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    101Interface- Comunic, Sade, Educ, v7, n12, p.101-22, fev 2003

    Promoo de sade: concepes, princpios eoperacionalizao

    Juliana Lordello Scoli1

    Paulo Roberto do Nascimento2

    Based on a bibliographical survey on the background, concepts and practices of the promotion of health, we founda gap in its methodological dimension, i.e., in experiences demonstrably coherent with the line of discourse of thepromotion of health. The purpose of this study, therefore, was to describe the practice of the seven principles thatcharacterize health promotion initiatives, as defined by the World Health Organization (holism, intersectoriality,empowerment, social participation, equity, multi-strategy actions and sustainability), taking into account fiveexperiences of public management in different areas, obtained from the database of the Public Management andCitizenship Program of the Getlio Vargas Foundation (EAPSP/FGV). Based on secondary data and the analysis ofdocuments, we analyzed each one of the principles, its limits, possibilities and relevance for the promotion of health.The investigation led us to conclude that the principles mentioned are sufficiently universal and practicable toenable their identification in initiatives of a different nature and in which the health sector did not have a preponderantrole. Raising issues for future studies, we look into the role that the health sector might take on as regards thepolicies of health promotion, such as it is conceived in this article, in order to have a greater impact on theconditions of daily life and the socioeconomic and environmental determinants of health, as the so-called newpromotion of health preconizes.

    KEY WORDS: Health promotion; public administration; social participation; intersectorial action.

    A partir de levantamento bibliogrfico acerca dos antecedentes, concepes e prticas de promoo de sade,constatamos a lacuna existente em sua dimenso metodolgica, isto , em experincias que demonstrem sercoerentes com o discurso da promoo. O objetivo do estudo foi, ento, descrever a possvel operacionalizaodos sete princpios caracterizadores das iniciativas de promoo de sade definidos pela OMS (concepo holstica,intersetorialidade, empoderamento, participao social, eqidade, aes multi-estratgicas e sustentabilidade), apartir de cinco experincias de gesto pblica de reas diversas, recolhidas no banco de dados do ProgramaGesto Pblica e Cidadania (EAPSP/FGV). Com base em dados secundrios e anlise documental, analisamos cadaum dos princpios, seus limites, possibilidades e relevncia para a promoo. A investigao possibilitou concluirque os princpios mencionados so suficientemente universalizveis e operacionalizveis para permitir suaidentificao em iniciativas de natureza diversa e nas quais o setor sade no teve papel preponderante.Provocando questes para serem desenvolvidas em futuros estudos, indaga-se que papel poderia o setor sadeassumir nas polticas de promoo, tal como aqui concebida, a fim de impactar mais extensamente sobre ascondies de vida cotidianas e os determinantes scio-econmicos e ambientais da sade, enfoque preconizadopela denominada nova promoo de sade.

    PALAVRAS-CHAVE: Promoo de sade; administrao pblica; participao social; ao intersetorial.

    SCOLI, J. L., NASCIMENTO, P. R. Health promotion: concepts, principles and practice, Interface - Comunic,

    Sade, Educ, v.7, n.12, p.91-112, 2003.

    * Agradecemos aCludia Bgus pelas valiosas contribuies para o artigo; ao Ncleo ISIS pelas discusses, que certamente enriquecerama pesquisa; a Jorge Kayano pelo incentivo, viabilizao do acesso s experincias e leitura do material preliminar, e a Veronika Paulics,pela porta aberta aos documentos complementares no Instituto Polis.

    1 Psicloga, especialista em Sade Coletiva, pesquisadora do Ncleo de Investigao em Servios e Sistemas de Sade (NISIS), Institutode Sade SES-SP. 2 Socilogo, mestre em Sade Pblica, pesquisador do Ncleo de Investigao em Servios e Sistemas de Sade (NISIS), Instituto deSade SES-SP.

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    A promoo de sade envolve, segundo Cerqueira (1997), duas dimenses:a conceitual princpios, premissas e conceitos que sustentam o discursoda promoo de sade - e a metodolgica que se refere s prticas, planosde ao, estratgias, formas de interveno e instrumental metodolgico.

    Apesar de ainda persistirem controvrsias na definio da promoo desade e confuses relativas a seus limites conceituais com a preveno,

    desde a dcada de 1980 muitos autores vm procurando desenvolver,clarificar e disseminar o discurso da promoo.

    Contudo, como bem expressam Labonte (1996a), Cerqueira (1997) eMello et al. (1998), o mesmo no pode ser dito quanto dimensometodolgica da promoo. Apesar de os princpios estarem razoavelmentedesenvolvidos, permanece a dificuldade de traduzi-los em prticas coerentes,a ponto de as raras prticas que privilegiam a nova promoo de sade seencontrarem ainda dispersas e desarticuladas.

    Preocupados com essa lacuna, analisamos experincias pblicas deinterveno no nvel local com o objetivo de descrever o modo pelo qual ossete princpios da promoo de sade, definidos pela Organizao Mundialde Sade (OMS), se encontravam operacionalizados.

    Elaboramos perguntas que nos conduziram durante a investigao: nasexperincias estudadas, possvel identificar os princpios de promoo desade sedimentados nos documentos da OMS? Eles se mostraramoperacionalizveis? Esses princpios se consubstanciaram em prticas epolticas consistentes? De que forma os governos locais tm incorporadoesses princpios em suas aes, programas e polticas?

    Num contexto no qual est em evidncia a busca de modelos de ateno sade que extrapolem a assistncia mdico-curativa, a promoo ganhadestaque no campo da sade pblica. Ela resgata a concepo da sade comoproduo social e busca desenvolver polticas pblicas e aes de mbitocoletivo que extrapolem inclusive o enfoque de risco (campo da preveno).

    Acreditamos que a discusso conceitual dos princpios da promoo desade aqui conduzida permite esclarecer sua definio e marcar suadistino com relao s prticas preventivas. Ainda, o estudo daoperacionalizao de seus princpios contribui para o desenvolvimento dadimenso metodolgica da promoo, permitindo avanar sua retrica.

    As origens e concepes da promoo de sadeIntimamente relacionada vigilncia sade e a um movimento de crtica medicalizao do setor, a promoo de sade supe uma concepo que norestrinja a sade ausncia de doena, mas que seja capaz de atuar sobreseus determinantes. Incidindo sobre as condies de vida da populao,extrapola a prestao de servios clnico-assistenciais, supondo aes

    intersetoriais que envolvam a educao, o saneamento bsico, a habitao, arenda, o trabalho, a alimentao, o meio ambiente, o acesso a bens eservios essenciais, o lazer, entre outros determinantes sociais da sade.

    A expresso promoo de sade foi usada pela primeira vez em 1945pelo canadense Henry Sigerist (Pereira et al., 2000). O mdico historiadordefiniu quatro tarefas essenciais Medicina: a promoo de sade, apreveno de doenas, o tratamento dos doentes e a reabilitao, afirmando

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    que la salud se promueve proporcionando condiciones de vida decentes,buenas condiciones de trabajo, educacin, cultura fsica y descanso(Sigerist apud Terris, 1992, p.38).

    Terris (1992) ressalta que esta definio original da promoo, queenfatiza os fatores gerais de determinao da sade, difere da concepodifundida pelo Informe Lalonde, de 1974, que privilegiou os fatores

    particulares. Apesar disso, este relatrio foi tido como um marco histricono campo da Sade Pblica, por questionar oficialmente o impacto e o custoelevado dos cuidados mdicos na sade (Fundao Oswaldo Cruz, 2000).Lalonde destacara a limitao das aes centradas na assistncia mdica,insuficientes para atuar sobre os grupos de determinantes originais dasade identificados por ele: os biolgicos, os ambientais e os relacionadosaos estilos de vida. Propusera, ento, ampliar o campo de atuao da SadePblica, priorizando medidas preventivas e programas educativos quetrabalhassem com mudanas comportamentais e de estilos de vida.

