SIGNIFICADOS PSICOLÓGICOS DO ABANDONO DO...

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- i - FLÁVIA MACHADO SEIDINGER SIGNIFICADOS PSICOLÓGICOS DO ABANDONO DO TRATAMENTO AMBULATORIAL NOS TRANSTORNOS ALIMENTARES NA VISÃO DOS PACIENTES: UM ESTUDO CLÍNICO-QUALITATIVO CAMPINAS - SP 2014

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FLÁVIA MACHADO SEIDINGER

SIGNIFICADOS PSICOLÓGICOS DO ABANDONO DO TRATAMENTO AMBULATORIAL NOS TRANSTORNOS

ALIMENTARES NA VISÃO DOS PACIENTES: UM ESTUDO CLÍNICO-QUALITATIVO

CAMPINAS - SP 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

FLÁVIA MACHADO SEIDINGER

SIGNIFICADOS PSICOLÓGICOS DO ABANDONO DO TRATAMENTO AMBULATORIAL NOS TRANSTORNOS

ALIMENTARES NA VISÃO DOS PACIENTES: UM ESTUDO CLÍNICO-QUALITATIVO

ORIENTADOR: PROF. DR. EGBERTO RIBEIRO TURATO

Dissertação de Mestrado apresentada à Pós-

Graduação da Faculdade de Ciências Médicas da

Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP para

obtenção do Título de Mestra em Ciências Médicas,

área de concentração Ciências Biomédicas.

CAMPINAS - SP 2014

ESTE EXEMPAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA

DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA FLÁVIA MACHADO

SEIDINGER, ORIENTADA PELO PROF. DR. EGBERTO RIBEIRO

TURATO.

____________________________________

Assinatura do Orientador

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Meus sinceros agradecimentos:

Ao Prof. Dr. Egberto Ribeiro Turato,

À Pós-Graduação em Ciências Médicas, e pelos financiamentos concedidos, CAPES e FAPESP.

Ao Laboratório de Pesquisa Clínico-Qualitativa, sine qua non; aos colegas pesquisadores, sempre parceiros e

minha gratidão pelas novas amizades aí encontradas.

Ao GETA, pacientes e equipe, a Celso Garcia Júnior, por tornarem este trabalho possível.

À Banca Examinadora, Prof. Dr. Manoel Antonio dos Santos e Prof. Dr. Luís Fernando Tófoli,

e aos suplentes pelas contribuições e generosidade, Profa. Dra. Rosângela Higa,

Prof. Dr. Claudinei J. G. Campos, e Prof. Dr. Marcelo Marcos Piva Demarzo.

À Banca de Qualificação, Prof. Dr. Paulo Dalgalarrondo, Profa. Dra. Heloísa R.V. Celeri, Dr. Ronis Magdaleno Jr.

A Daniela Araújo Silva, Carla Maria Vieira, Maria Marta Battistoni, Ana Luísa M. Traballi, Lia K. Silveira

Campos, Fátima Böttcher-Luiz, Mônica Filomena Caron, Vanda de Fátima Oliveira,

à equipe de Moradias do Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, Veridiana Marucio, Ruth Cerejo, e a cada amigo,

impossível nomear aqui, cada qual por sua particular participação neste percurso; a Graciela Brodsky e Angelina Harari.

A Dr. Gustavo de Carvalho Duarte e equipes do Instituto do Sangue, TMO Beneficência Portuguesa e CQA.

A Lúcia Cerdeira Leibovitz e, infinitamente, a Rogerio Cerdeira Leibovitz.

Aos meus queridos irmãos, ainda que distante, por serem grandes exemplos e apoios próximos;

A quem me acompanhou de longe até a qualificação e já não estava mais entre nós

na conclusão deste trabalho, meu pai, por seu amor ao saber;

e, à minha mãe, por saber amar.

Flávia Machado Seidinger

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Aos pacientes, pacientes “ensinantes” sobre a clínica,

até quando abandonam, ensinam.

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RESUMO

O abandono do tratamento, questão cara à saúde pública, constitui preocupação nos

transtornos alimentares, pelos altos índices, assim como pelos resultados insatisfatórios

no tratamento e pela gravidade do quadro. O presente estudo teve por objetivo

compreender o fenômeno do abandono do tratamento ambulatorial nos transtornos

alimentares a partir dos significados atribuídos por pacientes que vivenciaram tal

experiência. Utilizando-se do método clínico-qualitativo, entrevistas em profundidade

orientadas por roteiro semiestruturado foram colhidas, gravadas e transcritas na íntegra.

Oito pacientes com ≥18 anos que abandonaram o tratamento especializado em

ambulatório de hospital universitário público compõem amostra fechada por critério de

saturação dos dados. Foi pressuposto que o abandono do tratamento guardasse relação

com aspectos psicológicos próprios a esses transtornos. A fundamentação teórica foi

ancorada no referencial psicodinâmico, e os achados também analisados à luz de revisão

da literatura científica atual. Foram identificadas oito categorias de conteúdo originadas

por enunciação, apresentadas em três grupos. Encontradas como denominadores

comuns a todas as demais categorias, enquanto significados psicológicos do abandono

para os participantes, as seguintes categorias dizem respeito à psicodinâmica ligada ao

abandono, sendo, portanto, categorias centrais: 1.a) “Uma escravidão ao vício,

compulsivamente” – dimensão aditiva da anorexia e bulimia e 1.b) "Me senti abandonada,

então abandonei” – acting out da fantasia de abandono. Por sua vez, as categorias

secundárias relacionam-se diretamente às centrais e revelam mecanismos que participam

do fenômeno do abandono: 2.a) “Não gosto que as coisas saiam do meu controle” –

abandono como alívio, 2.b) “Anorexia é uma coisa para a vida inteira” – apego/adesão ao

sintoma e 2.c) “Eu me dei alta” – melhora suficiente e cura. Por último, por

corresponderem aos significados da faceta “tratamento” implicada no objeto “abandono”,

as categorias consideradas colaterais por serem relativas ao tratamento: 3.a) “No começo

eu não aceitava como doença” – negação inicial e superação, 3.b) “Um tratamento dentro

do tratamento” – lugar dado à palavra e 3.c) Da “aliança ao vício” à aliança terapêutica

como laço. Os resultados confirmam pressuposto do estudo. Os significados revelam

elementos simbólicos que permitem melhor compreensão do fenômeno, apontando

proximidade às adicções e aspectos psicodinâmicos como: dificuldades com o controle e

no campo interpessoal, impulsividade e condutas atuadas; sugerem a importância do laço

a ser construído com a equipe, no manejo clínico, inclusive nas recaídas, frente à

dinâmica aditiva. Com possível impacto na adesão e nos resultados do tratamento, o

estudo aponta ramificações e possibilidades para a terapêutica desta clínica carente de

avanços.

Palavras-chave: anorexia nervosa; bulimia nervosa; pesquisa qualitativa; pacientes

desistentes do tratamento; comportamento aditivo.

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ABSTRACT

Dropout, a relevant issue for public health, in the case of Eating Disorders is concerning

due to the high rates, severity of disorders and poor outcomes. The present study aims at

understanding outpatient treatment dropout in eating disorders from meanings attributed

by patients to their dropout experiences. It was assumed that dropout could be related to

psychological aspects of these disorders. It was conducted a qualitative study adopting the

clinical-qualitative approach. The sample, set according to data saturation criteria included

eight ≥18 years old patients that dropped out of specialized outpatient treatment in a public

university hospital. Eight semi-structured interviews have been collected in-depth recorded

and fully transcribed. The theoretical basis is grounded in psychodynamic references and

the findings are also analysed under the scope of current scientific literature review. Eight

content categories originated by enunciation are analysed, clustered in three groups.

Found as common denominators to other categories, as psychological meanings of drop

out to participants, the following categories refer to the psychodynamic linked to drop out,

thus being central categories: 1.a) “Enslavement to addiction (compulsively)” – addictive

dimension of anorexia and bulimia, and 1.b) “I’ve felt abandoned, so I dropped out” –

acting-out the fantasy of abandonment. Secondary categories are directly related to the

central ones and reveal mechanisms participating in the drop out phenomenon: 2.a) “I

don’t like if things get out of my control” – dropout as relief, 2.b) “Anorexia is for life” –

attachment/adherence to the symptom and 2.c) “I’ve discharged myself” – sufficient

improvement and cure. In a collateral plane, corresponding to meanings related to the

“treatment” facet implicated in the object “dropout”, there are the categories related to

treatment: 3.a) “At first I didn’t accept it as a disease” – initial denial and overcoming, 3.b)

“A treatment inside the treatment” – the place given to the word and 3.c) From “alliance to

addiction” to therapeutic alliance as a bond. The results confirmed the study’s assumption.

The meanings points symbolic elements that allow for a better comprehension of the

phenomenon, revealing the proximity between addictions and psychodynamic aspects

such as: interpersonal difficulties, impulsivity and acting out conduct. These suggest the

importance of the therapeutic bond to be built with the treatment team, in clinical

management, including relapse, in face of the addictive dynamics. The study signals

ramifications and new possibilities to the clinical practice in eating disorders, with possible

impact in compliance.

Key words: anorexia nervosa; bulimia nervosa; qualitative research; patient dropouts;

behaviour, addictive.

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ABREVIATURAS E SIGLAS

AN - Anorexia Nervosa

BN - Bulimia Nervosa

atip - atípica

purg - purgativa

restr - restritiva

CID 10 - Classificação Internacional de Doenças, 10a. revisão

DO - abreviatura corrente na literatura internacional do descritor patient dropout

correspondente a abandono de tratamento por parte do paciente

DM - Diabetes Mellitus

DSM IV-TR - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - 4a. ed. revisada

DSM V - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - 5a. edição

(Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fourth and Fifth

Edition)

GETA - Grupo Interdisciplinar de Assistência e Estudos em Transtornos

Alimentares - Universidade Estadual de Campinas

HD - Hipótese Diagnóstica

FCM - Faculdade de Ciências Médicas

LPCQ - Laboratório de Pesquisa Clínico-Qualitativa

TA - Transtornos Alimentares

TAG - Transtorno de Ansiedade Generalizada

TASOE - Transtornos Alimentares sem outras especificações

TP - Transtorno de Personalidade

TPB - Transtorno de Personalidade Borderline

TPH - Transtorno de Personalidade Histriônico

Unicamp - Universidade Estadual de Campinas

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SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................. xi

ABSTRACT ........................................................................................................... xiii

ABREVIATURAS E SIGLAS .................................................................................. xv

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 19

1.1 Transtornos Alimentares ............................................................................ 21

1.1.1 Aspectos históricos e socioculturais ................................................. 25

1.1.2 Aspectos epidemiológicos e clínicos ................................................ 29

1.1.3 Aspectos psicológicos ...................................................................... 30

1.2 Sobre o termo "abandono" e sua etimologia ............................................. 31

2. PRESSUPOSTO E OBJETIVOS ....................................................................... 33

2.1 Pressuposto Geral ..................................................................................... 35

2.2 Objetivo geral ............................................................................................ 35

2.3 Objetivos específicos ................................................................................. 35

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ......................................................................... 37

3.1 Notas sobre a Anorexia em Freud e Lacan ............................................... 39

3.2 Anorexia, Bulimia, adicção, desamparo e abandono ................................. 43

3.3 Desamparo e a questão abandônica ......................................................... 51

4. RECURSOS METODOLÓGICOS ..................................................................... 55

4.1 Sobre o método ......................................................................................... 57

4.2 Descrição da etapa de campo da pesquisa ............................................... 61

4.3 Técnica de tratamento dos dados .............................................................. 66

4.4 Cuidados éticos e manejo de vieses na pesquisa ..................................... 68

4.5 Recursos materiais e fontes de financiamento .......................................... 70

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ......................................................................... 71

5.1 Categorias principais relativas ao abandono e seus significados .............. 75

5.1.1 "Uma escravidão ao vício, compulsivamente" – dimensão aditiva da anorexia e bulimia ....................................................................... 75

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5.1.2 "Me senti abandonada, então abandonei” – acting out da fantasia de abandono .................................................................................... 76

5.1.3 Categorias secundárias relativas ao abandono ............................... 83

5.1.3.1 "Não gosto que as coisas saiam do meu controle” – abandono como alívio ............................................................ 83

5.1.3.2 “Anorexia é uma coisa para a vida inteira” – apego/adesão ao sintoma ............................................................................. 85

5.1.3.3 “Eu me dei alta” – melhora suficiente e cura ........................ 87

5.2 Categorias relativas ao tratamento ............................................................ 91

5.2.1 “No começo eu não aceitava como doença” – negação inicial e superação ........................................................................................ 91

5.2.2 “Um tratamento dentro do tratamento” – lugar dado à palavra ........ 93

5.3 Da “aliança ao vício” à aliança terapêutica como laço ............................... 99

6. CONSIDERAÇÕES ......................................................................................... 101

6.1 Implicações clínicas .................................................................................. 103

6.2 Limitações do estudo e futuras pesquisas ............................................... 107

6.3 Considerações finais ............................................................................... 109

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 113

ANEXOS ............................................................................................................. 125

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- 19 -

1. INTRODUÇÃO

A valorização do estudo do ser humano, em situação,

não é só indispensável eticamente, como extremamente necessário

num momento de crise da humanização, em que o ser humano

perdeu todos os seus centros de apoio, e precisa apoiar-se em si mesmo.

Para tal terá que conhecer-se, e os métodos qualitativos devem ser

os mais indicados para que esse conhecimento seja produtivo e ético.

Cassorla

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Introdução 21

1.1 Transtornos Alimentares

Transtornos Alimentares (TA) acometem principalmente meninas,

adolescentes e mulheres jovens. No entanto, nos últimos anos tem se destacado o

surgimento e aumento progressivo da Anorexia em homens, ao lado de outras

variantes de transtornos com distorções de imagem corporal, abuso de exercícios

físicos e comer desordenado; porém, em proporção bem menor: 10% da

prevalência em mulheres, segundo Melin & Araújo (2002)(1). É válido mencionar

outro estudo nacional que analisou a experiência corporal de um adolescente(2).

Apesar de ainda escassos estudos sobre o tema, estudo epidemiológico de Valls

et al (2013)(3) destaca a significativa comorbidade com sintomatologia depressiva

em homens e chama a atenção para as formas subliminares e não especificadas,

pois incluindo estas formas encontro 15% de TA em amostra masculina,

estatisticamente significativa, entre jovens adultos franceses, encontrando 18% de

sintomas depressivos graves na mesma amostra, sendo 5% comórbidos.

O grupo diagnóstico atualmente conhecido por Transtornos Alimentares tem

a Anorexia Nervosa (AN) e a Bulimia Nervosa (BN) como principais entidades

mórbidas, compreendendo os subtipos: restritivos, purgativo e não purgativo. O

presente trabalho baseia-se na 4ª edição revisada do Manual Estatístico e

Diagnóstico (DSM IV-TR; APA 2003), utilizado nos critérios de inclusão de nossa

amostragem por ser considerado mais adequado para os TA pelos médicos do

serviço do qual os participantes estudados são egressos, sendo a 4ª edição do

manual, vigente quando da coleta de dados.

Quanto à classificação diagnóstica dos TA, vale citar as palavras de

Claudino e Borges (2002)(4):

Embora classificados separadamente, os dois transtornos acham-se

intimamente relacionados por apresentarem psicopatologia comum:

uma ideia prevalente envolvendo a preocupação excessiva com o

peso e a forma corporal (medo de engordar), que leva as pacientes a

se engajarem em dietas extremamente restritivas ou a utilizarem

métodos inapropriados para alcançarem o corpo idealizado. Tais

pacientes costumam julgar a si mesmas baseando-se quase que

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22 Introdução

exclusivamente em sua aparência física, com a qual se mostram

sempre insatisfeitas (2002; p.7).

De todo modo, os manuais diagnósticos guardam algumas diferenças nos

critérios para classificação da AN e BN, conforme se pode ver na Tabela 1:

Tabela 1 - Critérios diagnósticos para Anorexia Nervosa e Bulimia Nervosa pelo DSM-IV e pela CID-10.

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DO DSM-IV E CID-10 PARA ANOREXIA E BULIRNIA NERVOSA

DSM-IV CID-10

Anorexia Nervosa Perda de peso e recusa em manter o peso dentro da faixa normal (≥85% do esperado)

Perda de peso e manutenção abaixo do normal (IMC ≤17,5 kg/m2)

Medo mórbido de engordar mesmo estando abaixo do peso

Perda de peso auto-induzida pela evitação de alimentos que engordam

Perturbação na forma de vivenciar o baixo peso, influência indevida do peso sobre a auto-avaliação e negação do baixo peso

Medo de engordar e percepção de estar muito gorda(o)

Amenorréia por 3 ciclos consecutivos Distúrbio endócrino envolvendo o eixo hipotálamo-hipofisário-gonadal (amenorréia) e atraso desenvolvimento puberal

Subtipos: 1.restritivo (dieta e exercícios apenas) 2.compulsão periódica/purgativo (presença de episódios de compulsão e/ou purgação além da dieta, exercícios)

*vômitos auto-induzidos, purgação e uso de inibidores do apetite e/ou diuréticos podem estar presentes

Bulimia Nervosa Episódios recorrentes de compulsão alimentar (excesso alimentar + perda de controle)

Episódios recorrentes de hiperfagia (duas vezes/semana por três meses), preocupação persistente com o comer e desejo irresistível de comida.

Métodos compensatórios para prevenção de ganho de peso: indução de vômitos, uso de laxantes, diuréticos, enemas, jejum, exercícios excessivos ou outros.

Uso de métodos compensatórios para neutralizar ingestão calórica: vômitos, abuso de laxantes, jejuns ou uso de drogas (anorexígenos, hormônios tireoidianos ou diuréticos)*

Freqüência dos episódios compulsivos e compensatórios: em média pelo menos duas vezes/semana por três meses Influência indevida do peso/forma corporal sobre a auto-avaliação

Medo de engordar que leva a busca de um peso abaixo do limiar ótimo ou saudável *diabéticas podem negligenciar o tratamento insulínico (evitando a absorção da glicose sanguínea)

Diagnóstico de AN ausente Subtipos: 1. Purgativo – vômitos induzidos, abuso de laxantes, diuréticos ou enemas 2. Não-purgativo –apenas jejum e exercícios para compensar ingestão calórica

Fonte: Claudino AM & Borges. Critérios diagnósticos para os transtornos alimentares: conceitos em evolução. RevBrasPsiquiatr 2002; 24 (Supl III): 7-12.

Os TA são descritos como grupo heterogêneo do ponto de vista dos

diagnósticos e subtipos, porém, correlatos a uma psicopatologia e psicodinâmica

comuns, e a transição de um diagnóstico e/ou subtipo a outro é frequente ao longo

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Introdução 23

do tratamento. Dessa forma, faz-se necessária uma abordagem transdiagnóstica,

tal como a empregada por Fairburn et al. (2003)(5), a qual não se refere aos

matizes dos sintomas, objetivos e mensurados, mas sim à dimensão vivenciada,

focalizando seus aspectos simbólicos, visando o que está em jogo no plano

subjetivo, tendo como foco os significados psicológicos atribuídos pelos pacientes.

Formas atípicas ou variantes dos subtipos diagnósticos que compõem os quadros

dos TA são aspectos flutuantes no curso da doença, e podem variar rapidamente

de subtipo ou passar de uma entidade nosológica a outra. Para fins deste estudo,

pequenas variações de critérios diagnósticos não são relevantes uma vez que não

seria possível assegurar sua precisão por se tratar de pessoas que abandonaram

o tratamento; tampouco fez parte do desenho do estudo o uso de quaisquer

escalas para reavaliação diagnóstica de seus participantes.

Os TA podem se manifestar a partir do entrecruzamento de diversos

fatores: aspectos socioculturais(6-10): padrões relacionais familiares,

vulnerabilidades psicológicas e biológicas. Embora ainda polêmico, estudos

investigam, dentro da etiologia multifatorial, encontrariam fatores genéticos

implicados (Bergen et al, 2003)(11); Hinney et (2010)(12); Cui et al 2013)(13). Importa

destacar nosso entendimento de que apenas um dos fatores, isoladamente, não é

suficiente para o desencadeamento de um quadro de TA - por exemplo, a dieta

que muitas vezes precede o início do quadro, ou os fatores culturais, muitas vezes

hipervalorizados pela mídia.

Já os padrões relacionais familiares e vulnerabilidades psicológicas a eles

associados são aspectos mais classicamente conhecidos como ligados aos

transtornos, sendo importante destacar tal visão ligada a teorias que se embasam

em conhecimento proveniente da clínica, como a psicanálise desde Freud (Freud,

1895)(14), as teorias psicodinâmicas, ou mesmo o clássico estudo de Lasègue que

em 1873 relacionou a anorexia à histeria, portanto à dinâmica psíquica do sujeito e

sua família, especialmente à relação às figuras parentais(15). Não seria correto

mencionar poucos estudos científicos recentes frente a tal visão, que vem sendo

vastamente publicada e influenciando estudos e práticas terapêuticas há

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24 Introdução

aproximadamente cento e quarenta anos. Assim, é importante mencionar as obras

dos autores e escolas que fundamentam nosso referencial teórico. Neste campo,

contribuem estudos como os de Woodside et al (2002)(16), Dallos & Denford

(2008)(17), Espíndola & Blay (2009)(18) e Sim et al (2009)(19). Vale sublinhar que

estas teorias até hoje estão presentes na visão sobre os transtornos, de forma que

sua terapêutica, a partir das evidências na clínica, inclui a terapia familiar, sendo

referências nesta área os estudos de James Lock (2010)(20), e no cenário nacional,

os de Cobelo et al (2004)(21).

Sobre o objeto de estudo e seu recorte

O presente estudo teve como objeto as interrupções de tratamento*

ambulatorial por parte de pacientes diagnosticados com TA, interrupções que são

conhecidas no campo da saúde por “abandonos”. A pesquisa visa compreender, a

partir das vivências dos pacientes, como estes significam a experiência de

“abandono” do tratamento ambulatorial.

Dentre as complexidades que marcam nosso objeto de estudo,

destaquemos duas: 1) objeto que se caracteriza pela negativa de outro objeto, o

tratamento, fazendo-se necessário, ao longo do trabalho, tratar também desse

outro objeto; 2) características dos transtornos estudados: compreendidos no

grupo atualmente chamado de Transtornos Alimentares, Anorexia Nervosa,

Bulimia Nervosa constituem as principais entidades nosológicas que, junto a

outros transtornos similares compartilham semelhanças e diferenças e possuem

subtipos variantes. Suas descrições minuciosas de quadros psiquiátricos do ponto

de vista de seus fenômenos objetivos, com complicações clínicas associadas,

variam nos manuais estatísticos e diagnósticos. Vale notar que o presente estudo

foi desenhado e conduzido durante a vigência do DSM IV-TR, portanto,

anteriormente às variações da edição recentemente publicada (5ª. edição; DSM

V).

* Ou “término prematuro do tratamento” como também é descrito na literatura científica internacional (PTT =

premature termination of treatment). Atualmente é sugerida a adoção de tal termo e seus parâmetros na pesquisa, no lugar do descritor Dropout (DO) (Campbell, 2009; Sly, 2009).

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Introdução 25

A nosso estudo, que visa os significados atribuídos, interessa alcançar o

que é revelado pelos discursos acessados por meio das entrevistas, implicando

seus significados através da memória, do pensamento e da linguagem, da

dimensão imaginária e simbólica trazidos pelas falas dos participantes; ou seja, o

que é acessível do ponto de vista psicológico, isto é, o que é supostamente

partilhado pelos participantes da pesquisa, apesar de particularidades dentro da

evolução do quadro psiquiátrico, por assim dizer, quanto aos critérios utilizados

para o diagnóstico médico.

1.1.1 Aspectos históricos e socioculturais

Etimologicamente, os termos Anorexia e Bulimia derivam do grego e

respectivamente significam: orexis - desejo, inclusive na acepção de "apetite",

acompanhado do prefixo an, que significa ausência, deficiência, ou negação; bous

significa "boi", e limos, "fome", designando, assim, fome muito grande(22). Ao

contrário do que entende o senso comum, o que caracteriza a Bulimia é, então, a

compulsão, e não exatamente a purgação, existindo no DSM, inclusive, a

classificação diagnóstica da Bulimia Nervosa não purgativa.

A Anorexia tem registros históricos desde a Antiguidade; adquiriu estatuto

de entidade mórbida no final do século XIX, com os diagnósticos quase

contemporâneos do psiquiatra inglês Gull, “anorexia nervosa”, e do francês

Lasègue (1998)(15), “anorexia histérica”.

