Territoro y Modernizacion La Cara Perversa Del Desarrollo

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O território sob o “Efeito Modernizador”: a face perversa do desenvolvimento The territory under the “Modernizing Effect”: the perverse face of the development Le territoire sous “l’Effet Modernisem”: la misage méchant du développement El territorio bajo el “Efecto Modernizador”: el lado perverso del desarrollo Mirlei Fachini Vicente Pereira* Recebido em 25/5/2005; revisado e aprovado em 21/10/2005; aceito em 22/4/2006. Resumo: As políticas atuais de desenvolvimento territorial às vezes se atrelam, de forma interesseira, ao uso de recursos locais e à implementação de projetos específicos de agentes determinados. Este fenômeno caracteriza o que estamos aqui denominando de “efeito modernizador”, fruto das práticas de alguns agentes para tornar o território viável às suas pretensões particulares. Estas práticas acabam por difundir idéias de desenvolvimento e modernização que não se realizam de forma igualitária no lugar. Palavras-chave: Território; desenvolvimento; “Efeito Modernizador”. Abstract: The current territorial development policies sometimes have a particular relationship, of interest, to in local resources use and to the implantation of certain specific projects. These policies, we denominate “modernizing effect”, a product of the some agents to turn the viable territory to their pretensions. These practices result in the diffusing of development ideas and modernization, but they do not occur on equal terms at the place. Key words: Territory; development; “Modernizing Effect”. Résumé: Les politiques actuelles de développement territorial sont parfois rattachées, de manière intéressée, à l’utilisation des ressources locales et à l’exécution de projets spécifiques d’agents déterminés. Ce phénomène caractérise ce qui est appelé ici de: « effet modernisateur », résultat des pratiques de quelques agents pour rendre possible leurs prétentions particulières. Ces pratiques finissent par propager des idées de développement et de modernisation qui ne se réalisent pas de forme égalitaire dans le local. Mots-clé : Territoire; développement; « Effet modernisateur ». Resumen: Las políticas actuales de desarrollo territorial a veces se abocan, de forma interesada, al uso de recursos locales y en la implementación de proyectos específicos de agentes determinados. Este fenómeno caracteriza lo que estamos aquí denominando de “efecto modernizador”, fruto de las prácticas de algunos agentes para tornar el territorio viable a sus pretensiones particulares. Estas prácticas acaban por difundir ideas de desarrollo y modernización que no se realizan de forma igualitaria en el lugar. Palabras clave: Territorio; desarrollo; “Efecto Modernizador”. INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 8, N. 13, p. 63-69, Set. 2006. * Geógrafo, aluno do doutorado no Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Estadual Paulista (UNESP) Campus Rio Claro. Bolsita CNPq, Brasil. ([email protected]). Este trabalho resulta, com algumas modificações, da comunicação apresentada pelo autor no Eixo “Desenvolvimento Territorial”, durante o V Seminário de Pós-Graduação em Geografia da UNESP, realizado em outubro de 2005, em Rio Claro-SP. Entre valor e “desvalor”: Território - idéias de desenvolvimento e racionalidades de uso O território, entendido aqui como o es- paço socialmente usado, é o locus onde são produzidas as ações dos homens, das empre- sas, dos Estados e demais instituições sociais, ou seja – o território pode ser compreendido como sinônimo de espaço geográfico, espa- ço esse resultante das práticas de todos os agentes, que envolve todas as ações e todos os interesses sociais (SANTOS et. al., 2000). No atual período histórico, os territóri- os se apresentam de uma forma integrada, própria do processo de globalização vigente, o que indica uma complementaridade e interdependência funcional dos lugares, so- bretudo no que tange às estratégias de mer- cado e mesmo da organização do território para o seu funcionamento 1 . Ao mesmo tem- po, o território também possui um caráter frag- mentário, visto que o espaço geográfico apre- senta diferentes densidades materiais, de uso e valores também distintos. É assim que os lugares se diferenciam, segundo suas lógicas de funcionamento e suas diferentes inserções no processo de uso econômico do território. Desta forma, poderíamos pensar que os territórios, desdobrados em distintos subespaços – regiões e lugares, são, relativa- mente, mais ou menos desenvolvidos, mais ou menos modernos e valorizados, levando em conta suas diferentes lógicas de uso e de

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O território sob o “Efeito Modernizador”: a face perversa do desenvolvimentoThe territory under the “Modernizing Effect”: the perverse face of the development

Le territoire sous “l’Effet Modernisem”: la misage méchant du développementEl territorio bajo el “Efecto Modernizador”: el lado perverso del desarrollo

Mirlei Fachini Vicente Pereira*

Recebido em 25/5/2005; revisado e aprovado em 21/10/2005; aceito em 22/4/2006.

