Racismo Discursivo Na Midia de Saude

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 comunicação, mídia e consumo são paulo ano 8  vol. 8 n. 2 1 p . 181-200 mar. 2011      a      r      t      i      g      o Racismo discursivo na mídia da saúde: análise a partir dos personagens presentes nos cadernos de saúde de jornais Racismo en el discurso de la media de salud: anàlisis de los personajes en estos cuadernos de la salud de los periódicos Racism in the media discourse of health: analysis from the characters in health sections of newspapers Wellington Oliveira dos Santos 1 Paulo Vinícius Baptista da Silva 2 Resumo Este artigo analisa formas discursivas atuantes no discurso midiático brasileiro dirigido para a área da saúde, que estabelecem hierarquias raciais entre brancos e negros. Utilizando dados de pesquisa com o caderno de saúde de um jornal impresso paranaense, analisa: 1) a racialização dos negros, com o uso de estratégias discursivas que estabelecem os brancos como padrão de humanidade; 2) a sub-representação de negros em contextos que fazem referência à saúde, o que provavelmente contribui para a manutenção das desigualdades sociais existentes entre brancos e negros. Palavras-chave:  Racismo discursivo. Negro. Saúde. Resumén Este artículo hace el análisis de forma s discursivas actuantes en el discurso mediático dirigido a la salud brasileño con el sentido de establecer jerarquías raciales entre blancos y negros. Usando datos de las encuestas con el cuaderno de salud de un periódico impreso en Paraná, analiza: 1) la racialización de los negros, con el uso de estrategias discursivas que establecen los blancos como el estándar de la humanidad; 2) la insuficiente representación 1  Psicólogo, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPR, membro do NEAB-UFPR. E-mail: [email protected] 2  Doutor em Psicologia Social; membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB-UFPR) e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]

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    Racismo discursivo na mdia da sade: anlise a partir dos personagens presentes nos cadernos de sade de jornais

    Racismo en el discurso de la media de salud: anlisis de los personajes en estos cuadernos de la salud de los peridicos

    Racism in the media discourse of health: analysis from the characters in health sections of newspapers

    Wellington Oliveira dos Santos1

    Paulo Vincius Baptista da Silva2

    Resumo Este artigo analisa formas discursivas atuantes no discurso miditico brasileiro dirigido para a rea da sade, que estabelecem hierarquias raciais entre brancos e negros. Utilizando dados de pesquisa com o caderno de sade de um jornal impresso paranaense, analisa: 1) a racializao dos negros, com o uso de estratgias discursivas que estabelecem os brancos como padro de humanidade; 2) a sub-representao de negros em contextos que fazem referncia sade, o que provavelmente contribui para a manuteno das desigualdades sociais existentes entre brancos e negros.Palavras-chave: Racismo discursivo. Negro. Sade.

    Resumn Este artculo hace el anlisis de formas discursivas actuantes en el discurso meditico dirigido a la salud brasileo con el sentido de establecer jerarquas raciales entre blancos y negros. Usando datos de las encuestas con el cuaderno de salud de un peridico impreso en Paran, analiza: 1) la racializacin de los negros, con el uso de estrategias discursivas que establecen los blancos como el estndar de la humanidad; 2) la insuficiente representacin

    1 Psiclogo, mestrando do Programa de Ps-Graduao em Educao da UFPR, membro do NEAB-UFPR. E-mail: [email protected] Doutor em Psicologia Social; membro do Ncleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB-UFPR) e coordenador do Programa de Ps-Graduao em Educao na Universidade Federal do Paran. E-mail: [email protected]

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    go de los negros en contextos que hacen referencia a la salud, lo que probablemente

    contribuye con el mantenimiento de las desigualdades sociales entre blancos y negros.Palabras-clave: Racismo discursivo. Negro. Salud.

    Abstract This paper studies the discursive elements operating in the Brazilian media discourse aiming at establishing racial hierarchies between whites and blacks. Gathering data from research in the health section of a newspaper printed in Parana (Brazil), analyses: 1) the racialization of black characters, with the use of discursive strategies that define white characters as humanity models; 2) the under-representation of black characters in contexts that make reference to health, which probably contributes to the maintenance of social inequalities between whites and blacks. Keywords: Discursive racism. Black. Health.

    Data de submisso: 04/05/2010Data de aceite: 18/02/2011

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    3 Neste texto, o termo negro equivale ao conjunto da populao brasileira classificada como pretos e pardos pelo IBGE (PNAD-IBGE, 2006).4 No restante do texto ser utilizado o genrico masculino, como forma de tornar mais fluida a leitura.

    Introduo

    Neste artigo analisamos formas discursivas presentes no discurso miditico brasileiro dirigido para a rea da sade humana, em corpus constitudos pelos cadernos de sade presentes nos jornais impressos paranaenses. A proposio discutir algumas formas especficas de hierarquizao entre brancos (as) e negros (as) que circulam nesse tipo de mdia.