Cumpre registrar que, segundo Cordás & Claudino (2002)(22) Couvreur

(2003)(23) , a prática bulímica também teria histórico antigo em registros bíblicos,

bem como posteriormente, no campo médico, descrevendo sintomas e

comportamentos apresentados em quadros diversos, muito tempo antes de ser

descrita como entidade mórbida. Assim, é no mínimo curioso o entendimento atual

de que a BN como descrição psiquiátrica tenha surgido somente com a descrição

Russell, em 1979, ante ao amplo trabalho de Brusset com a Bulimia, que revela

abundantes referências ao comportamento bulímico e sua descrição em diferentes

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26 Introdução

épocas, também apoiado na pesquisa de Couvreur (2003)(23). Segundo diversos

estudos pormenorizados por ela citados, é descrita a evolução do conceito na

medicina desde há mais de um século, o que vale destacar como surpreendente

por sua divergência da visão corrente atual, da descrição da Bulimia como

entidade mórbida somente em 1979. Por exemplo, Ziolko e Schrader (1985)*

teriam encontrado relatos de um quadro patológico conhecido na Antiguidade

grega sob o nome de “cinorexia” (fome canina), caracterizado e descrito por

“hiperfagia impulsiva seguida de vômitos”. O estudo de Stein & Laakso, publicado

em 1988 permite encontrar menções à Bulimia, não em registros bíblicos ou

históricos somente, mas sim nos dicionários médicos, desde o começo do século

XVIII! Segundo os autores, ao contrário do que se pensa, há evidências de

descrições enquanto síndrome e não como variante da anorexia, e referências ao

conceito de bulimia, há aproximadamente trezentos anos†(24). Teria sido Blankaart,

já em 1708, o primeiro autor anglo-saxão a detalhar a referência à Bulimia,

descrevendo um “apetite extraordinário” ligado frequentemente a uma “fraqueza

de espírito”. Couvreur (2003) destaca ainda, a título de exemplo, a publicação do

The Edimburg Medical and Physical Dictionary, em 1807. Foi também descrita

como “hiperorexia”, na Alemanha, no século XIX, e por Janet (1908)‡, que utilizou-

se efetivamente do termo ao descrever “O Caso Nadia” como síndrome da

“anorexia mental-bulimia vômito”(23).

Em diferentes épocas, a descrição dos quadros alimentares varia em

função de fatores ideológicos e relacionados aos diferentes contextos

socioculturais. Para compreender a forma de apresentação atual dos TA,

consideramos úteis as teses que sustentam o pensamento de Zygmunt Bauman

(2008a)(25), destacando o impacto que a chamada “sociedade de consumo” exerce

sobre o ser humano e sua subjetividade, em um tempo em que o consumo tornou-

se prioridade da produção por excelência.

* Ziolko HU (1996). Hyperphagia und anorexia. Der Nävenartz, 37, 9, 400-406. † “While bulimia has recently been viewed as an emergent variant of anorexia nervosa, historical evidence

suggests that earlier conceptualizations of the term describe a symptom as well as a discrete syndrome. Despite the fact that the diagnosis and use of the concept of bulimia has been variable historically, its dramatic fundamental feature has remained consistent”. (Stein & Laakso, 1988 ; p.201) ‡ Janet P (1908) Obsessions et psychasténie. Vols. I e II. Paris: Felix Alcan.

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Introdução 27

Segundo Bauman (2008a)(25), a “revolução consumista”(25) teria colocado o

consumo no epicentro da vida social, a tal ponto que estaria em curso uma

transformação no laço social, que se sustentaria sobre o andaime do que o

consumismo promove e promete. Especialmente nos textos “Modernidade

Líquida” (2008b)(26) e “Vida de consumo” (2008a)(25) encontramos que, nas

chamadas relações líquidas, tudo se converte em produto consumível, e disso não

escapa sequer o ser humano; tudo tem data de validade pronta para vencer e ser

prontamente substituído por algo com o rótulo sedutor da novidade, com a ilusão

da maior utilidade. O ritmo frenético da produção e da comunicação a serviço do

consumo rege o circuito do qual participam, nos papéis principais, a imagem e “os

ideais” de peso e imagem corporal sem falhas, que recairão sobre os ombros do

indivíduo. Este, na análise de Bauman, é órfão do Estado, cuja força também foi

privatizada em favor da produção e do consumo, dentre outras figuras paternas

que declinaram nesse processo em suas funções simbólicas, redundando na

“liquidificação” dos laços e das relações, numa lógica que tira do centro o sujeito e

coloca o objeto. Mais do que nunca na história, assistimos ao triunfo do ter sobre o

ser engendrado pela “sociedade de consumo”. Tal lógica social e econômica

produz efeitos no sujeito: o triunfo do ter sobre o ser é justamente contra o que a

posição anoréxica, ao menos em sua vertente histérica, vem protestar, do ponto

de vista do que foi teorizado em determinados momentos por Lacan e outros

psicanalistas que seguem sua orientação*.

A participação dos fatores socioculturais na clínica dos TA torna-se inegável

quando observamos as variações que os quadros mostram em cada época, ou em

* Para Lacan, o que se passa na anorexia mental é que a criança responde com seu sintoma à mãe que lhe

sufoca com “a papinha asfixiante” (a comida, objeto do “ter”) no lugar do “dom do amor” (aquilo que só é possível a quem não tem; o afeto, o amor ao qual a anoréxica reclama em sua greve de fome, corresponde ao que este Outro materno não pôde lhe dar por não permitir que a falta se instaurasse para um psiquismo “normal”, ao tentar preenchê-la com o objeto (comida). O efeito produzido é a não subjetivação dessa falta ao interpretar erroneamente que todo o desconforto do bebê seja fome, empanturrando-o com “aquilo que tem”, ao mesmo tempo não suporta acolhê-lo como confrontado ao desconforto da falta - o que seria dar amor, dar o que não se tem (Lacan, 1995, p. 634). Também a mãe que é assim registrada na realidade psíquica da(o) filha(o) é uma mãe que tem o objeto a dar, não sendo tomada como um ser em falta, que necessita do Pai para fazê-la mulher, o que daria ao sujeito a chave de entrada para o Complexo de Édipo enquanto “normalizante” do psiquismo. A reflexão sobre as relações do sujeito e seus objetos nos TA, à luz de outros autores, será retomada na Fundamentação Teórica.

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28 Introdução

cada contexto histórico, como por exemplo, as diferenças entre a anorexia santa,

os artistas da fome, a caquexia psicogênica juvenil, a anorexia histérica, a bulimia

nervosa como componente do CID 10/DSMV, incluída no grupo dos TA, e as

características que os sintomas e os discursos a respeito adquirem em cada

época. Vale referir ao interessante estudo de Weinberg & Cordás (2006)(27) que ao

descrever a Anorexia do ponto de vista histórico, fornece elementos para a

reflexão das equipes especializadas e aprofundamento de pesquisas futuras,

quanto à ligação e participação dos contextos culturais e as manifestações

anoréxicas em épocas e formas distintas.

Outro aspecto relevante é o dado de que os TA aumentam em contextos de

transição, ou rápida mudança cultural, como argumentado nos estudos de Becker

(2004)(28). De acordo com Silva (2011)(10), entende-se que:

(...) ao serem inseridas no mercado de produção mundial, as

diferentes regiões do mundo sofram uma modificação decisiva no

sentido do desenvolvimento de uma cultura de consumo e do

individualismo competitivo, descrita sob as rubricas de

“modernização” ou “ocidentalização”.

Esses termos são constituídos em contraposição a noções como

“cultura tradicional”, “tradições locais” etc. Esses também são os

termos com que a emergência dos transtornos alimentares nessas

regiões “em desenvolvimento” costuma ser explicada. Diante do

confronto entre a cultura local tradicional e a modernização ocidental

globalizada, há dois caminhos possíveis, e ambos são apontados

como causas para o suposto aumento da incidência dos transtornos

alimentares.

Podemos considerar que o aumento de comportamentos purgativos, o

fornecimento de uma identidade social, o lugar do Ideal do Eu na cultura

contemporânea, a autoexigência – conhecida marca da Anorexia desde

sempre –, são hoje, porém, mais fortemente ligadas à questão da imagem

corporal, conforme destacado por Costa-Pereira (1999)(29) na Introdução à sua

tradução do texto clássico de Charles Lasègue.

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Introdução 29

Acerca da produção social das concepções, saberes e práticas

relacionadas aos TA pelos discursos biomédicos e terapêuticos, aspecto relevante

na reflexão sobre tratamento e abandono, Silva (2011; p. 260)(10) afirma que:

(...) o padrão de excelência pela literatura científica internacional

tende a reproduzir alguns elementos do contexto cultural que fazem

parte das próprias condições de possibilidade dos transtornos

alimentares: a ênfase no autocuidado e na autodisciplina, a ideia de

que a constituição de uma identidade adulta saudável depende da

constituição de indivíduos autônomos e independentes, o lugar

privilegiado das biociências na determinação dos critérios de saúde e

adequação.

1.1.2 Aspectos epidemiológicos e clínicos

Os TA são transtornos psiquiátricos graves com comprometimento do

quadro mental e físico que vem sendo descritos em praticamente todo o mundo.

Consideradas doenças mentais prioritárias na infância e adolescência pela OMS,

destacadas em documento para educadores(30) devido à preocupante incidência

de suicídio e depressão, estimada em vinte vezes mais alta entre jovens com TA.

Os estudos de prevalência ao longo da vida entre a população geral,

conduzidos com critérios do DSM–IV-TR (APA, 2003)(31), encontram taxas

variando entre 0,3% e 2,2% para AN e 0,1% e 2,9% para BN(32-34). Smink et al.

(2013)(35) afirmam que, segundo os novos critérios, atualizados pelo DSM–V (36), a

prevalência da AN e da BN entre as mulheres gira em torno de 4% e 2%

respectivamente.

A nova classificação(36) tende a reduzir as taxas de prevalência dos

transtornos alimentares sem outra especificação (TASOE) e aumentar a

prevalência da AN e da BN(37-38) em função de que, na nova classificação, os

critérios para AN e BN tornaram-se mais amplos permitindo maior número

de indivíduos classificados como “especificados” (AN ou BN). A afirmação,

recorrente no senso comum, do aumento generalizado dos TA segue controversa

no meio científico. Por outro lado, estudos em contextos específicos, concluem

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30 Introdução

estatisticamente pelo aumento da prevalência desses transtornos ao longo das

últimas décadas(9, 39).

Assumpção e Cabral (2002)(40) publicaram extensa relação das

complicações clínicas e síndromes e disfunções comprovadamente secundárias à

AN e BN. Diversas complicações clínicas graves são decorrentes desses

transtornos, em função da perda de peso e dos métodos compensatórios, tais

como: complicações metabólicas e hidroeletrolíticas, neurológicas, oftalmológicas,

gastrointestinais, renais, bucomaxilares e fâneros, pulmonares e hematológicas.

As alterações neurológicas e, principalmente, endocrinológicas são importantes no

quadro e, na AN, guardam relação com os caracteres femininos diminuídos, por

sua vez relacionados a aspectos psicológicos fundamentais, no tocante às

dificuldades desses pacientes com a feminilidade e sua recusa muitas vezes

aparente, conforme discutido pela psicologia e pela psicanálise.

1.1.3 Aspectos psicológicos

Os aspectos psicológicos tal qual investigados na literatura sobre TA, são

apresentados no Artigo 1 (Apêndice), discutidos em sua relação com o abandono

do tratamento em Anorexia Nervosa e Bulimia, a partir de revisão de literatura em

bases de dados de periódicos médicos internacionais. Não obstante, em função

do nosso referencial teórico, aprofundamos antes, no Capítulo 3, as contribuições

de autores franceses à psicodinâmica dos TA.

Elencamos por ora apenas aspectos psicológicos contemplados por

pesquisas no campo da psiquiatria, destacando como principais:

negação da doença

ambivalência

cisão do Eu

dificuldades no campo do relacionamento interpessoal

autoimposição, exigência e rigor extremados

necessidade de deter o controle (de si mesma e do outro)

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Introdução 31

impulsividade

questões com a autoestima

preocupações exageradas com a autoimagem

1.2 Sobre o termo "abandono" e sua etimologia

Uma vez que o objeto de estudo na pesquisa qualitativa implica os

significados, a dimensão simbólica e imaginária que pode estar implicada no

objeto, investigamos a origem etimológica do termo “abandono”.

É interessante resgatar alguns dos sentidos trazidos pelo Dicionário(41);

"abandono" significa: "1. ato ou efeito de deixar, de largar, de sair sem a intenção

de voltar; partida, afastamento; 2. falta de amparo ou de assistência; desarrimo. 3.

Ato ou efeito de renunciar, de desistir. 4. Desleixo, negligência. 5. Modo de quem

vive ou se apresenta como se fosse abandonado". Consta na etimologia que os

vocábulos em português e em inglês teriam origens comuns na língua francesa,

como antepositivo do francês “ban”, inaugurando-se o termo com uma lei do

século XIII na França, com “a bandon” remontando ao latim “ad bannum”: à

vontade de; a critério de, a poder de, à jurisdição; deixar ir para o exílio (século

XI). Segundo Houaiss, ainda a etimologia é comum às de “banal, banalizar e

banir”. Vale notar a origem jurídica do termo, a partir de onde provavelmente foi

importado para sua aplicação ao campo da saúde, em português. É também

sinônimo de “descuramento”, desprezo e desamparo.

No significado da palavra que remete à interrupção prematura do

tratamento em nosso idioma, está implicada sua relação de sentido com

desamparo. Isso é válido de se observar na medida em que, em uma pesquisa

qualitativa, o que nomeia o objeto de estudo também carrega consigo tais

heranças semânticas, sua materialidade simbólica e imaginária, justamente o que

visamos cernir na investigação dos “significados”.

Existe na língua inglesa, designando o mesmo sentido de abandono

enquanto desamparo (p. ex., ser abandonado), o verbo “to abandon” ou, como no

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32 Introdução

português, também na voz passiva, “to be abandoned”; “abandonment” é o

substantivo correspondente a “abandono”, com a mesma origem latina “ad

bannun”, deixar de lado, guardando a relação de sentido com “desamparo” e

“deserção”. Porém, na língua inglesa, não se usa esse termo para significar

interrupção de tratamento. O descritor comumente utilizado nas bases de dados

internacionais correspondente a “abandono do tratamento” ou “abandono escolar”

é o termo "Dropout", palavra composta por to drop + out, cujo sentido também vale

comentar: os dropouts são os “desistentes”, aqueles “que caem fora”, “se retiram”.

Essa forma carrega mais especificamente o sentido relacionado àquele que “cai

de alguma coisa”, escapa de uma regulação. É interessante notar como, embora

em inglês o termo para abandono do tratamento não conserve o elemento ligado

ao desamparo, "Dropout", por sua vez comporta outra vertente de sentido que

parece ser relacionada ao ato, qual seja, lançar-se fora de um campo,

aproximando-se das noções psicanalíticas ligadas ao ato, mais especificamente, a

passagem ao ato*.

Foi realizada revisão de literatura sobre o abandono do tratamento em AN e

BN em regime de internação ou ambulatorial, apresentado no Apêndice (Artigo 1).

No mesmo apartado, é apresentado artigo de resultados (Artigo 2) com foco na

primeira das categorias principais. Este recorte dos resultados discute a questão

aditiva† através de levantamento bibliográfico que fornece fundamentação para a

discussão à luz: da teoria psicodinâmica das anorexias e bulimias a partir da

psicanálise, bem como de estudos científicos de periódicos médicos internacionais

suportando a discussão dos transtornos alimentares em relação aos transtornos

aditivos.

* Na concepção lacaniana estaria em jogo um ato desprovido de sujeito – embora com motivações

inconscientes: na passagem ao ato, o sujeito “se precipita e cai para fora da cena” (Lacan, 2007; p.128). Tradução livre.

† Segundo o Dicionário Aurélio, o termo “adicção” seria um neologismo da língua portuguesa e, em sentido contrário do conhecido sentido pejorativo, no mesmo dicionário, adicto é descrito como “afeiçoado, dedicado, apegado, adjunto, adstrito, dependente.” (Novo dicionário da língua portuguesa, São Paulo: Nova Fronteira, 1975; p.37)

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2. PRESSUPOSTO E OBJETIVOS

Ciência é busca de causas e fala da ordem invisível. Turato

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Pressuposto e Objetivos 35

2.1 Pressuposto Geral

A presente investigação parte do pressuposto geral de que os aspectos

psicológicos dos TA estejam, de certo modo, relacionados às tão frequentes

interrupções de tratamento, em geral entendidas por “abandono do tratamento”.

2.2 Objetivo geral

Compreender o fenômeno do abandono do tratamento ambulatorial nos

Transtornos Alimentares a partir dos significados a ele atribuídos pelos pacientes

que vivenciaram tal experiência em ambulatório especializado de hospital

universitário público.

2.3 Objetivos específicos

1º.) Entender o abandono do tratamento ambulatorial a partir das

experiências de pacientes, visando conhecer suas motivações particulares;

2º.) Analisar os significados psicológicos do abandono nas vivências dos

pacientes visando identificar aspectos que entram em jogo neste complexo

fenômeno;

3º.) Discutir os significados relacionados ao tratamento.

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36 Pressuposto e Objetivos

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- 37 -

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Freud disse que o sintoma é o que o sujeito ama mais do que a si mesmo, algo a que ele não renuncia com facilidade, algo conflituoso no sentido

de que cria conflito entre as leis do organismo como animal biológico e que a linguagem transforma em algo para além do biológico.

Carrabino & Viganó

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Fundamentação Teórica 39

3.1 Notas sobre a Anorexia em Freud e Lacan

Escapa à nossa compreensão racional que alguém deixe de comer,

necessidade tão vital, sem que seja por disfunções de origem orgânica - não

fossem as conhecidas razões que a psicanálise tem ensinado a partir da clínica.

Também desafia a compreensão racional que portadores desses graves

transtornos, apesar do visível padecimento do corpo, que faz supor padecimento

psíquico, não busquem ou frequentemente abandonem o tratamento.

A título de introdução de nosso quadro teórico, focado na psicodinâmica

das anorexias e bulimias, do ponto de vista de sua relação com o objeto, vale citar

interpretações clássicas da psicanálise a respeito do tema. Dentre os

antecedentes históricos e influências teóricas dos autores que nos fundamentam,

escolhemos fazer breve menção a Freud e a Lacan.

São raras as referências à anorexia em Freud e estão concentradas no

início de sua obra. Na primeira delas, ele destaca seu aspecto melancólico, no

"Rascunho G", em 1895(42). No Caso Emmy, publicado no mesmo ano, o sintoma

anoréxico é entendido como falta de apetite ligada ao excesso da presença

materna(43). Freud será referido mais adiante quanto à relação dos quadros

alimentares, aditivos ou “abandônicos” – descritos no Item 3.3 – que ele chamou

de "neuroses atuais". O termo “atual”, em oposição às psiconeuroses, indica que

se tratava de casos em que não era possível localizar a causa do distúrbio na

história, no romance familiar do paciente. Em 1917, distinguia “três formas puras

de neuroses 'atuais': neurastenia, neurose de angústia e hipocondria*” (1991c; p.

* É interessante constatar que não há referência direta às patologias alimentares, porém as descrições

freudianas de neurastenia revelam traços anancásticos e semelhanças com o funcionamento anoréxico e bulímico. Encontramos em Brusset (2003) a Bulimia como um tipo de Neurastenia; e, embora Freud não tenha utilizado o termo "Bulimia", fala de “acessos de fome devoradora” como sintoma da Neurose de Angústia, ambas subptipos das Neuroses Atuais. Na clínica, não é raro encontrar história de hipocondria ou pânico (o que se aproxima da descrição freudiana de Neurose de Angústia) antecedendo ou convivendo com quadros alimentares. Entendemos a relação entre tais quadros à luz do denominador comum aqui descrito como “pré-edípico”, encontrando-se na posição dos sujeitos que negam a perda, a castração através de um objeto, seja comida ou droga, aquilo que Lacan descreve sob o mecanismo do desmentido. Este também encontra conexão com o que Jeammet descreve como “arranjo perverso” (1999x, p.40) nas bulimias, o que, para a psicanálise, não corresponde a um quadro sociopático, mas sim pela forma de negar a castração por meio de

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40 Fundamentação Teórica

454) e, então, não remontava a causas simbólicas localizáveis pelo paciente, mas

a uma passagem direta para o campo do somático. Em suas palavras, “processos

somáticos anormais” surgiriam em consequência de uma “insuficiência psíquica”,

conforme descreveu as Neuroses de Angústia, um tipo de Neurose Atual. Nestas,

os sintomas, não constituindo satisfações substitutivas, como nas psiconeuroses,

seriam menos passíveis de interpretação, revelando predomínio do somático

sobre o psíquico e marcada ausência de elementos simbólicos, à semelhança das

anorexias e bulimias. Nessa conferência, Freud (1991c; p. 455)(44) utiliza uma

metáfora para explicar os sintomas das ‘neuroses atuais’: o grão de areia e a

pérola, esta constituindo o sintoma, enquanto satisfação substitutiva, e o grão de

areia, seu núcleo, a angústia. Nelas, o sujeito não dispõe de recursos simbólicos e

imaginários para constituir a pérola, manifestando em seu quadro somático o grão

de areia, ou seja, a angústia em estado bruto e as saídas diretas, “curto-

circuitadas” no corpo.

Em Lacan, encontramos o rechaço à comida como moeda de troca com o

Outro dos cuidados maternais, uma de suas referências fundamentais à anorexia,

no Seminário 4, como o que é utilizado para “inverter a relação de potência com o

Outro”(45), e “a anorexia mental não é um não comer, mas um comer nada” (idem,

p.188).

Para compreender por que alguém não responde ao que seria entendido

como um “instinto natural” em todo ser vivo, isto é, a fome, a comida, vale recordar

a noção de pulsão de morte teorizada por Freud; Lacan, a partir de Freud,

esclarece que todas as necessidades do ser humano seriam perturbadas pela

linguagem, de modo que, em nós, já não é mais o instinto que rege, mas sim a

pulsão; instinto perturbado pela linguagem resulta na pulsão, conceito fundamental

da metapsicologia freudiana. Não podemos então pensar em termos do instinto

animal, “fome”, mas o que passa a reger é: como, no psiquismo de cada sujeito,

vai se realizar a pulsão e sua relação com os objetos.

um objeto (a comida e a droga tomados num lugar similar ao fetiche para a estrutura perversa), e pela forma de completar a mãe, como entende a escola francesa.

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Fundamentação Teórica 41

Este preâmbulo se faz necessário para o entendimento dos autores a seguir

referidos mais detalhadamente dentro do quadro teórico escolhido. Ainda que os

hoje chamados Transtornos Alimentares tenham suas especificidades

relacionadas a cada época, e estas sejam resgatadas de um tempo passado,

revelam-se elucidativas do funcionamento psíquico de tais pacientes, seguindo

assim, válidas como norteadores da prática clínica a eles referida. Ademais,

constituem balizadores do pensamento dos autores presentes no referencial

teórico adotado.

Segundo a psicanálise, nas “anorexias e bulimias” estaria em jogo, no plano

do psiquismo, o sujeito que segue tentando constituir-se como tal, buscando ainda

“separar-se”; assim, estas seriam patologias relativas aos processos de alienação

e separação, operações constitutivas do sujeito(46-47) e corresponderiam a um

funcionamento psíquico pré-edípico*, noção que será melhor explicada adiante

(vide pág. 35, 36 e 40).

A partir daí, abre-se outra perspectiva para aquilo que é usualmente

entendido, de modo restrito, no âmbito da complexa relação mãe-filha nos TA,

mas que, corresponde, no sentido mais amplo, à relação com o Outro; esta,

encarnada na figura materna como primordial desde as relações mais antigas do

sujeito, com a alimentação e com o olhar deste Outro que o introduz no mundo da

linguagem. Isso se dá não somente pelo modo como este Outro materno – seja a

mãe biológica, adotiva, ou quem ocupe tal função – lhe apresenta o mundo, mas

principalmente é da ordem de sua escolha, como diria Lacan, em termos da

“insondável decisão do ser”. Lacan afirma que muito precocemente a criança

escolhe como responder à castração. Vale comentar que, ao longo da história,

ocorreram interpretações equívocas desse aspecto colhido na clínica, gerando

uma visada que responsabilizava exageradamente as mães pelos transtornos das

filhas. A contribuição de Lacan, embora com a tônica na questão da separação e

não separação do Outro materno fez tramitar para o lado do sujeito (a criança, o

* O termo é utilizado por Jeammet, e outros psicanalistas franceses pertencentes à Escola inglesa aqui

referidos, e corresponde ao funcionamento de sujeitos que não atingiram a constituição “normalizante” da estrutura psíquica, o que, em nosso entendimento seria outra forma de compreender o que Freud descreveu como Neuroses Atuais.

