as malfeitorias, o Castelo de D. Flmulacontinua a resistir. Sobrevive parte da sua linha de muralhas (em cima da qual se implantou o

    marco geodsico...), com um caracterstico aparelho de construo pr-romnico, ignorando a iso-domia e optando pelos silhares com cotovelos, cunhas e pequenas rolhas. A muralha, que percor-ria a parte superior do monte, ignorava os torrees, como era natural para a poca, mas pareceadoptar j um flanqueamento reentrante, como vemos noutros castelos do Sc. XI, nomeadamenteem S. Martinho de Mouros. Infelizmente, as intervenes modernas eliminaram os vestgios daporta, que deveria ficar na zona da actual escadaria (a nica rea onde no h vestgios cont-nuos de muralha antiga). Mas, apesar de todos os maus-tratos sofridos, o Castelo de Sernan-celhe continua a ter uma importncia assinalvel, documentando a ocupao crist em temposto recuados, no que corroborado pela presena de sepulturas escavadas na rocha (em tornoda Igreja), pela presena de uma tampa de sepultura com decorao muito arcaica (igualmenteno Adro da Igreja) e por um capitel corntio pr-romnico (embutido na parede Sul do templo, em

    posio invertida, reaproveitado como Pia de gua Benta).No entanto, nem todos os locais mencionados no diploma de D. Flmula tiveram a sorte de

    Trancoso ou de Sernancelhe, conseguindo que, apesar de tudo, testemunhos to significativossobrevivessem at aos nossos dias. Na realidade, em diversos outros locais encontramos teste-munhos de ocupao coevos da Reconquista, como o caso das necrpoles de sepulturas esca-vadas na rocha (presentes em Trancoso, Longroiva, Moreira de Rei, Numo e Sernancelhe), ou detestemunhos pr-romnicos em estruturas de cariz religioso (como acontece em Sernancelhe eNumo). No entanto, das estruturas militares referidas no diploma de 960 mais nenhum testemu-nho significativo conseguiu chegar at aos nossos dias. O castelo de Moreira de Rei sofreu umaprofunda reforma romnica que veio alterar irremediavelmente a sua fisionomia, dotando-o de

    Torre de Menagem e de novas muralhas. Essa reforma do Sc. XII seria responsvel pela destrui-o dos vestgios do castellode D. Flmula, que era coevo da notvel e extensa necrpole desepulturas escavadas na rocha que se polariza em torno da igreja paroquial. Por seu turno, o cas-telo de Longroiva foi objecto de reforma no tempo de D. Gualdim Pais, que promoveu a constru-o da sua Torre de Menagem em 1174. Deve ter sido por essa altura que se eliminaram os der-radeiros vestgios do castelo que D. Flmula doara ao Mosteiro de Guimares em 960. Noentanto, junto do Castelo de Longroiva e da Capela de N. S. do Torro ainda subsistem sepultu-ras escavadas na rocha. O Castelo de Numo, onde detectmos um pequeno troo de muralhacom caractersticas mais antigas, teve igualmente uma profunda reforma romnica, depois com-pletada com intervenes gticas, que ditaram a quase total anulao dos testemunhos do castelodo Sc. X. Mas no interior do povoado (junto da Igreja de St. Maria) e no seu exterior (em torno

    da Capela de S. Pedro) encontramos de novo necrpoles de sepulturas escavadas na rocha. O

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    Castelo de Penedono, por seu turno, sofreu uma profunda reforma no Sc. XV, que adaptou o cas-telo a estrutura residencial, que anulou os vestgios mais remotos. Por fim, devemos registar queem relao a Vacinata(Muxagata?), Amindula(Meda?), Alcobria(Alcarva) e Caria(Caria), os nicosvestgios disponveis so toponmicos. Nalguns casos conhecemos o local onde esses castelosse implantaram, mas deles no sobrevivem vestgios arqueolgicos.

    A passagem documental de 960 permite compreender que, j ento, existia uma hierarquiabem definida dentro das estruturas militares e de povoamento. Seguindo uma ordem de decres-cente importncia, tnhamos os castellos, as penellas e as populaturas. Os primeiros, porqueeram de posse condal e porque eram as estruturas mais importantes e cuidadas, com maioresrequintes arquitectnicos, mereceram ser individualizados um a um na doao ao mosteiro deGuimares. J as penellas, mais numerosas e menos importantes, no foram individualizadas.Provavelmente no seria apenas uma questo de motivao, mas tambm de verdadeira impossi-bilidade: sendo mais numerosas, seria impossvel estar a mencionar de forma individualizada nodiploma de 960. Julgamos que as penellasdeviam corresponder ao que hoje vulgarmente classifi-camos como castelos roqueiros, erguidos no alto das penedias. E, finalmente, as populaturas,que deviam corresponder aos povoados abertos, sem defesas, dependentes das estruturas mili-

    tares supracitadas, constituam a rede de povoamento da zona. Corresponderiam, portanto, snossas aldeias. Aparentemente, apenas os castelos, as estruturas mais importantes e maismonumentalizadas, eram de posse condal directa. D. Flmula chama-lhes, claramente, nostroscastellos. As restantes unidades de povoamento estavam subordinadas a eles. Por isso odiploma se refere aos nostros castellos... cum alias penellas et populaturas.