    As relaes raciais no Brasil, principalmente as que envolvem os dois maiores grupos de cor da populao brasileira, brancos e negros/as,3

    so objeto de intensa discusso em vrios setores da sociedade, em especial na poltica, na academia e na mdia, no contexto scio-histrico contemporneo. Na discusso parece existir consenso quanto a existncia de desigualdades sociais entre os dois grupos de cor; o que no existe consenso sobre as causas e solues para tais desigualdades sociais que, mesmo mais de um sculo aps o final da escravido, continuam separando negros e brancos. Setores da sociedade civil, do movimento negro e o Estado trabalham para que o projeto de nao multiculturalista (GUIMARES, 2006), em que a valorizao da diversidade racial e cultural realmente saia do plano das ideias e/ou do discurso para o plano das relaes sociais. Entre as discusses em pauta esto as relacionadas sade da populao negra. Ainda que raa, no sentido biolgico no exista, a existncia de desigualdades entre grupos de cor tambm se reflete no acesso desses grupos sade, incluindo representaes simblicas de sade e doena, que fazem parte do imaginrio social.

    A mdia nacional, historicamente, atua geralmente de dois modos em relao ao grupo negro: na exposio estereotipada do negro/a,4 como aponta Martins (2000) ao falar da publicidade nacional da maior parte do sculo XIX, que trazia o grupo negro como mercadoria do perodo escravocrata, ou da publicidade do sculo XX, que trazia o

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    go grupo negro associado a posies subalternas, de delinquncia e, no

    caso dos esteretipos positivos, ligado s expresses da cultura popular brasileira (como carnaval e futebol); e na construo de um pas em que o branco referncia de humanidade, ao anular a existncia do grupo negro, tratando-o como outro diante dos brancos, que tendem a ser considerados modelos de beleza, como ressalta Beleli (2005) ao falar da posio de publicitrios acerca dos modelos escolhidos para campanhas. Diante desse quadro, pesquisadores das relaes raciais no Brasil e o movimento negro defendem que a mudana da situao subalterna do negro no Brasil, pas no qual corresponde a praticamente metade da populao (PNAD-IBGE, 2006), estaria atrelada mudana no modo como a mdia nacional apresenta o negro. De acordo com o conceito de ideologia, de Thompson (1995), produes simblicas (como a mdia) de uma sociedade so ideolgicas quando atuam de modo a criar ou manter relaes de dominao de indivduos sobre outros, possibilitando acesso a bens materiais e culturais. A anlise que transformaes estruturais (socioeconmicas) so necessrias para vencer as distncias sociais entre negros e brancos na sociedade, pois o negro apresenta piores ndices de educao, sade e renda que o branco (PAIXO & CARVANO, 2008). Mas essas mudanas isoladamente no bastam se determinadas prticas culturais que ocultam ou estereotipam a participao do grupo negro na sociedade no forem modificadas. Antes de considerar o campo simblico mero reflexo da realidade estrutural, argumenta-se que esse campo tambm ajuda a produzir as condies estruturais.

    Categorias tericas utilizadas: racismo de status e ideologia

    Para este trabalho, como principais categorias tericas de anlise dos resultados, utilizamos o conceito de hierarquia racial proposto por Guimares (1997) e o conceito de ideologia desenvolvido por Thompson (1995).

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    No campo cientfico, o termo raa, quando dirigido aos grupos humanos, pode ser usado em pelo menos dois sentidos: biolgico e sociolgico (GUIMARES, 1997). O sentido biolgico do termo ganhou destaque principalmente no sculo XIX, quando foi utilizado pelas potncias europeias da poca para justificar sua supremacia diante de povos no brancos, sendo abandonado pela biologia aps a Segunda Guerra Mundial. Ele estaria vinculado noo de hierarquia biolgica entre os grupos humanos, como se diferenas fenotpicas significassem diferenas relevantes genotipicamente. O sentido sociolgico, utilizado por parte dos cientistas sociais, entende a raa como construo social, sem nenhuma existncia biolgica. Rejeitando o sentido biolgico, Guimares (1997) argumenta que seria til adotar o termo em seu aspecto sociolgico, porque permanece nas prticas populares a ideia de que diferenas fenotpicas se refletem no desempenho dos indivduos. Raa pode demonstrar o carter especfico das prticas e crenas discriminatrias. esse o sentido utilizado por Guimares, quando diz que no necessrio reivindicar nenhuma realidade biolgica das raas para fundamentar a utilizao do conceito em estudos sociolgicos (GUIMARES, 1997, p. 27).

