Dieta indigesta

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Pesquisa FAPESP - Ed. 54

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8 Artigos de André Goffeau, Francisco Mauro Salzano e Marco Antônio Zaga avaliam a importância estratégica da conclusão do seqüenciamento do genoma humano

14 FAPESP inicia o Projeto Genoma Estrutural, para análise da estrutura tridimensional de proteínas expressas pelos genes

Capa: Hélio de Almeida, sobre foto de Fabio Colombini

EDITORIAL

MEMORIAS

OPINIÃO

POLíTICA CIENTÍFICA E TECNOL0GICA

CIÊNCIA

TECNOLOGIA

HUMANIDADES

LIVRO

LANÇAMENTOS

ARTE FINAL

5 6 7 8

20 38 50 56 57 58

28 Pesquisador brasileiro ajuda a decifrar o enigma de Eta Carinae, uma estrela supergigante que às vezes deixa de brilhar

38 Um ano depois de criado, o Projeto de Unidades Móveis (Prumo) atinge a marca de 150 empresas atendidas

50 As telenovelas, analisadas do ponto de vista estético e sociológico, mostram-se como um material rico para compreender o país

PESQUISA FAPESP · JUNHO OE 2000 • 3

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PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL

DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE

PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO

FLÁVIO FAVA DE MORAES JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO

MOHAMED KHEDER ZEYN NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI

VAHAN AGOPYAN

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER DIRETOR ADMINISTRATIVO

PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTIFICO

EQUIPE RESPONSÁVEL

CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ

EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA

EDITORA ADJUNTA MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CI~NCIA)

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (ENCARTES)

DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA T ÃNIA MARIA DOS SANTOS

COLABORADORES ANAWEISS

BEATRIZ VELLOSO CLAUDIA IZIQUE

CLÁUDIO EUG~NIO LUCAS ECHIMENCO

MARIA APARECIDA MEDEIROS MYRIAN CLARK

THEREZA L O. DE ALMEIDA ULISSES CAPOZOLI

WAGNER DE OLIVEIRA

ENCARTE ESPECIAL PENSANDO EM SÃO PAULO:

DESENVOLVIMENTO E EMPREGO

FOTOLITOS E IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN

TIRAGEM: 22.000 EXEMPLARES

FAPESP RUA PIO XI, N' 1500, CEP OS468-90 I ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP

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SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO

ECONÔMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

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Correção

A lobeira, alimento do logo-guará

Recebi um exemplar da revista Pesquisa FAPESP no 52, que traz a reportagem sobre o lobo-guará, e gostei muito. Lamentavelmente, no entanto, uma das fotos publicadas naquela reportagem está com a le­genda incorreta: a foto do fruto refe­re-se a uma planta arbustiva cujos frutos eram muito consumidos pe­los lobos na Serra da Canastra, com nome científico de Parinari obtusifo­lia. Na revista, ela foi identificada co­mo lobeira (Solanum lycocarpum).

JOSt CARLOS MOTTA JúNIOR

São Paulo, SP

SOO Anos de C&T

Foi com grande alegria que rece­bi o n° 52 da revista Pesquisa FA­PESP, principalmente o suplemento especial. Devorei avidamente o tra­balho, que tem o mérito de resgatar com muita propriedade nosso de­senvolvimento científico e tecnoló­gico. Sou um livreiro importador de publicações científicas há quase 40 anos e tive a honra e o prazer de atender e conviver com muitas das personalidades citadas, ao longo desses difíceis anos, inclusive um dos autores desse trabalho, J. Jere­mias de Oliveira Filho.

JONNY WOLFF

São Paulo, SP

Entre minhas atividades de ensi­no e pesquisa, destaca-se meu inte­resse pela história da ciência e da tecnologia. Fiquei muito contente quando soube da publicação do su­plemento especial da revista Pesqui­sa FAPESP, tratando do tema "SOO anos de C&T no Brasil".

Revista

PROF. CARLOS ALBERTO DOS SANTOS

Instituto de Física, UFRGS, Porto Alegre, RS

Em reunião da diretoria, a As­sociação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC) deliberou um voto de júbilo e congratulações com a revista Pesquisa FAPESP, por sua vitória no Prêmio José Reis de Jor­nalismo Científico. Merecido. Agora ficamos aguardando que a revista cresça ainda mais: há bastante a percorrer.

Joslô HAMILTON RIBEIRO

Presidente da ABJC São Paulo, SP

Cumprimentos pela alta qualida­de da nova Pesquisa FAPESP.

JÃNIO DE FREITAS

Rio de Janeiro, RJ

Meus parabéns à FAPESP pela qualidade da revista que vem sendo editada, destacando, de maneira jor­nalística, informações sobre pesqui­sas nas diversas áreas do conheci­mento. A informação científica no Brasil ainda é incipiente e a iniciati­va desta instituição na edição men­sal de uma revista científica de qua­lidade é muito gratificante para nós, pesquisadores. Convém ressaltar também os encartes sobre patentes e sobre os SOO anos de ciência e tecno­logia no Brasil.

PROFA. VANDERLAN DA SILVA BOLZANI

Instituto de Química - UNESP Araraquara, SP

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EDITORIAL

O retorno econômico e social do conhecimento

A digestão dos insetos tem tudo a ver com a agricultura e a economia

Oconhecimento abre portas às vezes insus­peitas. Mesmo quando ele está voltado para aspectos básicos da ciência, aparen­

temente sem qualquer vínculo com uma aplica­ção prática. Mas só aparentemente. É o caso de um amplo estudo sobre a digestão dos insetos, tema da reportagem de capa desta edição. Um tema que, de início, poder-se-ia supor ser de inte­resse basicamente de alguns especialistas em Fisio­logia, Entomologia, Química ou áreas correlatas, que passam anos debruçados sobre esses pequenos

alimento. Assim, a pesquisa, que não previa apli­cações práticas, além das repercussões econômi­cas, tem um significativo impacto ambiental. As conclusões a se tirar disso são óbvias. Primeiro, já não há limites entre a pesquisa básica e a aplicada. Segundo, o conhecimento científico está por trás das grandes descobertas e desenvolvimentos.

A edição traz, também, três artigos de especia­listas sobre o significado e os desdobramentos do

seqüenciamento do genoma hu-mano e, entre outras, uma reporta­gem sobre a Eta Carinae, uma enig­

animais, aprendendo, à primeira vista apenas por puro deleite, como funciona o seu organismo e as enzimas que realizam sua diges­tão. Ledo engano. O conhecimento sobre esses mecanismos bioquími­cos dos insetos - uma classe que abriga cerca de 70% de todas as es­pécies animais e da qual fazem par-

"o conhecimento científico está

mática estrela da constelação de Carina que, em intervalos aproxi­mados de cinco anos e meio, perde luminosidade, numa proporção equivalente ao brilho de 60 sóis num único dia. Seus mecanismos foram melhor compreendidos nos últimos anos, devido à persistência

por trás de toda grande descoberta e desenvolvimento,

te as mais vorazes e insaciáveis pra-gas agrícolas - foi a porta para o desenvolvimento de mecanismos capazes de interferir naquele pro-cesso: bloqueando-lhes a digestão, os insetos morrem de inanição.