Resumo: As políticas atuais de desenvolvimento territorial às vezes se atrelam, de forma interesseira, ao uso derecursos locais e à implementação de projetos específicos de agentes determinados. Este fenômeno caracteriza o queestamos aqui denominando de “efeito modernizador”, fruto das práticas de alguns agentes para tornar o territórioviável às suas pretensões particulares. Estas práticas acabam por difundir idéias de desenvolvimento e modernizaçãoque não se realizam de forma igualitária no lugar.Palavras-chave: Território; desenvolvimento; “Efeito Modernizador”.

Abstract: The current territorial development policies sometimes have a particular relationship, of interest, to in localresources use and to the implantation of certain specific projects. These policies, we denominate “modernizing effect”,a product of the some agents to turn the viable territory to their pretensions. These practices result in the diffusing ofdevelopment ideas and modernization, but they do not occur on equal terms at the place.Key words: Territory; development; “Modernizing Effect”.

Résumé: Les politiques actuelles de développement territorial sont parfois rattachées, de manière intéressée, àl’utilisation des ressources locales et à l’exécution de projets spécifiques d’agents déterminés. Ce phénomène caractérisece qui est appelé ici de: « effet modernisateur », résultat des pratiques de quelques agents pour rendre possible leursprétentions particulières. Ces pratiques finissent par propager des idées de développement et de modernisation qui nese réalisent pas de forme égalitaire dans le local.Mots-clé : Territoire; développement; « Effet modernisateur ».

Resumen: Las políticas actuales de desarrollo territorial a veces se abocan, de forma interesada, al uso de recursoslocales y en la implementación de proyectos específicos de agentes determinados. Este fenómeno caracteriza lo queestamos aquí denominando de “efecto modernizador”, fruto de las prácticas de algunos agentes para tornar elterritorio viable a sus pretensiones particulares. Estas prácticas acaban por difundir ideas de desarrollo y modernizaciónque no se realizan de forma igualitaria en el lugar.Palabras clave: Territorio; desarrollo; “Efecto Modernizador”.

INTERAÇÕESRevista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 8, N. 13, p. 63-69, Set. 2006.

* Geógrafo, aluno do doutorado no Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Estadual Paulista(UNESP) Campus Rio Claro. Bolsita CNPq, Brasil. ([email protected]).Este trabalho resulta, com algumas modificações, da comunicação apresentada pelo autor no Eixo “DesenvolvimentoTerritorial”, durante o V Seminário de Pós-Graduação em Geografia da UNESP, realizado em outubro de 2005, emRio Claro-SP.

Entre valor e “desvalor”: Território -idéias de desenvolvimento eracionalidades de uso

O território, entendido aqui como o es-paço socialmente usado, é o locus onde sãoproduzidas as ações dos homens, das empre-sas, dos Estados e demais instituições sociais,ou seja – o território pode ser compreendidocomo sinônimo de espaço geográfico, espa-ço esse resultante das práticas de todos osagentes, que envolve todas as ações e todosos interesses sociais (SANTOS et. al., 2000).

No atual período histórico, os territóri-os se apresentam de uma forma integrada,própria do processo de globalização vigente,o que indica uma complementaridade e

interdependência funcional dos lugares, so-bretudo no que tange às estratégias de mer-cado e mesmo da organização do territóriopara o seu funcionamento1. Ao mesmo tem-po, o território também possui um caráter frag-mentário, visto que o espaço geográfico apre-senta diferentes densidades materiais, de usoe valores também distintos. É assim que oslugares se diferenciam, segundo suas lógicasde funcionamento e suas diferentes inserçõesno processo de uso econômico do território.

Desta forma, poderíamos pensar queos territórios, desdobrados em distintossubespaços – regiões e lugares, são, relativa-mente, mais ou menos desenvolvidos, maisou menos modernos e valorizados, levandoem conta suas diferentes lógicas de uso e de

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apropriação para o trabalho, que, hoje, maisdo que nunca, se renovam de forma frenéti-ca. Neste caso, que seria um território mo-derno e desenvolvido? De que moderniza-ção e desenvolvimento se tratam? Em outrostermos e trazendo o debate para o nosso país,quais são os conteúdos e usos modernos edesenvolvidos do território brasileiro? Quaisconseqüências esta modernização e desen-volvimento acarretam para a sociedade e oterritório como um todo?