    Na viso de Guimares (1997), a sociedade brasileira sociedade de status, na qual certos grupos sociais teriam direitos a alguns privilgios em relao ao Estado e a outros grupos sociais. Esses privilgios seriam garantidos pela aparncia e pela cor, considerados pelo terico os principais marcos sociais. Os traos fenotpicos serviriam para indicar certa essncia dos indivduos, e no a descendncia. No carter essencialista da excluso no Brasil, indivduos de cor escura e traos ditos negroides estariam condenados a ocupar as esferas sociais de baixo status (GUIMARES, 1997). O racismo brasileiro contra os negros, desde a pesquisa de Oracy Nogueira na dcada de 1950 (apud BELELI, 2005), entendido como fenotpico pela maior parte dos cientistas sociais. O que torna um indivduo objeto de preconceito no tanto a sua ascendncia, mas sim a sua aparncia fsica (cor da pele, formato do nariz e lbios e textura do cabelo, principalmente). E mesmo as desigualdades

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    go de classe se legitimariam por meio da ordem de status: seria normal

    encontrarmos boa parte do grupo negro nas camadas sociais mais baixas, pois so cidados de baixo status, enquanto as camadas mais altas possuem maioria esmagadora de brancos. O curioso que esse processo, esse racismo, se daria de modo cordial, pois no existem mecanismos legais de segregao racial, como os que existiram nos Estados Unidos e frica do Sul, por exemplo. O conceito de raa, ento, teria existncia real no plano das relaes sociais, e o racismo nacional utilizaria critrios fenotpicos, no sanguneos, para hierarquizar a sociedade, deixando os indivduos de cor escura limitados a certas esferas sociais que, por causa da sua essncia, ocupam naturalmente.

    O racismo brasileiro utiliza o discurso das produes culturais para se manter. Os discursos so produtores e reprodutores de desigualdades em diferentes eixos (THOMPSON, 1995), em especfico de raa (foco deste estudo, mas sem desconsiderar a importncia de outros eixos de desigualdade, em especial de idade e gnero). As desigualdades relativas aos bens simblicos se relacionam de forma complexa e assncrona com as desigualdades relativas aos bens materiais, principalmente nas sociedades modernas, nas quais os discursos miditicos ocupam especial espao de estruturao das relaes de dominao (THOMPSON, 1995). Acreditamos que esse conceito til para a interpretao das relaes raciais na mdia nacional porque partimos do pressuposto que a mdia, como produo simblica,5 pode estar a servio de determinados grupos sociais e raciais.

    Thompson (1995) descreve modos gerais em que a ideologia opera. Neste trabalho descreveremos dois modos gerais: unificao e reificao. Exemplificaremos cada um quando apresentarmos os resultados. Por ora, importante considerar que os modos gerais podem atuar (e geralmente atuam) simultaneamente em produes simblicas.

    5 O carter simblico das produes culturais depende do contexto scio-histrico em que esto inseridas o mes-mo acontece com o aspecto ideolgico das produes simblicas.

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    Ausncias e esteretipos do negro na mdia nacional

    A representao do personagem branco como modelo de humanidade marca a mdia nacional ao longo de sua histria, enquanto ao negro foi relegado o papel de outro em nossa cultura. Exemplo o estudo apresentado por Martins (2000): a publicidade impressa do incio do sculo XIX trazia o negro como produto, principal mercadoria do regime escravista que vigorava. J na passagem do sculo XIX para o sculo XX, com o fim da escravido, o negro passou a ser visto de forma estereotipada, quando era visto, na publicidade nacional (em parte, resultado das ideias racistas desse perodo, quando temos esteretipos negativos tais como o do negro malandro, vagabundo, bbado etc., usados contra os negros para legitimar a necessidade de branqueamento da populao brasileira). Perto da segunda metade do sculo XX, alguns esteretipos negativos passaram a dividir espao com esteretipos, digamos, positivos (como sambista, jogador de futebol etc.). Isso ocorreu em parte por causa da chamada democracia racial, que cedia apenas o espao esportivo-cultural ao negro na sociedade (como se a contribuio social do negro se limitasse a essas reas), o que consideramos, entre outras coisas, consequncia da hierarquizao racial brasileira (GUIMARES, 1997). No fim da segunda metade do sculo XX, com a exploso dos movimentos sociais e a queda do regime ditatorial, a democracia racial passou a ser vista como mito, e o espao reservado ao negro, segundo Martins (2000), aumentou significativamente, principalmente a partir dos anos 1990, em comparao com dcadas anteriores. O aumento, entretanto, ainda estaria longe de representar o contingente populacional desse grupo tnico-racial em nosso pas.

