Letras, belas letras, boas letras

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Conceitos de Literatura

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LETRAS, BELAS-LETRAS, BOAS LETRASMárcia Abreu

A invenção da literatura

Século XVIII: literatura era sinônimo de erudição, englobando textos filosóficos, históricos e científicos.

O trabalho intelectual = desprestígio social. O direito autoral = sem definição e pouco ou

nada valorizado. O artista: patrocínio ou clientelismo.

A invenção da literatura

• Academias e salões (séc. XVII): conferiu alguma valorização aos letrados e contribuiu para a distinção do ofício das Letras das Ciências e Artes.

• Academias = valorização simbólica do letrado.• Dependência dos mecenas = dinheiro.• O Estado assume o papel dos mecenas =

prestígio e recursos financeiros a alguns escritores.

A invenção da literatura

• Papel da Academia Francesa (1835) = distinção social e garantia de pagamento em dinheiro.

• Função social os autores: esteio da nacionalidade, servindo aos interesses do Estado francês – unificar a França.

“O poder político buscou nas letras uma de suas formas de sustentação, não apenas como um instrumento de propaganda, mas como argumento de legitimidade.” (p. 14)

Definição de literatura

Literatura = conhecimento, íntima união entre Belas-Letras e Ciências.

Belas-Letras: Gramática, Eloquência, História, Crítica aperfeiçoadas pela Ciência.

Homem letrado: ciência (coisas úteis), letras (amenidades) e filosofia (coisas úteis e amenindades).

Definição de literatura

• A opinião pública = nova instância de consagração, fortalecida pelos jornais.

• Os filósofos: desejam atingir os grandes leitores, não as massas, daí a introdução de categorias de “gosto” e de “beleza” para distinguir os grupos de escritores e grupos de leitores.

“O gosto é como filosofia. Pertence a um reduzido número de almas privilegiadas...” (p. 18)

Literatura e hierarquização

• A proliferação do escrito gerou a busca de formas de hierarquização de pessoas e obras.

Um contraste: alfabetização x distinção social.Elemento distintivo: gosto e beleza.Separação entre boa e má leitura, leitores

ignorantes e sábios.• Novos grupos de leitores: mulheres, crianças,

artesãos, camponeses e pequenos comerciantes.

Literatura e consumo

Ampliação do público-leitor e do mercado editorial: expansão das possibilidades profissionais da escrita.

Romance: preconceito e ganhos financeiros. Consumo = massa – mercado – ganhos

financeiros X declínio nos padrões de composição.

Literatura e hierarquia entre escritores “Os escritores ligados aos poderosos, que

começavam a conseguir para si alguma valorização social e algum poder, tinham todo interesse em dissociar-se desse ‘proletariado intelectual’”. (p. 25)

Romance = leitura indisciplinada, vítima de ataques, prestígio popular.

Século XVIII: revolução da leitura• Ler deixa de ser prestígio social o que levou a

distinguir-se o campo letrado entre LEITORES E leitores.

• A noção de literariedade = a imanência da obra literária como forma de separação entre os leitores.

“O valor da obra de arte estaria justamente na falta de finalidade externa. O objetivo do artista seria tão somente criar um ‘todo coerente e harmonioso’, que só poderia ser avaliado segundo seu valor intríns e c o ” (p. 27)

Literatura: arte sem função!

O valor da arte está em não servir para muita coisa daí a distinção entre literatos e subliteratos e a eleição de autores, gêneros e maneiras de ler.

Definição moderna de literatura

Surge com os novos leitores, novos gêneros, novos escritores e novas formas de ler.

Surgem as instâncias de consagração = critérios de valoração da arte literária.

Grande obra: pertencer a um gênero certo, escrita por autor de prestígio, apreciada pela elite, sem grande sucesso editorial.

Nova instância: o crítico

O crítico passa a ter importância na consagração da obra.

O conceito de literatura como conhecemos surge da necessidade de controlar práticas culturais e fazer valer marcas de distinção social – para nós considerado universal, porém a-histórico.

A invenção da literatura portuguesa Em Portugal, literatura é dicionarizado em

1727, definido como na França (erudição, ciência, notícia das boas letras, conhecimento).

Em dicionário de Antônio de Moraes Silva (1789), o termo só reaparece em edição de 1831, mas só no final do século XIX aproxima-se da concepção moderna.

A invenção da literatura portuguesa Acrescenta-se ao termo literatura a noção de

p ro duç ã o e a um conjunto de obras definido por terem sido produzidas em determinado tempo ou território: “O conjunto das produções literárias d’uma nação, d’um país, d’uma época: O s lus ía da s , são a obra capital da literatura portuguesa.” (p. 31)

Biblio te c a Lus ita na

Trajetória de afirmação do trabalho intelectual e autonomização do campo do saber:

distingue-se da biblioteca francesa ao dissociar os campos do saber e o da literatura. Empreendimento em valorizar o trabalho intelectual com objetivos à fundação de uma nacionalidade a exemplo dos demais países.

Biblio te c a Lus ita na

Afirmação da figura do autor, na maneira de ordenar os textos. Os autores apresentados como reis, príncipes etc, como forma de associar papeis sociais aos autores.

