Revista SÍNTESE...Revista SÍNTESE Direito Civil e ProCessual Civil ano Xiii – nº 96 – Jul-ago...

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Revista SÍNTESE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL ANO XIII – Nº 96 – JUL-AGO 2015 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Superior Tribunal de Justiça – nº 45/2000 Tribunal Regional Federal da 1ª Região – nº 20/2001 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – nº 1999.02.01.057040-0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – nº 19/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – nº 07/0042596-9 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – nº 10/2007 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Simone Costa Salleti Oliveira CONSELHO EDITORIAL Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim, Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr., João Baptista Villela, José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto Neves Amorim, José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo, Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Adriane Medianeira Toaldo, Ana Maria Borges Fontão Cantal, Carlos Henrique Soares, Érica Guerra da Silva, Erick da Silva Regis, Fernanda Arruda Dutra, Márcio André Lopes Cavalcante, Maria Lúcia Daltrozo da Motta ISSN 2179-166X

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Revista SÍNTESE Direito Civil e ProCessual Civil

ano Xiii – nº 96 – Jul-ago 2015

rePositório autorizaDo De JurisPruDênCia

Superior Tribunal de Justiça – nº 45/2000Tribunal Regional Federal da 1ª Região – nº 20/2001

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – nº 1999.02.01.057040-0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – nº 19/2010

Tribunal Regional Federal da 4ª Região – nº 07/0042596-9Tribunal Regional Federal da 5ª Região – nº 10/2007

Diretor eXeCutivo Elton José Donato

gerente eDitorial e De Consultoria Eliane Beltramini

CoorDenaDor eDitorial Cristiano Basaglia

eDitora Simone Costa Salleti Oliveira

Conselho eDitorial

Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim, Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr., João Baptista Villela,

José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto Neves Amorim, José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo,

Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa

ColaboraDores Desta eDição

Adriane Medianeira Toaldo, Ana Maria Borges Fontão Cantal, Carlos Henrique Soares, Érica Guerra da Silva, Erick da Silva Regis, Fernanda Arruda Dutra, Márcio André Lopes Cavalcante, Maria Lúcia Daltrozo da Motta

ISSN 2179-166X

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1999 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Civil e Processual Civil.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 5.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

REVISTA SÍNTESE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL Nota: Continuação de REVISTA IOB DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

v. 1, n. 1, jul. 1999

Publicação periódica Bimestral

v. 13, n. 96, jul./ago. 2015

ISSN 2179-166X

1. Direito civil – periódicos – Brasil 2. Direito processual civil

CDU: 347.9(05) (81) CDD: 347

(Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851)

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

O Assunto Especial desta edição trata do tema “Lei nº 13.129/2015: Alte-rações na Lei de Arbitragem”, com a participação dos brilhantes juristas: Márcio André Lopes Cavalcante e Érica Guerra da Silva.

A nova lei sancionou mudanças que ampliam o alcance da Lei de Arbi-tragem – usada na solução de conflitos com a mediação de uma terceira pessoa e que funciona como alternativa ao Poder Judiciário.

A lei amplia o campo de aplicação da arbitragem, método extrajudicial de solução de conflitos, para reduzir o volume de processos que chegam à Justiça. Em relação aos contratos de adesão – aqueles redigidos somente pelo fornecedor, comuns na prestação de serviços como água, luz, telefonia e edu-cação – o governo afirmou que as mudanças propostas “autorizariam, de forma ampla, a arbitragem nas relações de consumo, sem deixar claro que a manifes-tação de vontade do consumidor deva se dar também no momento posterior ao surgimento de eventual controvérsia e não apenas no momento inicial da assinatura do contrato”.

Com a nova lei, a arbitragem também poderá se aplicar à administra-ção pública direta e indireta para dirimir conflitos patrimoniais. Outras grandes transformações dizem respeito à previsão de arbitragem para solucionar emba-tes relacionados ao Direito do Consumidor e às relações trabalhistas.

Na Parte Geral da Revista publicamos importantes doutrinas sobre diver-sos temas do direito, com a colaboração dos seguintes autores: Carlos Henrique Soares, Maria Lúcia Daltrozo da Motta e Adriane Medianeira Toaldo, Ana Maria Borges Fontão Cantal e Fernanda Arruda Dutra.

Na Seção Especial “Estudos Jurídicos” contamos com artigo de autoria de Erick da Silva Regis, intitulado ”Linhas Gerais Sobre as Cláusulas de Limita-ção de Responsabilidade: Evolução e Aplicação Atual do Instituto nas Relações Contratuais Paritárias”.

Por fim, publicamos a seção denominada “Clipping Jurídico”, em que oferecemos a você, leitor, textos concisos que destacam, de forma resumida, os principais acontecimentos do período, tais como notícias, projetos de lei, normas relevantes, entre outros.

É com prazer que a IOB deseja a você uma ótima leitura!

Eliane Beltramini

Gerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

Lei nº 3.129/2015: ALterAções nA Lei de ArbitrAgem

doutrinAs

1. Comentários à Lei nº 13.129/2015 (Reforma da Lei de Arbitragem)Márcio André Lopes Cavalcante .................................................................9

2. As Repercussões da Lei nº 13.129/2015, que Altera a Lei de Arbitragem, no Direito de Retirada das Sociedades AnônimasÉrica Guerra da Silva ................................................................................30

Parte Geral

doutrinAs

1. Processo Jurisdicional Democrático – Relação entre Verdade e ProvaCarlos Henrique Soares ............................................................................34

2. A Desjudicialização Enquanto Instrumento de Celeridade e Efetividade na Resolução dos Conflitos e InteressesMaria Lúcia Daltrozo da Motta e Adriane Medianeira Toaldo ..................52

3. Tutelas de UrgênciaAna Maria Borges Fontão Cantal ..............................................................69

4. Fraude de Execução e Efetividade da Prestação JurisdicionalFernanda Arruda Dutra.............................................................................86

JurisprudênciA

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1002. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1133. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1384. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................1515. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................1586. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................1637. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................1698. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................175ementário

1. Ementário de Jurisprudência Civil, Processual Civil e Comercial ............178

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Seção Especialestudos Jurídicos

1. Linhas Gerais Sobre as Cláusulas de Limitação de Responsabilidade: Evolução e Aplicação Atual do Instituto nas Relações Contratuais ParitáriasErick da Silva Regis ................................................................................206

Clipping Jurídico ..............................................................................................234

Bibliografia Complementar ..................................................................................239

Índice Alfabético e Remissivo ...............................................................................240

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi-cações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remune-ração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Lei nº 3.129/2015: Alterações na Lei de Arbitragem

Comentários à Lei nº 13.129/2015 (Reforma da Lei de Arbitragem)

MáRCIO AnDRé LOPeS CAvALCAnTeJuiz Federal do TRF da 1ª Região. Foi Defensor Público, Promotor de Justiça e Procurador do Estado.

1 NOÇÕES GERAIS SOBRE ARBITRAGEM

Em quE consistE

Arbitragem representa uma técnica de solução de conflitos por meio da qual os conflitantes aceitam que a solução de seu litígio seja decidida por uma terceira pessoa, de sua confiança.

Vale ressaltar que a arbitragem é uma forma de heterocomposição, isto é, instrumento por meio do qual o conflito é resolvido por um terceiro.

Arbitragem é jurisdição?

Há intensa discussão na doutrina se a arbitragem pode ser considera-da como jurisdição ou se seria apenas um equivalente jurisdicional. Podemos identificar duas correntes:

1ª) SIM. É a posição de Fredie Didier.

2ª) NÃO. É defendida por Luiz Guilherme Marinoni.

REgulamEntação

A arbitragem, no Brasil, é regulada pela Lei nº 9.307/1996, havendo tam-bém alguns dispositivos no CPC versando sobre o tema.

aRbitRagEm dE diREito ou dE EquidadE

A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes (art. 2º da Lei nº 9.307/1996).

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a) Arbitragem de DIREITO: é aquela em que os árbitros decidirão a con-trovérsia com base em regras de direito. Ex.: as partes combinam que os árbitros encontrarão a solução para o caso seguindo as regras do Código Civil.

Vale ressaltar que as partes podem escolher livremente as regras de di-reito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública (§ 1º do art. 2º).

As partes também poderão convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras interna-cionais de comércio (§ 2º).

b) Arbitragem de EQUIDADE: é aquela em que os árbitros decidirão a controvérsia não com base necessariamente no ordenamento jurídico, mas sim de acordo com aquilo que lhes parecer mais justo, razoável e equânime. Aqui, os árbitros terão uma liberdade de julgamento mais elástica, já que não estarão obrigados a seguir o que diz a lei, podendo conferir solução contrária às regras do direito se isso, no caso concreto, parecer mais justo e adequado.

Apesar de parecer “estranha” para quem tem contato com ela uma pri-meira vez, a arbitragem por equidade pode ser muito útil para determinados ti-pos de lide envolvendo conhecimentos técnicos muito especializados, os quais a legislação ainda não conseguiu regular de forma satisfatória. Alexandre Freitas Câmara aponta seus benefícios:

A arbitragem de equidade terá, sobre a de direito, a imensa vantagem da espe-cialização do árbitro. Basta pensar, por exemplo, numa arbitragem de equidade envolvendo conflito que diga respeito a uma questão de engenharia, ou quími-ca. A se levar tal lide ao Judiciário, o juiz fatalmente convocaria um perito no assunto para assessorá-lo, e dificilmente sua sentença teria orientação diversa, quanto aos fatos, daquela apontada pelo perito em seu laudo. Neste caso, com a arbitragem se poderá entregar a solução da controvérsia diretamente nas mãos do especialista, retirando-se da composição do conflito o juiz, que funcionaria aqui, em verdade, como um mero intermediário entre as pessoas e o expert. (Ar-bitragem. Lei nº 9.307/1996. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997)

2 CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM

As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem (art. 3º).

Convenção de arbitragem é o gênero, que engloba:

• acláusulacompromissóriae

• ocompromissoarbitral.

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3 CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA

Em quE consistE

A cláusula compromissória, também chamada de cláusula arbitral, é:

– uma cláusula prevista no contrato,

– de forma prévia e abstrata,

– por meio da qual as partes estipulam que

– qualquer conflito futuro relacionado àquele contrato

– será resolvido por arbitragem (e não pela via jurisdicional estatal).

A cláusula compromissória está prevista no art. 4º da Lei nº 9.307/1996:

Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as par-tes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

REgRa gERal: validadE da cláusula compRomissóRia

Em regra, a cláusula compromissória é válida e, tendo sido imposta, é de observância obrigatória, sendo hipótese de derrogação da jurisdição estatal.

1ª regra específica: contrato de adesão

É possível que um contrato de adesão contenha uma cláusula compromissória?

SIM, no entanto, essa cláusula compromissória só terá eficácia se o ade-rente:

• tomarainiciativadeinstituiraarbitragem;ou

• concordar,expressamente,coma sua instituição,porescrito,emdocumento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto espe-cialmente para essa cláusula.

Essa regra encontra-se prevista no § 2º do art. 4º da Lei nº 9.307/1996:

§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficá-cia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concor-dar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em do-cumento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.

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Vale lembrar que nem todo contrato de adesão é um contrato de consu-mo e que nem todo contrato de consumo é de adesão.

2ª regra específica: contrato de consumo

É possível que um contrato de consumo contenha uma cláusula compromissória?

NÃO. O CDC estipula que é nula de pleno direito a cláusula que deter-mina a utilização compulsória de arbitragem (art. 51, VII). Assim, em qualquer contrato de consumo, seja ele de adesão ou não, é nula a cláusula compromis-sória.

Qual é a razão para o legislador ter proibido a cláusula compromissória no contrato de consumo?

A Ministra Nancy Andrighi explica que:

O legislador, inspirado na proteção do hipossuficiente, reputou prejudicial a prévia imposição de convenção de arbitragem, por entender que, usualmente, no ato da contratação, o consumidor carece de informações suficientes para que possa optar, de maneira livre e consciente, pela adoção dessa forma de re-solução de conflitos.

Via de regra, o consumidor não detém conhecimento técnico para, no ato de conclusão do negócio, avaliar as vantagens e desvantagens inerentes à futura e ocasional sujeição ao procedimento arbitral. Ainda que o contrato chame a atenção para o fato de que se está optando pela arbitragem, o consumidor, na-quele momento, não possui os elementos necessários à realização de uma esco-lha informada. (REsp 1.169.841-RJ)

Vale ressaltar, no entanto, que o STJ admite o compromisso arbitral nas relações de consumo, conforme será explicado mais a seguir.

3ª regra específica: dissídios individuais de trabalho

Não é válida arbitragem nos dissídios individuais de trabalho, conforme entendimento pacífico do TST:

[...] 3. Seja sob a ótica do art. 114, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, seja à luz do art. 1º da Lei nº 9.307/1996, o instituto da arbitragem não se aplica como forma de solução de conflitos individuais trabalhis-tas. Mesmo no tocante às prestações decorrentes do contrato de traba-lho passíveis de transação ou renúncia, a manifestação de vontade do empregado, individualmente considerado, há que ser apreciada com naturais reservas, e deve necessariamente submeter-se ao crivo da Jus-tiça do Trabalho ou à tutela sindical, mediante a celebração de válida negociação coletiva. Inteligência dos arts. 7º, XXVI, e 114, caput, I, da Constituição Federal.

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4. Em regra, a hipossuficiência econômica ínsita à condição de empre-gado interfere no livre arbítrio individual. Daí a necessidade de inter-venção estatal ou, por expressa autorização constitucional, da entidade de classe representativa da categoria profissional, como meio de evitar o desvirtuamento dos preceitos legais e constitucionais que regem o Direito Individual do Trabalho. Art. 9º da CLT.

5. O princípio tuitivo do empregado, um dos pilares do Direito do Tra-balho, inviabiliza qualquer tentativa de promover-se a arbitragem, nos moldes em que estatuído pela Lei nº 9.307/1996, no âmbito do Direito Individual do Trabalho. Proteção que se estende, inclusive, ao período pós-contratual, abrangidas a homologação da rescisão, a percepção de verbas daí decorrentes e até eventual celebração de acordo com vistas à quitação do extinto contrato de trabalho. A premência da percepção das verbas rescisórias, de natureza alimentar, em momento de particu-lar fragilidade do ex-empregado, frequentemente sujeito à insegurança do desemprego, com maior razão afasta a possibilidade de adoção da via arbitral como meio de solução de conflitos individuais trabalhistas, ante o maior comprometimento da vontade do trabalhador diante de tal panorama.

6. A intermediação de pessoa jurídica de direito privado – “câmara de arbitragem” – quer na solução de conflitos, quer na homologação de acordos envolvendo direitos individuais trabalhistas, não se compatibi-liza com o modelo de intervencionismo estatal norteador das relações de emprego no Brasil. [...]

Processo: E-ED-RR 25900-67.2008.5.03.0075, Data de Julgamento: 16.04.2015, Rel. Min. João Oreste Dalazen, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 22.05.2015.

Obs: a Lei nº 13.129/2015 tentou inserir a permissão de arbitragem para contratos individuais de trabalho de determinados empregados de maior esca-lão, mas esse dispositivo foi vetado pela Presidente da República, de forma que permanece a vedação quanto à arbitragem nos dissídios individuais de trabalho.

É permitida a arbitragem no caso de dissídios coletivos de trabalho, con-forme previsão expressa do § 1º do art. 114 da CF/1988:

§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

4 COMPROMISSO ARBITRAL

Em quE consistE

O compromisso arbitral é...

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– um acordo (convenção) feito entre as partes

– após o conflito já ter surgido,

– por meio do qual se combina que a solução desta lide

– não será resolvida pelo Poder Judiciário,

– mas sim por intermédio da arbitragem.

No compromisso arbitral, as partes renunciam ao seu direito de buscar a atividade jurisdicional estatal e decidem se valer da arbitragem.

Art. 9º O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.

§ 1º O compromisso arbitral judicial celebrar-se-á por termo nos autos, perante o juízo ou tribunal, onde tem curso a demanda.

§ 2º O compromisso arbitral extrajudicial será celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público.

difEREnça EntRE a cláusula compRomissóRia E o compRomisso aRbitRal

Cláusula Compromissória Compromisso arBitral

É uma convenção de arbitragem em que as partes dizem que qualquer conflito futuro será resolvido por arbitragem.

É uma convenção de arbitragem posterior ao conflito. O conflito surgiu e as partes decidem resolvê-lo por arbitragem.

É uma cláusula prévia e abstrata, que não se refere a um conflito específico.

É feito após o conflito ter surgido e se refere a um problema concreto, já instaurado.

Em regra, mesmo havendo a cláusula com-promissória no contrato, as partes ainda precisarão de um compromisso arbitral para regular como a arbitragem será feita.Exceção: Fredie Didier ressalta que não será necessário o compromisso arbitral se a cláusula compromissória for completa, ou seja, contiver todos os elementos para a instauração imediata da arbitragem (exs.: quem serão os árbitros, o direito a ser apli-cável, o tempo de duração etc.).

Mesmo que não exista cláusula compro-missória no contrato, as partes poderão de-cidir fazer um compromisso arbitral para resolver o conflito.

É válido que seja realizado compromisso arbitral para dirimir conflito existente em uma relação de consumo?

SIM. O STJ entende que o art. 51, VII, do CDC se limita a vedar a adoção prévia e compulsória da arbitragem, no momento da celebração do contrato,

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA .............................................................................................................15

mas não impede que, posteriormente, diante de eventual litígio, havendo con-senso entre as partes (em especial a aquiescência do consumidor), seja instau-rado o procedimento arbitral.

Em outras palavras, o que se veda é a cláusula compromissória nos con-tratos de consumo. No entanto, surgido o conflito entre consumidor e fornece-dor, é possível que este seja resolvido mediante arbitragem, desde que, obvia-mente, as partes assim desejem.

STJ, 3ª Turma, REsp 1.169.841-RJ, Relª Min. Nancy Andrighi, Julgado em 06.11.2012.

5 ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Um dos temas mais debatidos sobre o âmbito de aplicação da arbitragem dizia respeito à possibilidade de sua utilização pela Administração Pública.

Há alguns anos, o legislador vem inserindo em determinados diplomas legislativos a possibilidade de arbitragem em contratos administrativos.

Como um primeiro exemplo, podemos citar a Lei nº 11.079/2004, que previu expressamente que seria possível instituir arbitragem nos contratos de parceria público-privada (art. 11, III).

Em seguida, foi editada a Lei nº 11.196/2005, que acrescentou o art. 23-A, à Lei nº 8.987/1995, estabelecendo que o contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº 9.307/1996.

Outros exemplos: Lei nº 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações), Lei nº 9.478/1997 (Lei de Petróleo e Gás), Lei nº 10.233/2001 (Lei de Trans-portes Aquaviários e Terrestres), Lei nº 10.438/2002 (Lei do Setor Elétrico), Lei nº 11.196/2005 (Lei de Incentivos Fiscais à Pesquisa e Desenvolvimento da Inovação Tecnológica), Lei nº 11.909/2009 (Lei de Transporte de Gás Natural), entre outras.

Mesmo assim, eram previsões específicas e que encontravam ainda gran-de resistência por parte dos administrativistas mais tradicionais.

Pensando nisso, o legislador foi mais ousado e, por meio da Lei nº 13.129/2015, ora comentada, previu, de forma genérica, a possibilidade de a Administração Pública valer-se da arbitragem quando a lide versar so-bre direitos disponíveis. Foram acrescentados dois parágrafos ao art. 1º da Lei nº 9.307/1996, com a seguinte redação:

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Art. 1º [...]

§ 1º A Administração Pública direta e indireta poderá utilizar-se da ar-bitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais dispo-níveis.

§ 2º A autoridade ou o órgão competente da Administração Pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações.

Desse modo, atualmente, existe uma autorização genérica para a utili-zação da arbitragem pela Administração Pública para todo e qualquer conflito que envolva direitos patrimoniais disponíveis. Isso vale para os três entes fede-rativos: União, Estados e Distrito Federal e Municípios.

A autoridade que irá celebrar a convenção de arbitragem é a mesma que teria competência para assinar acordos ou transações, segundo previsto na legislação do respectivo ente. Ex.: se o Secretário de Estado é quem tem compe-tência para assinar acordos no âmbito daquele órgão, ele é quem poderá firmar a convenção de arbitragem.

Como a Administração Pública deve obediência ao princípio da lega-lidade (art. 37 da CF/1988), e a fim de evitar questionamentos quanto à sua constitucionalidade, a Lei nº 13.129/2015 determinou que a arbitragem, nestes casos, não poderá ser por equidade, devendo sempre ser feita com base nas regras de direito. Confira:

Art. 2º [...]

§ 3º A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade.

6 ESCOLHA DOS ÁRBITROS

REgRas paRa a Escolha dos áRbitRos

As regras relacionadas com a escolha dos árbitros estão previstas nos arts. 13 a 18 da Lei nº 9.307/1996.

Quem pode ser árbitro?

Qualquer pessoa civilmente capaz e que tenha a confiança das partes (art. 13).

As partes que escolhem quem elas querem como árbitro.

As partes nomearão um ou mais árbitros, sempre em número ímpar, po-dendo nomear, também, suplentes.

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E se as partes nomearem árbitros em número par?

Quando as partes nomearem árbitros em número par, estes (os árbitro) estão autorizados a nomear mais um árbitro (para ficar ímpar).

Não havendo acordo, requererão as partes ao órgão do Poder Judiciário a que tocaria, originariamente, o julgamento da causa a nomeação do árbitro.

óRgão aRbitRal institucional ou EntidadE EspEcializada

Em vez de as partes escolherem individualmente os árbitros que irão jul-gar a causa, elas podem escolher um órgão arbitral institucional ou entidade especializada.

Órgão arbitral institucional ou entidade especializada é uma pessoa jurí-dica constituída para a solução extrajudicial de conflitos por meio da mediação, negociação, conciliação e arbitragem.

Desse modo, as partes poderão, de comum acordo, estabelecer o proces-so de escolha dos árbitros ou adotar as regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada (art. 13, § 3º).

Escolha dE áRbitRos caso as paRtEs optEm poR um óRgão aRbitRal institucional ou EntidadE EspEcializada

Se as partes escolherem um órgão arbitral institucional ou entidade espe-cializada para solucionar a causa, a seleção dos árbitros será feita, em princípio, pelas regras previstas no estatuto da entidade.

Normalmente, tais entidades possuem uma lista de árbitros previamente cadastrados e a escolha recai sobre esses nomes.

A Lei nº 13.129/2015, com o objetivo de conferir maior liberdade aos envolvidos, incluiu um parágrafo ao art. 13 da Lei nº 9.307/1996 prevendo que as partes possam, de comum acordo, afastar algumas regras do regulamento do órgão arbitral ou entidade especializada a fim de terem maior autonomia na escolha dos árbitros:

§ 4º As partes, de comum acordo, poderão afastar a aplicação de dispo-sitivo do regulamento do órgão arbitral institucional ou entidade espe-cializada que limite a escolha do árbitro único, coárbitro ou presidente do tribunal à respectiva lista de árbitros, autorizado o controle da esco-lha pelos órgãos competentes da instituição, sendo que, nos casos de impasse e arbitragem multiparte, deverá ser observado o que dispuser o regulamento aplicável.

Em outras palavras, o que o § 4º quis dizer foi que as partes, mesmo tendo escolhido um órgão arbitral institucional ou entidade especializada que

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trabalhe com lista fechada de árbitros, poderão escolher outros que não estejam previstos naquela relação.

Trata-se de inovação desarrazoada considerando que, se as partes esco-lheram aquele órgão arbitral ou entidade especializada, é porque confiam (ou deveriam confiar) na sua expertise e em trabalhos anteriormente por eles reali-zados. Assim, não há sentido em escolher um órgão pelo seu bom desempenho em arbitragens anteriores e querer mudar a essência, o âmago dessa entidade, que é justamente a qualidade e o conhecimento técnico de seus árbitros creden-ciados. Andou mal, portanto, o legislador neste ponto.

impEdimEnto E suspEição dos áRbitRos

Aplicam-se aos árbitros as mesmas causas de impedimento e suspeição previstas para os juízes no CPC (amizade íntima, inimizade, interesse na causa etc.) (art. 14).

No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcia-lidade, independência, competência, diligência e discrição.

EquipaRação a funcionáRio público paRa fins pEnais

Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, fi-cam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal (art. 17).

7 PRESCRIÇÃO E ARBITRAGEM

A Lei nº 9.307/1996 tratava sobre prescrição?

NÃO. A Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996) não traz prazos de pres-crição. No entanto, apesar disso, a doutrina majoritária afirma que essa omissão foi proposital, já que os prazos de prescrição são previstos nas leis de direito material e a lei de arbitragem é uma norma processual.

Assim, para a corrente majoritária, aplicam-se os prazos prescricionais previstos na legislação também para a arbitragem. Ex.: imagine que determina-do engenheiro foi contratado para uma obra e no contrato preveja a cláusula compromissória;oprazoprescricionalparapretensõesdecorrentesdestecon-trato é de 5 anos, nos termos do art. 206, § 5º, II, do CC. Logo, este engenheiro teria o prazo de 5 anos para pedir a instituição da arbitragem.

E quando se considera instituída a arbitragem?

Considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo ár-bitro, se for único, ou por todos, se forem vários (art. 19).

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O que a Lei nº 13.129/2015 alterou sobre a prescrição? Foram inseridos prazos prescricionais na Lei de Arbitragem?

NÃO. A Lei nº 9.307/1996 continua sem prever prazos de prescrição, até porque, como visto anteriormente, isso é matéria atinente às leis de direito material. No entanto, a Lei nº 13.129/2015 acrescentou um parágrafo ao art. 19 fixando um marco interruptivo da prescrição. Veja:

§ 2º A instituição da arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo à data do requerimento de sua instauração, ainda que extinta a arbitra-gem por ausência de jurisdição.

Desse modo, os prazos de prescrição continuarão a observar as regras previstas na legislação extravagante (Código Civil, Lei de Propriedade Industrial etc.), mas, agora, a Lei de Arbitragem traz a regra de que a instituição da arbi-tragem interrompe o prazo prescricional.

8 SENTENÇA ARBITRAL

título ExEcutivo judicial

A sentença arbitral constitui-se em título executivo JUDICIAL (art. 475-N, IV,doCPC1973;art.515,VII,doCPC2015).

O árbitro decide a causa, mas se a parte perdedora não cumprir volunta-riamente o que lhe foi imposto, a parte vencedora terá que executar esse título no Poder Judiciário.

não é nEcEssáRia homologação judicial

Vale ressaltar que a sentença arbitral, para produzir seus efeitos, não pre-cisa de homologação judicial:

Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.

Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.

É possível que o(s) árbitro(s) profira(m) sentença arbitral PARCIAL, ou seja, decidindo apenas parte do litígio que foi submetido à sua apreciação?

Redação original da Lei nº 9.307/1996:

NÃO. A Lei nº 9.307/1996 vedava a prolação de sentença parcial.

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Caso o árbitro proferisse sentença parcial, esta seria nula, nos termos do art. 32, V:

Art. 32. É nula a sentença arbitral se:

[...]

V–nãodecidirtodoolitígiosubmetidoàarbitragem;

Alteração promovida pela Lei nº 13.129/2015:

A Lei nº 13.129/2015 passou a prever que é possível a sentença arbitral parcial:

Art. 23 [...]

§ 1º Os árbitros poderão proferir sentenças parciais.

Além disso, o inciso V do art. 32 anteriormente transcrito foi revogado.

A mudança é salutar, sendo aplaudida pela doutrina, considerando que há situações em que é melhor que os árbitros profiram a sentença parcial, re-solvendo os pontos controvertidos da lide, como infrações contratuais, culpa pelo término da relação contratual e dever de indenizar. Em um segundo mo-mento, na sentença arbitral final, os árbitros poderão decidir sobre liquidação de créditos e débitos recíprocos e a estipulação de eventual determinação de compensação da verba de sucumbência. (BAPTISTA, Luiz Olavo. Sentença par-cial em arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, a. 5, n. 17, p. 189, abr./jun. 2008).

Com isso, resolve-se também um grave problema. Isso porque muitos Tribunais arbitrais ao longo do mundo permitem e proferem sentenças arbitrais parciais, como é o caso do Regulamento da Câmara de Comércio Internacional de Paris (CCI) e do Regulamento Arbitral da Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional (CNUDCI). O Direito norte-americano do Estado de Nova Iorque, grande centro de arbitragem, igualmente permite sentenças parciais. Assim, algumas empresas brasileiras participavam de arbi-tragens internacionais em que eram proferidas sentenças parciais e depois, se sucumbentes, poderiam, em tese, buscar a anulação desta sentença no Poder Judiciário brasileiro com fundamento no art. 32, V, da Lei nº 9.307/1996, o que gerava grande risco à segurança jurídica e à credibilidade do instituto.

Além disso, a sentença parcial, mesmo quando apresentar este vício por um equívoco dos árbitros, não pode ser tida como nula, sendo apenas “incom-pleta”. Assim, não há sentido de se anular uma sentença incompleta, sendo o mais lógico exigir que ela seja completada, o que é feito pelo art. 33, § 4º, da Lei nº 9.307/1996, com redação dada pela Lei nº 13.129/2015.

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A sentença arbitral pode ser invalidade pelo Poder Judiciário?

SIM. Fredie Didier explica que há possibilidade de controle judicial da sentença arbitral, mas somente quanto à sua validade (arts. 32 e 33, caput, da Lei nº 9.307/1996), ou seja, ela pode ser anulada se tiver vícios formais.

O Poder Judiciário não pode, por outro lado, revogar ou modificar a sen-tença arbitral quanto ao seu mérito por entendê-la injusta ou errada.

A parte prejudicada que desejar anular a sentença arbitral por vícios for-mais deverá ajuizar a ação de nulidade no prazo máximo de 90 dias após o recebimento da notificação da sentença arbitral ou de seu aditamento (art. 33, § 1º). Ultrapassado esse prazo, a decisão arbitral torna-se imutável pela coisa julgada material.

(DIDIER, Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 171).

causas dE nulidadE da sEntEnça aRbitRal

A Lei nº 9.307/1996 traz, em seu art. 32, as hipóteses em que a sentença arbitral poderá ser anulada. A Lei nº 13.129/2015 promoveu duas alterações neste rol:

1ª) Revogou o inciso V que previa a nulidade das sentenças arbitrais parciais.

2ª) Alterou a redação do inciso I do art. 32. Compare:

rEdação original da lEi nº 9.307/1996

altEração promovida pEla lEi nº 13.129/2015

Art. 32. É nula a sentença arbitral se:I–fornuloocompromisso;

Art. 32. É nula a sentença arbitral se:I–fornulaaconvençãodearbitragem;

A alteração corrige falha da redação original da LA. O inciso I falava apenas na nulidade do compromisso arbitral, deixando de fora a cláusula arbi-tral. Agora, utiliza, corretamente, a palavra “convenção de arbitragem”, que é o gênero que engloba:

• acláusulacompromissóriae

• ocompromissoarbitral.

9 NULIDADE DA SENTENÇA ARBITRAL

ação dE dEclaRação dE nulidadE da sEntEnça aRbitRal

A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário com-petente a declaração de nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos no art. 32 da Lei nº 9.307/1996.

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22 .........................................................................................................RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

pRazo

90 dias, após o recebimento da notificação da respectiva sentença, par-cial ou final, ou da decisão do pedido de esclarecimentos.

pRocEdimEnto a sER aplicado

Procedimento comum previsto no CPC.

Compare a mudança operada pela Lei nº 13.129/2015 no art. 33 da Lei nº 9.307/1996:

rEdação original da lEi nº 9.307/1996

altEração promovida pEla lEi nº 13.129/2015

Art. 33. [...]§ 1º A demanda para a decretação de nu-lidade da sentença arbitral seguirá o pro-cedimento comum, previsto no Código de Processo Civil, e deverá ser proposta no prazo de até noventa dias após o recebi-mento da notificação da sentença arbitral ou de seu aditamento.

Art. 33. [...]§ 1º A demanda para a declaração de nulidade da sentença arbitral, parcial ou final, seguirá as regras do procedimento comum, previstas na Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), e deverá ser proposta no prazo de até 90 (noventa) dias após o recebimento da notificação da respectiva sentença, par-cial ou final, ou da decisão do pedido de esclarecimentos.

Aqui, o legislador cometeu um equívoco, porque aprovou este § 1º fa-zendo menção ainda ao CPC 1973, quando, na verdade, já temos um novo có-digo aprovado e que se encontra apenas aguardando o fim do prazo de vacatio legis para entrar em vigor.

A pergunta que surge diante deste impasse é a seguinte: quando o CPC 2015 entrar em vigor, em março de 2016, qual será o procedimento a ser apli-cado para a ação declaratória de nulidade da sentença arbitral? Aplica-se o CPC 1973 ou o CPC 2015?

O CPC 2015.

O CPC 2015, quando entrar em vigor, em março de 2016, acarretará a revogação do CPC 1973, conforme previsto em seu art. 1.046:

Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se apli-carão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

O fato de a Lei nº 13.129/2015 ter mencionado o procedimento do CPC 1973 não deu uma sobrevida nem evitará a revogação deste, considerando que

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não foi esta a intenção do legislador e o CPC 2015 somente revogará o Código atual em março de 2016.

Para que a Lei nº 13.129/2015 tivesse evitado a revogação de parte do CPC 1973, ela teria que ter se referido expressamente ao art. 1.046 do CPC 2015, o que não foi o caso.

O projeto que deu origem à Lei nº 13.129/2015 tramita há anos no Con-gresso Nacional e a sua intenção era simplesmente manter a regra de que a ação de declaração de nulidade da sentença arbitral deve ser regida pelo procedi-mento ordinário do CPC vigente, seja ele o de 1973, seja o de 2015.

Além disso, como um último argumento, veja o que diz o § 4º do art. 1.046 do CPC 2015:

§ 4º As remissões a disposições do Código de Processo Civil revogado, existentes em outras leis, passam a referir-se às que lhes são correspon-dentes neste Código.

Dessa forma, quando o CPC 2015 entrar em vigor, no qual se lê CPC 1973, no § 1º do art. 33 da Lei nº 9.307/1996, passará a ser lido CPC 2015.

comandos da sEntEnça quE julgaR pRocEdEntE a anulação

Agora, se o juiz considerar procedentes os argumentos do autor, ele irá declarar a nulidade da sentença arbitral, em todas as hipóteses do art. 32 da Lei nº 9.307/1996:

rEdação original da lEi nº 9.307/1996 altEração promovida pEla lEi nº 13.129/2015

Art. 33. [...]§ 2º A sentença que julgar procedente o pe-dido:I – decretará a nulidade da sentença arbitral, noscasosdoart.32,incisosI,II,VI,VIIeVIII;II – determinará que o árbitro ou o tribunal ar-bitral profira novo laudo, nas demais hipóteses.

Art. 33. [...]§ 2º A sentença que julgar procedente o pedido declarará a nulidade da sen-tença arbitral, nos casos do art. 32, e determinará, se for o caso, que o árbi-tro ou o tribunal profira nova sentença arbitral.

impugnação incidEntal da sEntEnça aRbitRal

Em vez de ajuizar uma ação autônoma pedindo a nulidade da sentença arbitral, a parte poderá alegar esse vício como uma matéria de defesa no mo-mento em que a outra parte estiver executando a sentença arbitral. Essa alega-ção é feita mediante IMPUGNAÇÃO, já que a sentença arbitral é título executi-vo judicial, não havendo que se falar, portanto, em embargos do devedor, que é uma defesa típica da execução de títulos extrajudiciais. Compare a mudança:

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rEdação original da lEi nº 9.307/1996

altEração promovida pEla lEi nº 13.129/2015

Art. 33. [...]§ 3º A decretação da nulidade da sen-tença arbitral também poderá ser arguida mediante ação de embargos do devedor, conforme o art. 741 e seguintes do Códi-go de Processo Civil, se houver execução judicial.

Art. 33. [...]§ 3º A declaração de nulidade da sentença arbitral também poderá ser arguida me-diante impugnação, conforme o art. 475-L e seguintes da Lei nº 5.869, de 11 de janei-ro de 1973 (Código de Processo Civil), se houver execução judicial.

Aqui, o legislador cometeu o mesmo equívoco do § 1º e a Presidente da República, a fim de evitar discussões estéreis, deveria ter vetado esse § 3º. Isso porque o CPC 2015 já traz uma regra muito semelhante alterando este mesmo § 3º do art. 33 da Lei nº 9.307/1996. Vamos comparar:

rEdação original dalEi nº 9.307/1996

altEração fEita na lEi nº 9.307/1996 pEla

lEi nº 13.129/2015

altEração fEita na lEi nº 9.307/1996

pElo CpC 15

Art. 33. [...]§ 3º A decretação da nulida-de da sentença arbitral tam-bém poderá ser argüida me-diante ação de embargos do devedor, conforme o art. 741 e seguintes do Código de Processo Civil, se houver execução judicial.

Art. 33. [...]§ 3º A declaração de nuli-dade da sentença arbitral também poderá ser argui-da mediante impugnação, conforme o art. 475-L e se-guintes da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Có-digo de Processo Civil), se houver execução judicial.

Art. 33. [...]§ 3º A decretação da nuli-dade da sentença arbitral também poderá ser reque-rida na impugnação ao cumprimento da sentença, nos termos dos arts. 525 e seguintes do Código de Pro-cesso Civil, se houver exe-cução judicial.

Como já explicado nos comentários ao § 1º, quando o CPC 2015 entrar em vigor, em março de 2016, a redação dada pela Lei nº 13.129/2015 será revogada pelo novo CPC.

Assim, a partir de março de 2015, a redação que irá vigorar no § 3º do art. 33 da Lei nº 9.307/1996 será aquela que foi dada pelo CPC 2015 (terceiro quadro).

sEntEnça aRbitRal complEmEntaR

Como visto mais anteriormente, agora é possível a prolação de sentença arbitral parcial. Ocorre que poderia acontecer de os árbitros proferirem uma sentença parcial e, mesmo passado tempo razoável, não decidissem o restante da controvérsia. A fim de evitar esta indesejável situação, a Lei nº 13.129/2015

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acrescentou um parágrafo ao art. 33 trazendo a possibilidade de a parte ajuizar ação exigindo que os peritos complementem a sentença arbitral caso esta tenha sido apenas parcial. Veja:

Art. 33 [...]

§ 4º A parte interessada poderá ingressar em juízo para requerer a pro-lação de sentença arbitral complementar, se o árbitro não decidir todos os pedidos submetidos à arbitragem.

Repare que a parte interessada não irá requerer que Poder Judiciário complete a sentença arbitral. A ação é proposta com o objetivo de que Poder Judiciário determine aos árbitros que decidam todos os pedidos submetidos à arbitragem.

O § 4º foi omisso quanto ao prazo desta ação, razão pela qual deve-se aplicar o mesmo prazo de 90 dias previsto no § 1º deste art. 33. Ora, se a ação objetivando a declaração de nulidade segue o prazo de 90 dias, com mesma razão deve ser este o prazo para a ação visando apenas à complementação da sentença arbitral parcial.

10 TUTELAS CAUTELARES E DE URGÊNCIA

A Lei Brasileira de Arbitragem possuía uma grave falha: não havia previ-são de que, antes de ser iniciado o procedimento arbitral, pudessem ser conce-didas tutelas cautelares e antecipadas para resguardar os interesses das partes que estivessem em situação de urgência.

Imagine, por exemplo, que duas grandes companhias mantivessem entre si um contrato para fornecimento de insumos e matérias-primas. Neste ajus-te, havia uma cláusula arbitral “vazia” (“em branco”), ou seja, uma cláusula prevendo que os litígios deveriam ser resolvidos por meio de arbitragem, mas sem especificar os detalhes sobre o procedimento. Dessa feita, seria necessária, ainda, a firmação de um compromisso arbitral. Ocorre que a empresa respon-sável pelo fornecimento não está cumprindo sua parte no contrato e não tem entregue a matéria-prima, o que tem gerado gigantescos prejuízos à outra parte contratante. Esta empresa prejudicada não tinha, na Lei de Arbitragem, nenhum instrumento jurídico por meio do qual pudesse resguardar seus interesses de forma imediata e rápida.

E agora?

A Lei nº 13.129/2015 acrescentou um importante capítulo na Lei nº 9.307/1996 prevendo a possibilidade de serem concedidas tutelas cautelares e de urgência antes e durante o procedimento arbitral.

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Mas se ainda não existem árbitros escolhidos, quem irá deferir tais medidas?

O Poder Judiciário. A Lei nº 13.129/2015 estabeleceu que, se for neces-sária alguma medida cautelar ou de urgência e ainda não houver sido instituída a arbitragem, as partes poderão requerê-las junto ao Poder Judiciário. Veja a novidade:

Art. 22-A. Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de ur gência.

Assim, em nosso exemplo, a empresa prejudicada poderá pedir ao juiz que conceda uma medida de urgência no sentido de que a outra empresa con-tinue fornecendo a matéria-prima ajustada no contrato até que a disputa contra-tual seja resolvida pelos árbitros, sob pena de multa diária.

Depois de conseguir a medida pleiteada junto ao Poder Judiciário, a par-te terá que requerer a instituição da arbitragem em até 30 dias, sob pena de a medida ser cessada:

Art. 22-A. [...]

Parágrafo único. Cessa a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de efetivação da respectiva decisão.

Depois de instituída a arbitragem, os árbitros poderão revogar a medida concedida pelo Judiciário?

SIM. A medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário é provisória e, depois de instituída a arbitragem, os árbitros irão reexaminá-lo e poderão mantê-la, modificá-la ou revogá-la. Veja:

Art. 22-B. Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário.

Poderão ser concedidas medidas cautelares ou de urgência depois de instaurado o procedimento arbitral?

SIM, mas neste caso tais medidas serão concedidas pelos próprios árbi-tros que já estarão escolhidos:

Art. 22-B. [...]

Parágrafo único. Estando já instituída a arbitragem, a medida cautelar ou de urgência será requerida diretamente aos árbitros.

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA .............................................................................................................27

Antes da Lei nº 13.129/2015, a Lei nº 9.703/1996 determinava que tais medidas deveriam ser requeridas pelo árbitro ao Poder Judiciário, conforme previsto no art. 22, § 4º:

§ 4º Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa.

Esse § 4º foi, contudo, revogado pela Lei nº 13.129/2015, deixando claro que é o próprio árbitro quem determina a medida deferida.

11 CARTA ARBITRAL

O que são as cartas no Direito Processual?

Todo juízo possui competência restrita a limites territoriais. Dentro des-tes limites, o próprio Magistrado pode praticar os atos processuais por meio de ordem judicial. Se o ato tiver que ser praticado fora dos limites territoriais onde o juízo exerce sua competência, ele terá que se valer das chamadas “cartas”.

Carta, para o direito processual, é, portanto, um instrumento de auxílio entre dois juízos. Determinado juízo expede uma carta para que outro juízo pratique determinado ato processual na esfera de sua competência.

EspéciEs dE caRta

Tradicionalmente, nosso Direito Processual conhecia três tipos de carta:

Carta dE ordEm Carta rogatória Carta prECatória

Serve para que um Tribunal delegue a juízo inferior “su-bordinado” a ele a prática de determinado ato proces-sual.Ex.: o Ministro do STF expe-de carta de ordem para que o juízo federal ouça uma testemunha localizada em Natal (RN).

Ocorre quando um juízo solicita que outro juízo pra-tique determinado ato pro-cessual fora do País.Ex.: juízo de Belém (PA) expede uma carta rogatória para que seja ouvida uma testemunha residente na Alemanha, pela autoridade judiciária alemã.

Ocorre quando um juízo solicita que outro juízo, de igual hierarquia, pratique determinado ato processual nos limites de sua compe-tência, dentro do Brasil.Ex.: o juízo da comarca de Niterói (RJ) expede uma carta precatória para que o juízo da comarca de Búzios (RJ) ouça uma testemunha que lá reside.

caRta aRbitRal

A Lei nº 13.129/2015 criou uma quarta espécie: a carta arbitral.

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28 .........................................................................................................RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Por meio da carta arbitral, o árbitro ou o tribunal arbitral solicita que um órgão jurisdicional nacional (juiz de direito ou juiz federal) pratique ou deter-mine o cumprimento de algum ato que seja necessário para o procedimento arbitral. Ex.: o árbitro que está solucionando uma controvérsia envolvendo duas partes que moram em Salvador (BA) expede uma carta arbitral para que o juízo de direito de Manaus (AM) intime um diretor de empresa que reside na capital amazonense.

Veja a previsão legal que foi inserida na Lei nº 9.307/1996:

Art. 22-C. O árbitro ou o tribunal arbitral poderá expedir carta arbitral para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cum-primento, na área de sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro.

Parágrafo único. No cumprimento da carta arbitral será observado o se-gredo de justiça, desde que comprovada a confidencialidade estipulada na arbitragem.

Desse modo, Magistrados não se assustem quando começarem a receber cartas expedidas por árbitros e tribunais arbitrais requerendo a prática de atos processuais.

Vale ressaltar que novo CPC, que entrará em vigor em 2016, também já previa expressamente a existência das cartas arbitrais determinando que elas deverão atender, no que couber, aos requisitos das demais cartas (precatória, de ordem, rogatória) e exigindo que ela seja instruída com a convenção de ar-bitragem e com as provas da nomeação do árbitro e de sua aceitação da função (art. 260, § 3º, do CPC 2015).

12 ALTERAÇÃO NA LEI DAS S/A

aRbitRagEm sociEtáRia

A Lei nº 13.129/2015 acrescenta um artigo à Lei das Sociedades Anô-nimas (Lei nº 6.404/1976), permitindo que a arbitragem seja utilizada como método para solução de controvérsias societárias. Confira a redação:

Art. 136-A. A aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observado o quorum do art. 136, obriga a todos os acio-nistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da com-panhia mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 45.

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§ 1º A convenção somente terá eficácia após o decurso do prazo de 30 (trinta) dias, contado da publicação da ata da assembleia geral que a aprovou.

§ 2º O direito de retirada previsto no caput não será aplicável:

I – caso a inclusão da convenção de arbitragem no estatuto social repre-sente condição para que os valores mobiliários de emissão da compa-nhia sejam admitidos à negociação em segmento de listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% (vinte e cinco por cento) das ações de cada espécieouclasse;

II – caso a inclusão da convenção de arbitragem seja efetuada no esta-tuto social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado, nos termos das alíneas a e b do inciso II do art. 137 desta lei.

13 VACATIO LEGIS

A Lei nº 13.129/2015 foi prevista com vacatio legis de 60 dias, entrando em vigor no dia 26.07.2015.

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Assunto Especial – Doutrina

Lei nº 3.129/2015: Alterações na Lei de Arbitragem

As Repercussões da Lei nº 13.129/2015, que Altera a Lei de Arbitragem, no Direito de Retirada das Sociedades Anônimas

éRICA GueRRA DA SILvAProfessora Assistente da UFRRJ, Doutoranda em Direito pela Universidade Estácio de Sá, Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros, Membro Permanente da Comissão de Direito Empresarial do Instituto dos Advogados Brasileiros, Vice-Presidente da Comissão de Direito Empresarial do Instituto dos Advogados Brasileiros, Biênio 2014/2016, Professora Assistente da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Autora de livros e artigos jurídicos.

No dia 26 de maio de 2015, foi sancionada a Lei nº 13.129, que dispõe sobre alterações a Lei de Arbitragem, Lei nº 9.307, de 1996, tendo sido publica-da em 27 de maio de 2015, com vacatio legis de 60 (sessenta) dias.

Promulgada há quase duas décadas, a Lei de Arbitragem, nº 9.307, de 1996, necessitou de aperfeiçoamento para atender às modificações da socie-dade e para “sua aplicação a outras formas de relações jurídicas, contribuindo para a redução de ações judiciais no Poder Judiciário, na medida em que carre-ga perspectiva de racionalidade para a jurisdição estatal, hoje assoberbada com o decantado volume de processos”1.

Verifica-se que o legislador está atento à unidade que deve existir no ordenamento jurídico, que garante a certeza e a segurança no campo jurídico.

A Lei nº 13.129/2015 altera a Lei nº 6.404, de 1976, que trata das so-ciedades por ações, para dispor sobre a possibilidade de recesso em favor do acionista dissidente de deliberação de inserção de convenção de arbitragem quando de alteração estatutária.

Estabelece, no art. 136-A, “a aprovação da inserção de convenção de ar-bitragem no estatuto social, observado o quórum do art. 136, obriga a todos os acionistas da companhia, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar--se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações (art. 45). § 1º A convenção somente terá eficácia após o decurso do prazo de 30 (trinta) dias, contados da publicação da ata da assembleia geral que a aprovou”.

1 Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=114641>.

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA .............................................................................................................31

É cediço que a solução de litígios por meio da arbitragem foi realçada pelo legislador na reforma da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, es-tabelecida pela Lei nº 10.303, de 31 de dezembro de 2001, que incluiu no art. 109, o § 3º: “O estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionadas mediante arbitragem, nos ter-mos em que especificar”. O § 3º do art. 109, introduzido na reforma da Lei das S/A, em 2001, veio permitir que o estatuto da S/A indique a arbitragem como forma de solução de conflito entre os acionistas entre si e entre os acionistas e a sociedade.

A Lei nº 13.129/2015, no art. 136-A, estabelece o quórum para inserção da convenção de arbitragem, assegura direito ao dissidente o direito de retira-da e descreve o decurso do tempo para eficácia da cláusula da convenção de arbitragem. Busca-se atender à hipótese de companhia que há o denominado “controle majoritário”, em que o quórum qualificado não assegura proteção aos acionistas minoritários garantindo o direito de retirada aos acionistas dissi-dentes.

É sabido que acionista é toda pessoa física ou jurídica que titulariza ações da companhia, ou seja, o possuidor de ações que integram e compõem o capital social.

Aos acionistas são atribuídos direitos de duas categorias: essenciais e mo-dificáveis (todos os direitos não essenciais).

Os direitos essenciais são inerentes à condição de acionista e estão pre-vistos no art. 109 da LSA, entre os direitos essenciais está o de retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta lei, estando vinculado à deliberação, em assembleia.

Em regra, o quórum de deliberações em assembleias gerais das compa-nhias abertas será tomado pela maioria absoluta dos votos, não se computando os votos em branco.

A Lei nº 13.129/2015 estabelece que a assembleia de acionistas, convo-cada e instalada de acordo com a lei e o estatuto para decidir sobre a inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observará o quórum qualifica-do estabelecido no art. 136: metade mais uma das ações com direito a voto, podendo o estatuto estabelecer quórum mais elevado. A Lei nº 13.129/2015 dispõe de forma elucidativa que o quórum qualificado é para inserção de con-venção de arbitragem no estatuto social, não sendo o mesmo quórum exigido para alteração ou exclusão sobre a matéria.

Trata-se da regulamentação da eficácia da cláusula de convenção de ar-bitragem em relação a todos os acionistas, o que está de acordo com o funda-

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32 .........................................................................................................RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

mento principal da arbitragem estabelecida no art. 1º da Lei nº 9.307/1996, de tratar da manifestação da vontade autônoma e privada, garantindo às pessoas capazes de contratar valer-se do instituto para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

A participação na sociedade por meio da compra de ações não se equipa-ra a um contato de adesão, ou seja, não é disciplinada pelas regras das relações de consumo. As relações societárias seguem as regras do direito societário, o que exige daqueles que compram ações a participação da sociedade e o conhe-cimento das relações às quais a sociedade e aqueles acionistas estão sujeitos.

Findo o prazo de 30 dias, a contar da publicação da ata da assembleia, ficam vinculados todos os acionistas da companhia.

O § 2º do art. 136-A dispõe:

O direito de retirada previsto acima não será aplicável: I – caso a inclusão da convenção de arbitragem no estatuto social represente condição para que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação em segmento de listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% das ações de cada espécie ou classe;II–casoainclusãodaconvençãodearbitragemsejaefetuadanoestatu-to social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e disper-são no mercado, nos termos das alíneas a e b do inciso II do art. 137 desta lei.

O § 2º do art. 136-A trata de duas situações distintas que limitam o exer-cício do direito de retirada em companhia de capital aberto2, demonstrando que o direito de retirada não é absoluto quanto à inclusão de cláusula compromis-sória no estatuto social.

O § 2º do art. 136-A, I, aduz sobre os novos segmentos diferenciados criados pela BM&FBovespa para listagem das empresas negociadas em seus mercados:

Trata-se do Novo Mercado, e dos Níveis 1 e 2 de Governança Corporativa e do Bovespa Mais (no mercado de balcão). Em todos os casos, a adesão das com-panhias é voluntária e exige a assinatura de um contrato com a Bolsa. Ao parti-cipar desses segmentos de negociação, as empresas se submetem a normas de “boa prática de governança corporativa” que devem favorecer o funcionamento do mercado como fonte de captação de recursos das empresas.3

2 A companhia de capital aberto é aquela cujos títulos de emissão própria (ações, debêntures, bônus de subscrição, commercial papers) estão registrados na Comissão de Valores Mobiliários – CVM e distribuídos entre o público, podendo ser negociados no mercado de bolsa ou de balcão organizado. Observe-se que a distribuição pode resultar de um processo de oferta pública ou privada. (Disponível em: <http://lojavirtual.bmf.com.br/LojaIE/portal/pages/pdf/Apostila_PQO_Cap_05_V2.pdf>)

3 Disponível em: <http://lojavirtual.bmf.com.br/LojaIE/portal/pages/pdf/Apostila_PQO_Cap_05_V2.pdf>.

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No Brasil, exige-se que as companhias, para fazerem parte do Novo Mer-cado, tenham um maior compromisso com os minoritários, com a adoção de outros mecanismos, além dos recomendados pelo Código das Melhores Práticas deGovernançaCorporativa,doIBGC;ocapitalsocialcompostosomenteporaçõesordinárias;realizemofertaspúblicasdecolocaçãodeaçõespormeiodemecanismosquefavoreçamadispersãodocapital;mantenhamemcirculaçãodeumaparcelamínimadeaçõesrepresentando25%docapital;adesãoàCâ-mara de Arbitragem do Mercado para resolução de conflitos societários, entre outras obrigações que devem cumprir.

No § 2º do art. 136-A, II, dispõe sobre a companhia aberta, cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado, sendo adotado o disposto no art. 137 da Lei nº 6.404/1976, que trata da aprovação de determinadas ma-térias em assembleia geral e dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia, mediante o recebimento do valor das suas ações, a ser pago pela própria companhia, descrevendo, no inciso II:

Nos casos dos incisos IV e V do art. 136 (IV – fusão da companhia, ou sua in-corporação em outra e V – participação em grupo de sociedades (art. 265)), não terá direito de retirada o titular de ação de espécie ou classe que tenha liquidez e dispersão no mercado, considerando-se haver: a) liquidez, quando a espécie ou classe de ação, ou certificado que a represente, integre índice geral represen-tativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no mercado de valores mobiliários, no Brasil ou no exterior, definido pela Comissão de Valores Mobiliários; eb)dispersão,quandooacionista controlador, a sociedadecon-troladora ou outras sociedades sob seu controle detiverem menos da metade da espécie ou classe de ação.

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Parte Geral – Doutrina

Processo Jurisdicional Democrático – Relação entre Verdade e Prova

CARLOS HenRIQue SOAReSDoutor e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-Minas, Professor da PUC-Minas de Direito Processual Civil – Barreiro (Graduação e Pós-Graduação), Coordenador de Curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil do IEC-PUC-Minas-Barreiro, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), Instituto Pan-Americano de Derecho Procesal (IPDP), Instituto de Direito de Língua Portuguesa (IDILP), Membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG), Advogado e Sócio da Pena, Dylan, Soares & Carsalade Sociedade de Advogados. Escritor de diversas obras e artigos jurídicos. Palestrante.

RESUMO: O texto relaciona os conceitos de prova e verdade, demonstrando que, no processo juris-dicional democrático, a verdade é construída pelo consenso.

PALAVRAS-CHAVE: Direito processual democrático; prova; verdade; legitimidade.

RESUMEN: El texto se refiere a los conceptos de la prueba y la verdad, lo que demuestra que el processo jurisdicional democrático, la verdad es construidas por consenso.

PALABRAS CLAVE: Procedimiento procesal democrático; prueba; verdad; legitimidad

SUMÁRIO: Introdução; I – Teorias clássicas sobre a “verdade”; II – “Verdade” e prova; III – Prova, “verdade” e o (in)consciente; IV – “Verdade”, processo e decisão jurisdicional; V – Verdade, prova e o novo Código de Processo Civil; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

A relação entre verdade e prova é um dos pontos mais tormentosos do direito processual, tanto no Brasil quanto no mundo. Verificamos que a pro-va, muitas das vezes, leva o julgador a acreditar que o que ficou provado é justamente o que realmente ocorreu. Tal erro em acreditar que a prova é uma representação fiel da realidade induz, às vezes, a inúmeros erros judiciários e compreensões erradas sobre o mundo e sobre o direito processual.

O presente texto pretende, em seu objetivo, desconstruir a imagem de que a prova é a representação fiel da realidade, bem como justificar que erros judiciários podem ocorrer, na análise da prova, por conta de interpretações judiciais equivocadas sobre a prova e seu objeto.

Portanto, buscaremos, nesse ponto, informar, inicialmente, que a prova é um elemento interpretativo, que depende da subjetividade humana e tanto das partes quanto do juiz. A análise da prova é uma atividade de dialógica, cons-

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truída e sempre realizada na medida da formalidade, ou seja, construída na me-dida do debate em contraditório das partes e dos fundamentos jurisdicionais, e nunca a prova pode ser considerada uma representação fiel da realizada fática.

Com essa introdução, será necessário tecer algumas considerações sobre as principais teorias sobre a verdade existente no mundo jurídico e filosófico. Vejamos.

I – TEORIAS CLÁSSICAS SOBRE A “VERDADE”

As teorias clássicas ou substanciais sobre a “verdade” podem ser dividi-dasem:a)teoriadacorrespondência;b)teoriadacoerência;c)teoriadacon-vençãooudoconsenso;d)teoriapragmatista;ee)teoriadaverificaçãoideal.

A teoria da correspondência ou evidência estabelece que a verdade é a adequação do nosso intelecto à coisa ou da coisa ao nosso intelecto. A teoria da coerência estabelece que a verdade é a coerência interna, ou a coerência lógica das ideias que, de acordo com as regras e leis dos enunciados, formam um raciocínio.

A teoria da convenção ou do consenso estabelece que a verdade é o consenso a que, observados princípios e convenções que estabelecem sobre o conhecimento, chegam os membros de uma comunidade de pesquisadores ou estudiosos.

A teoria pragmática estabelece que a verdade está nos resultados e apli-cações práticas do conhecimento, sendo aferível pela experimentação e pela experiência.

Por último, a teoria da verificação ideal estabelece que a verdade está nos resultados obtidos dentro de situações ideais de experimentação.

A indicação das referidas teorias da verdade teve o único sentido de noti-ciar a sua existência, mas não serão devidamente analisadas, por fugir ao esco-po do presente artigo, que busca, justamente, trabalhar a verdade e o processo no âmbito filosófico-processual exclusivamente. Contudo, algumas considera-ções são bem-vindas, como bem ressalta Marilena Chauí (1995):

Na primeira e na quarta teoria, a verdade é o acordo entre o pensamento e a re-alidade. Na segunda e na terceira teoria, a verdade é o acordo do pensamento e da linguagem consigo mesmos, a partir de regras e princípios que o pensamento e a linguagem deram a si mesmos, em conformidade com sua natureza própria, que é a mesma para todos os seres humanos (ou definida como a mesma para todos por um consenso).1

1 CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 2. ed. São Paulo: Ática, 1995. p. 100-101.

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Diante de tais teorias, e fazendo um paralelo com as decisões jurisdicio-nais, pode-se afirmar que a sentença é verdade se, e somente se, corresponde aumfato(teoriadacorrespondência);asentençaéverdadese,esomentese,corresponde a um conjunto de crenças internamente coerente (teoria da coe-rência);asentençaéverdadese,esomentese,correspondeaoconsensodadoaos membros de uma comunidade de pesquisadores ou estudiosos (teoria do consenso);asentençaéverdadese,esomentese,éalgoútilaseacreditar(teo-riapragmática);asentençaéverdadese,esomentese,éprovávelouverificávelem condições ideais.

Em todas as teorias da verdade citadas, há um ponto comum, qual seja, a adequação ou conformidade entre o intelecto e a realidade. O intelecto é a inteligência, o entendimento, a razão, o conhecimento intelectual. A realidade é o ser. Na correspondência entre o intelecto e o ser, firma-se a adequação de ideias constitutivas do objeto (adaequatio intellectus et rei)2.

Por óbvio e por exclusão, podemos afirmar que a definição e o entendi-mento do sentido do termo “verdade” faz com que possamos compreender o sentido de “falso”. Do ponto de vista processual, a verdade é sempre perquirida e a falsidade é sempre punida, por ser considerada deslealdade e má-fé proces-sual (arts. 16 e seguintes do Código de Processo Civil brasileiro de 1973).

Verifica-se, também, outro ponto que merece reflexão. Todas trabalham o conceito de “verdade” no âmbito substancial. Nessa perspectiva, admitem justificativa para sua modificação a sentença judicial que não corresponder à verdadedosfatos;ouquenãocorresponderaumconjuntodecrençasinter-namentecoerente;ou,ainda,quenãocorresponderaumconsenso;quenãoforpassíveldecomprovaçãoemcondiçõesideais;ounaqualnãoformaisútilacreditar. Como preferem alguns, tais casos permitem a “flexibilização da coisa julgada”. Isso impede a garantia da segurança jurídica e certeza no direito.

Quando se trabalha com qualquer teoria da verdade substancial, fica fácil justificar a modificação da decisão jurisdicional de reconhecimento ou negatória de paternidade. Parece ser essa a orientação dos Tribunais brasileiros, que, fundada na verdade substancial, justificam a flexibilização da coisa julga-da para garantir a “justiça nas decisões.”

II – “VERDADE” E PROVA

Com base nas teorias subjetivas da verdade e relacionando com o direito processual brasileiro, podemos anotar, de forma clara, que existe uma tendên-cia de se admitir a subjetividade da prova e da verdade.

2 BARROS, Marco Antonio de. A busca da verdade no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 15.

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A valoração e valorização da prova pelo julgador de primeiro grau de jurisdição pode ser diferente da valoração e valorização da prova pelo segundo grau de jurisdição, e isso pode modificar todas as compreensões tomadas como verdadeiras (premissas), bem como o resultado (decisão). A subjetividade do julgador, no fim, é o que pode nortear os elementos que serão tomados como verdadeiros nos autos3.

Ninguém duvida que a presença da subjetividade, no momento da de-cisão, exista e é utilizada. No entanto, precisamos estabelecer os limites para que os fatos e provas sejam tratados como verdadeiros. Qual seria o critério para que determinado fato ou elemento possa ser tomado como verdadeiro no processo?

Apenas para ilustrar o que estamos querendo dizer, veja a decisão to-mada pelo Tribunal Superior de Justiça do Brasil, no julgamento do Recurso Especial nº 226436/PR, proferida pela 4ª Turma, cujo Relator foi o Ministro Sálvio Figueiredo Teixeira, publicado no Diário Oficial da União em 04.02.2002: “Sempre recomendável a realização de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima pro-babilidade, senão de certeza na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real. A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se apro-fundam no reestudo do instituto, na busca, sobretudo, da realização do proces-so justo, “a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que, numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade. IV – Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, fir-mar posições que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum.”

Deduz-se, pela análise do presente acórdão, que o Ministro Relator jus-tifica a possibilidade de modificação da sentença e da coisa julgada sob o fun-damento de que o que importa no processo jurisdicional é justamente a busca da verdade real. Ao afirmar isso, o Ministro Relator demonstra sua afinidade à teoria da verdade como correspondência. Acrescenta, ainda, que o que está a autorizar a modificação do julgado é, justamente, a prova pericial de DNA, que

3 Cf. Rosemiro Pereira Leal: “A valoração da prova é, num primeiro momento, perceber a existência do elemento de prova nos autos do procedimento. Num segundo momento, pela valorização, é mostrar o conteúdo de importância do elemento de prova para a formação do convencimento e o teor significativo de seus aspectos técnicos e lógico-jurídicos de inequivocidade material e formal” (LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 135).

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permite ao julgador atribuir juízo de quase certeza sobre a possibilidade de pa-ternidade. Tal orientação anteriormente indicada serviu de base para que outras decisões fossem dadas nos demais Tribunais de Justiça dos Estados brasileiros, possibilitando a rediscussão das ações de reconhecimento de paternidade já sobre o manto da coisa julgada.

A tese defendida pelo Sr. Ministro Sálvio Figueiredo Teixeira, além de adotar uma teoria subjetiva de verdade, infelizmente, confunde os conceitos de “prova”, “verdade” e “certeza”.

Quando se busca a “verdade” na ação de reconhecimento de paterni-dade, isso não implica a certeza da paternidade. Tal afirmativa pode ser verifi-cada nos dizeres de Malatesta (1996), ressaltando que a verdade, em geral, é a conformidade da noção ideológica com a realidade, enquanto a crença na per-cepçãodestaconformidadeéacerteza;porvezes,tem-secertezadoque,ob-jetivamente,éfalso;porvezes,duvida-sedoque,objetivamente,éverdadeiro4.

A verdade é o desvelamento, a manifestação do ser, a lucidez do objeto ao olhar que só é alcançada com a inteligência e a compreensão humana. Não existe verdade absoluta, os objetos só nos mostram parte de sua realidade5. A verdade absoluta poderia ser traduzida pelo termo “certeza”. Ou seja, quando se crer que não há nada mais que possa derrubar as informações tidas como verdadeiras.

No processo jurisdicional e nas ciências em geral, a evidência que temos é que nenhuma verdade é absoluta. Nas ciências, de um modo geral, e nas ciências jurídicas e no processo, não existe verdade absoluta (certeza), pois, a todo instante, estamos desenvolvendo modos diversos e distintos para entender e responder a novas situações fáticas e jurídicas que a complexidade humana e suas relações trazem para o plano social.

A verdade processual, ou seja, elementos considerados existentes nos processos de tomada de decisão, são obtidos por meio de uma reconstrução dos fatos com a indicação de argumentos jurídicos, provas testemunhas e do-cumentais, perícias e presunções, que levam os sujeitos processuais (partes, advogados6, Ministério Público e juiz) a formarem suas convicções particulares e valorizando aqueles dados que interessam e que possuam relevância e con-sequências jurídicas.

4 MALATESTA, Nicola Framarino dei. A lógica das provas em matéria criminal. Trad. Paolo Capitanio. 3 ed., 1912. Campinas: Booksseller, 1996. p. 21.

5 DA COSTA, N. C. A. O conhecimento científico. 2. ed. São Paulo: Discurso Editorial, 1999.6 Cf. Carlos Henrique Soares, em seu livro Estatuto da Advocacia e Processo Constitucional, em que há a

afirmação específica de que a participação do advogado e seus argumentos devem ser necessários para que se possa ter um processo democrático e constitucional. Isso significa dizer que o advogado, por meio de suas interpretações e provas que ajudam a praticar, necessariamente contribui para o processo de formação da verdade processual (SOARES, Carlos Henrique. Estatuto da Advocacia e Processo Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2014).

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É importante ressaltar que a verdade processual sofre influência direta das opções políticas e das subjetividades de cada sujeito processual participante do processo jurisdicional. Isso significa que, se tratamos de observar a realidade construída pelo autor de uma pretensão, verificamos que o mesmo irá construir fatos e fundamentos jurídicos, bem como produzir provas para demonstrar sua razão de direito e de fato no processo e obter politicamente o resultado espera-do, qual seja, a procedência do pedido.

Lado outro, o réu terá a mesma conduta do autor, no entanto em sentido contrário, que buscará sustentar que suas razões sobre fatos e direitos contrários aos interesses do autor, apresentando provas que demonstram uma realidade totalmente diferente da apresentada pelo autor.

A apresentação de realidades distintas pelo autor e pelo réu, por si só, não permite afirmar que um dos dois estão trazendo argumentos falsos ao pro-cesso para obter vantagem indevida, o que seria considerado litigância de má--fé. Apenas demonstra, em um primeiro momento, que temos a percepção da realidade e da verdade dos fatos interpretada de forma diferente, dependendo do sujeito e de suas convicções.

Acontece de o juiz, após ler as pretensões do autor e as pretensões resisti-das do réu, apresentar uma terceira via de compreensão da realidade, tomando como verdadeiros pontos ou questões que para o autor e para o réu não foram valorados (percebidas) ou valorizados. Essa terceira via de compreensão justifi-ca que a verdade, especialmente presente nos autos, é sempre algo reconstruí-do, não sendo possível definir uma verdade absoluta e uma falsidade por quem não coaduna com a aquilo que foi admitido como verdadeiro. As verdades são convenções, e, portanto, é impossível qualquer tipo de inferência sobre verda-de sem que todos os participantes do processo tenham estabelecido algumas premissas idênticas.

Conforme adverte Rosemiro Pereira Leal, “desservem ao Direito, na con-temporaneidade, os estudos da prova, se concebida, como assinalado, em mol-des judiciaristas, mediante avaliação de sua eficácia probante pelo ‘poder’ da sensibilidade e do talento da apreensibilidade jurisdicional7”.

Nas democracias, a “prova” não é parâmetro para a busca da “verdade real”. O ato de “provar” é entendido como “representar e documentar, instru-mentando, os elementos de prova pelos meios de prova8”. A prova, na demo-cracia, não pretende estabelecer a “verdade”, mas, sobretudo, ser uma garantia do devido processo constitucional.

7 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 193.8 Idem, ibidem.

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Para cumprir essa sua função de garantia do devido processo constitucio-nal, a “prova” enuncia-se pelos conteúdos lógicos de aproximação dos seguin-tesprincípios:a)indiciariedade;b)ideação;ec)formalização.NaliçãodeLeal:

[...] o princípio da indiciariedade aponta o elemento de prova no espaço. O princípio da ideação rege o meio intelectivo legal da coleta da prova no tem-po do pensar. O princípio da formalização realiza o instrumento da prova pela forma estabelecida em lei. De consequência, a prova, como instituto jurídico, enuncia-se a partir do mundo da realidade dos elementos sensoriais pelos meios de ideação jurídica para elaboração do instrumento de sua expressão formal.9

De fato, a busca da “verdade” dos fatos não é responsabilidade do juiz, nem do processo e, muito menos, da prova. Isso significa afirmar que todos os sujeitos processuais e interessados na decisão jurisdicional podem analisar e motivar quais foram suas interpretações sobre a prova produzida. A ausência dessa participação proíbe o juiz de decidir, por ausência de estabelecimento de premissas básicas para a decidibilidade10.

Percebemos que a tentativa dos processualistas em relacionar a “verdade” com a “prova” sempre esbarra na noção de verdade e de convicções pessoais do julgador, o que infelizmente não ajuda na compreensão do tema prova e suas implicações processuais. Não é a ausência de prova ou a demonstração de que as provas trazidas aos autos não condizem com a “verdade” que irão autorizar o reconhecimento da pretensão do autor ou da pretensão resistida do réu (defesa). Temos que observar, do ponto de vista processual, que a construção da prova se deu dentro da legalidade e do devido processo constitucional, ou seja, que o princípio do contraditório foi garantido em seu grau máximo e que as convicções e verdades processuais foram objeto de reflexão por todos os sujeitos processuais.

Expressões como “verdade real11” e “verdade formal12” não podem fazer mais parte do vocabulário jurídico científico, pois, como visto, a verdade só

9 Idem, p. 192.10 Cfr. Rosemiro Pereira Leal: “Nos arts. 131 e 332 do CPC, provar é ato reconhecido pela jurisdição, e não

atividade de demonstrar pelo instituto da prova. O CPC, nesse passo, é de irretocável autocracia (1973). Não tem eixo teórico no paradigma do Estado de Direito Democrático, não adota o instituto da prova em sua plenitude enunciativa de operacionalização de direitos fundamentais. Assim, quando é suprimida a produção de provas em nome do ‘livre convencimento’ do juiz (art. 131 do CPC) ou de uma justiça rápida ou pela retórica da singeleza dos casos, temos a ilusória resolução das demandas pelo delírio enganoso do consenso ou pela utopia do diálogo inesclarecido ou a terminação do caso pelo esquecimento do conflito. Exercer jurisdição sem procedimento é abolir a prova legal de existência do due process, porque para existir processo, é preciso produzir procedimento (espaço-tempo-formalizado), segundo a lei asseguradora da ampla defesa, do contraditório, da isonomia, do direito ao advogado e gratuidade dos serviços judiciários na defesa de direitos fundamentais” (Idem, p. 193).

11 Cf. Ada Pelegrini Grinover: “[...] a antítese ‘material-formal’ é criticável quer do ponto de vista terminológico, quer do ponto de vista substancial. É igualmente simplista a ulterior correlação: processo penal – verdade material; processo civil – verdade formal. Pressupõe ela a imagem de um processo civil, imutavelmente preso ao dogma da absoluta disponibilidade do objeto do processo e dos meios de prova, o que é inexato do ponto de vista do direito positivo, bem como do ponto de vista histórico” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. p. 82).

12 Cf. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 29. ed. São Paulo: Saraiva, v. I, 2007. p. 37: “No processo civil vigoram as presunções, as ficções, as transações, elementos todos contrários ‘à declaração de

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pode ser entendida como elemento construído ou reconstruído pelo debate das partes (contraditório). Daí, e somente por isso, se justifica, em alguns casos, a admissão ou não de fato, por presunção, ou seja, sem que o mesmo pudesse ser provado. A esse respeito, esclarece Theodoro Jr. que:

[...] somente depois de a parte não usar os meios processuais a seu alcance é que o juiz empregará mecanismos relativos ao ônus de prova e à ficta confessio. É, destarte, a própria parte, e não o juiz, que conduz o processo a um julgamen-to afastado da verdade real.13

Ainda no intuito de tecer críticas a essa dicotomia “verdade real” e “ver-dade formal”, sustenta Cambi que: “[...] A reconstrução dos fatos no processo penal não é mais relevante do que no processo civil, mesmo porque nem todas as condenações penais redundam na aplicação da pena de restrição da liber-dade, e, mesmo assim, em contrapartida, as consequências não patrimoniais de uma condenação civil poderiam ser tão graves quanto a restrição da liberdade (por exemplo, a perda do pátrio poder). Portanto, tanto no processo penal quan-to no civil, o melhor conhecimento possível dos fatos constitui pressuposto para uma boa decisão”14.

Merece acolhida, portanto, a afirmativa de não ser possível estabelecer diferenciação entre “verdade real” e “verdade formal”. A colocação da dicoto-mia e suas críticas acabam por disseminar muito mais dúvidas do que propria-mente soluções. Temos que o termo “verdade” está diretamente relacionando com o direito processual e com o princípio do contraditório. A verdade é um elemento construído e reconstruído na medida da garantia do contraditório. Segundo Soares, o contraditório significa a garantia da proibição da decisão sur-presa, ou seja, decisões que não sofreram o devido debate pelas partes. Que não foi garantido o efetivo direito de participação, que é muito mais do que apenas dizer e contradizer nos autos, mas sobretudo o direito de influenciar a decisão jurisdicional com argumentações, fatos e provas15. Esse direito ao contraditório, como garantia de influência, impede as chamadas “decisões surpresas16”.

certeza da verdade material’. Se o réu, no processo civil, estando em jogo interesses disponíveis (que constitui regra), reconhece a procedência do pedido, extingue-se o processo com a resolução do mérito (art. 269, II, do CPC). No processo penal, não; a confissão não passa de simples meio de prova”.

