adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

192
Proposta Curricular de Santa Catarina ESTUDOS TEMÁTICOS 2005

Transcript of adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

Page 1: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PropostaCurricularde Santa Catarina

ESTUDOS TEMÁTICOS

2005

Page 2: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

COORDENAÇÃO GERALJUARES DA SILVA THIESEN

JOSÉ RAUL STAUB

CONSULTORIA GERALCÁSSIA FERRI

COORDENADORES DOS GRUPOS

ANA LUZIA NUNES CARITÁEDNA CORREA BATISTOTTI

JANETE DA SILVA ALANONADIR PEIXER DA SILVA

PATRICIA DE SIMAS PINHEIROPEDRO POLIDORO

REVISORA

NILZA GÓES

Ficha catalográficaBiblioteca da SED/DIED

Santa Catarina, Secretaria de Estado da Educação,Ciência e Tecnologia.Proposta Curricular de Santa Catarina: Estudos Temáticos. Florianópolis:IOESC, 2005.

192 p.

CDU 37 (816.4)

Catálogo SistemáticoProposta Curricular 37 (816.4)Educação Básica e Profissional 37.04.4Políticas Educacionais 37.014

Page 3: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

ESTADO DE SANTA CATARINASECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIADIRETORIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA E PROFISSIONAL

GOVERNADOR DO ESTADOLuiz Henrique da Silveira

VICE-GOVERNADOR DO ESTADOEduardo Pinho Moreira

SECRETÁRIO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIAAntônio Diomário de Queiroz

DIRETORA GERALElisabete Nunes Anderle

DIRETOR DE EDUCAÇÃO BÁSICA E PROFISSIONALJuares da Silva Thiesen

GERENTE DE ENSINO FUNDAMENTALMarilene Virgílio

GERENTE DE ENSINO MÉDIOMaike Cristina Kretzschmar Ricci

GERENTE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOSElisabete Duarte Borges Paixão

GERENTE DE EDUCAÇÃO PROFISSIONALEdílson dos Santos Godinho

GERENTE DE EDUCAÇÃO INFANTILRosane Dutra Campos

Page 4: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

4 PROPOSTA CURRICULAR

Page 5: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 5

PREFÁCIO

UMA NOVA ESCOLA PARA O NOVO MUNDO

O advento das novas tecnologias da informação e da comunicação proporciona o repensar

do processo ensino-aprendizagem. O ensino circunscrito à sala de aula, pressupondo o domínio

pelo professor de uma determinada disciplina ou área do conhecimento, avança na direção de um

processo aberto de aprendizagem em que todos os atores têm oportunidades quase infinitas de

acessar bases de informações e experiências que fluem de todas as partes do mundo pela rede

informatizada de comunicações.

O fato novo é que o acesso a essas bases de dados e informações está aberto a todas as

pessoas. Estamos passando pela revolução das tecnologias e dos sistemas de comunicação que

enriquecem a capacidade dos cidadãos de gerar conhecimento em nível local. A sua utilização

possibilita uma reflexão crítica e elaborada da realidade, gerando inovações que melhoram o mundo

em que vivem. As pessoas aprendem a transformar o seu cotidiano a partir das vivências universais.

Por exemplo, um professor preparou uma aula de Geografia, no ensino fundamental, comparando

a agricultura da região com imagens e conteúdos relacionados ao desenvolvimento das técnicas

agrícolas no período greco-romano. Com a comunicação em rede, valorizou de forma criativa e

interessante a sua disciplina.

As pessoas não mais aprendem apenas com a informação limitada à sabedoria de alguns

poucos professores ou das tradições familiares ou do convívio comunitário. Não há como esconder,

dentro do espaço da sala de aula, as limitações do conteúdo de um professor por mais bem

formado e preparado que seja. A sala de aula escolástica foi construída para proteger a relativa

ignorância do mestre medieval. Hoje, o mestre convive com alunos que acessam pela televisão,

pelo computador, pelo telefone, por livros, bases de informação abertas, tornando-se, impossível,

o domínio de todas elas. Os alunos trazem também as vivências do cotidiano, é impraticável uma

só pessoa acessar todo o conjunto de saberes transmitidos pela tradição e pelos meios de

comunicação da atualidade.

A transformação dos meios de comunicação leva necessariamente à mudança do processo

de ensino-aprendizagem. Não há como ser um bom professor, ditando aos alunos trechos de uma

apostila amarelada ou de um livro-texto que não acompanha a dinâmica de renovação das

informações que fluem através das redes em permanente atualização. Essa mudança atinge todos

os níveis e modalidades de educação. Desde crianças, as pessoas têm acesso a interações de

alto conteúdo comunicativo. Os jovens e as crianças de hoje são sujeitos de aprendizagem ativos

(Prefácio)

Page 6: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

6 PROPOSTA CURRICULAR

e rebeldes a uma prática pedagógica unidirecionada ao aluno. Cabe, então, ao professor de sucesso,

exercer o importante papel de líder e facilitador do processo interativo de ensino-aprendizagem.

A realidade contemporânea rompe o currículo departamentalizado, de domínio exclusivo de

alguns professores e a privatização do saber. Na Escola tradicional os professores se sentem

donos de uma área do conhecimento. Daí prevalecer a relação magister dixit: o que o professor

fala é a única verdade! Pela cópia do quadro negro ou pelo ditado do professor se cultiva a ilusão

de assimilar o conhecimento do mestre. No processo aberto de ensino-aprendizagem, prevalece

o interacionismo entre professor-aluno e outros agentes da educação, como os pais, a direção da

escola e as pessoas que vivem na comunidade ou no mundo do trabalho. O que se deve buscar é

criar condições que favoreçam o aprendizado. Todos são percebidos como sujeitos de aprendizagem

porque se comunicam num processo de geração de conhecimento, subjetivo e coletivo ao mesmo

tempo. São as pessoas que aprendem e aprendem individualmente; porém o esforço interativo de

aprendizagem confere caráter social à educação. O conhecimento se dá em benefício de todos.

Pelo processo de comunicação as pessoas interagem, mas não perdem sua capacidade

subjetiva de aprender, gerando conhecimentos. O conhecimento se dá nas pessoas, e ninguém

pode aprender pelo outro, mas é possível criar condições de interação e comunicação que favoreçam

a geração subjetiva do conhecimento. Se as comunicações ampliam a possibilidade de interagir,

aumentam, por conseguinte, a possibilidade de aprender com prazer, já que o aprender proporciona

a alegria de perceber o significado pessoal das informações que lhe transmitem os outros. Por

isso, os avançados sistemas de ensino-aprendizagem intensificam a prática do interacionismo

subjetivista e social. Subjetivista, porque mesmo o conhecimento coletivo se dá a partir do

aprendizado individual; e social, porque o processo de comunicação que favorece o novo

conhecimento pressupõe, no mínimo, a interação de duas pessoas, e se enriquece

exponencialmente pela interação de um número maior de atores.

As novas tecnologias têm transformado todas as organizações contemporâneas, inclusive

a Escola. Por isso, torna-se necessário construir uma Escola diferente, gerida de forma diferente

e com um outro processo de ensino-aprendizagem. O diferencial é sair do modelo autocrático,

pautado pela relação autoritária de comando e obediência, na qual um manda e o outro obedece,

um ensina e o outro aprende, para um processo democrático de educação em que as pessoas

interagem e se comprometem de forma coletiva com os objetivos educacionais e com a direção de

futuro desejada.

É esta a Escola aberta e integrada. Aberta, porque rompe os limites da sala de aula e dos

muros da escola e se abre para enriquecer o processo de interação dos professores e alunos com

as famílias, a comunidade e com os demais agentes sociais, em atividades de aprendizagem que

incluem, por exemplo, o lazer, a cultura, a arte nas suas diversas expressões (dança, música,

teatro), o esporte, os passeios ecológicos, a refeição em comum e as atividades cívicas. Os

conteúdos curriculares são enriquecidos nesse processo, em que todos contribuem para convergir

informações e compartilhá-las. Daí a Escola integrada: além do tempo integral de convívio com as

práticas tradicionais, integra-se na direção de novos conteúdos, de novas vivências e de novas

relações com a comunidade.

Nesse sentido, situa-se também a Educação Ambiental e Alimentar. Estimula a relação de

professores, alunos com o meio ambiente, bem como a criação de hábitos alimentares coletivos

(Prefácio)

Page 7: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 7

num processo educacional que envolve a família e a comunidade, que também aprendem. A escola

é aceita como um locus da dinâmica educacional em que todos aprendem. E assim ela se torna

efetivamente uma instituição importante para a melhoria da qualidade de vida das famílias. Ou

seja, se a escola ajuda a irradiar informações que influenciam a formação de novos hábitos e

atitudes em casa, ela amplia o espaço de geração do conhecimento. Irradia informações que

ajudam as pessoas a aprenderem. É reconhecida como responsável por uma função social

importante: a geração do conhecimento para todos.

A reforma curricular em curso situa-se nesse contexto de mudança, em que, mais do que

rejeitar a concepção seqüencial dos conteúdos dos currículos tradicionais, busca inserir a Escola

no mundo de oportunidades que fluem pelos novos meios de comunicação. A utilização didática

das novas tecnologias da informação e da comunicação favorece o processo pedagógico da

proposta curricular no mundo novo. É, pois, obrigação ética de uma política pública de educação

ampliar as possibilidades de utilização desse poderoso meio didático.

Daí o esforço pela inclusão digital nas escolas e pelo fortalecimento e ampliação dos núcleos

das novas tecnologias educacionais. Ou seja, não é o currículo que muda, entendido apenas

como uma seqüência de disciplinas. O que é possível renovar e enriquecer é o conteúdo da

aprendizagem em um processo interativo de comunicação que tenha infra-estrutura atualizada de

informações e de tecnologias educacionais. Também é possível ampliar os espaços, para que o

processo de ensino-aprendizagem se dê de uma maneira aberta, em que professor e alunos

interajam com alegria na geração contínua do novo conhecimento.

Essa relação de mútua aprendizagem é normalmente prazerosa, já que pressupõe

participantes ativos do processo. A idéia central é contextualizar a proposta curricular na era do

conhecimento. A questão é situar o processo ensino-aprendizagem no mundo novo, em que se

concebe uma organização escolar que também aprende. Isso pressupõe a gestão democrática, o

respeito mútuo, o pluralismo de idéias, a educação inter e multidisciplinar, a integração com a

comunidade e a humildade de aprender sempre em conjunto com os outros.

Antônio Diomário de Queiroz

Secretário de Estado da Educação, Ciência e Tecnologia

(Prefácio)

Page 8: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

8 PROPOSTA CURRICULAR (Apresentação)

Page 9: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 9

APRESENTAÇÃO

PROPOSTA CURRICULAR DE SANTA CATARINA

Uma caminhada coletiva na direção de uma educação de qualidade para todos

A partir de 1988, a Educação Básica na Escola Pública catarinense vem sendo amplamente

discutida e orientada por uma consistente proposta de natureza curricular elaborada coletivamente

por educadores, gestores e especialistas que integram a rede pública de ensino do Estado.

A Proposta Curricular1 constitui um marco importante na história da Educação Pública de

Santa Catarina, na medida em que consolida uma opção de caráter político-pedagógica para o

currículo da Escola, a partir de um marco teórico e de uma diretriz metodológica bem determinada.

Por sua consistência e relevância pedagógica, este importante trabalho coletivo vem sendo

validado, tanto na esfera política dos governos que se sucederam nas últimas décadas, quanto

pelos educadores que, em geral, têm a Proposta Curricular como principal referencial para a

prática pedagógica em sala de aula.

O processo de elaboração e sistematização dos documentos da Proposta Curricular se

deram basicamente em dois momentos bastante distintos, nos quais a participação dos educadores

constituiu elemento marcante. O primeiro deles foi de 1988 a 1991, quando sob coordenação da

Secretaria de Estado da Educação, um representativo grupo de educadores discutiu a elaboração

de documentos publicados na forma de “caderno” em 1991. O objetivo do trabalho, na época, era

“dar ao currículo escolar catarinense uma certa unidade a partir da contribuição das concepções

educacionais derivadas desse marco teórico1” qual seja o enfoque histórico-cultural.

(Apresentação)

1 Santa Catarina. Proposta Curricular de Santa Catarina. Florianópolis: COGEN, 1998.

Page 10: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

10 PROPOSTA CURRICULAR

Outro momento significativo teve início em 1996, quando iniciou-se o processo de revisão

e aprofundamento do conteúdo da proposta publicado em 1991, incorporando-se às discussões

realizadas durante todo o período. Para esse trabalho, a Secretaria de Estado da Educação

constituiu um grupo de educadores denominado “Grupo Multidisciplinar”, integrado por

especialistas, mestres e doutores da rede, além de consultores externos.

Do processo de discussão e elaboração, iniciado em 1996, resultou a publicação da

segunda edição da Proposta, em 1998, constituída por três volumes contendo respectivamente:

as disciplinas curriculares, os temas multidisciplinares e as disciplinas de formação para o

magistério.

As duas fases de discussão e sistematização da proposta foram seguidas por um

intenso processo de socialização em toda a rede, por intermédio de cursos de capacitação,

geralmente ministrados por educadores integrantes do Grupo Multidisciplinar.

Em 2003, a Secretaria de Estado da Educação busca dar início a uma nova fase no

processo de consolidação da Proposta Curricular, tendo como meta garantir a transposição da

teoria consubstanciada nos documentos publicados para a prática em sala de aula. A intenção é

realizar um intensivo movimento em torno da formação continuada de professores, articulando os

referenciais teóricos dos documentos publicados com a ação docente nos ambientes onde se

materializam os processos de ensino e de aprendizagem.

No intuito de dar mais um passo significativo ao processo de discussão, sistematização e

socialização da Proposta Curricular, em 2004, a Secretaria de Estado da Educação e Inovação,

por intermédio da Diretoria de Educação Básica e Profissional, constituiu seis Grupos de Trabalho,

com o objetivo de elaborar e socializar um novo documento norteador, incluindo seis temas

multidisciplinares considerados relevantes nessa fase histórica.

Os seis grupos temáticos, constituídos por educadores, especialistas, gestores e

consultores, discutem e organizam as diretrizes curriculares para os temas: educação e infância,

alfabetização com letramento, educação e trabalho, educação de trabalhadores, ensino noturno e

educação de jovens. Os textos deverão se somar ao conjunto de orientações curriculares

produzidas no âmbito da Proposta Curricular e servir como referencial teórico e metodológico

para a ação pedagógica nas diferentes etapas e modalidades da Educação Básica na Escola

Pública de Santa Catarina, a partir de 2006.

É importante destacar que o movimento de discussão e sistematização da Proposta

Curricular, desde seu início, em 1988, caminhou e caminha ainda na direção de um marco teórico

e uma diretriz metodológica bastante definidos. A opção teórica foi feita, desde o início, pela

abordagem filosófica do materialismo histórico e dialético por compreender-se que:

(Apresentação)

Page 11: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 11

O ser humano (sujeito da educação) é um ser social e histórico. No seu âmbitoteórico, isto significa ser resultado de um processo histórico, conduzido pelopróprio homem. (...) Somente com um esforço dialético é possível compreenderque os seres humanos fazem sua história, ao mesmo tempo que são determinadospor ela. Somente a compreensão da história como elaboração humana é capazde sustentar esse entendimento, sem cair em raciocínios lineares2.

Nesse sentido, toda a discussão e orientação teórica caminha na perspectiva do

entendimento do conceito de homem, de sociedade, de educação e de aprendizagem. E, a partir

dessas concepções, busca-se compreender que tipo de homem se quer formar, por meio de que

processos de aprendizagem e para qual sociedade.

Ao mesmo tempo em que se fez a opção por um marco teórico, os educadores catarinenses

buscaram um eixo norteador de referência para o processo metodológico da proposta, optando

pela coerência dos princípios e pressupostos, e pelo enfoque histórico-cultural. Desse modo, toda

a diretriz geral de orientação teórico-metodológica foi encaminhada tendo-se os dois marcos

referenciais como fundamentação.

Sustentada por essa matriz epistemológica no campo pedagógico, a Escola Pública de

Santa Catarina vem buscando organizar sua ação educativa por intermédio de um currículo que

deixa de ter função meramente técnica, para assumir as características de um artefato social

e cultural; um currículo que está

Implicado em relações de poder, (...) que transmite visões sociais particulares einteressadas, (...) que produz identidades individuais e sociais particulares. (...)Que não é um elemento neutro transcendente e atemporal, (...) que tem umahistória, vinculada a formas específicas e contingentes de organização dasociedade e da educação3.

Ao fazer a opção por essa matriz teórica e metodológica e defender uma concepção

curricular não neutra, a Escola assume uma posição político-pedagógica, bem determinada,

definindo sua função social, qual seja a de garantir a todos o acesso aos conhecimentos

historicamente legitimados como importantes, para que os seres humanos possam conviver em

sociedade e usufruir suficientemente das riquezas materiais e espirituais socialmente produzidas.

Assim, o desafio maior que se apresenta hoje para a Escola é como materializar a ação

educativa proposta teoricamente, de modo que cada estudante possa apropriar-se dos conceitos

científicos significativos que lhe possibilitem lidar bem com sua realidade sócio-histórica e acessar

as riquezas materiais e espirituais socialmente produzidas. A questão central é como intrumentalizar

(Apresentação)

2 Santa Catarina. Proposta Curricular de Santa Catarina. Florianópolis: COGEN, 1998.3 Santa Catarina. Proposta Curricular de Santa Catarina. Florianópolis: COGEN, 1998.

Page 12: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

12 PROPOSTA CURRICULAR

técnica e cognoscitivamente os educadores da rede, de modo que possam transformar o

arcabouço teórico e metodológico da Proposta Curricular em atividades significativas de ensino

e de aprendizagem para todos.

É, pois, em função dessa realidade, que a Secretaria de Estado da Educação vem buscando

implementar um conjunto de ações pedagógicas que auxiliem na superação das limitações

verificadas no âmbito da formação inicial e continuada dos professores da rede. A tarefa mais

significativa tem sido a de capacitar permanentemente seus profissionais, de modo que possam

apropriar-se dos conceitos referenciais da Proposta e, ao mesmo tempo, articular esses

pressupostos com as opções metodológicas mais interessantes para a atividade docente.

Nesse sentido, a orientação para a formação continuada tem sido a de integrar teoria e

prática, atividade presencial com atividade à distância, capacitação centralizada com

descentralizada, capacitação por área de conhecimento com capacitação por projeto pedagógico.

Além disso, a Secretaria de Educação e as Gerências Regionais vêm fazendo um esforço bastante

significativo para re-significar os Projetos Políticos Pedagógicos das escolas, com o firme propósito

de transformá-los no principal instrumento coletivo de mobilização pedagógica na direção da

ampliação das oportunidades de aprendizagem para todos.

Este documento de orientação pedagógica é mais uma iniciativa que se soma ao esforço

dos educadores e gestores para garantir melhor qualidade de ensino e de aprendizagem a cada

um dos sujeitos estudantes que diariamente freqüentam a escola pública em Santa Catarina.

Juares da Silva Thiesen

Diretor de Educação Básica e Profissional

(Apresentação)

Page 13: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 13

SUMÁRIO

PREFÁCIO................................................................................................................ 05

APRESENTAÇÃO..................................................................................................... 09

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 15

ALFABETIZAÇÃO COM LETRAMENTO................................................................. 19

EDUCAÇÃO E INFÂNCIA.........................................................................................43

EDUCAÇÃO DE JOVENS........................................................................................ 69

EDUCAÇÃO DE TRABALHADORES......................................................................111

EDUCAÇÃO E TRABALHO.....................................................................................135

ENSINO NOTURNO.................................................................................................166

(Sumário)

Page 14: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

14 PROPOSTA CURRICULAR

Page 15: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 15

INTRODUÇÃO

A Secretaria de Estado da Educação, Ciência e Tecnologia busca a melhoria da qualidade

da educação, a partir dos princípios da autonomia, da colaboração, da participação, da igualdade

de oportunidades e da inclusão social. As políticas públicas educacionais são elaboradas com a

participação democrática dos diversos segmentos da Rede Pública Estadual de Ensino, em

consonância com o Sistema Nacional.

No primeiro semestre de 2003, a Diretoria de Educação Básica e Profissional realizou

consultas sistemáticas aos diferentes segmentos da educação catarinense, visando à continuidade

da construção e desenvolvimento da Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina

Aceito o desafio, a elaboração da Proposta Curricular, versão 2005, foi retomada a partir

das discussões no Grupo Multidisciplinar. Este grupo foi constituído a partir da seleção dos projetos

apresentados pelos professores especialistas, mestres, doutores e técnicos das Gerências

Regionais de Educação, Ciência e Tecnologia - GEECTs e da Secretaria de Estado da Educação,

Ciência e Tecnologia - SED.

A definição das primeiras temáticas ocorreu nos dois encontros realizados em 2003, com

a participação dos integrantes dos grupos de estudo. Em 2004, com a reestruturação do Grupo

Multidisciplinar, optou-se por alterar a denominação anterior para Grupos Temáticos. As constantes

mudanças no meio educacional e na sociedade contemporânea sugerem que as escolas propiciem,

a toda comunidade escolar, o acesso às produções científicas que contribuem com a vanguarda

da produção do conhecimento, constituindo-se um direito social.

Nesse mesmo ano e no decorrer de 2005, os participantes de cada grupo temático

elaboraram os textos apresentados neste documento, a partir dos questionamentos pedagógicos

sugeridos pelas GEECTs e problemáticas presentes no cotidiano escolar.

Esses documentos pretendem subsidiar os professores em seu fazer pedagógico, na

elaboração de alternativas para (re)elaborar os conhecimentos sistematizados nas edições

anteriores da Proposta Curricular de Santa Catarina, que ainda exigiam ampliação e

encaminhamentos para a efetivação na prática pedagógica, efetivando o papel fundamental da

Escola.

O texto que aborda os conhecimentos da Alfabetização e Letramento reflete sobre as

concepções de ensino e aprendizagem da língua, fundamentadas nas teorias Histórico-cultural

(Introdução)

Page 16: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

16 PROPOSTA CURRICULAR

(Vygotsky) e dialógica (Bakthtin), possibilitando que os envolvidos no processo se tornem sujeitos

autores-enunciadores de seu fazer pedagógico, bem como compreendam os desafios do

alfabetizador contemporâneo.

Em Educação e Infância, o texto procura desmistificar a lógica de que o lugar da infância é

somente na educação infantil. Inicialmente, apresenta-se uma contextualização das discussões

legais e sociais dos Direitos da Infância. Na seqüência, articula-se a concepção de infância e

criança para, em seguida, discutir os princípios norteadores da educação das crianças de zero a

doze anos, reiterando a possibilidade das instituições educacionais tornarem-se um lugar privilegiado

da infância.

O desafio de educar jovens contemporâneos é a questão que motivou o grupo temático da

Educação de Jovens. Refletindo sobre essas questões, o texto convoca todos(as) educadores(as)

para um diálogo sobre a necessidade do reconhecimento das culturas juvenis no ambiente escolar,

entendendo que esse é um passo fundamental para a formação de nossos alunos para a vida e

para a superação de parte das insuficiências sociais e culturais presentes no sistema educacional.

O documento elaborado pelo Grupo Temático “Educação de Trabalhadores” foi organizado

a partir da necessidade de explicitar diretrizes para políticas públicas educacionais com vistas à

universalização do acesso e da permanência de todos os cidadãos nos processos formais de

educação. Coloca-se como um convite ao debate, intencionando aprofundá-lo e dar maior

consistência às ações para uma Educação Inclusiva através da reflexão sobre os modelos de

currículo das metodologias de trabalho, da seleção de conteúdos e da organização da Escola

destinada aos trabalhadores e a seus filhos. Uma reflexão que ajude superar a inaceitável exclusão

que atinge tão vasta parcela da população brasileira, expulsando-a da escola, na idade própria, e

negando-lhe as condições de profissionalização e cidadania, além do rótulo social de fracassada.

Já o texto sobre Educação e Trabalho propõe-se a reafirmar os pressupostos e a dialogar

com o documento escrito em 1998, como parte da Proposta Curricular de Santa Catarina, por

considerar sua relevância e a necessidade de explicitar questões e conceitos levantados naquele

momento histórico e que são a essência da atualidade. Compreende-se trabalho como categoria

teórico-prática, fator gerador dos processos educacionais e, ao mesmo tempo, objeto da práxis

pedagógica, num currículo que busca superar a dicotomia entre trabalho manual e intelectual,

articulando cultura, ciência e tecnologia.

O texto “Ensino Noturno: urgências e emergências” objetiva apresentar aos educadores da

Rede Estadual de Santa Catarina as reflexões e estudos feitos no grupo temático responsável por

esse tema. Foi necessário conhecer o perfil de alunos, professores e escolas deste turno de

ensino para a compreensão das tensões presentes no cotidiano escolar e, a partir delas, sem

excluí-las, tomar decisões coerentes com a identidade e as possibilidades de quem estuda e trabalha

no período noturno.

(Introdução)

Page 17: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 17

A produção deste documento, resultado de um processo construído com a participação de

educadores de todas as regiões do estado de Santa Catarina, traz consigo a marca das experiências

vividas no contexto atual da educação catarinense. Os textos produzidos traduzem os resultados

das discussões realizadas nos encontros, com a participação de educadores de diferentes níveis

de ensino, sob a orientação de consultores especializados nas temáticas em questão.

Nesse contexto, o aprofundamento dos princípios teórico – metodológicos constituem um

exercício cotidiano da prática pedagógica, que possibilita compreender o conhecimento científico,

fruto das relações humanas no contexto social, político e econômico,exigindo do educador uma

constante reflexão e aprofundamento sobre esses conhecimentos na prática pedagógica.

A Proposta Curricular reconhece a complexidade da prática docente; por isso, tem como

propósito contribuir com a melhoria da ação pedagógica do amplo e diverso território da ação

docente, com vistas ao avanço de estratégias sob princípios científicos na produção do

conhecimento, consolidando uma aliança expressiva dos atores coletivos do meio educacional

para enfrentar a complexidade desta ação. Assim, consideramos relevante a sua (re) elaboração,

nesse momento em que a Escola Pública passa pela efetivação de um processo democrático, que

deve permitir a elaboração e reelaboração de novos conhecimentos com toda comunidade escolar.

A Escola assume, portanto, um papel estratégico nessa trajetória, formulando e reformulando

seu Projeto Político Pedagógico, numa ação compartilhada com toda equipe da Unidade escolar,

que resulte na co-responsabilidade de todos os profissionais envolvidos no contexto educacional,

no fortalecimento institucional e na gestão democrática.

Com essas ações, pretende-se promover a participação coletiva no acompanhamento, no

aproveitamento significativo do tempo escolar e na valorização do patrimônio cultural do aluno

como ponto de partida para otimização do saber produzido no âmbito escolar.

A Escola Pública se traduz em uma conquista das classes populares, e sua gestão passa,

necessariamente, pelo processo democrático que lhe permita a produção de novos saberes, a

partir das temáticas abordadas nessa etapa da Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina.

É fundamental agradecer a todas as pessoas que tornaram este trabalho uma realidade:

aos dirigentes, consultores, educadores, alunos e diferentes interlocutores que nos desafiam no

dia a dia com suas questões e reflexões a buscar mais. Enfim, a expressão de um desejo: o de que

o material aqui reunido possa subsidiar a ação pedagógica nos diferentes contextos; que os

resultados desses trabalhos sejam apropriados por todos os educadores e tenham a função de

mediar a produção do conhecimento.

(Introdução)

Page 18: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

18 PROPOSTA CURRICULAR

Page 19: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 19

ALFABETIZAÇÃO COM LETRAMENTO

1 A LINGUAGEM NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO

Com a democratização do acesso à educação formal, consolidada na década de 1990, a

Escola viu-se mais compromissada com a diversidade que caracteriza a infância brasileira, uma

vez que os fundamentos teórico-metodológicos que se apresentam voltam-se, nesse momento,

para o processo de ensino-aprendizagem que considera os diferentes níveis culturais, lingüísticos

e sociais do aluno, o que implica pensar continuadamente a prática pedagógica.

Dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB/2003) indicam que 59% dos

alunos de 4a. série apresentam acentuadas limitações no seu aprendizado de leitura e escrita.

Esse fracasso no processo de alfabetização tem sido atribuído, dentre outras variáveis, aos baixos

indicadores sociais e econômicos das regiões de onde provêm essas crianças.

No entanto, estudos (Smolka, 1996; Terzi, 1995; Bortolotto, 1998) mostram que essas

crianças possuem condições de aprendizagem e é a Escola que vem tendo dificuldades em lidar

com essa população de diversidades tão acentuadas.

Essas diferenças de ordem cultural, lingüística e social tornam-se mais evidentes no processo

de escolarização, pois são reveladas sobremaneira pela linguagem, uma vez que o discurso Escolar

impõe padrões de comportamento lingüístico muito distintos daqueles do meio social em que

vivem as crianças. Segundo Soares,

(...) as crianças das camadas populares chegam à Escola com uma linguagemdeficiente, que as impede de obter sucesso nas atividades e aprendizagem: sualinguagem é pobre – não sabem o nome dos objetos comuns; usam frasesincompletas, curtas, monossilábicas; sua sintaxe é confusa, inadequada àexpressão do pensamento lógico; cometem ‘erros’ de concordância, de regência,de pronúncia; comunicam-se muito mais através de recursos não verbais do quede recursos verbais. Em síntese são crianças deficitárias lingüisticamente (SOARES,1987:20).

(Alfabetização com Letramento)

Page 20: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

20 PROPOSTA CURRICULAR

Para entender o que acontece, quando a criança apresenta tais dificuldades na leitura e na

escrita, é preciso considerar que a escrita é resultado da evolução histórico-cultural da humanidade.

É um sistema de signos e símbolos, organizado por convenções, que manifesta a necessidade e

a capacidade humana de simbolizar, e o seu uso requer o aprender a lidar com organizações

dessa natureza.

Portanto, por ser resultado de um processo cultural complexo, a escrita depende de um

ensino intencional e organizado, pois, como afirma Soares (1986:16), ”a linguagem [verbal] é ao

mesmo tempo o principal produto da cultura e é o principal instrumento para a sua transmissão”.

O sistema de escrita implica dois tipos de atividade: ler e escrever, que envolvem conhecimentos

distintos, lingüísticos, de experiências pessoais, de mundo, etc. Leitura e escrita demandam

processo de ensino e aprendizagem específico.

1.1 ORALIDADE E VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA

As línguas, nos mais diversos agrupamentos sociais, passam a existir como um conjunto

de palavras diferentes ou dialetos, todos guardando semelhanças, mas cada qual apresentando

suas peculiaridades com relação a aspectos lingüísticos. O uso lingüístico dialetal não é por si só

errado, é apenas diferente do de um outro dialeto.

Os modos diferentes de falar acontecem porque as línguas se transformam ao longo do

tempo, assumindo características próprias de grupos sociais diferentes, já que os indivíduos

aprendem a língua ou o dialeto da comunidade em que vivem.

As crianças, ao chegarem à Escola sem o domínio do código escrito padrão, manifestam-

se oralmente pelos seus dialetos e nem sempre se vêem acolhidas, em razão do distanciamento

de sua variedade lingüística e da falta de compreensão dos educadores das diferenças entre

oralidade e escrita. Por outro lado, essas crianças vivem em contato com várias outras

manifestações de escrita: logotipos, placas de trânsito, rótulos, cartazes, jornais, receitas, revistas,

televisão, computador, e ainda assim esse conhecimento também é ignorado.

Para ler e escrever é necessário construir significados e produzir sentidos. Uma das

possibilidades mais ricas para o processo da leitura e da escritura, portanto, é o apoio na experiência

cultural do educando, entendendo-se cultura, no sentido mais profundo, o conjunto das várias

práticas que constituem o dia-a-dia do ser humano, o lazer, o trabalho, os rituais, os gestos, as

formas de expressão de emoções e de comunicação entre as pessoas. Inclui, também, os

instrumentos culturais, os objetos diversos que constituem o contexto da vida diária em família.

(Alfabetização com Letramento)

Page 21: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 21

Do ponto de vista estrutural e lingüístico, todas as variedades da língua são perfeitas e

completas entre si; o que as diferencia são os valores atribuídos aos falantes e por eles, na

sociedade, as origens regionais e as posições sociais.

A aceitação da variação lingüística requer, por conseguinte, mudança na visão dos valores

educacionais, respeitar os dialetos, entendê-los como legítimos àquela comunidade e até mesmo

ensinar como essas variedades da língua funcionam comparando-as entre si. O dialeto considerado

de prestígio inclui-se entre os demais, em condições de igualdade lingüística.

A fala da criança é tão importante quanto as ações dela decorrentes para o alcance dos

objetivos educacionais. Na perspectiva histórico-cultural, à fala atribui-se importância tão vital

que, se não for permitido seu uso, muitos indivíduos não conseguirão resolver seus intentos.

Através da oralidade é possível realizar uma variedade muito maior de atividades, usando, como

instrumentos, não somente objetos à disposição, mas a própria linguagem.

Assim, a oralidade é fundamental ao processo de alfabetização. Pela fala as crianças

constituem-se sujeitos capacitados para a aprendizagem, bem como para a apropriação de

conhecimentos novos ancorados nas suas experiências prévias.

Uma analogia interessante pode ser encontrada na fala das crianças enquantodesenham. As crianças pequenas dão nome aos seus desenhos somente apóscompletá-los; elas têm necessidade de vê-los antes de decidir o que eles são. Àmedida que as crianças se tornam mais velhas, elas adquirem a capacidade dedecidir previamente o que vão desenhar. Esse deslocamento temporal do processo

de nomeação significa uma mudança na função da fala (VYGOTSKY, 1994, p. 37).

Segundo este autor, no processo de apropriação da escrita, há “um deslocamento do

desenho de coisas para o desenho de palavras” (Ibidem, p. 131).

1.2 ORALIDADE E ESCRITA

Enquanto o aprendizado da fala se dá de forma espontânea, no contexto de convívio entre

os pares, a escrita, como já dito, demanda um processo de ensino sistematizado.

A linguagem oral normalmente acontece na presença física dos interlocutores, enquanto

que a escrita ocorre, na maioria das vezes, na ausência destes, requerendo, portanto, uma

elaboração auto-referenciada. Dentre as diferenças, a linguagem oral caracteriza-se por ser mais

(Alfabetização com Letramento)

Page 22: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

22 PROPOSTA CURRICULAR

passageira, temporal, freqüentemente mais coloquial, podendo se apoiar em recursos gestuais e

do contexto imediato da comunicação.

A escrita possibilita registro mais durável e permanente da linguagem e é um processo

mais demorado de elaboração; mais formal, sistemático, requerendo, na maioria das vezes, o uso

correto da gramática normativa e do atendimento às convenções que lhe são peculiares, dentre

elas as do sistema ortográfico. “A comunicação por escrito baseia-se no significado formal das

palavras e requer um número muito maior de palavras do que a fala oral, para transmitir a mesma

idéia” (VYGOTSKY, 1996:122).

Por muito tempo a escrita foi entendida como transcrição da fala. Porém, com o advento

dos estudos das ciências da linguagem (lingüística, sociolingüística, psicolingüística, semântica,

pragmática), tal concepção deu lugar ao entendimento da língua escrita como representação da

fala (do pensamento). Nesse sentido, oralidade e escrita caminham juntas e, portanto, o estudo da

linguagem requer que sejam trabalhadas de forma a serem consideradas as suas diferenças e, ao

mesmo tempo, suas similaridades, usos e funções.

A linguagem não é um meio neutro através do qual uma mensagem é enviada. As palavras

são carregadas de sentido para os falantes. A linguagem é, ela própria, criadora de significados e

produtora de sentidos e como tal deve ser estudada. Segundo Bakhtin (1990), ela é inseparável

do fluxo da interação verbal e, portanto, não é transmitida como um produto acabado, mas como

algo que se constitui continuadamente nessa corrente.

Na perspectiva de Bakhtin, professores e alunos necessariamente precisam comprometer-

se com suas falas, seus dizeres, quer pela oralidade, quer pela escrita. Isto demanda seleção de

conteúdos e atividades que tenham significado para o aluno, oportunizando momentos em que

haja espaços para a oralidade e para a prática da escrita, mediados por intervenções pedagógicas

que garantam avanços qualitativos na apropriação dos diferentes conhecimentos científicos.

1.3 A ESCRITA E A ALFABETIZAÇÃO

No processo de alfabetização, o convívio com a linguagem escrita deve ser uma atividade

real e significativa, na qual as crianças interagem com diferentes conhecimentos e manifestações

lingüísticas. A interação com as mais diversas produções gráficas utilizadas no meio cultural, na

sala de aula, constitui o conteúdo do ensino. Essas produções possuem funções específicas

conforme o meio social em que foram efetivadas: função de registro, de divulgação de informações

e conhecimentos, expressão de sentimentos e vivências, valores a serem ensinados. Todas elas

permitirão que a criança perceba a importância da escrita nas interações sociais. Bakhtin (2001)

(Alfabetização com Letramento)

Page 23: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 23

assim se expressa: “o centro organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é interior,

mas exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo” (Ibidem, p. 121).

Entender a alfabetização como uma atividade interdiscursiva e de interação, implica refletir

como o fazer pedagógico possibilita às crianças o dizer e o escrever sobre o que pensam, o que

desejam, o que sonham, o que falam e como falam. Pressupõe ações compartilhadas no cotidiano

da sala de aula, priorizando a mediação com o outro pela palavra. É o domínio dessas capacidades

e seu uso efetivo em práticas sociais que caracterizam a alfabetização como prática que conduz

ao letramento.

2 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

2.1 UMA COMPREENSÃO DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

Nos dias atuais, em que as sociedades estão centradas cada vez mais na escrita, saber

codificar e decodificar, por meio do código lingüístico, isto é, ser alfabetizado, tem-se constituído

condição insuficiente para responder de forma adequada às exigências do mundo contemporâneo.

É necessário ir além da simples apropriação do código escrito; é preciso exercer as práticas sociais

de leitura e escrita demandadas nas diferentes esferas da sociedade. Assim, o conceito que ganha

espaço e nova dimensão no mundo da escrita é o de letramento. Não se trata de uma nova

palavra, mas da emergência de um fenômeno até então não discutido em profundidade: o uso que

é feito da leitura e da escrita pelas pessoas que passam ou passaram pela Escola. O termo

letramento, referindo-se à prática social da leitura e da escrita, vem juntar-se ao conceito de

alfabetização no sentido de se dar conta não apenas da dimensão do processo de apropriação do

código da escrita, mas das conseqüências desse conhecimento na vida dos indivíduos.

Neste sentido, a difusão e o emprego do termo letramento passou a ter relevância no meio

educacional, a partir da década de 1980. Traduz-se nas ações pedagógicas de reorganização do

ensino, na reformulação e ressignificação dos novos modos de ensinar, ganhando espaço e

credibilidade no discurso de teóricos, de especialistas e de professores/alfabetizadores. Conjugar

os conceitos de alfabetização e letramento, sem perder de vista a peculiaridade que caracteriza

cada um deles, constitui desafio no processo de aprendizagem da língua portuguesa.

(Alfabetização com Letramento)

Page 24: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

24 PROPOSTA CURRICULAR

Em sentido restrito, a alfabetização é entendida como processo de apropriação do sistema

de escrita, do domínio do sistema alfabético-ortográfico “(...) alfabetização em seu sentido próprio,

específico: processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e escrita.” (Soares

2003:15). E o letramento refere-se ao processo de inclusão e participação na cultura escrita,

envolvendo o uso da língua em situações reais. Ou seja, constitui conjunto de conhecimentos,

atitudes e capacidades indispensáveis para o uso da língua em práticas sociais que requerem

habilidades mais complexas4. Vale destacar que não se trata de garantir ao sujeito letrado a inclusão

social, mas considerar que a falta de letramento determina a sua exclusão. “... letramento é o

estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se

apropriado da escrita.” (SOARES, 1998: 18).

Os conceitos de alfabetização e letramento impõem ação pedagógica nessa perspectiva.

Ou seja, a de que a alfabetização é elemento essencial do letramento que orienta o indivíduo para

que se aproprie do código escrito, aprenda a ler e escrever e ao mesmo tempo conviva e participe

de práticas reais de leitura e escrita. Portanto, alfabetização e letramento, apesar de serem

processos diferentes, são inseparáveis e indispensáveis na apropriação das diferentes linguagens

e na inserção do indivíduo na cultura escrita. Segundo a Proposta Curricular de Santa Catarina, p.

39, “Apesar de ser uma tarefa difícil, esta atividade deve ser exercitada, vivenciada (...) na sala de

aula pelo potencial que oferece na dinâmica de apropriação da língua escrita”.

Os processos de alfabetização e letramento, por conseguinte, embora interdependentes,

indissociáveis e simultâneos, envolvendo conhecimentos, habilidades e competências específicas,

exigem formas de aprendizagem e procedimentos de ensino diferenciados.

Se alfabetizar significa orientar a própria criança para o domínio da tecnologia daescrita, letrar significa levá-la ao exercício das práticas sociais de leitura e escrita.Uma criança alfabetizada é uma criança que sabe ler e escrever, uma criançaletrada (...) é uma criança que tem o hábito, as habilidades e até mesmo o prazerda leitura e da escrita de diferentes gêneros de textos, em diferentes suportes ouportadores, em diferentes contextos e circunstâncias (...) alfabetizar letrandosignifica orientar a criança para que aprenda a ler e escrever levando-a a convivercom práticas reais de leitura e escrita (SOARES, 2004).

O processo de aquisição da escrita, que demanda interações específicas, acontece,

normalmente, por meio da escolarização indispensável e fundamental a todo cidadão. Já o processo

de letramento se efetiva ao longo da vida das pessoas, com a crescente participação nas práticas

sociais, nas quais circulam diferentes gêneros discursivos.

(Alfabetização com Letramento)

4 Habilidades complexas: leitura nas entrelinhas, interpretação com coerência, coesão e funcionalidade.

Page 25: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 25

Podemos encontrar sujeitos escolarizados que aprenderam técnicas de decifração do código

escrito e que lêem palavras e até mesmo textos; entretanto, não são capazes de utilizar a língua

escrita em situações sociais que exigem habilidades mais complexas. São sujeitos alfabetizados,

mas não letrados. É a situação, por exemplo, do cidadão que freqüentou a Escola por alguns

anos, mas não consegue ler e compreender um texto simples ou elaborar uma carta de solicitação

de emprego.

A busca da articulação entre os dois processos, alfabetização e letramento, implica

fundamentalmente uma concepção dialógica e interdiscursiva da linguagem, ou seja, considerá-la

atividade criadora e mobilizadora da língua escrita em práticas sociais diversificadas.

2.2 NOVOS DESAFIOS

Um dos desafios que se coloca hoje aos professores é trabalhar na perspectiva da

alfabetização e do letramento, de forma a assegurar uma ação pedagógica coerente e adequada

à contemporaneidade, possibilitando ao aluno a apropriação do sistema lingüístico e a plena condição

de uso da língua nas práticas sociais de leitura e escrita e das diferentes linguagens produzidas

culturalmente.

Nesse sentido, pensar a alfabetização numa perspectiva de letramento significa experienciar

situações que envolvam as diferentes linguagens de forma crítica e dialógica, sendo os professores

os mediadores, ensejando e concretizando essa proposta. Professores mediadores são sensíveis

à educação, percebem e consideram as necessidades e interesses das demandas que o contexto

educacional sugere; são pesquisadores (inquiridores), interessam-se pela temática alfabetizar

letrando, bem como se conscientizam da importância da formação sólida e crítica do cidadão.

Ainda com base nos desafios pedagógicos reservados ao professor, no processo de

alfabetizar letrando, ressalta-se o respeito à heterogeneidade, às diferenças e necessidades

individuais dos alunos e a consideração do erro, na elaboração da escrita, como inerente ao

processo de construção textual.

(Alfabetização com Letramento)

Page 26: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

26 PROPOSTA CURRICULAR

As classes de alfabetização formam-se necessariamente com um conjunto de alunoscom histórias de vida diferentes, sendo, pelas contingências práticas, classesheterogêneas. Uns sabem algumas coisas, outros sabem outras; alguns jáaprenderam algumas coisas próprias da escola, outros não. Algumas criançastiveram pré-escola e aprenderam os rudimentos da leitura e da escrita, outrasnunca estudaram nada. Algumas crianças aprendem coisas em casa, têm lápis,papel, livros, outros nunca tiveram nada disso. Cada aluno tem uma história

(CAGLIARI, 2004:52-3).

Dessa forma, torna-se desafio ao professor, na tarefa de educar, o respeito ao

desenvolvimento dos alunos, apoiando, interagindo e mediando suas elaborações e construções

na zona de desenvolvimento proximal5.

A escuta atenta aos diferentes modos de aprender, aos diferentes saberes dos alunospermite à professora criar intervenções pedagógicas que garantam avançosqualitativos na apropriação de diversos conhecimentos, estabelecendo diálogo entreas produções históricas da humanidade e a cultura do aluno (SANTA CATARINA,1998, p. 37).

Esse desafio exige dos professores maior dinamismo e mobilidade nas práticas Escolares,

com mudanças de postura, aquisição de novos conhecimentos, adoção de novos paradigmas,

como também abertura para aprender e assumir o importante papel do alfabetizador contemporâneo.

2.3 PERFIL DO PROFESSOR ALFABETIZADOR

Para desenvolver o processo de ensino e aprendizagem, nas classes de alfabetização, na

perspectiva do alfabetizar letrando, segundo os eixos norteadores da Proposta Curricular de

Santa Catarina (1998), o perfil do professor-mediador caracteriza-se por critérios indispensáveis à

dinâmica de apropriação da leitura e da escrita. Tais critérios orientam-se por atitudes que visam à

atuação de um profissional reflexivo e crítico no desempenho da função ‘alfabetizador’. São eles:

• aceitar sua identidade profissional e valorizar seus conhecimentos e saberes sobre

o processo de alfabetização;

(Alfabetização com Letramento)

5 Vygotsky (1994) define a Zona de Desenvolvimento como sendo a distância entre o nível de desenvolvimentoreal do sujeito e o nível de desenvolvimento potencial. É nesse espaço que deve ser exercida a mediação peloprofessor.

Page 27: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 27

• administrar sua própria formação;

• desenvolver continuamente sua competência de leitor e escritor, com autonomia;

• realimentar diariamente expectativas de sucesso em relação ao desempenho

dos alunos;

• questionar constantemente seu trabalho;

• ter atitudes de pesquisador;

• socializar o seu trabalho de sala de aula e suas produções;

• envolver-se em trabalhos coletivos e compartilhados;

• participar de processos de formação continuada em âmbito intra e extra-Escolar;

• comprometer-se no exercício da função de educar e alfabetizar letrando;

• valorizar os conhecimentos prévios dos alunos, sem deixar de favorecer e

estimular novas descobertas e deduções;

• respeitar as capacidades e habilidades já desenvolvidas pelos alunos, proporcionando

situações de aprendizagem para que ampliem e aprofundem os conhecimentos em estudo;

• desenvolver uma mentalidade aberta às mudanças, de maneira que consolide uma

ação pedagógica adequada e produtiva;

• conhecer e compreender a complexidade dos conteúdos e procedimentos curriculares da

alfabetização, seus princípios, desdobramentos e implicações, de forma a efetivar uma

adequada elaboração didática desses conhecimentos para a situação Escolar;

• articular diferentes conteúdos, adequando-os às experiências culturais, lingüísticas e

às condições de aprendizagem dos alunos;

• dominar seu instrumental de trabalho, de maneira a ser capaz de planejar, desenvolver

e avaliar situações contextualizadas de ensino e aprendizagem na alfabetização;

• valer-se das novas tecnologias da comunicação e da informação;

• produzir saberes pedagógicos e contextualizar sua própria prática;

• compreender as implicações pedagógicas decorrentes da pluralidade lingüística e cultural

nas produções orais e escritas dos alunos;

• diagnosticar as dificuldades e problemas enfrentados pelos alunos para intervir,

interagir e mediar o processo de elaboração e apropriação da leitura e da escrita;

• possibilitar aos alunos a observação e manipulação de variados textos, pertencentes a

diversos gêneros presentes em diferentes suportes, orientando a exploração desse material;

• identificar e reconhecer os princípios permanentes que devem ser preservados, bem

como aqueles que devem ser articulados simultaneamente frente à perspectiva de

alfabetizar letrando;

(Alfabetização com Letramento)

Page 28: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

28 PROPOSTA CURRICULAR

• articular propostas que dêem conta da complexidade da alfabetização e das progressivas

exigências em torno do seu ensino.

Essas atitudes corroboram a importância da formação do professor alfabetizador no contexto

de um conjunto de medidas educacionais destinadas a tornar real a proposta de alfabetizar letrando.

Isso significa que a decisão metodológica relacionada à alfabetização extrapola a simples escolha

de método, implicando em suporte teórico e técnico para os educadores-alfabetizadores

(re)construirem suas práticas pedagógicas.

Noutros termos, tais atitudes asseguram desenvolvimento inter e intrapessoal em processo

de interação por meio da linguagem verbal. Entende-se que os professores não são apenas

receptores de teorias, mas, sim, profissionais com capacidade crítica, cuja experiência será

considerada um valor ao processo de formação e servirá como ponto de partida para melhorar sua

ação profissional no processo de alfabetização.

3 LETRAMENTO E A DIVERSIDADE DE GÊNEROS DISCURSIVOS

No mundo letrado, a pluralidade cultural é marcada pela diversidade de linguagens (gestual,

verbal, ideográfica, artística, informática, etc.). Compreender o sentido dessas diferentes linguagens

nas práticas sociais é condição para o desenvolvimento do exercício da cidadania.

A Escola, sendo espaço de letramento, constitui-se lócus propício à interação, por meio

dessas diferentes linguagens cujos textos manifestam diferentes gêneros discursivos, incluindo

os de circulação no espaço cibernético, uma vez que a multiplicidade desses gêneros discursivos

e textuais comporta as inúmeras formas de expressão das construções presentes na imaginação

humana.

Para Rego (1999, p. 42):

Os instrumentos técnicos e os sistemas de signos, construídos historicamente,fazem a mediação dos seres humanos entre si e deles com o mundo. A linguagemé um signo mediador por excelência, pois ela carrega em si os conceitosgeneralizados pela cultura humana.

(Alfabetização com Letramento)

Page 29: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 29

A criança, ao ter contato com as diferentes linguagens e ao compreendê-las e utilizá-las,

apropria-se dos recursos de textualidade que lhe permitem expressar-se com maior clareza e

criatividade.

A mediação pelas diferentes linguagens na e pela Escola possibilitará o aprendizado de

leituras mais críticas e das mais variadas possibilidades de organização textual. Seja por meio de

um desenho ou de um texto escrito, a interação entre o autor e o receptor desencadeará leituras e

releituras, ampliando a visão de mundo daqueles que as realizam.

É preciso considerar que cada texto que circula socialmente tem suas especificidades e

atende aos objetivos propostos para o uso a que se destina. Diferentes objetivos no uso da linguagem

exigem diferentes textos e, cada qual, por sua vez, requer uma modalidade diferente de leitura. Há

textos que podem ser lidos apenas por partes, buscando-se a informação necessária àquele

momento; outros precisam ser lidos exaustivamente quando se deseja compreender e apreender

um determinado conhecimento; a outros se recorre várias vezes na busca de informações adicionais

do cotidiano. Há leituras em que é necessário controlar atentamente a compreensão de quem lê,

ora voltando atrás no texto, ora acrescentando informações, para a certificação do entendimento

e aprofundamento de conceitos, e, em outras situações, tem-se a leitura pelo prazer de ler.

Quando se lê, segundo Orlandi (2003, p. 11), “considera-se não apenas o que está dito,

mas também o que está implícito: aquilo que não está dito e que também está significando. E o

que não está dito pode ser de várias naturezas”.

Assim, quanto maior a interação do aluno com a diversidade cultural, maiores serão suas

possibilidades de conhecimento para a leitura do mundo.

O processo de ensino e aprendizagem, fundamentado no trabalho sistemático com textos,

de múltiplas naturezas (diferentes gêneros discursivos) e estruturas textuais, verbais e não-verbais,

contribui para o desenvolvimento da leitura e da escrita. Esse trabalho com textos diversificados

é apontado pela Proposta Curricular de Santa Catarina (1998), cuja orientação metodológica é a

de trazer para a sala de aula todo gênero discursivo: literário, informativo, publicitário, dissertativo

– colocando as linguagens em confronto, não apenas as suas formas particulares, mas o próprio

conteúdo nelas e por elas veiculado.

É necessário, portanto, ir além do proposto pelo livro didático. Ampliar e não limitar é a

premissa básica.

A Escola constitui-se então local propício à diversidade, à possibilidade de o aluno ler o

próprio tempo, compreender o complexo tecido histórico que sustenta o presente. Fazer do ato de

ler um movimento de reler/rever contínuo e ter a clareza de que em todo texto outros textos, outras

vozes, outros tempos se cruzam num diálogo intenso e permanente é contribuir para uma visão do

mundo menos leviana (MARCHEZI, 2002).

(Alfabetização com Letramento)

Page 30: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

30 PROPOSTA CURRICULAR

3.1 GÊNEROS DISCURSIVOS

A leitura diversificada se faz presente em situações lingüisticamente significativas. Nestas

haverá, portanto, a necessidade de ler diferentes gêneros e tipos de textos e a conseqüente

oportunidade de aprendizado das diferentes formas de ler e de suas convenções.

A complexidade da leitura é assim explicitada por Kleiman (1989, p.07): “... o complexo ato

de compreender começa a ser compreensível apenas se aceitarmos o caráter multifacetado, multi-

dimensionado desse processo que envolve percepção, processamento, memória, inferência,

dedução.”

A leitura, assim como a escrita, é uma atividade individual, realizada de forma visual. No

entanto, o leitor não é passivo frente ao texto, estabelecendo relações entre o que lhe é ensinado,

e o seu conhecimento de mundo, criando, confirmando ou rebatendo, ao longo do processo, suas

hipóteses. Corroborando Kleiman (1989:18), a Escola não tem desenvolvido o trabalho com a

escrita e a leitura nessa perspectiva,

[...] a linguagem perde sua natureza da ação entre interlocutores e passa a serobjeto de manipulação e transformação estrutural. O texto escrito não se constitui,então, no meio através do qual autor e leitor interagem, onde o autor constrói umtexto, e, portanto, propõe uma leitura, através do quadro referencial selecionado,enquanto o leitor aceita, refuta, critica, também apoiado num processo seletivoque determina a depreensão da linha temática, a interação das informações numsignificado único e abrangente, e uma reação intersubjetiva.

Mais importante do que somente ler buscando o que o autor quer transmitir é o leitor ter

autonomia na construção do sentido. Sendo assim, no processo de ensino e aprendizagem, a

consideração ao grau de dificuldade dos textos e à capacidade de compreensão dos leitores é

condição necessária ao próprio processo.

Perceber a utilização da língua na sua heterogeneidade e nas múltiplas maneiras de

realização é fundamental para o entendimento do que Bakhtin conceitua como gênero do discurso,

conteúdo a ser trabalhado em sala de aula.

Para o autor, o ser humano, em quaisquer de suas atividades, serve-se da língua a partir

do interesse, da intencionalidade e das finalidades específicas de cada atividade, ou seja, produz

enunciados lingüísticos que se realizam de maneiras diversas: “... cada esfera de utilização da

língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados.” (BAKHTIN, 1992, p.277)

(Alfabetização com Letramento)

Page 31: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 31

A intermediação e a integração das práticas às atividades de linguagem dão-se pelos

enunciados, a que chamamos de gêneros discursivos, que fornecem suporte às situações de

comunicação.

Rojo (1998) afirma que o alfabetizador há de lançar mão dos variados gêneros textuais e

trabalhá-los no sentido de sua utilização em práticas sociais concretas, importantes para a prática

social ativa e cidadã dos alunos. Traduzindo Schneuwly e Dolz e colaboradores, Rojo (2004: 120),

considerando a dificuldade de fazer escolhas diante da variedade dos gêneros e evitando também

a redução desse trabalho à dimensão utilitária, propõe, então, que os agrupamentos:

Correspondam às grandes finalidades sociais atribuídas ao ensino, cobrindo osdomínios essenciais de comunicação escrita e oral em nossa sociedade; retomem,de maneira flexível, certas distinções tipológicas, da maneira como já funcionamem vários manuais, planejamentos e currículos; sejam relativamente homogêneosquanto às capacidades de linguagem implicadas no domínio dos gênerosagrupados.

Assim, segundo esses autores, a seqüência didática para o desenvolvimento da

comunicação oral e escrita deve se dar a partir da apresentação de um problema de comunicação

bem definido, ou seja, da elaboração de um projeto coletivo de produção de um gênero oral ou

escrito proposto aos alunos, de forma que compreendam o problema a ser resolvido por meio de

um texto oral ou escrito. Questões como: que gênero será abordado? A quem se dirige a produção?

Que forma assumirá a produção? Quem participará da produção? Quais serão as escolhas

lingüísticas para a produção?, nortearão a prática pedagógica. Trata-se de possibilitar o

desenvolvimento das capacidades de narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações por

meio da linguagem verbal.

Como exemplos de gêneros orais e escritos, os autores acima citados, exemplificam:

- para a cultura literária ficcional (narrar): conto maravilhoso, fábula, lenda, narrativa de

aventura, narrativa de ficção científica, narrativa de enigma, novela fantástica e conto

parodiado;

- para documentação e memorização de ações humanas (relatar): relato de experiência

vivida, relato de viagem, testemunho, currículo, notícia, reportagem, crônica esportiva,

ensaio biográfico;

- para discussão de problemas sociais controversos (argumentar): texto de opinião, diálogo

argumentativo, carta do leitor, carta de reclamação, deliberação informal, debate regrado,

discurso de defesa, discurso de acusação;

(Alfabetização com Letramento)

Page 32: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

32 PROPOSTA CURRICULAR

- para transmissão e construção de saberes (expor): seminário, conferência, artigo ou

verbete de enciclopédia, entrevista de especialista, tomada de notas, resumo de texto

(expositivo ou explicativo), relatório científico, relato de experiência científica;

- para instruções e prescrições (descrever ações): instruções de montagem, receita,

regulamento, regras de jogo, instruções de uso, instruções em geral.