    As repercusses do Relatrio Lalonde podem ser identificadas naconcepo orientadora das prticas de promoo de sade ao longo dadcada de 1970 que, em sua maioria, tiveram seu foco restrito modificao de hbitos, estilos de vida e comportamentos individuais nosaudveis, entre os quais o fumo, a obesidade, a promiscuidade sexual e oabuso de substncias psicoativas. Tal abordagem centrava-se na prevenode doenas crnico-degenerativas, problema prioritrio nos pasesdesenvolvidos.

    A exemplo de outros intelectuais da Sade Pblica, Labonte (1996a)critica tal concepo de promoo de sade relativa aos hbitos particulares,explicitando que se tratava de uma tentativa de conteno de custos daateno s doenas. A prescrio de certos comportamentos individuais criticada inclusive pela OMS (WHO, 1984), que afirma que seria um tipo deabordagem contrrio aos princpios da promoo de sade.

    Cerqueira (1997), alm de apontar o alcance limitado de tal enfoque,destaca a responsabilizao individual e a culpabilizao conseqentes a essaabordagem. Ao considerar os indivduos como exclusivos responsveis pelasade, as determinaes scio-polticas e econmicas ficam desatreladas,mascaradas; os governos e os formuladores de polticas sodesresponsabilizados e a culpa pela situao de sade recai no indivduo. Aautora prossegue a crtica ao destacar o custo elevado e os baixos resultadosdas campanhas de marketing socialrealizadas na dcada de 1980.

    Entre os trs principais paradigmas caracterizadores dos problemas desade apontados por Labonte (1996a), o terceiro enfoque indica umaretomada da concepo original de promoo defendida por Sigerist (apudPereira et al., 2000). No primeiro grupo estariam os problemas mdicos,

    baseados na existncia da doena e cujas aes so voltadas ao tratamentodos sintomas, erradicao das doenas e preveno ao agravamento doprocesso. O segundo agrupamento, referente aos problemas de SadePblica, se encarregaria da preveno, baseando-se na conduta e napromoo de comportamentos saudveis, como a preveno do hbito defumar. O terceiro grupo responderia pelos problemas socioambientais,visando a criao de entornos fsicos e sociais que favoream a sade e o

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    bem-estar dos indivduos. Suas aes destinam-se a mudanas sociais efundamentam-se no trabalho comunitrio, envolvem medidas polticas eno dependem somente dos profissionais da sade.

    Seguindo esta ltima perspectiva, o autor explicita claramente adeterminao social da sade e a necessidade de atuar sobre as condiesscio-polticas e econmicas a fim de promov-la:

    La pobreza, la precariedad del empleo y la contaminacin desempeanun papel cada vez mayor en los problemas de salud de nuestra

    sociedad y estamos empezando a comprender que ni los estilos devida ni la epidemia actual de enfermidades crnicas puedenconsiderarse como hechos aislados y separados de nuestras estructuraspolticas, sociales, econmicas e industriales. (Labonte, 1996a, p.153)

    Para Labonte (1996), esse terceiro enfoque corresponde direoseguida pelos profissionais da Sade Pblica que se filiam novapromoo de sade, dirigida aos fatores gerais, estruturais. Soproblemas caractersticos dessa ordem a pobreza, o desemprego, oestresse, as condies de trabalho e moradia precrias, o envelhecimentopopulacional, a violncia, o isolamento social, entre outros.

    Inspirada por estas novas perspectivas, a promoo de sade ampliouseu marco referencial e assumiu a sade como produo social, passando avalorizar mais intensamente determinantes scio-econmicos, a instigar ocompromisso poltico e a fomentar as transformaes sociais.

    O novo paradigma representa uma nova maneira de interpretaras necessidades e aes de sade , no mais numa perspectivaunicamente biolgica, mecanicista, individual, especfica, mas numa

    perspectiva contextual, histrica, coletiva, ampla. Assim, de

    uma postura voltada para controlar os fatores de risco ecomportamentos individuais, volta-se para eleger metas para a

    ao poltica para a sade, direcionadas ao coletivo. (Pereiraet al., 2000, p.41. grifo nosso)

    Neste contexto, a partir da dcada de 1980, a promoo de sade passou aganhar destaque no campo da Sade Pblica, tendo o conceito sidointroduzido oficialmente pela OMS (WHO, 1984). Seu marco conceitual esua prtica foram desenvolvidos predominantemente por OrganizaesInternacionais e por estudiosos da Europa Ocidental, Canad e EstadosUnidos (Cerqueira, 1997).

    A Carta de Ottawa foi um marco importante. Inspirada pelos princpios

    da Declarao de Alma Ata (1978) e pela meta Sade para todos no ano2000, a 1 Conferncia Internacional sobre Promoo de Sade, realizadaem 1986, supone la sntese de los enfoques orientados hacia las causasgenerales y particulares de la promocin de la salud (Terris, 1992, p.41).Declara a Carta que a promoo de sade consiste en proporcionar a lospueblos los medios necesarios para mejorar su salud y ejercer un mayorcontrol sobre la misma3 (OMS, 1996, p.367). Ao enfocar as condies

    3 A definio contida natraduo da Cartaveiculada peloMinistrio da Sade significativamentediferente, dandodestaque ao processode empoderamento:

    Promoo de Sade o nome dado aoprocesso decapacitao dacomunidade paraatuar na melhoria dasua qualidade de vidae sade, incluindo umamaior participao nocontrole desteprocesso.

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    necessrias para tanto, afirma seu compromisso com a eqidade:

    La promocin de la salud se centra en alcanzar la equidad sanitaria. Suaccin se dirige a reducir las diferencias en el estado actual de la salud

    y a asegurar la igualdad de oportunidades y proporcionar losmedios que permitan a toda la poblacin desarrollar al mximo su

    salud potencial. (OMS, 1996, p.368)

    A Carta explicita que a promoo est alm do setor Sade e enfatiza aatribuio da promoo de fazer com que todos os setores, inclusive os nodiretamente implicados, assumam a Sade como meta e compreendam asimplicaes de suas aes para a sade da populao:

    Para promover la salud se debe ir ms alla del mero cuidado de lamisma. La salud ha de formar parte del orden del da de losresponsables de la elaboracin de los programas polticos, en todoslos sectores y a todos los niveles, con objetivo de hacerles tomarconciencia de las consecuencias que sus decisiones pueden tener para la

    salud y llevarles as a asumir la responsabilidad que tienen en esterespecto. (OMS, 1996, p.368)

    Assumindo a relao da sade com a poltica, a economia, o meio ambiente eos fatores scio-culturais (alm dos biolgicos), atribui-se promoo odever de permitir que tais fatores sejam favorveis sade.

    Pressupondo a intersetorialidade, estabelece ao setor sanitrio um papelmediador:

    El sector sanitario no puede por s mismo proporcionar las condicionesprevias ni asegurar las perspectivas favorables para la salud y, lo que esms, la promocin de la salud exige la accin coordinada de todos los

    implicados: los gobiernos, los sectores sanitarios y otros sectoressociales y econmicos, las organizaciones benficas, las autoridadeslocales, la industria y los medios de comunicacin (...) A los grupossociales y profisionales y al personal sanitario les correspondeespecialmente asumir la responsabilidad de actuar comomediadores entre los intereses antagnicos y a favor de la salud.(OMS, 1996, p.368)

    A participao ativa da populao destacada como um meio essencial paraoperacionalizar a promoo de sade:

    La promocin de la salud radica en la participacin efectiva y concreta

    de la comunidad en la fijacin de prioridades, la toma de decisiones yla elaboracin y puesta en marcha de estrategias de planificacin paraalcanzar un mejor nvel de salud. La fuerza motriz de este procesoproviene del poder real de las comunidades, de la posesin y delcontrol que tengan sobre sus propios empeos y destinos. (OMS,1996, p.370)

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    Dentre os campos de ao da promoo de sade mencionados na Carta deOttawa esto o estabelecimento de polticas pblicas favorveis sade, acriao de ambientes propcios, o fortalecimento da ao comunitria, odesenvolvimento de habilidades pessoais e a reorientao dos serviossanitrios.