13 THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2007. p. 33-34.

14 CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 72-73.

15 SOARES, Carlos Henrique. Op. cit., p. 295.16 Cfr. José Lebre de Freitas: “A proibição da chamada decisão-surpresa tem sobretudo interesse para as

questões, de direito material ou de direito processual, de que o Tribunal pode conhecer oficiosamente: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do Tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade” (LEBRE DE FREITAS, José. Introdução ao processo civil: conceito e princípios gerais à luz do código revisto. Coimbra: Coimbra, 1996. p. 103).

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III – PROVA, “VERDADE” E O (IN)CONSCIENTE

A percepção do homem sobre a realidade, especialmente sobre os fatos que para si são tomados como verdadeiros e conscientes, não é fácil de ser co-nhecida e explicada. Embora pareça claro que a maioria das atitudes do homem possa a ser fruto de sua vontade e consciência, há estudos que demonstram que muitas das vezes aceitamos verdades e escolhas acreditando serem conscientes, mas que na verdade foram feitas pelo nosso cérebro de maneira inconsciente e sem que a pessoa assim o percebesse.

A dúvida sobre a verdade e até mesmo sobre a existência do homem e das situações fáticas vividas se constituem de uma das mais difíceis e importan-tes perguntas sobre a própria humanidade. Uma das principais reflexões sobre a verdade e sua existência foi apresentada por René Descartes, em seu livro Discurso do método, em que sua dúvida sobre a existência ficou concretiza-da no pensamento muito difundido, qual seja, “penso, logo existo17”. Com tal reflexão, Descartes colocou em dúvida a própria existência e a própria dúvida sobre os fatos da realidade, resolvendo um conflito existencial, incluindo um elemento subjetivo, qual seja, o “pensamento”. O pensamento é para Descartes a própria prova da existência da realidade. Essa constatação de que o pensa-mento constrói a realidade foi feito de modo empírico, sem conhecimento sobre a psicanálise.

Trazendo a psicanálise para o campo de investigação do Direito, é pos-sível entender que a prova está diretamente relacionada com o sujeito e, por-tanto, seus pensamentos e convicções. O pensamento é o elemento que une a realidade e a prova.

Um dos autores mais consagrados dos Estados Unidos, doutor em física e professor do Instituto de Tecnologia da Califórnia, Leonard Mlodinow, que possui várias estudos em parceria com o maior físico contemporâneo, Stephen Hawking, em 2013, apresentou uma obra intitulada Subliminar – Como o in-consciente influencia nossas vidas, na qual verificamos inúmeros capítulos em que o autor tenta afirmar e demonstrar situações normais da vida em sociedade em que acabamos sendo influenciados a escolher não com base em funda-mentos racionais, mas em convicções pessoais e, infelizmente, sem que pareça ser algo inconsciente. Isso significa dizer que, no livro, o autor sustenta a tese de que o subconsciente decide e faz com que situações pareçam verdadeiras, influenciando o processo de tomada de decisão. Esse processo de tomada de decisão, de escolha de produtos, filmes e pessoas, inconscientemente, leva o

17 DESCARTES, René. Discurso do método. Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 38.

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autor a sustentar que muitas vezes decidimos com fundamentos irracionais. Isso também acontece no pleno processual e justamente na produção da prova18.

Como afirma Mlodinow, “o comportamento humano é produto de um interminável fluxo de percepções, sentimentos e pensamentos, tanto no plano consciente quanto no inconsciente19”. Com tal afirmação, sendo transportado para o processo, temos a constatação de que o ato de deduzir pretensões ou pretensões resistidas, provar e decidir, muito embora pareça um ato exclusi-vamente racional e técnico, contém em si muito de percepções inconscientes, traduzindo informações e pré-compreensões do próprio sujeito processual que a produz, sejam eles as partes, os advogados ou o juiz.

“Fatores ambientais”, por exemplo, podem interferir no julgamento e na percepção da prova e em sua valoração e valorização. “Fatores argumentativos” que possam trazer emoções ou comoções pessoais podem também ajudar a condenar ou absolver determinada pessoa. A prova e a decisão, mesmo que não pareçam, sofrem influência direta dessa argumentação e dos fatores ambientais e emocionais dos intérpretes. No fim, significa dizer que, no âmbito processual, a verdade ou a realidade depende de inúmeros fatores, sendo que a racionalida-de está presente, mas sofre influência da irracionalidade ou do subconsciente20.

O que estamos querendo informar é justamente o fato de que um discur-so mais emotivo, menos técnico-jurídico, ou uma percepção da realidade de forma diferenciada, mais dura ou mais branda, pode influenciar irracionalmente a percepção da realidade, sem que isso possa ser percebido pelo sujeito proces-sual, que no fundo acredita ter apreendido as informações de forma racional, influenciando diretamente no discurso apresentado no Judiciário, nas provas e nas decisões jurisdicionais.

Assim, tomando por base a necessária compreensão de que a percepção da realidade tem um fator racional e um fator irracional, isso também deve in-fluenciar no processo de tomada de decisão jurisdicional. Os argumentos, fatos, provas e decisão estão intimamente ligados ao pensamento, e este é justamente o elemento subjetivo que cria a realidade, seja racional ou irracional.

18 MLODINOW, Leonard. Subliminar: como o inconsciente influencia nossas vidas. Trad. Cláudio Carina. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

19 Idem, p. 23.20 Cf. Leonard Mlodinow: “Na verdade, esses elementos ambientais têm uma influência poderosa – inconsciente

– não só no quando escolhemos comer, mas também no sabor da comida. Por exemplo, vamos supor que você não coma só no cinema, mas também vá a restaurantes, às vezes a restaurantes que oferecem mais do que um menu com vários tipos de hambúrgueres. Esses restaurantes mais elegantes costumam escrever no menu termos como ‘pepino crocante’, ‘purê de batatas aveludado’ e ‘beterrabas gralhadas sobre o leito de rúcula’, como se nos outros restaurantes o pepino fosse troncho, o purê de batatas tivesse textura de algodão e as beterrabas viessem nadando em óleo. Será que um pepino crocante fica mais crocante com outro nome? Será que um cheseburguer com bacon se torna comida mexicana se for apresentado em espanhol? Será que uma descrição poética pode fazer com que um macarrão com queijo deixe de ser uma quadrinha para se transformar num haicai?” (Idem, p. 28).

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Quando tomamos para nós como verdadeira determinada premissa, essa escolha muitas vezes pode ter sido feita de modo irracional, por uma séria de influências ambientais ou de preconceitos do sujeito, e isso faz com que nossos julgamentos, mesmo que em base racionais, possam sofrer a influência direta de elementos irracionais, as vezes resolvidos por uma questão de simpatia ou antipatia, por exemplo.

Em última análise, a verdade no processo sofre influência direta de “fato-res externos”, extra-autos, que dizem muito mais sobre os sujeitos processuais do que sobre a própria verdade em si. Fatores argumentativos, políticos, sociais e econômicos, se bem empregados, são capazes de sensibilizar os sujeitos pro-cessuais e podem transformar fatos improváveis em fatos verdadeiros. Isso se dá por questões inconscientes, que dizem respeito às nossas opções políticas, sociais e econômicas, transformam nossa percepção sobre o mundo e transfor-mam as decisões que tomamos. Isso claro que tem relevância para o mundo jurídico, quando se trata de discutir no direito processual, a verdade processual, que obviamente é uma disputa política sobre valorização e valoração de prova, sobre argumentação jurídica, sobre outros fatores externos, que nem mesmo entram em discussão nos autos do processo.

Os “fatores externos” podem, por exemplo, interferir diretamente na pro-va testemunhal. Isso é facilmente perceptível quando confrontamos o depoi-mento de duas testemunhas que presenciaram o mesmo fato. Confrontados os depoimentos das duas, verificamos que os mesmos fatos são narrados de forma diferentes;osdetalhesquechamaramaatençãodeumatestemunhanãosãoosmesmos que chamaram a atenção da outra testemunha. Como dito, a percep-ção da realidade, por ambas, é diferente, em razão de fatores externos que, no inconsciente de cada um, são processados de maneira diferente. Ora, se ambas estão dizendo a verdade, é sinal de que a verdade tem várias admite formas de interpretações, e todas estão corretas.

Isso também pode acontecer quando da interpretação de contratos ou quando da elaboração de provas periciais. Mesmo que o contrato pareça ser um documento confiável e resolutivo de um acordo de vontade, há sempre a possibilidade de trazer à baila discussões sobre a interpretações de cláusulas contratuais ou até mesmo de todo o contrato. Isso se dá em razão de influências ou fatores externos (políticos, econômicos ou sociais).

Também temos a subjetividade operando nas provas periciais. Acredita--se que a prova pericial é uma prova objetiva, com probabilidade de pequena de erro, uma vez que a mesma se utiliza de conhecimentos científicos para elaborar seus laudos periciais (instrumento técnico que contém as principais impressões sobre o objeto de investigação). No entanto, os “fatores externos” sempre influenciam o resultado da perícia, pois a subjetividade dos peritos não

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pode ser descartada, quando da elaboração do laudo. Isso significa dizer que o perito, por razões inconscientes, acaba direcionando o resultado de sua perícia, sem perceber, apresentando resultados supostamente totalmente racionais.

Com essa pequena reflexão, estamos querendo indicar que a “verdade” e a “prova” estão estritamente ligadas ao nosso pensamento, e, muitas das vezes, o que percebemos do mundo e da realidade são consequências de inúmeros “fatores externos”, “subjetivos”, que interferem na interpretação da realidade.

O processo jurisdicional, como criação humana, é um palco para a dis-cussão das possíveis interpretações. Nesse palco, o que vemos é uma discussão entre fatos, fundamentos e provas que são discutidas e debatidas pelas partes, pelos advogados e pelo juiz, que acabam em um processo construtivo da reali-dade. Claro, esse processo construtivo da realidade processual também não está isento dos fatores externos, e isso pode influenciar diretamente o resultado da demanda ou no acolhimento ou rejeição do pedido do autos ou na condenação ou absolvição do acusado.

Assim, finalizando, a “verdade” é fruto da criação humana, e a prova é a tentativa do homem de convencer todos que a melhor interpretação da realidade é aquela percebida por ele, consciente ou inconsciente. Somente o pensamento e sua devida dedução podem permitir a construção da realidade. Vivemos com fruto de nossos pensamentos.

IV – “VERDADE”, PROCESSO E DECISÃO JURISDICIONAL

A relação entre “verdade”, “processo” e “decisão jurisdicional”, em ter-mos técnicos jurídicos, devem ser buscados a partir da filosofia da linguagem. Assim, a verdade é explicada como “justificação” que permita a todos os in-teressados a efetiva participação no processo de formação da decisão jurisdi-cional.

A compreensão de decisão jurisdicional como sendo uma “sentença” ou “enunciado” de verdade está estritamente vinculado à linguagem. O “discurso de aplicação” das normas aos casos concretos referem-se sempre aos interesses das partes imediatamente envolvidas. Assim, as perspectivas particulares dos participantes têm que manter, simultaneamente, o contato com a estrutura geral de perspectivas que, durante os “discursos de fundamentação”, esteve atrás de normas supostas como válidas.

Nesse sentido, sustenta Habermas que:

O mundo objetivo não é mais algo a ser retratado, mas apenas o ponto de refe-rência comum de um processo de entendimento mútuo entre membros de uma comunidade de comunicação, que se entendem sobre algo no mundo. Os fa-tos comunicados não podem ser separados do processo de comunicação, assim

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como não se pode separar a suposição de um mundo objetivo do horizonte de interpretação intersubjetivamente compartilhado, no qual os participantes da comunicação desde sempre já se movem. O conhecimento não se reduz mais à correspondência entre proposições e fatos. É por isso que apenas a virada linguística, coerentemente conduzida até o fim, pode superar de uma só vez o mentalismo e o modelo cognitivo do espelhamento da natureza.21

Os enunciados de linguagem contidos na decisão jurisdicional somente são verdadeiros se puderem ser confrontados com os conhecimentos já pré--concebidos e discutidos pelos interessados do ato final. Tal fato sugere “um conceito antifundamentalista de conhecimento e um conceito holístico de justificação”22.

Habermas, citando Rorty, salienta que “nada pode valer como justifi-cação a não ser por referência ao que já aceitamos” e conclui daí “que não podemos sair de nossa linguagem e de nossas crenças para encontrar algum teste que não seja a coerência23”. Coerência, para Habermas, é justamente a “justificação” da sentença ou enunciado de linguagem por crenças já existente sobre o mundo. No entanto, saliente-se que não basta que uma sentença ou a coisa julgada seja coerente para que seja verdadeira. É necessário atender ao critério de “justificação”, que só se realiza por meio do princípio do discurso.

Segundo informa Dalla-Rosa:

O discurso nada mais é do que a identificação dos modos pelo qual o homem, pela utilização da palavra, consegue atingir a esfera de outrem, ou modificar sua própria esfera, utilizando-se, para tanto, de instrumentos que permitam compreender o objeto através de seus aspectos linguísticos, aproximando-os de sua natureza ontológica e conduzindo seu destinatário à imaginação, a decisão, a concordância ou ao convencimento de premissa afirmada.24

Na transição do agir para o discurso, a “verdade” de uma decisão juris-dicional se liberta do modo da certeza da ação e toma a forma de um enuncia-do hipotético, cuja validade fica suspensa durante o discurso. A argumentação tem a forma de um concurso que visa aos melhores argumentos a favor de ou contra pretensões de validade controversas, servindo à busca cooperativa da verdade25.

Nesse sentido, argumenta Habermas que “o que consideramos verda-deiro deve poder ser defendido com razões convincentes não só em outro con-texto, mas também em todos os contextos possíveis, ou seja, a todo momento,

21 HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação. Ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004. p. 234.22 Idem, p. 242.23 Idem, ibidem.24 DALLA-ROSA, Luiz Vergílio. Uma teoria do discurso constitucional. São Paulo: Landy, 2002. p. 25.25 HABERMAS, Jurgen. Op. cit., p. 249-250.

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econtraquemquerqueseja.Ateoriadiscursivadaverdadeseinspiranisso;desse modo, um enunciado é verdadeiro quando, nas exigentes condições de um discurso racional, resiste a todas as tentativas de refutação”26.

No modelo de democracia apresentado por Habermas, com uma visão procedimentalista do direito, a decisão jurisdicional deve refletir a vontade e a opinião dos participantes do processo. A verdade só pode ser obtida à medida que seja garantida aos participantes no processo jurisdicional a possibilidade de argumentação. Toda a decisão tomada discursivamente tem que ser consti-tucional e democrática. O Poder Judiciário tem o papel de proteger o processo de criação democrática do direito, ou seja, de garantir o exercício da cidadania, para que os próprios interessados na decisão jurisdicional possam chegar a um entendimento com base nos argumentos sobre a melhor forma de resolver os problemas27.

O que vai influir no resultado de um julgamento e corresponder à “ver-dade” não é a sua correspondência com a realidade, mas, sobretudo, a argu-mentação aplicada ao discurso. É isso que vai possibilitar a superação do termo “justiça nas decisões” pelo termo “legitimidade decisória”.

A legitimidade da decisão judicial é garantida na medida da respeitabi-lidade dos princípios do contraditório, da ampla defesa e da fundamentação das decisões. A aplicação da lei aos casos concretos deve ocorrer por meio do discurso de aplicação. O discurso de aplicação é limitado pelo legislador político, não podendo lançar mão de argumentos arbitrários e contrários às normas legais. Caso isso ocorra, será formalizada uma decisão jurisdicional in-constitucional ou ilegal, mas de um ato que não se constitui de uma decisão jurisdicional, por carência de legitimidade e por ausência de fundamentação em um discurso de aplicação.

Somente nas práxis é possível confiar intuitivamente na “verdade”, de modo incondicional. Mas, quando essa prática do mundo sofre problematiza-ção, por argumentação, aí se necessita do processo jurisdicional para avaliar se tais pretensões de validade merecem ou não um reconhecimento racionalmente motivado28.

Verdadeira é a decisão jurisdicional justificada que foi obtida por inter-médio do consenso entre os interessados no processo jurisdicional. A verdade, em Habermas, significa consenso obtido pelo melhor argumento. O papel do direito processual não se limita à instituição de procedimentos voltados para a aplicação do Direito, mas, sobretudo, em garantir um espaço discursivo no qual

26 Idem, p. 254.27 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,

v. I, 1997. p. 297 e ss.28 HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação..., cit., p. 258.

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os interessados pela decisão jurisdicional também se identifiquem como autores dessa norma jurídica. O direito processual não regula a argumentação jurídico--normativa enquanto tal, porém assegura, em uma linha temporal, social e ma-terial, o quadro institucional para decorrências comunicativas não circunscritas, que obedecem à lógica de discursos de aplicação29.

Nesse diapasão, o processo de tomada de decisão não pode ser um ele-mento colocado isoladamente nas mãos do juiz, pois, como dito, as escolhas e as interpretações podem acontecer de forma irracional, com falsas premissas racionais. Para evitar interpretações equivocadas, sem consenso, só uma manei-ra, por meio do pensamento e de sua construção por um processo jurisdicional democrático e participativo30.

V – VERDADE, PROVA E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Analisando o novo Código de Processo Civil, já aprovado pelo Congres-so Nacional, mas ainda não sancionado pela Presidente da República do Brasil, podemos perceber que a relação do elemento “prova” com o elemento “verda-de” foi substancialmente alterado.

Percebemos que o contraditório passou a ter uma relevância, conforme estabelecem os arts. 7º e 9º do NCPC acima do que era previsto na legislação processual de 1973 – atual CPC. O distanciamento da responsabilidade de de-cidir, para além da figura do julgador, e a aproximação das partes e dos advoga-dos dessa responsabilidade demonstram uma ruptura com a prática autoritária praticada pelo Judiciário brasileiro.

Se no atual Código de Processo Civil o juiz é onipresente, onisciente e onipotente, no novo Código de Processo Civil, pelo menos em sua parte princi-piológica, tende a informar que a decisão não é mais um ato judicial, proferido de cima para baixo, mas sobretudo um ato de construção, participativo, em contraditório, no qual as partes e seus advogados possuem o direito e a garantia de influenciar a decisão, em uma clara indicação de que o processo jurisdicio-nal é um processo de criação, de construção, de modo argumentativo.

29 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia entre facticidade e validade..., cit., p. 292.30 Cf. Rosemiro Pereira Leal: “O postulado de Habermas de que a força do direito nas democracias se expressa

na circunstancialidade de os destinatários das normas se reconhecerem como seus próprios autores só é acolhível num espaço-jurídico processualizados (em conotações fazzalarianas e neoinstitucionalistas) em que as decisões não seriam atos jurisdicionais de algum protetor ou mero provedor dos procedimentos democraticamente constitucionalizados (devido processo legal), mas atos processualmente preparados na estrutura procedimental aberta a todos os sujeitos (partes: pessoas físicas, jurídicas, coletivas; órgãos judiciais; juízes; instituições estatais, Ministério Público e órgãos técnicos) figurativos e operadores dessa instrumentalidade jurídico-discursiva na movimentação efetivadora, correicional e recreativa dos direitos -constitucionalizados por uma comunidade que se candidate a se constituir, a cada dia, em sociedade jurídico-política democrática no Estado constitucionalizado” (LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002. p. 131).

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Foi nesse sentido que o novo Código de Processo Civil brasileiro, ousado e inovador, entendeu por bem indicar o que se entende por uma sentença fun-damentada, que não pode ser um elemento de obscuridade e de truculência ou de autoritarismo. Assim, pela leitura do art. 499 do novo Código, especialmente o § 1º, verificamos que não se considera fundamentada a decisão judicial que se limitar à indicação, à reprodução à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida. Também não está fundamen-tada a decisão judicial que: 1) empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso, bem como invocar motivosqueseprestariamajustificarqualqueroutradecisão;2)nãoenfrentartodos os argumentos jurídicos deduzidos no processo capazes de, em tese, in-firmaraconclusãoadoradapelojulgador;3)selimitarainvocarprecedenteouenunciação de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrarqueocasosobjulgamentoseajustaàquelesfundamentos;porfim,4) deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invoca-do pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Este art. 499 do novo Código de Processo Civil, em nosso entendimento, busca demonstrar que a verdade processual deve ser buscada pelo consenso e justificação, por meio do contraditório e do direito de influenciar as decisões. O direito processual deve ser o instrumento que possibilite que os sujeitos proces-suais (juiz, partes, advogados) desenvolvam um espaço discursivo no qual a de-cisão jurisdicional seja um reflexo de uma ampla conclusão e debate das partes.

Nenhuma prova pode ser tomada como verdadeira sem que haja a veri-ficação de sua legalidade, da produção dentro do prazo e do devido contradi-tório pelas partes31.

31 Cf. Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, em seu livro Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito, antevendo a necessidade de melhor interpretar a constituição para melhor funcionamento do processo jurisdicional, nos informa que uns dos principais princípios do Estado Democrático de Direito é justamente o princípio da vinculação da jurisdição ao Estado Democrático de Direito. Informa Ronaldo Brêtas que esse princípio “(...) decorre de imperativo lógico do próprio sistema constitucional, pois se origina da ideia de uma ordem normativa jurídico-fundamental resultante da conexão interna entre democracia e Estado de Direito, princípios positivamente constitucionalizados, aos quais jungidas todas as funções e atividades exercidas pelos órgãos do Estado sem qualquer exclusão (Constituição Federal, art. 1º)”. Isso significa que não é possível que a jurisdição lance mão de bases judicantes ausentes de pressupostos legais. Deve o julgador, no momento da sentença, respeitar todos os princípios elencados e positivados pela Constituição e pelas leis, sob pena de agressão direta ao Estado de Direito. “Assim, os órgãos jurisdicionais, ao proferirem suas decisões, cumprindo e finalizando a função jurisdicional, deverão fazê-lo direcionados pelo princípio da vinculação ao Estado Democrático de Direito. Este princípio se otimizará pela incidência articulada de dois outros princípios, ou subprincípios concretizadores (Larenz) no ato estatal de julgar. Nesta ótica, os princípios concretizadores do princípio maior da vinculação da jurisdição ao Estado, pois nela se concretiza, em essência, a função jurisdicional exercida pelo Estado Democrático de Direito, vêm a ser o princípio da supremacia da Constituição e o princípio da reserva legal (ou princípio da prevalência da lei)” (DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 114).

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CONCLUSÃODiante das principais reflexões trazidas neste texto, concluímos infor-

mando que a prova é um elemento subjetivo, é fato, e não se pode acreditar que há uma relação entre a mesma e a realidade.

A prova, por ter um fator subjetivo, sofre influência de fatores externos e internos, de condições ambientais e da própria pré-concepção que o sujeito possui do mundo e de sua realidade. Isso, invariavelmente, interfere na interpre-tação da realidade, bem como interfere na percepção dos fatos que podem ser utilizados como prova nos autos.

Sustentamos que o subconsciente ou as decisões irracionais fazem parte do elemento humano, e, portanto, no processo, se quisermos nos afastar dessas absurdas colocações de certezas sobre algum dos elementos de prova (docu-mentos, perícia ou depoimento), precisamos que o processo seja um elemento de construção da realidade, um espaço argumentativo e de participação, no qual os sujeitos processuais (juiz, partes, advogados, Ministério Público e ter-ceiros) possam, a um só tempo, chegar a um consenso sobre quais questões devem ser tomadas com verdadeiras e quais devem ser refutadas com falsas, pelo menos no presente caso que se está em julgamento.

Nesse sentido, louváveis são as modificações do novo Código de Proces-so Civil brasileiro, que não apenas informa que o contraditório é o direito de participação, de influência na decisão e de se evitar decisões-surpresas, como também, informa quando uma decisão jurisdicional não se encontra fundamen-tada. A indicação necessária de fundamentação, nos termos previstos pelo novo Código de Processo Civil brasileiro, são indispensáveis para que as partes pos-sam perceber que suas argumentações e provas foram capazes de influenciar o julgamento, ainda que no plano pessoal, suas pretensões não tenham sido deferidas.

Um processo democrático não parte de verdades absolutas e irrefutáveis. Essas são desnecessárias para a democracia. Em um processo verdadeiramente democrático, as verdades são construídas, em contraditório, por meio de um espaço argumentativo e de produção de provas que possam convencer todos de que, de fato, situações narradas realmente têm chances de ter ocorrido. Ar-gumentando e provando, fica demonstrado o pensamento e a existência, tanto do ser humano quanto dos fatos.

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Parte Geral – Doutrina

A Desjudicialização Enquanto Instrumento de Celeridade e Efetividade na Resolução dos Conflitos e Interesses

MARIA LúCIA DALTROzO DA MOTTABacharel em Direito, Graduada na Universidade Luterana do Brasil em Santa Maria/RS.

ADRIAne MeDIAneIRA TOALDODoutoranda e Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul/RS (Unisc), Especia-lista em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto Ritter dos Reis, Canoas/RS, Professora da Graduação e Pós-Graduação em Direito na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Campus Santa Maria/RS, Advogada.

RESUMO: A humanidade evoluiu muito e, com isso, emergiu com maior força a necessidade de solução dos conflitos sociais. O Estado, chamando para si a competência de fornecer a solução destes conflitos, fez surgir a jurisdição. Conforme prevê a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), a todo o cidadão é dado o direito de requerer do Judiciário uma solução para a sua controvérsia. Em razão desse direito de acesso ilimitado ocorreu um aumento excessivo do número de demandas ajuizadas diariamente em todos os graus. Entretanto, muitos desses litígios ocorrem diante da inércia dos órgãos administrativos, principalmente da Administração Pública, que não alcança ao cidadão o seu direito. Desta forma, todo o litígio é apresentado ao Judiciário para a obtenção de seu direito, tendo como consequência um abarrotamento de processos, o qual contribui para a morosidade da justiça. Diante deste cenário, questiona-se se a desjudicialização consiste em um novo instrumento a garantir a aplicabilidade constitucional da efetividade e celeridade na solução dos litígios. A alternativa apresentada neste ensaio para a melhoria na promoção dos conflitos sociais é a desjudicialização, com a busca de mecanismos para alcançar ao cidadão o seu direito de forma mais ágil e eficaz, vislumbrando com isso um aprimoramento do Sistema Judiciário.

PALAVRAS-CHAVE: Celeridade; duração razoável; desjudicialização; judicialização excessiva; solução extrajudicial de controvérsias.

ABSTRACT: Humanity has evolved and with it your need for solving social conflicts emerged with greater force. The state, by calling for itself the competency in provide solution, let jurisdiction arise. As envisaged by the 1988 Constitution of the Federative Republic of Brazil (CRFB) to every citizen is given the right to apply to the court for a solution to their dispute. Because of this unres-tricted access right, an excessive increase in the number of lawsuits filed daily in all degrees of ju-risdiction occurred. Meanwhile, many of these disputes occurs before the inertia of administrative bodies, mainly the public administration that does not reach to the citizens their right. In this way all the disputes are submitted to the court to obtain their right having consequently an overcro-wding of processes which contributes to the slow pace of justice. The alternative presented in this paper to improve the promotion of solutions is dejudicialization, with the search for mechanisms that achieve to citizens their right in a more agile and efficient way, glimpsing an enhancement of the Judiciary System.

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KEYWORDS: Celerity; reasonable length; dejudicialization; excessive judicialization; extrajudicial set-tlement of disputes.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A garantia constitucional de acesso à justiça e a judicialização excessiva de conflitos; 2 Princípios da celeridade e da duração razoável do processo; 3 A desjudicialização enquanto instrumento de celeridade; 4 Ampliação do acesso à justiça: meios alternativos para a re-solução dos conflitos; 5 Desjudicialização: nova jurisdição extrajudicial, uma nova cultura; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Do nascimento ao óbito do homem são praticados vários atos dos quais há necessidade de segurança jurídica, sendo necessário, em muitos casos, re-correr ao Judiciário para a solução da controvérsia. Conforme a Constituição da República Federativa Brasileira – CRFB, em seu art. 5º, inciso LXXVIII, “a Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Com base nesse princípio da inafastabilidade do Judiciário na solução dos litígios ocorreu um aumento significativo de demandas, provocando um acúmulo de processos em todos os graus de jurisdição e, como consequência, a morosidade e a ineficácia do aparelho judiciário para alcançar o Direito.

Diante da atual situação no Brasil, o legislador viu-se compelido a criar meios alternativos e, visando à desjudicialização, começaram a ser editadas leis para imprimir efetividade e celeridade, por meio de procedimentos destina-dos à prática de atos da vida civil, na esfera extrajudicial. Entre estas está a Lei nº 11.441/2007, que alterou os dispositivos do Código de Processo Civil e pas-souapossibilitararealizaçãodeinventários,partilhas,separaçõesedivórcios;bem como a Lei nº 12.100/2009, que alterou a Lei nº 6.015/1973 e passou a admitir a retificação extrajudicial de registro de assento civil, além de outras.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao qual compete o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, por meio da Resolução nº 125, de novembro de 2010, determinou que o Judiciário deverá estabelecer política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses e, com isso organizar, em âmbito nacional, os serviços prestados nos processos judiciais, inclusive mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como, por exemplo, a mediação e a conciliação. Assim, a desjudicialização surge como resposta à incapacidade dos Tribunais diante do aumento incomum de demandas, ao excesso de forma-lismo e, ainda, à irrazoável duração dos processos, configurando uma alterna-tiva e uma garantia da aplicabilidade do princípio constitucional da efetividade e celeridade na solução dos litígios.

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No presente artigo será tratada a questão constitucional do acesso à Jus-tiça e a judicialização excessiva de conflitos em função dos novos direitos que surgiram, sendo realizada uma abordagem quanto ao princípio da celeridade e da duração razoável do processo. Em momento posterior, será analisada a desjudicialização enquanto instituto de celeridade como alternativa, por meio de alguns procedimentos, leis, resoluções ou provimentos que já estão ao alcan-ce do cidadão como forma de ampliação do acesso à Justiça, pois a sociedade atual necessita de uma conscientização na forma de como alcançar o direito, ou seja, deixar de lado a mentalidade de que somente o Judiciário tem o condão de solucionar os litígios e conflitos, apostando-se em meios alternativos (desjudi-cialização) que acarretem significativa redução das demandas judiciais.

1 A GARANTIA CONSTITUCIONAL DE ACESSO À JUSTIÇA E A JUDICIALIZAÇÃO EXCESSIVA DE CONFLITOS

Desde o princípio do convívio do homem em sociedade houve disputas e conflitos, mas estes eram resolvidos pelos próprios litigantes sem a interferên-cia do Estado, uma vez que não cabia àquele a produção do Direito, tampouco a edição de normas capazes de regular a conduta humana. A jurisdição apa-receu com o surgimento de um Estado mais independente, desvinculado do cunho religioso e mais voltado às regras do controle social. O Estado assumiu o monopólio da jurisdição, obrigando-se a solucionar os conflitos de interes-ses que nascem da convivência humana. O vocábulo jurisdição vem do latim jurisdictio, cujo significado é o de administrar a justiça por meio de um juiz, que é quem afirma o Direito, na condição de órgão do Estado, como bem acentua Cesar Asfor da Rocha1:

O acesso à Justiça pode ser entendido, em primeiro lugar, como o tradicional direitodeação,tãoantigocomoapróprianoçãodeprocesso;todavia,nessavi-são, aparece como algo bastante amplo, otimista, inespecífico, que se identifica, apenas, com a faculdade ou a possibilidade de apresentar uma postulação às instâncias judiciárias.

Segundo Mauro Vasni Paroski2, o acesso à Justiça, no Brasil, com status de direito fundamental, é relativamente recente, incluído pela primeira vez, de forma explícita, na Constituição de 1946, em que pese a existência de méto-dos e instâncias de soluções de conflitos desde o descobrimento, herdados de Portugal. Segundo José Renato Nalini3,

o Judiciário no Brasil avantajou-se quantitativamente, chegou a milhões de pro-cessos em curso. Mostrou que o acesso à Justiça realmente foi implementado.

1 ROCHA, Cesar Asfor. A luta pela efetividade da jurisdição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 70.2 ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. Brasília: Brasília Jurídica,

2006.3 NALINI, José Renato. Ética para um judiciário transformador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 46.

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Toda pessoa que necessita de um juiz o encontrará, seja por meio de advogado contratado, seja através de defensor público.

A garantia constitucional de acesso à Justiça está inserida no rol dos di-reitos fundamentais do cidadão, no inciso XXXV do art. 5º da CRFB, servindo, inclusive, para a proteção contra os abusos do próprio Estado, uma vez que dis-põe que “a Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito”. “Erige-se o acesso à Justiça como princípio informativo da ação e da defesa, na perspectiva de se colocar o Poder Judiciário como local onde todos os cidadãos podem fazer valer seus direitos individuais e sociais”4.

O direito de ingressar com uma ação no Poder Judiciário requerendo, através dela, a efetivação de um direito subjetivo de que o autor da demanda alega ser titular é atualmente entendido não mais apenas como uma permissiva aberta do sistema garantida aos cidadãos, mas, além disso, como garantia de que o exer-cício da função do Estado, ao examinar tal demanda, seja efetivo.5

Entretanto, ao longo do século XX verificou-se grande processo de judi-cialização dos conflitos sociais, tanto pelo método convencional ou pela am-pliação do acesso à Justiça, aliado à criação dos Juizados Especiais Cíveis, como aponta Eliane Garcia Nogueira6, Juíza de Direito do Tribunal Gaúcho:

A recente democratização do país poderia embasar o aumento crescente da de-manda. A Constituição Federal de 1988 fortaleceu e ampliou a atuação do Po-der Judiciário, o que também explica a procura pela sociedade. A simplificação ritualista através de procedimentos dos Juizados Especiais incentivou o acesso à justiça, além de mudanças legislativas profundas que abarcaram novas deman-das da sociedade, como é o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor. Nessa linha se vê que aspectos históricos, culturais e legais influenciam o aumento da demanda.

Notadamente que nos últimos anos o crescimento do número de proces-sos distribuídos diariamente em todos os graus de jurisdição é grande em razão das garantias constantes das legislações infraconstitucionais que complemen-tam a CRFB, como, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, aliado à concessão da gratuidade da Justiça, quer seja pelo direito constitucional que lhe assiste, quer seja pelo ingresso nos juizados especiais, e, em consequência, ocorre a demora na prestação jurisdicional. Além disso, demandas temerárias (como é o caso da indústria do dano moral) bem como questões de pequena complexidade permeiam este acesso à justiça, exigindo uma atuação de todos que estão ligados ao processo. É um costume brasileiro judicializar qualquer

4 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 113.5 ROCHA, Cesar Asfor. Op. cit., p. 108.6 NOGUEIRA, Eliane Garcia. Sistema de gestão de unidade judicial. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado

do Rio Grande do Sul, Departamento de Artes Gráficas, 2011. p. 11.

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questão de interesse que poderia ser resolvido de outras maneiras. Nesse senti-do, Rodolfo de Camargo Mancuso7 defende o uso de outros meios auto ou he-terocompositivos, que poderiam resolver a demanda de modo justo, tempestivo e sob razoável relação custo-benefício.

Nessa linha, discorre Juliano da Costa Stumpf, já no ano de 2009, ou seja, há cinco anos:

Bem indica o acerto dessa afirmação no que se refere à omissão do Poder Públi-co a constatação no sentido de que o Poder Executivo é o responsável por 60% a 70% das ações em trâmite na Justiça brasileira. Estes números são estabeleci-dos, sabemos, pelas milhares de ações em que se discutem diferenças decorren-tes de planos econômicos, valores de FGTS, cumprimento de direitos sociais e saúde etc.8

Assim, o mais importante do direito conferido ao cidadão de acesso à Justiça é que ele seja acessível a todos, principalmente aos mais necessitados, de forma eficaz, eficiente e com uma solução equilibrada. Para que isso ocorra, deverão ser revisadas as formas de acesso, quer seja pela criação de meios alter-nativos, por normas constitucionais ou infraconstitucionais visando à agilidade da prestação jurisdicional.

2 PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

A sociedade atual exige cada vez mais eficiência e agilidade na solu-ção do seu conflito/litígio do Poder Judiciário. Essa exigência foi tanta que se transformou em princípio constitucional, por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004. Segundo André Luiz Nicolitt, “como se dirá incansavelmente, a du-ração razoável do processo é um direito fundamental consagrado em diversos documentos internacionais de proteção e promoção dos direitos humanos”9.

A efetividade e a celeridade da pacificação social são atualmente, princípios fundamentais, como deixa antever o Texto Constitucional, no seu art. 5º, LXXVIII: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Nas palavras de Samuel Miranda Arruda:

Com efeito, o art. 20 da Constituição da República assegura a todos “o acesso ao direito” e a “tutela jurisdicional efetiva”. No Brasil, esta cláusula tem sido tradicionalmente associada ao inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal. Estas normas constitucionais reproduzem, de certa forma, princípio já contido

7 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 253.8 STUMPF, Juliano da Costa. Poder Judiciário: morosidade e inovação. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Artes Gráficas, 2009. p. 619 NICOLITT, André Luiz. A duração razoável do processo. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2006. p. 01.

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no art. 8º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que reconhece o direito fundamental processual de proteção por via judicial.10

Porém, a duração razoável do processo não significa processo rápido. A peculiaridade e complexidade do caso concreto, os prazos processuais es-tabelecidos, além dos inúmeros recursos disponíveis às partes, aliado à presta-ção jurisdicional efetiva é que vão determinar o tempo razoável, como afirma Samuel Miranda Arruda:

É que quando nos referimos à necessidade de garantir-se a realização da justiça em tempo razoável, podemos tomar esta expressão em duas acepções, quais sejam, a formal e a material. Um conceito formal de “justiça e tempo razoá-vel” estaria ligada à conclusão atempada de um determinado processo judicial. Ao nos referirmos repetidamente ao direito “ao processo” em tempo razoável, à razoável duração do “processo”, ou mesmo à decisão “da causa” em tempo razoável, estamos sempre a privilegiar, ao menos implicitamente, esta acepção formal, que liga o direito fundamental exclusivamente ao tempo de tramitação (total) de um feito. A conotação material da “justiça em tempo razoável” pode-ria ser traduzida, mais simplesmente, através do seguinte mandamento: é garan-tida uma intervenção judicial atempada.11

Pode-se conceituar como processo efetivo aquele que, após a segurança jurídica, contemplados o contraditório e à ampla defesa, com o trâmite den-tro de um prazo razoável, respeitados os prazos processuais estabelecidos pela norma, proporcionar às partes o resultado almejado, em que pese em não raras vezes nem sempre as partes, os procuradores, ou ainda talvez um dos polos da demanda estão dispostos na obtenção de uma solução rápida daquele litígio. Vale aqui citar as palavras de Rui Portanova12 nesse sentido:

Mas vale repetir: o processo é demorado. Ou, pelo menos, não acompanha a pressa que o tempo presente exige. A demora é um ônus de quem busca o pro-cesso para a solução de um litígio que, ou não soube prevenir acautelando-se com a escolha de adequado sujeito no outro polo da relação jurídica de direito material, ou não sabe resolver sem a intervenção do juiz. Não se vá, por exem-plo, cobrar pressa do Judiciário em uma cobrança quando o devedor não tem patrimônio para atender judicialmente o crédito do exequente.

O tempo no processo está ligado a uma ideia de justiça, uma vez que a prestação jurisdicional apressada poderá significar injustiça. A jurisdição exi-ge além da reflexão, oportunidade de as partes, por todos os meios no Direi-to admitidos, comprovarem o alegado, além do contraditório. Segundo Luiz Guilherme Marinoni,

10 ARRUDA, Samuel Miranda. Op. cit., p. 63.11 Idem. p. 339.12 PORTANOVA, Rui. Op. cit., p. 173.

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importa, ainda, o direito à duração razoável do processo O direito à tempesti-vidade não só tem a ver com a tutela antecipatória ou com as técnicas proces-suais voltadas a dar maior celeridade ao processo, mas também com a compre-ensão da sua duração de acordo com o uso racional do tempo pelas partes e pelo juiz.13

A relação entre o acesso à Justiça e o tempo razoável da duração do processo vai além do desejado pelas partes, pois depende de muitos fatores, entre eles a natureza da demanda judicial, uma vez que não podem ser tratadas uniformemente, quer seja porque alguns litígios exigem as tutelas de urgência, em outros o ritmo é mais lento, pois, para o deslinde da demanda há necessida-de de vários atos e diligências como a realização de audiências, perícias, entre outros, tudo isso para que a tutela judicial seja efetiva.

3 A DESJUDICIALIZAÇÃO ENQUANTO INSTRUMENTO DE CELERIDADE

A desjudicialização surge como um mecanismo que faculta às partes comporem seus litígios fora da esfera da jurisdição estatal, desde que juridi-camente capazes e que tenham por objeto direito disponíveis e, ainda, com a garantia de que seu direito será alcançado em tempo razoável, como afirma Onaldo Rocha de Queiroga14: “[...] trata-se de um mecanismo legal que permite que determinadas querelas, diante de requisitos estabelecidos em lei, possam ser resolvidas no âmbito administrativo, evitando-se, assim, que tais questões cheguem ao Poder Judiciário”.

Nesse sentido, assevera Rodolfo de Camargo Mancuso:

Tomando-se a intervenção jurisdicional do Estado sob uma formulação pela ne-gativa, pode afirmar que ela não significa: (i) que a justiça oficial seja o úni-cocanalparaaresoluçãodascontrovérsias;muitoaocontrário,anotóriaten-dência contemporânea aponta para a crescente desjudicialização dos conflitos, donde a multiplicação de outros meios, também chamados equivalentes jurisdi-cionais [...].15

Pode-se dizer que, com a desjudicialização, o cidadão terá a garantia de que seu direito será alcançado em tempo razoável, ou seja, sem delonga, como se vê dos procedimentos já previstos em lei, resoluções e/ou provimentos como a mediação e arbitragem, realização de partilha amigável separação/divórcio, arrolamento, inventário, bem como da realização de forma administrativa de retificação de registro de imóveis, registro civil, registro tardio, pai presente, projetos more legal e gleba rural entre outros.

13 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 143

14 QUEIROGA, Onaldo Rocha. Desjudicialização dos litígios. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 08.15 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit., p. 394.

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Sobre o assunto em comento, André Ramos Tavares se manifestou na Palestra Magna proferida no Congresso da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), em 22 de novembro de 2012:

Assim, eu chamaria a desjudicialização em sentido estrito a desburocratização do Direito e, consequentemente, do Poder Judiciário. Nesses casos, a desjudi-cialização opera uma limpeza, deixando ao Judiciário o que é sua função pró-pria, liberando-o de deveres secundários.16

Ou seja, a desjudicialização transferirá a competência de resoluções de litígios para instâncias não judiciais, como aduz Cesar Augusto Santos:

A desjudicialização no atual estágio do direito é um mecanismo que faculta às partes comporem seus litígios fora da esfera de jurisdição estatal. Constitui, outrossim, não apenas uma forma de conceder poderes ao Executivo, mas de fortalecer o Sistema até então vigente, conferindo-lhe autonomia administrativa para que atinja uma eficácia razoável na prestação dos serviços públicos e, de igual monta, ofereça tutela adequada, à disposição dos citadinos.17

Com a desjudicialização, o Judiciário pode se ocupar das demandas que efetivamente justifiquem a autuação da autoridade judiciária prolatora das de-cisões em caráter necessário, até porque a inafastabilidade do controle jurisdi-cional decorre do princípio constitucional de acesso à Justiça, uma vez que não exclui outras fontes de garantia do justo. Para Flávia Pereira Ribeiro,

a judicialização como monopólio do Poder Judiciário é apenas uma opção le-gislativa, que vem perdendo força inclusive em razão de outras opções legisla-tivas, que passaram a conferir jurisdição para outros órgãos: é a própria Consti-tuição Federal que diz, em seu art. 52, que o julgamento de certas autoridades é realizadopeloPoderLegislativo;damesmaforma,éapróprialeiquedizqueadecisão do árbitro é equivalente à sentença judicial.18

Os meios alternativos de resolução dos conflitos, incluindo os autocom-positivos – conciliação e mediação, além dos procedimentos realizados pelos cartórios extrajudiciais na pessoa dos tabeliães, notários e registradores, am-pliando o acesso à justiça para o alcance da tão sonhada celeridade, levam à população a possibilidade de resolução de conflitos, sem judicializar, de modo rápido, desburocratizado, seguro e com baixo custo.

O processo de desjudicialização-composição fora da esfera estatal-judi-cial teve seu início na passagem do século XX para o século XXI, com a implan-

16 TAVARES, André Ramos. Desjudicialização. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/desjudicializacao/10165>. Acesso em: 3 jun. 2014.

17 SANTOS, César Augusto dos. Breve abordagem sobre o tema da desjudicialização em busca de alternativas ao descongestionamento do Poder Judiciário. Disponível em: <https://aplicacao.mpmg.mp.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/1023/R%20DJ%20Tese%20desjudicializa%C3%A7%C3%A3o-c%C3%A9sar%20augusto.pdf?sequence=1>. Acesso em: 3 jun. 2014.

18 RIBEIRO, Flávia Pereira. Desjudicialização da execução civil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 23.

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tação da Lei nº 9.307/1996, com o instituto da arbitragem, regulamentando esse meio alternativo ao Judiciário para resolução dos conflitos. Entretanto, em data anterior, a Lei nº 8.951/1994 introduziu novos parágrafos no art. 890 do Código de Processo Civil, criando o procedimento extrajudicial para a consignação em pagamento quando se tratar de obrigação em dinheiro19. Nessa mesma linha, a Lei nº 9.703/1998 possibilita o depósito imediato das quantias devidas sem a necessidade do depósito judicial inerente à ação de consignação em pagamen-to, quando se tratar de tributos e contribuições federais20.

Na sequência, com a Lei nº 10.931/2004 nasceu o processo extrajudicial de retificação imobiliária, só levando ao Poder Judiciário, ou seja, somente ju-dicializando situação em que não houver composição entre as partes ou, ainda, se houver, em tese, risco de lesão a direito de propriedade de algum confron-tante21.

No ano seguinte, a Lei nº 11.101/2005 reformulou o procedimento fa-limentar brasileiro que, entre outras atribuições, introduziu a possibilidade de recuperação extrajudicial da pessoa jurídica financeiramente desacreditada, mediante processo direto de negociação com os credores, criando, assim, a dita recuperação extrajudicial que, entabulado o plano de recuperação extrajudi-cial, pode ser levado ao Judiciário para homologação22.

No mesmo ano, a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por meio do Provimento nº 07/2005, instituiu o projeto “Gleba Rural”, que consiste na regularização de parcelas de imóveis rurais registrados em con-domínio, porém em situação localizada, ou seja, pro divisas.

O grande avanço na área de família ocorreu com a introdução da Lei nº 11.441/2007, com alteração dos dispositivos do Código de Processo Civil, que passou a possibilitar a realização de inventários, partilhas, separações e divórcios consensuais, todos a serem realizados extrajudicialmente em Tabe-lionatos de Notas, conforme se depreende dos arts. 982 e 1.124-A-A daquele diploma, sendo que, naqueles casos, deverá haver consenso entre os herdeiros e interessados, não haver menores e incapazes envolvidos no respectivo ato, além da ausência de testamentos e nestes não podendo haver filhos menores ou incapazes23.

19 CESSETI, Alexia Brotto. A desjudicialização dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária: nova onda reformista. Disponível em: <http://www.pulicadireito.com.br/artigos/?cod=a0608743660c09fe>. Acesso em: 6 jun. 2014.

20 MIRANDA, Marcone Alves. Desjudicialização das relações sociais: garantia da aplicabilidade do princípio constitucional da efetividade e celeridade nas soluções dos litígios. Disponível em: <http://conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.25847>. Acesso em: 6 jun. 2014.

21 Idem.22 RIBEIRO, Flávia Pereira. Op. cit., p. 73-74.23 Idem, p. 77-80.

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Segundo Onaldo Rocha de Queiroga,

o objetivo do legislador pátrio ao criar a citada lei foi instituir a desjudicializa-ção dos litígios. Com isso, entregou o encargo da resolução de algumas deman-das aos tabeliães de notas que, por meio de escrituras públicas, passam a con-solidar o consenso das partes sobre inventário, partilha, separação e divórcio.24

De igual forma, a Lei nº 11.790/2008 alterou dispositivos da Lei dos Re-gistros Públicos, possibilitando ao Oficial de Registro Civil registrar declarações de nascimentos feitas após o decurso do prazo legal, sem a necessidade primá-ria da intervenção judicial, como era exigido anteriormente25.

Com a instituição da Lei nº 12.100/1998, que alterou a Lei nº 6.015/1973, passou-se a permitir, em caso de erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção, a retificação extrajudi-cial de registro e assento civil26.

Na mesma linha, a criação da Lei nº 12.133/2009 deu nova redação ao art. 1.526 do Código Civil, determinando que a habilitação para o casamento seja feita pessoalmente perante o Oficial do Registro Civil, com audiência pré-via do Ministério Público, sem a intervenção judicial, salvo se houver impugna-ção pelo Oficial, Ministério Público ou terceiro27.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem demonstrado preocupação com os meios alternativos de resolução de conflitos, uma vez que lhe compete o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário. Em razão disso, já no ano de 2006, criou o programa “Conciliar é Legal”, e lançou o Mo-vimento Nacional pela conciliação, com o objetivo de fomentar a realização de audiências conciliatórias em todos os tribunais do País28. Este movimento foi disciplinado pelo CNJ, por meio da edição da Resolução nº 125, de 29 de no-vembro de 2010, sendo que o Judiciário deverá instituir uma política nacional de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses29.

A Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ), em 2011, por meio do Provimento nº 21/2011, instituiu o “Projeto More Legal IV”, que consiste na regularização de loteamento, desmembramento, fracionamento ou desdobro de imóveis urba-

24 QUEIROGA, Onaldo Rocha. Op. cit., p. 05.25 BRASIL. Lei nº 11.790, de 2 de outubro de 2008: altera o art. 46 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de

1973 – Lei de Registros Públicos, para permitir o registro da declaração de nascimento fora do prazo legal diretamente nas serventias extrajudiciais, e dá outras providências Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11790.htm>. Acesso em: 6 jun. 2014.

26 Idem.27 Idem.28 CABRAL, Marcelo Malízia. Os meios alternativos de resolução de conflitos: instrumentos de ampliação do

acesso à justiça. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Artes Gráficas, 2013. p. 77.

29 Idem, p. 77.

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nos ou urbanizados, incluindo situações de condomínio, ainda que localizados em zona rural, nos casos específicos30.

Ainda, o Provimento nº 14/2012 (CGJ) altera o art. 82-A da CNNR (Con-solidação Normativa Notarial e Registral) para que as certidões de inteiro teor ou não sejam lavradas independentemente de despacho judicial, ressalvados os casos em que a Lei e a CRFB expressamente determinem o sigilo ou a necessi-dade de autorização para emissão31.

A Resolução nº 155, de julho de 2012, do CNJ, dispõe sobre o traslado de certidões de registro civil de pessoas, emitidas no exterior32. Outro provimen-to criado pelo CNJ é o nº 16/2012, por meio do “Programa Pai Presente”, que dispõe sobre a recepção, pelos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais, de indicações de supostos pais de pessoas que já se acharem registradas sem paternidade estabelecida, bem como sobre o reconhecimento espontâneo de filhos perante os referidos registradores33. Nessa mesma linha, o CNJ editou o Provimento nº 28/2013 para permitir o registro da declaração de nascimento fora do prazo legal, diretamente nas serventias extrajudiciais34.

Ainda, no entendimento de Onaldo Rocha de Queiroga: “Por outra ban-da, o Poder Judiciário terá, com o instituto da desjudicialização, um aliado importante para a desobstrução do seu aparelho, podendo, assim, dedicar-se à resolução de questões mais complexas”35. Com esse novo conceito de acesso à justiça, não se admite mais que o Estado ocupe-se unicamente da oferta de jurisdição. O acesso à Justiça atual deve investir em sistemas alternativos de re-solução de conflitos, ou seja, criar, editar normas, promover mecanismos com-plementares e ampliativos, desde que se faça com base no Direito, no respeito aos direitos fundamentais.

Nesse mesmo sentido aduz Marcelo Malízia Cabral:

De outra parte, a informação dos cidadãos sobre o funcionamento dos meios al-ternativos de resolução de conflitos afigura-se imprescindível à sua propagação e à criação de possibilidade de escolha. Com efeito, os cidadãos e os empresá-rios, todos, devem conhecer bem os meios de solução de conflitos, com as pe-culiaridades específicas de cada um, para que possam optar conscientemente,

30 Disponibilizado no DJe 4629, p. 02, 19.07.2011.31 Disponibilizado no DJe 4884, p. 06, 30.07.2012.32 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 155, de 16 de julho de 2012. Disponível em: <http://

www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/resolucoespresidencia/20313-resolucao-n-155-de-16-de-julho-de-2012>. Acesso em: 6 jun. 2014.

33 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pai presente. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/infancia-e-juventude/pai-presente>. Acesso em: 6 jun. 2014.

34 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Provimento nº 28. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/Provimento_N28.pdf>. Acesso em: 6 jun. 2014.

35 QUEIROGA, Onaldo Rocha. Op. cit., p. 06.

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de acordo com seu real interesse, pois sem conhecimento não há que se falar em liberdade de escolha.36

De outra senda, a função do Poder Judiciário consiste em jurisdicionar, julgar, aplicando a Lei, porque, quando o cidadão procura o Judiciário, o que ele deseja é a tutela jurisdicional prestada pelo Estado-Juiz que determina a quem assiste razão em determinada causa e, com isso, adquire-se a segurança jurídica, essencial a qualquer ato da vida civil.

Em notícia recente, está em pauta a desjudicialização na execução fiscal. Com mais de 29,2 milhões delas em tramitação no Poder Judiciário, o grupo de trabalho criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para estudar o aperfei-çoamento da primeira instância apresenta a desjudicialização do procedimento como uma importante proposta. A notícia informa dados tais como a duração média de cada execução fiscal que é de oito anos e dois meses, de acordo com um estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), re-ferente ao ano de 2011, bem como de que a citação do devedor leva cinco anos paraserrealizadaeapenhoramaisumano;issosignificaqueapenasalocali-zação de patrimônio do devedor para a satisfação do crédito, objetivo maior do processo executivo, tem duração média de seis anos. Assim, entre as propostas da desjudicialização está a que visa fazer com que o CNJ edite uma nota técnica favorável à desjudicialização da execução fiscal, a fim de incentivar o debate sobre a necessidade de alterações nas leis que regulam o instrumento37.

A notícia anteriormente mencionada vem ao encontro do tema em co-mento e é medida que se impõe considerando que tanto a União quanto os Esta-dos, além dos Municípios, possuem servidores na área jurídica em seu quadro, e que deveriam estabelecer programas de conciliação com o fito de entabula-rem acordo quanto aos débitos oriundos.

Na maioria dos países europeus, a execução de títulos executivos é reali-zada sem a interferência do Judiciário, sendo da competência de um dos agen-tes da execução, que recebe o pedido e dá o devido processamento com os atos atinentes a ele. O Tribunal só é “chamado” para decidir eventuais embargos do devedor. A título de informação, a atividade executiva na França é realizada pelo bussier,umprofissionalliberal;naAlemanha,pelogerichtsvollzieher, um funcionáriopúblico;emPortugal,pelosolicitadodeexecução,umprofissionalliberal;naItália,peloufficiale giudiziario,umfuncionáriopúblico;naSuécia,pelo Kronofogde,umfuncionáriopúblico;naEspanha,conformerecentíssimareforma, pelo secretário judicial, um funcionário público38.

36 CABRAL, Marcelo Malízia. Op. cit., p. 91.37 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Em pauta a desjudicialização da execução fiscal. Disponível em:

<http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/27472-em-pauta-a-desjudicializacao-da-execucao-fiscal>. Acesso em: 6 jun. 2014.

38 RIBEIRO, Flávia Pereira. Op. cit., p. 18.

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Em razão do exposto deverão ser valorizados os mecanismos alternativos de resolução de conflitos já existentes, bem como ser criada uma política nacio-nal de conscientização da população para evitar a judicialização de demandas temerárias, cobranças sabidamente ineficazes, colocando-se o Judiciário em posição de retaguarda.

4 AMPLIAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA: MEIOS ALTERNATIVOS PARA A RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS

Os meios alternativos de resolução de conflitos, bem como instrumentos de ampliação do acesso à Justiça, devem ser buscados, uma vez que a realiza-ção do bem-estar social não é tarefa exclusiva do Judiciário, mas dos Poderes Executivo e Legislativo, que devem atuar com eficiência e razoabilidade, bus-cando o bem comum. A desjudicialização, como meio alternativo na resolução dos conflitos, poderá favorecer grandemente o meio social, bem como a estru-turação de métodos consensuais e a construção de uma cultura de práticas que não ficariam restritas exclusivamente ao Judiciário, como afirma o juiz Marcelo Malizia Cabral:

A exemplo do que ocorre em Costa Rica, os meios alternativos de resolução de conflitos poderiam ser desenvolvidos pelo Estado e/ou particulares, individual-mente ou reunidos em entidades especializadas, operando a título gratuito ou oneroso, sendo que todas as atividades privadas poderiam ser controladas pelo Ministério da Justiça e as públicas não judiciais por ele geridas.39

Outrossim, aduz ainda o magistrado que o investimento em sistemas al-ternativos de resolução de conflitos deve ser visto não como método de substi-tuição ou de subestimação da jurisdição, mas como um mecanismo que com-plementa e amplia o acesso à justiça. Segundo Onaldo Rocha de Queiroga,

no entanto, é importante afirmar que o CNJ vem realizando um trabalho no sen-tido de coordenar a adoção de medidas padronizadas por todos os tribunais do país. Certamente, essas medidas possibilitarão, senão no curto, mas no médio prazo, um melhoramento significativo no Poder Judiciário brasileiro.40

Ainda, de acordo com Onaldo Rocha de Queiroga:

A inclusão de outros temas concernentes à desjudicialização já está sendo es-tudada. Nesse sentido, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil – Anoreg-BR vem promovendo estudos para sugerir que o instituto do usucapião possa também ser incluído no horizonte da desjudicialização.41

Um exemplo disto é a Lei Orgânica dos Notários e Registradores nº 8.935/1994, que dispõe sobre a natureza e afins dos serviços notariais e de

39 CABRAL, Marcelo Malízia. Op. cit., p. 91.40 QUEIROGA, Onaldo Rocha. Op. cit., p. 07.41 Idem, p. 08.

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registro. Quando o cidadão busca os serviços notariais e registrais, ele espera que aquele ato possua segurança jurídica em face da fé pública com que são in-vestidos Registradores e Notários. Com isso, a tutela jurisdicional prestada pelo Estado-Juiz deve ser buscada somente quando houver uma pretensão resistida entre os envolvidos, ao passo que a atividade extrajudicial notarial e registral tem a finalidade de evitar litígio.

Assim, a desjudicialização é uma necessidade de se buscar vias alter-nativas extrajudiciais de resolução de conflitos ou litígios, relegando ao Poder Judiciário somente onde a solução da lide não possa se dar de forma diversa, ou seja, apenas aqueles casos relacionados à sua função de declarar o direito ao cidadão em caráter definitivo, evitando-se com isso o caráter generalizado, desnecessário e, por que não dizer, injustificado à justiça estatal.

5 DESJUDICIALIZAÇÃO: NOVA JURISDIÇÃO EXTRAJUDICIAL, UMA NOVA CULTURA

Em razão da cultura do povo brasileiro, em que a litigiosidade é estimu-lada inclusive pelos próprios meios de comunicação, que dizem claramente ou induzem as pessoas a procurarem o Procon, Juizados Especiais ou a Justiça de um modo em geral, está se criando uma sociedade na qual as pessoas não procuram dialogar para encontrar a solução de um simples problema, mas pro-curando diretamente a Justiça. É o que acontece na saúde, quando aportam no Judiciário várias demandas em face da União, Estado ou Município para alcançar ao jurisdicionado o medicamento, o procedimento cirúrgico ou ainda para promover o internamento compulsório, por serem as políticas públicas fa-lhas ou omissas. É neste momento que se deve propor a desjudicialização, que favorecerá o jurisdicionado e ainda implantará uma nova cultura, como pontua Flavia Pereira Ribeiro:

A aceitação de um novo padrão cultural não é das tarefas mais fáceis, mas não se pode apegar ao hábito. É necessário revisitar conceitos, padrões, dog-mas, para que se possa atender as necessidades específicas da nova realidade social.42

Dos pontos de vista social, cultural e econômico, é importante que se promova ampla divulgação e conscientização de uma cultura moderna, ou seja, uma nova jurisdição extrajudicial, autorizados por Lei, na qual os interessados poderão optar por meio não estatal para o exercício da jurisdição na realização de determinada atividade.

Conflitos sociais existem e sempre existirão, sendo que a solução está no alcance tanto do Poder Executivo, Legislativo quanto do Judiciário, enten-

42 RIBEIRO, Flávia Pereira. Op. cit., p. 36.

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dendo-se que não é prerrogativa apenas deste solucionar conflitos, como aduz Rodolfo de Camargo Mancuso:

Com efeito, impende hoje reconhecer que “dizer o Direito” não é mais atributo exclusivo do Estado-juiz, mas na verdade se trata de tarefa perfeitamente de-sempenhável por outros agentes, órgãos, ou instâncias, desde que aptos a pre-venir ou resolver os conflitos com a justiça em tempo hábil.43

Para isso, necessário se faz trabalhar na divulgação dos meios alterna-tivos, conscientizar o povo de um modo geral e até, por que não dizer, os operadores do Direito, para que se apropriem, utilizem os instrumentos, meca-nismos que estão ao alcance da população, como as leis editadas, resoluções, provimentos, atos, ou seja, as vias extrajudiciais de resolução dos conflitos ou litígios, relegando ao Poder Judiciário somente os casos os quais a solução da lide não possa se dar de forma diversa, promovendo assim a desburocratização e uma nova concepção de acesso à Justiça.

Para uma justiça eficaz e, em tempo útil, há necessidade premente de en-contrar soluções, propagar os procedimentos que já estão à disposição da socie-dade, ou seja, desjudicializando, transferindo a competência dos Tribunais para os advogados, Notários e Registradores, Tabeliães, e, por que não dizer, também de outros profissionais de outras áreas, como psicólogos, economistas, assistentes sociais ou sociólogos em casos de menores em situação de risco, muito comum na sociedade atual em razão até do envolvimento de pais ou responsáveis com álcool e drogas, falências de empresas ou situações de exclusão social.

CONCLUSÃO

Habitualmente, o cidadão leva seus conflitos para o Poder Judiciário em busca de uma prestação jurisdicional, por entender que aquele órgão é a única fonte de acesso à Justiça, culminando com a cultura do litígio, ou seja, judiciali-zação excessiva. A atual crise do Judiciário, com invencível número de proces-sos em todos os graus da jurisdição, torna-o moroso e ineficiente no alcance da tutela ao jurisdicionado. Entretanto, não basta a intervenção do Estado-Juiz na resolução dos conflitos, mas é necessário que a solução ao caso concreto seja alcançada de forma rápida e eficaz.

Todo trabalho ou movimento no sentido de desjudicializar e desburocra-tizar no atual momento é de necessidade urgente na provocação de mudança cultural da forma de disputa, trazendo celeridade na composição de soluções de interesses ou conflitos. Cede-se, assim, espaço a uma tendência contem-porânea de não focar somente a tão discutida morosidade da justiça, mas na viabilização de inovadoras e inteligentes alternativas para visualizar a questão.

43 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit., p. 338.

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Atualmente, a principal crítica dirigida ao Poder Judiciário é a intem-pestividade da prestação jurisdicional, uma vez que a sociedade brasileira, de modo geral, clama por uma justiça mais célere e eficaz no alcance do direito ao jurisdicionado. Sendo assim, a desjudicialização representa um avanço na resolução dos conflitos, uma vez que faculta às partes comporem seus litígios fora da esfera judicial, desde que estas sejam juridicamente capazes e que di-gam respeito a direitos disponíveis. Desta forma, podem-se transferir alguns pro-cedimentos de competência do Poder Judiciário para o âmbito das Serventias Extrajudiciais, as quais poderão realizá-los por meio de procedimentos admi-nistrativos, com o objetivo de trazer presteza no alcance da Justiça, bem como contribuir para a redução da crescente e quase desenfreada judicialização.

É oportuno mencionar que esta desjudicialização está presente em países europeus, como França, Alemanha, Portugal, Itália, Suécia e Espanha, cons-tituindo uma realidade que caminha a passos largos no Direito brasileiro, e, como se infere no próprio nome, é uma tendência de retirar do Poder Judiciário atribuições que não possuem natureza de litigiosidade, em especial as de juris-dição voluntária.

Portanto, o oferecimento de outros meios de resolução de conflitos não pode ser visto apenas como uma alternativa, mas como uma opção ao jurisdi-cionado em alcançar o direito de forma ligeira e dinâmica, deixando ao Poder Judiciário a realização de procedimentos que não podem se dar de forma diver-sa, vislumbrando o aprimoramento deste modo do sentido de dizer o Direito.

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Parte Geral – Doutrina

Tutelas de Urgência

AnA MARIA BORGeS FOnTãO CAnTALAdvogada Associada de Villaça Rodrigues & Nogueira Sociedade de Advogados, Professora de Direito Processual Civil e Direito Civil e Ética na Universidade Paulista – Unip.

RESUMO: O presente artigo tem como finalidade precípua apresentar o instituto das tutelas diferen-ciadas de urgência, existentes hoje no ordenamento jurídico pátrio, demonstrando a real distinção e semelhanças havidas entre elas, sua aplicabilidade prática e, principalmente, reforçar a necessidade da boa leitura de tais instrumentos processuais, diante do problema relacionado ao acesso à Justiça.

PALAVRAS-CHAVE: Tutela de urgência; acesso à Justiça; tutelas diferenciadas.

ABSTRACT: This paper is primarily designed to present the Institute of emergency differentiated guardianships, existing today in the Brazilian legal system, demonstrating the real distinction and similarities between them, their practical applicability and especially reinforce the need for good reading of such legal instruments, before the problem related to access to Justice.

KEYWORDS: Emergency protection; access to Justice; differentiated guardianships.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Garantia constitucional da ação e o acesso à Justiça; 2 O tempo e a efetivi-dade do processo; 3 Processo de conhecimento, execução e cautelar; 4 Tutelas de urgência; 4.1 Prin- cípio do contraditório e da ampla defesa nas tutelas de urgência; 5 Tutela cautelar; 6 Tutela anteci-pada; 6.1 Prova inequívoca da verossimilhança; 6.2 Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; 6.3 Abuso do direito de defesa ou do manifesto propósito protelatório; 7 Irreversibilidade da medida; 8 A efetivação da tutela antecipada; 9 Tutela antecipada específica – Do artigo 461, § 3º, CPC; 10 Fungibilidade; 11 A tutela antecipada na sentença; 12 O novo CPC e considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

A morosidade da Justiça, atualmente, consiste em um dos mais graves problemas que impedem o efetivo acesso à Justiça, situação esta gravíssima, haja vista que o acesso à Justiça é tratado como um direito e garantia constitu-cional, consagrado pelo art. 5º, XXXV, da Carta Magna.

Assim, como resposta à necessidade de se dar ao jurisdicionado a tutela adequada e efetiva, o Direito Processual Civil lançou mão de uma série de tute-las diferenciadas, sendo estas medidas que se mostram mais adequadas do que as comuns, propondo-se a assegurar a efetiva fruição de direitos, especialmente quando se está diante de situação de urgência e/ou perigo de dano.

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Não se pretende, com o presente artigo, esgotar todas as questões ati-nentes ao instituto das tutelas de urgência, mas sim, a partir desta leitura, de-senvolver-se o pensamento crítico sobre o tema, diante da evidente relevância do tema.

1 GARANTIA CONSTITUCIONAL DA AÇÃO E O ACESSO À JUSTIÇA

A Constituição Federal, enquanto ordenamento jurídico de maior impor-tância no Direito Pátrio, assegura ao cidadão comum o direito da ação e o acesso à Justiça, dando-lhes tratamento de Direitos e Garantias Fundamentais (art. 5º da Constituição Federal).

Conforme preleciona Alexandre de Moraes:

[...] O princípio da legalidade é basilar na existência do Estado de Direito, de-terminando a Constituição Federal sua garantia, sempre que houver violação do direito, mediante lesão ou ameaça (art. 5º, XXXV). Dessa forma, será chamado a intervir o Poder Judiciário, que, no exercício da jurisdição, deverá aplicar o direito ao caso concreto. [...]1

Desta forma, desde que haja plausibilidade da ameaça a direito, exposta em juízo pelo jurisdicionado, fica o Poder Judiciário obrigado a efetivar o pedi-do de prestação jurisdicional – não significando, é claro, que será reconhecido o direito do autor ao final da cognição exauriente.

Por outro lado, a EC 45 (conhecida como Reforma do Judiciário), asse-gurou, na esfera judicial e administrativa, o princípio da razoável duração do processo e da celeridade processual.

Nesse sentido, como mecanismos assecuratórios da celeridade proces-sual, podem ser citados a vedação de férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, a proporcionalidade do número de juízes à efetiva demanda judicial e à respectiva população, a distribuição imediata dos processos, em todos os graus de jurisdição, a possibilidade de delegação aos servidores do Judiciário, para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório, a necessidade de demonstração de repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso para fins de conhecimento do re-curso extraordinário, a instalação da justiça itinerante, as súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal2.

É evidente que todos estes mecanismos apenas auxiliaram o avanço à efetiva prestação jurisdicional, faltando ainda serem revistas e repensadas novas formas de solução de conflitos, como, por exemplo, o incentivo à desjudiciali-zação dos processos, à mediação e conciliação etc.

1 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 86.2 Idem, p. 113.

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O momento atual pede mudanças efetivas do Judiciário e do pensamento do jurisdicionado, especialmente no que se refere à cultura da sentença, en-quanto solução e pacificação de conflitos, substituindo-a por uma nova visão de solução de conflitos, na qual o jurisdicionado teria uma efetiva tutela e acesso à Justiça, e sairia satisfeito com os resultados alcançados.

2 O TEMPO E A EFETIVIDADE DO PROCESSO

A efetividade do processo tem relação direta com o acesso à Justiça, uma vez que a atividade jurisdicional deve estar de fato à disposição do cidadão jurisdicionado, por meio de meios adequados para cada situação concreta que se apresente.

Quando se está diante de situação de urgência, por exemplo, a qual re-quer imediata e efetiva providência do Poder Judiciário, não é possível deixar o cidadão esperar os trâmites ordinários do devido processo legal. Assim, surgem as tutelas diferenciadas e de urgência, para abarcar tais situações, ainda que por meio de uma cognição sumária, que, inclusive, poderá ser revista e modificada após a cognição exauriente.

A este respeito, confira-se a lição do aclamado jurista José Carlos Barbosa Moreira:

Processo efetivo, portanto, é aquele dotado de mecanismos adequados à pro-teção de qualquer direito e acessíveis a quem se apresente como o respectivo titular. Deve ainda proporcionar, na medida do possível, a reprodução exata do fenômeno substancial, possibilitando ao juiz visão correta da realidade. Por fim, é possível assegurar àquele a quem for reconhecida a condição de titular do di-reito a possibilidade de usufruir plenamente dessa situação de vantagem, deven-do o resultado ser obtido com dispêndio mínimo de tempo e energia.3

Não obstante, é preciso tomar alguns cuidados para não serem suprimi-dos os direitos do sujeito passivo da ação, o demandado, em prol da alegada urgência do direito do autor.

A garantia do direito da ação e do acesso à Justiça não se destina apenas ao autor da ação. Todos os sujeitos do processo devem ter as mesmas garantias, em observância, inclusive, ao princípio constitucional da isonomia.

As soluções de urgências devem ser provisórias, com a finalidade única de se assegurar a efetividade da tutela final e definitiva, quando então serão observados o devido processo legal e a ampla defesa, com um juízo de valor exauriente.

3 José Carlos Barbosa Moreira apud BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 80.

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3 PROCESSO DE CONHECIMENTO, EXECUÇÃO E CAUTELAR

Apenas com o intuito de contextualizar a questão central a ser abordada pelo presente artigo, faz-se necessária uma rápida definição dos procedimentos à disposição do jurisdicionado, segundo o Código de Processo Civil – CPC, em vigor.

Para cada situação de não cumprimento voluntário do direito material, nosso sistema jurídico prevê um determinado instrumento, adequado ao tipo de provimento jurisdicional pretendido.

Tem-se que o processo de conhecimento, ou declaratório em sentido am-plo, é aquele em que o Poder Judiciário, na pessoa do Magistrado, é provocado a julgar, declarando qual das partes tem razão, no caso apresentando (caso concreto). Ao final deste processo, teremos, em regra, uma sentença de mérito.

A doutrina costuma subdividir o processo de conhecimento em três ou-tras classificações: processo meramente declaratório, processo condenatório e processo constitutivo – levando-se em consideração o pedido do autor e a na-tureza do provimento pretendido na ação.

Por outro lado, têm-se os processos de execução, os quais podem ser de título executivo judicial ou extrajudicial. No primeiro, já houve uma sentença no processo de conhecimento, a qual reconheceu a existência de obrigação a ser cumprida pelo devedor (denominada por cumprimento de sentença). Na segunda hipótese, existe um título executivo extrajudicial, o qual deverá ser executado por meio de um processo autônomo de execução.

Sobre as distinções havidas entre o processo de conhecimento e de exe-cução, vale conferir trecho da doutrina a seguir transcrita:

[...] A propósito da clássica distinção entre processo de conhecimento e proces-so de execução (distinção, como visto, bastante comprometida, em matéria pro-cessual civil, pela Lei nº 11.232, de 22.12.2005), observou a doutrina que, no primeiro, se vai dos fatos ao direito (narra mihi factum dabo tibi ius), enquanto que no segundo se vai do direito (declarado pela sentença) aos fatos (que são modificados pela atividade executiva, para conformar-se ao direito).4

Tanto no processo de execução de título extrajudicial quanto no denomi-nado cumprimento de sentença, o órgão julgador não aprecia o mérito, reser-vando-se o conhecimento deste para eventual impugnação do executado (CPC, art. 475-L, VI), ou para os embargos.

De outro norte, tem-se uma terceira classificação de processo, chamado processo cautelar, o qual tem finalidade de assegurar que os direitos do jurisdi-

4 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 340.

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cionado, diante de situação agravada pelo perigo (periculum in mora) – finali-dade assecuratória. Os procedimentos cautelares fundam-se na hipótese de um futuro provimento definitivo, favorável ao autor (fumus boni juris): verificando--se cumulativamente esse pressuposto e o do periculum in mora, o provimento cautelar opera em regime de urgência, como instrumento provisório sem o qual o definitivo poderia ficar frustrado em seus efeitos5.

Vale ainda ressaltar que o processo cautelar pode seguir a forma autô-noma, enquanto processo preparatório, antecedente ao principal (art. 806 do CPC), ou incidental a um processo já existente, quando os requisitos supraci-tados forem percebidos após a propositura da ação, em processo já em curso: “Assim, a garantia cautelar surge, como que posta a serviço da ulterior atividade jurisdicional, que deverá restabelecer, definitivamente, a observância do direi-to: é destinada não tanto a fazer justiça, como a dar tempo a que justiça seja feita”6.

Ao lado das classificações anteriormente expostas (processo de conheci-mento, executivo e cautelar), a doutrina vem encontrando vozes no sentido de que há outra classificação a ser considerada, a das chamadas ações mandamen-tais. Tais ações teriam a finalidade de se obter uma ordem judicial (mandado), dirigido a outro órgão do Estado (ex.: mandado de segurança) ou a particulares (ex.: art. 461, § 5º, do CPC – obrigações de fazer ou não fazer).

Feitas tais considerações, passamos agora à análise do tema proposto: tutelas diferenciadas e de urgência.