Ter clareza sobre a constituição dos gêneros e das tipologias textuais é fundamental para

o professor orientar a produção e a interpretação dos textos que circulam socialmente.

As tipologias textuais refletem, em maior ou menor medida, as intenções dos falantes/

ouvintes de uma língua. É possível agrupar os textos, a partir da identificação de certos traços

percebidos como comuns, nos diferentes gêneros discursivos.

A Proposta Curricular de Santa Catarina (1998, p. 37) explicita o que se vem afirmando:

A tipologia textual a ser utilizada deve ser a mais variada possível. As históriasinfantis, os nomes/apelidos das pessoas e das coisas, os nomes científicos/populares das plantas e das coisas, poesias, textos coletivos e individuaisproduzidos pelos alunos da classe ou por outros alunos, jornais, bulas de remédio,rótulos, lendas, adivinhas, parlendas, músicas, textos informativos, relatórios depesquisa e experiências... devem ser criados e recriados pelas crianças.

3.2 DIVERSIDADE DE SUPORTES DE LEITURA: A INCLUSÃO DO DIGITAL

A revolução digital alterou significativamente os conceitos de espaço e tempo. Mensagens

podem ser enviadas e recebidas simultaneamente, bem como livros, músicas e filmes são

transmitidos em forma de bytes.

As novas tecnologias vêm ocasionando transformações na sociedade, modificando hábitos

e comportamentos, destacando-se os novos modos de interagir pela leitura e escritura no espaço

cibernético.

Segundo Pierre Lévy (1999, p.17), “cibercultura é o conjunto de técnicas (materiais e

intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem

juntamente com o crescimento do ciberespaço.”

A presença de computadores nos espaços públicos e privados é uma realidade, demandando

o domínio de conhecimentos de informática.

(Alfabetização com Letramento)

Page 33: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 33

A Escola, inserida nesse contexto, não pode furtar-se à formação de cidadãos que dêem

conta do uso dessa tecnologia que, utilizada como suporte pedagógico, ampliará as possibilidades

de trabalho e inclusão social.

Os professores encontram-se, então, diante de recursos que demandam novas atitudes e

conhecimentos para que valores de formação crítica e criadora se consolidem.

Superar os desafios que se apresentam pelas novas tecnologias, utilizando-as como

mediadoras do processo de ensino e aprendizagem, conduz à ação transformadora da prática

pedagógica.

4 O AMBIENTE ALFABETIZADOR

4.1 A SALA DE AULA

É inerente à Escola possibilitar aos sujeitos que a freqüentam espaços que lhes permitam

o desenvolvimento, apropriando-se da cultura e dos saberes historicamente acumulados. A sala

de aula é a referência, centro da educação escolar; a formação básica do educando se dá neste

espaço de interação, de cumplicidade entre os sujeitos, mediados pela realidade de que cada um

provém. Logo para aprender a ler e escrever é necessário que o aluno sinta a sala de aula como...

lugar onde as razões para ler e escrever são intensamente vividas. (Foucambert, 1994:31, in:

Proposta Curricular de Santa Catarina, 1998:36)

Compreende-se por sala de aula todo e qualquer espaço físico onde há interação entre

professores e alunos (uma sala convencional, a quadra de esportes, a biblioteca, etc.). O foco de

discussão, neste momento, será a sala de aula de alfabetização, onde o trabalho é desenvolvido

diariamente, com intencionalidade, pelo professor, por meio de sua prática pedagógica, afetividade

e valores, mediando o processo de formação do indivíduo com diferentes mecanismos de

apropriação da linguagem.

Por isso, o ambiente físico de uma classe de alfabetização constitui grande estímulo para a

criança entrar no mundo do conhecimento científico. Deve ser envolvente, preparado sistemática e

intencionalmente e possibilitar a interação efetiva entre os participantes do processo e a realidade

circundante (as experiências individuais e coletivas dos alunos, a situação social da Escola e da

comunidade). Para tanto, a disposição dos alunos em grupos (duplas, círculos, semicírculos)

favorece a visualização de todos e em todos os momentos de troca de experiências, possibilitando

(Alfabetização com Letramento)

Page 34: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

34 PROPOSTA CURRICULAR

ao professor outros olhares sobre o como ensinar ao perceber as diferentes maneiras de como o

aluno aprende.

O processo de ensino e aprendizagem, como já enfatizado, ocorre através da interação e

da mobilização, provocando assim o interesse do aluno pelo conhecimento potencial, no confronto

das idéias, nas trocas e na socialização. Todo sujeito aprende por meio de ações mediadas que

permitam realizar estruturações mentais em níveis superiores.

Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro,no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas(interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). Isso se aplicaigualmente para a atenção voluntária, para a memória lógica e para formação deconceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações reais entreindivíduos humanos (VYGOTSKY, 1994, p: 75).

A aprendizagem constitui-se, assim, na confrontação e em companhia de outros indivíduos,

por meio da resolução de conflitos cognitivos, e em função das necessidades que são vivenciadas.

A abordagem histórico-cultural da Proposta Curricular de Santa Catarina (1998) aponta a formação

de grupos heterogêneos como algo fundamental, uma vez que:

[...] a heterogeneidade, característica presente em qualquer grupo humano, passaa ser vista como fator imprescindível para as interações na sala de aula. Osdiferentes ritmos, comportamentos, e experiências, trajetórias pessoais, contextosfamiliares, valores e níveis de conhecimento de cada criança (e do professor)imprimem ao cotidiano Escolar a possibilidade de troca de repertórios, de visão demundo, confrontos, ajuda mútua e conseqüente ampliação das capacidadesindividuais (REGO, 1995, p. 88, in: P. C. 1998:37).

Dessa forma, o professor não mais expõe o conteúdo e o aluno recebe passivamente,

porém cria condições em sala de aula para que haja a internalização dos conhecimentos, com a

preocupação de que a apropriação do saber se dê de maneira significativa, concreta,

transformadora, fazendo a ponte com outros sujeitos e elaborando e re-elaborando conceitos.

Na concepção histórico-cultural, o aluno é visto como um ser ativo de interações, mediado

pelo conhecimento científico que não é “transferido” ou “depositado” pelo outro, mas, sim, elaborado

na sua relação com os outros e com o mundo, o que será evidenciado se a organização de sala de

aula assim o permitir. Aprender a ler e escrever refere-se à sistematização das necessidades de

(Alfabetização com Letramento)

Page 35: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 35

relacionamento com o “outro”, dizer algo a alguém ou saber dele, seja para informar ou informar-

se, documentar ou simplesmente escrever ou ouvir.

Segundo Bakhtin (1997, p. 113):

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fatode que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constituijustamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve deexpressão a um em relação ao outro. Através da palavra defino-me em relação aooutro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espéciede ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numaextremidade, na outra apóia-se sobre meu interlocutor. Portanto, a palavra é oterritório comum entre o locutor e o interlocutor.

Sempre se escreve algo para alguém ler. Sempre se lê o que alguém escreveu com uma

intenção. Assim, todo texto cumpre uma função social. Conseqüentemente, o ambiente alfabetizador,

rico de materiais escritos a serem manuseados constantemente pela criança, através de atividades

previstas pelo professor, de forma contextualizada e significativa, promoverá a aprendizagem das

diferentes funções sociais da escrita no contexto em que ela se produz.

Na perspectiva da Proposta Curricular de Santa Catarina (1998), toda a aula constitui convite

para o aprendizado da escrita. O professor alfabetizador, detentor do conhecimento científico e

pedagógico, com criatividade, integra a leitura e a escrita na vida cotidiana das crianças, gerando

ambiente estimulador que possibilite a utilização sistemática dos materiais didáticos como

ferramentas de construção e apoio.

A presença de materiais como: alfabetos escritos em diferentes tipos de letras, pôsteres,

bibliotecas de sala de aula, cartazes, jogos com instruções, anotações de projetos desenvolvidos

em sala de aula, datas de aniversários, etiquetas, rótulos, calendários, jornais, convites, livros,

revistas, etc. constitui estímulo ao processo de ensino e aprendizagem da leitura e escrita.

O espaço rico e privilegiado de instrumentos mediadores favorece a mediação do professor

e suas intervenções, no processo de sistematização das atividades de comunicação oral e escrita.

A prática alfabetizadora redimensiona-se, assim, no sentido de criar espaços que

proporcionem um conjunto de práticas discursivas, ou seja, viabilizar diversas formas de usar a

linguagem e fazer/ retirar sentido pela fala e escrita (MATENCIO,1994, p.20, in: PC 1998 p.36)

para que ocorram na Escola momentos de negociação das diversas maneiras de ver e dizer o

mundo.

(Alfabetização com Letramento)

Page 36: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

36 PROPOSTA CURRICULAR

4.2 O PLANEJAMENTO

É inegável a contribuição das pesquisas sobre alfabetização (SOARES, 2004, 1998;

SMOLKA, 1991; FRANCHI, 1999). Porém, em meio ao avanço desses estudos, instalaram-se

algumas lacunas, a partir da centralidade das dimensões conceituais que deixaram de lado a

sistematização metodológica do ensino da leitura e da escrita.

Na relação pedagógica, a atividade primeira é a do professor, pois cabe a ele, como

organizador e responsável pelo processo de ensino, planejar, provocar e desenvolver atividades

com os alunos, garantindo, assim, a ação significativa na construção do conhecimento científico.

Torna-se necessário buscar equilíbrio entre as “múltiplas facetas da alfabetização” (SOARES,

2004, p. 13), ou seja, entre os movimentos pedagógicos, os princípios metodológicos, as

contribuições da psicologia, da lingüística, da sociolingüística e da antropologia. A prática

alfabetizadora ultrapassa a escolha de métodos, porém envolve procedimentos diversos e complexos

de preparação para o ensino e a aprendizagem da leitura e escrita. Apreender o sistema de

representação por meio de signos lingüísticos é alfabetizar-se. Estabelecer correspondência entre

sons e letras e vice e versa, construindo sentidos a partir desse saber é apropriar-se da leitura e da

escrita.

Nessa perspectiva, o agir do professor (ato político), resultará em ampliação das funções

psicológicas superiores manifestadas no pensar, no resolver problemas, no aumento da capacidade

de análise e de síntese, contribuindo para o exercício da cidadania.

O processo de ensino e aprendizagem não pode ser conduzido de forma aleatória,

assistemática, limitada ao espontaneísmo ou apenas à memorização. Ressalta-se a importância

do planejamento, da organização das classes de alfabetização e das rotinas a serem praticadas

em sala de aula, a partir do conhecimento do professor sobre a realidade do aluno e diagnóstico

da classe.

É da responsabilidade do professor ir além do conhecimento empírico do aluno; compete a

ele ampliar a visão de mundo dentro da sala de aula. Se o professor interage com mediações

empobrecidas, que não revelam a estrutura do real, torna-se ainda mais difícil ao aluno atingir

níveis de aprendizagem mais efetivos. É na zona de desenvolvimento proximal que essa mediação

se concretiza.

A ampliação de conhecimentos e visão de mundo ocorrerá na Escola, se as atividades

pedagógicas forem programadas, planejadas, intencionais, por meio de uma condução que supere

obstáculos e que dê sentido às atividades de aprendizagem, despertando necessidade, provocando

desejo, levando à mobilização, realizando trabalhos concretos e significativos.

(Alfabetização com Letramento)

Page 37: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 37

O planejamento comprometido, articulado com o Projeto Político Pedagógico da Escola,

fundamentado em concepções coerentes com a Proposta Curricular de Santa Catarina (1998),

dará sustentação ao trabalho pedagógico do professor.

É fundamental aprofundar o conhecimento de como os alunos aprendem, assim como

escolher os materiais e situações que melhor funcionem para estimular a aprendizagem.

4.3 CONTEÚDOS

Pensar no currículo para alfabetização implica refletir sobre e definir ações e conteúdos.

A prática pedagógica terá como conteúdo da língua a própria língua, isto é a fala,a leitura e a escrita enquanto atividades interacionais que concretizam e articulamvisões de mundo. Os conteúdos, portanto, sempre serão os mesmos; os objetivosestarão pautados no domínio da fala, da leitura e da escrita, domínio este que serámais complexo quanto maior for o grau de ensino (SANTA CATARINA, 1991, p.18).

Uma vez que o conteúdo da prática pedagógica é a própria língua em uso, ou seja, a

atividade interacional, os enunciados (Bakhtin, 1992) e os gêneros discursivos serão então o objeto

do ensino. Nesse trabalho, o desenvolvimento da oralidade, da leitura e da escrita considerará

aspectos de discursividade e de conhecimentos da e sobre a língua. Considerando que os gêneros

e as tipologias textuais já foram relacionados na seção anterior, serão considerados a seguir

aspectos específicos dos eixos oralidade, leitura e escrita.

Quanto à oralidade:

• Adequação da linguagem ao interlocutor e às circunstâncias de comunicação:

clareza, seqüenciação, objetividade, coerência na argumentação, adequação

vocabular, seleção de recursos lingüísticos e prosódicos

• Reconhecimento das intenções e objetivos da fala do outro

• Desenvolvimento de recursos de representação simbólica pela oralidade

Quanto à leitura:

• Reconhecimento dos valores das letras (correspondência grafema – fonema)

• Reconhecimento de palavras e frases

• Reconhecimento de sinais diacríticos e de pontuação

• Atribuição de sentido aos enunciados

(Alfabetização com Letramento)

Page 38: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

38 PROPOSTA CURRICULAR

• Atribuição de ritmo, fluência e entonação à leitura

• Reconhecimento das marcas expressivas do texto

• Reconhecimento da presença de um outro e de sua intenção

• Identificação das idéias do texto

• Análise e discussão das idéias do texto (clareza, coesão e coerência)

• Elaboração de sínteses, paráfrases e resumos

• Reconhecimento das especificidades dos diferentes gêneros discursivos

• Oralização do texto

Quanto à escrita:

• Idéia de representação por símbolos escritos – do desenho ao sistema alfabético

• Diferentes funções sociais da escrita

• Escritas em diferentes situações

• Ferramentas de escrita (lápis, caneta, pincel, giz, teclado etc.) e suportes de escrita

(papel, cartolina, cartões, fichas, caderno, murais, materiais de diferentes texturas,

computador etc.)

• Diferentes configurações do alfabeto (tipos e tamanhos de letras): caixa-alta, script,

cursiva, fontes diversas

• Correspondências som-letra – fonema-grafema (biunívocas e as exceções)

• Modalidades de escrita nos diferentes suportes

• Composição de pequenos textos (palavras e frases)

• Registro de idéias:

- disposição da escrita no papel;

- desmembramento do fluxo da fala (reconhecimento do limite das palavras);

- traçado correto das letras, números e sinais;

- utilização de maiúsculas e minúsculas;

- utilização da grafia convencionada em situações de múltiplas possibilidades de

representação som/letra;

- adequação do texto ao seu objetivo real ou imaginário;

- adequação do texto ao interlocutor;

- adequação do texto ao suporte de divulgação ou transmissão;

- seqüência lógica dos fatos e idéias; organização das idéias em parágrafos;

- articulação das idéias nas frases, períodos e parágrafos;

- utilização do discurso direto e indireto com adequação;

- uso de recursos gráficos: pontuação;

- margens, espaçamentos;

- organização do texto observando aspectos de concordância, flexão nominal e

verbal, regências, ortografia e acentuação gráfica.

(Alfabetização com Letramento)

Page 39: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 39

• Desenvolvimento da autoria

Na perspectiva dialógica, os eixos oralidade, leitura e escrita não se desenvolvem

independentemente. Ao se trabalhar a interação verbal, a oralidade pressupõe auditório, como

também a leitura e escrita. Os enunciados produzidos, quer orais, ou pela leitura e escrita, requerem

atitudes responsivas, ativas ou passivas. Haverá sempre respostas.

É importante salientar ainda que, em se tratando do processo inicial de aprendizagem da

escrita e sendo o professor o sujeito mais experiente na mediação, a ele cabe o papel de escriba

do aluno, enquanto este ainda não apresentar alguma autonomia de escrita, para que a apropriação

do código ocorra em situações de real significação. À medida que o aluno vai internalizando os

princípios de funcionamento do sistema alfabético, o professor vai se distanciando dessa função,

possibilitando o aprendizado e conseqüente desenvolvimento de níveis mais avançados na escrita,

visando à formação do leitor e escritor crítico, criativo e autônomo.

4.4 A METODOLOGIA

Com relação à questão metodológica, a inserção dos conteúdos no planejamento se orientará

a partir da Teoria da Atividade.

A palavra atividade, a princípio, remete a toda e qualquer ação que o aluno realiza, tais

como, fazer exercícios, copiar do quadro, etc. No entanto, essas situações ocorrem, na maioria

das vezes, sem que o aluno tenha despertado o seu interesse por ela, em razão da desvinculação

dos conteúdos da realidade.

Quando o aluno realiza, por exemplo, uma cópia sem uma intencionalidade de significação

para ele, apenas cumprindo uma determinação do professor, torna-se passivo, ficando em segundo

plano sua vontade e motivação para agir, o que ocasiona uma apreensão parcial do sentido da

atividade.

As atividades humanas são consideradas, por Leontiev, como formas de relação dohomem com o mundo, dirigidas por motivos, por fins a serem alcançados. A idéia deatividade envolve a noção de que o homem orienta-se por objetivos agindo de formaintencional por meio de ações planejadas. A capacidade de conscientemente formulare perseguir objetivos é um traço que distingue os homem dos outros animais (OLIVEIRA,2004 p. 96).

(Alfabetização com Letramento)

Page 40: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

40 PROPOSTA CURRICULAR

Partindo dessa compreensão, o professor alfabetizador elaborará seu planejamento com

objetividade e clareza de quais atividades de aprendizagem são necessárias à apropriação dos

conceitos advindos dos conteúdos ensinados.

No âmbito da Teoria de Leontiev, a atividade caracteriza-se por níveis diferentes de

funcionamento: a atividade propriamente dita (envolve finalidade consciente e atuação coletiva e

cooperativa), as ações (dirigidas por metas, que satisfazem a necessidade do grupo) e as operações

(aspectos práticos das ações, ou seja, como se realizam).

Assim, as atividades de aprendizagem não ocorrem espontaneamente. Não é possível

pensar em um processo de ensino e aprendizagem baseado na improvisação, em que atividades

de sala de aula vão surgindo, umas após outras, de acordo, apenas, com o interesse manifestado

pelos alunos. O professor é o responsável pelo ensino e, conseqüentemente, pela elaboração das

atividades que conduzirão à aprendizagem. Isto implica problematizar situações das quais

conteúdos são selecionados, apontando finalidades e razões para os alunos quererem se apropriar

dos conceitos científicos. Compreende-se que todas as interações em sala de aula devem inserir-

se nessa perspectiva.

As atividades de ensino e aprendizagem, devidamente pensadas, farão toda a diferença

na apropriação dos conteúdos para a elaboração e reelaboração dos conceitos científicos,

garantindo assim aprendizagem significativa.

4.5 AVALIAÇÃO

Visando ao acompanhamento do processo de ensino e aprendizagem, na perspectiva da

Proposta Curricular de Santa Catarina, a avaliação será cumulativa, processual e contínua.

Acompanhará a trajetória do aluno considerando o nível de apropriação de seus conhecimentos.

Nesta perspectiva, não tem caráter classificatório, e, sim, diagnóstico, isto é, o de verificar

não somente o aproveitamento do aluno como também os efeitos da prática do professor, com

atualização constante do trabalho pedagógico .

A avaliação subsidiará a intencionalidade do processo ensino-aprendizagem, oportunizando

aos professores a retomada sistemática dos encaminhamentos metodológicos, no sentido de que

o aluno aprenda mais e significativamente. (Proposta Curricular de Santa Catarina 1998, p. 75).

Sugerem-se como estratégias de avaliação a organização conjunta de produções escritas

dos alunos e o registro de suas falas e atitudes, de modo a poder acompanhar o percurso de

aprendizagem. Por meio de investigação sistemática das situações em que há mediação e desafio

aos alunos, será possível o professor entender como está ocorrendo a internalização do

(Alfabetização com Letramento)

Page 41: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 41

conhecimento científico e identificar outras estratégias que poderão ser utilizadas para avançar no

processo de ensino.

Dessa maneira, a avaliação favorece a tomada de decisões do professor, propiciando

avanços na prática pedagógica e na aprendizagem do aluno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reafirma-se a importância do processo de alfabetização com letramento. O grupo de estudos

buscou compreender as questões teóricas para a efetivação da prática pedagógica de sala de

aula fundamentada na concepção histórico-cultural. As demandas de leitura e escrita, com as

quais as crianças se deparam no seu cotidiano, requerem conhecimentos específicos da língua

portuguesa e das demais linguagens que ampliam as funções psicológicas superiores, dando

condições para o aprendizado, não só da língua escrita, como também das diferentes formas de

representação (na matemática, na geografia, na história, nas ciências e nas artes).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAQUERO, Ricardo. Vygotsky e a aprendizagem Escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.BORTOLOTTO, Nelita. A interlocução na sala de aula. São Paulo: Martins Fontes, 1998.BAKHTIN, Mikhail (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1990.CABRAL, Leonor Scliar. Guia prático de alfabetização. São Paulo: Contexto, 2003.CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem ba-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1998.FRANCHI, Eglê Pontes. Pedagogia da alfabetização: da oralidade à escrita. 6a. ed. São Paulo: Cortez,1999.FREITAS, Maria Teresa de Assunção. Vygotsky e Bakhtin – psicologia e educação: um intertexto. 4a. ed.São Paulo: Ática, 2003.FOUCAMBERT, Jean. A leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.GARCIA, Regina Leite. A formação da professora alfabetizadora: reflexões sobre a prática. 3a. ed. SãoPaulo: Cortez, 2001.GRAFF, Harvey J. Os labirintos da alfabetização: reflexões sobre o passado e o presente da alfabetização.Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.KLEIMAN, A. B. Leitura: - Ensino e Pesquisa. Campinas Pontes, 1989.KRAMER, Sônia (ORG.). Alfabetização leitura e escrita: formação de professores em curso. Ed. Papéise Cópias de Botafogo Ltda, 1995.LEVY , Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.MARCHEZI, Vera Lúcia de Carvalho et al. Movimentos de viagem. São Paulo: Fundação Nestlé de Cultura,2002.MATENCIO, Maria de Lurdes Meirelles. Leitura produção de textos e a escola: reflexões sobre o processode letramento. Campinas: Mercado de Letras - Editora Autores Associados,1994.MOLL, Luís C. Vygotsky e a educação: implicações pedagógicas da psicologia sócio-histórica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2002.

(Alfabetização com Letramento)

Page 42: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

42 PROPOSTA CURRICULAR

OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. 4.a ed.São Paulo: Scipione, 2004.ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso & Leitura. São Paulo: Cortez, 2003.REGO, Tereza Cristina. Vygostky – uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis: Ed.Vozes, 1999.ROJO, Roxane ( ORG.) Alfabetização e letramento: perspectivas lingüísticas. Campinas: Mercado deLetras,1998.SANTA CATARINA. Secretaria da Educação, Cultura e Desporto. Proposta Curricular de Santa Catarina.Florianópolis: IOESC, 1998.______. Secretaria de Estado da Educação e Desporto. Proposta Curricular de Santa Catarina: Educaçãoinfantil, ensino fundamental e médio: Disciplinas Curriculares. Florianópolis: COGEN, 1998.______. Secretaria de Estado da Educação e Desporto. Proposta Curricular de Santa Catarina: EducaçãoInfantil, Ensino fundamental e Médio: Temas Muldisciplinares. Florianópolis: COGEN, 1998.______. Secretaria de Estado da Educação. Proposta Curricular de Santa Catarina: Uma contribuiçãopara a escola pública do Pré-Escolar, 1.o grau, 2.o grau e Educação de Adultos. 1991.______. Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Formação docente para educação infantil eséries iniciais. Florianópolis, COGEN, 1998.______. Secretaria de Estado da Educação e Desporto. Tempo de aprender. Florianópolis, 2000.SCHNEWWLY, Bernard e DOLZ, Joaquim e colaboradores. Gêneros orais e escritos na Escola. Traduçãoe organização de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2004.SMOLKA, Ana Luísa, Maria Cecília Rafael Góes (orgs.). A Linguagem e o outro no espaço Escolar:Vygostsky e a construção do conhecimento. 5.a ed. Campinas, SP: Papirus, 1996.SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. 2.a ed. São Paulo: Contexto, 2004.SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.

______. Linguagem e escola – uma perspectiva social. 3.ª ed. São Paulo: Ática, 1986.TERZI, Sylvia Bueno. A oralidade e a construção da leitura por crianças de meios letrados. In: KLEIMAN,Ângela. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas,SP: Mercado de Letras, 1995.

TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. Cortez, 1995.VYGOTSKY, Lev Semenovich. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes,1994.______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes,1996.

GRUPO DE TRABALHO:

DIONILSE DE FÁTIMA P. DAMASCENO - GEECT - JoinvilleEDI MARIA A. BASTEZINI - GEECT - São Lourenço do OesteEDITE SALETE VENTZ - GEECT - CaçadorELISABETE M. DOS SANTOS - GEECT - BrusqueELISETE MARISA PERUZZO - GEECT - JoaçabaIONICE CARDOSO - GEECT - LagunaIRENE BASEGGIO - GEECT - PalmitosISABEL DANOLT DA SILVA - GEECT - IbiramaISABELA CRISTIANE COUSSEAU DA SILVA - GEECT - São JoséJEANINE RODERMEL - GEECT - CuritibanosMARIA ETELVINA ZEN SANT’ANA - GEECT - ItuporangaMAYZA DE LIMA BORGES - GEECT - São Bento do SulNADIR PEIXER DA SILVA - SED/DIEBZILMA MÔNICA SANSÃO BENEVENUTT - GEECT - Blumenau

COORDENADORA:NADIR PEIXER DA SILVA - SED/DIEB

CONSULTORA:PROF.a Dra. NILCÉA LEMOS PELANDRÉ - UFSC

(Alfabetização com Letramento)

Page 43: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 43

EDUCAÇÃO E INFÂNCIA

INTRODUÇÃO

Em setembro de 2004, foi formado o Grupo Temático constituído por treze educadoras da

Secretaria de Estado da Educação, Ciência e Tecnologia/SC, fundamentando os estudos nos

pressupostos teóricos metodológicos da Proposta Curricular de Santa Catarina com o desafio de

trazer para o debate a necessária articulação entre a educação infantil e o ensino fundamental,

desmistificando a lógica de que o lugar da infância é somente na educação infantil e o lugar do

conhecimento é no ensino fundamental. Ao mesmo tempo, pretende dar visibilidade à criança que

habita no nosso “aluno”.

Este Documento constitui-se numa proposta para discussões e encaminhamentos sobre o

tema “Educação e Infância” oferecendo, também, como subsídio a análise de entrevistas6 realizadas

junto a diversas instituições de educação7 da Rede Pública Estadual de Ensino de Santa Catarina,

buscando conhecer o que pensam os(as) educadores(as) (professores, diretores, especialistas) e

os principais sujeitos envolvidos no processo de educação, as crianças.

Neste momento, lançamos o convite para um (re)encontro com a infância, a sua

infância, a nossa infância, e principalmente, com a infância que desejamos para a criança

contemporânea.

(Educação e Infância)

6 Em relação às entrevistas (semi-estruturadas com adultos e crianças) tratamos este procedimento comfundamento teórico, respeito e responsabilidade ética. Pois, Demartini (2002:12) se o entrevistador “[...] nãoconseguir estabelecer com as crianças certo grau de relacionamento [...], se não conseguir estabelecercerto grau de respeito, de intimidade, para que se crie certa abertura, não vai obter fala nenhuma [...]”. Emesmo assim, encontramos as “crianças que falam” e “as crianças que no momento de falar, silenciam”.Estes são alguns aspectos que definiram a relevância do preparo teórico-metodológico deste grupo para asua sensibilização, no momento de “dar voz” não só às crianças, mas também aos adultos. Para este estudocontamos com os trabalhos de: SARMENTO e PINTO (1997), ZAGO; CARVALHO e VILELA (2003); DEMARTINIapud FARIA; DEMARTINI e PRADO (2002).

7 Usaremos o termo Instituições de Educação para fazer referência aos Centros de Educação Infantil e/ou àsEscolas de Ensino Fundamental, ambos pertencentes à Educação Básica.

Page 44: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

44 PROPOSTA CURRICULAR

1 DISCUSSÕES LEGAIS E SOCIAIS DOS DIREITOS DA INFÂNCIA

Embora a luta social pelos direitos tenha produzido avanços nas diferentes legislações

como: a Declaração dos Direitos da Criança, mais conhecida como Declaração de Genebra (1923),

a Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), a Constituição Federal de 1988, a Convenção

sobre os Direitos da Criança (1989), o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - Lei nº 9.394 (1996), podemos afirmar que os

paradoxos vividos pelas crianças vêm aumentando. SARMENTO e PINTO (1997) apontam como

um dos principais o fato de que, de um lado há um discurso social e político sobre a infância de

direitos e, de outro, práticas sociais relacionadas às crianças que não garantem seus direitos

fundamentais. Há uma separação entre a defesa dos direitos da criança e a sua efetivação prática.

Foram tomadas diferentes medidas em favor dos direitos das crianças, desde o início do século

XX, porém, evidencia-se que são em sua maioria burocráticas.

Analisando os documentos legais, verifica-se que há uma distância entre a normatização e

a aplicação das legislações, pois burocraticamente a criança tem direito, porém, não os usufrui

plenamente. Elaboraram-se leis, normas, cartas e declarações que permanecem, na maioria das

vezes, no papel.

Cabe, portanto, a todos(as) os(as) brasileiros(as), principalmente aos(as) educadores(as)

que trabalham com a infância, lutar pela efetivação prática dos princípios assegurados amplamente

nas legislações, a fim de que haja coerência entre intenções e práticas.

Concordamos com SARMENTO e PINTO (1997, p.18), no que se refere à justificativa para

esta persistência:

Esta situação deve-se, entre outros fatos, a que a realidade social não se transformapor efeito simples da publicação de normas jurídicas; as desigualdades e adiscriminação contra (e entre) as crianças assentam na estrutura social, pelo quea proclamação dos direitos pese, embora o seu interesse e alcance, constitui, noquadro da manutenção dos fatores sociais de desigualdade e discriminação, umaoperação com acentuada carga retórica, de efeitos em grande medida ilusórios.

Portanto, a legislação sozinha não tem o poder de solucionar os problemas sociais.

Compreender que pela simples existência do Estatuto da Criança e do Adolescente os problemas

da infância estariam solucionados é um equívoco, pois uma Lei não é suficiente para garantir a

aplicabilidade dos seus artigos. Temos que considerar a importância da formulação das legislações

(Educação e Infância)

Page 45: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 45

por buscar, ou tentar de alguma forma, assegurar os direitos das crianças, mas não podemos

deixar de ressaltar a necessidade da sociedade se organizar e se manifestar em defesa da

efetivação desses direitos.

Assim, a instituição de educação deve cumprir com a sua função social de garantir a todos

o acesso à cultura e ao conhecimento científico, historicamente acumulado pela humanidade, na

perspectiva da cidadania. Para tanto, torna-se necessário construir uma proposta pedagógica no

sentido de que os direitos sejam respeitados também no cotidiano da instituição, nas vivências e

experiências educacionais, articulando a prática pedagógica com a família e comunidade.

Torna-se importante esclarecer a faixa etária constituinte deste ser humano de tenra idade,

as crianças, às quais fazemos referência neste Documento.

Quando se trata de determinar as “idades” da infância, não há consenso nem mesmo nas

legislações, pois esta concepção varia entre sociedades, culturas, comunidades, e pode variar no

interior de uma mesma família. Sarmento e Pinto (1997) esclarecem que:

Considerando que esta categoria social se estabelece por efeito exclusivo da idade(e não da posição social, da cultura ou do gênero), podemos considerar que oestabelecimento desses limites é uma questão de disputa política e social, nãosendo indiferente ao contexto em que se coloca, nem ao espaço ou ao tempo dasua colocação.

Partindo deste pressuposto, buscamos o que revelam as legislações e encontramos no

Art.1º, da Convenção dos Direitos das Crianças (1989), a definição de que, “criança é [...] todo ser

humano com menos de 18 anos de idade”. Já no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990),

em seu Art. 1o, encontramos a concepção de que “considera-se criança, para os efeitos desta Lei,

a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade.

É importante destacar que, neste Documento, o Estatuto da Criança e do Adolescente é a

nossa maior referência legal para a definição desse tempo da vida designado de criança, ou seja,

um ser humano em desenvolvimento de até 12 anos de idade.

(Educação e Infância)

Page 46: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

46 PROPOSTA CURRICULAR

2 NOSSA COMPREENSÃO DE INFÂNCIA E CRIANÇA

Casimiro de Abreu, em 1857, escreveu o poema Meus oito anos, reescrito aqui por uma

menina de 10 anos, retratando a sua infância.

Meus oito anos

Oh! que saudades que tenho

Da aurora da minha vida,

Da minha infância querida

Que os anos não trazem mais!

Que pulava corda,

Brincava de boneca,

Nossa...

Quando tinha oito anos,

Achava brincadeiras criativas.

Tudo pra mim era fácil,

E agora tudo é difícil.

Dormia tarde.

Só desenhava,

Já era boa aquela vida,

Legal e divertida,

Porque será que o tempo,

Passa tão rápido,

Eu queria ter oito anos

Para fazer tudo

O que a consciência mandasse

Mas agora,

Só tenho que pensar em crescer,

Para ser alguém na vida!

(J.G.A. - f. - 10 anos)8

(Educação e Infância)

8 Neste Documento, estaremos utilizando as abreviações “m” para registrar os depoimentos de crianças de gênero masculino e “f” para feminino.

Page 47: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 47

Observa-se que a poesia registra o pensamento e o sentimento de uma menina de apenas

dez anos de idade sobre a sua infância.

Quando nós, adultos, pensamos em nossa infância, sempre temos histórias para contar,

principalmente as travessuras que aprontamos e as broncas que levamos.

E as brincadeiras? Jogo de taco, pular corda, soltar pandorga (pipa), pular amarelinha,

brincar de casinha, sapato de lata... Passar a tarde inteira confeccionando roupinhas de boneca;

o prazer estava presente no processo de realizar as atividades, vivenciando cada passo como um

momento único. E quando as roupinhas de boneca estavam supostamente prontas e imaginávamos

que iria começar a brincadeira, ledo engano, pois com as roupas prontas terminava a brincadeira.

O importante aí não era brincar com as bonecas vestidas de roupas novas e, sim, costurar roupas

de boneca. Nesta perspectiva, o brincar se caracteriza por uma atividade que envolve pensamentos,

reflexões, idéias e aprendizagens.

Quem não tem marcado na memória uma música... “Meu limão, meu limoeiro, meu pé,

meu pé de jacarandá. Uma vez tindolelê, outra vez tindolalá”. E os desenhos animados...

Mas será que podemos afirmar que a infância realmente é um período de alegrias ou há

um mito da infância feliz? A idéia de infância nos é tão óbvia que pouco paramos para pensar

sobre ela.

Conhecer as implicações de tal questão é imprescindível para os educadores que atuam

direta ou indiretamente com crianças e que buscam compreender as finalidades e a própria limitação

desse campo educativo.

Nessa perspectiva, cabe registrar a necessidade de buscar um novo olhar para a infância,

reafirmado nos pressupostos teóricos e filosóficos da Proposta Curricular de Santa Catarina (Santa

Catarina, 1998, p.19-21).

Considerando que o olhar sobre a infância não foi sempre o mesmo, isto nos leva a acreditar

que os significados também não foram os mesmos. Modificações ocorreram e ocorrem por

determinações culturais e mudanças estruturais na sociedade. Neste aspecto, Sônia Kramer nos

dá subsídios para compreender melhor este fenômeno chamado “infância”, pois para a autora:

[...] a idéia de infância não existiu sempre e da mesma maneira. Ao contrário, elaaparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida em que mudama inserção e o papel social da criança na comunidade. Se, na sociedade feudal acriança exercia um papel produtivo direto (de adulto) assim que ultrapassava operíodo de alta mortalidade, na sociedade burguesa ela passa a ser alguém queprecisa ser cuidada, escolarizada e preparada para a atuação futura. Este conceitode infância é, pois, determinado historicamente pela modificação nas formas deorganização da sociedade. (KRAMER,1982, p.18).

(Educação e Infância)

Page 48: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

48 PROPOSTA CURRICULAR

Ao observarmos nosso meio social, é possível verificar que adultos e crianças pouco

convivem, pois, hoje, constituem suas histórias separadamente. Mas este fenômeno não foi sempre

assim. Houve um período da história que adultos e crianças conviviam o tempo todo, fosse no

trabalho, no passeio, nas festas, nas brincadeiras, pois a aprendizagem sobre a vida era feita em

contato direto com ela (ARIÈS, 1981).

Com a preocupação em relação à educação de seus filhos, e conseqüentemente com o

surgimento do sentimento de infância na família, Ariès relata que nos escritos datados de 1602 as

crianças eram enviadas a partir dos sete anos à “escola”, entendida como o... ”mercado da

verdadeira sabedoria”..., ou seja, acreditavam que os “alunos” se tornariam “os artífices de sua

própria fortuna, os ornamentos da pátria, da família e dos amigos” (ARIÈS,1981:277).

Cabe ressaltar que o direito à escolarização foi uma conquista histórica e, mesmo sem a

pretensão de aprofundar essa trajetória, faz-se necessário resgatarmos alguns marcos dessa

conquista.

Desde a revolução industrial, temos nos deixado seduzir pelas idéias de utilidade,

produtividade e lucro. Desse modo, a ciência e as demais áreas específicas assumem o papel de

“explicar” a infância, desencadeando um processo gradual de des-legitimação da autoridade,

tanto dos pais quanto dos educadores em relação à educação das crianças.

Neste processo, a instituição de educação encontra-se enquadrada no discurso da

Modernidade, cuja concepção de sociedade e de seres humanos estão pautadas no discurso de

seres livres e iguais em seus direitos. Diante desse panorama social, as instituições de educação

desenvolveram estratégias pautadas em um regime disciplinar mais rígido, incluindo mecanismos

de coerção, objetivando enquadrar as crianças nas regras da submissão e da ordem.

Esses procedimentos, considerados condições necessárias para que houvesse a adaptação

dos indivíduos ao sistema vigente, seguramente estavam dentro dos ”princípios de mercado:

produtividade, disciplina e circulação, procurando homogeneizar a cultura e eliminar os laços

pessoais” (MONARCHA,1989, p. 24), preparando-os para a industrialização e adequando-os ao

sistema capitalista.

Deste modo, é possível presumir que a forma como a estrutura da instituição de educação

está configurada deve ser entendida dentro da história que a constituiu, contextualizando-a em

seu tempo e espaço, principalmente político. Se a Escola se constitui num tempo e espaço

determinados, e sofre as influências das relações sociais estabelecidas, podemos entender que

“há possibilidade de mudanças na estrutura espaço-temporal das instituições de educação, de

modo a se tornarem espaços que favoreçam o processo de desenvolvimento e a formação das

crianças, respeitando-as como sujeitos de direitos” (PINTO, 2003, p.59).

Vale ressaltar que as crianças, além de se apropriarem dos conhecimentos acumulados

historicamente pela humanidade importantes para a participação ativa na sociedade na qual estão

(Educação e Infância)

Page 49: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 49

inseridas, necessitam também de espaços e tempos que garantam o desenvolvimento e

potencialização das diversas dimensões humanas. Para tanto, o papel das instituições educacionais

junto à infância é fundamental para possibilitar espaços de brincadeiras, conversas, argumentações,

negociações, expressão de sentimentos, idéias e sensações. Afinal, o que nos constitui humanos

são as interações e relações sociais.

Na atual situação brasileira o trabalho infantil persiste, apesar da legislação avançada

existente sobre o tema.De acordo com a Constituição Federal de 1988, o trabalho infantil é proibido.

Também, é proibido qualquer trabalho a menores de 16 anos de idade, salvo na condição de

aprendiz a partir de 14 anos, conforme Lei Federal Nº 8069, de 13/07/1990.

O Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente no Trabalho

de Santa Catarina, constituído por representantes de organizações governamentais e não-

governamentais, vem promovendo ações e espaços de discussões contra toda a forma de trabalho

infantil.

A infância é uma etapa fundamental da vida para aprender e brincar. Mas, em muitos lugares

do Brasil, incluindo Santa Catarina, há crianças que quase não brincam, pois não lhes permitem

este direito. Muitas crianças são exploradas no trabalho infantil doméstico, e outras exploradas em

atividades perigosas e nocivas. As estatísticas mostram números alarmantes.

No Estado de Santa Catarina, de acordo com a Pesquisa Nacional Amostra Domicílio –

PNAD/2002/IBGE, existem 112.057 crianças e adolescentes na faixa etária entre cinco e quinze

anos submetidos a essa situação. Destes, cerca de 25 mil trabalhadores têm idade entre cinco e

nove anos.

A história e as pesquisas têm evidenciado as conseqüências negativas do trabalho precoce

para a criança, a família e a sociedade. Nesta perspectiva, o Ministério do Trabalho e Emprego

aponta como resultado: fracasso ou evasão escolar, baixa escolaridade, falta de perspectivas

futuras, redução de postos de trabalho para adultos, força de trabalho desqualificada e criminalidade

pela falta de oportunidades futuras e desagregação do núcleo familiar.

O trabalho precoce é um dos fatores que impedem a vivência plena da infância,

comprometendo o desenvolvimento físico, cognitivo, psicológico e social das crianças. A mudança

desse contexto pode ser garantida por políticas públicas que garantam o acesso e permanência

de todas as crianças à educação de qualidade, para que as mesmas possam viver sua infância

dignamente.

Dados de uma pesquisa publicada pela Folha de São Paulo, em 17/10/04, revelam que

57% das crianças brasileiras passam cerca de três horas na frente da TV e 43% delas não fazem

esportes e nem brincam com outras crianças. E, infelizmente, a televisão brasileira tem muita

qualidade técnica, mas pouca em conteúdo (MENDONÇA, 2002). Assim, há uma avalanche de

(Educação e Infância)

Page 50: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

50 PROPOSTA CURRICULAR

mensagens publicitárias dirigidas aos seres humanos de pouca idade e muitas manipulam o

desejo das crianças pelo consumismo exacerbado.

Nesta disparidade, encontramos crianças diante de sofisticados computadores, grupos

de meninos e meninas reunidos em salas escuras às voltas com jogos eletrônicos e garotos

descalços que puxam carrinhos de papel com a força de homens. Nas casas-ilhas, nas ruas sem

calçamento, com os pés na lama, sob as marquises do centro da cidade, nos faróis, são muitos,

são diferentes, são crianças. São sujeitos de infância díspare, infância múltipla, pós-moderna,

contextos que diferem, discursos que se contrapõem.

Muitas crianças deixam cada vez mais de conviver no espaço privado, ou seja, de se

relacionarem com irmãos, primos, vizinhos de idade semelhante, para ocuparem cada vez mais

o espaço público das instituições externas às famílias e lá estabelecerem os contatos afetivo-

sociais cotidianos. Vale dizer que os amigos são aqueles com os quais as crianças convivem nas

instituições de educação, sendo que, na maior parte das vezes, os contatos são realizados somente

naquele lugar. Num universo de poucos filhos e grandes distâncias entre as casas de parentes

próximos, a brincadeira em casa fica restrita: somente com os adultos ou solitária.

As marcas dos contextos sociais, sempre presentes, mas mascaradas pelas abordagens

centradas no indivíduo, gritam suas diferenças e imprimem novos contornos às “infâncias” da

sociedade atual. A infância “burguesa” dos novos tempos, reinante nos extratos sociais médios,

aquela mesma à qual se permitiu estender os anos de vida como criança num mundo protegido

das preocupações, tem também, hoje, sua extensão cada vez mais encurtada.

Segundo os estudos advindos principalmente da sociologia da infância, na concepção de

SARMENTO e PINTO (1997), defendida também por este Grupo Temático, há necessidade de se

pensar a criança como um ser simultaneamente singular e social; isto significa que é preciso

considerar dois pontos - da homogeneidade e da heterogeneidade - para não negar nem a

individualidade nem o contexto social na qual ela se insere.

Então, para caracterizar a posição social de uma criança é necessário levar em conta,

além das diferenças individuais, a classe social, a etnia, o gênero e a cultura, pois todos esses

aspectos são importantes na caracterização da posição social que cada criança ocupa. O estudo

da criança sem levar em conta o contexto social ao qual pertence, não demonstraria as diferenças

essenciais nos diversos modos de agir das crianças.

Concordamos com a concepção de criança formulada no Programa de Formação Inicial

para Professores em Exercício na Educação Infantil - PROINFANTIL: “... a criança é um cidadão

de direitos e um sujeito sócio-histórico- cultural que em função das interações entre aspectos

biológicos e culturais apresenta especificidades no seu desenvolvimento“ (MEC, 2005. p. 23).

Entender a infância enquanto categoria social implica entendê-la enquanto produtora de

cultura. As culturas infantis assentam nos mundos de vida das crianças e estes se caracterizam

(Educação e Infância)

Page 51: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 51

pela heterogeneidade produzindo, assim, não uma cultura da infância, mas o caráter plural dos

sistemas simbólicos.

Sarmento e Pinto (1997), então, recusam a hipótese de uma cultura da infância, sustentando

a idéia da existência de várias culturas, pois afirmam que infância e cultura devem ser pensadas

no plural. E ressaltam que as culturas infantis não nascem no universo simbólico exclusivo da

infância; este universo não é fechado, pelo contrário, é mais do que qualquer outro, extremamente

permeável. Ou seja, a cultura infantil decorre também do processo crescente de institucionalização

da infância, seja através do cotidiano da instituição, dos “tempos livres” estruturados, da família,

das informações adquiridas através da televisão ou por outros meios de disseminação da

informação.

Portanto, não se pode pensar em uma única infância, pois esta reflete as variações da

cultura humana, sendo que numa mesma sociedade existem e são construídas diferentes infâncias.

Esse é o resultado da variação das condições sociais em que as crianças vivem. A criança não é

um ser isolado, ela se constitui nas relações sociais, nos mais diferentes tempos e espaços

presentes em sua vida. E essas vivências e convivências culturais e sociais, dependem do tempo

histórico em que se situam as crianças e mudam de cultura para cultura.

O conceito de infância no novo tempo perpassa pela via da contextualização, da

heterogeneidade e da consideração das diferentes formas de inserção da criança na realidade;

no mundo adulto, nas atividades cotidianas, nas brincadeiras e tarefas, delineia-se um conceito

de infância de um novo tempo.

Ainda que se pense na infância como um tempo comum vivenciado por todas as crianças,

não podemos afirmar que todas passam pelas mesmas experiências. E, menos ainda, que essas

experiências sejam sempre felizes, e que o brincar faça sempre parte do cotidiano da vida de

todas as crianças. Nessa perspectiva, o estudo realizado nas entrevistas trouxe à tona a fragilidade

e a inconsistência de grande parte das instituições educacionais em relação ao brincar.

(Educação e Infância)

Page 52: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

52 PROPOSTA CURRICULAR

3 NADA MAIS SÉRIO DO QUE CRIANÇA BRINCANDO

“Brincar com criança não é perder tempo, é ganhá-lo; seé triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados, em salas sem ar, comexercícios estéreis, sem valor para a formação dohomem”. Carlos Drummond de Andrade

Aprender dá grande prazer às crianças, pois em nenhum momento o aprendizado lhes

sugere ser entediante. Aprender é parte de sua vida, ou melhor dizendo, é a parte principal da sua

vida. Brincar, para elas, é aprender, e aprender é brincar.

Mas o que acontece muitas vezes quando a criança entra na instituição de educação?

Inicialmente, o aprender desvincula-se do brincar e se torna uma obrigação; desfaz-se o vínculo

anteriormente existente entre razão e emoção, ou seja, entre aprendizagem e vida, entre

aprendizagem e experiência.

Conseqüentemente, institui-se um tempo e um lugar específico para a criança aprender

determinadas coisas, que lhe dá a idéia, extremamente distorcida, de que aprender não é um

processo agradável e sucessivo, que tem o seu início marcado pelo seu nascimento e o seu

término apenas com a morte. Pelo contrário, a imagem que chega a muitas crianças é que aprender

é algo artificial e difícil, que tendo começado quando ela entra na instituição de educação, termina

quando ela deixa o espaço educacional, sendo muitas vezes o seu aprendizado entendido como

resultado e não como processo.

Neste sentido, Sônia Kramer ressalta que “a prática pedagógica e o projeto político-

pedagógico envolvem, necessariamente, conhecimentos e afetos, saberes e valores, cuidados e

atenção, seriedade e riso” (KRAMER & BAZÍLIO, 2003, p.64).

A ludicidade faz parte desse processo, pois segundo MOYLES (2002), o brincar é um meio

pelo qual os seres humanos e animais exploram várias experiências em diferentes situações e

para diversas finalidades.

Não temos dúvida de que estas situações são reais, contudo LEONTIEV (2001) esclarece

que é a cultura que nos diferencia dos animais.

(Educação e Infância)

Page 53: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 53

Os animais agem e brincam, mas por instinto. E os humanos brincam por ser estauma atividade humana, ou seja, por ser uma atividade [...] precisamente humana,atividade objetiva, que, por constituir a base da percepção que a criança tem domundo dos objetos humanos, determina o conteúdo das brincadeiras. (LEONTIEV(Ibidem, 2001, p.120).

É válido ressaltar a importância do jogo e da brincadeira no processo de aprendizagem das

crianças. De acordo com Oliveira (2002), o jogo humano requer a capacidade de se relacionar

com diferentes parceiros e com eles comunicar-se por meio de diferentes linguagens, para criar o

novo e tomar decisões. É algo culturalmente determinado.

O jogo simbólico ou faz-de-conta, particularmente, é ferramenta para a criação da fantasia,

necessária a leituras não convencionais do mundo. Abre caminho para a autonomia, a criatividade,

a exploração de significados e sentidos. Esta atividade atua, também, sobre a capacidade da

criança de imaginar e representar, articulada com outras formas de expressão. São os jogos,

ainda, instrumentos para aprendizagem de regras sociais.

Afeto, motricidade, linguagem, percepção, representação, memória e outras funções

cognitivas estão profundamente interligadas, quando a criança brinca. A brincadeira favorece o

equilíbrio afetivo da criança e contribui para o processo de apropriação de signos sociais, criando

condições para uma transformação significativa da consciência infantil, por exigir das crianças

formas mais complexas de relacionamento com o mundo.

Gisela Wajskop explica que a criança não nasce sabendo brincar, ela precisa aprender.

Em seu livro “O brincar na pré-escola”, Wajskop escreve que “[...] a brincadeira não é espontânea

nem natural na infância, mas é resultado de aprendizagem, dependendo de uma ação educacional

voltada para o sujeito social criança” (WAJSKOP, 1999, p.111).

Muitos dos profissionais da educação reconhecem a importância dessa atividade e a

valorizam, como podemos observar neste depoimento de uma educadora:

“A criança gosta de brincar. Se o processo educacional for conduzido de forma lúdica,

haverá maior aprendizado. [...] a criança gosta de aprender e de brincar. E por que não

aprender brincando?”. (Professora).

Pode até parecer estranho que a idéia do brincar, que aparece como tema central e fonte

de aprendizado, necessite ser defendida. Entretanto, há muita pressão sobre os(as) educadores(as)

que atuam com crianças na faixa etária de zero a doze anos. Conforme a idade da criança aumenta,

a cobrança da sociedade pelo não brincar é ainda maior o que induz os(as) educadores(as) a

uma prática pedagógica equivocada, em especial a introdução, pela via do treinamento mecânico

e descontextualizado, da linguagem escrita e matemática, em detrimento das demais linguagens.

(Educação e Infância)

Page 54: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

54 PROPOSTA CURRICULAR

Para as crianças, o brincar é uma exploração, descoberta, investigação, fazer e fazer, e

com muita freqüência é realmente um trabalho árduo. No ocidente, estamos tão acostumados a

pensar nos opostos (alto e baixo, gordo e magro, feio e bonito), que a idéia de que uma atividade

possa ser trabalhosa e prazerosa ao mesmo tempo é muito difícil de entender.

Vejamos o que dizem as crianças sobre a questão do brincar e, principalmente, sobre a

sua condição de ser humano de pouca idade:

“É bom ser criança, porque tem coisas boas, mãe para cuidar da gente, tem pai, tem

cachorro prá brincar, tem bonecas, tem um monte de coisas”. (M., f., 8 anos).

“É bom ser criança, porque, quando criança, se pode brincar e, quando adulto, não tem

mais isso”. (R., f., 11 anos ).

Eu penso assim que é uma coisa boa da vida, porque quando a gente cresce tem muitas

obrigações, trabalhar... e quando a gente é criança, pode brincar, estudar”. (l., m.,12 anos).

“É poder brincar” (N., f., 7 anos ).

“Brincar, aprender a ler, estudar” (J., f., 6 anos ).

“É legal, é divertido porque pode brincar, estudar, andar de roller, andar de bicicleta” (E., f.,

8 anos ).

“Poder brincar” é a melhor definição da especificidade do ser criança. Mas a criança brinca?

Vygotsky declara que o brincar preenche as necessidades da criança, e entende o termo

necessidade não como necessidade física, mas uma motivação intrínseca do ser humano, como

”[...] tudo aquilo que é motivo para a ação” (VYGOTSKY, 1996:121). Brincar é uma atividade

caracterizada por ações que satisfazem necessidades.

A criança brinca porque, primeiramente, esta é uma atividade constitutiva do ser humano,

e porque ela tem necessidade de agir em relação não apenas aos objetos que estão ao seu

alcance, mas em relação ao mundo mais amplo dos adultos (LEONTIEV, 2001, p.124).

E, assim, a criança ao brincar vai criando suas experiências, contribuindo e construindo

conhecimentos acerca do mundo e do outro com quem se relaciona.

(Educação e Infância)

Page 55: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 55

Dessa forma, o brincar auxilia na constituição do indivíduo como sujeito, possibilitando que

ele seja capaz de regular voluntariamente sua conduta, pois é pelo brincar que a criança se apropria

das significações produzidas nas relações sociais, constituindo-se sujeito.

A partir das colocações feitas, fica evidente que em toda ação educativa deve-se considerar

o respeito a este ser de pouca idade e seus direitos básicos como o brincar.

Toda criança do mundo

Deve ser bem protegida

contra os rigores do tempo

contra os rigores da vida

Criança tem que ter nome

Criança tem que ter lar

Ter saúde e não ter fome

Ter segurança e estudar

Não é questão de querer

Nem questão de concordar

Os direitos das crianças

Todos têm de respeitar.

(ROCHA, Ruth. 2002)

Ruth Rocha escreveu um livro de poesia sobre aquilo que não pode faltar durante a infância:

que todas as crianças possam ouvir histórias, andar na chuva e brincar de adivinhação. Porque

simplesmente a infância é o tempo em que começamos a perceber o tamanho do mundo e descobrir

quem somos. Como escreve nos últimos versos do seu livro – “Os direitos das crianças segundo

Ruth Rocha”, “embora eu não seja rei, / decreto, neste país, / que toda, toda criança / tem direito

a ser feliz”!

Atualmente, constatamos que ainda em alguns espaços das instituições de educação, tem

sido negado às crianças o direito à infância: à imaginação, à fantasia, ao brincar.

“As crianças têm direito a ter liberdade e felicidade” (depoimento de M., f., 8 anos)

(Educação e Infância)

Page 56: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

56 PROPOSTA CURRICULAR

Esse novo olhar sobre a infância pressupõe uma educação multidisciplinar referente ao(à)

educador(a) e às práticas interdisciplinares na educação das crianças, concebendo-as como seres

de múltiplas linguagens. Assim, a proposta pedagógica das instituições educacionais deve levar

em conta as diferentes manifestações infantis e os diversos contextos nos quais elas estão inseridas.

Isso implica uma política de educação diferente do modelo escolar vigente, pois este escora-se

em uma divisão disciplinar que compartimenta a criança e fragmenta o saber. Além disso, neste

modelo ainda predomina a seriedade, pois aprender implica, na maioria das vezes, ficar sentado

na cadeira durante quatro horas, com lápis, papel e borracha, realizando exercícios mecânicos.

Mário Quintana (1976) traduz o que significa muitas vezes a sala de aula:

De cada lado da sala de aula,

Pelas janelas altas,

O azul convida os meninos,

As nuvens desenrolam-se,

Lentas como quem vai preguiçosamente inventar uma história sem fim

Sem fim é a aula e nada acontece, nada ...

Bocejos e moscas.

Se ao menos, pensa Margarida

Se ao menos um avião entrasse por uma janela

E saísse por outra!

Nós, educadores(as), precisamos nos lembrar das palavras sábias de Joan Can (educadora

infantil) escritas há vinte anos: “Crianças tem sua infância apenas uma vez. Tire a infância delas e

elas a terão perdido para sempre”.

(Educação e Infância)

Page 57: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 57

4 A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS DE ZERO A DOZE ANOS:

alguns princípios norteadores

Nosso maior desafio é efetivar uma prática pedagógica na qual as crianças sejam respeitadas

nas especificidades das faixas etárias. Nesse sentido, concordamos com Snyders (1993, p. 29):

Eu gostaria de uma escola onde as crianças não tivessem que saltar as alegriasda infância, apressando-se, em fatos e pensamentos, rumo à idade adulta, masonde pudessem apreciar, em sua especificidade, os diferentes momentos de suasidades.