    A 2 Conferncia Internacional sobre Promoo de Sade, realizada em

    Adelaide (Austrlia) em 1988, enfatizou a elaborao de polticas pblicassaudveis, caracterizadas pelo interesse e preocupao explcitos de todasas reas das polticas pblicas em relao sade e eqidade, e peloscompromissos com o impacto de tais polticas sobre a sade dapopulao(Brasil, 2001, p.26). Na Declarao afirmado que o principalpropsito das polticas pblicas saudveis a criao de ambientes fsicos esociais favorveis sade.

    A criao de tal entorno propcio foi o foco da 3 ConfernciaInternacional. Realizada em Sundsvall (Sua), em 1991 - um ano antes daECO-924 , o encontro firmou o compromisso das organizaes do Sistemadas Naes Unidas com o desenvolvimento sustentvel e procurou explicitare enfatizar a interdependncia entre ambiente e sade. A Declarao deSundsvall preconiza que a criao de ambientes promotores de sade devesempre ser guiada pelo princpio da eqidade.

    A Declarao de Jacarta, fruto da 4 Conferncia Internacional sobrePromoo de Sade, realizada na Indonsia, em 1997, reitera a concepo eos princpios referidos nas conferncias anteriores e explicita que a sade um direito humano fundamental e essencial para o desenvolvimentosocial e econmico (Brasil, 2001, p.43).

    Finalmente, a 5 Conferncia Mundial, realizada no Mxico, em 2000,procurou avanar no desenvolvimento das prioridades da promoo desade para o sculo XXI identificadas em Jacarta e confirmadas pelaAssemblia Mundial da Sade de 1998: a) promover a responsabilidade

    social em matria de sade; b) ampliar a capacitao das comunidades e dosindivduos; c) aumentar a inverso no desenvolvimento da sade; d)assegurar a infra-estrutura necessria promoo de sade e fortalecer suabase cientfica; e) reorientar os sistemas e servios de sade.

    Tendo a experincia brasileira em foco, a partir da 8 ConfernciaNacional de Sade (1986) muito tem sido falado sobre promoo de sade(Mello et al., 1998). A promoo diretamente referida no Artigo 196 daConstituio de 1988 (Brasil, 1988). Na seo II, captulo II do ttulo VIIIencontram-se as bases conceituais e organizativas do Sistema nico de Sade(SUS). Sob a tica da sade como fenmeno multideterminado e produzidosocialmente, o Artigo 196 expressa uma importante conquista da ReformaSanitria brasileira ao instituir a Sade como direito de todos e dever do

    Estado garantido mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doenas e de outros agravos e ao acesso universal eigualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo erecuperao (Brasil, 1988, art. 196. grifo nosso).

    Ao estimular o desenvolvimento e fortalecimento dos sistemas locais desade, a descentralizao da sade, uma das diretrizes do SUS prevista naConstituio de 1988, criou condies para ampliar a participao social

    4 Segundo Jacobi, a

    partir da Rio 92 ainterdependncia entreo desenvolvimentoscio-econmico e astransformaes nomeio ambiente,durante dcadasignorada, entrou tantono discurso como naagenda de grandeparte dos governos domundo (1999, p.41).

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    (outra diretriz do SUS) e fortalecer a democracia. interessante associarestas duas diretrizes do SUS ao seguinte destaque feito por Mello (2000,p.1149): os pressupostos bsicos para viabilizar projetos em promoode sade continuam sendo a presena de governos democrticos comparticipao social efetiva e com determinao poltica de agendamentode propostas.

    Como chamam a ateno Mello et al. (1998, p.584), apesar de apromoo estar assinalada tambm na Lei Orgnica da Sade e encontrarancoradouro nos caminhos da 9 Conferncia Nacional de Sade, polticas eaes no tm sido implementadas no cotidiano dos servios, observando-se com freqncia o uso inadequado do termo, geralmente confundidocom prticas de preveno, educao e comunicao em sade.

    A constatao desses autores parece vir ao encontro da de Cerqueira(1997, p.17), que ressalta que a pesar de numerosos esfuerzos porconsolidar un enfoque democrtico-participativo, a promoo de sadecontinua sendo identificada com prticas individualistas e medicalizantes.La promocin de la salud sigue vinculada con un enfoque de prevencinde la enfermedad, es decir que la atencin mdica para curar, controlar yprevenir la enfermedad contina siendo accin dominante (Cerqueira,1997, p.17).

    A prerrogativa colocada por Mello (2000) pode ser associada novaconcepo de promoo defendida por Labonte (1996a), que busca, como jse viu, promover a participao da populao e fomentar a instituio demecanismos democrticos para a tomada de deciso, implementao eavaliao das polticas pblicas. Assim seria impulsionado o compromissoreal dos gestores com a justia social, sendo, potencialmente, uminstrumento promotor de mudanas na estrutura scio-econmica epoltica.

    Definindo os sete princpios da promoo de sadeA OMS caracteriza como iniciativas de promoo de sade os programas, aspolticas e as atividades planejadas e executadas de acordo com os seguintesprincpios: concepo holstica, intersetorialidade, empoderamento,participao social, eqidade, aes multi-estratgicas e sustentabilidade

    (WHO, 1998).A concepo holstica determina que as iniciativas de promoo

    fomentem a sade fsica, mental, social e espiritual (WHO, 1998) epressupe a compreenso ampliada de sade assumida pela Organizao. Nodocumento produzido em 1984, a OMS (WHO, 1984, p.20) declara que apromoo de sade envolve a populao como um todo no contexto doseu dia-a-dia, ao invs de enfocar grupos de risco para doenas

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    especficas (traduo livre). Subentendida a sade como fenmenoproduzido socialmente, cabem aes de mbito coletivo no cotidiano dapopulao, extrapolando o campo especfico da assistncia mdico-curativa.Este seria justamente o campo de ao da promoo, cuja concepo esignificado deveriam enfatizar a determinao social, econmica e ambientalmais do que puramente biolgica ou mental da sade.

    Uma vez que tem suas aes e polticas dirigidas aos determinantes dasade, como j visto, operacionalizar a promoo requer a cooperao entreos diferentes setores envolvidos e a articulao de suas aes: legislao,sistema tributrio e medidas fiscais, educao, habitao, servio social,cuidados primrios em sade, trabalho, alimentao, lazer, agricultura,transporte, planejamento urbano etc. Neste sentido, cabe destacar aresponsabilidade do governo, tanto em nvel local como nacional, de atuarde maneira a garantir que as condies totais, que esto alm dos indivduosou grupos, sejam favorveis sade (WHO, 1984). Segundo LucianoJunqueira (1997) a intersetorialidade entendida como articulao desaberes e experincias no planejamento, realizao e avaliao de aespara alcanar efeito sinrgico em situaes complexas visando aodesenvolvimento social5 e incluso social (Junqueira apud Junqueira,1998, p.84).

    O empoderamento e a participao social so destacados como princpios-chave, sendo a efetiva e concreta participao social estabelecida comoobjetivo essencial da promoo de sade (WHO, 1984).

    A participao compreendida como o envolvimento dos atoresdiretamente interessados membros da comunidade e organizaes afins,formuladores de polticas, profissionais da sade e de outros setores eagncias nacionais e internacionais no processo de eleio de prioridades,tomada de decises, implementao e avaliao das iniciativas (WHO, 1998).

    No desenvolvimento de polticas de promoo de sade, deve havercontnua consulta, dilogo e troca de idias entre indivduos e grupos,

    tanto leigos como profissionais. Mecanismos polticos devem serestabelecidos de forma a garantir oportunidades de expresso edesenvolvimento do interesse pblico na sade. (WHO, 1984, p.22.

    traduo livre)

    do mbito da promoo investir na formao de cidados e trabalhar paraa instituio de espaos verdadeiramente democrticos, especialmente nonvel local, de modo a desenvolver polticas que partam dos problemas enecessidades de sade identificados e que possam ser continuamenteavaliadas e revisadas a partir delas.