Não é pouca coisa nem são re-sultados restritos a perpetuar trabalhos puramen­te acadêmicos. Ao contrário, têm repercussões amplas. No Brasil, a cada ano os insetos devoram aproximadamente, em média, 11 milhões de to­neladas da produção agrícola nacional, incluindo arroz, feijão, soja, milho, café, algodão, cana-de­açúcar, hortaliças e frutas. No caso específico do arroz, de cada dez quilogramas produzidos no campo, as pragas comem quase três. Para um país com necessidade de aumentar a sua produção agrícola, tanto para baratear a oferta de alimentos no mercado interno quanto para gerar excedentes para exportação, são perdas econômicas conside­ráveis. Mas há, ainda, um outro aspecto da ques­tão. Para combater essas pragas, os agricultores aplicam anualmente, sobre suas plantações, cerca de 20 mil toneladas de inseticidas, com graves conseqüências para o ambiente e para o próprio

de um pesquisador brasileiro que, por diversas vezes, teve que conven­cer colegas de institutos internacio­nais a apontarem seus telescópios mais potentes para a estrela, até

·comprovaram suas idéias, que ga­nham crescente respeito no mundo científico.

Pesquisa FAPESP destaca, ainda, em três repor­tagens, soluções tecnológicas simples mas de im­pacto para as empresas e a economia. Uma delas mostra os bons resultados obtidos por um proje­to de inovação tecnológica em parceria, que levou a 150 micro e pequenas empresas do setor de plás­tico um laboratório móvel com instrumentos para teste e processamento de experimentos úteis às indústrias, com enormes benefícios na qualida­de dos produtos. Uma outra pesquisa trouxe uma surpreendente solução para o problema do cani­balismo, estresse e baixa reprodução em cativeiro do peixe matrinxã, viabilizando a sua criação. Para completar, a revista publica o primeiro de uma série de três encartes especiais sobre os semi­nários sobre Ciência e Tecnologia realizados no âmbito do Fórum São Paulo Século 21, promovi­dos pela Assembléia Legislativa do Estado.

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Educador com visão ampla Anísio Teixeira lutou durante 40 anos por uma escola pública de qualidade

"Sou contra a educação como processo exclusivo de formação de uma elite, mantendo a grande maioria da população em estado de analfabetismo e ignorância. Revolta-me saber que metade da população brasileira não sabe ler e que, neste momento, mais de 7 milhões de crianças entre 7 e 14 anos não têm escola." Começa assim um manifesto publicado pela imprensa nacional no dia 15 de abril de 1958, assinado pelo educador Anísio Teixeira, internacionalmente reconhecido, cujo centenário de nascimento se completa este ano.Seminários e debates programados na Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul retomam até o final do ano as idéias e os ideais deste baiano de Caetité, formado em Direito na Universidade do Rio de Janeiro, que se tornou uma presença marcante em Educação e Ciência no Brasil durante quatro décadas. Nos anos 30, assinou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que divulgava as diretrizes de um programa de reconstrução educacional do País, e criou no então Distrito Federal uma rede municipal de ensino da escola primária à universidade. Ampliou as matrículas, fortaleceu a formação dos educadores e enriqueceu o dia-a-dia

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Anísio Teixeira e uma de suas obras, a Escola Parque, de Salvador: educação como base da democracia

dos estudantes com atividades como o canto-coral e a radioescola. Durante o Estado Novo, afastou-se da vida pública e, refugiado no sertão da Bahia, dedicou-se ao comércio de minérios. Em Salvador, como secretário de Educação e Saúde, criou em 1950 a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia, para desenvolver pesquisas, sobretudo as sociais, a longo prazo. Outra de suas obras começa a funcionar também em 1950: o Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro ou Escola Parque, em Salvador, com educação integral para as crianças, incluindo aulas de ofícios (marcenaria e sapataria, por exemplo) e de artes, orientadas por artistas como Carybé e Mário Cravo.

Ao lado do antropólogo mineiro Darcy Ribeiro, criou e dirigiu, nos primeiros tempos, a Universidade de Brasília (UnB), sempre preocupado com o ensino público em todos os níveis. "Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a escola pública", dizia.Anísio Teixeira transferiu-se para os Estados Unidos nos anos 60, retirado pelo regime militar do cargo de reitor da UnB. Faleceu a 11 de março de 1971 em condições nunca esclarecidas. Foi encontrado morto, com um hematoma no rosto, no poço de um elevador de um edifício do bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro.

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OPINIÃO

CARLOS ALFREDO ]OLY

CURUPIRA x BIOPIRATARIA O Acordo de Cooperação Técnica entre a BioAmazônia e a Novartis

Em 29 de maio a Associação Brasileira para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Ama­zônia (BioAmazônia), braço operacional do

Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (Pro­bem) do Ministério da Ciência e Tecnologia, assinou um Acordo de Cooperação Técnica com a multi­nacional Novartis Pharma AG, sediada na Suíça.

O acordo prevê que a Novartis terá, nos próximos dez anos, a exclusividade na pros-pecção e comercialização de drogas e produtos farmacêuticos oriundos

naturais com a melhoria da qualidade de vida da humanidade. A questão, portanto, não é se deve­mos ou não estimular a bioprospecção, mas sim em que condições devemos fazê-lo.

Até a assinatura da Convenção sobre a Diver­sidade Biológica (CDB), em 1992, o acesso aos re­cursos genéticos era livre, pois a biodiversidade era considerada um patrirnônio da humanidade. Com a CDB, os países signatários passaram a ter direi-

tos sobre seus recursos biológicos e o dever de zelar pela sua conserva­ção e utilização sustentável. Passa-

de microrganismos e plantas da Ama­zônia Legal. A sua assinatura gerou mais protestos do que a assinatura, em 1999, de um acordo semelhan­te entre a Extracta (instituição liga­da ao grupo estrangeiro Xenova Dis­covery, que atua na prospecção de novas drogas) e a multinacional bri­tânica Glaxo Wellcome.