Em consonância com as idéias de Snyders, no sentido de não saltar as alegrias da infância,

é necessário que as instituições de educação planejem e organizem suas ações com base nos

jogos e nas brincadeiras, mediante movimentos de interações com a criança real, com vistas a

construir conhecimentos a pensar e realizar descobertas sobre o mundo. Assim, torna-se

imprescindível organizar atividades de aprendizagem significativas que envolvam assuntos

associados à natureza, cultura, estética, ética e cidadania.

Ao analisarmos os depoimentos, tanto das crianças como dos(as) educadores(as)

(professores, diretores e especialistas) que atuam nas instituições de educação da Rede Pública

Estadual de Ensino de Santa Catarina, identificamos alguns elementos que no decorrer do processo

foram se tornando princípios norteadores da prática pedagógica para/com a infância, a saber:

A necessária articulação entre educação infantil e ensino fundamental. Como enfrentar a

dicotomia, ainda forte atualmente, entre educação infantil e ensino fundamental, entre crianças e

“alunos”?

Na tentativa de articular esses níveis de ensino, é necessário “descontaminar” a educação

infantil dos procedimentos típicos do ensino fundamental e “contaminar” o ensino fundamental

com os procedimentos da educação infantil, considerando a especificidade da faixa etária.

Nesse sentido, é necessário que a instituição de educação conceba que,

(Educação e Infância)

Page 58: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

58 PROPOSTA CURRICULAR

Todas são crianças, inclusive as que freqüentam a escola fundamental; [...] têmdireito à brincadeira, a um espaço digno e sadio, ao conhecimento. Têm direito àeducação [...] de qualidade, com professores que também sejam tratados, se vejame atuem como sujeitos da história (BAZÍLIO & KRAMER, 2003, p. 81).

Essa articulação entre a educação infantil e ensino fundamental é uma questão polêmica

e desafiadora, considerando que a política nacional orienta os Sistemas de Ensino a ampliar para

nove anos o ensino fundamental, através do ingresso das crianças de seis anos nesse nível de

ensino, mediante aprovação da Lei Nº 11.114 de 16 de maio de 2005, que altera os Artigos 6º, 30,

32 e 87 da Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

O Ministério da Educação, em sua política nacional, defende que ao assegurar a todas as

crianças um tempo mais longo de convívio escolar, criará maiores oportunidades de aprendizagem,

conseqüentemente uma aprendizagem mais ampla. (Ensino Fundamental de nove anos.

Orientações Gerais. MEC, 2004, p.17).

O que nos parece preocupante nessa política é que, analisando os documentos existentes,

observamos que nenhum deles faz referência sobre quem serão os(as) educadores(as) que irão

trabalhar com as crianças de seis anos. Serão educadores(as) com formação em Educação Infantil

ou Séries Iniciais do Ensino Fundamental? Terão eles(as) capacitação ou formação continuada

específica para construírem um saber significativo para atender essa faixa etária?

Eis um assunto que diz respeito a todos(as) educadores(as), e devemos iniciar as discussões

sobre as formas de trabalhar com essas crianças nas instituições de educação. Será preciso

demonstrar também o desejo e o interesse pela capacitação junto às Gerências de Educação,

Ciência e Tecnologia, das Secretarias de Estado de Desenvolvimento Regional, que seguramente

efetivarão uma capacitação que esteja comprometida com as reais necessidades de mudança

para melhor qualificar a educação também desses níveis de ensino.

Portanto, as instituições de educação, cada vez mais cedo e por mais tempo, são

consideradas como espaço adequado, aprimorado e estruturado, onde crianças ainda bem

pequenas iniciam um elaborado processo de aprendizagem, num espaço que pode e deve se

constituir como um lugar privilegiado para a vivência da infância.

Isto posto, a proposta pedagógica da instituição de educação deve levar em conta as

diferentes manifestações infantis e os diversos contextos nos quais elas estão inseridas. Isso

exige a necessidade de definição e clareza de objetivos de entender que a aprendizagem leva ao

desenvolvimento; a necessidade na exploração adequada das atividades realizadas com as

crianças; a importância de trabalhar os conceitos científicos como referência para uma prática

(Educação e Infância)

Page 59: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 59

pedagógica problematizadora, que possibilite dar vez e voz às crianças, respeitando a curiosidade

infantil e ampliando sempre seu repertório de vivências.

Assim, a instituição de educação precisa refletir sobre qual é o lugar da infância no currículo

dessa instituição. E, a partir das reflexões, traçar metas que contemplem: ludicidade, interações

sociais, conhecimento do mundo natural e social, educação e cuidado, complexidade do brincar,

emoção, corpo e cognição, cultura, sociabilidade, conhecimento científico e diferentes linguagens.

A aquisição de diferentes linguagens simbólicas tem a música como uma das formas de as

crianças se conhecerem, compreenderem e se expressarem.

É inegável a contribuição das brincadeiras cantadas na infância. Quem não lembra desta

música? “Do ré mi fá, fá fá; do ré, do ré, ré ré...”. Realizar atividades que contemplem a linguagem

musical significa integrar experiências que envolvam a razão e a emoção.

Cantigas e rimas, aliadas a gestos e danças, auxiliam no desenvolvimento lingüístico e

físico da criança. Além disso, enriquecem a sua percepção de mundo, permitindo-lhe também

expressar melhor seus sentimentos. A socialização, a auto-estima e a afetividade podem ser

trabalhadas de forma significativa. A linguagem musical, presente nas canções e rimas, é rica e

colorida, ampliando o vocabulário das crianças.

Outro aspecto que merece atenção é a relação às simbologias inerentes às cantigas

infantis, no que diz respeito às letras, pois é inegável que muitas dessas cantigas trazem consigo

conotações de discriminação sexual, étnica ou econômica, que precisam ser repensadas quanto

ao seu conteúdo. Uma discussão sobre o assunto com as crianças, contextualizando as cantigas,

porém, pode trazer mais contribuições do que simplesmente suprimir ou modificar letras de cantigas

infantis já perpetuadas pelo folclore. Posteriormente, pode-se exercitar também a releitura da

música, potencializando novas formas de estruturação das mesmas. Utilizar a ludicidade é

considerar o trabalho pedagógico pelo viés dos jogos, das histórias, da dramatização, das canções,

das danças, e outras manifestações que envolvam as múltiplas linguagens da criança, atraindo-a

e motivando-a a participar das situações propostas no grupo.

É importante ressaltar que uma das formas mais irresistíveis de envolver a criança é pela

fantasia, um dos elementos utilizados pela linguagem literária que tem se mostrado, na educação

das crianças, uma forma de apresentação prazerosa e lúdica do meio natural e social. É esta uma

das maneiras de inserção das crianças no mundo do faz-de-conta, levando-as a experimentar

situações reais de leitura e escrita, sem ter a preocupação de antecipar esse processo de maneira

sistematizada, pois:

(Educação e Infância)

Page 60: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

60 PROPOSTA CURRICULAR

Longe de propor a alfabetização das crianças pequenas, podemos assegurar umaentrada bacana das crianças no mundo da escrita, com base na idéia de queleitura e escrita se constroem no processo de inserção, imersão e produção na/dacultura. Essa entrada não se dá pela via do treinamento mecânico, nem por meiode uma suposta prontidão, mas pela garantia de acesso das crianças ao mundoda escrita, mais claramente à literatura, pela garantia de acesso dos profissionaisque atuam com as crianças à leitura/escrita e, ainda, pelo delicado trabalho deconstituição da subjetividade de adultos e crianças de modo que todos acreditemque podem aprender, que tenham auto-estima positiva propícia ao aprendizadoposterior (KRAMER, 2003, p. 68).

Sendo assim, é preciso oferecer às crianças oportunidades de leitura de forma convidativa

e prazerosa.

A exploração da linguagem literária deve favorecer o prazer de ler de forma significativa e

contextualizada, vivenciada através de diferentes tipologias textuais (histórias, versos, quadrinhas,

poesias e outras), despertando o interesse nas crianças para criar e recriar novas histórias e seus

próprios textos.

Em relação à linguagem matemática, as atividades devem explorar mais o conceito e

menos a repetição. É importante compreenderem bem as idéias básicas, tendo como uma das

estratégias o jogo, ao invés de memorizar regras. Criar situações em que as crianças manipulem

peças geométricas, induzindo-as a montar e desmontar: quebra-cabeça, tangran, blocos

fracionários e blocos padrão, entre outros. As crianças, ao trabalharem com a exploração do

material, de certo modo, sem ter previamente esta intenção, acabam construindo mosaicos e

criando novas formas de jogo.

As crianças que jogam poderão vivenciar, pesquisar e, ao compreenderem, finalmente

internalizarão os conceitos que excedam o plano cognitivo, desenvolvendo a sua auto-estima e

explorando todas as possibilidades de convívio social.

O desafio da convivência social por si só não educa, é preciso em determinados momentos

e situações, que se faça presente a mediação do(a) educador(a), e principalmente nas ações

intencionalmente previstas que possam auxiliar a criança no convívio com o outro.

Para favorecer o desenvolvimento das crianças de zero a doze anos, é imprescindível que

a instituição de educação oportunize a interação social, outro princípio norteador da prática pedagógica.

A Proposta Curricular de Santa Catarina (1998), fundamentada numa abordagem concreta

e multidimensional de ser humano, proporciona caminhos à oportunização desse princípio. Pensar

no ser humano multidimensional é procurar olhá-lo integralmente; é não valorizar uma dimensão

humana em detrimento de outra (física, cognitiva, social e emocional). Partindo dessa concepção,

percebe-se a interação social como um dos eixos organizadores do trabalho educativo, quando

oportuniza ações partilhadas que pressupõem a troca entre os parceiros com diferentes

(Educação e Infância)

Page 61: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 61

apropriações. Mas é importante lembrar que a troca entre os parceiros exige mobilização, isto é,

querer interagir para satisfazer determinadas necessidades humanas.

Sônia Kramer enfatiza a importância do papel da linguagem na educação, ao afirmar que:

[...] precisamos de mecanismos que tornem possível contar as histórias vividasde modo a estabelecer laços com o outro. (...) Pensar nesses mecanismos significarefletir também sobre as nossas próprias instituições, organizações e movimentossociais, no papel que temos desempenhado, na responsabilidade social de todosnós para ensinar generosidade e solidariedade na contramão do arbítrio, datirania, da violência, da intolerância (BAZÍLIO; KRAMER, 2003. p. 104).

Após essas colocações, cabe salientar que os(as) educadores(as) precisam valorizar e

usar as cem linguagens que Malaguzzi (1994) conseguiu brilhantemente expressar em uma forma

de linguagem escrita: a poesia (BUFALO, 1997, p.107). Assim, é fundamental que tenhamos,

enquanto educadores(as), o compromisso sempre aceso de construir uma prática pedagógica

que não roube as outras noventa e nove linguagens, e ouvir Malaguzzi:

Dizem-lhe enfim:

que o cem não existe.

A criança diz:

ao contrário, o cem existe.

A organização espacial é outro princípio norteador da prática pedagógica que pode,

dependendo da sua estruturação, facilitar ou dificultar a vivência da infância.

Observando a configuração física das instituições que atendem crianças de zero a doze

anos de idade, nos deparamos com espaços estruturados pela via da padronização, com crianças

muitas vezes enfileiradas. No entanto, o pressuposto da Proposta Curricular de Santa Catarina

preconiza a interação social. E nós, educadores(as), como organizamos para que esses espaços

se tornem lugares socialmente construídos, que apresentem mudanças e efetiva exploração,

desde a disposição das mesas, cadeiras, e todos os espaços: salas, refeitórios, parque, corredores,

que retratem a concepção histórico-cultural? O(a) educador(a) precisa planejá-los, organizá-los e

modificá-los, convidando as crianças à pesquisa, a aprendizagens, aos desejos, às interações

significativas de todos(as) que o habitam.

(Educação e Infância)

Page 62: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

62 PROPOSTA CURRICULAR

A respeito da estruturação dos espaços, uma professora relata:

“Está faltando alguma coisa! Ah! Está mesmo! Falta uma área de recreação. A escola

virou cimento, grade,...Falta espaço físico adequado, sabe? Aquele nosso espaço da pré-

escola é uma área isolada, as crianças não interagem com os outros... e só os alunos do

pré é que usam essa área. Da 1ªsérie em diante há toda a questão dos “grandes”, medo

dos grandes. Se houver construção de novas escolas, tem que se pensar nisso. Dá até pra

chamar a gente (risos), nós dizemos o que precisa numa escola. Damos a idéia do espaço”.

(Professora).

Essa professora demonstra ter clareza da necessidade de que este lugar, que é

educacional, também seja o lugar da infância, onde os(as) próprios(as) educadores(as) devem

contribuir e muito para que esta transformação do espaço educacional aconteça, rediscutindo,

planejando e reestruturando os espaços internos e externos da instituição de educação na qual

atuam.

É importante lembrar que a sala não é sempre o melhor, nem o espaço mais adequado

para o desenvolvimento das situações significativas do grupo. Além disso, é válido ressaltar que,

antes de decorar os espaços internos da instituição, os(as) professores(as) precisam valorizar a

produção das crianças e, ainda, que a arrumação do espaço deve dar a elas opção de escolha.

Quando a criança ingressa na vida escolar, ela logo descobre que nesse lugar existem

muitas regras e convenções que fazem parte da cultura da escola. Uma cultura “(...) que tem sua

característica de vida própria, seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos

próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de símbolos”

(FORQUIN, 1993:167). Esta cultura se perpetua e tem se mostrado cada vez mais poderosa e

eficaz no impedimento das manifestações das crianças.

Por isso, é preciso destacar a importância de ensejar as manifestações infantis na

organização da rotina, buscando identificar as diversidades culturais, religiosas, sociais (entre

outras) das crianças, propiciando-lhes o conhecimento dessa diversidade e o respeito às diferenças.

Ainda sobre a organização espaço-temporal, Kramer & Basílio (2003, p. 60) lembram que:

Trabalho pedagógico (...) não precisa ser feito sentado em carteiras; o quecaracteriza o trabalho pedagógico é a experiência com o conhecimento científicoe com a literatura, a música, a dança, o teatro, o cinema, a produção artística,histórica e cultural que se encontra nos museus, a arte.

(Educação e Infância)

Page 63: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 63

Diante dessa colocação, reafirmamos a necessidade da rotina privilegiar a experiência

com o conhecimento científico e a arte, buscando favorecer às crianças uma exploração prazerosa

desse conhecimento, da descoberta do mundo.

Vale perguntar: que instituição de educação queremos para as nossas crianças? Esta

deverá ser a grande questão norteadora das discussões e reflexões, promovendo decisões e

ações que certamente encontrar-se-ão preconizadas no documento norteador da instituição,

denominado Projeto Político-Pedagógico. Nesse documento da instituição, precisamos assegurar

a satisfação das necessidades das crianças, devendo o(a) educador(a) planejar e executar

atividades que valorizem a brincadeira, as diversas linguagens, a interação social e a organização

espaço-temporal, redimensionando e ampliando possibilidades de vivências e experiências infantis.

Toda instituição de educação precisa ter seu projeto político-pedagógico, imprimindo as

direções que o orientam, um projeto que priorize a escuta de todos os envolvidos, em “dar voz” às

crianças, que reflita a ação coletiva da comunidade escolar (crianças, professores, gestores,

especialistas, vigias, secretárias, merendeiras, serventes, famílias, comunidade...), configurando-

se sempre numa proposta flexível. Esse projeto, voltado para crianças de zero a doze anos,

precisa refletir a opção teórico-metodológica, tendo clareza da concepção de educação, de infância,

de criança, de aprendizagem, de desenvolvimento... E, a partir dessas concepções, definir e

construir no coletivo as metas e ações necessárias para a instituição de educação que se

pretende.

É válido, pois, salientar a importância de se reconhecer as famílias como parceiras ativas

e essenciais na educação das crianças, isto é, famílias e instituição precisam trocar saberes e

competências, no sentido de construir uma relação de complementaridade na educação da infância.

Além disso, o Projeto Político-Pedagógico precisa refletir a compreensão de educação

como processo de formação do ser humano nas suas múltiplas dimensões. É nesse sentido que

Kramer & Basílio (2003, p. 80) afirmam:

Nos processos humanos, razão e sensibilidade não se opõem, mas estão juntos(...), não acredito ser possível separar estas duas instâncias: a prática pedagógicae o projeto político-pedagógico envolvem, necessariamente, conhecimentos eafetos, saberes e valores, cuidados e atenção, seriedade e riso.

Dentro dessa perspectiva, reafirmamos que também é pelo brincar que a criança apreende

a realidade, apropriando-se do meio natural e social, atribuindo-lhe significados. Portanto, por ser

a brincadeira fundamental no desenvolvimento e aprendizado das crianças, conforme já apontamos

nesse Documento, é preciso valorizá-la no projeto político-pedagógico da instituição.

(Educação e Infância)

Page 64: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

64 PROPOSTA CURRICULAR

E quanto ao ato de registrar na instituição de educação? Será que na condição de

educadores(as), estamos tendo a necessária preocupação de observar as dinâmicas do grupo e

registrá-las sistematicamente?

Registrar é um ato fundamental para guardar a memória dos acontecimentos e ajudar o(a)

educador(a) a perceber as crianças que estão no grupo, refletir sobre a prática pedagógica,

buscando avaliar e redimensionar essa prática, isto é, o replanejar, numa postura dialética de

ação-reflexão.

O depoimento, a seguir, de uma professora da Rede Pública Estadual de Ensino, reafirma

a importância da observação, do registro e da avaliação no planejamento da prática pedagógica:

“Significa tudo ! São eles que dizem se estou indo pelo caminho certo. ... pelo corpo, pelo

olhar, até pelo jeito de sentar (risos – imitando um aluno a sentar de lado)! Se estão gostando

ou não da aula, da atividade... Já sei ... está na hora de mudar de estratégia! Eles manifestam

tudo!” (Professora).

Portanto, o registro diário é um dos procedimentos pedagógicos indispensáveis, mas

Não pode ser concebido, nem utilizado, como forma de controle, de qualquercoordenador ou supervisor. Registrar o cotidiano não é burocracia! Não é escreverpara mostrar ou prestar contas a alguém. É, ao contrário (...) comprometer-se coma própria prática, comprometer-se com a coerência de uma prática que vai sendorefletida num processo de formação permanente (OSTETTO et al., 2001, p. 24).

Ainda sobre o ato de registrar, a Professora Suely Amaral de Mello, em sua fala na palestra

intitulada “Documentação Pedagógica: Uma Prática para Reflexão9”, destaca a importância da

documentação pedagógica para uma prática reflexiva. A autora afirma que trabalhar com a

documentação pedagógica é buscar o estabelecimento de uma relação cada vez mais consciente

da prática/teoria e que a mesma não deve ser o relato fiel do processo educativo, e sim, dos

significados, dos sentidos da prática pedagógica. O documento passa então a ser a história da

reflexão do educador.

A documentação oferece três elementos básicos para este processo de formação:

1º interlocução com a teoria

2º diálogo com a experiência do outro

3º diálogo com a nossa própria experiência.

(Educação e Infância)

9 Palestra proferida no Congresso Educasul 2005 - “Pensamento a infância e a educação da criança de 0 a 10anos numa perspectiva integrada”. Florianópolis - SC, 18 a 20 de agosto de 2005.

Page 65: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 65

Observações de escritas, trabalhos, organizações de diários coletivos, painéis, álbuns,

elaboração de portifólios. Esses materiais devem se tornar meios da sistemática constante no

processo educacional e deverão criar uma nova atitude, interpretada à luz da reflexão de uma

prática em conjunto com o grupo de crianças educadores (as) e famílias.

Além disso, vale lembrar que a avaliação precisa ser diagnosticada, processual e formativa,

comprometida com uma aprendizagem inclusiva, em que todas as crianças tenham a oportunidade

de aprender de fato, conforme preconiza a Proposta Curricular de Santa Catarina (1998).

Devemos também relembrar a influência das Agências Formadoras de Ensino Superior na

formação dos profissionais que atuam na educação das crianças de zero a doze anos, no sentido

de garantir também a apropriação dos fundamentos teóricos-metodológicos específicos da área,

buscando contemplar as especificidades para a vivência da infância nos espaços coletivos de

educação.

É preciso, também, priorizar a formação continuada desses profissionais que atuam na

rede estadual. Portanto, é fundamental garantir, no planejamento das Gerências de Educação,

Ciência e Tecnologia, das Secretarias de Estado de Desenvolvimento Regional, grupos de estudo,

seminários, capacitações descentralizadas que contemplem as discussões da área.

5 ABRE-SE A PORTA PARA DECISÕES

“A porta da verdade estava aberta,mas só deixava passarmeia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,Porque a meia pessoa que entravaSó trazia o perfil de meia verdade.E sua segunda metadeVoltava igualmente com meio perfilE os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.Chegaram ao lugar luminosoOnde a verdade esplendia seus fogos.Era dividida em metadesDiferentes uma da outra.Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.Nenhuma das duas era totalmente bela.E carecia optar. Cada um optou conformeSeu capricho, sua ilusão, sua miopia “.

(Carlos Drumond de Andrade)

(Educação e Infância)

Page 66: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

66 PROPOSTA CURRICULAR

É importante compreender este Documento como uma referência para uma prática

educativa sobre o prisma de que as possibilidades estão abertas para mudanças. Tal dinâmica é

fator de enriquecimento, pois lhe confere um caráter dialético, portanto, provisório, onde a verdade

depende do fundamento para dizer sobre que olhar se está vendo.

A produção inicial “Discussões legais e sociais dos direitos da infância” e “Nossa

compreensão de infância e criança”, nos remeteu a um exercício de estudos aprofundados, que

nos levou a uma compreensão de Educação e Infância produzida pela humanidade na sua trajetória,

deixando marcas nos tempos atuais. Segundo Kramer (2003), é necessário entender que o passado

e o presente precisam ser vistos na sua crueza para que seja possível mudar.

Neste movimento, muitos conceitos sobre infância/criança foram construídos. O Grupo

Temático Educação e Infância traz esta reflexão sob o olhar da cultura em que a criança está

inserida na atualidade, como participante ativa da sociedade, um ser que pensa, que questiona,

que tem o que dizer, que cala, ri, chora, brinca, e aprende, sendo protagonista da sua própria

história, com direitos e deveres.

Cabe alertar, ainda, que as crianças chegam às instituições de educação marcadas pelas

diversidades, reflexo dos desenvolvimentos cognitivo, físico, afetivo e social, evidentemente

desiguais em virtude da quantidade e qualidade de suas experiências e relações sociais, prévias

e paralelas ao espaço coletivo de educação.

Assim, a partir deste documento atrelado à Proposta Curricular de Santa Catarina (1998),

temos a convicção de que se abrem possibilidades a novos olhares, novas interpretações sobre o

tema tratado. Com esse entendimento, apresentam-se nossas considerações provisórias para

que os(as) educadores(as) possam participar das reflexões e criar, dentro da sua realidade e

condições, uma prática que considere o ser criança na sua especificidade, bem como a infância

como tempo de direitos.

E, desta forma, nos permitimos não finalizar este documento, mas, pelo contrário, iniciar

as discussões, a partir das proposições apontadas nessa trajetória.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, A. R. S. A emoção e o professor: um estudo à luz da teoria de Henri Wallon. Psicologia:teoria e pesquisa. v. 13, n º 2, p. 239-249, mai/ago:1997.ARIÈS. Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.BRASIL. Convenção sobre os direitos da criança. Adotada pela Resolução n.º L. 44 (XLIV) daAssembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 20de setembro e 1990.______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Básica. Departamentode Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental. Orientações Gerais. Brasília, 2004.

(Educação e Infância)

BÚFALO. Joseane M. P. Creche, lugar de criança, lugar de infancia. Um estudo sobre as práticaseducativas em um CEMEI de Campinas/SP. Dissertação de Mestrado, FC - UNICAMP, 1997.

Page 67: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 67

______.Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.Departamentode Políticas Educacionais. Coordenação Geral de Educação Infantil. Professor da pré-escola. V.I. Brasília: MEC/SEF/DPE/COEDI/Fundação Roberto Marinho, 1994.______. Estatuto da criança e do adolescente. Lei 8.069/90, de 13 de julho de 1990. São Paulo:CBIA-SP, 1991.______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei no 9394/96 de 20 de dezembro de1996. Brasília, DF: MEC, 1996.______. Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos àEducação. MEC. 2004.COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000.ELKONIN, Daniil B. A psicologia do jogo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.FARIA, Ana Lúcia G. de; DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri; PRADO, Patrícia Dias. (Orgs.). Poruma cultura da infância: metodologia de pesquisa com crianças. Campinas: Autores Associados,2002.FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura, as bases sociais e epistemológicas doconhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1993.FREITAS, Marcos Cezar de. Apresentação. In: GONDRA, José Gonçalves. História, infância eescolarização. Rio de Janeiro: Sete Letras, 2002:07-10.GADOTTI, Moacir. A boniteza de um sonho. Novo Hamburgo: Editora Feevale, 2004.GOERGEN, Pedro L.. Espaço e tempo na escola: constatações e expectativas. In: FórumPermanente de Desafios do Magistério, 2o. Campinas: Anais, 27 abr 2005.HUIZINGA, J. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. 5 ed. São Paulo: Perspectiva,2001.KOHAN, Walter Omar. Apontamentos filosóficos para uma (nova) política e uma (também nova)educação da infância. In: ANPED. Caxambu, MG: 2004.BAZÍLIO, Luiz Cavalieri; KRAMER, Sonia. Infância, educação e direitos humanos. São Paulo:Cortez, 2003.LEONTIEV, Aléxis. Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. In: VYGOTSKY, L. S.;LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo:Ícone, 2001: 119 -142.______. O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Moraes, s.d.p.249-302.MENDONÇA, Ricardo. O paradoxo da miséria. Revista Veja, n.1735, p. 82-93, 23 Rio de Janeirode 2002.MONARCHA, Carlos. A reinvenção da cidade e da multidão: dimensões da modernidadebrasileira: a Escola Nova. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1989.MOYLES, Janet R.. Só brincar? O papel do brincar na educação infantil. Trad. Maria AdrianaVeríssimo Veronese. Porto Alegre: Artmed, 2002.NAROROWSKY, Mariano. Infância e poder: conformação da pedagogia moderna.Trad. MustafáYasbek. Bragança Paulista: Editora da Universidade de São Francisco, 2001.OLIVEIRA, Zilma Ramos de. Educação Infantil: fundamentos e métodos. In: Coleção Docênciaem Formação. São Paulo: Cortez, 2002.OSTETTO, L. E. et.al. Deixando marcas...a prática do registro no cotidiano da educaçãoinfantil. Florianópolis: Cidade Futura, 2001.PINTO, Maria Raquel Barreto. A condição social do brincar na escola: o ponto de vista dacriança. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Santa Catarina.Florianópolis.QUINTANA, Mário. Apontamentos de História Sobrenatural. Editora Globo, 1976.QUINTEIRO, Jucirema. Infância e escola: uma relação marcada por preconceitos. 2000. (Tesede Doutorado). Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas. Campinas.ROCHA, Ruth. Os direitos das crianças segundo Ruth Rocha. São Paulo: Companhia dasLetrinhas, 2002.ROSA, Sanny S. da. Brincar e aprender: uma reflexão sobre a relação pedagógica e o processode apropriação do conhecimento. 13º CONGRESSO DO SINDICATO DOS PROFISSIONAIS EMEDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Anais. São Paulo: SINPEEM, 19 de junho de 2002.

(Educação e Infância)

Page 68: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

68 PROPOSTA CURRICULAR

SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação. Proposta Curricular de Santa Catarina:Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio: Disciplinas curriculares. Florianópolis: COGEN,1998.SARMENTO, Manuel J. & PINTO, Manuel. As crianças e a infância: definindo conceito, delimitandoo campo. In: As crianças: contextos e identidades. Universidade do Minho, Centro de Estudos daCriança. Portugal. dez. 1997:07-30.VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.______. La imaginación y el arte en la infancia. México: Hispânicas, 1987.WAJSKOP, Gisela. Brincar na pré-escola. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1999.ZAGO, Nadir, CARVALHO, Marília Pinto de; VILELA, Rita Amélia Teixeira (Orgs.). Itinerários depesquisa: perspectivas qualitativas em Sociologia da Educação. Rio de Janeiro: DP& A, 2003.

GRUPO DE TRABALHO:ANA LUZIA NUNES CARITÁ – SED/DIEBEVELISE DE FÁTIMA MARTINS - GEECT - JoinvilleJUSSANE EMERICK - GEECT - ChapecóMARCELE GUZELA – GEECT - CaçadorMARIA HELENA TISCHLER KOHL - GEECT - CanoinhasMARIA JOSÉ PEREIRA – GEECT - CanoinhasMARLEI DATSCH – GEECT - PalmitosMARLUCI GUTHIÁ FERREIRA – GEECT - Grande FlorianópolisMÔNICA TERESINHA COLSANI FURTADO – GEECT - ItajaíROSANE CAMPOS DUTRA - SED/DIEBSONIA DE FÁTIMA ARRUDA - GEECT - São JoaquimSÔNIA SALETE GARGHETTI - SED/DIEB

COORDENADORA:ANA LUZIA NUNES CARITÁ – SED/DIEB

CONSULTORA:Prof.a Msc MARIA LUÍSA SCHNEIDER

(Educação e Infância)

Page 69: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 69

EDUCAÇÃO DE JOVENS

INTRODUÇÃO

Consolidada a Proposta Curricular do Estado (SANTA CATARINA, 1998), surge a

necessidade de acrescentar-lhe novas discussões sobre temáticas relevantes ao momento histórico

pelo qual passa a Educação Pública Estadual. É nesse sentido que este documento pretende

propor novos olhares sobre quem é o(a) jovem de nossas escolas, com quem cada vez mais é

necessário estabelecermos um diálogo de entendimento, para conhecermos seus vínculos e laços

sociais, seus projetos, suas dinâmicas e comportamentos. Nossa intenção é reforçar uma prática

apoiada no conceito de juventude como uma construção social-cultural marcada pela condição

limítrofe, de natureza transitiva, carregada de significados simbólicos e materiais, fragilidades,

potencialidades ampliadas no reconhecimento da sua cultura própria, como sujeito capaz de propor

e desenvolver projetos que podem ser considerados pela Escola Pública de nosso Estado.

O momento da composição de um texto coletivo que representasse a realidade escolar de

Santa Catarina mostrou-se uma tarefa desafiadora para todos nós, quando nos deparamos com

as vivências e entendimentos diferentes sobre nosso trabalho. Durante os encontros, ao refletirmos

sobre nossa experiência profissional junto aos(às) jovens, consideramos a necessidade de

redimensionar nossos papéis, tendo em vista as profundas modificações sociais pelas quais a

sociedade tem passado. Assim, conscientes de que as transformações trazidas pelos novos tempos

nos conduziram a um projeto educativo “revolucionário”, por ocasião da elaboração da Proposta

Curricular (SANTA CATARINA, 1998), comprometida com a consolidação de valores democráticos

pela construção e reconstrução conceitual da educação, percebemos que era preciso avançar,

revendo nossa atuação educativa.

À medida que os trabalhos e leituras iam acontecendo, a primeira dificuldade encontrada foi

consensuarmos o entendimento e a compreensão conceitual sobre a juventude como o sujeito de

preocupação deste documento. Nesse sentido, considerou-se que deveríamos refletir sobre os(as)

jovens a partir dos seus modos de vida diversos, decorrentes, não só da estratificação social, mas

(Educação de Jovens)

Page 70: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

70 PROPOSTA CURRICULAR

das especificidades geracionais que envolviam, também, relações étnicas, de gênero, diferentes

modos de vida no campo ou na cidade, de seus hábitos de lazer e de cultura.

Procuramos nos despir de pré-conceitos e tentamos nos apropriar de elementos teóricos e

práticos sobre o mundo juvenil. Refletimos sobre os reais temas que emergem e precisam ser

discutidos para o entendimento do(a) aluno(a) e auxílio na resolução dos seus problemas escolares.

Percebemos, também, que ajuda muito na tarefa de trabalhar com o público jovem, quebrarmos

nossos estereótipos em torno da nomenclatura adolescente como “aborrecentes” e debruçarmos

sobre os educandos olhares mais atentos e respeitosos a sua condição histórico-social. Não uma

condescendência alienante, mas uma escuta atenta voltada para o diálogo, para uma intervenção

educativa na vida e na história do sujeito jovem que colabore com o seu avanço intelectual, moral

e ético, necessário para o desenvolvimento e exercício da cidadania. Recorremos, então, aos(às)

jovens e ouvimos o que tinham a dizer, trazendo-os(as) para “dentro do texto”. Os dados qualitativos

que permeiam o documento são uma amostra e expressam o que pensam os (as) jovens estudantes

das Escolas da nossa Rede Pública Estadual.

Apesar de prevalecer, institucionalmente, o critério estatístico no tratamento das questões

juvenis, estabelecendo as ações sobre este segmento pelo critério da idade, nossa opção foi

reconhecer a presença de alunos (as) do Ensino Fundamental e Médio em nosso estado entre 14

e 25 anos, tomando essa faixa como ponto de partida, não isoladamente, mas como um dos

aspectos para entendermos o ser jovem como sujeito de direitos, que vive dilemas humanos

como todas as pessoas e que têm a sua própria forma de expressão social e cultural. Portanto, ao

compormos o Grupo Temático “Educação de Jovens”, optamos abordar a juventude a partir do

enfoque sociológico, considerando a sua presença nos limites da adolescência, ainda presente

no Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

É nesse sentido que optamos pelo uso do termo jovem, por entendermos que o mesmo

abrange as fases, tanto da adolescência quanto da juventude propriamente dita, e que se

distinguem. Ou seja, o termo contempla a presença da grande maioria dos alunos das fases finais

do Ensino Fundamental e durante o Ensino Médio no Estado, ou seja, que muitos(as) alunos(as)

estão vivendo a fase plena da adolescência e outros o período imediatamente posterior a ela: a

juventude. Assim, estamos compreendendo que todo (a) aluno (a) adolescente é jovem, mas nem

todo(a) jovem ainda é adolescente.

O(A) jovem está exposto(a) a profundas transformações físicas e emocionais peculiares

a sua condição transitória de estar e ser jovem sendo, à medida que se desenvolve, solicitado a

assumir precocemente papéis e modelos sociais para os quais, muitas vezes, ainda não está

preparado(a). Seus relacionamentos interpessoais, afetivos e de trabalho, assim como o exercício

da sexualidade, lhe exigem definições e atitudes que refletem valores familiares, conflitos e

contradições que se superdimensionam durante essa fase de vida. A juventude a que nos referimos

(Educação de Jovens)

Page 71: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 71

é, portanto, o momento margeado pela infância e pela autonomia (característica da idade adulta),

num período eivado de mudanças e inquietudes de passagem pela imaturidade e a maturidade

sexual, a formação e o pleno florescimento das faculdades mentais, a falta e a aquisição de

autoridade e poder.

Por compartilharmos experiências cotidianas da Escola Pública junto dessa faixa etária,

acreditamos conhecer e comungar das satisfações e prazeres da docência, mas, infelizmente,

também, das dificuldades estruturais e dos descontentamentos do ambiente escolar. Convivemos

diariamente com a heterogeneidade que caracteriza a sala de aula e a escola, com exemplos

concretos de alunos que protagonizam uma juventude “conectada, plugada com o seu tempo”,

que brilham como verdadeiros atores sociais, assumindo com responsabilidade e maturidade a

construção da sua própria história.

Ao mesmo tempo, convivemos com tristes exemplos de jovens apáticos (as),

desesperançosos(as), desinteressados(as) pelo conhecimento, faltando-lhes objetivos ou projetos

de vida mais concretos que justifiquem a sua inserção no espaço escolar. De um modo geral, a

sensação que se tem é que trabalhamos mais e, na mesma proporção, sentimos que aumenta o

descompromisso por parte de muitos deles(as) no que se refere a sua condição de estudante e

até a própria vida. Parece que muitos deles(as) ignoram a idéia de que o conhecimento os(as)

define como sujeitos e estabelece importantes diferenças na forma como podem modificar os

fatos da vida.

Por essas razões, não pudemos nos furtar à constatação de que, a despeito de outros

espaços de socialização, a Escola é, também, um lugar de responsabilidade institucional e, por

extensão, todos os seus integrantes assumem e se comprometem, ora mais, ora menos, com o

trabalho de efetivação de um novo projeto de educação que compreende e reconhece que os(as)

jovens são capazes de tomarem decisões e agirem de forma autônoma.

Isto implica também, franco e profundo reexame de como vêm se estabelecendo as inter-

relações entre os protagonistas da sala de aula: os(as) alunos(as) e professores(as). Acreditamos

que se forem redefinidas as relações entre adultos e jovens e reconstruídos os lugares e papéis

sociais que ocupam, será possível ultrapassar relações de controle e subordinação, ou de omissão

e ausência, para que intenções concretas de mudança sejam estabelecidas através de uma

cumplicidade de objetivos entre jovens e adultos.

A Escola precisa constituir-se, de fato e de direito, num lugar democrático onde o (a) aluno

(a) aprenda e exercite a autonomia, a liderança e amadureça suas escolhas, compreendendo os

limites sociais e desenvolvendo seu próprio sentido de respeito às regras geralmente impostas. É

de conhecimento de todos que a instituição escolar não mais se constitui como o único local de

socialização para o jovem; outros lugares lhe são apresentados como referência importante de

socialização, de atuação efetiva na sociedade, de exercício de liderança, autonomia e protagonismo.

(Educação de Jovens)

Page 72: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

72 PROPOSTA CURRICULAR

É necessário, portanto, que a Escola assuma teorias, metodologias e projetos que colaborem

com a formação de jovens ativos(as), não reduzidos(as) a cidadãos(ãs) “produtivos (as)”,

“explorados(as) ”, “obedientes”, “despolitizados (as) ”, orientados(as) para fazerem o que o

“mercado” exige. Só a vivência de situações escolares críticas e criativas pode superar essas

limitações.

É sempre bom lembrarmos que a Escola deve ser vista como espaço físico e como ambiente

emocionalmente comprometido com discussões das grandes temáticas que buscam o

conhecimento e a compreensão do(a) jovem cidadão(ã): a sua relação com a família e com a

sociedade (suas exigências, oportunidades e regras), as questões pertinentes à experiência da

adolescência, seus projetos de vida, o auto-conhecimento, o exercício responsável e o cuidado da

própria sexualidade, a definição e a preparação profissional, entre outros. Por isso, nos apossamos

do entendimento do jovem como “ator social”, como sujeito histórico, que imprime todas as

multifaces e dinâmicas próprias do ser juvenil hoje, no seu tempo, não no nosso.

Percebemos, por extensão dessas reflexões, o peso e o significado de um documento que

deseja somar-se aos inúmeros debates escolares que vêm sendo encaminhados nas escolas da

Rede Pública Estadual. Procuramos, assim, elaborar um texto que desencadeie debates e amplie

os conhecimentos prévios dos docentes, ultrapassando o senso comum que ainda envolve o

tema “juventude”.

De forma alguma este documento tem a pretensão de constituir-se num olhar único e

acabado sobre os (as) jovens e muito menos de abranger todos os aspectos possíveis sobre as

suas questões ou encerrar uma discussão atual e urgente. Pretendemos que ele se constitua num

abrir de novas páginas, que possibilite a redação de um novo texto coletivo, mais colorido, mais

personalizado, impresso com as características dos(as) alunos(as) jovens, que facilite a todos o

enfrentamento das dificuldades que envolvem o trabalho com a juventude. Que, por outro lado,

permita aos professores defrontarem-se com limitações no trato com seus (suas) alunos (as),

mas acima de tudo, sensibilize os colegas educadores para a importância da sua competente,

consciente e preocupada intervenção educativa diária no fortalecimento de um projeto pedagógico

que deseja compreender, diferenciadamente, o(a) aluno(a) jovem, alicerçando-o(a) para uma vida

mais feliz.

Somos profissionais com o privilégio de podermos trabalhar bem próximos e intensamente

com um segmento que nos compromete com a construção social e a possibilidade de redesenhar

o cidadão. Historicamente viemos assumindo esta responsabilidade; por isso, é importante

perseverar e nos fortalecermos em nossas ações pedagógicas mais próximas de nossos(as)

alunos(as) jovens. Assim, as tão sonhadas mudanças virão.

(Educação de Jovens)

Page 73: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 73

1 O QUE É A JUVENTUDE?

Os estudos realizados sobre o tema juventude nos proporcionaram muitas reflexões e

indagações acerca desse assunto. Propomos, nesse momento, aprofundar a discussão sobre

esse conceito. Nesse sentido, quem pode ser considerado jovem? O que é ser jovem? Quais são

os critérios empregados para definir o universo juvenil? Como vivem e se expressam atualmente?

Como passam por essa fase de vida?

Responder as complexidades dessas indagações não foi tarefa fácil e exigiu que

transitássemos por autores diversos, abordagens teóricas e posicionamentos muitas vezes

divergentes.

Constatamos que os referenciais de pesquisas e de estudos que marcaram os primeiros

conceitos de juventude surgiram emoldurados pelo critério etário de 14 a 25 anos de idade, mas

percebemos que apenas esse indicador não consegue contemplar a diversidade e, ao mesmo

tempo, as particularidades do mundo juvenil. Afirmamos isso porque é possível encontrar jovens

no interior dessa faixa etária pertencentes, principalmente, às classes populares, que já assumiram

responsabilidades próprias da fase adulta. São os (as) que, desde cedo, necessitam trabalhar,

responsabilizando-se pelo provimento familiar ou assumindo as responsabilidades de pai/mãe,

devido à paternidade/ maternidade prematura. Isso é o que Frigotto (2003) chama de “adultização

precoce”.

Por outro lado, um jovem além dessa faixa etária, e pertencente à classe média alta, pode

estar vivendo a sua juventude com todo vigor, pois sua condição socioeconômica lhe permite total

dedicação aos estudos, o acesso e aquisição de outros conhecimentos extracurriculares,

especializações, lazer, tecnologia da vida moderna, etc.

É fácil compreender a complexidade dessa situação quando constatamos que entre os

(as) jovens alunos (as), pertencentes à mesma faixa etária e com histórias de vida diferenciadas,

há aqueles(as) que vêem, por um lado, a sua juventude “lhes escapar pelas mãos”, enquanto que

outros(as) a vivem plenamente. Ao considerarmos a diversidade e o contexto histórico que envolve

a vida dos(as) jovem, percebemos que eles (as) vivem moratórias vital e social diferenciadas. A

primeira se refere a um crédito temporal que lhes é inerente de forma inquestionável e é relativa a

uma energia que depende de sua própria idade e que é indiscutível com relação aos adultos. A

moratória vital, o crédito temporal próprio da condição juvenil, leva os (as) jovens a acreditarem

numa certa imortalidade, como se estivessem afastados das doenças, dos perigos e muito distantes

da velhice e de qualquer adversidade da vida. Essa sensação os(as) encoraja a adotarem condutas

auto-destrutivas e audaciosas que os(as) expõem, em algumas ocasiões, a acidentes e excessos

(Educação de Jovens)

Page 74: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

74 PROPOSTA CURRICULAR

diversos. Situação inversa acontece quando encontramos adultos que vêem o futuro tão longe e o

passado tão próximo.

A segunda corresponde a espaços de possibilidades abertas por pertencerem a setores

sociais a que estão integrados. Os(As) jovens são protegidos por este contexto e têm condições

de gozarem plenamente a condição social de serem jovens. Assim, vemos que as moratórias vital

e social dos jovens de classes populares são diferentes naqueles que pertencem às classes

médias e altas. Os primeiros, diferentemente dos segundos, vivem uma moratória social que os

limita viver plenamente a sua juventude, pois não desfrutam das mesmas condições sociais e

econômicas.

Assim, torna-se complexa a conceituação e a caracterização do “ser” jovem, o que torna

fundamental acentuar a condição histórica e transitória em que vive, para compreender a sua

experiência social vivida nos seus significados tanto simbólica quanto material, resultados de

relações sociais mais amplas, porém, manifestadas e compreendidas sempre na primeira pessoa.

Considerar as condições desiguais em que se encontram os jovens é imprescindível para o

conhecimento de quem são, como vivem e o que buscam.

Margulis (1996) conceitua juventude como o período que vai desde a adolescência até o

momento em que o(a) jovem adquire sua independência com a saída da casa dos pais. Também

ressalta que a fase da adolescência é um período transitório em que ele(a) vive uma desorganização

temporária de distanciamento da família, rebeldias, comportamentos incompreensíveis, momentos

ímpares de evolução e inserção no mundo adulto. O(A) jovem passa por situações reais

imprevisíveis, de conflitos, de ambigüidades, de vergonha de reconhecer os pais como referência

de vida, de administrar conflitos e, ao mesmo tempo, busca alcançar o pleno desenvolvimento de

sua identidade com segurança, auto definição, com aceitação e reconhecimento dos pais.

Para Groppo (2000) a juventude é o período de maturação biológica do indivíduo; é um

estágio de definição de identidade particular; como uma fase de preparação psicossocial para a

idade adulta e sua integração na sociedade; é o momento de conquista de uma individualidade

como processo básico da fase juvenil. O autor ressalta que a infância, a juventude, tanto quanto a

velhice são categorias imprecisas, com limites confusos. Ninguém fica adulto de um dia para o

outro e os ritos de passagem, de uma fase para outra, não acontecem igualmente em todas as

culturas. Para que o(a) jovem se transforme em adulto vão acontecendo transformações gradativas,

sob o ponto de vista biológico, psicológico e social.

Levi (1996) afirma que a juventude é uma construção social e cultural e caracteriza-se por

seu marcado caráter de limite, situando-se entre a dependência infantil e a autonomia da idade

adulta.

No entanto, Sousa e Duran (2002, p. 164), assim como outros estudiosos, têm mostrado

suas inquietações sobre a realidade juvenil, ao afirmarem que:

(Educação de Jovens)

Page 75: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 75

Na teoria social o tema juventude também se ressente de uma ambigüidade quandointerroga sobre as possibilidades de estabelecer parâmetros gerais e pouco eficazespara a compreensão desse modo do ciclo vital, ocorrendo que algumas posiçõesradicadas na idéia de diversidade, acabam por negar a possibilidade de qualquertratamento comum ao tema.

Groppo (2000) e Margulis (1996) ressaltam que a categoria juventude é significativa e

fazem-se necessárias referências múltiplas às situações sociais em que esta etapa ocorre, como

marcas sociais históricas que determinam as distintas formas de ser jovem, que é pertencer a

uma geração, a uma etnia, a uma classe social e viver uma condição de gênero.

Sobre a questão de gênero, os autores lembram as diferentes sociabilidades que vivem

homem e mulher. Para a mulher, a juventude pode estar vinculada ao seu relógio biológico, à

sedução e ao sexo, ao poder que lhe é conferido através da maternidade e à paciência para cuidar

dos filhos. A maternidade prematura altera não somente o corpo, mas a sua condição sociocultural,

que vê a moratória social reduzida, por força das novas responsabilidades. Para o(a) jovem, esse

também é um período em que o sexo explode com toda força em busca do prazer sexual. Ambos

passam pela fase em que os hormônios comandam as transformações físicas, obra de um complexo

mecanismo endocrinológico, que a ciência médica explica.

Ao reconhecermos essa heterogeneidade do universo juvenil, percebemos que se torna

mais indicado falar em juventudes e não em juventude, pois os(as) jovens vivem condições pessoais,

sociais e culturais diferenciadas, peculiares à história de cada um(a).

Quapper (2001) faz uma reflexão importante sobre esse assunto, ao afirmar que devemos

empregar uma visão caleidoscópica, que permite olhares múltiplos, diversos, ricos em cores e

formas a cada momento, para capturar a complexidade das juventudes em nossa sociedade. Tem

sido comum, em nossa prática pedagógica, empregarmos olhares telescópicos, direcionados num

único sentido, numa única direção, e que não nos permite perceber a diversidade presente entre

os(as) jovens.

Por outro lado, ao concebermos esse(a) jovem com algumas limitações, devemos entender

que ele(a) vive a juventude como uma fase de grandes expectativas, que apresenta dificuldades

na concretização de seus pensamentos e ações e busca de auto-afirmação. Isso lhe condiciona

viver uma situação provisória, num mundo adulto já estabelecido, que lhe cobra adaptação, regras,

valores, costumes, obediência, controla diferenças e lhe concede direitos, mas sempre com a

contrapartida dos deveres.

Precisamos estar atentos e respeitarmos as constantes flutuações de seu humor e estado

de ânimo, a sua atuação social reivindicatória, as contradições sucessivas de sua conduta, a

(Educação de Jovens)

Page 76: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

76 PROPOSTA CURRICULAR

separação progressiva de seus pais, a necessidade que têm de se intelectualizar e, ao mesmo

tempo, de fantasiar os fatos da vida, compreendendo seus comportamentos e nos aproximando

no diálogo com eles(as) para que vivam todas as possibilidades deste momento do ciclo da vida,

não apenas como dilemas e dificuldades, mas como uma fase que pode ser repleta de realizações.

Ao longo da história, a infância e a juventude foram muitas vezes consideradas estágios

perigosos, frágeis e suscetíveis de contrair todos os males da humanidade, como delinqüência e

uso problemático de drogas. Groppo (2000, p. 58) nos lembra que “a modernidade traz consigo

um processo de cerceamento político, policial, moral, empírico e científico do indivíduo”. O mesmo

autor acentua que cada sociedade constrói sua definição das idades, da vida baseada em sua

concepção de pessoa, no seu desenvolvimento, na sua maneira de ser, baseada nos ensinamentos

da família, com valores éticos e morais, formando um indivíduo abstrato e jurídico da modernidade

que atravessa estágios evolutivos, do seu nascimento à maturidade e inclusive na velhice. Para

ele, as ciências modernas produziram a concepção da adolescência como fase de “maturação

individual”, quando são necessários cuidados e instituições especiais para dar conta do

acompanhamento das fases de desenvolvimento e que cada jovem é suscetível de atravessar

com maior ou menor intensidade. Nesse sentido, aponta a importância da família, na qual os pais

são os principais agentes facilitadores da passagem do(a) jovem para a vida adulta, como condição

para evitar obstáculos que impeçam o seu desenvolvimento, sempre num processo a caminho da

maturidade quando proporciona a adaptação e a sua integração na sociedade.

Quem são, então, os(as) jovens das Escolas Públicas Estaduais de Santa Catarina? São

indivíduos em formação no seu sentido social, biológico, físico e mental, que se integram às

relações de uma sociedade já estabelecida, assimilando valores éticos, morais e culturais e, ao

mesmo tempo, vivendo transformações pessoais profundas.

Os(as) jovens pertencem a um mundo onde as intensas mudanças tecnológicas constroem

novas linguagens, identificadas por eles(as) pelas normas estabelecidas e “saberes integrados”

entre os seus grupos, com domínio de códigos, sinais e gírias, criando fórmulas próprias de

expressão de seus interesses coletivos e individuais. Eles(as) adotam comportamentos e códigos

próprios; ligam-se fortemente a seu próprio grupo, apoiando-se uns nos outros, tendo em vista

que cada um está em busca de sua própria identidade. Ao mesmo tempo, querem ser reconhecidos

como eles mesmos, enquanto vivem uma fase de descobertas de suas vocações.

Considerando todas as questões que envolvem esse período, convém lembrar que, antes

de tudo, os(as) jovens têm aspirações que os(as) motivam a serem adultos(as) independentes,

autônomos e sujeitos de seus atos.

Louro (1999) pontua que o(a) jovem anseia ser feliz, equilibrado(a), tornar-se capaz de

fazer e assumir escolhas pessoais e coletivas, ser respeitado(a) nas suas diferenças, liberto(a) de

(Educação de Jovens)

Page 77: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 77

quaisquer constrangimentos, isento(a) de todos os tabus comportamentais, como no modo de

vestir, nas possibilidades de opção profissional e orientação sexual.

Entretanto, Quapper (2001) ressalta que prevalecem posturas adultocêntricas no

relacionamento entre jovens e adultos, pois muitos adultos impõem a sua visão de mundo e normas

de vida como ponto de referência para o universo juvenil, em função de códigos estabelecidos

para considerá-los(as) socialmente responsáveis. Muitos(as) jovens internalizam essas imagens,

discursos e acabam “conformando-se” em “serem” como dizem que são. Uma das idéias divulgadas

pelos adultos é a de que, pelo simples fato de serem jovens, eles(as) representam a geração do

futuro, como se fossem os(as) salvadores(as) do mundo, ou os portadores das esperanças de

mudanças e transformações sociais. É preciso cautela ao atribuir à juventude a condição de um

ser em potencial futuro, sob pena de não considerarmos a forma concreta com a qual se apropriam,

criam o presente e se manifestam em ações concretas.

É preciso, também, observarmos que a diferenciação de gênero tem sido historicamente

construída na vida do(a) jovem e que ainda prevalece em nossa na sociedade. A construção

dessa diferença ainda sofre certa influência da educação de um passado que definia seu destino

futuro com base em modelos ideológicos e pré-estabeleciam os papéis do homem e da mulher.

Para os autores consultados, a juventude é marcada pela sucessão de uma série de ritos

de saída e de entrada na sociedade que garantem ao(a) jovem uma progressiva definição dos

papéis da idade adulta. Alguns desses ritos de liminaridade interferem no processo social e cultural

da vida do(a) jovem, tais como: do serviço militar à responsabilidade civil e penal, a possibilidade

de casar-se e o envolvimento social e político. Portanto, como já foi referido, se a família e a

Escola estabelecem um clima de comunicação e acompanhamento dos(as) jovens, se afirmarão

como facilitadores nessas passagens, amenizando os primeiros contatos com o mundo competitivo

desafiador, seja no campo de trabalho ou mesmo no mundo acadêmico.

Desse modo, é importante entender o período juvenil considerando-o como uma fase crucial

para a formação, transformação, individualização e socialização do(a) jovem, quer se trate da

maturação do corpo e do espírito, ou, ainda, das escolhas decisivas que preludiam a inserção

definitiva na vida da comunidade. É o momento das “tentativas sem futuro”, das “vocações ardentes”

(LEVI e SCHMITT, 1996).

Nessa perspectiva, devemos olhar o(a) jovem como ser histórico, cidadão(ã) pleno(a) de

direitos e deveres, capaz de intervir significativamente no meio em que está inserido(a) cabendo

à escola, como instituição formadora, considerar e respeitar as multifaces juvenis.

(Educação de Jovens)

Page 78: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

78 PROPOSTA CURRICULAR

2 A REALIDADE DOS (AS) JOVENS/ALUNOS (AS) DA REDE PÚBLICA

ESTADUAL DE ENSINO

“Os alunos correspondem às massas joviais do país.Assim sendo, ser aluno hoje, num mundo globalizado,que enfrenta crises em meio muitas vezes à violência,intolerância e incompreensão, torna-se produto dos meiose condições em que vive. Fica difícil descrever o alunoquando querem que sejamos marionetes da sociedade”. (m/16 anos)

As dificuldades enfrentadas por profissionais que atuam, direta ou indiretamente, com

jovens estudantes de escolas da Rede Pública Estadual de Ensino têm gerado muitas discussões

e encaminhamentos, muitas vezes equivocados, no ambiente escolar. Freqüentemente ouvem-

se alegações de que os(as) jovens/alunos(as) não cumprem as tarefas escolares e não atendem

as orientações recebidas dos adultos, de que são rebeldes, ou ainda de que os pais/responsáveis

não os(as) educam adequadamente. No outro extremo, ouvem-se reclamações de pais, transferindo

às instituições escolares as responsabilidades pelo fracasso escolar que seus filhos apresentam.

Nesse jogo de acusações mútuas, também tem sido comum justificar o insucesso escolar e os

“desvios de comportamento” por parte de um grande número de jovens/alunos(as) à pouca eficiência

das políticas públicas voltadas ao segmento juvenil.

A insatisfação e, porque não dizer, angústia, tem sido freqüente, quer em se tratando de

professores e demais profissionais que atuam nas escolas, ou dos familiares desses jovens e até

mesmo daqueles que estão engajados na defesa dos projetos juvenis que vêm sendo discutidos

e empreendidos em diversas partes do país.

Entretanto, não é este o espaço para encontrar os responsáveis pelos problemas que

afligem os educadores que atuam na Educação Básica Estadual e, ainda menos, apontar os

supostos culpados. Cabe-nos, outrossim, aprofundar as reflexões iniciadas na Proposta Curricular

(SANTA CATARINA, 1998). Propomos, para tanto, gerar reflexões que conduzam às alternativas

de práticas pedagógicas voltadas ao sucesso escolar, pessoal e irrestrito de todos(as) os(as)

jovens das escolas da Rede Pública Estadual de Ensino de Santa Catarina. Advogamos em favor

da superação do papel da Escola na reprodução das condições sociais vigentes e da adaptação

do(a) jovem/aluno(a) ao meio em que vive.

(Educação de Jovens)

Page 79: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 79

No contexto atual em que muitas escolas se encontram, bem como no exercício educativo

de alguns profissionais, observa-se que:

Ao se apoiarem nas necessidades práticas da vida social, os adultos reforçam asinstituições, fortalecem as normas e por meio delas materializam um sistema decondutas que, tanto na vida privada quanto na vida pública, sustentam realidadesdecorrentes de causas históricas, religiosas, de organização da vida pública eoutros. Essa argumentação sugere que na escola não há muito o que criar e simreproduzir (SOUSA e DURAND, 2002, p.167).