As idéias de modernização e dedesenvolvimento: projetos das empresas,projetos dos lugares

A lógica atual de (re)valorização e(re)desenvolvimento territorial leva em con-ta a idéia de recursos e de projetos. Assim,as políticas de desenvolvimento territorial seatrelam, na maioria das vezes de forma inte-resseira, ao uso de recursos locais e à açãode projetos específicos de determinadosagentes socioterritoriais que renovam obje-tos e ações para um novo uso produtivo doslugares.

A idéia de projeto envolve, diretamen-te, as noções de plano e intenção. O plano,como delineamento de objetivos, interagecom a intenção, que é um propósito, umavontade determinada. Assim, nos dias atu-ais, o desenvolvimento e modernização ter-ritoriais estão, em grande parte, atrelados auma ligação dos lugares aos projetos dasgrandes empresas. Estas, por sua vez, se en-contram no mais das vezes coadunadas pelopoder público em suas diferentes escalas deação, quando não de forma ilícita já torna-da prática comum entre empresas e gover-nantes em distintos países.

A intenção das grandes empresas eminvestir é seletiva, e ela acaba por eleger oslugares que se mostram mais favoráveis, ouseja, aqueles que apresentam as condiçõesideais e reais (ou em via de realização), e quedesta forma satisfaçam as suas necessidades.Podemos, de forma dialética, compreenderos interesses das empresas e também os in-teresses que os lugares possuem em atraí-las.Este último, em verdade, constitui não o in-teresse do lugar como um todo, mas apenasa vontade de alguns, visto que as benesses doacontecimento se restringem ao alcance de

um seleto grupo de agentes. Caberia assimdistinguir, de forma complementar, que tan-to os territórios e lugares, quanto as grandesempresas, utilizam-se de projetos para o al-cance de seus objetivos.

Comecemos pelos projetos das gran-des empresas. A idéia e prática atual destesagentes hegemônicos da economia são, nocontexto do atual capitalismo globalizado,encontrar o lugar (no conjunto de um terri-tório nacional) que mais satisfaça os seusinteresses produtivos, levando em conta,desta forma, o menor esforço por parte daempresa em adicionar ao lugar escolhido oselementos técnicos necessários para a imple-mentação de seu projeto. Ou seja, a questãoda localização dos empreendimentos produ-tivos há muito tempo resulta das vantagenscomparativas e concorrenciais, que envol-vem tanto a natureza da atividade produti-va como a natureza do local onde a ativida-de é (ou será) implantada (BENKO, 1996).

Nesse sentido, poderíamos dizer que oprojeto das grandes empresas, para o seupróprio benefício e desenvolvimento, possuiuma dimensão territorial de importânciaextrema, que somada a dimensões políticase econômicas, entre outras, se torna elemen-to estratégico para o êxito do seu projeto.

Por outro lado, os lugares também pos-suem projetos. Projetos múltiplos que aco-lhem distintas racionalidades de dimensõese propósitos muito diferenciados daquelesdas empresas. Num primeiro momento con-viria falar numa idéia desenfreada de “de-senvolvimento a qualquer custo”, que tempromovido, caberia dizer, uma verdadeira“guerra entre lugares” pela disputa de em-preendimentos com grande aporte de recur-sos (tal como a instalação de empresas mul-tinacionais), na idéia de que são estes empre-endimentos os únicos capazes de renovar adinâmica econômico-produtiva de municí-pios e mesmo de regiões inteiras. Detalhe que,aqui, na maioria das vezes, a idéia de(re)dinamizar/(re)desenvolver a economia eo território é acolhida de forma imediata,sem qualquer preocupação de fundo ideoló-gico/político por parte dos governantes,principalmente na escala do poder públicomunicipal. A normalmente denominada“guerra fiscal”, fenômeno comum no terri-tório brasileiro no fim do século passado e

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início do atual é exemplo nítido deste pro-cesso (CATAIA, 2003).