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42 Fundamentação Teórica

filho) a responsabilidade por, precoce e inconscientemente, eleger uma posição. A

resposta anoréxico-bulímica, à semelhança das adicções, conforme encontrado na

literatura e descrito adiante, caracteriza um modo particular de resposta à

castração, de posição subjetiva, podemos dizer.

Em 1938, em “Os complexos familiares”, Lacan (1987; p.23-29)(48) aproxima

“(...) as anorexias ditas mentais, as toxicomanias ‘pela boca’ e as ‘neuroses

gástricas’ enquanto patologias mortíferas relacionadas à ‘ambivalência*

primordial´, ao complexo do desmame e à dificuldade de separação simbólica da

mãe.

Lacan fala em “Imago

materna” e indica a duração às vezes anacrônica do elo da criança com a mãe; se

não é “sublimada para que novos complexos as integrem ao psiquismo (...) a

imago, salutar na origem, torna-se fator de morte. Que a tendência à morte, seja

vivida pelo homem como objeto de um apetite...” (p.28), e refere-se à pulsão de

morte freudiana, novamente fazendo referência à aproximação entre anorexia

mental e toxicomania. Quando os sujeitos não aceitam a fenda que o desmame

produz:

revela-se em suicídios muito especiais que se caracterizam como

"não-violentos", ao mesmo tempo que aí aparece a forma oral do

complexo: greve de fome da anorexia mental, envenenamento lento

de certas toxicomanias pela boca, regime de fome das neuroses

gástricas†. A análise desses casos mostra que, em seu abandono à

morte, o sujeito procura reencontrar a imago da mãe (Lacan, 1987;

p.29).

Autores como Blanco (2000, p.8)(49) , a partir da interpretação de Jacques

Allain Miller à obra lacaniana, relacionam a anorexia ao fenômeno descrito por

* Vale notar que a “ambivalência” é consagrada como aspecto psicológico dos TA e encontrada como ligada

aos significados do abandono, em nosso estudo.

† Entendemos que as neuroses gástricas guardam relação com a forma de manifestação da Anorexia no

século XIX e com a descrição de Anorexia Histérica, por Lasègue em 1873 (1998), caracterizada pela dor epigástrica; a “anorexia mental”, por sua vez, relaciona-se de forma mais geral ao funcionamento psíquico que subjaz a todas as formas de patologias alimentares, seja nos Transtornos da Alimentação seja nos Transtornos Alimentares, inclusive a BN e seus subtipos. A anorexia mental seria um constructo que dá conta do funcionamento psíquico.

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Fundamentação Teórica 43

Lacan como “declínio da função paterna”, entendendo tais sintomas como

"sintomas mudos", no sentido de que não constituem sintomas como o sintoma

neurótico clássico, resultante do recalque, mas sim curto-circuitam a via do

simbólico. Assim, ao contrário do sintoma das psiconeuroses, que logram formar

“a pérola”, com os elementos da linguagem, mas sim na mesma direção dos

sintomas a esta época descritos como opostos, como nas neurose atuais, os

chamados “sintomas mudos” ficam mais expostos à descarga imediata da

excitação, manifestando-se nas vias somáticas. Porém, à distinção das

somatizações histéricas - estas sim produto do retorno do recalcado, com clara

demanda ao Outro – tais sintomas são justamente chamados “mudos” porque tais

sujeitos querem conservá-los, não se dividem frente ao quadro, não fazem

demanda de tratamento, por si mesmos; ao contrário, esforçam-se por conservá-

los – aspecto que de algum modo se relaciona à questão objeto de nosso estudo.

Os autores nos quais ancoramos a análise desenvolveram seu trabalho

teórico-clínico na França, estão ligados à escola inglesa de psicanálise, não sem a

influência da interpretação francesa. Dado o nosso recorte, com vistas à aplicação

na área médica, optamos por nomear sua contribuição pelo termo “psicodinâmica”,

em seu uso mais corrente nesse campo. Suas contribuições retomarão o termo

“Anorexia Mental”, influenciadas pelos conceitos que nestas notas recordamos.

3.2 Anorexia, Bulimia, adicção, desamparo e abandono

Os autores aqui referidos compreendem os quadros da Anorexia e Bulimia

como “condutas atuadas aditivas”. Tal concepção remonta a autores mais antigos,

como Glover e principalmente Otto Fenichel*, que já teriam descrito a Bulimia

como uma droga “para assinalar o aspecto tóxico dessa dependência

alimentar”(50).

* Glover E. (1923). Sur l`etiologie de la toxicomanie. International Journal of Psychoanalysis. Vol XII;

Fenichel O (1972) De la crainte d`être dévoré. In: Destins du cannibalisme, Nouvelle Revue de Psychanalyse, 6, Gallimard, 149-152. Além desses, Biswanger (1952) Psychiatric aspect of mental anorexia. Kinder Psychiat., 19, 5, 175-180. In Excerpta, 1953, no.3910., também teria influenciado tal visão.

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44 Fundamentação Teórica

Segundo Couvreur (2003, p.46)(23), Brusset passou a definir a Anorexia

como “processo automantido que assume sentido e função no contexto de uma

adolescência impossível”, dando maior lugar à Bulimia, seja ela realizada ou como

fantasia, no que vai chamar “toxicomania sem droga”. Isto se deu em uma série de

trabalhos de Brusset, iniciados em 1969 sob a influência dos escritos de Selvini-

Palazzoli e H. Bruch publicados na mesma década, dos quais o trecho seguinte,

citado por Couvreur é representativo:

As condutas bulímicas não têm, na anorexia mental, relações de

contingência, mas de estrutura. (...) A lógica da anorexia tal qual

esclarece a compulsão bulímica supõe que... se estabeleça esse

processo defensivo, que se pode dizer antimetafórico, pelo qual o

desejo, descrevendo um trajeto inverso ao do apoio, "faz-se passar

pela necessidade". Como resultado, tem-se uma maior urgência da

necessidade de descarga efetiva; daí o reforço das tentativas de se

libertar dela na busca do controle, da onipotência, da auto-suficiência,

resultando na busca de um self-objeto ideal. (....) Essa passagem ao

ato consumatório somente tem eficácia defensiva ao preço senão de

uma intensa angústia, de um empobrecimento mental e, por outro

lado, da compulsão à repetição, ao modo de uma "toxicomania sem

droga"* (1977

†; p.56-257).

A noção de “descarga” é central para a visão aditiva da bulimia-anorexia

enquanto curto-circuito no funcionamento psíquico, e será retomada em termos de

descontinuidade do funcionamento psíquico característico dos toxicômanos. Para

McDougall (1974; p.132)‡, é importante assinalar, ela não constitui uma expressão

neurótica, a qual supõe a organização edípica) que tenha o estatuto de sintoma

das psiconeuroses freudianas, nem no sentido psicótico (que prescinde do arranjo

edípico); corresponderia a uma constituição pré-edípica, que a autora nomeia de

“ato-sintoma” no qual “a externalização no agir esconde uma história relacional e

passional cujos fins são petrificados em um ato alienante, mas cuja leitura é

possível” (apud Couvreur, p.56 e 57)(23).

* Brusset se utiliza desta descrição feita por Fenichel em A teoria psicanalítica das neuroses (1945), no qual

dedica um capítulo às perversões e neuroses impulsivas, ao abordar a bulimia, no quadro das adicções, denominando-a de “toxicomania sem drogas”. (Couvreur, 2003; p.43)

† Brusset B (1977). L`assiette et le miroir (l´anorexie mentale de l´enfant e de l´adolescent). 4.ed. Toulouse:

Privat, 1991. ‡ McDougall J (1974). Le Psyché-soma et la psychanalyse. Nouvelle Revue de Psychanalyse, 10, 131-149.

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Fundamentação Teórica 45

Tal visão do curto-circuito de simbolização tem suas raízes no ponto de

vista psicodinâmico do modelo freudiano de Neurose Atual, já mencionado, o que,

nas palavras de McDougall (2003)(50), corresponde a atos de “descarga aditiva”

(p.188). A autora entende as adicções, como a bulimia, como tentativas de

sobreviver psiquicamente, de salvaguardar a integridade do eu; localiza a

“economia aditiva” no campo da oralidade, remontando à relação entre a mãe e o

lactente, que implica a posição em relação à castração que a mãe transmite com

referência ao pai, inclusive: quando a angústia do objeto perdido não é

transformada pela integração deste como objeto interno, resulta, no sujeito do

filho, lactente em formação, “uma busca incansável e ilusória no mundo externo,

para encontrar esse objeto ausente” (p.190). Esse objeto aditivo, seja a droga para

o adicto, seja o alimento para a bulimia, representa a tentativa de fusão, tratando-

se da “incorporação no lugar da identificação com o objeto”, passando ao terreno

“somatopsíquico” – como entendem a autora, e são entendidos os TA em outros

contextos diversos do nosso.

Assim, no que se refere à problemática das adicções, McDougall entende

que são buscadas “soluções psicossomáticas” para uma angústia – grão de areia,

em termos da metáfora freudiana – que não é qualquer uma, mas sim a “angústia

de desamparo”. De forma semelhante, Brusset (2003a)(51) entende a Bulimia como

“bulimia aditiva” e localiza em seu avesso a Anorexia, descrevendo-as como

“patologias das condutas” marcadas pelo predomínio do “agir” – no sentido do

agieren de Freud* – sobre o fracasso da representação e da elaboração psíquica.

* A noção de agieren foi desenvolvida por Freud em diferentes momentos desde 1914 em "Recordar, repetir e

elaborar", a partir da ideia primaria de que o sujeito do inconsciente se faz representar na palavra em

situação de tratamento, conhecido por talking cure. O termo, trazido para a psicanálise e traduzido para o

inglês por acting-out, ganhou sentido mais genérico com a psicodinâmica, tendo seu sentido ampliado para

a aplicação de tais conceitos no campo da saúde, e é sob esta forma que o entendemos aqui. “Isso que

fala” e determina o sujeito do inconsciente sob o funcionamento da transferência convoca à repetição das

questões infantis e conflitos não elaborados. No acting-out o sujeito “atua”; uma história em ato se dirige

(ao terapeuta, ou a quem o ato se endereçar) e conta-se por meio da cena. Como no sentido teatral, a

palavra “ato” refere-se ao que se endereça ao olhar, “apresenta-se” neste “cenário”, não pela via elaborada

do recurso simbólico, mediado pelo pensamento e pela palavra, e sim, dando a ver algo que é movido por

conflitos inconscientes. O que se manifesta neste plano de “conduta atuada” faz curto-circuito desta

mediação; dinâmica favorecida pelo lugar que ocupa a droga e a comida para estes sujeitos.

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46 Fundamentação Teórica

Segundo a concepção de Brusset, o funcionamento da bulimia, entendida

como na base de todos os TA, exatamente como se passa nas adicções,

determina a liberação direta de carga pulsional desligada das representações,

caracterizando-se pela “escravidão, dependência, sujeição, repetição, enquanto a

repetição das crises tende a empobrecer a vida relacional, afetiva e imaginária

(...)” (2003; p.140). A ideia da escravidão aparece nas descrições de Jeammet

(1999a)(52), Brusset (2003a; p.140) e McDougall (1999a e 2003)(50) e M`Ulzan

(1984)*; este fala em “escravos da quantidade” (apud Couvreur, p.55), destacando

o “profundo desamparo” como traço comum às personalidades dos sujeitos

atravessados por tal “escravidão”, sendo comum na perspectiva psicodinâmica de

tais autores a visão de que o objeto droga (seja ele comida ou não) é colocado no

lugar desta profunda carência, determinante da escravidão e da compulsão.

McDougall (2003)(50) prefere o termo “adicção”, de raiz anglo-saxônica, ao

equivalente francês “toxicomania” em função de que este último, por sua

etimologia sugerir um objetivo de envenenamento, com sentido de causar mal a si

mesmo; a autora argumenta que essa não é a meta daquele que é

(...) escravo de seu objeto (seja sua adicção tabagística,

medicamentosa, alcoolista... ou bulímica). Pelo contrário, o objeto de

adicção é investido de qualidades benéficas (...) para atenuar estados

afetivos intoleráveis e, como tal, é vivido, pelo menos em um primeiro

tempo, como um objeto "bom” (p.185).

Ainda sobre a função da conduta atuada, seja alimentar ou aditiva, é

interessante agregar o ponto de vista de Jeammet (1999a; p.34)(52), que se utiliza

do termo “apetência objetal”, relatando sua observação desde a clínica, de o

quanto esses sujeitos necessitam dessa defesa, e estados que podem ser ligados

à questão por nós estudada, no sentido de que o abandono do tratamento poderia

ser a solução necessária, caso o tratamento concorra com esta função que o

quadro alimentar cumpre na economia psíquica, antes que ela seja substituída, ou

superada, esvaziada de sua necessidade de suplência psíquica, mediante o

tratamento:

* M´Ulzan M. (1984). Les esclaves de la quantité. Nouvelle Rev. De Psychan., 30. Paris: Gallimard.

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Fundamentação Teórica 47

Esta apetência volta no momento do abandono da conduta anoréxica,

mergulhando as pacientes em uma fase depressiva, até mesmo de

desorganização temporária (...) emergência de desejos recalcados

que se faz maciçamente, pouco diferenciada e pouco elaborada.

Estes sujeitos percebem ainda mais seu sentimento de vazio interno,

de desamparo (grifo nosso) e seu corolário: a necessidade de um

suporte externo. (...) A ambivalência dos sentimentos, em sua forma

maciça, assim como seu caráter indeterminado fazem com que estes

sejam percebidos como ameaça à coesão do Eu, para a manutenção

da identidade, gerando um sentimento de violência (Jeammet, 1999a,

p.34).

Nas palavras de Jeammet (1999a e 1999b)(52-53) entendemos que o circuito

acima descrito termina por ser endereçado a quem esteja suportando tal lugar de

“apoio, suporte externo” ao paciente. Neste ponto pode ser interessante refletir

sobre o lugar que ocupa a equipe, e/ou o terapeuta que encarna esta função de

apoio; faz-se menção a um mecanismo usualmente descrito na questão do

controle, conhecida na psicodinâmica dos TA e encontrada como central no

estudo qualitativo sobre abandono na AN, de Eivors et al., (2003)(54).

Para Jeammet, a ameaça vivida na fantasia confere poder ao objeto

(comida) passando a se confundirem, para o sujeito, desejo, Eu e objeto; isso

resulta no problema na formação do Eu descrito como “má formação do eu”, como

um acidente pré-edípico, caracterizado pelo acima descrito: pobreza simbólica e

pela lógica predominante, comum nas adicções, seja à comida, seja à droga: o

desejo fazendo se passar por necessidade, sob a forma do apetite voraz.

Consideramos como hipótese de compreender o fenômeno da alexitimia*(55) nos

TA guardando relação com o que podemos chamar “acidente pré-edípico”

característico destes sujeitos. Isto é, a capacidade de dialetização, de produzir

insight, articular funções de pensamento e linguagem, o uso de recursos

* Segundo a revisão de Carneiro & Yoshida (2009), “alexitimia é um termo empregado no diagnóstico clínico

de pessoas com acentuada dificuldade ou incapacidade para expressar emoções e significa ‘sem palavras para as emoções’. (...) O termo foi sugerido trípor Sifneos para se referir àqueles pacientes com uma vida emocional pobre em sonhos e fantasias e que demonstravam não ter palavras para nomear ou expressar as emoções (Sifneos, 1972/1977, 1991; apud Carneiro e Yoshida (p. 2009; p.103)”. O termo deriva do grego e, por ser o fenômeno frequentemente encontrado na clínica dos TA. É interessante notar ainda que as autoras destacam estudos, como os de Corcos & Jeammet, 2000; Maciel & Yoshida, 2006 e Taieb & cols., 2002 (apud Carneiro e Yoshida (p. 2009; p.104) associando altos níveis de alexitimia a quadros de dependência de substâncias psicoativas e de alcoolismo, nos quais a alexitimia é entendida como um fator de risco.

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48 Fundamentação Teórica

simbólicos, por sua vez, dependem de passar pelo Complexo de Édipo, passando

a localizar-se na estrutura simbólica que ele promove, do ponto de vista da teoria

psicanalítica. Ou seja, o fenômeno da alexithimia pode testemunhar a tese dos

sujeitos marcados pelo acidente pré-edípico, no caso da anorexia e bulimia.

Tais autores também foram influenciados pelo pensamento de Lacan, que,

desde seu primeiro escrito, aproximou a Anorexia e a Toxicomania enquanto duas

patologias mortíferas relacionadas com a dificuldade de separação da mãe,

resultando assim no confronto, sem mediação, com o Supereu materno. Em

outras palavras, pode-se sintetizar a explicação proveniente deste quadro teórico

que entende que, quando o sujeito não alcança a triangulação edípica, não se dá

ao pai, possibilidade do exercício de sua função de detentor da Lei, simbólica. Tal

visão sobre a constituição do psiquismo, por sua vez fundamenta a compreensão

de tais patologias das condutas atuadas, que inclui, segundo a visão

psicodinâmica, todo tipo de adicção, seja por drogas, seja pela comida investida

desse caráter, nas Anorexias e Bulimias. Remontam então a uma constituição

psíquica particular, distinta da categoria das neuroses justamente por não serem

estes sujeitos estruturados segundo a organização simbólica dada pelo Complexo

de Édipo, tal como na neurose; isto é, na visão de Freud, sobretudo sob a

interpretação lacaniana, o Complexo de Édipo constitui um ordenador da

constituição psíquica “normalizante” no sentido da neurose - embora neurótico, o

sujeito que responde à castração pelo mecanismo do recalque é entendido como

inscrito dentro da norma, e tal ordenador simbólico que vem a produzir a

constituição do Eu, como unidade. Por sua vez, em se tratando da subjetividade

em jogo nas “condutas atuadas” há um padecimento da “falha” de constituição do

Eu. Tal visão entende a relação com o objeto droga (inclusive comida) como

tentativa de supri-la, caracterizando assim a relação de “apego” à droga, o que

estaria embutido no termo “adicção”.

A ideia da Bulimia como primária difundida ao longo da obra de Brusset

também por seus colaboradores(52), em uma relação não de contingência com a

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Fundamentação Teórica 49

Anorexia, mas sim de estrutura, segue a hipótese de Selvini-Palazzoli* (apud

Jeammet, 1999a)(52), segundo a qual a anorexia seria a resultante de uma luta

contra o impulso bulímico, para quem a Bulimia se encontra na base de ambos os

quadros.

Na mesma linha de pensamento, a concepção de Jeammet (1999)(52)

entende AN e BN como “dupla antagonista”, enquanto modalidades relacionais

espelhadas, que têm em comum o fato de que uma é a transformação no contrário

da outra, com resultados aparentemente opostos quanto à relação estabelecida,

mas proveniente do mesmo tipo de relação de objeto, caracterizada pela “forma

maciça do engajamento narcísico e a má diferenciação sujeito-objeto†” (p.31-32;

grifos nossos).

Desse modo, o autor compreende que tal modalidade de investimento se

reagrupa em dois tipos: uma relação de tipo passional (polo bulímico) ou uma

atitude de evitação e retirada dos investimentos (polo anoréxico). O autor, de

acordo com Brusset e Selvini-Palazzoli‡, também entende a Bulimia como

primária: “o fantasma bulímico está sempre presente por trás de qualquer conduta

anoréxica” (Jeammet, 1999a; p.45)(52) - explicando que se tornaria “restritiva”, isto

é, passando ao polo anoréxico, a fim de esquivar-se da “fome de boi” que a

domina. Esse raciocínio revela a natureza compulsiva e aditiva também da AN,

entendida como forma de negação da compulsão bulímica, partilhando ambos os

transtornos da mesma natureza aditiva.

Segundo Couvreur e Jeammet (1999b; p.132)(53) os autores J. Kestemberg,

E. Kestemberg e S. Decobert (1974)§ teriam descrito o “arranjo perverso” da

relação de dependência, de escravidão, a relação de objeto e a neo-identidade

como comuns às toxicomanias, anorexias e bulimias, com variações nas formas,

* Selvini, M (1965). Interpretation of mental anorexia. In: Symposium of Göttingen. Stuttgart: Georg Theme

Verlag. † A má diferenciação sujeito-objeto pode remeter ao que, nos termos da teoria lacaniana, referimos aqui como

não separação do Outro primordial, materno. ‡ Selvini-Palazzoli (1965). Interpretation of mental anorexia. In: Symposium of Göttingen. Stuttgart: Georg

Theme Verlag. § Kestemberg, J. Kestemberg, E., Decobert, S. La faim et le corps. Paris: PUF, 1974.

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50 Fundamentação Teórica

porém sendo neles igualmente importantes os estados de falta e satisfação, e daí

a dificuldade em abandonar tais comportamentos. Jeammet (1999b; p.134-136)(52)

e McDougall(50) também aproximam ambos os transtornos: em lugar da presença

de uma chamada “estrutura psíquica” específica encontram-se a personalidade

vulnerável e o funcionamento mental instável, sendo denominadores comuns as

Bulimias e Anorexias, e enquanto condutas aditivas, chamadas pelos presentes

autores de condutas “atuadas”.

A frase seguinte resume o ponto de vista de Brusset: “a anoréxica sofre no

profundo desamparo que ela se esforça por negar” (1999; p.52), bem como a clara

descrição de Schevach (1999; p.100)(56):

Esse curto-circuito do pulsional, a descarga direta no ato omitindo o

processamento psíquico, apresenta certa semelhança com o ato

psicopático como modo privilegiado de resolver os conflitos, mas

diferentemente desse, a agressividade e a destruição dirigem-se ao

próprio corpo e a si mesmo em lugar de dirigir-se à sociedade. Por

outro lado, a urgência desmedida em obter a satisfação, a intolerância

a todo tipo de limites, a inversão de valores, sugerem um estado

maníaco, estado que, por sua vez, remete à melancolia (2003; p.100).

Nas palavras de Brusset, trata-se da “problemática da perda do objeto, de

sua recuperação, do triunfo sobre o mesmo através do desmentido onipotente da

dependência e da depressão” (2003; p.100).

Encontramos em várias passagens de tais autores, ligada à raiz destas

patologias, a angústia de desamparo; em outras várias passagens, “o abandono”

como aquilo que se esforça por negar, e cujo rechaço em aceitar (a castração, o

desligamento da relação arcaica com a mãe) resulta na ligação aditiva a um objeto

externo, oral, que o tampone. Entendemos que tal desamparo é, portanto,

vivenciado por esses sujeitos como “abandono”, relação que é válida para as

modalidades de relação “aditivas”, seja qual for o objeto revestido de tal caráter:

comida, ou droga.

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Fundamentação Teórica 51

3.3 Desamparo e a questão abandônica

O termo “neurose de abandono” foi introduzido por Germaine Guex,

(1984)(57) em obra homônima publicada originalmente em francês, relatando

pesquisa sobre os efeitos do abandono em indivíduos adultos desenvolvida sob a

orientação de Daniel Lagache. O termo, do qual se originou o neologismo

“abandonique” (abandônico) foi utilizado para designar um quadro clínico com

sintomatologia específica até então não descrita na nosografia das neuroses, qual

seja: pacientes que, acreditando terem sido privados dos cuidados maternos,

sujeitos marcados pela fantasia de abandono apresentavam o estado psíquico

dominado pela angústia de abandono e repercussões psíquicas idênticas às

encontradas empiricamente nos sujeitos que efetivamente vivenciaram frustração

na realidade dos cuidados pelos pais, estudados por Spitz e Bowby. Guex

encontrou a constante demanda de amparo e segurança frente ao que denominou

“angústia de abandono” em fenômenos clínicos não caracterizados pelos conflitos

edipianos, como as neuroses clássicas (psiconeuroses), e sim por uma

insegurança afetiva fundamental. A antiga divisão freudiana é útil no entendimento

dos fenômenos denominados conflitos abandônicos; estes, assim como as

Anorexias/Bulimias e adicções podem ser compreendidos mais do lado das

Neuroses Atuais que das psiconeuroses, ressaltando a característica pré-edípica.