Uma reflexão acerca da função social da Escola demonstra que há uma disfunção das

suas reais atribuições. Ainda persistem, no ambiente escolar, posturas discriminatórias,

estereotipadas e muitas vezes repressivas em relação às formas propriamente juvenis.

As relações no ambiente escolar são formas importantes de convívio para a sociabilidade

juvenil e têm sido marcadas por conflitos e desilusões, à medida que esses jovens vão percebendo

que a instituição escolar não vem atendendo às suas expectativas.

As classes sociais às quais pertencem, a cor, o gênero, o contexto histórico em que vivem,

a sua distribuição espacial... são alguns aspectos que precisam ser considerados nessa discussão,

sob pena de homogeneizar uma realidade que é multifacetada nos seus diferentes aspectos.

Nessa perspectiva, compartilhamos com Quapper (2001), quando afirma que “o olhar deve ser a

partir da diversidade, do reconhecimento do universo juvenil.”

A análise da relação existente entre as particularidades juvenis e a sua distribuição espacial/

regional no país constata que a população jovem brasileira corresponde a pouco mais de 20% do

total absoluto do país, o que equivale a cerca de 34,18 milhões de jovens distribuídos pelo território

nacional. Desses, 17,77 milhões correspondem aos(às) jovens de 15 a 19 anos de idade e 16,9

milhões aos(às) jovens cuja idade situa-se entre 20 e 24 anos. Esses contingentes equivalem a,

respectivamente, 10,31% e 9,8% da população total brasileira. No que se refere a sua distribuição

por região geográfica, observa-se que o Sudeste assume a liderança, com 39,6% do total de

jovens, seguido pelos estados do Nordeste com 31,42%, do Sul, com 13,7%, do Norte, com

8,25% e do Centro-Oeste, com 7,01%. (LASSANCE, 2005, p.74-78).

Ao considerarmos a importância da garantia da cobertura educacional, correspondente à

presença de jovens brasileiros na Educação Básica de Santa Catarina, constata-se que em 2004

havia 268.373 estudantes no Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série, e 248.865 cursando o Ensino

Médio (SANTA CATARINA, 2004).

Os dados revelam também que, entre esses(as) alunos(as) do Ensino Fundamental, 48,7%

eram do sexo feminino, enquanto que 51,3% correspondiam ao sexo masculino. Entretanto,

(Educação de Jovens)

Page 80: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

80 PROPOSTA CURRICULAR

constatamos que no Ensino Médio esse quadro sofreu uma inversão. Estudantes do sexo feminino

passaram a representar 51,7% do total nesse nível de ensino. Acreditamos que a redução de

alunos do sexo masculino matriculados no Ensino Médio pode ser explicada, entre outros fatores,

pela sua necessidade de ingressar no mercado de trabalho mais cedo para contribuírem no

orçamento familiar. Uma outra questão pode estar relacionada à existência objetiva de mais

oportunidades para jovens do sexo masculino.

Como já foi abordado anteriormente, a antecipação da fase adulta para muitos(as) jovens

estudantes pode estar relacionada a vários fatores que contribuem para fortalecer esse quadro,

mas é incontestável que o processo de exclusão a que muitos(as) jovens vêm sendo submetidos(as)

tem sido um forte impedimento ao acesso/conclusão da Educação Básica. A formatura no Ensino

Médio e, principalmente, o ingresso na universidade vêm se constituindo em projeto de vida muito

distante da sua realidade e que raramente consegue ser concretizado. São os(as) indígenas,

os(as) negros(as), os(as) filhos(as) de agricultores (principalmente do movimento dos sem-terra),

os(as) desempregados(as) e, enfim, todos(as) aqueles(as) que vivem em condições sociais e

econômicas extremamente difíceis e que raramente encontram possibilidades de acenderem

socialmente.

É essa a realidade vivida por grande contingente de jovens estudantes, principalmente

das Escolas Públicas do Brasil, como de Santa Catarina, razão pela qual muitos(as) têm

demonstrado desinteresse/desencanto e abandonado seus estudos.

Os índices de evasão escolar na Educação Básica vêm acenando para a necessidade de

se incrementarem as políticas públicas já existentes, e voltadas ao segmento juvenil, e de se

criarem outras.

No que se refere a sua distribuição espacial, nas zonas urbana e rural de Santa Catarina,

os dados demonstram que o Estado confirma uma realidade nacional, apresentando a grande

maioria dos(as) jovens/alunos(as) catarinenses residentes na zona urbana, embora também exista

uma parcela considerável de jovens residentes na zona rural e que se deslocam diariamente para

estudar nas cidades. Esses(as) jovens geralmente acabam assumindo os valores urbanos,

principalmente pela especialização dos meios de comunicação, o que leva a colocar na agenda

escolar todas as questões referentes à influência da indústria cultural e seus desdobramentos na

formação de nossos(as) alunos(as).

Esses dados confirmam uma inquietação registrada por Frigotto (2004, p. 209), quando

afirma que:

Um grupo para o qual se necessita pensar políticas públicas que atentem parasuas particularidades é o dos jovens filhos de trabalhadores do campo. Quer pelasua necessidade, quer pelos seus traços culturais, o trabalho precoce e o abandonoda escolaridade formal são elevadíssimos.

(Educação de Jovens)

Page 81: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 81

Santa Catarina figura entre os estados com melhor qualidade de vida do país e essa

classificação sugere a idéia enganosa de que todos(as) os(as) jovens catarinenses vivem

semelhantes moratórias vital e social e que, portanto, desfrutam das mesmas oportunidades. O

Estado e, mais especificamente, as Escolas Públicas Estaduais de Santa Catarina compõem um

mosaico de jovens de todas as cores, de variadas procedências geográficas e culturais, de gênero...

e também de idéias e ideais que nos fazem refletir sobre o que pensam e o que anseiam.

Pensando nessas indagações, e com a finalidade de subsidiar os argumentos desse

documento realizamos uma pesquisa com jovens alunos(as) de unidades escolares de onze

Gerências de Educação, Ciência e Tecnologia – GEECTs10, escolhidas pelo critério de presença e

representatividade no Grupo Temático.

As respostas dos(as) jovens ao levantamento realizado nos permitiram constatar que,

independentemente do lugar onde vivem, da cor, do gênero ou da classe social a qual pertencem,

manifestaram, em grande maioria, uma sensível preocupação com o seu futuro.

Ao serem indagados(as) sobre o que pensam, em relação aos anos que estão por vir,

demonstraram que têm consciência de que os estudos ampliam as possibilidades de ingresso no

mercado de trabalho e que, portanto, podem representar um futuro melhor. Os(As) jovens depositam

confiança na Escola em relação ao seu projeto de vida e acreditam que as relações no seu interior

são, muitas vezes, difusas e tensas, devido ao desconhecimento das reais necessidades do

mundo juvenil.

A pesquisa realizada por esse Grupo Temático oportunizou a esses(as) jovens a expressão

livre e espontânea sobre como concebem a Escola, o professor e o aluno ideais. Ao responderem

as nossas indagações os(as) alunos(as) manifestaram suas idéias, anseios e angústias. Portanto,

consideramos relevante e oportuno apresentar o que eles pensam.

2.1 COMO VOCÊ IMAGINA UMA ESCOLA IDEAL?

A maioria dos (as) jovens não gosta muito de ficar horas e horas estudando, porém são

preocupados com o que fazer no futuro, que profissão escolher. Sabem que a escolarização é

uma, entre as possibilidades que possuem para se posicionar melhor no mundo, que vai além de

um ganho imediato com o emprego ou um futuro profissional melhor.

Depositam confiança na Escola, em relação ao projeto futuro e acreditam que as relações

dentro dela são mais difíceis e tensas devido à pouca clareza, por parte da comunidade escolar,

nas questões referentes ao universo juvenil.

(Educação de Jovens)

10 Maravilha, São Lourenço do Oeste, Concórdia, Joaçaba, Campos Novos, Videira, Curitibanos, Laguna,Criciúma, Tubarão e São Joaquim.

Page 82: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

82 PROPOSTA CURRICULAR

Os(as) jovens também reconhecem limites no impacto que a instituição escolar tem sobre

suas vidas, sobretudo nos benefícios de uma provável inserção no mundo do trabalho.

2.1.1 Com a palavra...os(as) jovens/alunos:

“Uma Escola ideal é aquela que ensina bem, que tem um poder administrativo bom e

professores com curso superior, que impõe regras e mostra como é a realidade lá fora .”

(m/17 anos).

“ ... é a que tem professores e alunos que não trazem problemas para a Escola, deve haver

respeito. Deve ter uma biblioteca bem equipada, sala de informática com computadores

modernos, quadra de esportes coberta.” (f/18 anos).

“A Escola ideal precisa estar limpa e bem organizada, com alunos educados e professores

competentes.” (m/18 anos).

“... seria uma Escola onde não houvesse tanta proibição, onde os portões ficassem abertos

e os alunos pudessem ficar mais livres.”(m/15 anos).

“A Escola ideal deveria ser um local onde tivesse tudo o que precisamos para nos sentir

bem. Uma Escola limpa, com uma ótima qualidade de ensino, horários bem colocados,

diferentes formas de aprendizado, com um bom laboratório, uma biblioteca grande, uma

cantina, uma refeição saudável etc.” (f/15 anos).

Constatamos que, ao contrário do que muitos pensam, os(as) jovens valorizam a

organização da Escola e reconhecem o quanto é importante ter acesso aos recursos físicos/

tecnológicos diversos. Quando questionados(as) sobre como descreveriam a escola considerada

ideal, a maioria respondeu que é aquela com boa estrutura física, com recursos pedagógicos

diversos e professores qualificados.

É nesse contexto que nossas responsabilidades se avolumam e que nossas atenções

voltam-se para o espaço escolar, de modo a criar condições/alternativas para torná-lo um local

atrativo para nossos(as) jovens alunos(as). A instituição escolar ainda é, acima de tudo, um ponto

de referência para esses(as) jovens.

(Educação de Jovens)

Page 83: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 83

2.2 COMO É A SUA ESCOLA?

A partir da pesquisa realizada foi possível observar o que os(as) jovens vêem em sua

Escola. Alguns afirmaram que o ambiente é bom e apresenta muitos desafios. Constatamos

consenso entre alguns(mas) ao terem afirmado que é importante uma Escola com boa infra-

estrutura.

2.2.1 Com a palavra...os(as) jovens/alunos:

“Minha Escola tem professores responsáveis, que exigem dos alunos (alguns), uma diretora

muito legal. Nela trabalham pessoas competentes, mas em alguns aspectos deveria mudar.”

(f/15 anos).

“Um lugar ideal para estudar e aprender.” (f/ 16 anos).

“Minha Escola é ‘ótima’ (suja, bagunçada, mal organizada).” (m/ 16 anos).

“Tem um estudo bom, só que é um pouco desorganizada, tentam cobrar muito dos alunos

e acabam esquecendo que os professores também têm que dar exemplo.”(m/ 16 anos).

2.3 IMAGINE UM(A) PROFESSOR(A) IDEAL... COMO ELE(A) É?

Para a maioria dos entrevistados, o professor ideal seria responsável, alegre, atuante e

receptivo. Por outro lado, percebe-se a insatisfação dos alunos em relação aos professores que

não correspondem às suas expectativas.

Através desse levantamento, foi possível perceber o quanto o(a) aluno(a) anseia uma

Escola e um professor comprometido com as transformações da sociedade e que lhes permite,

acima de tudo, socializar suas idéias.

(Educação de Jovens)

Page 84: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

84 PROPOSTA CURRICULAR

2.3.1 Com a palavra...os(as) jovens/alunos:

“É aquele que consegue despertar nos alunos a vontade de aprender e ir em busca do

conhecimento.” (m/17 anos).

“É aquele que faz o aluno sentir interesse, que discute e tem sabedoria sobre o assunto.”(f/16 anos).

“....que se interesse por aquilo que o aluno questiona. A linguagem do professor deve sermais aberta. Ele deve estar atento à evolução do jovem.” (f/14 anos).

“De nada adianta um professor chegar na aula, ditar matéria e marcar prova ou simplesmente

falar, falar, falar... ele tem que estudar um conteúdo para depois chegar em sala de aula

preparado.” (f/18 anos).

“Autoridade é muito importante para que haja respeito na relação professor-aluno. Desordem

é sinal de falta de autoridade. Há poucos direitos e muitos deveres para os alunos. Professor

tem que ser gentil com os alunos; de nada adianta ele chegar na sala e brigar com todos,

isso só vai gerar revolta e o aprendizado desaba.” (f/ 18 anos).

“O ideal seria se todos os professores fossem preparados antes de se tornarem professores.”

(f/18 anos).

“Deve dominar bem os conteúdos, estar constantemente informado e atualizado;

principalmente, ser amigo dos alunos.” (f/17 anos).

Podemos inferir, a partir da análise de suas respostas, que os(as) jovens/alunos(as)

demonstram preocupação quanto ao papel exercido pelo professor no processo de produção do

conhecimento. Eles (as) reconhecem as qualidades de um(a) bom(ao) profissional e não querem

apenas um(a) professor(a) simpático(a), mas anseiam, acima de tudo, por um(a) professor(a)

qualificado(a) e comprometido(a) com o processo educativo.

(Educação de Jovens)

Page 85: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 85

2.4 COMO É O RELACIONAMENTO PROFESSOR(A) X ALUNOS(AS)?

Os(As) alunos(as) valorizam os(as) professores(as) que os(as) incentivam a continuar os

estudos, aconselhando-os(as) e demonstrando interesse por ele(as). Por outro lado, suas “falas”

atestam um grande descontentamento quando se referem àqueles(as) professores(as) com os(as)

quais não se relacionam bem. Há uma forte crítica aos(as) professores(as) que fundamentam sua

prática pedagógica no repasse dos conteúdos.

Também reconheceram que o(a) professor(a) não é devidamente valorizado(a)

profissionalmente, principalmente devido aos seus baixos rendimentos, mas têm clareza de que

o(a) educador(a) não pode transferir esse descontentamento às relações travadas no interior da

Escola.

2.4.1 Com a palavra...os(as) jovens/alunos(as):

“O que eu mais admiro neles é que se preocupam conosco e o nosso futuro.” (m/ 14 anos).

“Eu acho que todo professor deveria fazer um curso para perder o seu rancor e ser mais

solto, mais gente boa.” (m/ 14 anos).

“Alguns não têm pontualidade, têm preguiça de ensinar e ainda reclamam do salário. Com

que moral, se não honram nem o pouco que ganham?” (f/14 anos).

“Meus professores são exemplares, sabem transmitir seus conhecimentos, ensinando o

que aprenderam, explicando quantas vezes forem necessárias para que haja conhecimento

da matéria.” (m/ 16 anos).

“Eles exigem demais, cobram o que às vezes não podemos cumprir, eles explicam bem

sua matéria, mas podem melhorar seu jeito de ser e de ensinar para que ninguém os

julgue mal.” (f/ 14 anos).

“A professora de ... é fria, não interage com os alunos, apenas explica e os alunos ouvem

e respondem às perguntas dela. Na maioria, são professores bons, mas precisam mudar

sua forma de dar aula, que deve ser mais diversificada. Precisam deixar os alunos colocarem

seu ponto de vista.” (m/ 16 anos).

(Educação de Jovens)

Page 86: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

86 PROPOSTA CURRICULAR

“É bom porque os professores não apenas ensinam, mas, sim, são amigos dos alunos e os

aconselham e os ajudam a passar vitoriosamente pelas dificuldades.” (m/ 14 anos).

No conjunto das respostas percebemos que, mesmo diante de tantas críticas, os(as)

alunos(as) reconhecem e valorizam seus(suas) professores(as), admiram seu trabalho, acreditam

e confiam neles(as), considerando-os(as) como profissionais importantes na construção do

conhecimento.

2.5 IMAGINE UM ALUNO IDEAL... COMO ELE É?

Alguns(mas) jovens/alunos(as) manifestaram certa “cobrança” ao se referirem às suas

atitudes em relação aos estudos. Alguns(mas) reconheceram que também são responsáveis

pelos problemas enfrentados nos estudos e seu maior temor é o da reprovação.

2.5.1 Com a palavra...os jovens/alunos:

“É aquele que respeita suas diferenças e se aceita, que luta pelos seus direitos e cumpre

com os seus deveres.” (m/ 14 anos).

“Com atitude e educação, que precisa ter a atenção necessária na hora de estudo e o

maior respeito com os professores”. (m/ 16 anos).

“É aquele que não só tira boas notas, mas é o que leva todos os conhecimentos para a

vida.” (f, 18 anos).

“Aluno ideal é aquele que está comprometido com o seu aprendizado, traça objetivos para

seus estudos, se interessa em aprender coisas novas, sabe questionar, opinar, ser crítico.

Está sempre disposto para ajudar e que respeita a todos.”(f/ 16 anos).

(Educação de Jovens)

Page 87: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 87

“Aquele que lê bastante, educado, estudioso, alegre, interpretativo, inteligente e que acima

de tudo pensa por si próprio.” (m/ 18 anos).

“O aluno ideal não é aquele assiste à aula mudo, mas faz tudo, tem vontade de participar,

que fala, tira suas dúvidas, participa das aulas e que principalmente é assíduo com seus

compromissos.” (m/ 17 anos).

É possível inferir, a partir de suas “falas”, que reconhecem como aluno(a) ideal aquele(a)

cumpridor(a), também, de seus deveres. Eles(as) manifestam constantemente sua necessidade

de socializar suas idéias no ambiente escolar.

2.6 COMO SÃO OS (AS) JOVENS DE HOJE?

Podemos considerar que a grande maioria de nossos(as) jovens alunos(as) tem

consciência de que muitas vezes são rebeldes, desatentos(as), inquietos(as)....e que lhes falta,

muitas vezes, assumir os compromissos com mais responsabilidade. A sua preocupação com o

futuro também se fez presente em suas respostas e alguns afirmaram que a educação escolar é

um fator imprescindível na concretização de uma vida pessoal e profissional promissora.

2.6.1 Com a palavra...os(as) jovens/alunos(as):

“[...] só pensam no dia de hoje e não no dia de amanhã.” (f/ 14 anos).

“Só querem ir a festas, são bagunceiros.”(m/ 15 anos).

“Alguns jovens pensam em drogas e não pensam em estudar” (f/ 17 anos).

“Eles querem mais liberdade, não gostam que ninguém fique pressionando.” (f/ 18 anos).

“Muitos se formam e aprendem a viver com as leis das ruas [...] ainda bem que na nossa

cidade não acontece muito isso. Eu acho que ser humano nenhum gosta de ser vítima de

preconceito, ainda mais com uma criança em formação [...] há o preconceito por parte da

polícia, em lojas, escolas e isso é até crime.” (m/ 14 anos).

(Educação de Jovens)

Page 88: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

88 PROPOSTA CURRICULAR

“Os jovens de hoje procuram dar o melhor de si para provar à sociedade que a discriminação

que ela tem contra nós não devia existir. Alguns jovens não são responsáveis e muitos

‘pagam o pato’.” (f/14 anos).

“Há jovens que têm o objetivo de melhorar sua vida, seu futuro, mas também existem

jovens que não se importam com nada.” (m/ 18 anos).

“Sinceramente, mais medrosos. Temos muitos sonhos, mas na hora de estudar, de perguntar

algo ao professor temos muito medo de interrogá-lo. Às vezes pensamos que o estudo é

uma chatice, mas sabemos da sua importância.” (f/ 16 anos).

“Há alguns jovens que são ótimas pessoas, que estudam, trabalham e se esforçam e

lutam pelo que querem.” (m/ 16 anos).

“Muitos jovens de hoje estão parando de estudar. Nunca devemos parar de estudar.” (f/14

anos).

“Os jovens de hoje estão ligados aos estudos, se preocupando mais com o futuro.” (m/15

anos).

A análise das respostas, muitas vezes surpreendentes, permite-nos concluir que sabemos

muito pouco a respeito desses(as) jovens/alunos(as). O modo como se expressaram e o tratamento

que deram a questões relevantes atestam para a urgência de novos encaminhamentos no processo

educacional do Estado.

Apresentamos algumas informações dos(as) jovens/estudantes no âmbito nacional e

também estadual e, ao divulgarmos essas informações tivemos a intenção de gerar reflexões

acerca da diversidade presente no universo juvenil sem, no entanto, conseguirmos adentrar nas

particularidades de todas as unidades escolares do Estado de Santa Catarina. Mas elas existem.

Como já abordamos em outra oportunidade, numa mesma unidade escolar convivem jovens com

características físicas, sociais, econômicas etc. diferenciadas, e é imprescindível que se (re)conheça

essa diversidade.

Não é mais possível conceber uma instituição comprometida com a formação de seus(suas)

alunos(as), que enfrenta problemas diversos e que vem buscando incansavelmente resolvê-los,

desconhecendo apropriadamente o(a) jovem estudante com o qual convive. Reconhecer esse

equívoco e, mais do que isso, repará-lo, é uma atitude sábia daqueles que conduzem o ato

pedagógico com responsabilidade e compromisso.

Page 89: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 89

Nessa perspectiva, podemos afirmar que os dados sugerem, não apenas a necessidade

de uma análise das condições educativas para os(as) jovens catarinenses, mas, acima de tudo,

que é preciso adentrarmos no terreno propositivo, em busca das estratégias de encaminhamentos

e de respostas, de políticas públicas educacionais direcionadas aos(às) jovens/estudantes da

Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina.

3 A FORMAÇÃO DOS JOVENS E SUAS QUESTÕES

O modelo culturalmente excludente, elitista, seletivo, competitivo e profundamente enraizado

na estrutura social não é a opção educativa da Proposta Curricular (SANTA CATARINA, 1998).

Nossa proposta percorre um sentido contrário a todo esse paradigma ideológico, rápido, no qual

a emoção, o belo, o “sarado”, “é a bola da vez”, onde o momento transforma em moda o discurso

sobre a ecologia, a nutrição e a robótica.

Tendo como referência as leituras realizadas, bem como o elenco de questões apresentadas

pelos jovens que entrevistamos, é possível problematizar aspectos que envolvem a formação

do(a) jovem em nosso Estado, a partir de:

3.1 CULTURAS JUVENIS E AS GERAÇÕES:

Os jovens brasileiros, nascidos no final da década de 1970, [...] fazem parte de uma geração

pós-industrial, pós-Guerra Fria e pós-descoberta da ecologia. Vivem as tensões e os mistérios do

emprego, da violência urbana e do avanço tecnológico (NOVAES, 2005).

O(A) jovem catarinense vive um tempo social diferente da juventude vivida pela grande

maioria de seus professores, geração esta da Guerra Fria, pertencente à cultura da indústria, da

ditadura militar, época em que pouco se ouvia falar, por exemplo, em ecologia. Ora, se

compartilhamos tempos de juventudes diferentes, como querer tratá-los(as) iguais a nós? Como

querer deles(as) respostas que não fazem parte do seu presente? Podemos cobrar desses(as)

jovens soluções a partir de experiências e conhecimentos de vinte, trinta anos atrás? O tempo é

outro, a cultura juvenil da vida desses(as) jovens é outra. É urgente aprofundarmos a compreensão

do que é ser jovem contemporâneo e ressignificarmos nosso olhar sobre o mundo, o Homem e a

Page 90: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

90 PROPOSTA CURRICULAR

Sociedade. Trata-se de desconstruirmos concepções, de vermos nossos(as) alunos(as) como

sujeitos de seu próprio tempo, capazes de se promoverem como seres autônomos, sem perdermos

de vista o passado.

Vivenciamos uma Escola ambígua, formada por dois espaços culturais distintos: a cultura

dos(as) jovens e a cultura da escola da qual fazemos parte. Há uma dicotomia histórica e cultural

entre ambas. Água e óleo. O mais preocupante é a falta de interesse de alguns(mas) educadores(as)

em conhecer o mundo juvenil. É possível um(a) professor(a) priorizar o ato de ensinar sem se

envolver com o pensamento, o modo de ser e agir de seus(suas) alunos(as)? Do mesmo modo,

devemos indagar se os(as) jovens têm interesse em compartilhar com a Escola seus pensamentos

e modo de ser e de agir a partir do conhecimento das questões das gerações anteriores.

Cometemos um sério equívoco quando não ouvimos nossos(as) jovens, quando não

respeitamos a sua condição sócio-cultural e histórica, ou os(as) vemos ainda como uma “folha

em branco que precisa ser preenchida”. Segundo Margulis (1996), esta é uma questão da sociedade

moderna que não superou o conservadorismo. Mesmo na academia, sempre que se escreveu

sobre a juventude, o olhar partiu de uma visão adultocêntrica e só recentemente têm surgido

trabalhos com a preocupação de ouvir o que os jovens têm a dizer a respeito dos enigmas e

encruzilhadas que surgem durante a transição da fase de vida que atravessam.

Os primeiros contatos entre os(as) educadores(as) e os(as) jovens alunos(as), no início do

ano letivo, têm se restringido muitas vezes à exposição dos objetivos da disciplina, à metodologia

a ser empregada, ao seu método avaliativo etc. Perguntas rotineiras como o nome do(a) aluno(a),

a sua procedência geográfica, sua idade, o que gosta ou não de fazer são importantes neste

primeiro contato, mas não têm dado conta de conhecermos a diversidade presente no mundo

juvenil. O conhecimento que o(a) jovem traz para a sala de aula é ignorado pelo currículo e por

alguns(mas) educadores(as). Resta ao(a) jovem aprender a adaptar-se a cada um(a) de seus(suas)

professores(as) e à institucionalidade da escola.

Muitas vezes o reconhecimento da condição juvenil aparece num trabalho educativo

compartimentado e o(a) aluno(a) sai da escola agindo como se o mundo fosse feito em gavetas.

O que ouvimos por parte deles? “Esse professor age assim”, “aquele age diferente”. Tal como

os(as) rotulamos, eles(as) também nos rotulam. Esse é o resultado de um trabalho individualizado,

não coletivo. E assim passa o(a) aluno(a) pela Escola. Há os(as) que conseguem adequar-se ao

estilo de cada professor(a) e que geralmente são considerados(as) bons(as) alunos(as). Há os(as)

que não conseguem se enquadrar, restando-lhes, na maioria das vezes, a evasão ou a reprovação

escolar. Nesse conjunto é possível identificar o trabalho destacado de alguns(mas) professores(as),

considerados(as) pelos(as) alunos(as), mas não relacionando-o com a proposta coletiva da Escola.

Lá fora, quando falam da Escola, falam por partes, não do seu conjunto.

(Educação de Jovens)

Page 91: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 91

Os(As) jovens vivem o tempo do imediato e do presente intenso e são representados(as)

pelas instituições criadas pelo “mundo adulto” como um ser indefinido e subordinado. Raramente

o(a) reconhecem como um ser social que deve ser solicitado para o presente, mas, freqüentemente,

como aquele(a) que pode fazer algo no futuro. Por conseqüência, muitos(as) educadores assumem

tal postura e se colocam diante dos(as) jovens para prepará-los(as), formá-los(as), e também

reprimi-los(as) quando resistem ou não se adaptam às exigências institucionais.

Estabelecem-se assim as contradições entre gerações, pois as expectativas do(a) jovem

caminham no sentido oposto. Educadores e jovens pouco se cruzam – enquanto os primeiros

visam ao futuro, os segundos querem viver o presente. São linguagens, percepções, compreensões

de mundos diferentes.

“Os(As) jovens aterrizam no presente; nele formam sua personalidade, constroem

sua cultura e organizam seu mundo perceptivo e sensível, seus valores e ritmos”.

(MARGULIS,1996, p. 9).

Se o(a) jovem vive o tempo presente de maneira intensa e contínua, como a Escola pode

criar situações de aprendizagem capazes de contribuir na sua formação a partir do olhar da cultura

juvenil? Se o(a) jovem vive o uso do boné e não abre mão disso, se a discussão passa pelo

futebol, pela próxima festa, pelo filme que passará na televisão ou no cinema, pelo endereço

eletrônico que trata de tal assunto, de como será a formatura no final do ano, como respeitar,

como trabalhar criticamente a forma como assimilam a cultura de forma própria e trazê-la para o

contexto do conhecimento científico? Nos estudos que realizamos, concluímos que é preciso

estar atentos às especificidades juvenis e trazer essa vivência para o cotidiano da escola, como

ponto de partida para a construção do saber escolar.

Frigotto (2003), chama a atenção para uma outra questão sobre a qual a Escola deve estar

atenta, e que refere-se ao caráter da formação que tem incluído e excluído uma parcela da juventude

na rota da discriminação que o sistema social cultiva, no que tange à relação dos(as) jovens com

o trabalho e a educação. Podemos dizer que a Escola ainda alimenta um modelo fordista do início

do século XIX, que preparava o(a) jovem para trabalhar nas esteiras das modernas fábricas da

época. A robótica ocupou o espaço desse(a) jovem trabalhador(a), porém ainda continuamos

praticando esse modelo, ao incentivarmos a naturalização do trabalho precoce, da educação dual

e da mutilação de direitos, com uma abordagem moralista dada a esses problemas. Montellato

(2000) também ressalta que a concepção de homem, de mundo, de sociedade e de religião,

fundamentada nos princípios morais e éticos dos jesuítas ainda é muito forte na prática pedagógica

do ambiente escolar. Insistimos na crítica do modelo implantado no pós-revolução francesa, no

qual a Escola foi estruturada, pensando nos filhos da burguesia da época, ou seja, na formação da

classe trabalhadora para viabilizar a reprodução das elites. Não podemos esquecer que, muitas

vezes, a juventude da Escola Pública tem o rosto definido: são filhos de trabalhadores, assalariados

(Educação de Jovens)

Page 92: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

92 PROPOSTA CURRICULAR

e violentados socialmente, o que, no plano pedagógico e cultural, corre em sintonia com a ideologia

do capitalismo flexível, adequada ao projeto social da globalização e que objetiva a domesticação

das massas.

No aspecto específico do trabalho e da educação dos jovens da classe trabalhadora,a contradição se radicaliza, tendo em vista que a maior produtividade do trabalho,não só não liberou mais tempo livre, mas pelo contrário, no capitalismo central eperiférico a pobreza e a ‘exclusão’ ou inclusão precarizada jovializaram-se. Ouseja, cresceu o número de jovens que participam de ‘trabalhos’ ou atividades dosmais diferentes tipos, como forma de ajudar seus pais a compor a renda familiar.E isso não é uma escolha, mas imposição de um capitalismo que rompe com oselos contratuais coletivos e os reduz a contratos individuais e particulares [...].(FRIGOTTO, 2003, p.197).

Assim, quando a Escola assume e incentiva a formação para o trabalho, como via de

inclusão, atua num terreno que atinge seus próprios limites, uma vez que não tem como interferir

na direção de políticas públicas redistribuitivas e emancipatórias, por serem estas do âmbito do

Estado ou da União. Os índices de reprovação e de evasão no Estado são um indicador dessa

contradição e se colocam como desafios a serem vencidos, quando percebermos que o modelo

escolar ainda é excludente porque criado para produção e reprodução da elite. Qual então o papel

da Escola Pública para dar uma saída para esses jovens quando contam com ela como uma via

de aquisição do saber? Ela deve garantir na prática os pontos da Proposta Curricular (SANTA

CATARINA, 1998) que indicam a prática de uma educação que facilite aos jovens a base de

conhecimentos que lhes permitam analisarem, compreenderem e atuarem no “mundo da natureza,

das coisas, e no mundo humano, político, cultural, estético e artístico para assumirem uma cidadania

ativa, ao contrário de reduzir-lhe a um “cidadão(ã)-produtivo, despolitizado e mero executor” do

que o mercado determina. (FRIGOTTO, 2003).

3.2 A FAMÍLIA E A ESCOLA COMO ESPAÇOS DE FORMAÇÃO

Segundo Souza e Duran (2002), a Família e a Escola estão sendo questionadas como

espaços de formação social do(a) jovem. Ambas instituições como espaços tradicionais de

conhecimento, de socialização e normatização mostram-se frágeis, não se constituindo mais no

lugar central, referência de valores formativos.

(Educação de Jovens)

Page 93: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 93

Valores capitalistas como o consumismo, o individualismo, são exemplos

característicos dessa nova socialização que perpassa o mundo juvenil estimulado pela mídia, que

exerce forte influência, dita valores e interfere na sua cultura com forte caráter doutrinário. O leque

formativo que estava centrado na família e na Escola, portanto, semi-fechado, abriu-se. A formação

da juventude de nossos dias é resultante disso. Com a mídia e tecnologia invadindo a Escola e a

casa de nossos alunos, precisamos aprender a dividir a educação da juventude com esses novos

territórios de conhecimento. Aonde chegam os meios de comunicação de massa, não ficam intactas

as crenças, os saberes e as lealdades. Todos os níveis culturais se reconfiguram, quando se

produz uma volta tecnológica da magnitude da transmissão eletrônica de imagens e sons.

(MOREIRA, 1999).

O desafio portanto, é grande, tanto da Escola como da Família e não cabe aqui discutir se

esse tempo em que vivemos é melhor ou pior do que os anteriores. Existe uma cultura juvenil que

se difere geracionalmente e precisamos aprender a conviver com essa nova sociabilidade

atravessada pelas relações do mundo contemporâneo, que não tomam como referência as pautas

transmitidas da experiência passada e que, inclusive, contradizem o modelo fundado em máximas

portadoras de utopias a serem adotadas pelas gerações anteriores.

A escola está sob suspeita, na medida em que o ensino está referenciado nummodelo em crise, ou seja, naquele que resulta de uma cronologia social, cujo cicloestá nas injunções de um mundo fundamentalmente novo, num ordenamentocultural, configurativo, no qual o aprendizado comum é realizado pelos diferentesgrupos etários e não apenas pela escola e a família (SOUZA; DURAND, 2002, p.165).

As instituições pilares da sociedade moderna estão sendo questionadas no seu caráter

educativo e de influência na formação do(a) jovem que está sendo socializado em outros espaços,

criando uma cultura própria. E sempre que a Família ou a Escola os excluírem, as novas referências

podem gerar rebeldias, violências de várias naturezas que acontecem em nossas escolas e em

nossas famílias.

Diante das limitações para lidarmos com a nova realidade imposta pela era da informação,

é visível, por exemplo, o cansaço e o desânimo por parte de muitos de nossos educadores. Por

não acompanhar as transformações, muitas escolas tornam-se desinteressantes. Prova deste

não acompanhamento poderíamos citar a dificuldade de alguns educadores em manusear as

novas tecnologias como o computador, a internet e o celular, coisas que os(as) jovens manipulam

com uma facilidade e rapidez que nem sempre conseguimos.

(Educação de Jovens)

Page 94: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

94 PROPOSTA CURRICULAR

Por isso, a Escola deve ser um espaço convidativo para aproximar a família e fazê-la refletir

sobre as questões que envolvem o universo juvenil. Nesse contexto, também a formação dos

educadores deve ser seriamente pensada. Torna-se imprescindível que os cursos de formação

inicial assumam realmente sua função, preparando o futuro profissional para a prática pedagógica

que é, acima de tudo, educativa porque possui finalidades, está ligada a projetos políticos e tem

pretensões de intervenção na sociedade.

A literatura sobre essa temática, a formação de professores, tanto a internacional quanto

a nacional, é ampla, sendo possível verificar um amadurecimento teórico significativo sobre a

constituição da prática profissional do professor, sobre seus limites e possibilidades diante da

realidade contemporânea, sobre as relações entre teoria e prática na constituição dessa profissão,

favorecendo a apresentação e o debate de diferentes propostas de formação.

A formação profissional dos educadores deve ser delineada num currículo capaz de

compreender melhor o mundo juvenil, preparando os futuros educadores para uma prática

pedagógica exitosa com seus(suas) alunos(as). Ao mesmo tempo e, principalmente, as

universidades devem ter como premissa a formação de educadores(as) que atuarão com jovens

estudantes e que, portanto, deve estar voltada ao desenvolvimento das potencialidades do

segmento juvenil.

Precisamos considerar, também, os investimentos a serem priorizados pelo Estado na

formação continuada dos(as) educadores(as), como estratégia eficaz para a sua qualificação

profissional. O exercício compromissado e competente do(a) educador(a) exige uma contínua

formação teórico-prática, capacitando-o(a) a (re)pensar sua atuação pedagógica com qualidade.

A Escola pode romper com a prática pedagógica tradicional, questionada pelos(as) jovens,

a partir do momento em que ela se constitui num espaço aberto, criativo, crítico, democrático,

dinâmico e que fale a linguagem desses(as) jovens. Esse é o nosso desafio como trabalhadores

da educação: priorizar conteúdos que sejam significativos à realidade do(a) jovem, contemplar

conteúdos que promovam o desenvolvimento de suas escolhas, romper a idéia do uso exclusivo

do livro didático, colocar em questionamento os conteúdos que são selecionados unicamente com

o objetivo de avaliar os(as) alunos(as).

Há algumas décadas atrás os(as) jovens demonstravam, visivelmente, seu

descontentamento na resistência à formação educativa unilateral. O exemplo da participação política

dos jovens nos anos 1960/70, nos revela uma realidade que parece diferente dos dias atuais.

Mas, estariam os jovens menos críticos e despolitizados? Não podemos ignorar que hoje é evidente

essa insatisfação manifestada numa outra resistência à aceitação das instâncias institucionais. A

própria Escola, em certas circunstâncias, não estaria também na agenda da sua crítica? Não

estariam os(as) jovens, dizendo que recusam os limites do seu aprendizado?

(Educação de Jovens)

Page 95: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 95

Na Escola, as manifestações políticas, a contestação através do grafismo e da pichação, a

discussão dos temas que lhes interessam costumam acontecer longe dos olhos dos(as)

educadores(as), nos intervalos de aulas, na cantina, na quadra de esporte, antes e depois das

aulas, nos trabalhos extras, como se determinados assuntos fossem censurados e não compatíveis

a uma visão institucional escolar. É preciso reverter esse processo e reconhecer naquilo que

aparenta rebeldia, indiferença, apatia, discordância, questionamento, ousadia e até mesmo crítica,

uma expectativa sobre uma sociedade que expresse suas utopias. É fundamental que se oportunize

a discussão de temas que envolvam esses(as) jovens, considerando a Escola como espaço de

atuação do(a) estudante, inclusive nas decisões pedagógico-administrativas. Esse exercício

democrático é uma necessidade para os novos tempos, porque através dele podemos construir o

discernimento político dos(as) alunos(as).

O fazer pedagógico no contexto atual deve estar alicerçado na utopia, na democracia e na

solidariedade. Construir uma Escola comprometida com um futuro melhor é colorir a esperança

de dias melhores, é fazer nossos(as) jovens acreditarem que o sonho continua e que é palpável,

concreto e realizável (MOREIRA, 1999). A educação abre espaço para a juventude viver como

jovem e ser agente de um modelo educacional nele centrado.

Provocar um novo aprender construído no coletivo faz com que o(a) jovem compartilhe um

poder há tanto tempo monopolizado nas mãos dos mestres. Considerar a participação juvenil na

Escola é efetivamente aceitá-los e envolvê-los como sujeitos no processo escolar.

Ao assumirmos a postura de que, na escola, tudo pode ser posto em questão ao mesmo

tempo em que tudo pode ser desconstruído, abandonamos a nossa postura ingênua e criamos

condições de nos posicionarmos diante dos fatos que, muitas vezes, nos atropelam a rotina escolar

(Ibidem, 1999).

Consideramos importante construir uma Escola onde todos possam ter vez e voz. Essa é a

função social da Escola Pública: qualificar-se de tal maneira que a opção da população pelo ensino

pública seja pelo critério de sua qualidade. A qualidade aqui está diretamente relacionada à

oportunidade de acesso dos(as) alunos(as), e também, dos(as) professores(as) a códigos e

ferramentas que habilitam a uma formação para o enfrentamento das grandes questões sociais,

ou seja, revolução se faz com o conhecimento (GRAMSCI, 2004). Portanto, um dos pressupostos

para a mudança é o crédito às novas gerações, sem o temor sobre o que elas trazem.

(Educação de Jovens)

Page 96: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

96 PROPOSTA CURRICULAR

3.3 FORMANDO O(A) JOVEM NA CONTRAMÃO DA VIOLÊNCIA

Uma questão freqüentemente verificada nas escolas e que tem assumido proporções

preocupantes é a relação do(a) jovem com a violência. Essa temática tem gerado constantes

debates entre os professores e é assunto recorrente nos jornais do país. A violência é considerada

como um ato de barbárie quando coloca em risco toda a civilização, e qualificar os seus

desdobramentos no ambiente escolar justifica a reordenação de todos os objetivos educacionais

orientados por essa prioridade. Mas o que é a barbárie? É a incoerência entre o mais alto grau de

desenvolvimento tecnológico da sociedade moderna e sua cultura, que faz com que as pessoas

encontrem-se peculiarmente atrasadas e tomadas por uma agressividade, um ódio primitivo e um

impulso destrutivo que no caso da violência na Escola se traduz num estado de agressão física e

simbólica. (ADORNO, 1995).

Não obstante os avanços da sociedade brasileira com relação ao autoritarismo de um

regime num passado recente que abrangeu, principalmente, os anos 1964-85, a

democratização tem coincidido com uma verdadeira explosão de violência. A violência tem

feito aparecer a cultura da insegurança e medo e envolvido jovens, tanto como vítimas como

atores(atrizes) (ADORNO, 2000).

Por outro lado, as ações sociais preventivas são tímidas e assim continuarão se as instâncias

de correção social mantiverem a sua abordagem da questão juvenil como um problema social,

como um objeto de intervenção.

Adorno (2000, p. 108) enfatiza, porém, que os(as) jovens não são mais nem menos violentos

que o conjunto da população, e que não causa estranheza que aqueles que geralmente se

expressam através dos adultos, porque “não têm fala”, encontrem na opressão e no envolvimento

de risco um ponto afirmativo para se manifestar contra o seu não reconhecimento social.

Como dar conta dessas questões no ambiente escolar? Muitas vezes nos sentimos

impotentes diante das situações que ocorrem na Escola e, apesar de existirem diretrizes

que norteiam direitos e deveres do(a) aluno(a), os instrumentos dispostos pela Escola para

interferir nesses problemas são ineficazes. Ficamos distantes no trato desse problema,

muito embora o simples fato de a questão estar no centro das preocupações educativas,

por si só esteja provocando uma mudança na Escola. Isso possibilita aos(às) alunos(as) a

seleção mais ampla de valores que lhes provoquem aversão a qualquer tipo de agressão ao

outro.

(Educação de Jovens)

Page 97: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 97

É necessário que essa discussão passe por todos(as) os(as) envolvidos(as). Que o exercício

da cidadania represente a intenção de todos na humanização da Escola, transformando alunos(as)

em indivíduos “resistentes” à apatia e indiferença, ao assumirem posicionamentos diante da questão

da violência.

Assim, devemos não só discutir a violência provocada pelas drogas lícitas e ilícitas, pelo

uso das armas, pela ofensa das palavras, pela repressão à liberdade de manifestação das idéias,

mas também, ponderar sobre a violência velada na Escola, que em nome da disciplina ainda

reforça a punição.

A quebra de autoridade do(a) professor(a) não pode ser o argumento para o não

enfrentamento dessa questão; pelo contrário, reforça uma perspectiva de ações e interações

coletivas contempladas no Plano Político Pedagógico.

Com a educação contra a barbárie no fundo não pretendo nada além de que oúltimo adolescente do campo se envergonhe quando, por exemplo, agride umcolega com rudeza ou se comporta de um modo brutal com uma moça; quero quepor meio do sistema educacional as pessoas comecem a serem inteiramentetomadas pela aversão à violência física. (ADORNO, 1995, p.165).

O preconceito também é uma das manifestações de violência presente na comunidade

escolar e é hora de encararmos abertamente essa questão, tratando-o com a urgência que ele

demanda. Nunca se discutiu tanto o preconceito aos(às) negros(as), aos(às) índios(as), aos(às)

pobres, aos(às) homossexuais, aos(às) gordos(às), aos(às) magros(as), à religião, as expressões

da linguagem popular, etc.

Paremos de evitar o conflito, trazendo para dentro da sala de aula essas discussões e

construindo cotidianamente com os(as) alunos(as) o respeito aos outros.

3.4 O(A) JOVEM E AS DROGAS

Ao discutirmos a sociabilidade juvenil em nosso grupo, a questão da relação do(as) jovens

com as drogas apareceu como um ponto importante a ser enfrentado pelo(a) educador(a).

Consideramos que, antes de trazermos a discussão sobre drogas para dentro da sala de aula, é

necessário que a Escola adote uma abordagem de suas implicações sociais e científicas; assim

estaremos nos despindo dos preconceitos que temos sobre essa temática.

(Educação de Jovens)

Page 98: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

98 PROPOSTA CURRICULAR

E como abordamos o tema referente às drogas nesse espaço de tempo em que os(as)

jovens convivem conosco? O seu consumo vem se constituindo num grave problema de saúde

pública. As estatísticas apontam um Brasil onde, nas últimas décadas verifica-se um significativo

aumento no consumo e no tráfico de drogas. Ficar alheios a essas constatações é o mesmo que

ignorar a realidade perversa do mundo das drogas em que muitos de nossos(as) jovens estudantes

se encontram.

Porém, acreditamos que o tratamento das questões que envolvem o uso indevido de drogas

pelos nossos(as) jovens alunos(as) ainda tem se constituído numa questão nevrálgica para os(as)

professores(as) e familiares desses(as) jovens alunos(as). Como primeira reação, assumimos

olhares e escutas seletivas e nossas falas, muitas vezes preconceituosas, revelam desconhecimento

das causas que levaram o(a) aluno(a) a fazer sua escolha e, principalmente, a não abordar a

problemática com o respeito e ciência que lhes cabem.

Esse assunto deve ser trabalhado em sala de aula desde as Séries Iniciais. É preciso que

o(a) jovem perceba que o uso de drogas não é um problema de hoje, mas que faz parte de muitas

culturas espalhadas pelo tempo e diferentes sociedades. A temática precisa ser abordada de

forma espontânea, com base científica e histórica, que identifique criticamente o modelo

estadunidense de prevenção utilizado no Brasil, fundamentada na “pedagogia do assustar” que

mais tem confundido do que esclarecido os(as) jovens. São discursos pautados no “drogas nem

morto”, “drogas, tô fora”, que pode ser chamado do marketing moralista antidrogas (ACSELRAD,

2000).

Muitas vezes, na nossa prática pedagógica cotidiana alimentamos esse discurso repressivo.

Em sala de aula se aprende sobre drogas que matam, que destroem famílias, que deixam seqüelas.

Fora dos muros da escola, o(a) jovem se depara com outra realidade: o prazer, a alegria daqueles

que se drogam com álcool e cigarros ou drogas ilícitas e nem por isso aparentam estar no abismo,

no mundo sem volta. Aliás, a grande maioria esbanja felicidade para o iniciante. É esse desencontro

que confunde a cabeça do(a) jovem, pois tem que optar entre o discurso da “morte na certa” ou do

“prazer da viagem incerta” proporcionada pelas drogas. Ele(a) tem que escolher entre o discurso

futurista aterrorizante do adulto ou a vivência prazerosa do colega usuário que se “lixa” para o

futuro, que apenas deseja viver o presente de maneira intensa, vivificadora e sem culpa.

Convém pensarmos, neste caso, no sentido do controle social a partir da idéia foucaultiana

de que:

Em toda a sociedade a produção dos discursos é controlada, selecionada, organizada eredistribuída através de um certo número de procedimentos, externos e internos, que têmpor objetivo conjurar os poderes, controlar os acontecimentos aleatórios, driblar sua pesadae temível materialidade. Tais procedimentos teriam como objetivo ‘controlar’ sua produção.(Ibidem, p. 162).

(Educação de Jovens)

Page 99: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 99

As estratégias das fabricantes de bebidas alcoólicas infelizmente abordam a juventude

brasileira e, com competência e eficácia invejáveis, pois reconhecem que não há uma juventude

homogênea, mas juventudes. Seus segmentos necessitam de mensagens diferenciadas e

entendem a importância de oferecer produtos jovens com imagens diferentes, reconhecem nas

suas campanhas de marketing a necessidade de os(as) jovens serem levados a sério (mas com

humor e irreverência), além de explorarem os conflitos geracionais sob a ótica dos(as) mais jovens.

Podemos até falar em cultura do álcool e do cigarro: a grande maioria dos(as) jovens de

hoje não consegue falar em lazer sem associá-lo ao álcool e ao cigarro, que combinam com

futebol, com dança, com viagem, com bate-papo. Que serve como “prato de entrada”.

Nas décadas de 60 e 70 os(as) jovens se manifestavam contra a ordem vigente regados a

caipirinha, cervejas, cigarros e drogas ilícitas. Os de hoje se divertem a partir das drogas lícitas e

uma parcela pequena das drogas ilícitas.

Temos, portanto, que trazer essa temática para os bancos escolares sempre que necessário.

Uma discussão aberta, sem medos, sem preconceitos, sem terrorismo. Uma discussão democrática,

coletiva, participativa. Que não se restrinja apenas a discutir os efeitos da droga. Tratar os usuários

como cidadãos livres e não como criminosos. “Dessa forma, desde que consciente do papel que

pode representar junto aos alunos e pais, o educador se torna um mediador no processo de

construção da ação refletida.” (Ibidem., p. 169).

Portanto, o trabalho pedagógico nesta temática junto ao(à) jovem de nossas escolas deve

ser criativo o suficiente para conquistar a sua atenção, o seu o universo de preocupação, atingir

os dilemas humanos que eles se colocam a exemplo de algumas experiências pedagógicas

democráticas bem sucedidas. Na intenção de qualificar melhor este debate, voltado para uma

intervenção humanizada, a autora acima citada sugere a inversão da pergunta rotineira: “por que

as pessoas se drogam?” pela indagação: “por que alguns não se drogam?”.

Esse é o trabalho do(a) verdadeiro(a) professor mediador(a), seja ele de Matemática,

História, Educação física, Geografia, Língua Portuguesa, etc. Todas as áreas do conhecimento

têm o dever de trabalhar essas questões e suas implicações em sala de aula.

A Escola deve comprometer-se com a educação preventiva, garantindo ao(à) aluno(a) a

capacidade de discernimento quanto ao uso indevido de drogas.

(Educação de Jovens)

Page 100: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

100 PROPOSTA CURRICULAR

3.5 OS(AS) JOVENS, O AMBIENTE ESCOLAR E O CURRÍCULO

O ambiente físico da Escola como um dos aspectos do currículo, é parte do conjunto que

é importante na formação da experiência escolar e da subjetividade dos jovens. A escola delimita

espaços, afirma o que cada jovem pode ou não fazer, separa ou institui. Para aqueles(as) que são

admitidos(as) no seu interior ela determina usos diversos do tempo e do espaço, consagra a fala

de uns ou o silêncio outros, produz subjetividades, institui significados; aos que ficam de fora dos

seus muros, a instituição também impõe conseqüências, construindo sentidos e sentimentos que

advêm desta exclusão. Essas relações levam a consideração da arquitetura da Escola como um

ato pedagógico, pois com toda a certeza a função social de cada espaço, de cada dependência da

escola onde passamos boa parte de nossas vidas representa um patrimônio pessoal.

Todos os espaços da Escola, com seus signos identificadores (diretoria, laboratórios, sala

dos professores, pátios, quadras, auditórios, banheiros, salas de aula, refeitório, cozinha etc.),

trazem impresso um significado ideológico. Queremos, assim, enfatizar que refletir sobre os seus

significados é parte da nossa função de educadores, na medida em que criamos o ambiente que

influencia cognitivamente os(as) jovens alunos(as).

Assim a limpeza, a claridade, as cores, os quadros e painéis de comunicação, os

corredores, bem como os diferentes lugares que estabelecem funções dentro da Escola transmitem

mensagens que marcam os(as) estudantes ao longo de suas vidas. Planejá-los considerando a

forma de ser e do interesse do(a) jovem é estar atento ao seu envolvimento integrado na vida da

Escola.

É preciso estar atento a esses aspectos, pois, os(as) próprios(as) alunos(as) têm uma

percepção clara da inadequação da Escola ao conforto necessário para o desempenho das

atividades básicas de ensino.

Ao criarmos essa possibilidade de revitalização do espaço escolar, estaremos dando ao(a)

aluno(a) condições e recursos para o desenvolvimento de uma aprendizagem de qualidade.

A arquitetura escolar é também por si mesma um programa, uma espécie de discursoque institui na sua materialidade, um sistema de valores como os de ordem, disciplinae vigilância, marcos para a aprendizagem sensorial e motora e toda uma semiologiaque cobre diferentes símbolos estéticos, culturais e também ideológicos.(ESCOLANO, 1998, p. 26).

Assim, entendemos que o currículo supera a idéia de mera matriz curricular para se

transformar no percurso, no caminho pedagógico que considera as formas ocultas de ensino

(Educação de Jovens)

Page 101: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 101

presentes na Escola e que assume a forma da construção de uma política cultural operada sobre

aqueles que fazem parte do ambiente escolar.

Um outro aspecto que consideramos relevante sobre a questão curricular se refere as

atividades educativas escolares responderem a uma finalidade intencional e necessitarem de um

planejamento determinado, por estarem a serviço de um projeto educativo. É através do currículo

que vamos explicitar este projeto, que não deve ser apenas um enunciado genérico e teórico das

intenções educativas, mas estar alicerçado na prática concreta de sala de aula, ou corre-se o

risco de não ter nenhuma utilidade.

O currículo é um projeto de relações que se desenvolvem na Escola; portanto, ele é a

expressão das experiências e visão de mundo de seus construtores e isso implica pensar eixos

que norteiem a formação de cidadãos(ãs). Sendo assim, se buscamos na formação de nossos(as)

alunos(as), encaminhamentos a fim de prepará-los(as) para interagirem de forma participativa e

produtiva dentro da sociedade, devemos lembrar que o currículo deve considerar que a Escola é

palco de constantes transformações e, portanto, utilliza-o como um documento “em movimento”,

aberto a reelaborações para atender às demandas provocadas por essas mudanças.

Devemos considerar na sua construção esses elementos contextualizados que apontam

para a necessidade de trabalharmos conhecimentos significativos para os(as) jovens. Se a

aprendizagem se concretiza quando ganha um sentido para o educando, é necessário que os

saberes transmitidos adquiram , também, significados qualificados nas relações e experiências

do universo das novas gerações. Por essa razão, é importante a inserção das culturas juvenis na

Escola, como a música, a linguagem e os códigos, o namoro, a roupa e o estudo dos diferentes

espaços que o(a) jovem freqüenta. Essas questões podem ser discutidas como exemplo na área

da linguagem e expressão; a questão biológica deve estar aliada ao namoro e qualificada nas

mudanças do corpo, na aprendizagem da sexualidade, enfim em muitas possibilidades de integração

de aspectos culturais da vida juvenil no currículo e no cotidiano escolar e fora dele.

Nossos(as) alunos(as) devem participar da construção curricular para que nele sejam

igualmente contempladas suas preocupações, tanto sociais e interpessoais quanto existenciais,

para que aprendam a interpretar o mundo e sejam capazes de fazerem escolhas conscientes. Um

currículo contemporâneo deve acompanhar os dilemas da formação da identidade no(a) jovem e

inseri-lo(a) no presente, prepará-lo(a) para o futuro e contemplar seus sonhos e anseios. Nessa

perspectiva, não pode estar reduzido a uma listagem de conteúdos selecionados pelos(as) professores.

É conveniente lembrar que na escolha do conteúdo devemos evitar cair nas armadilhas

das abordagens românticas e inocentes. Vinculá-lo como um projeto de formação e preparação

para o enfrentamento das questões e contradições da vida social, pode garantir o seu papel crítico

e não reprodutor das desigualdades que se reforça na concepção tecnicista do ensino, classificatória

e seletiva, que visa a preparar os(as) alunos(as) com base em seus “talentos” e uma força de

(Educação de Jovens)

Page 102: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

102 PROPOSTA CURRICULAR

trabalho para atender às expectativas do sistema . A conversão do(a) aluno(a) em agente do

processo de uma aprendizagem é fundamental e auxilia na superação deste modelo para outro,

fundamentado em uma atitude de permanente e ativa aprendizagem.

Deve estar claro para o professor que o(a) jovem desenvolve a capacidade de aprender

quando aprende a pensar. Para isso ele(a) precisa ser estimulado(a) a compreender o ambiente

natural e social, o sistema político, o sentido da conquista tecnológica, das artes e dos valores em

que se fundamenta a sociedade, como resultado de um trabalho coletivo. É importante reiterar

que, nessa integração, não pode ser esquecida a formação continuada do professor, a elaboração

do Projeto Político Pedagógico, a escolha do livro didático e o tipo de avaliação desejada.

É relevante reforçar a abordagem do currículo como expressão de uma cultura provisória,

ou seja, em construção, como já indicado anteriormente. Esse é um pressuposto que, adotado,

permite oportunizar ao(a) aluno(a) a participação em uma prática importante da vida escolar.

Cabe aos(às) educadores(as) assumirem o papel de mediadores nesse processo, evitando centrar

todas as responsabilidades na pessoa do professor (diretores, especialistas etc.) e oferecendo

instrumentos e ambiente dialógico para que isso ocorra.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PROPOSITIVAS

“Aluno ideal não é só aquele que tira boas notas; é o que levatodo o conhecimento para a sua vida, porque é nele que seufuturo está baseado; hoje quem sabe mais vence. Assim, o alunoirá para a escola ganhar conhecimento para si próprio e um diaterá o seu sonho realizado. Ele respeitará seus colegas eprofessores, ajudará a todos sempre que precisarem dele, seguiráseus deveres com cautela; assim, poderá ter seus direitosvigorados, pois é respeitando que se é respeitado.“ (f, 18 anos)

A produção deste texto esteve alicerçada em estudos, discussões e levantamentos de

questões que inquietam os(as) jovens e a todos(as) nós. Desconstruímos alguns conceitos e

construímos outros, pensamos a necessidade de mudanças e repensamos a educação que temos

e a que queremos para os(as) jovens de Santa Catarina. O diagnóstico realizado nos permitiu

evidenciar possibilidades de reflexão e ação para uma transformação substancial nas práticas

educativas.