    A disseminao da informao e a educao so bases para a tomada dedeciso e componentes importantes da promoo de sade, preocupao queparece estar ligada ao princpio de empoderamento, entendido comoprocesso de capacitao dos indivduos e comunidades para assumiremmaior controle sobre os fatores pessoais, scio-econmicos e ambientais queafetam a sade (WHO, 1998). Segundo Labonte (1996b) o termo refere-seao processo de transformao da sensao de impotncia, internalizada pelos

    5O desenvolvimentosocial orientado pelasnecessidades doscidados e pelaeqidade na ateno atais necessidades,visando a melhoria dascondies de vida eampliao do exerccioda cidadania.

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    indivduos perante as iniqidades de poder. O primeiro passo na direo doempoderamento da comunidade es devolverle el poder de definir (Labonte,1996a, p.155), seria fundamental promoo de sade comunitria, j quenela as comunidades so responsveis pela definio e eleio de seusproblemas e necessidades prioritrias.

    Cabe aqui ressaltar que, ao implementar polticas de promoo de sade, os

    princpios de empoderamento e participao no devem ser separados. Aprpria OMS (WHO, 1984) reconhece que garantir o acesso informao eampliar o conhecimento em sade sem aumentar a capacidade de controle eperspectivas de mudana apenas contribuem para gerar ansiedade e fomentar asensao de impotncia. fundamental, portanto, vencer as barreiras quelimitam o exerccio da democracia e desenvolver sistemas flexveis que reforcema participao social e a cidadania, como preconizado pelas ConfernciasInternacionais realizadas, em especial as de Ottawa e Bogot.

    Como afirmado na Carta de Ottawa, a promoo tem como objetivo garantiro acesso universal sade e est afinada com o princpio de justia social.Alcanar a eqidade consiste em eliminar as diferenas desnecessrias,evitveis e injustas que restringem as oportunidades para se atingir o direitode bem-estar (Brasil, 2001, p.40). La prueba fundamental para saber si lasdiferencias en materia de salud son o no injustas parece depender en granparte de si las personas escogen libremente la situacin que produce unamala salud o si est fuera de su control (Whitehead, 1990, p.9).

    Segundo a OMS, para alcanar a eqidade preciso reorientar os serviossanitrios, visando ampliar o acesso, e criar ambientes de suporte, com polticasque viabilizem condies de vida favorveis sade (WHO, 1984), priorizemgrupos desprivilegiados e vulnerveis (Brasil, 2001, p.26), e revertam asdesigualdades sociais instaladas.

    Cabe ainda assinalar que no se trata de buscar suprimir por completo osdiferenciais de sade existentes na populao, atingindo uma suposta

    igualdade sanitria, mas sim identificar diferenas injustas e evitveis,remetendo dimenso moral e tica subjacente ao princpio e busca porrealizar os direitos sociais. Como bem explicita Whitehead (1990, p.11)

    el objetivo de la poltica para conseguir la igualdad en materia de salud no

    es eliminar todas las diferencias sanitarias, de modo que todo mundotenga el mismo nivel y calidad de servicios sanitarios, sino que reducir oeliminar las que resulten de factores que se consideran evitables e

    injustos.

    As aes multi-estratgicas pressupem o envolvimento de diferentesdisciplinas e dizem respeito combinao de mtodos e abordagens variadas,

    incluindo desenvolvimento de polticas, mudanas organizacionais,desenvolvimento comunitrio, questes legislativas, educacionais e do mbitoda comunicao.

    Finalmente, a sustentabilidade remete a um duplo significado: criariniciativas que estejam de acordo com o princpio do desenvolvimentosustentvel e garantir um processo duradouro e forte (Ziglio et al., 2000).

    A continuidade das polticas de promoo de sade especialmente

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    importante tendo em vista que se tratam de iniciativas de naturezacomplexa, envolvendo processos de transformao coletivos com impacto amdio e longo prazo. Ressalte-se que, segundo Jacobi (1999)

    A problemtica da sustentabilidade assume, neste final de sculo, umpapel central na reflexo em torno das dimenses do desenvolvimento

    e das alternativas que se configuram para garantir eqidade e articularas relaes entre o global e o local. (p.39)A noo de sustentabilidade implica uma necessria interpelao entre

    justia social, qualidade de vida, equilbrio ambiental e a necessidadede desenvolvimento com capacidade de suporte. Mas tambm seassocia a uma premissa da garantia de sustentao econmico-

    financeira e institucional. (p.43)

    Material e mtodoPara responder as questes inicialmente propostas optamos por utilizar obanco de dados do Programa Gesto Pblica e Cidadania, originrio deuma iniciativa conjunta da Fundao Getlio Vargas de So Paulo (EAESP/FGV) e da Fundao Ford. Tal banco demonstrou ser uma alternativainteressante na medida em que: 1 constatamos a dificuldade em encontrardescritores precisos que permitissem a identificao acurada de experinciasde promoo de Sade; 2 entre as experincias prticas auto-intituladas depromoo de Sade deparamo-nos com a freqente confuso quanto aoslimites conceituais entre a preveno e a promoo. Ao que parece, asexperincias de promoo de sade propriamente ditas encontram-se aindadispersas e carecem de serem documentadas. No estando suficientementerelatadas na bibliografia especializada, fomos busc-las em outras fontes.

    O banco de dados do Programa Gesto Pblica e Cidadania est voltadoa abranger e disseminar prticas e experincias pblicas de governo nos

    mbitos municipal, estadual ou regional, procurando premiar o que estindo bem na administrao pblica (EAESP/FGV, 2001). Reunindo prticasde reas diversas (administrao e governo, meio ambiente, serviospblicos, cidadania e direitos humanos, desenvolvimento econmico e socialetc), para cada experincia inscrita nos ciclos de premiao anuais6 o bancode dados dispe de informaes constantes na ficha de inscrio e de umresumo do projeto. Sobre as cem iniciativas classificadas como semifinalistash informaes mais detalhadas, incluindo um questionrio-padroremetido pelo Programa aos responsveis (material no disponibilizado pormeio eletrnico e de acesso restrito). As experincias finalistas contam comum relatrio de campo elaborado pelo tcnico que fez a visita, o qual originaa publicao anual feita pela EAESP/FGV.

    Adotamos os seguintes critrios para a seleo das experincias:1) Ser finalista ou destaque (79 no total dos quatro anos), j que

    eram as que potencialmente dispunham do maior volume de informaes;2) Ser experincia de mbito municipal (51 das 79), a fim de preservar o

    foco principal da promoo de sade no nvel local;3) Abranger diversas reas e temticas, considerando o interesse prvio e

    as afinidades dos pesquisadores - idosos, questes ambientais, aes de

    6 poca daformulao do projetoda pesquisa os ciclos depremiao referiam-seaos anos de 1996,1997, 1998 e 1999.

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    alcance coletivo e no apenas focalizadoras de grupos ou problemasespecficos;

    4) Contar com material adicional s publicaes anuais da FGV 7.Trs experincias da rea de Sade que preenchiam os pr-requisitos

    foram excludas do estudo, pois nos relatos disponveis identificamos umenfoque restrito assistncia sade ou preveno, aparentemente no

    alcanando aes orientadas pela promoo de sade, o que refora asobservaes de Mello (1998) e Terris (1996) sobre a falta de clareza quepersiste quanto concepo de promoo.

    Deste modo, a investigao concentrou-se em cinco experincias-caso.

    A pesquisa foi realizada a partir de dados secundrios (j descritos),abordados pela tcnica de anlise documental. A descrio e anlise dasexperincias-caso foi feita a partir de um roteiro de questes inspirado nomodelo de questionrio do Programa Gesto Pblica e Cidadania (objetivo

    da iniciativa e principais metas; contexto e surgimento da demanda;pblico-alvo; funcionamento e gesto; articulao entre diferentes setorese esferas de governo; gasto oramentrio e fontes de recursos; trajetria eresultados das aes), e nas prprias definies dos sete princpios dapromoo de sade.