Encontramos ressonância a esta ideia em Laplanche e Pontalis (1985;

p.380)(58) ao afirmarem que nesse caso também “trata-se de uma neurose cuja

etiologia seria pré-edipiana”. Ao contrário das consequências psíquicas do

abandono vivido na realidade, descritas por Spitz e Bowlby nos estudos sobre

Depressão anaclítica e Hospitalismo realizados nos anos quarenta, os indivíduos

acometidos de tal problema não necessariamente sofreram abandono. Estes

foram descritos por Guex por “abandônicos” (abandonnique, o termo original em

francês), termo que melhor se aplicaria para distinguir dos indivíduos

“abandonados”, dando relevo à dimensão de realidade psíquica, e não objetiva,

como explica a autora:

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52 Fundamentação Teórica

O termo “abandonado” tem o inconveniente de dar ao abandono uma

realidade por demais objetiva. (...) Além disto, todos os seres

realmente abandonados não se transformaram obrigatoriamente em

neuróticos, muito pelo contrário, e felizmente! O termo abandonnique

parece-me, portanto, mais apropriado para designar o neurótico do

qual nos ocupamos, ao despertar a ideia de um estado psíquico

dominado pela angústia do abandono, e não a de um fato familiar e

social que tenha, obrigatoriamente, uma realidade objetiva” (Guex,

1984; p.23).

A autora enxergou nesses indivíduos, tomados por estado de angústia,

agressividade, sentimento de menos-valia e masoquismo, a particularidade de não

apresentarem tais sintomas ligados às neuroses edípicas, mas sim caracterizados

por um estado psíquico, como acima mencionado, pré-edípico, dominado pelo que

chamou de “angústia de abandono”. Constitui ponto importante no que visamos

ressaltar, que a questão com o desamparo e abandono está descrita acima por

outros autores enquanto relacionados aos quadros alimentares e também aditivos

(Capítulo 3).

Guex teria verificado, em sua experiência clínica com adultos,

repercussões psíquicas idênticas, “quer o indivíduo tenha sido frustrado na

realidade, dos cuidados, atenções e amor dos pais, quer tenha acreditado sê-lo”

(p.23).

Reconhecendo dificuldades na sustentação de sua descrição como uma

neurose específica, Guex reformulou algumas ideias iniciais, substituindo então o

termo para “Síndrome do Abandono”. Ainda que a autora tenha sido esquecida, e

seu constructo “neurose” ou “síndrome” pouco utilizado, o termo “abandônico”

seguiu em uso corrente para designar a presença central dessa angústia para

sujeitos marcados pelo “desamparo”.

É curioso observar que, na descrição dos abandônicos, encontramos as

seguintes características: atitude afetiva materna sentida como “recusa de amor”,

à qual os sujeitos descritos por Guex responderiam por meio de um voraz apetite

e expectativa de amor, à semelhança da descrição lacaniana: na anorexia mental

trata-se de um voraz apetite de amor. Consoantes com a descrição de Lacan

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Fundamentação Teórica 53

para a anorexia mental, eis as palavras de Laplanche & Pontalis(58) sobre a

síndrome do abandono: "necessidade ilimitada de amor, manifestada de uma

maneira polimorfa que a torna irreconhecível, significaria uma procura da

segurança perdida, cujo protótipo seria uma fusão primitiva da criança com a

mãe”.

De acordo com os autores citados, nas adicções – por drogas ou alimento -,

o substrato da busca de tal objeto corresponde à mesma “fusão primitiva da

criança com a mãe”(48, 50). No mesmo sentido da experiência do vivido como

recusa do amor materno, fazendo alusão à questão do apetite excessivo, dirá

ainda Guex segundo Laplanche & Pontalis (1985)(58): “por fim haveria que invocar

um fator constitucional psico-orgânico (“gula” afetiva, intolerância às frustrações,

desequilíbrio neurovegetativo)” (p.381). O termo “gula” evoca a “fome de boi”, e

“gula afetiva” evoca diretamente a concepção de Bulimia de Brusset, tanto como

as contribuições de seus contemporâneos supracitados. Há outra passagem de

Brusset relacionando gula e abandono: em referência à leitura winnicottiana da

“gula da criança como reação antissocial relacionada à busca do ambiente

primário perdido”, comenta o que se passa nos episódios de compulsão bulímicos,

novamente referindo-se à “frequente dimensão de abandono” (2003; p.138).

De forma muito resumida, vale fazer menção à perspectiva de tratamento,

sob o entendimento de Brusset (2003)(59), McDougall e demais autores

comentados, qual seja:

Em cada caso, a partir dos fenômenos de transferência, as

reconstruções do que puderam ser as inter-relações precoces da

criança e dos pais podem apoiar a análise do que aparece como falha

da constituição e principalmente da elaboração das relações de objeto

e do ego em sua função organizadora da atividade psíquica (p.171).

De acordo com essa perspectiva teórica, que suspende entidades

nosográficas para dar relevo às modalidades de investimento e às relações de

objeto, compreendendo a Anorexia e Bulimia como dupla antagonista e focando

nas questões psíquicas, a análise que esboçamos no presente trabalho é

transdiagnóstica, referindo-se ao que está em jogo no plano subjetivo e à vivência

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54 Fundamentação Teórica

dos pacientes, que se revela nos núcleos de sentido encontrados nas categorias

empíricas.

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- 55 -

4. RECURSOS

METODOLÓGICOS

Não são as coisas que interessam ao pesquisador qualitativo

mas como elas ganham significação.

Turato

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Recursos Metodológicos 57

Ainda que uma súmula dos procedimentos esteja descrita no Artigo 2,

optamos aqui por fazer uma descrição pormenorizada da pesquisa, do campo

estudado e dos meios pelos quais tais resultados foram alcançados, a fim de

permitir o esclarecimento do estudo a partir de seu desenho, bem como sua

replicabilidade.

4.1 Sobre o método

O método clínico-qualitativo e a justificativa de sua utilização neste estudo

são esclarecidos em grande parte pela citação a seguir.

o método que aqui falamos não se situa apenas sob os referenciais

paradigmáticos convencionalmente usados na sociologia

compreensiva e na antropologia cultural, mas a partir deles (...) busca

lançar mão de conceitos emprestados, ou melhor, deliberadamente

buscados na prática clínica histórica e na psicanálise, para marcarem-

se o desenho da pesquisa, a definição dos pressupostos e objetivos,

a construção e aplicação dos instrumentos auxiliares em campo e,

finalmente, a interpretação dos resultados do trabalho clínico-

qualitativo (60).

Quanto aos “referenciais paradigmáticos” oriundos da sociologia

compreensiva e antropologia cultural, e ao que delas o método clínico-qualitativo

conserva se diferencia, descrevemos abaixo:

Observações sobre a pesquisa qualitativa e método adotado

Com Minayo (1999)(61) e Turato (2011)(60), entendemos a pesquisa

qualitativa como o que visa aprofundar, revelar, descrever, analisar, mas sempre

se tratando de compreender, e compreender implica significados atribuídos.

Segundo Minayo & Sanchez (1993)(62), a corrente compreensivista nas Ciências

Sociais é mãe das abordagens qualitativas e ganhou legitimidade na medida em

que métodos e técnicas foram sendo aperfeiçoados, visando particularmente

abordar os problemas humanos e sociais; por exemplo, as concepções sobre

saúde/doença; tratamento, adesão, abandono, vivências. Assim, “envolvem uma

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58 Recursos Metodológicos

complexa interação entre os aspectos físicos, psicológicos, sociais e ambientais

da condição humana e de atribuição de significados”(61).

O método adotado se assenta sobre o campo da subjetividade e do

simbólico, tomando os sujeitos como ‘atores sociais’ pensados na cultura em que

se encontram inseridos. Emprestamos a visão de Minayo (1999; p.15)(61) para

clarear a noção de cultura, solo no qual se assentam os significados visados na

pesquisa qualitativa em saúde:

Cultura não é um lugar subjetivo, ela abrange uma objetividade com a

espessura que tem a vida, por onde passa o econômico, o político, o

religioso e o imaginário. Ela é o locus onde se articulam os conflitos e

as concessões, as tradicções e as mudanças e onde tudo ganha

sentido, ou sentidos (...) nunca há apenas um significado.

A pesquisa qualitativa, baseada no entendimento da natureza humana do

seu objeto, assume e valoriza o papel fundamental do método como “meio de”

construir o dado (que é assumido não como dado, a priori, mas como construído).

Esse método revela-se fundamental para a captura daquilo que é mais importante,

coerente ao seu objeto visado enquanto pertinente à cultura – demandando,

portanto, “compreensão”, que, em tese, escaparia ao conjunto de procedimentos

do método experimental, coerente para a explicação dos fenômenos da natureza.

Assim, Denzin & Lincoln (1994; p.191)(63) definem:

A pesquisa qualitativa é multimetodológica quanto ao foco,

envolvendo uma abordagem interpretativa e naturalística para seu

assunto. Isso significa que os pesquisadores qualitativistas estudam

as coisas em seu setting natural, tentando dar sentido ou interpretar

fenômenos das significações que as pessoas trazem para elas.

Nesse tipo de pesquisa, não se pretende a generalização dos resultados,

mas tão-somente o aperfeiçoamento da análise de determinado problema em

condições específicas. Diferentemente do paradigma positivista, que estabelece

generalização a priori, a generalização se dá a posteriori, eventualmente pelos

leitores, que conceitualmente se apropriam do conhecimento que ela produz.

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Recursos Metodológicos 59

O método adotado constitui-se em uma variação da pesquisa qualitativa

aplicada ao campo da saúde que passou a ser conhecido como método clínico-

qualitativo e tem como principais características, que aqui resumimos a partir das

concepções de seu expoente Turato (2011)(60): a atitude clínica do pesquisador,

que desde o recorte de seu objeto se debruça sobre questões ligadas aos

processos saúde-doença. O pesquisador, em geral já engajado por trabalhar em

seu campo de pesquisa, movido por sua relação com a clínica e a terapêutica,

adota a escuta qualificada, que inclui a dimensão da subjetividade do indivíduo

estudado. A partir das influências teórico-epistemológicas da Hermenêutica e da

Fenomenologia, no método clínico-qualitativo é valorizada a atitude existencialista

do pesquisador, de forma que sua relação com a clínica funciona como causa e

força motriz da pesquisa. Este, preocupado com as angústias e ansiedades

humanas, inclina seu olhar e escuta sobre os fenômenos estudados com vistas a

buscar “conhecer cientificamente o particular” (64).

Quanto à dimensão do objeto de estudo, no que corresponde aos

“significados”, vale recordar que este constitui seu cerne, no sentido do objeto

conceitual; daí a adoção do método clínico-qualitativo e seu principal instrumento

de coleta, que favorece a apreensão do significado pela interpretação do

pesquisador-instrumento, das experiências relatadas pelos sujeitos/participantes.

A definição de significado de Lalande (1993, p.394)(65), utilizada por Turato (2005,

p.97)(66), contribui para melhor compreensão do recorte do objeto: “o que aparece

à consciência, o que é percebido, tanto na ordem física como psíquica”, o que nos

diz da perspectiva fenomenológica. O método clínico-qualitativo, herdeiro da

tradição compreensivista de pesquisa, por sua vez, agrega, a suas influências

filosóficas e das ciências sociais, elementos provenientes do campo da clínica,

trazendo influências vindas da medicina, da psicanálise e da psicologia médica.

Assim, constitui método que visa “melhor conhecer os sentidos e significados que

as pessoas trazem para os fenômenos relativos às questões da saúde

doença.” (64)

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60 Recursos Metodológicos

Sobre o campo e o período de aculturação na pesquisa clínico-

qualitativa

Turato recomenda as visitas de aculturação e ambientação como o primeiro

passo dos procedimentos da etapa de campo que, no caso do método clínico-

qualitativo, corresponde ao “estabelecimento de relações com os habituais do

ambiente (equipe de saúde, burocratas, usuários)” (2011, p.341) e sua função. Em

suas palavras: “(...) pressupõe uma relação contínua entre duas culturas: a do

indivíduo que migrou sofre mudanças variáveis através de um processo de

assimilação em virtude da cultura que o recebe” (2011, p.344). No contexto da

pesquisa clínico-qualitativa, o termo “aculturação” já se distanciou de como foi um

dia compreendido nas Ciências Sociais, como modos de aquisição de uma cultura

ou seus aspectos em detrimento de outra de modo involuntário; correspondendo,

no método que utilizamos de forma técnica e pragmática, a “adaptar-se às

condições espaciais e temporais do lugar (...) à lógica do campo no qual o

pesquisador vai realizar sua tarefa” (60). Porém, mais que isso, entendemos que o

termo visa chamar a atenção para as diferenças e barreiras culturais existentes

em macro ou microcosmos existentes dentro de uma sociedade, e que isso não

diz a priori de seu funcionamento. Isto é, seu modus operandi não é algo natural, e

sim construído ali como “fato social”, cuja noção de Émile Durkheim (1972; p.5)(67)

é útil resgatar:

Existe toda uma gama de nuanças que, sem solução de continuidade,

liga os fatos de estrutura mais característicos a estas livres correntes

da vida social que não estão ainda presas a nenhum molde definido.

O que quer dizer que não existem entre eles senão diferenças no

grau de consolidação que apresentam. Uns e outros não passam de

vida mais ou menos cristalizada (1972; p.5).

A ideia de “fato social” auxilia no entendimento de que nosso objeto de

estudo é também construído na relação entre pesquisador e sujeito pesquisado;

de que os atores que passam a ser pesquisados revelarão aspectos do objeto

pesquisado, com a condição de que o pesquisador “deixe-se aculturar”, isto é,

permita que seus olhos se abram para o novo e deixe-se atravessar-se pela

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Recursos Metodológicos 61

cultura do microcosmo pesquisado, para que extraia desse encontro o “dado”

qualitativo, a partir disso que ele “cristaliza” do vivenciado.

A aculturação, então, supõe que o pesquisador, cuja percepção constitui

importante ferramenta de coleta, suspenda seus conhecimentos e julgamentos a

priori. Também importado da Antropologia Cultural, o termo “estranhamento do

familiar” tem sua aplicação ao método e conserva mais do sentido original. No

presente caso, a cada abandono que se apresenta, uma falta se instaura, um

silêncio da ausência pode se reapresentar. Vale dizer, a própria característica do

objeto de estudo favoreceu os constantes exercícios de aculturação e

estranhamento do familiar, mesmo concluída a etapa de campo da pesquisa,

seguindo no “campo”, este sim, infinito de sentido, aberto e instigante, dos dados

colhidos, desacomodando constantemente os significados que pudessem se

antecipar pela inserção prévia da pesquisadora em seu campo de pesquisa.

De acordo com a metodologia adotada, é na etapa de campo que se dá o

essencial, nele acontece o meio de acessar os dados: a interação entre o

pesquisador e os sujeitos pesquisados. Na pesquisa qualitativa, então, entende-se

por campo a abrangência, desde o recorte teórico até o objeto de investigação(61),

tal como será recortado por cada desenho de pesquisa, por cada olhar de

pesquisador. São componentes fundamentais do trabalho de campo no método

adotado: as entrevistas e a observação participante, que são coletadas pelas

ferramentas da percepção do pesquisador “aculturado”, e do Diário de Campo,

conforme serão descritos nos itens a seguir.

4.2 Descrição da etapa de campo da pesquisa

Os itens abaixo correspondem à descrição detalhada dos procedimentos de

coleta e análise dos dados:

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62 Recursos Metodológicos

Descrição do campo e objeto estudados

Após aprovação do Projeto no Comitê de Ética em Pesquisa local (vide

Anexo 1), a etapa de campo da pesquisa teve início nos contatos formais com a

coordenação do serviço, apresentando os objetivos da realização do estudo e

dando início ao processo de “aculturação” do pesquisador no campo a ser

estudado.

Uma vez apresentado o projeto à equipe, com sua colaboração foi obtida a

relação de registro dos casos tidos como de abandono, o que supõe os critérios

anteriormente aplicados pela equipe, e não pelo pesquisador, acima

apresentados.

A seguir, foram realizadas entrevistas com três voluntárias para

experimentar e aprimorar o roteiro, material que não foi incluído no corpus da

pesquisa; fazendo parte somente dos objetivos do período de aculturação, embora

indiretamente tenha contribuído para o conhecimento do objeto de estudo,

influenciando a capacidade interpretativa do pesquisador, conforme prevê o

método clínico-qualitativo. Nesse primeiro tempo de aculturação, foi fundamental à

pesquisadora o exercício do “estranhamento do familiar”(68), dada sua inserção

prévia como psicóloga no serviço pesquisado, e inaugurou-se o uso do Diário de

Campo registrando-se observações ao longo de toda a etapa de campo, que teve

a duração de quatro meses; não somente impressões e dados das consultas a

registros de prontuários, mas principalmente do contato com os pacientes, com a

equipe, e também aspectos que saltavam aos olhos, desde os contatos telefônicos

à situação da entrevista; tais como aspectos explicitados pelos participantes, por

exemplo, em alguns casos, para que a entrevista não fosse realizada em casa e

os motivos para isso.

Descrição do serviço

O campo, no sentido estrito, referiu-se ao Ambulatório de TA do

Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências

Médicas da Unicamp, atualmente chamado Grupo Interdisciplinar de Assistência e

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Recursos Metodológicos 63

Estudos em Transtornos Alimentares (GETA), funciona às segundas-feiras pela

manhã no segundo andar do Hospital das Clínicas, prestando atendimento

especializado a adolescentes, a partir de 12 anos, e adultos. A equipe

multidisciplinar inclui psiquiatras assistentes, endocrinologista, nutricionistas,

psicólogos e psicanalistas – estes últimos atendem individualmente ou em grupo

aos pacientes e seus familiares –, além dos médicos residentes que passam pelo

serviço em supervisão constante.

A proximidade do serviço, pelo fato de a pesquisadora participar desta

equipe realizando atendimentos individuais aos casos indicados, não constitui

empecilho metodológico, uma vez que na abordagem clínico-qualitativa

pressupõe-se o “pesquisador participante”, sendo permitida e legítima sua imersão

e engajamento prévios em seu campo de pesquisa; o que não deve, porém, ser

feito sem atitude cautelosa e cuidados éticos. Vale relatar o papel importante

cumprido pelo período de “aculturação” e o necessário exercício do

“estranhamento do particular”. A mestranda havia de passar a ter, na medida do

possível, o olhar de pesquisadora sobre um universo familiar, embora o campo

propriamente dito tenha se dado fora desse espaço físico, compondo-se no

sentido mais amplo, no “território” das vivências do abandono e do tratamento.

De acordo com a concepção da metodologia adotada, o campo, no sentido

amplo, abrange desde o recorte teórico do objeto de investigação, até o território

mais amplo das vivências dos participantes de abandono e tratamento em

Transtornos Alimentares. Caracteriza-se assim também pelo “encontro com os

sujeitos/participantes”, desde o rapport telefônico até os momentos que se

seguem às entrevistas. Nesse âmbito, foi aprimorado o instrumento de coleta de

dados e iniciado o período de aculturação ao campo de pesquisa.

Construção da amostra

Foram aplicados os seguintes critérios de inclusão para a composição da

amostra: pacientes com 18 anos ou mais que tenham sido diagnosticados com TA

quando em tratamento no GETA/Ambulatório de TA do Hospital das Clínicas da

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64 Recursos Metodológicos

Unicamp, de acordo com os critérios do DSM IV-TR* e que tenham abandonado o

tratamento ambulatorial neste serviço há pelo menos um ano. Aplicados, por sua

vez, os seguintes critérios de exclusão: apresentar diagnóstico inconcluso,

limitações intelectuais que comprometam a validade dos dados e ter sido atendido

pela pesquisadora em psicoterapia.

A amostra, a partir de tais critérios, foi encerrada com nove entrevistas, por

critério de saturação dos dados. Finalmente, como já mencionado, um participante

foi excluído da análise devido a falhas técnicas na gravação, totalizando o

conjunto das entrevistas com oito participantes, o que não interferiu na saturação

das informações e é apresentado no Quadro 1 (vide Anexo V). Contando as três

entrevistas do período de aculturação, duas deste sujeito que foi excluído, os oito

participantes componentes do corpus, o pesquisador escutou doze voluntários, no

total do conjunto. Porém, foram analisadas somente as oito entrevistas – com os

participantes que vieram a efetivamente compor a amostra, realizadas em dez

encontros - uma vez que com dois destes participantes, fez-se necessário dividir a

entrevista em dois encontros†. Com os participantes P2 e P8 se fizeram

necessários dois encontros, seguidos, em intervalo de tempo de uma semana, em

função de suas características e cuidados éticos e manejo das angústias

mobilizadas conforme recomendações e cuidados éticos do método clínico-

qualitativo.

Os participantes escutados são em sua totalidade do sexo feminino, pois no

universo pesquisado, isto é, na relação fornecida pelo serviço, no grupo dos

pacientes que abandonaram não havia homens - o que se pode atribuir não à

ligação do sexo com o abandono, mas sim à conhecida relação entre TA e o sexo

feminino e sua maior prevalência. A descrição da caracterização dos participantes

do estudo, na amostra estudada, pode ser visualizada no Quadro 1 (Anexo V) e

será descrita e comentada no Anexo VI.

* Edição vigente durante a realização do estudo. † Isto se deu em função de necessidades apresentadas por tais participantes de falar

exaustivamente de suas vivências, assim como pelo respeito aos cuidados éticos acima descritos, e previstos no decorrer da pesquisa.

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Recursos Metodológicos 65

Coleta e registro de dados

Devido ao fato de nossa amostra intencional ser constituída por voluntários

que abandonaram o serviço, não lhes foi oferecido esse espaço para ambiente

das entrevistas. Estas, em sua maioria, foram realizadas no domicílio dos

participantes, por sugestão e oferta da pesquisadora, a fim de evitar eventuais

vieses relativos ao ambiente do serviço “abandonado” e qualquer

constrangimento aos participantes, bem como visando melhor adesão à

participação na pesquisa. Foi previamente averiguado se havia local privado,

adequado em sua estrutura física, que minimizasse interferências possíveis na

pesquisa, e não causasse qualquer espécie de exposição ou constrangimento.

Mediante consulta prévia durante rapport telefônico, somente em dois casos

os participantes manifestaram preocupação com exposição ao olhar familiar e a

liberdade para falar do tema nesse ambiente, e outro local privativo e silencioso foi

oferecido para as entrevistas. Ao passo que, refletindo a particularidade de cada

sujeito, vale descrever que outro participante, por sua vez explicitou, no início do

encontro, sua escolha pela casa a fim de que a pesquisadora testemunhasse seu

ambiente doméstico de privacidade escassa, verbalizando a interpretação de

possível relação de seu TA com tal falta de privacidade e o sentimento de

exposição ao olhar. Ambos os que se deslocaram não aceitaram ser ressarcidos

do valor relativo ao deslocamento, relatando sua satisfação e gratidão em

contribuir com a pesquisa, bem como seus benefícios pela oportunidade de

reflexão e interlocução promovida pela situação da entrevista. A pesquisadora

deslocou-se a municípios vizinhos e a outro estado para realizar as entrevistas.

A partir da listagem fornecida pelo serviço foram aplicados os critérios de

composição da amostra e realizados os contatos telefônicos. Todos os sujeitos

foram acessados por essa via, pela qual foram agendadas as entrevistas, não sem

várias recusas e manejos que foram sendo apreendidos como necessários, e ao

mesmo tempo, davam a ver aspectos do funcionamento escutado de tais sujeitos,

no sentido do alcance visado pelo método, anotados também em Diário de

Campo.

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66 Recursos Metodológicos

As entrevistas semiestruturadas constituem o principal instrumento de

coleta de dados na pesquisa qualitativa, sendo a técnica mais utilizada no trabalho

de campo. São instrumentos interativos complexos, em que o investigador não

deveria – e de fato não pode – controlar variáveis emocionais, cognitivas e

comportamentais. (...) A validade do instrumento de coleta refere-se à sua

capacidade de revelar a verdade, permitindo emergir conteúdos que espelham a

realidade(69). Constituem, por sua vez, um tipo de recurso metodológico que se

presta a ser meio de acesso à subjetividade dos informantes, ao ponto de lograr

captar a atribuição de significados e valores dos participantes em sua experiência.

Seu uso na aplicação clínica da pesquisa qualitativa supõe reconhecer e valorizar

as angústias dos sujeitos, tendo elementos psicodinâmicos como ferramenta.

Assume-se, de acordo com os pressupostos da metodologia, ser um meio de

“construção do dado”. No uso desse instrumento, é facultado ao pesquisador

excluir ou incluir perguntas que julgar pertinentes durante a entrevista. Assim, elas

tiveram duração variável, em média uma hora e meia.

4.3 Técnica de tratamento dos dados

Salientamos que, por tratar-se de pesquisa qualitativa, a priori, as

características sociodemográficas dos participantes não constituíram alvo de

análise, sendo, porém, descritas (Anexo VI) e mencionadas na discussão dos

resultados quando encontrado nexo de sentido entre as entrevistas e tais

aspectos.