4 TUTELAS DE URGÊNCIA

Fato indelével é que o Judiciário convive hoje com duas situações an-tagônicas: de um lado, há necessidade, por parte do jurisdicionado, em obter rápida solução do conflito de interesses – justiça tardia seria sinônimo de injus-tiça. De outro lado, há necessidade de serem observados requisitos formais de validade do processo, bem como dos princípios constitucionais do contraditó-rio e ampla defesa – assegurados ao demandado.

O juiz deve-se manter em equilíbrio constante, a fim de apreender o momento certo de dar a prestação jurisdicional requerida, nem antes, muito menos depois.

A complexidade da demanda, muitas vezes, não permite uma solução segura e rápida, retardando uma solução ao autor da ação. A necessidade de se fazer uma dilação probatória, por muitas vezes, acaba por contribuir para a demora, ou melhor, morosidade, de uma decisão definitiva por parte do juiz.

5 Idem, p. 3456 Idem, ibidem.

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Por sua vez, percebendo esta premente necessidade de simplificar os procedimentos judiciais, o legislador criou algumas leis, que por um tempo fun-cionaram muito bem e, de certa forma, aceleraram os procedimentos judiciais. São exemplos: a criação dos Juizados Especiais Cíveis, ampliação das hipóteses de rito sumário, estímulo à conciliação, entre outras.

Destarte, pudemos observar também um grande aumento de deferimento de liminares e de antecipações de tutela, com a finalidade de permitir ao autor ter acesso à sua pretensão, seja de forma cautelar ou satisfativa.

A tutela cautelar e tutela antecipada constituem espécies distintas do gê-nero denominado “tutelas de urgência”, ou “medidas de urgência”. Tais me-didas se justificam nas situações em que o jurisdicionado não pode aguardar a referida dilação probatória, sem sofrer o risco de ver seu direito perecer, ou mesmo risco de dano a um direito.

Nestes casos, a demora do processo acarretaria ao autor da ação prejuízo grave ou de difícil reparação – fundamentação para a concessão das chamadas tutelas de urgência.

4.1 pRincípio do contRaditóRio E da ampla dEfEsa nas tutElas dE uRgência

O posicionamento da doutrina não é pacífico quanto ao tema em questão.

Parte dos doutrinadores sustenta que seria incabível o deferimento limi-nar (inaudita altera parte) nas tutelas de urgência, em razão da não observância ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido, as medidas de urgência apenas poderiam ser deferidas após a angularização da relação jurídico-processual, coincidindo com a citação do réu, qualificando-se como pressuposto de constituição do processo. O posicionamento em estudo é mino-ritário, embora qualificado7.

Contudo, não é este o posicionamento que deve prevalecer, pois cada caso deve ser analisado de acordo com suas peculiaridades, isto é, o Magistrado deve auferir a presença dos requisitos autorizadores das medidas de urgência, seja cautelar ou tutela antecipada, sopesando os direitos que se contrapõem no caso – urgência requerida liminarmente pelo autor, diante do perigo de dano, e necessidade de um contraditório absolutamente irrestrito, diante da ordem constitucional vigente.

Fato é que, mesmo nas hipóteses de deferimento liminar, antes da cita-ção do réu, a presença do contraditório pode ser entendida quando a ele se dá

7 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil – Medidas de urgência, tutela antecipada e ação cautelar, procedimentos especiais. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 18.

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ciência do provimento, possibilitando-lhe, a partir de então, tentar demonstrar ao Magistrado ou ao Tribunal competente que o autor não preenche os requisi-tos necessários à concessão da tutela de urgência, por exemplo.

5 TUTELA CAUTELAR

A tutela cautelar caracteriza-se eminentemente pelo seu caráter assecura-tório. Por meio dela, não se pleiteia a declaração de um direito, em regra, mas sim uma tutela de segurança, como forma de se garantir um direito, em fase posterior.

A propósito, interessante a definição metafórica de Carnelutti, no trecho a seguir transcrito:

No exercício da função cautelar o juiz atua como verdadeiro artesão. Para obter o melhor resultado possível de seu trabalho, coloca a matéria-prima e os ins-trumentos na posição mais favorável possível. Isso ele faz para impedir que o fator tempo possa comprometer a qualidade do produto de sua atividade. Para tanto, pode impedir a mudança provável de uma situação, eliminar a alteração já ocorrida ou antecipar modificação possível de uma situação.8

A tutela cautelar supõe outra tutela, cujo resultado visa resguardar. As-sim, é necessário que exista algo passível de proteção provável (fumus boni iuris), que demande medida urgente para afastar algum perigo, incompatí-vel com o tempo necessário para que a tutela seja concedida definitivamente (periculum in mora)9.

As ações cautelares são, em regra, preparatórias, ou instrumentais, pres-supondo o ajuizamento da ação principal – na qual haverá o provimento defini-tivo que foi assegurado por meio da cautelar (art. 806 do CPC).

Contudo, como é cediço, há cautelares de caráter notoriamente satisfa-tivo, o que é permitido em vista das peculiaridades do caso concreto. Exemplo clássico seria a ação de busca e apreensão de menor, subtraído do genitor com guarda definitiva (arts. 839 e ss. do CPC). Após efetivada a busca e apreensão do menor, não haveria necessidade de outra ação, haja vista que a guarda do menor retornou a quem de direito.

6 TUTELA ANTECIPADA

A tutela antecipada constitui medida de urgência de natureza satisfativa, que visa entregar ao jurisdicionado o bem de vida que este pretende obter com a ação judicial. Ao contrário da medida cautelar, vista no tópico anterior, a tu-

8 Carnelutti (cfr. Diritto e processo, p. 354) apud Misael Montenegro Filho. Op. cit., p. 125.9 Adroaldo Furtado Fabrício (Breves notas sobre provimentos antecipatórios, cautelares e liminares, p. 14-15)

apud Misael Montenegro Filho. Op. cit., p. 126.

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tela antecipada não se reveste, em nenhum momento, de caráter assecuratório. Aí está a primeira grande diferença entre estas duas tutelas, espécies do gênero “medidas de urgência”.

Assim, pode-se perceber um acréscimo ao patrimônio do autor, quando lhe é concedida a tutela antecipada – o que não ocorre com a tutela cautelar. Isto porque o provimento que antecipa a tutela pretendida tem como efeito en-tregar algo ao autor – e nisso consiste o acréscimo ao seu patrimônio, seja por meio de um bem material ou imaterial.

6.1 pRova inEquívoca da vERossimilhança

A lei não prevê uma formalidade maior para o pedido de tutela anteci-pada, porém, há necessidade de se cumprir pressupostos específicos para sua concessão. O primeiro deles, previsto no caput do art. 273 do CPC, diz sobre a necessidade de convencimento do juiz quanto à prova inequívoca da verossi-milhança da alegação (art. 273, caput, CPC).

Sobre tal requisito, muito já se escreveu, e juristas interpretam a “prova inequívoca” das mais variadas formas. Para o ilustre jurista Barbosa Moreira: “[...] prova que, embora não necessariamente cabal, não deixe, absolutamente, nenhuma outra possibilidade de reconstrução dos fatos, mas uma prova isenta de ambiguidade, em si mesma clara, dotada de sentido unívoco. [...]”10.

E continua a interpretar o pressuposto do provimento antecipatório, ago-ra sobre a verossimilhança, conforme trecho a seguir transcrito:

[...] O juiz deve reclamar uma forte probabilidade de que o direito alegado re-almente exista. Penso que a palavra ideal seria probabilidade, e não verossimi-lhança. [...]. É preciso que ela, corroborada pelos elementos de prova existentes nos autos, se lhe afigure, não digo necessariamente certa, mas, pelo menos, al-tamente provável. [...]”11 (grifou-se)

Nenhuma prova, na realidade, é inequívoca, daí o entendimento de que se refere a uma prova robusta da existência do direito do autor, muito mais forte do que o fumus boni iuris – pressuposto da medida cautelar. Isto significa que a prova apresentada deve conferir ao juiz um alto grau de probabilidade de que o direito pende em seu favor, de que as alegações articuladas pelo promovente possivelmente são verdadeiras12.

10 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A antecipação da tutela jurisdicional na reforma do Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 81, p. 203, jan./mar. 1996.

11 Idem, p. 204.12 MONTENEGRO FILHO, Misael. Op. cit., p. 26.

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6.2 fundado REcEio dE dano iRREpaRávEl ou dE difícil REpaRação

Este requisito/pressuposto muito se aproxima do periculum in mora – re-quisito este necessário à medida cautelar.

Na tutela antecipada, há um receio de que o direito material venha a perecer (na sua totalidade ou em parte), caso não seja dado o provimento de forma imediata ao pedido (tutela antecipada).

Ora, de nada adiantaria um provimento judicial, no momento da senten-ça, permitindo ao autor a realização de uma cirurgia de emergência, a expensas do convênio médico (réu), se o autor já houver falecido ao tempo da sentença. É um exemplo clássico, que nos faz compreender o alcance da necessidade de uma tutela antecipada, por fundado receio de dano ou de difícil reparação (art. 273, I, CPC).

6.3 abuso do diREito dE dEfEsa ou do manifEsto pRopósito pRotElatóRio

Este é o último requisito da tutela antecipada, previsto no art. 273, II, CPC, e refere-se diretamente à conduta do réu no processo, que muito se apro-xima da chamada litigância de má-fé (art. 17, CPC).

A situação se dá quando o réu se utiliza de expedientes processuais como recursos, por exemplo, única e exclusivamente com o propósito de protelar, de tumultuar o feito.

São situações que demonstram uma conduta do réu sempre no intuito de retardar o andamento do processo, em prejuízo direto ao autor.

Evidente que cada caso concreto deve ser analisado pelo Magistrado, sem perder de vista que o réu também tem o direito de exercer sua defesa, na forma prevista em lei. Da análise dos pressupostos gerais e específicos dos recursos interpostos pelo réu, por exemplo, pode-se auferir a sua intenção pro-telatória, ou não.

7 IRREVERSIBILIDADE DA MEDIDA

O perigo da irreversibilidade da tutela antecipada pode ser visto como um pressuposto negativo para sua concessão.

Dispõe o art. 273, § 2º, CPC, que: “não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”.

Tal dispositivo deve ser interpretado à luz do ordenamento jurídico como um todo, ou seja, por meio de uma interpretação sistemática, haja vista estar-se diante de dois bens jurídicos a serem tutelados: o direito do autor, preenchidos

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os pressupostos da tutela antecipada (273, I, ou 273, II, CPC), e, de outro lado, o interesse do réu, no mais das vezes de caráter patrimonial.

Pegue-se como exemplo o mesmo explanado no tópico anterior: tutela antecipada para realização de cirurgia em caráter emergencial. Ora, em sendo concedido liminarmente tal provimento, o autor realiza a cirurgia pretendida, a expensas do convênio médico (réu). Ao final da ação, após ampla dilação probatória, pode o juiz pender em favor das alegações do réu, entendendo que este não seria o responsável para arcar com as despesas da cirurgia (agora já realizada e suportada pelo réu).

Como reverter tal situação?

Para minimizar os prejuízos do réu, em caso de alteração do cenário inicial da antecipação da tutela, a doutrina vem entendendo, em casos análo-gos a este, que o juiz pode determinar que ao autor a prestação de caução, no valor patrimonial relativo à medida concedida, para que o réu não seja forçado a suportar, sozinho, todo o prejuízo em caso de reversibilidade do provimento.

Por outro lado, poderá também o réu, em qualquer caso, ajuizar ação própria, em face do autor, cobrando-lhe por todos os prejuízos materiais, por meio de ação de perdas e danos.

A corrente doutrinária que vem ganhando força atualmente é a que de-fende a possibilidade de o Magistrado deferir a tutela antecipada quando, mes-mo diante do perigo da irreversibilidade, mostrar-se do lado do autor situação de evidente dano irreparável ou de difícil reparação, o que fica ilustrado por meio do aproveitamento do exemplo examinado anteriormente, referindo--se à necessidade de realização da intervenção cirúrgica, sob pena de o autor falecer13.

8 A EFETIVAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA

O deferimento da tutela antecipada, por si só, não garante ao autor os efeitos imediatos desta decisão. Isto porque, no mais das vezes, tal decisão pres-supõe uma conduta por parte do réu, consubstanciada em fazer algo, ou deixar de fazer algo, ou em dar algo.

A matéria atinente à efetivação (e não execução) da tutela antecipada está prevista no art. 273, § 3º, do CPC, in verbis: “A efetivação da tutela ante-cipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A”.

13 MONTENEGRO FILHO, Misael. Op. cit., p. 33.

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Da simples leitura deste artigo, percebe-se que o legislador pretendeu, expressamente, afastar a execução da medida antecipatória, o que muito atra-vancaria o processo, dificultando sobremaneira a efetividade da decisão – o que vai à contramão da natureza de urgência conferida ao instituto da tutela antecipada.

Ao remeter a efetivação do provimento antecipatório às chamadas medi-das de apoio, como, por exemplo, a expedição de mandado de busca e apreen-são, imissão na posse, e, especialmente, a fixação de multa diária pelo descum-primento da medida, dá ao autor um instrumento de coerção que tem grande peso na efetivação das decisões antecipatórias.

A ideia é que o réu sinta-se obrigado a optar entre satisfazer espontane-amente os comandos da decisão, ou então arcar com o pagamento de multa diária, o que, em muitos casos, é suficiente para dar-lhe o estímulo que faltava para o cumprimento da ordem judicial.

Evidente que tais multas – denominadas astreintes – devem ser fixadas em valor nem tão baixo – que seja desprovida do caráter coercitivo – nem tão altas – que cheguem a beirar o enriquecimento sem causa do autor. Deverá o Magistrado considerar circunstâncias como a situação econômica do réu, por exemplo, para fixar de forma equitativa o valor da astreinte.

Ainda a este respeito, discute-se na doutrina se há de fato o enrique-cimento sem causa do autor quando as astreintes têm valor relevante, o que levaria até mesmo ao autor preferir o não cumprimento da medida para ter para si o valor das multas.

Aqui cabem parênteses: pode até se pensar em enriquecimento do autor, mas tal enriquecimento tem sua causa diretamente relacionada à necessidade de se provocar o Poder Judiciário, com vistas a obter pretensão em face do réu, que se recusa em cumprir um dever, especialmente quando se está diante do descumprimento de decisão judicial.

Alguns tribunais pátrios, quando da análise de recursos interpostos em face de decisões que se utilizam das astreintes como forma de coerção, vêm reduzindo o seu valor favorecendo a má conduta do réu, e, por vezes, estimu-lando o não cumprimento de decisões judiciais. Contudo, há precedentes em sentido contrário do eg. Superior Tribunal de Justiça. Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ES-PECIAL – ASTREINTES – REDUÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 7/STJ – DECISÃO MANTIDA – RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE – IM-POSIÇÃO DE MULTA – ART. 557, § 2º, DO CPC.

1. É inviável, no recurso especial, revisar o valor da multa diária fixada pela ins-tância de origem, salvo nos casos em que este se mostrar ínfimo ou exorbitante. Precedentes.

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2. No caso concreto, a astreinte foi fixada em valor que está de acordo com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e não se mostra excessivo.

3. A interposição de recurso manifestamente inadmissível ou infundado autoriza a imposição de multa, com fundamento no art. 557, § 2º, do CPC.

4. Agravo regimental desprovido, com a condenação do agravante ao pagamen-to de multa no percentual de 1% (um por cento) sobre o valor corrigido da cau-sa, ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do respectivo valor (art. 557, § 2º, do CPC).14

9 TUTELA ANTECIPADA ESPECÍFICA – DO ARTIGO 461, § 3º, CPC

O art. 461 traz em seu bojo a preocupação do legislador com a efetivi-dade do processo, uma vez que assegura a tutela específica, que deveria ser produzida com o cumprimento da obrigação.

Assim, destina-se tal dispositivo àquelas obrigações de fazer e não fazer, conforme o a seguir transcrito:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se proceden-te o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equi-valente ao do adimplemento.

[...]

§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revo-gada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

O citado § 3º, do art. 461, CPC cuida de hipótese de tutela antecipada, nas ações cujo objeto seja relacionado à obrigação de fazer ou não fazer.

Aqui, vale lembrar, é uma tutela antecipada específica, em que não há neces-sidade de se comprovar a prova inequívoca da verossimilhança das alegações (requisito da tutela antecipada, do art. 273 do CPC).

São dois os requisitos do art. 461, § 3º: o primeiro seria relevante fun-damento da demanda, e o segundo seria o receio de ineficácia do provimento final.

Tais requisitos em muito se aproximam do fumus boni iuris e do pericu-lum in mora – ambos emprestados das medidas cautelares.

Evidente que o cumprimento de tais requisitos/pressupostos, por serem de menor exigência, é mais fácil do que se supõe o instituto da tutela antecipada do art. 273. Assim, o dispositivo em questão pode ser utilizado pelo operador

14 AgRg-AREsp 267594/SP, 2012/0259347-1, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª T., J. 09.04.2013.

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do direito como mais uma ferramenta, à sua disposição, com vistas a se efetivar, de forma célere, o direito do autor, quando em caso de urgência.

Veja-se, nesse sentido, o julgado a seguir colacionado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DECLARATÓRIA – DEFERIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA PARA DETERMINAR A EXCLUSÃO DO NOME DA AU-TORA DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO SOB PENA DE MULTA PECUNIÁRIA – COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA PARA O CASO DE DES-CUMPRIMENTO DA DECISÃO QUE ANTECIPOU OS EFEITOS DA TUTELA – ALTERAÇÃO DA MULTA POR OUTRA MEDIDA CAPAZ DE DAR MAIOR EFETIVIDADE AO REAL OBJETIVO DA PARTE – INTELIGÊNCIA DO ART. 461, §§ 3º E 5º, DO CPC – NECESSIDADE DE DESCOBERTA DA MEDIDA MAIS ADEQUADA À OBTENÇÃO DO RESULTADO PRÁTICO EQUIVALENTE AO DO ADIMPLEMENTO OU DA TUTELA ESPECÍFICA – O § 5º do art. 461 do Código de Processo Civil traz hipóteses exemplificativas em relação às quais o julgador pode se valer para a obtenção do resultado prático equivalente ao do adimplemento ou a efetivação da tutela específica. Assim, dentre os meios acei-tos pelo Direito, cabe ao juiz escolher a medida mais adequada para o caso em concreto, pois a multa não é a única providência possível de ser utilizada, con-quanto seja a mais empregada. Sendo a nova providência ineficiente, a medida poderá ser modificada, adotando-se outra mais eficaz, até a cominação da pró-pria multa, nos termos do § 3º do art. 461 do Código de Processo Civil. Recurso conhecido e provido. (TJSC, 5ª CDCom., Ag 20130813438/SC, 2013.081343-8, Relª Soraya Nunes Lins, J. 19.03.2014)

10 FUNGIBILIDADE

Muitos são os casos em que, para o autor da ação, torna-se difícil a es-colha de quais institutos de tutela e urgência seriam mais adequados às suas necessidades: se pedido liminar de tutela antecipada, comprovando-se a prova inequívoca da verossimilhança, dentro do mesmo processo, ou se, em medida preparatória, pedir liminarmente medida assecuratória, com vistas a garantir o resultado prático do processo principal (com necessidade de se ajuizar ação principal nos termos do art. 806 do CPC).

Na hipótese de o autor ingressar com ação pleiteando a tutela antecipada (caráter satisfativo), quando, na realidade, seria caso de pedido liminar em ação cautelar (caráter preventivo), o juiz pode receber o pedido como se estives-se diante de uma medida cautelar. Nisso consiste a denominada fungibilidade das tutelas antecipada e cautelar, trazida no bojo do art. 273, § 7º, do CPC, in verbis: “Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”.

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O princípio da fungibilidade ganhou notória aplicabilidade em matéria recursal, quando o tribunal pode receber um recurso como se outro fosse, desde que a dúvida seja objetiva, e não se trate de erro grosseiro do operador do direi-to (advogado). Ainda, exige-se que o recurso seja apresentado dentro do prazo menor entre os dois recursos.

Em matéria de tutela antecipada e tutela cautelar, a fungibilidade apre-senta-se como uma solução para questões de interpretações divergentes, entre a escolha da medida pelo autor, e o entendimento/interpretação do Magistrado.

Importante ressaltar que, se o autor optar pela tutela antecipada, os pres-supostos que deve cumprir são muito mais exigentes e “fortes” do que os da me-dida cautelar (a prova inequívoca em contraposição ao fumus boni iuris ganha maior peso, pois, embora não seja certeza de prova, pode ser entendida como uma quase certeza).

Por esta razão, é de fácil ilação que a fungibilidade entre tutela antecipa-da e tutela cautelar pode ser aceita, e nisto foi feliz o legislador.

Do contrário, ou seja, no sentido inverso, quando se propõe medida cau-telar ao invés da tutela antecipada, pode o Magistrado aplicar o mesmo princí-pio da fungibilidade, e receber uma pela outra?

Tal questão ainda não está pacificada na doutrina, muito embora se pu-desse solucioná-la da seguinte forma: ingressando o autor com medida cautelar, cumprindo, portanto seus pressupostos (periculum in mora e fumus boni iuris), o juiz poderia, antes de deferir liminarmente o pedido do autor, determinar-lhe que emendasse a petição inicial, comprovando os pressupostos da prova ine-quívoca da verossimilhança de suas alegações. Nesse sentido, confira-se trecho da doutrina, que vem ganhando cada vez mais força:

[...] A segunda consequência é o reconhecimento de certo grau de fungibilida-de entre a tutela cautelar e a tutela antecipada. Muitas medidas encontram-se em uma “zona cinzenta”, entre o terreno inequivocamente destinado à tutela conservativa e aquele outro atribuído à antecipação. Estabelece-se, em virtude disso, verdadeira “dúvida objetiva” – semelhante à que autoriza, no campo dos recursos, a aplicação do princípio da fungibilidade (v. 1, n. 37.5.4). Assim, em casos urgentes, o juiz não pode deixar de conceder a medida simplesmente por reputar que ela não foi requerida pela via que considera cabível. Nessa hipóte-se, se presentes os requisitos, o juiz tem o dever de conceder a tutela urgente pretendida e, se for o caso, mandar a parte posteriormente adaptar ou corrigir a medida proposta. [...] O texto deixa claro a antes mencionada fungibilidade en-tre tutela antecipada e tutela cautelar. Diversamente do que pode parecer com uma leitura rápida, a providência de natureza cautelar pode ser postulada ainda que não tenha expressado pleito de antecipação de tutela. Pode ocorrer de o autor não ter pedido antecipação de tutela (até mesmo por eventualmente não lhe interessar tal antecipação), mas ter pedido providência de natureza diversa

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do provimento final almejado, com os requisitos suficientes para a concessão de medida cautelar. Nessa hipótese, a norma autoriza o pedido (cautelar) em pro-cesso de conhecimento. Por outro lado, e embora a regra não o diga expressa-mente, as razões antes expostas evidenciam que a fungibilidade também haverá de ser reconhecida no sentido oposto – ou seja, poderá haver deferimento de tutela antecipada requerida sob a forma de “medida cautelar”.15

O que está em questão quando se trata de fungibilidade é o aprovei-tamento máximo dos atos processuais, privilegiando o fim em detrimento do meio, desde que não sejam causados prejuízos à parte contrária (princípio da instrumentalidade das formas).

11 A TUTELA ANTECIPADA NA SENTENÇA

Em regra, a sentença terá efeito suspensivo, conforme dispõe o art. 520, caput, do CPC. Isto porque ela está sujeita a recurso, da parte sucumbente – em observância ao princípio do duplo grau de jurisdição.

A sentença possuirá efeitos plenos, enquanto fim que almeja o jurisdicio-nado, em momento muito posterior à sua prolação.

Por outro lado, como visto, o art. 273 do CPC tem natureza de satisfação imediata do bem de vida que se requer (natureza satisfativa), diante dos pressu-postos específicos impostos pela lei.

Entretanto, mesmo nos casos em que não se requer, liminarmente, a an-tecipação de tutela, haverá sim a possibilidade de se trazer tal instituto ao bojo da sentença, visando a afastar o seu efeito suspensivo.

A tutela antecipada tem lugar ao longo de todo o processo. Se no início da lide, pode inclusive ser deferida inaudita altera parte. Após a citação do réu, ou mesmo no curso da instrução processual, não importa: o que é necessário é que se façam presentes os requisitos exigidos pelo art. 273.

Da mesma forma, poderá o autor, visando à necessidade dos efeitos imediatos da sentença, formular tal pedido, em alegações finais (memoriais), explanando que não lhe bastaria a procedência do pedido, mas que os efeitos práticos da decisão proferida possam ser imediatamente sentidos, na esfera de direitos do autor.

Aliás, este seria o ideal da efetividade do acesso à Justiça: uma tutela jurisdicional que opere de forma segura e rápida na esfera de direitos do juris-dicionado.

15 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de. Curso avançado de processo civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 3, 2008. p. 43/44.

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Há, contudo, vozes na doutrina que defendem a ideia de que a tutela antecipada seria impossível no momento da sentença, sob o argumento de que ela tem como pressuposto uma cognição sumária, enquanto, nesta última, a cognição seria exauriente.

Discordando de tal posicionamento, salvo melhor juízo, essa alegação torna-se frágil na medida em que se uma tutela pode ser antecipada apenas com uma cognição sumária, o que se dirá de concedê-la após uma cognição exauriente, respeitados os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa?

Refletindo este entendimento, confira-se a posição exposta pelo doutri-nador Cássio Scarpinella Bueno:

Trata-se, aqui também, da mesma “incoerência de eficácias” [...]. A superação dessa incongruência, à luz do art. 5º, XXXV e LXXVIII, da Constituição Federal, deve ser sempre em favor do princípio da efetividade do processo e das técni-cas que imprimam maior celeridade nos julgamentos proferidos pelo Judiciá-rio e nos efeitos concretos destes julgamentos e não o contrário. Assim, o fato de o autor, ao requerer a tutela antecipada em seus “memoriais”, ter condições de apresentar ao Magistrado muito mais do que “verossimilhança”, não é óbice para afastar a pertinência do acolhimento de seu pedido. Até porque a “veros-similhança da alegação” pode ser compreendida a partir do “efeito devolutivo” de um eventual recurso de apelação [...].16

12 O NOVO CPC E CONSIDERAÇÕES FINAIS

As tutelas de urgência são instrumentos necessários para a efetiva presta-ção da tutela jurisdicional, permitindo ao jurisdicionado o acesso ao Judiciário, de forma real e efetiva, segundo o comando constitucional.

As medidas cautelares (art. 747 e seguintes do CPC), a tutela antecipada (art. 273, CPC), a execução de tutela específica, para obrigações de fazer e não fazer (art. 461-A, CPC), ao lado do art. 84 do Código de Defesa do Consumi-dor, podem e devem ser invocados pelo jurisdicionado, em caso de urgência, e desde que haja cumprimento dos requisitos legais, não poderá o Magistrado se esquivar de concedê-los, sob pena de não se dar cumprimento aos comandos constitucionais – inafastabilidade da jurisdição, acesso à Justiça etc.

Contudo, com a aprovação do novo Código de Processo Civil, o qual no momento aguarda pela sanção presidencial, espera-se que sejam trazidas modi-ficações no sentido de prover a melhora relativa à morosidade e efetividade do

16 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil, tutela antecipada, tutela cautelar, procedimentos cautelares específicos. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2009. p. 56.

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processo, diluição de dúvidas atinentes a interpretações, até mesmo quanto aos requisitos/pressupostos das chamadas medidas de urgência.

Aliás, o novo CPC, remetendo às medidas de urgência, trata o tema como de tutela de urgência e tutela de evidência, diferenciando as duas subespécies do gênero.

Porém, o mais importante é a ideia intrínseca trazida pelo instituto, da qual o legislador do novo CPC não se afastou, qual seja, a de que as medidas de urgência constituem os pilares sob o qual se ampara o princípio constitucional do acesso à Justiça, trazido pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.

REFERÊNCIAS

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumá-rias e de urgência. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil, tutela ante-cipada, tutela cautelar, procedimentos cautelares específicos. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2009.

CINTRA,AntonioCarlosdeAraújo;GRINOVER,AdaPellegrini;DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil – Medidas de urgên-cia, tutela antecipada e ação cautelar, procedimentos especiais. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. A antecipação da tutela jurisdicional na reforma do Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 81, jan./mar. 1996.

WAMBIER,LuizRodrigues;TALAMINI,Eduardo;ALMEIDA,FlávioRenatoCorreiade.Curso avançado de processo civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 3, 2008.

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Parte Geral – Doutrina

Fraude de Execução e Efetividade da Prestação Jurisdicional1

FeRnAnDA ARRuDA DuTRAAdvogada, Especialista em Direito da Economia e da Empresa, Mestre em Direito.

RESUMO: O presente artigo trata das possibilidades existentes na legislação para proteção da par-te, no curso do processo de conhecimento, contra a fraude de execução diante do disposto no art. 615-A do Código de Processo Civil e da Súmula nº 375 do STJ.

PALAVRAS-CHAVE: Efetividade; fraude de execução.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Noções gerais da fraude à execução e responsabilidade patrimonial; 2 O artigo 615-A do CPC; 3 Alienação de bem constrito; 4 O problema da fraude de execução além do módulo executivo; 5 Equacionando o problema em face do direito fundamental à prestação jurisdi-cional efetiva; Conclusão.

INTRODUÇÃO

Em março de 2009, o STJ aprovou a edição da Súmula nº 375 com o seguinte teor: “O reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. O verbete em questão manifesta o posicionamento que já vinha sendo adotado pelo STJ e por muitos Tribunais Regionais, no sentido de se exigir a compro-vação de má-fé do terceiro adquirente para o reconhecimento da fraude de execução, no caso de não averbação da penhora, aproximando-a do instituto da fraude contra credores. Neste instituto de direito material, a prova do dano (eventus damni) e o consilium fraudis (intenção de fraudar) são requisitos para sua comprovação. Além disso, faz adequada ponderação entre os direitos do credor e do terceiro de boa-fé, na medida em que protege tanto os interesses da parte que se acautela averbando a penhora no registro quanto de quem busca informações no aludido órgão.

Em princípio, tal posicionamento jurisprudencial afigura-se salutar, pois procura tornar mais seguras as aquisições imobiliárias, de modo que o compra-dor não seja surpreendido pela existência de uma ação que desconhecia, que venha a tornar ineficaz a aquisição da propriedade do bem frente ao credor, privilegiando, também, a boa-fé objetiva que deve pautar as relações negociais, conforme disposto no art. 422 do Código Civil.

1 Artigo inicialmente publicado no livro Tempestividade e efetividade processual: novos rumos do processo civil brasileiro (TELLINI, Denise Estrela; JOBIM, Geraldo Cordeiro; JOBIM, Marco Félix (Org.). Caxias do Sul: Plenum, 2010. p. 175).

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Por outro lado, em 2006, o legislador, preocupado com a efetividade da execução, deu mais um passo nessa direção ao inserir no Código de Processo Civil o art. 615-A, por meio da Lei nº 11.382/2006. Tal dispositivo legal prevê que, no ato de distribuição da execução, o exequente poderá obter certidão comprobatória de distribuição com os dados da demanda para fins de averba-ção no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos à penhora, presumindo-se fraude de execução às alienações procedidas após tal averba-ção. Consoante Athos Gusmão Carneiro, tal medida visa a “prevenir a fraude a credores praticada no interregno entre a distribuição e a citação válida”2.

Tal medida antecipou os mecanismos de proteção colocados à disposi-ção do credor e também do terceiro potencial adquirente para o momento da distribuição da execução e ampliou a possibilidade de averbação para outros registros de bens passíveis de penhora, além do registro de imóveis.

O verbete sumulado vem ao encontro da disposição contida no art. 615-A do CPC privilegiando o credor diligente, que adota as cautelas para a proteção da satisfação de seu crédito colocadas à disposição pelo legislador, sem afrontar os direitos de terceiros de boa-fé, que também foram beneficiados.

Assim, com o registro da penhora (Súmula nº 375) ou com a averbação da execução no registro competente de bens passíveis de constrição (art. 615-A do CPC) é que se pode presumir a má-fé do terceiro adquirente na fraude à exe-cução. Caso contrário, a presunção é da aquisição de boa-fé.

Contudo, tanto o dispositivo processual mencionado quanto a Súmula nº 375 do STJ não contemplam os casos das ações de conhecimento ou ações penais que possam reduzir o devedor à insolvência, hipóteses também abarca-das pelo texto do inciso II do art. 593 do CPC, que trata da fraude de execução. Como fica, neste caso, o direito fundamental da parte à tutela jurisdicional efe-tiva, que lhe é assegurada constitucionalmente diante da previsão legal contida no art. 615-A do CPC e Súmula nº 375 do STJ que se restringem ao Processo de Execução ou fase executiva? Existem mecanismos legais aptos a proteger as par-tes e terceiros no curso do processo de conhecimento? E como fica a situação do requerido? Nestas breves linhas, buscar-se-á analisar tais questionamentos.

1 NOÇÕES GERAIS DA FRAUDE À EXECUÇÃO E RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL

A execução por quantia certa contra devedor solvente tem como obje-tivo a expropriação de patrimônio do devedor a fim de saldar o débito e, em caso de bem distinto de dinheiro, convertê-los em pecúnia por meio da sua alienação, conforme a ordem de preferência contida no art. 655 do Código de Processo Civil. A responsabilidade patrimonial do devedor, a fim de satisfazer o

2 CARNEIRO, Athos Gusmão. Cumprimento da sentença civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 181.

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crédito do credor, resta consagrada no art. 591 do mesmo Diploma Legal. Esta responsabilidade patrimonial não é absoluta e sofre certas limitações tais como nas hipóteses previstas nos arts. 649 e 650, ambos do CPC, acerca da impe-nhorabilidade de determinados bens que fazem parte do universo patrimonial do devedor, assim como a limitação contida na Lei nº 8.009/1990, que tutela a impenhorabilidade do bem de família, todos com a finalidade de assegurar um mínimo de dignidade à pessoa do devedor. Esta determinação de quais são bens constituem a esfera de dignidade do devedor e decorre de opção do legislador e muitas vezes do intérprete.

Assim como o ordenamento consagra que o devedor responde com seus bens perante seus credores, observadas as limitações legais em prol da proteção da dignidade humana, o Código Civil, em seu art. 164, dispôs que “presumem--se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manu-tenção de estabelecimento mercantil rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família”. Destarte, as alienações de patrimônio realizadas pelo devedor, em princípio, presumem-se hígidas.

A regra geral está de acordo com os ensinamentos de Liebman, no sen-tido de que “o patrimônio do devedor representa para o credor a garantia de poder conseguir, em caso de inadimplemento, satisfação coativa pelos meios executivos3”. Significa dizer que cada alienação de patrimônio realizada pelo devedor é uma ameaça potencial ao direito do credor, que pode ver suas chan-ces de realizar uma execução frutífera em face da inexistência de bens capazes de lhe garantir o crédito4. Contudo, mesmo frente a essas premissas, não se pode impedir que o devedor, ao contrair uma dívida, seja desprovido da dis-posição de seus bens, até porque a presunção legal contida no art. 164 do CC milita em favor da boa-fé no caso de eventual alienação de bens por parte deste.

Por outro lado, de nada adiantaria assegurar ao jurisdicionado, potencial credor, o direito de obter a tutela jurisdicional se o ordenamento não concedes-se meios que lhe possibilitassem a reconstituição do patrimônio do devedor que dele se esvai para inviabilizar o cumprimento da obrigação devida5. E sempre que se desfaz de seu patrimônio ou desfalca-o, ao ponto de não mais conseguir cumprir com suas obrigações, está lesando o direito do credor6 e o próprio Estado. E a realidade demonstra que, no mais das vezes, esse esvaziamento patrimonial ocorre ainda na pendência da fase de conhecimento, exceto nas execuções de título extrajudicial, nas quais a atenção das partes está direcio-nada a obter o provimento favorável e não ainda para assegurar sua eventual satisfação da pretensão.

3 LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de Execução. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1963. p. 76.4 Idem, ibidem.5 LIMA, Alcides de Mendonça. Comentários ao Código de Processo Civil. v. IV, t. I, p. 517.6 Idem, p. 537.

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No caso dos títulos executivos extrajudiciais, o credor só pode agir con-forme a dicção do art. 615-A do CPC e da Súmula nº 375 do STJ, na melhor das hipóteses, após o ajuizamento da execução. Às vezes, é tarde demais.

Para Cândido Rangel Dinamarco, “a fraude de execução consiste na re-alização de um ato de disposição ou oneração de coisa ou direito depois de já instaurado um processo cujo resultado poderá ser impossível sem lançar mão desse bem7”. As situações que caracterizam a fraude à execução estão previstas no art. 593 do Código de Processo Civil, que assim dispõe:

Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:

I–quandosobreelespenderaçãofundadaemdireitoreal;

II – quando, ao tempo da alienação ou oneração corria contra o devedor de-mandacapazdereduzi-loàinsolvência;

III – nos demais casos expressos em lei.

A hipótese contida no inciso I do aludido dispositivo processual tem por fim alcançar as alienações ou onerações realizadas no curso de ações fundadas em direito real, não fazendo distinção entre móveis e imóveis. Nesta situação, mesmo tendo o executado outros bens livres e desembaraçados, capazes de suportar o crédito executado, a fraude contra a execução restará caracterizada, independendo, portando, da demonstração de insolvência do devedor8. Nessa linha, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda ensina que “a litispendência de ação real impede a alienação ou gravame da coisa litigiosa, que se há de consi-derar ineficaz por fraude à execução”9.

A situação tipificada no inciso II do art. 593, segundo a concepção atual sedimentada jurisprudencialmente, muito se assemelha ao instituto de direito material da fraude contra credores. Seguindo as lições de Sálvio de Figueiredo Teixeira, “em ambas haverá o dano (eventus damni). No entanto, distinguem-se porque na fraude de execução existe uma ação em curso, sendo dispensável a prova da má-fé (consilium fraudis)”10. Como se pode observar, tal conceito resta mitigado diante do posicionamento sumulado do STJ, que restringiu sua apli-cação somente para as situações em que há averbação da penhora, no mesmo sentido da previsão contida no art. 615-A do CPC, o que se afigura razoável, protegendo o credor diligente.

7 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, v. IV, 2005. p. 389.

8 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Fraude de Execução. RT, São Paulo: RT, v. 609, p. 9, jul. 1986.9 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. (arts. 566-611).

Rio/São Paulo: Forense, t. IX, 1976. p. 458-459.10 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Fraude de Execução..., p. 9.

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A declaração de fraude à execução constitui ato atentatório à dignidade da justiça, conforme o inciso I do art. 600 do Código de Processo Civil, passível de multa, a ser fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% do valor atua-lizado do débito, que reverterá em favor do credor, a teor do art. 601 do mesmo estatuto processual, constituindo-se em instrumento que atua imediatamente em favor da proteção da dignidade da justiça, mas que também pode surtir efeitos em favor do credor11.

O inciso III prevê todas as demais situações previstas em lei, entre as quais se pode citar a quitação de crédito penhorado, prevista no art. 672, § 3º, do Código de Processo Civil.

O instituto difere da fraude contra credores por ser este instituto de direito material, inserido no campo dos negócios jurídicos que acarreta a anulabilida-de do negócio a ser pleiteada pelo credor prejudicado em procedimento pró-prio, qual seja a ação pauliana, no qual deverão restar demonstrados o eventus damni e o consilium fraudis. Para Cândido Rangel Dinamarco, é menos grave, pois afronta somente ao direito do credor e não à dignidade da justiça como ocorre na figura processual da fraude de execução12. Esta é causa de ineficácia do negócio jurídico13. Através da conduta que frauda à execução, argumenta o autor, o obrigado não pretende atentar só contra o credor, mas também contra a dignidade da Justiça, a autoridade exercida pelo Estado-juiz, “procurando fazer com que caia no vazio tudo quanto no processo vier a ser decidido, determina-do, comandado14”, por meio da realização de atos previstos nas hipóteses dos incisos do art. 593 do Código de Processo Civil. Tanto que a conduta descrita no ordenamento processual, em face de sua maior gravidade em comparação ao instituto de direito material, encontra-se tipificada também no art. 179 do Código Penal.

Por meio da fraude de execução, pretendeu o legislador outorgar ao cre-dor instrumento efetivo de proteção do direito ao crédito, ao mesmo tempo em que possibilitou ao Estado intervir no processo a fim de coibir a consequência maior decorrente da fraude, qual seja, o atentado à dignidade da justiça pratica-do pelo devedor que pretende esvair seu patrimônio, alienar bem sobre o qual pende ação real e nas demais hipóteses previstas na legislação com o intuito de impedir a prestação da tutela jurisdicional devida. Afinal, são justamente

11 Nesse sentido, os seguintes julgados: Agravo de Instrumento nº 70012628186, 12ª C.Cív., Tribunal de Justiça do RS, Rel. Dálvio Leite Dias Teixeira, J. 18.08.2005; Agravo de Instrumento nº 70011872108, 7ª C.Cív., TJRS, Rel. Luiz Felipe Brasil Santos, J. 13.07.2005; Agravo de Instrumento nº 70011287422, 17ª C.Cív., TJRS, Relª. Elaine Harzheim Macedo, J. 24.05.2005; TJSP, Acórdão nº 091.582-4/2-01 – Embargos de declaração, 7ª CDPriv., Rel. Des. Oswaldo Breviglieri, J. 03.02.1999; TJMG, Agravo nº 1.0637.01.009761-5/002(1), 8ª C.Cív., Rel. Des. Isalino Lisboa, J. 02.06.2005.

12 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições..., p. 372.13 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação

extravagante. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: RT, 2003. p. 987.14 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições..., p. 372.

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nos atos de natureza executória, em que se procede à agressão ao patrimônio do devedor a fim de satisfazer o crédito da parte adversa, que se observa um dos campos mais férteis para que a fraude seja diagnosticada. Muitas vezes, é somente no momento da realização de atos expropriatórios que o credor tem a ciência do esvaziamento do patrimônio do devedor, geralmente ocorrido em momentos anteriores.

2 O ARTIGO 615-A DO CPC

O art. 615-A do CPC foi introduzido pela Lei nº 11.382/2006 e ampliou a possibilidade de averbação da demanda executiva para situações além do registro de imóveis, já prevista no art. 659, § 4º, do mesmo Diploma Proces-sual, visando a dar maior publicidade da ação executiva em prol da efetividade da prestação jurisdicional alcançada ao credor, além de proteger os terceiros adquirentes.

Além disso, antecipou o momento da possibilidade de averbação para antes mesmo da realização da penhora, bastando iniciativa do exequente, ao distribuir o processo, solicitar a correspondente certidão e efetuar as averbações que entender cabíveis. Referido dispositivo processual traz mais uma hipótese de fraude à execução para o ordenamento, hipótese perfeitamente viável diante da redação do inciso III do art. 593 do CPC15.

Por certo, a nova medida representa um grande avanço na defesa do princípio constitucional da efetividade, prevenindo de forma eficaz a fraude à execução e protegendo a boa-fé de terceiros com relação à real situação ju-rídica dos bens colocados no comércio. É medida tomada diretamente pelo exequente e prescinde de autorização judicial, atendendo aos princípios da efetividade e celeridade da prestação jurisdicional.

Como se pode observar dos dispositivos em questão, a averbação é fa-culdade do credor que, não a fazendo, assumirá os riscos de sua negligência, pois a presunção de boa-fé de eventual negócio jurídico operado entre devedor e terceiro prevalecerá, invertendo-se o ônus da prova. A diferença é que, com a nova regra, não há mais necessidade de se aguardar a citação para que se con-figure a fraude de execução, providência que muitas vezes é demorada, como nos casos de não localização do devedor.

Pela redação do art. 615-A do CPC, basta que o exequente diligencie na obtenção da certidão de distribuição da execução e proceda à averbação no correspondente registro, antes mesmo de efetivada a citação, presumindo-se a fraude após realizada tal providência (art. 615-A, § 3º). Anteriormente, somente

15 WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: RT, 2007. p. 74.

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com o registro da penhora é que se poderia presumir a má-fé do terceiro adqui-rente na fraude à execução.

Importante ressaltar a previsão contida no § 4º do já mencionado art. 615-A, que prevê a responsabilidade do exequente que efetuar eventuais averbações indevidas, protegendo o devedor, realizando justa ponderação de valores.

Igualmente é relevante registrar que se entende que os dispositivos em questão também têm aplicação na fase de cumprimento da sentença dos títulos executivos judiciais por força da previsão contida no art. 475-R do CPC, sendo que, nesse caso, a averbação somente poderá ser procedida após iniciada a fase executiva.

3 ALIENAÇÃO DE BEM CONSTRITO

Outro fator bastante controvertido, e que não está entre as situações tipi-ficadas no art. 593 do CPC, é a alienação de bens já constritos. Para Cândido Rangel Dinamarco, esta situação, muito embora não esteja tipificada em lei, consiste na “mais grave das infrações fraudulentas”16. Araken de Assis pontua que,

em outras palavras, há ineficácia relativa do ato de disposição porque, alie-nando o bem penhorado, arrestado ou seqüestrado após a citação, o obrigado se reduziu à insolvência (rectius: frustrou o meio executório) e, não, porque o bem é objeto de constrição judicial. Pode-se afirmar que, na alienação do bem objeto de constrição judicial, há uma fraude qualificada pelo comportamento penalmente típico do devedor (art. 179 do CPB). Também não descaracteriza a fraude a existência de outros bens penhoráveis, porque a constrição já indi-vidualizou o bem objeto do ato de disposição no âmbito da responsabilidade patrimonial.17 [grifo do autor]

No que diz respeito ao registro de imóvel penhorado, Décio Antônio Erpen defendia a necessidade de averbação da citação de eventual ação a fim de outorgar paz e segurança jurídica às relações negociais e como meio efi-caz de elidir a fraude em face da presunção absoluta em favor do credor que enseja por meio dos dispositivos constantes na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), em especial, seu art. 167, I, nºs 21 e 518. Em 1994, por meio da Lei nº 8.953, introduziu-se o § 4º no art. 659 do Código de Processo Civil, posteriormente alterado pela Lei nº 10.444/2002, impondo ao credor o ônus de

16 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, v. IV, 2005. p. 398.

17 ASSIS, Araken de. Comentários ao código de processo civil: Arts. 566 a 645. Rio de Janeiro: Forense, v. IV, 2003. p. 256.

18 ERPEN, Décio Antônio. Fraude à execução e o desprestígio da função jurisdicional. RT, n. 672, São Paulo: RT, p. 80, out. 1991. Também: A declaração de fraude à execução. RT, n. 675, São Paulo: RT, p. 19, jan. 1992.

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averbação da constrição de bem imóvel no respectivo registro a fim de garantir--lhe a presunção absoluta de conhecimento de terceiros em caso de alienação ou oneração desse bem. Consoante observa José Eli Salamacha,

a alteração teve por objetivo proteger o adquirente de boa-fé, que, ao adquirir um imóvel, pode verificar se há ou não penhora, e também dar proteção ao credor, garantindo que seu crédito seja satisfeito, após a realização de hasta pú-blica, sem risco de o bem ser alienado ou onerado a terceiros.19

Com o advento do mencionado dispositivo legal, restou fortalecido o en-tendimento de que o registro da constrição faz prova pré-constituída da fraude, cabendo ao credor o ônus processual de registrar a constrição no registro do imóvel. Ônus porque, caso não o faça, vindo o devedor a alienar ou onerar o bem penhorado, arcará o exequente com as consequências de sua omissão, que serão operadas no plano processual no caso eventual de futuro conflito entre exequente e adquirente. A inexistência da penhora registrada não pode, por si só, afastar a fraude à execução pura e simplesmente, até porque não existe nenhuma previsão legal nesse sentido. Ainda que se esteja diante de exequente desidioso que, munido de seu ônus de registrar a constrição, não o faz, tal fato não é suficiente para afastar a fraude. É certo que tal comportamento desidioso do credor acarreta influências no processo, pois a presunção de fraude, con-siderada praticamente absoluta quando a existência do registro é relativizada quando da ausência deste, aproximando a fraude de execução dos mesmos requisitos exigidos para a comprovação da fraude contra credores. O mesmo raciocínio se aplica ao art. 615-A do CPC.

4 O PROBLEMA DA FRAUDE DE EXECUÇÃO ALÉM DO MÓDULO EXECUTIVO

O processo de conhecimento com pedido condenatório em pecúnia, as-sim como a execução por quantia certa, estão inseridos na hipótese prevista no inciso II do art. 593, pois o dispositivo em questão refere apenas a existência de correr contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência na época da alienação ou oneração, sem especificar a natureza do processo ou da pretensão a ser alcançada ao jurisdicionado. Araken de Assis pondera que até mesmo a “pendência de ação penal, que em caso de condenação outorga título executi-vo (art. 584, II20), igualmente enseja fraude contra o processo executivo”21.

Nos casos de pendência de processo de conhecimento ou de ação pe-nal que também pode dar ensejo à fraude de execução, não se aplicam os arts. 615-A nem o art. 659, ambos do CPC, pois tais dispositivos têm sua apli-cação restrita ao processo de execução ou fase executiva. Da mesma forma, a

19 SALAMACHA, José Eli. Fraude à execução..., p. 174.20 Atualmente, art. 475-N, II.21 ARAKEN, Assis de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, v. IV, 2001. p. 229.

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Súmula nº 375 do STJ também sedimentou posicionamento no sentido de que é dispensável a comprovação do consilium fraudis somente após averbada a penhora, o que, por óbvio, ocorre somente durante a fase executória ou no processo de execução.

Nessa situação, estar-se-ia diante do seguinte dilema: no caso de aliena-ção de bens pelo devedor que lhe acarretem a insolvência: de um lado, não há previsão legal contemplando a possibilidade de o autor/vítima/credor averbar a pendência de ação de conhecimento ou ação penal para resguardar-se de eventuais alienações com vistas a esvaziar o patrimônio do réu, frustrando a efetivação da tutela jurisdicional buscada. De outro, a proteção do terceiro de boa-fé, que não pode ser afetado por atos de outrem que não chegaram ao seu conhecimento, também merecedor de proteção jurisdicional, como reconheci-do já pela jurisprudência e consagrado com a edição da Súmula nº 375 do STJ. Nesse quadro, a proteção do direito de um acarretaria certamente a violação do direito do outro.

A Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), no seu art. 167, nºs 5 e 21, prevê apenas a averbação no registro de imóveis de penhoras, arrestos e sequestros de imóveis e citações de ações pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis. No capítulo pertinente ao registro de títulos e documentos, não há previsão que contemple qualquer averbação nesse sentido com relação a do-cumentos sujeitos a sua atribuição. Nesse caso, por mais cautelosa que fosse a parte, estaria desassistida de meios de proteção de seu direito.

Nas palavras de Marco Antonio Botto Muscari, “a situação do inciso II do artigo 593 é, por certo, a que apresenta maior grau de dificuldade, pois, em termos de processo cognitivo, a Lei de Registros Públicos só autoriza a inscrição quando se trate de ação real ou pessoal reipersecutória (art. 167, I, nº 21)”22.

5 EQUACIONANDO O PROBLEMA EM FACE DO DIREITO FUNDAMENTAL À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL EFETIVA

O jurisdicionado, quando se socorre do Estado por meio do Poder Judi-ciário para garantir a tutela de suas pretensões, não espera apenas que lhe seja proferida uma decisão favorável, mas que lhe seja alcançado o resultado práti-co, concretamente, o bem da vida pretendido.

A constitucionalização dos direitos humanos e sua elevação ao status de direito fundamental permite ao cidadão exigir do Estado que exerça a tutela de tais direitos, sendo que, entre os mecanismos possíveis, identifica-se a proteção judicial, consagrada no art. 5º, inc. XXXV, da Carta Política, possibilitando a

22 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Presunção de má-fé nas transações imobiliárias? Disponível em: <http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/marco_antonio_botto.pdf>. Acesso em: 17 jan. 2010.

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efetivação da tutela dos direitos fundamentais. Nas palavras de Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci,

em suma, estatuídos os direitos fundamentais do indivíduo, na própria Consti-tuição Federal estabelecem-se, igualmente, as garantias que lhes correspondem, a fim de preservá-los e tutelá-los por meio de atuações judiciais, tanto quanto possível, rápidas, prontas e eficazes. E estas, por sua vez, efetivam-se através do processo, instrumento técnico e público de realização de direito por obra dos agentes do Poder Judiciário – juízes e tribunais.23

Hoje, não há mais como se pensar o direito processual civil sem voltar os olhos para a Constituição, diante do reconhecimento de direitos fundamentais ao cidadão de natureza procedimental como já mencionado.

No sentir de Gilmar Ferreira Mendes24, a positivação dos direitos funda-mentais acarreta o dever do Estado, não apenas para abster-se de intervir no âmbito de proteção desses direitos, mas também de garantir seu pleno exercício pelos cidadãos. Além de possuírem aplicabilidade imediata, a Carta Constitu-cional outorgou a essa espécie de norma o status de cláusula pétrea, ao prever, no § 4º do art. 60, a impossibilidade de qualquer alteração tendente a abolir direitos e garantias individuais25.

A adequação entre direitos fundamentais de credor e devedor e de ter-ceiros no processo é imprescindível. Ao assumir papel de tamanha relevância na concretização e proteção de direitos fundamentais, o processo, na ótica do acesso à justiça, se justifica como direito fundamental, devendo atender a todos os envolvidos. A visão moderna do acesso à justiça não pressupõe somente a possibilidade de ingressar em juízo, mas também de obter do poder estatal incumbido de tal ônus de entregar ao vencedor da demanda o bem da vida pre-tendido de forma eficaz e tempestiva, inclusive protegendo terceiros. No enten-dimento de José Carlos Barbosa Moreira, “será efetivo o processo que constitua instrumento eficiente de realização do direito material”26. E tal preocupação não deve se restringir ao módulo executivo, mas desde o ingresso na demanda. Na execução de título extrajudicial, o problema é equacionado com a previsão contida no art. 615-A, que, mesmo antes da edição da súmula, trouxe ao credor méis mais efetivos da proteção de seu crédito e dos próprios terceiros de boa-fé.

23 TUCCI, Rogério Lauria; TUCCI, José Roberto Cruz e. Constituição de 1988 e processo: regramentos e garantias constitucionais do processo. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 7.

24 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos, 1999. p. 227.

25 Art. 60 da CF: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

[...]

IV – os direitos e garantias individuais.” 26 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Por um processo socialmente efetivo. Revista de Processo, São Paulo: RT,

v. 105, p. 181, 2002.

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Mas não se pode olvidar que a fraude de execução pode ocorrer desde a citação do Processo de Conhecimento.

Para Luiz Guilherme Marinoni, o direito à tutela jurisdicional efetiva “in-cide sobre o legislador e o juiz, ou seja, sobre a estruturação legal do processo e sobre a conformação dessa estrutura sobre a jurisdição”. Para tanto, não basta somente ao juiz identificar as situações de direito material particularizadas no caso concreto, mas também descobrir a técnica processual idônea para lhe dar efetividade27. A ideia de efetividade do processo está relacionada com a sua ap-tidão de “cumprir integralmente toda a sua função sócio-política-jurídica atin-gindo em toda a plenitude todos os seus escopos institucionais”28. A estrutura da norma jusfundamental, neste caso, não legitima que, omisso o legislador, também o seja o aplicador da norma.

O direito ao acesso efetivo à justiça “tem importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é des-tituída de sentido na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação”29.

Importante novamente registrar que não há como se falar em efetivida-de da prestação jurisdicional com a supressão demasiada das garantias de um dos pólos litigantes. É o equilíbrio entre a proteção dos direitos do credor e de terceiros eventualmente envolvidos, sem suprimir direitos do devedor no litígio que deve pautar a atividade do operador do direito.

Nessa ótica da preocupação em equilibrar a proteção dos direitos da parte além do processo de execução e de um terceiro adquirente, Marco An-tonio Botto Muscari aponta a solução já existente no próprio ordenamento: o protesto contra alienação de bens30, prevista no Livro III – Do Processo Cautelar, arts. 867 a 873 do CPC.

Acerca da possibilidade de averbação do protesto contra alienação de bens no Registro de Imóveis, já se manifestou favoravelmente o STJ, fundamen-tando-o no poder geral de cautela conferido ao juiz e protegendo os interesses de terceiros eventuais adquirentes:

PROTESTO CONTRA ALIENAÇÃO DE BENS – AVERBAÇÃO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO – ADMISSIBILIDADE – PODER GERAL DE CAUTELA DO JUIZ

– “A averbação, no Cartório de Registro de Imóveis, de protesto contra aliena-ção de bem, está dentro do poder geral de cautela do juiz (art. 798, CPC) e se

27 MARINONI, Luiz Guilherme. A jurisdição no Estado contemporâneo. Estudos de Direito Processual Civil: homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: RT, 2005. p. 58-60.

28 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 330.

29 CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à justiça..., p. 11.30 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Presunção de má-fé nas transações imobiliárias? Disponível em: <http://

www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/marco_antonio_botto.pdf>. Acesso em: 17 jan. 2010.

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justifica pela necessidade de dar conhecimento do protesto a terceiros, preve-nindo litígios e prejuízos para eventuais adquirentes”. (REsp 146.942-SP).

Recurso especial conhecido, ao qual se nega provimento.31

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROTESTO CONTRA ALIENAÇÃO DE BENS – AVERBAÇÃO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO

– O poder geral de cautela do juiz, disciplinado no art. 798 do CPC, é supedâ-neo para permitir a averbação, no registro de imóveis, do protesto de alienação de bens, e se justifica pela necessidade de dar conhecimento do protesto a ter-ceiros, servindo, desse modo, como advertência a pretendentes à aquisição dos imóveis do possível devedor, resguardando, portanto, os interesses de eventuais adquirentes e do próprio credor. Precedente da Corte Especial.

Recurso especial não conhecido.32

Para Décio Antônio Erpen, não se pode ver o protesto contra alienação de bens como meio apto a tornar indisponível o patrimônio do requerido, pois tal medida cautelar não possui tal eficácia. Sua finalidade é, pois, a possibili-dade de se questionar, futuramente, a eficácia do negócio feito com protesto válido, relativamente ao seu autor33. Nesse sentido, também tem se posicionado o STJ, argumentando que o protesto contra alienação de bens não torna o patri-mônio do requerido indisponível. Nesse sentido, o seguinte aresto:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – PROTESTO CON-TRA ALIENAÇÃO DE BENS – MEDIDA DEFERIDA – PUBLICAÇÃO DE EDITAL E AVERBAÇÃO NO REGISTRO DE IMÓVEIS – POSSIBILIDADE – INEXISTÊN-CIA DE RESTRIÇÃO NEGOCIAL EM RELAÇÃO AO BEM IMÓVEL – PODER GE-RAL DE CAUTELA DO JUIZ – 1. O protesto contra a alienação de bens visa resguardar direitos e prevenir responsabilidade, mas não impede a realização de negócios jurídicos. 2. “A averbação, no Cartório de Registro de Imóveis, de protesto contra alienação de bem, está dentro do poder geral de cautela do juiz (art. 798 do CPC) e se justifica pela necessidade de dar conhecimento do pro-testo a terceiros, prevenindo litígios e prejuízos para eventuais adquirentes”.34

No tocante à questão dos editais, Décio Antônio Erpen pontua que “os riscos dos editais residem na circunstância de ser essa publicidade fugaz e ins-tantânea. Publicado o edital em um periódico – lido ou não –, já no dia seguinte é ignorado. Mas gera a ficção de conhecimento e, com isto, pode se prestar a casos de iniquidade”35. O autor traz como argumento a impossibilidade de um

31 STJ, REsp 440837/RS, Rel. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, J. 03.10.2002, DJ 16.12.2002, p. 345.32 STJ, REsp 695.095/PR, Relª Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, J. 26.10.2006, DJ 20.11.2006, p. 302.33 ERPEN, Décio Antonio. Do registro do protesto contra a alienação de bens móveis e imóveis. Disponível em:

<http://www.irib.org.br/biblio/Erpen.asp>. Acesso em: 12 jan. 2010.34 Corte Especial, EREsp 440.837/RS. Recurso ordinário desprovido. (RMS 28.290/RN, Rel. Min. João Otávio

de Noronha, Quarta Turma, J. 05.05.2009, DJe 18.05.2009. No mesmo sentido: RMS 24.066/BA. 35 ERPEN, Décio Antonio. Do Registro do Protesto Contra a Alienação de Bens Móveis e Imóveis. Disponível em:

<http://www.irib.org.br/biblio/Erpen.asp>. Acesso em: 12 jan. 2010.

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paulista conhecer dos editais publicados no Rio Grande do Sul e vice-versa, sendo que a averbação no registro é a forma mais adequada de salvaguardar a segurança do sistema jurídico, pois cria uma ficção de conhecimento erga omnes36.

No caso de excessos pela parte que maneja o protesto contra alienação de bens, há a previsão contida nos arts. 804, que prevê a possibilidade de se exigir a prestação de caução para o deferimento da medida, e 881, ambos do CPC, que estabelece a responsabilidade do requerente no procedimento caute-lar pelos prejuízos que causar ao requerido. Dessa forma, restam atendidos os interesses das partes litigantes e dos terceiros de boa-fé.

CONCLUSÃO

A Constituição da República de 1988 erigiu a direito fundamental a ga-rantia de acesso ao Poder Judiciário, isso ao consagrar que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Na concepção atual, já se tem pacífico que tal direito fundamental pressupõe o acesso a uma prestação jurisdicional efetiva.

Nesse diapasão, o art. 615-A vem ao encontro de tais ideais, assim como o entendimento da Súmula nº 375 do STJ, que equilibra os interesses do credor, do terceiro de boa-fé e do próprio devedor. Entretanto, não se pode olvidar que a concepção da fraude de execução alterou-se sensivelmente nos últimos anos, o que pode ser observado por meio de tais enunciados legal e jurisprudencial, invertendo a concepção tradicional de que a fraude era presumida, não ha-vendo necessidade de se comprovar o elemento anímico. Com os dispositivos citados, o credor diligente, na execução, está protegido.

O que se busca é ofertar ao titular de uma pretensão, antes mesmo de se iniciar a fase executiva, meios aptos a se proteger de eventual esvaziamento do patrimônio do devedor, evitando-se, ainda, futuros litígios com terceiro de boa--fé, de forma que o direito fundamental à prestação jurisdicional efetiva possa ser garantida desde o início da lide.

Para tanto, apontou-se a possibilidade do manejo da medida cautelar do protesto contra alienação de bens, prevista nos arts. 867 a 873 do CPC, mas com a possibilidade de averbação da medida nos registros de bens passíveis de constrição a fim de dar maior publicidade e resguardar de forma efetiva os in-teresses dos terceiros de boa-fé. Observou-se que tal medida vem sendo aceita pelo STJ, após divergência entre suas Turmas como forma de dar conhecimento do protesto a terceiros, servindo como advertência a pretendentes à aquisição

36 ERPEN, Décio Antonio. Do registro do protesto contra a alienação de bens móveis e imóveis. Disponível em: <http://www.irib.org.br/biblio/Erpen.asp>. Acesso em: 12 jan. 2010.

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dos imóveis do possível devedor, além de prevenir litígios e evitar prejuízos de futuros adquirentes.

No tocante a eventuais prejuízos do devedor, apontou-se, também, a existência na legislação de medidas que o protegem de eventuais prejuízos que possa vir a sofrer, sem olvidar que o STJ tem entendido que a adoção de tal medida, por si só, não configura prejuízo por não acarretar a indisponibilidade dos seus bens.

Dessa forma, entende-se que se obtém a adequada prestação jurisdicio-nal de forma efetiva para os envolvidos no processo, bem como para terceiros de boa-fé.

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Parte Geral – Jurisprudência

8438

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Ordinário nº 114 – DF (2011/0027483‑8)Relator: Ministro Raul AraújoRecorrente: MTD Engenharia Ltda.Advogada: Marta Mitico Valente e outro(s)Recorrido: República da ArgentinaAdvogado: Sem representação nos autos

EmEnta

RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA PROPOSTA EM FACE DE ESTADO ESTRANGEIRO (CF, ART. 109, II, C/C ART. 105, II, C) – PROCESSUAL CIVIL – COMPETÊNCIA INTERNACIONAL (CPC, ARTS. 88 A 90) – LICITAÇÃO INTERNACIONAL – CONTRATO PARA EXECUÇÃO DE OBRAS DE EDIFICAÇÃO IMOBILIÁRIA NO BRASIL – SOCIEDADE EMPRESÁRIA BRASILEIRA E ESTADO ESTRANGEIRO – COMPETÊNCIA CONCORRENTE DA JUSTIÇA BRASILEIRA – CLÁUSULA CONTRATUAL ELETIVA DE FORO ALIENÍGENA ADMITIDA – POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO BRASIL – COMPETÊNCIA RELATIVA (SÚMULA Nº 33/STJ) – RECURSO PROVIDO

1. As regras de competência internacional, que delimitam a competência da autoridade judiciária brasileira com relação à competência de órgãos judiciários estrangeiros e internacionais, estão disciplinadas nos arts. 88 a 90 do Código de Processo Civil – CPC. Esses dispositivos processuais não cuidam da lei aplicável, mas sim da competência jurisdicional (con-corrente ou exclusiva) do Judiciário brasileiro na apreciação das causas que indicam.

2. O art. 88 trata da denominada competência concorrente, dispondo so-bre casos em que não se exclui a atuação do juízo estrangeiro, podendo a ação ser instaurada tanto perante juízo brasileiro quanto diante de juízo estrangeiro. Sendo concorrente, a competência pode ser alterada pela vontade das partes, permitindo-se a eleição de foro.

3. O art. 89 trata de ações em que o Poder Judiciário brasileiro é o único competente para conhecer e julgar a causa, com exclusão de qualquer outro. É a denominada competência exclusiva, hipótese em que a esco-lha do foro estrangeiro será ineficaz, ainda que resulte de expressa mani-festação da vontade das partes.

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4. O art. 90, por sua vez, afirma a possibilidade de atuação da autorida-de judiciária brasileira mesmo no caso de existir ação intentada perante órgão jurisdicional estrangeiro.

5. A situação retratada nestes autos – ação cautelar inominada prepara-tória de ação para resolução de contrato cumulada com ressarcimento de perdas e danos, ajuizada por sociedade empresária brasileira em face de Estado estrangeiro – enquadra-se nas hipóteses dos incisos II e III do art. 88 do CPC (cumprimento da obrigação no Brasil e ação originada de fato ocorrido no Brasil), sendo caso de competência internacional con-corrente, portanto, relativa, admitindo-se a cláusula contratual de eleição de foro alienígena.

6. Apesar de válida a cláusula de eleição de foro estrangeiro para a causa originada do contrato, isso, por si só, não exclui a jurisdição brasileira concorrente para o conhecimento e julgamento de ação aqui aforada.

7. De acordo com a Súmula nº 33/STJ, “a incompetência relativa não pode ser declarada de oficio”, tendo sido, portanto, precipitada a ime-diata extinção do processo, decretada ex officio pelo juízo singular, em razão do foro de eleição alienígena, antes mesmo da citação do Estado estrangeiro réu.

8. Recurso ordinário provido.

acóRdão

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso ordiná-rio, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 02 de junho de 2015 (data do Julgamento).

Ministro Raul Araújo Relator

RElatóRio

O Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo: Cuida-se, na origem, de ação cautelar inominada, com pedido de liminar, preparatória de ação para resolução de contrato cumulada com ressarcimento de perdas e danos, ajuizada por MTD

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Engenharia Ltda. em face de Estado estrangeiro (CF, art. 105, II, c, c/c art. 109, II), a República Argentina, inclusive do Ministério de Relações Exteriores e Co-mércio Internacional da República Argentina.

Narram os autos que, em 2007, a autora foi vencedora de licitação in-ternacional, tendo firmado contrato com o citado Ministério para execução de obras de edificação imobiliária da nova sede da Embaixada da República Argentina em Brasília, estando a edificação concluída, quando do ajuizamen-to da ação cautelar, em 95% do que fora contratado, sendo que os restantes 5% não teriam sido concluídos por culpa exclusiva do Ministério e da Direção de Obra, que teriam promovido, no curso da aludida edificação, modificações contratuais alegadamente abusivas.

Como o último pagamento efetuado pelos ora requeridos foi o referente ao serviço realizado pela ora promovente no mês de agosto de 2009, e haven-do a possibilidade de rescisão unilateral do contrato por parte do Ministério, a autora ajuizou ação cautelar para evitar, primordialmente, que incorra em ilegítima situação de mora.

A r. sentença, declarando a incompetência da Justiça Brasileira, extinguiu o feito sem resolução do mérito, nestes termos:

“[...] a celebração do contrato em questão, antecedido por procedimento licita-tório, possibilitou à parte contratada expressa ciência das respectivas cláusulas, assim como plena liberdade para o seu aceite ou recusa.

Assim, tratando-se o litígio de relação de natureza obrigacional, regido por le-gislação alienígena, havendo cláusula eletiva de foro, deve esta prevalecer, já que é o caso, pois, de aplicação do enunciado da Súmula nº 335/STF (‘É válida a cláusula de eleição do foro para os processos oriundos do contrato.’).

Ademais, se o Estado estrangeiro pretendeu não aceitar a jurisdição de nossos tribunais e o requerente anuiu com tal regra, deve submeter-se ao acordado.

Conclui-se, portanto, pela incompetência relativa da justiça brasileira em vir-tude de cláusula de eleição de foro. Contudo, não havendo a possibilidade de declínio da competência deste Juízo em favor da Justiça argentina, deve o feito ser extinto, sem julgamento de mérito.” (fls. 754/756)

Inconformada, MTD Engenharia Ltda. interpôs o presente recurso ordiná-rio, com fundamento no art. 105, II, c, da Constituição Federal, sustentando, em suma, que a r. sentença deve ser cassada para que seja declarada a competência da Justiça brasileira para processar e julgar a presente controvérsia, aduzindo o seguinte:

“[...] a sentença merece ser cassada vez que incorreu em grave erro, primeiro por declarar de ofício incompetência relativa, e segundo por afastar a jurisdição brasileira com base em cláusula contratual, o que de nenhum modo é admitido

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em nosso ordenamento, tampouco pela doutrina e pacífica jurisprudência que regem a matéria” (fl. 764).

[...]

“Ad argumentandum tantum, não venha a ser declarada a nulidade da r. sen-tença, tem-se que não obstante o Edital de Licitação Internacional e o contrato firmado entre os Recorridos e o Recorrente apontarem como foro competen-te para a solução das questões atinentes ao Edital e contrato os Tribunais de Contencioso Administrativo Federal da Cidade de Buenos Aires da República Argentina (los Tribunales em lo Contencioso Administrativo Federal de La Ciu-dad de Buenos Aires de La República Argentina), tal cláusula não é suficiente para afastar a jurisdição brasileira. Destaca-se que conforme o art. 88 do Código de Processo Civil, nem mesmo a eleição convencional da justiça estrangeira é suficiente para afastar a competência da justiça brasileira, eis que aqui se cogita de competência concorrente.” (fl. 771)

Sem resposta, os autos ascenderam a esta Corte, tendo a d. Subprocura-doria-Geral da República opinado pelo provimento da súplica, nestes termos:

“DIREITO INTERNACIONAL – RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO CAUTE-LAR – COMPETÊNCIA CONCORRENTE DA JUSTIÇA BRASILEIRA – ART. 88, INCISO II, DO CPC – PRECEDENTES – Parecer pelo provimento do recurso.” (fls. 825/827)

É o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo (Relator): A questão posta neste recurso ordinário é a seguinte: em contrato firmado entre sociedade empresária brasi-leira, do ramo da engenharia, e Estado estrangeiro para execução de obra de construção imobiliária em território brasileiro, com cláusula de eleição de foro alienígena, a cláusula eletiva exclui a possibilidade de ajuizamento de ação perante a Justiça brasileira? Em outros termos, a vontade das partes contratantes pode afastar a jurisdição brasileira quando tiverem escolhido tribunal estrangei-ro para, com exclusividade, apreciar a controvérsia?

De início, é necessário ressaltar que as regras de competência interna-cional, que delimitam a competência da autoridade judiciária brasileira com relação à competência de órgãos judiciários estrangeiros e internacionais, estão disciplinadas nos arts. 88 a 90 do Código de Processo Civil, que assim estabe-lecem:

“Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:

I–oréu,qualquerquesejaasuanacionalidade,estiverdomiciliadonoBrasil;

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II–noBrasiltiverdesercumpridaaobrigação;

III – a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.

Parágrafo único. Para o fim do disposto no nº I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.

Art. 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:

I–conhecerdeaçõesrelativasaimóveissituadosnoBrasil;

II – proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o au-tor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.

Art. 90. A ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas.”

Esses dispositivos processuais não cuidam da lei aplicável, mas sim da competência jurisdicional (concorrente ou exclusiva) do Judiciário brasileiro na apreciação das causas que indicam.

O art. 88 trata da denominada competência concorrente, dispondo sobre casos em que não se exclui a atuação do juízo estrangeiro, podendo a ação ser instaurada tanto perante juízo brasileiro quanto diante de juízo estrangeiro. Sendo concorrente, a competência pode ser alterada pela vontade das partes, permitindo-se a eleição de foro.

O art. 89 trata de ações em que o Poder Judiciário brasileiro é o único competente para conhecer e julgar a causa, com exclusão de qualquer outro. É a denominada competência exclusiva, hipótese em que a escolha do foro es-trangeiro será ineficaz, ainda que resulte de expressa manifestação da vontade das partes.

O art. 90, por sua vez, afirma a possibilidade de atuação da autoridade judiciária brasileira mesmo no caso de existir ação intentada perante órgão ju-risdicional estrangeiro.

A situação retratada nestes autos enquadra-se nas hipóteses dos incisos II e III do art. 88 do CPC (cumprimento da obrigação no Brasil e ação originada de fato ocorrido no Brasil), sendo caso de competência internacional concorrente, portanto, relativa.

Assim, admite-se, na hipótese dos autos, a cláusula de eleição de foro alienígena. Resta indagar, porém, se a existência dessa cláusula contratual, de eleição de foro estrangeiro, admitida, exclui a possibilidade de ajuizamento de ação perante a Justiça brasileira, obrigando-se a que a demanda acerca de ser-

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viços contratados e executados no Brasil, com base no contrato, seja ajuizada no foro alienígena de eleição.

Colhe-se na doutrina valioso e específico ensinamento sobre a questão, de autoria de Guillermo Federico Ramos:

“Com efeito, a despeito de o CPC empregar erroneamente o termo ‘competên-cia internacional’, a norma regula, na verdade, a jurisdição brasileira para julgar as causas enumeradas nos arts. 88 e 89: o art. 88 trata dos casos em que a juris-dição brasileira é concorrente com a dos outros Estados, enquanto o art. 89, por sua vez, ressalva os casos da jurisdição brasileira exclusiva.

Por outro lado, estas normas, que regulam e definem a extensão da jurisdição brasileira, estão fundadas na soberania nacional, que, como já dito antes, a Constituição estabelece ser um dos fundamentos do Estado Democrático de Di-reito da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso I, da Carta Magna).

Neste compasso, no exercício da sua soberania, interessa ao Estado brasileiro o julgamento das causas que tenham ligação com o ordenamento jurídico nacio-nal, submetendo os sujeitos do processo ou os bens aos atos executórios oriun-dos do comando da sentença que aplicou esse ordenamento jurídico nacional. Em tese, diz-se, a grosso modo, que só tem jurisdição o juiz que pode executar, ou seja, só há jurisdição onde o Estado for juridicamente interessado.

Por isso é que, por se relacionar à própria soberania, não podem as partes der-rogar a jurisdição, ampliando-a ou restringindo-a, em cláusulas contratuais que estabeleçam que as demandas originadas da aplicação do ordenamento jurídico dos envolvidos no negócio contratual não poderão ser ajuizadas perante o Esta-do que tem jurisdição para a causa.

Em inspiradíssimo trabalho doutrinário-acadêmico, o Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, José Ignácio Botelho de Mesquita, com a clareza e objetividade que sempre lhe foi peculiar, explicou com maestria a matéria.