"A questão ram a ter a obrigação de regulamen­tar o acesso à sua biodiversidade, garantindo a repartição justa e eqüitativa dos benefícios oriundos do uso desses recursos e/ou de pro­dutos derivados destes. Os signatários se comprometeram também a res­peitar o conhecimento das comuni­dades tradicionais e/ ou indígenas, garantindo-lhes o retorno derivado

não é se devemos ou não estimular

Na comunidade científica as opi­niões são díspares. Alguns pesquisa-

a bioprospecção, mas em que condições devemos fazê-lo,

dores consideraram a oportunidade "imperdível", pois finalmente esta-ríamos transformando o jargão "a biodiversidade é a maior riqueza do nosso país" em dólares. Outros con-sideraram o valor do acordo, cerca de US$ 3 milhões em três anos fora o 1 o/o dos eventuais royalties, tão baixo que a iniciativa só teria sentido se tivesse como objetivo estimular a aprovação da lei que regula­menta o Acesso aos Recursos Genéticos. Um terceiro grupo se alinhou com as ONGs, parte do Conse­lho Técnico-Científico da própria BioAmazônia e o Ministério do Meio Ambiente, no repúdio ao acordo.

Na minha opinião é imprescindível que se ini­cie a bioprospecção da biota brasileira, pois é atra­vés dos benefícios advindos de sua exploração sustentável que mudaremos nosso modelo econô­mico. A conservação da natureza deixará de ser vista como um obstáculo para o desenvolvimento e passará a ser o sustentáculo de um novo para­digma, que associa o uso sustentável dos recursos

da sua exploração comercial. O acordo entre a Bio-Amazônia

e a Novartis é ilegal porque fere uma convenção internacional da qual o Brasil é signatário. Desrespeitando a CDB e sem uma legislação nacio-

nal, não temos nenhuma garantia de que o acor­do resguarde os interesses do povo brasileiro.

A urgência da questão contrasta com a moro­sidade de sua tramitação no Congresso, onde des­de 1995 se discute o projeto de lei da senadora Marina Silva. Neste cenário, não seria nenhuma surpresa a arbitrária edição de uma medida pro­visória para dar respaldo legal ao referido acordo e tirar dos brasileiros a possibilidade de ver esta ques­tão discutida e equacionada no seu parlamento.

CARLOS ALFREDO ]OLY é biólogo, professor da Unicamp e coordenador do Programa Biota-FAPESP

Obs.: Artigo escrito antes da edição da Medida Provisór ia 2.052, de 29 de junho de 2000.

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

GENOMA HUMANO

N o dia 26 de junho, simultaneamente em Washington e Londres, o presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, e o primei­ro-ministro inglês, Tony Blair, anuncia­ram a finalização do mapeamento do ge­

noma humano pelos dois grupos rivais empenhados na tarefa: o consórcio público internacional Projeto Geno­ma Humano, coordenado por Francis Collins, diretor dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, e a empresa privada norte-americana Celera Genomics, de Craig Venter. O feito foi notícia no mun­do inteiro e comparado por Clinton, do ponto de vista do seu impacto no conhecimento, à descoberta da Amé­rica e à chegada do ser humano à Lua. Para os cientistas, algo que deverá revolucionar a Medicina no futuro, mas que, por enquanto, é só o começo de uma longa jorna­da na tentativa de aprender a ler um livro, do qual se tem apenas as letras e palavras.

De qualquer forma, o anúncio do mapeamento já deflagrou o acirramento do debate sobre se os genes de­vem ser patenteados ou ser públicos, isto é, colocados à disposição de cientistas de todo o mundo. Outras ques­tões complexas e relevantes na área da bioética também deverão dominar a cena, nos próximos anos.

Pesquisa FAPESP pediu a três especialistas que es­crevessem sobre o mapeamento do genoma humano e seus desdobramentos, de diferentes ângulos: André Goffeau, pesquisador do Instituto Curie, de Paris, coor­denador do primeiro projeto de seqüenciamento de um organismo complexo, a levedura, realizado por uma rede de laboratórios europeus, e supervisor inter­nacional do Projeto Genoma Xylella, destacou a neces­sidade do domínio público da informação genética; Marco Antônio Zago, professor da Faculdade de Medi­cina de Ribeirão Preto e coordenador de um dos cen­tros de seqüenciamento do Projeto Genoma Humano do Câncer, escreveu sobre a era pós-genômica e oBra­sil; enquanto o geneticista Francisco Mauro Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tratou da evolução da genética e da genômica e seus novos desa­fios como Ciência.

8 • JUNHO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

Três especialistas avaliam a importância do seqüenciamento do genoma humano

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E hora de . , . rever pr1nc1p1os • mora1s

e políticos A sociedade civil foi a vencedora na disputa entre empresa privada e governos

ANDRÉ GOFFEAU

O anúncio do seqüenciamento do genoma humano, no dia 26 de junho, não trouxe nenhuma novidade do ponto de vista cien­tífico. Os administradores dos dois proje­tas de seqüenciamento do genoma huma­

no - o da Celera e o Projeto Genoma Humano - fize­ram, sem muita convicção, um acordo de publicação si­multânea de seus resultados. A questão de saber se os re­sultados dos dois grupos serão totalmente públicos e gratuitos não foi levantada, pelo menos publicamente.

Não há dúvidas de que aCelera, uma empresa priva­da, leva vantagem sobre o Projeto Genoma Humano, fi­nanciado pelo governo dos Estados Unidos e instituições internacionais. Há duas razões para isso. A Celera está de posse dos resultados do Projeto Genoma Humano en­quanto o inverso não é verdadeiro. Além do mais, a Cele­ra tem uma infra-estrutura de informática mais podero­sa para o agrupamento das seqüências. E, por fim, foi a Celera que impôs ao governo norte-americano e às insti­tuições internacionais sua estratégia de acelerar o seqüen­ciamento do genoma humano.

Mas, nesta disputa entre empresa privada, governo e instituições envolvidas, o verdadeiro vencedor é a socie­dade civil, formada pela comunidade de cientistas "públi­cos" que fizeram pressão do ponto de vista moral, políti-

co e econômico- via ma­nipulação do stock exchan­ge rate- para impedir que mais de 3 bilhões de anos de evolução humana fos­sem monopolizados por al-guma companhia de biotec­nologia, produto típico da cultura dominante contem­porânea, governada apenas pelo lucro a curto prazo.

Um dos fatores que criaram essa situação, na qual por pouco não se che­gou a monopolizar conhe­cimentos cruciais para o progresso das ciências bio­lógicas, foi a legislação das patentes que, tanto nos Es­tados Unidos como na Europa, autoriza o paten­teamento não apenas de espécies vivas modificadas geneticamente, como tam­bém de genes isolados.

Mas, e agora, depois que foi anunciado o seqüenciamento do genoma humano? Ainda falta terminar muitas outras tarefas importantes, entre elas o estudo do genoma dos grandes parasitas que se multiplicam nas populações pobres e que não interes­sam às empresas farmacêuticas; a análise do genoma dos camundongos e o estudo de seus mutantes; as variações individuais do genoma humano; e o genoma das plantas cultivadas e de seus patógenos, área onde, aliás, a FAPESP criou um nicho que deve explorar energicamente.