    Inicialmente fizemos leituras do material publicado pela FGV, sendoproduzida uma sntese para cada uma das cinco experincias.Prosseguimos com a consulta ao material adicional disponvel noInstituto Polis, sendo as informaes complementares incorporadas ssnteses produzidas. Buscamos no meio eletrnico informaes maisatualizadas sobre as iniciativas, posteriormente incorporadas a cada umadas snteses.

    Discusso interessante observar que as experincias investigadas so bastantedistintas e ricas pela heterogeneidade. Envolvem municpios de quatroestados: Cear, Minas Gerais, Esprito Santo e So Paulo; o portepopulacional varia entre 16 mil e mais de dois milhes de habitantes; esuas aes principais apresentaram focos distintos: idosos, educao,

    7 Os documentosdisponveis no meioeletrnico e as publicaesanuais do Programa

    mostraram-se insuficientespara atingir os objetivosda pesquisa. Esse critriofoi, ento, viabilizado pormeio de consulta aoInstituto Polis, parceiro doPrograma. O materialadicional engloboudocumentos relativos aoPrograma Gesto Pblica eCidadania, questionrios erelatrios enviados pelosresponsveis pelasiniciativas, outros doprprio Polis como apublicao Dicas edocumentos arquivadosno Centro de

    Documentao eInformao.

    Quadro 1 - As cinco experincias-caso

    Ttulo

    Universalizao e o ensino em Icapu

    Modelo de gesto dos resduos slidos de BH

    Projeto So Pedro: desenvolvimento urbanointegrado e preservao do manguezal

    Ao integrada nos bolses de pobreza urbanos

    Repblica Bem-Viver

    Ciclo de premiao

    1996

    1996

    1996

    1997

    1998

    rea de inscrio

    Educao

    Formas de gesto e planejamento

    Preservao de acidentes emreas de risco

    Habitao

    Idoso

    CIdade/Estado

    Icapu - CE

    Belo Horizonte - MG

    Vitria - ES

    Ipatinga - MG

    Santos - SP

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    habitao, coleta e tratamento do lixo e recuperao do ecossistema. Tambm otempo de existncia dos programas e polticas diverso, variando de cinco a 15anos, assim como a procedncia dos recursos humanos e financeiros - aPrefeitura est sempre presente, porm h tambm participao de recursosestaduais e federais, de grandes agncias financiadoras internacionais e deentidades da sociedade civil sem fins lucrativos.

    A seguir uma breve sntese de cada experincia e a anlise dos seteprincpios, seguindo a ordem que julgamos mais pertinente discussoarticulada.

    Icapu, pequeno municpio do estado do Cear, investe desde 1986 no desenvolvimento de umsistema educacional baseado no princpio de universalizao do acesso ao ensino, promovendo aexpanso e a qualificao da rede pblica. Recentemente emancipado, o municpio registravaelevados ndices de analfabetismo, carncia de escolas e problemas como evaso escolar erepetncia. Buscando reverter esse quadro, as sucessivas administraes municipaisestabeleceram a educao como uma das prioridades de governo. Os resultados alcanados aolongo desses quinze anos fizeram com que a experincia ganhasse destaque no mbito estadual,regional e at internacional.

    Belo Horizonte, capital mineira, semelhana de grandes centros urbanos, reconheceu noacmulo do lixo um grave problema e desafio gesto municipal. Produzindo grande volume deresduos slidos diariamente, teve que enfrentar amplamente a questo, desenvolvendo formasmais eficientes de coleta do lixo (incluindo a coleta seletiva), armazenamento e especialmente seutratamento e destino final. O destaque fica por conta do convnio com os catadores e as melhorescondies de trabalho viabilizadas aos garis. Assim, as metas de minimizar os impactosambientais causados pela gerao de resduos slidos e maximizar os benefcios sociais eeconmicos com a otimizao dos servios parecem estar de fato sendo alcanadas.

    A regio de So Pedro, uma das mais pobres de Vitria, teve sua ocupao ampliada a partir dasegunda metade da dcada de 1970, por conta dos fluxos migratrios capital do Esprito Santo.A nova populao ocupou irregular e desordenadamente o manguezal da baa nordeste de Vitriae passou a recorrer a formas precrias e quase sub-humanas para assegurar sua sobrevivncia.Seguidas presses da comunidade levaram os gestores municipais a se comprometerem com umprojeto buscando melhorar as condies de vida locais (com destaque para a moradia) epreservar e recuperar o manguezal.

    Ipatinga, municpio mineiro localizado na microrregio do Vale do Ao e com sua histria vinculada instalao da Usiminas, registrava amplo dficit habitacional e significativa desigualdade no

    acesso aos servios e equipamentos urbanos. As presses da populao organizada levaram aprefeitura a firmar parceria com a Associao Habitacional de Ipatinga, buscando caminhos parapromover o acesso moradia (via mutires auto-gestionrios, regularizao fundiria, alm decontrole do uso e ocupao do solo) e o desenvolvimento das comunidades por meio daimplementao de projetos sociais integrados.

    Santos uma das cidades brasileiras com maior ndice de populao idosa. A Baixada Santistaconta inclusive com migrao de idosos aposentados, atrados pela busca de uma melhorqualidade de vida e pela oferta de equipamentos urbanos voltados faixa etria. Contudo, o altocusto dos aluguis e taxas de condomnio no raro frustra tais expectativas, levando a umaumento do nmero de idosos vivendo em cortios, favelas, reas de risco e assentamentos,quando no em asilos. Tal contexto impulsionou a organizao de vrias entidades de defesa dosdireitos dos idosos e levou a prefeitura a desenvolver e priorizar programas sociais voltados aessa populao. A Repblica Bem-Viver, moradia coletiva inspirada nos moldes das repblicasestudantis, representa uma experincia-piloto, a primeira do gnero no pas. Permite assegurar odireito moradia aos idosos de baixa renda, afastando-os da institucionalizao nos moldesasilares e preservando sua independncia e autonomia.

    A partir da anlise do material acumulado, pudemos apreender que aoperacionalizao dos princpios de promoo de sade vivel. Os seteprincpios, resguardadas as maiores e menores dificuldades de identificao,bem como as diferenas entre as experincias, foram contemplados pelasadministraes municipais, mesmo sem necessariamente terem talintencionalidade e clareza ou, ainda, sem terem em vista a promoo de sade.

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    Cabe observar que a nica experincia que mencionou diretamente apromoo parecia orientar-se por uma concepo preventivista, propondoaes educativas que no chegaram a ser detalhadas.

    Passando o foco a cada um dos princpios, destaca-se que a maiordificuldade para a identificao foi o empoderamento, talvez por ser umconceito que remete, como compreende Labonte (1996), a um processo de

    transformao da impotncia internalizada pelos indivduos, tendo assimexpresso sutil e indireta. Seria pertinente pensar que o empoderamento seconcretizaria/materializaria por meio da participao social?

    Assumido o empoderamento como processo de capacitao paraimpulsionar o controle social, dois relatos permitem inferir a orientaopelo princpio. Em Icapu, extrapolando o Programa - recorrendo ao perodoanterior emancipao municipal razovel supor que os treinamentosem sade e lideranas comunitrias promovidos pela frente de ao social daIgreja Catlica tenham constitudo uma iniciativa voltada aoempoderamento. J em Santos, a capacitao dos idosos parece terocorrido via insero direta nas instncias de participao da cidade(comisses e conferncias), sugerindo que o aprendizado se deu por meio doprocesso scio-poltico e do exerccio democrtico.