Colhe-se da magnífica lição do eminente professor o seguinte, sobre a inderro-gabilidade da jurisdição:

‘[...] 3. As normas que definem a extensão da jurisdição de um Esta-do são normas diretamente fundadas na soberania nacional e, por isso, não se acham submetidas à vontade das partes interessadas. Como disse Chiovenda, é “evidente que a jurisdição, que o Estado se arroga, inspirando--se em supremos interesses nacionais, não pode representar objeto de dispo-sição da parte dos litigantes” (Instituições, 1943, I/70).

Os limites da jurisdição nacional não podem, por isto, ser ampliados, nem restringidos, por vontade das partes. As partes podem modificar a competên-cia territorial mas não podem modificar a extensão da jurisdição nacional. [...]

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As normas de competência internacional são, pois, normas de ordem públi-ca (p. 52-53)’.

Continuando, diz o articulista:

‘[...] d) o autor pode optar por qualquer das jurisdições concorrentes (a na-cional ou a estrangeira) ou valer-se de ambas simultaneamente, sendo ine-ficaz a sua renúncia a qualquer delas; o réu, por sua vez estará sujeito a qualquer delas ou a ambas simultaneamente, sendo ineficaz (para os efeitos de homologação da sentença estrangeira) qualquer ato seu de aceitação ou impugnação da competência internacional do juiz estrangeiro. [...]

9. Destas conclusões transparece uma evidência elementar: a voluntária submissão das partes não tem o poder de atribuir, assim como a recusa de submissão não tem o poder de retirar, à autoridade judiciária estrangeira, a competência internacional concorrente que, antes, já não houvesse sido reconhecida, ou negada, pelo Estado a quem competirá a homologação da sentença pronunciada por aquela mesma autoridade’ (Ob. cit., p. 55-56).

Ora, por isso é que a estipulação comumente inserida nos contratos firma-dos entre empresas brasileiras e corporações multinacionais, ou semelhan-tes, tendo por objeto serviços a serem executados no território nacional, de que as ações judiciais oriundas da execução (ou inexecução) do referido contrato somente podem ser propostas nos tribunais alienígenas, com a ex-clusão de qualquer outro, não tem o condão de afastar a atuação da jurisdi-ção brasileira.

Ouso até mesmo afirmar que entender-se de maneira diversa caracterizaria, sem sombra de dúvida, uma inadmissível violação à soberania do Estado Brasileiro, eis que não lhe seria permitido atuar, pelo Poder Judiciário, em processo judicial manejado por uma das partes contratantes, em flagrante desrespeito à garantia da tutela jurisdicional adequada, insculpida no inciso XXXV do art. 5º da Carta Magna.”

(in O Foro de Eleição nos Contratos Internacionais e a Jurisdição Brasileira: a deferência devida ao art. 88 do CPC. Revista Forense, v. 396, p. 581 a 592).

Na jurisprudência deste Tribunal, há julgados no mesmo sentido, ou seja, de que a cláusula de eleição de foro estrangeiro não tem o condão de afastar a competência internacional concorrente brasileira. Confiram-se:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDENIZA-ÇÃO POR UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE IMAGEM EM SÍTIO ELETRÔNICO – PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PARA EMPRESA ESPANHOLA – CONTRATO COM CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO NO EXTERIOR

1. A evolução dos sistemas relacionados à informática proporciona a interna-cionalização das relações humanas, relativiza as distâncias geográficas e enseja múltiplas e instantâneas interações entre indivíduos.

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2. Entretanto, a intangibilidade e mobilidade das informações armazenadas e transmitidas na rede mundial de computadores, a fugacidade e instantaneidade com que as conexões são estabelecidas e encerradas, a possibilidade de não exposição física do usuário, o alcance global da rede, constituem-se em algu-mas peculiaridades inerentes a esta nova tecnologia, abrindo ensejo à prática de possíveis condutas indevidas.

3. O caso em julgamento traz à baila a controvertida situação do impacto da Internet sobre o direito e as relações jurídico-sociais, em um ambiente até o mo-mento desprovido de regulamentação estatal. A origem da Internet, além de seu posterior desenvolvimento, ocorre em um ambiente com características de auto--regulação, pois os padrões e as regras do sistema não emanam, necessariamen-te, de órgãos estatais, mas de entidades e usuários que assumem o desafio de expandir a rede globalmente.

4. A questão principal relaciona-se à possibilidade de pessoa física, com domi-cílio no Brasil, invocar a jurisdição brasileira, em caso envolvendo contrato de prestação de serviço contendo cláusula de foro na Espanha. A autora, perceben-do que sua imagem está sendo utilizada indevidamente por intermédio de sítio eletrônico veiculado no exterior, mas acessível pela rede mundial de computa-dores, ajuíza ação pleiteando ressarcimento por danos material e moral.

5. O art. 100, inciso IV, alíneas b e c c/c art. 12, incisos VII e VIII, ambos do CPC, devem receber interpretação extensiva, pois quando a legislação men-ciona a perspectiva de citação de pessoa jurídica estabelecida por meio de agência, filial ou sucursal, está se referindo à existência de estabelecimento de pessoa jurídica estrangeira no Brasil, qualquer que seja o nome e a situação ju-rídica desse estabelecimento.

6. Aplica-se a teoria da aparência para reconhecer a validade de citação via postal com ‘Aviso de Recebimento – AR’, efetivada no endereço do estabele-cimento e recebida por pessoa que, ainda que sem poderes expressos, assina o documento sem fazer qualquer objeção imediata. Precedentes.

7. O exercício da jurisdição, função estatal que busca composição de confli-tos de interesse, deve observar certos princípios, decorrentes da própria orga-nização do Estado moderno, que se constituem em elementos essenciais para a concretude do exercício jurisdicional, sendo que dentre eles avultam: inevitabi-lidade, investidura, indelegabilidade, inércia, unicidade, inafastabilidade e ade-rência. No tocante ao princípio da aderência, especificamente, este pressupõe que, para que a jurisdição seja exercida, deve haver correlação com um territó-rio. Assim, para as lesões a direitos ocorridos no âmbito do território brasileiro, em linha de princípio, a autoridade judiciária nacional detém competência para processar e julgar o litígio.

8. O art. 88 do CPC, mitigando o princípio da aderência, cuida das hipóteses de jurisdição concorrente (cumulativa), sendo que a jurisdição do Poder Judiciário Brasileiro não exclui a de outro Estado, competente a justiça brasileira apenas

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por razões de viabilidade e efetividade da prestação jurisdicional, estas corrobo-radas pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, que imprime ao Estado a obrigação de solucionar as lides que lhe são apresentadas, com vistas à conse-cução da paz social.

9. A comunicação global via computadores pulverizou as fronteiras territoriais e criou um novo mecanismo de comunicação humana, porém não subverteu a possibilidade e a credibilidade da aplicação da lei baseada nas fronteiras ge-ográficas, motivo pelo qual a inexistência de legislação internacional que re-gulamente a jurisdição no ciberespaço abre a possibilidade de admissão da ju-risdição do domicílio dos usuários da Internet para a análise e processamento de demandas envolvendo eventuais condutas indevidas realizadas no espaço virtual.

10. Com o desenvolvimento da tecnologia, passa a existir um novo conceito de privacidade, sendo o consentimento do interessado o ponto de referência de todo o sistema de tutela da privacidade, direito que toda pessoa tem de dispor com exclusividade sobre as próprias informações, nelas incluindo o direito à imagem.

11. É reiterado o entendimento da preponderância da regra específica do art. 100, inciso V, alínea a, do CPC sobre as normas genéricas dos arts. 94 e 100, inciso IV, alínea a do CPC, permitindo que a ação indenizatória por danos morais e materiais seja promovida no foro do local onde ocorreu o ato ou fato, ainda que a ré seja pessoa jurídica, com sede em outro lugar, pois é na locali-dade em que reside e trabalha a pessoa prejudicada que o evento negativo terá maior repercussão. Precedentes.

12. A cláusula de eleição de foro existente em contrato de prestação de serviços no exterior, portanto, não afasta a jurisdição brasileira.

13. Ademais, a imputação de utilização indevida da imagem da autora é um posterius em relação ao contato de prestação de serviço, ou seja, o direito de resguardo à imagem e à intimidade é autônomo em relação ao pacto firmado, não sendo dele decorrente. A ação de indenização movida pela autora não é baseada, portanto, no contrato em si, mas em fotografias e imagens utilizadas pela ré, sem seu consentimento, razão pela qual não há se falar em foro de elei-ção contratual.

14. Quando a alegada atividade ilícita tiver sido praticada pela Internet, inde-pendentemente de foro previsto no contrato de prestação de serviço, ainda que no exterior, é competente a autoridade judiciária brasileira caso acionada para dirimir o conflito, pois aqui tem domicílio a autora e é o local onde houve aces-so ao sítio eletrônico onde a informação foi veiculada, interpretando-se como ato praticado no Brasil, aplicando-se à hipótese o disposto no art. 88, III, do CPC.

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................109

15. Recurso especial a que se nega provimento.”

(REsp 1.168.547/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 11.05.2010, DJe de 07.02.2011)

“PROCESSO CIVIL – CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO – COMPETÊNCIA IN-TERNACIONAL – ART. 88 DO CPC – NOTAS TAQUIGRÁFICAS – INTIMAÇÃO – PRECLUSÃO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – ACOLHIMENTO, SEM EFEI-TOS MODIFICATIVOS

1. A cláusula de eleição de foro estrangeiro não afasta a competência interna-cional concorrente da autoridade brasileira, nas hipóteses em que a obrigação deva ser cumprida no Brasil (art. 88, II, do CPC). Precedentes.

2. A ementa, o relatório, os votos e as notas taquigráficas formaram uma única decisão sob o ponto de vista lógico e jurídico, embora sua apresentação tenha ocorrido em momentos cronologicamente distintos. Por essa razão, eventual re-curso especial deve necessariamente refutar todos os argumentos nela contidos.

3. Omissis.

4. Omissis.

Embargos de declaração acolhidos.”

(EDcl-EDcl-REsp 1.159.796/PE, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., Julgado em 15.03.2011, DJe de 25.03.2011)

“COMPETÊNCIA INTERNACIONAL – CONTRATO DE CONVERSÃO DE NA-VIO PETROLEIRO EM UNIDADE FLUTUANTE – GARANTIA REPRESENTADA POR PERFORMANCE BOND EMITIDO POR EMPRESAS ESTRANGEIRAS – CA-RÁTER ACESSÓRIO DESTE ÚLTIMO – JURISDIÇÃO DO TRIBUNAL BRASILEI-RO EM FACE DA DENOMINADA COMPETÊNCIA CONCORRENTE (ART. 88, INC. II, DO CPC)

O Performance Bond emitido pelas empresas garantidoras é acessório em rela-ção ao contrato de execução de serviços para a adaptação de navio petroleiro em unidade flutuante de tratamento, armazenamento e escoamento de óleo e gás.

Caso em que empresas as garantes se sujeitam à jurisdição brasileira, nos ter-mos do disposto no art. 88, inc. II, do CPC, pois no Brasil é que deveria ser cumprida a obrigação principal. Competência internacional concorrente da au-toridade judiciária brasileira, que não é suscetível de ser arredada pela vontade das partes.

À justiça brasileira é indiferente que se tenha ajuizado ação em país estrangeiro, que seja idêntica a outra que aqui tramite. Incidência na espécie do art. 90 do CPC.

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Recurso especial não conhecido, prejudicada a medida cautelar.”

(REsp 251.438/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, 4ª T., Julgado em 08.08.2000, DJ de 02.10.2000, p. 173)

A jurisdição, como exercício da soberania do Estado, é inderrogável e inafastável e, ainda que válidas, como na presente hipótese de competência internacional concorrente, as cláusulas que elegem foro alienígena em contra-tos internacionais não têm o poder de afastar a jurisdição brasileira. Entender de forma diversa, apenas porque as partes assim o pactuaram, significaria, em última análise, afronta ao postulado da soberania nacional.

Apesar de válida a cláusula de eleição de foro territorial para a causa originada de contrato entabulado entre sociedade empresária brasileira e Estado estrangeiro, isso, por si só, não exclui a jurisdição brasileira concorrente para o conhecimento e julgamento de causa aqui aforada para discussão do contrato. A escolha contratual de um foro estrangeiro para dirimir o conflito decorrente do contrato não impede que seja também ajuizada a ação no Brasil, nos casos de competência concorrente.

Cumpre, ainda, indagar-se acerca da possibilidade da análise de ofício pelo d. juiz sentenciante, sem manifestação da parte contrária, acerca da preva-lência da cláusula de eleição de foro.

De acordo com a Súmula nº 33/STJ: “a incompetência relativa não pode ser declarada de oficio”. Portanto, foi precipitada a imediata extinção do pro-cesso, decretada pelo juízo singular, sem oitiva do Estado alienígena réu.

Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso ordinário para cassar a sen-tença de primeiro grau e determinar o retorno dos autos ao d. Juízo de origem, para que a ação seja processada regularmente e examinada em seus demais aspectos como se entender de direito.

É como voto.

cERtidão dE julgamEnto quaRta tuRma

Número Registro: 2011/0027483-8 Processo Eletrônico RO 114/DF

Números Origem: 12552009 200934000380108

Pauta: 26.05.2015 Julgado: 26.05.2015

Relator: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Pessoa Lins

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................111

Secretária: Belª Teresa Helena da Rocha Basevi

autuação

Recorrente: MTD Engenharia Ltda.

Advogada: Marta Mitico Valente e outro(s)

Recorrido: República da Argentina

Advogado: Sem representação nos autos

Assunto: Direito Internacional – Contratos internacionais

cERtidão

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Adiado por indicação do Sr. Ministro Relator.

cERtidão dE julgamEnto quaRta tuRma

Número Registro: 2011/0027483-8 Processo Eletrônico RO 114/DF

Números Origem: 12552009 200934000380108

Pauta: 26.05.2015 Julgado: 02.06.2015

Relator: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Roberto Luis Oppermann Thomé

Secretária: Belª Teresa Helena da Rocha Basevi

autuação

Recorrente: MTD Engenharia Ltda.

Advogada: Marta Mitico Valente e outro(s)

Recorrido: República da Argentina

Advogado: Sem representação nos autos

Assunto: Direito Internacional – Contratos internacionais

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112 ....................................................................................................RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

cERtidão

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Jurisprudência

8439

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.220.410 – SP (2010/0191973‑0)Relator: Ministro Luis Felipe SalomãoRecorrente: Indústria de Confecções Petersen Ltda.Advogados: Denilson Donizete Lourenço de Paula e outro(s)

Pedro Felipe Manzke ConeglianRecorrido: Rebeca Zalc Bonder Representações Ltda.Advogado: Paulo Roberto de Borba

EmEnta

PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – PENHORA ON LINE – BACEN-JUD – ARTS. 655-A E 659, § 6º, DO CPC – PRAZO PARA IMPUGNAÇÃO – IMPRESCINDÍVEL A INTIMAÇÃO DO ATO DE CONSTRIÇÃO – FORMALIZAÇÃO POR MEIO DE PEÇAS EXTRAÍDAS DO PRÓPRIO SISTEMA – DESNECESSIDADE DE POSTERIOR LAVRATURA DE TERMO OU AUTO DE PENHORA NOS AUTOS

1. A partir do ato processual executivo da penhora, há a constrição de parcela do patrimônio do executado – afetada com o propósito de garan-tia e pagamento do débito –, recaindo sobre tantos bens quantos bastem para quitação do valor devido (CPC, art. 659).

2. No tocante à penhora on line, trata-se de procedimento por meio do qual o juízo, a partir de ordem eletrônica, obtém, por meio de convênio de cooperação técnico-institucional com o Banco Central do Brasil (sis-tema Bacen-Jud), o acesso a informações sobre depósitos bancários do executado, bem como permite o bloqueio de quantias correspondentes ao valor devido.

3. Inegavelmente, o espírito do legislador, ao prever referida ferramenta, foi o de, orientado pela economia processual, imprimir maior celeridade e efetividade à tramitação dos feitos executivos, satisfazendo o direito do credor com a utilização de mínima atividade processual, o que se percebe na própria exposição de motivos da Lei nº 11.382/2006, pela qual se demonstrou a prevalência pelo informalismo. Esta também foi a linha trilhada pela Resolução nº 61/2008 do CNJ, que disciplinou o procedimento.

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4. É correto o entendimento que acaba por afastar o formalismo e, ao mesmo tempo, confere celeridade e segurança ao ato processual da pe-nhora eletrônica, reconhecendo ao documento gerado pelo próprio sis-tema Bacen-Jud como apto a atender a formalidade mínima necessária, justamente por preencher os requisitos previstos no art. 665 do Codex processual.

5. Isso porque os atos de constrição se materializam em peças extraídas do próprio sistema (Bancen-Jud), notadamente capazes de levar ao co-nhecimento das partes todas as informações referentes ao ato de afetação patrimonial (CPC, art. 664), atendendo os objetivos da formalização da penhora (dar conhecimento ao executado de como, quando e onde se deu a constrição, nome do credor, descrição do valor bloqueado e da conta objeto de constrição, dentre outros).

6. Desnecessária, portanto, a lavratura de auto ou termo de penhora es-pecífico, justamente por servir como documento comprobatório da feitu-ra do bloqueio, produzindo os mesmos efeitos.

7. Destaca-se, desde já, que continua sendo imprescindível a formali-zação da penhora (nos termos expostos) e a intimação do executado da constrição efetivada para fins de impugnação (CPC, art. 475-J, § 1º), até porque a Segunda Seção do STJ já assentou que “diante da inexistência de depósito judicial espontâneo, imperioso que o cômputo do prazo para a impugnação se dê a partir da intimação da penhora on line” (EDcl-Rcl 8.367/RS, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª S., Julgado em 25.09.2013, DJe 02.10.2013).

8. A própria Resolução nº 524 do Conselho da Justiça Federal – CJF cor-robora com referido entendimento ao prever que “ao receber as respostas das instituições financeiras, o magistrado emitirá ordem judicial de trans-ferência do valor da condenação para conta judicial, em estabelecimento oficial de crédito. O prazo para oposição de embargos ou recursos co-meçará a contar da data da notificação, pelo juízo, à parte, do bloqueio efetuado em sua conta” (art. 8º, § 2º).

9. Na hipótese, o acórdão recorrido verificou que a recorrente fora devi-damente intimado da penhora on line, tendo o advogado tomado ciência expressa e inequívoca nos autos. Dessarte, verifica-se que cumpridas as exigências da intimação do executado (já que o advogado se deu por in-timado), bem como da formalização da penhora eletrônica (documento com dados assemelhados ao auto de penhora), não há falar em necessi-

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................115

dade de lavratura de termo específico nem em nova intimação do execu-tado (assinalando a conversão dos valores bloqueados em penhora) para apresentar impugnação.

10. Recurso especial não provido.

acóRdão

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Raul Araújo dando provimento ao recurso especial, divergindo do relator, e o voto da Minis-tra Maria Isabel Gallotti e do Ministro Antonio Carlos Ferreira acompanhando o relator, a Quarta Turma, por maioria, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do relator. Vencido o Ministro Raul Araújo, que dava pro-vimento ao recurso especial. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Votou vencido o Sr. Ministro Raul Araújo (voto-vista).

Impedido o Sr. Ministro Marco Buzzi.

Brasília (DF), 09 de junho de 2015 (data do Julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão Relator

RElatóRio

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

1. Rebeca Zalc Bonder Representações Ltda., em sede de execução pro-visória, requereu o cumprimento de sentença em ação de cobrança contra In-dústria de Confecções Petersen Ltda., tendo o Juízo de piso certificado o de-curso de prazo in albis para impugnação, haja vista a ciência inequívoca do bloqueio on line dos ativos financeiros por parte do executado.

Pretendendo que houvesse ato formal convertendo o bloqueio de valores em penhora, para iniciar o prazo de impugnação, o recorrente interpôs agravo de instrumento, e o Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento ao re-curso em acórdão assim ementado:

PROCESSO CIVIL – PRAZO PARA IMPUGNAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SEN-TENÇA – Ação de cobrança em fase de cumprimento de sentença. Penhora on line efetivada. Decisão que determinou a certificação do decurso de prazo para apresentação de impugnação diante da ciência inequívoca do bloqueio on line. A penhora eletrônica considera-se realizada com o bloqueio on line de ativos financeiros de titularidade do executado. Desnecessidade de posterior lavratura

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de termo ou auto de penhora nos autos. O prazo para oposição de impugnação começa a fluir da intimação do devedor do bloqueio da conta (art. 475-J, § 1º, do CPC). No caso, o advogado tomou inequívoca ciência do bloqueio da conta, tanto que interpôs agravo de instrumento da decisão que a determinou.

Má-fé da agravante não evidenciada, mas mera tese jurídica como parte do princípio do contraditório e da ampla defesa.

Recurso negado. (fls. 136-144)

Irresignada, interpõe recurso especial com fulcro na alínea a do permissi-vo constitucional, por vulneração ao art. 475-J, § 1º, do CPC.

Aduz que os valores bloqueados pelo sistema Bacen-Jud devem ser con-vertidos formalmente em penhora, com lavra do respectivo termo e posterior intimação do executado, com expressa indicação do prazo para impugnação.

Sustenta que, na hipótese, não houve sequer início do prazo para apre-sentação da impugnação, haja vista a inocorrência da formalização da penhora (mediante termo nos autos) nem a respectiva intimação do executado.

Contrarrazões ao recurso especial às fls. 169-178.

O especial recebeu crivo negativo de admissibilidade na origem (fls. 180-181), ascendendo a esta Corte pelo provimento do agravo (fl. 202).

É o relatório.

EmEnta

PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – PENHORA ON LINE – BACEN-JUD – ARTS. 655-A E 659, § 6º, DO CPC – PRAZO PARA IMPUGNAÇÃO – IMPRESCINDÍVEL A INTIMAÇÃO DO ATO DE CONSTRIÇÃO – FORMALIZAÇÃO POR MEIO DE PEÇAS EXTRAÍDAS DO PRÓPRIO SISTEMA – DESNECESSIDADE DE POSTERIOR LAVRATURA DE TERMO OU AUTO DE PENHORA NOS AUTOS

1. A partir do ato processual executivo da penhora, há a constrição de parcela do patrimônio do executado – afetada com o propósito de garan-tia e pagamento do débito –, recaindo sobre tantos bens quantos bastem para quitação do valor devido (CPC, art. 659).

2. No tocante à penhora on line, trata-se de procedimento por meio do qual o juízo, a partir de ordem eletrônica, obtém, por meio de convênio de cooperação técnico-institucional com o Banco Central do Brasil (sis-tema Bacen-Jud), o acesso a informações sobre depósitos bancários do

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................117

executado, bem como permite o bloqueio de quantias correspondentes ao valor devido.

3. Inegavelmente, o espírito do legislador, ao prever referida ferramenta, foi o de, orientado pela economia processual, imprimir maior celeridade e efetividade à tramitação dos feitos executivos, satisfazendo o direito do credor com a utilização de mínima atividade processual, o que se percebe na própria exposição de motivos da Lei nº 11.382/2006, pela qual se demonstrou a prevalência pelo informalismo. Esta também foi a linha trilhada pela Resolução nº 61/2008 do CNJ, que disciplinou o procedimento.

4. É correto o entendimento que acaba por afastar o formalismo e, ao mesmo tempo, confere celeridade e segurança ao ato processual da pe-nhora eletrônica, reconhecendo ao documento gerado pelo próprio sis-tema Bacen-Jud como apto a atender a formalidade mínima necessária, justamente por preencher os requisitos previstos no art. 665 do Codex processual.

5. Isso porque os atos de constrição se materializam em peças extraídas do próprio sistema (Bancen-Jud), notadamente capazes de levar ao co-nhecimento das partes todas as informações referentes ao ato de afetação patrimonial (CPC, art. 664), atendendo os objetivos da formalização da penhora (dar conhecimento ao executado de como, quando e onde se deu a constrição, nome do credor, descrição do valor bloqueado e da conta objeto de constrição, dentre outros).

6. Desnecessária, portanto, a lavratura de auto ou termo de penhora es-pecífico, justamente por servir como documento comprobatório da feitu-ra do bloqueio, produzindo os mesmos efeitos.

7. Destaca-se, desde já, que continua sendo imprescindível a formali-zação da penhora (nos termos expostos) e a intimação do executado da constrição efetivada para fins de impugnação (CPC, art. 475-J, § 1º), até porque a Segunda Seção do STJ já assentou que “diante da inexistência de depósito judicial espontâneo, imperioso que o cômputo do prazo para a impugnação se dê a partir da intimação da penhora on line” (EDcl-Rcl 8.367/RS, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª S., Julgado em 25.09.2013, DJe 02.10.2013).

8. A própria Resolução nº 524 do Conselho da Justiça Federal – CJF cor-robora com referido entendimento ao prever que “ao receber as respostas

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118 ....................................................................................................RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

das instituições financeiras, o magistrado emitirá ordem judicial de trans-ferência do valor da condenação para conta judicial, em estabelecimento oficial de crédito. O prazo para oposição de embargos ou recursos co-meçará a contar da data da notificação, pelo juízo, à parte, do bloqueio efetuado em sua conta” (art. 8º, § 2º).

9. Na hipótese, o acórdão recorrido verificou que a recorrente fora devi-damente intimado da penhora on line, tendo o advogado tomado ciência expressa e inequívoca nos autos. Dessarte, verifica-se que cumpridas as exigências da intimação do executado (já que o advogado se deu por in-timado), bem como da formalização da penhora eletrônica (documento com dados assemelhados ao auto de penhora), não há falar em necessi-dade de lavratura de termo específico nem em nova intimação do execu-tado (assinalando a conversão dos valores bloqueados em penhora) para apresentar impugnação.

10. Recurso especial não provido.

voto

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

2. A controvérsia instalada nos autos consiste em saber se, no cumpri-mento de sentença, com a efetivação da penhora on line, faz-se necessária formalidade específica para fins de início do prazo para apresentação da im-pugnação.

O acórdão recorrido assentou que:

Trata-se de agravo de instrumento tirado de ação de cobrança ajuizada pela agravada em face da agravante, em fase de cumprimento de sentença, pela qual o juízo a quo determinou a certificação do decurso de prazo para impugnação, diante da ciência inequívoca do bloqueio on line de ativos financeiros de titula-ridade da agravante, ora executada.

O recurso não comporta provimento.

A Lei nº 11.382/2006 trouxe importantes modificações ao processo de execu-ção, consagrando a penhora on line, por meio da qual o juiz da execução re-quisita, em um primeiro momento, a pedido do credor, por via eletrônica (sis-tema Bacen-Jud), informações do Banco Central sobre a existência de ativos financeiros mantidos em nome do executado, determinando, no mesmo ato, a sua indisponibilidade, até o valor do débito objeto de execução (art. 655-A do CPC).

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................119

Verificado o bloqueio de valores pela instituição financeira, o magistrado, uti-lizando-se de ferramenta disponível no próprio sistema Bacen-Jud, determina a transferência para conta judicial à disposição do juízo, liberando eventuais va-lores excedentes ao crédito.

O legislador pátrio conferiu aos tribunais a atribuição de disciplinar a utili-zação dos meios modernos eletrônicos de comunicação dos atos processu-ais, onde se inclui a penhora on line, conforme dispõe o parágrafo único do art. 154 do CPC, introduzido pela Lei nº 11.382/2006: “Os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenti-cidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP – Brasil”.

Por sua vez, o § 6º do art. 659, que dispõe acerca da penhora e do depósito na execução por quantia certa contra devedor solvente, estabelece: “Obedecidas as normas de segurança que forem instituídas, sob critérios uniformes, pelos Tri-bunais, a penhora de numerário e as averbações de penhora de bens imóveis e móveis podem ser realizadas por meios eletrônicos”.

No Estado de São Paulo, o Comunicado CG nº 1.307/2007, publicado no Diá-rio Oficial em 21.12.2007, dispôs sobre o uso da penhora por meio eletrônico.

Estabelece o item 19 referido comunicado: “Convertido o bloqueio eletrônico pelo Bacen-Jud em primeira penhora, será o devedor intimado para oferecer im-pugnação/embargos no prazo legal, sem prejuízo da transferência dos valores para a conta indicada pelo Juízo”.

A controvérsia cinge-se a determinar se, no âmbito da penhora eletrônica, a fluência do prazo para impugnar a execução de título judicial depende da for-malização da penhora por termo nos autos, a fim de possibilitar a posterior inti-mação do devedor, tal qual determina o art. 475-J, § 1º do CPC.

Inegavelmente, ao prever a adoção do instituto da penhora on line (Lei nº 11.382/2006), o legislador revelou um espírito prático, orientado pela econo-mia processual, que visou imprimir maior celeridade e efetividade à tramitação dos feitos executivos, procurando satisfazer a pretensão do credor com o em-prego de mínima atividade processual.

À luz dessa premissa, a interpretação mais adequada é aquela que considera realizada a penhora por via eletrônica com a apreensão física do bem, ou seja, com o bloqueio on line de ativos financeiros de titularidade do executado, ser-vindo à formalização do ato o documento gerado no próprio sistema do progra-ma Bacen-Jud, que se assemelha ao termo de penhora, pois preenche os requi-sitos constantes do art. 665 do CPC.

Com a facilitação do intercâmbio de informações entre o juiz e as instituições financeiras, o processo judicial ganha em celeridade e segurança, sem descurar dos preceitos legais aplicáveis à espécie, porquanto, é importante ressaltar, não se prescinde da formalização da penhora e intimação do devedor.

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120 ....................................................................................................RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Tanto na penhora on line quanto na penhora realizada por oficial de justiça, há necessidade de formalização da constrição e posterior intimação do executado para apresentar impugnação (art. 475-J, § 1º do CPC).

Reza o art. 475-J, § 1º, do CPC: “Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de (quinze) dias.”

Todavia, na penhora on line a primeira etapa é abreviada. Isso porque, dada a natureza do bem (dinheiro) e a dinâmica à da concretização da apreensão, em atendimento ao princípio da instrumentalidade das formas, deve valer o próprio recibo de protocolamento da ordem de bloqueio e transferência encartada aos autos como registro formal e idôneo que documenta a penhora, sendo desne-cessária a lavratura de auto ou termo nos autos.

Por consequência, o prazo para oposição de impugnação, embargos ou recur-sos começa a fluir da intimação do devedor do bloqueio da conta, sem mais formalidades.

Portanto, a penhora é válida desde o momento da materialização fática da apreensão e não depende da confecção de termo ou autoespecífico posterior, devendo o devedor ser intimado para oferecer impugnação/embargos tão logo convertido o bloqueio eletrônico pelo Bacen-Jud em primeira penhora.

O caso em questão trata de ação de cobrança de verbas indenizatórias decor-rentes de rescisão contratual, ajuizada pela agravada em face da agravante, ora em fase de cumprimento de sentença.

Pelo que dos autos consta, por meio de carta precatória expedida à Comarca de Indaial/SC, a agravante foi citada em execução para o pagamento do débito no valor de R$ 138.198,99 e nomeou à penhora um imóvel de sua propriedade, que alega valer R$ 200.000,00.

O juízo deprecado rejeitou o bem oferecido e determinou a penhora on line de ativos financeiros da agravante, no valor de R$ 239.895,37, atualizado até setembro de 2007.

A ordem de afetação foi integralmente cumprida, mas o juízo daquela Comarca houve por bem reduzir o bloqueio para atingir tão somente o valor histórico do débito (R$ 138.198,99), decisão da qual o advogado da agravante, Leutério Luiz de Lara (fl. 11), tomou ciência expressa e inequívoca nos autos em 23.11.2007 (fl. 100), tanto que em 04.12.2007 interpôs agravo de instrumento no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (nº 2007.060579-1) insurgindo-se contra a decisão que deferiu a penhora on line, sustentando, em resumo, que a execução deveria efetivar-se de modo menos gravoso ao executado, não tendo a nomeação dos bens à penhora caráter rígido, de forma que deveria prevalecer a penhora do imóvel por ele indicada e não a penhora on line (fls. 101/115).

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Assim, considerando que a agravante tomou ciência inequívoca do bloqueio efetuado em suas contas em 23.11.2007, quando a penhora on line já estava devidamente formalizada, a partir daí passou a fluir o prazo para impugnação.

Portanto, com a devolução da carta precatória ao juízo de origem, o magistrado corretamente determinou a certificação do decurso de prazo para apresentação de impugnação, razão pela qual não merece reforma a decisão agravada.

Por fim, não vislumbro a ocorrência da litigância de má-fé da agravante, como aduzido pela agravada, mas mero posicionamento jurídico que se insere dentro do contexto do princípio do contraditório e ampla defesa assegurado na carta magna.

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso. (fls. 139-144)

3. Conforme lição clássica de Liebman, “a penhora é o ato pelo qual o ór-gão judiciário submete a seu poder imediato determinados bens do executado, fixando sobre eles a destinação de servirem à satisfação do direito do exequen-te. Tem, pois, natureza de ato executório” (LIEBMAN, Enrico Túlio. Processo de execução. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 1946, n. 56, p. 95).

Assim, pelo ato processual executivo da penhora, há a constrição de par-cela do patrimônio do executado – afetada com o propósito de garantia e paga-mento do débito –, recaindo sobre tantos bens quantos bastem para quitação do valor devido (CPC, art. 659).

Especificamente quanto à penhora on line, instituída formalmente no Có-digo de Processo Civil pela Lei nº 11.382/2006, estabelecem os arts. 655-A e 659, § 6º do CPC que:

Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, requisitará à autoridade super-visora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.

Art. 659. A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o paga-mento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios.

[...]

§ 6º Obedecidas as normas de segurança que forem instituídas, sob critérios uniformes, pelos Tribunais, a penhora de numerário e as averbações de penho-ras de bens imóveis e móveis podem ser realizadas por meios eletrônicos.

Trata-se, portanto, de procedimento por meio do qual o juízo, a partir de ordem eletrônica, obtém, por meio de convênio de cooperação técnico-institu-cional com o Banco Central do Brasil (sistema Bacen-Jud), o acesso a informa-

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ções sobre depósitos bancários do executado, bem como permite o bloqueio de quantias correspondentes ao valor devido.

Luiz Guilherme Marinoni destaca que:

A penhora on line, em verdade, não é outra coisa senão apenas um mecanismo simplificado de comunicação processual, entre o juízo e instituições financei-ras. De fato, o objetivo da dita “penhora on line” é exatamente o mesmo de-sempenhado pelos ofícios encaminhados pelo juízo aos agentes bancários. Por ambos os instrumentos, solicita-se dessas instituições informações e providên-cias (bloqueio de ativos). Apenas a penhora on line constitui-se em instrumento mais ágil e menos burocrático. (Curso de processo civil, volume 3: execução. São Paulo: RT, 2014. p. 279).

Concretiza, assim, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (CF, art. 5º, XXXV), assegurando a adequação, celeridade e efetividade do processo e, ao mesmo tempo, o direito de crédito do exequente, desde que, por óbvio, respeitados outros direitos, tais como a impenhorabilidade absoluta da conta--salário (CPC, art. 649, IV) e o limite de 40 salários mínimos dos depósitos em caderneta de poupança (CPC, art. 649, X), sendo ônus do executado referida demonstração (CPC, art. 655-A).

É bom lembrar que esta Corte Superior, em sede de recurso repetitivo, firmou orientação no sentido de que, “após o advento da Lei nº 11.382/2006, o Juiz, ao decidir acerca da realização da penhora on line, não pode mais exigir a prova, por parte do credor, de exaurimento de vias extrajudiciais na busca de bens a serem penhorados” (REsp 1.112.943/MA, Relª Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe 23.11.2010).

É de se destacar, ainda, que dinheiro (seja em espécie, seja em depósito, seja aplicação em instituição financeira) está em primeiro lugar na ordem de preferência da penhora (CPC, art. 655, I), haja vista ser a melhor forma para o recebimento do direito de crédito.

É o que definiu a jurisprudência da Casa:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA ON LINE – CONVÊNIO BACEN-JUD – MEDIDA CONSTRITIVA POSTERIOR À LEI Nº 11.382/2006 – EXAURIMENTO DAS VIAS EXTRAJUDI-CIAIS PARA A LOCALIZAÇÃO DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA – DESNE-CESSIDADE – EMBARGOS ACOLHIDOS

1. Com a entrada em vigor da Lei nº 11.382/2006, que deu nova redação ao art. 655 do Código de Processo Civil, os depósitos e as aplicações em institui-ções financeiras foram incluídos como bens preferenciais na ordem de penhora e equiparados a dinheiro em espécie, tornando-se prescindível o exaurimento das vias extrajudiciais dirigidas à localização de bens do devedor para a cons-trição de ativos financeiros por meio do sistema Bacen-Jud, informando a sua

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utilização nos processos em curso o tempo da decisão relativa à medida cons-tritiva.

2. Embargos de divergência acolhidos.

(EREsp 1052081/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 1ª S., Julgado em 12.05.2010, DJe 26.05.2010)

Inegavelmente, o espírito do legislador, ao prever referida ferramenta, foi o de, orientado pela economia processual, imprimir maior celeridade e efetivi-dade à tramitação dos feitos executivos, satisfazendo o direito do credor com a utilização de mínima atividade processual, o que se percebe na própria exposi-ção de motivos da Lei nº 11.382/2006, pela qual se demonstrou a prevalência pelo informalismo, verbis:

j) são sugeridas muitas alterações no sentido de propiciar maior efetividade à execução, pela adoção de condutas preconizadas pela doutrina e pelos tribu-nais ou sugeridas pela dinâmica das atuais relações econômicas, inclusive com o apelo aos meios eletrônicos, limitando-se o formalismo ao estritamente neces-sário;

l) as regras relativas à penhorabilidade e impenhorabilidade de bens (atualmen-te eivadas de anacronismo evidente) são atualizadas, máxime no relativo à pe-nhora de dinheiro.

Esta também foi a linha trilhada pela Resolução nº 61/2008 do CNJ, que disciplinou o procedimento nos seguintes termos:

Considerando que a eficiência das atividades jurisdicionais tem na efetividade daexecuçãoumaspectofundamental;

Considerando as facilidades tecnológicas a serviço da execução por meio da introdução do Convênio Bacen-Jud, visando a tornar mais ágeis e seguras as or-densjudiciaisdebloqueiodevaloresporviaeletrônica;

[...]

4. Nessa ordem de ideias, parece mesmo correto o entendimento que acaba por afastar o formalismo e, ao mesmo tempo, confere celeridade e segu-rança ao ato processual da penhora eletrônica, reconhecendo ao documento gerado pelo próprio sistema Bacen-Jud como apto a atender a formalidade mí-nima necessária, justamente por preencher os requisitos previstos no art. 665 do Codex processual.

Isso porque os atos de constrição se materializam em peças extraídas do próprio sistema (Bancen-Jud), notadamente capazes de levar ao conhecimento das partes todas as informações referentes ao ato de afetação patrimonial (CPC, art. 664), atendendo os objetivos da formalização da penhora (dar conhecimen-to ao executado de como, quando e onde se deu a constrição, nome do credor,

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descrição do valor bloqueado e da conta objeto de constrição, dentre outros). Desnecessária, portanto, a lavratura de auto ou termo de penhora específico, justamente por servir como documento comprobatório da feitura do bloqueio, produzindo os mesmos efeitos.

É o que assinala a doutrina especializada:

Uma vez realizado o bloqueio de valores, deve ser efetuada a sua documen-tação, isto é, a juntada aos autos da folha – normalmente impressa da Internet – que documenta a efetivação do bloqueio, na qual são informados o juízo que determinou a penhora, o nome do titular e o número da conta bancária bloque-ada, o valor solicitado para bloqueio e o montante efetivamente bloqueado.

Deve-se destacar que esse documento comprobatório da realização do blo-queio on line, que é assinado (“certificado”) pelo escrivão e juntado aos au-tos, já equivale a termo de penhora, razão pela qual produz os mesmos efeitos deste.

(REDONDO,BrunoGarcia; SUAREZ LOJO,MárioVitor.Penhora. São Paulo: Método, 2007. p. 180)

Destaca-se, desde já, que continua sendo imprescindível a formalização da penhora (nos termos expostos) e a intimação do executado da constrição efetivada para fins de impugnação (CPC, art. 475-J, § 1º), até porque a Segunda Seção do STJ já assentou que “diante da inexistência de depósito judicial es-pontâneo, imperioso que o cômputo do prazo para a impugnação se dê a partir da intimação da penhora on line” (EDcl-Rcl 8.367/RS, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª S., Julgado em 25.09.2013, DJe 02.10.2013).

A própria Resolução nº 524 do Conselho da Justiça Federal – CJF cor-robora com referido entendimento ao prever que “ao receber as respostas das instituições financeiras, o magistrado emitirá ordem judicial de transferência do valor da condenação para conta judicial, em estabelecimento oficial de crédito. O prazo para oposição de embargos ou recursos começará a contar da data da notificação, pelo juízo, à parte, do bloqueio efetuado em sua conta” (art. 8º, § 2º).

Nessa ordem de ideias, a Terceira Turma, em recente julgado, aprecian-do exatamente a mesma questão de direito, perfilhou entendimento similar, em acórdão assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – PENHORA ON-LINE – AUSÊNCIA DE TERMO – JUNTADA DOS EXTRATOS DA OPERAÇÃO – POS-TERIOR INTIMAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE IMPUGNAÇÃO – VIOLA-ÇÃO DO ART. 475-J, § 1º, DO CPC – NÃO OCORRÊNCIA – INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA – FINALIDADE ATENDIDA – PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALI-DADE DAS FORMAS – INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO – PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF – NULIDADE NÃO RECONHECIDA – RECURSO DESPROVIDO

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1. A lavratura do auto de penhora ou de sua redução a termo, com posterior in-timação da parte executada para, querendo, apresentar impugnação, assegura--lhe o conhecimento da exata identificação do bem sobre o qual recaiu a cons-trição.

2. Havendo penhora on line, não há expedição de mandado de penhora e de avaliação, uma vez que a constrição recai sobre numerário encontrado em con-ta-corrente do devedor, sendo desnecessária diligência além das adotadas pelo próprio magistrado por meio eletrônico.

3. Se a parte pode identificar, com exatidão, os detalhes da operação realizada por meio eletrônico (valor, conta-corrente, instituição bancária) e se foi expres-samente intimada para apresentar impugnação no prazo legal, optando por não fazê-lo, não é razoável nulificar todo o procedimento por estrita formalidade. Aplicação dos princípios da instrumentalidade das formas e pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo).

4. Recurso especial parcialmente conhecido e desprovido.

(REsp 1195976/RN, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 3ª T., Julgado em 20.02.2014, DJe 05.03.2014)

Naquela oportunidade, ressaltou em seu voto o Ministro Relator:

Ora, a Lei nº 11.232/2005 alterou o processo de execução, acrescentando ao CPC o art. 475-J, cujo caput dispõe que, “caso o devedor, condenado ao pa-gamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias [...], expedir-se-á mandado de penhora e avaliação”.

A recorrente aponta violação do § 1º desse artigo. Tal dispositivo estabelece o procedimento subsequente à expedição e cumprimento do mandado de penho-ra e avaliação. Prescreve, a propósito, que “do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado [...] podendo oferecer impugnação, que-rendo, no prazo de quinze dias”.

Posteriormente, foi editada a Lei nº 11.382/2006, que trouxe várias inovações ao processo de execução com a finalidade de dar maior efetividade às decisões judiciais e aos princípios da economia e celeridade processuais. Adveio daí a possibilidade de utilização do meio eletrônico (Internet) para a realização da penhora on-line, que foi introduzida no sistema processual civil mediante a in-clusão do art. 655-A do CPC, de redação seguinte:

[...]

É evidente que não se pode analisar a literalidade de um dispositivo legal sem atentar para o sistema como um todo, aí incluídas as inovações legislativas e a própria lógica do sistema. No caso da realização da penhora on line, não há ex-pedição de mandado de penhora ou de avaliação do bem penhorado. A cons-trição recai sobre numerário encontrado em conta-corrente do devedor, sendo

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desnecessária diligência além das adotadas pelo próprio magistrado por meio eletrônico.

Não chego a afirmar que é dispensável a lavratura do auto de penhora ou a de-fender a desnecessidade de sua redução a termo para que, após a intimação da parte executada, tenha início o prazo para apresentação de impugnação. Essa é a regra e deve ser observada, individualizando-se e particularizando-se o bem que sofreu constrição, de modo que o devedor possa aferir se houve excesso, se o bem é impenhorável, etc. Todavia, no caso de penhora de numerário existen-te em conta-corrente, é evidente que essa regra não é absoluta.

No caso, o acórdão recorrido partiu da premissa, não impugnada, de que foi assegurada à parte o direito de conhecer todos os detalhes da penhora realiza-da por meio eletrônico sobre o numerário encontrado em sua conta-corrente. E mais: a recorrente não alegou nem provou ter sofrido prejuízo a ensejar a nulifi-cação de todo o procedimento.

Ora, o art. 154 estabelece que “os autos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se vá-lidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial”.

No caso, essa finalidade foi alcançada com a juntada aos autos dos extratos dos atos praticados por meio eletrônico. E, como ocorreu posteriormente a intima-ção da parte para apresentar impugnação, não lhe foi acarretado prejuízo, razão pela qual incide o princípio pas de nullité sans grief.

Relembro ainda que a impugnação é o meio apropriado para o devedor/execu-tado discutir eventual equívoco na penhora, conforme expressamente previsto no art. 475-L do CPC. Ora, se foi a própria recorrente quem, apesar de expres-samente intimada, optou por não oferecer impugnação, limitando-se a susten-tar, por meio de simples petição, a imprescindibilidade da lavratura de um ter-mo cuja finalidade já havia sido alcançada de outra forma, não há como deixar de reconhecer que sua tese carece de razoabilidade.

Ressalto que a recorrente partiu da premissa equivocada de que, nas instâncias ordinárias, teria sido firmado o entendimento de que “o simples fato de constar nos autos as telas que comprovam a realização do bloqueio do valor executado via Bacen-Jud não dá início à abertura do prazo para a parte executada apresen-tar sua impugnação” (e-STJ, fl. 1.737), ao passo que o acórdão recorrido foi ca-tegórico ao afirmar que “o magistrado de primeira instância, após a realização da penhora on-line, determinou a intimação da parte executada para oferecer impugnação” (fl. 1.725).

Em suma, o entendimento foi o de que a fluência do prazo para apresentar im-pugnação não decorre do simples fato de terem sido juntados aos autos os do-cumentos referentes à realização da penhora on line, e sim da efetiva intimação da parte executada para, querendo, fazê-lo, situação totalmente diversa.

Assim, concluo que, da leitura e interpretação sistemática dos dispositivos infra-constitucionais que regulamentam a questão (os aqui transcritos e os referidos

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................127

no acórdão recorrido) e com base no princípio pas de nullité sans grief, não procede a alegação de ofensa ao art. 475-J, § 1º, do CPC.

5. Na hipótese, o acórdão recorrido verificou que a recorrente fora de-vidamente intimado da penhora on line, tendo o advogado tomado ciência ex-pressa e inequívoca nos autos, verbis:

A ordem de afetação foi integralmente cumprida, mas o juízo daquela Comarca houve por bem reduzir o bloqueio para atingir tão somente o valor histórico do débito (R$ 138.198,99), decisão da qual o advogado da agravante, Leutério Luiz de Lara (fl. 11), tomou ciência expressa e inequívoca nos autos em 23.11.2007 (fl. 100), tanto que em 04.12.2007 interpôs agravo de instrumento no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (nº 2007.060579-1) insurgindo-se contra a decisão que deferiu a penhora on line, sustentando, em resumo, que a execução deveria efetivar-se de modo menos gravoso ao executado, não tendo a nomeação dos bens à penhora caráter rígido, de forma que deveria prevalecer a penhora do imóvel por ele indicada e não a penhora on line (fls. 101/115).

Assim, considerando que a agravante tomou ciência inequívoca do bloqueio efetuado em suas contas em 23.11.2007, quando a penhora on line já estava devidamente formalizada, a partir daí passou a fluir o prazo para impugnação.

Dessarte, verifica-se que cumpridas as exigências da intimação do exe-cutado (já que o advogado se deu por intimado), bem como da formalização da penhora eletrônica (documento com dados assemelhados ao auto de penhora), não há falar em necessidade de lavratura de termo específico nem em nova intimação do executado (assinalando a conversão dos valores bloqueados em penhora) para apresentar impugnação.

6. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

cERtidão dE julgamEnto quaRta tuRma

Número Registro: 2010/0191973-0

Processo Eletrônico REsp 1.220.410/SP

Números Origem: 5830019975136860 72229593 991080039915

Pauta: 05.05.2015 Julgado: 05.05.2015

Relator: Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Humberto Jacques de Medeiros

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Secretária: Belª Teresa Helena da Rocha Basevi

autuação

Recorrente: Indústria de Confecções Petersen Ltda.

Advogados: Denilson Donizete Lourenço de Paula e outro(s)

Pedro Felipe Manzke Coneglian

Recorrido: Rebeca Zalc Bonder Representações Ltda.

Advogado: Paulo Roberto de Borba

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos – Representação comercial

cERtidão

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto do Sr. Ministro Relator, negando provimento ao recurso, pediu vista dos autos o Sr. Ministro Raul Araújo.

Aguardam os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.

voto vEncido

O Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo: Cuida-se de recurso especial inter-posto por Indústria de Confecções Petersen Ltda., com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, em face de acórdão do eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:

PROCESSO CIVIL – PRAZO PARA IMPUGNAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SEN-TENÇA – Ação de cobrança em fase de cumprimento de sentença. Penhora on line efetivada. Decisão que determinou a certificação do decurso de prazo para apresentação de impugnação diante da ciência inequívoca do bloqueio on line. A penhora eletrônica considera-se realizada com o bloqueio on line de ativos financeiros de titularidade do executado. Desnecessidade de posterior lavratura de termo ou auto de penhora nos autos. O prazo para oposição de impugnação começa a fluir da intimação do devedor do bloqueio da conta, tanto que inter-pôs agravo de instrumento da decisão que a determinou. Má-fé da agravante não evidenciada, mas mera tese jurídica como parte do princípio do contraditó-rio e da ampla defesa.

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Recurso negado.” (fl. 137)

Afirma a recorrente, em suas razões, não terem sido os valores bloquea-dos convertidos em penhora, com a consequente lavratura do termo, além de não ter havido sua intimação com expressa indicação do prazo para oposição de impugnação da execução, conforme disciplina o art. 475-J, § 1º, do Código de Processo Civil. Requer a devolução do prazo.

O ilustre Relator, Ministro Luis Felipe Salomão, negou provimento ao recurso especial, em vista dos seguintes fundamentos: (a) Penhora on line é o “procedimento por meio do qual o Juízo, a partir de ordem eletrônica, ob-tém, por meio de convênio de cooperação técnico-institucional junto ao Banco Central do Brasil (sistema Bacen-Jud), o acesso a informações sobre depósitos bancários do executado, bem como permite o bloqueio de quantias correspon-dentes ao débito executado”;(b)Odinheiroestáemprimeirolugarnaordemdepreferênciadapenhora(CPC,art.655,I);(c)EstaCorte,nojulgamentodoREsp 1.112.943/MA, submetido ao rito dos repetitivos, firmou a tese de que “após o advento da Lei nº 11.382/2006, o Juiz, ao decidir acerca da realiza-ção da penhora on line, não pode mais exigir a prova, por parte do credor, de exaurimento de vias extrajudiciais na busca de bens a serem penhorados”; (d) O espírito do legislador ao prever a penhora on line foi imprimir maior cele-ridade e efetividade à tramitação dos feitos executivos, prestigiando o direito de créditodoexequente;(e)Osatosdeconstriçãoeletrônica“se materializam em peças extraídas do próprio sistema (Bacen-Jud), notadamente capazes de levar ao conhecimento das partes todas as informações referentes ao ato de afetação patrimonial (CPC, art. 664), atendendo os objetivos da formalização da penhora (dar conhecimento ao executado de como, quando e onde se deu a constrição, dentre outros). Desnecessária, portanto, a lavratura de auto ou termo de penho-ra específico, justamente por servir como documento comprobatório da feitura do bloqueio, produzindo os mesmos efeitos”; f)Apesardeser imprescindívela formalização da penhora, essa pode-se dar por meio das peças extraídas do sistema Bacen-Jud, com a intimação do executado para fins de impugnação (CPC, art. 475-J), entendimento corroborado pela Resolução nº 524 do Con-selho da Justiça Federal e acolhido em recente julgado da Terceira Turma – REsp1.195.976/RN;eg)Nocasodosautos,foramcumpridasasexigênciasdeintimação do executado, cujo advogado se deu por intimado e de formalização da penhora on line, com a juntada de documento com dados assemelhados ao auto de penhora.

Pedi vista dos autos, para uma melhor capacitação acerca da contro-vérsia.

É certo que na penhora on line, como nos demais meios de constrição, há necessidade de formalização da penhora e intimação do devedor, nos termos do que dispõe o art. 475-J, § 1º, do Código de Processo Civil:

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Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a re-querimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

§ 1º Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu represen-tante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

§ 2º Caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados, o juiz, de imediato, nomeará avaliador, assinan-do-lhe breve prazo para a entrega do laudo. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

§ 3º O exequente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

§ 4º Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput deste artigo, a multa de dez por cento incidirá sobre o restante. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

§ 5º Não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte. (In-cluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

Conforme ensina Araken de Assis, há, em princípio, duas modalidades de formalização da penhora no direito pátrio:

“(a) o auto de penhora (art.652,§1º,c/cart.664, segundaparte,eart.665; art. 475-J, caput)lavradopelooficialdejustiça;

(b) o termo de penhora (art. 657, caput, parte final), que incumbe ao escrivão lavrar, recaindo a penhora sobre imóvel, quando for apresentada certidão da matrícula, fornecida pelo executado (art. 656, § 1º), ou pelo exequente, a teor do art. 659, § 5º, ou acolhido o pedido de substituição a que alude o art. 656.

Observou Liebman, na vigência do CPC de 1939, que o termo é ‘um dos modos de fazer a penhora e, propriamente, o mais rápido e simples e o menos dispen-dioso’. A lição continua valendo, mas as condições de lavratura do termo de penhora se modificaram ao longo do tempo.

Na substância os atos em si não diferem, exceto quanto ao agente, embora se-jam assinaláveis os elementos do art. 665, quanto ao auto de penhora, e os re-quisitos formais dos arts. 168, 169 e 171 do CPC, quanto ao termo.”

(in Manual da execução. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tri-bunais, 2010. p. 727 – grifou-se)

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No que respeita ao auto de penhora e à penhora em dinheiro por via eletrônica, o art. 665 do Estatuto Processual Civil identifica os elementos que compõem o auto e o art. 655-A prevê a forma de realização da constrição por meio eletrônico, como se vê em suas redações:

“Art. 665. O auto de penhora conterá:

I–aindicaçãododia,mês,anoelugaremquefoifeita;

II–osnomesdocredoredodevedor;

III–adescriçãodosbenspenhorados,comosseuscaracterísticos;

IV – a nomeação do depositário dos bens.”

“Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, requisitará à autoridade super-visora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006)

§ 1º As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006)

§ 2º Compete ao executado comprovar que as quantias depositadas em conta corrente referem-se à hipótese do inciso IV do caput do art. 649 desta Lei ou que estão revestidas de outra forma de impenhorabilidade. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006)

§ 3º Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será no-meado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entre-gando ao exequente as quantias recebidas, a fim de serem imputadas no paga-mento da dívida. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006)

§ 4º Quando se tratar de execução contra partido político, o juiz, a requerimen-to do exequente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, nos termos do que estabelece o caput deste artigo, informações sobre a existência de ativos tão somente em nome do órgão partidário que tenha contraído a dí-vida executada ou que tenha dado causa a violação de direito ou ao dano, ao qual cabe exclusivamente a responsabilidade pelos atos praticados, de acordo com o disposto no art. 15-A da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995. (In-cluído pela Lei nº 11.694, de 2008)”

Assim, o auto de penhora nada mais é que um documento escrito no qual é indicado o tempo e o lugar da penhora, os nomes do credor e do devedor, a individualização do objeto constrito, além da identificação do local onde o bem se encontra e o responsável por sua guarda (nomeação de depositário).

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No caso da penhora on line, do documento gerado pelo sistema do pro-grama Bacen-Jud constam os dados relativos ao número do processo, ao nome das partes, ao valor efetivamente constrito, bem como a data da penhora. Nesse sentido, referido documento apresenta o mesmo conteúdo do auto de penhora, trazendo os dados necessários para que o devedor apresente sua impugnação. O fato de o documento ser gerado por um processo eletrônico, ao invés de ser criado por um oficial de justiça, não desnatura seu objetivo de conter as infor-mações mais relevantes acerca da constrição, possibilitando eventual defesa após intimação do executado a ser obrigatoriamente realizada.

Assim, realmente não se mostra indispensável a lavratura de auto de pe-nhora ou de termo de penhora nos autos (normalmente lavrado no caso de a penhora recair sobre imóvel, com a presença do advogado do executado), na esteira do voto do ilustre Relator.

Porém, se, de um lado, a reforma processual assegurou ao credor meios mais eficientes de agilização e obtenção do resgate do crédito executado, por outro lado, não se pode desequilibrar a paridade de armas e simplesmente ne-gar ao devedor a oportunidade de defesa inerente ao processo justo. Assim, com a simplificação e agilização das formalidades em prol do exequente, o execu-tado, mais do que antes, deve ter conhecimento de que referido documento (gerado pelo sistema eletrônico do Bacen-Jud) foi tomado como auto ou termo de penhora, isto é, consubstancia a formalização da penhora, o que ocorrerá mediante sua necessária intimação, após a juntada do documento aos autos, para apresentar defesa no prazo legal.

Nesse sentido, não basta a juntada aos autos do referido documento, sendo também imprescindível que haja a efetiva intimação do executado para, querendo, oferecer impugnação.

E foi o que entendeu a eg. Terceira Turma no julgamento do REsp 1.195.976/RN, mencionado no voto do Relator:

PROCESSUAL CIVIL – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – PENHORA ON LINE – AUSÊNCIA DE TERMO – JUNTADA DOS EXTRATOS DA OPERAÇÃO – POS-TERIOR INTIMAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE IMPUGNAÇÃO – VIOLA-ÇÃO DO ART. 475-J, § 1º, DO CPC – NÃO OCORRÊNCIA – INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA – FINALIDADE ATENDIDA – PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALI-DADE DAS FORMAS – INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO – PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF – NULIDADE NÃO RECONHECIDA – RECURSO DESPROVIDO

1. A lavratura do auto de penhora ou de sua redução a termo, com posterior in-timação da parte executada para, querendo, apresentar impugnação, assegura--lhe o conhecimento da exata identificação do bem sobre o qual recaiu a cons-trição.

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2. Havendo penhora on line, não há expedição de mandado de penhora e de avaliação, uma vez que a constrição recai sobre numerário encontrado em con-ta-corrente do devedor, sendo desnecessária diligência além das adotadas pelo próprio magistrado por meio eletrônico.

3. Se a parte pode identificar, com exatidão, os detalhes da operação realizada por meio eletrônico (valor, conta-corrente, instituição bancária) e se foi expres-samente intimada para apresentar impugnação no prazo legal, optando por não fazê-lo, não é razoável nulificar todo o procedimento por estrita formalidade.

Aplicação dos princípios da instrumentalidade das formas e pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo).

4. Recurso especial parcialmente conhecido e desprovido.

(REsp 1.195.976/RN, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 3ª T., Julgado em 20.02.2014, DJe de 05.03.2014)

Destaco, a propósito, trecho do voto do ilustre Min. João Otávio de Noronha, no julgamento do REsp 1.195.976/RN:

“Ressalto que a recorrente partiu da premissa equivocada de que, nas instâncias ordinárias, teria sido firmado o entendimento de que ‘o simples fato de constar nos autos as telas que comprovam a realização do bloqueio do valor executado via Bacen-Jud não dá início à abertura do prazo para a parte executada apre-sentar sua impugnação’ (e- STJ, fl. 1.737), ao passo que o acórdão recorrido foi categórico ao afirmar que ‘o magistrado de primeira instância, após a realização da penhora on line, determinou a intimação para parte executada para oferecer impugnação’ (fl. 1.725).

Em suma, o entendimento foi o de que a fluência do prazo para apresentar im-pugnação não decorre do simples fato de terem sido juntados aos autos os do-cumentos referentes à realização da penhora on line, e sim da efetiva intimação da parte executada para, querendo, fazê-lo, situação totalmente diversa.”

O que não se mostra condizente com o princípio do devido processo legal, da ampla defesa e da segurança jurídica, com a devida vênia, é tomar-se a mera ciência aposta pelo advogado para fins de interposição de agravo de instrumento (que, aliás, veio a ser provido pelo eg. TJSC – AI 2007.060579-1 –, com a aparente desconstituição da penhora on line), como ocorreu na hipótese, como termo inicial do prazo para a apresentação de defesa do devedor, sem ne-nhuma advertência formalizada, enquanto o executado ainda aguardava a for-malização da penhora, pois, a princípio, o documento emitido pelo Bacen-Jud não cumpria esse papel, e, especialmente, sem sua intimação para, querendo, apresentar impugnação (máxime na espécie, em que a constrição se realizava por carta precatória). A executada, nessa situação, não foi devidamente adverti-da do início do prazo, o que seria de rigor, mormente no caso concreto.

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E mais, na hipótese dos autos, a execução de sentença se dava em meio à recente alteração legislativa. Tanto é assim que, apesar de já vigente a Lei nº 11.232/2005, a ré fora citada por carta precatória em 29.08.2006, e não simplesmente intimada para cumprimento da sentença, oferecendo à penhora bem imóvel no prazo de 24 horas, na forma da lei antiga, o qual, porém, não foi aceito pela credora. Não fosse isso, em um segundo momento foi determinada a penhora do valor principal, acrescido dos consectários legais. Essa decisão foi reconsiderada, para determinar-se a apreensão somente do valor deprecado. Assim, diante da previsão de incidência de novas normas processuais, a intima-ção acerca do termo inicial do prazo para apresentação da impugnação, bem como de sua duração, era indispensável.

Cumpre ressaltar, por outro lado, haver diversos precedentes nesta Corte no sentido de que a formalidade do ato de intimação da penhora não deve ser desconsiderada, valendo destacar julgado da lavra do eminente Ministro Mauro Campbell Marques:

PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA – COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO (PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DO BEM) – PRAZO PARA OPO-SIÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO – NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DO EXECUTADO

1. A intimação do executado sobre a penhora realizada em sede de execução fiscal também tem por finalidade iniciar a contagem do prazo para o ajuiza-mento dos embargos, conforme consta expressamente na Lei nº 6.830/1980 (art. 16, inc. III).

2. Essa intimação é ato formal, que deve ser realizado, via de regra, mediante publicação no órgão oficial e, subsidiariamente, pelo correio (AR) ou pessoal-mente por oficial de justiça (art. 12, caput e § 3º).

3. A utilização do princípio da instrumentalidade – invocado pela Corte de ori-gem – para mitigar regra expressa relativa à contagem de prazo deve ser feita com cautela, sob pena de malferir os princípios do devido processo legal, con-traditório, ampla defesa e da segurança jurídica.

4. Esta Corte tem adotado, em diversos julgados, o entendimento de que a for-malidade do ato de intimação da penhora deve ser respeitada – e às vezes até acentuada – para não obstaculizar indevidamente o exercício do direito de de-fesa pelo executado, que, via de regra, já garantiu a execução.

5. Precedentes: EREsp 767505/RJ, Relª Min. Denise Arruda, 1ª S., DJe 29.09.2008; AgRg-REsp 934.849/SC, Relª Min. Denise Arruda, 1ª T., DJe2.2.2010;AgRg-REsp1063263/RS,Rel.Min. Luiz Fux,1ªT.,DJe06.08.2009;AgRg-REsp1085967/RJ,Rel.Min.HumbertoMartins,2ªT.,DJe23.04.2009;eAgRg-Ag 665.841/MG, Rel. Min. José Delgado, 1ª T., DJ 15.08.2005.

6. Embora não se tenha dúvida de que o executado, ao requerer a substituição do bem penhorado, tinha ciência da existência da penhora, o mesmo não se

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pode mencionar quanto ao início do prazo dos embargos, que foi contado sem que houvesse previsão legal, nem a advertência exigida pela jurisprudência des-ta Corte.

7. Dessarte, o comparecimento espontâneo do executado, após a efetivação da penhora, não supre a necessidade de sua intimação com a advertência do prazo para o oferecimento dos embargos à execução fiscal.

8. Precedentes: AgRg-Ag 1100287/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª T., DJe 17.05.2010; AgRg-REsp 1085967/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 23.04.2009; REsp 1051484/RS, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJe 29.10.2008; AgRg-REsp 986.848/MT, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., DJ04.12.2007;AgRg-REsp957.560/RJ,Rel.Min.AldirPassarinhoJunior,4ªT., DJ 12.11.2007; REsp 487.537/GO, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª T., DJ 01.09.2003; e REsp 274.745/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4ª T., DJ 12.02.2001.

9. Agravo regimental provido.

(AgRg-REsp 1.201.056/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Rel. p/ Ac. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 14.06.2011, DJe de 23.09.2011)

Com essas considerações, rogando vênia ao ilustre Relator, dou provi-mento ao recurso especial para determinar seja a recorrente intimada para apre-sentar impugnação, na forma do art. 475-J, § 1º, do Código de Processo Civil.

É como voto.

voto

Ministra Maria Isabel Gallotti: Sr. Presidente, o debate é bastante insti-gante. Preocupa-me a confusão que possa haver entre o ato de oferecimento dos recursos em garantia, para fins de impugnação, e o bloqueio dos recursos por meio do Bacen-Jud.

Quando se trata de um depósito feito espontaneamente pela parte, a ju-risprudência maciça do STJ entende que não há necessidade de termo de pe-nhora.

Terá início imediato o prazo para impugnação.

No caso do Bacen-Jud, penso que não pode ser dado o mesmo trata-mento, porque o Bacen-Jud não é uma iniciativa da parte, que resolve oferecer uma determinada quantia, torná-la indisponível para garantir uma execução. Quando ela deposita em garantia os recursos, ela sabe que aqueles recursos estão lá, afetados a essa finalidade, e sabe que seu prazo está correndo em face da jurisprudência torrencial do STJ. No caso do Bacen-Jud, há uma ordem do juiz, dirigida a todas as instituições financeiras nacionais, apenas para informar

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a existência de recursos ou, como diz o dispositivo legal citado no voto do Ministro Raul Araújo, pode já conter a determinação de que sejam tornados indisponíveis os recursos até um determinado limite.

Em certas situações, o devedor tem várias contas bloqueadas, porque várias instituições financeiras receberam a ordem de bloquear recursos até o limite estipulado. Penso, portanto, que o mero espelho emitido pelo sistema, informando que houve a indisponibilidade, embora o atingido possa consultar o seu saldo bancário e tomar ciência de que houve bloqueios, não se equipara ao oferecimento de recursos e nem à penhora propriamente dita para o efeito de fluência do prazo para impugnação.

No caso, todavia, consta do acórdão recorrido que, após o cumprimen-to da ordem de bloqueio dos recursos pelo sistema Bacen-Jud, houve decisão judicial que definiu qual seria a quantia bloqueada e em que instituição finan-ceira, reduzindo o bloqueio para atingir tão somente o valor histórico do bem, R$ 138.000,00 (cento e trinta e oito mil reais), decisão da qual o advogado da agravante tomou ciência expressa nos autos e ofereceu recurso ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Então, a meu ver, nesse momento em que houve uma decisão judicial apreciando esses espelhos emitidos pelas instituições vinculadas ao Banco Central e definiu que a quantia bloqueada destinada a garantir a execução era aquela quantia determinada, depositada em um banco determinado, num valor especificado, tornou-se evidente ao advogado da parte que há uma penhora, assim como a entende a jurisprudência do STJ, prescindindo-se de auto de pe-nhora.

Portanto, cumprimentando o voto tão minucioso do Ministro Raul Araújo, acompanho o voto do Ministro Relator, com a devida vênia.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira: Sr. Presidente, no caso concreto, o juiz não determinou a intimação porque o advogado compareceu nos autos e se deu por intimado da determinação do bloqueio e, também, do próprio bloqueio.

Tanto que e recorreu da determinação. Também me parece que o pre-cedente citado, da Segunda Turma, diz respeito à execução fiscal, que possui procedimento especial, um rito próprio, e prevê a intimação mediante a im-prensa oficial.

Diante de tais circunstâncias, peço vênia a V. Exa., senhor Presidente, para acompanhar o voto do Ministro Relator.

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................137

cERtidão dE julgamEnto quaRta tuRma

Número Registro: 2010/0191973-0

Processo Eletrônico REsp 1.220.410/SP

Números Origem: 5830019975136860 72229593 991080039915

Pauta: 09.06.2015 Julgado: 09.06.2015

Relator: Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão

Ministro Impedido: Exmo. Sr. Ministro: Marco Buzzi

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Juliano Baiocci Villa-Verde de Carvalho

Secretária: Belª Teresa Helena da Rocha Basevi

autuação

Recorrente: Indústria de Confecções Petersen Ltda.

Advogados: Denilson Donizete Lourenço de Paula e outro(s) Pedro Felipe Manzke Coneglian

Recorrido: Rebeca Zalc Bonder Representações Ltda.

Advogado: Paulo Roberto de Borba

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos – Representação comercial

cERtidão

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Raul Araújo dan-do provimento ao recurso especial, divergindo do relator, e o voto da Ministra Maria Isabel Gallotti e do Ministro Antonio Carlos Ferreira acompanhando o re-lator, a Quarta Turma, por maioria, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do relator. Vencido o Ministro Raul Araújo, que dava provimen-to ao recurso especial.

Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Votou vencido o Sr. Ministro Raul Araújo (voto-vista).

Impedido o Sr. Ministro Marco Buzzi.

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Parte Geral – Jurisprudência

8440

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.324.125 – DF (2012/0103342‑1)Relator: Ministro Marco Aurélio BellizzeRecorrente: Companhia Brasileira de DistribuiçãoAdvogados: Dauro Lohnhoff Dorea e outro(s)

Thomas Rieth Marcello e outro(s)Recorrido: Banco de Brasília S/A – BRBAdvogado: Gabriela Victor Tavares Mendes e outro(s)

EmEnta

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO PROMOVIDA POR SOCIEDADE EMPRESÁRIA TENDO POR PROPÓSITO RESPONSABILIZAR A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMANDADA PELOS PREJUÍZOS PERCEBIDOS EM DECORRÊNCIA DO RECEBIMENTO DE CHEQUES COMO FORMA DE PAGAMENTO, QUE, AOS SEREM APRESENTADOS/DESCONTADOS, FORAM DEVOLVIDOS PELO MOTIVO Nº 25 (CANCELAMENTO DE TALONÁRIO), CONFORME RESOLUÇÃO Nº 1.631/1989 DO BANCO CENTRAL – CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO – NÃO CARACTERIZAÇÃO – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – INAPLICABILIDADE – DANOS QUE NÃO PODEM SER ATRIBUÍDOS DIRETAMENTE AO DEFEITO DO SERVIÇO – VERIFICAÇÃO – RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO

1. Não se afigura adequado imputar à instituição financeira a responsa-bilidade pelos prejuízos suportados por sociedade empresária que, no desenvolvimento de sua atividade empresarial, ao aceitar cheque (rou-bado/furtado/extraviado) apresentado por falsário/estelionatário como forma de pagamento, teve o mesmo devolvido pelo Banco, sob o Motivo nº 25 (cancelamento de talonário), conforme Resolução nº 1.631/1989 do Banco Central do Brasil.

2. Afasta-se peremptoriamente a pretendida aplicação do Código de De-fesa do Consumidor à espécie, a pretexto de à demandante ser atribuí-da a condição de consumidora por equiparação. Em se interpretando o art. 17 do CDC, reputa-se consumidor por equiparação o terceiro, es-tranho à relação de consumo, que experimenta prejuízos ocasionados diretamente pelo acidente de consumo.

3. Na espécie, para além da inexistência de vulnerabilidade fática – re-quisito, é certo, que boa parte da doutrina reputa irrelevante para efeito

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de definição de consumidor (inclusive) stricto sensu, seja pessoa física ou jurídica –, constata-se que os prejuízos alegados pela recorrente não decorrem, como desdobramento lógico e imediato, do defeito do serviço prestado pela instituição financeira aos seus clientes (roubo de talonário, quando do envio aos seus correntistas), não se podendo, pois, atribuir-lhe a qualidade de consumidor por equiparação.

4. O defeito do serviço prestado pela instituição financeira (roubo por ocasião do envio do talonário aos clientes) foi devidamente contornado mediante o cancelamento do talonário (sob o Motivo nº 25, conforme Resolução nº 1.631/1989 do Banco Central), a observância das provi-dências insertas na Resolução nº 1.682/1990 do Banco Central do Brasil, regente à hipótese dos autos, e, principalmente, o não pagamento/des-conto do cheque apresentado, impedindo-se, assim, que os correntistas ou terceiros a eles equiparados, sofressem prejuízos ocasionados direta-mente por aquele (defeito do serviço). Desse modo, obstou-se a própria ocorrência do acidente de consumo.

5. A Lei nº 7.357/1985, em seu art. 39, parágrafo único, reputa ser in-devido o pagamento/desconto de cheque falso, falsificado ou alterado, pela instituição financeira, sob pena de sua responsabilização perante o correntista (salvo a comprovação dolo ou culpa do próprio correntista). Com o mesmo norte, esta Corte de Justiça, segundo tese firmada no âm-bito de recurso especial representativo da controvérsia (Recurso Especial nº 1.199.782/PR), compreende ser objetiva a responsabilidade do banco que procede ao pagamento de cheque roubado/furtado/extraviado pelos prejuízos suportados pelo correntista ou por terceiro que, a despeito de não possuir relação jurídica com a instituição financeira, sofre prejuízos de ordem material e moral, porque falsários, em seu nome, procedem à abertura de contas correntes, e, partir daí, utilizam cheques.

6. Incoerente, senão antijurídico, impor à instituição financeira, que procedeu ao cancelamento e à devolução dos cheques em consonân-cia com as normas de regência, responda, de todo modo, agora, pelos prejuízos suportados por comerciante que, no desenvolvimento de sua atividade empresarial e com a assunção dos riscos a ela inerentes, aceita os referidos títulos como forma de pagamento.

7. A aceitação de cheques como forma de pagamento pelo comerciante não decorre de qualquer imposição legal, devendo, caso assuma o risco de recebê-lo, adotar, previamente, todas as cautelas e diligências desti-

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nadas a aferir a idoneidade do título, assim como de seu apresentante (e suposto emitente). A recorrente, no desenvolvimento de sua atividade empresarial, tal como qualquer outro empresário, detém todas as condi-ções de aferir a idoneidade do cheque apresentado e, ao seu exclusivo alvedrio, aceitá-lo, ou não, como forma de pagamento. Na espécie, não há qualquer alegação, tampouco demonstração, de que o banco deman-dado foi instado pela autora para prestar informação acerca dos cheques a ela então apresentados, ou que, provocado para tanto, recusou-se a prestá-la ou a concedeu de modo equivocado.

8. Recurso especial improvido.

acóRdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Tercei-ra Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha (Presidente) e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Brasília (DF), 21 de maio de 2015 (data do Julgamento).

Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator

RElatóRio

O Senhor Ministro Marco Aurélio Bellizze:

Companhia Brasileira de Distribuição interpõe recurso especial, fundado nas alíneas a e c, do permissivo constitucional, contra acórdão prolatado pelo egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL – RESPONSABILIDADE CIVIL – DEVOLUÇÃO DE CHEQUE – ALÍNEA 25 – CANCELAMENTO DE TALONÁRIO PELO BANCO SACADO – AVISO SERVIÇOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – CDC – INAPLICABILIDADE

01. Não há de se falar em responsabilidade objetiva face a comerciantes, sem a necessária relação de consumo, eis que restrita aos clientes do banco, que se situam na exata posição de consumidores, como tutelada no CDC.