O fundamental é que não se pode iludir o público. Há dez anos que se busca o seqüenciamento do genoma hu­mano. A fase atual, de deciframento do código genético, levou dois anos. Serão necessários mais dez anos até que esses novos conhecimentos se traduzam em novos medi­camentos ou curas que, certamente, serão caros e privilé­gio dos ricos. Os demais continuarão a sofrer de desnu­trição e de infecções diversas ainda por várias décadas.

Somente uma revisão dos princípios morais e políti­cos que conduziram a que o conhecimento científico fosse adquirido e utilizado em algumas regiões do pla­neta, para benefícios de poucos, poderá acelerar o apa­recimento de uma sociedade igualitária, solidária e fra­terna. De resto, nos cabe esperar que o conhecimento do genoma humano e de suas fracas variações entre et­nias dê um golpe mortal em certos argumentos racistas.

ANDRÉ GOFFEAU é pesquisador do Instituto Curie, de Paris, coordenador do projeto de seqüenciamento da levedura e membro do Steering Committe do Projeto Genoma Xylella

PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 2000 • 9

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Genoma humano e a era

T A e

pos-genom1ca no Brasil Temos de ver como o seqüenciamento afeta o planejamento científico no Brasil

MARCO ANTONIO ZAGO

O anúncio de que o projeto de seqüencia­mento do genoma humano entra em fase de finalização foi saudado como um mar­co da história da humanidade, compara­do à invenção da escrita e da imprensa e

à chegada do homem à Lua (http://www.sanger.ac.uk!). De fato, nada tão excepcional ocorreu naquele dia, mas sim na década que o antecedeu. A verdadeira revolução da biologia e da medicina consolidou-se quando os doentes de diabete ou com anemia da insuficiência re­nal começaram a ser tratados com insulina ou eritropo­etina humana recombinante, e quando substâncias co­mo fatores de crescimento, cuja existência presumível era demonstrada indiretamente, passaram a fazer parte do arsenal terapêutico cotidiano.

Nem por isso aquela será uma data sem conseqüên­cias. O conhecimento completo da estrutura do genoma humano não levará por si só a resultados práticos ime­diatos, pois um número considerável de interações pos­síveis entre as diferentes proteínas e genes terá que ser explorados antes que a atividade biológica possa ser compreendida a partir das relações do genoma com o ambiente. A enorme plasticidade dos sistemas biológi­cos mais simples garante que esta não será uma tarefa trivial no ser humano. No entanto, o conhecimento,

ainda que incompleto, do genoma humano tem o importante papel de fixar o limite e, com considerável precisão, o formato da informação, e passamos a traba­lhar com o quadro completo e não apenas com uma parcela dele. Mas a conseqüência mais importante é que isto torna possível e necessário o planejamento e a con­cretização das próximas etapas.

E quais são as próximas etapas? Não é difícil es­pecular quanto ao futuro imediato, porque a era pós­genômica começou de fato há algum tempo e já está produzindo resultados. O estudo da expressão do geno­ma completo do S. cerevisae, a análise da expressão de 8.600 genes em células humanas e de 6.800 genes em neoplasias humanas oferece-nos uma visão completa­mente nova da vida da célula (Science 283:83, 1999; PNAS97: 3364, 2000; Science286:531, 1999).Alguns en­foques mais significativos com relação à era pós-genô­mica humana são indicados no quadro anexo.

MARco ANTONTO Z AGO é professor de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP, diretor técnico-científico do Hemocentro de Ribeirão Preto e coordenador de um dos centros de seqüenciamento do Projeto Genoma Humano do Câncer

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Uma questão mais relevante no momento é procurar responder de que forma isto afeta o planejamento cien­tífico no Brasil? Quais devem ser nossas preocupações e responsabilidades específicas como pesquisadores, além daquelas que são comuns a todos os cidadãos? Devemos responder partindo do recente sucesso da iniciativa da FAPESP no seqüenciamento de genomas, iniciando pela Xylella, que implantou um modelo bem-sucedido (tra­balho descentralizado e em rede, objetivo simples e bem definido, colaboração interna e não competitiva dentro do grupo, supervisão por steering committee externo).

O sucesso do esforço inicial, centrado em um geno­ma simples, permitiu uma rápida escalada dos organis­mos a serem estudadas ou considerados para estudo (X. citri, cana-de-açúcar, parasitas, vírus, entre outros). No entanto, apenas o Projeto Genoma Humano do Câncer (PGHC) envolveu-se até o momento, e de uma manei­ra indireta, na área mais complexa e competitiva do ge­noma humano, na verdade uma forma de abordagem pós-genômica, pois focaliza seqüências expressas (deri­vadas do mRNA) e não o DNA. O desenvolvimento des­se projeto tornou evidentes as vantagens dessa estraté­gia, que levou, por exemplo, à identificação de quase meio milhão de seqüências de ESTs em um ano (com­parado com 760 mil no projeto CGAP do National Can­cer Institute dos Estados Unidos em três anos) e permi­tiu a descoberta de mais de uma centena de genes ao longo da seqüência publicada do cromossoma 22. O Projeto Genoma Humano do Câncer deve, pois, servir de base para ampliar a iniciativa dos pesquisadores pau­listas em relação ao genoma humano, objetivando a identificação de genes e

capara fins médicos. Uma forma limitada dessa aborda­gem seria a constituição de redes de colaboradores constituídas por grupos clínicos e cirúrgicos para sele­cionar, seguir e tratar pacientes com doenças definidas e segundo protocolos padronizados, correlacionando os resultados com variações da expressão de genes, no sen­tido de identificar genes que são relevantes para o diag­nóstico, prognóstico ou resposta terapêutica. Formatos mais ambiciosos de projetos de epidemiologia genética já estão em andamento na Islândia e Inglaterra ( Science 287:1184, 2000) .

Antagem da rede ONSA e os diferentes pro­os genomas da FAPESP mudaram as carac­erísticas de uma grande parcela da comu­nidade científica de São Paulo, provocando um enorme salto de competência, além

dos efeitos diretos em termos de resultados concretos e visibilidade internacional para os cientistas envolvidos. Os recursos empregados podem, no entanto, ser conside­rados m odestos, da ordem de US$ 30 milhões em três anos, e, desses, apenas cerca de US$ 5 milhões foram despendidos no único componente do projeto que en­foca o homem, o Projeto Genoma Humano do Câncer (juntam ente com cerca de US$ 5 milhões do Ludwig Institute for Cancer Research) .

Para fins comparativos, o Brasil gastou em apenas um ano (em 1999) cerca deUS$ 120 milhões para a impor­tação de fatores de coagulação, albumina, e imunoglo­bulinas, substâncias biológicas necessárias para o tra­tamento de um pequeno grupo de pacientes com

hemofilia e outras doen­estudo das proteínas co­dificadas, análise de ex­pressão em diferentes situações e estudo da di­versidade do genoma humano (começando pela descoberta dos sin­gle nucleotide polymor­phisms nas seqüências identificadas).