Neste caso, e quando o projeto de “de-senvolvimento” é empreendido desta forma,o que resta não é outra coisa do que o casa-mento das intenções das grandes empresascom a vontade insaciável de atração destaspelos agentes políticos de determinados lu-gares. No entanto, se são duas as aspirações,dois planos/projetos que se interpenetram(o das empresas e o dos lugares), a realidadedo território usado denuncia que apenas umprojeto é vencedor, somente um logra êxito.

Na ânsia por um “desenvolvimentoterritorial fácil”, os lugares acabam por en-tregar todos os seus recursos territoriais, enesta ocasião, acabam por tornar-se “presafácil” das grandes empresas que só aspiram,e o fazem da forma mais pragmática, o al-cance dos seus objetivos de mercado.

A atual lógica de uso do território pe-las grandes empresas, em se tratando do casobrasileiro, acaba praticamente por negartoda e qualquer idéia de um projeto autôno-mo de desenvolvimento, ou seja, de um de-senvolvimento verdadeiramente a partir dolugar e para os anseios do lugar. O projetovencedor é assim, no mais das vezes, aqueleque favorece a acumulação de alguns pou-cos agentes; e os projetos dos lugares, quepor vezes até se acreditam bem orientados,revelam-se, na verdade, uma promessa ne-gada. O processo fica claro quando demons-tramos a idéia de recursos, evidenciando quea pretensão de construir um projeto autôno-mo é normalmente substituída por um dis-curso de uso de “recursos fáceis”, porém in-sustentáveis.

Mas quais são estes recursos territori-ais? Como se dão, nos lugares, as suas for-mas de entrega facilitada ao projeto das gran-des empresas? As custas de quê os projetosdas grandes empresas logram êxito e comoencontrar novos projetos que verdadeiramen-te expressem os anseios de desenvolvimentoautônomo dos lugares?

Desenvolvimento por quais vias? Oproblema do uso dos recursos

Como temos destacado, podemos re-conhecer, de forma complementar à idéia deprojetos, a presença e a força da idéia de re-

cursos nas políticas de desenvolvimento ter-ritorial. Não pretendemos fazer neste traba-lho uma análise de recursos territoriais oumesmo de “territórios de recursos” baseadana leitura econômica do território (BENKO& PECQUER, 2001). Nossa idéia aqui é fun-damentada no uso do território, ou melhor,em todas as experiências possíveis de usoterritorial, e quando o uso (total) e o territó-rio (como um todo) é levado em conta, o con-ceito de recurso deve aparecer de duas for-mas, ambas apresentando na maioria dasvezes o mesmo significado para o território.

Numa primeira idéia, os lugares sãoeleitos como verdadeiros recursos pelas gran-des empresas, porque eles contêm os meiospara auxiliar e mesmo efetivar as suas ações,os seus interesses. Assim, as grandes empre-sas, antes de instalar-se, acirram diferenteslocalidades e empreendem esforços para que,aquele lugar que fora finalmente eleito paraa instalação, lhe conceda uma série de in-centivos que nada mais são do que recursosdisponíveis no território.

No Brasil atual, estes recursos territo-riais entregues às grandes empresas se apre-sentam na forma de isenção total ou parcialde impostos, doação de terrenos e demaisinfraestruturas territoriais (facilidades deacesso e de distribuição do que é produzido,informação, etc.), sem contar as condiçõesde mão-de-obra barata encontradas pratica-mente em todo o território nacional. Cadaum destes itens se diferencia em importân-cia para determinado tipo de empresa ouatividade. Assim, as grandes empresas aca-bam, nas palavras de Milton Santos (2000),fazendo uso do território como mais um re-curso a ser explorado. Exploração esta quenão se reverte em ganhos para o territóriocomo um todo.

Contraditoriamente, e ao mesmo tem-po, as grandes empresas também são vistascomo recurso para o desenvolvimento doslugares, e acabam figurando, quando “con-quistadas”, como verdadeiros trunfos. Paraisto, basta reconhecer no território, e o terri-tório brasileiro é exemplo típico deste pro-cesso, o que significa a vinda, ou melhor, aacirrada conquista de uma grande empre-sa, principalmente quando se trata das gran-des empresas estrangeiras. Neste caso, enuma leitura enviesada e míope por parte

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de alguns, as grandes empresas atuariamcomo meio, ou seja, como recurso estratégi-co para que os lugares vençam as dificulda-des comuns do período (principalmente odesemprego), alcançando assim o almejado“desenvolvimento”.