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02. Ao devolver cheques pela alínea 25 o banco não cometeu ato ilícito algum, limitou-se a observar regras e a obedecer ordens, licitamente fundadas em ex-travio, furto ou roubo.

03. Não há qualquer ilícito na ausência de comunicação do cancelamento dos talonários aos órgãos de proteção ao crédito, uma vez que não há nenhuma lei que lhe imponha tal obrigação.

04. Recurso improvido. Unânime.

Subjaz ao presente recurso especial ação ordinária promovida, em se-tembro de 2004, por Companhia Brasileira de Distribuição em face de Banco de Brasília S/A – BRB, tendo por propósito responsabilizar a instituição financei-ra demandada pelos prejuízos percebidos em decorrência do recebimento de cheques como forma de pagamento, que, aos serem apresentados/descontados, foram devolvidos pelo Motivo nº 25 (cancelamento de talonário), conforme Re-solução nº 1.631/89 do Banco Central.

Para tanto, aduziu em sua exordial que, por atuar no ramo de supermer-cados, é obrigada a trabalhar com todas as formas de recebimento de paga-mento no momento da venda. Ressaltou que o cancelamento do talonário, sob a alínea 25, dá-se por diversos fatores fáticos (tais como roubos, furtos, perda e afins), mas sempre relacionados à ingerência da instituição bancária na guarda dos cheques, o que enseja a utilização do título de cheque por falsários/este-lionatários. Afirmou, assim, que, em que pese tenha tomado todas as cautelas necessárias à aceitação dos cheques acostados na inicial como forma de paga-mento (tais como identificação do emitente e consultas a órgãos de restrição ao crédito), ao recebê-los e apresentá-los para desconto, acabou por suportar prejuízos nos correspondentes valores neles insertos, em virtude da devolução dos títulos, sob o motivo 25. Asseverou que a instituição financeira, em atenção à teoria do risco profissional, responde objetivamente pelos prejuízos suporta-dos, provenientes de sua ingerência no trato dos cheques de seus clientes, não se podendo descurar, inclusive, da inobservância do dever de comunicar os órgãos competentes acerca da restrição dos títulos (e-STJ, fls. 5-15).

Banco de Brasília S/A – BRB rechaçou integralmente a pretensão vertida na inicial. Alegou que os cheques encartados na inicial, objeto de roubo, foram devidamente cancelados, conforme determinam as normas do Banco Central do Brasil, com as devidas comunicações. Ressaltou inexistir disposição legal impondo-lhe a obrigação de informar a qualquer banco de dados acerca do cancelamento de cheques, sob o motivo 25. Aponta a negligência e a culpa exclusiva dos prepostos da demandante ao receberem os cheques, cuja fraude seria facilmente perceptível, não se afigurando correto, por conseguinte, impu-tar qualquer responsabilidade à instituição financeira demandada. Afirma que a demandante, tal como alega, também deve responder pelos riscos de sua atividade (e-STJ, fls. 2801-299).

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Após a fase instrutória, o r. Juízo de Direito da Terceira Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal julgou improcedente os pedidos formulados. Da fundamentação adotada, destaca-se o seguinte excerto:

[...] Do narrado na inicial, verifico que não se trata de relação de consumo en-tre a autora e o banco. [...] Trata-se de uma relação regida pelas normas do Direito Empresarial, especialmente a legislação que rege os títulos de crédito. A responsabilidade, no caso, seria subjetiva. Haveria necessidade de prova da imprudência ou negligência. A autora não comprovou que o réu foi imprudente ou negligente ao transportar os cheques em questão. Nem tampouco, a meu ver, se demonstrou que a parte ré também fora negligente e imprudente por não ter comunicado o cancelamento dos talonários ao Serviço de Proteção ao Cré-dito. De fato, não há nenhuma lei que imponha que o banco informe a devolu-ção dos cheques a tais serviços pelo motivo de devolução 25. [...] Em nenhuma linha dessa resolução impõe-se que o banco deva comunicar o motivo ao CCF ou ao Serviço de Proteção ao Crédito. Somente há obrigação de comunicar ao CCF os motivos 12 a 14 (art. 10). Não o motivo 25.

Além disso, o convênio mencionado no art. 18 somente apresentaria informa-ções contidas no CCF. Isso quer dizer o seguinte, o réu não tinha obrigação de comunicar a devolução do motivo 25 ao CCF, muito menos ao Serviço de Proteção ao Crédito. [...] Cabe, pois, destacar que o banco réu não pode ser compelido a ressarcir a autora pelos prejuízos por esta sofrido, em razão de ter recebido cheques falsificados e adulterados. Não obstante ser a segurança pres-tação essencial à atividade bancária, não pode o banco réu ser penalizado por ato de terceiro que foi a causa exclusiva do evento, afastando, assim, qualquer responsabilidade por aquele.

[...] Nem mesmo a lei do cheque ampara o pedido da autora. [...] Ou seja, o banco sacado responde pelo pagamento do cheque falso, falsificado ou altera-do. Porém, tal pretensão é voltada a favor do correntista, não do comerciante. [...] Esse art. [art. 39 da Lei nº 7.357/1985], portanto, impõe a responsabilidade em questão a favor do correntista, não do comerciante (e-STJ, fls. 459-464).

Em contrariedade ao decisum, Companhia Brasileira de Distribuição apresentou recurso de apelação, ao qual o egrégio Tribunal de Justiça do Distri-to Federal e Territórios negou provimento, nos termos da ementa inicialmente reproduzida (e-STJ, fl. 515).

Opostos embargos de declaração, estes restaram rejeitados (e-STJ, fls. 530-535).

Nas razões do presente recurso especial, Companhia Brasileira de Dis-tribuição aponta violação dos arts. 927, parágrafo único, do Código Civil, e arts. 14 e 17 do Código de Defesa do Consumidor, 39 da Lei nº 7.357/1985, além de dissenso jurisprudencial.

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Sustenta, em suma, a responsabilidade objetiva do banco réu por pre-juízos causados a terceiro por sua atividade profissional. Ressalta, no ponto, que, se os cheques foram extraviados e puderam ser utilizados para a aquisição de bens perante a Recorrente, ressaem evidentes as falhas administrativas e de segurança do banco. Afirma, assim, que os prejudicados pelo evento – no caso dos autos, uma sociedade empresária – são considerados consumidores, a teor do disposto no art. 17 do CDC. Ressalta, ainda, que, enquanto adotou todas as cautelas exigidas do homem médio (consulta a todos os órgãos de proteção ao crédito), o banco recorrido não informou o furto, roubo ou extravio dos che-ques aos órgãos de proteção ao crédito. Anota, ainda, que o roubo de malotes em centros urbanos há muito deixou de ser considerado caso fortuito. Assevera que, segundo a melhor interpretação a ser dada ao art. 39 da Lei nº 7.357/1985, não se pode excluir a responsabilidade do banco perante terceiros que recebem cheques fraudados. Por fim, aponta a existência de dissenso jurisprudencial (e-STJ, fls. 538-552).

Contrarrazões às fls. 572-576, e-STJ.

O Tribunal de origem conferiu seguimento à insurgência (e-STJ, fls. 580-581), razão pela o recurso especial ascendeu a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

voto

O Senhor Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator):

Controverte-se no presente recurso especial se a instituição financeira responde, ou não, pelos prejuízos percebidos por comerciante, no desenvolvi-mento de sua atividade empresarial, em decorrência do recebimento de che-ques, como forma de pagamento, que, ao serem apresentados para descon-to, foram devolvidos pelo Motivo nº 25 (cancelamento de talonário, no caso dos autos, decorrente de roubo), conforme Resolução nº 1.631/89 do Banco Central.

Debate-se, outrossim, se, em tal circunstância, ao comerciante poderia ser atribuído a qualidade de consumidor por equiparação, nos termos do art. 17 do CDC, respondendo o banco objetivamente pelos danos alegados, em virtude do risco de sua atividade profissional.

De início, convém esclarecer que a hipótese tratada nos presentes autos não se subsume àquela em que se discute a responsabilidade da instituição financeira pelos prejuízos causados ao correntista que, em virtude do extravio/roubo/furto do talonário a ele enviado, tem numerário indevidamente debitado de sua conta e, inclusive, pela falta de provisão de fundos, é inscrito nos órgãos

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de proteção ao crédito, decorrente da utilização por terceiros/estelionatários do cheque. Tampouco se refere à situação em que o terceiro, a despeito de não possuir relação jurídica com a instituição financeira, sofre prejuízos de ordem material e moral, porque falsários, em seu nome, procedem à abertura de contas correntes, e, partir daí, obtêm a liberação de empréstimos, utilização de che-ques, cartões, etc.

Em tais circunstâncias fáticas, esta Corte de Justiça, por ocasião do julga-mento do Recurso Especial nº 1.199.782/PR, sob o rito do art. 543-C, do CPC, firmou a tese de que “as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros – como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos –, porquanto ta responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno”.

Na espécie, diversamente, está-se a apurar a responsabilidade da insti-tuição financeira por prejuízos suportados por sociedade empresária que, no desenvolvimento de sua atividade empresarial, ao aceitar cheque (roubado/fur-tado/extraviado) apresentado por falsário/estelionatário, como forma de paga-mento, teve o mesmo devolvido pelo Banco, pelo Motivo nº 25 (cancelamento de talonário).

Nessa medida, reputou-se relevante submeter o presente recurso especial à deliberação deste Colegiado, para bem divisar a questão acima delineada daquelas que serviram de base para a formulação da tese firmada no Recurso Especial nº 1.199.782/PR, que, conforme se demonstrará ao longo do presente voto, não tem aplicação à hipótese dos autos.

A justificar, ainda, o enfrentamento da tese por este Órgão fracionário, em pesquisa à jurisprudência desta Corte de Justiça, identificou-se a existência de decisões monocráticas, em situação similar a tratada nos autos (comerciante, objetivando a reparação dos prejuízos decorrentes do recebimento de cheques devolvidos pela alínea 25), que, ante a aplicação do Enunciado nº 7 da Súmula do STJ (do que não se tece qualquer juízo de valor, já que este óbice sumular relaciona-se diretamente com o modo pelo qual as razões recursais são veicu-ladas pela parte), mantiveram o desfecho conferido à causa na origem, com conclusões diversas.

Destaca-se, a título exemplificativo: AREsp 413.491/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 09.02.2015; AREsp 245.098/SP, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 11.03.2015; AREsp 200.058/SP, Rel. Min. João OtáviodeNoronha,DJe24.03.2004;AREsp451.883/SP,RelªMin.NancyAndrighi, DJe19.12.2013;eAg105.115,Rel.Min.VascoDellaGiustina(DesembargadorConvocado do TJ/RS).

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Delineada a controvérsia e feito tais esclarecimentos, tem-se não se afi-gurar adequado imputar à instituição financeira a responsabilidade pelos prejuí-zos suportados por sociedade empresária que, no desenvolvimento de sua ativi-dade empresarial, ao aceitar cheque (roubado/furtado/extraviado) apresentado por falsário/estelionatário como forma de pagamento, teve o mesmo devolvido pelo Banco, sob o Motivo nº 25 (cancelamento de talonário).

De plano, afasta-se peremptoriamente a pretendida aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie, a pretexto de à demandante, Companhia Brasileira de Distribuição, ser atribuída a condição de consumidora por equipa-ração, com esteio no art. 17 da legislação consumerista.

Preceitua o dispositivo legal sob comento, in verbis: “Para os efeitos des-sa Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”.

Efetivamente, a legislação consumerista estende a qualidade de consumi-dor àquele que, a despeito de não integrar diretamente a relação de consumo, sofre consequências negativas provenientes do acidente de consumo.

Há que se proceder, todavia, a um responsável juízo de ponderação, para que se possa identificar corretamente o terceiro a que a lei equipara ao consumidor, conferindo-se-lhe, por conseguinte, as benesses da legislação con-sumerista.

Para tanto, sem adentrar nas divergências doutrinárias quanto à defini-ção de consumidor (teoria maximalista x teoria finalista) e à caracterização da pessoa jurídica como tal, especificamente em relação ao requisito da vulnera-bilidade, vale ponderar que as normas protetivas do CDC têm por propósito minorar, senão extirpar, o inerente desequilíbrio existente entre os protagonistas da relação de consumo.

Mesmo em relação aos consumidores por equiparação (arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29), que, pela própria definição, não integram a relação consume-rista, estar-se-ia, segundo parte da doutrina nacional, diante de uma vulnerabi-lidade fática, a justificar a incidência do CDC. Destaca-se, nesse sentido, o es-cólio de Cláudia Lima Marques, que, ao dispor sobre os agentes equiparados a consumidores, de modo a superar, em seus dizeres, o status de terceiro, afirma:

O ponto de partida desta extensão do campo de aplicação do CDC é a observa-ção de que muitas pessoas, mesmo não sendo consumidores stricto sensu, po-dem ser atingidas ou prejudicadas pelas atividades dos fornecedores no merca-do. Estas pessoas, grupos e mesmo profissionais podem intervir nas relações de consumo de outra forma, a ocupar uma posição de vulnerabilidade. Mesmo não preenchendo as características de um consumidor stricto sensu, a posição pre-ponderante (Machposition) do fornecedor e a posição de vulnerabilidade destas pessoas sensibilizaram o legislador e, agora, os aplicadores da lei. [...]

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Mesmo não sendo destinatário final (fático ou econômico) do produto ou servi-ço, pode o agente econômico ou profissional liberal vir a ser beneficiado pelas normas tutelares do CDC como consumidor-equiparado. Isso porque, concen-trado talvez nesta vulnerabilidade fáticas, instituiu o legislador brasileiro três normas de extensão do campo de aplicação pessoal do CDC, três disposições legais conceituando os agentes que considera equiparados a consumidores (arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29) (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Có-digo de Defesa do Consumidor – O novo regime das relações contratuais. 5. ed. Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 354-357).

Na espécie, não se antevê qualquer vulnerabilidade fática por parte da Companhia Brasileira de Distribuição, que, no desenvolvimento de sua ativida-de empresarial, tal como qualquer outro empresário, detém todas as condições de aferir a idoneidade do cheque apresentado e, ao seu exclusivo alvedrio, aceitá-lo, ou não, como forma de pagamento.

Ressalta-se, no ponto, que o comerciante, independente do ramo de ati-vidade desenvolvida, não é obrigado a aceitar o cheque apresentado por seu cliente como forma de pagamento, devendo, caso assuma o risco de recebê-lo, adotar, previamente, todas as cautelas e diligências destinadas a aferir a idonei-dade do título, assim como de seu apresentante (e suposto emitente).

Não obstante, para além da existência ou não de vulnerabilidade fática – requisito, é certo, que boa parte da doutrina reputa irrelevante para efeito de definição de consumidor (inclusive) stricto sensu, seja pessoa física ou jurídica (por todos, Zelmo Denari, in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor co-mentado pelos autores do anteprojeto. 10. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, v. I, 2011. p. 218-220) –, constata-se que os prejuízos alegados pela recorrente não decorrem, como desdobramento lógico e imediato, do defeito do serviço prestado pela instituição financeira aos seus clientes (roubo de talonário, quan-do do envio aos seus correntistas), não se podendo, pois, atribuir-lhe a qualida-de de consumidor por equiparação.

Como assinalado, interpretando-se o art. 17 do CDC, reputa-se consumi-dor por equiparação o terceiro, estranho à relação de consumo, que experimen-ta prejuízos ocasionados diretamente pelo acidente de consumo.

Efetivamente, ainda que se afigure possível, segundo a doutrina majori-tária nacional, que pessoa jurídica e, mesmo, intermediários da cadeia de con-sumo, venham a ser considerados vítimas de um acidente de consumo, enqua-drando-se, pois, na qualidade de consumidor por equiparação (com destaque, nesse sentido, da obra: Responsabilidade Civil no Código do Consumidor, do Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, 3. ed. Editora Saraiva, 2010, p. 228-230), é imprescindível, para tanto, que os danos suportados possuam relação direta (e não meramente reflexa) de causalidade com o acidente de consumo.

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Nessa medida, eventuais danos suportados pela pessoa jurídica, no es-trito desenvolvimento de sua atividade empresarial, causados diretamente por terceiros (falsários/estelionatários), não podem ser atribuídos à instituição finan-ceira que procedeu em conformidade com a Lei nº 7.357/1985 e com a Reso-lução nº 1.682/1990 do Banco Central do Brasil, regente à hipótese dos autos, sob pena de se admitir indevida transferência dos riscos profissionais assumidos por cada qual.

Veja-se que a Lei de Cheques (Lei nº 7.357/1985), em seu art. 39, parágra-fo único, reputa ser indevido o pagamento/desconto de cheque falso, falsificado ou alterado, pela instituição financeira, sob pena de sua responsabilização pe-rante o correntista (salvo a comprovação dolo ou culpa do próprio correntista).

Pela pertinência, transcreve-se o dispositivo legal sob comento:

Art. 39. O sacado que paga cheque “à ordem” é obrigado a verificar a regulari-dade da série de endossos, mas não a autenticidade das assinaturas dos endos-santes. A mesma obrigação incumbe ao banco apresentante do cheque à câma-ra de compensação.

Parágrafo único. Ressalvada a responsabilidade do apresentante, no caso da parte final deste artigo, o banco sacado responde pelo pagamento do cheque falso, falsificado ou alterado, salvo dolo ou culpa do correntista, do endossante ou do beneficiário, dos quais poderá o sacado, no todo ou em parte, reaver a que pagou.

O dispositivo legal sob comento, portanto, não alberga a interpretação pretendida pela parte recorrente, porquanto preceitua expressamente a respon-sabilidade da instituição financeira perante o correntista (e não ao comerciante que recebe o título como forma de pagamento), por proceder justamente ao indevido desconto de cheque falso.

Com o mesmo norte, conforme inicialmente destacado no presente voto, esta Corte de Justiça reputa ser objetiva a responsabilidade do banco que pro-cede ao pagamento de cheque roubado/furtado/extraviado pelos prejuízos su-portados pelo correntista ou por terceiro que, a despeito de não possuir relação jurídica com a instituição financeira, sofre prejuízos de ordem material e moral, porque falsários, em seu nome, procedem à abertura de contas correntes, e, partir daí, utilizam cheques.

Releva anotar, no ponto, que, tal como devidamente reconhecido por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.199.782/PR, sob o rito do art. 543-C, a ocorrência de fraudes ou delitos contra o sistema bancário, dos quais resultam danos diretos aos correntistas ou a terceiros (equiparados ao consumidor), consubstanciam fortuito interno, já que previsíveis e inerentes ao risco da atividade bancária.

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De modo algum se dissuade de tal orientação.

Todavia, in casu, o defeito do serviço prestado pela instituição finan-ceira (roubo por ocasião do envio do talonário aos clientes) foi devidamente contornado mediante o cancelamento do talonário (sob o Motivo nº 25, confor-me Resolução nº 1.631/1989 do Banco Central), a observância das providên-cias insertas na Resolução nº 1.682/1990 do Banco Central do Brasil, regente à hipótese dos autos, e, principalmente, o não pagamento/desconto do cheque apresentado, impedindo-se, assim, que os correntistas ou terceiros a eles equi-parados, sofressem prejuízos ocasionados diretamente por aquele (defeito do serviço). Desse modo, obstou-se a própria ocorrência do acidente de consumo.

Nesse contexto, incoerente, senão antijurídico, impor à instituição finan-ceira que, em observância às normas de regência, procedeu ao cancelamento e à devolução dos cheques, sob o Motivo nº 25, responda, de todo modo, agora, pelos prejuízos suportados por comerciante que, no desenvolvimento de sua atividade empresarial e com a assunção dos riscos a ela inerentes, aceita os referidos títulos como forma de pagamento.

Como assinalado, a aceitação de cheques como forma de pagamento pelo comerciante não decorre de qualquer imposição legal, devendo, caso as-suma o risco de recebê-lo, adotar, previamente, todas as cautelas e diligências destinadas a aferir a idoneidade do título, assim como de seu apresentante (e suposto emitente).

No ponto, afigura-se relevante sopesar a argumentação expendida pela recorrente, consistente na alegação de que tomou as cautelas devidas, tais como a consulta aos órgãos de proteção ao crédito (especificamente, o Serasa), não constando qualquer apontamento, o que evidenciaria, a seu juízo, que a instituição financeira não informou o cancelamento dos cheques a tais órgãos, como seria de rigor.

A tese, que guarda relevância para efeito de responsabilização civil (mas sem a aplicação da legislação consumerista, ressalta-se), não prospera, na espe-cífica hipótese dos autos.

Ressalta-se, em princípio, que a consulta ao Serasa, em si, afigura-se absolutamente inócua para o efeito de se apurar se os cheques apresentados teriam ou não alguma restrição, já que o mencionado órgão de proteção ao crédito, diversamente, destina-se a concentrar informações sobre a existência ou não de restrição ao crédito de pessoa física ou jurídica.

Segundo a Resolução nº 1.682, do Banco Central do Brasil, regente à hipótese dos autos (e-STJ, fls. 164-171), não havia qualquer imposição às insti-tuições financeiras para informar o cancelamento de cheques ao mencionado serviço de proteção ao crédito. Inclusive, como bem acentuado pelas instâncias

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ordinárias, a aludida resolução preceitua que os bancos são responsáveis pela inclusão do correntista no cadastro de emitentes de cheques sem fundos (CCF) nas devoluções pelos Motivos nºs 12 a 14, tão somente.

Há que se deixar assente, porque relevante, que, a partir da Resolução nº 3.972, de 28 de abril de 2011, do Banco Central do Brasil (posterior aos fatos dos autos), impôs-se às instituições financeiras mantenedoras de contas de depósito à vista, no prazo de doze meses contados da publicação, o dever de disponibilizar informações aos interessados sobre a ocorrência de cheque cancelado pela instituição financeira sacada (arts. 9º e 10).

De todo modo, não há qualquer alegação, tampouco demonstração, de que o banco demandado foi instado pela autora para prestar informação acerca dos cheques a ela então apresentados, ou que, provocado para tanto, recusou--se a prestá-la ou a concedeu de modo equivocado.

Assim, por todos aspectos que se analise a questão, não se identifica con-duta indevida do banco demandado, apta a ensejar sua responsabilização civil.

Por fim, quanto à demonstração de dissenso jurisprudencial, melhor sorte não assiste ao recorrente.

Apontou, para tanto, como acórdão paradigma, o Recurso Especial nº 241.771/SP, 3ª T., Rel. Min. Ari Pargendler, J. 27.08.2002, DJU 02.12.2002, que, com esteio na já então pacífica jurisprudência desta Corte de Justiça, reco-nheceu a responsabilidade da instituição financeira perante o correntista, que teve talonário de cheque furtado e indevidamente pago pela instituição finan-ceira. Como se constata, inexiste similitude fática com a hipótese tratada nos presentes autos.

Em relação ao AgRg-Ag 938.452/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ. 31.10.2007, também apontado como acórdão paradigmático, não se pode deixar de reconhecer que a hipótese assemelha-se com a presente, na medida em que um comerciante (a própria recorrente, aliás) pretendia a responsabilida-de do banco pelo não pagamento/desconto do cheque devolvido sob o Motivo nº 28 (cheque sustado ou revogado em virtude de roubo, furto ou extravio). Nesse caso, de fato, reconheceu-se, primeiro monocraticamente, e, após, em julgamento colegiado (no âmbito de AgRg), a responsabilidade do banco, va-lendo-se, todavia, de precedentes desta Corte de Justiça que se referiam à rela-ção banco x correntista (REsp 302.653/MG e REsp 241.771/SP).

De todo modo, pelas razões delineadas ao longo do presente voto, não se identifica a responsabilidade da instituição financeira pelos prejuízos supor-tados por sociedade empresária, no estrito desenvolvimento de sua atividade empresarial.

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Em conclusão, na esteira dos fundamentos expendidos, nego provimento ao presente recurso especial.

É o voto.

cERtidão dE julgamEnto tERcEiRa tuRma

Número Registro: 2012/0103342-1

Processo Eletrônico REsp 1.324.125/DF

Números Origem: 11214899 1214895920058070001 121489905 20050111214899 20050111214899RES 40828190

Pauta: 21.05.2015 Julgado: 21.05.2015

Relator: Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro João Otávio de Noronha

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Alpino Bigonha

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

autuação

Recorrente: Companhia Brasileira de Distribuição

Advogados: Dauro Lohnhoff Dorea e outro(s) Thomas Rieth Marcello e outro(s)

Recorrido: Banco de Brasília S/A – BRB

Advogado: Gabriela Victor Tavares Mendes e outro(s)

Assunto: Direito Civil – Obrigações – Espécies de títulos de crédito – Cheque

cERtidão

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígra-fe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha (Presidente) e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

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Parte Geral – Jurisprudência

8441

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoApelação Cível nº 0000177‑36.2014.4.01.3806/MGRelator: Desembargador Federal João Batista MoreiraRelator Convocado: Juiz Federal Evaldo de Oliveira Fernandes, FilhoApelante: Marize Neves da SilvaAdvogado: Lazaro Humberto da SilveiraApelado: Bruno Alexandre Pinto da Silva

EmEnta

PROCESSUAL CIVIL – CONVENÇÃO DA HAIA SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DO SEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS – SEPARAÇÃO DO CASAL APENAS DE FATO – GUARDA COMPARTILHADA, DECORRENTE DO PODER FAMILIAR – AÇÃO OBJETIVANDO A GUARDA DA FILHA DO CASAL PELA PARTE REQUERIDA – INTERESSE PROCESSUAL – AUSÊNCIA

1. Diante da disposição do art. 16 da Convenção da Haia, de 1980, even-tual ação de guarda deve ficar suspensa até que se resolva a questão da restituição da criança, porquanto a competência do juízo do Estado re-querido para decidir sobre o direito de guarda só se materializa mediante o afastamento das condições da Convenção para o retorno da criança ou nas situações em que decorrido razoável período de tempo sem o reque-rimento de restituição – período superior a um ano, eis que, em regra, os pedidos aviados em prazo inferior implicaria pronta restituição (art. 12).

2. A competência para dizer sobre o direito de guarda é da Justiça Esta-dual, cabendo à Justiça Federal apreciar nos autos da ação de busca e restituição unicamente as medidas acautelatórias, como “guarda provisó-ria” – que a autora já detém – e “visitação”.

3. A autora já detém a guarda (compartilhada) da filha, efeito decorrente do poder familiar, de maneira que carece de interesse para propositura de ação com a mesma finalidade enquanto não solucionada a questão relativa à restituição da criança. Não há pedido de afastamento do direito de guarda do pai da criança.

4. Apelação a que se nega provimento.

acóRdão

Decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.

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Brasília, 17 de junho de 2015.

Juiz Federal Evaldo de Oliveira Fernandes, Filho Relator Convocado

RElatóRio

Trata-se de apelação de sentença em que julgado extinto, sem resolução de mérito, por falta de interesse, processo em que a autora pretende ver assegu-rado direito de guarda da filha menor, enquanto se discute em ação conexa a restituição da criança ao Estado Belga.

Considerou o ilustre juiz que: a) “a requerente detém a guarda da filha – efeito decorrente do poder familiar –, tanto que pode retornar ao Brasil, onde fixou residência, sendo certo que a menor encontra-se em sua companhia e cuidados,razãopelaqualseconcluiausenteonecessáriointeresseprocessual”;b) “de fato, a parte autora tenta empreender, nesta ação, e, portanto, por vias transversas, obstáculo a eventual decisão desfavorável relativamente ao retorno da menor ao país de origem, uma vez que se utiliza do processo com o fim de obtermelhorescondiçõesemfuturanegociaçãocomopai”;c)“sendocertoque a autora não formulou outros pedidos, como seria, por exemplo, o afasta-mento do direito de guarda paterna, tenho que falta à presente ação condição indispensável para o julgamento do seu mérito, a saber, o interesse processual, devendo o processo ser extinto sem resolução de mérito”.

A autora argumenta que: a) “titularidade ou exercício provisório do dever de guarda são situações que, em estando em risco a proteção menorista, devem sevalerdoJudiciárioparasuasdisciplinas”;b)“ojuizprimevoolvidadamissivada Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Federativa do Brasil comunicando-a da abertura de processo administrativo na Autoridade Central da Bélgica pelo apelado, requerendo o retorno da menor àquele país, ao fundamento de que a apelante estaria retendo a infante aqui no Brasil sem autorizaçãopaterna”;c)“olvida,também,enomaisimportante,queaapelantemedra quando fala em retornar à Bélgica, porquanto a situação de ruptura do casal tende a agudizar com novas agressões do apelado em detrimento de mãe e filha”.

Sem contrarrazões.

Opina o MPF (PRR – 1ª Região) pelo desprovimento da apelação.

É o relatório.

Juiz Federal Evaldo de Oliveira Fernandes, Filho

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................153

voto

A Convenção da Haia assim define o “direito de guarda” e o “direito de visita”:

Artigo 5º Nos termos da presente Convenção:

a) o “direito de guarda” compreenderá os direitos relativos aos cuidados com a pessoa da criança, e, em particular, o direito de decidir sobre o lugar da sua residência; (grifei)

b) o “direito de visita” compreenderá o direito de levar uma criança, por um período limitado de tempo, para um lugar diferente daquele onde ela habitu-almente reside.

Em comentário ao citado dispositivo, anota o Grupo Permanente de Es-tudos sobre a Convenção da Haia de 1980 instituído pelo Supremo Tribunal Federal:

[...] o guardião deve exercer efetivamente a guarda, provendo a criança dos cui-dados necessários à sua sobrevivência e educação, bem como deve ter o poder de decidir sobre o lugar da sua residência. (grifei)

Em geral, no Direito brasileiro, o cônjuge que não detém a guarda, mas apenas o direito de visita, não tem o poder de decidir sobre o lugar da sua residência, matéria da qual o legislador pátrio não tratou, deixando-a para o acordo feito à época da separação (art. 1.583 do CCB). No entanto, se essa mudança de do-micílio afetar ou prejudicar o direito de visita, poderá o prejudicado solicitar ao juiz que interfira para resolver a questão (art. 1.586 do CCB). (grifei)

É bom ainda alertar que poderá acontecer de o guardião não estar mais exer-cendo o direito de guarda em razão exatamente da ação do sequestrador, que subtraiu a criança do seu domínio. Obviamente não poderá o requisitado, ago-ra, arguir impedimento ao retorno exatamente por fato a que deu causa. (grifei)

Sendo corolário do direito de guarda a prerrogativa de decidir sobre o local de residência do infante, eventual sentença sobre o fundo do direito de guarda (definitiva) tem o condão de tumultuar o cumprimento de julgado deter-minando o retorno da criança.

Na petição inicial, a autora, de origem brasileira, narra que, à época da propositura da ação (24.02.2014), encontrava-se casada com o réu, de nacio-nalidade portuguesa, há 4 (quatro) anos e que o casal estava separado de fato há cerca de 2,5 (dois anos e meio). Assevera que se viu obrigada a retornar do Estado Belga a fim de obter ajuda de familiares. Diz que, no final de 2012, “foi surpreendida com missiva da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Federativa do Brasil comunicando-a da abertura de processo admi-

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nistrativo na Autoridade Central da Bélgica pelo réu, requerendo o retorno da menor àquele país”.

Dispõe o art. 16 da Convenção da Haia:

Depois de terem sido informadas da transferência ou retenção ilícitas de uma criança nos termos do Artigo 3, as autoridades judiciais ou administrativas do Estado Contratante para onde a criança tenha sido levada ou onde esteja retida não poderão tomar decisões sobre o fundo do direito de guarda sem que fique determinado não estarem reunidas as condições previstas na presente Conven-ção para o retorno da criança ou sem que haja transcorrido um período razoá-vel de tempo sem que seja apresentado pedido de aplicação da presente Con-venção.

Sobre o art. 16, o Grupo Permanente de Estudos comenta que:

Com a finalidade de promover a realização dos objetivos da Convenção rela-tivamente ao retorno da criança, a disposição busca prevenir uma decisão de mérito do direito de custódia que poderá ser conseguida “fraudulentamente” no Estado de refúgio. Para este fim, é proibido às autoridades competentes deste Es-tado julgar o mérito, quando eles foram informados de que a criança em ques-tão foi, em termos da convenção, injustamente removida ou retida. (grifei)

Esta proibição desaparecerá quando se demonstrar que, de acordo com a Con-venção, não seja apropriado devolver a criança, ou então tenha decorrido um período razoável de tempo sem que se requeresse a sua aplicação, o que acaba por significar a adaptação da criança ao novo meio.

Trata-se de uma recomendação às autoridades administrativas e judiciais dos países contratantes, para evitar que estas sejam involuntariamente utilizadas pelo(s) sequestrador(es) para legitimar a atitude reprovável do deslocamento ou retenção ilícita. Isto não conflita com o princípio da inafastabilidade de jurisdi-ção, previsto na Constituição Federal, haja vista que, como afirmado acima, o juízo que tem competência é do local da residência habitual, como determina a LICC, em seu art. 7º. Portanto, uma vez provocado o Poder Judiciário brasi-leiro, porquanto qualquer pessoa tem o direito subjetivo de ação, este terá de pronunciar-se sobre o caso e, uma vez informado o deslocamento ou retenção ilícita, somente após a apreciação do pedido de restituição é que o Poder Judi-ciário brasileiro poderá se manifestar sobre a questão de fundo, que é a guarda. Cuidar-se-ia, aqui, de uma prejudicial ao exame do mérito da guarda.

Na opinião de Carmen Tiburcio e Guilherme Calmon – ela integrante da Comissão de Direito Internacional da Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região (Esmarf/2ª Região), ele Diretor Geral da Esmarf/2ª Região

[...] a disposição contida no art. 16 busca impedir uma decisão de mérito sobre o direito de guarda, que poderá ser obtida no Estado de refúgio (onde a crian-ça se encontra) pela pessoa que comete a transferência indevida. Considera-se

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que, agindo dessa maneira, o responsável pela “subtração” estaria, na realidade, fraudando o juízo natural para a apreciação desse pedido, que é o juízo do lo-cal da residência habitual da criança. Para esse fim é que se proíbe às autorida-des do local para onde o subtrator fugiu julgar a questão de fundo, ou seja, o pedido de guarda em si mesmo, quando essas autoridades já foram comunica-das de que a criança foi, nos termos da Convenção, indevidamente transferida ou retida.

Considera-se que essa proibição somente cessará quando for de qualquer modo decidido o pedido de retorno da criança, seja essa decisão favorável ou não. A mesma ressalva se dará quando tenha decorrido período razoável de tempo sem que seja requerida a restituição da criança1.

Esquece-se a autora que “o simples fato de que uma decisão relativa à guarda tenha sido tomada ou seja passível de reconhecimento no Estado reque-rido não poderá servir de base para justificar a recusa de fazer retornar a criança nos termos desta Convenção...” (art. 17).

No mais, vale lembrar que, mantido o casamento (civil), o regime é de guarda compartilhada.

Pressupõe-se, conforme consignado na sentença recorrida, que a autora já detém a guarda (compartilhada) da filha. Tanto que com ela ingressou e per-manece no Território Brasileiro.

Alémdisso,nãohápedidodeafastamentododireitodeguardapaterna;apenas que seja deferida a guarda da criança à autora.

Portanto, falta-lhe interesse na propositura da presente ação.

Note-se que na petição inicial da presente ação a autora alega textual-mente que “a concessão da guarda liminarmente ensejaria condições para um acordo entre os pais da infante para a solução quanto ao fim do casamento e, consequente regulamentação da guarda da menor como consectário da disso-lução do vínculo conjugal”.

Exsurge, pois, plausível a fundamentação da sentença, de que, “de fato, a parte autora tenta empreender, nesta ação, e, portanto, por vias transversas, obstáculo a eventual decisão desfavorável relativamente ao retorno da menor ao país de origem, uma vez que se utiliza do processo com o fim de obter me-lhores condições em futura negociação com o pai”.

Na mesma linha, o parecer do Ministério Público Federal:

[...]

1 Sequestro Internacional de Criança – comentários à Convenção da Haia de 1980. São Paulo: Atlas, 2014. p. 322-323.

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Agiu com acerto o juiz de piso ao entender que a guarda da menor em favor da mãe decorre naturalmente do poder familiar, sendo desnecessária a tutela judi-cial para afirmar tal condição.

Bem ressaltado pela sentença, também, que não há na inicial pedido de afas-tamento do poder paterno de guarda da menor, ou seja de desconstituição do poder familiar por parte do pai.

Sendo assim, correta sentença que extinguiu o feito sem julgamento de mérito.

[...]

Acrescente-se que, diante da disposição do art. 16 da Convenção, even-tual ação de guarda deve ficar suspensa até que se resolva a questão da restitui-ção da criança. Como visto, a competência da Justiça Brasileira para decidir so-bre o direito de guarda só se materializa mediante o afastamento das condições da Convenção para o retorno da criança ou nas situações em que decorrido razoável período de tempo sem pedido de restituição – período superior a um ano, eis que, em regra, os pedidos aviados em prazo inferior implicaria pronta restituição (art. 12).

No mais, a competência para dizer sobre o direito de guarda é da Justi-ça Estadual, cabendo à Justiça Federal apreciar nos autos da ação de busca e restituição apenas as medidas acautelatórias, como “guarda provisória”, que a autora já detém, e “visitação”.

Pelo exposto, nego provimento à apelação.

Juiz Federal Evaldo de Oliveira Fernandes, Filho

tRibunal REgional fEdERal da 1ª REgião sEcREtaRia judiciáRia

21ª Sessão Ordinária do(a) Quinta Turma

Pauta de: 17.06.2015 Julgado em: 17.06.2015

Ap 0000177-36.2014.4.01.3806/MG

Relator: Exmo. Sr. Juiz Federal Evaldo de Oliveira Fernandes, Filho (Conv.)

Juiz(a) Convocado(a) conforme Ato Presi nº 215, de 03.02.2015

Revisor: Exmo(a). Sr(a).

Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargador Federal Neviton Guedes

Proc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Maria Soares Camelo Cordioli

Secretário(a): Fábio Adriani Cerneviva

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Apte.: Marize Neves da Silva

Adv.: Lazaro Humberto da Silveira

Apdo.: Bruno Alexandre Pinto da Silva

Nº de Origem: 1773620144013806 Vara: 2ª

Justiça de Origem: Justiça Federal Estado/Com.: MG

sustEntação oRal cERtidão

Certifico que a(o) egrégia(o) Quinta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe, em Sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, à unanimidade, negou provimento à Apelação, nos termos do voto do Relator.

Participaram do Julgamento os Exmos. Srs. Desembargador Federal Souza Prudente e Desembargador Federal Néviton Guedes. Ausente, por moti-vo de férias, o Exmo. Sr. Desembargador Federal João Batista Moreira.

Brasília, 17 de junho de 2015.

Fábio Adriani Cerneviva Secretário(a)

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Parte Geral – Jurisprudência

8442

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIV – Apelação Cível nº 2008.51.03.003062‑3Nº CNJ: 0003062‑92.2008.4.02.5103Relator: Juiz Federal Convocado José Carlos GarciaApelante: Denilson Sales de SouzaAdvogado: Teresa Cristina Nunes Moll CoutinhoApelado: União Federal/Fazenda NacionalOrigem: Primeira Vara Federal de Campos (200851030030623)

EmEnta

TRIBUTÁRIO E PROCESSO CIVIL – EMBARGOS DE TERCEIRO – CÔNJUGE – MEAÇÃO – INTIMAÇÃO DA PENHORA – BEM INDIVISÍVEL – ALIENAÇÃO – APELAÇÃO DESPROVIDA

1. A necessidade de intimação do cônjuge do devedor deve ser afastada quando for atingida a finalidade do ato por meio da oposição de embar-gos de terceiros pelo cônjuge meeiro. Assim, sanada a irregularidade, não há que se falar em nulidade dos atos subsequentes.

2. Os embargos de terceiro prestam-se à defesa dos interesses do cônjuge em relação a sua meação (Súmula nº 134/STJ), mesmo que o regime de casamento seja a comunhão universal de bens, exceto quando compro-vado que, do objeto da execução fiscal, houve benefício para a entidade familiar. Noutro dizer, a meação da mulher somente deve responder pe-los atos ilícitos praticados pelo cônjuge varão quando houver prova acer-ca da existência de benefício para o casal, resultante do inadimplemento do crédito exequendo. É o que diz o teor do Verbete nº 251 do STJ: “A meação só responde pelo ato ilícito quando o credor, na execução fiscal, provar que o enriquecimento dele resultante aproveitou ao casal.”

3. No caso em espécie, o bem penhorado, por sua própria natureza, é in-divisível, e assim, somente após a sua alienação judicial estará reservado o direito à meação, com a repartição do preço alcançado em hasta públi-ca. É dizer, como apenas 50% (cinquenta por cento) do produto da ven-da do imóvel reverterá em benefício do exequente, já que a outra parte ficará com o cônjuge do executado, restará, pois, resguardada a meação.

4. Comprovado, por certidão de casamento e registro imobiliário, que se trata de imóvel comum do casal, e na ausência de prova de que a embar-

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gante se beneficiou do débito, a ela é assegurada a metade do produto da alienação do referido bem, sem prejuízo da continuidade da constrição judicial já iniciada.

5. Apelação desprovida.

acóRdão

Vistos e relatados os presentes autos em que são partes as acima indica-das, decide a Quarta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2a Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, na forma do Relatório e do Voto, que ficam fazendo parte do presente julgado.

Rio de Janeiro, 23 de junho de 2015 (data do Julgamento).

José Carlos Garcia Juiz Federal Convocado Relator

RElatóRio

Trata-se de apelação interposta por Teresa Cristina Nunes Moll Coutinho, objetivando a reforma da sentença proferida às fls. 49/51, que jul-gou improcedentes Embargos de Terceiro, ressalvando o direito à meação por ocasião de eventual alienação dos bens imóveis constritos na Execução Fiscal nº 94.0037025-3. A sentença condenou a embargante em honorários advocatí-cios, fixados em R$ 1.000,00 (mil reais).

Em suas razões, a apelante (fls. 53/57) alega, em síntese, a ilegalidade da penhora. Afirma, ainda, que sua meação foi desrespeitada, já que a penhora efetivada nos autos da Execução Fiscal nº 94.0037025-3 recaiu sobre a totali-dade dos bens imóveis pertencentes ao casal. Aduz, ainda, que não pode res-ponder pelo débito, haja vista que não houve qualquer proveito para a entidade familiar. Pugna pela reforma da sentença.

Contrarrazões às fls. 63/69.

O Ministério Público Federal absteve-se de opinar (fl. 81).

É o relatório. Peço dia para julgamento.

José Carlos Garcia Juiz Federal Convocado Relator

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voto

A r. sentença não merece reparos.

Inicialmente, rejeito a alegação de ilegalidade da penhora, em razão da ausência de intimação do ato de constrição.

A necessidade de intimação do cônjuge do devedor deve ser afastada quando for atingida a finalidade do ato por meio da oposição de embargos de terceiros pelo cônjuge meeiro. Assim, sanada a irregularidade, não há que se falar em nulidade dos atos subsequentes.

A propósito, confira-se os seguintes precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO CIVIL – VIOLAÇÃO À ENUNCIADO DE SÚMULA – IMPOSSIBILI-DADE – EXECUÇÃO CONTRA CÔNJUGE MEEIRO – PENHORA SOBRE BEM INDIVISÍVEL DO CASAL – AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO CÔNJUGE – FI-NALIDADE DO ATO ATINGIDA PELA OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE TER-CEIROS

1. O enunciado de súmula de jurisprudência não se inclui no conceito de legis-lação federal, sendo imprópria a arguição de ofensa às Súmulas nºs 251/STF e 303/STJ. Recurso não conhecido quanto ao aludido argumento.

2. A necessidade de intimação do cônjuge do devedor prevista no revogado pa-rágrafo único do art. 669 do CPC deve ser afastada quando for atingida a fi-nalidade do ato por meio da oposição de embargos de terceiros pelo cônjuge meeiro. Precedentes.

3. Recurso especial conhecido em parte e não provido.

(STJ, REsp 1136706/SC, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJe de 17.11.2009)

Processo civil. Execução proposta contra devedor casado. Penhora sobre imó-vel do casal. Intimação da cônjuge. Ampla defesa possibilitada. Oposição de embargos de terceiro. Finalidade do ato atingida. Divergência jurisprudencial. Meação da mulher casada. Prequestionamento.

Atingida a finalidade da intimação da cônjuge a respeito da penhora recaída em bem imóvel, em execução proposta contra devedor casado, não há de se falar em nulidade dos posteriores atos processuais.

Inexiste divergência jurisprudencial se o acórdão recorrido não decidiu a respei-to da matéria tida por divergente.

Recurso especial não conhecido.

(REsp 512946/RJ, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, DJe 30.08.2004)

De outro lado, é sabido que os embargos de terceiro prestam-se à de-fesa dos interesses do cônjuge em relação a sua meação (Súmula nº 134/STJ),

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mesmo que o regime de casamento seja a comunhão universal de bens, exceto quando comprovado que, do objeto da execução fiscal, houve benefício para a entidade familiar. Noutro dizer, a meação da mulher somente deve responder pelos atos ilícitos praticados pelo cônjuge varão quando houver prova acerca da existência de benefício para o casal, resultante do inadimplemento do cré-dito exequendo.

É o que diz o teor do Verbete nº 251 do STJ: “A meação só responde pelo ato ilícito quando o credor, na execução fiscal, provar que o enriquecimento dele resultante aproveitou ao casal.”

Entretanto, no caso em espécie, o bem penhorado, por sua própria natu-reza, é indivisível, e assim, somente após a sua alienação judicial estará reserva-do o direito à meação, com a repartição do preço alcançado em hasta pública. É dizer, como apenas 50% (cinquenta por cento) do produto da venda do imóvel reverterá em benefício do exequente, já que a outra parte ficará com o cônjuge do executado, restará, pois, resguardada a meação.

Aliás, não é outro o entendimento da Corte Superior:

PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – EMBARGOS DE TERCEIRO – MEA-ÇÃO DO CÔNJUGE – BEM INDIVISÍVEL – PENHORA – POSSIBILIDADE

1. Os bens indivisíveis, de propriedade comum decorrente do regime de comu-nhão no casamento, podem ser levados à hasta pública por inteiro, reservando--se ao cônjuge a metade do preço alcançado. Precedentes: REsp 200.251/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Corte Especial, DJU de 29.04.2002;REsp 508.267/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 06.03.2007; REsp259.055/RS, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 30.10.2000.

2. Deveras, a novel reforma do Processo Civil Brasileiro, na esteira da jurispru-dência desta Corte, consagrou na execução extrajudicial que “Tratando-se de penhora em bem indivisível, a meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem” (CPC, art. 655-B).

3. Recurso especial provido.

(REsp 814542/RS, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJe 23.08.2007)

EMBARGOS DE TERCEIRO – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA – BEM INDIVI-SÍVEL – MEAÇÃO – ALIENAÇÃO

1. Os bens indivisíveis, de propriedade comum decorrente do regime de co-munhão no casamento, na execução podem ser levados à hasta pública por inteiro, reservando-se à esposa a metade do preço alcançado. Corte Especial, REsp 200.251/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU de 29.04.2002.

2. Como apenas a metade do produto da alienação judicial reverterá em be-nefício do exequente, sendo que a outra parte ficará com o cônjuge meeiro do executado, restará, pois, resguardada a meação.

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3. Recurso Especial parcialmente provido.

(STJ, REsp 132901, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJ de 15.03.2004, p. 218)

PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – EMBARGOS DE TERCEIRO – EXECU-ÇÃO FISCAL – PENHORA – BEM INDIVISÍVEL – MEAÇÃO – ALIENAÇÃO

1. Os bens indivisíveis, de propriedade comum decorrente de regime de comu-nhão no casamento, na execução podem ser levados à hasta pública por inteiro, reservando-se à esposa a metade do preço alcançado.

(Corte Especial, REsp 200.261/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU de 29.04.2002)

Desse modo, comprovado, por certidão de casamento (fl. 10) e registro imobiliário, que se trata de imóvel comum do casal (fls. 15/16), e na ausência de prova de que a embargante se beneficiou do débito, a ela é assegurada a metade do produto da alienação do referido bem, sem prejuízo da continuidade da constrição judicial já iniciada.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

É como voto.

José Carlos Garcia Juiz Federal Convocado Relator

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Parte Geral – Jurisprudência

8443

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 03.07.2015Apelação Cível nº 0001485‑19.2004.4.03.6000/MS2004.60.00.001485‑4/MSRelator: Desembargador Federal Antonio CedenhoApelante: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – IncraAdvogado: Celso Cestari Pinheiro

SP000361 Paulo Sérgio Miguez UrbanoApelado(a): Dorinda de Souza Barbeiro Assad e outros

Adalberto de Souza Assad Maria Cecilia Ribeiro dos Santos Assad Carlos Alberto de Souza Assad

Advogado: SP076840 Luiz Carlos Capozzoli e outroNº Orig.: 00014851920044036000 1ª Vr. Campo Grande/MS

EmEnta

PROCESSUAL CIVIL – DIREITO ADMINISTRATIVO – DESAPROPRIAÇÃO PARA O FIM DE REFORMA AGRÁRIA – EFETIVO PECUÁRIO – REGISTRO EM NOME DE OUTRA GLEBA – IRRELEVÂNCIA – FUNÇÃO SOCIAL CUMPRIDA – CUSTAS PROCESSUAIS – AUTARQUIA – DEVER DE REEMBOLSO – HONORÁRIOS DE ADVOGADO – APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL – REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO DESPROVIDAS

I – Segundo o laudo técnico de fiscalização, a Fazenda Tereza se tornou passível de expropriação, porque o efetivo pecuário encontrado estava registrado em nome de outra propriedade – Fazenda Esmeralda –, que se distanciava daquela por, pelo menos, cinco quilômetros.

II – O registro, entretanto, não se sobrepõe à realidade econômica.

III – Embora o titular tenha a obrigação de abrir documentação específica da gleba, a constatação de que o rebanho se alimenta efetivamente das pastagens nela plantadas autoriza a contabilização da atividade para os efeitos legais.

IV – O perito judicial concluiu que a Fazenda Esmeralda não possui con-dições de abrigar o contingente localizado. A Fazenda Santa Tereza su-pre justamente essa carência. Os contratos de arrendamento indicam a coordenação dos dois espaços.

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164 ....................................................................................................RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

V – Com o cômputo do efetivo pecuário, a Fazenda Tereza atinge um grau de utilização da terra de 100% e um coeficiente de eficiência na exploração de 138,29%, satisfazendo as exigências do art. 6º, § 1º e § 2º, da Lei nº 8.629/1993.

VI – A aplicação da penalidade de desapropriação parece despropor-cional, porquanto significaria a supremacia das obrigações acessórias – documentação fiscal e sanitária – sobre a principal – produção efetiva.

VII – Apesar de as autarquias federais estarem isentas de custas proces-suais, os deveres decorrentes da sucumbência não se neutralizam. A Lei nº 9.289/1996 prevê expressamente que os beneficiários da isenção sejam condenados a ressarcir as despesas feitas pela parte vencedora (art. 4º, parágrafo único).

VIII – Os honorários de advogado não comportam ajustamento.

IX – A remuneração de R$ 3.000,00 refletiu cada um dos critérios do art. 20, § 3º e § 4º, do CPC: o processo se iniciou em 2005, a causa apre-sentou complexidade exigente de prova técnica, o escritório profissional está localizado em outro Estado e o valor arbitrado não provoca a sangria de recursos públicos.

X – Remessa oficial e apelação a que se nega provimento.

acóRdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 23 de junho de 2015.

Antonio Cedenho Desembargador Federal

RElatóRio

Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional de Coloniza-ção e Reforma Agrária em face de sentença que julgou procedente pedido de declaração de produtividade da Fazenda Tereza, situada no Município de Bataguasu/MS, e o condenou ao pagamento de despesas processuais e de ho-norários de advogado, arbitrados em R$ 3.000,00.

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................165

Decidiu o Juiz de Origem que a ação declaratória representa meio ade-quado para solucionar o cumprimento da função social de propriedade rural e o rebanho encontrado na Fazenda Tereza deve interferir no cálculo do respectivo GUT e do GEE, mesmo que ele esteja registrado em nome de outro imóvel – Fazenda Esmeralda.

Sustenta o Incra que está isento de custas processuais e o arbitramento da verba honorária não seguiu os critérios da legislação, em especial a complexi-dade da causa, o lugar de prestação de serviços e a equidade.

Argumenta que a resolução da lide dependeu basicamente de prova pe-ricial.

Dorinda de Souza Barbeiro Assad e outros responderam ao recurso (fls. 561/588). Alegam que a isenção não impede o reembolso das despesas feitas pelo vencedor.

Afirmam que o valor da causa chega a R$ 100.000,00, o escritório profis-sional está localizado em outro Estado e a composição do conflito de interesses envolveu fundamentação jurídica.

Requerem a elevação dos honorários de advogado.

O Ministério Público Federal se manifestou pelo desprovimento da re-messa oficial e da apelação (fls. 598/601).

voto

Deve incidir remessa oficial. A sentença foi proferida contra autarquia federal e o direito controvertido excede a sessenta salários mínimos (art. 475, I e § 2º, do Código de Processo Civil).

O proprietário que questiona vistoria administrativa do Incra pode propor ação judicial, a fim de obter a declaração de produtividade de imóvel rural e impedir a desapropriação. O interesse de agir existe.

Segundo o laudo técnico de fiscalização, a Fazenda Tereza se tornou passível de expropriação, porque o efetivo pecuário encontrado estava registra-do em nome de outra propriedade – Fazenda Esmeralda –, que se distanciava daquela por, pelo menos, cinco quilômetros.

O registro, entretanto, não se sobrepõe à realidade econômica.

Embora o titular tenha a obrigação de abrir documentação específica da gleba – notas fiscais, declaração anual de produtor, fichas de empregados, car-teira de vacinação –, a constatação de que o rebanho se alimenta efetivamente

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das pastagens nela plantadas autoriza a contabilização da atividade para os efeitos legais.

O perito judicial concluiu que a Fazenda Esmeralda não possui condi-ções de abrigar o contingente localizado. A Fazenda Santa Tereza supre justa-mente essa carência. Os contratos de arrendamento indicam a coordenação dos dois espaços.

O fato de eles se distanciarem por cinco quilômetros não traz maior em-baraço. Nada impede a adoção de um plano sistemático de deslocamento nas estradas locais ou no interior dos prédios vizinhos.

Com o cômputo do efetivo pecuário, a Fazenda Tereza atinge um grau de utilização da terra de 100% e um coeficiente de eficiência de exploração de 138,29%, satisfazendo as exigências do art. 6º, § 1º e § 2º, da Lei nº 8.629/1993.

A aplicação da penalidade de desapropriação parece desproporcional, porquanto significaria a supremacia das obrigações acessórias – documentação fiscal e sanitária – sobre a principal – produção efetiva.

Se o cumprimento da função social é visível, a perda do domínio por razões formais fere a garantia do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF).

O imóvel rural exibe, portanto, um nível de rendimento que barra a ex-propriação.

Apesar de as autarquias federais estarem isentas de custas processuais, os deveres decorrentes da sucumbência não se neutralizam. A Lei nº 9.289/1996 prevê expressamente que os beneficiários da isenção sejam condenados a res-sarcir as despesas feitas pela parte vencedora (art. 4º, parágrafo único).

O Superior Tribunal de Justiça formou jurisprudência sobre o tema:

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – RECONHECIMENTO DE REPER-CUSSÃO GERAL, PELO STF – PEDIDO DE SOBRESTAMENTO DO JULGA-MENTO DO RECURSO ESPECIAL – IMPOSSIBILIDADE – ART. 543-B DO CPC – APRECIAÇÃO DE ALEGADA VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS CONSTITUCIO-NAIS – INVIABILIDADE, NA VIA DE RECURSO ESPECIAL – ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À CLÁUSULA DA RESERVA DE PLENÁRIO – NÃO OCORRÊNCIA – PRECEDENTES DO STJ – RENÚNCIA À APOSENTADORIA, OBTIDA NA VIA JUDICIAL, PARA OBTENÇÃO DE NOVO BENEFÍCIO, MAIS VANTAJOSO – POSSIBILIDADE – DESNECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PER-CEBIDOS – PRECEDENTES DO STJ – CUSTAS PROCESSUAIS DEVIDAS NA JUSTIÇA FEDERAL – ART. 4º, I E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.289/1996 – INSS – ISENÇÃO QUE NÃO O EXIME, QUANDO VENCIDO, DA OBRIGA-ÇÃO DE REEMBOLSAR AS CUSTAS EVENTUALMENTE RECOLHIDAS PELA PARTE VENCEDORA – AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................167

I – Na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ, AgRg--REsp 1.411.517/PR, Rel.Min.Og Fernandes, 2ª T., DJe de 12.03.2014; STJ,AgRg-AgRg-AREsp 367.302/PR, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 03.02.2014), o reconhecimento da repercussão geral, pelo Supremo Tribunal Federal, da matéria ora em apreciação, não acarreta o sobrestamento do exame do presente Recurso Especial, sobrestamento que se aplica, no STJ, somente aos Recursos Extraordinários interpostos contra acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, em consonância com o disposto no art. 543-B do Código de Processo Civil.

II – A análise de suposta ofensa a dispositivos constitucionais compete exclu-sivamente ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, inciso III, da Constituição da República, sendo defeso o seu exame, no âmbito do Recurso Especial, ainda que para fins de prequestionamento, conforme pacífica jurispru-dência do STJ.

III – Consoante a jurisprudência do STJ, “considerando que não houve declara-ção de inconstitucionalidade do dispositivo legal suscitado, tampouco o afas-tamento deste, mas tão somente a interpretação do direito infraconstitucional aplicável à espécie, não há que se falar em violação à cláusula de reserva de plenário prevista no art. 97 da Constituição Federal e muito menos à Súmula Vinculante nº 10 do STF” (STJ, AgRg-AREsp 347.337/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe de 21.11.2013).

IV – Na forma da pacífica jurisprudência do STJ, por se tratar de direito patrimo-nial disponível, o segurado pode renunciar à sua aposentadoria, com o propósi-to de obter benefício mais vantajoso, no Regime Geral de Previdência Social ou em regime próprio de Previdência, mediante a utilização de seu tempo de con-tribuição, sendo certo, ainda, que tal renúncia não implica a devolução de va-lores percebidos (REsp 1.334.488/SC, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC).

V – O art. 4º, I, da Lei nº 9.289/1996 – que dispõe sobre as custas devidas à União, na Justiça Federal de primeiro e segundo graus – estabelece que as au-tarquias federais são isentas do pagamento de custas processuais. Entretanto, de conformidade com o parágrafo único do referido art. 4º da Lei nº 9.289/1996, tal isenção não as exime, quando vencidas, da obrigação de reembolsar as cus-tas eventualmente recolhidas pela parte vencedora.

VI – Agravo Regimental parcialmente provido, para limitar a condenação do INSS ao pagamento de custas processuais ao reembolso das custas eventual-mente recolhidas pela parte vencedora, in casu.

(STJ, AgRg-REsp 1461727, Relª Assusete Magalhães, 2ª T., DJ 07.10.2014)

Os honorários de advogado não comportam ajustamento.

A remuneração de R$ 3.000,00 refletiu cada um dos critérios do art. 20, § 3º e § 4º, do CPC: o processo se iniciou em 2005, a causa apresentou com-

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plexidade exigente de prova técnica, o escritório profissional está localizado em outro Estado e o valor arbitrado não provoca a sangria de recursos públicos.

O pedido de majoração da verba honorária, além de esbarrar na adequa-ção da quantia fixada, foi formulado em sede imprópria. Os autores o fizeram emcontrarrazões;deveriamterinterpostorecursoespecífico.

Ante o exposto, nego provimento à remessa oficial e à apelação.

Antonio Cedenho Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência

8444

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoAgravo de Instrumento nº 5009973‑17.2015.4.04.0000/RSRelator: Joel Ilan PaciornikAgravante: Centrais Elétricas Brasileiras S/A – EletrobrasAgravado: Cooperativa Agrícola Uruguaiana Ltda.Advogado: Andre Luis Moreira dos Santos

Luiz Alberto Barbará González FilhoInteressado: União – Fazenda Nacional

EmEnta

PROCESSUAL CIVIL – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – IMPUGNAÇÃO DO DEVEDOR – ART. 475-B – CONDENAÇÃO – CÁLCULO ARITMÉTICO – EXIGÊNCIA DA GARANTIA DO JUÍZO – FLEXIBILIZAÇÃO – ELEVADOS VALORES CONTROVERTIDOS E SOLVABILIDADE DA EXECUTADA

1. Na forma do art. 475-B do CPC, quando a determinação do valor da condenação depende de mero cálculo aritmético, mesmo que de elevada complexidade, basta ao credor requerer o cumprimento da sentença na forma do art. 475-J do CPC, instruindo o pedido com a memória discri-minada e atualizada do cálculo, sendo desnecessária a prévia liquidação.

2. Consoante se infere do § 1º do art. 475-J, o prazo para a impugnação ao cumprimento da sentença se inicia a partir da garantia do juízo pela penhora ou pelo depósito voluntário, consoante a jurisprudência domi-nante do STJ. Em regra, portanto, não havendo a garantia do juízo, inviá-vel é o recebimento da impugnação.

3. Caso em que, em razão da natureza e das particularidades da vertente discussão, sobretudo os elevados valores controvertidos e a solvabilidade da executada, impõe-se a flexibilização do disposto no § 1º do art. 475-J do CPC, de modo a possibilitar-se o processamento da impugnação apre-sentada, sem a integral garantia do juízo. Esse provimento jurisdicional encontra respaldo na garantia da ampla defesa e do contraditório.

acóRdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unani-

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midade, dar parcial provimento ao agravo de instrumento, nos termos do rela-tório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 1º de julho de 2015.

Juiz Federal Ivori Luis da Silva Scheffer Relator

RElatóRio

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, em cumprimento de sentença, indeferiu o pedido de conversão do presente pro-cedimento em liquidação por arbitramento, bem como deixou de receber a impugnação oferecida pela Eletrobras, ante a ausência de garantia do juízo.

Sustenta a parte agravante, em síntese, que a questão tratada nos autos é complexa, exigindo liquidação por arbitramento. Alega, também, que há inú-meros julgados no sentido de relativizar a aplicação do art. 475-J do CPC, per-mitindo que a Eletrobras apresente impugnação ao cumprimento de sentença independente de garantia do valor controverso, considerando que a matéria diz respeito a valores muito elevados, razão pela qual as garantias a serem presta-das têm influência negativa sobre a executada. Postula a concessão de efeito suspensivo.

O pedido de efeito suspensivo foi deferido.

Presentes as contrarrazões.

É o relatório.

Em pauta.

Juiz Federal Ivori Luis da Silva Scheffer Relator

voto

Com efeito, na forma do art. 475-B do CPC, quando a elaboração da me-mória de cálculo depende de mero cálculo aritmético, mesmo que de elevada complexidade, basta ao credor requerer o cumprimento da sentença na forma do art. 475-J do CPC, instruindo o pedido com a memória discriminada e atua-lizada do cálculo, sendo desnecessária a prévia liquidação.

Desta forma, afigura-se incabível o requerimento da Eletrobras de liqui-dação de sentença por arbitramento.

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................171

Convém salientar, todavia, que o Juízo da fase de cumprimento de sen-tença, quando oferecida impugnação pela executada, como no caso presente, poderá valer-se dos préstimos da Contadoria Judicial ou, mesmo, da instauração de perícia judicial, se entender conveniente para a conferência dos cálculos e efetivo exame das causas de possível excesso de execução apontadas pela impugnante. Isso porque o valor apresentado em execução pela parte credora, por estar amparado em memória de cálculo unilateralmente elaborada, não se confunde com condenação ao pagamento de quantia certa ou valor já fixado em liquidação.

De outra parte, consoante se infere do § 1º do art. 475-J, o prazo para a impugnação ao cumprimento da sentença se inicia a partir da garantia do juízo pela penhora ou pelo depósito voluntário, consoante a jurisprudência domi-nante do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TERMO INICIAL PARA A IMPUGNAÇÃO DO DEVEDOR – DATA DO DEPÓSITO JUDICIAL EM DINHEIRO – DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA – MULTA – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO – 1. Nos termos do entendimento consolidado deste STJ, no cumprimento de sentença, reali-zado o depósito judicial em dinheiro para a garantia do juízo, desta data co-meça a fluir o prazo de 15 (quinze) dias para a apresentação de impugnação, revelando-se desnecessárias a lavratura de termo de penhora e intimação do devedor para início da contagem do prazo. Precedentes. 2. Razões do agravo regimental que apenas reitera os fundamentos do recurso. Aplicação de multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC. Recurso infundado. 3. Agravo regimental não provido.

(AgRg-Ag 1185526/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 10.08.2010, DJe 18.08.2010)

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL – IM-PUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – PRAZO – INÍCIO A PAR-TIR DA EFETIVAÇÃO DO DEPÓSITO JUDICIAL – IMPROVIMENTO – I – Cons - titui-se entendimento pacificado nesta Corte que o prazo para oferecer impug-nação ao cumprimento de sentença se inicia a partir da data da efetivação do depósito judicial da quantia correspondente ao título executivo, tendo em vista que, com o depósito, a constituição da penhora é automática, independendo da lavratura do respectivo termo. II – Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg-REsp 1138014/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4ª T., Julgado em 24.11.2009, DJe 11.12.2009)

PROCESSUAL CIVIL – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TERMO INICIAL PARA A IMPUGNAÇÃO DO DEVEDOR – DATA DO DEPÓSITO, EM DINHEI-RO, POR MEIO DO QUAL SE GARANTIU O JUÍZO – No cumprimento de sen-tença, o devedor deve ser intimado do auto de penhora e de avaliação, poden-do oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias (art. 475-J, § 1º,

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CPC). Caso o devedor prefira, no entanto, antecipar-se à constrição de seu patri-mônio, realizando depósito, em dinheiro, nos autos, para a garantia do juízo, o ato intimatório da penhora não é necessário. O prazo para o devedor impugnar o cumprimento de sentença deve ser contado da data da efetivação do depósito judicial da quantia objeto da execução. Recurso Especial não conhecido.

(REsp 972.812/RJ, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., Julgado em 23.09.2008, DJe 12.12.2008)

Assim, em regra, não havendo a garantia do juízo, inviável é o recebi-mento da impugnação.

No caso em evidência, porém, há peculiaridades que impõem uma aná-lise mais detida da matéria em debate.

Isso porque há efetivamente significativa diferença entre o valor pleitea-do pela parte exequente e o montante que a Eletrobras entende como devido. Nesta ação, os credores almejam um total de R$ 2.234.544,38 (dois milhões duzentos e trinta e quatro mil quinhentos e quarenta e quatro reais e trinta e oito centavos). De sua parte, a Eletrobras defende que a dívida não ultrapassa R$ 264.352,21 (duzentos e sessenta e quatro mil trezentos e cinquenta e dois reais e vinte e um centavos).

Além disso, não se pode olvidar da solvabilidade da Eletrobras, devendo ser observado, ainda, que a referida sociedade de economia mista promoveu o depósito do montante incontroverso no total de R$ 264.352,21 (duzentos e sessenta e quatro mil, trezentos e cinquenta e dois reais e vinte e um centavos), que já foi inclusive levantada pela parte exequente.

Não é demasiado reiterar que o art. 475-B, § 3º, do CPC, autoriza o juiz a valer-se de contador do juízo, no controle dos pressupostos da execução, quando a memória apresentada pelo credor aparentemente excede os limites da decisão exequenda, não sendo necessária garantia pelo devedor quanto ao excedente.

Nesse contexto, em razão da natureza e das particularidades da vertente discussão, sobretudo os elevados valores controvertidos e a solvabilidade da Eletrobras, impõe-se a flexibilização do disposto no § 1º do art. 475-J do CPC, de modo a possibilitar-se o processamento da impugnação apresentada pela Eletrobras, sem a integral garantia do juízo. Esse provi-mento jurisdicional encontra respaldo na garantia da ampla defesa e do contraditório.

PREQUESTIONAMENTO

Em arremate, consigno que o enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................173

prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamen-tam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronuncia-mento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de comi-nação de multa (art. 538 do CPC).

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento ao agravo de instrumento, nos termos da fundamentação.

Juiz Federal Ivori Luis da Silva Scheffer Relator

ExtRato dE ata da sEssão dE 10.06.2015

Agravo de Instrumento nº 5009973-17.2015.4.04.0000/RS

Origem: RS 50008892820124047103

Relator: Des. Federal Joel Ilan Paciornik

Presidente: Maria de Fátima Freitas Labarrère

Procurador: Dr(a).

Agravante: Centrais Elétricas Brasileiras S/A – Eletrobras

Agravado: Cooperativa Agrícola Uruguaiana Ltda.

Advogado: Andre Luis Moreira dos Santos Luiz Alberto Barbará González Filho

Interessado: União – Fazenda Nacional

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 10.06.2015, na sequência 56, disponibilizada no DE de 27.05.2015, da qual foi intimado(a) União – Fazenda Nacional, o Ministério Público Federal e as demais Procura-dorias Federais.

Certifico que o(a) 1ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Retirado de pauta.

Leandro Bratkowski Alves Secretário de Turma

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ExtRato dE ata da sEssão dE 01.07.2015

Agravo de Instrumento nº 5009973-17.2015.4.04.0000/RS

Origem: RS 50008892820124047103

Relator: Juiz Federal Ivori Luís da Silva Scheffer

Presidente: Jorge Antonio Maurique

Procurador: Dr. Luis Carlos Weber

Agravante: Centrais Elétricas Brasileiras S/A – Eletrobras

Agravado: Cooperativa Agrícola Uruguaiana Ltda.

Advogado: Andre Luis Moreira dos Santos Luiz Alberto Barbará González Filho Interessado: União – Fazenda Nacional

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 01.07.2015, na sequência 156, disponibilizada no DE de 17.06.2015, da qual foi intimado(a) União – Fazenda Nacional, o Ministério Público Federal e as demais Procura-dorias Federais.

Certifico que o(a) 1ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento ao agravo de instru-mento, nos termos da fundamentação.

Relator Acórdão: Juiz Federal Ivori Luís da Silva Scheffer

Votante(s): Juiz Federal Ivori Luís da Silva Scheffer Des. Fed. Jorge Antonio Maurique Desª Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrère

Leandro Bratkowski Alves Secretário de Turma

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Parte Geral – Jurisprudência

8445

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoGabinete do Desembargador Federal Rogério Fialho MoreiraAC 581392‑CE 0020401‑38.1993.4.05.8100Apte.: Maria Nasaré de AzevedoAdv./Proc.: Henrique Davi de Lima Neto e outrosApdo.: INSS – Instituto Nacional do Seguro SocialRepte.: Procuradoria Representante da EntidadeRelator: Desembargador Federal Rogério Fialho MoreiraOrigem: 4ª Vara Federal do CearáJuiz Federal José Vidal Silva Neto

EmEnta

PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO DE SENTENÇA – MORTE DE UMA DAS PARTES – SUSPENSÃO DO PROCESSO – HABILITAÇÃO DE HERDEIRO EM FASE DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL – INOCORRÊNCIA – PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ – APELAÇÃO PROVIDA

1. É tranquila a orientação de que nos termos dos arts. 265, I, e 791, II, do CPC, a morte de uma das partes importa na suspensão do processo, razão pela qual, na ausência de previsão legal impondo prazo para a habilita-ção dos respectivos sucessores, não há falar em prescrição intercorrente. Precedentes deste TRF e do STJ.

2. Apelação provida para que seja deferida a habilitação requerida.

acóRdão

Vistos, etc.

Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Recife, 16.06.2015.

Des. Federal Rogério Fialho Moreira Relator

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176 ....................................................................................................RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

RElatóRio

Trata-se de apelação cível (fls. 271/275) interposta pelo particular em face da decisão (fls. 267/268) que indeferiu o pedido de habilitação da herdeira da Sra. Maria Auria Lima em sede de execução previdenciária, por entender ter ocorrido a prescrição para o requerimento da habilitação.

A apelante interpôs o presente recurso, tendo como objetivo a reforma da decisão. Sustenta a não ocorrência da prescrição, porquanto, com os óbitos dos segurados ocorreu a suspensão do processo, nos termos do art. 265, I, do CPC.

Contrarrazões apresentadas (fls. 279/281).

É o relatório.

voto

O tema tratado no presente recurso é pacifico no âmbito desta Egrégia Corte e do col. STJ com a orientação de que nos termos dos arts. 265, I, e 791, II, do CPC, a morte de uma das partes importa na suspensão do processo, razão pela qual, na ausência de previsão legal impondo prazo para a habilitação dos respectivos sucessores, não há falar em prescrição intercorrente.

A despeito do tema, colho precedente do Pleno, do TRF 5ª Região:

PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO DE SENTENÇA – ÓBITO DA PARTE – SUS-PENSÃO DO PROCESSO – ARTS. 265, I E 791, II DO CPC – PRAZO PARA HABILITAÇÃO DO ESPÓLIO OU SUCESSORES – INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL – DECRETAÇÃO DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA – DESCABIMENTO

1. O entendimento do c. STJ e desta eg. Corte é firme no sentido de que o insti-tuto da prescrição deve ser considerado de forma restritiva.

2. Não existindo prazo estabelecido em lei para a habilitação dos sucessores em processo suspenso pela hipótese do art. 265, I do CPC – óbito da parte –, e desde que não tenha havido a expressa intimação do advogado que o defendia no processo, não há que se falar em prescrição intercorrente do direito dos su-cessores requererem o prosseguimento da execução.

3. O óbito da parte suspende não só o processo como também o prazo prescri-cional até que seja providenciada a habilitação dos sucessores.

4. Embargos infringentes improvidos.

(EIAC544154/01/CE, Rel. Des. Fed. Marcelo Navarro, Pleno, DJe 07.08.2013)

Igualmente, na mesma senda vem decidindo o col. STJ. Confira-se:

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PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA – ÓBITO DA PARTE AUTORA – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA – NÃO OCORRÊNCIA – SUS-PENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL ATÉ HABILITAÇÃO DOS SUCESSORES – FALTA DE PREVISÃO LEGAL – PRECEDENTES DO STJ – AGRAVO REGIMEN-TAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO

1. Nos termos dos arts. 265, I, e 791, II, do CPC, a morte de uma das partes im-porta na suspensão do processo, razão pela qual, na ausência de previsão legal impondo prazo para a habilitação dos respectivos sucessores, não há falar em prescrição intercorrente.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg-AREsp 286713/CE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 01.04.2013)

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, CPC – NÃO OCORRÊNCIA – EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA – PRESCRIÇÃO – ÓBITO DA PARTE AUTORA – SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL ATÉ HABILITAÇÃO DOS SUCESSORES – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – FALTA DE PREVISÃO LEGAL

1. Com a morte do exequente deve o processo ser suspenso a fim de que seja regularizado o polo ativo da relação jurídica processual, nos termos do que dis-põem os arts. 43, 265, I, e 791, II, do CPC, o que afasta a declaração da pres-crição intercorrente por falta de previsão legal a respeito. Nesse sentido, con-firam-se: AgRg-REsp 1.215.823/RJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 1ª T., DJe 26.04.2011;AgRg-AREsp269.902/CE,Rel.Min.HumbertoMartins,2ªT.,DJe19.02.2013;AgRg-REsp891.588/RJ,5ªT.,Rel.Min.ArnaldoEstevesLima,DJede 19.10.2009.

2. Agravo regimental não provido.

(AgRg-AREsp 259255/CE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe 18.03.2013)

Com essas considerações, dou provimento à apelação para que seja de-ferida a habilitação requerida.