(Educação de Jovens)

Page 103: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 103

Como o(a) colega professor(a) pode constatar, o texto traz proposições para melhorias de

ações pedagógicas na nossa atuação como educadores(as), mostrando que a Escola precisa ter

clareza que a juventude é uma fase da vida que vem se prolongando e que uma nova condição

juvenil vem se construindo em meio às crises familiares, culturais e às advindas dos movimentos

sociais e políticos.

Apesar dos avanços obtidos com o empenho dos(as) educadores(as), a Escola ainda tem

dificuldades em administrar questões referentes à evasão escolar, a presença cada vez maior de

alunos(as) trabalhadores, a valorização do saber, enfim, todas as questões anteriormente abordadas

como condição imprescindível para uma futura qualificação mais ampla do(a) educando(a).

A reversão desse quadro é inquestionável e somente será possível quando reconquistarmos

a credibilidade e a força da Escola Pública, recuperando o espaço escolar como propício ao

desenvolvimento dos muitos saberes juvenis, local que permite o exercício da liberdade de

expressão.

Será que não somos capazes de revitalizar a importância da Escola para o(a) jovem como

um dos mais significativos espaços de produção de conhecimentos?

Uma fotografia das nossas escolas revela jovens com linguagens próprias, carregadas de

signos que nos intrigam pela sua criatividade, originalidade, teimosia e jeitos próprios de conhecer

o mundo, mas revela também jovens desinteressados(as), desmotivados(as) para os estudos,

com dificuldades de todas as naturezas e extremamente carentes de uma atenção dirigida aos

seus dilemas e angústias. Essa revelação demonstra o quanto precisamos repensar nossas

certezas sobre o modo como estamos formando nossos(as) jovens.

Nos depoimentos dos(as) alunos(as), observamos que eles têm preocupação quanto ao

seu papel dentro da Escola e sugerem a formação de um estudante preparado, participativo e

comprometendo, além da Escola, a sua família no sucesso das realizações das suas atividades.

Sempre é bom lembrar das suas narrativas:

“Um professor ideal é amigo, companheiro, pronto para nos ajudar em nossas dificuldades;

seria o professor que além de ser profissional estivesse sempre pronto para nos ajudar em

nossos problemas” (f/15 anos).

O professor deve ser:

“Capacitado, interage(ir) bem com os alunos, explica(r) e aceita(r) perguntas, diversifica(r)

bem as aulas, trabalha(r) de modos diferentes, está(ar) sempre bem atualizado, não

trabalha(r) com conceitos antigos.” (m/16 anos).

(Educação de Jovens)

Page 104: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

104 PROPOSTA CURRICULAR

Por outro lado, o(a) aluno(a):

“Deve ser um aluno que tenha gosto pelo estudo, que seja incentivado tanto pela família

quanto pela escola para atingir seus objetivos” (f/14 anos).

Em depoimentos a respeito da escola ideal, os(as) jovens salientaram a importância de

uma escola limpa, organizada e que oportunize a toda comunidade escolar o exercício da liberdade,

que pode acontecer a partir de diferentes formas alternativas de convívio sócio-educacional. Eles(as)

expressaram seus desejos, mas também suas responsabilidades, o que deve servir de referência

para humanizar nossas ações no cotidiano escolar e, acima de tudo, reelaborarmos as idéias e

estirparmos os equívocos que ainda persistem em nossa prática docente, para ultrapassarmos

conflitos geracionais e podermos, então, alunos(as) e educadores(as), desfrutarmos de mais

harmonia no ambiente escolar.

Apesar dos problemas de diferentes naturezas que enfrentamos, tanto educadores adultos

quanto alunos(as) jovens no ambiente da Escola Pública, é preciso enfatizar a necessidade de

nos capacitarmos para sermos intolerantes à brutalidade e revermos nossas práticas, para

equalizar as responsabilidades e a autoridade que é facultada à Escola. Precisamos fomentar, no

ambiente escolar, outras referências culturais, aquelas que formam pessoas delicadas no processo

educacional, para que elas sintam vergonha da brutalidade e da violência, por mais simples que

possam parecer os atos proferidos ou desferidos contra alguém ou ao patrimônio público.

(ADORNO, 2000).

Num outro aspecto é desnecessário repetir que os problemas enfrentados pela

sociedade afetam direta e indiretamente nossas vidas e a dos(as) nossos(as) jovens. Existe

uma extrema desigualdade social obrigando-nos a conviver com um contingente de alunos(as)

que abandonam a Escola para trabalhar ou engrossam a fila do desemprego, suscetíveis ao

fracasso e à desesperança. Acolhê-los(as) com ações concretas de intervenção junto aos órgãos

públicos para viabilizar a sua permanência na Escola, é um esforço fundamental que justifica o

próprio papel da Escola Pública. Considerar que cada aluno(a) é importante para a Escola e

que tem o direito a ser atendido nas suas necessidades educativas é um ponto de partida

central de respeito àqueles que têm sua origem nos grupos sociais economicamente excluídos.

Para isso, os educadores e as instituições escolares precisam estar preparados para receberem

e atenderem a diversidade de etnias, gêneros e classes sociais que compõem o universo juvenil.

Também os(as) jovens estudantes, portadores de necessidades especiais têm o direito

ao atendimento qualificado dos educadores, e o ambiente escolar deve voltar-se para o direito

ao acesso a todos os recursos físicos/pedagógicos da escola. Para isso, todos os espaços precisam

estar adaptados a esse grupo social.

(Educação de Jovens)

Page 105: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 105

Dessa forma, as preocupações docentes ampliam-se e exigem um redimensionamento

do ato educacional, uma vez que, nossos(as) jovens alunos(as) são oriundos das mais diferentes

realidades sociais, étnicas, culturais e ideológicas.

O material didático-pedagógico utilizado e disponível na unidade escolar também deve ser

dirigido aos tipos brasileiros de diversas origens, valorizando a pluralidade étnico-cultural do nosso

estado e o reconhecimento do papel desempenhado pela diversidade excluída socialmente na

construção histórica de Santa Catarina. É fundamental a realização de estudos e discussões que

promovam o desenvolvimento sadio dos(as) nossos(as) jovens alunos(as), combatendo, tanto

neles(as) quanto em nós, educadores(as), o preconceito, a discriminação racial, a xenofobia

e outras formas correlatas de discriminação.

De forma propositiva, indicamos, a seguir, algumas sugestões para nossa atuação.

• Perceber como os(as) nossos(as) jovens se relacionam, como temos lhes apresentado

a Escola, e como estamos satisfazendo suas buscas de conhecimento.

• Reconhecer a legitimidade dos valores, interesses e manifestações dos(as) jovens

alunos(as), ouvir os(as) alunos(as) compartilhando idéias e conhecimentos, é um bom

início. A juventude demanda independência e freqüentemente exige mudanças nos

relacionamentos familiares.

• Estar atentos para o fato de que os(as) jovens são capazes de autonomia, e precisam

de nosso crédito para adquirirem segurança e integridade de propósitos. É preciso

confiar nas suas iniciativas, nas suas falas e questionamentos manifestos no ambiente

escolar, estabelecer diálogos mais aproximativos, de forma a nos relacionarmos

harmoniosa e respeitosamente com seus interesses juvenis, contribuindo para torná-

los capazes de se desenvolverem a partir de seus próprios projetos.

• Propiciar um ambiente agradável, cuidado e facilitador da aproximação afetiva das

pessoas permitirá o envolvimento do(a) aluno(a) e favorecerá o seu compromisso com

o espaço escolar, fazendo com que dele se aproprie e sinta responsabilidade pela sua

a manutenção. Os “lugares” da escola, além de fazerem uma mediação na cultura

escolar adquirida pelos(as) jovens, quando origina e forma seus esquemas cognitivos

e motores, são como fontes de experiência e aprendizagem.

(Educação de Jovens)

Page 106: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

106 PROPOSTA CURRICULAR

É sempre bom lembrar o que pensam:

“Escola ideal é aquela em que todos nós gostaríamos de estudar. Deveria ser grande, estar

sempre limpa, arrumada, sem algazarras, bonita [...] com tecnologias avançadas e ter uma

ótima biblioteca, assistência médica, psicológica, dentista, fonoaudióloga [...] para um melhor

aprendizado.” (f/16 anos).

“A escola ideal deve ser formada por uma estrutura que seja capaz de dar ao aluno todo o

suporte. Tendo uma quadra poliesportiva, material esportivo, piscina para a prática de

esporte, biblioteca equipada com livros de literatura e pesquisa, sala de informática, para

que os alunos tenham como, cada vez mais, buscar conhecimentos; laboratório, auditório

para elaboração de palestras, teatros e aulas diversificadas, com salas com espaço amplo,

refeitório, secretaria, banheiro e uma área arborizada.“(m/17 anos).

• Contemplar no Projeto Político Pedagógico – PPP todas as questões inerentes ao

desenvolvimento e aprendizagem dos(as) alunos(as). É para os(as) alunos(as) que

reorganizamos o currículo e não para satisfazermos uma determinada rotina. Para

isso, ele deve conter uma concepção aberta e contemporânea das relações de ensino,

oportunizando as múltiplas expressões da comunidade escolar. As atividades devem

ser prazerosas, promovendo interações da Escola com a comunidade, com a família,

através de ações sócio-educativas, aproveitando-se pedagogicamente de todos os

espaços disponíveis.

• Também, o direito de participação e representatividade dos(as) alunos(as) deve estar

contemplado na formulação, reformulações e planejamento do PPP, de todas as ações

que lhes dizem respeito, assegurando-lhes voz e vez através de suas presenças em

reuniões pedagógicas, conselhos de classe, conselho deliberativo, colegiados,

Associação de Pais e Professores – APP e reuniões pedagógicas. Devemos superar a

visão que infantiliza o jovem ou o seu tratamento como uma ameaça indesejável,

ouvindo-os e permitindo que se manifestem. A co-responsabilidade corrobora para a

formação da mentalidade democrática.

• Estimular as ações de agremiações representativas, como o grêmio estudantil, vistos

como espaço do exercício político do aluno, que legitimam a expressão das suas idéias.

Ao retomarmos o papel dos grêmios estudantis, estamos devolvendo aos(às) jovens

alunos(as) as oportunidades de reações, reflexões, formação das suas concepções

(Educação de Jovens)

Page 107: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 107

de mundo, o que contribui sobremaneira para a afirmação da sua identidade,

pensamentos e ações. Esse é um caminho profícuo para entendermos a sociabilidade

juvenil, um ponto chave para as tão almejadas mudanças de opiniões e atitudes, rumo

a intervenções educativas que melhorem a condição social, a partir de uma educação

política humanizada.

• Considerar a cultura juvenil como uma expressão diferenciada da forma como a

geração jovem constrói a memória social. Aproximarmo-nos dos jovens é entender

e aceitar a suas linguagens respeitando: o seu modo de vestir, o uso do boné, de

toucas, o uso de correntes e adereços diversos, de tatuagens, de gírias, os códigos,

enfim, todos os aspectos que se constituem signos geracionais que caracterizam

as manifestações simbólicas da cultura juvenil. Tanta consideração, antes de ser

um exagero, pode minimizar os conflitos e permitir que eduquemos com maior prazer

e motivação.

• Motivar os alunos a partir do pressuposto básico de que a escola é um espaço de

aprendizagem. O professor deve provocar o interesse do(a) aluno(a), trazendo,

para o seu cotidiano, a problematização e a prática da experiência contemporânea.

Cada educador(a) tem como encontrar a sua forma. São muitas as possibilidades

de formas de expressão, leituras, vídeos, músicas que podem ser utilizadas como

trabalho com cartuns, charges, histórias em quadrinhos, periódicos especializados

para a faixa etária, o ritmo musical e a poesia do hip-hop, etc. Enfim, é possível

ampliarmos nossas possibilidades pedagógicas, pois assim se apresentam os

interesses juvenis, explorando as múltiplas buscas e descobertas. Extrapolar o livro

didático entendendo-o como uma fonte de ensino e não como única e isolada. Ë

preciso ir além dos conteúdos pré-determinados.

• Explorar o uso de toda a estrutura física, tecnológica, pedagógica e humana da escola

privilegiando horários diferenciados de convívio. Deve-se apoiar encontros nas suas

dependências, aos finais de semana, trazendo de forma integrada e participativa as

famílias dos(as) jovens/alunos, moradores dos bairros circunvizinhos, a fim de formar

vínculos de interesses para discussões e socialização dos saberes. Aos(Às) jovens/

alunos(as) e comunidade escolar, deve-se assegurar o direito de utilização das

dependências da escola nos finais de semana, das quadras esportivas como mais uma

oportunidade de convívio e de fortalecimento da sua cultura de lazer e da qualidade de

(Educação de Jovens)

Page 108: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

108 PROPOSTA CURRICULAR

vida. A biblioteca é um espaço fundamental no contexto da busca de amplia dos espaços

de aquisição do saber sistematizado.

• Organizar o ambiente escolar de tal forma que o aluno co-participe e se comprometa

envolvendo-se como sujeito importante no desenvolvimento das ações escolares. A

realidade da Escola Pública em Santa Catarina mostra jovens não integrados totalmente,

sentindo-se deslocados(as) e pouco responsáveis pelo espaço escolar.

• Viabilizar projetos de comunicação como exemplo a “Rádio na Escola”; o “Jornal na

Escola” e outras iniciativas que surjam das próprias sugestões dos alunos. Diante de

tantas transformações no mundo atual, o educador não pode ficar apático às novas

formas de interação com os fatos da realidade que facilitam a compreensão critica

dos acontecimentos. Quando a Escola propicia metodologias diversificadas através

das múltiplas tecnologias, com certeza estará oportunizando uma re-significação da

educação, na direção de mudanças e entendimento intergeracional.

Existem iniciativas e atitudes necessárias que promovem um efetivo desenvolvimento das

nossas ações pedagógicas. Quando estabelecemos o diálogo com nossos(as) alunos(as) tudo

fica mais fácil; então é preciso que isso se torne uma constante em nossa rotina educacional. O

diálogo aproxima, cria, compreende e leva à ação conjunta. Ao fazermos, no início do ano, as

apresentações costumeiras: de quem somos, de onde viemos e o que queremos, por exemplo,

temos que aproveitar esses momentos para estabelecer uma sintonia de interesses e necessidades.

Como observamos no levantamento realizado junto aos(às) jovens alunos(às) de nosso

Estado, o(a) professor(a) ideal é aquele(a) capacitado(a) para facilitar da formação da experiência,

da sensibilidade. É aquele(a), comprometido(a) com a formação das novas gerações, que age

com paciência, ouve e caminha junto a seus(suas) alunos(as), sendo um(a) eterno(a)

pesquisador(a) e leitor(a) assíduo(a), colaborando assim para o seu crescimento pessoal e de

seus(suas) educandos(as).

A intenção desse documento acena para o entendimento de que o(a) jovem pode e deve

ser formado como um(a) agente de transformação social, que vive como qualquer ser humano os

dilemas existenciais, filosóficos, sociais, políticos e culturais de uma época, acumulando o peso

da transição entre a infância e a vida adulta. Respeitá-lo(a) é reconhecer sua capacidade cada

vez mais precoce de agir, participar e interferir com autonomia no espaço público.

(Educação de Jovens)

Page 109: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 109

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAMO, Helena. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. SPOSITO,M. e PERALVA, A.( Orgs). ANPED- Revista da Assoc. Nacional de Pós-Graduação e Pesquisaem Educação. Maio-Dez, nos. 5 e 6, 1997, p. 25-37.ACSELRAD, Gilberta. A educação para a autonomia: a construção de um discurso democráticosobre o uso de drogas. In: ______. Avessos do Prazer- drogas, aids e direitos humanos. Riode Janeiro: Edit. FioCruz, 2000, p.161-188.ADORNO, Theodor W. A educação contra a barbárie. In: ______. Educação e emancipação.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.ADORNO, Sergio. Adolescentes, crime e Violência. In: ABRAMO, H. et alii ( orgs. ). Juventudeem debate. São Paulo, Ação Educativa/Córtex, 2000, p.97–110.ESCOLANO, A. Arquitetura como programa. Espaço- escola e currículo. In: FRAGO A. eESCOLANO. Currículo, espaço e subjetividade - a arquitetura como programa. Rio de Janeiro:DP&A, 1998, pp. 19-47.FRIGOTTO, Gaudêncio. Juventude, trabalho e educação no Brasil. In: NOVAES, Regina &VANNUCHI, Paulo. Juventude e sociedade trabalho, educação, cultura e participação. SãoPaulo: Instituto Cidadania/ Perseu Abramo, 2003, p. 180 – 206.______. Juventude, trabalho e educação no Brasil: perplexidades, desafios e perspectivas. In:NOVAES, R; VANNUCHI, P. Juventude e sociedade, trabalho, educação, cultura e participação.São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.GRAMSCI, Antonio. Grandes pensadores. p. 37. In: Revista Escola. Julho, 2004.GROPPO, Luiz Antonio. Juventude – ensaios sobre a sociologia e história das juventudesmodernas. Rio de Janeiro: DIFEL, 2000, p. 57-78.LASSANCE,Antonio. Brasil: jovens de norte a sul. In: ABRAMO, Helena Wendel & BRANCO,Pedro Paulo Maroni. Retratos da juventude brasileira – análise de uma perspectiva nacional.São Paulo. Instituto Cidadania/ Ed. Fundação Abramo, 2005, p. 73 - 86.LEVI, Giovanni e Schmitt, J. Claude. História dos Jovens I e II. São Paulo: Cia das Letras, 1996.LOURO, Guacira Lopes. O currículo e as diferenças sexuais e de genêro. In: COSTA, Marisa V.(org). O currículo nos limiares do contemporâneo. R. Janeiro: DP&A, 1999.MARGULIS, Mario. La juventud es más que una palabra: ensayos sobre cultura y juventud.Buenos Aires: Biblos. 1996.______. Ensaio sobre cultura y Juventud. Buenos Aires: Editorial Biblos, 2000, p.13-31.MONTELLATO, Andréa Rodrigues Dias. Historia Temática: o mundo dos cidadãos. 8ª série/Montellato Cabrini, Catelli- SP: Scipine, 2000- ( coleção história temática).MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa. A escola: a realidade social e o desafio da construção dofuturo. I Congresso Brasileiro de Tecnologia e Educação. Pernambuco. 26/ago. de 1999.MONTEIRO, Simone e REBELLO, Sandra. Prevenção do HIV / AIDS e do uso indevido de drogas:desenvolvimento e avaliação de jogos educativos. In: ACSELRAD, Gilberta (org). Avessos doPrazer- drogas, aids e direitos humanos. Rio de Janeiro: Edit. Fio Cruz, 2000, pp. 215-232.NOVAES Regina. juventude percepções e comportamentos: a religião faz diferença? In: Retratosda Juventude brasileira- análise de uma pesquisa nacional. ABRAMO H & Branco, Pedro(org. São Paulo/ Porto Alegre: FUNDAÇÃO Perseu Abramo/ Institutto Cidadania, 2005.QUAPPER, Klaudio D. Juventud o Juventues? Acerca de como mirar y remirar a la juventudes denuestro continente. In: BURAK, Solum. Adolescência y Juventud em América Latina. CostaRica: Libro Universitário Regional, 2001, pp.57-76.SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta Curricular deSanta Catarina: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio. Florianópolis: COGEN, 1998.______. Secretaria de Estado da Educação, Ciência e Tecnologia/DIRP/Censo Escolar 2004.SCHALL, Virgínia. A prevenção de DST / AIDS e do uso indevido de drogas a partir da pré-adolescência: uma abordagem lúdico-afetiva. In: ACSELRAD, Gilberta (org). Avessos do Prazer-drogas, aids e direitos humanos. Rio de Janeiro: Edit. FioCruz, 2000, p.189-214.

(Educação de Jovens)

Page 110: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

110 PROPOSTA CURRICULAR

SOUSA, Janice Tirelli Ponte. Reinvenções da Utopia: a militância política de jovens nos anos 90.São Paulo: Hacker/ Fapesp, 1999.SOUSA, Janice Tirelli Ponte & DURAND, Olga C. Experiências educativas juvenis: entre a escolae os grupos culturais. Núcleo de Estudos da Infância e Juventude. In: Perspectivas: Revista doCentro de Ciências da Educação. Periódicos, v. 20, p. 163, jul./dez., 2002.

GRUPO DE TRABALHO:

AIDIMARA SAN VITO - GEECT - MaravilhaALBINO ALOÍSIO WOLFART - GEECT - São Miguel do OesteCIDENES RÁTICO - GEECT - JoaçabaDANIELLE DE BRIDA AMARAL - GEECT - São JoaquimDENISE BRANDÃO - GEECT - Campos NovosJANICE RODRIGUES PIMENTEL - GEECT - São Lourenço do OesteJUÇARA HEUKO - GEECT - MafraLAÉRCIO VITORINO DE JESUS DE OLIVEIRA - GEECT - LagunaLIA FAUSTA BONILLA COLOMÉ - GEECT - VideiraMARIZANA BELLINATTI DE ALMEIDA - GEECT - CriciúmaMARIA ELIZABETE ESPÍNDOLA - GEECT - ConcódiaMIRIAM TERESINHA SORATTO - GEECT - CriciúmaROSE-MERI BEZA - SED/DIEBSANDRA REGINA VIEIRA - GEECT - TubarãoTHAIANA RAMOS - GEECT - Curitibanos

COORDENADORA:JANETE DA SILVA ALANO - SED/DIEB

CONSULTORA:Prof.a Dr.a JANICE TIRELLI PONTE DE SOUSA - UFSC

(Educação de Jovens)

Page 111: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 111

EDUCAÇÃO DE TRABALHADORES

INTRODUÇAO

Ao sermos desafiados a explicitar, dentro do projeto educativo da SED, sobre qual proposta

contempla o segmento dos educandos que são obrigados a assumir outros afazeres para além do

“ofício de aluno”, nos defrontamos com a necessidade de refletir sobre as possibilidades e obstáculos

que se colocam para este segmento da população.

Primeiramente constata-se que, de maneira geral, os obstáculos superam em muito as

possibilidades, pois os “outros afazeres” englobam atividades que subtraem dos educandos o

tempo de dedicação à escola e, não raro, subtraem, também, o tempo de “ser criança”. É verdade

que outros afazeres podem, em determinadas circunstâncias, representar uma articulação positiva

com o processo de inserção na sociedade e contribuir decisivamente com o processo educativo,

mas, infelizmente, essa não tem sido a situação geral para um contingente considerável da

população brasileira. Pode-se dizer que em um sem-número de casos ocorrem danos, ou seja,

quase toda a energia disponível é consumida em outras atividades esvaziando o espaço e a

possibilidade do trabalho educativo na escola.

Sem dúvida, a inclusão escolar representa importante pré-requisito para a inclusão cultural,

social e econômica, mesmo reconhecendo a existência de vários procedimentos pedagógicos

equivocados, e a não rara postura autoritária adotada muitas vezes em nome da “socialização do

conhecimento”. Também é certo que quem tem tido historicamente negado o direito ético de

acesso ao saber sistematizado é o segmento que engloba a população economicamente menos

aquinhoada. Os mecanismos de exclusão (sejam por dificuldades de acesso, sejam por trajetórias

escolares acidentadas) tornam-se mais contundentes em seus danos quando se trata da relação

com o saber sistematizado, que, conforme sabemos, exige uma mediação que favoreça não

apenas a apropriação do conteúdo, mas também exercite o manejo dos instrumentos teórico-

metodológicos que possibilitem uma apreciação crítica do conhecimento produzido e a possibilidade

criativa de produzir conhecimentos novos.

(Educação de Trabalhadores)

Page 112: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

112 PROPOSTA CURRICULAR

Apesar dos avanços na setor educação, ainda é possível constatar que, mesmo em cenários

educacionais como o de Santa Catarina, ainda se encontram situações precárias, não muito

diferentes das existentes em outras regiões do país e mesmo do mundo, nas quais milhares de

trabalhadores necessitam concluir a Educação Básica e/ou ter acesso à Educação Permanente

como forma de garantir sua inserção social com qualidade. Um exemplo dessas situações e da

dimensão da luta a ser travada é a existência de mais de 240.000 catarinenses que, segundo

dados do IBGE (2000), viviam na condição de analfabetos.

Índices tão perversos é que têm motivado educadores compromissados com a justiça

social a se engajarem na luta pela superação de tais situações inaceitáveis. Nesse sentido, é

prioritariamente com o segmento da população que enfrenta dificuldades, adultos e crianças

trabalhadores muitas vezes submetidos a duplas, triplas ou mais jornadas de esforço físico e

mental, que o grupo “Educação de Trabalhadores” assume o compromisso de lutar por diretrizes

que venham a incluí-los no mundo letrado.

O respaldo para assumir tal compromisso encontra-se na própria Proposta Curricular (Santa

Catarina 1991, 1996 e 1998) que, ao tomar como política pública a universalização do conhecimento

historicamente produzido, reconhece o direito de inclusão de todos os catarinenses nos processos

de escolarização, independentemente de idade, condição social ou qualquer outro fator que

porventura venha a determinar processos de exclusão.

Embora compreendamos que a educação, por si só, não garanta a inclusão social,

reafirmamos seu importante papel como instrumento imprescindível na luta pela redução das

desigualdades sociais e conquista da cidadania plena. É também com esse propósito que

procuramos orientar o presente documento. Para tanto, o organizamos em três partes: 1. uma

primeira parte, na qual se busca explicitar a situação de exclusão, tanto do ponto de vista

histórico social como político e econômico; 2. em seguida se discutem as propostas de solução

já existentes e procura-se colocar os diferentes compromissos assumidos com os segmentos

que sofrem aquilo que chamamos de “agravo de exclusão”; 3. uma terceira parte, na qual se

analisam limites e dificuldades enfrentados para realizar o desejo de inclusão, bem como

busca-se indicar novas propostas e possíveis soluções, tanto no nível organizacional-político

como no educacional-pedagógico.

(Educação de Trabalhadores)

Page 113: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 113

1 INCLUSÃO E EXCLUSÃO: UMA REFERÊNCIA PARA PROBLEMATIZAR

A EDUCAÇÃO DOS TRABALHADORES EM NOSSO PAÍS

“Ninguém está completamente incluído ouexcluído. Vivemos momentos de in/exclusão, dependendo das relações e dasposições que ocupamos na rede social”.(LOPES, 2003, p. 1)

Diferentemente dos outros seres vivos que para sobreviverem se adaptam à natureza, os

seres humanos adaptam a natureza às suas necessidade. A pressão sempre presente pela

necessidade de suprir a própria existência tornou crescente o processo de divisão do trabalho na

história dos grupos humanos. Esse fenômeno pode ser apontado como a gênese dos mecanismos

de especialização: certas pessoas se especializam em realizar determinadas tarefas e outras

não. Essa divisão das tarefas sociais foi se complexificando ao longo da história de cada povo, de

tal forma que a partir de determinado momento o conjunto de conhecimentos não mais é disponível

comunitariamente; torna-se privilégio dos iniciados. Isto significa que o conhecimento, produzido

que é, na prática social, acaba apropriado por um grupo, cerceando a circulação plena de certos

bens, tanto materiais como culturais.

Mesmo em algumas sociedades primitivas, quando o trabalho que produz bens equando o poder que reproduz a ordem são divididos e começam a gerar hierarquiassociais, também o saber comum da tribo se divide, começa a se distribuirdesigualmente e pode passar a servir ao uso político de reforçar a diferença, nolugar de um saber anterior, que afirmava a comunidade (BRANDÃO, 1981, p. 27).

Como resultado de toda ação humana, a cultura é patrimônio coletivo que se recria na

interlocução com a história de cada um de nós. O objetivo de socialização desse patrimônio inscreve-

se dentre as mais nobres de todas as pretensões humanizadoras do Projeto Cultural da

Modernidade, instalado a partir da revolução copernicana11 no Séc. XVI. O que temos visto, no

transcorrer da história da Modernidade, contudo, é que nem o humanismo moderno, nem o

capitalismo que vem colonizá-lo a partir do Séc. XVIII conseguiram consolidar o objetivo tão esperado

da inclusão de todos nos benefícios do progresso preconizado pela “nova visão de mundo”.

(Educação de Trabalhadores)

11 Refere-se a Nicolau Copérnico, cujo caráter revolucionário constituiu-se por estabelecer que, contrariamenteà crença medieval de que o sol girava ao redor da Terra (geocentrismo), era a Terra que girava ao redor do sol(heliocentrismo), fato que reforçava a onda de mudanças que agitava o foco do pensamento ocidental.

Page 114: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

114 PROPOSTA CURRICULAR

Essa “nova visão de mundo” estabelece uma maneira sui generis de se produzirem saberes.

A nova ordem considera somente determinadas experiências passadas, uma vez que não

reconhece a Idade Média como desenvolvimento e consolidação de um espaço temporal; apenas

a denomina de “idade das trevas”. Inaugura-se um tempo de valorização do homem, da renovação

cultural e das gerações futuras. Sendo assim, essa nova ordem visa a estabelecer critérios

prospectivos universais e homogêneos em um contexto repleto de civilizações12. Convicta da

supremacia de suas idéias, a “nova ordem” pretende submeter tudo e todos às orientações de

seus princípios, tanto na vida individual e privada como na vida coletiva. A homogeneização é

também cultural, construída pelo estado como condição de existência original. O Estado vai

mobilizar a educação nacional visando a uma unidade lingüística e de valores culturais, muitas

vezes desconsiderando a pluralidade existente mesmo no interior de um território demarcado.

O avanço do Projeto da Modernidade não superou essa situação como demonstra

cabalmente a atual dicotomia entre economias centrais e periféricas, entre “norte e sul”, entre

industrializados e não industrializados, boas ilustrações do fenômeno da exclusão em nível

planetário.

O capitalismo (...) expandiu-se por toda a superfície do globo e produziu um mundointerligado, dividido em áreas centrais ou desenvolvidas e áreas periféricas ousubdesenvolvidas. (...) Os tipos de sociedade que existiam nos atuais paísessubdesenvolvidos (...) acabaram destruídos ou submetidos a um novo modelosocial, colonial, (...) voltado para o objetivo básico da colonização de exploração(VESENTINI, 2003, p. 44).

É importante perceber que a mesma prática que gera os mecanismos de exclusão gera

também o discurso da inclusão, mas uma inclusão pautada na prática de homogeneizar saberes

e comportamentos, a fim de garantir que determinados saberes sejam explicitados em um dado

momento e por força de pressões sociais, e outros sejam vedados através de mecanismos de

controle que determinam metas, estipulam regras, definem meios, criam propostas e programas,

sugerem metodologias, distribuem materiais e definem resultados desejados, forçando um processo

denominado de “globalização”, que na verdade representa a imposição de um ponto de vista

sobre a multiplicidade de pontos de vista diferentes, ou seja:

(Educação de Trabalhadores)

12 Huntington afirma que, apesar de os europeus tentarem durante o século XIX buscarem critérios segundo osquais as sociedades não européias poderiam ser julgadas suficiente “civilizadas” muitas pessoas falavam emcivilizações no plural como forma de renunciar à civilização definida como ideal e reconhecer que existemmuitas civilizações. A esse respeito consultar ELIAS (1994) - ELIAS, Norber. O processo civilizador - umahistória dos costumes. vol. 1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.

Page 115: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 115

A administração da subjetividade tem se tornado uma tarefa central na organizaçãomoderna (...). Muitos ingredientes entram claramente na administração da vidaorganizacional (...) Chefes, comandantes militares, educadores, etc., são agoraobrigados a cuidar da subjetividade do empregado do soldado ou do aluno, aotentar alcançar seus objetivos. (ROSE, 1999, p. 32).

Essa administração visa ao controle da subjetividade e determina uma gênese social da

subjetividade que não mais pertence ao sujeito, mas ao contexto pelo grau de interferência que o

mesmo exerce sobre o sujeito. Embora vivendo a contradição “sujeito” versus “sujeitado”, de

forma ativa, tais mecanismos buscam administrar sutilezas, permitem e prevêem tomadas de

posição, porém, procurando enfrentar um grau mínimo de risco. Além disso, a ordem do poder

que outrora se fazia de forma vertical, toma ultimamente feições de horizontalidade, o que confere

aos envolvidos nos processos de subjetivação um certo “grau de poder” exercido enquanto

praticantes participantes e “sujeitados” a tais mecanismos.

Nessa seara encontramos a Escola organizada (freqüência obrigatória, seriação, avaliação

e certificação) também para regular e uniformizar (criar uma única forma possível e plausível) os

saberes normatizados e normalizados, ou seja, tornados válidos e tomados como normas. Incorre-

se, dessa forma, no campo educacional, em uma organização do espaço e tempo como mecanismo

de controle. Esse controle coloniza os envolvidos no processo de ensino aprendizagem de tal

sorte que determina e autoriza, além dos conhecimentos a serem trazidos para a sala de aula,

aqueles que o proferem e aqueles que o ouvem. Aqui reside a perspectiva de competência

(FOCAULT, 1987). Tal adjetivação é conferida àquele (professor) que “transmite” a ordem social

burocrática e hierarquicamente como “verdade”. E quanto mais os alunos se aproximarem dessas

“verdades”, mais “competente” o discurso do professor. Aos “competentes” está reservada a

condição de dirigentes, e aos “incompetentes” a condição de dirigidos.

Institucionalizada no modo de produção capitalista como o aparato social responsável pela

equalização cultural e econômica, a Escola Moderna vive na penúria e no desespero diante do

desafio de ter que cumprir tão ousados propósitos. Propósitos centrados em garantir aquilo que

se tem chamado, desde a década de 1970, de “qualidade total”, propósitos iniciados no Japão

com o modelo produtivo (toyotismo)13. A Escola descobriu, tarde demais, que caiu num engodo e

vive hoje o estranho paradoxo de se ver centro das atenções, por um lado, e vítima da insuficiência

de recursos, por outro. Mister se faz entender as conseqüências da concepção de “qualidade

(Educação de Trabalhadores)

13 O modelo de produção toyotista é uma inovação do modelo fordista/taylorista. Enquanto o segundo organizavaa produção em termos de tempo e espaço, isto é, colocar o homem certo no local certo para maximizar aprodução, o primeiro concebe o operário como operário-gerente-executor que fiscaliza sua produçãoe a dos demais, com responsabi l idade direta pela quantidade/qualidade produzida. Enquanto osegundo modelo de produção requer sujeitos passivos e disciplinados; o primeiro exige não tão passivos.Participação, solidariedade, criatividade e inventividade são as atuais exigências. Todas voltadas, contudo,para o benefício da empresa.

Page 116: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

116 PROPOSTA CURRICULAR

total” para a Escola, bem como, por outro lado, desvelar o que o mundo do trabalho espera da

Escola a partir do conceito de qualidade total.

É preciso não esquecer que o fato de estarmos imersos em um mundo de produção

determinado pelo modelo capitalista caracteriza uma grande concentração de renda, que se constitui

em um dos principais fatores de desigualdade e de violência. Com o implemento da hegemonia de

uma economia de mercado ampliou-se a concentração da riqueza material e do conhecimento

sistematizado nas mãos de uns poucos privilegiados. Ou seja, ampliou-se o fosso entre uma

maioria da população expropriada de recursos e uma minoria que privatiza os bens tanto materiais

como culturais. A esse mecanismo fortemente presente na contemporaneidade podemos chamar:

“agravo de exclusão”. Na existência de situações como a do Brasil, em que 50% da renda ficam

nas mãos de 10% da população, e que 20% da população mais pobre detém apenas 2,1% dessa

renda (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, 1994), implementa-se

relações entre bases profundamente desiguais.

No sistema político chamado neoliberal, isso se traduz como um Estado máximo, em termos

de máquina governamental e cobrança de deveres, e mínimo na produção e garantia de direitos.

A ideologia neoliberal, embora com outras características, retoma o liberalismo clássico de Adam

Smith que tem em sua base os princípios de que: o aumento da divisão do trabalho aumenta a

produtividade, o tamanho do mercado aumenta com a liberdade de comércio e o mercado livre

aumenta a produtividade. Nesse sentido, o próprio capitalismo cria mecanismos de controle cada

vez mais coercitivos e excludentes, na sua essência, porém com uma aparência camuflada, pois

muitas vezes a lei existe no âmbito jurídico, entretanto, na efetivação, na sua prática, as

possibilidades de concretização são mínimas, uma vez que pressões pouco éticas dos grupos

dominantes são exercidas sobre os reclamantes. “Em suma, os governos neoliberais deixaram (e

estão deixando) nossos países muito mais pobres, mais excludentes, mais desiguais. Incrementaram

(e estão incrementando) a discriminação social, racial e sexual, reproduzindo os privilégios das

minorias.” (GENTILI, 1999 p. 41).

A direção das considerações sobre as relações entre Escola e Sociedade que construímos

nos parágrafos anteriores nos leva a uma posição muito próxima das concepções reprodutivistas

elaboradas, por exemplo, por Bourdieu & Passeron por volta de 1970. Apesar da importância

existente na localização desse diagnóstico, é necessário, contudo, ampliar a análise de forma a

incluir nesse debate o poder transformador também potencialmente presente nas instituições

educativas.

(Educação de Trabalhadores)

Page 117: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 117

2 O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO FRENTE AOS

TRABALHADORES

Encontramos na organização e nos métodos da Escola Moderna a cristalização de

modelos distanciados do cotidiano da maioria da população. Aparentemente a educação não se

constitui em um desejo para a política neoliberal. Entretanto, isso é mera aparência, pois o

conhecimento é um dos insumos mais importantes para o capitalismo moderno. Ocorre que a

característica e a ênfase que interessa distribuir nesse sistema centra-se no tecnicismo ou no

desenvolvimento técnico, interessando-se muito pouco por outros aspectos do desenvolvimento

crítico e humano de uma considerável parcela da população. Sendo assim, “o discurso sobre a

qualidade se restringe a certos significados mais estritamente eficientistas e argumentos

técnicos.” (SACRISTÁN, 1999, p. 64).

Com base no que Bruno (2002) oferece como contribuição sobre a idéia de qualidade

presente no modelo atual de Escola, pode-se inferir que os trabalhadores/educandos são, por um

lado, jovens e adultos (economicamente ativos ou não) que não tiveram acesso à educação formal

ou se tiveram, foram vitimizados e “sufocados por um discurso de disciplinamento que passa

pelos corpos, pelas formas de manifestação da inteligência (...) e pelos modos de agir.” (BELTRÃO,

2000, p.15).

Por outro lado, temos ainda, como trabalhadores/educandos, os filhos daqueles que outrora

percorreram e/ou percorrem o processo de exclusão social, política, econômica e educacional.

Não se trata de fazer apologia ao: filho de evadido escolar, evadido será, mas de identificar quem

é o trabalhador /educando real que freqüenta a escola real14. Diante dessa possível delimitação

dos sujeitos envolvidos no processo de educação entendidos como trabalhadores, podemos

observar que a concepção que o capitalismo tem, mesmo que veladamente, sobre trabalhador,

reduz-se à idéia de mercado antepondo àquele que de um lado vende e de outro que compra a

mão de obra, esta reduzida à execução de determinada atividade em um espaço denominado

empresa.

(Educação de Trabalhadores)

14 Escola Real - entendida como espaço físico, situada em um dado contexto histórico-cultural, permeado porconflitos de saber-poder e por mecanismos burocráticos, formais, sistêmicos e organizacionais, imersos assituações problema oferecidos pelo mundo e pelo momento (pós) moderno. Diferente da escola ideal (dasidéias), aquela pensada e sugerida nos manuais e preceitos que mascaram e vendem uma educação apenasmetafísica.

Page 118: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

118 PROPOSTA CURRICULAR

Por isso, a Escola assume o status de qualificadora da mão de obra para o mundo do

trabalho. Ou seja, assume como sua função primeira àquela que visa à inclusão aos postos de

trabalho. Junto com essa função aparecem certos discursos seguidos de práticas:

No plano sócio-econômico, o ajustamento de nossas sociedades à globalizaçãoexcludente; no plano cultural, ideológico e ético-político a naturalização da exclusãoou a exclusão ‘sem culpa’ e a idéia de que não há alternativa possível que não sejaa refuncionalização do capitalismo; no âmbito teórico, a crise da razão e emergênciado pós-modernismo; e, finalmente, no plano pedagógico, a reiteração do dualismoe fragmentação, uma qualidade para poucos, e a metamorfose do direito à educaçãoem mercadoria ou serviço que se compra (FRIGOTTO, 1999, p. 78).

Paralelamente ao discurso e às práticas vigentes, encontramos nesse movimento de

exclusão elementos combinados que emblematicamente apresentam quadros de comparação

globais. Esses quadros, por sua vez, demonstram a capacidade daqueles indivíduos que, seguindo

a lógica do darwinismo social, provêm de castas mais nobres, e por isso vencedores. Contrastando

com esse quadro de supremacia social encontram-se também aqueles que, por pura “competência”

e abnegação, “venceram na vida”. A utilização destes quadros comparativos assume uma dupla

função: ora servem para estimular e acirrar competição mercadológica e mercantilista, ora para

infundir o conformismo.

Na maioria das vezes, as questões são muito graves e colocam em primeiro plano o fracasso

na Escola que empurra não só os adultos, como também os mais jovens para o mercado de

trabalho precocemente, em busca da sobrevivência própria e na maioria das vezes da família.

“Como nos mostram alguns estudos, a escola para a classe trabalhadora sempre foi outra – uma

escola para a disciplina do trabalho precoce e precário.” (FRIGOTTO, 2004, p. 195)

Por isso, muitos destes trabalhadores que precocemente se integraram ao mercado de

trabalho são atendidos hoje, por políticas compensatórias de educação, com vistas a minimizar a

exclusão educativa, assumidas pelo estado, mas gestadas no seio do capitalismo e pelo próprio

capitalismo. Ao invés de assumir a função de mediador das necessidades sociais, o Estado atende

a exigências meramente mercadológicas. Mas é na amplitude política, ética, social e econômica

que consciência e base material entrecruzam-se, ou não, e podem, ou não, determinar o fracasso

escolar. O modelo de escola vigente se articula a partir de nosso modelo de sociedade hegemônica,

podemos dizer que esse modelo de escola foi criado para atender à demanda de uma determinada

classe, a saber, da classe dominante. Por isso, pensamentos como de Desttut de Tracy (1917), do

início do século XX, ainda encontram eco na contemporaneidade. Tal pensamento preconiza que:

(Educação de Trabalhadores)

Page 119: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 119

Os homens de classe operária têm desde de cedo necessidade do trabalho de seusfilhos. Estas crianças precisam adquirir desde cedo o conhecimento e, sobretudo,o hábito e a tradição do trabalho penoso a que se destinam. Não podem, portanto,perder tempo na escola. (...) Os filhos de classe erudita, ao contrário, podem dedicar-se a estudarem por muito tempo; têm muita coisa a apreender para alcançar o quese espera deles no futuro. (FRIGOTTO, 1999b, p. 195).

Considerava-se um desperdício preocupar-se com a educação formal daqueles cuja função

era o trabalho braçal. Não se entendia porque escolarizar uma dona de casa, cuja função era

desenvolver atividades domésticas. Evidenciava-se como absurdo gastar tempo e recursos

financeiros para alfabetizar o agricultor dedicado aos afazeres da lavoura, cujo instrumento principal

de trabalho era a força física e não a mente. Por que assegurar educação básica a um operário de

fábrica, cuja competência resumia-se em ser bom apertador de parafusos? Era a habilidade manual

que fazia a diferença.

O projeto de dar educação às classes pobres trabalhadoras seria de fato prejudicialà sua moral e felicidade; iria ensinar-lhes a desprezar sua sorte nesta vida, em vezde tornar os seus membros bons servos na agricultura e em outros laboriososempregos que lhes são destinados na sociedade; em vez de lhes ensinar asubordinação, torná-los-ia faccioso e refratário, iria permitir-lhes ler panfletossediciosos, livros viciosos e publicações contra o cristianismo; torná-los-ia insolentepara com os superiores (MELO, 1980 apud IRELAND, TIMOTHY, 2004a p.56, in:

PAIVA , 2002).

A educação formal do trabalhador, na visão de uma parcela hegemônica da sociedade

tradicional, era vista não só como algo desnecessário, mas também perigoso, porque permitia ao

trabalhador perceber os mecanismo de extração de mais valia, conduzindo-o para o caminho da

insubordinação e da revolta, pondo em risco a ordem da sociedade constituída. Este discurso

ainda encontra ressonância na atualidade, onde o analfabetismo entre trabalhadores perdura

como desafio a ser superado. Em agosto de 1991, (portanto, muito recente), ao assumir o Ministério

da Educação, o professor José Goldemberg revelou isto ao afirmar:

(...) o grande problema de um país é o analfabetismo das crianças e não o deadultos. O adulto analfabeto já encontrou o seu lugar na sociedade. Pode não serum bom lugar, mas é o seu lugar. Vai ser pedreiro, vigia de prédio, lixeiro ou seguiroutras profissões que não exigem alfabetização. Alfabetizar o adulto não vai mudarmuito sua posição dentro da sociedade e pode até perturbar. Vamos concentrarnossos recursos em alfabetizar a população jovem. Fazendo isso agora, em dezanos desaparece o analfabetismo (GOLDEMBERG, 1991, apud IRELAND, TIMOTHY,2004b p.57, in: PAIVA , 2002.).

(Educação de Trabalhadores)

Page 120: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

120 PROPOSTA CURRICULAR

Às vezes tem-se atribuído, equivocadamente, às famílias de trabalhadores, a culpa por não

matricularem seus filhos na escola e aos alunos provenientes das classes populares a

responsabilidade pelo fracasso escolar (evasão e repetência). São comuns as explicações

simplistas, inclusive no meio educacional, para tais situações: “os pobres não gostam de estudar”;

“não têm motivação”; “têm menor capacidade intelectual em decorrência de fatores como

desnutrição e a carência do meio social onde vivem”; “são preguiçosos”; “não nasceram para o

estudo”; “seus pais são alienados”. Subjacente a esse tipo de análise preconceituosa contra a

classe trabalhadora, existe todo um discurso da classe dominante que se utiliza destes artifícios

para justificar sua omissão quanto aos direitos dos trabalhadores, e mais especificamente o direito

à educação. No atual contexto, em que, segundo projeções dos Organismos internacionais de

pesquisa, ainda existem no mundo cerca de 860 milhões (MEC, 2004) de pessoas maiores de 15

anos não alfabetizadas, esses números se ampliam quando se incluem os cidadãos com baixa

escolaridade. Atribuir aos trabalhadores a responsabilidade pela sua exclusão dos processos de

educação formal é desconhecer a realidade que se construiu em uma longa história centrada na

lógica da concentração e da exclusão.

Com o crescimento do processo de industrialização e da mecanização da lavoura, a

necessidade de apropriação do conhecimento sistematizado pela humanidade assumiu tamanha

proporção que os sujeitos pouco escolarizados passam, em grande maioria, a viver à margem de

vários processos sociais, tanto em nível decisório como operacional. Isto não significa, no entanto,

que um elevado nível de escolaridade assegure a inclusão social, mas representa importante

diferencial para a conquista de empregos e de outros direitos.

A complexidade do mundo contemporâneo exige um aprender contínuo por toda avida, ante os avanços do conhecimento e a permanente criação de códigos,linguagens, símbolos e de sua recriação diária. Exige não só o domínio do códigoda leitura e da escrita, mas exige também competência como leitor e escritor deseu próprio texto, de sua história, de sua passagem pelo mundo. Ao mesmo tempo,exige reinventar os modos de sobreviver, transformando o mundo, quando tãopoucos vivem, e os que vivem põem à margem os considerados descartáveis,porque desprovidos de bens que até ontem o trabalho assegurava, porque constituíavalor. As mudanças no mundo do trabalho produziram multidões de desempregadose a oportunidade de emprego não existe mais para muitos, com e sem qualificação.(PAIVA, 2004c, p.39).

São, portanto, os próprios trabalhadores que, diante das necessidades novas, passam a

buscar a escolaridade como possibilidade de acesso e permanência no emprego, ascensão

profissional, melhoria de seus salários e condições de vida, bem como de outros interesses. A

classe trabalhadora continuamente se posiciona favorável aos processos de educação,

(Educação de Trabalhadores)

Page 121: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 121

demonstrando concretamente que valoriza a Escola, apesar de sua relação com a mesma revelar-

se conflituosa em algumas situações. Prova desse fato é a busca incessante por escolarização, o

número elevado de matrículas nos cursos noturnos, a busca intensa por cursos de educação de

jovens e adultos, e por cursos de qualificação profissional e as respostas afirmativas que aparecem

nas enquetes sobre os motivos para estudar: “realização pessoal”, “inserção no mundo letrado”,

“ajudar os filhos nas tarefas escolares”, “ler a Bíblia, jornais e revistas e bula do remédio”, “poder

ir ao supermercado e ler o que está escrito nos rótulos dos produtos”, “tomar o ônibus certo”,

“utilizar a receita de bolo”, “cursar uma Universidade”, “ter acesso à cultura”, etc.

Sabemos que historicamente a Escola não foi afirmativa em relação aos trabalhadores e,

mesmo hoje, ainda apresenta serias deficiências quanto ao atendimento das necessidades dos

mesmos. A Escola brasileira, padronizada e uniforme, organizou-se em torno do padrão das elites

e, nesta condição, pouco espaço abriu para inserção dos trabalhadores.

A luta pela escola tem sido uma luta secular da classe trabalhadora. Mas certamenteo saber, o conhecimento que a classe trabalhadora busca na escola não coincide,necessariamente, com o saber historicamente acumulado sob a hegemonia daburguesia (ARROYO, 1987, p. 19).

Atualmente, tem ocorrido intenso movimento dirigido à modernização da educação, mas

esta ainda debate-se nas teias construídas pelos currículos tradicionais, cujos conteúdos

reducionistas abordam o conhecimento de forma descontextualizada, partindo de pontos muito

distantes da realidade na qual o educando está inserido.

A universalização do ensino elementar, a garantia de domínio dos códigos básicosda leitura e escrita e a superação do fracasso escolar terão que ser por nósenfrentados de forma tal que o próprio conteúdo do ensino receba tratamentoadequado ao mais pleno desenvolvimento cognitivo (MELLO, 2002, p.32).

Estudos direcionados para este segmento da população, acenam para a necessidade de

adequar os currículos escolares, fazer a articulação entre Escola e mundo do trabalho, e diversificar

as metodologias de ensino.

Embora haja a consciência de que a educação escolar não é a solução para todos os

problemas que afligem a humanidade, ela é importante instrumento de inclusão social. Isto se

aplica à classe trabalhadora, que por muito tempo teve o direito à educação formal negado e que,

por não perceber qual a relação entre a apropriação do saber sistematizado pela sociedade, o

acesso ao poder de decisão, a escolarização e a melhoria das suas condições de existência e

(Educação de Trabalhadores)

Page 122: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

122 PROPOSTA CURRICULAR

inserção no mundo do trabalho, permanecia submissa frente ao seu direito de acesso e

permanência na Escola. Também é necessário entender que o fracasso não é só pessoal, do

professor ou do aluno, mas coletivo, de toda a sociedade civil organizada. Para Oliveira,

considerando uma abordagem histórico-cultural do erro e do fracasso escolar.

Quando se considera uma determinada instituição social no contexto de uma certasociedade, como a escola na complexa sociedade contemporânea, a reflexão temque se referir tanto à possibilidade de múltiplas trajetórias para diferentes indivíduose grupos como às especificidades culturais em jogo, que definem a finalidade de

tal instituição. (OLIVEIRA, 1997, p.60).

Pensar na educação de trabalhadores pela ótica da inclusão é pensar em um outro sujeito,

não aquele homogêneo, igual, regulare, doutrinado, disciplinado, mas plural, diferente e, portanto é

“pensar em outras pedagogias que não são corretivas e coercitivas, que não são as psicológicas,

que não são as de compensação”, mas que levem em conta as especificidades desses educandos

e não abram mão do direito que eles têm de saber, ou seja, uma educação de qualidade. Necessário

se faz apontar o que nesse contexto de educação de trabalhadores entende-se por qualidade.

Esta por sua vez, não se limita à mercantilização do conhecimento sistematizado; e é uma

construção solidária e coletiva no campo das relações locais permeadas por construções históricas.

Consideramos que a educação é característica do ser humano e implica no seu envolvimento

com o meio social, com o outro e consigo mesmo a partir da sua faculdade de memória e na sua

competência do fazer, aliando a esses dois aspectos o de construção da cultura. Constatamos

que a escolarização tem se dado em um determinado espaço institucionalizado no qual se busca

dar uniformidade à cultura para que o Estado possa exercer sua ação: quase sempre a ação da

Escola restringe-se ao espaço de transmissão de um conhecimento selecionado, na qual se exerce

o controle do tempo, se exige a freqüência obrigatória, a seriação, a avaliação e se outorga a

certificação. Contrapondo-se a essa concepção, contudo, entendemos ser possível propor uma

educação que se baseie na construção solidária dos diversos segmentos sociais, onde os critérios

a serem levados em consideração sejam as relações estabelecidas entre culturas pautadas em

uma ordem política ética qualitativa e não meramente quantitativos. Uma ordem que considere

todos os espaços de construção e reconstrução de saberes. Uma ordem que acolha a educação

(Educação de Trabalhadores)

Page 123: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 123

fora da escola como uma valiosa contribuição para a formação do educando, mesmo que com o

reconhecido caráter não formal e não sistematizado de tal contribuição.

A educação do trabalhador requer atendimento a determinadas especificidades para

assegurar a inclusão de todos no processo educacional e a sua permanência até a conclusão, no

mínimo, da educação básica obrigatória.

É preciso compreender que as mudanças que vêm se efetuando na educação em forma

de políticas governamentais não são conseqüências apenas das transformações que vêm ocorrendo

no mundo do trabalho, que exigem um trabalhador capaz de operar as novas tecnologias e interpretar

os códigos de linguagem que compõem os manuais de instrução. É também espaço de

transformação das relações sociais, de produção, saber e poder. Ao mesmo tempo em que a

Escola é modificada pelo mundo do trabalho, através da incorporação, entendimento e aplicação

de novas tecnologias criadas pelas ciências, ela também é capaz de modificar-se, isto é, torna-se

palco de debates e críticas das mudanças proporcionadas com a introdução dessas tecnologias

no mundo do trabalho.

Importa, pois, redimensionar a ação educativa dentro do cenário sócio-político-econômico

e do próprio discurso educacional, oportunizando reflexões onde o espaço educacional estabeleça

relações concretas com o processo social. Deve-se repensar o processo educativo, no sentido de

oferecer ao trabalhador condições de compreender que, tão importante quanto a certificação/

diploma, é o aprendizado, instrumento para entender a sua situação e as relações com o meio

social, econômico, político e cultural.

Para que isto se torne realidade, são necessárias propostas que contemplem a participação

dos sujeitos, os espaços em que atuam, suas necessidades, seus saberes e suas práticas, bem

como construção de propostas curriculares, estreitamente vinculadas ao fazer produzido pelos

educadores e educandos, que contemplem o estabelecido de relação com o mundo do trabalho,

da cultura, com os saberes produzidos nas práticas sociais e cotidianas e envolvimento dos sujeitos

com este mundo e seus saberes formais, seja como trabalhadores, como empregados ou como

desempregados. Faz-se, ainda necessário, o fortalecimento de parcerias já existentes com

Universidades, ONGs, e outras instâncias com proposição de projetos de extensão, como parte

das políticas de formação continuada.

A compreensão entre a teoria e a ação é capaz de superar os desafios de se formar um

trabalhador intelectualizado, qualificado não apenas numa especificidade, mas um trabalhador

polivalente e ominilateral, formação esta garantida pelos currículos diferenciados, que lhe

possibilitará a inserção no mundo do trabalho (em outras situações) independentemente do modelo

econômico vigente, ou da modalidade de ensino.

(Educação de Trabalhadores)

Page 124: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

124 PROPOSTA CURRICULAR

Abrir a escola para o mundo, como queria Paulo Freire, é uma das condições paraa sua sobrevivência com dignidade, nessa travessia de milênio. O novo espaçoescolar é o planeta porque a Terra tornou-se nosso endereço, para todos. O avançotecnológico ampliou o espaço escolar. O novo paradigma educativo funda-se nacondição planetária da existência humana. (GADOTTI, 2000, p. 18).

3 REALIZANDO UTOPIAS: A FUNÇÃO DA ESCOLA

Discorrer sobre a função da Escola atualmente implica reconhecer que a sociedade, em

permanente processo de mudança, atinge na contemporaneidade um patamar tecnológico e

científico que, especialmente com a intensificação dos meios de comunicação, impõe mudanças

no mundo do trabalho e dos trabalhadores com a reestruturação produtiva e a crescente necessidade

de requalificação profissional, ambas a serviço do capital.

Neste contexto, a produção de novos conhecimentos nunca foi tão acelerada, provocando

a necessidade de rever continuamente o já conhecido, reorganizando em novas bases todo o

saber acumulado. Para isso, a Escola precisa assumir a função de investir em uma educação que

supere o mero instrucionismo das aulas reprodutivistas, de fórmulas prontas e conhecimento estático

e invista em uma educação que valorize a reflexão crítica e a articulação entre o local e o universal.

Para tanto, precisa implementar procedimentos didáticos e concepções educacionais que favoreçam

pensar, argumentar e elaborar as reflexões sobre a própria realidade. É a partir da capacidade

constante de renovar-se e capacitar-se e, ao mesmo tempo, de reinventar novas soluções

profissionais, que a possibilidade de intervenção social torna-se concreta, uma vez que grande

parte dos alunos, não vai conseguir emprego, no sentido clássico do bom emprego, será necessário

”inventar trabalho”, ter iniciativa própria, elaborar projetos alternativos para ganhar a vida e partir

para a luta.