No entanto, a idéia de desenvolvimen-to e de modernidade que comumente se ins-tala a partir da presença destes novos vetoresno território (uma nova empresa), ou ainda,somente as aspirações veiculadas pela mídiano trabalho nada difícil de legitimação dosprojetos das grandes empresas, já confereuma legitimidade a priori dos lugares consi-derados “atrasados” ou “marginais”. O queocorre neste caso, com a entrega dos recur-sos territoriais aos projetos das grandes em-presas, ou mesmo a tomada do lugar/terri-tório como recurso pelas mesmas, é na ver-dade o que estamos denominando de “efei-to modernizador”, visto que, aparentemen-te, os lugares lucrariam com o simples fatoda instalação destas novas empresas e dasnovas infraestruturas territoriais que normal-mente as acompanham2.

O efeito modernizador e suasconseqüências territoriais

Esta renovação do conteúdo materialdo território confere aos lugares a emergên-cia do que estamos chamando de “efeitomodernizador”. Este seria todo o conteúdoterritorial (objetos e ações) que se impõecomo novo, e que, ganhando localmente umcaráter de proeminência em relação aos de-mais, acaba por centralizar toda a atenção eação dos agentes públicos. Por isso se tratarapenas de uma modernização aparente,porque se dá de forma centralizada e nãorepercute em ganhos e melhorias para to-dos os que habitam o lugar. Tirando provei-to político da situação de renovação territo-rial, e invertendo e distorcendo as atençõesda sociedade, o poder público (nas suas di-ferentes escalas territoriais), apoiado na le-gitimidade aparente dos projetos de moder-nização e desenvolvimento, se volta para arazão das ações privadas, promovendo des-ta forma um uso corporativo do território.

Esta situação, muito cara à idéia de de-senvolvimento fundada a partir da entregados recursos territoriais, e mesmo valeria di-

zer, da “entrega do território” às grandesempresas, é assim um desenvolvimento euma modernização concentradores. Trata-se na verdade de um efeito de modernizaçãoque mascara e falsifica, seleciona e exclui. Éo tipo de desenvolvimento territorial prega-do pelo poder público descompromissadocom a sociedade, e próprio dos macroatoreseconômicos do período que só têm olhos parasi. É o impedimento da ação, é a imposiçãode um projeto único, que também se revelacomo o pensamento e a estruturação de ummodelo de desenvolvimento “inevitável”.

Conviria destacar um novo dado doperíodo que nos permite mais uma vez dei-xar de lado a velha idéia de determinismodo meio (ou determinismo ambiental), paranos atermos com atenção aos processos queevidenciam a constituição de verdadeiros“espaços determinados”, onde imperam ra-zões alheias à sua ordem pretérita, determi-nação e racionalização estas que são própri-as do processo de alienação territorial co-mum do presente período (SANTOS &SILVEIRA, 2001).

É justamente disso que se trata – umaalienação e uma inversão de valores no quetange ao significado do público e do priva-do. O poder público governa e remete recur-sos públicos para os projetos privados degrandes empresas, na idéia de que estas, apartir de suas ações no território seriam ca-pazes de promover algo como “sinergias” e“externalidades” que se reverteriam em de-senvolvimento econômico e social para o lu-gar como um todo. Recursos públicos, soci-almente constituídos no lugar, financiandoprojetos privados, na expectativa de que umdia estes sejam capazes de produzir novosrecursos para uso social.

Assim, o território parece alienar-se,deixa-se levar pelos interesses de agentes es-tranhos à sua própria natureza e lógica in-ternas, e busca, a partir destes, obter um“desenvolvimento” que, na maioria das ve-zes, se reverte em mais problemas de ordemsocial para o lugar como um todo.

Este tipo de desenvolvimento territori-al, determinado e determinante, é o futuropreparado por alguns, e o territóriocorporativo e ideal que é também produzi-do para alguns seletos agentes. É a razãoprópria de uma lógica vertical3 de uso do

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território e é também, ao mesmo tempo, anegação das oportunidades distintas de de-senvolvimento para os outros. “Observamosassim que, na verticalidade acontecem tan-to o impedimento da ação inovadora e cria-dora, da verdadeira práxis, quanto areafirmação da dimensão territorial da alie-nação” (RIBEIRO, 2003, p.35).