Foram realizadas reiteradas escutas do áudio e leituras da transcrição das

entrevistas, atentas aos sentidos recorrentes nos relatos, bem como a significados

latentes, núcleos de sentido estruturantes encontrados no todo do discurso, e,

sobretudo à implicação do sujeito da enunciação. Esta supõe, de acordo com a

visão da escola francesa de análise do discurso, por sua vez, também influenciada

pela psicanálise assim como o método por nós adotado -, considerar a posição

subjetiva do entrevistado. Isto é, não somente seu enunciado, mas por meio de

indícios observados na situação da entrevista e marcadores discursivos, considera

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Recursos Metodológicos 67

também a posição do sujeito em relação ao seu enunciado. Vale referir como

fundamentos teóricos da visão de discurso abaixo citada, na qual sentido e

linguagem constituem relações econômicas e sociais(70), nas visões de

Maingueneau (1987)(71) e Orlandi (1994 e 2006)(72-73):

“Ver a língua de um ponto de vista discursivo é, portanto, ir além dos

horizontes dados pela gramática. Nos discursos produzidos pelo

homem está toda a sua história, aquilo que foi dito e foi silenciado

(que, entretanto, podemos recuperar pelas marcas, pistas deixadas),

as relações de interação, de intercâmbio e também as relações de

oposição, polêmicas e antagonismos estabelecidos. Enfim, as

relações de poder, de dominação, de alianças, de silenciamentos.”(70)

(Brandão, 2004).

O trabalho de análise, já a partir do recorte das falas, deu-se em diferentes

etapas buscando levantar categorias escutadas por enunciação. Teve também por

base critérios de repetição e saturação dos núcleos de sentido encontrados

mediante exercício de validação dos resultados e das categorias de conteúdo

encontradas, a seguir descrito. Tais categorias, organizadas sistematicamente,

constituem categorias empíricas, oriundas dos núcleos de sentido emergentes do

trabalho de campo, principalmente nas entrevistas, encontradas como seus eixos

estruturantes, acrescidas das observações do Diário de Campo. Procedeu-se

então à etapa de interpretação dos resultados fundamentada no referencial

psicodinâmico.

A validação na revisão por pares deu-se em distintos níveis, com

discussões acadêmicas, dos planos locais aos mais externos, no Laboratório de

Pesquisa Clínico-Qualitativa, nas Semanas de Pesquisa da Faculdade de Ciências

Médicas (2012), bem como na comunidade científica nacional – XXX e XXXI

Congresso Brasileiro de Psiquiatria (2012 e 2013) e IX Congresso Brasileiro de

Transtornos Alimentares e Obesidade (2013) –, e internacional, no V Congresso

Ibero-Americano de Pesquisa Qualitativa em Saúde (Lisboa, 2012) e no 20th

European Congress of Psychiatry (Praga, 2012), nos quais foram apresentados

resultados preliminares e finais do estudo.

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68 Recursos Metodológicos

4.4 Cuidados éticos e manejo de vieses na pesquisa

O presente estudo seguiu as normas preconizadas pela Declaração de

Helsinque e pelas Resoluções 196/96 e 340/2004 do Conselho Nacional de

Saúde, que regulamentam pesquisas em saúde com seres humanos, sob o

registro FR-354302. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da

Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e aprovado em 17.08.2010, sob o

número 635/2010//CAAE 0493.0.146.000-10 (vide Anexo I).

Os dados foram coletados nas entrevistas mediante leitura e assinatura do

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (vide Anexo IV), ao qual, vale

mencionar, foi acrescentado o seguinte parágrafo por indicação do Comitê de

Ética em Pesquisa (FCM): “Fui informado(a) de que fica garantido o meu direito de

retomar o atendimento no Ambulatório de Transtornos Alimentares do Hospital das

Clínicas, em qualquer momento, caso seja de minha vontade.” Colhidas as

características sociodemográficas, as entrevistas foram coletadas e gravadas em

áudio e posteriormente transcritas na íntegra. A etapa de campo encerrou-se finda

a coleta de dados.

O Anexo II, documento aprovado no CEP solicitou mudança de nome do

projeto, uma vez que, em campo, percebeu-se a necessária evolução do desenho

do estudo, anteriormente limitado aos diagnósticos de AN e BN, justificando a

sugestão de alteração do nome – e portanto, do objeto de estudo –, de "Anorexia

Nervosa e Bulimia Nervosa" para "Transtornos Alimentares". Esta alteração

respondeu à preocupação com o rigor científico e a fidedignidade dos resultados,

pois, sendo critério de inclusão ter abandonado o tratamento há mais de um ano,

já não se podia afirmar que as entrevistas seriam provenientes de participantes

com AN ou BN, exatamente, devido ao fato conhecido na área, de que estes

diagnósticos mudam conforme o comportamento alimentar, práticas purgativas,

IMC, dentre outros critérios que sofrem mudanças rapidamente, durante ou depois

do tratamento. No contato com o campo de pesquisa, percebeu-se que o que se

pode afirmar, somente, é que estes um dia foram diagnosticados com um TA,

sendo mais adequado esse nome por tratar-se de um grupo de diagnósticos,

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Recursos Metodológicos 69

compreendendo, este sim, sua experiência atual e/ou pregressa,

independentemente do diagnóstico exato que poderiam vir a receber hoje. Tal

percepção obrigou a rever a constituição da amostra, passando a incluir não

somente participantes com AN e BN, mas também outros diagnósticos não

especificados que também compõem o grupo dos TA tal qual descritos na clínica

psiquiátrica.

Quanto ao compromisso ético do pesquisador, foram selecionadas citações

que não permitam identificar os participantes, assinalados por números. Toma

parte deste compromisso a fidelidade aos depoimentos dos entrevistados, quanto

à qualidade da transcrição e com os cuidados no modo de abordá-los. Ressalta-se

que tais cuidados incluíram, no rapport e abordagem nas entrevistas: a

consideração do que se sabe sobre a psicodinâmica de sujeitos assim

diagnosticados e o acolhimento das angústias mobilizadas pela abordagem da

pesquisa, levando-se em conta o fato de terem interrompido o tratamento e a

possibilidade de seguirem adoecidos.

Foram previstas facilidades e dificuldades em sua realização, desde a

permissão dos serviços ao contato com os participantes e a disposição destes em

participar da pesquisa, uma vez que são egressos que interromperam a relação

com o serviço. Aspectos favoráveis: a inserção prévia da pesquisadora nesse

campo de trabalho, facilitando os contatos, a experiência no manejo com esses

pacientes; no mesmo sentido, o interesse da equipe em colaborar na busca de

elementos que ajudem no enfrentamento de dificuldades cotidianamente

encontradas na clínica dos TA. Aspectos desfavoráveis previstos: a presença do

pesquisador investigando fatores relativos ao abandono pode mobilizar afetos

persecutórios na equipe ou nos pacientes, sobretudo por tocar em relação

interrompida. Podem surgir, de ambos os lados, fantasias a respeito de eventuais

críticas. Tal como entende a metodologia clínico-qualitativa, o pesquisador ativo

leva em conta fenômenos clínicos, angústias em jogo, com o objetivo de realizar

um trabalho que possa lançar luzes nos problemas a serem tocados pela

pesquisa, e deve estar atendo a escutar de que maneira tais elementos se

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70 Recursos Metodológicos

relacionam a seu objeto de estudo. Fez-se necessário, no manejo de tais vieses,

trabalhar aspectos imaginários com ambas as partes, esclarecendo sobre os

cuidados éticos e deixando clara a posição de não tomar partido.

A metodologia clínico-qualitativa leva em conta fenômenos clínicos,

angústias em jogo de forma que o pesquisador deve estar atento a escutar de que

maneira tais elementos se relacionam a seu objeto de estudo. Considerando as

dificuldades encontradas na fase de aculturação, frente às seguidas recusas de

participação, impôs-se a necessidade de manejo da situação e das angústias

apresentadas, refletindo em variações da aplicação do roteiro e obtenção dos

dados. Assim, o formato, extensão e número de entrevistas podem variar com

cada participante; os conteúdos refletem sua particularidade, e além de tudo são

mais ricas quanto à fidedignidade do dado.

4.5 Recursos materiais e fontes de financiamento

Dos recursos para a execução deste projeto, alguns eram de propriedade

da pesquisadora (como os gravadores, sendo um digital, para registro e cópia das

gravações), outros provenientes de subsídios obtidos junto a instituições de

fomento de pesquisa, abaixo descritos.

A pesquisa foi realizada com bolsa da CAPES (mestrado/curso

33003017023p6) e com auxílio-pesquisa da FAPESP (2011/20.469-8), obtido

especificamente para o estudo, com a finalidade de dar suporte material à coleta e

registro de dados, especialmente para aquisição de material permanente – um

laptop, que passa a ser propriedade desta faculdade – e pagamento de serviços

de transcrição de gravações, traduções e confecções de pôsteres para

Congressos, prestados por terceiros.

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- 71 -

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A verdade só ganha seu pleno sentido ao fim de uma polêmica.

Não poderia haver assim verdade primeira.

Não há senão erros primeiros

Canguilhem

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Recursos Metodológicos 73

Os significados psicológicos encontrados relacionam-se revelando aspectos

simbólicos do abandono que marcam trajetórias de tratamento vivenciadas e

compostas de modo particular por cada participante, nas quais comparecem com

maior ou menor força os temas apresentados nas categorias, conforme: 1) a

particularidade de sua psicodinâmica 2) cada qual maneja barreiras que se

interpõem ao tratamento 3) mudanças no campo clínico e psicossocial mediante o

tratamento e seus efeitos, com as quais, cada um se relaciona a seu modo, como

p.ex.: arrumar emprego, ganhar peso, começar a namorar, e a própria “melhora

suficiente” dizem da relação possível a cada um com a melhora sintomática.

As entrevistas permitem verificar como os significados encontrados

participam da trajetória dos participantes no tratamento e sua ligação com a

interrupção. Revelam a complexidade do fenômeno estudado e confirmam a

relação com aspectos psicológicos pressupostos, na medida em que as

entrevistas revelam: baixa autoestima, ambivalência, impulsividade, dificuldades

no campo do relacionamento interpessoal, mecanismos de introjeção e projeção

das relações parentais e das questões relativas ao apego/desamparo.

Por sua vez, estes, são encontrados como ligados à psicodinâmica descrita

como “adicção bulímica” segundo a perspectiva de nosso quadro teórico, ligada a

todas as variantes restritivas ou purgativas dos TA: seja no aspecto “vício”

revelando sujeição, dependência, escravidão, recaídas e compulsões, presentes

seja no aspecto “conduta atuada”, seja frente à questão do

desamparo/abandono/apego.

As categorias não são estanques e mostram temas que emergiram

revelados pelos participantes como ligados ao abandono e ilustram a enunciação

que recortam. A primeira parte das categorias é representada por um recorte de

fala literal dos participantes e a segunda, um elemento interpretativo do dado

empírico.

Do ponto de vista do foco psicológico de nosso estudo observou-se que os

diferentes graus de remissão do quadro encontrados revelam-se suportados na

medida em que cada qual avançou em beneficiar-se dos efeitos do tratamento no

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74 Resultados e Discussão

sentido de superar o funcionamento “objetal anoréxico/bulímico”(74) “escravidão ao

vício”, pôde-se desembocar em abandonos mais ou menos próximos da

remissão/”cura” (S3).

Nossa amostra não apresenta casos de não-adesão, dado não esperado.

Não há padronização na literatura, mas utilizamos parâmetros encontrados nos

estudos levantados: seriam assim considerados não-adesão quando ocorrem em

média até a terceira consulta (vide Artigo 1). Já os abandonos, efetivamente, são

classificados em: abandonos precoces, médio e tardio, ou precoce e final. A

maioria dos participantes estudados permaneceu em média entre um ano e um

ano e meio (abandono médio), havendo três casos do que é chamado na literatura

especializada de “abandono tardio” tendo em vista o tempo de permanência de

dois anos ou mais, bem como consideradas as melhoras clínicas e a estimada

proximidade com a alta (vide comentários da amostra Anexo VI).

As sete categorias empíricas estão divididas e analisadas em três grupos,

abaixo enumerados, conforme o modo como emergiram no material coletado. As

categorias principais revelam as duas vertentes de sentido encontradas como

centrais enquanto significados psicológicos do abandono para estes participantes,

e dizem respeito à psicodinâmica ligada ao abandono, portanto, denominadores

comuns a todas as demais: (1); as categorias secundárias relacionam-se

diretamente às centrais e revelam mecanismos que participam do abandono (2).

E, finalmente, em um plano colateral por corresponderem aos significados da

faceta “tratamento” implicada no objeto abandono, as categorias relativas ao

tratamento (3); são núcleos de sentido que correspondem à necessidade de falar

do tratamento para falar do abandono.

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Recursos Metodológicos 75

5.1 Categorias principais relativas ao abandono e seus significados*

5.1.1 "Uma escravidão ao vício, compulsivamente" – dimensão aditiva da anorexia e bulimia

As sequências discursivas revelam a posição subjetiva de assujeitamento

ao vício, o que se nota também na ligação desta à categoria “Anorexia é uma

coisa para a vida inteira” – apego/adesão ao sintoma. A ligação entre este

núcleo de sentido e o seguinte, também no plano da “conduta atuada” e da

psicodinâmica que ambas implicam, pretende-se clarear ao longo deste capítulo.

Vale comentar que estes se refletem em limites à da interpretação das falas desta

categoria, por sua própria natureza de “conduta atuada”, consequências desse

modo de relação, no qual a comida ocupa o lugar de droga, sendo os conteúdos

contundentes o suficiente para demonstrá-lo:

(...) sair dessa vida, sair dessa escravidão que é a anorexia (...) você

se sente uma aliada da doença, escrava da doença (S7)

A pessoa tem que querer (fazer o tratamento) (...) a pessoa sabe que

tem o problema, e não quer. É que nem se fosse um drogado, um

alcoólatra... tem que ter essa vontade de ser alguém na vida. A

doença, a cada dia ela destrói (...). (S8)

Nota-se que a vivência de transtorno alimentar, por sua semelhança a “um

drogado, um alcoólatra” é caracterizada por autodestruição e não consentimento

com o tratamento, apesar da consciência de sua necessidade, os participantes

nos apresentam a lógica do assujeitamento: enquanto houver esta aliança, aliada

da doença, escrava da droga, dessa escravidão que é a anorexia” - como vício -,

haverão maiores barreiras na relação com o tratamento. Por sua vez, a dita

relação dá a ver a relação entre escravidão e controle:

você vê que aquilo perdeu o controle na sua vida, que aquilo tá te

controlando. Tipo um vício mesmo, que você não pode controlar

sozinha! (S5)

* Os sujeitos, de 1 a 7 são doravante identificados por (S) seguido do número que os identifica cfe.

características descritas no Anexo V – Quadro 1 (p.109)

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76 Resultados e Discussão

fica à mercê das próprias condições que a doença estabelece. A

própria doença te faz viver uma escravidão; compulsivamente (...) faz

você viver daquilo: só pensando em comida, em caloria, em exercício

físico, perder peso (...) por isso falo que é uma escravidão. (S7)

se tratar antes de ficar viciada... É como a droga, você começa e não

quer mais parar! Eu encaro isso como um vício. (...) se se acostumar

vai ser muito difícil. (S6)

A consequência da posição de “aliada ao vício” aparece no paradoxo que

mostra sua avaliação consciente, a posteriori:

realmente o tratamento deveria ter se estendido por mais tempo e eu

acabei não me deixando (grifos nossos) terminar o tratamento. (S5)

É interessante destacar o sentido subjacente à sutileza de “acabar não me

deixando”, como alguém que está em luta e “acaba", "termina por...”; “não me

deixar” parece apontar para um não consentir; luta na qual venceu o mestre

projetado na doença e a ilusão de controle que ela oferece.

A categoria principal “Uma escravidão ao vício, compulsivamente” mostra

determinantes psicodinâmicas ligadas ao vício enquanto significado do abandono

e revela um modo de relação à comida como droga, que aponta

particularidades na relação destes sujeitos ao tratamento, quando escravos

da doença, como a uma droga, que devem ser considerados na análise do

fenômeno do abandono. Então, “a escravidão ao vício” constitui um

denominador comum às demais categorias: Anorexia é para a vida inteira,

Melhora suficiente, e Não gosto que as coisas saiam do meu controle,

compreendendo significados psicológicos do abandono encontrados enquanto

barreiras ao tratamento.

5.1.2 "Me senti abandonada, então abandonei” – acting out da fantasia de abandono

A segunda categoria principal apresenta-se claramente ao longo dos

relatos, nas situações descritas e posições percebidas em relação a elas. No

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Recursos Metodológicos 77

conjunto das entrevistas, têm a particularidade de aparecerem raramente

condensadas no conteúdo enunciado de uma fala, como pensamento elaborado e

consciente do que se passou. Isso se deve à sua própria natureza de “ato”, no

sentido do agieren de Freud*. Trata-se de sujeitos – aqui, no sentido do sujeito do

inconsciente - mais predispostos ao ato. Tais sujeitos, enquanto adoecidos,

padecem do empobrecimento relacional e afetivo e vivenciam o relatado

“assujeitamento” ao vício. A posição de “aliada”, “escrava da doença, a mercê da

doença”, é utilizada para dizer de tal compulsão à repetição, terreno no qual se

dão a perda de controle e o acting-out do abandono.

Essa categoria em especial mostra seu conteúdo diluído ao longo dos

relatos, perpassando seja o campo da relação interpessoal, fazendo-se presente

em graus distintos para os participantes. A proximidade que as entrevistas

revelam entre os mecanismos do controle e a representação da permanência

desse estado para toda a vida, é pregnante em todas as entrevistas e sugere que

o aspecto aditivo é central na problemática do TA e interfere na relação com o

tratamento.

Os achados são primeiramente interpretados pelos próprios participantes,

ao atribuir tais significações ao abandono. Vale lembrar que as categorias

principais, “aditiva” e “abandônica”, estão conectadas pelo empobrecimento da

mediação do aparelho simbólico comum a ambas. Devido à particularidade desse

funcionamento, tais questões aparecem também nas entrevistas marcadas pela

carência de elaboração. Entendemos que, consoante à lógica do acting-out, tais

questões reclamam por um tratamento no simbólico ao repetirem-se na relação

com o terapeuta. Vale dizer que, no contexto pesquisado, o termo “terapeuta” não

corresponde somente a quem conduz a psicoterapia, mas àquele com quem

existe um laço, no sentido do vínculo.

À exceção de um, nossos participantes relataram histórias reais ligadas ao

abandono de fato e/ou o que aqui nomearemos “questões familiares”, pois não

* Cfe. descrito no Cap. 3, Fundamentação Teórica.

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78 Resultados e Discussão

necessariamente implicavam em desestrutura familiar, embora em grande parte

dos participantes, mas claramente ligadas a fantasias e conflitos que podemos

entender como abandônicos, à luz da descrição clínica de Guex (57). No caso dos

participantes cujo principal significado do abandono foi tal conflito, é interessante

notar que os abandonos coincidem com uma relação de cuidado interrompida pelo

terapeuta depositário do vínculo mais importante, por razões exteriores ao

tratamento, porém não suportadas pelos sujeitos – aqui destacando a dimensão

subjetiva do participante - marcados pelo desamparo, como revela a fala:

Eu acho que na época eu me senti abandonada (...) Eu me senti

abandonada, então eu abandonei (S8)

E eu também não gostei que (...) mudaram alguns procedimentos (...)

Dra. X não ia mais me atender, ia me encaminhar pra outro (S7).

Devido à característica do acting-out acima apontada, e o empobrecimento

da elaboração a ele ligado, faz-se necessário analisar fragmentos de uma das

entrevistas, isto é, seguir algumas falas de um dos participantes, a fim de

demonstrar o mecanismo e o significado compreendidos.

Outro, que verbalizou a marca de abandono real por parte do pai em sua

história infantil e, ao longo de seu relato, passa a compor tal categoria, não o

relata em um enunciado com a mesma clareza que S7 e S8, por exemplo, mas

fala de tal mecanismo em seu funcionamento, como S6. Tal sujeito se apresenta

nas rupturas das relações, não somente no tratamento, também em outras.

Apercebe-se de tais características em seu relato e nomeia tal mecanismo “uma

neurose”, descrevendo seu sutil mecanismo:

É uma neurose... de que sempre se a coisa tá indo bem,

provavelmente alguma coisa errada... Então, antes que aconteça

alguma coisa, eu já saio fora, eu já sumo. É sempre assim, com tudo:

escola, amigo... Quando eu vejo que tá assim eu já saio fora porque

geralmente acontece alguma coisa errada, eu sei que vai dar

problema. (S2)

Quanto à ligação entre desamparo, questão abandônica e TA, podemos

interpretar em seu primeiro enunciado: “sempre se a coisa tá indo bem...”: quando

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Recursos Metodológicos 79

se liga afetivamente, passa a existir uma relação, fazendo surgir então sua

dificuldade interpessoal, corolário do transtorno e da questão abandônica, que a

seguir se revelará no ato de ruptura: “provavelmente alguma coisa errada...”

Podemos interpretar, sob sua lógica, que a “coisa errada” equivale simbolicamente

a, frente a alguma “encrenca” ou briga, ser excluída, não encontrando um lugar

para si, segundo a repetição da marca abandônica. Indica na série sua repetição:

“É sempre assim com tudo: escola, amigo...”, e também com a Dra. X, com quem

tinha importante aliança terapêutica:

Como eu conversava bastante com a Dra. X, eu me sentia mais leve

por não precisar ficar só... só dentro, só comigo. Mas aí eu não sei...

acho que eu deixei de acreditar que não era possível alguém ficar me

escutando sem alguma coisa errada por trás. (S2)

Relata literalmente uma desconfiança, que aparece descrita por elementos

imaginários e persecutórios na relação com o terapeuta detentor do vínculo. Veja-

se fragmento rico em revelar o mecanismo da repetição na relação transferencial,

na qual reaparece isso que a faz desconfiar de seu não-lugar, momento que

antecede ao ato: A coisa errada por trás....(S2).

O que a impede de ligar-se, interferindo nessa relação de cuidado, é a

fantasia de abandono mesma, clara em sua fala, também quando acrescenta que,

caso fique falando muito de seus problemas,

(...) vai ficar enchendo o saco dos outros. (S2)

mostrando que esta fantasia se compõe da suposição de não ser acolhida nessa

relação, na qual parece antever-se descartada, mediante a reação da Dra. X que,

“de saco cheio”, não poderia suportá-la, no sentido da noção de apoio/holding,

fundamental para o referencial clínico que fundamenta o tratamento dos sujeitos

marcados pelo apego/desamparo. O que se passou na sequência do surgimento

desta fantasia, determinando finalmente sua interrupção, foi o encaminhamento a

internação, necessária em outro serviço, na ocasião, interrompendo tal relação de

cuidado à qual não retornou. Como quem não se vê merecedora desse “amor”,

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80 Resultados e Discussão

amparo emocional, tenta resolver tal conflito na solução de compromisso que

encontra: sua exclusão pela adoção de outrem:

Como sou mesmo ignorante, e vi que eu não ia melhorar, resolvi sair

pra dar lugar pra outra pessoa. (S2)

Revela-se o mecanismo de esquiva, de evitar a angústia nas relações

interpessoais descrito na literatura dos TA, bem como quando deixa seu lugar

para outra. Podemos escutar em seu discurso que esse sujeito age como quem

não encontra um lugar simbólico para sua existência, como quem foi abandonada

e sempre se faz reencontrar com isso nas relações interpessoais e o repete

naquilo que dá corpo à relação terapêutica (agieren). Ao mesmo tempo, põe em

ato no abandono sua demanda de amor, como o que é típico dos indivíduos

marcados pelo desamparo, reiterando em outra sequência:

Eu só parei mesmo porque eu achava que eu estava ocupando o

lugar de outra pessoa (...). (S2)

Mostra-se alienada nessa repetição, embora na entrevista talvez se dê

conta de que tem “uma neurose”, não logrando dizer conscientemente do

verdadeiro motivo, revelando um discurso permeado por contradições, saltando

aos olhos sua desorientação frente ao “não-lugar” no mundo. Com o que se passa

enquanto mecanismo de antecipação do abandono, pelo desamparo vivido, revela

uma história traumática em seus motivos – não somente nos vínculos mais

recentes, “escola, amigo...”, como também na abrupta separação dos pais em sua

infância, quando o pai abandonou a família, nunca mais o tendo visto. Entre

importar-se tanto com o outro, a ponto de ceder-lhe seu lugar, ou no extremo, não

importar-se mais consigo ou com os outros, desemboca na frase que, aliada a seu

estado de desconhecimento, como que explica esse agir aparentemente

imotivado, mas totalmente motivada por sua vivência como sujeito do abandono –

no encaminhamento externo, enquanto acting-out: o ato de “abandonar-se a si

mesma” ao abandonar o outro (o serviço, a Dra. X.) que lhe oferecia suporte para,

através da confiança, via tratamento, sair desse lugar de abandonada e sua

repetição. Este, no entanto, falou mais alto:

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Recursos Metodológicos 81

Eu realmente deixei de me importar comigo ou com os outros

também, que foi quando eu saí da internação... Na verdade nem sei o

verdadeiro motivo. Quando fala assim parece mais que eu abandonei

eu mesma, né? (S2) (grifos nossos).