    Silva e Rosemberg (2007) realizaram reviso de literatura sobre o discurso racial na mdia brasileira, analisando pesquisas nos seguintes campos: literatura e cinema, imprensa, televiso, literatura infanto-juvenil e livro didtico. Consultando 24 bases de dados bibliogrficos, de textos publicados entre 1987 e 2002, localizaram 182 referncias a pesquisas que tratavam de relaes raciais e/ou racismo na mdia,

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    go direta ou indiretamente. Eles sistematizaram os resultados encontrados

    na pesquisa em quatro pontos (SILVA; ROSEMBERG, 2007): a) a evidente sub-representao do negro nas diversas mdias; b) o constante silenciamento das mdias sobre as desigualdades raciais, que, segundo os autores, exerce duplo papel: negar os processos de discriminao racial, buscando ocultar a racializao das relaes sociais, ao mesmo tempo em que prope a homogeneidade cultural ao brasileiro; c) o branco tratado como representante natural da espcie humana; d) a estereotipia na representao do homem e da mulher negras, adulto ou criana, recorrentemente assinalada nas diversas mdias. Segundo os autores, as pesquisas relatam modificaes nos discursos sobre negros, mas so modificaes ainda limitadas. A mdia participaria da produo e reproduo do racismo estrutural e simblico da sociedade quando produz e veicula um discurso que naturaliza a superioridade branca, discriminando os negros, ao mesmo tempo em que prega o mito da democracia racial.

    Beleli (2005), em sua pesquisa sobre como a publicidade brasileira trabalha com as diferenas, analisou as campanhas publicitrias dos Anurios de Criao produzidos pelo Clube de Criao de So Paulo (CCSP), que rene as propagandas vencedoras nos Festivais de Criao, de 1975 a 2003. Para a pesquisa, a autora selecionou 889 publicidades divulgadas em revistas e outdoors, e entre estas as que evocavam diferenas. Tambm entrevistou nove profissionais do meio publicitrio. Constatou, entre outras coisas, que a raa negra se tornou mais visvel nos ltimos dez anos do material pesquisado resultado da descoberta, segundo os publicitrios entrevistados, da classe mdia negra. Para a autora, a entrada do negro na publicidade estaria vinculada ao mercado e suas demandas, pois os publicitrios possuiriam o medo de queimar o produto ou seja, associ-lo a corpos negros. Queimar o produto estaria vinculado ao critrio de boa aparncia, o que coloca os corpos negros em desvantagem em relao aos corpos brancos (de aparncia europeia), pois esses sim so de boa aparncia, e, seguindo o raciocnio, vendem. De acordo

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    com a autora na publicidade (...) aparncia define quem ou no lindo, e um dos fortes atributos de beleza a cor (BELELI, 2005, p. 122). Se o branco o belo, ele tende a ser tomado como representante da humanidade. A exceo da utilizao de modelos brancos como representantes da humanidade geralmente foi vista naqueles produtos dirigidos para a pele morena e negra, que trazem justificativa para a exibio de corpos negros na publicidade, qual seja, a especificidade do produto. No imenso universo dos produtos no especficos, os corpos brancos representaram o tipo humano.

    Em anlise qualitativa acerca da imagem corporal da mulher apresentada pela mdia impressa brasileira, Maldonado (2006) teve como amostra as edies das revistas Boa Forma (que trata de temas relacionados sade) e Corpo a Corpo (mais voltada beleza) de 2002, totalizando 24 edies. Os resultados indicaram, entre outras coisas, que as revistas divulgam, na capa, padro fsico distante de grande parte da populao brasileira: mulheres brancas, magras e com medidas semelhantes, do meio televisivo, de cabelo liso e com partes do corpo mostra. Para a pesquisadora, a exposio de corpos seminus torna-os objetos de desejo a serem atingidos pelas leitoras dessas revistas, leitoras convidadas, pelos textos de capa, a se tornarem lindas, magras e com sucesso, como as modelos utilizadas modelos tomadas como padres de humanidade a serem seguidos.

    Christofoletti e Basso (2007) apresentaram estudo sobre a participao de personagens negros em fotografias nos principais jornais impressos do Estado de Santa Catarina: A Notcia, Dirio Catarinense e Jornal de Santa Catarina. Como amostra, utilizaram 777 edies desses jornais, no perodo de agosto de 2005 a maio de 2006. A presena de negros foi verificada na pesquisa, entretanto foi menor que a participao dos negros na populao do Estado (correspondem a 12,5%): foram publicadas 53634 fotos nas edies analisadas, das quais apenas 4995 com negros a maioria (69,50%) nas sees de Esporte e Cultura/Variedades, enquanto nas sees consideradas nobres, como Economia, Poltica e Coluna Social, a

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    go presena de negros correspondeu a 6,18%. Os resultados da pesquisa

    indicam a manuteno de determinadas relaes de dominao entre grupos raciais (THOMPSON, 1995).

    Os estudos citados contribuem para a discusso acerca do espao concedido aos dois maiores grupos raciais da populao brasileira no campo miditico que trata da sade humana.