Essa capacidade inventiva não pode evidentemente restringir-se ao aspecto prático utilitário.

É necessário abranger os aspectos políticos e filosóficos que ajudem a reinventar também a

sociedade, quando necessário.

Não acompanhar esse movimento passa a representar uma desvantagem para os

trabalhadores e para os setores nos quais atuam. Aliada a esta questão, a situação conjuntural da

economia, que impossibilita a ampliação dos postos de trabalho, impõe aos trabalhadores além da

necessidade de dominar o uso de equipamentos e das novas tecnologias, saber organizar-se

como classe para transitar nesta sociedade com autonomia.

(Educação de Trabalhadores)

Page 125: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 125

Através da participação cidadã, amplia-se a possibilidade de que todos tenham acesso aos

bens materiais historicamente produzidos pela humanidade. Essa sociedade do conhecimento

apropriado por todos que ansiamos produzir clama por uma Escola com um novo jeito de ensinar

e aprender, o que implica rever os processos, os objetivos, os métodos e as formas de educar.

Tal necessidade nos leva a indagar quais são os interesses que estão imbricados nos

novos sistemas de produção e que apontam a necessidade de que o trabalhador esteja em constante

aperfeiçoamento. Para quem e contra quem está a Escola? As ações empreendidas pela Escola

contemplam as necessidades sociais, afetivas, cognitivas, éticas e estéticas, ou seja, a formação

integral de seus alunos? Ou, visam simplesmente à reprodução de conhecimentos previamente

determinados e desvinculados de seu cotidiano, sem nenhuma possibilidade de indicar caminhos

para a transformação social, para a cidadania plena?

Tais questionamentos nos levam também a interrogar como e quem historicamente tem

organizado o cotidiano das escolas com seus métodos e conteúdos. Afinal quem tem determinado

o currículo das escolas? Qual a sua intencionalidade com essa seleção de conteúdos e métodos

e não de outros?

Para empreendermos a tarefa de refletir criticamente sobre a função social da escola, será

necessário, ainda, entender o funcionamento desde a sua origem, seus objetivos, finalidades e,

em especial, o currículo, que é veiculado tanto por professores no seu trabalho disciplinar em sala

de aula como no cotidiano da escola com seus rituais, regras, hierarquia e horários.

Foucault (1979) chama a atenção para observarmos os modelos arquitetônicos das escolas,

dos hospitais, dos presídios e observar como todos possuem um padrão de longos corredores,

grandes refeitórios, banheiros, salas para cada ambiente, nível, idade, salas mais equipadas,

centralizadas, organizadas para quem irá comandar, determinar. Dessa forma a circulação nesses

espaços “educa”, molda, constitui os corpos, numa condição única, molda o ser e o pensar,

disciplinando como forma de dominação, especialmente desenvolvida no interior do modo capitalista

de produção.

Um exemplo que pode ilustrar a contraface desse modelo arquitetônico é o das diferentes

etnias indígenas, e o que essas populações querem para as escolas da sua comunidade.

Surpreendem por pensar e propor modelos que fogem às regras padrão. Propõem escolas de

modelo circular, com portas que abrem para o centro, onde fica situada a biblioteca, os saberes

considerados valores para essas etnias. Tais propostas nos levam a pensar e repensar “nosso”

modelo estrutural determinado para as escolas.

A nossa Escola, com toda a base estrutural arquitetônica que tem, organizada em série,

ano letivo, conhecimentos limitados por idade, turmas, etc, tornou-se um modelo rígido, tão enraizado

que, quando os educadores se propõem a reconstruir outro modelo, por mais forte que sejam as

(Educação de Trabalhadores)

Page 126: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

126 PROPOSTA CURRICULAR

iniciativas, voltamos ao modelo padrão. Embora muitas iniciativas já estejam incorporando críticas

aos nossos projetos educacionais, e com isso propiciando referências que merecem servir de

exemplo como forma de reflexão e de superação do modelo estrutural da Escola que conhecemos,

ainda há um longo caminho a ser percorrido.

A educação, mesmo antes de ser instituída por meio da Escola, sempre visou à manutenção

dos interesses sociais da classe dominante sobre as classes subalternas, na expectativa de funcionar

como um mecanismo eficaz de controle. Sistematizada com conteúdos e técnicas que foram

historicamente incorporadas pelas escolas, com mínimas possibilidades de reflexão e de intervenção

dos envolvidos no processo educativo, a Escola tem servido mais para transmitir informações,

visando à domesticação, controle e garantia de mão-de-obra um pouco mais qualificada, e menos

como instrumento de percepção da alienação a que os sujeitos estão submetidos, pois segundo

Gentilli (1999) as empresas querem seus trabalhadores estudando, apreciam que saibam pensar

em termos de domínio da informação útil para a produtividade e competitividade, mas evitam a

dinâmica formativa, porque ela levaria naturalmente a questionar o sistema, uma vez que a riqueza

produzida coletivamente não poderia ser apropriada por um só.

A Escola, em diferentes momentos históricos, é acusada de estar a serviço do modelo

dominante; por isso, ao refletirmos sobre a função social da Escola, é importante percebermos

que o cotidiano de uma simples aula, com todas as relações que a envolvem, pode ser muito

revelador, no sentido de que a seleção e a abordagem dos conteúdos pelo professor, bem como

as oportunidades ou não, de intervenção dos alunos são indícios de que a função educativa da

escola visa à formação de cidadãos autônomos, conscientes ou simplesmente a manutenção da

situação de dominação vigente. Paulo Freire (1996, p.97) nos alerta que o “educador precisa

aprender a compreender a significação de um silêncio, ou de um sorriso ou de uma retirada da

sala de aula”.

Pelas considerações já elencadas percebemos estar frente a novos desafios e para atender

às demandas decorrentes desses desafios é necessário que compreendamos que a Escola não é

mais o único local de difusão do conhecimento. Ela concorre com a mídia, com as empresas, com

a informação que conhecemos nas ruas, nos clubes, nos sindicatos e na organização dos

movimentos sociais, dentre outros. Libâneo (2003) destaca que a Escola tem concorrentes, como

os meios de comunicação, os computadores e propostas que querem torná-la local de convivência

social e, ao nosso ver, também assistencial.

No entanto, é imprescindível que a Escola mantenha a sua função primordial de permitir

que sem ter a necessidade de refazer todo o processo histórico já percorrido, as novas gerações

se apropriem criticamente do patrimônio da humanidade. Isto é, apropriem-se daqueles elementos

que a humanidade já produziu e elegeu como legítimos para garantir suas necessidades de

(Educação de Trabalhadores)

Page 127: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 127

sobrevivência, bem como desenvolvam a capacidade de criar novas idéias e soluções na direção

de uma vida digna e feliz.

Contemplar uma sociedade com uma educação inclusiva exige uma Escola que possibilite

o acesso ao conhecimento sistematizado com qualidade, colocando-o a serviço da sociedade e

dos movimentos sociais, possibilitando a expressão de forma elaborada dos conteúdos que partam

dos interesses e necessidades dos trabalhadores. Tais conhecimentos devem estar relacionados

com o seu cotidiano, para que aprendam a atribuir significados às informações vindas da sua cultura,

aprendam a dialogar com as outras culturas para a resolução dos problemas individuais e coletivos.

Para melhorar a vida dos trabalhadores, a contribuição da educação escolar deve caminhar

na direção de propiciar instrumentos, oferecer-lhes ferramentas para a superação de sua condição

de alienação e produção de outras formas de emancipação humana. Nesse sentido, é necessário

e possível organizar-se e lutar pela superação do modelo atual na tentativa de construção de uma

sociedade que inclua todos.

Nesse sentido a proposta é que a Escola se transforme no lugar da razão crítica, da

argumentação, do diálogo intercultural, da democratização do saber, com a função de propiciar

aos trabalhadores o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais, contribuindo, assim, com

as condições cognitivas e afetivas para que sejam críticos e autônomos priorizando valores e

atitudes, como a solidariedade humana e o respeito às diferenças. “Tudo em função da vida

profissional, da cidadania, da vida cultural, tudo voltado para ajudar na melhoria das condições de

vida e de trabalho e para a construção da sociedade democrática” (LIBANEO, 2003, p.24).

É importante destacar que a Escola precisa contribuir para que a pessoa viva melhor, pois

não tem sentido o ser humano investir em algo que não se converta em melhoria de qualidade de

vida. Além disso, é necessário que a Escola contribua com instrumentos teóricos que permitam

aos trabalhadores compreender, enfrentar e resolver as questões colocadas em sua vida diária

também do ponto de vista coletivo, junto com seus pares, e não só individualmente.

O acesso ao conhecimento como bem cultural dos homens e mulheres, resultado da sua

produção histórica, é uma das condições que possibilita o acesso à distribuição dos bens materiais

coletivamente produzidos pela humanidade.

A Escola com que sonhamos, (...) implica articular os objetivos convencionais daescola – transmissão, assimilação ativa dos conteúdos escolares, desenvolvimentodo pensamento autônomo crítico e criativo, formação de qualidades morais,atitudes, convicções exigências postas pela sociedade comunicacional, informáticae globalizada: maior competência reflexiva, interação crítica com as mídias emultimídias conjunção da escola com outros universos culturais, conhecimento euso da informática, formação continuada “aprender a aprender”, capacidade dediálogo e comunicação com os outros, reconhecimento das diferenças,solidariedade, qualidade de vida, preservação ambiental, trata-se de conceber aescola de hoje como espaço de integração e síntese (LIBANEO, 2003, p. 25).

(Educação de Trabalhadores)

Page 128: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

128 PROPOSTA CURRICULAR

Segundo Libânio (2003), a Escola é espaço de síntese entre a cultura experienciada que

ocorre na comunidade, na cidade, na rua, nas praças, nos pontos de encontro, nos meios de comunicação,

na família, no trabalho e aquele conhecimento sistematizado que a escola representa – síntese da

cultura crítica. É na Escola que os alunos aprendem a orientar a busca da informação na cidade,

na tv, no rádio, no jornal, no livro didático, no vídeo, na Internet, através da apropriação dos elementos

cognitivos necessários à crítica dessa informação e também a dar-lhe um significado pessoal.

O movimento proposto indica uma pedagogia que não despreza o que o trabalhador sabe,

mas parte dele e procura ajudá-lo a elaborar o seu cotidiano garantindo o direito ao conhecimento

historicamente produzido (ZDP)15. A intervenção pedagógica, nesse caso, é concebida como um

processo de apoio e de questionamento atento ao processo de construção do próprio educando.

Quando Leontiev referencia a ampliação da consciência, enfatiza que a apropriação do

conhecimento sistematizado (ler, escrever, interpretar e compreender as relações entre os homens,

bem como as relações com a natureza) fortalece a compreensão de que o saber apropriado é

ferramenta para a ampliação das funções mentais. Uma vez incorporado, o saber torna-se

ferramenta básica sempre com possibilidade de ampliação, fundamental para a vida e aos desafios

que o mundo apresenta.

O conhecimento é hoje cada vez mais importante para toda e qualquer criança,todo e qualquer adulto. Logo, eu vejo o processo curricular na escola, girando emtorno de conhecimento. Obviamente não é qualquer conhecimento, desprovido dequalquer sentido, mas um conhecimento que, depois de uma série de perguntasque se fazem e de respostas que se dêem, e com base em um posicionamentoclaro e consciente, tenhamos considerado importante de estar sendo trabalhadopor alunos e professores (MOREIRA, 2003, p.25).

Esse conhecimento que habilita o educando a fazer a leitura do real, abrindo-lhe possibilidade

de intervir em seu contexto social, cultural e econômico, é construído por meio de um currículo que

contemple a formação integral do aluno, nesse sentido tanto o conteúdo como a intervenção do

professor, precisam ser inclusivos, ou seja, o aluno precisa perceber que tanto os conteúdos

disciplinares como a atuação pedagógica do professor podem ser alterados, conforme a sua

necessidade de entendimento e intervenções.

Em outras palavras, é preciso que se descubram quais são os valores que norteiam as

concepções educacionais do educador, pois entendemos que só a partir disso poderemos situar a

sua postura pedagógica, considerando também as características de ser humano que o professor

pretende ajudar a construir.

(Educação de Trabalhadores)

15 ZDP - Traduz-se como Zona de Desenvolvimento Proximal, classificação feita por Vygotsky, paraexplicar os processos mentais de desenvolvimento, base teórica da Proposta Curricular de Santa Catarina.

Page 129: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 129

Esse entendimento do educador lhe dará subsídios para determinar quais os aspectos da

sua prática, que será enfocada com maior intensidade. Portanto, o bom professor não pode ser

analisado apenas pelo domínio de disciplinas específicas nem tampouco pelo ambiente que ele

consegue criar com a turma. Dessa forma a prática do professor precisa refletir um estilo de vida

coerente como cidadão, e assim incentivar o seu aluno a construir a sua autonomia.

Portanto, a Escola que se disponha a construir um sentido social para os conhecimentos

com os quais trabalha, necessariamente precisará superar a mera aula repetitiva e instrucionista.

Estará atenta para os recursos que hoje estão disponíveis aos professores, como tv, vídeo e

Internet, e que serão instrumentos que colaborarão para a promoção da aprendizagem e não

simplesmente em reprodução inconseqüente. Desta forma, a intervenção do professor, como

sujeito mais experiente e com pautas interacionais, intencionais vai estar encaminhando/delimitando

a discussão e o aprofundamento dos conteúdos veiculados por esses instrumentos. Nesse sentido,

as mudanças pedagógicas do educador em relação ao projeto construído coletivamente devem

sempre ter em vista o compromisso com a aprendizagem e a produção própria do aluno; caso

contrário, mudam apenas os procedimentos, a ordem e os materiais utilizados, mas continuamos

mistificando nossas atuações pedagógicas.

4 FORMAÇÃO DE PROFESSORES – PROFESSOR PESQUISADOR

A formação do professor sempre foi um tema polêmico pela própria amplitude do termo.

Estar formado nos passa a idéia de acabamento de alguém pronto e moldado para executar

tarefas ou agir em situações previamente estabelecidas. Segundo Zabala (1998, p. 89): “esta

concepção é coerente com a crença de que a aprendizagem consiste na reprodução da informação,

sem mudanças, como se tratasse de uma cópia na memória do que se recebe através de diferentes

canais”.

Nesta situação, a formação profissional do professor contribui fortemente para treinar

pessoas que irão transmitir conhecimentos e conseqüentemente manter uma determinada

hierarquia social, com poucas ou nenhuma possibilidade de preparar o aluno para intervir na

sociedade e melhorá-la, uma das razões fundamentais do processo educativo.

(Educação de Trabalhadores)

Page 130: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

130 PROPOSTA CURRICULAR

Apenas mantida a tônica reprodutivista, o processo educativo fica comprometido com a

manutenção da situação social vigente, com quase nenhuma possibilidade de transformação, pois

quando “a formação possui conotação de moldagem e conformação, tem o defeito de ignorar que

a missão do didatismo é encorajar o autodidatismo, despertando, provocando, favorecendo a

autonomia do espírito.” (MORIN, 2004, p.10).

Certamente, sob esta visão, os saberes do professor não podem ser resumidos a sua

formação acadêmica, mesmo que seja muitas vezes a ela atribuída. Com isso, não se está

desqualificando nenhum título obtido em qualquer nível de formação, pois agir dessa forma seria

tão grave quanto declarar que após o término da faculdade o professor nada mais tem a aprender.

O que estamos defendendo é a necessidade de aperfeiçoamento e reflexão constante que leve

em conta também sua prática.

O fato de que o conhecimento de um determinado professor resume-se basicamente. em

sua racionalidade, dificulta que esse educador atinja um dos principais objetivos da tarefa educativa

progressista, que é a construção de uma sociedade mais justa; porém, para trabalhar com o

educando, é preciso ir além da cientificidade de qualquer disciplina. Dessa forma, é possível

“conseguir dar às pessoas maior clareza para ‘lerem o mundo’, e essa clareza abre a possibilidade

de intervenção política.” (FREIRE, 2001, p.36).

É nesse sentido que o professor não terá êxito em fazer o seu aluno perceber a importância

ética e social da educação, apenas aprofundando o conteúdo em sua disciplina, sem qualquer

consideração pelas próprias dificuldades de entendimento do aluno, uma vez que muitas dessas

dificuldades são situações criadas pela falta de um equilíbrio entre as habilidades formais e as

próprias políticas do professor. Fica evidente que nossas práticas e saberes precisam ser

constantemente resignificados, pois a nossa intervenção modifica o aluno e a nós mesmos, somos

diferentes a cada aula, da mesma forma que o aluno nunca é o mesmo.

Portanto, não tem sentido a repetição ou ênfase exagerada em disciplinas e condutas a

serem observadas. Nada é tão oposto à tarefa educativa quanto a delimitação arbitrária de currículos

e conteúdos estabelecidos previamente, sem qualquer possibilidade de intervenção pelos sujeitos

envolvidos no processo.

Podemos ler em Paulo Freire sobre os saberes demandados pela prática educativa em si

mesma. Qualquer que seja a opção política do educador e educadora, ensinar exige: rigorosidade

metódica, pesquisa, respeito aos saberes dos educandos, criticidade, estética e ética, corporificação

das palavras pelo exemplo, risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação,

reflexão crítica sobre a prática, reconhecimento e assunção da identidade cultural.

Ensinar não é transferir conhecimento e exige: consciência do inacabado, reconhecimento

do ser condicionado, respeito à autonomia do ser do educando, bom senso, humildade, tolerância

(Educação de Trabalhadores)

Page 131: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 131

e luta em defesa dos direitos dos educadores, apreensão da realidade, alegria e esperança.

Convicção de que a mudança é possível, exige curiosidade.

Ensinar é uma especificidade humana e exige: segurança, competência profissional e

generosidade, compromisso, compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo,

liberdade e autonomia, tomada consciente de decisões, saber escutar, reconhecer que a educação

é ideológica, disponibilidade para o diálogo. Enfim ensinar exige querer bem aos educandos. Os

educadores e educadoras devem assumir o compromisso de tornar gente mais gente!

A Escola é o espaço privilegiado para o estabelecimento de relações significativascom todas as áreas do conhecimento de modo a preparar o aluno para assumir-se também como sujeito de sua história e da história da humanidade,compreendendo o papel revolucionário da ciência para a destruição das condiçõesgeradoras de exclusão, as quais, frutos da práxis humana, só através dela serãosuperadas (KUENZER, 2002, p.49).

A Escola, portanto, deve comprometer-se com a elaboração de um projeto pedagógico

que defina conteúdos e processos metodológicos que favoreçam a articulação da base comum

do currículo à base diversificada, de modo a desenvolver no educando capacidades relacionadas

a procedimentos técnicos e tecnológicos que promovam sua inserção no mundo do trabalho, seja

na escola ou fora dela.

Os poderes públicos, frente às reivindicações da classe trabalhadora que luta por escola

de qualidade para si e para seus filhos, devem assumir o compromisso de desenvolver políticas

que assegurem esse direito para todos. Daí decorre a necessidade de ações concretas como:

- cumprir as determinações da legislação em vigor, que assegura o direito de escolarização

para todos, atendendo à demanda existente em suas especificidades;

- fortalecer os movimentos populares que lutam por escolarização dos seus integrantes;

- consolidar os Fóruns de Educação que têm como princípio norteador a universalização

da educação básica e profissional;

- apoiar as diferentes iniciativas de alfabetização das organizações não governamentais e

contribuir para seu aperfeiçoamento;

- ampliar o transporte escolar como facilitador do acesso da classe trabalhadora aos

processos de escolarização;

- oferecer a maior quantidade possível de interações entre o educando e as diferentes

áreas do conhecimento, sem deixar de considerar as especificidades da comunidade

escolar;

(Educação de Trabalhadores)

Page 132: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

132 PROPOSTA CURRICULAR

- melhorar as condições materiais do processo de ensino e aprendizagem, através de

espaços físicos adequados, mobiliário, equipamentos e materiais didáticos;

- lutar de forma incessante pela superação do fracasso escolar;

- desenvolver programas de formação continuada para os profissionais que atuam na

educação de trabalhadores.

Esses compromissos assumidos pelo Estado decorrem do reconhecimento que embora

haja limitações, a Escola é fundamental para o trabalhador e seus filhos por apresentar-se como

uma alternativa viável de apropriação do saber sistematizado. A universalização do acesso e da

permanência na escola somente ocorrerá mediante a mobilização da classe trabalhadora exigindo

do poder público o cumprimento da lei.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANDAO, C.R. O que é educação. ed. 43. São Paulo: Brasiliense, 2004.CORRÊA, G. C. O que é a escola? In: PEY, M. O. (org.) Esboço para uma história da escola noBrasil – algumas reflexões libertárias. Rio de Janeiro: Achiamé, 2000.COSTA, M.V. A Escola tem futuro? Rio de Janeiro: DP&A, 2003.DEMO, P. Universidade, aprendizagem e avaliação: horizontes reconstrutivos. Porto Alegre:Mediação, 2004.DOURADO, L. F; PARO, V. H. Políticas públicas & educação básica. São Paulo: Xamã, 2001.FORRESTER, V. O horror econômico. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista,1997.FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio deJaneiro: Edições Graal, 1979.______. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes,1987.FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paze Terra, 1996.______. Pedagogia dos sonhos possíveis. Org. Ana Maria Araújo-São Paulo: Editora: UNESP,2001.FRIGOTTO, G. A formação e profissionalização do educador: novos desafios. In: SILVA, T. Te GENTILLI P. (orgs.) Escola S. A. Brasília: CNTE, 1999.______. Juventude, trabalho e educação no Brasil: perplexidades, desafios e perspectiva.In: NOVAES, R. E VANUCHI, P. (orgs). São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, InstitutoCidadania, 2004.GADOTTI, M. Dimensão política do projeto pedagógico da escola. Revista ABC Educativa. SãoPaulo, v.4, n. 24, p. 36 - 41.GENTILLI P. Neoliberalismo e educação: manual do usuário. In: SILVA, T. T e GENTILLI P.(orgs.) Escola SA. Brasília: CNTE, 1999.GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. Petrópolis: Vozes, 1995.GRAMSCI, A. Os Intelectuais e a organização da cultura. 7. ed. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 1989.HASSMANN, H. Competência e sensibilidade humana. Petrópolis: Vozes: 2000.

(Educação de Trabalhadores)

Page 133: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 133

INEP/MEC. Educação e ações afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica.In: Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Valter Roberto Silvério.KUENZER, A. Z. (Org.) Ensino Médio – construindo uma proposta para os que vivem dotrabalho. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002.LOPES, M. C. Problematizando os discursos que constituem a metanarrativa da inclusãoescolar. In: MINISTERIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA Conferência Regional Preparatória, 1997.(Anais...) Brasília: MEC/SEF, 1998.MCLAREN, P. Multiculturalismo crítico. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1999.MELLO, G. N. Cidadania e competitividade – desafios educacionais do terceiro milênio. 9.ed. São Paulo: Cortez, 2002.MOREIRA. F.B; GARCIA, R.L. Currículo na contemporaneidade: incertezas e desafios. SãoPaulo: Cortez, 2003.MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a forma, reformar o pensamento. 9 ed. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2004.NISKIER A. A educação na virada do século. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 2001.OLIVEIRA, M. K. Sobre diferenças individuais e diferenças culturais: o lugar da abordagem históricocultural. In: AQUINO, J. G. (org.). Erro e Fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas.São Paulo: Summus, 1997.ORTIZ, R. Mundialização e Cultura. São Paulo: Brasiliense, 2003.PAIM, A. (org) Cidadania: o que todo cidadão precisa saber. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura,2002.PEY, M. O. Recordando Paulo Freire – experiências de educação libertária na escola. Rio deJaneiro: Achiamé, 2002.PAIVA, J; OLIVEIRA, I. B. Educação de Jovens e adultos. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura,2002.RAMPINELLI, W. J; OURIQUES, N. D. (Orgs.) Os 500 anos – a conquista interminável. Petrópolis:Rio de Janeiro, 1999.ROSE, N. Governando a alma: a formação do eu privado. 2 ed. In: SILVA, T. T. (org.). Liberdadesreguladas – a pedagogia construtivista e outras formas de governo do eu. Petrópolis/RJ:Editora Vozes, 1999.SACRISTÁN, J. G. Reformas educacionais: utopia, retórica e prática. In: SILVA, T. T e GENTILLIP. (orgs.) Escola S.A. Brasília: CNTE, 1999.SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta Curricular –temas multidisciplinares. Florianópolis: IOESC, 1998.SAVIANI, D. Pedagogia Histórico-Crítica. Primeiras Aproximações. 8.ed. São Paulo: AutoresAssociados, 2003.SILVA, T,T. FLAVIO, A. Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 1995.______. Identidades terminais: as transformações na política da pedagogia e na pedagogia dapolítica. Petrópolis: Vozes, 1996.UNESCO. Declaração de Hamburgo. MEC: Brasília, 1997.VESENTINI, J. W. Sociedade e espaço. São Paulo: Editora Ática, 43. ed. 2003.ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

(Educação de Trabalhadores)

Page 134: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

134 PROPOSTA CURRICULAR

GRUPO DE TRABALHO:

ALEXANDRE CAMPREGHER - CEJA - IbiramaEDISON LUIZ LESSAK - SED/DIEBELENISE IGNACZUK - CEJA - MafraELISABETE DUARTE BORGES PAIXÃO - SED/DIEBHELENA ALPINI ROSA - SED/DIEBIVANETE STEFFENS - CEJA - MaravilhaJANE MOTTA - SED/DIEBMARIA CRIPPA SKOVRONSKI - GEECT - ChapecóMARIA DAS GRAÇAS LOCKS - SED/DIEBTATIANA BORGES ANSELMO GARCIA - CEJA - TubarãoVALDA MARIA DE MENDONÇA JACQUES DIAS - SED/DIEB

COORDENADOR:PEDRO POLIDORO - SED/DIEB

CONSULTOR:Prof. Dr. JOÃO JOSUÉ DA SILVA FILHO - UFSC

(Educação de Trabalhadores)

Page 135: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 135

EDUCAÇÃO E TRABALHO

APRESENTAÇÃO

Operário em construção

Vinícius de Moraes

Esse fato extraordinário:Que o operário faz a coisaE a coisa faz o operário.

...O operário foi tomado

De súbita emoçãoAo constatar assombradoQue tudo naquela mesa- Garrafa, prato, facão -- Era ele que os fazia -

Ele, um humilde operárioUm operário em construção.

...Ah, homens de pensamento

Não sabereis nunca o quantoAquele humilde operárioSoube naquele momento

Naquela casa vaziaQue ele mesmo levantaraUm mundo novo nascia.

...Notou que sua marmitaEra o prato do patrãoQue sua cerveja pretaEra o uísque do patrão

...Que sua imensa fadiga

Era amiga do patrão...

E o operário disse: NãoE o operário se fez forte

Na sua resolução.(Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.)

(Educação e Trabalho)

Page 136: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

136 PROPOSTA CURRICULAR

O presente estudo não tem caráter inédito, nem tão pouco esgota a temática; apenas

objetiva oferecer contribuições que possam auxiliar no aprofundamento ao texto Educação e

Trabalho, elaborado em 1998, pelo coletivo de profissionais da rede pública estadual.

Propõe, ainda, um conjunto de referências teórico-metodológicas, que possam subsidiar

as unidades educacionais da rede pública a construírem seus projetos político-pedagógicos, a

partir das interrelações entre educação e trabalho.

Nosso ponto de partida é a Proposta Curricular de 1998. Para isso, ampliamos as discussões

ali contidas, atualizando-as em face das mudanças no contexto sócio-econômico e cultural em

que vivemos, assim como no âmbito da legislação16 que normatiza e regulamenta a educação, em

nível nacional e estadual. Reafirmamos, no documento atual, a perspectiva histórico-cultural,

considerando tanto os educandos quanto os educadores sujeitos sociais do processo educacional,

processo este que se constrói permanentemente nas relações que o constituem.

O texto está organizado a partir de três eixos articulados: um primeiro, que historia o

trabalho do final do século XX e princípio do século XXI, e suas implicações para as práticas

educativas atuais. No segundo, explicitamos os princípios teórico-filosóficos que sustentam a

concepção de trabalho como princípio educativo e, no terceiro, procuramos articular esse princípio

com a prática pedagógica, observando as particularidades do mundo do trabalho em suas relações

com a educação. Nosso objetivo é oferecer contribuições para que os professores possam construir

suas ações pedagógicas de modo mais efetivo, sustentando-as nas concepções que ancoram

essa proposta em sua totalidade.

1 MUTAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E SUAS RELAÇÕES COM O

CAMPO EDUCACIONAL

O final do século XX testemunhou grandes mudanças que alteraram substancialmente a

vida em sociedade. A face mais visível dessas transformações ficou conhecida como “globalização”.

Proclamada por alguns como sinal da emergência de um novo paradigma societário, a globalização

teve como base a unificação de mercados globais, o acirramento da concorrência intra e

16 O sistema educacional brasileiro implementou reformas, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação- LDB nº 9.394/1996, assim como dispositivos regulamentadores para todos os níveis e modalidades deensino, especificamente neste documento, para o Ensino Médio e a Educação Profissional

(Educação e Trabalho)

Page 137: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 137

intercapitalista, a ascensão das tecnologias baseadas na informação e comunicação e a presença

da hegemonia política do pensamento neoliberal. Esses aspectos materializam-se em novas formas

de convivência social, em novos padrões de relação entre o Estado e a sociedade civil e em novos

modos de organização e de gestão do trabalho humano.

Reconhecemos amplamente os efeitos e produtos das formas globalizadas em nossa vida

cotidiana: do lançamento de filmes, em escala global, aos serviços eletrônicos dos bancos; dos

produtos made in à introdução de tecnologias e artefatos técnicos nas escolas; das notícias

veiculadas em tempo real, às possibilidades de acesso aos lugares mais distantes, via tecnologias

de informação, como a internet. Enfim, tudo parece levar-nos a crer que vivemos em uma imensa

“aldeia global”. É preciso, porém, que examinemos esses fenômenos com cautela, pois a

globalização, tal como nos adverte Santos (2004), guarda em si, tanto possibilidades de uma vida

melhor, como as iniqüidades que a caracterizam na atualidade.

De fato, a globalização está se impondo, para a maior parte da humanidade, como “uma

fábrica de perversidades” (SANTOS, 2004, p. 19). A distância entre países ricos e pobres aumenta

vertiginosamente, o desemprego atinge índices alarmantes, a pobreza torna-se crônica, a fome,

as guerras e conflitos assolam grandes regiões do planeta, com o crescente número de refugiados.

Enfim, segundo Lima Filho (2004, p. 12), os indicadores dos organismos internacionais evidenciam

que a “renda média nos 20 países mais ricos é 37 vezes maior que a das 20 nações mais pobres

e esta brecha duplicou nos últimos 40 anos”.

A globalização contudo, não é fenômeno isolado. Faz parte de um processo maior de crise

e de reestruturação do capitalismo em nível mundial. De acordo com Frigotto (2001), essa crise se

expressa em três dimensões: a) no esgotamento da capacidade civilizatória do capital – as formas

atuais de subordinação e exploração do trabalho humano atingem níveis sem precedentes,

sobretudo pelo acréscimo das novas tecnologias microeletrônicas, que exigem novas disposições

físicas, psicológicas e sociais dos trabalhadores; b) na capacidade fantástica do avanço tecnológico

e das forças produtivas, com o crescimento exponencial de mercadorias e serviços em larga

escala, por um lado, e, de outro, pelo crescimento também exponencial da pobreza e miséria

humana; c) no crescimento acelerado do capital financeiro e especulativo, que corroe as economias

nacionais e faz aumentar a distância entre os países ricos e pobres.

As novas formas que assume a sociabilidade capitalista, e, de forma particular, o processo

de globalização, encontram-se imiscuídas em todas as esferas socais, num movimento que procura

assegurar sua hegemonia, não apenas no campo econômico, mas também político e cultural.

Na esfera política, observamos a ascensão do neoliberalismo, como ideologia e forma de

poder, que preconiza o desenvolvimento de uma nova ordem social regulada pelos princípios do

livre-mercado, sem interferência do poder estatal. Na América Latina essas idéias cresceram,

sobretudo nos anos de 1980, quando quase todos os países da região adotaram programas de

(Educação e Trabalho)

Page 138: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

138 PROPOSTA CURRICULAR

reformas conservadoras como resposta a uma crise fiscal permanente que se expressa em um

endividamento público sem precedentes, chegando a comprometer, em alguns estados, quase

80% do produto interno bruto (TEIXEIRA, 1996, p. 223). Em face dessa situação, cresceram os

discursos que criticavam a interferência na regulação da economia, defendendo a redução do

Estado e a abertura da economia aos capitais externos.

No Brasil, os efeitos dessa crise e das políticas adotadas pelos governos que se seguiram,

no final dos anos de 1980 e 1990, se expressaram através de um conjunto de ajustes e a chamada

“agenda neoliberal”, de acordo com Tommasi, Warde e Haddad (2000), foi articulada em torno de

cinco eixos:

a) Exigência de equilíbrio no orçamento do país, o que levou a uma drástica redução dos

gastos públicos;

b) abertura comercial pela redução das tarifas de importação e eliminação das barreiras

não-tarifárias;

c) liberação financeira, por meio de reformulação das normas que restringem o ingresso

de capital estrangeiro;

d) desregulamentação dos mercados domésticos, pela eliminação dos instrumentos de

intervenção do Estado, como controle de preços, incentivos, etc.;

e) privatização das empresas e dos serviços públicos.

A presença da agenda política neoliberal no campo educacional, como veremos

posteriormente, ensejou um conjunto de reformas centradas, sobretudo, na transferência da

“educação da esfera da política para a esfera do mercado, negando sua condição de direito social

e transformando-a em uma possibilidade de consumo individual, variável segundo o mérito e a

capacidade dos consumidores” (GENTILI, 1998, p. 19).

Os efeitos da globalização e do neoliberalismo se fazem presentes também na esfera

cultural. Constatamos também aqui a lógica da mercadificação, que tende a transformar tudo em

mercadoria, impulsionando uma nova estética baseada no visual, no espetáculo, no efêmero, no

fragmento, na descartabilidade. De acordo com Harvey (1994, p. 258), na “sociedade do descarte”,

tal como foi nomeada nossa época por Alvin Toffler, jogar fora bens produzidos “significa também

ser capaz de atirar fora valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis, apego a coisas, edifícios,

lugares, pessoas e modos adquiridos de agir e de ser”. Somos, assim, mobilizados a lidar com a

descartabilidade, com o novo, com a idéia de que tudo rapidamente pode tornar-se obsoleto,

criando inseguranças psicológicas no que se refere, por exemplo, ao planejamento da própria

vida.

(Educação e Trabalho)

Page 139: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 139

Observamos ainda, o papel que tem desempenhado a publicidade e as imagens em nossa

cultura. As propagandas tendem a não mais se centrar nas informações sobre os produtos e

processos, mas voltar-se, sobretudo “para a manipulação dos desejos e gostos mediante imagens

que podem ou não ter relação com o produto a ser vendido” (HARVEY, 1994, p. 260). As imagens

tornam-se mercadorias e se converteram em elementos centrais na competição entre empresas,

criando novas relações sociais e éticas entre as pessoas. Segundo Santos (2004, p. 49):

[...] consumismo e competitividade levam ao emagrecimento moral e intelectual dapessoa, à redução da personalidade e da visão do mundo, convidando, também, aesquecer a oposição fundamental entre a figura do consumidor e a figura do cidadão.

Intrínseca a essa dinâmica cultural do capitalismo, encontramos também os movimentos

de auto-afirmação cultural, de busca de identidades coletivas, cujas particularidades inscritas em

um horizonte de construção de uma outra sociabilidade, podem tornar-se móveis importantes na

organização de processos contra-hegemônicos. Conforme nos lembra Santos (2004), as formas

culturais hegemônicas jamais são completas; a ciência e a tecnologia que aproximam as pessoas

e mundos podem ser artifícios também para a construção de uma nova ordem e nos autorizam a

pensar que dispomos de condições objetivas capazes de gerar uma nova consciência e um novo

sentido para as ações humanas. As inovações tecnológicas, bem como os processos culturais

em curso, abrem “espaço para a primazia do ético sobre o sistêmico, portanto, para por a

acumulação de bens a serviço da conquista da humanidade do homem” (OLIVEIRA, 1996, p.

194).

Os avanços da ciência e da tecnologia estão presentes também nas mudanças que ocorrem

no mundo do trabalho, cujos reflexos atingem a todos aqueles que “vivem-do-trabalho” (ANTUNES,

1999).

Constatamos que, cada vez mais, as empresas implementam processos de reestruturação

de sua produção, integrando equipamentos de base microeletrônica, ao mesmo tempo em que

adotam novas formas de gestão do trabalho, com programas de inovação e de controle de qualidade

de seus produtos. O chamado “modelo taylorista/fordista”, baseado na produção em grande série

de produtos, utilizando-se de instrumental específico (equipamentos de base mecânica, organizados

a partir de sistemas verticalizados de direção e controle, apoiados em mão de obra pouco

qualificada), tende a coexistir ou ser substituído pelos chamados “modelos de produção flexível”.

Estes últimos, contrariamente ao primeiro, organizam-se a partir da produção de pequenas séries

de produtos (produção focalizada), utilizando-se de equipamentos universais (de base

(Educação e Trabalho)

Page 140: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

140 PROPOSTA CURRICULAR

microeletrônica). Apresentam sistemas de direção descentralizados, com adoção de técnicas de

gestão baseadas no trabalho em grupo, em “células de produção” e “times de trabalho”, requerendo

também, em nível discursivo, maior participação dos trabalhadores. Esse conjunto de inovações

ficou conhecido como “modelo japonês” ou “toyotismo”. Contudo, esse novo modelo produz

segmentações no coletivo de trabalhadores; por um lado, constata-se que os processos tecnológicos

e formas de organização do trabalho que o sustentam requerem novas qualificações dos

trabalhadores; por outro lado, produz também um grande contingente de desempregados e de

trabalhadores temporários e precarizados (ANTUNES, 1999).

Do ponto de vista das empresas, o perfil do trabalho mudou, elevando as exigências de

qualificação da força de trabalho: níveis mais elevados de escolarização, e demandas relacionadas

aos aspectos subjetivos, tais como: atitudes de cooperação e liderança, capacidade de raciocínio

abstrato, competências para a resolução rápida de problemas, etc., são alguns dos aspectos

valorizados. Em síntese, capacidades comportamentais, intelectuais e sociais, expressas na tríade

“saber-ser”, “saber-fazer” e “saber-conviver”, são destacadas como necessárias ao trabalho flexível

e polivalente. É nesse contexto que surge a noção de competência, como instrumental conceitual

e prático, capaz, de explicitar as novas demandas da sociabilidade atual. Essa competência segundo

o Parecer CNE/CEB nº 16, de 22/12/1999, é destacada como “capacidade de articular, mobilizar e

colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho eficiente

e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho”.

Contudo, estudos17 têm destacado que as novas qualificações exigidas vêm acompanhadas

de novas formas de exploração e de intensificação do trabalho humano; Deluiz (2001, p.15) destaca

que:

[...] a intensificação da exploração do trabalho se traduz no fato de os trabalhadoresoperarem simultaneamente várias máquinas, ou desempenharem várias tarefas,em um ritmo e velocidade determinados pela mediação da automação e dainformatização, ampliando a jornada de trabalho que passa a depender muitomenos de contratos previamente acordados entre capital e trabalho, e muito maisdas necessidades da produtividade capitalista.

Assim, para a autora, as possibilidades da profissionalização e maior qualificação dos

trabalhadores precisam ser construídas, estando condicionadas a organização e mobilização do

coletivo de trabalhadores, mediante a instituição de mecanismos e regras que garantam a expressão

e materialização de seus interesses.

(Educação e Trabalho)

17 FRIGOTTO, 1999; ANTUNES, 1999.

Page 141: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 141

Esse quadro complexo e contraditório coloca novos desafios para a educação básica e,

em especial, para a formação profissional dos jovens e adultos trabalhadores. Já em 1998, a

Proposta Curricular de Santa Catarina destacava a convergência de interesses e pontos de vista

entre governo, empresários e organismos internacionais, sobre a necessidade de uma ampla

reforma no sistema educacional brasileiro, com o objetivo de adequá-lo às novas demandas oriundas

do mundo do trabalho. Dispositivos legais e institucionais, acordos e compromissos, tais como a

LDB (Lei 9394/96), em documentos do Banco Mundial, CEPAL/UNESCO (1992), OREALC/UNESCO

(1990) e Declaração Mundial de Educação para Todos (documento do qual o Brasil é signatário),

criaram as diretrizes e princípios que orientaram as reformas educacionais nos anos de 1990.

1.1 AS MUTAÇÕES NO TRABALHO E AS RELAÇÕES COM O CONTEXTO DA

EDUCAÇÃO

Em face das transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho e do papel social

da educação, encontramos posições que apresentam convergências e divergências, e que

abrangem dois extremos: num dos lados, estão aqueles cujo otimismo com as mudanças em

curso defendem a transposição das técnicas e métodos empregados pelas empresas para a Escola;

de outro lado, localizam-se posições críticas que vêem a relação Escola-Empresa de forma unilateral,

tomando as reformas educacionais como “estratégia linear e unívoca dos agentes do grande

capital, no sentido de superação da crise do capitalismo” (SANTA CATARINA, 1998, p. 4). Superando

essas duas posições, situam-se as proposições que acreditam que a Escola articula-se com forças

externas que interferem no seu funcionamento; contudo, essas determinações não são unívocas,

uma vez que a Escola, é, ela mesma, espaço de contradição, conservando-se tanto as possibilidades

de permanência como de mudança das formas estabelecidas (SANTA CATARINA, 1998).

As reformas educacionais dos anos 90 tiveram como principal objetivo criar um conjunto

de condições institucionais, pedagógicas e educacionais, que proporcionassem a “modernização

do sistema”. As críticas dirigidas à educação pública por empresários e organismos internacionais,

tais como Banco Mundial, UNESCO e CEPAL, apontavam para a pouca eficiência do sistema para

atender às necessidades de qualificação requeridas pelo novo contexto de trabalho. Segundo

(Educação e Trabalho)

Page 142: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

142 PROPOSTA CURRICULAR

Oliveira (2000, p. 331), “adotando modelos de gestão fundados na descentralização administrativa,

na autonomia financeira e no planejamento flexível, buscam introjetar na esfera pública as noções

de eficiência, produtividade e racionalidade inerentes à lógica capitalista.”

A perspectiva político-ideológica adotada na reforma brasileira, que abarcou desde aspectos

como currículo, financiamento, descentralização, avaliação até formação de professores, restringiu

suas várias dimensões a uma perspectiva fortemente economicista, produzindo resultados contrários

àqueles necessários a uma educação de qualidade e democrática. Em 1998, já na Proposta

Curricular, anunciavam-se os possíveis efeitos da reforma, a partir de um conjunto de críticas, que

apontavam para o caráter restrito da P.C., salientando que a “nova educação”, tal como vinha

sendo anunciada nos documentos da reforma, não era de fato “para todos”, pois mantinha sua

face excludente. Em outras palavras, o projeto de educação veiculado pelas reformas dos anos de

90, longe de significar um “modelo novo de educação omnilateral, unitária, gratuita e para todos”

(SANTA CATARINA, 1998, p. 7), na prática, se realizava como educação para poucos, uma vez

que a inclusão social pelo acesso ao trabalho e a educação ainda era um caminho distante para

muitos.

Não obstante as determinações hegemônicas não apontarem para uma educação de fato

inclusiva e democrática, “há espaços para a crença e a efetivação de processos alternativos de

transformação do campo educacional no momento em curso” (SANTA CATARINA, 1998, p. 112).

A construção desse espaço requer engajamento de todos aqueles comprometidos com educação

democrática, em ações que se inscrevam nos planos ético, político, teórico e prático. No plano

ético-político, conforme afirma Frigotto (1999, p. 94), “a tarefa é afirmar os valores de efetiva

igualdade, qualidade para todos, solidariedade e da necessária ampliação da esfera pública

democrática em contraposição à liberdade e qualidade para poucos”; no plano teórico-prático,

significa enfrentar desafios que implicam inscrever a educação básica e profissional, para além do

simples domínio técnico ou instrumental, em direção ao desenvolvimento e formação de caráter

omnilateral. Essa é uma tarefa que encontra seu locus adequado na Escola Pública, gratuita e

democrática.

Uma proposta pedagógica dessa natureza requer, para sua efetivação, a participação

comprometida dos profissionais da educação. Nesse sentido, referimo-nos não apenas à ação

educativa realizada no processo ensino-aprendizagem, mas à participação em todas as instâncias

da Escola e dos sistemas. Dito de outro modo, a construção da Escola democrática implica a

democratização de toda a estrutura e instâncias organizativas e deliberativas das instituições

educacionais. O trabalho dos educadores, recuperado em sua criatividade, propiciará a construção

de novos sentidos para a prática pedagógica, que tendo como horizonte político a utopia

emancipatória, encontra nesse ideal os fundamentos e a finalidade para a educação, conforme se

refere Arruda (1987, p. 70, apud SANTA CATARINA, 1998, p. 10):

(Educação e Trabalho)

Page 143: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 143

[...] para que exista uma relação interativa e fértil entre trabalho e educação, éindispensável superar a noção de que a educação tem um objetivo em si mesma e,portanto, subordina o trabalho enquanto outro pólo da relação [...]. Ao contrário, aeducação não tem um sentido em si, é educação para. Sua finalidade, portanto, estáfora dela (grifos do autor).

Ao destacarmos o importante papel destinado aos educadores, na construção de uma

educação efetivamente democrática, pretendemos reafirmar o espaço educativo como mediação

privilegiada na constituição de educandos críticos e cidadãos; contudo, salientamos, essas

possibilidades estão condicionadas a um conjunto de mudanças localizadas na contra-corrente

dos movimentos em curso.

Os desafios a serem enfrentados pelos educadores, conforme já destacamos em 1998,

implicam o abandono, seja de posturas simplistas ou assistencialistas, quase sempre “coladas”

às perspectivas do mercado, ou de posturas idealistas, calcadas em pedagogias abstratas, que

não conseguem também superar os processos de discriminação e exclusão social que reservam

para a maioria dos jovens trabalhadores a via da subordinação aos processos hegemônicos de

trabalho.

Educadores, gestores e demais profissionais da educação, efetivamente comprometidos

com a democratização da educação, têm como horizonte uma práxis educativa que proporciona,

ao educando, a reflexão e ação sobre as relações que constituem o mundo do trabalho;

comprometem-se com a educação de sujeitos que transformam o próprio meio em que vivem e,

ao fazê-lo, mudam sua própria história. Nessa perspectiva:

[...] a práxis educativa deve significar a emergência de novas formas de se lidar como processo de ensino-aprendizagem: com os conteúdos, métodos e técnicas,planejamento e avaliação, relação professor-aluno e a gestão escolar; processosinterativos como, por exemplo, gestão participativa, trabalhos em grupo, debates,seminários, etc, enfim, discussões e experimentos que proporcionem a troca, ointercâmbio, e avanço solidário (SANTA CATARINA, 1998, p. 10).

Para realizar essas tarefas, conforme já apontado, em 1998, a formação dos educadores

deve constituir um objetivo essencial. Contudo, não se trata de simples treinamento ou capacitação

para a implementação de reformas. A construção de uma perspectiva omnilateral de educação

exige educadores que tenham uma sólida base teórica e epistemológica, conforme adverte Frigotto

(1999, p. 95):

(Educação e Trabalho)

Page 144: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

144 PROPOSTA CURRICULAR

[...] a formação e profissionalização do educador reduz-se a um adestramento e a umatrofiamento das possibilidades de, no âmbito ético-político e sócio-econômico, analisaras relações sociais, os processos de poder e de dominação e, portanto, de percebera possibilidade de trabalhar na construção de uma sociedade alternativa.

2 RELAÇÃO EDUCAÇÃO E TRABALHO: UM DESAFIO QUE PODE DAR UM OUTRO SENTIDO À ESCOLA

Entendendo educação e trabalho como práticas sociais mediadoras e, portanto, processos

em permanente transformação, pela ação dos sujeitos sociais, culturais e históricos, reafirmamos

a proposição da relação educação e trabalho explicitada em 1998, na Proposta Curricular de

Santa Catarina, que está fundamentada “numa perspectiva sócio-histórica, em que o homem é

entendido como ser que se constrói permanentemente na relação consigo mesmo, com a natureza,

com a sociedade do seu tempo e as sociedades do passado” (SANTA CATARINA,1998, p. 106).

Nessa opção teórica, os processos de educação básica, formação técnico-profissional e

de qualificação de caráter democrático, assumem um sentido histórico efetivo, articulados a uma

visão de educação que tem o trabalho como princípio educativo, uma vez que é pela produção

que o homem estabelece relações com seus semelhantes, produz conhecimentos, constrói a

sociedade e faz história.

O trabalho humano, compreendido em seu sentido ontológico18, está intrinsecamente

relacionado à produção de nossa existência como sujeitos sociais, cujas possibilidades ou limites

encontram-se materializadas no processo histórico que caracteriza o desenvolvimento das

sociedades.

Compreender o sujeito humano plenamente, implica tomá-lo em sua historicidade, não

como sujeito individual, mas como resultado de um processo coletivo e de relações sociais

concretas. De acordo com Gramsci (1978), o processo de constituição do sujeito social histórico

se caracteriza pela unidade de três elementos fundamentais e diversos: natureza, indivíduo e

relação social, sendo que o primeiro e o segundo estão subordinados concretamente ao terceiro,

que é determinante. Conceber esse sujeito fora das relações sociais ou separar o mundo da

(Educação e Trabalho)

18 Trabalho, segundo Marx (1979) e Luckács (1978), no sentido ontológico, é entendê-lo como “categoria central”,estruturante de um novo tipo de ser - o homem - e de uma nova concepção de história, com base narealidade externa, objetiva, na produção de existência humana”. (CIAVATTA in FRIGOTTO E CIAVATTA,2002, p. 31).

Page 145: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 145

necessidade do mundo da liberdade, do trabalho e do não trabalho é inscrever-se numa

compreensão idealista de homem e de realidade (FRIGOTTO, 2002).

Essa perspectiva deriva-se do entendimento de que é pelo trabalho que a humanidade,

para atender as suas necessidades, cria e recria a sua existência material e intelectual (FRIGOTTO

apud Lukács, 1978). A ação consciente do homem e a possibilidade de projetar e modificar as

condições dadas/existentes é o que o distingue dos outros animais.

Podemos definir trabalho como a base da existência social da humanidade, como a atividade

que transforma a natureza nos bens necessários à existência social. Ele estrutura não somente a

nossa relação com o mundo, mas também as relações sociais. Pela atividade trabalho, o homem

transforma a natureza, adequando-a as suas necessidades vitais, mas, ao mesmo tempo, é por

ela transformado.

Nessa perspectiva, os homens estão histórica e culturalmente inter-relacionados à natureza,

como possibilidade de garantir a sobrevivência, além da necessidade do relacionamento em

sociedade. Silva Júnior e González (2001, p. 16) apresentam o trabalho:

[...] como elemento central para o entendimento da formação humana, em qualquermomento da história da humanidade, com formas históricas distintas, influenciadopor diferentes temporalidades históricas. De forma complexa, o trabalho éexpressão humana que conforma a natureza e a realidade social e o própriohomem, cujo produto do trabalho sempre lhe é maior e a ele confronta-se.

De acordo com Lessa (2002, p. 28), “o trabalho, [...] é a atividade de transformação do real

pela qual o homem constrói, concomitantemente, a si próprio como indivíduo e a totalidade social

da qual é partícipe”. Essa transformação do real não se dá de forma harmônica, pois a realidade

é constituída de interesses antagônicos, de relações sociais contraditórias e conflituosas.

No âmbito educacional o trabalho é princípio educativo quando possibilita “ao cidadão-

produtor chegar ao domínio intelectual do técnico e das formas de organização social para ser

capaz de criar soluções originais para problemas novos que exigem criatividade, a partir do domínio

do conhecimento” (KUENZER, 2002, p. 32-33). Portanto, a ação educacional pautada nesse

princípio busca superar os modelos de produção que consideram o trabalho como mercadoria e a

educação como reprodutora da força de trabalho.

(Educação e Trabalho)

Page 146: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

146 PROPOSTA CURRICULAR

Garcia e Lima Filho (2004, p. 30) também têm esse entendimento, quando afirmam que o

trabalho, como princípio educativo, constitui-se num processo de humanização e socialização dos

sujeitos sociais e, dessa forma, do “processo de qualificação para o trabalho, mediante a apropriação

e construção de saberes e conhecimentos, de ciência e cultura, de técnicas e tecnologia”.

Temos a convicção, assim como postula Frigotto (2002), que os processos educacionais

são práticas sociais intencionais, portanto, não neutras, na mediação e formação da sociedade.

Na correlação de forças entre as políticas sociais hegemônicas e os projetos dos sujeitos que

fazem a educação escolar, as premissas de educar para o trabalho e educar para a cidadania,

modificam e materializam as diferentes formas para socializar o capital social, cultural e escolar às

crianças e jovens, tendo em vista a manutenção ou a modificação das práticas sociais.

Petitat (1994) considera que, embora seja verdadeiro que a Escola reproduza as relações

sociais, também é verdade que há outros efeitos da educação como produtora da difusão de

novos valores, assim como da transformação da cultura, da modernização do ensino e do

desenvolvimento da mobilidade, ainda que de pequeno alcance. Nessa mesma perspectiva, de

acordo com Cury (2000), tanto os setores liberais como os democráticos não se ausentaram de

entender a educação como caminho de mobilidade e/ou de integração na ordem social. Seja por

razões políticas ou ligadas ao indivíduo, a educação ao longo de sua história também foi vista

como um canal de acesso aos bens sociais e à luta política, e, como tal, um caminho de emancipação

do indivíduo.

Em sua obra sobre a produção da Escola/produção da sociedade, Petitat (1994), considera

que as funções de integração sociopolítica foram decisivas para a consolidação da instituição

escolar. Sua análise sobre alguns momentos significativos dos processos de mudança da Escola

no ocidente evidencia que os objetivos de ensinar a ler e a escrever, nos séculos XVI e XVII, foram

pretexto para catequizar, retirar as crianças das ruas, imprimir o respeito à ordem, criar hábitos de

trabalho, etc. O autor ressalta que a educação e instrução das elites e dos pobres gradativamente

consolidaram uma trajetória dual.

Não pretendemos discorrer sobre o processo de constituição da Escola brasileira, porém é

importante destacar que sua história está ligada a uma sociedade que supervaloriza o trabalho

intelectual em detrimento do trabalho manual. Os estudos e pesquisas de Kuenzer (2002), sobre

a Escola de ensino médio no Brasil, apontam que essas duas funções do sistema produtivo, que

separavam as atividades de planejamento e de execução, herança do taylorismo-fordismo,

correspondem a trajetórias curriculares duais e escolas diferenciadas, uma dualidade estrutural

que diferencia o lugar dos sujeitos de acordo com sua origem social.

Romper com essa dualidade tem sido a tarefa dos profissionais da educação que se querem

‘transformadores’ e ‘gestores’ de uma educação democrática (Sacristán), unitária e politécnica

(Gramsci, Saviani), tendo em vista a unidade teoria-prática, isto é uma práxis que busque superar

(Educação e Trabalho)

Page 147: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 147

os riscos de cair no idealismo “de propostas de ação educativa deslocadas do real que, no resultado,

se identifica com o imobilismo que não leva a nada” (SANTA CATARINA, 1998, p.106). A tarefa é

só dos profissionais da educação? Ou romper com essa dualidade é uma tarefa imprescindível

para a construção de uma escola democrática, unitária e politécnica?

2.1 QUE SIGNIFICA EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA?

A educação democrática está alicerçada na universalização do processo de escolarização

para parcelas da população com “origens sócio-culturais distintas, com possibilidades, aspirações

e destinos diferentes” (SACRISTÁN, 1996, p. 47). Embora a escolarização obrigatória tenha sido

estendida para todos os cidadãos, existem diferenças entre os tipos de escolas (públicas e privadas;

públicas consideradas centros de referências e públicas em geral) que sustentam a seleção social

e cultural no sistema educacional. Outro aspecto ligado à universalização diz respeito à explicitação

de conflitos culturais, anteriormente ocultos e externos à Escola, pois uma pequena parcela da

população tinha acesso à escolarização.

Estas questões - universalização, diferenças culturais e diferenças entre as escolas -

pressupõem a construção de uma escola democrática, que tem como princípio o desenvolvimento

total das possibilidades humanas e, como função social, a socialização e reelaboração dos

conhecimentos articulados às práticas sociais.

A função social da educação democrática localiza-se num espaço onde a reelaboração de

conhecimentos é o ponto de interseção das diferentes culturas, visto que o universo escolar

caracteriza-se pelas trocas culturais e contratos sociais, afetivos e cognitivos, que, mesmo perante

as determinações legais e imposições político-administrativas e pedagógicas, encontra formas de

resistência à reprodução.

Outro ponto de interseção fundamenta-se no direito ao acesso e à permanência na educação

escolar, pois para a maioria da população brasileira, a Escola é um dos poucos espaços de acesso

aos conhecimentos historicamente acumulados.

Uma educação democrática também é matizada pela ação intencional e reflexiva dos

sujeitos sociais que reinventam os fazeres pedagógicos, tendo em vista a transformação das

relações sociais e pedagógicas e dos conhecimentos escolares, e não somente a reprodução ou

mecanização desses conhecimentos como verdades absolutas. Partilhamos do entendimento de

Marx sobre a necessidade de se considerar o caráter transitório e acumulativo dos conhecimentos,

(Educação e Trabalho)

Page 148: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

148 PROPOSTA CURRICULAR

quando se trata de vislumbrar uma educação, voltada para a socialização dos conhecimentos já

construídos e objetivados na forma de teorias, de técnicas, de arte, etc.

