Retiro Calabriano - MAIO/2015
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ROTEIRO DE RETIRO ESPIRITUAL PARA
O ANO DA VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA
VIDA RELIGIOSA NA IGREJA HOJE:
EVANGELHO, PROFECIA E ESPERANÇA.
Estamos celebrando o ano da Vida Religiosa Consagrada proclamado pelo Papa
Francisco em Novembro de 2014, por ocasião da Festa da Apresentação de Nossa
Senhora. É um tempo, como escreveu o Papa em sua carta apostólica, de juntos
darmos graças ao Pai, que nos chamou para seguir Jesus na plena adesão ao seu
Evangelho e no serviço da Igreja. Ele derramou seu Espírito em nossos corações e
nos dá a alegria e nos faz testemunho ao mundo inteiro do seu amor e da sua
misericórdia1.
Neste ano de graça, “neste ano sabático”, teremos a oportunidade de refletir e
rezar temas próprios da nossa vida de consagrados, buscando, de forma especial,
permanecer junto a Jesus, autor do nosso chamado e fiel companheiro de
caminho. Ele é aquele que faz “arder o nosso coração2” nos passos do nosso
cotidiano. Como aquela multidão, entusiasmada pela identidade do Senhor,
mantenhamos nossos olhos fixos nele3.
O tema principal desse roteiro será o mesmo deste ano da VRC que
celebramos: VIDA RELIGIOSA NA IGREJA: EVANGELHO, PROFECIA E ESPERANÇA.
Não pretendo apresentar um tratado sobre a vida religiosa ou mesmo sobre temas
que sabemos fundamentais para a nossa fé dentro da economia da salvação.
Intento apenas dar algumas pistas de reflexão que podem naturalmente ser
ampliadas na oração pessoal e na partilha comunitária. Os objetivos deste ano
propostos pelo Papa Francisco que devem incidir diretamente em nossa vida
pessoal e em nossas comunidades e missão como consagrados Pobres Servos da
Divina Providência, deverão estar como pano de fundo de nossa reflexão. Mesmo
1 Cf. FRANCISCO. Carta Apostólica às pessoas Consagradas para proclamação do Ano da Vida
Consagrada. VATICANO, novembro, 2014. 2 Cf. Lc 24,32
3 Cf Lc 3,20
não lembrados diretamente em cada encontro, sugiro que sejam retomados como
luzes indicativas e inspiradoras4:
1- Olhar com gratidão o passado. Considerar a rica história carismática,
cuja origem está presente a ação de Deus que chama, por seu Espírito, pessoas para
seguirem de perto a Cristo, traduzindo o Evangelho numa forma particular de vida.
2- Recordar o início e o seu desenvolvimento histórico da Congregação,
para agradecer a Deus que deste modo ofereceu à Igreja o dom do carisma Calabriano.
3- Manter viva a identidade carismática e também fortificar a unidade e o
sentido de pertença entre os membros da família calabriana “Não se trata de fazer
arqueologia nem cultivar inúteis nostalgias, mas de repercorrer o caminho das
gerações passadas para nele captar a centelha inspiradora, os ideais, os projetos, os
valores que as moveram”, a começar pelo nosso fundador, São João Calábria.
4- Abraçar com esperança o futuro. Mesmo diante das dificuldades
(diminuição das vocações e o envelhecimento, endividamento, grandes estruturas, as
investidas do relativismo e da liquidez...). A esperança a qual somos convidados é
“fruto da fé no Senhor da história que continua a repetir-nos: Não tenhas medo (…),
pois Eu estou contigo”5.
5- Empreender, como “ventania” do Espírito Santo sobre toda a Igreja um
fecundo caminho de renovação. Mesmo com suas luzes e sombras, ser sinal de graça
para a Igreja e a sociedade.
6- “Que este Ano da Vida Consagrada seja ocasião também para confessar,
com humildade e simultaneamente grande confiança em Deus Amor, a própria
fragilidade e para viver como experiência do amor misericordioso do Senhor; ocasião
para gritar ao mundo com força e testemunhar com alegria a santidade e a vitalidade
presentes na maioria daqueles que foram chamados a seguir Cristo na vida
consagrada”6.