    Materiais e mtodos

    Na presente pesquisa,6 decidimos trabalhar com as personagens negras e brancas do caderno Mais Sade, do jornal O Estado do Paran. Selecionamos como amostra dez meses de circulao do caderno: maro a dezembro de 2007. O jornal O Estado do Paran est entre aqueles de maior circulao na Grande Curitiba.7 Assumpo (2006) descreve o caderno Mais Sade como centralizado em reportagens acerca de temas do cotidiano da populao, muitas vezes relacionadas preveno de doenas que ocorrem com mais frequncia em determinada estao do ano. O caderno tende a basear as informaes em especialistas na rea da sade humana, porm com linguagem simples e coerente. Em anlise das reportagens publicadas nesse caderno, em quatro meses de 2005 (cada ms uma estao do ano), os resultados de Assumpo (2006) indicaram que os assuntos mais publicados estavam relacionados obesidade, depresso e corao (somados, os assuntos corresponderam a 50,01% do total). O caderno Mais Sade veiculado com o jornal s teras-feiras, sendo, portanto, semanal. Segundo as informaes contidas no prprio caderno, ele trata dos seguintes assuntos: medicina, preveno, beleza, esttica, nutrio, fitness e medicamentos (O Estado do Paran, p.1, 06 mar. 2007).

    6 Essa pesquisa est inserida no trabalho desenvolvido pelo Ncleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da UFPR, que tem como objeto a representao do personagem negro na mdia impressa paranaense.7 De acordo com Zuniga (2000), sua primeira edio data de 1951. Em 1964, Paulo Pimentel, poltico conservador que ocupou vrios cargos no Paran, adquire o jornal, sendo o proprietrio do mesmo at os dias atuais.

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    Em dez meses, reunimos 40 edies do caderno (do nmero 156 ao 198, com exceo ao nmero 171, ao qual no tivemos acesso). Realizamos quantificao das personagens de cada edio. Por personagem, entendemos aqueles seres humanos contidos em imagens (fotografias, caricaturas e outros). Trabalhamos com categorias predeterminadas para organizao e anlise dos dados. So elas: cor-etnia, gnero, individualidade, idade ou etapa da vida, relaes de parentesco, papel no contexto da sade e representao dos corpos.8

    QUADRO: Categorias e subcategorias de organizao e anlise dos dados.

    Categoria Subcategoria

    Cor-etnia 1- Branco 2- Preto 3-Pardo 4-Indgena 5-Amarelo 6-Outros 7- Indeterminado (o contexto jornalstico apresenta personagens de mais de uma etnia ou no possvel identificao tnica)

    Gnero 1-Masculino 2-Feminino 3- Misto (quando o contexto jornalstico apresenta personagens dos dois gneros) 4- No se aplica: seres assexuados (ex. anjo, assombrao) 5- Indeterminado ou indefinido

    Individualidade 1-Indivduo: indivduo nico, original e singular 2-Indivduo sado de grupo: quando um indivduo se destaca de um grupo, coletivo ou multido 3-Subgrupo sado de grupo, coletivo ou multido 4-Multido, grupo, coletivo ou par: grupo tratado como tal, em que os componentes individualizados no so considerados

    Idade ou etapa da vida

    1- Adulto 2- Criana ou adolescente 3- Velho 4- Multido mista 5- Indeterminado

    8 Optamos por trabalhar com o que acreditamos que em nossa cultura visto como corpo saudvel ou doente. Foge aos objetivos deste texto chegar a uma definio ltima de sade doena. Sobre o tema ver, por exemplo, Coe-lho & Almeida.

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    Relaes de Parentesco

    1- Aluso a filhos 2- Aluso a pais 3- Aluso a irmos 4- Aluso a famlia ampla inferior (neto, sobrinho, afilhado etc.) 5- Aluso a famlia ampla superior (av, tia etc.) 6- Aluso a famlia ampla sem hierarquia (cunhado, genro, compadre etc.) 7- Sem aluso a qualquer relao de parentesco

    Papel no contexto da sade

    1 - Profissional 2 - Paciente ou cliente 3 - No se aplica

    Representao dos corpos

    1 - Aluso a corpo saudvel (a personagem aparenta bem-estar fsico, psicolgico ou social destacado. Ex: desempenha atividade fsica sorrindo, exibindo parte do corpo malhado, em contexto que incentiva a prtica de esportes para uma vida mais saudvel) 2 - Aluso a corpo doente (a personagem aparenta mal-estar fsico, psicolgico ou social destacado. Ex: esconde o rosto com as mos, sentada sozinha no canto de um quarto sombrio, em contexto que alerta para os sintomas da depresso) 3 - Sem aluso explcita

    O tratamento dos dados foi feito com o auxlio do programa computacional S.P.S.S. (Statistical Package for the Social Sciences), para Windows XP. Destacamos a varivel cor-etnia e realizamos cruzamentos dessa varivel com as outras, utilizando procedimentos de anlise de contedo (BARDIN, 1985). Tambm houve cruzamentos entre a varivel cor-etnia, a varivel gnero e a varivel papel no contexto jornalstico e representao corporal. Juntamente com a anlise quantitativa, fizemos anlise qualitativa da presena de brancos e negros nesse caderno de sade.