A instituição escolar é um campo não somente de consenso e sujeição, mas, também, de

criação de estratégias para implícita ou explicitamente negar, negociar, resistir ou criar novos

“mapas culturais”. Essa possibilidade humana de (re)inventar e (re)produzir novas formas de vida

em sociedade, a partir de interesses antagônicos, de consensos, conflitos e de resistências, contribui

para que a Escola seja não apenas reprodutora, mas também produtora de conhecimentos,

significados e representações sociais.

2.2 ESCOLA DEMOCRÁTICA E O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO

A Escola Pública é entendida como o principal espaço de acesso aos processos educativos

e formativos disponível para o cidadão que vive do trabalho. Essa escola tem a função social de

oferecer-lhe uma melhor compreensão das relações sociais e produtivas, entendendo que no

contexto educacional as relações de ensino e aprendizagem deverão oportunizar a apropriação

de conhecimentos com vistas ao rompimento do ciclo de exclusão sócio-econômico-cultural.

A educação configura-se na possibilidade do sujeito-aluno compreender e participar dos

processos que interferem no mundo produtivo, dando-lhe condições de transformação da realidade.

Nessa direção, a práxis educativa poderá ser significada como emergência de outras formas de se

lidar com o processo ensino-aprendizagem.

Tendo este contexto como referência, entendemos que a escola democrática ou de cultura

geral, tal como Gramsci nos propõe, e que tem como prerrogativa a emancipação do sujeito

social, realiza-se como um dos espaços potencialmente destinados à formação humana19, pois os

processos educativos ali desenvolvidos são repletos de situações concretas vivenciadas na

sociedade pelo “sujeito-aluno” (FRIGOTTO, 2002, p.7).

Frigotto (2000) fortalece essa compreensão, ao afirmar que a união da educação ao trabalho

produtivo, numa escola democrática, é trabalhar uma proposta de currículo numa concepção

orgânica que implica a criação de condições históricas de uma sociedade onde o “homem total e

todo o homem se humaniza pelo trabalho” (p. 97). A educação escolar ou não-escolar, nesse

enfoque, é compreendida e proposta juntamente com o mundo do trabalho, as relações sociais de

produção, numa função formativa do cidadão para a democracia, o que significa não cair em

(Educação e Trabalho)

19 O processo de conhecimento e de realização individual é compreendido como formação humana, expressasocialmente e que vai além da dimensão do agir unicamente pela subsistência. (ALEXANDRE, 2004)

Page 149: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 149

armadilhas de reserva de uma escola de elite para quem dirige, e escolas múltiplas e desqualificadas

para a classe trabalhadora.

A escola democrática é também chamada de criadora, pois contribui para desenvolver no

sujeito a responsabilidade autônoma, bem como a sua participação efetiva na construção de si

mesmo, da sociedade e do estado. “Escola criadora não significa escola de ´inventores e

descobridores; ela indica uma fase e um método de investigação e de conhecimento, e não um

‘programa’ predeterminado que obrigue à inovação e à originalidade a todo custo” (GRAMSCI,

1988, p.124).

O objetivo dessa proposta será alcançado pelo desenvolvimento de um alicerce cultural

sólido e durável, capaz de acompanhar o sujeito durante toda a sua vida, pois é repleto de significado,

nas atividades do trabalho e da vida.

Sob este princípio, a educação é um processo de construção pessoal e social que se dá no

mundo das relações, ou seja, na interação com o mundo concreto, na história, no cotidiano, nas

relações que o homem estabelece com a natureza, com a sociedade, com suas estruturas políticas,

sociais e econômicas. Assim, educação, como afirma Saviani (2003), é concebida como a atividade

mediadora, no seio da prática social global, que serve ao objetivo de promover o homem,

possibilitando que se torne cada vez mais histórico-social consciente.

Nessa perspectiva, cabe ao sistema educacional buscar romper com concepções de cunho

pragmático e assistencialista, propondo mecanismos que ampliem as possibilidades de acesso

ao conhecimento produzido historicamente por meio de alternativas educativas que promovam o

desenvolvimento de “atividades ligadas à vida coletiva, ao mundo da produção e do trabalho”

(GRAMSCI, 1988, p.126).

Considerando o princípio de escola democrática, torna-se desafio para o educador assumir

o compromisso de desenvolver, na sua práxis educativa, atividades de aprendizagem que fomentem

a participação política e produtiva no mundo das relações sociais concretas, com base na autonomia

e norteadas por princípios éticos e políticos. Essa práxis se dá a partir do senso comum do sujeito-

aluno-trabalhador, de sua cultura, “explicitando seu saber, sua ciência e sua consciência” (GRAMSCI

apud FRIGOTTO, 2000, p.99), pautado no “historicismo como método, no sentido de dar vida às

razões, aos problemas e às dúvidas que motivaram o avanço do conhecimento” (RAMOS, 2001,

p.296). O senso comum é assim entendido como ponto de partida para a superação, pois, se o

“conhecimento não supera o senso comum, não é conhecimento: são suposições desagregadas

que seduzem os trabalhadores mais simples, por se aproximarem da realidade, mas os mantêm

subordinados aos desígnios do espontaneísmo” (RAMOS, 2001, p.296).

Conhecer e compreender os determinantes históricos da produção humana, sua função e

seus valores são formas de promover a consciência, produzindo novos saberes científico-

tecnológicos que interessam a coletividade e a toda humanidade (RAMOS, 2001).

(Educação e Trabalho)

Page 150: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

150 PROPOSTA CURRICULAR

Segundo Kuenzer (2002), a articulação entre formação científica e sócio-histórica e a

formação tecnológica, no sentido de superar a ruptura historicamente determinada entre escola

que ensina a pensar pelo domínio teórico-metodológico do conhecimento, daquela que apenas

ensina a fazer por meio da memorização de procedimentos e desenvolvimento de habilidades, se

apresenta como desafio a ser garantido no âmbito das políticas públicas e da especificidade do

trabalho pedagógico. Ciavatta (2004, p. 1) reafirma essa concepção, ao assim se pronunciar:

Queremos tornar íntegro, inteiro o sujeito dividido pela divisão social do trabalho, entrea ação de executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar. Queremos superar a reduçãoda preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado, escoimadodos conhecimentos que estão na gênese científico-tecnológica e na apropriaçãohistórico-social.

Se a práxis educativa significa a necessidade de criar novas formas de trabalho pedagógico,

no processo ensino-aprendizagem, assumimos então que conteúdo e forma são fundamentos

teórico-metodológicos que comprometem um repensar do currículo. Conceber uma proposta de

formação tecnológica implica em ir além da justaposição de categorias como ciência, trabalho,

cultura e tecnologia. Nessa perspectiva, a organização do currículo nos remete “às diferentes

práticas definidas pelas demandas sociais e produtivas, compreendendo a autonomia como

capacidade de enfrentar os desafios do trabalho e da vida social” (KUENZER, 2002, p.13), no

sentido de consolidar e desenvolver conhecimentos numa concepção omnilateral de dimensão

humana e técnica, entendida como integração entre ensino e trabalho, tendo em vista o

desenvolvimento humano em todos os sentidos.

2.3 ESCOLA UNITÁRIA: QUE ESCOLA É ESSA?

A escola unitária, de formação omnilateral, politécnica ou tecnológica, demarca uma

perspectiva ético-política de formação humana, que compreende elementos concretos e

possibilidades de avanço político-prático nos processos educativos. Portanto, como afirma Frigotto

(1995, p.177), pressupõe um esforço de “identificar os eixos básicos de cada área de conhecimento

que em sua unidade detenham a virtualidade do diverso. O princípio da ciência é, neste sentido,

por excelência unitário, isto é, síntese do diverso do múltiplo.”

(Educação e Trabalho)

Page 151: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 151

Supõe que os processos educativos ocorram na perspectiva do desenvolvimento das

múltiplas potencialidades do educando, evitando as especializações precoces de suas capacidades

e habilidades. Nessa direção, a escola unitária tem como base a politecnia, compreendida pela

indissociabilidade das dimensões intelectuais e manuais do trabalho humano. A noção de politécnica,

de acordo com Saviani (2003), ancora-se na idéia de que não existe trabalho manual puro e nem

trabalho intelectual puro. Se o homem se constitui a partir do momento em que age sobre a

natureza, adaptando-a e ajustando-a as suas necessidades, então o exercício da função intelectual

já está presente nos trabalhos manuais os mais rudimentares ou mais primitivos.

Esse autor evidencia que se torna cada vez mais difícil caracterizar profissões manuais e

profissões intelectuais, pois, o próprio fenômeno da aprendizagem evidencia isso; quando o

trabalhador aprende as funções manuais está aplicando a sua inteligência no domínio desse

processo. As profissões ditas intelectuais organizam-se a partir das articulações intelectuais, mas

não se fazem sem o recurso da prática.

Considera-se que a educação politécnica pressupõe, em primeiro lugar, tornar os

conhecimentos concretos, vivos e atualizados com o desenvolvimento técnico-científico. A politecnia

exige a redefinição da relação entre estrutura, conteúdo e métodos numa perspectiva orgânica,

impregnada pelas questões do cotidiano social (MACHADO, 1989), que leve o sujeito social a

perceber/relacionar/modificar o seu cotidiano.

Politecnia ou educação tecnológica, conceitos que embasam as discussões no campo do

trabalho e educação, não devem ser tomados como antagônicos. Ramos (2002, p. 136), retomando

Gramsci, ressalta que ambos supõem uma perspectiva educacional que toma a tecnologia como

produto do trabalho humano no processo de transformação da natureza com vistas a objetivos

coletivos. Portanto, a educação tecnológica refere-se à conexão entre ensino e trabalho como

base para o trabalho produtivo que exclui toda oposição entre cultura e profissão. No contexto da

prática educativa, esses conceitos nos remetem a um compromisso com uma sólida formação

básica que articule cultura, conhecimento, tecnologia e trabalho como direito de todos e condição

da cidadania e democracia efetivas.

Como afirma Frigotto (1995, p.173), as concepções de politecnia, educação tecnológica,

bem como de escola unitária, “sinalizam um conteúdo histórico em devenir”, pois contêm em si

elementos e possibilidades concretas de organizar processos educativos pautados em uma práxis

pedagógica que supere as dicotomias entre teoria e prática, entre trabalho manual e intelectual,

entre educação geral e específica.

Essa perspectiva implica uma cuidadosa reflexão acerca do trabalho pedagógico, como

uma das dimensões que caracterizam a educação como uma modalidade específica e diferenciada

de trabalho. Para tanto, faz-se necessário que os profissionais da educação tenham a disposição

de se apropriar plenamente dos saberes curriculares, disciplinares e pedagógicos constituidores

(Educação e Trabalho)

Page 152: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

152 PROPOSTA CURRICULAR (Educação e Trabalho)

do fazer pedagógico, bem como assumam o compromisso com a formação dos alunos e com o

avanço das condições sociais no contexto em que atuam.

Trata-se, pois da permanente ação/reflexão/ação sobre o sentido histórico, político, social

e técnico do fazer pedagógico, o que demanda um conhecimento rigoroso, radical e de conjunto

da prática pedagógica, e o compromisso de ressignificar o papel da educação na atualidade (SAVIANI,

1986).

3 IMPLICAÇÕES DE UMA EDUCAÇÃO

TECNOLÓGICA/POLITÉCNICA NO CONTEXTO

DA ESCOLA PÚBLICA

Uma educação que se propõe a assumir o “conceito de trabalho como práxis humana”

(KUENZER, 2001, p.39), explicita uma proposta educacional fundamentada nos princípios da

formação tecnológica. Isto nos leva a considerar que o currículo dessa escola necessita estar

pautado na “síntese entre o conhecimento geral e o específico, determinando novas formas de

selecionar, organizar e tratar metodologicamente os conteúdos” (KUENZER, 2001, p. 39). A ação

educacional será direcionada ao “desenvolvimento da capacidade de usar conhecimentos científicos

de todas as áreas para resolver as situações que a prática social e produtiva apresenta ao homem

cotidianamente” (KUENZER, 2001, p.40).

Assim, o currículo necessita tratar as questões de formação como um processo que vai

além da escolarização, da qualificação desvinculada das exigências ligadas a empregabilidade e

da competência com o foco no resultado da produção de mercadorias. Cabe aqui explicitarmos a

compreensão da noção de competências que estamos tendo nesse estudo, noção esta, que, na

base dos dispositivos legais20, constitui-se a concepção orientadora para a elaboração dos currículos

de formação profissional e do ensino médio da atualidade21.

20 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB nº 9.394/1996, artigos 39 a 42, estabeleceu níveis emodalidades de ensino, definindo a Educação Profissional como uma das modalidades. A partir desta LDBcriaram-se dispositivos de regulamentação como o Decreto nº 2.208/97, as Diretrizes Curriculares Nacionaispara a Educação Profissional, consubstanciada pelo Parecer CNE/CEB nº 16/99, na Resolução CNE/CEBnº 04/99 e nos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Profissional. O Decreto nº 2.208 foisubstituído pelo Decreto nº 5.154/2004, que buscou romper com o dualismo entre formação geral e específica.O Ensino Médio é um dos níveis de ensino e está ancorado nos artigos 35 e 36 da LDB e ParecerCEB/CNE nº 15/98 (DCNs). O Grupo de Trabalho da ANPED: Trabalho e Educação possue estudosaprofundados sobre estas temáticas, os quais estão disponíveis aos interessados na página da ANPED:www.anped.org.br.

21 Para maiores estudos referente ao modelo de currículo por competência indicamos autores como: MarizeRamos, Acácia Kuenzer, Neise Deluiz.

Page 153: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 153

Essa noção, largamente difundida nas reformas educacionais brasileiras dos anos de 1990,

é objeto de controvérsias, observando-se tanto estudiosos que se mostram favoráveis a sua

utilização, como também aqueles que se posicionam contrariamente a sua adoção na educação.

As polêmicas que registramos quanto ao seu uso nas práticas escolares, expressam de fato seu

caráter polissêmico, observando-se uma variedade de significados e sentidos, dependendo da

perspectiva político-ideológica daquele que a enuncia. Deluiz (2001, p.23) assim se refere:

[...] a noção de competência é fortemente polissêmica, tanto no mundo do trabalhoquanto na esfera da educação. Esta polissemia se origina das diferentes visõesteóricas que estão ancoradas em matrizes epistemológicas diversas e queexpressam interesses, expectativas e aspirações dos diferentes sujeitos coletivos,que possuem propostas e estratégias sociais diferenciadas e buscam hegemoniade seus projetos políticos. [...] Cabe enfatizar que estas escolhas em educaçãonão são neutras e que expressam as características e os interesses dos grupose das forças sociais que os elaboram. A noção de competência é, assim, umaconstrução social, e por isso alvo de disputas políticas em torno de seu significadosocial.

De acordo com a autora, a noção de competências22 aparece nos debates vinculada a

duas abordagens teóricas: a) condutivista/behaviorista e funcionalista, e b) construtivista. As duas

primeiras, ligadas à ótica do mercado, partem da descrição de funções e tarefas dos processos

produtivos, definindo a partir daí as competências que devem ser objeto de formação. Em termos

de processo pedagógico resultam em práticas educativas estreitas e limitadas, pois estão fundadas

no individualismo, considerando que são propostas elaboradas sob o viés econômico fora de um

contexto e que desconsideram a história que envolve todo o processo. Em contraposição, a

perspectiva construtivista, na identificação e formação por competências, “busca a construção

das competências não só a partir da função do setor ou da empresa que está vinculada ao mercado,

mas concede igual importância às percepções e contribuições dos trabalhadores diante de seus

objetivos e potencialidades, em termos de formação” (DELUIZ, 2001, p. 21). Esta última perspectiva,

ainda que atribua um papel importante para o trabalhador, não rompe com a perspectiva

individualizante das abordagens condutivista e funcionalista, valorizando principalmente as

dimensões cognitivas do trabalho, entendendo que “a construção do conhecimento é considerada

como um processo individual, subjetivo, de desenvolvimento de estruturas cognitivas”. Nesse

sentido, reafirma uma “perspectiva naturalista da aprendizagem, sem enfatizar o contexto social

para além da esfera do trabalho na aprendizagem dos sujeitos” (DELUIZ, 2001, p.22).

(Educação e Trabalho)

22 Sem aprofundar a discussão, pois a mesma não se apresenta como uma questão central de nosso estudobuscamos compreender basicamente onde a noção de competências está ancorada e de que forma poderemoscompreender tais contradições, sem cair no imobilismo.

Page 154: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

154 PROPOSTA CURRICULAR

Procurando romper com essas perspectivas reducionistas do ato pedagógico, englobado

nos usos comuns que se faz da noção de competências, Deluiz (2001) tem proposto uma

redefinição desta noção, vinculando-a a uma matriz de cunho “crítico-emancipatória”, sustentada

no pensamento dialético, atribuindo-lhe um sentido que a vincule organicamente aos interesses

dos trabalhadores. Na visão ampliada oferecida pela autora, a noção de competências reveste-se

de caráter “multidimensional, envolvendo facetas que vão do individual ao sócio-cultural, situacional

e processual [...]” (DELUIZ, 2001, p.22). Na perspectiva adotada, esta noção não se reduz apenas

a dimensão cognitiva do trabalho, nem sua aquisição fica restrita apenas ao plano do indivíduo;

contrariamente, a noção de competências, mediada pelos processos sociais e históricos, estaria:

[...] situada e referida aos contextos, espaços e tempos socioculturais e ancorada emdimensões macrosocioculturais de classe social, gênero, etnias, grupos geracionais,entre outras.Esta perspectiva, considera as competências humanas contextualizadas, historicamentedefinidas, e individual e coletivamente constituídas. Desenvolve “a idéia de competênciaprofissional ampliada, que não pode ser somente técnica, pois está ligada a todo opatrimônio de experiências coletivas, animada no seu interior pela consciência dostrabalhadores” (DELUIZ, 2001, p. 22).

Dessa forma, o currículo organizado por competências, sob uma matriz crítico-emancipatória

poderá fazer:

[...] a transposição das competências investigadas no processo e nas relações de trabalho de modo a estabelecer, no currículo, o diálogo dos conhecimentos já formalizados nas disciplinas e a experiência do trabalho. A aprendizagem dos saberes disciplinares é acompanhada da aprendizagem dos saberes gerados nas atividades de trabalho: conhecimentos, valores, histórias e saberes da experiência (DELUIZ, 2001, p. 22).

Superando tanto as perspectivas condutivistas e funcionalistas, quanto a construtivista, a

perspectiva crítico-emancipatória apresenta-se como uma proposta mais próxima, teoricamente,

do que aqui discutimos.

Buscamos explicitar nestes últimos parágrafos que as questões que perpassam o conceito

de competência fazem parte de um contexto estabelecido legalmente dentro dos currículos de

ensino médio e da educação profissional, atrelados a uma perspectiva de mercado, e, desta

forma, tornam-se, necessariamente, objeto de estudo para os educadores que se propõem a uma

educação democrática, com vistas a trabalhar com o enfoque das competências de maneira

(Educação e Trabalho)

Page 155: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 155

consciente, e não para as competências, na perspectiva hegemônica, conforme esta foi colocada

no meio educacional brasileiro.

Retomando as discussões sobre currículo e entendo-o como um “artefato social e cultural”

(MOREIRA E SILVA, 1995, p.7) que representa um conjunto de conhecimentos resultante da

“seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo” (APPLE,

1995, p.59), a inserção do trabalho como princípio educativo e então, “criador da vida humana”

(FRIGOTTO, 2002, p.12) é uma forma de opção político-pedagógica. Nessa perspectiva, a ação

educacional direcionada a adolescentes, jovens e adultos que vivem do trabalho, necessita estar

proposta a partir de uma “nova síntese entre o geral e o particular, entre o lógico e o histórico, entre

a teoria e a prática, entre o conhecimento, o trabalho e a cultura” (KUENZER, 2002, p.43). A

orientação curricular que buscamos para a escola pública, que atende o cidadão–sujeito social,

pretende desvincular a premissa compensatória existente relativa à educação e trabalho,

possibilitando formas de mediação que ofereçam “condições de identificar, compreender e buscar

suprir, ao longo de sua vida, suas necessidades com relação à participação na produção científica,

tecnológica e cultural” (KUENZER, 2002, p.43).

Para que isso se concretize, a escola necessita superar propostas que implicam na “divisão

entre os que concebem e controlam o processo do trabalho e aqueles que o executam” (SAVIANI,

2003, p. 138), pois a função da escola está em trabalhar com o sujeito aluno para que ele domine

“os fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho

produtivo moderno” (SAVIANI, 2003, p. 140). Considera-se então que, se este aluno domina tais

fundamentos, compreendendo o caráter do processo produtivo estará, conseqüentemente, em

“condições de desenvolver as diferentes modalidades de trabalho” (SAVIANI, 2003, p. 140)

Nesse caso, a dimensão cultural também necessita estar contemplada no currículo, pois

não basta à escola trabalhar apenas com os conteúdos teórico-científicos – mas sim desenvolver

todas as potencialidades do aluno.

Educação tecnológica ou politécnica, “sob o ponto de vista conceitual, é a união entre

formação intelectual e trabalho produtivo” (SAVIANI, 2003, p. 145), mas compete a nós educadores

estarmos atentos quanto ao seu significado. Educação tecnológica não está compreendida no

sentido estrito da técnica, nem de uma educação e currículo de cunho “academicista e livresco”.

Isto nos levaria a considerar o conceito de trabalho de maneira genérica, o qual estaria presente

em todos os conteúdos e ao mesmo tempo não estaria em nenhum (KUENZER, 2002, p. 41).

Portanto, o conceito de educação tecnológica ou politécnica aqui defendido, tem como

proposta de currículo a síntese entre o conhecimento geral e o específico, o que implica novas

formas de selecionar, organizar e tratar metodologicamente os conteúdos em todos os níveis e

modalidades de ensino. Conforme bem destaca Kuenzer numa discussão feita por ela em 1992:

(Educação e Trabalho)

Page 156: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

156 PROPOSTA CURRICULAR

A politecnia supõe a possibilidade de construção do novo, [...] o conhecimento resultado processo de construção da totalidade, que nunca se encerra, pois há sempre algonovo a conhecer. Nessa concepção, evidencia-se que conhecer a totalidade não édominar todos os fatos, mas as relações entre eles, sempre reconstruídas no movimentoda história. Dela deriva o princípio pedagógico que mostra a ineficácia de açõesmeramente conteudistas, centradas na quantidade de informações que nãonecessariamente se articulam, para propor ações que, permitindo a relação do alunocom o conhecimento, levem à compreensão das estruturas internas e formas deorganização, conduzindo ao ´domínio intelectual´ da técnica, expressão que articulaconhecimento e intervenção prática. A politecnia supõe, portanto, uma nova forma deintegração de vários conhecimentos, que quebra bloqueios artificiais que transformamas disciplinas em compartimentos específicos, expressão de fragmentação da ciência”(KUENZER, 2002, p.87).

Sobre essa forma de compreender o currículo e o fazer do professor, o documento da

Proposta Curricular de 1998 já colocava como tarefa do professor:

[...] a construção de sujeitos capazes de maximizar a utilização do seu potencial edos recursos físicos e humanos existentes de forma justa e solidária nas relaçõessociais, de forma eficiente e viável nas relações econômicas e de forma harmônicae sustentável na relação com a natureza. Sujeitos capazes de autogovernar-se e,junto com os outros, governar suas atividades de trabalho, da mais específica elocal à mais global; enfim, sujeitos capazes de serem dirigentes (SANTA CATARINA,1998, p.115).

Nesse sentido, o compromisso que se tem com o sujeito-aluno é de ofertar uma formação

que o prepare para participar do mundo da produção e da política sob os princípios da autonomia

e da democracia. Essa tarefa, vale reforçar, recoloca no centro o processo de ensino-aprendizagem,

o que requer dos educadores uma clara compreensão do currículo como dimensão efetivamente

constitutiva da práxis educativa. Supõe então, compreender o currículo não como “grade de

disciplinas”, mas como “terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes

funcionam como matéria-prima de criação, recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão”,

[...] ou seja, como “expressão das relações sociais e de poder” (APPLE, 1995, p.28-29). Os

conteúdos, métodos e técnicas, o planejamento, a avaliação, a relação professor-aluno, a gestão

escolar e os intervenientes sócio-político e econômicos são partes indissociáveis do processo os

quais são elementos constitutivos da ação educativa.

Nesse caso, essa conquista passa necessariamente por uma gestão pedagógica que busque

articular de forma não mecânica o trabalho com a educação; caso contrário, poderemos nos perceber

protagonistas de uma educação que represente um mecanismo de ajuste às necessidades do

mercado de trabalho, o que seria lastimável, pois fere o compromisso já anunciado na Proposta

Curricular de Santa Catarina (1998), que seria com a emancipação humana.

(Educação e Trabalho)

Page 157: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 157

Sabemos que muitos são os desafios que se interpõem a uma outra relação educação e

trabalho. Entretanto, para que possamos avançar nesse processo que tem em si uma grande

complexidade, necessitamos chamar a responsabilidade de todos aqueles que se identificam como

educadores lembrando que precisam estar:

[...] atentos ao momento histórico vivenciado, promovendo a interação de conteúdotrabalhado, vivências e contexto social. É relevante que reflitamos sobre nossaspróprias práticas, sobre os desafios que nos são postos no plano da ação concreta.O contexto mutante em que vivemos nos indica caminhos que envolvem riscos(SANTA CATARINA, 1998, p.106).

3.1 PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

A perspectiva histórico-cultural, fundada na compreensão do homem como ser que se

constrói permanentemente nas relações sociais, contribui para um entendimento mais efetivo da

função social da Escola como mediadora dos processos de socialização, apropriação e reelaboração

dos instrumentos e signos, conhecimentos produzidos pela humanidade, tanto de cultura geral

quanto de cultura técnica.

Na perspectiva do trabalho como princípio educativo, supõe-se que os processos de ensino-

aprendizagem tenham como ponto de partida conhecimentos prévios do sujeito-aluno, sem perder

de vista os conceitos/conteúdos orientados para o mundo do trabalho. De acordo com Frigotto

(2000, p. 98), “o princípio do trabalho como elemento educativo é a inseparabilidade entre ensino

e trabalho produtivo, e o caráter politécnico da escola democrática, numa dimensão mais ampla e

cultural”.

Assim, o trabalho como categoria teórico-prática deverá ser fator gerador dos processos

pedagógicos e, ao mesmo tempo, objeto de uma prática pedagógica interdisciplinar e de um currículo

que busca superar a dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual, tendo em vista a

apropriação teórica e prática dos princípios científicos que estão na base da produção. Os

conhecimentos, para Ramos (2004, p.2), “constituem-se como apropriação da realidade objetiva

(social e produtiva), de modo que os conteúdos de ensino sejam categorias de análise da realidade”.

Tomar o trabalho como eixo da questão curricular, explicitando sua constituição (instrumental

e teórica) e suas contradições e características, demanda do professor o desafio de provocar

situações de ensino-aprendizagem que partam da análise crítico-reflexiva de questões/situações/

problemas emergentes de determinado trabalho/prática social. Nessa perspectiva, o professor

estará possibilitando que o aluno se aproprie dos fundamentos e princípios científicos e tecnológicos

(Educação e Trabalho)

Page 158: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

158 PROPOSTA CURRICULAR

de um dada questão/situação/problema, bem como provocará a possibilidade de produção de

novos conhecimentos e alternativas de intervenção nos processos de constituição do trabalho/

prática social.

A proposta pedagógica aqui apresentada sustenta-se, portanto, no compromisso de educar

a criança, o jovem ou o adulto, para a sua participação política e produtiva do mundo das relações

sociais concretas, sob princípios éticos e com responsabilidade política, numa organização que

promova a autonomia intelectual e moral.

Isso supõe então, criar condições para que o educando adquira, além dos conhecimentos

necessários a sua inserção social, capacidades tais como: aprendizagem permanente, reflexão

crítica sobre sua função social, realizar ações com responsabilidade individual e social, participar

do trabalho e da vida coletiva, colocar-se de forma solidária, acompanhar de forma dinâmica as

mudanças sociais, enfrentar e propor soluções originais de forma ágil e rápida por meio de utilização

de recursos metodológicos, sob princípios científicos, tecnológicos e sócio-históricos e “ter utopia,

e orientar a construção de seu projeto de vida e de sociedade” (KUENZER, 2000, p.40).

3.2 A AÇÃO PEDAGÓGICA E OS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO

Uma educação que almeje ser democrática necessita construir um projeto educacional

mais amplo do que aquele circunscrito apenas ao campo educacional: trata-se da construção de

um projeto societário que tenha como horizonte a construção de um mundo mais solidário e menos

desigual. A educação, como mediação na transformação da sociedade, explicita uma visão crítica

que supera as demais, colocando a escola numa função ativa “na mediação de um projeto social,

ao lado de outros meios, sem desconhecer seus condicionantes e determinantes histórico-sociais,

numa apreensão das contradições” (CORRÊA, 2004, p.2).

Seja como for, a construção de uma escola efetivamente democrática depende em larga

medida da ação de todos os profissionais que com ela se relacionam, em especial dos professores.

Para isso, a participação dos professores, pais, alunos e outros profissionais da educação na

elaboração do projeto político pedagógico da escola necessita ser ativa, coletiva e participativa.

Tal participação/atuação já era preconizada como compromisso do professor, no Documento da

Proposta Curricular de 1998, no qual se destacava que o professor como intelectual transformador

é aquele que, fundamentalmente, está:

(Educação e Trabalho)

Page 159: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 159

[...] comprometido com o processo de formação e transformação dos sujeitoseducandos [e que portanto] deverá proporcionar às práticas educativas escolaresas condições de se refletir e agir sobre as relações que se dão no mundo dotrabalho. Cabe ao educador, portanto, no desenvolvimento da práxis educativaescolar, assumir a postura pedagógica comprometida com a construção do sujeitoque interage com o meio onde vive e que, interagindo conscientemente, possaentão, esse sujeito, transformar o próprio meio imediato, o mundo, a sua própriahistória (SANTA CATARINA, 1998, p.114).

Em sua prática pedagógica, os professores, de forma consciente ou não, voluntária ou

não, manifestam diferentes tendências filosófico-políticas, como nos aponta Corrêa, pois “[...]

compreendem um sentido filosófico e imprimem uma direção política para a ação” (2004, p.2). É

um processo pessoal, mas que tem arraigado visões de mundo, de sociedade e de educação.

Todavia, é preciso lembrar, para que os professores possam realizar a tarefa que deles se

espera, urge a concretização de condições efetivas de formação e valorização profissional. Em

termos de formação, seja esta inicial ou continuada, apontamos para a necessidade de que estas

deixem de ser consideradas de forma pontual ou emergencial e se tornem efetivamente objeto de

políticas de Estado. Na perspectiva que aqui propomos, a formação deve ter como alvo à

“qualificação e profissionalização humana do educador [...] numa perspectiva contra-hegemônica”

(FRIGOTTO, 1999, p.92).

Nesse entendimento, como afirma Frigotto (1999), a formação e a profissionalização do

educador têm diferentes desafios. No plano educacional é preciso (re)significar os seguintes

conceitos: formação, qualidade, autonomia, cidadania, sujeito social, entre tantos outros, como

“representações do pensamento do movimento da realidade” os quais “não são alheios às relações

de poder de classe presentes na sociedade” (FRIGOTTO, 1999, p. 91). No plano ético-político,

tendo como perspectiva que “as pessoas vêm em primeiro lugar e não são sacrificadas em nome

da produção e do lucro” (Ibidem, p. 90) o desafio na formação do educador está em explicitar e

“tornar senso comum à visão que as relações capitalistas são incapazes de prover, minimamente,

o conjunto de direitos fundamentais a todos os seres humanos” (Ibidem, p. 93). No que se refere

ao plano teórico e epistemológico, o desafio está em formar e profissionalizar para além do domínio

técnico e científico, considerando que o educador seja um “sujeito dirigente” atuando numa

perspectiva de projeto social democrático. Esta ação é, fundamentalmente, de responsabilidade

das universidades, considerando sua função estratégica na política educacional de um povo, não

podendo ser deixada nas mãos de promotores de “cursos livres ou comércio de diplomas no

mercado educacional” (Ibidem, p. 90-95).

Quanto aos desafios existentes no plano da ação prática do educador, enfatizamos a

necessidade de “potenciar a experiência da ação cotidiana para que ela não se reduza à repetição

(Educação e Trabalho)

Page 160: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

160 PROPOSTA CURRICULAR

mecânica, ao ativismo pedagógico ou ao voluntarismo político” (Ibidem, p. 99). A ação do educador

necessita de “reflexão, do autoquestionamento, da teoria; e é a teoria que remete à ação, que

enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos” (KONDER apud FRIGOTTO, 2002, p.

100). Nesse sentido, os educadores são chamados a, também, responsabilizarem-se efetivamente

pelo processo. Para o alcance desses objetivos de superação, não existem “soluções simplistas”,

nem tão pouco estamos falando de lutas e resistências, mas sim, “atiçar a própria criatividade na

busca de alternativas” (SANTA CATARINA, 1998, p.113).

Na formação continuada, cuja perspectiva não é de somatória de cursos, mas de processo

de transformação/apropriação de conhecimentos, o princípio maior é o repensar constante de

quais conhecimentos, qual currículo para atender os objetivos e finalidades de uma escola que se

quer Escola Democrática. Para Veiga (2002), a unidade entre as relações ensino e aprendizagem,

conteúdo e forma, ensino e pesquisa, teoria e prática, escola e sociedade, finalidades e objetivos,

são fundamentos para a superação de uma visão reducionista de ensino. Assim, todo e qualquer

processo de formação docente necessita:

[...] estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meiosde um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de auto-formaçãoparticipada. Estar em formação implica em um desenvolvimento pessoal, umtrabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista àconstrução de uma identidade, que é também uma identidade profissional (NÓVOA,1995, p.25).

Na perspectiva adotada nessa proposta, a formação continuada dos professores deve ter

também como fundamento o trabalho como princípio educativo, o que significa tanto uma nova

compreensão sobre o seu trabalho docente, como também acarretará uma mudança na

compreensão do processo ensino aprendizagem, trazendo para a sala de aula a relação efetiva

entre o mundo do trabalho e a ciência como força produtiva.

Assim, a capacitação e formação continuada de educadores deve estar significada na

práxis educativa, oferecendo “condições efetivas de reflexão, de se pensar o mundo e as relações

sociais e de trabalho que se dão na história concreta e de se empreender caminhos alternativos de

melhoria, de humanização dos sujeitos e das relações” (SANTA CATARINA, 1998, p.114), pois que:

No contexto dessa revolução técnico-científica e industrial e das reformaseducacionais, entre proposições de ideal democratizante do tipo educaçãoomnilateral e pragmatismo das propostas originárias dos organismosinternacionais, há espaço para a crença e a efetivação de processos alternativosde transformação no campo educacional no momento em curso. E o ideal deomnilateralidade educacional é uma utopia concreta, isto é, um horizonte que sefaz concreto nas contradições do presente e do real (SANTA CATARINA, 1998,p.112).

(Educação e Trabalho)

Page 161: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 161

4 CONSIDERAÇÕES E ENCAMINHAMENTOS

Em função das considerações apresentadas até aqui, é fundamental enfatizarmos o papel

ativo da Escola na mediação de um projeto de educação que se pretenda à altura dos novos

tempos. Nesse caso, longe de pensar a Escola de maneira inocente, idealista, procuramos

empreender nosso estudo sem perder de vista as vinculações da Escola e do currículo com o

mundo do trabalho, tendo em vista o atual contexto histórico. Buscamos, portanto, empreender

uma reflexão acerca de um conjunto de referenciais teórico-metodológicos, que podem servir de

mediação na elaboração de propostas político-pedagógicas para as escolas da rede pública

estadual.

Nesse sentido, entendemos que a construção de uma escola democrática e de qualidade

implica repensar o processo educativo em sua vinculação estreita com o mundo do trabalho, o que

significa compreender, de uma perspectiva sócio-histórica, as inter-relações estabelecidas entre

os campos da educação e do trabalho, as mediações que configuram as possibilidades de um

processo pedagógico pautado na compreensão do trabalho como princípio educativo.

Partilhamos com Frigotto, o entendimento de que o trabalho, atividade comum a todos os

seres humanos, é fundamento de nossa existência, o que o coloca como princípio ético-político

dos processos de ensino-aprendizagem, e não apenas como técnica didática ou metodológica;

pois indica ao mesmo tempo dever e direito (FRIGOTTO, 2004), impondo a todos aqueles que

lidam com educação a necessidade de empreender um conhecimento rigoroso do processo

pedagógico e de seus elementos constitutivos: planejamento, currículo, metodologias, avaliação,

relação professor-aluno, mediação pedagógica, projeto político-pedagógico, interdisciplinaridade,

entre outros.

Daí que, vale repetir, o ponto de partida dos currículos e programas deve ser o mundo real,

as práticas dos alunos articuladas e (re) significadas na interlocução com os conhecimentos

sistematizados, mediados por atividades de aprendizagem que problematizam, contextualizam e

mobilizam os sujeitos sociais para o trabalho criativo, intencional, princípio educacional e principal

atividade humana.

Acentua-se a importância do planejamento e o compromisso do professor em identificar os

fatores que incidem na aprendizagem dos alunos e em que medida sua intervenção é coerente

(Educação e Trabalho)

Page 162: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

162 PROPOSTA CURRICULAR

com a idéia que tem da Escola e da sua função social como educador. Segundo Zabala (2002, p,

29):

É preciso insistir que tudo quanto fazemos em aula, por menor que seja, incide emmaior ou menor grau na formação de nossos alunos. A maneira de organizar aaula, o tipo de incentivos, as expectativas que depositamos, os materiais queutilizamos, cada uma destas decisões veicula determinadas experiênciaseducativas, e é possível que nem sempre estejam em consonância com opensamento que temos a respeito do sentido e do papel que hoje em dia tem aeducação.

Precisamos retomar as proposições de Gramsci (1988) e defender a elaboração de uma

proposta educacional para uma escola pública e democrática, o que exige tomar como premissa

básica a compreensão da realidade social, em suas múltiplas determinações, sejam estas de

ordem econômica, cultural e política da qual somos parte constituinte/constituídos, espaço em

que se desenvolvem as relações sociais, produtivas e educacionais. Compreender e identificar as

contradições aí estabelecidas cria possibilidades da construção histórica de uma educação

comprometida com os interesses e necessidades dos trabalhadores.

Repensar o processo educativo em suas relações com o mundo do trabalho leva-nos,

portanto, a compreender a educação também como um processo histórico, “de formação e de

aprendizagem socialmente elaborado e destinado a contribuir na promoção da pessoa humana

enquanto sujeito da transformação social, que transforma e é transformado” (SANTA CATARINA,

1998, p. 106).

Na direção aqui proposta, a Escola assume inegável importância, pois pode contribuir na

formação de sujeitos não conformistas, “capazes de pensar, fazer e criar com autonomia” (SANTA

CATARINA, 1998, p. 115). Importa educar para o trabalho, o que transcende a mera capacitação

e treinamento profissional. Referenciadas no trabalho como princípio educativo, a educação básica

e a educação profissional integram-se em processos de formação científico-técnico e cultural,

impregnadas pelo caráter democrático. Dessa forma, reafirmamos que a “escola não é uma

empresa” e que “processo educativo não é um processo de produção de mercadorias” (SANTA

CATARINA, 1998, p. 111).

Por fim, vale repetir, construir uma proposta para a educação pública, fundamentada no

trabalho como princípio educativo, implica assumir compromissos ético-políticos como um processo

coletivo sustentado em uma concepção de escola democrática que é “pública, laica, universal,

gratuita, centrada no direito de cada ser humano, [...] formadora de sujeitos autônomos e

protagonistas da emancipação humana” (FRIGOTTO, 2002, p.26).

(Educação e Trabalho)

Page 163: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 163

E, nesse caso, é preciso que todos aqueles que lidam com educação, reconheçam que “a

História é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o futuro [...] é problemático [mas]

não inexorável” (FREIRE, 1997, p. 21), que os fatos não estão dados, e portanto, para o

enfrentamento da realidade e o embate com o futuro, é necessário ousadia, criatividade, astúcia

do homem que se faz protagonista da sua história, e que mesmo diante do caos, mantém-se na

busca de alternativas que apontem o caminho a ser percorrido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRE, C. R. Concepção Currículo Integrado. In: FÓRUM DE DEBATES: CURRÍCULODO ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, 2004, Florianópolis. Anais...ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. 1ªed. São Paulo: Editora Bontempo, 1999.APPLE, M. W. A política do conhecimento oficial: faz sentido a idéia de um currículo nacional? In:MOREIRA, A e SILVA, T.T.(Orgs.) Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 1995.BRASIL. MEC. SEMTEC.PROEP. Educação Profissional: educação básica. 5ª ed. Brasília: MEC,2001.CEPAL. Transformación productiva com equidad. Santiago, 1990.CEPAL/OREALC. Educación y conocimiento: eje de la transformación productiva en equidad.Santiago, 1992.CIAVATTA, M. Formação integrada – desafio de deslindar a realidade da fantasia. Versão preliminarpara discussão (mímeo), 2004. (Seminário Interno MEC: Currículo do ensino médio integrado aeducação profissional, 22/9/2004)CORRÊA, V. Ensino médio integrado à educação profissional. Versão preliminar para discussão(mímeo), 2004. (Seminário Interno MEC: Currículo do ensino médio integrado à educaçãoprofissional, 22/9/2004)CURY, C. R. J. A educação como desafio na ordem jurídica. In: LOPES, E. M. T.; FARIA FILHO, L.M.; VEIGA, C.G. 500 anos de educação no Brasil. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.DELUIZ, Neise. O modelo das competências profissionais no mundo do trabalho e na educação:implicações para o currículo. In: Boletim Técnico do SENAC. Rio de Janeiro: Ed. SENAC Rio.Vol. 27, nº 3, set./dez., 2001.FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. São Paulo: Paz e Terra, 1997.ENGUITTA, M.F. A face oculta da escola: educação e trabalho no capitalismo. Porto Alegre:Artes Médicas, 1989.FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M (Org.) Teoria e educação no labirinto do capital. Petrópolis:Editora Vozes, 2001.FRIGOTTO, G. Cidadania e formação técnico-profissional: desafios nesse fim de século. In: SILVA,L. H. (org.) Novos mapas culturais, novas perspectivas educacionais. Porto Alegre: EditoraSulina, 1996.______. (Org.) Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. In: FRIGOTTO, G.Educação, crise do trabalho assalariado e do desenvolvimento: teoria do conflito. Petrópolis:Vozes, 1998.______. A formação e profissionalização do educador: novos desafios. In: GENTILI, P. EscolaS.A.: Quem ganha e quem perde no mercado educacional do neoliberalismo. Brasília: CNTE,1999.______. Trabalho como princípio educativo: por uma superação das ambigüidades. In: SENACRIO. A construção da proposta pedagógica do Senac Rio. Rio de Janeiro: Ed. SENAC Rio,2000.

(Educação e Trabalho)

Page 164: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

164 PROPOSTA CURRICULAR

______. A dupla face do trabalho: criação e destruição da vida. In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.(Orgs.) A experiência do trabalho e a educação básica. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.______. Concepções e mudanças no mundo do trabalho e o ensino médio. Versão paradebate (mímeo), 2004. (Seminário Interno MEC: Currículo do ensino médio integrado a educaçãoprofissional, 22/9/2004)______ ; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. A gênese do decreto no. 5.154/2004: um debate no contextocontroverso da democracia restrita. Versão para discussão (mímeo), 2004.GARCIA, N. M. D.; LIMA FILHO, D. L. Politecnia ou educação tecnológica: desafios ao ensinomédio e à educação profissional. 27ª Reunião Anual da ANPED. Caxambu, 2004.GENTILI, P. A falsificação do consenso: simulacro e imposição na reforma educacional doneoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1998.GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. 6. ed. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 1988.HARVEY, D. A Condição Pós Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural.São Paulo: Editora Loyola, 1994.IANNI, O. A Sociedade Global. 7 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.KUENZER, A. Z. Desafios teórico-metodológicos da relação trabalho-educação e o papel socialda escola. In: FRIGOTTO, G. (Org.) Educação e crise do trabalho: perspectivas de final deséculo. 6. ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1998.______. Ensino Médio: construindo uma proposta para os que vivem do trabalho. 3. ed. SãoPaulo: Cortez, 2002.LESSA, S. Mundo dos homens: trabalho e ser social. São Paulo: Bontempo, 2002.LIMA FILHO, Domingos Leite. Dimensões e limites da globalização. Petrópolis: Editora Vozes,2004.MACHADO, L. R. S. Politecnia, escola unitária e trabalho. São Paulo: Cortez: Autores Associados,1989.MARINHO, R. Educação profissional: embate de propostas. Florianópolis, 2004. 45 slides: color.______. Educação e trabalho. Florianópolis, 2004. 25 slides: color.MOREIRA, Antonio Flávio B. e SILVA, Tomaz Tadeu da (Orgs). Currículo, cultura e sociedade.2. ed. Revista. São Paulo: Cortez, 1995.NÓVOA, A. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995.OLIVEIRA, D. A. Educação básica: gestão do trabalho e da pobreza. Petrópolis: Editora Vozes,2000.OLIVEIRA, M. A. A nova problemática do trabalho e da ética. In: : TEIXEIRA, F. J.S.; OLIVEIRA,M. A. (org.) Neoliberalismo e reestruturação produtiva. São Paulo: Editora Cortez, 1996.PETITAT, A. Produção da escola/produção da sociedade: análise sócio-histórica de algunsmomentos decisivos da evolução escolar no ocidente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.RAMOS, M. N. Pedagogia das competências: autonomia e adaptação. 2. ed. São Paulo: Cortez,2002._______. Possibilidades de construção de um currículo integrado de ensino: médio técnico.Versão para debate. (mímeo)..., 2004.SACRISTÁN, J. G. (Org.) Compreender e transformar o ensino. Trad. Ernani F.F. Rosa. PortoAlegre: Artes Médicas, 1998.(preciso de 1995)______. Escolarização e cultura: a dupla determinação. In: SILVA, L. H.; AZEVEDO, J. C.; SANTOS,E. S. Novos mapas culturais, novas perspectivas educacionais.SANTA CATARINA. Proposta Curricular de Santa Catarina: Educação Infantil, EnsinoFundamental e Médio: Temas multidisciplinares. Florianópolis: COGEN, 1998.SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.11ªed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2004.SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 8º ed. São Paulo: AutoresAssociados, 1986.______. A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas. 7ª ed. Campinas, SP: AutoresAssociados, 2001.

(Educação e Trabalho)

Page 165: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 165

_______. O choque técnico da politecnia. Trabalho, educação e saúde. Debate Debate: Ano 1,nº 1, 2003.SILVA JÚNIOR, J. R.; GONZÁLEZ, J. L. C. Formação e Trabalho: uma abordagem ontológica dasociabilidade. São Paulo: Xamã, 2001.SILVA, T. T.; GENTILI, P. Escola S. A. Quem ganha e quem perde no mercado educacional doneoliberalismo. Brasília: CNTE, 1996.TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.TEIXEIRA, F. J. S. Modernidade e crise: reestruturação capitalista ou fim do capitalismo? In:TEIXEIRA, F. J.S.; OLIVEIRA, M. A. (org.) Neoliberalismo e reestruturação produtiva. SãoPaulo: Editora Cortez, 1996.TOMMASI, L.; WARDE, M. J.; HADDAD, S.(org.) O Banco Mundial e as políticas educacionais.São Paulo: Editora Cortez, 1996.UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ. Pró-Reitoria de Ensino. Formação continuada paradocentes do ensino superior: apontamentos para novas alternativas pedagógicas. Itajaí:UNIVALLI, 2002.ZABALA, Antoni. A prática educativa. Como ensinar. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

GRUPO DE TRABALHO:

AMILTON CARLOS DE FRANÇA FERREIRA - GEECT - MafraBEATRIS CLAIR ANDRADE – SED/DIEBDALMIRA RAMOS - GEECT - LagesDARLI DE AMORIM ZUNINO - GEECT - BrusqueDIRCE TEREZINHA DREBEL SEHNEM – CEDUP - São Miguel do OesteEDILSON DOS SANTOS GODINHO – SED/DIEBEDNA CORRÊA BATISTOTTI – SED/DIEBELIANE DE CAMPOS - GEECT - Rio do SulITACIR JOSÉ MORO - GEECT - Campos NovosJOSÉ RAUL STAUB – SED/DIEBLEONTINA GARCIA DA SILVA SOMENSI – CEDUP - ChapecóMARIA ARLETE PIAZZA - GEECT - Araranguá (in memória)MARIA EVANIR VIEIRA BRIGIDO – NEP - CriciúmaMARCIA SPANHOL - GEECT - MaravilhaMARILENE DA SILVA PACHECO VIRGILIO – SED/DIEBMARISTELA APARECIDA FAGHERAZZI – SED/DIEBMARIZETTE LUZIA ANDRES ZANCANELLI - GEECT - JoaçabaNÁDIA MARIA DE SOUZA PAULO - GEECT - ItajaíNELSON RINTZEL – CEDUP Campo ErêNILENE A SCHIMDT SAVOLDI - GEECT - ConcórdiaOSCAR ANTONIO DO AMARAL MAIA – CEDUP - JoinvilleREGINA MARIA LASSANCE DE OLIVEIRA NASCIMENTO – SED/DIEBROSELANE FÁTIMA CAMPOS – ACE - Joinville – UNOESC - Joaçaba

COORDENAÇÃO

EDNA CORRÊA BATISTOTTI - SED/DIEB

CONSULTORES

2004 – Professor MSC RAMIRO MARINHO – UDESC2005 – Professora Dra. ROSELANE FÁTIMA CAMPOS – UNOESC/ACE

(Educação e Trabalho)

Page 166: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

166 PROPOSTA CURRICULAR

ENSINO NOTURNO: urgências e emergências

INTRODUÇÃO

Estudar, discutir e repensar as especificidades do ensino noturno foram atividades atribuídas

ao grupo de professores instituído pela Secretaria de Estado da Educação, Ciência e Tecnologia,

quando do aprofundamento do que chamamos “nós pedagógicos” da materialidade curricular da

Educação Básica e Profissional de Santa Catarina.

Para que se produza uma identidade para esse turno de ensino que signifique e garanta a

formação de alunos capazes de resolver seus problemas e intervir no meio que os cercam, estamos

subsidiando educadores da Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina, com pressupostos teóricos

e orientações, a fim de que se promovam reflexões e escolhas, com vistas à organização curricular

pretendida pela Escola.

Conforme a Lei n° 9.394/96 – LDB, Art 4°, inciso VI, é dever do Estado a “oferta de ensino

noturno regular adequado às condições do educando”. Entretanto, esse turno de ensino ainda se

diferencia dos demais por aspectos que vão desde a infra-estrutura oferecida até os objetivos a

que se propõe.

Segundo Lorieri (1995), “seria necessário repensar globalmente a escola noturna: a formação

de seus profissionais, suas condições de trabalho, seu projeto pedagógico”. Isto se deve, também,

ao fato do ensino noturno não ter uma política específica que leve em conta a principal característica

dos seus alunos, ou seja, cidadãos que tentam conciliar duas atividades produtivas: estudo e

trabalho, além de alunos que não trabalham porque estão numa situação de desemprego ou em

trabalhos informais.

Com Carvalho (1998, p.75), também nos perguntamos: “quem são esses alunos que

trabalham e querem conciliar o cotidiano de trabalhador com o de estudante, qual o conhecimento

gerado pelo trabalho e sua relação com a Escola, quais as suas expectativas com relação ao

estudo”? Essas questões exigem respostas e poderão fundamentar a trajetória metodológica da

ação educacional no período noturno.

Faz-se necessário, portanto, um resgate histórico do ensino realizado no período noturno,

bem como conhecer o perfil desse nosso aluno, suas possibilidades, expectativas, necessidades

(Ensino Noturno)

Page 167: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 167

e seu cotidiano, conhecer o perfil do professor que atua com esse aluno, suas condições objetivas

de trabalho, sua competência, comprometimento e responsabilidades, conhecer também o perfil

das escolas que oferecem esse turno de ensino, e perceber o conhecimento como pedra

fundamental no movimento de construção coletiva do currículo.

Nesse percurso, nós educadores devemos ter a consciência de que somos os protagonistas

do processo e que teremos que conviver com as tensões, sem excluí-las e, ao mesmo tempo,

tomar decisões coletivas, coerentes e não aleatórias.

As tensões aludidas dizem respeito às dualidades, às possibilidades de escolhas e sua

otimização, às relações de poder e aos interesses, e às articulações dos conhecimentos

historicamente construídos ao longo do caminho. Sendo assim, qualquer que seja a estrutura

curricular teremos que pensar na tensão sobre a terminalidade da educação básica versus a

continuidade para o ensino superior, na formação para a atividade profissional versus a formação

para a educação geral, no trabalho disciplinar versus trabalho não disciplinar e na especificidade

do ensino noturno versus globalidade, num sentido mais amplo.

Como vimos, as discussões e análises feitas em relação à construção do currículo do

ensino noturno implicam nas seguintes questões: condições de trabalho, equipe pedagógica,

formação dos professores, necessidade da capacitação em serviço, nas indicações metodológicas

dos professores, e na reorganização do Projeto Político Pedagógico da Escola para implementação

da gestão escolar.

1 ENSINO NOTURNO: O CONTEXTO HISTÓRICO

O ensino noturno surgiu no período do Império, entre 1869 e 1886, na maior parte dos

estados brasileiros, com a proposta de atender o trabalhador adulto analfabeto, que não tinha

possibilidade de estudar no período diurno, e, assim, minimizar algumas deficiências do processo

educacional brasileiro, como possibilidades de acesso, formação profissional, formação

propedêutica, entre outras.

Nesse período, as classes de alfabetização funcionavam em locais improvisados e a evasão

durante o ano era crescente, não produzindo os resultados esperados. Mesmo assim, continuam

a ser criadas, principalmente pelo crescimento da demanda. O analfabetismo era concebido como

causa e não como conseqüência da situação econômica, social e cultural do país (CARVALHO,

1998, p. 77-8).

(Ensino Noturno)

Page 168: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

168 PROPOSTA CURRICULAR

Com o passar do tempo, outros critérios foram observados para a criação e freqüência das

escolas de ensino noturno: escolas mistas, escolas masculinas e escolas femininas, atendimento

a crianças em espaços cedidos, próximos às fábricas em que trabalhavam. Assim, para esse

período de ensino, a prioridade foi o atendimento ao aluno trabalhador, fosse criança, jovem ou

adulto. Algumas escolas adaptavam seus horários de funcionamento aos das fábricas para garantir

a freqüência às aulas.

No período de 1889 a 1920, houve um notável crescimento da população, devido,

principalmente, à chegada de imigrantes, o que refletiu significativamente no campo educacional.

Como resposta a essa demanda, muito mais do que por políticas públicas educacionais, houve o

crescimento do número de escolas diurnas e noturnas, fazendo com que a década de 1920 fosse

marcada por sucessivas reformas educacionais.

Cursos populares noturnos e programas especiais, com o fim de atender às particularidades

regionais e às diversidades que se propunham, foram instituídos na década de 1930, como, por

exemplo, grupos escolares próximos à população operária, com horário de funcionamento das 19

às 21 horas, ou durante as férias das escolas isoladas. A idade mínima para freqüentar os cursos

era de 15 anos. Nesse período, a sociedade brasileira passava por transformações, principalmente

pelo processo de industrialização que concentrava a população nos centros urbanos e exigia

conhecimentos escolares.

O crescimento da demanda e as necessidades do sistema capitalista contribuíram para o

aumento de escolas e programas educacionais. Para Saviani apud Ferretti (1994, p. 159):

A universalização da escola primária promoveu a socialização dos indivíduos nasformas de convivência próprias da sociedade moderna. Familiarizando-os com oscódigos formais integrantes do universo da cultura letrada, que é o mesmo daindústria moderna, capacitou-os a integrar o processo produtivo.

Alguns encaminhamentos para a educação de adultos, na década de 1940, foram diferentes

de outras épocas, ou seja, esta modalidade de ensino insere-se numa política nacional para que

todos sejam alcançados pela cultura escolar, denominada Campanha de Educação de Adultos,

sob a forma de uma campanha nacional de massa. Numa primeira etapa, previa a alfabetização

em três meses e mais a condensação do curso primário em dois períodos de sete meses. Dessa

forma, a maioria da população adulta, tanto urbana quanto rural, teria concluído o nível primário

de escolarização. Além disso, plano da Campanha previa que, posteriormente, haveria capacitações

voltadas ao desenvolvimento profissional e comunitário.

(Ensino Noturno)

Page 169: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 169

Para as décadas seguintes (1950 e 1960), a principal reivindicação voltava-se para níveis

mais avançados de instrução. Nessa época, o ensino secundário foi caracterizado como a principal

tendência à ampliação do atendimento à educação, expandindo-se para o período noturno, em

espaços cedidos ou tomados por empréstimo, não levando em consideração que as escolas tinham

sido organizadas para atender apenas o aluno do período diurno, ou seja, o período noturno não

teve estrutura física própria para o seu funcionamento, não se adequando às especificidades da

clientela a ser atendida.

Com o crescimento da demanda dos alunos de grau médio, as autorizações para o

funcionamento desse curso no período noturno só aconteceriam se o mesmo já estivesse em

funcionamento no período diurno, a não ser quando não houvesse população escolar para estudos

desse turno.