    Tais anlises sugerem que ao discutir a promoo o princpio-chave sejaa participao ativa da populao, tendo como pressuposto o processo deempoderamento, mesmo que a partir das vivncias diretas nas instnciasparticipativas surjam lacunas na formao e no conhecimento dos atoresque precisem ser superadas. Esta concepo difere da que vem sendofomentada por muitos atores da rea, os quais defendem o empoderamentocomo o mais essencial dos princpios da promoo, inclusive chegando a noexplicitar sua fundamental articulao com a participao social e a reduzir aconcepo de promoo a ele. Embora hoje o empoderamento compreendauma perspectiva distinta da conscientizao, havendo uma tentativa de

    incorporar os preceitos da educao popular e reconhecer o outro comoator, assumir este princpio como a parte mais essencial promoo preocupante, pois pode incorrer nos riscos de enfocar simplesmente adimenso singular ou particular da mudana, sem atrel-la ao processoestrutural maior, e de fomentar a responsabilizao individual,desresponsabilizando o Estado, no articulando a capacitao com aparticipao ativa e cidad que de fato permite impulsionar mudanas nosdeterminantes scio-econmicos e ambientais da sade.

    Essencial para viabilizar a operacionalizao da promoo de sade, aparticipao pde ser identificada em cada uma das cinco experincias,porm com amplitudes e extenses distintas. Foi percebida a dificuldade deassegurar que ela de fato ocorra em todo processo, desde a identificao de

    problemas/diagnstico/anlise de conjuntura, passando pela eleio deprioridades, estabelecimento de metas e planejamento das aes, suaimplementao e, ainda, avaliao e redirecionamento. Nos cinco casos,assimilou-se a participao na implementao, planejamento das iniciativas eseu desenho inicial, mas mostrou-se incipiente a participao nos processosde avaliao e redirecionamento das aes, uma possvel lacuna que parecemerecer maior ateno.

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    importante marcar a distino entre participao comunitria eparticipao popular, esta ligada ao exerccio poltico de luta pelos direitossociais, cidadania ativa, conforme termo usado por Amlia Cohn(2000, p.299). Parece-nos fundamental que a participao seja politizada,no sentido de permitir que a populao de fato participe do processo deformulao e tomada de deciso acerca das polticas pblicas da cidade.

    Marque-se a necessidade de fortalecer os canais de representao dasociedade, viabilizando o dilogo e a negociao com os mltiplos setores egrupos sociais e ultrapassando as relaes clientelistas, corporativistas e decooptao. Novamente vale destacar ser fundamental o compromisso doEstado com este princpio e com os problemas sociais trazidos tona pormeio dele, sem o qual a cidadania ativa no se realiza plenamente:

    O compromisso tico de participar frente s desigualdades e asdiferenas sociais, frente preservao do meio ambiente, s

    produzir impacto social se for realizado junto com o compromissopoltico de ir s causas destes problemas. E ir s causas significadiscutir e lutar por direitos universais que s um Estado forte,

    democrtico e com controle social tem condies de efetivar. (Haddad,2000, p.285)

    Buscando identificar o princpio de participaona perspectiva popular,procurou-se perceber o modo como as decises foram tomadas, conhecer osmecanismos concretos e instncias de participao existentes - tais comoconselhos e fruns, como os de discusso do Oramento Participativo8 , bemcomo a ateno dada pela administrao aos canais de comunicao e dilogoe a possibilidade de as polticas serem pactuadas e no traadasexclusivamente pelo Poder Executivo. Enfatize-se a importncia de que aparticipao se estenda ao acompanhamento da destinao dos recursos

    financeiros, pressupondo sua transparncia e aplicao orientada porcritrios decididos conjuntamente, com comprometimento efetivo daadministrao pblica e engajamento dos trabalhadores e populao parasua deliberao. Nesse aspecto, merecem destaque as experincias deIpatinga, Santos, Vitria e Icapu, tanto pela permeabilidade s demandaspopulacionais, como pela efetiva ampliao do dilogo entre Estado esociedade civil ao longo do processo, que inclusive chegaram a assegurar avitalidade e continuidade de algumas delas.

    De fato, como alertado por Mello (2000), a participao ativa ao longo doprocesso decisrio foi possvel nos locais em que a administrao se voltava auma gesto democrtica, permevel s demandas e necessidades dapopulao, e ainda onde j havia precedente de mobilizao popular e

    organizao da sociedade civil na luta por seus direitos, no tendo sidomeramente um processo induzido pela gesto municipal. importantedestacar, a partir do ocorrido em Ipatinga, que movimentos ou associaespodem ser intermedirios interessantes para organizar as demandas dapopulao, promovendo espaos de discusso coletivos, acompanhando orumo das polticas e funcionando, inclusive, como instncias que decidem odestino dos recursos, segundo critrios estabelecidos junto populao.

    8 Ver tambm Carvalho& Felgueiras, 2000.

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    Vale registrar que no caso do princpio de participao, mais do que nosoutros, o fato de utilizar dados secundrios e relatos de visita implica umaperda significativa, j que sabido que, mais do que a mera existncia deinstrumentos, o que determina o carter e a extenso da participao como ela se d concretamente. Isto , se qualificada (acesso informao,capacidade tcnica e fora poltica capaz de fazer frente ao poder pblico) e

    se de fato delibera sobre os rumos das polticas. Dito de outro modo,conselhos, conferncias e fruns como o Oramento Participativo, ainda querepresentem instrumentos institudos com potencial para assumir forainstituinte, esto longe de assegurar o exerccio democrtico, pois podemtambm ser manipulados e sofrer a presso de lobbysque desvirtuem aproposta original dessas instncias, servindo de meros legitimadores dedecises centralizadas, ou ainda no ter suas deliberaes incorporadas peloPoder Executivo. Esbarrando num limite do mtodo adotado, este umponto que mereceria maior cuidado e aprofundamento numa prximainvestigao.

    A concepo holstica outro princpio cuja identificao exige aampliao do foco da concepo de sade para o modo como a intervenofoi pensada e efetivada. Desta forma, buscamosperceber se a iniciativa tinha o foco restrito a umapopulao ou um problema especfico,descontextualizado de uma anlise conjuntural eincidindo sobre a dimenso singular, ou se, conformenossa expectativa, tratava-se de uma intervenosobre os determinantes gerais da sade, capaz deimpactar sobre as condies de vida cotidianas.

    Marque-se aqui a distino com relao s prticas voltadas ao fomentode aes preventivas, dirigidas a grupos ou fatores de risco, e aquelasvoltadas difuso de determinados estilos de vida/hbitos individuais. No

    se trata de promover aes individuais saudveis e processos condutistas,como criticado pela prpria OMS no documento de 1984, mas dedesenvolver aes coletivas no cotidiano da populao, tendo como ponto departida a anlise do contexto scio-econmico e poltico e suasdesigualdades. Nesta direo, acreditamos que os problemasdesencadeadores de cada uma das iniciativas estudadas sejam bastantepertinentes: habitao (Ipatinga e Santos), educao (Icapu), infra-estrutura urbana e aes scio-ambientais - tratamento adequado do lixo(Belo Horizonte) e recuperao do manguezal (Vitria). Vale ainda resgatartrs dos campos de ao mencionados na Carta de Ottawa que acreditamosestar mais identificados com a chamada nova promoo de sade: aelaborao de polticas pblicas, a criao de ambientes favorveis sade e

    o fortalecimento da participao da populao.Partindo de uma anlise conjuntural e reconhecendo as enormes

    desigualdades sociais, a eqidade (quarto princpio que analisamos) supeuma ao que caminhe na direo de reduzi-las pela priorizao deintervenes nos segmentos com piores condies de vida. Ao assumir umaconcepo de promoo que enfatiza os determinantes scio-ambientais eeconmicos da sade, certamente o princpio da eqidade deve ser

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    norteador das aes. Sua apreenso foi possvel pela identificao do pblico-alvo ou do local privilegiado para interveno pelos programas e polticaspblicas desenvolvidos. Verificamos tambm se as aes realizadascontribuam de fato para mudanas das condies de vida, tornando-asfavorveis sade e permitindo a efetivao de direitos sociais. Destaquemosos casos de Santos e Vitria.