    Resultados e discusso

    Na amostra contamos 628 personagens. Desses, 573 brancos (91,24% do total), 23 negros (3,66%) e 32 indeterminados fenotipicamente (5,09%), sendo que desses, 18 (2,86%) chamaremos de personagens

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    grupo multitnico, por se tratarem de personagens grupais, ou seja, grandes grupos com mais de quatro pessoas, em que nenhuma delas se destaca e apresentam entre seus personagens brancos e negros. No encontramos personagens indgenas ou amarelos na amostra. Como o objeto deste texto so personagens negros e brancos, a partir deste ponto apresentamos resultados referentes apenas a esses dois grupos raciais.

    Chamamos de taxa de branquidade (SILVA, 2005) a diviso do nmero de personagens brancos pelo nmero de personagens negros. Contamos 24,91 personagens brancos para cada personagem negro, o que pode indicar hierarquizao racial (GUIMARES, 1997) presente no discurso miditico da sade: corpos brancos tendem a ser mais utilizados nesse caso para representar a espcie humana do que corpos negros nesse caso, a pouca participao de negros atua de modo a racializar esse grupo. A hierarquizao atua de maneira ideolgica (THOMPSON, 1995) na distribuio de poder simblico, e at mesmo material, na sociedade. Acreditamos que a subexposio de negros em contextos relacionados sade da espcie humana, combinada com sua superexposio em contextos futebolsticos, por exemplo (CHRISTOFOLETTI; BASSO, 2007), age de forma a reificar (THOMPSON, 1995) espaos ocupados por negros (e em consequncia por brancos) na sociedade brasileira, isto , naturalizar tais espaos como se fosse natural encontramos corpos brancos em sees de sade.

    Se dividirmos os dez meses de amostra em duas partes (de maro a julho e de agosto a dezembro), temos: nos cinco primeiros meses da amostra, de 341 personagens, 309 (90,61%) brancos e 10 (2,93%) negros. Nos cinco ltimos meses, de 287 personagens, 264 (91,98%) brancos e 13 (4,52%) negros. Percentualmente, a participao de negros foi maior no segundo perodo da amostra, embora o nmero de personagens contados nesse perodo (287) tenha sido menor que o do primeiro perodo (341). A taxa de branquidade evidencia isso: no primeiro perodo foi 30,9, e no segundo 20,30 brancos para cada negro. Esses dados sugerem que no basta aumentar o nmero de personagens presentes em imagens na mdia para aumentar a participao de negros.

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    go A maior participao de negros no segundo perodo estaria relacionada

    ao uso de corpos negros na temporada de vero. Como o caderno de sade tende a manter o foco nas doenas e estratgias de preveno de cada estao do ano (ASSUMPO, 2006), e como os ltimos meses da amostra englobam a primavera e o incio do vero, a participao de corpos negros , de certa forma, justificada pelo perodo do ano como as marcas para pele morena e negra precisam dessa justificativa para usar corpos negros, como ressalta Beleli (2005).

    A tabela seguinte resume a participao de personagens brancos e negros nas categorias gnero, individualidade, idade ou etapa da vida e relaes de parentesco.

    TABELA 1: Frequncia para personagens brancos e negros nas categorias gnero, individualidade, idade ou etapa da vida e relaes de parentesco.

    Categorias e subcategoriasCor-etnia Taxa de

    branquidadeBrancos Negros

    n % n %

    Gnero

    masculino feminino misto no se aplica indeterminado/indefinido

    301 230 230 0 19

    94,16 95,04 65,71

    0 61,29

    14 5 0 0 4

    4,37 2,02

    0 0

    12,9

    21,5 46 * *

    4,75

    Individualidade

    indivduo nico indivduo destacado do grupo subgrupo destacado do grupo multido, grupo, coletivo ou par

    312 4 0

    257

    90,17 100

    0 92,44

    20 0 0 3

    5,78 0 0

    1,07

    15,6 * *

    85,66

    Idade

    adulto criana/adolescente velho/idoso multido mista indeterminado

    417 74 61 12 9

    92,05 91,35 96,85 66,66 69,23

    13 7 2 0 1

    2,86 8,64 3,17

    0 7,69

    32,07 10,57 30,05

    0 9

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    Categorias e subcategoriasCor-etnia Taxa de

    branquidadeBrancos Negros

    relaes de parentesco

    aluses a filhos aluses a pais aluses a irmos aluses a famlia ampla inferior aluses a famlia ampla superior aluses a famlia ampla s/ hierarquia sem aluso