É como voto.

Recife, 16.06.2015.

Des. Federal Rogério Fialho Moreira Relator

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência8446 – ação cautelar – exceção de incompetência – argumentos – prequestionamento

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Ação cautelar. Exceção de incompetência. Ofen-sa aos arts. 100, V, a, parágrafo único e 111 do CPC. Argumentos. Prequestionamento. Ausência. Súmula nº 211/STJ. Agravo não provido. 1. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, apesar de opostos embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 631.407 – (2014/0304374-3) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 22.06.2015 – p. 2119)

8447 – ação de cobrança – emolumentos – ato notarial de averbação – matrícula

“Recurso especial. Ação de cobrança. Emolumentos. Ato notarial de averbação relativo à quita-ção da aquisição de lotes (destinados à construção sob o regime de incorporação imobiliária), efetivado na matrícula de origem, bem como nas matrículas das unidades imobiliárias advindas do empreendimento. Art. 237-A da Lei de Registros Públicos. Observância. Ato de registro único, para fins de cobrança de custas e emolumentos. Recurso especial improvido. 1. O art. 237-A da LRP determina que, após o registro da incorporação imobiliária, até o ‘habite-se’, todos os subse-quentes registros e averbações relacionados à pessoa do incorporador ou aos negócios jurídicos alusivos ao empreendimento sejam realizados na matrícula de origem, assim como nas matrículas das unidades imobiliárias eventualmente abertas, consubstanciando, para efeito de cobrança de custas e emolumentos, ato de registro único. 2. Para a específica finalidade de cobrança de custas e emolumentos, tem-se que o ato notarial de averbação relativa à quitação dos três lotes em que se deu a construção sob o regime de incorporação imobiliária, efetuado na matrícula originária, assim como em todas as matrículas das unidades imobiliárias daí advindas, relaciona-se, inequivoca-mente, com o aludido empreendimento. 3. Nos termos da lei regência (Lei nº 4.591/1964), em seu art. 32, é condição sine qua non ao registro da incorporação imobiliária e, por via de consequên-cia, à negociação das futuras unidades imobiliárias, que o incorporador demonstre a qualidade de proprietário, de promitente comprador, de cessionário, ou de promitente cessionário do imóvel no qual se edificará a construção sob o regime de incorporação imobiliária. 3.1 Nas hipóteses em que o incorporador não detém título definitivo de propriedade, o negócio jurídico estabelecido entre ele e o então proprietário do terreno assume contornos de irrevogabilidade e de irretratabilidade, havendo, necessariamente, expressa vinculação do bem imóvel ao empreendimento sob o regime de incorporação imobiliária. 4. Levando-se em conta que o objeto da relação contratual ajustada entre o então proprietário do terreno e o incorporador (ou quem vier a sucedê-lo) encontra-se indissociavelmente ligado à incorporação imobiliária, a matrícula do imóvel no qual se erigirá o empreendimento conterá, necessariamente, o título pelo qual o incorporador adquiriu o imóvel, bem como toda e qualquer ocorrência que importe alteração desse específico registro, no que se insere, inarredavelmente, a averbação de quitação da promessa de compra do terreno. 5. Recurso especial improvido.” (STJ – REsp 1.522.874 – (2015/0066119-0) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 22.06.2015 – p. 2071)

8448 – ação de cobrança – seguro de vida – suicídio – não cobertura

“Recurso especial. Ação de cobrança. Seguro de vida. Suicídio dentro do prazo de dois anos do iní-cio da vigência do seguro. Recurso especial provido. 1. Durante os dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, o suicídio é risco não coberto. Deve ser observado, porém, o direito do beneficiário ao ressarcimento do montante da reserva técnica já formada (Código Civil de 2002, art. 798 c/c art. 797, parágrafo único). 2. O art. 798 adotou critério objetivo temporal para deter-minar a cobertura relativa ao suicídio do segurado, afastando o critério subjetivo da premeditação. Após o período de carência de dois anos, portanto, a seguradora será obrigada a indenizar, mesmo diante da prova mais cabal de premeditação. 3. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.334.005 – (2012/0144622-7) – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 23.06.2015 – p. 1287)

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8449 – ação de prestação de contas – contrato de mútuo bancário – ausência de interesse de agir

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de prestação de contas. Contrato de mútuo bancário. Ausência de interesse de agir. Recurso especial repetitivo. Agravo não provido. 1. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.293.558/PR, da Relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, confirmou o entendimento de que, nos contratos de mútuo e financiamento, o devedor não possui interesse de agir para a ação de pres-tação de contas. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 560.142 – (2014/0196794-9) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 30.04.2015 – p. 1373)

8450 – ação de prestação de contas – elisão – justificativas na contestação e reconvenção – julgamento antecipado – inviabilidade

“Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Elisão do dever de prestar contas. Justificativas na contestação e reconvenção. Julgamento antecipado (art. 915, § 2º, do CPC). Inviabilidade. Matérias versadas nos dispositivos legais. Discussão pelo tribunal a quo. Prequestio-namento implícito. Agravo desprovido. 1. Arguida, nas razões da contestação e da reconvenção, a necessidade de produção de provas para elidir o dever de prestar contas, é inviável o julgamento antecipado da lide (art. 915, § 2º, do CPC) se os réus justificaram a impossibilidade de prestação das contas em face da retenção de documentos pela parte autora. Precedentes do STJ. 2. O conhe-cimento do recurso especial não exige a expressa menção dos dispositivos legais tidos por violados, bastando que as matérias por eles versadas tenham sido discutidas pelo Tribunal a quo. Admite-se, portanto, o prequestionamento implícito. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 52.400 – (2011/0145566-3) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 18.05.2015 – p. 1219)

8451 – ação indenizatória – depósito efetuado em dinheiro no caixa eletrônico – valor depo-sitado que não foi creditado na conta corrente da autora – má prestação de serviços evidenciada – fortuito interno

“Agravo regimental no agravo (art. 544 do CPC). Ação indenizatória. Depósito efetuado em di-nheiro no caixa eletrônico. Valor depositado que não foi creditado na conta corrente da auto-ra. Má prestação de serviços evidenciada. Fortuito interno. Responsabilidade objetiva. Súmula nº 479/STJ. Decisão monocrática que conheceu do agravo para dar provimento ao recurso especial. Irresignação da instituição financeira. 1. A atribuição de novo valor jurídico aos fatos incontrover-sos reconhecidos pelas instâncias ordinárias e tidos como tais não implica no vedado reexame de provas. Na presente hipótese, o deslinde da controvérsia não exigiu o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, sendo inaplicável o óbice da Súmula nº 7/STJ. Precedentes. 2. Agra-vo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 424.008 – (2013/0367166-6) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 18.05.2015 – p. 1374)

8452 – ação monitória – contratos bancários – instrumento particular de confissão de dívida – nota promissória

“Recurso especial. Ação monitória. Contratos bancários. Instrumento particular de confissão de dívida. Nota promissória que garante o contrato. Responsabilidade do avalista. Princípio da abs-tração. Necessidade de circulação do título de crédito. Súmula nº 280 do STF. 1. É entendimento desta Corte Superior que o credor possuidor de título executivo extrajudicial pode utilizar-se tanto da ação monitória como da ação executiva para a cobrança do crédito respectivo. 2. A literalidade, a autonomia e a abstração são princípios norteadores dos títulos de crédito que visam conferir a segurança jurídica ao tráfego comercial e tornar célere a circulação do crédito, transferindo-o a terceiros de boa-fé livre de todas as questões fundadas em direito pessoal. 3. Segundo o princípio da abstração, o título de crédito, quando posto em circulação, desvincula-se da relação fundamental

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que lhe deu origem. A circulação do título de crédito é pressuposto da abstração. 4. Nas situações em que a circulação do título de crédito não acontece e sua emissão ocorre como forma de garantia de dívida, não há desvinculação do negócio de origem, mantendo-se intacta a obrigação daqueles que se responsabilizaram pela dívida garantida pelo título. 5. Incabível a via recursal extraordiná-ria para a discussão de matéria, ante a incidência da Súmula nº 280 do STF, quando a solução da controvérsia pelo Tribunal a quo dá-se à luz da interpretação do direito local. 6. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1.175.238 – (2010/0003963-1) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 23.06.2015 – p. 1520)

Comentário editorial SÍnTeSeO Estado do Rio Grande do Sul ajuizou ação monitória visando ao adimplemento de instrumen-to particular de confissão de dívida firmado entre o primeiro réu e a extinta Caixa Econômica Estadual, então sucedida pelo autor, sendo que o segundo demandado assinou o contrato como devedor solidário.

O magistrado sentenciante julgou extinta a ação, por considerar ausente o interesse processual. Asseverou que o documento acostado aos autos não era hábil para alicerçar a ação monitória, por possuir força executiva, uma vez que ainda não alcançado pela prescrição.

Interposta apelação, o TJRS deu provimento ao recurso para julgar procedente o pedido e cons-tituir título executivo em favor do apelante. Confira-se ementa do julgado:

“Negócios jurídicos bancários. Ação monitória. Instrumento particular de confissão de dívida.

Em princípio, aquele que dispõe de título executivo carece de interesse processual de ajuiza-mento de ação monitória, conforme prescreve o art. 1.102-A do CPC. Todavia, existindo dúvida quanto à prescrição do título executivo e ausente o prejuízo para o devedor em sua ampla defesa, é possível a escolha do procedimento monitório. Ademais, em observância aos princípios da celeridade e economia processuais, não se justifica a anulação do processo, com a perda de todos os atos processuais já praticados. O avalista, como responsável solidário, é parte legítima passiva. Inaplicabilidade do art. 178, § 10, inciso III, do Código Civil de 1916 no caso concre-to, pois que os juros integram o valor principal do débito, deixando de ter natureza acessória. Juros remuneratórios não limitados. Correção monetária pela UPF – índice mais favorável. Apelo provido.”

Foram opostos embargos de declaração pelo apelante visando à declaração de inversão dos ônus processuais. Acolhidos os embargos, sanou-se a contradição reclamada quanto aos ônus.

Sobreveio recurso especial, interposto com fulcro nas alíneas a e c do permissivo constitucional, sob alegação de violação ao art. 267, VI do CPC e arts. 819 e 897 do CC.

Afirmaram os recorrentes que “não há motivo jurídico” para que o réu continue respondendo como devedor solidário, uma vez que a garantia por ele prestada foi a nota promissória e que, mesmo que se entenda o instrumento de “Confissão de Dívida” como título de crédito, relevante se considerar que há muito tal documento perdeu sua eficácia.

Acrescentaram que “não se tratando mais de obrigação cambial, mas de mera cobrança baseada em início de prova escrita (art. 1.102-A, do CPC), não há mais como se falar em garantia de aval, que persistiu tão somente até o vencimento do prazo de prescrição da eficácia executiva do título”.

Salientaram que “uma vez que o Estado deixou de ajuizar Ação Executiva da Nota Promissória garantida pelo aval do 2º Requerido, mas optou pelo procedimento monitório com fulcro em contrato de confissão de dívida, temos que perdeu a garantia do aval, seja pela impossibilidade jurídica da interpretação extensiva da garantia, seja pela extinção do aval pela prescrição exe-cutiva do título cambial ou, ainda, porque o contrato de confissão de dívida não comporta aval, mas fiança, violando também o art. 897, do nosso Código Civil”.

O STJ negou provimento ao recurso especial.

O Relator assim asseverou:

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“A questão principal em discussão é determinar se quando o credor se utiliza de título executivo extrajudicial não prescrito e, portanto, exequível, como prova escrita em ação monitória, há liberação dos avalistas de nota promissória da garantia prestada.”

Sobre a ação monitória, assim disciplina José Rogério Cruz e Tucci:

“Dedicando-se ao estudo da ação monitória à luz da comparação jurídica, esclarece Perrot que a finalidade de tal instrumento processual é a de superar a inércia do devedor, incitando-o a abandonar a ‘conjura de silêncio’, o ‘coma jurídico’, ao possibilitar, mediante procedimento sim-ples e expedito, a obtenção, pelo credor, de título executivo. ‘Esta é a filosofia do procedimento injuntivo, que se inicia com um mandado do juiz dirigido ao devedor para que este efetue o pagamento ou impugne o débito, sob pena de ser formado um título executivo que ensejará futura execução. Numa palavra, a sua originalidade encontra-se na situação de vantagem inicial do credor, fazendo com que o devedor suporte as consequências de sua inércia’.

No procedimento monitório não se propicia, de plano, a participação do devedor-réu na constru-ção da decisão liminar que defere o mandado de pagamento. É por esse motivo que se diz que o procedimento em apreço aflora sem contraditório.

Desse modo, a primordial razão de se impor ao demandante a exibição de prova escrita decorre da peculiar estrutura procedimental da ação monitória, dado o escopo de acelerar ao máximo o reconhecimento do direito do credor, visando à formação do título executivo.

A ausência de contraditório na fase inicial do procedimento monitório, e, portanto, a impossi-bilidade para o devedor apresentar imediata contestação ao material probatório produzido pelo demandante, consiste, por outro lado, em fator determinante da dilatação da prudência judicial.

Procurando estabelecer um nexo harmônico entre a finalidade do procedimento monitório e a exigência de prova escrita, observa Marinoni que o legislador parte da premissa de que, existindo documento capaz de revelar a probabilidade do direito alegado pelo autor, o devedor poderá se curvar ao mandado judicial para não experimentar o risco de sucumbir e ser obrigado a pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios.

Assim, o requisito da prova escrita ‘nada tem a ver com a instituição de um procedimento semelhante ao do mandado de segurança, em que se exige “direito líquido e certo”, ou prova documental suficiente para demonstrar a afirmação de um fato, exatamente para se construir um verdadeiro procedimento documental, no qual são proibidas as demais provas, ficando assim eliminado o tempo necessário para a sua produção. Quando se almeja dispensar as provas mais elaboradas, que dispendem mais tempo, requer-se prova que seja capaz de demonstrar o fato constitutivo do direito; contudo, quando se exige prova escrita como requisito da ação monitória, parte-se apenas da premissa de que o devedor poderá não apresentar embargos, permitindo ao credor um acesso mais rápido à execução forçada. A prova escrita, justamente porque pode ser associada a outros tipos de prova, não é a prova que deve fazer surgir “direito líquido e certo”, isto é, não é a prova que deve demonstrar, por si só, o fato constitutivo do direito afirmado pelo autor. A prova escrita relaciona-se apenas a um juízo de probabilidade’.

Para o ajuizamento e consequente admissibilidade da ação monitória, uma vez que a cognição delineia-se exauriente no procedimento dos embargos ao mandado, é suficiente que a prova produzida pelo autor possibilite ao órgão judicante estabelecer um grau elevado de probabilidade da procedência da pretensão deduzida.

Calamandrei, em clássico estudo, explica que aquilo que é provável está além da aparência, uma vez que se encontram reunidos elementos tendentes a acreditar que a alegação do fato corres-ponde à realidade. No entanto – adverte –, esse juízo provisório de probabilidade tem sempre função instrumental e seletiva: considera apenas a prova que, pela verossimilhança do thema probandum, apresenta-se prima facie com uma certa garantia de credibilidade e, portanto, com uma significativa probabilidade de êxito positivo.

Pondera Dinamarco que ‘para tornar admissível o processo monitório o documento há de ser tal que dele se possa razoavelmente inferir a existência do crédito’, devendo necessariamente tratar-se de ‘documento que, sem trazer em si todo o grau de probabilidade que autorizaria a execução forçada (os títulos executivos extrajudiciais expressam esse grau elevadíssimo de pro-babilidade), nem a “certeza” necessária para a sentença de procedência de uma demanda em

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processo ordinário de conhecimento, alguma probabilidade forneça ao espírito do juiz. Como a técnica da tutela monitória constitui um patamar intermediário entre a executiva e a cognitiva, também para valer-se dela o sujeito deve fornecer ao juiz uma situação na qual, embora não haja toda aquela probabilidade que autoriza executar, alguma probabilidade haja e seja demonstrada prima facie. É uma questão de grau, portanto, e só a experiência no trato do instituto poderá conduzir à definição de critérios mais objetivos’.” (Prova escrita na ação monitória. Disponível em: http://online.sintese.com.)

8453 – ação reivindicatória – usucapião arguida em defesa – reconhecimento

“Ação reivindicatória. Usucapião arguida em defesa. Reconhecimento com acerto pela respeitável sentença. Oposição não caracterizada no caso. Requisitos preenchidos. Sentença de improcedência confirmada. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 0007391-46.2003.8.26.0278 – Itaquaquecetuba – 13ª C.Ext.DPriv. – Rel. Milton Carvalho – DJe 24.06.2015)

8454 – alimentos pretéritos – desconto em folha de pagamento – legalidade

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Execução de alimentos. Servidor público muni-cipal. Desconto em folha de pagamento. Prisão civil. Descabimento. 1. É possível o pagamento de débito alimentício pretérito mediante desconto em folha. 2. No caso de as prestações atuais estarem sendo adimplidas, não é aconselhável a decretação da prisão civil do alimentante. 3. Agravo regi-mental desprovido.” (STJ - AgRg-AREsp 333.925/MS – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – J. 25.11.2014 – DJe 12.12.2014)

Comentário editorial SÍnTeSeNo presente agravo regimental, deduzido contra decisão monocrática de lavra do Ministro João Otávio de Noronha, o Superior Tribunal de Justiça foi instado a se manifestar quanto a duas ma-térias polêmicas: (a) a possibilidade de desconta em folha de pagamento para o adimplemento de parcelas alimentícias vencidas (alimentos pretéritos) e (b) a prisão civil do alimentante.

Inicialmente, a Corte destacou o Enunciado nº 309, da Súmula, o qual dá conta que o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações ante-riores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo. Não se admite, portanto, a decretação da prisão civil para a satisfação das parcelas anteriores.

O caso concreto possui peculiaridades. Destacou o Ministro que, a quando do ajuizamento da ação, efetivamente, havia débito em relações às prestações recentes. Contudo, ao longo do processo, o recorrente passou a adimplir as parcelas que venciam. Por isso, ponderou a Corte ser “necessário um pouco de parcimônia na aplicação da referida súmula, notadamente em casos como o presente, em que as prestações atuais já estão sendo adimplidas mediante o desconto em folha de pagamento, fato este, inclusive, confessado nas razões do presente agravo regimental”.

O Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul havia indeferido a prisão civil do alimen-tante, sob o argumento de que preso não conseguiria obter recursos para o pagamento. Relatou o Ministro que o TJMS “avaliou também a insistência da parte ora agravante à decretação da prisão civil do agravo, ressaltando que a referida medida não ajudaria na resolução no problema e ainda poderia causar um outro problema social, qual seja, a exoneração do devedor do cargo que ocupa perante a Administração Pública municipal, impossibilitando-o de pagar qualquer dívida alimentícia”.

Entretanto, o Tribunal autorizara o desconto em folha de pagamento, para que fosse paulatina-mente saldada a dívida. Esta decisão foi referendada pelo STJ, na medida em que “a única fonte de renda para o pagamento dos alimentos são os vencimento do agravante, sendo inegável ser melhor receber o débito mesmo de forma parcelada, do que não ter a possibilidade de receber jamais”.

Por isso, disse o acórdão: “o entendimento fixado no acórdão estadual encontra eco em julgados desta Corte, que também já admitiu a possibilidade do pagamento de débito alimentício pretérito

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mediante desconto em folha, pois, além de as prestações alimentícias vencidas ao longo do processo também possuírem natureza alimentar, o Código Civil dá preferência àquela modali-dade de pagamento quando o devedor for funcionário público, consoante precedente citado na decisão recorrida”.

Na linha da decisão recorrida, o Relator registrou os seguintes precedentes do STJ: “HABEAS CORPUS – PRISÃO CIVIL – EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – DÍVIDA RELATIVA ÀS TRÊS ÚLTI-MAS PRESTAÇÕES ANTERIORES À EXECUÇÃO E PRESTAÇÕES VINCENDAS NO CURSO DO PROCESSO – SÚMULA Nº 309/STJ – APLICAÇÃO INADEQUADA AO CASO – AFASTAMENTO DO DECRETO PRISIONAL – POSTERIOR DECISÃO LIMINAR QUE REDUZ OS ALIMENTOS EM AÇÃO DE EXONERAÇÃO – CORRETO CUMPRIMENTO – POSSIBILIDADES DO DEVEDOR – 1. Nos termos da Súmula nº 309/STJ, ‘o débito alimentar que autoriza a prisão civil do ali-mentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo’. 2. Todavia, em situações como a dos autos, em que se verifica o pagamento pontual das prestações da pensão alimentícia após decisão liminar que, em ação de exoneração de alimentos, reajustou o valor da obrigação às possibilidades do deve-dor, mostra-se desaconselhável a constrição da liberdade do alimentante, com base na dívida acumulada anteriormente à revisão. 3. A posterior adequação do valor da pensão à capacidade econômico-financeira do paciente expõe o quadro de que o inadimplemento anterior não se apre-sentava inescusável e voluntário, tal como prevê a Constituição Federal, em seu art. 5º, LXVII, para admitir, excepcionalmente, a prisão civil do devedor de alimentos. 4. Ademais, no caso, a revisão da pensão em conformidade com as possibilidades financeiras do paciente atende de forma mais eficiente às necessidades do alimentando do que a medida de segregação da liber-dade do alimentante, que poderia, até mesmo, inviabilizar os rendimentos deste, conduzindo a novo inadimplemento da obrigação. 5. Ordem concedida” (4ª Turma, HC 234.664/MS, Relator Ministro Raul Araújo, DJe de 23.05.2012); “HABEAS CORPUS – PRISÃO CIVIL – EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – DÍVIDA RELATIVA ÀS TRÊS ÚLTIMAS PRESTAÇÕES ANTERIORES À EXECU-ÇÃO – PRESTAÇÕES VINCENDAS NO CURSO DO PROCESSO – SÚMULA Nº 309 – APLICAÇÃO INADEQUADA AO CASO – AFASTAMENTO DO DECRETO PRISIONAL – POSTERIOR DECISÃO EM AÇÃO REVISIONAL E CORRETO CUMPRIMENTO – POSSIBILIDADES DO DEVEDOR – 1. Nos termos da Súmula nº 309/STJ, ‘o débito alimentar que autoriza a prisão civil do ali-mentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo’. 2. Todavia, em situações como a dos autos, em que se verifica o pagamento pontual das prestações da pensão alimentícia após a prolação de sentença em ação revisional, reajustando-se o valor da obrigação às possibilidades do devedor, mostra--se desaconselhável a constrição da liberdade do alimentante, com base na dívida acumulada anteriormente à revisão. 3. A posterior adequação do valor da pensão à capacidade econômico--financeira do paciente expõe o quadro de que o inadimplemento anterior não se apresentava inescusável e voluntário, tal como prevê a Constituição Federal, em seu art. 5º, LXVII, para admitir, excepcionalmente, a prisão civil do devedor de alimentos. 4. Ademais, no caso, a revi-são da pensão em conformidade com as possibilidades financeiras do paciente atende de forma mais eficiente às necessidades do alimentando do que a medida de segregação da liberdade do alimentante, que poderia, até mesmo, inviabilizar os rendimentos deste, conduzindo a novo inadimplemento da obrigação. 5. Ordem concedida.” (4ª Turma, HC 191.605/RJ, Relator Mi-nistro Raul Araújo, DJe de 24.04.2012)

Com base nessas premissas, foi negado provimento ao agravo regimental.

8455 – Cédula de crédito rural – ação revisional – cessão de crédito – legitimidade passiva de ambos – prescrição

“Recurso especial. Ação revisional. Cédulas de crédito rural. Cessão de crédito do Banco do Brasil à União. Legitimidade passiva de ambos. Prescrição. Falta de prequestionamento. Taxa de juros remuneratórios e capitalização mensal nas cédulas originadoras da securitização. Matérias já paci-ficadas no STJ. Súmula nº 83 do STJ. Taxa de juros remuneratórios na cédula formalizada quando da securitização. Fundamento inatacado. Comissão de permanência. Não cabimento nas cédulas de crédito. Precedentes. Correção monetária pela variação do preço do produto. Falta de preques-

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tionamento. Inviabilidade do recurso também pela alínea c do permissivo constitucional. Desca-racterização da mora não prequestionada. 1. A União, por força da cessão de crédito feita pelo Banco do Brasil, nos termos da MP 2.196/2001, assumiu a posição de credora, passando a ter legítimo interesse jurídico e econômico na ação revisional das cédulas de crédito rural e respectivos encargos que deram origem ao valor que lhe foi cedido. 2. O Banco do Brasil, na qualidade de ga-rantidor dos créditos cedidos, também possui legitimidade passiva para a ação revisional. 3. Incide o óbice da Súmula nº 282 do STF quando a questão infraconstitucional suscitada não tenha sido debatida no acórdão recorrido. 4. As cédulas de crédito rural, industrial e comercial submetem-se a regramento próprio, que confere ao Conselho Monetário Nacional o dever de fixar os juros a serem praticados. Havendo omissão desse órgão, adota-se a limitação de 12% ao ano prevista no Decreto nº 22.626/1933. Precedentes. 5. Admite-se o pacto de capitalização mensal de juros nas cédulas de crédito rural, industrial e comercial, à luz da legislação de regência. Súmula nº 93 do STJ. A verificação da ausência de pactuação expressa demanda o revolvimento fático e a interpretação de cláusulas contratuais, o que encontra óbice nas Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. 6. A falta de prequestiona-mento da questão federal inviabiliza o recurso especial também pela alínea c do permissivo consti-tucional. 7. Recurso especial da União parcialmente conhecido e desprovido. Recurso especial do Banco do Brasil conhecido e desprovido. Recurso especial dos autores parcialmente conhecido e parcialmente provido.” (STJ – REsp 1.267.905 – (2011/0172938-4) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 18.05.2015 – p. 1332)

8456 – Coisa julgada – pedido formulado em terceira demanda – eficácia preclusiva

“Processual civil. Embargos de declaração. Omissão. Ocorrência. Eficácia preclusiva da coisa jul-gada. Art. 474 do CPC. Pedido formulado em terceira demanda que não foi e nem poderia ter sido objeto dos pedidos formulados nas demandas anteriores. Aclaratórios acolhidos para integralizar o julgado, sem efeitos infringentes. 1. O acórdão recorrido deixou de se manifestar sobre a tese da efi-cácia preclusiva da coisa julgada, nos termos do art. 474 do CPC, sustentada pela Fazenda Nacional nas contrarrazões ao recurso especial, pelo que os aclaratórios merecem acolhida para que tal ponto seja explicitado no julgado. 2. A pretensão relativa à repetição de eventuais valores convertidos a maior em renda da União no segundo mandado de segurança não está inserida no âmbito da eficácia preclusiva da coisa julgada, nos termos do art. 474 do CPC, eis que em nada se refere ao acolhimento ou rejeição dos pedidos formulado nos dois mandamus. Com efeito, o pedido veiculado na presente ação deriva de fato ocorrido apenas no segundo mandado de segurança e visa apurar valores even-tualmente convertidos a maior para fins de repetição ou compensação dos valores indevidamente recolhidos. Tal questão não foi e nem poderia ter sido objeto dos pedidos apreciados nas demandas anteriores. 3. Não há que se falar em violação ao art. 474 do CPC na hipótese, não se podendo impedir a aferição e repetição de valores eventualmente convertidos a maior em renda da União, sob pena de enriquecimento ilícito da Fazenda Nacional. 4. Aclaratórios acolhidos apenas para integralizar o julgado, sem efeitos modificativos.” (STJ – EDcl-REsp 1.408.395 – (2013/0334688-1) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 23.06.2015 – p. 1342)

8457 – Contrato bancário – juros – limitação

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Contratos bancários. Juros remuneratórios. Limi-tação à taxa média do mercado. Súmula nº 284/STF. Capitalização mensal de juros. Alegação de in-constitucionalidade. Impossibilidade de análise em sede de recurso especial. Multa aplicada. Súmu-la nº 284/STF. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 551.361 – (2014/0162174-0) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 23.06.2015 – p. 1416)

8458 – dano moral – ação de indenização – acidente que ocasionou o óbito de pai de família por eletroplessão – quantum indenizatório

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Direito civil. Ação de indenização. Acidente que ocasionou o óbito de pai de família por eletroplessão. Dano moral configurado. Quantum inde-

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nizatório. Dissídio jurisprudencial. Inexistência de similitude. 1. Tratando-se de danos morais, é incabível a análise do recurso com base na divergência pretoriana, pois, ainda que haja grande semelhança nas características externas e objetivas, no aspecto subjetivo, os acórdãos são distintos. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 635.826 – (2014/0325592-8) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 18.05.2015 – p. 1292)

8459 – dano moral – compra pela internet – mercadoria com avarias

“Compra pela Internet. Mercadoria com avarias. Troca de produto. Remessa pelo correio. Restitui-ção simples. Dano moral.” (TJRJ – RIn 0027917-11.2013.8.19.0203 – Rio de Janeiro – 1ª T.R.J.E.Cív. – Rel. Juiz Paulo Luciano de Souza Teixeira – DJe 17.06.2015 – p. 22)

8460 – dano moral – direito eleitoral – título de eleitor – não emissão – erro da administração – cabimento

“Administrativo. Não emissão de título de eleitor. Erro da administração. Danos morais. Cabimen-to. Reparação. Proporcionalidade. Sucumbência. 1. Ao requerer sua inscrição eleitoral perante a 237ª Zona Eleitoral da Comarca de Mairiporã, a autora foi informada acerca da impossibilidade de emissão de seu título eleitoral dentro do prazo. Destarte, a autora restou impossibilitada de votar nas eleições. 2. Conforme documento emitido pela Corregedoria Regional Eleitoral o procedimento do sistema de alistamento da Justiça Eleitoral excluiu, erroneamente, o nome da autora da relação de inscritos para emissão de título. 3. A simples impossibilidade de votar já configura o alegado dano moral, visto que evidente o impedimento ao exercício de direito por parte da autora. Destarte, não sendo necessária a comprovação de situação vexatória ou eventuais abalos à saúde da parte. 4. A reparação do dano moral não pode irrisória nem exorbitante, devendo ser fixado em patamar razoável. 5. Vê-se que o montante fixado em sentença guarda consonância com a jurisprudência pátria que tem estabelecido valores razoáveis fixação das indenizações por dano moral, pois não representa quantia desprezível e tem o caráter de reprimir a prática da conduta danosa, não sendo valor irrisório e nem abusivo, a ponto de ensejar enriquecimento ilícito do autor. 6. O quantum fixa-do deverá ser corrigido monetariamente, a partir da data do arbitramento (Súmula nº 362 do C. STJ), com a incidência de juros moratórios, utilizando-se os índices previstos na Resolução nº 267/2013 do CJF, excluídos os índices da poupança, tendo em vista que o C. STF entendeu pela inconstitu-cionalidade do art. 5º da Lei nº 11.960/2009, adotando o posicionamento de que a eleição legal do índice da caderneta de poupança para fins de atualização monetária e juros de mora ofende o direito de propriedade (ADI 4357, Rel. Min. Ayres Britto, Rel. p/ Ac. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, Julgado em 14.03.2013, Acórdão Eletrônico DJe-188, Divulg. 25.09.2014, Public. 26.09.2014). Nesse sentido: RE 798541-AgR, Relª Min. Cármen Lúcia, 2ª T., Julgado em 22.04.2014, Acórdão Eletrônico DJe-084, Divulg. 05.05.2014, Public. 06.05.2014. 7. Mantenho a condenação em ho-norários advocatícios em atenção ao princípio da causalidade. 8. Apelação da autora improvi-da. Apelação da União parcialmente provida.” (TRF 3ª R. – AC 0002250-84.2005.4.03.6119/SP – 6ª T. – Relª Desª Fed. Consuelo Yoshida – DJe 10.04.2015)

Comentário editorial SÍnTeSeA apelação é oriunda de ação ajuizada contra a União almejando a condenação desta ao res-sarcimento em danos morais decorrentes da emissão intempestiva de título eleitoral da autora.

Alega a autora que em 05.02.20004 requereu sua inscrição eleitoral perante a 237ª Zona Eleitoral da Comarca de Mairiporã. Tal inscrição foi deferida, mas no dia 11.09.2004 obteve a informação de que seu nome não se encontrava no sistema eleitoral, o que impossibilitou a emissão do título a tempo de garantir sua participação nas eleições daquele ano.

Enfatiza que o título deixou de ser emitido em razão de perseguição, já que o seu pai possui irregularidades perante a Justiça Eleitoral.

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O juízo a quo condenou a União ao pagamento de indenização por danos morais no valor de 5 salários mínimos. Além disso, condenou a União ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00.

Irresignada com a sentença proferida, a autora interpôs apelação alegando a existência de prova testemunhal acerca do constrangimento e perseguições sofridos no momento em que compare-ceu à zona eleitoral para emissão do título. Diante disso, almeja majoração da indenização para 200 salários mínimos.

A União também apelou afirmando que inexiste dano moral, já que a autora só buscou a inscri-ção eleitoral ao atingir a maioridade, ou seja, só votaria em virtude da obrigatoriedade do ato, não havendo o que se falar em abalos relevantes pela não emissão do título de eleitor. Ressaltou a prevalência do interesse público na modernização do sistema eleitoral, devendo ser relevadas eventuais falhas ocorridas durante tal processo. Busca a correção das taxas de juros e dos ônus sucumbenciais.

Na análise dos recursos ora interpostos, a 6ª Turma do TRF 3ª Região entendeu que a simples impossibilidade de votar já configura o dano moral, já que se trata de impedimento ao exercício de direito por parte da autora. Assim, desnecessária a comprovação de situação vexatória ou eventuais abalos à saúde da parte.

Ocorre que a reparação do dano em questão não pode ser irrisória nem exorbitante, devendo ser fixada em patamar razoável. Diante disso, o pedido de majoração da quantia foi negado.

Por fim, foi negado provimento ao recurso da autora e quanto ao recurso da União foi dado parcial provimento apenas para restabelecer os índices de juros.

Em seu voto, o Relator citou os seguintes precedentes no que tange à indenização pelo impedi-mento ao direito de voto:

“[...] Presentes o ato causador, o dano e o nexo causal, resta evidenciada a responsabilidade da ré para arcar com a indenização ao autor.

Nesse sentido tem se manifestado a jurisprudência, consoante os seguintes julgados:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO – DIREITO AO VOTO – IMPEDIMENTO – DANO MORAL PRESUMIDO – INDENIZAÇÃO – RA-ZOABILIDADE – JUROS DE MORA – ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/1997 (REDAÇÃO DA LEI Nº 11.960/2009) – INCIDÊNCIA – 1. A responsabilidade objetiva pressupõe a responsabilidade do Estado pelo comportamento dos seus agentes que, agindo nessa qualidade, causem prejuí-zos a terceiros. Impõe, tão somente, a demonstração do dano e do nexo causal, mostrando-se prescindível a demonstração de culpa, a teor do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. 2. Os ele-mentos de prova produzidos nos autos indicam que o motivo da suspensão do título eleitoral do autor (art. 14, § 2º, da Constituição Federal) não mais subsistia quando das eleições de outubro de 2002. 3. A concretização dos direitos e garantias fundamentais está umbilicalmente relacio-nada ao livre exercício dos direitos políticos. Muito embora nossa ordem constitucional preveja hipóteses de participação popular direta (plebiscito, referendo e iniciativa popular), a implemen-tação de políticas públicas, bem assim a edição de atos normativos, opera-se de forma indireta, ou seja, por intermédio de representantes eleitos. Danos morais presumidos 4. Por atender à dupla finalidade de compensar o lesado e desestimular o ofensor, bem como aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, o valor da indenização fixado pela sentença (R$ 1.000,00) não merece reforma. 5. Considerada a natureza instrumental dos juros de mora, as alterações do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, introduzidas pela Lei nº 11.960/2009, têm aplicação imediata aos processos em curso, tendo em vista o princípio do tempus regit actum. Precedente do C. STJ. 6. Apelação parcialmente provida.” (TRF 3ª R., 6ª T., AC 00095503720034036000, Des. Rel. Mairan Maia, e-DJF 3 12.04.2012)

PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – INTERESSE RECURSAL – TÍTULO DE ELEITOR – CANCELAMENTO POR ÓBITO – CONDUTA, DANO E NEXO CAUSAL PRESENTES – INDENIZAÇÃO FIXADA EM VALOR RAZOÁVEL – 1. No caso, denota-se o interesse recursal da parte autora, na medida em que pleiteou na inicial o pagamento de indenização por dano moral a ser fixado em 1.000 (um mil) salários mínimos vigentes à época de seu efetivo pagamento, sendo-lhe, entretanto, concedido

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uma indenização no importe de R$ 6.000,00 (seis mil reais), pela r. sentença recorrida. 2. O dano sofrido pela autora encontra-se atrelado ao cancelamento de seu título de eleitor pela ‘FASE 019’, ou seja, falecimento do titular, situação que lhe ocasionou problemas momen-tâneos de saúde, assim como lhe impediu de exercer seu direito de votar nas eleições. 3. O cancelamento da inscrição eleitoral da autora foi efetuado erroneamente, conforme reconhecido pelo próprio órgão eleitoral (documentos acostados aos autos). 4. Presentes o ato causador, o dano e o nexo causal, fica evidenciada a responsabilidade da ré para arcar com a indenização à autora. 5. O montante requerido pela autora, em seu recurso, não guarda consonância com a jurisprudência pátria que tem estabelecido valores bem mais comedidos na fixação das inde-nizações por dano moral. Apesar dos dissabores causados à autora, inexiste justificativa para o arbitramento de montante astronômico, mormente porque não restaram evidenciadas outras consequências advindas nem quaisquer restrições relacionadas à sua vida pessoal ou profissio-nal. 6. Da mesma forma, considerando as peculiaridades do caso concreto, não há razão que justifique a redução do valor da indenização. 7. Destarte, deve ser mantido o valor fixado na r. sentença a título de indenização por danos morais, pois não representa quantia desprezível e tem o caráter de reprimir a prática da conduta danosa, não sendo valor irrisório e nem abusivo, a ponto de ensejar enriquecimento ilícito da autora. 8. Apelações e remessa oficial, tida por interposta, improvidas. (TRF 3ª R., 6ª T., AC 00032845020024036103, Relª Desª Consuelo Yoshida, DJU 24.05.2013). [...]”

8461 – dano moral – falecimento do pai dos autores em decorrência de atropelamento – in-denização devida

“Recurso especial. Ação de indenização por danos morais. Falecimento do pai dos autores em decorrência de atropelamento. 1 Omissão do acórdão recorrido. Inexistência. 2 Valor da conde-nação por danos morais. Alegação de julgamento ultra petita. Não ocorrência. 3 Compensação entre o valor da indenização e o do seguro obrigatório. Possibilidade. Súmula nº 246/STJ. 4 Recurso parcialmente provido. 1. Consoante dispõe o art. 535 do Código de Processo Civil, destinam-se os embargos de declaração a expungir do julgado eventuais omissão, obscuridade ou contradição, não se caracterizando via própria ao rejulgamento da causa. 2. Trata-se de ação de indenização por danos morais decorrentes do falecimento do pai dos autores, vítima de atropelamento, cujas pecu-liaridades do caso recomendam o afastamento da alegação de julgamento ultra petita, pelo fato de o magistrado ter interpretado que o pedido genérico à reparação por dano moral em 50 (cinquenta) salários mínimos refere-se a cada um dos 2 (dois) filhos individualmente, e não a valor único global, o qual, inclusive, se afigura singelo, se comparado aos parâmetros utilizados por esta Corte em situações análogas. 3. É devida a compensação entre o valor do seguro obrigatório e o montante fixado a título de indenização pelos danos sofridos, sob pena de bis in idem, conforme a Súmula nº 246/STJ. 4. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ – REsp 1.319.526 – (2012/0008520-3) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 18.05.2015 – p. 1336)

8462 – dano moral – pessoa jurídica – ofensa à imagem e honra objetiva – configuração

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual civil e civil. Ofensa ao art. 535 do CPC. Ausência. Inundação de estabelecimento localizado em shopping center. Indenização por danos morais. Pessoa jurídica. Ofensa à imagem e honra objetiva configurada. Requisitos da repa-ração civil configurados. Reexame de matéria fático-probatória. Súmula nº 7/STJ. Dano moral. Valor arbitrado. Razoabilidade. Agravo regimental desprovido. 1. Não se constata violação ao art. 535 do CPC quando a col. Corte de origem dirime, fundamentadamente, todas as questões suscitadas em sede de apelação cível e de embargos declaratórios. Havendo manifestação expressa acerca dos temas necessários à integral solução da lide, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte, fica afastada qualquer omissão, contradição ou obscuridade no julgado. 2. A jurisprudência desta eg. Corte consolidou-se no sentido de reconhecer a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral (Súmula nº 227/STJ), desde que demonstrada, como na hipótese, ofensa à sua honra objetiva (imagem e boa fama). 3. O Tribunal local, ao apreciar as provas produzidas nos autos, foi categórico em reconhecer os requisitos ensejadores da obrigação de indenizar, em decorrência da prova de dano à imagem do estabelecimento perante sua clientela, bem como de sua honra objeti-

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va em decorrência do risco de integridade física a que foram submetidos os consumidores. Nessas circunstâncias, afigura-se inviável rever o substrato fático-probatório diante do óbice da Súmula nº 7/STJ. 4. O Superior Tribunal de Justiça firmou orientação de que é admissível o exame do valor fixado a título de danos morais em hipóteses excepcionais, quando for verificada a exorbitância ou a índole irrisória da importância arbitrada, em flagrante ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não ficou caracterizado no caso em tela em que o valor de R$ 20.000,00 afigura-se razoável ao dano causado. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg--Ag-REsp 621.401 – (2014/0307384-6) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 22.06.2015 – p. 2113)

8463 – defesa do consumidor – contrato padrão para aquisição de imóveis – promessa de compra e venda – cessão da posição contratual – necessidade de prévia anuência

“Direito civil. Direito do consumidor. Contrato padrão para aquisição de imóveis. Promessa de com-pra e venda. Cessão da posição contratual. Necessidade de prévia anuência do promitente-vendedor. Exigência de quitação das dívidas contratuais e do imposto municipal. Desvantagem excessiva para o consumidor não caracterizada. 1. Não é abusiva a cláusula que proíbe o promitente-comprador do imóvel de ceder sua posição contratual a terceiro sem prévia anuência do promitente-vendedor. Pre-cedentes. 2. Não implica desvantagem exagerada para o promitente-comprador a cláusula que con-diciona a cessão do contrato à prévia quitação dos débitos contratuais e do imposto municipal. 3. Re-curso parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.” (STJ – REsp 1.027.669 – (2008/0025714-6) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 18.05.2015 – p. 1424)

8464 – defesa do consumidor – fraude praticada por terceiros – indevida inclusão em cadas-tro de inadimplentes

“Civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Direito do consumidor. Fraude praticada por terceiros. Inclusão do usuário em cadastro de inadimplentes. Dano moral não configurado. Pré-existência de outros registros desabonadores. Incidência da Súmula nº 385 do STJ. 1. Ao consu-midor que detém outros registros desabonadores em cadastro de inadimplentes, uma nova inclusão indevida, por si só, não gera dano moral indenizável, mas apenas o dever da empresa que cometeu o ato ilícito de suprimir aquela inscrição indevida. 2. O usuário não apresentou argumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, que se apoiou em entendimento consolidado no Supe-rior Tribunal de Justiça. Incidência da Súmula nº 385 do STJ. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-AREsp 572.343/SP – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – J. 02.12.2014 – DJe 15.12.2014)

Comentário editorial SÍnTeSeO presente caso envolve, ao menos, duas questões jurídicas interessantes, quais sejam: (a) a responsabilidade civil da instituição financeira, pelos danos gerados por fraudes praticadas por terceiros e (b) a caracterização do dano moral derivado de inscrição indevida, quando pré--existentes registros desabonadores do consumidor.

Tratava-se de ação de indenização por danos morais decorrentes de inscrição do consumidor nos órgãos de proteção ao crédito. A sentença considerou procedente o pedido, arbitrando a indeni-zação em R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais). Em sede de apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou improcedente o pedido, pois houve a demonstração de que constavam mais de quatro ocorrências nos cadastros de devedores inadimplentes em nome do autor.

A matéria alcançou o Superior Tribunal de Justiça em sede de agravo, interposto pelo consu-midor contra a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que negou seguimento ao recurso especial manejado, por entender incidir a Súmula nº 7/STJ. Alegou o agravante que o dano moral derivaria da indevida inscrição de seu nome em órgão de proteção ao crédito, a despeito das inscrições anteriores.

O Relator, Ministro Mouro Ribeiro, registrou a existência da Súmula nº 385/STJ, que assim dis-põe: “da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”.

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ................................................................................189

O seu voto registrou a orientação atual do Superior Tribunal de Justiça, quanto ao tema, trans-crevendo as seguintes ementas: “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME DO DEVEDOR EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – PREEXISTÊNCIA DE OUTRAS ANOTAÇÕES DESABONADORAS – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – AFASTAMENTO – SÚMULA Nº 385/STJ – INCIDÊNCIA – 1. ‘Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento’ (Súmula nº 385 do STJ). 2. Agravo re-gimental provido” (AgRg-AREsp 215.440/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 3ª Turma, DJe 23.08.2013); “AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ESPECIAL – REGISTRO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES – PREEXISTÊNCIA DE INSCRIÇÕES DESABONADORAS – SÚMULA Nº 385 – INDENIZAÇÃO NÃO DEVIDA – RECURSO ESPECIAL PROVIDO – 1. A orientação jurisprudencial desta Corte Superior, para hipóteses como a do presente caso, é no sentido de que a inscrição indevida do seu nome em cadastros de proteção ao crédito enseja o direito à compensação por danos morais, salvo quando preexista inscrição desabonadora regularmente realizada, circuns-tância existente na hipótese dos autos. Aplicação da Súmula nº 385/STJ. 2. Decisão agravada mantida por seus próprios fundamentos. 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg--REsp 1.253.303/SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, DJe 23.11.2012).

Ou seja, com amparo na jurisprudência consolidada, a Corte entendeu que a pessoa já inscrita devidamente nos órgãos de proteção de crédito não sofre dano moral indenizável diante de futuras, embora irregulares, inscrições.

Com base nesses fundamentos, foi negado provimento ao agravo interposto pelo consumidor, mantendo-se hígida o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que julgou improcedente o pedido.

8465 – defesa do consumidor – transporte aéreo – cancelamento de passagem – danos moral e material

“Transporte aéreo. Cancelamento de passagem. Clausula abusiva. Ressarcimento dos danos. Agravo inominado interposto contra decisão monocrática proferida em sede de apelação cível. Ação inde-nizatória. Relação de consumo. Transporte aéreo. Compra de passagens de ida e de volta. Cancela-mento da passagem de volta, em face da não utilização do bilhete de ida. Cláusula abusiva. Dano material comprovado. Transtornos suportados no embarque. Dano moral caracterizado. Reforma parcial da sentença. Recurso de apelação da parte autora parcialmente provido, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC. Agravo inominado interposto pela parte ré ao qual se nega provimento.” (TJRJ – Ap 0019371-28.2014.8.19.0042 – 27ª C.Cív. – Relª Desª Tereza Cristina Sobral Bittencourt Sampaio – DJe 17.06.2015 – p. 18)

8466 – divórcio – litispendência – cheque como garantia – ônus da prova

“Agravo de instrumento. Direito civil. Direito processual civil. Exceção de incompetência. Execu-ção por título certo. Cumprimento de sentença. Divórcio. Litispendência. Cheque como garantia. Ônus da prova. Recurso conhecido e não provido. Decisão mantida. 1. Litispendência ocorre quan-do se repete a ação, ou seja, necessária a identidade de partes, objeto e causa de pedir. O instituto objetiva a prevenção de decisões divergentes sobre o mesmo tema. 2. No caso em tela, o agravante requer o reconhecimento de litispendência em ação de execução por quantia certa que cobra o pagamento de cheques, sob a alegação de que tais títulos servem como garantia de cláusula do acordo judicial da ação de divórcio. 3. O art. 333, I do Código de Processo Civil estabelece que cabe ao autor comprovar os fatos constitutivos do seu direito. Apesar de verossímil a alegação de queascártulasforamemitidascomogarantia;Oautornãocolacionounenhumdocumentocapazde comprovar suas alegações. 4. Assim, ausente o preenchimento dos requisitos para o reconhe-cimento da litispendência, correta a decisão que fixou a competência, conforme a distribuição. 5. Recurso conhecido e não provido.” (TJDFT – AI 20150020062595 – (874855) – 1ª T.Cív. – Rel. Des. Romulo de Araujo Mendes – DJe 24.06.2015 – p. 109)

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8467 – duplicata mercantil – protesto indevido – endosso-mandato – instituição bancária – negligência – dano moral

“Duplicata mercantil. Protesto indevido. Endosso-mandato. Instituição bancária. Negligência. Dano moral. Agravo inominado. Apelação. Consumidor. Protesto indevido de duplicata mercantil por in-dicação. Endosso-mandato. Dano moral. A questão acerca da responsabilidade do endossatário que encaminha a protesto título de crédito recebido por endosso-mandato restou pacificada pelo STJ, em sede de recurso especial representativo da controvérsia: ‘Só responde por danos materiais e morais o endossatário que recebe título de crédito por endosso-mandato e o leva a protesto se extrapola os poderes do mandatário ou em razão de ato culposo próprio, como no caso de apontamento depois da carência acerca do pagamento anterior ou da falta de higidez da cártula [...]’. No caso, como não havia título de crédito constituído, já que o protesto da duplicata foi feito por mera indicação, sem aceite e sem comprovante de entrega de mercadorias ou prestação de serviços respectivo, constata--se a manifesta negligência da instituição bancária ao apresentar para protesto documento que não se revestia das características formais de título de crédito. Dano moral in re ipsa. Quantia indeni-zatória arbitrada de acordo com a razoabilidade. Ausência de argumento capaz de ilidir os termos da decisão monocrática. Desprovimento do recurso.” (TJRJ – Ap 0233704-37.2008.8.19.0001 – 27ª C.Cív. – Relª Desª Maria Luiza de Freitas Carvalho – DJe 17.06.2015 – p. 17)

8468 – Embargos à execução – legitimidade ad causam – liquidez do título

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Embargos à execução. Legitimidade ad causam. Liquidez do título executivo. Reexame de provas e interpretação de cláusulas contratuais. Súmulas nºs 5 e 7/STJ. Agravo não provido. 1. O Tribunal de origem concluiu que o recorrido tem legitimi-dade ad causam e que o título executivo é líquido, porque, pelas cláusulas contratuais, o outorgante vendedor se comprometeu a entregar o imóvel com as despesas quitadas, sob pena de multa diária. No caso, essa conclusão não pode ser alterada nesta Corte, pois demandaria o reexame do conjunto fático-probatório e interpretação de cláusulas contratuais, o que atrai os óbices das Súmulas nºs 5 e 7 desta Corte. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 646.456 – (2014/0338491-6) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 29.04.2015 – p. 710)

8469 – Exceção de pré-executividade – reforma do julgado – condenação por litigância de má-fé

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Exceção de pré-executividade. Reforma do julgado. Condenação por litigância de má-fé. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Súmula nº 5/STJ. Manutenção do julgado pelos seus próprios termos. 1. A convicção a que chegou o Tri-bunal de origem quanto à ocorrência de preclusão e de litigância de má-fé decorreu da análise do conjunto probatório, incidindo o óbice da Súmula nº 7/STJ. 2. Não sendo a linha argumentativa apresentada pela agravante capaz de evidenciar a inadequação dos óbices sumulares invocados pela decisão agravada, o presente agravo não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado im-pugnado, devendo ser ele integralmente mantido pelos seus próprios fundamentos. 3. Agravo regi-mental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 256.837 – (2012/0240496-0) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 28.04.2015 – p. 1870)

8470– Exceção de pré-executividade – valor patrimonial da ação – descabimento

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Processual civil. Exceção de pré-executividade. Valor patrimonial da ação. Descabimento. Necessidade de impugnação ao cumprimento de sen-tença. 1. Descabimento da exceção de pré-executividade para discutir o valor patrimonial da ação. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 630.851 – (2014/0320078-0) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 23.06.2015 – p. 1430)

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8471 – Execução – astreintes – não cabimento

“Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Argumentos insuficientes para descons-tituir a decisão atacada. Execução de astreintes. Não cabimento. Decisão judicial determinando a suspensão da multa antes do ajuizamento da execução provisória. Verbete Sumular nº 410/STJ. Aplicação ao caso concreto. I – In casu, verifica-se a impossibilidade de execução da multa coer-citiva, porquanto ajuizada a execução provisória quando vigente decisão judicial que havia deter-minado a sua suspensão, sendo aplicável, à espécie, o Enunciado sumular nº 410/STJ. II – A Agra-vante não apresenta, no regimental, argumentos suficientes para desconstituir a decisão agravada. III – Agravo Regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 983.345 – (2007/0216193-0) – 1ª T. – Relª Min. Regina Helena Costa – DJe 15.05.2015 – p. 867)

8472 – Execução – honorários de profissional liberal – competência da justiça estadual

“Conflito negativo de competência. Justiça do Trabalho. Justiça Comum Estadual. Ação de cobran-ça. Rescisão de contrato de prestação de serviços. Avaliação de pessoal para sociedade empresária por psicólogo. Profissional liberal. Relação de emprego não alegada. Causa de pedir. Pedido. Índole eminentemente civil. 1. O pedido e a causa de pedir denotam a competência da Justiça Comum Estadual porque o autor em nenhum momento pede o reconhecimento da existência de relação de empregoeapercepçãodosseusconsectários;aorevés,pretendeorecebimentosdosexatosvaloresprevistos na ‘cláusula cinco do contrato’ de prestação de serviços. 2. Desse modo, a pretensão de-riva da prestação, por psicólogo, do serviço de intermediação e avaliação de aptidão de candidatos a empregos oferecidos pela empresa contratante, de forma autônoma e não subordinada, fazendo incidir o teor da Súmula nº 363 desta Corte: ‘Compete à Justiça Estadual processar e julgar a ação de cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente.’ 3. Conflito conhecido para declarar competente a Justiça Comum Estadual.” (STJ – CC 135.007/MG – 2ª S. – Rel. Min. Raul Araújo – J. 22.10.2014 – DJe 17.11.2014)

Comentário editorial SÍnTeSeO caso concreto aborda matéria corriqueira nas Cortes do país: a competência para o julgamen-to de causas que envolvem dívidas oriundas de contratos firmados por profissionais liberais. Tratava-se da pretensão de um psicólogo ser remunerado pela realização de intermediação e de avaliação de aptidão de candidatos a empregos oferecidos pela empresa contratante.

O Superior Tribunal de Justiça apreciou um conflito negativo de competência entre o Juízo da Vara do Trabalho de Ubá e Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Ubá/MG, suscitado nos autos de ação de cobrança ajuizada por profissional liberal contra uma empresa.

Inicialmente distribuída no Juízo Cível, o magistrado da 1ª Vara Cível da Comarca de Ubá/MG declinou de sua competência, por considerar que o contrato de prestação de serviços firmado entre as partes configuraria uma relação de emprego. Distinta foi a posição do juiz da Vara do Trabalho de Ubá/MG, o qual suscitou o conflito negativo de competência, por considerar que não haveria nos autos pedido relativo ao reconhecimento de relação de emprego, mas sim uma mera pretensão condenatória, oriunda de relação contratual civil.

O Ministro Relator, Raul Araújo, ressaltou que “a competência para julgamento de demanda levada a juízo é fixada em razão da natureza da causa, que, a seu turno, é definida pelo pedido e pela causa de pedir deduzidos”. Na inicial da ação de cobrança, afirmou o autor que “firma-ra contrato com a ré em 13 de março do corrente ano, para que este exercesse a função de psicólogo na ‘área de Gestão de Pessoas nas dependências da empresa, com dias específicos e horas delimitadas, conforme contrato em anexo’ e que em certo momento ‘foi procurado pelo proprietário da empresa acima citada e lhe foi dito que a mesma não queria mais seus serviços prestados e que estava rescindindo o contrato’”.

O pedido, de seu turno, era de condenação da ré ao pagamento dos valores constantes na cláusula quinta, como descreveu o voto “a ré deve ao autor o equivalente a oito mensalidades re-

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ajustadas nos termos do contrato firmado entre as partes, que, atualmente somadas, remontam à quantia de R$ 12.000,00 (doze mil reais); conforme cláusula cinco do contrato em anexo”.

Com base nesse contexto, concluiu o Superior Tribunal de Justiça que “o pedido e a causa de pedir denotam a competência da Justiça Comum porque o autor em nenhum momento pede o reconhecimento da existência de relação de emprego e a percepção dos seus consectários; ao revés, pretende os recebimentos dos exatos valores previstos na ‘cláusula cinco do contrato em anexo’”.

No caso, incide o teor da Súmula nº 363/STJ: “Compete à Justiça Estadual processar e julgar a ação de cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente”.

O voto registrou explicativo precedente da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “se a ação é ajuizada por profissional liberal contra cliente, objetivando o pagamento de valores decorrentes de contrato de prestação de serviços, não havendo discussão sobre re-conhecimento de vínculo empregatício ou a pretensão ao recebimento de verbas trabalhistas, a competência para apreciar a causa é da Justiça Comum. A ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela modificação do art. 114 da Constituição Federal, promovida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, não altera a competência para o julgamento das demandas que não envolvem “relação de trabalho típica”, uma vez que, segundo a doutrina especializada, tratando-se de relação em que o contratado é prestador de serviços ao público em geral, isto é, o tomador do serviço é um número indeterminado de pessoas (mercado consumidor), tal relação não é de trabalho, mas ‘relação de consumo’” (CC 67.330/MG, 2ª S., Relª Min. Nancy Andrighi, DJ de 01.02.2007).

Com base nesses argumentos, o Relator conheceu do conflito para declarar a competência do d. Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Ubá/MG, por não visualizar nos autos pedido de reconheci-mento de vínculo empregatício, ou mesmo de recebimento de verbas trabalhistas.

8473 – fraude de execução – ciência de demanda capaz de levar o alienante à insolvência – prova – ônus do credor

“Processo civil. Embargos de divergência em recurso especial. Divergência acerca de dispositivo de lei federal. Cabimento. Fraude de execução. Ciência de demanda capaz de levar o alienante à insolvência. Prova. Ônus do credor. Embargos de divergência conhecidos e providos. 1. Esta Se-gunda Seção decidiu recentemente que ‘tratando-se de divergência a propósito de regra de direito processual (inversão do ônus da prova) não se exige que os fatos em causa no acórdão recorrido e paradigma sejam semelhantes, mas apenas que divirjam as Turmas a propósito da interpretação do dispositivo de lei federal controvertido no recurso’ (EREsp 422.778/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Relª p/ Ac. Ministra Maria Isabel Gallotti, 2ª S., Julgado em 29.02.2012, DJe 21.06.2012). 2. Havendo prévio registro imobiliário, o credor tem o benefício da presunção absoluta de conhe-cimento pelo terceiro adquirente da pendência de processo. 3. Inexistindo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência, sob pena de tornar-se ‘letra morta’ o disposto no art. 659, § 4º, do CPC (REsp 956.943/PR, Relª Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Ac. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, Julgado em 20.08.2014, DJe 01.12.2014). 4. Embargos de divergência conhecidos e providos.” (STJ – ED-REsp 655.000 – (2008/0067908-9) – 2ª S. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 23.06.2015 – p. 1285)

8474 – Honorários de advogado – cabimento na execução e nos embargos do devedor – pos-sibilidade de cumulação

“Agravo regimental. Recurso especial. Honorários advocatícios. Cabimento na execução e nos em-bargos do devedor. Possibilidade de cumulação. Precedentes da Corte Especial. Recurso a que se nega provimento. 1. A Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça entende cabível o arbitra-mento de honorários advocatícios tanto na execução quanto nos embargos do devedor, ressaltando, porém, a possibilidade de a sucumbência final ser determinada definitivamente pela sentença dos

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embargos, desde que o valor fixado atenda ambas as ações. 2. No caso dos autos, o Tribunal Re-gional Federal da 4ª Região afirmou expressamente que a fixação dos honorários nos embargos em 10% (dez por cento) sobre o valor da execução, abrangia também esta ação. 3. Agravo regimental a que nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.142.466 – (2009/0102334-0) – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 30.04.2015 – p. 1406)

Comentário editorial SÍnTeSeTrata-se de agravo regimental interposto de decisão singular desta relatoria que negou segui-mento ao recurso especial dos exequentes, analisando as teses relativas à suposta negativa de prestação jurisdicional, condenação em honorários advocatícios na execução de sentença e inexistência de sucumbência recíproca.

Afirmaram os agravantes que a decisão agravada fez letra morta da Súmula nº 345/STJ ao autorizar a fixação de honorários advocatícios nos embargos à execução abrangendo a verba de-vida na própria execução, porque as bases de incidência de cada uma das condenações podem divergir, criando-se possibilidade de prejuízos à parte credora.

Sustentaram que a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é uníssona em afirmar não somente a independência das verbas honorárias na execução e nos embargos à execução, mas também a possibilidade de cumulação de uma e outra, cumulação esta que acabou obstaculi-zada quando se determinou a substituição do percentual de honorários fixados na execução por aqueles arbitrados nos embargos de devedor.

O STJ negou provimento ao agravo regimental.

Oportuno colacionar trecho do voto do Relator:

“Conforme destacado na decisão agravada, no caso dos autos a Corte Federal afirmou clara-mente que a fixação dos honorários nos embargos em 10% (dez por cento), abrangia também a execução.

Confira-se:

‘Na existência de embargos à execução, parciais ou não, não mais prevalece aquela fixação provisória a título de honorários advocatícios, devendo ser outra verba fixada por ocasião da prolação da sentença dos embargos, a qual deve contemplar ambos os processos – tanto o de execução como o de embargos.

[...]

Considerando a sucumbência exclusiva da embargante, esta deve arcar com honorários advoca-tícios fixados em 10% sobre o valor da execução.’”

Welington Luzia Teixeira assim assevera sobre os honorários advocatícios:

“Ora, se os honorários de advogado, de qualquer espécie, já que a decisão do Supremo Tribunal Federal não fez nenhuma distinção, possuem caráter alimentar, ou seja, têm preferência no mo-mento do pagamento e visam à manutenção do advogado e da sua família, nada mais justifica as decisões judiciais que ainda determinam a sua compensação, nas hipóteses de sucumbência recíproca, mesmo existindo previsão legal para tanto- que restou superada com a decisão da Suprema Corte – já que a compensação desta verba pode levar à ruína o advogado que a ela foi submetido. Se possui caráter alimentar, conforme restou decidido pela mais alta Corte, esta verba tem que ser entregue, e imediatamente, ao advogado, já que dela necessita para a sua manutenção e da sua família, repita-se.

Como se não bastasse, a verba honorária refere-se, após a decisão do Supremo Tribunal Federal, RE 470.407, a direito indisponível, já que de caráter alimentar. Vale dizer, deve ser dirigida para o sustento do advogado e da sua família, não só na compra de alimentos, pagamentos de alugueres ou de prestação da casa própria, mas também na sua aplicação financeira, visando a um futuro melhor para si e para os seus.

Destarte, não pode haver a compensação da verba honorária sucumbencial por ser ela de caráter alimentar, direito indisponível, portanto, tampouco poderia o legislador determinar a sua redução pela metade, na hipótese do devedor pagar o crédito executado nos três dias subseqüentes à sua citação, conforme permissivo legal alhures citado.

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Em verdade, as constantes reformas processuais são produzidas como se estivéssemos em uma linha de frente de uma fábrica de automóveis e visam, exclusivamente e a qualquer custo, esvaziar os escaninhos forenses e, para tanto, o legislador não se preocupa em resguardar os mais elementares direitos fundamentais, como o da vida, por exemplo, já que está retirando do advogado o acesso ao pagamento pelo seu trabalho, logo, o direito a uma vida digna. Em suma: o legislador dificulta o acesso àquela verba quando dá desconto sobre o seu pagamento e elimina aquele acesso quando determina a sua compensação.

Ao criar leis determinando a compensação da verba honorária ou prevendo o seu desconto/prê-mio ao devedor (contumaz, na maioria das vezes), liberalidade esta com o bolso e o patrimônio alheio, o que o legislador está visando é diminuir o número de processos, cuja demora na sua tramitação não se dá, exclusivamente, pela interposição de recursos, como sempre se ouve falar, já que o prazo do advogado para recorrer é sempre cumprido, sob pena de o recurso ser julgado extemporâneo, e o prazo do juiz para sentenciar nunca é respeitado, sem que os seus vencimen-tos sofram qualquer diminuição.

Esta hemorragia legislativa não poderia dar em outra coisa, senão em Leis conflitantes e em decisões judiciais contraditórias, ou seja, enquanto o juiz determina a compensação ou o abati-mento na verba honorária, visando o recebimento do crédito executado de maneira mais célere, com base em uma Lei (CPC, art. 21 e parágrafo único do art. 652-A), esta mesma Lei determina que os honorários de advogado são absolutamente impenhoráveis, porque possuem, evidente-mente, caráter alimentar e, sendo assim, refere-se a direito indisponível do advogado. Por ter este caráter, a verba honorária, em nenhuma hipótese, poderá ser compensada ou ser abatida, pelos motivos já expostos e, também, porque a diminuição desta verba não pode servir de atra-tivo para devedores contumazes quitarem os seus débitos, já que a obrigação é de pagá-los no vencimento, sob as penas da Lei e não sob as vantagens da Lei, patrocinada pelo advogado.” (Honorários advocatícios: direito indisponível. Disponível em: http://online.sintese.com)

8475 – Honorários de advogado – cumprimento de sentença – ausência de fixação no início da fase – inexistência de coisa julgada

“Recurso especial. Direito processual civil. Honorários advocatícios. Cumprimento de sentença. Honorários que não foram fixados quando do início da fase. Inexistência de coisa julgada. Mera adoção dos cálculos apresentados para efeito de bloqueio. Fixação dos honorários ao final. Possi-bilidade. Precedentes. Recurso especial não provido. 1. Se a fase de cumprimento de sentença se iniciou com a pretensão estimativa de honorários, evidentemente que tal pedido não vincula o juiz porque os pode fixar ao final. 2. Na fase de cumprimento de sentença, os honorários advocatícios podem ser fixados no início dela ou no seu final. Precedentes. 3. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.289.996 – (2011/0051410-1) – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 18.05.2015 – p. 1334)

8476 – Juizado especial cível – reclamação – consumidor – condenação de ofício – ilegalidade

“Reclamação. Juizados especiais. Direito do consumidor. Agência bancária. ‘Fila’. Tempo de es-pera. Ação de indenização por danos morais. Condenação por danos sociais em sede de recurso inominado. Julgamento ultra petita. Reclamação procedente. 1. Os arts. 2º, 128 e 460 do Código de Processo Civil concretizam os princípios processuais consabidos da inércia e da demanda, pois impõem ao julgador – para que não prolate decisão inquinada de vício de nulidade – a adstrição do provimento jurisdicional aos pleitos exordiais formulados pelo autor, estabelecendo que a atividade jurisdicional está adstrita aos limites do pedido e da causa de pedir. 2. Na espécie, proferida a sen-tença pelo magistrado de piso, competia à Turma Recursal apreciar e julgar o recurso inominado nos limites da impugnação e das questões efetivamente suscitadas e discutidas no processo. Contu-do, ao que se percebe, o acórdão reclamado valeu-se de argumentos jamais suscitados pelas partes, nem debatidos na instância de origem, para impor ao réu, de ofício, condenação por dano social. 3. Nos termos do Enunciado nº 456 da V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos devem ser reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas. 4. Assim, ainda que o autor da ação tivesse apresentado pedido de fixação de dano

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social, há ausência de legitimidade da parte para pleitear, em nome próprio, direito da coletivida-de. 5. Reclamação procedente.” (STJ – RCL 13.200/GO – 2ª S. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – J. 08.10.2014 – DJe 14.11.2014)

Comentário editorial SÍnTeSeUm dos temas mais polêmicos em sede doutrinária e jurisprudencial diz respeito à possibilidade de reparação dos danos sociais, à luz dos princípios de direito privado. No caso, a Segunda Turma Julgadora Mista dos Juizados Especiais do Estado de Goiás, ao apreciar um caso, no qual o consumidor permanecera em fila bancária para atendimento por mais de 30 (trinta) minutos, considerou que este tipo de situação não ocorre apenas com o autor da ação e que a condenação do Banco deveria atender ao interesse da coletividade.

Inicialmente, a sentença julgara parcialmente procedente o pedido, condenando o Banco a pagar ao autor a importância de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) a título de danos morais. Ambas as partes recorreram e a Corte Estadual, de forma unânime, deu provimento ao recurso do autor, para majorar o valor do dano moral para R$ 2.500,00. Além disso, de ofício, aplicou a condenação de R$ 15.000,00 a título de dano social. O julgado foi assim ementado: “RECURSO INOMINADO – ESPERA EM FILA DE BANCO – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – DEFEI-TO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DEMONSTRADA – QUANTUM – DANO SOCIAL – FIXAÇÃO EX OFFICIO – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – 1. Por se tratar de relação de consu-mo, aplica-se a inversão do ônus da prova, consoante determina o Código de Defesa do Consu-midor. Cumpria ao requerido comprovar que o requerente não permaneceu durante cinquenta e três minutos à espera de atendimento. Como assim não procedeu, merece crédito as alegações do recorrido, que se viu obrigado a permanecer por todo esse tempo na fila do Banco, no dia 17.01.2011, segunda-feira. 2. Em dia como esse, a Lei municipal de Goiânia tolera até 20 minutos como tempo razoável para atendimento do consumidor, de modo que o autor acabou tendo que esperar muito mais do que esse tempo. 3. O desgaste decorrente do tempo excessivo em fila de agência bancária ultrapassa a linha do mero aborrecimento para residir no campo do dano moral, podendo alcançar até o dano material, desde que devidamente comprovado. 4. O paliativo da dor moral deve ser fixado sem excessos, evitando-se o enriquecimento sem causa da parte atingida pelo ato considerado lesivo e significando medida profilática à prática de novas abusividades pelo ofensor. Nesse aspecto, merece reforma o decisum fustigado, pelo que majoro a condenação pelos danos morais sofridos para R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). 5. Ademais, verifica-se também a ocorrência de outro dano, embora a título diverso e com outro destinatário – sem violação do princípio da congruência, em face da locução latina da mihi factum, dabo tibi jus –, uma vez que a narrativa dos fatos, o pedido deduzido em juízo e a prova documental acostada, permitem fixar indenização a título de dano social. 6. O juiz está legitimado a estender o âmbito da decisão mesma absent parties, ou precisamente erga omnes. Não representa reformatio in pejus, porquanto trata-se de condenação ex officio, pelo órgão revisor. 7. É garantido ao juiz a possibilidade de proferir decisão alheia ao pedido formulado, visando a assegurar o resultado equivalente ao do adimplemento, conforme o art. 84, do Código de Defesa do Consumidor. 8. A indenização derivada do dano social não é para uma pessoa específica, porque vítima é toda a sociedade, portanto, será destinada à Cevam – Centro de Va-lorização da Mulher Consuelo Nasser. 9. Dessa forma, reconheço de ofício a ocorrência de dano social, condenando o recorrido ao pagamento de indenização no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Tanto a indenização por danos morais, quanto por danos sociais serão atualizadas monetariamente pelo INPC a partir da data desde acórdão, com juros de 1% (um por cento) ao mês incidindo a partir do fato danoso. O valor a título de dano social será depositado no Juízo de origem e revertido à Cevam – Centro de Valorização da Mulher Consuelo Nasser, para levanta-mento mediante alvará judicial. 10. Recurso apresentado por Roberto Ferreira Araújo conhecido e provido. Recurso apresentado por Banco Bradesco S/A conhecido e improvido.”

Considerando que, no sistema recursal dos Juizados Especiais, não existe previsão para o ca-bimento do Recurso Especial, o Banco promoveu reclamação no Superior Tribunal de Justiça. Dentre os fundamentos aventados, encontrava-se a “a completa falta de previsão legal para esse tipo de indenização”, a qual ensejaria o afastamento da respectiva reparação. Foi alegado

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julgamento ultra e extra petita, na medida em que o tema não fora discutido na petição inicial, nem na contestação, nem no recurso inominado.

O Ministro Relator, inicialmente, reconheceu o cabimento da Reclamação, porquanto “a Corte Especial, resolvendo questão de ordem na RCL 3.752/GO, considerou possível ajuizar reclama-ção no Superior Tribunal de Justiça para adequar as decisões proferidas nas turmas recursais dos juizados especiais estaduais à súmula ou jurisprudência dominante nesta Corte, enquanto se aguarda a criação de uma Turma de Uniformização – órgão encarregado de interpretar a legisla-ção infraconstitucional federal, a exemplo do que já existe no âmbito dos juizados especiais fede-rais”. Outrossim, registrou que, no julgamento da RCL 4.858/RS, “a Segunda Seção desta Corte consignou que, por jurisprudência consolidada capaz de ensejar mencionadas reclamações, consideram-se os precedentes proferidos em julgamentos de recursos especiais apreciados sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do Código de Processo Civil), ou as súmulas do STJ”.

Sublinhou, ainda, admitir-se o uso da reclamação quando a decisão impugnada apresentar “sinais de teratologia”, invocando o seguinte precedente: “RECLAMAÇÃO – RESOLUÇÃO STJ Nº 12/2009 – DIVERGÊNCIA ENTRE ACÓRDÃO DE TURMA RECURSAL ESTADUAL E A JU-RISPRUDÊNCIA DO STJ – RESPONSABILIDADE CIVIL – ASSALTO NO INTERIOR DE ÔNIBUS COLETIVO – CASO FORTUITO EXTERNO – EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DA EMPRESA TRANSPORTADORA – MATÉRIA PACIFICADA NA SEGUNDA SEÇÃO – 1. A egrégia Segunda Seção desta Corte, no julgamento das Reclamações nº 6.721/MT e nº 3.812/ES, no dia 9 de novembro de 2011, em deliberação quanto à admissibilidade da reclamação disciplinada pela Resolução nº 12, firmou posicionamento no sentido de que a expressão ‘jurisprudência consoli-dada’ deve compreender: (i) precedentes exarados no julgamento de recursos especiais em con-trovérsias repetitivas (art. 543-C do CPC) ou (ii) enunciados de Súmula da jurisprudência desta Corte. 2. No caso dos autos, contudo, não obstante a matéria não estar disciplinada em enun-ciado de Súmula deste Tribunal, tampouco submetida ao regime dos recursos repetitivos, evi-dencia-se hipótese de teratologia a justificar a relativização desses critérios. [...]” (RCL 4.518/RJ – 2ª S. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – J. 29.02.2012 – DJe 07.03.2012)

Em seu voto, consta a informação de que a Federação Brasileira de Bancos – Febraban identifi-cou, no âmbito da mesma Turma Recursal, cerca de 200 (duzentas) sentenças condenatórias – apenas no Estado de Goiás – ao pagamento de indenização por dano social em favor de terceiros estranhos à lide, e sem que houvesse pedido dos autores nesse sentido. Desta forma, considerou “a necessidade de enfrentar urgentemente as questões relativas à condenação por danos sociais neste tipo de demanda”, o que é permitido com o uso da reclamação.

Em relação à matéria de fundo, o Relator considerou que o art. 944, do Código Civil, consagra o fundamento indenitário, assim dispondo: “a indenização mede-se pela extensão do dano”. Lembrando enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, assinalou que “a palavra dano no mencionado dispositivo legal abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também dos danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos”.