    Como se pode verificar, o documento 81 dos Diplomata et Chartaeocupa um lugar central

    nos estudos de Castelologia medieval portuguesa: primeiro, porque permite a identificao de um

    DE MIRANDA DO DOURO AO SABUGAL

    ARQUITECTURA MILITAR E TESTEMUNHOS ARQUEOLGICOS MEDIEVAIS NUM ESPAO DE FRONTEIRA

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    Topnimo Medieval TopnimoVestgios coevos e outros indcios

    (PMH DC 81) actual

    Trancoso Trancoso Torre Morabe no Castelo de Trancoso Necrpole de sepulturas escavadas na rocha (junto do Tribunal)

    Monte do Castelo, com muralha antiga e vestgios de habitat;

    Seniorzeli Sernancelhecermica altimedivica

    Necrpole de sepulturas escavadas na rocha(junto da Ig. Paroquial)

    Necrpole de sepulturas escavadas na rochaMoraria Moreira de Rei (junto da Ig. de St. Maria)

    Castelo romnico; cermica medieval

    Necrpole de sepulturas escavadas na rochaLongobria Longroiva (Cap. N. S. Torro)

    Castelo romnico, reconstrudo em 1174; cermica medieval

    Troo antigo na muralha de Numo

    Nauman Numo 2 necrpoles de sepulturas escavadas na rocha(Cap. S. Pedro e Ig. St. Maria)

    Castelo romnico; cermica medieval

    Vacinata Muxagata (?) Microtopnimo Castelo

    Amindula Meda (?) Monte do Castelo, com afloramentos rochosos cortados

    artificialmente

    Pena de Dono Penedono Castelo reconstrudo na Baixa Idade Mdia

    Alcobria Alcarva Microtopnimo Castelo

    Caria Caria

    Quadro 2

    Castelos de D. Flmula Rodrigues (960)

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    conjunto coerente de fortificaes condais; depois, porque possibilitou a identificao, no terreno,de vestgios arqueolgicos sobreviventes; finalmente, por se tratar do nosso documento que, atao ano 1000, encerra o maior nmero de referncias a castelos. Bastar, a este propsito, sublinharque, at esse ano, se conhecem em Portugal referncias documentais para 50 estruturas castela-res distintas e que, s no PMH, DC 81, encontramos meno a 10 castelos. No entanto, no se deveconfundir estruturas documentadascom estruturas existentes. No temos dvida que o nmerode castelos era muito superior ao nmero total de estruturas referidas nos nossos diplomas.

    Na ausncia de testemunhos documentais escritos, a matriz de povoamento ter de serreconstruda, para estas remotas pocas, com recurso a documentos arqueolgicos. Paraa poca que temos vindo a tratar entre as presrias do Sc. IX e a reorganizao militar dosmeados e segunda metade do Sc. XI podemos contar com um precioso testemunho: o dassepulturas escavadas na rocha. Como se sabe, as sepulturas escavadas na rocha correspondema uma moda de enterramento que arranca nos fins do Sc. VIII ou incios do Sc. IX, e que foisobretudo popular entre os Sc. IX e XI, quando triunfaram as tipologias antropomrficas. Depoisdo Sc. XI esta moda de tumulao entrou em decadncia e, embora alguns casos possam serum pouco mais tardios, atingindo o Sc. XIII ou at o Sc. XIV, a maioria dos exemplos conheci-

    dos deve quedar-se pelos finais do Sc. XI ou pelos incios da centria seguinte. Poderamosdizer, portanto, que a decadncia das sepulturas escavadas na rocha acompanha o triunfo dareforma litrgica gregoriana e a crescente influncia de Cluny e de Frana na liturgia e no mona-quismo peninsular. As necrpoles de sepulturas escavadas na rocha so, assim, um fenmenoque precede a afirmao do modelo romnico de parquia, que levou concentrao, num nicolocal, do baptistrio, do templo e do cemitrio (isto , o local onde o cristo recebe os primeirossacramentos, onde assiste semanalmente ao culto e onde recebe os ltimos sacramentos e aderradeira morada). A imposio deste modelo paroquial foi acompanhada pelo desenvolvimentode uma nova noo de territorialidade do espao paroquial. Mas, antes do triunfo deste novomodelo, uma parquia podia ter mais do que um espao de enterramento, que no tinha de estarnecessariamente polarizado em torno do templo. Por isso podemos encontrar, dentro de um