Marquês de Pombal

• Projeto: Equiparação de Portugal aos núcleos desenvolvidos da Europa culta.

• Atitudes: fortalecimento do trabalho intelectual e artístico, este último como instrumento de difusão da imagem de estadista junto à opinião pública. (Basílio da Gama)

• Resultado para a literatura: relevância social aos letrados, mas sem definição do campo das Belas-Letras.

Academia Real das Ciências de Lisboa (1779) Equiparação de Portugal às nações

europeias: manutenção do projeto de Pombal. Relação entre literatura e política:

financiamento estatal, isenção de censura do escrito, direito à importação de papel sem impostos para a publicação.

Composta de: Ciências Naturais, Ciências Exatas e Literatura, classes distintas, conferindo-se autonomia à Literatura.

Século XIX Digressões entre o que é literatura sem haver

um consenso. Ponto em comum: língua e história = a

verdadeira literatura – os princípios da nacionalidade.

Criação da Imprensa Régia: instituição importante na consagração da literatura – as traduções de romances – o livro passa a ser um objeto de consumo.

Invenção da Literatura Portuguesa Os estrangeiros inventaram a literatura

portuguesa ao inseri-la em suas histórias literárias e escritas.

Histórias literárias

As regras da escrita e da leitura, desde Platão e Aristóteles.

As obras passam a ser selecionadas sob o critério da historiografia, dentro do projeto de nacionalidade. (p. 47).

Intelectuais (historiadores): unidade territorial Intelectuais (análise poética): regras da boa

produção de textos.

Conceitos importantes

Literatura e Nação, preparando as histórias literárias.

Transformação do estudo diacrônico das obras em disciplina escolar: finalização do projeto de nacionalidade – cria-se a literatura no sentido moderno.

Os compêndios vão ser um grande instrumento para o projeto literário intituído.

Definição da literatura em língua portuguesa Contribuição de escritores estrangeiros, a

exemplo de Friedrich Bouterwek – publicação da história da poesia e eloquência, abrangendo diferentes países europeus (12 volumes).

O termo literatura ainda não aparece para designar o objeto analisado: recorre-se aos termos “poesia e eloquência”, mas usou também “bela literatura”, “literatura” (=nacionalidade)

Bouterwek: definições

A construção de uma história nacional: “filológico-bibliográfico” e “filosófico-crítico”, sendo o último critério considerado mais importante para o autor.

Dificuldade: número reduzido de escritos e acesso difícil às obras – uma historiografia literária inventada.

Bouterwek: critérios

Elemento norteador: “eleger e comentar as grandes obras universais e traçar a história da produção estética nos diferentes países, como forma de ancorar o sentimento nacional.” (p. 52). Uma produção influencia a outra.

Entra em cena o caráter “evolucionista da produção nacional, pautando-se nas modificações estéticas ocorridas nos grandes centros europeus.” (idem)

Bouterwek: pedra fundamental da literatura portuguesa. “Exposto este sistema no início da obra,

Bouterwek, passa a apresentar historicamente cada uma dessas literaturas nacionais, indicando suas relações com as demais e elegendo seus maiores autores e obras. Estava colocada a pedra fundamental da literatura portuguesa.” (p. 53)

A. M. Sané (1808)

Dá continuidade ao trabalho de Bouterwek. Perspectiva histórica: comentários das

realizações lusitanas em diversos gêneros, incluindo gêneros que posteriormente foram descartados pela literatura – criou parâmetros de produção a partir de modelos de autores consagrados.

Consagração e elogio

Simonde de Sismondi (1813)

O critério de “gosto”- capacidade de sensibilizar, supondo “regras fundamentais”, mas sem uma obrigatoriedade de seguimento a elas.

Inserção da literatura portuguesa com parte de um Curso, o que altera seus interlocutores – os moços e moças (uma literatura da virtude e da moral – critério de seleção).

Simonde de Sismondi (1813)

Insere-se o esqueleto da moderna historiografia literária: seleção e hierarquização das obras e autores, apresentação cronológica dos textos e biografia dos escritores, articulação entre história, língua e fazer literário.

Almeida Garrett

Toma o termo Literatura, sem defini-lo e busca traçar origem e o desenvolvimento desse fenômeno em Portugal, considerando-se original e “negando” a contribuição estrangeira.

Objetivo: hierarquizar a produção em língua portuguesa, buscando “as melhores” composições. (p. 60)

A tradição crítica

Instância de consagração evidente na historiografia e hierarquização de obras e autores.

Um autor cita outro e assim sucessivamente: classificando e analisando as obras literárias.

Continuidade, divergências e retorno: traços das discussões dos críticos no processo de formação da historiografia literária.

Século XXI Ainda não há consenso sobre o que é ou o que

não é literatura. Único acordo: obras filosóficas, históricas ou

gramaticais não são literatura. “Passou-se, assim, de uma acepção

completamente ampla – literatura como conjunto de conhecimento produzido – para um conceito bastante restrito – literatura como grupo de obras (e autores) consagradas” (p. 64), cujos critérios não são bem definidos e/ou claros.