Enfoques da Era Pós-Genômica Humana ças hematológicas. Em grande parte obtidos por processamento de plasma humano exce­dente, alguns desses agentes biológicos po­dem ser produzidos por tecnologia de DNA re­combinante, e este é apenas um exemplo das aplicações que os pes­quisadores paulistas po­deriam ajudar a resolver. A comunidade científica do Estado de São Paulo mostrou que tem condi­ções de alcançar metas ambiciosas e competiti­vas: basta organizar-se em torno de projetos com limites claramente definidos e com financia­mento adequado.

Um desafio necessá­rio a ser vencido agora é a transposição desse modelo e a extensão do projeto para as áreas médicas aplicadas. Ge­noma clínico poderia ser definido como o uso de informações do se­qüenciamento do DNA e sua variabilidade, des­coberta de genes ou pa­drões de expressão gêni-

• Descoberta de genes, identificação de proteínas e análise de expressão

• Análise de expressão em diferentes estágios de desenvolvimento ontogenético, variações específicas de cada tecido e em diferentes estágios de doenças, como as neoplasias

• Identificação das bases da diversidade genética humana

• Correlação das variações gênicas com suscetibilidade a doenças "adquiridas" (como trombose, enfarte, doenças auto-imunes)

• Organização de grupos clínicos e cirúrgicos para estudos de correlação

• Aplicações de técnicas de engenharia genética para produção de substâncias biológicas de interesse médico

PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 2000 • li

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Genética e Genômica: 135 anos de investigação científica O que o futuro nos reserva são amplos horizontes e não becos sem saída

FRAN C IS CO M. SALZANO

Tudo começou na parte final do século 19, com um padre austríaco que tinha grande interesse pela história na­tural, e as ervilhas, que ele cultivava no jar­

dim de seu mosteiro. Daí surgiram as chamadas "leis de Mendel", que forneceram as bases para todo o edifício da Genética e da Biologia Molecular. Infelizmente, esses princípios permaneceram ignorados até 1900, quando então seu significado foi finalmente compreendido. Ao longo dos 35 anos seguintes estabeleceu-se, então, um sólido corpo de doutrina que lançava luz sobre os enig­mas da herança biológica.

Independentemente do que ocorria nos laboratórios de genética, um médico londrino, Frederick Griffith, observou em 1927 um fenômeno curioso, a transforma­ção de pneumococos que possuíam uma determinada cápsula de proteção contra o sistema imunológico de seu hospedeiro (neste caso camundongos) em outra. Novamente, a importância da descoberta passou des­percebida (inclusive ao próprio Griffith), e foi apenas 17 anos depois que Oswald T. Avery e colaboradores verifi-

caram, nos Estados Unidos, que o "princípio transfor­mante" era uma substância denominada ácido de­

soxirribonucléico, cuja sigla, DNA, está agora na boca de todo o mundo.

Não se pense, no entanto, que a aceitação de que o DNA seria o material genético foi pa­cífica. Houve muita discussão (a alternativa é que ele seria a proteína). Um dos experimen­tos considerados importantes para a aceitação foi desenvolvido, em 1952, pelos norte-ameri-

canos Alfred Hershey e Martha Chase, que utilizaram, para isso, um instru­

mento tão simples quanto um li­quidificador!

E então, no ano seguinte, foi publicado o trabalho seminal

de James D. Watson e Francis M. Crick sobre a estrutura helicoidal dupla do DNA,

seguida, em 1961, pela elu-

cidação do có­digo genético. O

resto é história recente. Mais de­talhes são apresen­tados na tabela.

Cabe, agora, uma breve reflexão so­bre o progresso da ciên­

cia. Thomas S. Kuhn, em 1962, estabele­

ceu convincentemente que o desenvolvimento científico se faz por rríeio de revoluções, que causam a destruição de paradigmas anteriores, seguida de períodos de "ciên­cia normal". O não-reconhecimento imediato de desco­bertas fundamentais como as de G. Mendel e F. Griffith é explicado por uma frase do físico Max Planck, Prêmio Nobel em 1918: "Uma nova verdade científica não triun­fa pelo convencimento de seus oponentes, e porque eles viram a luz, mas, ao invés disso, porque esses oponentes eventualmente morrem e surge uma nova geração que se desenvolve familiarizada com ela".

Na primeira metade do século 20, a nossa espécie era considerada como de pouco valor para a compreensão dos mecanismos da herança biológica. Geração longa, tamanho reduzido da prole e impossibilidade de cruza­mentos dirigidos eram indicados como obstáculos a trabalhos de ponta. Foi somente devido ao desenvolvi­mento espetacular dos métodos celulares e moleculares

FRANCISCO M. SALZANO é professor do Departamento de Genética do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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que a elite intelectual voltou-se para si própria, e o estu­do do Homo sapiens ganhou novo ímpeto.

No meu caso específico, obtive meu doutoramento em 1955, na Universidade de São Paulo, trabalhando com a mosca-das-frutas, Drosophila; e foi graças a con­versas mantidas com Antonio R. Cordeiro que decidi me voltar para a genética humana. Desloquei-me, em 1956, para um pós-doutoramento no Departamento de Genética Humana da Faculdade de Medicina da Univer­sidade de Michigan, localizado em Ann Arbor, Estados Unidos, onde já estagiava outro colega brasileiro, New­ton Freire-Maia. E para se ter uma idéia do progresso notável alcançado pelo conhecimento genético de nossa espécie, menciono que o Newton, após regressar do 1 o

Congresso Internacional de Genética Humana, realiza­do em Copenhague, Dinamarca, naquele ano, comen­tou "Imagina que Fisher (Sir Ronald A. Fisher, uma das principais figuras na formulação de conceitos básicos de genética e evolução) iniciou sua conferência dizendo -o homem, com seus 46 cromossomas ... - não pode, não está ainda provado!" E eu, em 1957, quando realizei

uma série de visitas a centros de genética humana nos Estados Unidos e Canadá, fiz questão de, em Baltimore, contar pessoalmente sob o microscópio o número cro­mossômico de um indivíduo de nossa espécie.

F oi publicado recentemente nos Estados Unidos um livro de um divulgador de ciência inglês, Matt Ridley, no qual cada capítulo corresponde a um cromossoma (complexo DNA-proteína responsável pela transmissão,

na divisão celular, dos genes). Em cada capítulo (com exceção do último) foi escolhido um gene para a discus­são de assuntos tão complexos quanto vida, espécie, destino, inteligência, instinto, saúde-doença, sexo, imor­talidade e política. Ao longo de todo o livro, a questão dialética básica da determinação biológica versus histó­ria de vida está presente. Somos um produto de nossos genes ou do ambiente em que vivemos? A resposta, em termos quantitativos, será diferente dependendo da ca­racterística a ser considerada. O que deve ser salientado, no entanto, é a importância da interação entre esses dois

conjuntos de fatores.