    mesmo espao paroquial, mais do que um ncleo de sepulturas escavadas na rocha. E, tambmpor isso, muitos dos nossos cemitrios rupestres so compostos por um escasso nmero desepulcros que, muitas vezes, no ultrapassa o limiar da dezena de exemplos. As sepulturas esca-vadas na rocha apresentam uma evoluo tipolgica que, embora no caiba explorar aqui emtodas as suas implicaes, susceptvel de fornecer elementos cronolgicos interessantes.Referimo-nos, nomeadamente, ao predomnio de sepulturas no-antropomrficas nos sc. VIII eIX, ao aparecimento das primeiras solues de antropomorfismo no decurso do Sc. IX, ao triunfodas solues antropomrficas com simetria axial perfeita nos Sc. X e XI, e ao aparecimento dasalmofadas na zona da cabeceira e dos rebordos desenvolvidos nos Sc. XI e XII. Mesmo quealgumas premissas desta perspectiva evolucionista possam suscitar dvidas, este modelo,

    apoiado nos estudos de Alberto del Castillo e de outros investigadores, continua globalmente aresponder de forma positiva88.O levantamento que empreendemos, embora incompleto, revelou mais de quatro centenas de

    sepulcros para sermos rigorosos mais de 411 sepulturas89. Na sua esmagadora maioria estassepulturas adoptam contornos antropomrficos, denunciando uma cronologia aparentementemais avanada e, portanto, um povoamento igualmente mais tardio. Apesar das deficincias delevantamento que se sentem em certas zonas (como seja o caso dos concelhos de Pinhel e deSabugal), no podemos deixar de salientar como a distribuio geogrfica deste tipo de sepultu-

    212

    88 Sobre a cronologia das sepulturas escavadas na rocha vejam-se os estudos clssicos de Alberto del Castillo (1968 e 1972) e,entre uma bibliografia mais vasta, BARROCA 1987, pp. 103-175.

    89 Atendendo a que em vrios casos no conseguimos determinar o nmero total de sepulcros, contabilizamos esses casos comosendo 1 sepultura, conscientes de que apenas incorremos em erro por defeito, nunca por excesso. Por isso, podemos dizer que onmero total de sepulcros ser seguramente superior a 411.

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    A Norte do Douro: N. Sep

    Igreja paroquial de Picote (Picote, Miranda do Douro) no determ.

    Capela de S. Paulo (Sendim, Miranda do Douro) 1 sep. Igreja paroquial de Azinhoso (Azinhoso, Mogadouro) no determ. Ribeirinha (Mogadouro, Mogadouro) 4 sep. Igreja paroquial de Mogadouro (Mogadouro, Mogadouro) no determ. Algosinho (Peredo da Bemposta, Mogadouro) 3 sep. Igreja paroquial de Travanca (Travanca, Mogadouro) 1 sep. Igreja paroquial de Urrs (Urrs, Mogadouro) 4 + 3 sep. Capela de S. Facundo (Urrs, Mogadouro) 3 sep. Igreja de S. Mamede, Baldoeiro (Adeganha, Torre de Moncorvo) 15 sep. Cervadeira (Adeganha, Torre de Moncorvo) no determ. A Derruda ou St. Cruz da Vilaria (Cardanha, Torre de Moncorvo) 3 sep. Olival dos Berres, Zambulheira (Cabea Boa, Torre de Moncorvo) 10 sep. Quinta de Vilar Maior (Cabea Boa, Torre de Moncorvo) no determ. Ribeira de Cananor (Carviais, Torre de Moncorvo) 14 sep.

    Lagares (Castedo, Torre de Moncorvo) 1 sep. Caminho das Sepulturas, St. Marinha (Ms, Torre de Moncorvo) no determ. Quinta da Alfarela (Torre de Moncorvo, Torre de Moncorvo) no determ. Capela de S. Pedro de Ms (Ms, Torre de Moncorvo) no determ. Fornos (Fornos, Freixo de Espada--Cinta) no determ. Quinta do Pico da Fonte Santa (Lagoaa, Freixo de Espada--Cinta) 3 sep. Capela de S. Tiago, Monte de S. Paulo (Poiares, Freixo de Espada--Cinta) no determ.