    16 21 0 6 8 0

    522

    94,11 91,3

    0 85,71 100

    0 91,09

    0 1 0 1 0 0 21

    16 4,34

    0 14,28

    0 0

    3,66

    * 21 * 6 * *

    24,85

    Com relao participao de homens e mulheres na amostra, temos: de 320 personagens masculinos, 301 (94,06%) brancos e 14 (4,37%) negros. Taxa de branquidade de 21,5 brancos para cada negro. De 242 personagens femininos, 230 (95,04%) brancos e 5 (2,02%) negros. Taxa de branquidade de 46 brancas para cada mulher negra. Isso indica que a varivel gnero no pode ser desprezada nas anlises entre os dois maiores grupos raciais. Alm da pouca participao de mulheres negras, observamos que em nenhum momento elas apareceram no papel de profissional da sade. Acreditamos que a falta de representao de mulheres negras em um caderno de sade, principalmente em papis como o de profissional da sade extremamente valorizado em uma sociedade como a nossa, tem como consequncia a reificao (THOMPSON, 1995) de espaos ocupados pelas mulheres brancas e negras. Como exemplo, podemos dizer que seria comum encontrar mdicas brancas, enquanto causaria admirao encontrar mdicas negras. A mdia despreza, ento, aspecto importante da realidade nacional, pois muitas mulheres negras atuam como profissionais da sade mdicas, fisioterapeutas, psiclogas e diversas outras profisses de prestgio.

    Os personagens que apareceram individualmente nas unidades de informao somaram 346, sendo que desses, 312 brancos (90,17%) e 20 negros (5,78%). Taxa de branquidade de 15,6. Destacado de grupo (saindo

    FONTE: tabulaes do autor.*No foi possvel calcular a taxa de branquidade nesses casos.

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    go de grupo) somaram 4 personagens, todos (100%) brancos. Multido (mais

    de quatro personagens no mesmo contexto, sem que nenhum deles se destaque) somaram 278, desses 257 brancos (92,44%) e 3 negros (1,07%). Taxa de branquidade de 85,66. Contamos tambm 18 personagens (6,47%) de grupos multitnicos. A grande participao de negros em grupos multitnicos talvez revele que eles no tm status (GUIMARES, 1997) suficiente para aparecer individualmente na mdia precisa da presena do branco para confirmar a diversidade racial do brasileiro. Essa apresentao do negro ajuda a manter o mito da democracia racial (SILVA & ROSEMBERG, 2007), pois demonstra a pluralidade racial brasileira, em exemplo de unificao (THOMPSON, 1995) das diferenas existentes entre os grupos sociais como se fossem irrelevantes, de modo a impedir divises. Alm disso, apenas personagens brancos foram observados na amostra, destacados de grupos o que indica maior valorizao de seus traos fenotpicos. A ausncia de negros em casos como esses contribui para sua racializao no discurso, o corpo negro racializado, enquanto o corpo branco tratado como neutro.

    De 453 personagens na fase adulta, 417 eram brancos (92,05%) e 13 negros (2,86%). Taxa de branquidade de 32,07. As crianas somaram 81, sendo 74 brancas (91,35%) e 7 negras (8,64%). Taxa de branquidade de 10,57 brancos para cada negro. Personagens na velhice somaram 63. Desses, 61 (96,82%) brancos e 2 (3,17%) negros. Taxa de branquidade de 30,5. Christofoletti e Basso (2007) argumentam que os poucos negros encontrados em sua amostra com jornais catarinenses se concentravam em setores esportivos e de delinquncia. Considerando que a maior parte dos personagens nesses setores adulta, no de estranhar que o caderno de sade deixe pouco espao ao negro adulto: ele j tem o seu lugar em outros assuntos do jornal. Vale lembrar que o adulto o representante da espcie humana em nossa cultura e a falta de negros adultos pode indicar a incapacidade simblica de tornar o negro representante de humanidade.

    Apenas dois personagens negros apareceram em relaes de parentesco, enquanto personagens brancos apareceram como filhos, pais, netos e avs.

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    Silva e Rosemberg (2007) enfatizam que a mdia nacional tende a pregar o mito da democracia racial. Acreditamos que se ela o faz, de maneira contraditria, pois impede a participao da famlia negra. Inferimos que a falta de famlias negras est relacionada baixa participao de mulheres negras na amostra, pois nenhuma vez observamos negras grvidas ou com filhos pequenos, ao contrrio das mulheres brancas. Como o caderno de sade no utiliza esteretipos como o da mulata sambista, ao contrrio da publicidade nacional (MARTINS, 2000), o espao da mulher negra, historicamente estereotipada, fica reduzido.

    A tabela seguinte resume os resultados nas categorias papel no contexto da sade e representao corporal.

    TABELA 2: Frequncia para personagens brancos e negros nas categorias papel no contexto da sade e representao corporal.

    Categorias esubcategorias

    GeralCor-etnia Taxa de

    branquidadeBrancos Negros

    Papel no contexto

    profissional da sade paciente/cliente sem papel definido

    138 104 386

    132 94 347

    95,65 90,38 89,89

    4 4 15

    2,89 3,86 3,88

    33 23,5 23,13

    Representao corporal

    aluso a corpo saudvel aluso a corpo doente sem aluso

    174 123 331

    166 103 304

    95,4 83,73 91,84

    3 7 13

    1,72 5,69 3,92

    55,33 14,17 23,38

    FONTE: tabulaes do autor.