Quanto aos danos sociais, o voto transcreveu trecho das lições de Antônio Junqueira de Azevedo, precursor da teoria do dano social no Brasil: “o art. 944 no Código Civil, ao limitar a indenização à extensão do dano, não impede que o juiz fixe, além das indenizações pelo dano patrimonial e pelo dano moral, também – esse é o ponto – uma indenização pelo dano social. A ‘pena’ – agora, entre aspas, porque no fundo, é reposição à sociedade –, visa a restaurar o nível social de tranquilidade diminuída pelo ato ilícito” (O código civil e a sua interdisciplinaridade: os reflexos do código civil nos demais ramos do direito. José Geraldo Brito Filomeno; Luiz Guilherme da Costa Wagner Junior e Renato Gonçalves (Coords.). Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 375).

Entretanto, ainda que o instituto tenha previsão legal, alguns critérios deveriam ser respeitados quando de sua aplicação. A este respeito, registrou que “os arts. 2º, 128 e 460 do Código de Processo Civil concretizam os princípios processuais consabidos da inércia e da demanda, pois impõem ao julgador – para que não prolate decisão inquinada de vício de nulidade – a adstrição do provimento jurisdicional aos pleitos exordiais formulados pelo autor, estabelecendo que a atividade jurisdicional está adstrita aos limites do pedido e da causa de pedir”.

Com apoio na doutrina de José Roberto dos Santos Bedaque, apontou que “à luz dos arts. 128, 459 e 460, está o juiz objetivamente limitado aos elementos da demanda deduzidos pelo autor

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na inicial. O pedido formulado e os motivos deduzidos pelo autor representam o âmbito de atu-ação do julgador. Não pode ele conceder mais ou coisa diversa da pretendida, nem apresentar razões diferentes das apresentadas. Se o fizer, dar-se-á o fenômeno do julgamento ultra ou extra petita, o que pode implicar nulidade da sentença. Tais regras decorrem diretamente do princípio da demanda e da inércia da Jurisdição. Na medida em que se admitisse ao juiz conceder ao autor mais do que fora pedido, ou por razões diversas das deduzidas na inicial, estar-se-ia pos-sibilitando a tutela jurisdicional de ofício. Tudo o que excedesse os limites objetivos da deman-da implicaria atuação sem provocação” (Código de processo civil interpretado. Antônio Carlos Marcato (Coord.). 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 390).

No caso concreto, nem o pedido da ação, nem o do recurso inominado, invocaram dano social, razão pela qual o acórdão reclamado aplicou, de ofício, a condenação por dano social. Houve nítida extrapolação ao efeito devolutivo.

Conforme o voto, não poderia “o órgão colegiado julgar matéria estranha ao recurso, seja pelos princípios da demanda e da inércia, seja pela preclusão ou coisa julgada que recai sobre os pontos da sentença que não foram devidamente impugnados”.

Desta forma, a reclamação foi conhecida e acolhida, para se julgar “nulo o acórdão reclamado, afastada a condenação de ofício por dano social, com a devolução dos autos para que a lide seja apreciada pela Turma Recursal, nos limites em que foi proposta”.

8477 – Justiça gratuita – concessão – eficácia em todas as instâncias – renovação do pedido

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual civil. Justiça gratuita (Lei nº 1.060/1950, arts. 4º, 6º e 9º). Concessão. Eficácia em todas as instâncias e para todos os atos do processo. Renovação do pedido na interposição do recurso. Desnecessidade. Precedente da Corte especial. Agravo provido. 1. Uma vez concedida, a assistência judiciária gratuita prevalecerá em todas as instâncias e para todos os atos do processo, nos expressos termos do art. 9º da Lei nº 1.060/50. 2. Somente perderá eficácia a decisão deferitória do benefício em caso de expressa revogação pelo Juiz ou Tribunal. 3. Não se faz necessário para o processamento do recurso que o beneficiário refira e faça expressa remissão na petição recursal acerca do anterior deferimento da assistência judiciária gratuita, embora seja evidente a utilidade dessa providência facilitadora. Basta que constem dos autos os comprovantes de que já litiga na condição de beneficiário da justiça gra-tuita, pois, desse modo, caso ocorra equívoco perceptivo por parte do julgador, poderá o interessa-do facilmente agravar fazendo a indicação corretiva, desde que tempestiva. 4. Precedente da Corte Especial (EAREsp 86.915/SP, Corte Especial, Rel. Min. Raul Araújo, DJe de 04.03.2015). 5. Agravo regimental provido, afastando-se a deserção.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 624.494 – (2014/0310848-6) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 22.06.2015 – p. 2117)

Comentário editorial SÍnTeSeTrata-se de agravo interno interposto contra decisão que negou seguimento ao recurso, por falta de renovação do pedido de assistência judiciária, embora já tivesse sido deferido nas instâncias ordinárias.

Em suas razões recursais, a parte agravante pugna pela reconsideração da respeitável decisão, tendo em vista a impossibilidade de reconhecimento de deserção do recurso especial. Para tanto, afirma que os efeitos do deferimento de concessão de assistência judiciária gratuita pelas instâncias ordinárias perduram do momento do seu deferimento até o final da demanda e em qualquer grau de jurisdição, sendo, portanto, despiciendo novo pedido de justiça gratuita perante esta egrégia Corte.

O STJ deu provimento ao agravo interno, para, em se reformando a decisão agravada, afastar a deserção. Determina-se, ainda, a conclusão dos autos ao Relator para análise do agravo em recurso especial.

O ilustre Jurista Nehemias Domingos de Melo assim disciplina sobre a Justiça gratuita:

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“O acesso à justiça não pode ficar à mercê da possibilidade econômica da parte fazer frente às despesas processuais, visto que tal acesso consiste na proteção de qualquer direito, sem qualquer restrição econômica, social ou política. É importante destacar que não basta a simples garantia formal da defesa dos direitos e o acesso aos tribunais, mas a garantia da proteção material destes direitos, assegurando a todos os cidadãos, independentemente de classe social, a ordem jurídica justa.

De outro lado, o Estado tem o dever de conceder a todos o acesso ao Judiciário sem a neces-sidade de antecipação das despesas processuais. Seria absurdo, para dizer o mínimo, que o ingresso em juízo fosse possível apenas aos que detêm situação econômica abastada. A função do Estado-Juiz é decidir os litígios e trazer a paz social nas relações intersubjetivas, logo esta má-xima estaria prejudicada, se a maioria da população pobre não pudesse defender seus direitos.

A luta da população por saúde, educação, trabalho, segurança, dentre outras, deveria incluir outra reivindicação, qual seja, a de Justiça Gratuita para todos. A Justiça é monopólio do Esta-do, logo seu acesso deveria ser livre e gratuita para aqueles que pleiteassem tal benefício. Se a campanha por justiça gratuita prosperar, podemos até sugerir um slogan: ‘Justiça Gratuita para Todos!’.

O Professor Gabriel de Rezende Filho, já nos idos de 1954, preconizava que ‘a justiça deve estar ao alcance de todos, ricos e poderosos, pobre e desprotegidos, mesmo porque o Estado reservou--se o direito de administrá-la, não consentindo que ninguém faça justiça por suas próprias mãos. Comparecendo em juízo um litigante desprovido completamente de meios para arcar com as despesas processuais, inclusive honorários de advogado, é justo seja dispensado do pagamento de quaisquer custas...’.

Partilhando do mesmo pensamento, Vicente Grecco Filho, afirma de forma peremptória que ‘uma justiça ideal deveria ser gratuita. A distribuição da justiça é uma das atividades essenciais do Estado e, como tal, da mesma forma que a segurança e a paz pública, não deveria trazer ônus econômico aqueles que dela necessitam. Todavia, inclusive por tradição histórica, a admi-nistração da justiça tem sido acompanhada do dever de pagamento das despesas processuais, entre as quais se inclui o das custas que são taxas a serem pagas em virtude da movimentação do aparelho jurisdicional’.

José Renato Nalini, festejado pelo Juiz Eduardo Bezerra de Medeiros Pinheiros, vai mais longe ao afirmar que ‘do juiz se exige não apenas reequilibrar as situações díspares, mas ainda oferecer seu talento, desforço pessoal e inteligência para ampliação real do rol de atendidos pela Justiça. E para isso é necessário desenvolver uma concepção consentânea do princípio fundamental da isonomia. Não é uma opção preferencial pelos pobres, no sentido da teologia da libertação. Mas a constatação de que a pobreza extrema é inconciliável com o exercício da igualdade e liberdade’.

Na realidade social em que vivemos, entendemos que incumbe ao Poder Judiciário, abandonar o mundo da ficção jurídica, da abstração da norma, do ‘faz de conta’ e efetivar a concretização de direitos fundamentais consagrados pela Constituição do Brasil (direito à igualdade, devido processo legal material, direito à ampla defesa, proteção do consumidor, direito à assistência judiciária integral), assumindo, assim, uma postura ativa – e não neutra – na busca da justiça processual.

Assim, cabe ao juiz da causa analisar cada situação em particular e, na dúvida pro misero, até porque o beneficio da justiça gratuita não há de ser estendido apenas aos miseráveis, mas sim a todo aquele cuja situação econômica não lhe permite pagar custas processuais e honorários de advogado, que, em muitos casos, se torna extremamente oneroso, independentemente do salário ou dos bens que possua o postulante. Assim, é irrelevante que a parte seja proprietária de bens ou tenha colado grau superior, pois, não obstante isso, poderá, num dado momento de sua vida, não ter disponibilidade de numerários suficientes para fazer frente às despesas processuais.” (Da justiça gratuita como instrumento de democratização do acesso ao Judiciário. Disponível em: http://online.sintese.com)

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8478 – locação – fiança – responsabilidade do fiador – bem de família

“Processo civil. Direito civil. Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C do CPC. Execução. Lei nº 8.009/1990. Alegação de bem de família. Fiador em contrato de locação. Penho-rabilidade do imóvel. 1. Para fins do art. 543-C do CPC: ‘É legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009/1990’. 2. No caso concreto, recurso especial provido.” (STJ - REsp 1363368/MS – 2ª S. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – J. 12.11.2014 – DJe 21.11.2014)

Comentário editorial SÍnTeSeO presente Recurso Especial abordou temas muito sensíveis na sociedade civil, quais sejam: a responsabilidade civil do fiador e a possibilidade de penhora de seu bem de família para a satisfação do crédito. A questão foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, sob o rito do art. 543-C, CPC, isto é, objetivou-se pacificar de vez a jurisprudência, sinalizando-se a melhor interpretação quanto ao assunto para as Cortes Inferiores.

O caso concreto envolvia uma ação corriqueira em que o Espólio ajuizara ação de cobrança de aluguéis e encargos locatícios referente a um imóvel locado no Mato Grosso do Sul. Diante do inadimplemento do locatário, locador demandou, solidariamente, os fiadores pelo pagamento dos aluguéis e encargos da locação vencidos e os vincendos até a data da desocupação do imóvel.

Já na fase de cumprimento de sentença, foram penhorados imóveis dos fiadores, os quais apre-sentaram exceção de pré-executividade. A defesa foi improcedente, na medida em que o juí-zo singular, dentre outros fundamentos, “conheceu da exceção de pré-executividade quanto à apontada inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 8.009/1990, mas rejeitou a alegação de impenhorabilidade do bem de família ante precedentes judiciais”.

No julgamento de Agravo de Instrumento, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul entendeu que deveria prevalecer o direito constitucional à moradia e tornou insubsistente a penhora realizada no bem de família dos fiadores. Este acórdão foi assim ementado: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – COBRANÇA DE ALUGUERES E ENCARGOS LOCATÍCIOS – BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR – IMPENHORABILIDADE – EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 3º, VII, DA LEI Nº 8.009/1990 – CON-FLITO COM O DIREITO À MORADIA – AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE – EXCESSO DE EXECUÇÃO – MATÉRIA QUE DEMANDA DILAÇÃO PROBATÓRIA – QUESTÃO A SER DISCUTI-DA EM SEDE DE IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO – I – O Estado-Juiz, mediante a presidência do processo executivo, não pode ser conivente com a tentativa de despojar o fiador e sua família do refúgio de sua residência para, mediante expropriação forçada, converter o bem de família em pecúnia, a fim de satisfazer o crédito do locador frente ao afiançado. II – Tal proceder, antes de demonstrar o completo esvaziamento do princípio da solidariedade e a absoluta indiferença com a dignidade do garantidor e sua família, reflete a sobreposição de um direito disponível – crédito – sobre um direito fundamental – moradia. III – A pretensão de expropriação do imóvel residencial do fiador ganha maiores contornos de inadmissibilidade quando, em comparação com o direito posto ao devedor principal, percebe-se que a garantia negada ao garantidor é amplamente assegurada ao afiançado. IV – A exceção de pré-executividade é cabível apenas para discutir questões de ordem pública, que podem ser conhecidas de ofício pelo Juízo, tais como os pressupostos processuais e condições da ação, além dos casos de evidente ausência de responsabilidade obrigacional do de-vedor ou de iliquidez do título. V – Inadmissível o acolhimento da exceção de pré-executividade no que diz com questões próprias de impugnação ao cumprimento de sentença, como o excesso de execução.”

Em sede de Recurso Especial, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou o tema relativo à melhor interpretação do art. 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009/1990, a qual admite a penhora do bem de família do fiador, nas locações residenciais.

Em seu voto, o Rel. Min. Luis Felipe Salomão destacou que o posicionamento histórico do Su-perior Tribunal de Justiça vai no sentido oposto ao do acórdão recorrido. Destacou os seguintes precedentes que admitiram a penhora em casos análogos: “a) AgRg-REsp 959.759/SC, de relatoria do Min. Napoleão Nunes Maia Filho; b) AgRg-REsp 1.049.425/RJ, de relatoria do

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Min. Hamilton Carvalhido; c) AgRg-REsp 1.002.833/MG, de relatoria do Min. Paulo Gallotti; e d) REsp 965.257/SP, de relatoria do Min. Arnaldo Esteves Lima”.

Consoante o inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009/1990, inserido pelo art. 82 da Lei nº 8.245/1991: “Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: [...] VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”.

Ressaltou o Relator que “o direito à moradia foi citado inicialmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948 pela Assembleia Geral da ONU, tendo o Brasil como um dos seus signatários. A Declaração estabelece que “toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, moradia, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis” (art. 25, § 1º). O principal ins-trumento legal internacional que trata do direito à moradia, ratificado pelo Brasil e por mais 138 países, é o Pacto Internacional de Direitos Econômicos e Sociais e Culturais – Pidesc, adotado pela ONU em 1966. O art. 11, § 1º, do Pidesc dispõe que “os Estados-partes reconhecem o direito de toda pessoa à moradia adequada e comprometem-se a adotar medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito”.

Entretanto, sublinhou, após a análise da legislação e dos tratados aplicáveis que “a legislação pátria, a par de estabelecer como regra a impossibilidade de impor a penhora sobre bem imóvel destinado à moradia do indivíduo e de sua família, excetuou a hipótese do fiador em contrato de locação, permitindo que tal gravame seja lançado sobre o referido imóvel”.

Sobre o tema, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite a constitucionalidade da penhora, desde o leading case: Recurso Extraordinário nº 407.688 (08.02.2006). O julgado contou com a seguinte ementa: “Fiador. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel resi-dencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/1990, com a redação da Lei nº 8.245/1991. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República.” (RE 407.688, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJ 06.10.2006) No mesmo sentido, o teor do RE 612.360/SP, Relª Min. Ellen Gracie: “CONSTITUCIONALIDADE DA PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR – RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA FIRMADA POR ESTA SUPREMA CORTE – EXISTÊNCIA DE REPERCUS-SÃO GERAL (RE 612360-RG, Relª Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, J. 13.08.2010, DJe 03.09.2010).”

No seio do Superior Tribunal de Justiça, foram lembrados os seguintes julgados admitindo a penhora do bem de família do fiador: AgRg-REsp 1347068/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., J. 09.09.2014, DJe 15.09.2014; AgRg-RMS 24.658/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T., J. 03.06.2014, DJe 20.06.2014; AgRg-AREsp 151.216/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª T., J. 26.06.2012, DJe 02.08.2012; AgRg-EDcl-EDcl-AgRg-EDcl-REsp 771.700/RJ, Rel. Min. Vasco Della Giustina, 6ª T., J. 28.02.2012, DJe 26.03.2012; AgRg-REsp 1061373/SP, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª T., J. 07.02.2012, DJe 27.02.2012, dentre outros.

Desta forma, concluiu a Corte que o bem imóvel destinado à moradia da família, como regra, é impenhorável e não responderá por quaisquer dívidas contraídas pelos cônjuges, pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam. Contudo, as exceções contidas nas hipóteses do art. 3º, da Lei nº 8.009/1990 são válidas, de sorte que é legítima a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.

8479 – locação comercial – crédito – alugueres e acessórios locatícios – advento do termo final do contrato – ausência de renovação expressa

“Direito civil. Direito das obrigações. Contrato de locação comercial. Rescisão. Crédito. Alugue-res e acessórios locatícios. Advento do termo final do contrato. Ausência de renovação expressa. Prorrogação por prazo indeterminado. Manutenção das cláusulas e condições originais. Reajustes.

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Omissão contratual. Reajuste. Preservação do equilíbrio contratual. Necessidade. Imperativo legal. Valores pagos a maior pela locatária. Abatimento no débito. Juros moratórios. Incidência. Impos-sibilidade. Ausência de mora da locadora. Honorários advocatícios. Existência de condenação. Parâmetros. 1. Conquanto omisso o contrato quanto ao reajustamento anual dos locativos, o reajus-tamento traduz imperativo legal, pois volvido simplesmente a preservar a comutatividade e o equi-líbrio contratual, obstando que o locador fique afetado por auferir importe aquém do originalmente convencionado ante o efeito corrosivo da inflação sobre o valor nominal da moeda, determinando que, sob essa realidade, seja fixado que os locativos deverão ser reajustados anualmente mediante a utilização do IGP-M, por refletir a intenção das partes manifestada no instrumento negocial, to-mando-se como base de cálculo o aluguel originariamente convencionado. 2. Reajustado o aluguel em percentual superior ao alcançado pelo indexador monetário convencionado, portanto aplicável, resultando na apuração de locativo superior ao efetivamente devido na forma convencionada, os locativos em aberto devem ser revistos e mensurados de acordo com o valor do aluguel reajustado tendo como base de cálculo o locativo avençado, conforme se apurar em liquidação de sentença por cálculo, decotando-se o que lhe sobejar como forma de se evitar o locupletamento indevido. 3. Cuidando-se de cobrança de débito oriundo de locativos e demais encargos oriundos de con-trato de locação mensuradas de forma certa e determinada e com termo definido pela próprio contrato, os juros de mora que devem incrementar os valores inadimplidos têm como termo inicial a data do vencimento de cada prestação, pois, tratando-se de dívida certa quanto à existência, lí-quida quanto ao objeto e exigível, o inadimplemento constitui de pleno direito em mora o devedor (art. 397, CC), fórmula não aplicável, porém, aos valores pagos a maior pela locatária e destinados ao abatimento dos locativos devidos em razão da inexistência de mora da locadora. 4. Encerrando a ação pretensão de natureza condenatória e acolhido parcialmente o pedido, os honorários ad-vocatícios devidos aos patronos da parte autora como contrapartida pelos serviços que realizaram, ponderados os trabalhos efetivamente executados, o zelo com que se portaram, o local e tempo de execução dos serviços e a natureza e importância da causa, devem necessariamente ser mensura-dos em percentual incidente sobre o valor da condenação, ensejando que sejam mensurados de conformidade com esses parâmetros de forma a ser privilegiada a previsão legal (CPC, art. 20, §§ 3º e 4º). 5. Apelação conhecida e parcialmente provida. Unânime.” (TJDFT – Proc. 20130111598689 – (875071) – 1ª T.Cív. – Rel. Des. Teófilo Caetano – DJe 24.06.2015 – p. 115)

8480 – medida cautelar – competência interna – natureza relativa – preclusão e prorrogação

“Processual civil. Embargos de declaração no agravo regimental nos embargos de declaração na medida cautelar. Competência interna. Natureza relativa. Preclusão e prorrogação. Efeito suspen-sivo a recurso especial. Ausência de fumus boni iuris. Ação declaratória de inexistência de coisa julgada. Suposta nulidade na intimação da sentença proferida em ação indenizatória. Tutela an-tecipada indeferida. Nulidade afastada em acórdão anterior do Tribunal de origem, nos próprios autos da ação indenizatória. 1. A competência interna dos órgãos desta Corte disciplinada no RISTJ é relativa, cabendo ser alegada a eventual incompetência antes do julgamento do respectivo pro-cesso, sob pena de prorrogação. 2. Os embargos de declaração não merecem acolhimento, estando claro que a embargante busca, com argumentos novos, apenas rediscutir, sob outro enfoque e de forma ainda mais aprofundada, o que foi decidido no acórdão embargado. 3. A superveniente admissibilidade do recurso especial na origem não tem relevância diante da reconhecida ausência de fumus boni iuris, ressaltando-se, ainda, que a decisão de admissibilidade, no caso, é genérica, cingindo-se a afirmar o necessário prequestionamento, a indicação dos dispositivos violados e a competência desta Corte para examinar a violação da lei federal. 4. Embargos de declaração rejei-tados.” (STJ – EDcl-AgRg-EDcl-MC 21.164 – (2013/0190590-8) – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 18.05.2015 – p. 1359)

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8481 – penhora – direitos aquisitivos de veículo alienado fiduciariamente – impossibilidade

“Direito processual civil. Penhora. Direitos aquisitivos de veículo alienado fiduciariamente. Impos-sibilidade. Direito eventual à coisa que não pode ser negociado livremente. Mudança subjetiva do contrato que depende da anuência do devedor fiduciante. I – O bem alienado fiduciariamente não pertence ao devedor fiduciante e, por isso, não pode ser penhorado em cumprimento de sentença contra ele promovida. II – O devedor fiduciante não detém direito de crédito perante o credor fiduciário. Possui apenas direito eventual à coisa alienada fiduciariamente, segundo a dicção do art. 1.365, parágrafo único, do Código Civil. III – A alienação do direito eventual à coisa importa na mudança da titularidade do contrato celebrado com o credor fiduciário, razão pela qual depende do seu consentimento. IV – Não encontra amparo legal a penhora de suposto direito de crédito que, à luz do direito vigente, corresponde a mero direito eventual. V – Raiaria pela temeridade permitir a alienação judicial de um suposto direito de crédito que não poderá assegurar ao adquirente di-reito exercitável em face do credor fiduciário, titular do domínio do bem alienado fiduciariamente. VI – Não é razoável que uma alienação promovida pelo Poder Judiciário transpareça a regularidade de um negócio jurídico cuja integridade não prescinde do concurso da vontade do credor fiduciá-rio. VII – Recurso conhecido e desprovido.” (TJDFT – Proc. 20150020050917 – (874081) – 4ª T.Cív. – Rel. Des. James Eduardo Oliveira – DJe 24.06.2015 – p. 146)

8482 – petição enviada via fac-símile – originais não apresentados de forma eletrônica dentro do prazo recursal – intempestividade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Petição enviada via fac-símile. Originais não apresentados de forma eletrônica dentro do prazo recursal. Intempestividade. I – Interposta a pe-tição via fac-símile, os originais devem ser protocolados até cinco dias da data final do prazo recursal, sob pena de não conhecimento do recurso por intempestivo. II – Agravo Regimental não conhecido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 350.070 – (2013/0199034-4) – 1ª T. – Relª Min. Regina Helena Costa – DJe 28.04.2015 – p. 1814)

8483 – prescrição quinquenal – correios – ação de reparação civil

“Processo civil. Correios. Ação de reparação civil. Prescrição quinquenal. Agravo não provido. 1. Cuida-se, na origem, de Apelação contra sentença que extinguiu Ação de Reparação Civil pro-movida pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) contra o particular, ante o reconhe-cimento da ocorrência de prescrição trienal, nos termos do art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil. 2. A ECT, empresa pública federal, presta em exclusividade o serviço postal, que é um serviço pú-blico e assim goza de algumas prerrogativas da Fazenda Pública, como prazos processuais, custas, impenhorabilidade de bens e imunidade recíproca. Nesse sentido, o prazo de 5 anos previsto no Decreto nº 20.910/1932 para a Fazenda Pública deve ser aplicado também para a ECT. 3. Agravo Regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.400.238 – (2013/0283944-4) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 21.05.2015 – p. 1397)

8484 – recurso – ausência de cópia da certidão de intimação da decisão agravada – peça obrigatória

“Processual civil. Agravo regimental no agravo de instrumento. Ausência de cópia da certidão de intimação da decisão agravada. Peça obrigatória. Violação ao art. 544, caput e § 1º do CPC, com a redação dada pela Lei nº 10.352/2001. Súmula nº 223/STJ. Incidência. Erro no processo de virtuali-zação dos autos. Não comprovação. Certidão de validação exarada pelo Tribunal a quo. Fé pública. Posterior juntada de documento. Inadmissibilidade. Preclusão consumativa. I – A admissibilidade de Agravo de Instrumento de Decisão Denegatória de Recurso Especial depende da observância de requisitos extrínsecos, vigentes no momento da sua interposição. II – Consoante inteligência do art. 544, § 1º, do Código de Processo Civil (com a redação dada pela Lei nº 10.352/2001 e an-

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teriormente à vigência da Lei nº 12.322/2010), à parte agravante incumbia, sob pena de não co-nhecimento do recurso, além da comprovação do recolhimento do preparo do recurso especial (art. 511 do CPC), o ônus da formação do instrumento, que, no momento da interposição do re-curso de agravo, obrigatoriamente, deveria conter cópias autênticas (permitida a declaração pelo próprioadvogado):i)doacórdãorecorrido;ii)dacertidãodarespectivaintimação;iii)dapetiçãodeinterposiçãodorecursodenegado;iv)dascontrarrazões;v)dadecisãoagravada;vi)dacertidãodarespectivaintimação;vii)dasprocuraçõesoutorgadasaosadvogadosdoAgravanteedoAgravado;e viii) de peças necessárias à admissibilidade do Recurso Especial e para o deslinde da controvérsia apresentada. III – Ausência de cópia da certidão de intimação da decisão que negou seguimento ao Recurso Especial. Inadmissibilidade. Súmula nº 223 do Superior Tribunal de Justiça. IV – Erro no processo de virtualização dos autos imputável ao Tribunal a quo não comprovado. Certidão de validação dotada de fé pública. V – Impossibilidade de juntada de documento obrigatório após a interposição do Agravo de Instrumento. Preclusão consumativa. VI – Agravo Regimental impro-vido.” (STJ – AgRg-AI 1.406.681 – (2011/0043189-8) – 1ª T. – Relª Min. Regina Helena Costa – DJe 18.05.2015 – p. 1108)

8485 – recurso – princípios da celeridade, economia e fungibilidade recursais – sistema de protocolo postal integrado

“Embargos de declaração em agravo em recurso especial recebidos como agravo regimental. Prin-cípios da celeridade, economia e fungibilidade recursais. Sistema de protocolo postal integrado. ECT. A data da postagem na agência dos correios não deve ser considerada para fins de aferição do prazo do recurso dirigido ao STJ. 1. Em homenagem aos princípios da economia processual, da celeridade processual e da fungibilidade recursal, os embargos de declaração foram recebidos como agravo regimental. 2. A tempestividade do recurso dirigido a esta Corte Superior, quando in-terposto por meio do protocolo postal integrado, deve ser aferida na data do protocolo na Secretaria do Tribunal de origem e não o momento da entrega do recurso na Agência da ECT. Aplicação, por analogia, da Súmula nº 216/STJ. Precedentes: AgRg-AREsp 202.006/MG, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª T., DJe 07.04.2015, EDcl-EDcl-AgRg-AREsp 131.652/RS, Relª Min. Regina Helena Costa, 1ª T., DJe 11.03.2015; AgRg-AREsp 586.766/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe12.11.2014;AgRg-EDcl-AREsp372.330/RS,Rel.Min.GurgeldeFaria,5ªT.,DJe04.11.2014;AgRg-AREsp 420.868/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, 6ª T., DJe 29.05.2014. 3. Esse entendi-mento foi confirmado, inclusive, pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o AgRg-Ag 1.417.361/RS, em sessão finalizada na data de 04.03.2015. 4. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – EDcl-AgRg-Ag-REsp 288.685 – (2013/0015830-7) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 18.05.2015 – p. 1366)

8486 – recurso especial – deserção – recolhimento em guia diversa

“Agravo regimental. Recurso especial. Deserção. Recolhimento em guia diversa da especificada na resolução do Superior Tribunal de Justiça. GRU simples. GRU cobrança. Necessidade. Precedente da Corte especial. 1. O recolhimento do preparo deve ser efetuado conforme as instruções das resoluções do STJ à época da interposição do recurso, sob pena de deserção. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 617.066 – (2014/0297400-1) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 18.05.2015 – p. 1266)

8487 – recurso especial – princípio da unirrecorribilidade – preclusão consumativa

“Agravo regimental e embargos de declaração no agravo em recurso especial. Princípio da unir-recorribilidade. Preclusão consumativa. Comprovação da tempestividade do recurso especial em agravo regimental. Suspensão do expediente forense. Possibilidade. Não impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada. Súmula nº 182/STJ. 1. Interpostos dois recursos pela mesma parte contra a mesma decisão, não se conhece daquele apresentado em segundo lugar, por força

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dos princípios da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa. 2. A comprovação da tempes-tividade do agravo em recurso especial em decorrência de suspensão de expediente forense no Tribunal de origem pode ser feita posteriormente, em agravo regimental, desde que por meio de documento idôneo capaz de evidenciar a prorrogação do prazo do recurso cujo conhecimento pelo STJ é pretendido. 3. ‘É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada’ (Súmula nº 182 do STJ). 4. Agravo regimental desprovido e embargos de declaração não conhecidos.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 625.390 – (2014/0312053-7) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 18.05.2015 – p. 1275)

8488 – responsabilidade civil – fornecimento de serviço água e esgoto – recurso especial – fundamentação constitucional

“Administrativo e processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Responsa-bilidade civil. Fornecimento de serviço de água e esgoto. Arts. 165 e 458 do CPC. Deficiência de fundamentação do recurso especial. Súmula nº 284/STF. Julgamento por decisão monocráti-ca. Legalidade. Art. 557 do CPC. Legitimidade ativa e adequação da via eleita. Fundamentação constitucional. Reforma em recurso especial. Inviabilidade. Razões recursais que não infirmam o fundamento do acórdão recorrido. incidência da Súmula nº 283 do STF. Decisão agravada mantida. Improvimento. 1. É deficiente a fundamentação do recurso especial em que a alegação de ofensa aos arts. 165 e 458, do CPC se faz de forma genérica, sem a demonstração exata dos pontos pelos quais o acórdão se fez omisso, contraditório ou obscuro. Aplica-se, na hipótese, o óbice da Súmula nº 284 do STF. 2. A alegação de eventual nulidade em razão do recurso ter sido apreciado mono-craticamente fica superada com a reapreciação da matéria pelo órgão colegiado em sede de agravo regimental. 3. Tendo o Tribunal de origem examinado a controvérsia relativa à adequação da via eleita e à legitimidade da autora sob o enfoque predominantemente constitucional, a controvérsia não pode ser apreciada em sede de recurso especial. 4. Aplica-se a Súmula nº 283/STF, quando o recurso especial não impugna fundamento suficiente, por si só, para manter o acórdão recorrido. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 684.969 – (2015/0084845-1) – 1ª T. – Rel. Min. Sérgio Kukina – DJe 18.05.2015 – p. 1084)

8489 – responsabilidade civil – julgamento antecipado da lide – danos morais – inviolabilida-de de vereador por atos, palavras e votos na circunscrição do município

“Processo civil. Responsabilidade civil. Constitucional. Recurso especial. Violação do art. 535 não configurada. Não ocorrência de julgamento extra petita. Julgamento antecipado da lide. Cercea-mento de defesa não caracterizado. Danos morais. Inviolabilidade de vereador por atos, palavras e votos na circunscrição do Município. 1. O art. 535 do CPC permanece incólume quando o Tri-bunal de origem se manifesta suficientemente sobre a questão controvertida, apenas adotando fun-damento diverso daquele perquirido pela parte. 2. A finalidade da prova é o convencimento do juiz, sendo ele o seu direto e principal destinatário, de modo que a livre convicção do magistrado consubstancia a bússola norteadora da necessidade ou não de produção de quaisquer provas que entenderpertinentesàsoluçãodademanda(art.330doCPC);exsurgindoojulgamentoantecipadoda lide como mero consectário lógico da desnecessidade de maiores diligências. Precedentes. 3. A lide foi apreciada pelo julgador dentro dos exatos limites em que suscitadas as questões, uma vez que cabe ao magistrado aplicar o direito à espécie, ainda que por fundamento diverso do invocado pelas partes (iura novit curia e da mihi factum dabo tibi ius), não havendo falar em julgamento extra ou ultra petita. Precedentes. 4. Não ocorre ofensa ao art. 398 do CPC quando, a despeito de a parte não ter sido intimada para se pronunciar a respeito de documento novo juntado aos autos, este é irrelevante para o julgamento da controvérsia. Precedente da Corte Especial. 5. A imunidade material dos vereadores não abrange as manifestações divorciadas do exercício do mandato, mas apenas aquelas que guardem conexão com o desempenho da função legislativa (prática in officio) ou tenham sido proferidas em razão dela (prática propter officium), nos termos do art. 29, VIII, da

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Constituição da República. 6. No caso, com amplo conhecimento do contexto em que se deram os fatos e das provas acostadas aos autos, as instâncias ordinárias asseveraram que a manifestação do Edil não ultrapassou os limites do exercício do seu mandato legislativo, tendo ele exercido o seu poder-dever de fiscalização e informação à sociedade da existência de processo contra a recorrente. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. 7. Consoante asseverado pelas instâncias ordinárias, o discurso supostamente ofensivo à honra da recorrente foi realizado pelo vereador na Assembleia Legislativa, de modo que não há falar em transposição dos limites do município onde exerce a vereança apenas pelo fato de ter sido divulgado pelo rádio cujas ondas atingem outras municipalidades. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. 8. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.338.010 – (2011/0292761-6) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 23.06.2015 – p. 1526)

8490 – responsabilidade civil – shopping center – cinema – violação de intimidade em banhei-ro – nexo de causalidade – dano moral

“Responsabilidade civil. Shopping center. Cinema. Violação de intimidade em banheiro. Nexo de causalidade. Dano moral. Apelação cível. Ação de indenização por danos morais. Alegação de suposta observação por um homem quando a autora se encontrava no interior do banheiro em área restrita da ré Cinemark. Sentença de procedência fixando o dano moral em R$ 7.240,00. Apelo das rés Cinemark e Generali requerendo a improcedência do pedido e/ou redução da verba indenizatória. Apelo da Carioca Shopping requerendo o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva. Ilegitimidade que se afasta, por integrar o shopping a cadeia consumerista. Prova testemu-nhal. Verossimilhança das alegações autorais. Recursos a que se conhecem e aos quais se negam provimento.” (TJRJ – Ap 0004513-65.2012.8.19.0202 – 26ª C.Cív. – Relª Desª Natacha Nascimento Gomes Tostes Gonçalves de Oliveira – DJe 17.06.2015 – p. 17)

8491 – sociedade – desconsideração da personalidade jurídica – reavaliação de requisitos – necessidade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Desconsideração da personalidade jurídica. Falta de prequestionamento. Súmula nº 211/STJ. Reavaliação de requisitos. Necessidade. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. Agravo regimental improvido. 1. A indicação de violação de dispositivos legais que nem sequer foram debatidos pelo Tribunal de origem obsta o conhecimento do recurso especial pela ausência de prequestionamento. Aplicação do Enunciado nº 211 da Súmula do STJ. 2. O Tribunal local concluiu, de acordo com as provas dos autos, pela possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica, ‘em razão da impossibilidade de se lo-calizar bens da parte executada e diante do exaurimento patrimonial, já que não foram localizados em sua própria sede, não havendo notícias da existência de outros bens passíveis de constrição, deve-se reconhecer o abuso do direito em utilizar-se da personalidade jurídica’. A alteração desse entendimento demandaria nova análise do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado em recurso especial ante o óbice da Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg--Ag-REsp 621.926 – (2014/0308151-9) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 21.05.2015 – p. 1456)

8492 – título extrajudicial – execução – acórdão deste órgão fracionário que negou provimen-to ao reclamo – irresignação

“Embargos de declaração no agravo regimental no agravo (art. 544 do CPC). Ação de execução de título extrajudicial. Acórdão deste órgão fracionário que negou provimento ao reclamo. Irresigna-ção dos executados. 1. Nos estreitos lindes do art. 535 do Código de Processo Civil, o recurso de embargos de declaração objetiva somente suprir omissão, dissipar obscuridade, afastar contradição ou sanar erro material verificado em decisão ou acórdão, não podendo ser utilizado como instru-mento para a rediscussão do julgado. 2. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl-AgRg-Ag--REsp 394.899 – (2013/0308203-2) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 18.05.2015 – p. 1373)

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Seção Especial – Estudos Jurídicos

Linhas Gerais sobre as Cláusulas de Limitação de Responsabilidade: Evolução e Aplicação Atual do Instituto nas Relações Contratuais Paritárias

eRICk DA SILvA ReGISGraduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Pós-Graduando em Direito Civil-Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Membro do Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil), Advogado.

RESUMO: O presente estudo busca demonstrar o desenvolvimento das cláusulas de limitação de responsabilidade civil ao longo da história, desde o seu limiar, na fase das revoluções burguesas, em especial nos séculos XVIII e XIX, no bojo da revolução industrial, retratando, ante o avanço histórico--ideológico-social, a sua concepção hodierna, à luz da aplicação do princípio da autonomia da von-tade, a partir dos novos pilares constitucionais e infraconstitucionais do ordenamento jurídico pátrio, visando ao equilíbrio contratual, superando-se, assim, o dogma liberalista-voluntarista de outrora. A análise transcorrerá as principais características do instituto, como sua natureza jurídica, momento da convenção, campo de incidência e suas condições de existência, validade e eficácia, com espe-que na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais Superiores. Serão analisadas, ainda, as principais modalidades, com a sua delimitação perante institutos similares, concluindo-se, assim, pelo pano-rama atual de aplicação das cláusulas de limitação de responsabilidade, nas relações contratuais paritárias.

PALAVRAS-CHAVE: Evolução; cláusulas; limitação; responsabilidade; contrato.

ABSTRACT: The present study aims to demonstrate the development of limitation of liability clauses in the course of history, since its high spot, in phase of bourgeois revolutions, in particular, in the 18th and 19th centuries, considering the midst of the industrial revolution, depicting its historical-social--ideological conception, in the light of the principle of autonomy of the will, in its dogmatic classic contractual doctrine, and the new constitutional pillars and the infra-constitutional legislation, in search of the contractual balance. The analysis will be based on the main features of the institute, as its legal nature, moment, incidence, conditions of existence, validity and effectiveness, and the position of doctrine and jurisprudence. Also will be analyzed the main modalities of the institute, with its delimitation to others, similars, reflecting on the application of the institute in the actual context of the two-ways contractual relations

KEYWORDS: Evolution; clauses; limitation; liability; contract.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Desenvolvimento das cláusulas limitativas de responsabilidade a partir da Revolução Industrial (Séculos XVIII e XIX) – Escopo atual do instituto; 2 Natureza jurídica – Momento – Campo de incidência – Condições de existência, validade e eficácia; 3 Modalidades; 4 Delimitação perante institutos jurídicos similares; Conclusão; Referências.

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – SEÇÃO ESPECIAL – ESTUDOS JURÍDICOS ...............................................................................................207

INTRODUÇÃOO presente estudo visa a promover a análise da evolução das cláusulas

de limitação de responsabilidade desde o apogeu do instituto, nos séculos XVIII e XIX, no contexto histórico da Revolução Industrial, como elemento indispen-sável, de ordem contratual, para o surgimento de novas técnicas exploratórias, possibilitando, assim, a assunção de novos riscos de produção, à luz do libe-ralismo contratual e da autonomia da vontade, caracterizados, na época das revoluções burguesas, como o cerne da doutrina contratual.

A análise terá por base, inicialmente, a superação da dogmática clássica do contrato, de cunho voluntarista-liberalista, seguindo-se ao advento dos no-vos valores do Direito Privado, de dignidade e solidariedade, com o surgimento do Estado Social. Por fim, será feita uma imersão sobre o instituto, à luz do panorama pós 2ª grande Guerra, que culminou, no ordenamento jurídico bra-sileiro, na promulgação da Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, no Código Civil de 2002.

O instituto será, ainda, dissecado e confrontado com os novos princípios contratuais da função social e da boa-fé objetiva, com lastro na tábua axiológica da Constituição Federal – movimento de despatrimonialização e repersonaliza-ção do Direito –, e especial enfoque na relevância que tais cláusulas assumem, hodiernamente, para a relação contratual, na busca pela equivalência material.

Delineada a evolução histórico-ideológico-social, bem como o panora-ma atual em que se torna possível, e até mesmo aconselhável, a aplicação do instituto – o equilíbrio contratual –, o presente estudo passará a analisar a natu-rezajurídicadascláusulaslimitativasderesponsabilidade;omomentodeinci-dência;suascondiçõesdeexistência,validadeeeficácia;asmodalidadesmaisconhecidas, em rol não exaustivo, albergando-se as hipóteses mais frequentes e difundidas, confrontando-as, por fim, com institutos jurídicos similares.

Pretende-se, assim, demonstrar o desenvolvimento do instituto no curso da história, desde o seu limiar, revelando sua atual condição, de instrumento de re-levância notória para o prumo da relação jurídica contratual, dando guarida ao princípio da autonomia da vontade, à luz dos novos pilares constitucionais e infra-constitucionais do ordenamento jurídico pátrio, com base em requisitos próprios de validade e eficácia, em busca da equivalência material, nas relações paritárias.

1 DESENVOLVIMENTO DAS CLÁUSULAS LIMITATIVAS DE RESPONSABILIDADE A PARTIR DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (SÉCULOS XVIII E XIX) – ESCOPO ATUAL DO INSTITUTO

É certo que “a harmonização da realidade jurídica ao dado social se realiza por meio da mediação jurídico-normativa”1. Nessa toada, atribui-se ao

1 MONTEIRO, António Pinto. Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil. 2. ed. Reimpressão da obra publicada em 1985. Coimbra: Almedina, 2011. 17. p.

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Direito “um papel moderador e de conformação social, na busca de soluções que se ajustem às necessidades práticas, sem descurar, todavia, a implementa-ção dos valores comunitários, ético-juridicamente assumidos”2.

Desse modo, também o contrato, e as cláusulas limitativas de responsabi-lidade3, definidas por Pinto Monteiro como “estipulações negociais destinadas [...] a limitar, em certos termos, mediante acordo prévio das partes, a respon-sabilidade em que, doutra forma, o devedor incorreria, pelo não cumprimento (cumprimento defeituoso ou mora) das suas obrigações”4, receberam influência direta das evoluções histórico-jurídico-sociais ocorridas no mundo.

O ápice do instituto se deu “no contexto do liberalismo capitalista do século XIX, traduzido num liberalismo jurídico, que tinha como postulados a liberdade e igualdade de formas do pensamento liberal-burguês”5. Era a época da Revolução Industrial, em que a cada dia surgiam novas tecnologias e técni-cas exploratórias. Os novos métodos elevavam os riscos, diretamente relacio-nados à utilização exacerbada de maquinário, com vistas a alavancar o ritmo produtivo6.

2 Idem, ibidem.3 “A cláusula de limitação da responsabilidade caracteriza-se por ser uma convenção através da qual o

interessado procura acautelar-se contra as sanções a que pode sujeita-lo a aplicação do sistema normativo. O interessado procura, através de uma convenção desta natureza, salvaguardar a sua posição jurídica contra, designadamente, o caráter excessivo da indemnização a liquidar, a abrangência dos casos ou fundamentos da responsabilidade ou, por último, contra as eventuais contingências probatórias. Assim, não terá que se submeter ao pagamento de uma indemnização demasiado elevada, não será responsabilizado em situações de culpa leve ou não correrá o risco de ser responsabilizado, sem culpa, apenas porque não conseguiu fazer a prova em Juízo.” (SOUZA, Bruno Neves de. O problema da admissibilidade das cláusulas limitativas e exoneratórias da responsabilidade civil em face do art. 809 do Código Civil. Revista “O Direito”, Coimbra: Almedina, 2009, Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Bruno_Neves_O_Direito.pdf>. Acesso em: 6 dez. 2014)

“Cláusula limitativa ou de exoneração da obrigação de indenizar é o pacto acessório que, antecipadamente, limita de alguma maneira a responsabilidade ou suas consequências, ou afasta por completo a obrigação indenizatória atribuída ao devedor em decorrência do inadimplemento de suas obrigações. Em que pese, ademais, a possível conformação não acessória, mas principal, quando o acordo visa a limitar ou elidir o efeito obrigacional da responsabilidade extracontratual.” (MACHADO, Diego Carvalho. Notas sobre cláusulas de não-indenizar e limitativas do montante reparatório. Revista de Direito Privado, Rio de Janeiro, v. 35, 2008)

4 “Os contraentes vinculam-se por contrato, definem as obrigações a que ficam adstritos, mas, ao mesmo tempo, acordam na irresponsabilidade por um eventual inadimplemento, ou estabelecem que só haverá responsabilidade dentro de certos parâmetros ou até determinado montante. Pretende-se, pois, impedir, de antemão, o nascimento de um direito de indemnização ou, pelo menos, de o restringir, nos seus pressupostos ou no seu montante.” (MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 101. p.)

5 MACHADO, Diego Carvalho. Notas sobre cláusulas de não-indenizar e limitativas do montante reparatório. Op. cit.

6 “E se se tornar necessária uma confirmação indirecta desta estreita ligação entre a exaltação do papel do contrato e a afirmação de um modo de produção mais avançado, atente-se em que não pode certamente atribuir-se ao mero acaso o facto de as primeiras elaborações da moderna teoria do contrato, devidas aos jusnaturalistas do séc. XVII e em particular o holandês Grotius, terem lugar numa época e numa área geográfica que coincidem com a do capitalismo nascente; assim como não é por acaso que a primeira grande sistematização legislativa do direito dos contratos (levada a cabo pelo código civil francês, code napoleon, de 1804) é substancialmente coeva do amadurecimento da revolução industrial, e constituiu o fruto político directo da revolução francesa, e, portanto, da vitória histórica conseguida pela classe – a burguesia – à qual o advento do capitalismo facultou funções de direção e domínio de toda a sociedade.” (ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 2009. 25/26. p.)

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O custo da atividade e os riscos a ela inerentes, corolário desse processo de mecanização e aceleração contínua da escala de produção, com o emprego de componentes inéditos, passaram a gerar um enorme temor pela paralisação do progresso.

Com efeito, a utilização de metodologias inovadoras somadas à majora-ção exagerada e contínua da cadeia de produção, em intervalos de tempo cada vez menores, tornavam a probabilidade de acidentes relacionados ao uso e confecção dos respectivos bens cada vez maior.

De certo, a imposição, aos empresários, de obrigações de indenizar, em montantes elevados e imprevisíveis, decorrentes das externalidades – acidentes e demais efeitos negativos – provenientes desse processo de desenvolvimen-to, por si só deveras custoso, poderia comprometer a higidez da revolução, tornando-se, pois, um perigo real. Tais riscos de alguma forma deveriam ser amenizados.

As cláusulas de limitação de responsabilidade civil passaram, então, a ser encaradas como instrumento-chave de cabal importância para conter os riscos iminentes de comprometimento da revolução, difundindo-se, assim, em larga escala7, no bojo das relações contratuais firmadas.

Nesse recorte histórico, a liberdade contratual e a autonomia da vontade representavam o ponto nevrálgico, o cerne da relação contratual e dos negó-cios jurídicos, com função específica e bem delineada: abolição de entraves ao livre exercício do comércio (em sintonia com as aspirações da burguesia em ascensão), permitindo, a cada cidadão, o resguardo de sua autodeterminação e autogestão negocial. Imperava, em sua forma mais crua, a lei da oferta e da procura8.

7 “[...] o processo de industrialização, numa fase inicial, em que não se alcançara ainda um grau de perfeição técnica adequado, exigia mais. Exigia, nomeadamente, que se permitisse às empresas afastar ou limitar antecipadamente a sua responsabilidade por danos resultantes de faltas de que inevitavelmente iriam ocorrer numa época de aventura industrial. A alternativa seria a paralisação do processo econômico, motivada pelo receio de pesadas e imprevistas responsabilidades, que o empreendimento de novas atividades e o emprego de tecnologia desconhecida fomentava.” (MONTEIRO. António Pinto. Op. cit., 101. p.)

8 “Não surpreende, por isso, que a atitude tomada relativamente às cláusulas exoneratórias tivesse assumido uma feição de neutralidade, no respeito pela liberdade dos contratantes, repudiando-se regras que, desde o direito justiniano, sempre haviam disciplinado a autonomia privada, como a da nulidade das cláusulas exoneratórias por culpa grave do devedor [...].” (MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 71. p.)

“Não poderia ser diferente num ambiente em que o contrato, concebido como produto de um acordo de vontades pretensamente livres e iguais, assumia-se como o modelo ideal de justiça; uma época marcada pelo favorecimento do comércio e da produção industrial, tempo de expansão das atividades empreendidas e de emprego de tecnologias com implicações que ainda se desconhecia.” (MACHADO, Diego Carvalho. Notas sobre cláusulas de não-indenizar e limitativas do montante reparatório. Op. cit.)

“O favorecimento do comércio, fator de prosperidade económica, exigia que a proteção concedida pelo Estado ao credor não se subordinasse à verificação prévia da conformidade do contrato a imperativos de justiça ou equidade. A liberdade contratual (expressão mais relevante do princípio da autonomia privada) servia o interesse geral, por que, ao permitir a multiplicação dos contratos, favorecia o desenvolvimento do comércio, contribuindo, deste modo, para a prosperidade de todos. O contrato devia beneficiar, por isso, de

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Com o desenvolvimento da indústria, o comércio marítimo também en-trou em expansão, liderado por armadores ingleses, no berço da Revolução Industrial. O escoamento pela via marítima foi a solução mais lógica para pul-verizar a produção.

A relação produção/escoamento, contudo, estava ameaçada por um sis-tema jurídico de responsabilidade deveras penoso, forçando, assim, gradativa-mente, o aumento da inserção, nos respectivos contratos de transporte maríti-mo, das chamadas negligence clauses9. Eis os primeiros registros da difusão em larga escala das cláusulas de limitação de responsabilidade.

Tudo se entrelaçava: a vontade das partes, no bojo dos instrumentos contratuais, era manifestada no sentido de purgar, ainda que parcialmente, a responsabilidade do empresário – e do transportador marítimo –, para que se pudesseprosseguirnoprumododesenvolvimentotecnológicoeprodutivo;aescola contratualista clássica10, vigente à época, chancelava o dogma da von-tade, com fulcro no liberalismo econômico. A relação era de simples causa e efeito, ilustrada no binômio: vontade (autonomia)/desenvolvimento (libera-lismo).

Esse cenário de liberalismo econômico e voluntarismo, no entanto, so-freu um ocaso. No curso da história, o ideal estatal não intervencionista deu lugar ao solidarismo social11, passando o Estado, então, a perquirir a realização

uma presunção de utilidade social. O Estado deveria limitar-se a permitir a livre contratação e a assegurar o respeito pelos compromissos assumidos, pois a fidelidade de cada um aos seus compromissos era condição essencial do crédito, e este, a alma do comércio. A autonomia da vontade era, pois, a vertente jurídica das doutrinas filosóficas, políticas e económicas da época e o seu sentido perfeitamente compreensível nos quadros do individualismo jurídico.” (MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 46. p.)

9 “O século XIX foi marcado pela revolução industrial. O capitalismo se encontrava num período de efervescência e a liberdade contratual era o fundamento maior dos contratos firmados entre as partes. A rápida industrialização engendrou a produção em escala e a padronização do modo de produção industrial. Esse processo de massificação da produção contribuíra também para padronização dos contratos marítimos. Diante disso, surgem, então, os contratos tipo (standard form), via de regra, elaborados pelos armadores. Esses contratos continham quase sempre cláusulas exoneratórias de responsabilidade do transportador, as chamadas “cláusulas de negligência” (exclusion clauses or negligence clauses). O fundamento era novamente a liberdade contratual das partes.” (GOMES, Saulo Machado. A origem e o desenvolvimento histórico do instituto da limitação de responsabilidade do transportador marítimo. Revista Eletrônica Direito e Política, v. 9, n. 1, 1º quadrimestre de 2014. Disponível em: <www.univali.br/direitoepolitica>. Acesso em: 5 dez. 2014)

10 “Assim, vê-se para logo que a teoria clássica do contrato e o ideal do livre mercado andam entrelaçados, de mãos dadas. A teoria econômica do laissez-faire, anota Gilmore, se reduz a algo assim: se todos nos fizermos exatamente aquilo que nos agravada, tudo certamente se resolverá para melhor. E prossegue: a isso parece corresponder, na prática, a teoria do contrato, quando a responsabilidade é reduzida ao mínimo e inexistem sanções pelo inadimplemento do contrato; aqui, então, o ‘cada um por si e Deus por todos’.” (GRAU, Eros Roberto. Um novo paradigma dos contratos. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: PADMA, v. 5, a. 2, 2001)

11 “O desenvolvimento industrial contribuiu decisivamente, como dissemos, para as transformações econômicas e sociais que se foram registrando, constituindo, simultaneamente, um poderoso estímulo para o surto considerável que as cláusulas exoneratórias de então para cá conheceram. Mas o processo de industrialização foi, do mesmo modo, o principal factor das mutações operadas no universo jurídico, as quais haviam necessariamente de inferir na disciplina das cláusulas de irresponsabilidade, cuja fisionomia e regime tem acompanhado, com efeito, a evolução jurídica.” (MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 25. p.)

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de uma verdadeira justiça social, atento às grandes injustiças (postas a nu com o desenvolvimento industrial) a que o liberalismo conduziu.

Assim, iniciava-se a superação da dogmática contratual clássica da au-tonomia da vontade, sofrendo, o contrato, nova metamorfose histórico-social--ideológica12: “o contrato, de intervenção admirável, viu-se denunciado como uma possível fonte de injustiça e mesmo de desordem, tornando-se um lugar comum falar-se, há já algum tempo, de crise do contrato, ou, numa imagem feliz, de um frasco de perfume vazio”13.

Posteriormente, com o fim da 2ª Guerra Mundial, desencadeou-se uma positiva proliferação, ao redor do mundo, do ideal de cidadania, da dignidade da pessoa humana, com vistas à repersonalização e despatrimonialização do Direito Privado14, dando-se proteção a novos valores fundamentais. É dizer: “o homem-indivíduo da época liberal deu lugar ao homem-pessoa, pressuposto decisivo, valor fundamental, e fim último, que preenche a inteligibilidade do mundo humano do nosso tempo”15.

A mudança do contexto social-ideológico reverberou no Brasil com a promulgação da Constituição Federal de 1988, culminando na internalização desses novos valores.

Tais valores fundamentais passaram, então, a imperar sobre as relações privadas16, modificando o escopo do contrato, sem usurpar-lhe sua função pre-cípua – econômica –, de lastro para a circularização de riquezas, bens e ser-

12 “Ilustrando a génese da moderna teoria do contrato e do direito dos contratos (supra, sobretudo cap. I, 3.2.), individualizávamos uma fórmula capaz de sintetizar o seu conteúdo e os seus valores essenciais: ‘liberdade de contratar baseada na soberania da vontade individual dos contraentes’. Assim devia ser o contrato, segundo as mais acreditadas proposições dos ideólogos oitocentistas, e assim era efetivamente em muitos aspectos, na concreta praxe do capitalismo de concorrência. Mas desde os tempos do ‘laissez-faire’ – desde a época clássica do liberalismo económico e político – as sociedades ocidentais sofreram transformações profundíssimas de ordem económica, social e política que, por sua vez, incidiram sobre o instituto contratual, transformando-o profundissimamente. Nas sociedades contemporâneas, o contrato e o direito dos contratos apresentam-se-nos, assim, muito diferentes de como se apresentavam no século passado.” (ROPPO, Enzo. Op. cit., 295. p.)

13 MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 47. p.14 “Os novos textos constitucionais, fundados em uma visão mais humana e solidarista do direito, chocavam-

-se frontalmente com as codificações civis, ainda inspiradas na ideologia individualista e patrimonialista que havia sido consagrada com a Revolução Francesa e as demais revoluções burguesas dos séculos XVIII e XIX.” (SCHREIBER, Anderson. Direito civil e constituição. Rio de Janeiro: Atlas, 2013)

15 MACHADO, Diego Carvalho. Op. cit.16 “O sistema jurídico actual traduz o ideal de justiça subjacente ao modelo de sociedade humana dos nossos dias.

Nele avulta, como se sabe, uma importante dimensão social, intencionada à realização de uma juridicidade social e materialmente fundada, postulada pela nova perspectiva do Homem no mundo e pela diferente escala de valores do Estado de Direito Social [...]. Ultrapassada a fase do liberalismo econômico e, com ela, a crença na espontânea composição de interesses, através do livre jogo da oferta e da procura – a mão invisível, que tudo harmonizaria (Adam Smith), não chegou, afinal, a manifestar-se –, o Estado abandonou a sua posição abstencionista, passando a desempenhar um papel bem diferente. De mero garante de posições e interesses adquiridos espontaneamente, de simples árbitro de interesses individuais, o Estado de Direito Formal deu lugar ao Estado de Direito Social, fortemente intervencionista e diretamente comprometido com a realização da justiça social.” (MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 39-40. p.)

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viços;masvinculando-oàforçanormativadosnovosprincípiosenormasfun-damentais insculpidos na nova Carta Magna17, ao princípio da boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil) e à sua função social (art. 421 do Código Civil)18.

Nessa toada, “muitas reformas jurídicas se têm processado efetivamente por via interpretativa, extraindo da norma um novo sentido, mais adequado à realidade do momento em que ela vai ser aplicada”19, o que “largamente con-tribui para a revitalização do sistema”20.

Hoje, “tanto o direito contratual como a responsabilidade civil assumem lineamentos diversos, sendo remodelados por uma nova principiologia alberga-da por preceitos constitucionais”21, de tal modo que “as doutrinas individualis-tas passaram a constituir alvo de críticas vigorosas e o princípio da autonomia privada viu decrescer sua importância”22-23.

As cláusulas de limitação de responsabilidade, nesse diapasão, de ins-trumento nevrálgico para a amarra das vontades, em uma época em que os negócios figuravam como a grande força motriz da sociedade, e o lucro, como grande aspiração, passaram, então, a dar azo à paridade de obrigações entre as partes (equivalência material entre prestação e contraprestação), com vistas à realização da função social do contrato, à luz da boa-fé objetiva, permitindo, a um só tempo, que a avença possa ser realizada, autorizando a circulação de riquezas, bens e serviços, mas também delineando o equilíbrio contratual.

É certo, pois, que “encontrar um ponto de equilíbrio entre a autonomia privada e a ordem pública, entre as necessidades do tráfico negocial e as neces-

17 “Em razão da mudança de paradigma proposta pela metodologia civil-constitucional, que volta a atenção do direito privado para a proteção da pessoa humana e não de seu patrimônio, revela-se a preocupação em não se admitir a validade de contratos que, escorados no voluntarismo, imponham a superioridade econômica de uma parte sobre a outra, não atendendo, assim, à função social exigida pela Carta Maior.” (FLORENCE, Tatiana Magalhães. Aspectos pontuais da cláusula penal. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Obrigações: Estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 514)

18 “O Estado Liberal dava lugar, assim, ao Estado Social Democrático de Direito, que passou a intervir na economia e nas relações privadas, como forma de garantir o interesse da coletividade. O dirigismo contratual e a necessidade de uma igualdade material, e não meramente formal, como garantia a Declaração dos Direitos dos Homens de 1789, foram, assim, flexibilizando a rígida separação entre as esferas de atuação do direito público e do direito civil, suscitando uma redefinição de limites e uma profunda relativização conceitual.” (Idem, ibidem)

19 MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 25. p.20 Idem, ibidem.21 MACHADO, Diego Carvalho. Notas sobre cláusulas de não-indenizar e limitativas do montante reparatório. Op.

cit.22 Idem, ibidem.23 “A virada dos séculos alcança os estudiosos da teoria geral dos contratos plenos de perplexidade, carentes

de pontos de partida seguros, de premissas básicas adequadas a sua compreensão. Isso sempre acontece, é bem verdade, nas searas nas quais desde há muitos séculos a doutrina vem sedimentando extratos, um sobre o outro, tendo em vista a construção de bases teóricas. Cada uma dessas camadas representa um momento evolutivo e, na grande maioria das vezes, resistimos a admitir que a anterior esteja superada. É natural, na passagem dos extratos, o abandono dos pontos de partida daqueles que nos antecederam.” (GRAU, Eros Roberto. Um novo paradigma dos contratos. Op. cit.).

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sidades de reparação do lesado, não é tarefa fácil”24. Essa contradição é “acres-cida, por outro lado, de dificuldades técnicas, como seja a de compatibilizar o sentido jurídico do vínculo obrigacional com cláusulas que isentam o devedor da responsabilidade pelo não cumprimento de obrigações, a que, no entanto, se está vinculado por contrato”25.

Em que pese o trabalho árduo, não há dúvidas de que, à luz do panora-ma ideológico-normativo atual, as cláusulas de limitação de responsabilidade devem ser aplicadas de modo a permitir que sejam firmadas “avenças, que pro-porcionem a fluência das relações de mercado”26, sem descuidar do necessário equilíbrio entre prestações e riscos27.

Devem ser aplicadas, portanto, com vistas à chancela da ordem públi-ca, como corolário da boa-fé objetiva e da função social do contrato, e, em especial, do princípio da equivalência material das prestações28, superando-se, assim, a dogmática liberalista-voluntarista de outrora, em prol da realização dos valores fundamentais difundidos na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002, a fim de tornar possível a própria relação contratual.

2 NATUREZA JURÍDICA – MOMENTO – CAMPO DE INCIDÊNCIA – CONDIÇÕES DE EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA

Delineada a evolução do instituto e a sua concepção hodierna, convém aventar, ainda que de forma superficial, não sendo, pois, o objetivo do presente estudo esgotar a matéria, as suas principais características, tais quais a sua natu-reza jurídica, o momento para firmar tal convenção, o seu campo de incidência e as suas condições de existência, validade e eficácia.

24 MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 75. p.25 Idem, ibidem.26 GRAU, Eros Roberto. Um novo paradigma dos contratos. Op. cit.27 “Nesta matéria há que atender, com efeito, como sublinha Dias Aguiar, dois interesses opostos e equivalentes;

de um lado, o de proporcionar às vítimas do dano, cada vez mais numerosas, a reparação capaz de restaurar real ou idealmente o status quo desfeito pelo evento danoso; de outro, o de evitar que, por demasiado empenho em ver satisfeita a primeira preocupação, se converta o mecanismo da responsabilidade civil em processo de aniquilamento da iniciativa privada.” (MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 75. p.)

“O crescimento da indústria e a utilização generalizada dos contratos de adesão acentuaram o perigo de abuso do poder econômico na imposição de cláusulas injustas aos particulares; adquiriu-se consciência de que a liberdade contratual de muitos pode ser destruída pela liberdade contratual de poucos, anulando-se a justa distribuição de riscos (the balance os risks), estabelecida por lei; ganha foros de cidadania o postulado da tutela do consumidor e, em geral, de proteção do contraente econômica e socialmente débil; em suma, a necessidade de zelar pela realização de uma justiça materialmente fundada, no domínio contratual, na actualidade, a um juízo severo sobre as cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade.” (MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., p. 45)

28 “Não foi por outra razão que o princípio do equilíbrio das prestações, também chamado princípio da equivalência material, chegou a ser apontado como uma das mais importantes contribuições do século XX para a evolução do direito das obrigações.” (SCHREIBER, Anderson. Direito civil e constituição. Rio de Janeiro: Atlas, 2013. p. 121)

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Como exaustivamente disposto alhures, o princípio contratual que au-toriza a incidência das cláusulas limitativas de responsabilidade no Direito brasileiro é o princípio da autonomia da vontade, hoje limitado por precei-tos constitucionais, pela boa-fé objetiva, pela função social do contrato e pelo equilíbrio das prestações – parâmetro absolutamente diverso do disposto na doutrina contratual clássica, na época da revolução industrial, tipicamente vo-luntarista e liberalista –, permitindo às partes que delimitem os termos de seu negócio jurídico, e as consequências pelas falhas no cumprimento29, tornando, assim, possível a própria avença.

As cláusulas de limitação de responsabilidade possuem, via de regra, natureza jurídica de pacto acessório, ou elemento particular no negócio jurí-dico, embutido no bojo de um mesmo instrumento contratual, limitando, pois, os efeitos de eventual inadimplemento, mora ou cumprimento defeituoso, não diretamente relacionado à própria avença, mas à sua inobservância.

No entanto, “se a estipulação se destinar à disciplina de responsabilidade aquiliana, já não se verificará esta roupagem de pacto acessório, pois o acor-do sobre a restrição ou desterro da obrigação de indenizar consiste na própria avença”30.

Pode-se dizer, portanto, que, quanto ao seu campo de incidência, as cláusulas de limitação de responsabilidade civil “poderão ter lugar [...] tanto no campo contratual, como no domínio da responsabilidade extracontratual”31. No entanto, “só no primeiro caso se poderá falar, rigorosamente, de cláusulas sobre responsabilidade”32.

No que tange ao momento adequado para se firmar a convenção, a des-peito de ser mais usual a sua incidência até a conclusão do contrato, não há qualquer óbice ao aditamento da avença, já no curso da relação contratual.

Convém, tão somente, por razões lógico-materiais, que, firmado o con-trato, seja a cláusula de limitação de responsabilidade avençada até o momento

29 “É estreme de dúvidas que as referidas cláusulas se fundamentam na autonomia privada, sustentáculo da liberdade de contratar, que é exercida no livre jogo de interesses em que as partes pactuam as obrigações que hão de vinculá-los em um negócio jurídico. Atribui-se a esses institutos o papel de instrumento técnico engendrado para mitigar a expansão do campo de incidência da responsabilidade civil na reparação das vítimas lesadas, para que em razão de uma possível exacerbação deste, a iniciativa privada não seja por demais comprometida, ao ponto de impedir sua conservação e seu desenvolvimento. As cláusulas limitativas e de exclusão da obrigação de indenizar, juntamente à cláusula penal e à transação, são instrumentos jurídicos construídos para possibilitar o mencionado equilíbrio entre os interesses da proteção das vítimas e da iniciativa privada, ‘entre as exigências da reparação e as da conservação da atividade responsabilizada’.” (MACHADO, Diego Carvalho. Notas sobre cláusulas de não-indenizar e limitativas do montante reparatório. Op. cit.)

30 MACHADO, Diego Carvalho. Notas sobre cláusulas de não-indenizar e limitativas do montante reparatório. Op. cit.

31 MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 99. p.32 Idem, ibidem.

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anterior ao evento danoso33, estopim de todo o processo de responsabilização civil, culminando, por fim, em uma eventual obrigação, sobre a qual se debru-çará o instituto em análise.

A explicação é simples: cogitar-se da realização de tratativas que condu-zam ao relaxamento do produto (obrigação) de eventual responsabilidade civil, após o evento danoso, caracteriza a incidência de instituto jurídico diverso: a transação. Desse modo, não mais haveria sequer razão para a inserção da cláusula no bojo da relação contratual. Vê-se, pois, a lógica jurídico-material na “limitação fático-cronológica” da inserção deste pacto, no curso da relação jurídica.

Independentemente de sua inserção no contrato, até o momento de sua conclusão; ou já no curso da relação jurídica – desde que antes do eventodanoso, repita-se –, é certo, em qualquer hipótese, que a cláusula limitativa só produzirá efeitos na fase posterior à verificação dos elementos da responsabi-lidade civil, restringindo-se, portanto, às consequências (ao produto) do des-cumprimento – no plano da obrigação de indenizar34. É dizer: a despeito de sua denominação – cláusulas de limitação e responsabilidade –, o que se delimita, na verdade, é a obrigação decorrente ao reconhecimento da responsabilidade civil, e não propriamente a responsabilidade.

De fato, como bem dispõe Judith Martins Costa, invocando Aguiar Dias, “ninguém pode deixar de ser responsável, porque a responsabilidade corres-ponde, em ressonância automática, ao ato ou fato jurídico. Produzido este, a responsabilidade do agente a quem se liga será uma realidade. A cláusula não suprime a responsabilidade, porque não a pode eliminar, como não elimina o eco”35.

33 “Estas cláusulas não têm de ser estipuladas, necessariamente no preciso momento da celebração do contrato, bastando o que sejam, como dissemos, antes de ocorrer o facto constitutivo de responsabilidade.” (Idem, 98. p.)

34 MACHADO, Diego Carvalho. Notas sobre cláusulas de não-indenizar e limitativas do montante reparatório. Op. cit.

“Estas convenções actuam fundamentalmente ao nível da obrigação de indemnização.” (MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 98. p.)

“A cláusula não se inscreve no quadro dos pressupostos da responsabilidade, afastando qualquer deles, mas, ao invés, implica a sua verificação cumulativa e consequente qualificação do devedor como responsável. Esta qualificação corresponde a uma valoração do comportamento que reúne os requisitos da imputação ao devedor das consequências danosas do mesmo. O resultado de tal qualificação é a adstrição do devedor a uma obrigação, cujo objeto é, então, o de eliminar no patrimônio do credor os efeitos patrimoniais daquela conduta ilícita e culposa. É esta consequência que constitui o objeto de cláusula exoneratória ou limitatória.” (PRATA, Ana. Cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade contratual. Coimbra: Almedina, 1985)

“Não se trata, propriamente, de excluir ou de limitar a responsabilidade civil, mas apenas a sua principal eficácia, qual seja, o nascimento do dever de indenizar.” (COSTA, Judith Martins. Contrato de construção. “Contratos-aliança”. Interpretação contratual. Cláusulas de exclusão e de limitação do dever de indenizar. Parecer. Revista de Direito Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, a. 1, v. 1, 2014).

35 Idem, ibidem.

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Como todas as cláusulas contratuais e negócios jurídicos, também estão as cláusulas de limitação da responsabilidade sujeitas à verificação no plano da existência, validade e eficácia36.

Para tal análise, o presente estudo toma por base a tripartição de planos do negócio jurídico37, de Antônio Junqueira de Azevedo, à luz das premissas até aqui alinhavadas, considerando-se, na hipótese vertente, as relações contratuais paritárias.

No que tange ao plano da existência, não há espaço para maiores elu-cubrações. A cláusula limitativa de responsabilidade tem escopo de elemento particular do negócio jurídico, tecido pela vontade das partes. Já em se tratando de convenção disciplinadora das consequências da responsabilidade extracon-tratual, “não configurará elemento particular, mas de elemento categorial do negócio jurídico, visto que o acordo se consubstanciará no próprio contrato”38.

A grande questão que envolve a análise no plano tridimensional dos ne-gócios jurídicos, no que concerne às cláusulas limitativas de responsabilidade civil, cinge-se ao campo da validade.

É que, além dos requisitos gerais dos negócios jurídicos (agente capaz e legitimado;manifestaçãodevontadelivreedeboa-fé;objetolícito,possíveledeterminado;formaprescritaounãodefesaemlei),énecessárioressaltarcau-sas próprias de nulidade desse tipo de avença39.

Convém registrar que o ordenamento jurídico brasileiro já previa, em 1912, a validade das cláusulas que impõem limitações à responsabilidade civil, revelando, já naquele momento, preocupação cabal com as possíveis causas de sua nulidade.

36 “Plano da existência, plano da validade e plano da eficácia são os três planos nos quais a mente humana deve sucessivamente examinar o negócio jurídico, a fim de verificar se ele obtém plena realização.” (AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico, existência, validade e eficácia. 4. ed. 8. tir. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013. 20. p.).

37 “Se, no plano da existência, faltar um dos elementos próprios a todos os negócios jurídicos (elementos gerais), não há negócio jurídico; poderá haver um ato jurídico em sentido restrito ou um fato jurídico, e é isso a que se chama ‘negócio inexistente’. Se houver os elementos, mas, passando ao plano da validade, faltar um requisito neles exigido, o negócio existe, mas não é válido. Finalmente, se houver os elementos e se os requisitos estiverem preenchidos, mas faltar um fator de eficácia, o negócio existe, é válido, mas ineficaz (ineficácia em sentido estrito).” (Idem, 63. p.)

38 MACHADO, Diego Carvalho. Notas sobre cláusulas de não-indenizar e limitativas do montante reparatório. Op. cit.

39 “É sabido e consabido que nos contratos paritários, como os que de ora se cuida, há a possibilidade de limitar ou mesmo excluir o dever de indenizar – tecnicamente dito ‘cláusula de exclusão/limitação da responsabilidade civil’. No entanto, embora existente, este poder não é ilimitado. Como em seguida será apontado, os lindes estão (a) nas normas cogentes do Código Civil; (b) nas ‘normas gerais’ que hão de ser obedecidas mesmo nos contratos atípicos, seja por expressarem princípios inafastáveis, seja por traduzirem aquilo que, em cada contrato, atinge a ‘obrigação fundamental das partes’; e (c) no dolo, ao qual se equipara a negligência grave para este exclusivo efeito, temas que hão de ser brevemente mencionados.” (COSTA, Judith Martins. Contrato de construção. “Contratos-aliança”. Interpretação contratual. Cláusulas de exclusão e de limitação do dever de indenizar. Parecer. Op. cit.)

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O diploma normativo em comento é o Decreto nº 2.681/1912, que “re-gula a responsabilidade civil das estradas de ferro”, e que prevê, expressamente, nos termos de seu art. 12:

Art. 12. A cláusula da não garantia das mercadorias, bem como a prévia de-terminação do máximo de indenização a pagar, nos casos de perda ou avaria, não poderão ser estabelecidas pelas estradas de ferro senão de modo facultati-vo e correspondendo a uma diminuição de tarifa. Serão nulas quaisquer outras clausulas diminuindo a responsabilidade das estradas de ferro estabelecida na presente lei.

Vê-se, pois, que a referida norma, a despeito de consignar a possibilidade de ajuste contratual com “prévia determinação do máximo de indenização a pagar, nos casos de perda ou avaria”, dispõe que “não poderão ser estabele-cidas pelas estradas de ferro, senão de modo facultativo e correspondendo a uma diminuição de tarifa”, enfatizando, ainda, serem “nulas quaisquer outras cláusulas diminuindo a responsabilidade das estradas de ferro”.

A preocupação com as condições de validade desse instrumento jurí-dico-material se sustenta, hoje, à luz da doutrina nacional, sob o prisma dos princípios e valores constitucionais e infraconstitucionais em vigor, reconhe-cendo que tais cláusulas devem ser consideradas nulas quando incidentes sobre obrigações: impostas por normas imperativas;pertencentesaonúcleo essencial do tipo contratual;pelaordem pública e, por fim, que se revelem essenciais ao fim contratual40.

Nesse diapasão, em parecer específico, o Professor Antônio Junqueira de Azevedo definiu as hipóteses de nulidade, incluindo nesse rol aquelas que:

a)exoneremoagente,emcasodedolo;b)vãodiretamentecontranormaco-gente,àsvezesditadeordempública;c) isentemdeindenizaçãoocontratan-te, em caso de inadimplemento da obrigação principal41 [violação à proibição

40 “[...] a validade de tais cláusulas só será de admitir dentro de certos limites, os quais resultam de várias disposições legais e dos variados ensinamentos doutrinais. Com efeito, as cláusulas limitativas da responsabilidade não deverão contrariar as normas de ordem pública [...], assim como também não deverão conduzir a uma indemnização irrisória ou simbólica, ou assaz insuficiente.” (SOUZA, Bruno Neves de. O problema da admissibilidade das cláusulas limitativas e exoneratórias da responsabilidade civil em face do art. 809 do Código Civil. Revista “O Direito”, Coimbra: Almedina, 2009, Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Bruno_Neves_O_Direito.pdf>. Acesso em: 6 dez. 2014).