4 Cf. FRANCISCO. Carta Apostólica às pessoas Consagradas para a proclamação do Ano da Vida
Consagrada. Vaticano, novembro, 2014.. 5 IDEM. Cf. Jr 1, 8.
6 IDEM. Cf. 1 Jo 4, 8
PRIMEIRO TEMA:
“TODOS FALAM DOS TEUS FEITOS MARAVILHOSOS! (Sl 75)”
“Vós não tendes apenas uma história gloriosa para
recordar e narrar, mas uma grande história a construir!
Olhai para o futuro, para o qual vos projeta o Espírito a
fim de realizar convosco ainda coisas maiores” (São João
Paulo II)7.
O primeiro convite que faço neste exercício espiritual é aquele de revisitar a
nossa história vocacional e refazer a experiência do primeiro amor8. Como o profeta
Jeremias tomar consciência da sedução de Deus9, do entusiasmo inicial, do trabalho
criativo e inusitado que só “o divino oleiro” poderia realizar em nós10.
Memorizar é um modo de “reviver”. Com os olhos da mente volte no tempo e
veja tua família, tua comunidade de origem, teus amigos, tua escola, tua turma de
catequese... Passe um dia na tua terra natal, onde você cresceu e sinalize as
circunstâncias e ocasiões do teu chamado vocacional. Quais foram os fatos e
experiências que acenderam em ti o desejo de seguimento mais radical de Jesus?
Lembra-te dos momentos mais significativos de tua história pessoal e da Congregação
e “narre as maravilhas dos feitos do Senhor”; “exulta com a glória da tua vocação
dando graças a Deus que te chamou11”.
Os momentos significativos da vida podem ser lembrados de duas maneiras: de
forma cronológica e em nível de graça. A primeira, diz respeito ao tempo (chronos), ao
quando os fatos aconteceram e podem ser datados. A segunda, denominada Kairós,
pode ser definida como tempo de graça, como tempo de Deus. Ambas são motivadas
pela memória, pela lembrança. Contudo, a memória nos recorda dos fatos
independentes do seu significado. Ora traz à consciência experiências que gostaríamos
de repetir porque nos trouxeram satisfação e sentimentos positivos, por outras vezes,
ela parece querer nos recordar que também momentos difíceis de conflitos e dor
fazem parte de nossa vida. Neste sentido, há memórias que fascinam e nos
impulsionam e outras que nos engessam impedindo de prosseguir e crescer. 7 VITA CONSECRATA, n. 110.
8 Cf. Ap 2,4
9 Cf. Jr 20,7
10 Cf. Gn 2,4b-7; Jr 18,1-6
11 cf. Missal Romano pg 303.
Recordar não é uma operação mecânica, nem mesmo é representação saudosa
cujo objetivo seria uma conservação estéril, improdutiva de algo que não gostaríamos
de esquecer, mas que também impede de fazermos novas experiências de forma livre
e criativa. O prefixo “re” diz respeito ao movimento de retorno, de volta. Cor ou cordis
é uma palavra de origem latina que significa coração. Portanto, antes de tudo,
recordar significa reportar ao coração. É trazer de novo ao coração. Por isso,
memorizar é sempre um trabalho emocional e emocionante12.
Memória, na linguagem bíblica, não está relacionada apenas com o passado e
não é um ato puramente intelectual, mas inclui engajamento pessoal, envolvimento
existencial e atuação ativa. Por isso, pensar/lembrar de, fazer memória, significa
também “preocupar-se com13”. Fazer memória não é uma simples repetição mecânica
de um rito. “É reviver os acontecimentos passados, experimentando hoje os seus
efeitos14”; é o significa do mandato do Senhor aos seus discípulos na última Ceia:
“Fazei isto em memória de mim15”.