    Cabe aqui ampliar a compreenso do princpio de eqidade, articulando-o complexa discusso sobre as desigualdades sociais e o desenvolvimentoeconmico e social. Como aponta Prata (1994, p.388),

    O conceito de desigualdade referencia a relao entre desenvolvimentoe justia social, estando relacionado com a distribuio de renda,educao, moradia, servios (servios de sade, abastecimento de guae saneamento ambiental), acesso a emprego, a bens de consumo, terra, bem como ao poder de deciso e de influncia social.

    Diferentemente do desenvolvimento almejado pela economia clssica, aconcepo de desenvolvimento social no tem como foco o crescimentoeconmico, mas sim o bem-estar social, pressupondo a justia, a tica e osdireitos sociais. O autor explicita, ainda, os limites de atuao do setor Sadeperante tal conjuntura:

    se o amplo contexto da desigualdade na sociedade no resolvido, aluta pela equidade na sade se torna um processo isolado einterminvel. Uma comunidade saudvel, portanto, seria aquela que

    fosse capaz de identificar e entender os determinantes econdicionantes da desigualdade, da misria, de um meio ambienteinsalubre, das doenas e do sofrimento entre seus membros; sendo

    tambm capaz de construir os meios de superao destes problemas,

    criando um desenvolvimento sustentvel que d suporte a uma vidasaudvel e digna. (Prata, 1994, p.390-1)

    Tal ponto de vista nos remete a uma antiga, porm no resolvida, questoque perpassa o campo da Sade Pblica: o quanto a Sade prescinde ou estcondicionada ao desenvolvimento social. Sem dvida foge ao mbito desteprojeto desenvolver tal discusso, porm acreditamos que vale apont-la, jque tangencia a discusso central.

    Retomando os princpios propriamente ditos, as aes multi-

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    estratgicas pressupem aes em diferentes frentes: desenvolvimento depolticas pblicas, legislao, mudanas organizacionais, fortalecimentocomunitrio, educao e comunicao. O carter operativo destas frentespermitiu que fossem facilmente identificadas em todas as iniciativas, o quese relaciona necessidade de satisfazer a complexidade e abrangncia dosproblemas envolvidos (fenmenos complexos como a promoo de sade

    exigem respostas complexas, de frentes variadas, capazes de atingir maisextensamente o problema). Uma questo permanece colocada: existe umarelao mais direta entre este princpio operativo e o princpio daintersetorialidade? Por vezes, ao analisar os relatos, pareceu-nos que as aesmulti-estratgicas seriam a concretizao de prticas orientadas pelaintersetorialidade.

    Ao ter como foco aes sobre os determinantes dos problemas de sade eaquelas necessrias reduo das iniqidades sociais, a operacionalizao dapromoo requer um trabalho com os mltiplos setores onde estesproblemas e iniqidades esto radicados, sendo, portanto aintersetorialidade um princpio essencial. Ele representa outro desafiopara as polticas pblicas, que apesar de reconhecerem sua importncia,encontram enorme dificuldade para implement-lo devido persistncia dalgica setorial e da fragmentao e desarticulao do modelo administrativotradicional. Como dizem Junqueira e Inojosa (2001), as prioridades referem-se a polticas particulares, definidas e realizadas vertical e paralelamente,ainda que para uma mesma populao, um modelo de gesto que acaba porperder de vista a integralidade do indivduo, as necessidades e direitos dapopulao.

    De acordo com Westphal e Ziglio (s/d), a intersetorialidade exige umamudana radical nas prticas e na cultura organizacional da administraomunicipal, pressupondo superar a fragmentao na gesto das polticaspblicas e os diferentes estgios de desenvolvimento nos quais encontram-

    se os setores, especialmente quanto descentralizao das decises. Comobem destacam Junqueira e Inojosa (2001), o necessrio processo demudana torna-se vivel quando, alm de um bom projeto e da vontadepoltica do dirigente, propiciam-se negociaes entre os diferentes atoressociais da arena poltica, sendo essencial a valorizao do servidor pblico.

    Mesmo quando a intersetorialidade explicitamente tida como meta aser atingida, a exemplo dos casos de Ipatinga e Vitria, as experinciasestudadas evidenciaram as dificuldades de sua concretizao em funo dasresistncias apresentadas pelos diversos setores envolvidos. De difciloperacionalizao, este princpio deve merecer ateno especial dos projetosque visam a promoo de sade, at porque a prpria lgica definanciamento dos projetos sociais (predominantemente setorial ou - ainda

    pior - restrita a programas especficos de determinados setores) tende adificultar (quando no inviabilizar) sua operacionalizao. Casos comoIpatinga, Santos e Vitria nos levam a questionar se os obstculosenvolvidos remetem a possibilidade de alcance do princpio a um segundomomento do projeto, quando j encontra alguma sustentao emdeterminada rea/setor e consegue sensibilizar e articular outros setores,permitindo ampliar a extenso da iniciativa e dar conta do problema de

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    maneira mais efetiva.A descontinuidade das polticas costuma ser outro obstculo

    operacionalizao da intersetorialidade e a se apresenta o princpio dasustentabilidade. A dupla perspectiva da sustentabilidade, isto , aquelaarticulada ao desenvolvimento sustentvel e a referida continuidade daspolticas, pde ser apreendida a partir do estudo das experincias. Odesenvolvimento sustentvel pressupe considerar a viabilidade econmica eambiental das aes e iniciativas. Est ligado busca de alterao do modelopredatrio de desenvolvimento, ampliao de prticas educativas e aofortalecimento do sentimento de co-responsabilizao e instituio devalores ticos. A orientao por este princpio parece mais clara nos projetosde Belo Horizonte e Vitria (So Pedro), tanto por conta do problemadesencadeador, como pela forma de interveno adotada.

    A questo da continuidade das polticas procurou ser trabalhada em

    termos da continuidade administrativa (ainda que no necessariamente dagesto partidria), e da retroalimentao pela populao, que, ao identificarrespostas a demandas locais e reconhecer os impactos alcanados, assumiu oacompanhamento dos projetos e conseguiu assegurar sua vitalidade e nointerrupo, com destaque para os casos de Icapu e Santos. Problemafreqente nas polticas pblicas, a descontinuidade est imbricada noinsucesso de polticas que lidam com problemas complexos e que s tmimpacto a mdio e longo prazo. interessante notar ainda que acontinuidade nos casos estudados parece estar tambm relacionada ao fatode a experincia no ficar meramente circunscrita ao programa ou projetoespecfico, mas de estar articulada ao projeto poltico de desenvolvimento deaes pblicas na cidade em questo.

    O Quadro 2 sintetiza a identificao dos sete princpios de promoo desade em cada uma das cinco experincias estudadas.

    Quadro 2 - As cinco experincias-caso e os princpios identificados

    Princpios

    Empoderamento

    Concepo holstica

    Participao social

    Intersetorialidade

    Eqidade

    Aes multi-estratgicas

    Sustentabilidade

    Icapu

    x

    x

    x

    x

    x

    Belo Horizonte

    x

    x

    x

    x

    So Pedro (Vitria)

    x

    x

    x

    x

    x

    x

    Ipatinga

    x

    x

    x

    x

    x

    x

    Santos

    x

    x

    x

    x

    x

    x

    x

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    Consideraes finaisA primeira diz respeito aos limites do caminho metodolgico adotado e,portanto, aos resultados aqui discutidos. Ao optarmos pela utilizao de dadossecundrios e relatos das experincias com olhos emprestados de outrem que j portam uma elaborao das iniciativas, partindo de preocupaes nemsempre coincidentes com as nossas deparamo-nos, por vezes, com questes

    que permaneceram sem resposta, com lacunas de informao acerca daefetividade do contedo discutido e da continuidade dos projetos.