Como o discurso dos agentes hegemô-nico da economia e da política se impõe commaior força, (re)criando necessidades e ra-zões no território, parece não restar outraestratégia de “desenvolvimento” que não seatrele a uma ligação com os projetos e inte-resses das grandes empresas. Daí o esforçosem fim das políticas de “desenvolvimentoterritorial” para, de uma forma também com-petitiva, dotar o território com as infraestru-turas diversas e as normas territoriais (ex.isenção de impostos), tornando o territórioviável à ação dos agentes hegemônicos.

Assim, a forma como os projetos dasgrandes empresas são legitimados no con-junto da sociedade, e também a maneiracomo os planos de desenvolvimento territo-rial são implantados pelo poder público, sãoexemplos de manifestações do pensamentoúnico (SANTOS, 2000) que se impõe de for-ma despótica em todas as esferas da vidasocial, e, portanto, nas políticas de condu-ção do uso do território.

A pertinência dos projetos dos lugares paraa necessária reconstrução do território

Como os lugares poderão encontrar,nas circunstâncias do mundo atual, possibi-lidades de desenvolvimento autônomas?Será possível pensarmos caminhos alterna-tivos, que remetam a outras formas e outraspolíticas para a elaboração de projetos co-muns que atendam genuinamente aos inte-resses de todos no lugar?

Cabe aqui analisarmos quanto das de-nominadas políticas de desenvolvimento ter-ritorial e de desenvolvimento local realmen-te estão assentadas em propostas que bus-cam um desenvolvimento autônomo e quegaranta a liberdade de iniciativas, além deprincípios éticos e políticos para a constru-ção e definição de estratégias de desenvolvi-mento que atendam de forma eficaz as par-ticularidades de cada lugar e os anseios das

coletividades territorialmente enraizadas.Será isto possível a partir, somente, de pro-gramas de governo ou da ação de grandesempresas em lugares específicos?

Parece-nos estarmos vivendo um perí-odo de banalização da idéia de desenvolvi-mento, e também banalização das experiên-cias locais em busca de desenvolvimento ver-dadeiramente autônomo, como se este fossefacilmente transposto de lugar para lugar,sem maiores implicações. Uma “ideologiadesenvolvimentista” também tem promovi-do a banalização da cultura dos lugares, desuas especificidades históricas e de recursosterritoriais e ambientais únicos em nome deexperiências falseadas de “desenvolvimen-to local/territorial” empreendidas sem levarem conta os interesses das sociedades e doslugares como um todo.

Estes fatos nos levam à necessidade deempreender um esforço de distinção episte-mológica entre lugar e local, que se mostrapertinente na discussão do desenvolvimen-to – “O local pode ser lido como nicho oualvo de ações desenhadas noutras escalas.Já o lugar abriga, além de conseqüênciasdestas ações, enigmas, carências e projetosdo existir. Não se trataria, realmente, de pro-por uma oposição absoluta entre estas idéi-as-conceitos, mas de indicar que local e lu-gar correspondem a sensibilidades analíticase políticas distintas. O local traz referênciasà heteronomia, enquanto o lugar é portadorde anseios de autonomia. Completando-se,portanto” (RIBEIRO, 2004, p.44).

Assim, nas políticas de desenvolvimen-to, os lugares necessitam impor-se, necessi-tam ser olhados, como “projetos comuns doslugares”, fundados em anseios de liberdadee de autonomia, que atendam, de uma for-ma ou de outra, a totalidade dos agentescomuns do e no lugar, numa base territorialque também seja comum.

Não se trata, de modo algum, da nega-ção dos projetos dos grandes agentes econô-micos e da grande produção, nem mesmode atuar de forma a construir uma postura“xenófoba” dos lugares, mas, da mesma for-ma como os vetores externos (as ações verti-cais das grandes empresas) têm imposto aoslugares suas vontades de forma despótica,fazer impor os interesses e demandas paraque os projetos (tanto das empresas como

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dos lugares) ocorram a partir de um diálogoprofícuo, permitindo desta forma que os lu-gares não se tornem “presa fácil” das gran-des empresas, e que os recursos socialmenteconstituídos e longamente elaborados no ter-ritório não se tornem elementos de uma ver-dadeira “acumulação prévia” que viabilizaa instalação e o funcionamento do projetohegemônico no território.