Creio que um dos empecilhos para que vivamos com renovado entusiasmo
nossa vocação no cotidiano é o mau uso da memória. O nosso jeito de ver e entender
os acontecimentos de nossa vida e, de forma especial, a ação de Deus podem estar
infectados pelo “vírus da memória16”. Talvez por isso por vezes perdemos o fascínio e a
motivação interna.
Será que minha memória não é apática/ingrata? Ela aparece quando recordo
os feitos do Senhor, mas não me comovo mais diante da vida e dos dons recebidos.
Talvez minha memória seja parcial/seletiva, ou seja, recordo apenas uma parte da
vida, especialmente aspectos negativos, sublinhando os lados escuros e pesados da
existência. Ou seleciono ou recordo somente dos aspectos positivos, removendo e
cancelando todo o acúmulo de limite e de imperfeição que também acompanha o meu
existir. Não seria a minha memória superficial/sensacional? Utilizo deste jeito de
lembrar as coisas quando recordo e registro somente os fatos relevantes, sensacionais,
de sucesso, as experiências extraordinárias de Deus ou aquelas em que é mais
facilmente legível o sentido da sua presença e excluo na experiência de Deus
circunstâncias em que Ele “parece” ter estado ausente, ou o que chamam os místicos
como “noite escura da alma”. Outro modo de infecção é a memória
idealizadora/nostálgica, isto é: Idealizo sobremaneira o passado em detrimento do
presente. Por fim, seria possível que minha memória seja ofendida/ressentida? Ela se
caracteriza quando recordo com maior facilidade das ofensas ou das injustiças
12
CENCINI, 2007. 13
Cf. Ex 20,8; lembrar-se de: Dt 8,18; Sl 115,12 14
BORTOLINI. Roteiros Homiléticos - Anos A,B,C Festas e Solenidades. Paulus. SP. 2007. pg. 85 15
Lc 22,19 16
CENCINI, Amadeo. A árvore da vida: proposta de modelo de formação inicial e permanente. São Paulo. Paulinas, 2007.
recebidas, ou supostas como tais, de forma incansável e dura; é quando eternizo,
como algo gravado na pedra, certos conflitos que me impedem de experimentar a
força libertadora do perdão.
Encontro com a Palavra
- Onde pusemos nossa confiança: 2 Tm 1,12; Jr 1,8; - Para Deus nada é impossível: Lc 1,37; - Permanecer vigilantes e acordados17: Rm 13,11-14; - Humildade e confiança em Deus amor: 1 Jo 4,8; - A pessoa de Cristo como regra absoluta: Fl 1,21 e Const. n. 1 - Recordar, celebrar e proclamar as maravilhas do Senhor: Sl 75,1; 1Cr 16,7-36 - Louvor à fidelidade e amor de Deus: 1Cro 16,34; 16,8
Para refletir:
A Vida Consagrada nasceu da interpelação do Espírito para seguir a
Cristo na radicalidade, segundo o ensinamento do Evangelho18. Para nosso fundador,
São João Calábria, e como reza nossas Constituições, a regra absoluta é a pessoa de
Jesus Cristo e seu Evangelho19. Permita-se perguntar:
- deixo-me verdadeiramente interpelar pelo Evangelho fazendo dele a regra que
orienta minhas opções para a minha vida a cada dia?
- Como insistia São João Calábria procuro ser Evangelho Vivo, praticando e vivendo a
Palavra de Deus indo além da leitura, do estudo e da meditação diária?
Quando fazemos um exercício de memória de nossa vida como Consagrados
devemos evidenciar o fascínio que São João Calábria tinha pela vida dos Apóstolos
como discípulos e missionários. Recordemos de modo especial o espírito de
fraternidade e o zelo pela comunhão, tão necessários para a vida em comunidade.
- procuro, como as primeiras comunidades formar “um só coração e uma só alma”20 haurindo desse dom a certeza da presença do Senhor21?
17 Homilia na Festa da Apresentação de Jesus no Templo (2 de Fevereiro de 2013): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 10/II/2013), 11. 18
cf. Perfectae caritatis, 2 19
Cf. Constituições n. 1 20
Cf. At 4,32-35 21
cf. Perfectae caritatis, 15