Eventos decisivos na história da Genética (especialmente Genética Humana) e da Biologia Molecular

Em 1989 o Gusta­vus Adolphus College de Minnesota, Estados Unidos, organizou um simpósio com um tí­tulo provocador "O fim da ciência?". E o tema foi retomado por John Horgan (confe­rir O Fim da Ciência. Uma Discussão Sobre os Limites do Conheci­mento Científico, Com­panhia das Letras, São Paulo, 1998) . Após a finalização do Projeto do Genoma Humano, resta ainda algo real­mente importante pa­ra investigar? Na ver­dade, estamos apenas no início da era da ge­nômica, na qual a to­talidade do material genético de diferentes espécies será identifi­cado e comparado. Para o alívio de gene­ticistas e biólogos mo­leculares, o que o fu­turo nos reserva são amplos horizontes, e não becos sem saída.

ANO EVENTO PERSONAGENS

1865 Descoberta das leis da hereditariedade G. Mendel

1900 Redescoberta das leis de Mendel H. de Vries, K. Correns, E. von Tschermak

1902 Conceito de erros inatos do metabolismo A. E. Garrod

1906 Criação do termo W Bateson

1901-1908 Controvérsia entre mendelistas e biometristas W Bateson, F. Galton, C. Pearson, W.F.R. Weldon

1908 "Hipótese do gene múltiplo" H. Nilsson-Ehle Comportamento populacional G.H. Hardy,W.Weinberg

de traços mendelianos

1910-1935 Estabelecimento das bases da Genética, T.H. Morgan,A.H. Sturtevant, C.B. Bridge

especialmente em Drosophilas

1927 Transformação em bactérias F. Griffith

1944 O DNA seria o material transformante O.T.Avery, M. Macleod, M. MacCarty

1949 Conceito de doença molecular L. Pauling

1952 O experimento do liquidificador -confirmação A Hershey, M. Chase

da importância do DNA na duplicação

do material genético

1953 Estabelecimento da estrutura helicoidal J.D. Watson, F.H.C. Crick dupla do DNA

1956 Início da era da Citogenética Humana H.J.Tjio,A. Levan

1961 Elucidação da natureza do código genético F.H.C. Crick, L. Barnett, S. Brenner, R.J. Watts-Tobin

1970-atual Aplicação de métodos moleculares ao estudo Diversos

da variabilidade humana

1988-atual Projeto do Genoma Humano Diversos

PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 2000 • 13

Page 14: Dieta indigesta

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

GENOMA ESTRUTURAL

Decifrando organismos vivos A estrutura das proteínas dos genes será analisada por 15 laboratórios

Os pesquisadores brasileiros já dominam as técnicas de se­

qüenciamento de genes e os diferentes projetos genoma da FAPESP gera­ram um grande volume de informa­ções. Agora, a análise da estrutura tri­dimensional das proteínas expressas pelos genes é próximo passo na com­preensão do funcionamento dos or­ganismos vivos e a FAPESP acaba de lançar o Projeto Genoma Estrutural em parceria com o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer.

O projeto prevê o investimento de US$ 3,5 milhões, durante quatro anos. Os recursos serão distribuídos por uma rede de 15 laboratórios do Estado de São Paulo para o finan­ciamento de insumos e equipamen­tos. O bioquímico Rogério Meneg­hini, diretor do Centro de Biologia Molecular Estrutural do Laborató­rio Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas, será o coordenador do projeto. "Cada vez mais se faz biolo­gia em laboratórios de luz síncro­tron. É uma tendência no mundo todo", disse Meneghini.

O Projeto Genoma Estrutural prevê o estudo das proteínas cujas seqüências foram geradas num de­terminado projeto genoma. "A prin­cípio, pensamos em utilizar apenas genes expressos no projeto Genoma Humano do Câncer por serem ex­tremamente relevantes", disse Me­neghini, que também é um dos idealizadores do projeto. "Agora es­tamos pensando em estudar o geno­ma estrutural da Xylella fastidiosa. Além de interessante, permite que se chegue à etapa de cristalização de

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Proteína cristalizada: a análise de sua estrutu ra tridimensional é o próximo desafio

maneira mais rápida do que no caso das proteínas humanas", completa. O Instituto Ludwig fornecerá as se­qüências geradas no Genoma Cân­cer e já armazenadas em seu banco de genes ou outras a serem geradas no futuro. A idéia é escolher 50 ou 100 genes e fazer o chamado High Throughput Protein Structure Deter­mination: expressão, síntese in vitro, purificação, cristalização e resolução da estrutura da proteína em escala relativamente alta. Esse processo, partindo do genoma e chegando à estrutura, tem sido chamado de ge­noma estrutural.

Análise minuciosa - Ao contrário dos outros projetos genoma, em que as primeiras seqüências começaram a ser geradas logo na primeira semana, o genoma estrutural é mais minucio­so. "Se chegarmos a dez estruturas tridimensionais relevantes, estare­mos fazendo uma contribuição sig­nificativa para a área de estrutura de proteínas': diz Meneghini. Ele explica que chegar a uma estrutura é um processo extremamente elaborado, exigindo atravessar todos os gargalos

do percurso que vai da expressão até a resolução da estrutura.

O conhecimento da estrutura das proteínas propicia a compreen­são da sua função nas células. Com base nisso, o genoma estrutural também possibilita que sejam dese­nhadas moléculas que venham a ini­bir a atividade da proteína, quando desejado. As doenças, principalmen­te aquelas causadas por vírus, bacté­rias e protozoários, estão relaciona­das com a ação das proteínas. Daí o interesse dos laboratórios e da in­dústria farmacêutica pelo conheci­mento da estrutura dessas proteínas, o que permitirá desenhar drogas mais específicas para o tratamento dessas doenças. Um dos componen­tes do coquetel usado por pacientes portadores do HIV, por exemplo, é uma molécula desenhada a partir da estrutura tridimensional da protea­se do HIV. Essa molécula se liga à protease, inibindo-a. Chama-se isso de drug design.

Workshop com especialistas - Pes­quisadores interessados em partici­par do projeto e cientistas que já tra-

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balham na área em centros de pesquisa do Brasil e do exterior se reuniram, no dia 13 de junho, no workshop de apresentação do projeto no auditório da Fundação. Os cientistas Roberto Poljak, do Centro de Pesquisas Avan­çadas em Biotecnologia da Universidade de Maryland, EUA, Christina Redfield, do Centro para Ciências Mole­culares de Oxford, Inglater­ra, e William Studier, do De­partamento de Biologia do Laboratório Nacional Broo­khaven, EUA, que participa­ram do encontro, farão parte do comitê de acompanha­mento do projeto. "Viemos conhecer o projeto brasilei­ro, trocar informações, suge­rir e avaliar", disse Poljak.