Em outras palavras, o território devedeixar de ser usado apenas como recursopelos agentes hegemônicos. O lugar, leia-seaqui – a sociedade organizada a partir deuma base territorial comum e entorno deinteresses comuns, deve impor suas leis e suasvontades para fazer jus a um desenvolvimen-to, este sim valeria dizer – local e sustentá-vel, e a uma modernização que atenda aosanseios de todos e que não se instale apenascomo um “efeito” aparente. O papel do po-der público, e de uma verdadeira refundaçãodo Estado e da política, tal como propõe EmirSader (2003), se mostra extremamente ne-cessário para que esta ação criadora se for-taleça e possa emergir verdadeiramentecomo práxis.

Exemplos de eventos que poderíamosdenominar como verdadeiros acontecereslibertários, ou pelos menos a sua insurgênciae potência, afloram nos quatro cantos domundo e permitem com que os olhamoscomo forças presentes e efetivas para a in-venção de uma nova ordem. É o próprio ter-ritório, através de seus distintos lugares, so-lidariedades construídas entre agentes noespaço, que promove a emergência de bus-cas alternativas ao projeto hegemônico quese pretende único.

Desta forma, podemos observar que “Oterritório não é inerte. Só os atores hegemôni-cos podem criar e difundir essa fantasia, jáque não necessitam, ou não querem reconhe-cer explicitamente a ação do Outro. Aquelesque precisam construir condições de vida emcontextos adversos não podem aderir a essafantasia, que destrói a compreensão do jogoda política” (RIBEIRO, 2003, p.37).

No Brasil e em todo o mundo, inúme-ros casos de cooperativismo e de propostascoletivas e solidárias parecem indicar novoscaminhos. De forma mais pontual, podería-mos citar outros exemplos e ações – o siste-ma escolar dos assentamentos do Movimen-

to dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), ofe-recendo uma educação para a autonomia(SADER, 2003, p.320); o movimento das co-munidades negras na Colômbia (LEFF,2002); o de indígenas e camponeses organi-zados pela busca de seus direitos em toda aAmérica Latina (PORTO-GONÇALVES,2002); a luta dos seringueiros no Acre, pelodireito de explorar a terra e a floresta, nabusca de um desenvolvimento baseado emconhecimentos longamente elaborados nolugar (PORTO-GONÇALVES, 2003); tam-bém destacam este caráter de estruturaçãode uma nova política de condução da vida edo território. Os ativistas do movimento dascomunidades negras no Pacífico sul-colom-biano, por exemplo, “(...) conceitualizam oterritório como um espaço para a criação defuturos, para a esperança e a continuaçãoda existência” (LEFF, 2002, p.278), fundan-do uma nova ótica (e também uma nova éti-ca) de valor para o território, que se baseiana política do lugar e da diferença.

Contraditoriamente, são nestas açõesadvindas dos “de baixo”, dos movimentospopulares de toda a ordem e das sociedadeslocalmente organizadas, da ação criadorados homens comuns no território e não naação opressora do acontecer hierárquico(SANTOS, 1997, 2005), próprio das açõeshegemônicas, dos preceitos interesseiros da-queles que são “externos ao lugar”, que po-demos encontrar o verdadeiro conteúdomoderno, e por que não, desenvolvido, dosterritórios. Esta é a manifestação do movi-mento que agora se inicia, fundado na idéiade projetos dos lugares, para o necessárioreencantamento do mundo e da vida.

Notas

1 Quanto à interdependência dos lugares no mundoglobalizado vide – para a economia, FrançoisChesnais (1996); para a produção industrial e da in-formação, Manuel Castells (1999), entre outros. Exem-plos da interdependência funcional dos lugares noterritório brasileiro podem ser encontrados na obrade Milton Santos e María Laura Silveira (2001).

2 É interessante notarmos como no Brasil atual a con-quista de grandes empresas é festejada como um ver-dadeiro prêmio por prefeitos, vereadores e lideran-ças políticas locais. Mais do que isso, são produzidos,via mídia, discursos em que os próprios municípiosou regiões (ou seja, o próprio território) é que são“vencedores”. Essa é mais uma manifestação e con-seqüência do que estamos aqui chamando de “efeitomodernizador”.

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3 A idéia de verticalidade ou de uso vertical do territó-rio foi desenvolvida por Milton Santos (1997, 2005) epode ser compreendida, resumidamente, por aque-las possibilidades de uso e ação territorial que sãopresididas por agentes externos e distantes, inserindono conteúdo do território racionalidades alheias aosinteresses dos lugares e da sociedade como um todo.

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