A dimensão do não se importar consigo, que aparece no “abandono de si

mesma” também presente na fala de outros participantes, caracteriza certo

aspecto depressivo e guarda relação com o limite do ato do “fazer-se abandonar”

implicado no acting-out, no impulso, onde a questão da relação confusa com o

outro é evocada:

não querer mais ser ajudada, né?(...) acho que nesse momento você

já tá se abandonando! (S5)

Para todos os participantes que apresentaram histórico de abandono real,

ou revelado no funcionamento da síndrome descrita por Guex (1984), há

ressonâncias desse fato nos discursos descritos nesta categoria. Todos os

participantes que falam de um vínculo construído e da importância que esse

profissional nomeado adquiriu são justamente estes cuja questão com o abandono

participou de modo relevante em sua interrupção. É fundamental destacar que o

abandono se deu, em todos esses casos, ligado à interrupção do cuidado por

parte desse profissional, por razões como mudança na estrutura da assistência,

rotatividade de residentes, não se tratando de alta administrativa, mas sim de

transferência de cuidados. Os relatos de suas vivências indicam não ter sido

suportado por tais sujeitos que, segundo o entendimento de Brusset, McDougall,

Jeammet (Brusset, Couvreur & Fine (2003),(75) se não tivessem uma questão

ligada ao desamparo e ao abandono, não padeceriam de um transtorno alimentar.

A fala de S8 dá voz a este grupo: sentiram-se abandonados, então abandonaram.

A vulnerabilidade psíquica revelada, bem como suportada pelo referencial teórico

aqui descrito apontam como fundamental considerar, nestas situações, possíveis

nos serviços, cuidado especial e manejo clínico específico de tais questões

quando de necessárias transferências ou interrupções de cuidados.

Ainda relativo a esta categoria, encontramos achados convergentes aos

nossos no estudo qualitativo de Leavey et al. (2011; p.431)(76). Os autores

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82 Resultados e Discussão

verificaram em estudo sobre não-adesão nos TA com amostra de 13 pacientes,

sendo: 7 ingleses brancos e 6 estrangeiros provenientes de etnias e culturas

bastante distintas vivendo em Londres. Os autores descrevem como “ciclo vicioso

do abandono"*, tratando-se de sujeitos que durante a infância se sentiam

rejeitados, não amados e, ao evitar contato com outras pessoas, antecipam/evitam

futuras rejeições. Descrevem em seus achados os TA, para tais sujeitos, como

mecanismo de evitação de sentimentos desagradáveis.

É interessante ressaltar que o termo anglo-saxão “addiction” também pode

significar “adesão” no sentido de “apego”, o que ajudaria a compreender o que

existe como denominador comum em nossas categorias empíricas, bem como o

que McDougall, Brousset e outros teóricos entendem como ligado à função

“aditiva”: suprir um profundo “desamparo”. Leavey descreve-o em termos de um

preenchimento do vazio das relações† (p.12). Assim também o encontramos na

psicodinâmica dos sujeitos que padecem de TA. A fantasia de abandono é

entendida como profundamente ligada ao modo de relação objetal típico das

adicções, inclusive bulímicas, no qual está compreendido o avesso

anoréxico, portanto os quadros de TA. A íntima ligação entre as duas

categorias principais encontradas são esclarecidas à luz da teoria,

permitindo aprofundamento de sua compreensão. As categorias de

conteúdo lidas em seu conjunto revelam ligações entre a psicodinâmica

aditiva encontrada na base do fenômeno do abandono, e o que se encontra

como motivação inconsciente deste ato: a questão do desamparo e seu

correlato, a fantasia de abandono.

Quanto à anorexia e bulimia como quadros correlatos a uma mesma

psicopatologia, vale citar a emblemática fala a seguir, que ilustra a visão de

Brusset da compulsão bulímica, em sua vertente aditiva, como primária e a luta

pelo controle, preponderante em sua psicodinâmica:

* Tradução livre.

† “(…) suggests that she has replaced the vacuum of human relationships with a close intimacy with food—

choosing, buying, and consumption. At some level this connects to a deep ambivalence about overcoming her bingeing, and this suggests she may have been unwilling to pursue treatment to overcome it” (p.431).

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Recursos Metodológicos 83

Eu sou extremo: ou faz uma coisa ou não faz nada. E eu não tenho

controle. Então se eu for para comer, eu sei que eu vou comer,

muito. E aí depois vai pesar muito mais eu comer muito do que eu

não comer nada. Na minha cabeça vai pesar bem menos se eu não

comer nada. (...) você não aguenta comer de tudo um pouco. Se você

for compulsivo... ou você come ou você não come mais. (grifos

nossos) (S1)

5.1.3 Categorias secundárias relativas ao abandono

5.1.3.1 "Não gosto que as coisas saiam do meu controle” – abandono como

alívio

(...) antidepressivo... Parece que você não tá mais controlando mais

suas emoções. (...) Eu não gosto que as coisas saiam do meu

controle(...) (S5)

(...) É como se fosse para o abate: nossa, estou aqui de novo (...)

Tortura. Eu vou ficar aqui até quando? (S1)

Eu me sentia meio sufocada também (...) Então pra mim era muita

pressão, foi mais por isso que eu parei também porque eu não gosto

da minha mãe cobrando (...) me ajudava em várias coisas mas

também me oprimia, de certa forma. E eu sei que... isso... faz mal

pra mim, não querer ajuda, ter abandonado... foi bom mas também

me oprimiu um pouco. (S2)

Manifestam pela palavra sufocar, oprimir o alívio encontrado quando no

abandono se libertam da invasão do olhar uma vez que este é vivenciado como

controle do outro que aumenta pelo fato de estarem em tratamento. Por vezes,

resultando no ato do abandono que visa reverter o controle vivenciado como

perdido; este mecanismo revela sutilezas dos conflitos psicológicos conhecidos

nos TA como dificuldades interpessoais. Trata-se de uma resposta reativa, uma

defesa do sujeito à invasão vivida, sentida como perda de controle. Daí o

entendimento do TA como um “cavalo de Tróia” para defender o Eu da vivência

esmagadora da relação com o Outro. Para McDougall (2003)(50), isso se daria em

função de não terem vivenciado uma separação com internalização possível dos

objetos perdidos, à semelhança dos adictos a substâncias:

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84 Resultados e Discussão

Se você está em tratamento, então você não tem mais privacidade

para fazer nada, você é vigiada toda hora (...) a equipe fala: sua filha

emagreceu (...) Aí começa a ter mais perseguição. (...) Coisas de

cobrança, crítica... em vez de ajudar, só pioram. (S1)

Eu não queria emagrecer. O que eu não queria era ficar gorda. Eu

achava que as pessoas atrapalhavam querendo... cuidar disso. (S3)

Pra mim é muito importante ter o controle da situação. (S6)

Na medida em que o olhar, a vigilância, a invasão são sentidos como

aumentados e associados ao tratamento, ao olhar da família e da equipe, o ato do

abandono gera alívio como se restituísse o controle, sentido como perdido em

certas vivências do tratamento.

É discutido na literatura* o risco de piora, especialmente nas fases

anoréxicas, em abordagens muito estritas. O tratamento é vivido como ameaça de

retirar-lhes o sintoma sem o qual não podem ver-se; seja na visão psicodinâmica,

seja na análise de Leavey et al. (2011)(76) supracitada, ou na de Eivors et al.

(2003)(54) sobre “o controle”, trata-se de defender-se da relação interpessoal

sempre vivenciada com dificuldades a partir da angústia do desamparo e iminente

abandono (caso S2). O olhar da equipe, colocado na série dos olhares materno e

familiar, é vivenciado como maciçamente invasivo. Assim, o tratamento, também

encarnado em uma relação interpessoal com a equipe – esta colocada no lugar de

outro perseguidor, controlador –, dispara a luta pelo controle, aumentando a

vivência de angústia com o olhar sobre o corpo, os comportamentos e os

alimentos “controlados”.

O olhar excessivo sobre os corpos e comportamentos já é realizado

incessantemente por elas mesmas, no funcionamento autoexigente e na visão

distorcida vivenciada na relação de “escravidão”. Esta tende a ser deslocada para

a relação com a equipe. Eivors et al. (2003)(54) discutem o problema das

abordagens mais estruturadas como tendência a reforçar os sintomas (ex.: foco no

ganho de peso, normalização da dieta e das formas corporais) e que o controle é

* O que se encontra referido e discutido detalhadamente no Artigo 1.

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Recursos Metodológicos 85

central no fenômeno do abandono do tratamento em internação na anorexia

restritiva, em função de aumentar a sensação de perda de controle e o sentimento

de passividade e vulnerabilidade, contra o qual lutam tendo o sintoma alimentar

como defesa. Seus achados apontam para a tendência iatrogênica do reforço dos

sintomas. O estudo randomizado recentemente publicado encontrou significativo

aumento da adesão ao comparar terapia cognitivo-comportamental com

abordagem que retira o foco do sintoma alimentar e investe na qualidade de vida e

no suporte emocional(77). O que também é apontado Dale Grave et al. (1993)(78),

Mahon (2000)(79) e Vandereycken & Vansteenkiste (2009)(80).

5.1.3.2 “Anorexia é uma coisa para a vida inteira” – apego/adesão ao

sintoma

Este participante descreve o abandono, significando-o na descrição abaixo:

“Quando você não quer ficar boa(...) Fica procurando um monte de

desculpa (...) Quando você percebe que pode melhorar, e você não

quer, ou tem medo de melhorar. (...) Eu morro de medo! (P6)

Ressurge a dimensão do abandono como alívio, porém revelando sua ligação

ao sintoma:

“Não consigo me ver comer e não vomitar. Parece que vai me

sufocar aquilo, vai me matar se eu comer e não pôr para fora. Sei lá.

Eu acho que por isso que eu abandonei sempre.” (P6)

Observa-se uma ‘naturalização’ dos sintomas alimentares, o que chamam de

“acostumar-se” como algo que passa a compor a identidade; conscientes da

inversão do parâmetro de normalidade se revela a impossibilidade de verem-se

sem tais sintomas.

(...) me acostumei com isso. Eu encaro como um estilo de vida, que

eu vou morrer com isso. (...) não consigo me ver não vomitando. Eu

olho as pessoas que comem normalmente, eu acho que elas que são

diferentes de mim, e que eu sou normal... É muito louco isso, mas é a

sensação que eu tenho! (S6)

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86 Resultados e Discussão

No mesmo sentido explicam o abandono apontando que ante a naturalização

e resignação, a ideia de tratamento perde o sentido:

Pra mim, anorexia não tem cura. Isso é uma coisa para a vida inteira.

(S5)

(...) eu não sei se isso tem cura... pra mim isso não tem cura (...) meu

diretor falou: ‘ela pode ser mirradinha, magrinha, mas ela é uma

gigante naquilo que faz!’ (...) eu fiquei pensando, a anorexia ainda tá

presente ali! (S7)

(...) às vezes eu acho que é uma coisa que vai ser pra vida toda, que

nunca vai ter fim... (S4)

Esse núcleo de sentido guarda relação com o abandono como alívio e,

ademais, na característica do consentir com sua permanência, está em

consonância com a posição de “aliada ao vício”. Tal ligação com a manutenção do

sintoma, sem exceção nos discursos, reflete certa resignação quanto à anorexia

ou bulimia serem algo “para a vida inteira”, o que termina por concorrer com o

tratamento, vencendo a luta pelo controle, por isso o alívio em conservá-lo; tal

apego pode apontar para a psicodinâmica como “protetiva” do Eu, o que, segundo

nosso referencial teórico adotado, é válido para todas as relações ao objeto droga,

seja ele alimentar ou não. Estudos exploram o que encontramos nesta categoria

como “relutância para recuperação”(81). Optamos por descrever tal relação com o

sintoma alimentar como “apego”, pois o que aí se passa é da mesma ordem da

relação, “aditiva”, com o objeto comida. Tal interpretação, à luz dos fundamentos

teóricos, apontam para as três categorias secundárias como barreiras ligadas à

“escravidão ao vício” como mecanismo psicodinâmico subjacente, marcado pela

ambivalência da relação com o tratamento e melhora:

(...) às vezes a gente quer, às vezes a gente não quer (...) eu acho

que é uma coisa que vai ser pra vida toda, que nunca vai ter fim...

porque... posso parar hoje e ficar bem... e daqui a um ano, dois, voltar

a pensar assim de novo! (P4)

Leavey (2011, p.431)(76) também encontra nos voluntários de seu estudo

profunda ambivalência na indisposição para prosseguir o tratamento, destacando

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Recursos Metodológicos 87

em suas conclusões o TA como “estratégia de enfrentamento”; conforme

apontado, discute a ambivalência no mesmo sentido. A literatura psicodinâmica

explica a função defensiva e protetiva do Eu das condutas alimentares, alertando

para sua importância na vida desses sujeitos, e a reação depressiva, de violência

ou de ruptura que sua retirada pode acarretar. Os achados empíricos de Leavey et

al. (2011)(76) e Nordbø et al. (2012)(81) são convergentes aos nossos, quanto ao

que o último autor chama de “relutância na recuperação”. A revisão de literatura

de Espíndola & Blay (2009)(82) localiza, em diversos estudos, fatores limitantes na

recuperação: medo de mudança, ambivalência e falta de motivação, dentre outros.

A relação com o tratamento aparece sofrendo a interferência do caráter

“permanente” da AN/BN, afastando-a da representação de doença a ser tratada.

No discurso deste sujeito, similar ao que se passa com o alcoolista, ou adicto, se

escravo do vício, o portador de TA, o será para sempre*. Os participantes

descrevem certa descrença que surge quando o tratamento já alcançou alguma

melhora e os conduz aos limites de não mais apresentarem os sintomas. Nossos

participantes revelaram-se frente a impasses neste momento, uma vez que dão

por suficientes as melhoras encontradas e recuam; ao ver-se no limite de

abandonar o “vício”, acabam por abandonar o tratamento.

5.1.3.3 “Eu me dei alta” – melhora suficiente e cura

Eu pensava que fazendo um tratamento eu iria sair de lá curada. E eu

vi que não é bem assim, é um tratamento que é pra vida toda. Não

tem como garantir a cura (S4).

Explica seu abandono com a melhora que lhe pareceu suficiente:

(...) eu tava bem! Porque eu pensei assim: se eu estou conseguindo

me controlar, vou ficar sem remédio, que é melhor né? E no começo

deu certo! (S4)

Abandono e tratamento vão se revelando numa relação de direito e avesso.

Os participantes transmitem viver, a certa altura do tratamento, um impasse: se

* Vale destacar que esta visão traduz representação de um voluntário da pesquisa, e não da pesquisadora.

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88 Resultados e Discussão

não se banca “o tratamento para a vida toda” (S4), justifica-se o abandono pela

“Anorexia para a vida inteira”. Numa “luta” como dizem, na qual vence o mestre

AN/BN que as torna escravas desse vício.

Porém, esta categoria revela um lado não esperado por nosso estudo, qual

seja, o abandono não como correlato à psicopatologia, ou ao apego ao sintoma,

mas como melhora. Diferentes graus de melhora são suportados frente a tais

impasses, e considerados “suficientes”:

eu achava que não precisava mais ir, e para mim estava bom. (P1)

(...) porque eu achava que eu já tava bem, que ia dar pra levar (...)

porque eu já tava há um bom tempo sem vomitar, eu já tava sem ter

compulsão... eu tava controladinha assim. (...) Aí achei que tava bem

demais! (P5) (grifos nossos)

Encontramos modo de representar as nuances pelas quais tal significado se

apresenta através de um continuum de graus de melhora, suficientes e distintos

para cada participante do estudo, na medida do quanto ele quer conservar, ou não

pode abrir mão de seus sintomas-estratégia, medida esta em que se interpõe a

“Anorexia para a vida inteira”, por exemplo, os resquícios do que se quer

conservar da relação “ao vício”. Relatam terem se dado conta que recairiam

somente depois, e que a melhora alcançada naquele momento era considerada

satisfatória, revelando consentimento com que algo permaneça, por outro lado

revelando seus limites, quanto até que ponto tratar-se, uma vez que “a anorexia

não tem cura”. No extremo desse continuum, há um participante que significa seu

abandono como cura: “Eu me dei alta... em termos médicos seria isso” (S3) -

relatando nunca ter recaído, seguindo curada. (Vide descrição dos participantes,

Anexo VI).

O significado ligado à melhora ilumina outra faceta: os ganhos psicossociais

como “namorar”, “voltar a estudar”, “começar a trabalhar”, que passam a concorrer

com o tratamento, mas reafirmam, a posteriori, refletindo por ocasião das

entrevistas, tratar-se efetivamente de abandono, uma vez que os fatores externos

seriam conciliáveis; como explicita S5, para ela, funcionaram “como uma

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Recursos Metodológicos 89

desculpa”; o desgaste e desmotivação que relatam em certa altura do tratamento,

não sendo trabalhadas motivações próprias a esta etapa, resultaram na

preferência por não dar continuidade:

O primeiro, o serviço, né, que eu era obrigada a folgar durante a

semana, toda 2ª.f pra fazer o acompanhamento... (S7)

O mesmo participante que revelou acima, como primeiro motivo, seu novo

trabalho descreve um curioso mecanismo para sustentar sua melhora já descrita

como importante e suficiente, encontrando no abandono a solução de

compromisso para sustentá-la*, na medida em que revela a permanência da

doença e, ao mesmo tempo, alguma melhora (suficiente) obtida:

Em vez de melhorar, cada vez que eu ia lá, eu queria mostrar pra elas

que eu era melhor que elas... que eu estava mais magra do que elas

(...) Então me perguntava: ‘Qual é a minha? Qual é o meu objetivo de

vir fazer esse tratamento aqui no ambulatório?’ Era melhorar, sair

dessa vida... ficar cada vez melhor. Só que (...) vendo aquela

situação, aquele desfile de magreza, eu me sentia obrigada a não

melhorar pra mostrar pra elas que eu era melhor que elas (...) cheguei

a pensar assim: ‘Não, aqui eu não vou melhorar’... Então acho que

esse foi um dos motivos de eu ter abandonado. (S7)

Os estudos quantitativos de Swan-Kremeier et al. (2005)(83) e Van Strien et

al. (1992)(84) negam relação de fatores externos com o abandono do tratamento

ambulatorial nos TA, como a distância viajada, exceto ser estudante ou arrumar

emprego. Por outro lado, Leavey et al. (2011)(76) ressaltam que, no início, os

participantes explicam sua ruptura devido a problemas de ordem prática, razões

do abandono. Neste estudo, os autores apontam que os motivos externos

inicialmente revelados dão lugar a profundos problemas psicossociais e à

ambivalência em perder uma relação com a comida que "é tão debilitada quando

confortante†”. Encontramos nos casos do abandono como “melhora suficiente”,

ilustrado pela fala:

* Em função disso, sugere que os pacientes que atingiram certas etapas não sejam tratados juntos aos muito

sintomáticos, pelo efeito de contaminação e recaída, adiante mais discutido. † Tradução livre.

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90 Resultados e Discussão

Quando eu sentia que eu ia melhorar, ficava com o peso na

consciência e voltava tudo de novo. Acho que foi por isso que eu

abandonei. (S6)

O significado do abandono como “melhora” aponta para a diferença entre

as expectativas do paciente e da equipe. Estudos questionam o caráter

exclusivamente negativo atribuído ao abandono, encontrando, por exemplo,

melhores escores em escalas de autoestima, depressão, autoconfiança, como

discutido por nossa revisão de literatura(85-86). Schnicker et al. (2013; p.812)(87)

encontram maior aproveitamento dos efeitos da terapia cognitiva comportamental

entre pacientes anoréxicas que abandonaram do que entre as que completaram o

tratamento.

Também aleatoriamente, verificou-se certa homogeneidade entre os

diagnósticos e seus subtipos no grupo de TA, sendo interessante observar a

presença dos quadros atípicos/sem outra especificação (três participantes), bem

como os Transtornos de Personalidade (três participantes; coincidindo ambas as

comorbidades em um deles*). Podemos dizer que tais características eram

esperadas, pois ambos os grupos, segundo a literatura, constituem preocupação

quanto aos resultados do tratamento, são mais propensos ao abandono e

indicados como alvo de novas pesquisas: seja os quadros atípicos(88) seja os

TP(89-91).

Ressalvando a não generalização, e possíveis vieses da amostra

intencional e reduzida, porém, com possível valor clínico e heurístico, vale notar

que os participantes que interromperam mais precocemente, isto é, antes de

maiores resultados do tratamento, quando comparados aos demais, revelam

menor distanciamento do funcionamento mental e discursivo anoréxico-bulímico,

por assim dizer, sendo nossa hipótese que isto se dá na medida em que se

encontram mais capturados pela lógica das condutas do ato. Curiosamente

observou-se coincidir com aqueles que apresentam quadros atípicos de TA e/ou

* A fim de preservar o sigilo e cuidados éticos com os sujeitos, optamos por não designar os sujeitos e

respectivos diagnósticos, excluindo tal informação da versão para publicação.

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Recursos Metodológicos 91

TP, claro, porém com variações entre si, dado que reitera a necessidade de mais

pesquisas a respeito. Santonastaso (2009)(88) conclui que quadros atípicos, ao

contrário do que se pensa, não são formas mais brandas e sim mais graves de

TA, e, como também ocorre com os TP, apontam grande lacuna de conhecimento

para abordagem de tratamento correspondente, o que é verificado também em

nossa amostra, quando se compara à condição de rearranjo psicossocial de

outros participantes após suas interrupções frente à dos participantes com tais

características clínicas.

A literatura aponta serem mais propensos ao abandono pacientes com as

seguintes características: filhos de pais separados; família desestruturada;

transtorno de personalidade ou subtipo purgativo (ver Artigo 1); a caracterização

de nossa amostra mostrou-se compatível com tais descrições, embora os

significados do abandono encontrados extrapolem tais relações.

5.2 Categorias relativas ao tratamento

As duas categorias encontradas colateralmente, relativas aos significados

do tratamento apontam reflexões úteis enquanto implicações clínicas, face ao que

refletem sobre o abandono:

5.2.1 “No começo eu não aceitava como doença” – negação inicial e superação

A negação da doença é velha conhecida nos TA. Porém, no presente

estudo, são categorias construídas como significados do tratamento, e não

categorias do abandono em si, na medida em que esses participantes, sendo

casos de abandonos médios ou tardios, não tiveram suas interrupções

determinadas por essa barreira. No caso de nossa amostra, podemos considerar

que inicialmente algo se deu como êxito, se a barreira inicial da negação não

desembocou no abandono/não adesão:

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92 Resultados e Discussão

O diagnóstico da equipe é importante, mas só que o diagnóstico que

eu digo é quando a gente entende que tá doente. (S3)

Tendo passado pelo tratamento, cada um à sua maneira, obtiveram alguma distância

desse estado, podendo atribuir valores a ele, desde outra perspectiva: a de quem

atravessou a “negação inicial”, assim descrita invariavelmente. Reconhecem e

afirmam seu sofrimento e dão a ver o outro lado da moeda na demanda, a qual é

assumida como negada e superada. Assim, pode ser escutada como um

“tratamento” a ser dado, não direta e inicialmente à relação com a comida e o peso,

mas ao que se encontra, segundo seus relatos, em sua origem, naquilo que esse

sintoma, ao passar para o terreno somático e do ato, desloca:

Tem um problema: pra gente, a gente nunca é doente(...) sempre

acha que o outro é que está precisando(...) eu não era doente. (S1)

(...) quando eu comecei a fazer o tratamento, pra mim, eu não tava

doente. Pra mim era normal não comer, não sentir fome (...) a parte

mais difícil é o começo, porque ninguém nunca admite. (S2)

(...) eu não quis aceitar. Como toda pessoa que tem no começo não

aceita. Acha que só tá fazendo regime, só quer emagrecer, que aquilo

vai ser melhor pra ela; ela vai ser tipo uma modelo... Ela fica à mercê

da própria imagem... (S7)

As falas seguintes apontam a particularidade da negação da doença

apoiada na imagem funcionando como mestre, como o que rege; ao mesmo

tempo, utilizada para distorcer a realidade, a todo custo, a serviço do que não se

“queria aceitar”:

a bulimia era considerada uma doença, mas eu não estava doente

(...) eu não precisava de ajuda. (...) depois com a anorexia eu senti

isso no meu corpo, aí me caiu a ficha! (S3)

A gente tem que primeiro aceitar que tem a doença pra depois

mostrar pros outros (...). Eu sei que eu tenho (bulimia) mas eu posso

fingir pra todo mundo que eu não tenho, ninguém vai desconfiar (...)