    Analisando os dados quanto aos papis sociais escolhidos para anlise dentro do contexto do caderno de sade temos: entre os 138 personagens contados como profissionais da sade, 132 (95,65%) brancos e 4 (2,89%) negros. A taxa de branquidade foi de 33 brancos para cada negro. Relacionando esses dados com os de idade: como maior a taxa de branquidade na fase adulta, era de esperar a pouca presena de negros

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    go como profissionais da sade. Paciente ou cliente somaram 104; desses,

    94 (90,38%) brancos e 4 (3,86%) negros. Taxa de branquidade de 23,5. A menor taxa de branquidade no caso dos pacientes indicaria a atuao ideolgica da mdia (THOMPSON, 1995), pois os profissionais da sade, como mdicos e nutricionistas encontrados na amostra, possuem alto status social. Queremos dizer com isso que a ausncia simblica de negros em papis de prestgio contribui para sua excluso social.

    Com relao representao de corpo saudvel ou doente, entre os 174 corpos contados como representando sade, houve 166 (95,40%) brancos e 3 (1,72%) negros. Taxa de branquidade de 55,33 brancos para cada negro. Observamos que dos personagens negros cujo corpo era utilizado para fazer aluso sade, nenhum era do gnero feminino, o que provavelmente comparvel ao observado por Maldonado (2006) em sua pesquisa com revistas femininas, em que corpos seminus de modelos brancas so utilizados como sinnimo de sade e beleza. Os personagens categorizados como fazendo aluso doena somaram 123; desses, 103 (83,73%) brancos e 7 (5,69%) negros (sendo que, desses, duas eram mulheres negras). Taxa de branquidade de 14,17 brancos para cada negro. De forma irnica podemos dizer que provavelmente no deve haver problema algum em queimar o produto (BELELI, 2005), utilizando personagens negros para algo aversivo, como a doena, pois a taxa de branquidade foi menor nesse caso; por outro lado, deve ser um problema considerar um corpo negro belo e saudvel... Ainda de forma irnica, inferimos que caso a nossa amostra tivesse comeado no ms do carnaval, provavelmente veramos mais negros em corpos saudveis, pelo menos nos esteretipos positivos ressaltados por Martins (2000).

    Consideraes finais

    Os resultados indicam pontos comuns com outras pesquisas: o negro encontra-se sub-representado; tende a ser preferencialmente em grupos a individualmente; praticamente ausente das relaes familiares. Aparece em trs faixas etrias, principalmente na infncia-adolescncia com sub-

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    representao maior no caso das mulheres negras. Inferimos que essa apresentao do negro ajuda a manter as desigualdades sociais existentes entre os grupos de cor, branco e negro, na sociedade brasileira. Isso porque quando falamos de grupos sociais tratamos de seres humanos, que se relacionam com sua prpria imagem e com a sociedade. Seres humanos que se comportam, de maneira consciente ou no, tambm de acordo com o que o discurso social afirma sobre pessoas de sua aparncia.

    No foi o objetivo deste texto desenvolver amplamente as categorias tericas utilizadas para a interpretao dos dados, em parte em decorrncia das limitaes do artigo. Optamos por dar nfase maior aos resultados da pesquisa, pois em reviso de literatura no encontramos muitos trabalhos que tratam diretamente do assunto as excees so, em parte, os estudos de Beleli (2005) e Maldonado (2006).

    No campo estrutural, na primeira dcada do sculo XXI, polticas de sade dirigidas populao negra comearam a ganhar espao (MAIO; SIMONE, 2005). Tais polticas, provavelmente, necessitaram de maior ateno por parte da mdia quanto populao negra brasileira. Acreditamos que expor as desigualdades existentes na representao dos segmentos raciais na mdia da sade para aqueles que produzem tal mdia, muitas vezes no conscientes da seleo de cores que fazem (porque o racismo nacional principalmente racismo de cor de pele), pode ser um comeo. Tambm devemos lembrar das desigualdades estruturais existentes no acesso s profisses miditicas, como fotgrafo e jornalista, alm das profisses de modelo e ator fotogrfico. Finalizando, elencamos algumas perspectivas: pesquisas que trazem amostras de diferentes jornais devem ser efetuadas, assim como estudos que comparem cadernos de sade com sees de sade de revistas de informao de alta circulao e/ou revistas de sade.

    Referncias

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    200 racismo discursivo na mdia da sadear

    ti

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    CHRISTOFOLETTI, R. & BASSO, M. K. J. O preto no branco: democracia miditica no

    Brasil e presena de negros nas fotos dos jornais. Estudos em Comunicao, n2, p. 111-

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    GUIMARES, A. S. A. Racismo e antirracismo no Brasil. Tese. Universidade de So Paulo,

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    no Brasil. Histria, Cincias, Sade. Manguinhos, v. 12, n. 2, p. 419-46, maio-ago. 2005.

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