Meneghini: em busca de I O estruturas

Poljak: Pesquisando a função

tridimensionais relevantes dos genes órfãos

Christina Redfield lidera um grupo de cinco pesquisa­dores num dos maiores cen­tros de NMR (Ressonância Nuclear Magnética) do mun­do. Lá, a análise se concentra Christina: aposta Studier: recursos na dinâmica da estrutura em na união para o solução e na forma como ela progresso do trabalho

do instituto nacional de saúde

interage com as moléculas em seu meio natural. "O que gostei na idéia deste workshop foi a diversi­dade de áreas. Apesar de trabalharem de maneira diferente no mesmo pro­blema, cristalógrafos e cientistas en­volvidos com NMR acabam compe­tindo. Não trocam colaborações. Parece-me que aqui a idéia é uma união para o progresso do trabalho", disse Redfield.

O cristalógrafo argentino Ro­berto Poljak começou seu projeto nos EUA com genes órfãos, ou seja, aqueles sem função conhecida. "Nosso objetivo era contribuir com idéias sobre qual a função desses ge­nes", disse.

O biólogo, biofísica e bioquími­co William Studier explora em sua rotina de pesquisas estudos de elo-

A história das proteínas O primeiro trabalho elucidando

a estrutura dimensional de uma proteína, a mioglobina, foi publi­cado por John Kenderw, no final da década de 40. Depois, o austra­liano Max Perutz, trabalhando na Inglaterra, ganhou, na década de 60, o prêmio Nobel por descobrir a estrutura da hemoglobina. A téc-

nica usada para descobrir a estru­tura da proteína é a cristalografia. Obtém-se uma solução pura de pro­teína e tenta-se a cristalização. Até hoje a cristalização é vista como uma arte. Os cientistas brincam que quando há amor pelo cristal ele cresce melhor. A dificuldade é que trata-se de grande quantidade

~ nagem, purificação, cristali­g zação e expressão dasproteí-6 nas. "O Laboratório Nacio­" "' nal Brookhaven ainda não ê está trabalhando com uma

proteína em particular. Pri­meiro estamos nos armando de capacidade", disse Studier, cujo projeto piloto, de estu­do sobre levedura, começou há dois anos. "Temos uma comunidade de pesquisa na área bastante grande. Além disso, a levedura é um euca­rionte e tem muitos genes si­milares aos humanos." Até o final deste ano o laboratório de Studier deixará de ser fi­nanciado pelo Departamen­to de Energia dos EUA e pas­sará para o orçamento do Instituto Nacional de Saúde. Animado com o que leu so­bre os projetos genoma da FAPESP nas revistas científi­cas internacionais, Studier acha que o importante é di­vidir experiências para que o Brasil possa formular um bom programa. Na opinião dele, os projetos genoma precisam de coordenação

para que os grupos espalhados pelo mundo não percam tempo realizan­do as mesmas atividades. "A comu­nidade científica precisa se comu­nicar. Não é o caso de conseguir vantagem para produzir drogas. Isso a gente deixa para a indústria farma­cêutica. O importante é conseguir informações básicas para usufruto de todos", diz. •

de moléculas de proteínas organi­zadas numa estrutura cristalina complexa. Por outro lado, a espec­troscopia de ressonância nuclear magnética é um outro método de estudo de proteínas que não re­quer a cristalização. Vantajoso por possibilitar o estudo em soluções, este método entretanto ainda é li­mitado pelo tamanho das proteí­nas que estão ao seu alcance.

PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 • IS

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

BIBLIOTECA ELETRÔNICA

Um acervo científico de 841 títulos

Programa disponibiliza revistas a professores, pesquisadores e alunos

Quando foi criado, em maio do ano passado, o Programa Bi­

blioteca Eletrônica (ProBE) colocava à disposição dos pesquisadores das três universidades estaduais paulistas e das duas universidades federais se­diadas no Estado, a de São Paulo e a de São Carlos, mais ao Bireme ( Cen­tro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde), via Internet, um acervo de 606 revis­tas científicas da editora holandesa Elsevier Science Inc. Pouco mais de um ano depois, o acervo eletrônico disponível já é de 841 títulos, após in­corporar publicações das editoras norte-americanas Academic Press e High Wire Press e torná-las acessíveis a professores e estudantes de gradua­ção e pós-graduação. Mas o mais im­portante: parte considerável desse

acervo científico, o da Elsevier, já começou a ser disponibilizado também aos profissio­nais de 15 institutos de pesquisa estaduais e federais no Estado, beneficiando 7.578 pesquisadores. Mui­tos deles, por falta de

Programa Biblioteca Eletrônica

corríamos ao Bireme': diz Anna Simene Leite Gonçalves, responsável pela biblioteca. "Hoje, por meio do ProBE, o corpo clínico e os pes­quisadores do institu­to têm acesso a revis­tas especializadas em

recursos de suas instituições, não ti­nham acesso a qualquer publicação científica internacional.

É o caso, por exemplo, dos 159 pesquisadores do Instituto Biológico, da Secretaria de Agricultura e Abas­tecimento. "Não tínhamos nenhuma assinatura impressa e nem recursos para isso. Para fazer consultas, a maioria dos pesquisadores tinha que se deslocar até a USP", diz Silvia Helena Marques, bibliotecária do instituto. O mesmo acontecia com os 564 profissionais do Instituto Dante Pazzanese de Car­diologia, da Secretaria Estadual da Saúde, que também não possuía assi­natura de qualquer um dos títulos da Elsevier. "Quando era necessário, re-

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16 · JUNHO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

cardiologia, enferma­gem e administração hospitalar."

Consultas simultâneas - O ProBE é resultado de um Consórcio de Coo­peração Institucional que reúne a FAPESP, a Universidade de São Pau­lo (USP), a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp ), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Universida­de Federal de São Carlos (UFSCar), a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e o Centro Latino-Ameri­cano e do Caribe de Informação em Ciência da Saúde. Por meio de con­vênios, assinados neste mês de ju­nho, os institutos de pesquisa aderi­ram ao consórcio. A Fundação é responsável pela infra-estrutura de hardware e software adequados à ins­talação e ao funcionamento da bi­blioteca eletrônica, bem como pela própria base de dados das revistas.

Beneficiando os pesquisadores, ao tornar-lhes acessíveis, de forma ágil, informações científicas inter­nacionais necessárias à sua qualifi­cação e atualização profissional, o ProBE beneficia, também, as insti­tuições, que economizam com a re­dução do número de assinaturas impressas. "O custo das assinaturas eletrônicas representa ISo/o das assi­naturas em papel", compara Rosaly Favero Krzyzanowski, coordenado­ra operacional do programa. Se­gundo ela, o acesso eletrônico tem a vantagem de permitir consultas si­multâneas, o que otimiza a relação

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custo/benefício por assinatura de periódicos científicos.