    Quadro 3

    Sepulturas escavadas na rocha

    ras se revela interessante: raras na zona Norte da nossa rea de trabalho (concelho de Mirandado Douro), concentrando-se particularmente na zona do Vale do Douro e sobretudo na margemSul e na Beira, mas tornando-se de novo mais raras nas zonas mais meridionais (concelho doSabugal). Os nmeros so elucidativos: o concelho de Miranda do Douro possui sepulcros destesem apenas 2 locais, o de Mogadouro em 7 lugares distintos, o de Torre de Moncorvo em 10 e ode Freixo de Espada--Cinta em 3 lugares distintos. Ao todo, para a zona a Norte do Douro, pos-sumos pelo menos 75 sepulcros repartidos por 22 ncleos distintos. A zona a Sul do Douroconta pelo menos com 336 sepulturas escavadas na rocha. O concelho de Vila Nova de Foz Capossui sepulcros destes em 6 locais distintos, o de Meda em 13 lugares, o de Figueira deCastelo Rodrigo em 16 lugares, o de Pinhel com 2 lugares90, o de Almeida em 11 lugares e o doSabugal num nico local (cf. Quadro 3). Por outro lado, sublinhemos que na zona da Beira quese concentram as grandes necrpoles portuguesas. Na realidade, a Norte do rio Douro as necr-poles mais extensas no vo alm da dezena e meia de sepulcros. Pelo contrrio, na Beira encon-tramos necrpoles com 86 sepulturas (Ig. de S. Pedro de Marialva), com mais de 50 sepulcros(Ig. de St. Maria de Moreira de Rei), com 38 sepulcros (Necrpole de Malpartida, Almeida), com31 enterramentos (Necrpole de Vascoveiro, Pinhel). Parece confirmar-se a tendncia j detec-

    tada no Entre-Douro-e-Minho (onde predominam as necrpoles de reduzidas dimenses, exce-dendo raras vezes a dezena de sepulcros) e da Beira (que na amostragem da zona de Viseu jevidenciava algumas necrpoles mais extensas, embora nunca ultrapassando a meia centena desepulcros)91.

    90 Devemos ao Dr. Laurindo Saraiva Monteiro as informaes sobre a Necrpole de Vascoveiro, para a qual nos facultou, amavel-mente, todos os elementos disponveis. Para alm da Necrpole de Vascoveiro sabemos da existncia de sepulturas escavadas na rochano adro da Capela da Senhora da Ajuda (Pereiro). No entanto, existem mais ncleos de sepulturas escavadas na rocha no concelho dePinhel.

    91 Para o Entre-Douro-e-Minho vd. BARROCA 1987; para a zona de Viseu vd. MARQUES 1995.

    (contin.)

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    Os domnios cristos a Sul do Douro, que, como vimos, se estendiam no Sc. X at ao valedo Mondego e ao vale do Ca, penetrando 40 km a sul do Douro, foram duramente afectadospelas campanhas de al-Mansur dos fins do Sc. X. Na realidade, depois da reforma do exrcitomuulmano, ordenada c. 980, o poder ofensivo de al-Mansur viu-se significativamente acrescido,o que se traduziu numa srie de campanhas devastadoras, que se sucederam a um ritmo anual eque investiram contra a Catalunha, Len e o Ocidente Peninsular. Para a rea actualmente portu-

    guesa interessa a campanha de 986 (contra Condeixa), a campanha de 987 (contra Coimbra, com

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    A Sul do Douro: N. Sep

    Quinta da Barca (Chs, Vila Nova de Foz Ca) 2 sep. Prazo (Freixo de Numo, Vila Nova de Foz Ca) 13 sep. Tapada da Eira (Freixo de Numo, Vila Nova de Foz Ca) no determ. Cap. S. Pedro de Numo, Castelo de Numo (Numo, Vila Nova de Foz Ca) 19 sep. Igreja de St. Maria, Castelo de Numo (Numo, Vila Nova de Foz Ca) 3 sep.

    Crelgo (Vila Nova de Foz Ca, Vila Nova de Foz Ca) 1 sep. Mosteiros, Casteio (Casteio, Meda) 1 + 5 sep. Alto dos Muimentos, Quinta do Cnsul (Fonte Longa, Meda) 20 sep. Fulgaroso (I) (Fonte Longa, Meda) no determ. Fulgaroso (II) (Fonte Longa, Meda) no determ. Fulgaroso (III) (Fonte Longa, Meda) no determ. Capela de N. S. do Torro, Longroiva (Longroiva, Meda) 3