“São nulas as cláusulas que: (i) exoneram o agente em caso de dolo, porque do contrário haveria uma permissão para delinquir e a proteção jurídica dada ao vínculo obrigacional seria sensivelmente vulnerada, isto é, o próprio sentido jurídico da obrigação seria comprometido; (ii) colidam diretamente contra a ordem pública, noção esta ora redefinida pela normativa constitucional de tutela e promoção da dignidade humana e da solidariedade social, que proscreve, por exemplo, as cláusulas cujas consequências atentam contra a integridade psicofísica da pessoa – e, também, aquelas que contrastam com a boa-fé objetiva –, e contra norma cogente, como se infere do art. 166, II e VII, do CC/02 (LGL/2002/400); e (iii) desmantelam o equilíbrio econômico do contrato.” (MACHADO, Diego Carvalho. Notas sobre cláusulas de não-indenizar e limitativas do montante reparatório. Op. cit.)

41 “Não poderão excluir-se do contrato obrigações que constituam elementos essenciais do negócio típico ou nominado escolhido pelas partes, sob pena de total descaracterização do mesmo. Isto é, não poderão

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de inserção de condições meramente potestativas, nos negócios jurídicos – art. 115,doCódigoCivil]; ed) interessemdiretamente à vidae à integridadefísica das pessoas naturais. São quatro situações diferentes.42

E o autor complementa, justificando o seu entendimento:

Admitiravalidadedasprimeirasseriadarumaautorizaçãoparadelinquir;anu-lidade das segundas resulta dos incs. II e V do art. 145 do CC brasileiro [de 1916, e art. 166, II eVII, doCódigoCivilde2002];dar eficáciaàs cláusulasda terceira hipótese tornaria o contrato um negócio jurídico abusivo, eis que a cláusula faria com que o contratante, por ela beneficiado, somente cumprisse sua principal obrigação, se quisesse (haveria desrespeito à proibição das con-dições puramente potestativas – art. 115, in fine, doCC brasileiro); a nulida-de das últimas, finalmente, a nosso ver, resulta da Constituição da República (LGL/1988/3), porque tais cláusulas ferem o princípio maior do Estado brasilei-ro, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, c/c o art. 5º, caput, ambos da Constituição da República (LGL/1988/3).43

Para Judith Martins Costa, há, ainda, a necessidade de identificação com uma causa44 sinalagmática, de modo que “a vantagem ali aludida corresponde,

afastar-se obrigações que constituam precisamente o elemento de identificação do contrato celebrado, a sua causa, ou seja, a função econômico-social própria desse contrato. Seria um verdadeiro ‘monstro jurídico’, nas palavras de Mazeaud, o contrato de compra e venda em que o vendedor excluísse a obrigação de transferir a propriedade da coisa vendida; o mesmo se diga, por exemplo, da hipotética supressão, pelo locador, do dever de proporcionar à outra parte, num contrato de locação, o gozo de uma coisa.” (MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 125. p.)

42 AZEVEDO, Antônio Junqueira. Cláusula cruzada de não indenizar (cross-waiver of liability), ou cláusula de não indenizar com eficácia para ambos os contratantes – renúncia ao direito de indenização – promessa de fato de terceiro – estipulação em favor de terceiro. Doutrinas Essenciais de Obrigações e Contratos. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, v. 4, 2011. 25. p.

E prossegue sua explanação, citando Pontes de Miranda, afirmando que “[é lícita a cláusula que] não ofende a nenhum princípio de ordem pública e a obrigação afastada pela cláusula não é da essência do contrato. São ilícitas: a de transferência de obrigações essenciais do contratante, as que exonerem de responsabilidade pelo dolo ou culpa grave e, em geral, todas as que interessem à proteção da vida, da integridade física e da saúde do contratante” (AZEVEDO, Antônio Junqueira. Cláusula cruzada de não indenizar (cross-waiver of liability), ou cláusula de não indenizar com eficácia para ambos os contratantes – renúncia ao direito de indenização – promessa de fato de terceiro – estipulação em favor de terceiro. Doutrinas Essenciais de Obrigações e Contratos. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, v. 4, 2011. 25. p)

43 Idem, ibidem.44 “A teoria antivoluntarista, ou da declaração, opera, principalmente, através da noção de causa, considerando-a

‘objetiva’. Através dela, a função do negócio é colocada em primeiro plano, em lugar da vontade. Aquela que a doutrina tradicional considerava vontade do conteúdo do negócio vem agora reduzida à consciência do significado objetivo da declaração emanada e do específico valor social do comportamento, isto é, de um interesse objetivo, socialmente controlável, considerado digno de tutela pelo ordenamento. Nessa medida, o negócio jurídico pode ser produtivo de efeitos jurídicos somente se e quando avaliado pelo ordenamento como socialmente útil. Se, de fato, todo efeito jurídico é previsto pela lei, não sendo suficiente a declaração de vontade para que se produza, a causa do negócio encontra-se na função econômico-social, reconhecida e garantida pelo Direito. A ordem jurídica, afirma-se, aprova e protege a autonomia privada não como representativa de um capriccio momentaneo, mas porque apta a perseguir um objetivo interesse voltado a funções sociais merecedoras de tutela. Se à vontade não se podem mais conectar os efeitos jurídicos, o ordenamento necessita de um instrumento objetivo de verificação, através do qual possa determinar se o negócio de autonomia merece ser tutelado. É a função do negócio, dada pelo ordenamento, que permite, por um lado, esse controle objetivo e, por outro, serve para delimitar os traços característicos – o seu conteúdo mínimo, necessário –, na medida em que todo e qualquer negócio pode ter, apenas, uma função. Um negócio

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portanto, a um interesse do qual se abre mão, em troca de outra vantagem, aí residindo a causa sinalagmática. [...] o que deve ser avaliado e ponderado é o ‘interesse do sinalagma’, considerando-se ser o interesse (contratual)”45.

Nesse sentido, a fim de ilustrar o posicionamento da jurisprudência na-cional quanto à validade do instituto nas relações contratuais paritárias, convém dispor o quanto foi consignado no emblemático acórdão proferido no REsp 39.082/SP, Julgado pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça.

Na oportunidade, foi superado o entendimento anterior, esposado nos Recursos Especiais nºs 1.933/SP, 2.310/SP, 9.787/RJ, 16.034/SP, 1.691/SP, 13.656/SP e 32.578/RJ, todos relacionados a transporte marítimo, mediante aplicação generalizada da Súmula nº 161/STF – “em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar”. Eis o teor da ementa do referido julgado:

Transporte marítimo. Responsabilidade. Admissão de cláusula limitante da res-ponsabilidade do transportador. Recurso especial conhecido, mas denegado. Maioria.46

Dada a cabal relevância, urge transcrever os trechos mais representativos do voto divergente do Ministro Cláudio Santos, guiando a solução pelos mean-dros da natureza paritária da avença contratual – escopo do presente estudo:

[...] As cláusulas limitativas, contanto que atendam aos requisitos descritos, são consideradas válidas e eficazes, sendo admitidas pela jurisprudência, tanto mais quando inseridas nas chamadas relações paritárias em que as partes têm oportu-nidade de negociar: “[...] uma coisa é cláusula dessa natureza [cláusula de não indenizar], já vedada no Direito brasileiro, e outra são cláusulas limitativas de responsabilidade em contratos firmados entre partes igualitárias, entre profissio-nais, que naturalmente têm a oportunidade de discuti-la ou, de alguma forma, têm a liberdade de contratar e a liberdade contratual amplamente assegurada.47

Acompanhando o entendimento, sustentou o Ministro Antônio Torreão Braz: “inoperante a cláusula excludente da responsabilidade, nos termos da

concluído (em concreto) é qualificável, segundo esta doutrina, como negócio jurídico de um determinado tipo – por exemplo, compra e venda ou locação – se cumpre a função econômico-social que caracteriza o tipo. Tal função, característica do tipo que se considera e que o Direito protege, é, exatamente, a sua causa. Nesta medida, os elementos essenciais do tipo são os elementos essenciais da causa: elementos constantes e invariáveis em cada negócio concreto que esteja (ou que possa estar) inserido naquele tipo e, portanto, elementos indispensáveis à sua identificação. De modo que a causa, sendo diferente para cada tipo de negócio, serve para diferenciar um tipo de outro.” (MORAES, Maria Celina Bodin de. A causa do contrato. Revista Civilística. Rio de Janeiro, a. 2, n. 4, 2003. Disponível em: <http://civilistica.com/wp-content/uploads/2014/02/A-causa-do-contrato-civilistica.com-a.2.n.4.2013.pdf>. Acesso em: 9 dez. 2014.)

45 COSTA, Judith Martins. Contrato de construção. “Contratos-aliança”. Interpretação contratual. Cláusulas de exclusão e de limitação do dever de indenizar. Parecer. Op. cit.

46 BRASIL. STJ, 2ª Seção, REsp 39.082/SP, Rel. p/ o Acórdão Min. Fontes de Alencar, J. 09.11.1994, v. m., DJ 20.03.1995, p. 6.077 – trecho do voto-vista do Min. Cláudio Santos.

47 BRASIL. STJ, 2ª Seção, REsp 39.082/SP, Rel. p/ o Acórdão Min. Fontes de Alencar, J. 09.11.1994, v. m., DJ 20.03.1995, p. 6.077 – trecho do voto-vista do Min. Cláudio Santos.

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citada súmula, admite-se, entretanto, estipulação limitativa dessa responsabili-dade, desde que não tenha o caráter de leonina e se justifique à vista das pecu-liaridades de cada caso”.

Nesse prisma, à luz da melhor doutrina e da jurisprudência dos Tribu-nais Superiores, para que possam ser consideradas válidas, dando guarida à autonomia da vontade e à liberdade contratual, é necessário que tais cláusulas respeitem a ordem pública e as normas imperativas, constitucionais e infra-constitucionais, pautadas no princípio da boa-fé objetiva e na função social do contrato, com vistas ao equilíbrio contratual.

Pode-se, portanto, dizer que são válidas as cláusulas que: (a) sejam fir-madas a partir de tratativas bilaterais entre as partes, com aceitaçãomútua; (b) não imponham a exclusão da responsabilidade por dolo ou culpa grave, mas apenasculpa leve; (c)não imponhamviolaçãoàsnormasdeordempública; (d) considerem o interesse econômico envolvido na avença, permitindo a sua realização;(e)nãotransfiramasobrigaçõesessenciaisdocontrato;(f)nãoex-cluamdanospessoais(inclusivedanosmorais);(g)nãoestabeleçammontanteirrisório como teto indenizatório, à luz do dano experimentado48.

Desrespeitados os primados ora aventados, independentemente do fun-damento jurídico esposado, detectada, assim, a nulidade da cláusula49, à luz do disposto no art. 184 do Código Civil de 2002, não será o contrato declarado nulo por inteiro, mas tão somente a referida cláusula.

Em se tratando, contudo, de convenção de limitação de responsabilidade extracontratual, evidentemente, sendo a avença a própria convenção, esta de-verá ser excluída do mundo jurídico integralmente.

Para encerrar a exposição sobre o plano da existência, validade e eficácia das cláusulas de limitação de responsabilidade, cabe enfatizar que “o fator ex-trínseco do qual depende a eficácia da cláusula de não indenizar é justamente

48 LAUTENSCHLEGER JR., Nilson. “Limitação de responsabilidade na prática contratual brasileira: permite-se no Brasil a racionalização dos riscos do negócio empresarial?”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Eco- nômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, n. 125, jan./mar. 2002. 14. p.

49 “[...] é ensejada a decretação da ineficácia da cláusula exoneratória (resguardando-se quanto às demais do contrato, com fundamento no princípio da conservação dos negócios jurídicos), ou até mesmo a nulidade do inteiro pacto, se a cláusula exoneratória vedar, desde a formação do contrato, o equilíbrio mínimo que deve haver entre a prestação e a contraprestação nos pactos bilaterais, sinalagmáticos e comutativos. Consequentemente, quando uma disposição contratual está em oposição manifesta com as ‘regras essenciais’ do tipo contratual, considerado em concreto, em vista de seu objeto e de sua finalidade, cabe reconhecer, conforme o caso, ou a sua ineficácia, ou a sua nulidade. Já quando voltada a exonerar o agente em caso de dolo, é nula a cláusula, pois admitir a sua validade importaria em dar uma autorização para delinquir, atingindo-se tríplice ordem de interesses: de índole moral (aí se entendendo que o devedor aproveitar-se-ia da própria torpeza); contratual (já que a posição de credor exige uma tutela mínima); e de índole econômica e social (pois atingiria o tráfico jurídico, com reflexos prejudiciais a nível econômico e social).” (COSTA, Judith Martins. Contrato de construção. “Contratos-aliança”. Interpretação contratual. Cláusulas de exclusão e de limitação do dever de indenizar. Parecer. Op. cit.)

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a configuração da responsabilidade”50, momento a partir do qual – caso seja reconhecida a responsabilidade – passa a ser oponível a cláusula limitativa do produto dessa responsabilização.

3 MODALIDADES

Tal qual disposto por Pinto Monteiro, parafraseando Garcia Amigo, “o engenho dos empresários mostra a sua exuberante fantasia, criando uma ri-queza extraordinária de cláusulas contratuais, com o fim último de fazer recair sobre os credores, clientes, os prejuízos que a Lei, através da responsabilidade contratual, põe a seu cargo”51.

É, portanto, impossível delimitar um rol exaustivo e estanque, que englo-be todas as modalidades de cláusulas de limitação de responsabilidade.

Mesmo por isso, o presente estudo se limitará a delinear, de forma super-ficial, as modalidades mais representativas, notadamente: (a) cláusulas limita-tivasporatosprópriosouporatosauxiliaresdodevedor;(b)cláusulaslimitati-vasdomontantedaindenização;(c)cláusulaslimitativasdosfundamentosderesponsabilidade;(d)casosde“forçamaior”equiparados;(e)cláusulassobreoônusdaprova;(f)cláusulassobreprescriçãoecaducidade;e(g)cláusulasquan-to à garantia patrimonial, tendo por base a roupagem jurídica normativa atual, que deve disciplinar o instituto, com considerações lançadas sobre as hipóteses mais relevantes.

(a) Cláusulas limitativas por atos próprios ou por atos auxiliares do deve-dor. Tal qual o Direito português, o Código Civil brasileiro também reconhece a responsabilidade civil de terceiros52. Nesse sentido, “as cláusulas limitativas ou de exclusão possam reportar-se tanto aos actos próprios do devedor, como à responsabilidade deste pelos actos dos seus auxiliares (que não têm de ser, necessariamente, comissários)”53.

Extrai-se da referida modalidade que “não apenas a exclusão ou limita-ção da obrigação de indenizar, consequente de ato do próprio devedor, é passí-vel de ser acordada, mas, outrossim, o afastamento ou atenuação do decorrente obrigacional de dano ocasionado por outrem”54.

50 Idem.51 MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 103. p.52 Em Portugal, como bem pontua Pinto Monteiro: “O devedor é responsável, nos termos do art. 800, nº 1, pelos

actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor.” (MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 104. p.).

53 Idem, ibidem.54 MACHADO, Diego Carvalho. Op. cit.

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(b) Cláusulas limitativas do montante da indenização55. Destinam-se a

restringir a extensão da responsabilidade (haftungsumfang) mediante acordo das partes, responsabilizando o devedor só por certos danos (limitado a obrigação de indemnização aos danos directos, ou aos danos emergentes, por ex.), ou até uma determinada quantia, que actua assim como limite máximo da indemni-zação.56

Trata-se, na espécie, da “modalidade de maior relevo e aquela que mais frequentemente tem sido utilizada, sobretudo nos contratos de valor avultado”57. Cabe o esclarecimento: embora possa ser considerada aquela que melhor re-presenta o instituto, é certo que a limitação do montante indenizatório é apenas uma das possíveis modalidades do instituto.

Em que pese o destaque, essa modalidade, assim como todas as demais, também possui limitações para fins de validade.

No que tange à fixação do limite indenizatório, o teto fixado por eventual mora, descumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, em montante vil, deve ser encarado como tentativa cabal de exoneração de responsabilidade, dissimulada sob as vestes de uma convenção limitativa, não sendo, portanto, válida a cláusula, a despeito da anuência das partes, eis que impõe verdadeira descaracterização da própria razão de ser do instituto, impondo verdadeira con-dição potestativa, vedada nos termos do art. 115 do Código Civil.

Cogitar-se da higidez da cláusula limitativa, nesses termos, seria andar na contramão dos valores constitucionais e infraconstitucionais, imperativos no or-denamento jurídico pátrio – já tendo sido superado, tal qual disposto, o dogma da vontade e o primado do liberalismo econômico –, não sendo digna, pois, de merecimento de tutela.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou nesse exato sentido:

Diverge, manifestamente, da Súmula nº 161 do Supremo Tribunal, onde se con-sagra a inoperância da cláusula de não indenizar, o acórdão recorrido, que pla-citou estipulação, limitativa da responsabilidade do transportador marítimo, a valor capaz de tornar irrisória a indenização. Recurso extraordinário provido.58

55 “Cláusulas limitativas do montante da indenização. Esta é a modalidade mais generalizada e difundida de cláusulas limitativas e consiste em restringir a extensão do quantum debeatur. Isso se dá de duas formas distintas: (i) limitando a abrangência da obrigação de indenizar a certos danos (danos emergentes e lucros cessantes); e (ii) estabelecendo um patamar indenizatório, isto é, uma quantia que representa o limite máximo da indenização.” (Idem)

56 MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 105. p.57 SOUZA, Bruno Neves de. O problema da admissibilidade das cláusulas limitativas e exoneratórias da

responsabilidade civil em face do art. 809 do Código Civil. Revista “O Direito”, Coimbra: Almedina, 2009, Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Bruno_Neves_O_Direito.pdf>. Acesso em: 6 dez. 2014.

58 BRASIL. STF, RE 107361, Rel. Min. Octavio Gallotti, 1ª T., J. 24.06.1986, DJ 19.09.1986, p. 17143, Ement. v. 01433-01, p. 00139.

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No mesmo sentido, em julgado recente, de relatoria do Ministro Marco Buzzi, o Superior Tribunal de Justiça consignou:

[...] 2. Validade da cláusula limitativa do valor da indenização devida em ra-zão de avaria da carga objeto de transporte marítimo internacional. Nos termos da jurisprudência firmada no âmbito da Segunda Seção, considera-se válida a cláusula do contrato de transporte marítimo que estipula limite máximo indeni-zatório em caso de avaria na carga transportada, quando manifesta a igualdade dos sujeitos integrantes da relação jurídica, cuja liberdade contratual revelar-se amplamente assegurada, não sobressaindo, portanto, hipótese de incidência do art. 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor, no qual encarta-do o princípio da reparação integral dos danos da parte hipossuficiente (REsp 39.082/SP, Rel. Min. Nilson Naves, Rel. p/ Acórdão Ministro Fontes de Alencar, Segunda Seção, Julgado em 09.11.1994, DJ 20.03.1995).

Nada obstante, é de rigor a aferição da razoabilidade e/ou proporcionalidade do teto indenizatório delimitado pela transportadora, o qual não poderá impor-tar em quantia irrisória em relação ao montante dos prejuízos causados em ra-zão da avaria da mercadoria transportada, e que foram pagos pela segurado-ra. Precedente do Supremo Tribunal Federal: RE 107.361/RJ, Rel. Min. Octávio Gallotti, Primeira Turma, Julgado em 24.06.1986, DJ 19.09.1986.59

Desse modo, ainda que firmada a limitação do quantum indenizatório, este não pode representar montante irrisório, sob pena de estimular o descum-primento e a disparidade contratual, figurando, pois, como verdadeiro salvo--conduto para a prática reiterada de lesões contratuais, furtando-se, o infrator, integralmente, de arcar com as consequências da violação contratual, sob o beneplácito de uma limitação forjada e ilícita. É, pois, necessário, para a vali-dade da cláusula limitativa de responsabilidade, que o teto da indenização seja fixado em valor razoável.

(c) Cláusulas limitativas dos fundamentos de responsabilidade. Essa mo-dalidade permite que as partes convencionem que o devedor somente respon-derá pelos danos causados “no caso de ter agido com dolo ou culpa grave”60. Desse modo, “estipulada esta cláusula, o credor não poderá, pois, vir a exigir indemnização no caso de o devedor ter actuado com culpa leve”61.

Com efeito, essa modalidade não atua, propriamente, no plano da obri-gação de indenizar, mas o que verdadeiramente há, neste caso, é acordo sobre o parâmetro de imputação por culpa do devedor62. Acaba, portanto, por tra-

59 BRASIL. STJ, REsp 1076465/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, J. 08.10.2013, DJe 25.11.2013.60 MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 106. p.61 Idem, ibidem.62 MACHADO, Diego Carvalho. Notas sobre cláusulas de não-indenizar e limitativas do montante reparatório.

Op. cit.

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duzir-se “numa cláusula de exclusão por culpa leve, exonerando-se o devedor sempre que o incumprimento não lhe seja imputável por dolo ou culpa grave”63.

Como bem posto por Antonio Junqueira de Azevedo, cogitar-se da limita-ção da responsabilidade também nos casos de dolo e culpa grave seria o mesmo que, no curso da relação jurídica, dar, ao contratante, “uma autorização para delinquir”64.

Quanto à relação dolo/culpa grave, em parecer específico, publicado recentemente na Revista de Direito Civil Contemporâneo, Judith Martins Costa aborda a questão enfatizando as diferenças e reconhecendo a aplicação da cul-pa grave no Direito brasileiro.

Afirma a autora que “a equiparação entre o dolo e a culpa grave (ou gra-ve negligência) é quanto à eficácia e não quanto aos requisitos de configuração. Dolo e negligência grave são figuras distintas”65. Prossegue, traçando o paralelo entre o dolo, o dolo eventual e a culpa grave:

O dolo, consabidamente, é uma ação intencionada a causar o mal: o agente quer a situação objetiva em que o bem jurídico alheio é posto em perigo, ou consente em assumir o risco. No dolo eventual, por sua vez, há a representação da possibilidade do evento danoso e a assunção do respectivo risco. Diferen-temente, na culpa, ainda que grave, não há essa intencionalidade. O agente, embora possa prever o resultado, atua na certeza errônea de que o mesmo não ocorrerá;e,aindadiferentemente,nameraculpanãosedá,in concreto, a pre-visão do resultado, ‘malgrado fosse previsível graças à potencialidade causal do comportamento caracterizado pelo desrespeito à normal diligência’. Há, portan-to, uma essencial diferenciação quantitativa e qualitativa nos requisitos à confi-guração, diferenciação que versa sobre o comportamento devido.66

E arremata, afirmando vigorar no Direito brasileiro o conceito de culpa grave, não se tratando, pois, a dicotomia dolo/culpa grave, de sutileza doutri-nária. Ao revés, “a distinção entre dolo e negligência grave está prevista em lei [a autora faz remissão ao art. 18, do Código Penal brasileiro], que conceitua o

63 MONTEIRO, António Pinto.Op. cit., 106-107. p.64 AZEVEDO, Antônio Junqueira. Cláusula cruzada de não indenizar (cross-waiver of liability), ou cláusula de

não indenizar com eficácia para ambos os contratantes – renúncia ao direito de indenização – promessa de fato de terceiro – estipulação em favor de terceiro. Op. cit., 25. p.

65 COSTA, Judith Martins. Contrato de construção. “Contratos-aliança”. Interpretação contratual. Cláusulas de exclusão e de limitação do dever de indenizar. Parecer. Op. cit.

66 “No caso de dolo eventual, acentua a doutrina, há assunção do risco de um determinado resultado; com efeito, que ‘o único critério possível’ para se fazer a distinção entre dolo, dolo eventual e culpa consciente está no comportamento: ‘se a hipótese de produção possível de um evento a partir do curso causal que se desencadeia não leva a se desistir da ação, haverá dolo eventual, pois, neste, ‘a representação da possibilidade do evento não tem a eficácia de evitar a prática da ação. Diversamente, na culpa consciente (negligência grave) o agente, embora representando as possibilidades de sua ação, ‘considera que tudo andará bem’, tudo vai dar certo.” (Idem)

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crime doloso como aquele na qual ‘o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo’”67.

Desse modo, “embora os conceitos jurídicos não sejam rígidos como cálculos matemáticos, possuindo graus variados de vagueza semântica, são conceitos técnicos e assim devem ser considerados e empregados sob pena de inutilidade e de grave insegurança jurídica”68.

Verifica-se, pois, que essa modalidade de cláusula de limitação de res-ponsabilidade, para ser válida, deve afastar tão somente, as consequências da responsabilidade civil por culpa leve, não sendo cabível, portanto, a convenção para fins de promover o afastamento da culpa grave e do dolo.

(d) Casos de “força maior” equiparados. A dinâmica dessa modalidade é simplória. Os contraentes, ao firmar a avença, deverão equiparar certos acon-tecimentos, por eles enumerados, a casos de “força maior” – situações equipa-radas –, os quais poderiam incidir sobre o plano da responsabilidade civil em caso de não afastamento prévio. Tais cláusulas “limitam a responsabilidade do devedor, na medida em que se o não cumprimento ficar a dever-se à ocorrência de um destes acontecimentos, o devedor não responderá”69.

Desse modo,

o resultado será idêntico se as partes, em vez de enumerarem uma série de fac-tos, que equipararam a situações de força maior, preferirem estipular que o de-vedor só responderá se o não cumprimento ficar a dever-se a certos aconteci-mentos, exonerando-o todos os demais.70

(e) Cláusulas sobre o ônus da prova. Essas figuras “apresentam a caracte-rística comum de só mediatamente [e não diretamente] conduzirem a uma limi-tação (ou mesmo exclusão) da responsabilidade, sendo normalmente referidas, por isso (ou apesar disso), como modalidades de cláusulas limitativas”71.

O resultado prático da incidência dessa modalidade de cláusula limita-tiva de responsabilidade é a inversão do ônus da prova, consoante à manifes-tação volitiva dos contratantes, cabendo, assim, ao credor, se desincumbir do

67 Idem.68 “E a consequência da tentativa de afastar a culpa grave, por meio da utilização das cláusulas de limitação

de responsabilidade, em razão dos fundamentos da responsabilidade, só poderia ter uma consequência, galgada no parecer lavrado pela autora: “Nesse sentido, a negligência grave referida no contrato servirá para, concomitantemente, (i) ter como nulas as cláusulas de exclusão ou limitação, quando efetivamente presente a negligência grave, porque, para essa eficácia, há equiparação com o dolo; e (ii) não afastará o dever de indenizar a parte que, agindo com grave negligência – entendida como o comportamento de quem pode prever o resultado danoso à contraparte, mas, ainda assim, confia que ‘tudo dará certo’, persistindo em sua ação ou omissão –, efetivamente causar danos ao cocontratante. Só estará excluída, como a seguir observarei, a hipótese de culpa leve.” (Idem)

69 MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 109. p.70 Idem, 108. p.71 Idem, 110. p.

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ônus de provar os elementos da responsabilidade civil, tal qual a atividade de risco ou a culpa do devedor.

Há, portanto, uma inversão convencional, que se sobrepõe à inversão legal. Essa inversão, contudo, não será válida – na toada do exposto no item anterior, sobre a existência, validade e eficácia da cláusula limitativa de respon-sabilidade civil – em casos relacionados a direito indisponível, ou caso a inver-são torne excessivamente difícil a qualquer das partes o exercício do direito72.

Como exposto, o equilíbrio de prestações e obrigações decorrentes do instrumento contratual, assim como o respeito à ordem pública, aos preceitos constitucionais, à função social e à boa-fé objetiva, são os lastros para a valida-de das cláusulas limitativas de responsabilidade.

Não obstante, o Código de Processo Civil brasileiro, norma cogente e de ordem pública, chancela propriamente a matéria, nos termos do art. 333, dispondo, em seus incisos I e II, que cabe ao autor provar os fatos constitutivos deseudireito;enquantoaoréucabeprovarosfatosextintivos,impeditivosemodificativos do pretenso direito do autor, não podendo, pois, a convenção de limitação do ônus da prova representar óbice intransponível à prestação da tu-tela jurisdicional, atravancando o direito/ônus processual das partes de produzir provas.

É este o escopo da norma prevista no parágrafo único do mencionado art. 333 do Código de Processo Civil brasileiro, ao afirmar que “é nula a con-venção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando [a contrario sensu,seráválidasenão]:recairsobredireitoindisponíveldaparte;tornarex-cessivamente difícil a uma parte o exercício do direito”.

Assim, ao transformar, a convenção, a prova dos elementos da responsa-bilidade civil, em matéria conflitante com os preceitos basilares do ordenamen-to jurídico pátrio, tornando impossível a prova, limitando a cognição jurisdicio-nal, ou recaindo sobre direito indisponível, a sanção será a pronta nulidade da cláusula.

(f) Cláusulas sobre prescrição e caducidade. Outra forma de limitação direta da responsabilidade se dá mediante acordos destinados à redução dos prazos prescricionais e decadenciais.

72 A higidez dessa cláusula é questionada por parte da doutrina. Pinto Monteiro afirma que a “inversão do onus probandi pode acarretar sérias dificuldades, porventura insuperáveis, ao credor, dado que normalmente é o devedor quem está em melhores condições de provar que não teve culpa, do que o credor para provar o contrário. Daí que estas cláusulas, afastando a presunção legal de culpa do devedor – impondo, consequentemente, ao credor o ônus da prova da culpa do devedor –, acabem por traduzir-se, frequentemente, em autênticas cláusulas de irresponsabilidade, atenta à dificuldade prática do credor em fazer essa prova. Essas cláusulas, que são, em princípio, válidas, constituem, note-se, uma forma de repor, por iniciativa das partes, as regras gerais sobre o ônus da prova” (Idem, 111. p.).

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Não se trata de convenção limitativa de responsabilidade em sentido próprio. O que fazem as partes é encurtar o prazo legal de que dispõe o titular de um direito para o exercer, sob pena de o mesmo se extinguir, gerando uma simples obrigação natural. Ocorre que, na medida em que se limita esse prazo, limita-se, consequentemente – no tempo –, a responsabilidade do devedor73.

Essa modalidade não se aplica ao ordenamento jurídico brasileiro, nos termos do art. 192, que veda a alteração dos prazos prescricionais, e dos arts. 209 e 211 do Código Civil74.

(g) Cláusulas quanto à garantia patrimonial. Por fim, existe, ainda, a pos-sibilidade de as partes convencionarem uma limitação quanto à garantia patri-monial da avença, vinculando, assim, “a responsabilidade do devedor a alguns dos seus bens, no caso de a obrigação não ser voluntariamente cumprida”75.

É o caso do disposto no art. 448 do Código Civil de 2002, que trata sobre a evicção: “podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção”76.

É necessária, contudo, uma breve ponderação. Se a convenção de limi-tação de eventual responsabilidade civil a determinado bem, de propriedade do devedor, que possua valor vil, muito inferior ao montante apurado para fins de indenização, tornar irrisório o quantum indenizatório, nada impede que o credor, em sede judicial, invoque a nulidade da cláusula, e a norma prevista no art. 591 do Código de Processo Civil, que dispõe: “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em Lei”.

Com efeito, ao prever a universalidade de fato, nos termos do art. 90 do Código Civil, a norma de Direito Privado também afirma como regra geral a destinação unitária aos bens pertencentes a um mesmo indivíduo, de modo que, embora os bens que formam essa universalidade possam ser objeto de

73 Idem, 112. p.74 “Nem podem ser aumentados ou reduzidos. Quando os prazos decadenciais forem estabelecidos por lei, não

poderão as partes promover o seu aumento ou redução, tendo em vista os interesses de ordem pública que fundamentam o instituto.” (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código civil interpretado conforme a constituição da República. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, v. I. p. 424).

“No art. 192, [o Código Civil de 2002] veda a alteração do prazo prescricional e prevê regime restritivo para a decadência quanto aos prazos legais, como se vê nos arts. 209 e 211, e em já sedimentada doutrina, que sustenta que, quando os prazos decadenciais forem estabelecidos por lei, não poderão as partes promover o seu aumento ou redução, tendo em vista os interesses de ordem pública que fundamentam o instituto.” (MACHADO, Diego Carvalho. Notas sobre cláusulas de não-indenizar e limitativas do montante reparatório. Op. cit.)

75 MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 113. p.76 “Embora estas convenções se não coloquem no mesmo plano das cláusulas limitativas de responsabilidade, o

certo é que da restrição da responsabilidade a determinados bens do devedor pode resultar, sempre que esses bens sejam insuficientes, uma limitação da indemnização do credor.” (Idem, 114. p.)

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relações jurídicas próprias (parágrafo único da referida norma legal), essa uni-versalidade de fato não será necessariamente descaracterizada77.

Nesse sentido, tal qual exaustivamente delineado no presente estudo, a autonomia da vontade deve ser aplicada à luz dos princípios que permeiam a Constituição Federal de 1988, com base no solidarismo contratual, assim como os princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e do equilíbrio do contrato, de modo que a limitação do produto da responsabilidade civil, a um único bem do devedor, não pode representar um salvo-conduto para dissi-mulação de uma tentativa ardilosa e temerária de se limitar eventual quantum indenizatório a valor vil.

4 DELIMITAÇÃO PERANTE INSTITUTOS JURÍDICOS SIMILARES

Exposto o contexto histórico de evolução da aplicação das cláusulas de limitação de responsabilidade civil, e a sua aplicação hodierna, à luz da tábua axiológica da Constituição Federal de 1988 e dos novos princípios contratuais, dispostosnoCódigoCivilde2002;delineadaasuanaturezajurídica;descritosos seus requisitos de existência, validade e eficácia e caracterizadas as suas principais modalidades, em rol não exauriente, cabe, por fim, limitar o escopo desse instituto, de maneira sucinta, perante outros com dinâmica similar.

A abordagem terá por base os institutos mais próximos, em especial: (a) cláusulas limitativas do objeto do contrato; (b) consentimento do lesado; (c)cláusulapenal;(d)transaçãoe(e)seguroderesponsabilidadecivil.

Cláusulas limitativas do objeto do contrato. Ao firmar uma cláusula de limitação de responsabilidade, “o devedor pretende furtar-se antecipadamente à responsabilidade que sobre si poderá recair, ou, pelo menos, restringir essa eventual responsabilidade, seja no seu montante, seja nos seus pressupostos”78.

Pode acontecer, contudo, de as partes, “ao contratar, afastarem obri-gações que, sem tal acordo, fariam parte do contrato, nos termos referidos”. Nestes casos, tais cláusulas seriam “destinadas a definir o objecto do contrato, precisando o seu conteúdo e extensão, ao abrigo da liberdade contratual”79,

77 “Art. 90. [...] Não se pode ter duas propriedades, sobre o todo e sobre cada uma de suas partes [...]. Em coerência com esta doutrina, o parágrafo único prevê que bens que compõem uma universalidade de fato possam ser objeto de relações jurídicas distintas, sem necessariamente a descaracterizar. Assim, a característica de ser decorrente da vontade do titular não implica que se torne obrigatória para terceiros, quando do exercício de seus direitos, como na hipótese de execução em que a oferta de uma universalidade de fato pelo executado por gerar caracterização de excesso de penhora, cabendo, pois, ao exequente, a preferência pela concretização de um dos bens componentes da universalidade, que baste para garantir o prosseguimento.” (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit., 190/191. p.)

78 MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 116-117. p.79 “Não estamos, pois, perante uma cláusula de irresponsabilidade (ainda que impropriamente se empregue,

muitas vezes, essa expressão) quando o escopo das partes é precisar o conteúdo da prestação ou balizar os limites da relação contratual, mediante o afastamento expresso de certa obrigação. Não se trata, numa

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não incidindo, pois, sobre a obrigação decorrente da responsabilização civil. Aí reside a divergência entre os institutos.

De todo modo, em relação às cláusulas limitativas do objeto do contrato, frise-se que, no caso de afastamento de determinadas obrigações contratuais, evidentemente não poderão ser excluídas obrigações chanceladas por normas imperativas, impondo-se, pois, o respeito às exigências de ordem pública80. Da mesma forma, “não podem as partes elidir obrigações que constituam elemen-tos essenciais do negócio jurídico, aqueles que identificam o tipo contratual, isto é, a sua causa”81.

(b) Consentimento do lesado. É possível que a eventual ilicitude ou exer-cício temerário e desmedido de determinado direito culmine na violação do direito de outrem, fazendo incidir, assim, a responsabilidade civil.

Contudo, “pode suceder que a violação ou ofensa seja coberta por algu-macausajustificativa”;umasituação“capazdeafastarasuaaparenteilicitude”.Entre tais causas verifica-se a “relevância do consentimento do lesado: volenti non fit iniuria”82, que atua diretamente sobre a ilicitude do ato, diferenciando--se, assim, das cláusulas de limitação de responsabilidade civil, cujo escopo é delimitar as obrigações decorrentes do inadimplemento do contrato, uma vez reconhecida a responsabilidade.

(c) Cláusula penal. Há uma relação muito próxima entre a cláusula penal e a cláusula de limitação de responsabilidade. Cabe, nesta sede, traçar o para-lelo entre ambas.

Trata-se, a cláusula penal, de liquidação prévia do dano, dispensando-se, pois, a aplicação da norma legal, ou mesmo a cognição judicial, para fins de cálculo do montante indenizatório decorrente do descumprimento da avença.

É, portanto, “uma forma de fixação antecipada e convencional do quantum respondeadur, em caso de inadimplemento (cláusula penal compen-

palavra, de excluir a responsabilidade, mas de suprimir uma obrigação – e não se poderá ser responsável pelo não cumprimento de uma obrigação que não foi assumida. [...] Trata-se, pois, de figura distinta das cláusulas sobre responsabilidade. Estas visam atenuar, ou mesmo afastar a responsabilidade do devedor; diversamente, as cláusulas que afastam determinada obrigação colocam-se ao nível da definição do objecto do contrato. Enquanto estas, segundo Garcia Amigo, se referem à fisiologia da obrigação, as cláusulas de irresponsabilidade referem-se à sua patologia, actuando só após a violação do contrato.” (Idem, ibidem)

80 Idem, 121/122. p.

O autor português acrescenta: “Fundando-se, como referimos, ao princípio da liberdade contratual (Gestaltungsfreiheit), a cláusula limitativa do objecto do contrato só poderá valer dentro dos limites em que se move aquele princípio”. “Assim, parece-nos que não poderão afastar-se do contrato certos deveres, laterais ou acessórios, relacionados com a proteção de bens pessoais contra riscos de danos concomitantes”.

81 MACHADO, Diego Carvalho. Notas sobre cláusulas de não-indenizar e limitativas do montante reparatório. Op. cit.

82 MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 130. P.

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satória) ou de mora (cláusula penal moratória) do devedor”83, não ficando o credor, contudo, “estritamente vinculado à pena estabelecida, podendo optar pelo cumprimento forçado da obrigação, através da execução específica”84.

E vai além. Grande parte da doutrina entende, ainda, que a cláusula penal não é apenas uma liquidação prévia e convencional da indenização, competin-do-lhe, antes do mais, a função de reforço ao cumprimento dos termos firmados no instrumento contratual, estimulando e pressionando o devedor a cumprir suas obrigações, moralizando e zelando pelos compromissos assu midos85.

A cláusula de limitação de responsabilidade civil, mormente quanto à fixação de montante máximo a título indenizatório (modalidade mais difundi-da, e frequentemente relacionada à cláusula penal), por sua vez, não tem esse escopo. Trata-se de convenção que visa a limitar o montante indenizatório a ser pago em favor do credor, depois de preenchidos os requisitos da respon-sabilidade civil e imposta a condenação, de modo que, ultrapassado o teto avençado,ovalordeveselimitaràreferidacláusula;assimnãoocorrendo,acláusula não possuirá eficácia, devendo o devedor arcar com o valor imposto na condenação86.

83 Idem, 137. p.84 Idem, ibidem.85 “A cláusula penal é a estipulação mediante a qual as partes convencionam antecipadamente – isto é, antes

de ocorrer o facto constitutivo da responsabilidade – uma determinada prestação, normalmente uma quantia em dinheiro, que o devedor deverá satisfazer ao credor em caso de não cumprimento, ou de não cumprimento perfeito (maxime, em tempo) da obrigação. [...]. A cláusula penal consiste, em suma, num valor fixo, podendo, contudo, ser excepcionalmente reduzida pelo Tribunal, por razões de equidade. De lamentar será o facto de não se conceder ao Tribunal o poder de reforçar, de aumentar a pena, quando se deparar a situação inversa, isto é, quando ela se apresente de montante muito inferior ao prejuízo do credor.” (Idem, 136, 143 e 144. p.)

“Essa função dissuasora da cláusula penal faz com que ela seja vista como la police du contrat, desempenhando um papel fundamental, sobretudo nas obrigações de prestação de facto infungível (em virtude da regra nemo potest praecise cogi ad factum) – sendo manifesto o seu paralelismo com a sanção pecuniária compulsória –, não faltando, por isso, quem tenha já apelidado a cláusula penal de astreinte conventionnelle.” (Idem, ibidem)

86 “Cláusula Penal e Cláusula limitativa de indenização – Na primeira, a indenização pré-fixada é devida pela parte inadimplente mesmo não tendo acarretado dano ao credor, enquanto que na segunda, o que se estipula é o máximo que poderá ser pago a título de perdas e danos pela inexecução culposa do contrato; o devedor ficará isento do pagamento da indenização caso seja comprovada a inexistência de dano ou se sua quantificação for inferior ao máximo estabelecido na cláusula, respondendo nessa hipótese apenas pelo exato montante do prejuízo.” (FLORENCE, Tatiana Magalhães. Aspectos pontuais da cláusula penal. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Op. cit., p. 514)

“Não ignoramos, no entanto, que entre a cláusula penal, na sua modalidade de liquidação convencional do dano, e a cláusula limitativa da responsabilidade existe uma diferente substancial. Enquanto a primeira é um ‘forfait’, estabelecendo um montante invariável, a segunda fixa o limite máximo da indemnização. Daí que a cláusula limitativa da responsabilidade não dispensa nunca a averiguação efectiva, nos termos gerais, dos danos e, por conseguinte, da indemnização, enquanto que a cláusula penal (na modalidade que temos vindo a analisar) tem o propósito específico de evitar dúvidas e litígios futuros entre as partes, no que à determinação da indemnização diz respeito, não estando o credor – para ter direito à pena – obrigado a provar quaisquer danos ou a sua efectiva extensão. [...]. Note-se, aliás, que ao nível da cláusula limitativa o afastamento convencionado pelas partes relativamente à disciplina normal da obrigação de indemnizar é menor do que quando se estipula uma cláusula penal. Ao passo que esta última inviabiliza, totalmente, o recurso à indemnização, substituindo-se a ela, a cláusula limitativa, porém, não dispensa a determinação, nos termos gerais, do dano efectivo, só funcionando quando o montante deste ultrapassa o limite convencionado.”

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(d) Transação. Instaurado o litígio, podem as partes se valer da transação, “a qual se caracteriza pelas mútuas concessões feitas pelas partes com esses objetivos”87. Nesse sentido, enquanto a transação se projeta sobre determina-da situação jurídica litigiosa preestabelecida, a cláusula de não indenizar se debruçasobreumapossíveleeventualobrigaçãodeindenizar;nãotemesta,portanto, o condão de prevenir ou terminar litígios.

(e) Seguro de Responsabilidade Civil. É certo que as cláusulas de ex-clusão e limitação de responsabilidade e o seguro de responsabilidade civil “aparecem historicamente associados, com a finalidade comum de desonerar o lesante de responsabilidade, actuando embora por formas diversas”88.

Em poucas palavras, “este se distingue das ditas cláusulas, principalmen-te, pelo fato de não excluir ou minorar a obrigação de indenizar do agente e sim transferir a terceiro o ônus de arcar com a indenização, eventualmente ensejada a título de responsabilidade contratual ou extracontratual. O lesado não fica, portanto, desamparado; ao revés, suaposição jurídica é reforçada,garantida”89-90.

Eis, portanto, a breve análise das cláusulas de limitação de responsabili-dade civil à luz de outros institutos civis, que, embora as tangenciem, possuem escopo e regramentos próprios e diversos.

CONCLUSÃO

Observa-se do exposto que as cláusulas limitativas de responsabilidade assumem, hoje, sentido diametralmente oposto ao que lhe fora empregado ou-trora, no berço da Revolução Industrial.

Foi superado o seu uso como mero instrumento do Direito Privado, cuja função precípua era autorizar a sonegação de responsabilidades, à conveniên-

(SOUZA, Bruno Neves de. O problema da admissibilidade das cláusulas limitativas e exoneratórias da responsabilidade civil em face do art. 809 do Código Civil. Revista “O Direito”, Coimbra: Almedina, 2009, Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Bruno_Neves_O_Direito.pdf>. Acesso em: 6 dez. 2014).

87 MACHADO, Diego Carvalho. Notas sobre cláusulas de não-indenizar e limitativas do montante reparatório. Op. cit.

88 “A ideia base é que tanto o seguro como as cláusulas de exclusão permitem ao devedor exonerar-se da responsabilidade, diminuindo assim, como referimos, o relevo atribuído à noção de responsabilidade moral e ao papel sancionatório desta, sobressaindo a nota de garantia. Por outro lado, se o segurado tem o ónus de pagar o respectivo prémio, também o devedor, beneficiário da cláusula exoneratória, concederá frequentemente certas vantagens ao credor, designadamente reduzindo o preço dos bens ou serviços, pelo que em ambos os casos se trataria de comprar a irresponsabilidade.” (MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 134. p.).

89 MACHADO, Diego Carvalho. Notas sobre cláusulas de não-indenizar e limitativas do montante reparatório. Op. cit.

90 “Enquanto o seguro garante a indemnização ao lesado, tornando mais sólida a posição do credor, a cláusula de irresponsabilidade deixa-o sem reparação; por outro lado, enquanto o seguro se fundamenta num princípio de repartição social dos riscos e danos, as cláusulas de exclusão fazem com que o dano seja suportado por uma só pessoa – o lesado –, em benefício do lesante.” (MONTEIRO, António Pinto. Op. cit., 137. p.)

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cia das camadas mais abastadas e interessadas no desenvolvimento econômico, à luz de uma autonomia da vontade de cunho eminentemente liberalista, em prol do lucro e do desenvolvimento econômico, lastreado na doutrina contra-tual clássica, eminentemente voluntarista.

O instituto, hoje, ao revés, assume as vestes de consectário da função precípua do contrato – permitir a circularização de riquezas, bens e serviços –, materializando a autonomia da vontade, à luz dos pilares constitucionais da solidariedade, da dignidade da pessoa humana, com vistas à despatrimonializa-ção do direito privado e sua consequente repersonalização, pautando, assim, a relação contratual com espeque nos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, com vistas à realização do equilíbrio das relações contra-tuais e da equivalência material: binômio prestação/contraprestação equitativa.

As cláusulas de limitação de responsabilidade civil assumem, nessa toa-da,modalidadesdiversas,comnaturezajurídicaprópriaeidônea;requisitosdeexistência, validade e eficácia filtrados de forma segura, sob pena de nulidade patente;aproximando-sedeoutrosinstitutosdedireitomaterial,damesmafor-ma relevantes.

Esse equilíbrio é o ponto nodal do instituto, vencendo seu estigma de outrora e passando a atuar em prol dos pilares do ordenamento jurídico pá-trio, difundidos, especialmente, após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, com vistas a permitir que relações contratuais sejam firmadas, com concessões de ambas as partes, reverberando diretamente na equivalência prestacional e contraprestacional, tornando possível uma aven-ça que, sem a sua incidência, seria praticamente inviável, seja do ponto de vista econômico, seja do ponto de vista prático, sem descuidar de seus requisitos próprios de validade.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico, existência, validade e eficácia. 4. ed. 8. tir. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013.

______. Cláusula cruzada de não indenizar (cross-waiver of liability), ou cláusula de não indenizar com eficácia para ambos os contratantes – renúncia ao direito de inde-nização – promessa de fato de terceiro – estipulação em favor de terceiro. Doutrinas Essenciais de Obrigações e Contratos. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, v. 4, 2011.

BRASIL. STJ, 2ª Seção, REsp. 39.082/SP, Rel. p/ o Acórdão Min. Fontes de Alencar, J. 09.11.1994, v. m., DJ 20.03.1995, p. 6.077 – trecho do voto-vista do Min. Cláudio Santos.

______. STF, Primeira Turma, RE 107.361, Rel. Min. Octavio Gallotti, J. 24.06.1986, DJ 19.09.1986, p. 17143, Ement. v. 01433-01, p. 00139.

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – SEÇÃO ESPECIAL – ESTUDOS JURÍDICOS ...............................................................................................233

______. STJ, Quarta Turma, REsp 1.076.465/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, J. 08.10.2013, DJe 25.11.2013.

COSTA, Judith Martins. Contrato de construção. “Contratos-aliança”. Interpretação contratual. Cláusulas de exclusão e de limitação do dever de indenizar. Parecer. Re-vista de Direito Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, a. 1, v. 1, 2014.

FLORENCE, Tatiana Magalhães. Aspectos pontuais da cláusula penal. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Obrigações: Estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

GOMES, Saulo Machado. A origem e o desenvolvimento histórico do instituto da limitação de responsabilidade do transportador marítimo. Revista Eletrônica Direito e Política, v. 9, n. 1, 1º quadrimestre de 2014. Disponível em: <www.univali.br/direitoe-politica>. Acesso em: 5 dez. 2014.

GRAU, Eros Roberto. Um novo paradigma dos contratos. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: PADMA, v. 5, a. 2, 2001.

LAUTENSCHLEGER JR., Nilson. “Limitação de responsabilidade na prática contratual brasileira: permite-se no Brasil a racionalização dos riscos do negócio empresarial?”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, n. 125, jan./mar. 2002.

MACHADO, Diego Carvalho. Notas sobre cláusulas de não-indenizar e limitativas do montante reparatório. Revista de Direito Privado, Rio de Janeiro, v. 35, 2008.

MONTEIRO, António Pinto. Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil. 2. ed. Reimpressão da obra publicada em 1985. Coimbra: Almedina, 2011.

MORAES, Maria Celina Bodin de. A causa do contrato. Revista Civilística. Rio de Janeiro, a. 2, n. 4, 2003. Disponível em: <http://civilistica.com/wp-content/uploads/2014/02/A-causa-do-contrato-civilistica.com-a.2.n.4.2013.pdf>. Acesso em: 9 dez. 2014.

PRATA, Ana. Cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade contratual. Coimbra: Almedina, 1985.

ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 2009

TEPEDINO,Gustavo;BARBOZA,HeloísaHelena;MORAES,MariaCelinaBodinde.Código civil interpretado conforme a constituição da República. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, v. I.

SCHREIBER, Anderson. Direito civil e constituição. Rio de Janeiro: Atlas, 2013.

SOUZA, Bruno Neves de. O problema da admissibilidade das cláusulas limitativas e exoneratórias da responsabilidade civil em face do art. 809 do Código Civil. Revista “O Direito”, Coimbra: Almedina, 2009, Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Bruno_Neves_O_Direito.pdf>. Acesso em: 6 dez. 2014.

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Clipping Jurídico

reformada decisão que limitou juros em empréstimo concedido por entida-de de previdência aberta

As entidades abertas de previdência complementar podem celebrar contrato de empréstimo com participantes ou assistidos dos seus planos de benefícios e não precisam submeter as taxas de juros remuneratórios aos limites da Lei de Usura (Decreto-Lei nº 22.626/1933). Com esse entendimento, já pacificado na juris-prudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a 4ª Turma proveu o recurso de uma entidade previdenciária e reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). A Corte de segunda instância havia decidido que entida-de de previdência privada não é instituição financeira e, por isso, não poderia cobrar juros acima de 12% ao ano nas operações de crédito realizadas com seus participantes. Para a entidade recorrente, o entendimento do TJRS violou o art. 71 da Lei Complementar nº 109/01, que estabelece que as entidades aber-tas de previdência privada podem conceder empréstimos a seus participantes e assistidos, com o que se equiparam às instituições financeiras. Em seu voto, o Relator, Ministro Luis Felipe Salomão, destacou que, embora a Lei Complemen-tar nº 109 tenha revogado o art. 29 da Lei nº 8.177/1991, que equiparava as en-tidades de previdência privada às instituições financeiras, não houve mudança substancial no caso das entidades abertas. Processo: REsp 1207538. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

nulidade absoluta após trânsito em julgado pode ser arguida em simples petição

Em julgamento de embargos de divergência, a Corte Especial do Superior Tri-bunal de Justiça (STJ) reconheceu a possibilidade de impugnação de nulidades absolutas após o trânsito em julgado do processo e por simples petição nos autos. O caso julgado é do Distrito Federal e envolveu ação de cobrança mo-vida pela massa falida de uma empresa de engenharia contra a antiga C. C. e A. M. S/A, sociedade de economia mista vinculada ao Ministério da Agricultu-ra. A ação principal transcorreu na Justiça do Distrito Federal, mas a execução passou para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região após a União entrar no processo. O pedido foi julgado parcialmente procedente. Com o trânsito em julgado do acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), iniciou--se o processo de liquidação. Em outubro de 1994, foi prolatada sentença homologatória dos cálculos de liquidação. Foram opostos embargos de diver-gência pela massa falida, apoiada em acórdãos que entenderam que somente por meio de ação rescisória seria possível desconstituir a formação da coisa julgada, mesmo que a decisão tivesse sido proferida por juízo absolutamente incompetente. O Relator dos embargos, Ministro Humberto Martins, entre-tanto, entendeu pela prevalência da tese do reconhecimento da nulidade de ofício. Segundo ele, como a União não foi citada para participar do processo

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – CLIPPING JURÍDICO ..............................................................................................................................235

de liquidação, a relação jurídico-processual nem sequer chegou a se formar na ação de liquidação, razão pela qual não é possível falar em coisa julgada contra a União. “A nulidade absoluta insanável – por ausência dos pressu-postos de existência – é vício que, por sua gravidade, pode ser reconhecido mesmo após o trânsito em julgado, mediante simples ação declaratória de ine-xistência de relação jurídica (o processo), não sujeita a prazo prescricional ou decadencial e fora das hipóteses taxativas do art. 485 do Código de Processo Civil”, concluiu o relator. Processo: EREsp 667002. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Honorários de sucumbência devem ser divididos entre todos os advogados que atuaram na causa

Todos os advogados que atuarem em uma mesma causa, de forma sucessiva e não concomitante, têm direito à parcela do crédito referente aos honorários sucumbenciais para que todos sejam beneficiados. O entendimento foi firmado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso especial relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão. No caso julgado, os recor-rentes requereram que a verba honorária sucumbencial fosse conferida exclusi-vamente aos advogados que patrocinavam os interesses da parte na prolação da sentença, momento em que seria constituído o direito ao seu recebimento. O Tribunal de Justiça da Bahia determinou a divisão proporcional dos honorários sucumbenciais entre os três advogados que atuaram na causa, tomando como base “o tempo de prestação do serviço, a diligência e o cuidado na proteção dos interesses dos autores”. Em seu voto, Luis Felipe Salomão ressaltou que por muitos anos a natureza alimentar dos honorários foi atribuída somente aos honorários contratados, mas que o Supremo Tribunal Federal (STF) modificou tal interpretação. O novo entendimento está consolidado na Súmula Vinculante nº 47, que reconhece a natureza alimentar dos honorários e sua consequen-te autonomia, sem qualquer distinção entre honorários contratados e sucum-benciais. O ministro reiterou que os honorários são a remuneração do serviço prestado por aquele que regularmente atuou no processo. Portanto, deve ser atribuída a titularidade desse direito a todos aqueles que em algum momento desempenharam seu ofício, de forma a beneficiar todos os profissionais propor-cionalmente à sua participação na defesa da parte vencedora. Para Luis Felipe Salomão, constituindo a sentença o direito aos honorários, estes terão por ob-jetivo remunerar o trabalho técnico desempenhado pelo patrono, tanto que o grau de zelo e o valor intelectual demonstrados pelo profissional, a complexi-dade da causa e as dificuldades que enfrentou serão considerados no momento de fixação do valor. “Por essa razão, nada mais justo que todos os profissionais que atuaram no processo sejam contemplados com a verba de sucumbência arbitrada, na medida de sua atuação”, concluiu Luis Felipe Salomão. Processo: REsp 1222194. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

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reconhecida repercussão geral sobre conflito entre juizado federal e juízo estadual

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá se cabe aos tribunais regionais fede-rais (TRFs) ou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) processar e julgar conflitos entre juizado especial federal e juízo estadual no exercício da competência federal delegada. O tema, com repercussão geral reconhecida por unanimida-de no Plenário Virtual da Corte, será debatido no Recurso Extraordinário (RE) nº 860508, de relatoria do Ministro Marco Aurélio. O Supremo irá deliberar ainda se o pressuposto fático para a incidência do art. 109, § 3º, da Constitui-ção Federal (CF), é a inexistência do juízo federal no município ou na comarca onde reside o segurado ou beneficiário do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O dispositivo prevê que serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela Justiça estadual. O TRF da 3ª Região reconheceu a competência do Foro de Itatinga para julgar processo em que figure como réu o INSS. No RE 860508 interposto ao STF, o Ministério Público Federal (MPF) afirma que essa decisão violou o § 3º do art. 109 da CF, pois existe Juizado Especial Federal em Botucatu. Aponta ainda que houve ofensa à alínea d do inciso I do art. 105 da CF, que prevê a competência do STJ para processar e julgar conflitos entre quaisquer tribunais, excetuando os conflitos entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribu-nais, entre tribunais superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal. Na avaliação do ministro Marco Aurélio, o tema é passível de vir a ser debatido em inúmeros processos, por isso se configura a repercussão geral, tese aceita por unanimidade pelos demais ministros no Plenário Virtual. Processo: RE 860508. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Empresa de turismo indeniza consumidor

Uma empresa de turismo terá que indenizar um bancário por danos morais em R$ 4 mil e por danos materiais por ter informado incorretamente o nome de seu filho para uma empresa aérea, o que o impediu de embarcar. A decisão é da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que confir-mou a decisão da juíza Ivone Campos Guilarducci Cerqueira, da 3ª Vara Cível de Juiz de Fora. O consumidor adquiriu, no dia 27 de janeiro de 2014, um pacote de turismo para a cidade de Natal que incluía oito diárias e passagens aéreas para ele, sua mulher e seu filho. Como o filho foi impedido de embarcar com os pais, o bancário teve que comprar uma passagem aérea em outro voo por um preço bem superior ao anteriormente adquirido. A empresa turística tentou se eximir do erro, alegando que havia informado o nome corretamente. Porém o magistrado entendeu que a empresa tem responsabilidade objetiva, ou

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – CLIPPING JURÍDICO ..............................................................................................................................237

seja, ela tem de responder independentemente de culpa. As partes recorreram aoTribunal;oconsumidorpleiteouoaumentodovalordaindenizaçãoporda-nos morais, enquanto a empresa tentou se eximir da culpa. A Desembargadora Márcia de Paolli Balbino, Relatora da apelação, destacou que o consumidor sofreu danos morais, pois no momento do check-in foi surpreendido com o transtorno da impossibilidade de embarque do seu filho. E entendeu que o mon-tante estipulado pelo juiz de 1ª Instância foi adequado. Processo nº 0515019-17.2014.8.13.0145. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça de Minas Gerais)

agência de viagens deve indenizar por abandonar consumidores

Em decisão unânime, a 2ª Câmara Cível do Tribunal negou provimento uma apelação cível proposta por uma agência de viagens contra sentença que jul-gou procedente a ação de Indenização por Danos Morais, ajuizada por J. H. D. e B. H. D. A sentença condenou a agência ao pagamento de indenização por danos morais em R$ 10.000,00 para cada autor, por falha na prestação de serviços. Consta dos autos que os apelados adquiriram pacote turístico com a agência com duração de 11 dias, o qual incluía traslado e guia turístico em tempo integral. Porém, ao ingressarem na Inglaterra foram detidos por agentes alfandegários, quando foram deixados no local sem qualquer tipo de assistência ou amparo da empresa apelante. Em sua defesa, a empresa conta que prestou seus serviços satisfatoriamente e argumenta que não possui responsabilidade pela detenção dos apelados, pois esse poder é atribuído à soberania do país, o que foge à influência da empresa, não existindo, assim, o dever de indenizar. A empresa esclarece que os apelados não foram impedidos de ingressar no país, mas foram apenas questionados pela imigração, não havendo transtornos que justifiquem a indenização. E, caso o entendimento seja por manter a indeniza-ção, pede ainda a redução do valor, por não atender os princípios da propor-cionalidade e razoabilidade. Assim, o relator explica que está demonstrado o descaso, a desorganização e a ausência de cuidado da empresa. Neste sentido, lembra que empresas de turismo são fornecedoras de serviços, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, caracterizando o tipo de responsabilidade que dispensa a comprovação do dano. Assim, a responsabilidade da empresa só poderia ser afastada se comprovasse alguma das hipóteses que excluem o dever de indenizar, o que não o fez. Portanto, não há como afastar a reparação, até porque não há dúvida de que o tratamento inadequado e extremamente desrespeitoso com que tratou a situação causou transtornos graves aos autores da ação. Com relação ao valor da indenização, o relator lembra que não há parâmetros precisos para fixar os danos morais, cabendo ao julgador analisar o caso, valorar os fatores envolvidos e arbitrar a indenização. Porém, alguns crité-rios devem ser considerados pelo magistrado, como as condições pessoais das partes, a intensidade do dano, o grau de culpa, a gravidade da ofensa e as pecu-

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liaridades do caso. Aplicando-se esses parâmetros ao caso, o relator considera que o valor fixado em R$ 10.000,00 para cada autor, é razoável e proporcional ao caso, não constituindo enriquecimento sem causa aos apelados, além de servir de alerta à empresa quanto aos cuidados que deve tomar. Assim, o Juiz Jairo Roberto de Quadros negou provimento ao recurso, mantendo a sentença inalterada. Processo nº 0819618-31.2013.8.12.0001. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul)

Fechamento da Edição: 14.07.2015

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• ProvaEmprestada:AlgumasConsiderações Carla Heidrich Antunes, Caroline Ribeiro Bianchini e Fernando

Magaldi Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET Disponíveis em: online.sintese.com

• AProvaEmprestadaeaImparcialidadedoJuiz Paulo Jakutis Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET Disponíveis em: online.sintese.com

• AspectosRelevantesdasTutelasdeUrgência Edson Alvisi Neves Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET Disponíveis em: online.sintese.com

• TutelasdeUrgência Eliana Calmon Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET Disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

assunto

Lei nº 3.129/2015: ALterAções nA Lei de ArbitrAgem

•As Repercussões da Lei nº 13.129/2015, que Altera a Lei de Arbitragem, no Direito de Re-tirada das Sociedades Anônimas (Érica Guerrada Silva) ...............................................................30

•Comentários à Lei nº 13.129/2015 (Reforma da Lei de Arbitragem) (Márcio André LopesCavalcante) ............................................................9

autor

ÉricA guerrA dA siLvA

•As Repercussões da Lei nº 13.129/2015, que Altera a Lei de Arbitragem, no Direito de Re-tirada das Sociedades Anônimas (Érica Guerrada Silva) ...............................................................30

márcio AndrÉ Lopes cAvALcAnte

•Comentários à Lei nº 13.129/2015 (Reforma da Lei de Arbitragem) (Márcio André LopesCavalcante) ............................................................9

Índice Geral

DOUTRINAS

assunto

desJudiciALizAção

•A Desjudicialização Enquanto Instrumento de Celeridade e Efetividade na Resolução dos Conflitos e Interesses (Maria Lúcia Daltrozo da Motta e Adriane Medianeira Toaldo) ...................52

execução

•Fraude de Execução e Efetividade da PrestaçãoJurisdicional (Fernanda Arruda Dutra) .................86

provA

•Processo Jurisdicional Democrático – Relaçãoentre Verdade e Prova (Carlos Henrique Soares) ....34

tuteLA

•Tutelas de Urgência (Ana Maria Borges Fontão Cantal) .................................................................69

autor

AdriAne mediAneirA toALdo

•A Desjudicialização Enquanto Instrumento de Celeridade e Efetividade na Resolução dos Con-flitos e Interesses ..................................................52

AnA mAriA borges Fontão cAntAL

•Tutelas de Urgência .............................................69

cArLos Henrique soAres

•Processo Jurisdicional Democrático – Relação entre Verdade e Prova .........................................34

FernAndA ArrudA dutrA

•Fraude de Execução e Efetividade da PrestaçãoJurisdicional .........................................................86

mAriA LúciA dALtrozo dA mottA

•A Desjudicialização Enquanto Instrumento de Celeridade e Efetividade na Resolução dos Con-flitos e Interesses ..................................................52

ESTUDOS JURÍDICOS

assunto

contrAto

•Linhas Gerais Sobre as Cláusulas de Limitação de Responsabilidade: Evolução e Aplicação Atual do Instituto nas Relações Contratuais Pari-tárias (Erick da Silva Regis) .................................206

autor

erick dA siLvA regis

•Linhas Gerais Sobre as Cláusulas de Limitação de Responsabilidade: Evolução e Aplicação Atual do Instituto nas Relações Contratuais Pa-ritárias ...............................................................206

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

assunto

Ação cAuteLAr

•Recurso ordinário em ação cautelar preparató-ria proposta em face de estado estrangeiro (CF, art. 109, II, c/c art. 105, II, c) – Processual ci-vil – Competência internacional (CPC, arts. 88 a 90) – Licitação internacional – Contrato para execução de obras de edificação imobiliária no Brasil – Sociedade empresária brasileira e estado estrangeiro – Competência concorrente da justiça brasileira – Cláusula contratual eleti-va de foro alienígena admitida – Possibilidade

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RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO .................................................................................................................241 de ajuizamento da ação no Brasil – Compe-tência relativa (Súmula nº 33/STJ) – Recursoprovido (STJ) ............................................8438, 100

desApropriAção

•Processual civil – Direito administrativo – De-sapropriação para o fim de reforma agrária – Efetivo pecuário – Registro em nome de outra gleba – Irrelevância – Função social cumprida – Custas processuais – Autarquia – Dever de reembolso – Honorários de advogado – Aplica-ção da legislação processual – Remessa oficiale apelação desprovidas (TRF 3ª R.) ..........8443, 163

HerAnçA

•Processual civil – Execução de sentença – Morte de uma das partes – Suspensão do processo – Habilitação de herdeiro em fase de execução de sentença – Prescrição intercorrente – Au-sência de previsão legal – Inocorrência – Pre-cedentes desta Corte e do STJ – Apelação pro-vida (TRF 5ª R.) ........................................8445, 175

meAção

•Tributário e processo civil – Embargos de ter-ceiro – Cônjuge – Meação – Intimação da pe-nhora – Bem indivisível – Alienação – Apela-ção desprovida (TRF 2ª R.) .......................8442, 158

penHorA

•Processo civil – Recurso especial – Penhora on line – Bacen-Jud – Arts. 655-A e 659, § 6º, do CPC – Prazo para impugnação – Imprescin-dível a intimação do ato de constrição – For-malização por meio de peças extraídas do próprio sistema – Desnecessidade de posterior lavratura de termo ou auto de penhora nosautos (STJ) ................................................8439, 113

sentençA

•Processual civil – Cumprimento de senten-ça – Impugnação do devedor – Art. 475-B – Condenação – Cálculo aritmético – Exigência da garantia do juízo – Flexibilização – Eleva-dos valores controvertidos e solvabilidade daexecutada (TRF 4ª R.) ...............................8444, 169

sequestro internAcionAL de criAnçAs

•Processual civil – Convenção da Haia sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças – Separação do casal apenas de fato – Guarda compartilhada, decorrente do poder familiar – Ação objetivando a guarda da filha do casal pela parte requerida – Interesse pro-cessual – Ausência (TRF 1ª R.) .................8441, 151

sociedAde

•Recurso especial – Ação promovida por socie-dade empresária tendo por propósito respon-sabilizar a instituição financeira demandada

pelos prejuízos percebidos em decorrência do recebimento de cheques como forma de paga-mento, que, aos serem apresentados/desconta-dos, foram devolvidos pelo Motivo nº 25 (can-celamento de talonário), conforme Resolução nº 1.631/1989 do banco central – Consumidor por equiparação – Não caracterização – Có-digo de Defesa do Consumidor – Inaplicabi-lidade – Danos que não podem ser atribuídos diretamente ao defeito do serviço – Verificação– Recurso especial improvido (STJ) ..........8440, 138

EMENTÁRIO

assunto

Ação cAuteLAr

•Ação cautelar – exceção de incompetência –argumentos – prequestionamento ............8446, 178

Ação de cobrAnçA

•Ação de cobrança – emolumentos – ato nota-rial de averbação – matrícula ...................8447, 178

•Ação de cobrança – seguro de vida – suicídio – não cobertura ..........................................8448, 178

Ação de prestAção de contAs

•Ação de prestação de contas – contrato de mútuo bancário – ausência de interesse de agir ................................................................8449, 179

•Ação de prestação de contas – elisão – justifi-cativas na contestação e reconvenção – julga-mento antecipado – inviabilidade ............8450, 179

Ação indenizAtóriA

•Ação indenizatória – depósito efetuado em di- nheiro no caixa eletrônico – valor depositado que não foi creditado na conta corrente da au-tora – má prestação de serviços evidenciada-– fortuito interno ......................................8451, 179

Ação monitóriA

•Ação monitória – contratos bancários – instru-mento particular de confissão de dívida – nota promissória ..............................................8452, 179

Ação reivindicAtóriA

•Ação reivindicatória – usucapião arguida emdefesa – reconhecimento .........................8453, 182

ALimentos

•Alimentos pretéritos – desconto em folha de pa-gamento – legalidade ...............................8454, 182

cÉduLA de crÉdito rurAL

•Cédula de crédito rural – ação revisional – ces-são de crédito – legitimidade passiva de ambos – prescrição .............................................8455, 183

Page 242: Revista SÍNTESE...Revista SÍNTESE Direito Civil e ProCessual Civil ano Xiii – nº 96 – Jul-ago 2015 rePositório autorizaDo De JurisPruDênCia Superior Tribunal de Justiça –

242 ..........................................................................................................RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

coisA JuLgAdA

•Coisa julgada – pedido formulado em terceira demanda – eficácia preclusiva .................8456, 184

contrAto

•Contrato bancário – juros – limitação ......8457, 184

dAno morAL

•Dano moral – ação de indenização – aciden-te que ocasionou o óbito de pai de família poreletroplessão – quantum indenizatório ....8458, 184

•Dano moral – compra pela Internet – mercado-ria com avarias ........................................8459, 185

•Dano moral – direito eleitoral – título de elei-tor – não emissão – erro da administração – ca-bimento ...................................................8460, 185

•Dano moral – falecimento do pai dos autores em decorrência de atropelamento – indenizaçãodevida .....................................................8461, 187

•Dano moral – pessoa jurídica – ofensa à imagem e honra objetiva – configuração ...............8462, 187

deFesA do consumidor

•Defesa do consumidor – contrato padrão para aquisição de imóveis – promessa de compra e venda – cessão da posição contratual – necessi-dade de prévia anuência ..........................8463, 188

•Defesa do consumidor – fraude praticada por terceiros – indevida inclusão em cadastro deinadimplentes ..........................................8464, 188

•Defesa do consumidor – transporte aéreo – can-celamento de passagem – danos moral e ma-terial ........................................................8465, 189

divórcio

•Divórcio – litispendência – cheque como ga-rantia – ônus da prova .............................8466, 189

dupLicAtA

•Duplicata mercantil – protesto indevido – en-dosso-mandato – instituição bancária – negli-gência – dano moral ................................8467, 190

embArgos à execução

•Embargos à execução – legitimidade ad causam – liquidez do título ..................................8468, 190

exceção de prÉ-executividAde

•Exceção de pré-executividade – reforma do julga-do – condenação por litigância de má-fé .. 8469, 190

•Exceção de pré-executividade – valor patrimo-nial da ação – descabimento ...................8470, 190

execução

•Execução – astreintes – não cabimento ....8471, 191

•Execução – honorários de profissional liberal – competência da justiça estadual ..............8472, 191

FrAude de execução

•Fraude de execução – ciência de demanda ca-paz de levar o alienante à insolvência – prova– ônus do credor ......................................8473, 192

Honorários de AdvogAdo

•Honorários de advogado – cabimento na exe-cução e nos embargos do devedor – possibi-lidade de cumulação ...............................8474, 192

•Honorários de advogado – cumprimento de sen-tença – ausência de fixação no início da fase– inexistência de coisa julgada ................8475, 194

JuizAdo especiAL cíveL

• Juizado especial cível – reclamação – consumi-dor – condenação de ofício – ilegalidade . 8476, 194

JustiçA grAtuitA

• Justiça gratuita – concessão – eficácia em todasas instâncias – renovação do pedido .......8477, 197

LocAção

•Locação – fiança – responsabilidade do fiador – bem de família .........................................8478, 199

•Locação comercial – crédito – alugueres e acessórios locatícios – advento do termo final do contrato – ausência de renovação expressa ................................................................8479, 200

medidA cAuteLAr

•Medida cautelar – competência interna – natu-reza relativa – preclusão e prorrogação ...8480, 201

penHorA

•Penhora – direitos aquisitivos de veículo alie-nado fiduciariamente – impossibilidade...8481, 202

petição

•Petição enviada via fac-símile – originais não apresentados de forma eletrônica dentro doprazo recursal – intempestividade ............8482, 202

prescrição

•Prescrição quinquenal – correios – ação de re-paração civil ............................................8483, 202

recurso

•Recurso – ausência de cópia da certidão de intimação da decisão agravada – peça obriga-tória .........................................................8484, 202

•Recurso – princípios da celeridade, economia e fungibilidade recursais – sistema de proto-colo postal integrado ...............................8485, 203

Page 243: Revista SÍNTESE...Revista SÍNTESE Direito Civil e ProCessual Civil ano Xiii – nº 96 – Jul-ago 2015 rePositório autorizaDo De JurisPruDênCia Superior Tribunal de Justiça –

RDC Nº 96 – Jul-Ago/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO .................................................................................................................243 •Recurso especial – deserção – recolhimento em

guia diversa .............................................8486, 203

•Recurso especial – princípio da unirrecorribili-dade – preclusão consumativa .................8487, 203

responsAbiLidAde civiL

•Responsabilidade civil – fornecimento de ser-viço água e esgoto – recurso especial – funda-mentação constitucional ..........................8488, 204

•Responsabilidade civil – julgamento anteci-pado da lide – danos morais – inviolabilidade de vereador por atos, palavras e votos na cir-cunscrição do Município .........................8489, 204

•Responsabilidade civil – shopping center – ci-nema – violação de intimidade em banheiro –nexo de causalidade – dano moral ..........8490, 205

sociedAde

•Sociedade – desconsideração da personalidade jurídica – reavaliação de requisitos – necessi-dade ........................................................8491, 205

títuLo extrAJudiciAL

•Título extrajudicial – execução – acórdão des-te órgão fracionário que negou provimento ao reclamo – irresignação .............................8492, 205

CLIPPING JURÍDICO

•Agência de viagens deve indenizar por aban-donar consumidores ..........................................237

•Empresa de turismo indeniza consumidor..........236

•Honorários de sucumbência devem ser dividi-dos entre todos os advogados que atuaram nacausa .................................................................235

•Nulidade absoluta após trânsito em julgado po-de ser arguida em simples petição .....................234

•Reconhecida repercussão geral sobre conflitoentre juizado federal e juízo estadual ................236

•Reformada decisão que limitou juros em em-préstimo concedido por entidade de previdên-cia aberta ...........................................................234