Eu não queria aceitar que eu tinha, embora soubesse de tudo(...)

(S4).

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Recursos Metodológicos 93

5.2.2 “Um tratamento dentro do tratamento” – lugar dado à palavra

Nomeado por um participante “um tratamento dentro do tratamento”, esse

enunciado condensa o sentido destacado por todas as sugestões: a importância

dos espaços de fala e escuta para além das questões de dieta e peso; dar um

“tratamento ao tratamento” é construí-lo a partir de cada caso, e reclamam por

participarem, seja em suas negociações, interrogados pelo sentido de suas faltas,

seja na construção do laço com a equipe. Falam de um tratamento que os acolha,

dê lugar a sua avaliação do tratamento, individualizado e preservado da dinâmica

familiar, incluindo escuta incondicional que suspenda todo tipo de julgamento:

Que fosse mais individualizado(...) Conversar, poder expor... (S5)

Trabalhar um pouco mais isso de ouvir sugestões (...) saber por que a

pessoa não tá querendo ficar (...) por que eu parava (faltava), o que

eu tava achando do tratamento... trabalhar o tratamento dentro do

tratamento (grifos nossos). (...) teria que ser individual essa parte

(S3).

Os trechos abaixo recortam o que, de suas vivências, aponta para a

importância de tomar cada caso em sua particularidade:

Prestar mais atenção na individualidade de cada um. Se aquele

tratamento é o mais indicado mesmo para aquela pessoa... Não é só

a anorexia e a bulimia, é uma história de vida (...) são pessoas

extremamente diferentes... o que dá certo pra maioria, talvez não dê

certo pra outras (S3)

Tratar cada um de forma individual, eu acho que seria o mais

adequado. (S6)

Temem o efeito de identificação no grupo, que pode empurrar para a

recaída, efeito também conhecido nas internações para álcool e drogas, para

evitar a “contaminação”, a recaída e o abandono* entre quem já se separou um

pouco do “vício”:

* Impasse relatado por S7 como um dos motivos de seu abandono.

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94 Resultados e Discussão

Atender em horário diferenciado... deixar as pessoas que já estão

bem, separadas (...) (S7)

Destacam-se, nesse sentido: a importância da fala e do suporte emocional

e a relevância de priorizar os aspectos psíquicos no tratamento:

Quem tem dificuldade (de falar), tem mais vontade (de falar) do que

qualquer outra pessoa (S1)

Em grupo, você não fala tudo, assim, abertamente (...) só com a

psiquiatra, aí já esclarece, tá tudo limpo, eu acho que é a parte mais

importante. (S2)

Conversar assim me ajudou bastante(...) A medicação, ela

complementa só... (S4)

Eu gostava de conversar, tirar minhas dúvidas e saber que eu não

estava sozinha na minha luta. Isso foi bom! (S7)

O significado atribuído por S7 trajetória no tratamento, “luta”, aponta para a

importância do apoio emocional, como quem sai da reivindicação narcísica dos

“caprichos” – das jovens descritas por Lasègue (1999) – e, atravessada a barreira

inicial da negação, demanda a parceria do outro, sinal do rechaço desfeito – para

não atravessar a luta solitariamente. Destacam a importância de encontrar na

equipe, à diferença da difícil relação familiar, a escuta incondicional, sem

julgamentos, e o amparo emocional:

Porque em casa (...) eu não tinha coragem de chegar neles e falar. E

com profissional, você sabe que é diferente, pode chegar e falar, que

ele vai te ouvir independente! (S5)

Eu falei o que eu quis falar e ela não ficou me enchendo de

perguntas, nem me falou um monte de coisa que eu tinha fazer ou

pensar. Ela me ouviu! (...) E eu me senti segura pelo fato de não me

sentir criticada por ela (...) (S6)

falar de outras coisas não relacionadas à alimentação. (...) isso mexe

muito, deixa a gente muito frustrada, deixa a gente muito brava. (...)

Falar de outras coisas, você fala numa boa, sem vergonha, sem nada

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Recursos Metodológicos 95

(...) podem te fazer bem se você estiver triste, porque aí você escuta

uma outra opinião, você escuta alguém te levantar. (S1)

conversava bastante com a Dra. X, eu me sentia mais leve (grifos

nossos) por não precisar ficar só dentro, só comigo (...) (S2).

Vale destacar o termo “leve”, utilizado pelo participante para descrever

como efeito de sentir-se amparada e poder dividir o peso subjetivo que é

vivenciado distorcidamente como excessivo no corpo. Consoante com o estudo

de Eivors et al. (2003)(54), a expectativa dos pacientes é muito mais “insight e

compreensão”, criticando o foco no sintoma e no controle (diário alimentar,

aconselhamento nutricional e restauração do peso) por elas bem conhecidos.

Compreendidos à luz dos significados do abandono, podemos entender a partir

de nosso estudo que: os sujeitos não consentem em eliminá-los enquanto

resultarem em solução de compromisso de conflitos mais profundos, perdendo

sentido o tratamento, mostrando-se resignadas à anorexia sem cura, para a vida

inteira, “abandonando para não parar de vomitar”.

Achados corroboram a literatura quanto ao risco de iatrogenia ao reforçar a

distorção patológica que hipervaloriza dieta, peso e imagem corporal. As

entrevistas em profundidade revelam necessidade de encontrar apoio para fazer o

caminho contrário: “desinvestir” tais objetos excessivamente investidos pelo

deslocamento.

Apoiados na psicanálise e nos autores nos quais se ancora a presente

discussão, a direção do tratamento possível implica que a dimensão do simbólico

que é suprimida para tais sujeitos seja aberta e, principalmente, restauradas as

condições para fazê-lo mediante o “laço”, no sentido do lugar e do suporte que a

aliança terapêutica provê: sob a condição de não se verem “sozinhas” em suas

“lutas” (S7). Quando assim se veem, “saem fora”, no sentido que o termo dropout

comporta: “saio fora”, diz S2, pois, sem o laço que lhes dá lugar, veem-se

literalmente “desamparadas”, sem amparo, sem guarida. Não sendo possível aos

sujeitos do desamparo a condição de solidão, resta-lhes “aliar-se” ao vício, relação

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96 Resultados e Discussão

na qual não estão sozinhos, dando à anorexia o estatuto de uma presença: “a

anorexia ainda tá presente ali” (S7).

(...) não é uma questão só de peso (...) o mais importante é tratar a

cabeça mesmo, a mente. vômito é só uma consequência (...) a maior

doença da gente é a cabeça(...) a mental é a pior que tem. Destrói a

gente e quem está perto*. Isso é o mais pesado no TA (S6)

Atrás de algum regime sempre tem alguma coisa a mais, que faz a

pessoa entrar em depressão, ou num regime (...) uma fuga: anorexia

é tipo uma válvula de escape, você acaba vivendo em função daquilo

pra tentar fugir dos seus problemas. (S7)

Quando a gente vai lá a gente é triste, ou a gente é insegura ou a

gente tem medo.” (S2)

Seria mais fácil (tratar) se acontecesse assim: falar, não daquilo que

deixa a gente brava, frustrada, mas falar daquilo que a gente queria

falar (...) a gente está triste? Eu queria falar por que é que eu estou

triste (S1)

Enquanto (...) não tirar da cabeça isso, não adianta tomar

medicamento (...) você vai ficar calma, ficar zen, mas não vai resolver

o problema! O problema ali é outro. (S4)

Com distintas distâncias obtidas do estado inicial relatado e, claramente,

desde as melhoras conquistadas, mantidas ou não, acreditam que a raiz do

problema alimentar é de outra ordem. Apesar do alívio manifesto por alguns com a

interrupção, todos avaliam positivamente o tratamento, ainda que o tenham

deixado, reconhecendo melhoras:

Reconhecer quando estou ansiosa e desconto na comida... Tipo

saber diferenciar essas coisas que antes eu não tinha o controle (...)

Só agia. Não pensava muito. Agora... já... pensa... foi essencial pra

eu conseguir sair da doença, foi muito importante. (...) O tratamento

me fez me enxergar diferente do que eu me via, e isso foi importante.

(S5)

* Fala consoante a discurso comum entre alcoolistas e adictos em relação a seus familiares.

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Recursos Metodológicos 97

Tal fala mostra que o tratamento pode produzir mudanças subjetivas

importantes que interferem no mecanismo antes imediato do ato: “só agia. Não

pensava muito”, passando a fazer mais uso de recursos simbólicos, na reflexão –

dialetizar é um movimento que implica a alteridade, a dimensão do outro

introjetada; diferença que que se nota no discurso deste sujeito: “agora já pensa” –

o que passa a ter efeitos de algum intervalo que se coloca entre a angústia

(ansiedade) e o ato (“desconto na comida”, “compulsão”), destacando a

transformação paralela na autoimagem. Abaixo, segue rica passagem

demonstrando o deslocamento à comida como um objeto que era acompanhado

do rechaço ao outro, do retraimento do sujeito na relação interpessoal, e o

reconhecimento desse mecanismo que se desfez, em seu processo de tratamento

e “cura”, segundo o participante:

Quem não come, é um sinal de que a vida não vai muito bem, que

não tá a fim de viver muito. E eu retomei essa vontade de viver. (...)

primeiro eu retomei a vontade de viver, e depois eu comecei a comer

(...) Voltar a comer como uma consequência! (...) eu comecei a

retomar esse prazer na comida em todos os sentidos: não só de

colocar a comida na boca e sentir o gosto, mas também no convívio

social. (S3)

“Primeiro retomar a vontade de viver” diz da condição de a libido se desligar

daquele objeto onde foi investida como droga, vício, para que, passando a ter

outra função, o sujeito a retome não pela via da orientação nutricional – que

aparece como não suportada por elas enquanto o alimento tiver este caráter –

mas sim pela via do prazer, que implica outro circuito por onde passa essa libido,

ao que tudo indica, no caso de S3, não mais “escrava do vício”.

Mais além do fato de que todo paciente constitui sempre um “abandono” em

potencial, os achados sugerem sua particularidade no caso dos TA devido aos

sempre presentes conflitos psicológicos no campo interpessoal. De acordo com os

achados de Leavey et al. (2011; p.438)(76), consoantes com Young, Klosko e

Weishaar (2003)(92) experiências precoces de abuso, receio e não confiança,

abandono e privação afetam as pessoas em todos os aspectos de suas vidas,

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98 Resultados e Discussão

inclusive o modo como se relacionam com os outros.* O que encontramos em

nossas entrevistas referenda tal ideia, assim como os estudos sobre apego e

aliança terapêutica nos TA de Ringer & Crittenden (2007)(93) e Tereno et al.

(2008)(94), que trazem para o plano da discussão científica atual, inclusive por

métodos quantitativos, a confirmação daquilo que a revisão da literatura aponta,

qual seja, o impacto das relações familiares precoces para pacientes com TA,

através do conceito de “apego” e os correlativos sentimentos de “desamparo e

abandono”†. Em nossa população verifica-se(90, 95-97): a relação entre “desestrutura

familiar” e abandono do tratamento, reiterando, não somente o conhecido dado da

clínica, referente à relação importante entre quadros alimentares e questões

familiares. Também certa estabilidade atribuída aos que vivenciam conflitos

relativos à estrutura familiar é relacionada às interrupções precoces de tratamento.

Observa-se que o participante que constitui exceção quanto à questão com

estrutura familiar (S5), exceção na amostra também pela maior estabilidade em

conjugal e ocupacional.

Por fim, as entrevistas revelam que há um sofrimento envolvido, para além

da egossintonia. Isso é o que nos autoriza a propor tratamento; por outro lado,

pondera-se que essa oferta, ou manejo, para ajudar alguém que negue o

sofrimento a chegar a um tratamento tampouco deva ultrapassar a barreira do

respeito aos limites do outro. Recordem-se as evidências de que os tratamentos

mais coercitivos pioram os sintomas na AN(54); por esta razão entendemos que o

tratamento não deve ser standard, padrão para todos os sujeitos. De acordo com

* No original: “Early experiences of mistrust, abuse, abandonment, and emotional deprivation affect people in

every aspect of their lives including the way they relate to others (Young, Klosko, & Weishaar, 2003). This also highlights the need for training, supervision, and support to help staff identify complex needs of vulnerable individuals quite early on and respond accordingly.” (Leavey, 2011; p.438).

† “Their strategies to cope with stressful situations may interfere with the cognitive processing of

distress signals and, in some cases, when the attachment system generates feelings of despair, abandonment or loss of control, may lead to symptomatic disordered behaviour” (George, West, & Pettem, 1999).

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Recursos Metodológicos 99

Ringer & Crittenden (2007)(93), Tereno et al (2007)* e o recente estudo de Touyz et

al. (2013)(77), recomenda-se que ele não tenha por foco as questões alimentares,

mas sim a qualidade de vida (74) construção de laços (90) através dos quais

vivências emocionais suportadas possam levar à construção de novas

significações e identidades. Com as quais, a nosso ver, podem talvez até vir a

abandonar o tratamento também, mas com maiores chances de abandonar

paralelamente a estratégia de enfrentamento da angústia da qual se reveste o

objeto “alimento”. Vemos em nossa amostra a diversidade de significados

possíveis do abandono e as saídas dos sujeitos que comporta: da a “escravidão

ao vício, compulsivamente” e “acting-out da fantasia de abandono” – polos do

abandono enquanto sintomático, negativo, até “da melhora suficiente à cura”, polo

do abandono como ligado a resultados do tratamento, que guarda uma face

positiva.

5.3 Da “aliança ao vício” à aliança terapêutica como laço

(...) a psicóloga pra pessoa poder esclarecer, poder se abrir...

psiquiatra pra poder orientar, medicar, intervir... e a nutricionista

também pra pessoa interagir e pra saber orientar a alimentação...

acho que tem que ter esses três sim, juntos, aliados... (grifo nosso)

(S7)

O mesmo participante que utiliza o termo “aliado” para dizer da relação ao

vício, o utiliza em sua descrição do que seja um tratamento interdisciplinar bem

vindo, ou um tratamento possível para tais participantes. Ilustra o que

pretendemos apontar: uma “passagem ao tratamento” que os dados indicam como

necessária, bem como o papel da equipe em sustentá-la, como desenvolvido a

seguir.

* “The patients, as their family members, should be supported to engage in a new and corrective

emotional relationship, which may allow them to explore distinct interpersonal sceneries and to build new meanings and secure bonds.” (Soares, 2000 apud Tereno et al, 2007).

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100 Resultados e Discussão

A importância da construção do laço que caracteriza a relação terapêutica

se dá, mais ainda no caso dos transtornos, por assim dizer, alimentares-aditivos,

em função de que o deslocamento no objeto comida cumpre essa função de

“apoio”; portanto, a dimensão de escravidão ao vício remete a tal necessidade,

literalmente incorporada – que passa para o corpo – de um objeto vital ao corpo,

porém transformado em sua função: o alimento, cuja transformação converte em

escravos os sujeitos a ele “aliados”.

Se o tratamento não auxiliar os pacientes a construir sua condição

psicológica de abandonar a função que isso cumpre, e ajudá-los a passar da

condição psicológica de “aliado ao vício” à possibilidade de contar com a “aliança”

terapêutica, abandonando a “adesão ao sintoma” em favor de outra, o que termina

por ser abandonado, é o tratamento: “abandonei para não parar de vomitar”.

Assim, revela-se como condição sine qua non que se construa esse apoio

na relação com o tratamento, através do qual o sujeito poderá ser amparado (em

seu desamparo fundamental) e, quem sabe, escolher perceber tal laço como seu

“aliado”, no sentido de uma parceria que o ajude a sustentar-se e poder fazer a

escolha de abandonar o “apoio” do vício, a “válvula de escape da anorexia” (S7),

caso encontre um tratamento no vínculo oferecido como apoio (holding). Faz-se

necessário conquistar, na construção da relação transferencial, a equipe como

aliada ao laço construído com as pacientes para que encontrem no apoio

condições para abandonar, talvez, o apoio que sintomaticamente encontram no

TA, com vistas a saídas menos mortíferas.

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- 101 -

6. CONSIDERAÇÕES

Toda ciência seria supérflua se houvesse coincidência imediata

entre a aparência e a essência das coisas.

Karl Marx

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Considerações 103

6.1 Implicações clínicas

Os achados revelam relação entre aspectos psicológicos próprios aos TA,

do ponto de vista de sua psicodinâmica, e o abandono do tratamento. Destaca-se

a importância da dimensão aditiva e sua relação encontrada com o controle, o

aspecto compulsivo e a naturalização da permanência do sintoma alimentar ao

longo da vida, conclusão que deve ser investigada e aprofundada em estudos

futuros, por diferentes métodos. Visando os significados revelados, dentro de suas

limitações, o estudo conserva a expectativa de contribuir com o desenvolvimento

de estratégias clínicas para melhorar adesão e permanência, elencadas abaixo e

a seguir comentadas:

1. Entrevista psicológica na triagem;

2. Tratamento estruturado por fases;

3. Construção do laço que caracteriza a aliança terapêutica como meta

(discreta) do tratamento na primeira fase;

4. Flexibilidade e disponibilidade da equipe para manejo clínico;

5. Inclusão de estratégias de tratamento que considerem a dinâmica

aditiva.

Dentre os vários núcleos de sentido emergentes do rico material coletado,

apresentamos os que encontraram maior consistência dentro do alcance do

método. Reflexões levadas a termo ao longo da pesquisa, teórica e de campo,

apontam ser válido considerar:

1. Nenhuma adesão deve ser esperada pela equipe - Todo paciente

constitui um abandono em potencial. Nunca estão garantidas as condições de sua

adesão e permanência. Por mais que seus motivos para o tratamento constituam

sofrimento, ou preocupação de ordem familiar, social ou de saúde pública, em

última instância está o direito e liberdade como indivíduo, que implicam sua

decisão e escolha por tratar-se ou não. Alguém considerado paciente com adesão,

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104 Considerações

no instante seguinte, pode ser tornar-se um abandono, a depender de uma série

de fatores. Um deles, para o que nosso estudo também aponta, é a tendência

primária, no caso dos TA, a não permanecer em tratamento, o que também é

concluído por Leavey et al. (2011)(76). O autor recomenda que as equipes estejam

advertidas dessa tendência. Sugerimos, como estratégia nesse sentido, prontidão

da equipe para desenvolver ferramentas auxiliares na identificação das

vulnerabilidades dos pacientes, como as seguintes:

a) inclusão de entrevista psicológica no processo de triagem –

localizar a conjuntura sócio-familiar e psicodinâmica do paciente e da

família quando do desencadeamento do quadro, a fim de iluminar o

cálculo do tratamento a ser proposto e levantar vulnerabilidades;

b) elaborar redação na triagem – convidar o paciente a escrever sobre

expectativas e motivos, próprios ou alheios, de sua presença. Tal

recurso, barato e prático, facilitaria a expressão dessas pessoas que

revelaram dificuldades em expressar-se verbalmente na situação

interpessoal. Podem fornecer elementos importantes mais facilmente

pela escrita, especialmente adolescentes. Material que sempre poderá

ser consultado e discutido em equipe ou com o paciente, com a riqueza

da própria articulação discursiva feita no momento da chegada, que não

é qualquer. Outra vantagem dessa ferramenta, se bem utilizada, é

favorecer a implicação do paciente no tratamento, reorientando sua

abordagem. Nos estudos qualitativos sobre abandono em TA(98-99),

inclusive no nosso, pacientes reclamam por serem mais escutados em

oportunidades de alinhar suas expectativas às da equipe*, sentem-se

valorizados e diminuem a postura defensiva e de luta pelo controle,

quando suas opiniões são consultadas, o que pode ser interessante

manejo frente ao delicado mecanismo de contra-controle encontrado e

reconhecido nos pacientes com TA.

* Especialmente as falas que originaram a categoria “um tratamento (a fala) dentro do tratamento”.

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Considerações 105

2. Abster-se do furor curandis* - Sem negligenciá-las, que o tratamento

das questões físicas não se coloque em detrimento do tratamento das dificuldades

psicológicas, interpessoais e emocionais. Além de Freud, é válido recordar a

recomendação de Lasègue, que, quando a Anorexia Histérica ganhou estatuto de

entidade mórbida, recomendava aos médicos: no início, a única conduta racional,

em suas palavras, é “observar e calar-se”, seguindo análise minuciosa dos

elementos participantes da eclosão da doença. O que podemos interpretar como:

seguir a necessária construção do caso, recuando da postura pró-ativa em curar,

obviamente sem negligenciar encaminhamento a cuidados necessários. Porém,

destaca-se a sensibilidade de pessoas, já notada por Lasègue (1999)(100), quanto

a identificar na equipe esta postura, tendendo a recuar, em função da relação com

o controle, e da necessidade de conservar suas estratégias de enfrentamento,

resultando na não aceitação/não adesão ao tratamento.

3. Tratamento estruturado por fases - Estabelecer etapas de tratamento

que contemplem a necessidade revelada quanto à adicção: não ser tratado junto a

pessoas que estão em estágios “anteriores”; trabalhar dificuldades psicológicas

para resolução da ambivalência ligada à egossintonia e outros aspectos dos “TA

como vício”, que se colocam como nova tendência ao abandono a cada remissão

alcançada. Para pacientes com melhoras como ganho de peso é importante que a

equipe invista na atenção psicológica individualizada, pois nova adesão e

consentimento com o tratamento deve que se dar; reapresenta-se a cada passo

alcançado a “não aceitação” inicial. O consentimento com a nova etapa de

tratamento requer que se avance um pouco mais nas questões psíquicas, como

indicaram as entrevistas. Enquanto a identidade anoréxica/bulímica e o

esvaziamento do corpo se fizerem necessários como vício, tende a ser maior o

risco de abandono.

* Freud advertia contra o excessivo afã do analista em curar o paciente de seus sintomas, negligenciando o desejo do paciente. Remitir o quadro eliminando sintomas costuma estar na missão de um serviço médico especializado, porém encontramos, em campo e na literatura, que dificilmente encontra-se, do lado dos pacientes, a intenção de ser curado, ver-se livre dos sintomas alimentares; ao contrário: “abandonei para não parar de vomitar” (S6), “Anorexia é uma coisa para a vida inteira” (S7) ou “essa ficha só caiu quando quase morri” (S3).

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106 Considerações

4. Construção do laço que caracteriza a relação terapêutica como meta

na 1ª etapa do tratamento - Tal relação demonstra ter de ser especialmente

investida no caso de sujeitos para os quais o objeto comida está mais fortemente

revestido do caráter droga. Uma vez que a dificuldade interpessoal, os conflitos

abandônicos e a relação com o controle são centrais nos TA, investir na

construção de tal relação e manejá-la é não somente condição sine qua non para

um tratamento, como constitui em si mesmo um tratamento.

5. Utilidade da noção psicanalítica de “transferência” - A clínica

herdeira de Freud entende que os conflitos psíquicos não resolvidos, por uma

razão lógica e estrutural, serão endereçados em forma de repetição na relação

terapêutica com a equipe. Advertir-se do que a transferência põe em jogo constitui

ferramenta importante para dar respostas adequadas às passagens ao ato e

acting-outs do lado do paciente, e a contratransferência do lado da equipe, muitas

vezes provocada pela própria repetição, pela fantasia de abandono – conflito

detalhadamente descrito por Neurose de Abandono(101). Nesse sentido,

reiteramos, com Leavey et al. (2011)(76), a importância das supervisões clínicas e

treinamentos da equipe. Constatamos que não necessariamente será o psicólogo;

na maioria dos casos de nossa amostra, essa transferência tende a se constituir

em torno da figura do médico, que passa a ser potencialmente mais responsável

pela “religação do afeto” perdido no deslocamento realizado ao objeto alimentar e,

assim, destinatário principal das demandas e atos.

6. Flexibilidade e disponibilidade da equipe para manejo clínico -

Frente às dificuldades interpessoais e emocionais que essas pacientes revelaram

vivenciar, tendendo a construir barreiras na relação com o tratamento, mostra-se

necessário manejo pensado a partir de cada caso para tornar o tratamento

possível.