    Aqui retomamos um problema identificado logo no incio do processo deinvestigao, isto , o tnue limite entre preveno e promoo quando dianteda implementao de prticas e polticas do setor Sade. No presente trabalho,a orientao pelo referencial da chamada nova promoo de sade (Labonte,1996a) e pelos sete princpios assumidos pela OMS (WHO, 1998), viabilizou ainvestigao e esclareceu-nos sobre a distino entre promoo, preveno emedidas assistenciais.

    Como j mencionado, a nova promoo de sade se prope a enfocar osdeterminantes gerais, isto , os scio-ambientais e econmicos, atuando sobreas condies de vida cotidianas e sendo direcionada ao coletivo e defesa dosdireitos sociais. Trata-se, portanto, de um processo de fomento aocompromisso poltico (dos gestores e sociedade civil) e de impulso smudanas sociais. Vale aqui resgatar a concepo de Cohn (2000), que afirmaque promover sade hoje combater a naturalizao da pobreza e forar paraque as questes sociais sejam remetidas para o tema da desigualdade social. Noatual contexto de crescente desemprego, desregulamentao do trabalho,quebra dos velhos contratos, flexibilizao de direitos historicamenteconquistados e submisso da gesto e gerncia dos servios pblicos estatais racionalidade do mercado, a participao, a cidadania e a promoo da sadeteriam sobretudo a atribuio de reconstruir a esfera pblica.

    Ao buscarmos estabelecer um dilogo entre as definies de cada princpio e

    as cinco experincias-caso (considerando as particularidades de cada iniciativa eseu contexto), ficaram evidentes as diferentes extenses da operacionalizaode cada um dos princpios nos projetos. Parece-nos que as dificuldades paraidentificar a operacionalizao do empoderamento e da intersetorialidade nointerior dos relatos est ligada maior dificuldade de colocar tais princpios emprtica. Alm disso, a investigao realizada nos permite sugerir que os seteprincpios tenham distinta relevncia para a viabilizao da promoo de sade.As aes multi-estratgicas parecem remeter mais a um princpio operativo e,como vimos, acabam sendo naturalmente contempladas quando a proposta trabalhar com problemas e determinantes de ordem geral. Mais do que umprincpio orientador da prtica, a concepo holstica (conforme aqui definida)nos parece o pressuposto inicial de qualquer ao voltada nova promoo e

    demonstrou ser importante para distinguir experincias voltadas promoodaquelas com enfoque curativo-preventivo. Por sua vez, a participao socialparece-nos o mais essencial dos princpios e deve ser cuidadosamenteassegurada, principalmente no que tange ao poder deliberativo das instnciasde representao da sociedade civil. A intersetorialidade, apesar das resistnciase lacunas, deve tambm merecer maior destaque, medida que essencial paraviabilizar aes que de fato modifiquem as condies de vida cotidianas. A

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    orientao pelo princpio da eqidade tambm premente, em funo docontexto de desigualdade e injustia social instalado. Por fim, asustentabilidade coloca-se como princpio bsico para assegurar a promoo naperspectiva da continuidade das polticas pblicas.

    A discusso aqui conduzida nos permite dizer que os princpios da promoode sade so suficientemente universalizveis e operacionalizveis a ponto de

    podermos encontr-los em iniciativas de natureza diversa, nas quais, contudo,no havia em geral uma intencionalidade de serem orientadas por taisprincpios ou pela concepo de promoo. Ainda mais importante para ocampo da Sade Coletiva talvez seja reconhecer que em nenhuma dasexperincias estudadas o setor Sade foi o alavancador ou determinante doprocesso, tendo apenas um papel coadjuvante, secundrio; sua participaoficou restrita assistncia (expanso da rede) ou a aes educativo-preventivas- estas insuficientemente detalhadas para permitir esclarecimentos sobre seucontedo, mtodo empregado e impacto alcanado.

    Este ponto talvez merea especial ateno, remetendo-nos a uma discussomaior que tangencia os resultados apresentados. Para alm das necessidadesdos projetos de promoo de Sade extrapolarem o setor Sade, ponto j deconsenso entre os pesquisadores que hoje discutem a temtica, a discussoaqui desenvolvida sugere que a operacionalizao dos princpios da novapromoo de Sade pode ser assgurada mesmo quando o setor no centralou encabeador do processo.

    Recolocamo-nos, ento, a seguinte indagao: que papel caberia ao setorSade numa poltica de promoo como a aqui concebida? Para alm daassistncia e cura, como historicamente delegado e ainda hegemnico entreatores e gestores da rea, que atribuio poderia assumir no sentido demelhorar efetivamente as condies de vida cotidianas da populao?

    Reconhecendo a herana histrica do setor sanitrio, assim como a desigualdisputa de poder entre a assistncia hospitalar e a ambulatorial, a preveno e a

    promoo, e ainda a necessidade de responder s prementes demandasassistenciais, podemos questionar a capacidade de o setor Sade avanar almda assistncia e preveno. As aes de mbito coletivo e que incidem sobre osdeterminantes scio-econmicos e ambientais ficariam relegadas para umsegundo momento, sendo dificilmente contempladas. Contudo, possveldefender que, pelo fato de debruar-se sobre a situao de sade (umproblema-fim, que est na ponta do processo e reflete as lacunas e carnciasdeixadas por precrias condies de vida), o setor Sade teria maior potencialdo que outros do poder pblico para indicar as aes necessrias promoo,mesmo que sua execuo coubesse a setores afins, como saneamento,habitao, educao, assistncia social etc. O setor Sade poderia ter, alm dasatribuies tradicionais, um papel de destaque para a operacionalizao da

    intersetorialidade, sensibilizando outros setores e viabilizando a pactuao demetas e objetivos comuns, voltados a impactar positivamente sobre ascondies de vida cotidianas e seus determinantes scio-econmicos eambientais.

    Que papel caberia, ento, ao setor Sade numa poltica de promoo como aaqui concebida? Para alm da assistncia e cura, como historicamente delegadoe ainda hegemnico entre atores e gestores da rea, que atribuio poderia

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    assumir no sentido de melhorar efetivamente as condies de vida cotidianasda populao? Resgatando nosso anseio pragmtico, como encontrarexperincias que demonstrem a concretizao deste potencial?

    Para responder satisfatoriamente a tais indagao necessrio um novodesenho de pesquisa que, assumindo o referencial da promoo de sade e seusprincpios tal como aqui desenvolvidos, ocupe-se de experincias nas quais o

    setor Sade tenha papel de destaque, sendo reconhecidamente encabeador oucentral para o processo, especialmente quanto intersetorialidade.

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    A partir del relevamiento bibliogrfico acerca de los antecedentes, concepciones y practicas dela promocin de salud, identificamos la laguna existente en su dimensin metodolgica, o sea,escasas experiencias que demuestren coherencia respecto al discurso de la promocin. Elobjetivo del estudio fue, entonces, describir la posible operacionalizacin de los sieteprincipios que configuran las iniciativas en promocin de salud segn la definicin de la OMS(concepcin holstica, intersectorialidad, empoderamiento, participacin social, equidad,acciones multiestratgicas y sustentabilidad). Con base en datos secundarios y anlisisdocumental, evaluamos cinco acciones de gestin pblica en distintos sectores, a partir delbanco de datos del Programa Gestin Pblica y Ciudadana (EAPSP/FGV), identificando cadauno de los principios, sus lmites, posibilidades y relevancia para la promocin. La

    investigacin posibilit concluir que los principios mencionados son suficientementeuniversalizables y operacionalizables, permitiendo su identificacin en iniciativas de distintasnaturalezas y en las que el sector salud no tuvo papel preponderante. Una posible cuestinpara futuros estudios es buscar qu papel podra tener el sector salud en las polticas depromocin (segn la concepcin asumida en este estudio) para ejercer mayor impacto en lascondiciones de vida cotidianas y los determinantes socioeconmicos y ambientales de la salud,segn la llamada nueva promocin de salud.

    PALABRAS CLAVE: Promocin de la salud; gestin pblica; participacin social; accinintersectorial.

    Recebido para publicao em: 28/07/02Aprovado para publicao em: 16/01/03