O contingente de alunos do ensino noturno, nas décadas de 1970 e 1980, aumentou

consideravelmente, e a reprovação apresentava-se como um problema a ser resolvido. De acordo

com Almeida (1998, p. 23), no Estado de São Paulo, nessas décadas, na 5ª série do primeiro grau,

a repetência alcançou o índice de 50%.

Com a crise econômica dos anos 80, conciliar estudo e trabalho tornou-se uma tarefa ainda

mais difícil, aumentando a evasão escolar, havendo até o início da década de 1990, uma estagnação

no número de matrículas no período noturno.

Almeida (1998, p. 24) afirma:

Mais do que nunca, os alunos do noturno têm de conciliar trabalho e Escola,conciliação que traz um desgaste cotidiano – poucas horas de sono, dificuldadescom transporte, falta de tempo para comer, pouco tempo com a família, privaçãoou postergação de alguns bens de consumo -, o qual, na maioria das vezes, não écompensado com uma aprovação – na verdade, a pequena parcela de jovens quechega à Escola é ainda submetida a um amplo processo de exclusão.

Neste ponto, podemos apontar uma das tensões que se coloca no cotidiano do ensino

noturno: ser compreendido como solução e problema ao mesmo tempo, principalmente pela

possibilidade de as pessoas conciliarem o período de trabalho com o de estudos, ou seja, o

trabalhador diurno é estudante noturno. Precisa ser visto como parte da história da Escola,

conquistada principalmente por reivindicações populares, mais do que por ações governamentais.

As transformações dos campos de trabalho e, com elas, a necessidade de melhor qualificação do

trabalhador, o avanço tecnológico e a necessidade de maiores conhecimentos foram determinantes

para a solidificação do ensino noturno.

(Ensino Noturno)

Page 170: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

170 PROPOSTA CURRICULAR

No entanto, é fato também, que a Escola não ofereceu nem oferece as condições

necessárias para a formação integral do aluno do período noturno e esta fragmentação evidencia

altas taxas de reprovação23 e de evasão escolar24, privando esses estudantes da continuidade da

sua aprendizagem e desenvolvimento. Os cidadãos que freqüentam a Escola são também

profissionais. Embora existam contradições, a Escola não pode desconhecer as características

peculiares do ensino noturno.

2 CONTEXTUALIZAR A PESQUISA

No mês de abril, do ano de 2005, o grupo de estudos do eixo temático Ensino Noturno,

solicitou às 29 Gerências Regionais de Educação, Ciência e Tecnologia que encaminhassem às

Unidades Escolares que oferecem ensino noturno, nos níveis fundamental, médio, e nas modalidades

de educação de jovens e adultos e educação profissional, um questionário com o objetivo de

investigar as condições relacionadas à estrutura física, administrativa e pedagógica de 503 escolas

da rede estadual de ensino.

A realidade dessas escolas pesquisadas, que oferecem ensino noturno, aparece da seguinte

forma:

Pesquisa sobre as Escolas de Santa Catarina que oferecem Ensino Noturno.

Quadro 1: Estrutura Física

Item Possui Não possui Funciona Não funciona

Biblioteca 458 45 221 282

Laboratório de ciências 193 310 120 73

Autolabor 264 239 - -

Laboratório de informática 206 297 125 81

Laboratório conectado à internet 144 - - 62

Ginásio de esportes 163 340 - -

Quadra coberta 59 - - -

Quadra poliesportiva 119 - - -

Fonte: Pesquisa realizada no mês de abril de 2005, em 29 regionais, com 503 escolas da rede estadual de

ensino que atendem ensino fundamental, ensino médio, educação de jovens e adultos e educação profissional.

(Ensino Noturno)

23 No censo escolar da rede estadual de ensino de Santa Catarina/2002 e 2003, no ensino fundamental e médio, naeducação de jovens e adultos e na educação Profissional, a reprovação representa um índice 11,43%. Em2003 e 2004, este percentual decresce para 10,92%.

24 De acordo com o censo escolar da rede estadual de ensino de Santa Catarina/2002-2003, no EnsinoFundamental, no Ensino Médio, na Educação de Jovens e Adultos e na Educação Profissional, a evasãoescolar no turno noturno totalizou 15,12%. Já no senso de 2003/2004, este percentual elevou-se para 27,11%.

Page 171: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 171

Quadro 2: Pessoal Disponível

Item Possui Não Possui Funciona Não Funciona

01 diretor 253 - - -

02 diretores 212 - - -

03 diretores 38 - - -

01 secretário(a) 417 - - -

02 secretários(as) 76 - - -

03 secretários(as) 10 - - -

Diretores 01 noite 03 - - -

Diretores 02 noites 40 - - -

Diretores 03 noites 73 - - -

Diretores 04 noites 64 - - -

Diretores 05 noites 323 - - -

Especialistas 242 261

Nº de especialistas por escola (01) 167 - - -

Nº de especialistas por escola (02) 52 - - -

Nº de especialistas por escola (03) 15 - - -

Nº de especialistas por escola (04) 05 - - -

Nº de especialistas por escola (05) 03 - - -

Pessoas excedentes no noturno 110 393 - -

Fonte: Pesquisa realizada no mês de abril de 2005, em 29 regionais, com 503 escolas da rede estadual de ensino que atendem ensino fundamental, ensino médio, educação de jovens e adultos e educação profissional no período noturno.

2.1 PERFIL DO ALUNO QUE FREQÜENTA O ENSINO NOTURNO

Em geral, quem freqüenta o ensino noturno é um aluno que, durante o dia, realiza uma

atividade produtiva e, à noite, dedica-se aos estudos, como forma de qualificar sua vida pessoal e

profissional. Tal situação, segundo Carvalho (1984, p.80), obriga a escola a “(...) rever sua

(Ensino Noturno)

Page 172: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

172 PROPOSTA CURRICULAR

responsabilidade para com uma clientela que procura conciliar duas atividades – estudo e trabalho

– que tradicionalmente têm sido separadas”.

Para a maioria da população trabalhadora, a Escola é tida/vista como a principal ou única

fonte de acesso à cultura, pois as alternativas de acesso ao conhecimento produzido historicamente

são reduzidas de forma significativa, aumentando a responsabilidade da Escola para com os

alunos do ensino noturno, no sentido de oferecer possibilidades /atividades que efetivamente

contribuam para a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno.

Freqüentar o ambiente escolar pode significar, principalmente, possibilidade de agregar

melhores condições profissionais, tendo em vista a importância atribuída à escolarização. Avançar

na formação pode contribuir para alcançar melhores níveis de profissionalização, já que, somente

à Escola é concedida a possibilidade de certificação, um dos critérios de valorização na sociedade

atual.

Mas não se pode afirmar que todos os alunos do Ensino Noturno são trabalhadores.

Segundo Oliveira (2004, p. 168):

Sabe-se que nem todos os alunos do noturno são trabalhadores; ainda que inseridosno mercado informal muitos não trabalham, outros nunca trabalharam. A escolanoturna não é lugar só de alunos trabalhadores, no sentido de que estão todoseles empregados ou inseridos em ocupação econômica ativa, mas é uma escolade alunos de origem trabalhadora. Esta é uma importante constatação.

Nas conversas informais realizadas durante a pesquisa deste GT, nas Unidades Escolares,

constatamos que são diversas as motivações que levam o estudante a freqüentar as aulas à

noite: possibilidade de maior tempo livre para outras atividades, filhos mais velhos que podem

cuidar dos irmãos mais novos, procura do período noturno, por possuir um ambiente mais adulto

e descontraído, e alunos que estudam à noite por acreditarem que a aprovação seja facilitada.

Ainda tem-se como elemento de diferenciação dos alunos suas expectativas após a

conclusão do curso, pois muitos manifestam o desejo de dar continuidade aos estudos, e outros

declaram pretender continuar trabalhando ou iniciar trabalho. No entanto, pode-se supor que a

permanência ou o retorno aos estudos traduz uma valorização da escolarização, na busca de um

futuro melhor.

Nessa direção, um caminho a ser explorado é a criação e/ou dinamização de “espaços”

que dêem vez e voz aos alunos do noturno, para que eles próprios contribuam com propostas,

pois, até o momento, a Escola não tem dado conta, em sua totalidade, de atender às expectativas

desse aluno, ou seja, não está conseguindo oferecer uma formação plena e condições do exercício

da cidadania a que se propõe.

(Ensino Noturno)

Page 173: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 173

2.2 PERFIL DO PROFESSOR QUE ATUA NO ENSINO NOTURNO

Dos professores que atuam no ensino noturno, a grande maioria concluiu o ensino superior,

o que não significa que estejam preparados para trabalhar com os alunos desse turno, pois lhes

faltam formação continuada, tempo de estudo e outras exigências que o turno exige, a fim de

enfrentarem as mudanças da contemporaneidade.

Os profissionais que atuam no período noturno enfrentam dificuldades, pois o professor

tem dupla jornada (diurna e noturna) e está na condição de trabalhador, da mesma forma que os

seus alunos. Trazem consigo a sobrecarga e o cansaço de outras atividades, pois, na grande

maioria, já estão na segunda ou até na terceira jornada, com possibilidade de comprometer o

desenvolvimento do seu trabalho.

Historicamente contamos com algumas interferências que comprometem a qualidade da

educação no período noturno, ou seja, a ausência de formação continuada específica para o

ensino noturno, e que se considerem as carências, as especificidades da demanda e as

metodologias que ela exige e a falta de valorização profissional, incluindo a baixa remuneração e

a falta de recursos para o trabalho. Como o quadro de professores do noturno não é exclusivo

desse período, há também os que são profissionais liberais, muitos sem habilitação pedagógica, e

que ministram algumas aulas com participação limitada nas outras atividades escolares, como

reuniões, planejamentos, dias de estudo, interferindo na condução das atividades, principalmente

no que diz respeito ao caráter coletivo. Há, ainda, a dificuldade do grupo de professores no noturno

integrar-se com o grupo do diurno, segmentando o corpo docente da escola.

Muitas transformações sociais ocorreram e conseqüentemente exigem mudanças também

do trabalho do professor, que já não se restringe apenas às atividades de sala de aula isoladamente,

mas necessita de planejamento e execução de atividades que levem em consideração todo o

contexto escolar e social. Frigotto (2002, p. 60) afirma que:

(...) o desafio para a formação do educador como leitor crítico da realidade econstrutor da cidadania ativa e, portanto, de uma perspectiva transformadora dasociedade, envolve tarefas e desafios no âmbito teórico, ético político e da práxiscotidiana.

Diante dessas situações, cabem algumas perguntas: o trabalho pedagógico, aqui entendido

como todas as atividades desenvolvidas dentro da escola, e a atuação do professor do ensino

noturno, conseguem reconhecer a identidade dos alunos desse turno, ou seja, há uma consciência

de quem são esses alunos? Existe alguma proximidade entre os conhecimentos escolares e os do

(Ensino Noturno)

Page 174: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

174 PROPOSTA CURRICULAR

cotidiano dos alunos, principalmente aos que se referem ao mundo do trabalho? Santos (2004,

p.01 e 02) indaga com propriedade:

Onde e quando se daria, para estes jovens, o conhecimento de si mesmos paraidentificarem, minimamente, suas potencialidades? (...) Como atua o professor naescola elitizada ou na escola massificada e quais os parâmetros para sua açãopedagógica? (...) A consciência pode ser ensinada ou manipulada?

O trabalho educativo deve contemplar a mediação de conhecimentos e valores

indispensáveis para a vida cidadã e garante o acesso ao mundo da cultura e do trabalho, por meio

de práticas educativas que contemplem a participação e o diálogo, que proporcionem a modificação

e a ampliação de conceitos. Segundo Frigotto (2002, p. 59), devemos lutar para construir “uma

materialidade de condições que viabilizem processos educativos e de formação do educador

centrado no ser humano como parâmetro e, portanto, no desenvolvimento de valores éticos

constitutivos de sujeitos livres, autônomos e solidários”. Ou seja, conciliar a tensa relação existente

entre a Escola e o mundo, entre professor e aluno, entre os saberes escolares e os diversos,

buscando possibilitar, que o trabalho da Escola, principalmente no ensino noturno, seja realmente

mais significativo.

2.3 PERFIL DAS ESCOLAS DE ENSINO NOTURNO NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Atualmente, as unidades escolares de Santa Catarina atendem a um grande número de

alunos do ensino noturno, com as mesmas condições e/ou estrutura física existentes para o diurno.

Portanto, em algumas escolas em que esses recursos existem, não estão disponíveis para

atendimento e utilização dos alunos do noturno. Segundo Leão (2005, on line), temos:

[...] o desafio de construir um modelo de atendimento a um público peculiar, comuma identidade e especificidades que não devem ser negadas, de pensar umaestrutura de organização e funcionamento flexível, aberto à diversidade social,cultural e econômica de quem chega ao noturno.

De acordo com a pesquisa já referenciada anteriormente, podemos observar as condições

das escolas referentes à existência de bibliotecas, laboratórios, ginásios de esporte, quadras

poliesportivas, no turno noturno.

(Ensino Noturno)

Page 175: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 175

Diante dessa realidade, concordamos com Sousa e Oliveira, (2004, on line), quando se

referem ao ensino noturno:

Sabemos bastante a respeito das características de seus estudantes, mas há maisa se aprender a respeito das características e das práticas de ensino realmenteaplicadas na escola noturna e, em particular, a respeito de investimentos queefetivamente melhorem sua qualidade – estudos sobre melhores práticas eeficiência da escola noturna. Em suma, um exame mais detalhado da escola noturnae sua operação, conducente à formulação de propostas de mudança para melhorarsua qualidade e eficiência.

Sabemos que uma parcela considerável desta tarefa está nas mãos do Estado e da pressão

que se possa exercer sobre ele, mas não esqueçamos da atuação política dos profissionais da

educação, na busca constante por transformar a atual estrutura escolar em um modelo que atenda

às reais necessidades dos educandos desse período de ensino. A escola noturna deve deixar de

ser um espaço de sonegação de educação de qualidade, e ser vista como direito social da clientela

a que se destina.

3 ORGANIZAÇÃO CURRICULAR NO ENSINO NOTURNO:

ALGUMAS REFLEXÕES

O currículo faz parte da rotina de quem atua na educação escolar – em qualquer nível ou

período – e possui uma carga histórica e conceitual nem sempre perceptível, mas de suma

importância para todos os educadores. Em Santa Catarina, fez-se necessário pensar acerca dos

desafios postos para a Escola, numa nova forma de compreender o currículo.

Para concretizar essa necessidade, em 1985, educadores catarinenses, preocupados com

as questões curriculares e impulsionados pelo movimento de reorganização curricular nacional,

iniciam estudos e discussões de textos de Marx, Gramsci e outros pensadores marxistas. Nesse

enfoque, buscaram um pensamento social no meio educacional, com o fim de implantar uma

proposta curricular que garantisse o acesso ao conhecimento produzido historicamente, com uma

concepção de humanidade e de sociedade, orientada pelo materialismo histórico (base filosófica),

com uma concepção de aprendizagem numa perspectiva histórico-cultural (base psicológica) e

numa metodologia dialética.

(Ensino Noturno)

Page 176: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

176 PROPOSTA CURRICULAR

Desses estudos e discussões, estrutura-se a Proposta Curricular de Santa Catarina – PC/

SC, como documento de orientação pedagógica aos educadores, e para elaboração do Projeto

Político-Pedagógico das Unidades Escolares da Rede Pública Estadual. Apesar do tema ter gerado

muitas discussões ao longo da história, a compreensão que se tem de currículo, em muitas das

escolas, está relacionada apenas a programas de ensino, rol de conteúdos ou matriz curricular.

O Grupo Temático do Ensino Noturno refletindo, discutindo e produzindo sobre as questões

de currículo, compreendeu que, ao se propor determinada organização curricular, estamos

realizando uma seleção histórica que reflete a distribuição de poder em seu interior. Todo currículo

é um processo de seleção, de escolha e de decisões acerca do que será e do que não será

legitimado pela Escola.

Nesse sentido, ao elaborarmos um currículo, além dos objetivos, conteúdos, procedimentos

metodológicos e avaliação escolar, também devemos considerar outros aspectos, como: o tempo

e o espaço escolar, a organização e a integração entre as disciplinas, as experiências de

aprendizagem, as condições de trabalho, a equipe pedagógica e técnica, a formação do professor,

a avaliação da instituição, entre outros, pois o currículo não lida apenas com o conhecimento

escolar, mas com os diferentes aspectos da cultura.

Esses aspectos culturais têm implicações nas formas de conceber a sociedade, a Escola

e o conhecimento, conseqüentemente na forma de organização da escolarização, no qual o currículo

se configura.

Para que tenhamos essa compreensão de currículo, suas implicações, limites e

possibilidades para todos os envolvidos no processo educacional,

(...) precisamos reconhecer, com humildade, que há muitos dilemas para os quaisas respostas do passado já não servem e as do presente ainda não existem. (...)ser Professor no século XXI é reinventar um sentido para a escola, tanto do pontode vista ético quanto cultural (NÓVOA, apud FERRAZ, 2002).

Diante disso, cabe à Escola promover estudos e discussões, planejar, realizar e avaliar as

ações, enfim, (re)definir em seu Projeto Político-Pedagógico – PPP, como currículo, suas

necessidades, com o envolvimento e a participação de todos os educadores, alunos, pais, equipe

gestora e técnica-pedagógica. Esse currículo será a identidade da Escola e reconhecerá a identidade

do ensino noturno.

(Ensino Noturno)

Page 177: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 177

3.1 O QUE ENSINAR? COMO ENSINAR? COMO AVALIAR?

Observando que existem diferentes formas de ensinar e aprender, diagnosticar e identificar

caminhos a serem percorridos, e de demonstrar a aprendizagem, faz-se necessário repensar a

Escola, o ensino noturno, o seu sentido, bem como a instrumentalização do professor em sua

prática pedagógica, contemplando as diferenças com vistas no sujeito e sua cultura.

Este repensar suscita a compreensão e (re) significação de cada componente curricular e

suas implicações, a importância de se trabalhar os conteúdos na perspectiva da elaboração

conceitual, a metodologia de ensino de formas diversificadas, a avaliação como um processo.

Quanto aos conteúdos curriculares na perspectiva da elaboração conceitual e diante da

compreensão de currículo que temos, fazemos o seguinte questionamento: Quais conhecimentos

(conceitos / conteúdos) são considerados significativos, para a aprendizagem dos alunos do ensino

noturno?

Para respondermos, temos que compreender que os conceitos essenciais de cada uma

das disciplinas trabalhadas têm como fonte às ciências de referência que os produzem. São

largamente conhecidas as diversas formas de organização e seleção desses conhecimentos que

historicamente compõem o que se conhece por rol de conteúdos mínimos. Por isso, salientamos,

que a seleção e a organização dos conceitos essenciais a serem trabalhados pelas diversas

disciplinas no ensino noturno, ou fora dele, devem ser refletidos e sistematizados no Projeto Político-

Pedagógico da escola.

Segundo Silva (2004, p.149), “todo conhecimento depende da significação e esta, por sua

vez, depende de relações de poder”; portanto, numa tensão entre poder e ideologia, entre

subjetividade e consciência política, procedem-se escolhas, e aqueles conhecimentos, científicos

ou cotidianos, considerados necessários à aprendizagem dos alunos, serão validados pela escola.

Isto significa que a escola tem autonomia para selecionar os conteúdos a serem trabalhados.

O professor deve ter conhecimento e consciência do que ensina, saber justificar seu trabalho,

selecionando e abordando, de forma dialética, os conhecimentos indissociáveis da realidade social,

da relação escola/trabalho, como atividade humana.

Nessa relação, precisa ser considerado o fazer cotidiano do aluno como fonte para a

organização e seleção dos conteúdos, respeitando seus conhecimentos, suas necessidades e

motivações, seu nível cognitivo e afetivo, capacitando-o a transpor os conhecimentos para outras

situações reais e possibilitando a resolução de problemas do cotidiano. Referimo-nos especialmente

ao aluno do ensino noturno, que em grande parte já está inserido no mercado de trabalho.

(Ensino Noturno)

Page 178: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

178 PROPOSTA CURRICULAR

Nessa organização curricular, há que se considerar, no Projeto Político-Pedagógico da

Escola, a concepção de homem, sociedade, educação, o aluno nos aspectos social, cultural,

econômico e psicológico, a organização dos tempos e dos espaços escolares, a função de cada

disciplina e seus conceitos essenciais, a articulação dos conhecimentos, os diferentes modos de

pensar e de agir do aluno e dos educadores quanto à aprendizagem e ao ensino e o processo

avaliativo.

A avaliação escolar tem significado diferente do sentido que a ela se atribui. Ela ainda é

vista ou considerada como um fim isolado do conjunto das ações pedagógicas, pois expressa

juízos e pressupõe tomada de decisões que acabam, por muitas vezes, concentrando-se nas

mãos do professor.

Se desejarmos uma melhoria nas ações educativas é necessário revermos cuidadosamente

nossas práticas avaliativas, buscando a superação de uma concepção de avaliação normativa

que se traduz na classificação dos alunos, no controle de seus comportamentos, na comparação

dos desempenhos, através de ações coercitivas. Devemos partir em direção a uma outra concepção,

(...) que tem como finalidade contribuir para o processo de apropriação e construçãodo conhecimento pelo aluno, em que se reconhecem, como sujeitos, todos osintegrantes da organização escolar, constituindo-se um processo abrangente econtínuo, que integra o planejamento escolar em uma dimensão educativa” (SOUZA,1993, p. 45).

Portanto, para que ocorram mudanças na prática avaliativa, é premente que a escola

discuta a concepção de avaliação, articulada com os objetivos de ensino e de aprendizagem. Só

será possível transformá-la, mudando a forma de trabalho em sala de aula, por meio de uma

avaliação que observe o desempenho do aluno, mediante critérios bem estabelecidos, e de

diferentes instrumentos que possibilitem o uso de diversos recursos cognitivos (funções psicológicas

superiores), tais como: memória, atenção, generalização, associação, abstração, entre outros.

Os critérios avaliativos devem estar em consonância com os objetivos, os conteúdos/

conceitos, a metodologia e os instrumentos utilizados. Tais critérios devem ser observados no

momento da realização das atividades, do cumprimento das regras criadas no coletivo

(pontualidade, entrega de trabalho, organização, autonomia, participação,..) e das atividades de

ensino inerentes à aprendizagem .

Os instrumentos avaliativos (pesquisas, trabalhos escritos e orais, projetos, exercícios,

atividades individuais e em grupos, seminários...) devem evidenciar o modo de apropriação e

elaboração feita pelos alunos dos conteúdos trabalhados, se o que se está exigindo do aluno é o

essencial daquela área de conhecimento estudada e se a metodologia utilizada foi adequada.

(Ensino Noturno)

Page 179: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 179

Este instrumento possibilita ainda, o registro das atividades do professor e do aluno para a análise

do processo de ensino e de aprendizagem, ou seja, não devemos considerar apenas o que o

aluno nos diz, mas também, as propostas de atividades desenvolvidas pelo professor.

A construção desses instrumentos avaliativos deve ser um momento privilegiado para refletir-

se a forma como serão preparados, aplicados, corrigidos, analisados e como os resultados serão

utilizados.

Essas questões devem ser construídas e entendidas por todos os segmentos da escola

devendo estar contempladas no Projeto Político Pedagógico da unidade escolar.

Portanto,

A função fundamental que a avaliação deve cumprir no processo didático é a deinformar ou dar consciência aos professores sobre como andam as coisas emsua classe, os processos de aprendizagem de cada um de seus alunos que sedesencadeiam no ensino (SACRISTÁN, 2000, p.331).

Pensar avaliação, não é somente pensar um momento da atividade educativa. É,

essencialmente, acompanhar todo o processo pedagógico e, principalmente, no que diz respeito

à aprendizagem; é fazer com que o aluno aprenda. É questionar, tomar decisões, buscar

procedimentos pedagógicos que levem o aluno a pensar possibilidades além das imediatas, é

reorganizar o planejamento para superar as deficiências encontradas. É observar e promover

experiências significativas que ampliem o conhecimento do aluno, possibilitando a reflexão sobre

a ação e propondo uma nova, e trabalhando para que todos aprendam.

3.2 ENSINO NOTURNO: TEMPOS E ESPAÇOS

Entendemos que o aumento do tempo de escolarização ou o aumento da carga horária por

disciplina não resolvem a questão da qualidade do ensino, isto é, não é a quantidade do tempo,

mas a otimização do mesmo que permite mudanças em todo processo educativo.

A deficiência na organização dos tempos e dos espaços são fatores que podem comprometer

o funcionamento das unidades escolares. As interrupções e as desarticulações curriculares e

pedagógicas fortalecem a fragmentação do fazer e do aprender. Sendo assim, entendemos que a

maneira de resolvermos tal deficiência é (re) organizando o tempo e o espaço escolar, considerando

as especificidades de cada realidade.

(Ensino Noturno)

Page 180: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

180 PROPOSTA CURRICULAR

Ressalte-se que a carga horária mínima especificada na legislação em vigor, (800 horas /

ano), deve ser respeitada e realmente cumprida. Não é mais possível aceitar e compactuar com o

faz-de-conta das unidades escolares, que não oportunizam as 48 semanas letivas no período

noturno, prejudicando o ano letivo, pois a matriz curricular neste turno, autorizada pelo CEE-SC,

prevê 40 minutos para a duração da aula, totalizando 240 dias de efetivo trabalho escolar. Dessa

forma, a organização e o planejamento das ações referentes ao uso do tempo pedagógico devem

estar contempladas na discussão e na construção do calendário escolar.

É preciso ressaltar que a necessidade de a Escola se organizar para poder utilizar

efetivamente, no ensino noturno, os espaços escolares disponíveis, tais como: salas de vídeo e de

arte, laboratórios de ciências e de informática, espaços esportivos e de lazer, biblioteca, salas de

aula, entre outros. Não se exime a responsabilidade do Estado, pois a insuficiência de profissionais

na Escola não deve prejudicar o desenvolvimento das atividades educativas. Lembramos que o

trabalho coletivo, articulando e aproximando a comunidade, através de serviço voluntário25 na escola

é uma das possibilidades que poderão auxiliar nessa (re)organização dos espaços, estabelecendo

parcerias com instituições de ensino, colaboração de alunos monitores, pais e outras instituições

públicas ou privadas.

3.3 ENSINO NOTURNO NO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

Como o Ensino Noturno é uma conquista da classe trabalhadora, e um direito de todos,

não pode mais ser tratado como apêndice do diurno, nem como um problema, mas como um

turno de ensino que possui identidade própria, já que tem sido uma das soluções encontradas

para conciliar duas atividades produtivas: trabalho e estudo. Para tanto, é preciso que na discussão

do Projeto Político-Pedagógico - PPP o período noturno seja considerado de acordo com a realidade

da escola, com o do perfil do aluno, do professor e da comunidade.

O PPP só possibilitará a transformação se alicerçar as especificidades do Ensino Noturno

com o envolvimento e comprometimento de todos os participantes do fazer pedagógico daquela

comunidade escolar, nas relações do saber escolar com os outros saberes. De acordo com Veiga

(1995):

(Ensino Noturno)

25 Serviço voluntário: deve estar contemplado no PPP, de acordo com as necessidades da escola. Consultar aLei nº 9608, de 18 de fevereiro de 1998.

Page 181: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 181

Projeto pedagógico, busca um rumo, uma direção. É uma ação intencional, comum sentido explícito, com compromisso definido coletivamente. Por isso, todoprojeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por estar intimamentearticulado ao compromisso sócio-político e com os interesses reais e coletivos dapopulação majoritária. É político no sentido de compromisso com a formação docidadão para um tipo de sociedade.

A melhoria do Ensino Noturno, portanto, depende de um trabalho coletivo que seja pensado,

executado e avaliado junto à comunidade escolar, criando uma identidade própria.

Ressalta-se a necessidade de que educadores, professores, gestores, especialistas, e

demais profissionais que atuam nas escolas se apropriem do conhecimento da proposta curricular,

a fim de que ocorra uma mudança significativa na prática docente de toda a Rede, que vislumbre

a qualificação do processo de ensino-aprendizagem e esteja significada no Projeto Político-

Pedagógico de cada Unidade Escolar.

É importante frisar que esse instrumento teórico-metodológico, o PPP, esteja fundamentado

na Proposta Curricular de Santa Catarina – PC/SC, na Lei nº 9394 / 96 de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – LDBEN, na Lei Complementar nº 170 / 98 do Sistema Estadual de Ensino de

Santa Catarina – SEE/SC, demais legislações vigentes e orientações da Secretaria de Estado da

Educação, Ciência e Tecnologia – SED.

3.4 ENSINO NOTURNO: CONDIÇÕES DE TRABALHO

Entendemos que a estruturação da escola, fundamental para o desenvolvimento do trabalho

educativo, prevê as estruturas física, administrativa e social, pois da forma como a organização

escolar se apresenta, não satisfaz aos padrões exigidos pela sociedade.

Os dados indicados anteriormente são reveladores de uma realidade um tanto contraditória:

a inexistência ou o não funcionamento dos ambientes escolares necessários prejudicam, em parte,

o desenvolvimento do processo pedagógico. É perceptível que, mesmo onde estes espaços estão

garantidos, com todas as condições de funcionamento, os resultados do processo ensino-

aprendizagem não correspondem às expectativas da sua clientela, ou seja, nossos alunos não

concluem as etapas de ensino com a preparação necessária para o exercício da cidadania e da

sua profissionalidade, vistos os dados de evasão e reprovação. Cabe-nos um questionamento:

quais as razões para esta conseqüência? Se existem todas as condições estruturais necessárias

(Ensino Noturno)

Page 182: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

182 PROPOSTA CURRICULAR

para o desenvolvimento do trabalho, que mesmo assim não funciona, qual é o problema e o que

fazer?

Precisamos repensar o ensino noturno na sua totalidade, traçando políticas que viabilizem

melhores condições de trabalho para os profissionais, e de estudos para as pessoas que dependem

desse turno para buscar a escolarização necessária. Para a melhoria da qualidade de ensino,

novos investimentos são fundamentais, ou seja, biblioteca, laboratórios, profissionais capacitados

e outros equipamentos para o aprimoramento do atendimento nesse período, que compõem a

estrutura mínima desejada para que o trabalho possa ser efetivado, cumprindo a tarefa de melhor

subsidiar a relação ensino-aprendizagem a que o aluno tem direito.

Embora as dificuldades para o desenvolvimento do trabalho pedagógico estejam evidentes,

não devem ser vistas como empecilhos para que o processo apresente resultados significativos.

Nóvoa (1992, p. 16) assegura que: “Os processos de mudança e de inovação educacional passam

pela compreensão das instituições escolares em toda a sua complexidade técnica, científica e

humana”. Alternativas pedagógicas podem ser encontradas, a partir da realidade de cada escola,

para a construção de um projeto de educação capaz de intervir nas práticas educativas e sociais,

tais como: planejamento participativo (mensal, bimestral, semestral ou anual), projetos

interdisciplinares, assessoria e monitoramento dos projetos e dos laboratórios (por alunos do

diurno), dinamização de palestras que orientem na escolha profissional, parcerias (pessoas,

instituições, empresas) para implementação de ações educativas e sociais, grupo de estudos

formado por profissionais da escola, entre outras.

3.5 EQUIPE PEDAGÓGICA PARA O ENSINO NOTURNO

A realidade de nossas escolas, no que se refere à equipe pedagógica, é deficitária na

grande maioria, tanto no período diurno quanto no noturno. De acordo com os dados da pesquisa

realizada, constatamos que os profissionais que atendem esse turno de estudos estão em número

insuficiente, pois a opção de trabalho é feita para atuar no período diurno.

Essa equipe, mesmo pequena, revesa-se entre os três turnos de trabalho, deixando o

noturno com defasagem, se comparado ao diurno. Há a necessidade da equipe pedagógica da

escola, composta por diretor, assistente de educação, assistente técnico-pedagógico, bibliotecário

e responsáveis pelos laboratórios dividirem as tarefas para que o ensino noturno tenha atendimento

na mesma proporção que o turno diurno.

Parte da melhoria da qualidade de ensino passa pela preparação das equipes pedagógica

e administrativa que atendam às necessidades da escola, subsidiando o professor em seu trabalho

(Ensino Noturno)

Page 183: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 183

pedagógico, assegurando a permanência, a freqüência, o desempenho do aluno, e o conhecimento

para o exercício da cidadania e da profissionalização. Tais equipes devem propor e articular uma

nova dinâmica de trabalho, onde os diversos espaços educativos se constituam de oportunidades

de ampliar as aprendizagens, através da troca de idéias e experiências, da execução e da avaliação

do Projeto Político Pedagógico, garantindo a apropriação dos conhecimentos, de acordo com as

especificidades do ensino noturno e do funcionamento da infra-estrutura necessária para esse

período.

Concordamos com Nóvoa (1992, p. 40), quando diz que “parece evidente que é justamente

no contexto da organização escolar que as inovações educacionais podem implantar-se e

desenvolver-se”.

A ausência das equipes pedagógica e administrativa acarreta, na atuação coletiva e na

construção da identidade do ensino noturno, o enfraquecimento das ações didático-pedagógicas.

A definição e a execução das funções educacionais é primordial para a materialização do trabalho

educativo, pois as ações decorrentes resultarão em práticas para a construção da cidadania.

3.6 ENSINO NOTURNO: FORMAÇÃO DO PROFESSOR

Pensar a formação dos profissionais da educação é de grande relevância na atualidade,

tendo em vista as exigências que se impõem com maior premência para o resultado das atividades

educativas. Paralela à habilitação em níveis superiores e às modificações do processo, está a

formação continuada dos profissionais da educação, para que possam lançar à sociedade cidadãos

capazes de resolverem problemas cotidianos, com possibilidade de transformarem seus contextos.

Entendemos que a habilitação obtida em licenciaturas é insuficiente para possibilitar que a

atuação docente proporcione os resultados esperados no processo educativo. A educação, em

toda sua abrangência, é o estabelecimento de uma política de formação continuada para os

profissionais, que atinja todos os que fazem parte do sistema. Os cursos a serem oferecidos

podem ser planejados nas modalidades presencial ou a distância, na escola ou fora dela, desde

que atendam aos objetivos propostos pelo grupo.

O termo formação continuada tem, na sua essência, a persistência nos estudos, não

dependendo exclusivamente da participação em cursos presenciais. Há a necessidade de que

haja um maior comprometimento com essa formação, isto é, qual sua conseqüência e o que se faz

para que não fique em torno dela mesma. A sua socialização e aplicação é que irão apontar os

resultados desse trabalho. Saviani (1996, p. 149) diz que “A formação do educador envolverá,

pois, a exigência de compreensão do contexto com base no qual e para o qual se desenvolve o

(Ensino Noturno)

Page 184: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

184 PROPOSTA CURRICULAR

trabalho educativo”. A escola precisa trabalhar com planejamento e com resultados das

capacitações, caso contrário, ela não tem sentido de existir. A cada formação supõem-se melhorias

no Projeto Político Pedagógico, não apenas como documento, mas, principalmente, como ações

éticas e políticas para o processo educativo.

Não é mais possível compreender o trabalho do professor como restrito unicamente às

atividades de sala de aula. É imprescindível que ele participe do planejamento das atividades, na

elaboração das propostas pedagógicas, na gestão da escola, priorizando formas coletivas de

elaboração do seu trabalho em sala de aula. Saviani (1996, 151) analisa a ação da Escola a partir

dos seus resultados na sociedade, ou seja,

(...) a prática educativa assume caráter de mediação no seio da prática social nãose justificando, pois, por si mesma, mas pelos efeitos que produz no âmbito daprática social global por ela mediada. Sua eficácia é avaliada, portanto, pelasmudanças qualitativas que provoca na prática social.

O profissional da educação não é aquele que dispõe apenas de uma bagagem de modelo

da racionalidade técnica, o estrito planejamento copiado do ano anterior, ou os indicativos dos

livros didáticos que podem levar ao marasmo profissional e ao descaso para com o aluno. A

análise das atuações práticas dos professores, a essência epistemológica do conhecimento, os

pressupostos éticos que permeiam as atividades de ensino tendem a projetar esses profissionais

para a formação continuada. Práticas pedagógicas significativas são cada vez mais exigidas pela

clientela escolar e a busca pelo saber e aperfeiçoamento contínuo é fundamental para a superação

das diferenças e da fragmentação do sistema educativo.

Os profissionais devem continuar se aperfeiçoando, não exclusivamente na sua área de

formação, mas que estejam em contato com produções e pesquisas que se efetivam

constantemente na área educacional e além dela. A formação continuada constitui-se em direito e

dever, pois, se por um lado é exigido que o profissional se aperfeiçoe constantemente, por outro,

a formação deve ser oferecida pelos sistemas de educação, o que já está previsto na Lei de

Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/96, de 20/12/96, art.61, nos incisos I e II:

I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço;

II -aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras

atividades.

Não se concebe profissional da educação que não seja estudante, talvez mais que seus

próprios alunos, seja por iniciativa própria ou por oportunidades oferecidas pelo sistema. É preciso

(Ensino Noturno)

Page 185: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 185

que os professores sejam estudantes permanentes, capazes de compreenderem a necessidade

de mudanças constantes de paradigmas, a evolução técnico-científica da sociedade atual, que se

sintam instigados a refletirem e a discutirem sua ação pedagógica para então poder transformá-

la. Neste sentido, Giroux (1997, p.158) afirma que:

O reconhecimento de que a atual crise na educação tem muito a ver com a tendênciacrescente de enfraquecimento dos professores em todos os níveis da educação éuma precondição teórica necessária para que eles efetivamente se organizem eestabeleçam uma voz coletiva no debate atual. Além disso, tal reconhecimentoterá que enfrentar não apenas a crescente perda de poder entre os professoresem torno das condições de seu trabalho, mas também as mudanças na percepçãodo público quanto ao seu papel de praticantes reflexivos.

Precisamos pensar a formação continuada também como aquela que se faz com o grupo

da escola, nas reuniões pedagógicas, nos dias de estudo, no trabalho de grupo, no planejamento

das ações a serem desenvolvidas durante determinado período. Esses espaços precisam ser

garantidos e cumpridos, e somente a partir do comprometimento coletivo de cada grupo é que

serão alcançadas mudanças no processo educativo. Como os contextos escolares apresentam

especificidades, é indispensável que essa formação esteja em acordo com o Projeto Político

Pedagógico de cada escola e que este dê especial atenção à formação continuada, pois é ele que

deve orientar para quais ações e resultados o trabalho escolar deve ser direcionado. Nóvoa (1992,

p. 18), esclarece que:

Trata-se de erigir as escolas (e os agrupamentos de escolas) em espaços deautonomia pedagógica, curricular e profissional, o que implica um esforço decompreensão do papel dos estabelecimentos de ensino como organizações,funcionando numa tensão dinâmica entre a produção e a reprodução, entre aliberdade e a responsabilidade.

Quando forem oferecidos cursos de formação continuada para determinada série ou

disciplina, todos os profissionais da escola devem participar, sem limitação de vagas. Esta defesa

é por entendermos que o crescimento coletivo acontece também pelas oportunidades que na

Escola são oferecidas. Entre participar ativamente de um curso ou assistir o seu repasse existe

uma grande distância. A formação dos educadores é uma necessidade social e também dever do

Estado. Sendo assim, acreditamos que uma das maneiras mais propícias para formação continuada

é a descentralizada, pela possibilidade que oferece de abranger maior número de profissionais.

Para que isso seja garantido, é necessário que os recursos financeiros continuem assegurados

(Ensino Noturno)

Page 186: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

186 PROPOSTA CURRICULAR

nas previsões orçamentárias do Estado e das Secretarias de Desenvolvimento Regional, em acordo

com as políticas públicas educacionais da Secretaria de Estado da Educação, Ciência e Tecnologia.

Objetivando a especificidade dos profissionais e dos alunos do ensino noturno, é

indispensável o planejamento de uma formação contínua, específica, que leve em consideração

os problemas que o turno hoje apresenta e que se busquem alternativas para tentar solucioná-los.

Como parte da formação, entendemos ser de grande relevância a elaboração do planejamento

deste turno com participação dos alunos. Se levarmos em consideração o perfil deste aluno,

entenderemos que têm muito a contribuir e a escola agirá com mais segurança, pois a valorização

levará a um maior comprometimento no desenvolvimento das ações propostas. Saviani (1996, p.

151) argumenta que “Os agentes educativos são, então, antes como depois, mas também durante

o ato educativo, agentes sociais cuja qualidade se modifica por efeito do trabalho pedagógico”.

Para alcançarmos um ensino de qualidade, que garanta o sucesso dos envolvidos na

educação, principalmente para o ensino noturno, são necessários investimentos substanciais,

tanto em formação continuada, nas condições materiais e humanas para o desenvolvimento do

trabalho, como na valorização salarial do profissional. Entendemos que educação faz-se num

conjunto de ações e investimentos, e que as mudanças almejadas só serão alcançadas se forem

efetivadas a partir do momento em que as necessidades e as dificuldades enfrentadas, mesmo

que gradativamente, forem superadas.

Para saber mais sobre currículo:

(Ensino Noturno)

Etimologicamente, a palavra curriculum,

com significado original de “pista de corrida”, um

percurso a ser realizado, é derivada do verbo

currere, em latim, correr. É nos países de língua

inglesa, porém, que o termo ganha riqueza

semântica e enfoques diversificados. Currículo

passa a ser entendido como “aquilo que

acontece objetivamente ao aluno como resultado

da escolarização como experiência de vida”

(FORQUIN, 1993, p. 23).

Na Idade Média e Renascimento, a

organização do currículo ficou conhecida pela

divisão dos conhecimentos denominada trivium

(que incluía gramática, retórica e dialética) e

quadrivium (astronomia, geometria, música,

aritmética). Esse modelo de currículo,

denominado clássico humanista, privilegiava a

escolarização para poucos e os interesses da

classe dominante, uma vez que a Escola,

através de sua ordenação e de um discurso

direcionado à nobreza e ao clero, reforçava a

desigualdade social e acreditava que o

conhecimento das obras artísticas e literárias

que compunham esse currículo “(...) encarnavam

as melhores realizações e os mais altos ideais

do espírito humano” (SILVA, 2004, p. 26).

Séculos se passaram até que uma nova

proposta de currículo surgisse. A vertente

Page 187: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 187(Ensino Noturno)

progressista de currículo de base psicológica,

liderada por John Dewey, em 1902, considerava

os interesses e as experiências das crianças e

dos jovens, de suma importância no

planejamento escolar. A Escola deveria ser um

espaço de vivência e prática democrática.

Em sua trajetória histórica, o currículo foi

visto e pensado pelos envolvidos nas questões

educacionais, mas somente no final do século

XIX, nos Estados Unidos, e com a

institucionalização da educação de massa, é que

surgem os especialistas em estudos do

currículo. Segundo Moreira e Silva (1996, p.9),

“(...) o propósito mais amplo desses especialistas

parece ter sido planejar ‘cientificamente’ as

atividades pedagógicas e controlá-las, de modo

a evitar que o comportamento e o pensamento

do aluno se desviassem de metas e padrões pré-

definidos”.

Franklin Bobbitt, em 1918, nos Estados

Unidos, publicou o l ivro The curriculum

reconhecido como “o marco no estabelecimento

do currículo como um campo especializado de

estudos” (SILVA, 2004, p.22). A compreensão

de currículo, divulgada nesse material, propõe

que a Escola funcione da mesma maneira que

uma indústria, de acordo com os princípios

tayloristas. A finalidade da educação passa a

ser a de formar um indivíduo para o exercício

de uma profissão na sua vida adulta. Para

Bobbitt, “a educação, tal como a usina de

fabricação de aço, é um processo de

moldagem” (SILVA, 2004 p.24). Currículo passa

a ser, então, uma questão técnica, reagindo de

certa forma ao modelo de currículo clássico

humanista.

Tal pensamento tecnicista surge devido à

industrialização e urbanização da sociedade

norte americana, juntamente com os

questionamentos das diferentes forças

econômicas, políticas, sociais e culturais, bem

como sobre a escolarização de massa, que,

segundo Toffler (1980), “foi a máquina engenhosa

construída pela sociedade industrial para

produzir o tipo de adulto de que ela necessita”.

Currículo passa a ser, então, uma “ferramenta

pedagógica da sociedade industrial” (TERIGI,

1996, p.163).

Em decorrência, o modelo tecnocrata de

currículo de Bobbitt é consolidado por Ralfh Tyler,

em 1949, influenciando diversos paises e

também o Brasil, que já havia criado escolas

profissionalizantes para atender à classe

trabalhadora.

Para Tyler, o currículo é estabelecido em

torno da organização e definição precisa e

comportamental dos objetivos educacionais, dos

procedimentos e dos métodos que são utilizados

para obtenção de resultados precisamente

mensuráveis. Neste sentido, currículo é visto

como uma atividade neutra, restringindo a ação

pedagógica em ensino, instrução e avaliação, não

levando em conta os conflitos de interesses

existentes na Escola e na Sociedade.

Nas décadas de 1960/1970, buscando

relações sociais mais justas e igualitárias,

movimentos sociais, culturais e ideológicos

acontecem em vários países, inclusive no Brasil.

Evidentemente, Escola e Sociedade são

avaliadas. A teoria educacional tradicional, com

foco nos conceitos pedagógicos de ensino e de

aprendizagem, é colocada em xeque, sendo

Page 188: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

188 PROPOSTA CURRICULAR

contestados, tanto os modelos técnicos de

currículo, quanto os progressistas de base

psicológica. Conseqüentemente, os conceitos de

ideologia e de poder são os focos para a

estruturação do currículo.

Com esse pensamento, novas literaturas

sobre currículo surgem no cenário educacional:

as análises marxistas de Althusser, conectando

educação e ideologia, e de Bowles e Gintis,

relacionando escola capitalista e produção, a

análise sociológica de Bourdieu e Passeron,

sobre o capital cultural, a Nova Sociologia da

Educação, de Michael Young, na Inglaterra,

sobre as conexões entre currículo e poder, e

entre a organização do conhecimento e a

distribuição de poder. No Brasil, despontam as

análises filosófica, sociológica e pedagógica, de

Paulo Freire, referentes à educação de adultos

e à educação humanista e a chamada

“pedagogia crítico-social dos conteúdos”,

desenvolvida por Dermeval Saviani, entre tantas

outras literaturas.

Isso suscitou o aparecimento de uma

concepção crítica sobre a educação em geral e

em particular sobre o currículo, fazendo com que

o foco da atividade técnica de como fazer o

currículo, se deslocasse para o desenvolvimento

de conceitos que permitissem compreender as

suas atribuições.

Nesta perspectiva, Willian Pinar (1973),

em Nova York, lidera o movimento contra a

concepção técnica de currículo que ainda

vigorava, questiona e critica a compreensão do

mundo social e, em particular, da pedagogia e

do currículo, como atividade puramente racional

e administrativa.

(Ensino Noturno)

A idéia desse movimento seria incluir as

vertentes fenomenológicas e as marxistas,

porém esse grupo se dissolveu devido às

divergências quanto ao foco de estudo. De um

lado as concepções fenomenológicas,

hermenêuticas (Edmund Hussert, Max Van

Manen) e a autobiografia (Pinar), com o foco nas

experiências pessoais vividas, nas significações

subjetivas, na transformação do próprio eu. Do

outro lado, o marxismo e a teoria crítica da Escola

de Frankfurt (Michael Apple, Henry Giroux), onde

a ênfase menos subjetiva e mais política estava

num currículo que não reproduzisse as

desigualdades de classes, que compreendesse

o mundo e as relações de poder. Um currículo

que rompesse com o senso comum, que

considerasse o caráter ético, cultural, histórico,

político e estético das ações humanas.

Paralelamente a essas teorias críticas, que

enfatizavam os conceitos de ideologia e poder,

surgem os estudos que interferem

significativamente na compreensão sobre

currícul, até então elaboradas, trazendo à

consciência questões ocultas, contribuindo de

forma implícita para aprendizagens sociais

significativas, permitindo, segundo Apple (1991),

que os diferentes mecanismos de poder

penetrem na Escola. Falamos sobre o currículo

oculto – aspectos do dia-a-dia do ambiente

escolar, não explicitados no currículo oficial, mas

que governam a sala de aula, tais como:

comportamento, atitudes, valores, rituais, regras,

normas...

Outros estudos e discussões sobre o

currículo, diferente da idéia das teorias críticas,

mas que também estão vinculadas às relações

Page 189: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 189

de poder, são as teorias pós-críticas, que

enfatizam por um lado o conceito de discurso,

nos mostrando outras possibilidades de

conceber o currículo, sem estar diretamente

relacionado, com a prática pedagógica, um

discurso produzido. Por outro lado, evidencia-

se um conceito mais materialista, que considera

também as questões econômicas, institucionais

e de estrutura das classes sociais.

Nessas discussões, e no que se refere ao

multiculturalismo, percebe-se que ao mesmo

tempo em que existe a diversidade cultural –

envolvendo as múltiplas identidades e tradições

culturais nas relações de gênero, etnia, raça e

sexualidade – existe a homogeneização da

cultura, quando se trata da especificidade e da

reivindicação de grupos culturais dominados. De

uma forma ou de outra, fabricando-se ou não a

homogeneização cultural, o multiculturalismo

representa um instrumento de luta política,

possibilitando a reflexão, problematização e o

entendimento sobre o acesso à educação, sobre

como são produzidas as diferenças e

desigualdades, as exclusões, o racismo, o

fracasso escolar...

Nessa perspectiva, o currículo surge como

uma discussão dos mecanismos que

corporificam e produzem relações sociais e

culturais de conhecimento, poder e identidade.

São também significativas para a

elaboração do nosso conceito de currículo, as

contribuições dos autores contemporâneos, tais

como: Moreira, Sacristán e Silva.

Em Moreira (1997), o currículo é

determinado pela visão de mundo de uma

determinada sociedade, implicando em relações

(Ensino Noturno)

de poder, produzindo identidades individuais e

sociais particulares.

Sacristán (2000, p.170) entende que “ o

currículo é a expressão da função social da

instituição escolar, e isso tem suas

conseqüências, tanto para o comportamento de

alunos, como para o do professor “, com papel

relevante no processo de construção,

necessitando rever a atuação como profissional.

O autor ainda observa:

O currículo é muitas coisas ao mesmotempo: idéias pedagógicas, estruturaçãode conteúdos de uma forma particular,detalhamento dos mesmos, reflexo deaspirações educativas mais difíceis demoldar em termos concretos, estímulode habilidades nos alunos, etc. (idem,p.173).

As idéias de Silva nos alertam sobre a

importância de olharmos para o currículo nos

seus diversos significados, conexões e

implicações, com um olhar crítico, consciente.

Ele nos diz que:

[...] depois das teorias críticas e pós-críticas, não podemos mais olhar para ocurrículo com a mesma inocência deantes. O currículo tem significados quevão muito além daqueles aos quais asteorias tradicionais nos confinaram. Ocurrículo é lugar, espaço, território. Ocurrículo é a relação de poder. O currículoé trajetória, viagem, percurso. O currículoé autobiografia, nossa vida, curriculumvitae: no currículo se forja nossaidentidade. O currículo é texto, discurso,documento. O currículo é documento deidentidade. (2004, p.150).

Page 190: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

190 PROPOSTA CURRICULAR

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Laurinda Ramalho de. Ensino noturno: uma abordagem histórica. São Paulo: SérieIdéias, n. 25, p. 17-28, 1998.CARVALHO, Célia Pezzolo de. Alternativas metodológicas para o trabalho pedagógico voltadoao curso noturno. São Paulo: Série Idéias. n. 25, p.17-28, 1998.______. Ensino Noturno: realidade e ilusão. São Paulo: Cortez: autores associados, 1984.FERRAZ, M. Coordenação Pedagógica: funções e ações. In: 2º Congresso Internacional dosExpoentes na Educação. Anais... Curitiba: Expoente, 2002.FORQUIN, J.C. Escola e Cultura: As bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar.Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.FRIGOTO, Gaudêncio. Ética e formação do educador. Revista Pedagógica. Chapecó: Argos, nº8, jan/junho 2002.GIROUX, Henry. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica daaprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.LEÃO, Geraldo Magela Pereira. A gestão da escola noturna: ainda um desafio político. EducaçãoOn Line. Disponível em http://www.educaoonline.pro.br. Acesso em: 18/04/05.______. Gestão da Escola Noturna: entre o faz de conta e a realidade social. - Educação OnLine. Disponível em http://www.educacaoonline.pro.br. Acesso em: 18/04/05.MOREIRA, Antonio Flávio B. Currículo: Questões atuais. São Paulo: Papirus, 1997.______. & SILVA, Tomaz Tadeu. Sociologia e teoria Crítica do currículo: uma introdução. In:MOREIRA, Antonio Flávio (org). Cultura, currículo e sociedade. São Paulo: Cortez, 1996.NÓVOA, António. Para uma análise das instituições escolares. In: NÓVOA, António. (coord). Asorganizações escolares em análise. Temas de Educação – 2. Publicações Dom Quixote. Portugal,1992.SOUSA, Sandra Zákia e OLIVEIRA, Romualdo P. de. Ensino médio noturno. Salto para o futuro/TV Escola. www.tvebrasil.com.br/salto, boletim março/2004.OLIVEIRA, Romualdo P. de. et all. Alunos do ensino médio noturno: diferentes características,diferentes expectativas e propostas educacionais diversificadas? Salto para o futuro/TV Escola.www.tvebrasil.com.br/salto, boletim março/2004.OLIVEIRA, Dalila Andrade de. A recente expansão da educação básica no Brasil e suasconseqüências para o ensino médio noturno. In: FRIGOTTO, Gaudêncio & CIAVATTA, Maria. (org).Ensino Médio: ciência, cultura e trabalho. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. MEC/SEMTEC, 2004, Brasília.SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artes Médicas,2000.SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta Curricular deSanta Catarina: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio (Temas Multidisciplinares).Florianópolis: COGEM, 1998.SANTOS, Lucíola L. C. P. & MOREIRA, Antônio Flávio. Currículo: questão de seleção e organizaçãodo conhecimento. Série Idéias, n. 26, p.47-65.SANTOS, M. F. A cultura das culturas do ensino médio: percursos formativos da escola da visdana vida da escola. Salto para o futuro/TV Escola. www.tvebrasil.com.br/salto.______. Escola promotora de vida e cultura. Salto para o futuro/TV Escola.www.tvebrasil.com.br/salto. Boletim 2004 – Programa 04.SAVIANI, Demerval. O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias .In: FERRETI,Celso J. et all. Novas tecnologias, trabalho e educação: um trabalho multidisciplinar. Petrópolis:Vozes, 1994.______. Os saberes implicados na formação do educador. BICUDO, Maria Aparecida Viggiani,SILVA JUNIOR, Celestino Alves da (org.) In: Formação do educador: dever do Estado, tarefa daUniversidade. São Paulo: Ed. Universidade Estadual Paulista, 1996.SAVIANI, Nereide. Saber Escolar, currículo e didática: problemas da unidade conteúdo/ métodono processo pedagógico. São Paulo: Autores Associados, 2003.

(Ensino Noturno)

Page 191: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

PROPOSTA CURRICULAR 191

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo.Belo Horizonte: Autêntica, 2004.SOUZA, Carilza Prado de (org). Avaliação do rendimento escolar. 2 ed. Campinas: Papirus,1993.VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Projeto Político Pedagógico da Escola: uma construção coletiva.In: ______. (org) Projeto Político Pedagógico da escola: uma construção possível. Campinas:Papirus, 1995.

(Ensino Noturno)

Page 192: adp-01798-PROPOSTA CURRICULAR 2005

192 PROPOSTA CURRICULAR (Ensino Noturno)

Impressão:ESTADO DE SANTA CATARINA

SECRETARIA DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO - SEADIRETORIA DE GESTÃO DE ATOS OFICIAIS - DGAO

Florianópolis - SC

86309

GRUPO DE TRABALHO:

ADELIR ADEMIR VON BORSTEL - MaravilhaANA LUIZA LERMEM - ChapecóCLEUSA MARIA FELISBERTO TAVARES - AraranguáCLÉRIO DRESCH - São Miguel do OesteÉDINA DAS GRAÇAS DE ARRUDA - IbiramaELIANE DIAS DE OLIVEIRA - Grande FlorianópolisDAGMAR APARECIDA TRATMAM - CuritibanosGIOVANA APARECIDA KRUKER - CuritibanosJACIMARA SCHAMBECK - EEB - LagesLAÍDES BORGES MALIKOSKI WASSMANSDORF - EEB - Jaraguá do SulLAUCIR PAULO MAZIERO - EEB - Campos NovosLORECI CATARINA SMANIOTO DE OLIVEIRA - São Lourenço do OesteLUCIENE MARA DO NASCIMENTO RIBEIRO - BrusqueMAIKE CRISTINE KRETZSCHMAR RICCI - SED/DIEBMARGARET DALABENETA - EEB - ItuporangaMARIA DE FÁTIMA LOPES GONZAGA - SED/DIEBMARIA MIRIA RAMBO DA SILVA - VideiraMIRIAN TERESINHA BOLSI - ConcórdiaNELÍ BASTEZINI KRONBAUER - São Lourenço do OesteNELSON HOBOLD - São Miguel do OesteOLGA FORNAZARI - Rio do SulROSANGELA MARIA DALAGNOL PARIZZI - JoaçabaSEMIANA CHOAIS – EEB - TubarãoTÂNIA MARA BEDRITCHUK - CanoinhasTEREZINHA KUENH - BlumenauWILSON MIGUEL BALARDINI - São Bento do SulVOLMIR ANTONIO LANGE - Xanxerê

COORDENADORA:PATRÍCIA DE SIMAS PINHEIRO - SED/DIEB

CONSULTORA:Prof.a Dr.a CÁSSIA FERRI - UNIVALI