Dentro do referencial teórico que nos fundamenta, o próprio quadro

alimentar, ou de adicção à comida, possui paradoxalmente um sentido de tentativa

de superação da dependência existente nas relações de apego. Em outras

palavras, os conflitos ligados ao desamparo e ao abandono encontram-se na raiz

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Considerações 107

do desenvolvimento dos transtornos alimentares. Relações interpessoais

notoriamente conflituosas são rechaçadas pelo hiperinvestimento no objeto-droga-

comida, que parece encontrar um efeito neutralizador do "outro suposto

abandonar" que é fonte de constante angústia. Ante a necessária aliança

terapêutica, os conflitos abandônicos inconscientes são mobilizados.

Encontramos, frente às categorias em conjunto, que o abandono significa

abandonar para não ser abandonado, podendo, a depender das variáveis

discutidas, estar ligado à melhora ou à cura. Isto é, mediante os significados

psicológicos revelados, destacamos: importa mais que tal ato encontre resposta

adequada da equipe, para fins de tratamento do conflito fundamental que nele se

apresenta, quando é o caso, que o desdobramento que pode se seguir quanto a

permanecer ou não em tratamento, por efeitos terapêuticos que podem advir do

manejo clínico do que se apresenta em jogo na situação do abandono.

6.2 Limitações do estudo e futuras pesquisas

Dentro do alcance do método, nossos resultados não são generalizáveis,

dizendo respeito à amostra intencional e ao grupo que abandonou e concordou

em responder ao estudo, no qual se encontram somente abandonos propriamente

ditos – tardios ou não – ausentes casos de não-adesão*, como se costumam

chamar abandonos mais precoces. Futuros estudos qualitativos podem ser

realizados com amostra intencional de “não-adesões”, sendo interessante a

comparação com nossos achados.

As pessoas que não abandonaram devem ter ainda outra valoração de

tratamento e abandono, assim como o grupo dos que se recusaram a participar do

estudo – que pode tanto incluir casos mais graves que não lograram atravessar a

barreira inicial da “negação da doença”, permanecendo em relação difícil com tal

demanda, ou, diferentemente, por não optarem por tratamento especializado

* ‘Failure to engaje’ na literatura internacional.

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108 Considerações

podendo ter melhorado ou até se curado sem a ajuda do mesmo. Supõe-se que

ambos os grupos fariam mais críticas ao tratamento trazendo significados do

abandono diversos dos encontrados na amostra dos informantes colaborativos.

Há prováveis vieses relativos ao engajamento da pesquisadora no campo

estudado embutidos na interpretação dos dados, e constituem fruto de sua

percepção consciente ou não. Tal viés está previsto e legitimado na perspectiva

interpretativa dos dados. Considere-se a existência de relações de poder

implícitas à situação, talvez maior em nosso caso, pois a instituição acadêmica em

que se desenvolveu a pesquisa abriga o serviço que atendia os sujeitos alvo do

estudo, atendido que foi interrompido. A amostra excluiu ex-pacientes conhecidos

da pesquisadora como membros do serviço, o que não foi informado no rapport.

No entanto, pela relação com a instituição, inferimos tratar-se de pessoas menos à

vontade para críticas e mais dispostos a sugestões. Não somente por isso, mas

também por se tratar de pessoas que aderiram ao tratamento e dele se

beneficiaram, algum vínculo foi manifestado nos relatos de autocrítica e culpa pelo

abandono, e na intenção de retorno verbalizada por alguns.

A questão “tratamento” é abordada de modo limitado e colateral ao desenho

do estudo. Sugerem-se futuros estudos para aprofundar sua compreensão, sendo

interessante investigar, com os mesmos pressupostos, o que se passou com os

pacientes que levaram o tratamento a termo, bem como abandono em internações

com amostra de Transtornos Alimentares, por métodos qualitativos, não

encontrados na exaustiva revisão. Frente a nossos resultados sugerimos

investimentos em pesquisas futuras sobre TA e adicção, bem como sobre

desamparo e aliança terapêutica nos TA.

6.3 Considerações finais

A partir da interpretação dos achados podemos considerar atingidos os

objetivos do presente estudo. Os significados psicológicos do tratamento e

abandono, encontrados nas vivências de pacientes que abandonaram o

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Considerações 109

tratamento ambulatorial, contribuem para o conhecimento do fenômeno do término

prematuro do tratamento* e da compreensão da psicodinâmica dos transtornos

alimentares.

Os achados da vivência dos transtornos como adicções dão suporte ao

debate atual sobre a inclusão dos transtornos alimentares no modelo da comida

como adicção, no espectro de sentido que o termo veio ganhando após a

definição de “comportamento aditivo†” de Goodman (1990, p.1404)(102). Goodman

(1990, p.1404)(102) propôs modificar a entidade nosográfica para: adicção “definida

como um processo em que um comportamento que pode funcionar tanto para

produzir prazer e para proporcionar alívio do desconforto interno é utilizado num

padrão caracterizado por (1) falha recorrente em controlar o comportamento e (2)

continuação do comportamento a despeito de consequências negativas

significativas.” ‡ (1990; p.1404)

Recomenda-se a discussão em equipe sobre a adoção de estratégias de

tratamento voltadas para a psicodinâmica e sintomatologia das adicções, visando

os transtornos que podem ser experimentados como “vícios” por parte dos

pacientes. É válida avaliação psicológica que visa identificar tal aspecto, para

adequação da abordagem, assim como, no mesmo sentido é recomendável uma

proposta de tratamento construída de forma particularizada para cada caso.

Os mecanismos psicológicos revelados nas categorias de conteúdo, à luz

da literatura levam a concluir que o complexo fenômeno do abandono

compreende, dentre outros significados, tentativa de superação de questão

psíquica fundamental nos TA, tal como encontrado em sua dimensão aditiva, e

constitui momento privilegiado do tratamento por nesta dimensão encontrarem-se

implicadas a questão abandônica e a angústia de desamparo. Se encontrados

como conflitos fundamentais nos TA, portanto constituem objeto do tratamento.

Acresce que o endereçamento de tal ato à equipe “pede”, à sua maneira curto-

* Conforme recomendado na literatura atual o uso do termo nas pesquisas a fim de evitar vieses.

(Premature Termination of Treatment). † “Addictive behaviour”. Conforme aprofundado no Artigo 2 (Apêndice), Goodman (1990).

‡ Tradução livre.

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110 Considerações

circuitada, um tratamento dessa questão. Assim, desde que exista possibilidade

de ser escutado, tal ato pode encontrar ressignificação encontrando outro destino;

podendo encontrar manejo clínico por parte da equipe abre-se a possibilidade de

ressignificação desta questão para o paciente, que pode vir a obter deste ato,

efeitos terapêuticos.

Para além da dicotomia abandono como negativo ou positivo, frente aos

achados, vale considerar que esse fenômeno deve sempre ser esperado pela

equipe, fazendo-se necessário prontidão para responder a ele, em cada caso.

E, na medida em que se encontra profundamente associado à

psicodinâmica aditiva e abandônica dos transtornos alimentares, em sua ligação

com os mecanismos de controle, podemos interpretar que o abandono traz

consigo uma demanda de tratamento de tais conflitos psíquicos endereçados à

equipe, à maneira como se dão relações perpassadas pela dinâmica da

bulimia/anorexia - seja através do abandono, ou das faltas pelas quais ele

geralmente se anuncia. Deste modo, o sujeito pode vir a encontrar-se com as vias

de sua resolução e por consequência obter melhora do quadro alimentar, a

depender do manejo clínico oferecido e do laço construído com a equipe que o

ajudem na resolução e atravessamento de tal conflito.

Considerando tal lógica em jogo, é interessante pensá-lo sob a perspectiva

dos efeitos de tratamento que podem advir do ato do abandono em diante, no

sentido de se manter ou serem produzidos novos ganhos terapêuticos, não

visando tão somente permanência. Assim compreendido, tal circuito pode resultar

em permanência no tratamento, ou no abandono como melhora ou cura, podendo

gerar efeitos terapêuticos, conforme encontrado em nossa amostra e na literatura,

nos casos de abandonos como positivos. Em nossa amostra verificou-se que os

participantes que seguem necessitando de tratamento e padecendo de tais

questões após o abandono são aqueles que não caminharam na resolução de tais

questões, demonstrando permanecerem identificados à questão abandônica ou

mais assujeitados ao vício, não tendo encontrado modo de atravessar tais

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Considerações 111

conflitos psicológicos que refletem na permanência das dificuldades interpessoais

e do quadro alimentar.

Quanto aos significados do tratamento, foi apontada a necessidade de

espaços nos quais possam falar desses conflitos psicológicos desde que

suportados pela aliança terapêutica, uma vez que, sem solucioná-los, dificilmente

conseguirão apresentar-se desprovidos dos transtornos.

Recomenda-se que as questões nutricionais e de peso não sejam

colocadas como metas, e que as equipes possam refletir junto ao paciente sobre

que lugar dar a elas, e em que tempo, dentro da complexidade de cada

tratamento, levando em conta sua psicodinâmica. Dentre os transtornos

psiquiátricos, os transtornos alimentares têm como particularidade tratar inclusive

parte das complicações clínicas dele decorrentes. É interessante advertir para o

risco que tais equipes correm, frente à demanda implicada nas questões físicas,

de reproduzir o deslocamento para o terreno do somático, típico do adoecimento

nestes transtornos, comprometendo sua resposta no campo do tratamento

oferecido, para o qual as categorias relativas ao tratamento, chamam a atenção.

A compreensão do fenômeno amplia-se à luz dos achados, que levam a

atentar para o risco de supervalorização das questões físicas em detrimento das

psíquicas, assim como para a importância da constante discussão a respeito do

tratamento e suas expectativas, dentro da equipe e com o paciente, ambos

corresponsáveis pelo sucesso ou fracasso do tratamento.

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112 Considerações

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- 113 -

7. REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS

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124 Referências Bibliográficas

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- 125 -

ANEXOS

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- 126 -

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Anexos 127

ANEXO I APROVAÇÃO NO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

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128 Anexos

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Anexos 129

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130 Anexos

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Anexos 131

ANEXO II -

JUSTIFICATIVA DA MUDANÇA DE NOME JUNTO AO CEP

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132 Anexos

ANEXO III - ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-DIRIGIDA

1. Conte-me o que representou para você ter um diagnóstico de Transtorno

Alimentar.

2. Como foi sua reação diante da ideia de fazer tratamento?

3. Conte-me sobre sua chegada ao tratamento.

4. Você alguma vez foi internada para tratar o TA? (Se sim... Como foi esta

experiência?)

5. Como foi a experiência(s) de tratamento ambulatorial?

6. Pensando que o tema desta pesquisa é a interrupção do tratamento, o que

você gostaria de contar sobre a sua experiência de interrupção?

7. Em que momento ela ocorreu?

8. O que você entende pela expressão “abandono do tratamento”? (Você

considera que a sua interrupção foi um abandono?)

9. Se você fosse recomendar a outras pessoas que tratassem o TA, o que

lhes diria? (...ou não recomendaria?)

10. Você considera que há alguma dificuldade em fazer um tratamento para

TA?

11. Se tivesse a oportunidade de fazer sugestões a uma equipe sobre o

tratamento em TA, o que diria?

12. O que mais você gostaria de comentar?

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Anexos 133

ANEXO IV TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

PARA PARTICIPAÇÃO DE SUJEITOS EM PESQUISA CLÍNICO-PSICOLÓGICA

Instituição: UNICAMP / FCM / DPMP / Laboratório de Pesquisa Clínico-Qualitativa

Projeto: Significados do abandono do tratamento ambulatorial em anorexia nervosa e

bulimia na visão dos pacientes: um estudo clínico-qualitativo

Pesquisadora: Flávia Machado Seidinger – Aluna da pós-graduação – Pesquisadora do Programa

de Pós-Graduação em Ciências Médicas – Depto. de Psicologia Médica e

Psiquiatria/ Unicamp

Orientador: Prof. Dr. Egberto Ribeiro Turato

Telefones: (19) 3521-7206 – Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria/ FCM/

Unicamp

(19) 3521-8936 – Comitê de Ética em Pesquisa da FCM/ Unicamp

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

O objetivo desta pesquisa científica é conhecer e discutir os significados das experiências de

pacientes diagnosticados com Anorexia Nervosa ou Bulimia que tenham interrompido tratamento.

Para tanto, serão realizadas entrevistas. Como se tratam de questões abertas não se pode prever

exatamente o tempo de duração. É previsto o tempo aproximado de 01 (uma) hora, podendo ser

tanto mais longa como mais curta e, se necessário, poderá ser feita uma segunda entrevista para

complementação. Você será convidado(a) a falar sobre questões abertas propostas pelo pesquisador

para que os objetivos deste estudo sejam alcançados.

Garantimos que os registros (gravações e anotações) feitos durante a entrevista ficarão sob

sigilo, e, portanto, não serão divulgados nem mesmo aos profissionais de saúde que atendem na

UNICAMP. Porém, trechos dos relatos identificados por pseudônimos serão estudados por

pesquisadores do grupo de pesquisa acima citado, que trabalha construindo conhecimento a respeito

das diversas condições emocionais e sociais de pessoas que enfrentam problemas de saúde. Deste

modo, em nenhum momento será revelada a identidade dos informantes. Esclarecemos que o

relatório final, com citações anônimas ou com nomes fictícios, estará disponível ao público quando

o estudo for concluído, o qual poderá ser apresentado inclusive em congressos ou publicado em

revistas científicas.

Poderá não haver benefícios diretos ou imediatos para você, enquanto entrevistado(a) deste

estudo, além, evidentemente, da oportunidade de poder contar livremente e sob sigilo sobre sua

vida, suas satisfações e preocupações. Por outro lado, futuramente esperamos melhorias na

qualidade dos cuidados prestados aos doentes e à população, quando os profissionais de saúde

tomarem conhecimento das conclusões deste trabalho.

Informamos que este projeto de pesquisa recebeu a aprovação do Comitê de Ética em

Pesquisa (CEP), da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, tendo sido homologada na reunião

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134 Anexos

do dia / /2010, protocolo número ________. Em caso de qualquer dúvida a respeito das

questões éticas deste trabalho, os entrevistados poderão entrar em contato com o citado Comitê pelo

email [email protected] ou pelo telefone (19) 3521-8936.

Este TERMO, em duas vias, é para certificar que eu, ________________________________

, concordo em participar na qualidade de voluntário do projeto científico acima mencionado, sem

gastos ou ganhos financeiros diretos para nenhuma das partes. Por meio deste documento, dou

permissão para que eu seja entrevistado(a) e para que a entrevista seja registrada em gravador de

voz.

Fui informado(a) de que as gravações ficarão em posse deste pesquisador para

prosseguimento do estudo e também disponíveis a mim se eu quiser ouvi-las. Sei que os resultados

do estudo serão divulgados, considerando o conjunto das informações dadas por várias pessoas

entrevistadas, sem que meu nome ou de nenhum outro participante apareça associado à pesquisa.

Fui informado(a) de que um técnico poderá fazer a transcrição das falas para texto de

computador e que pessoas do Grupo de Pesquisa acima citado poderão conhecer o conteúdo para

realizar discussão científica, mas todas estas pessoas também estarão submetidas às normas do

sigilo profissional.

Fui informado(a) de que não há riscos previstos para minha saúde, resultantes da participação

nesta pesquisa. No entanto, durante a entrevista, sei que poderei ter algumas recordações ou

emoções que estavam “guardadas” dentro de mim.

Fui informado(a) de que sou livre para recusar a dar resposta a alguma questão durante as

entrevistas, bem como para retirar meu consentimento e terminar minha participação, a qualquer

momento, sem que isso represente prejuízo aos atendimentos e tratamentos que recebo.

Fui informado(a) de que fica garantido o meu direito de retomar o atendimento no

Ambulatório de Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas, em qualquer momento, caso seja

de minha vontade.

Por fim, fui informado de que terei oportunidade de perguntar sobre qualquer questão que eu

desejar, e que todas elas deverão ser respondidas, ao meu contento, ao final da entrevista.

NOME: ASSINATURA:

Pesquisador: _____________________________________ ________________________

Entrevistado: _____________________________________ ________________________

Entrevista no _______ Local: ________________ Data: ___ / ___ / ___

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Anexos 135

ANEXO V -

QUADRO 1: CARACTERÍSTICAS DESCRITIVAS DA AMOSTRA

PARTICIPANTE

IDADE ESCOLARI-

DADE OCUPAÇÃO

(área) SITUAÇÃO CONJUGAL

DIANÓSTICOS (DSMIV + comorbidades)

TEMPO DE TRATAMENTO

(meses)

INTERNAÇÕES PRÉVIAS

1 18 ensino médio

incompleto

saúde solteira TASOE 16 não tem

2 19 ensino médio

incompleto comércio

solteira (entre a casa da mãe e

a do namorado) AN restr + TPH 15 psiquiátricas

3 19 ensino médio comércio solteira BN

+TAG

29

(com uma interrupção e

retorno)

clínica

4 23 ensino superior saúde solteira TASOE + TAG 23 não tem

5 25 ensino superior saúde mora junto AN purg 16 não tem

6 29 ensino médio

técnico comércio casada BN purg 15

psiquiátricas (leito TA)

7 30 ensino superior comércio solteira AN restr +TPH 32 psiquiátricas e

clínicas

8 30 ensino médio afastamento do trabalho

pelo INSS (comércio) solteira TASOE + TPH e DM 1 12

clínicas (inúmeras)

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136 Anexos

ANEXO VI -

CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES DO ESTUDO

A descrição abaixo deve ser lida com o auxílio do Anexo V (Quadro 1), no qual se

encontram em detalhes as características descritivas da amostra, permitindo a visualização

do perfil de cada um.

Todos os participantes são do sexo feminino, uma vez que no universo estudado – a

relação, fornecida pelo serviço, dos casos considerados pela equipe como “abandono” –

não existiam pessoas do sexo masculino. Têm entre 18 e 30 anos e, apesar do convite à

participação na pesquisa, aleatório, não tê-lo previsto, o grupo estudado apresenta certa

homogeneidade na distribuição dentro dessa faixa etária. O mesmo se pode dizer quanto

à escolaridade: equitativamente distribuída entre o ensino médio e superior completos, e

os dois mais jovens não completaram o ensino médio.

Quanto à orientação religiosa, dois participantes declaram não ter nenhuma crença

ou prática religiosa, sendo diversificada a relação com a religião dos seis demais, os que

declaram alguma crença: três católicos, um espírita não praticante, um evangélico

praticante, e um se declara crente, embora não membro de nenhuma igreja. Nota-se que

metade da amostra espontaneamente destacou sua religião como divergente da família.

Quanto à ocupação, a grande maioria tem trabalho, o que foi conquistado mediante

as melhoras; exceto um participante, que deixou de trabalhar pela piora no quadro, e

devido à permanência de tal gravidade, inclusive comorbidades clínicas até os dias da

entrevista, é declarado “incapaz pelo INSS” (sic). A maioria é solteira e sem filhos; uma

teve um filho na adolescência, criado pelos pais, como se fosse seu irmão; das três que

possuem companheiros: uma é casada e mãe de dois filhos, outra tem uma relação

estável sem filhos, e a mais jovem delas oscilava entre o “morar junto”, situação recente, e

o voltar para a casa da mãe, com rupturas constantes nesse relacionamento, também sem

filhos, mas suspeitando de gravidez quando da entrevista.

Optou-se por apresentar no Quadro 1 como “Questão com a estrutura familiar” os

aspectos relativos a: separação dos pais, existência de filhos de outros relacionamentos

dos pais ou de um filho sem casar-se, condição de filho adotivo, ou mesmo referência a

questões com a família ou um não pertencimento do ponto de vista subjetivo, condições

que tenham sido descritas de modo relevante em suas histórias de tratamento e abandono,

por vezes ligadas à própria origem dos transtornos.

Os diagnósticos descritos no Quadro 1 (Anexo V), conforme o DSM IV-TR – portanto,

feitos previamente ao abandono – de modo coerente com os objetivos do estudo, não

foram reavaliados no momento da entrevista e correspondem ao período do qual os

participantes falam nas entrevistas; ainda assim, muitas vezes estes possuem

representações sobre seu diagnóstico diversas do registrado pela equipe. Também

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Anexos 137

aleatoriamente, verificou-se certa homogeneidade entre os diagnósticos e seus subtipos no

grupo de TA, sendo interessante observar a presença dos quadros atípicos/sem outra

especificação (três participantes), bem como Transtornos de Personalidade (três

participantes; coincidindo ambas as comorbidades em um deles).

Entretanto, de um grupo onde todas abandonaram, podemos ver, um ano ou mais

após o abandono, que são diversas as trajetórias dos sujeitos: optar por não mais tratar-se,

como a maioria, ou seguir em outros serviços não especializados, como é o caso de duas

delas; uma segue em tratamento em outra cidade, com psiquiatra ambulatorial e suporte

clínico em internações recorrentes, segue com o transtorno importante e agravamento

crescente das complicações clínicas, não tendo podido reverter perdas do ponto de vista

psicossocial que teve com a doença; ao contrário, agravando o quadro e encontrando

redução de suas redes, de ajuda, social e ocupacional, posteriormente ao abandono, e

outra, ao contrário, significa sua interrupção como “dar-se alta”, informa manter-se bem,

tendo sustentado a remissão, o que chama de “estar curada”, tendo, porém, seguido um

tratamento para depressão, por demanda própria, meses após a interrupção.

Dos casos em que a questão abandônica se revelou determinante importante do

abandono, três são comórbidos com TPH. Três desses participantes possuem histórico de

abandono (materno ou paterno) e desestrutura familiar.

Quanto ao tempo de tratamento, observa-se que na amostra não há casos de

abandono no início, que poderiam ser considerados não adesão; há três casos do que é

chamado na literatura especializada de “abandono tardio” – tendo em vista não somente o

tempo de tratamento, de dois anos ou mais –, sendo todo o restante entre um ano e

pouco menos de um ano e meio (metade da amostra tinha quinze ou dezesseis meses de

tratamento).* É possível inferir que não haja não adesão na amostra, em função do fato de

que pessoas que não chegaram a constituir nenhum tipo de vínculo com o serviço não se

dispuseram também a refletir e falar sobre o assunto e, portanto, não estão

representados.

Finalmente, quanto a internações prévias, o grupo também descreve uma curva

normal, na medida em que três não passaram por internações anteriores, e cinco

participantes sim, sendo igualmente assim distribuídos os históricos em cada caso: (S2)

internações psiquiátricas; (S6) internações psiquiátricas em leito especializado para TA;

(S3) uma internação clínica; (S8) inúmeras internações clínicas e (S7) internações

psiquiátrica e clínicas.

* Deve-se dizer que essas referências nem sempre são exatas, mas, antes, constituem aproximações. Em

alguns casos, pôde ser confirmado pelos prontuários, em outros não, uma vez que as faltas que em geral antecedem os abandonos tornam as evoluções interrompidas e com grandes lacunas; também sucede que certos sujeitos informam um tempo subjetivamente registrado, que não corresponde ao registrado, porque podem incluir outros atendimentos no HC até que tenham chegado ao ambulatório especializado, porém que são contados como parte do tratamento ambulatorial para TA, sendo válidos como dado numa pesquisa qualitativa que trabalha com experiências subjetivadas. Os casos onde dúvidas permaneceram após consulta a prontuários foram resolvidos submetidos à coordenação do serviço, que informou a partir de seus registros em prontuário.

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138 Anexos

É curioso notar que a maioria trabalha ou trabalhou no ramo “alimentar”, seja no

comércio, ou na área de Saúde, e no mesmo sentido, um participante menciona seu

desejo de cursar Faculdade de Gastronomia.

Sobre os casos S1 e S2, vale comentar que ambos interromperam os estudos

durante o período de doença e tratamento. S1, em fase de recuperação de alguns

prejuízos sociais desse período e mais estável e com melhora da autoestima desde que

passou a namorar, pouco antes de abandonar o tratamento, fala da intenção de concluir

o 2º grau, sendo retomado no momento da entrevista com o intuito de cursar

Gastronomia, pretendendo ter um restaurante. Já S2, em função de internação

prolongada, abandonou tanto o tratamento ambulatorial quanto os estudos, declarando

não pretender retomar nenhum deles e nem as práticas religiosas também abandonadas,

explicitando, em sua entrevista, seu ceticismo em relação às instituições: familiares,

hospitalares, religiosas, até os amigos, de quem passou a “desconfiar” o que é digno de

nota. Outro participante, o único que ao significar seu abandono como “dar-se alta” por

estar curada, não reconhecido pela equipe naquele momento, porém que ela própria

entende por abandono definindo-o pela decisão unilateral. Havia concluído há pouco o 2º

grau, mantinha o emprego obtido e revelou a intenção de cursar Faculdade de Psicologia.

Tal remissão se sustenta até os dias atuais (sic) inclusive seguindo tratamento para

depressão, e pareceu factível pelo que seu discurso revela de sua posição subjetiva e

relação com a comida, na entrevista.

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Apêndices 139