As instituições consorciadas, por exemplo, mantêm ainda uma média de duas assinaturas dos 606 títulos da Elsevier, a um custo de R$ 2, 6 milhões. A assinatura eletrônica dos mesmos títulos, sem necessidade de duplicação, sai por R$ 398 mil. O valor é proporcio­nal ao número de usuários, sendo que o controle do número de consultas é feito pelo IP (Internet Protocol Num­ber) de cada usuário das instituições consorciadas. E o contrato com as edi­toras permite a impressão e reprodu­ção de artigos para fins de pesquisa.

As universidades e os institutos de pesquisa deverão manter as assinaturas das revistas impressas por um período de três anos, ao longo dos quais o pro­grama avaliará a satisfação do usuário.

Próximos passos- Racionalizar e agi­lizar cada vez mais o acesso às infor­mações científicas estão também en­tre os objetivos do ProBE. Assim, desde junho, os CD-ROMs com todo o conteúdo editorial das três editoras foram instalados na rede ANSP -Academic Network at São Paulo, na sede da FAPESP. O acesso a qualquer uma das publicações, portanto, já dispensa a ligação internacional. E mais: a partir de setembro, todas as 841 publicações das três editoras estarão or-ganizadas num portal, permitindo consultas também por assunto.

bém a possibilidade de ampliar o número de editoras, de forma a in­cluir revistas da área de Ciências Humanas, até agora não contempla­das", acrescenta Rosaly.

Atualmente, cerca de 11.590 pro­fessores e pesquisadores e 114.483 alunos de graduação e pós-gradua­ção podem consultar artigos de seu interesse, através da Intranet, a par­tir dos computadores instalados em seu próprio ambiente de trabalho, nas 86 bibliotecas das instituições

Institutos de pesquisas assinantes do ProBE

• Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA/ITA)

• Inst ituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (lpen)

• Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (lnpe)

• Inst ituto do Coração do Hospital das Clínicas (lncor)

• Laboratório de Luz Síncroton

consorciadas ou, em alguns casos, da residência do pesquisador.

Novos parceiros - O ProBE é dirigi­do por um comitê que coordena as atividades de implantação, operação, manutenção, treinamento e avaliação do uso da Biblioteca Eletrônica e de­libera sobre as assinatura de revistas e sobre o ingresso de novos parceiros no consórcio. Estão qualificadas para participar do programa as instituições que desenvolvam atividades de ensi-

no e pesquisa, públicas ou privadas, desde que possuam usuários po­tenciais com projetos de pesquisa em andamen­to; desenvolvam linhas de pesquisa com produ­ção científica; disponham de recursos humanos

O programa prevê, ainda, o desenvolvi­mento de ferramentas que permitam links com os artigos citados na Web of Science, do Institut for Scientific Information (ISI) -uma base de dados com resumos, referên­cias e citações de arti­gos publicados em cer­ca de 8.400 periódicos científicos internacio­nais, desde 1974. "Esta­mos estudando tam-

• Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (I PT) capacitados para a ope­racionalização do acesso ao ProBE; ofereçam tí-• Instituto de Tecnologia de Alimentos (ltal)

• Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

• Instituto Flo restal de São Pau lo

• Inst ituto Biológico

• Inst ituto Geológico (SMA/SP)

• Inst ituto de Zootecnia

• Instituto de lnfectologia Emílio Ribas

• Inst ituto Agronômico de Campinas

• Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE)

tulos que venham a in­crementar o Programa; e contribuam com o mínimo de 3% do valor da coleção da Biblioteca Eletrônica." Já existem várias universidades in­teressadas", afirma Ro­saly Krzyzanowski. •

PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 17

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Covas e Botelho anunciam a nova fábrica da Embraer

Embraer fica em São Paulo

O governador Mário Covas e o presidente da Embraer, Maurício Botelho, anunciaram em 24 de junho a decisão de construir a quarta fábrica da empresa em Gavião Peixoto, município paulista próximo de Araraquara. A empresa tem outras duas unidades em São José dos Campos e uma em Botucatu. O novo empreendimento implica a criação de um distrito aeroespacial que, para sua implantação, contará com um apoio da FAPESP no valor de US$ 1 O milhões anuais, por um período de seis anos, realizado por meio de uma linha dentro do programa Parceria para Inovação Tecnológica, voltada para a pesquisa e desenvolvimento de tecnologia aeroespacial. A planta envolve investimentos da ordem de R$ 340 milhões em dez anos e pretende gerar até 3 mil novos empregos diretos nesse período, a partir do início da operação industrial,

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previsto para setembro de 2001. Além da unidade onde serão produzidas oito aeronaves de uso civil e militar, a Embraer construirá uma pista de testes com cinco quilômetros. Na fábrica, que ocupará uma área de 150 milhões de metros quadrados, serão feitos ensaios de vôo, a montagem final de aviões e a manutenção de aeronaves.

Edital para ingresso no Cietec

O Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), na Cidade Universitária, USP, está abrindo inscrições para candidatos ao ingresso em sua incubadora de empresas. O objetivo é estimular a criação de novos negócios baseados em tecnologias inovadoras, nas áreas de Biotecnologia, Biomedicina, Materiais, Instrumentação, Tecnologia da Informação, Meio Ambiente, Química, Técnicas Nucleares e Softwares especiais. As modalidades de incubação previstas

no edital são: 1. pré-incubação, destinada a empreendedores que têm uma idéia e sabem como viabilizá-la, mas necessitam de um período de até 12 meses para comprovar a viabilidade técnica e buscar recursos para a formação do capital para início do negócio; 2. incubadora tecnológica de empresas residentes, para empreendedores ou empresas constituídas interessados em desenvolver seu produto ou serviço na incubadora, que já tenham capital assegurado para início da operação; 3. incubadora tecnológica de software, voltada a empreendedores para a criação ou continuidade de negócios na área de softwares especiais (Internet/Intranet, Automação e Controle, Saúde e Educação); e 4. incubadora tecnológica de empresas não residentes, destinada a empreendedores ou empresas já constituídas, de negócios de base tecnológica, que não precisam de espaço físico para se instalarem. A retirada do edital deverá ser feita dos dias 3 a 31 de julho. O Cietec estará recebendo propostas para inscrição na pré-seleção até o dia 11 de agosto. Para maiores informações e inscrição no processo de seleção, os interessados devem dirigir-se ao Cietec, no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares -IPEN, Travessa R, 400, Cidade Universitária da USP, telefone (011) 212-8466.

ABC elege novos acadêmicos

Cinco pesquisadores ligados à Unicamp estão entre os 44 novos acadêmicos eleitos pela Academia Brasileira de Ciências (ABC): Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente do Conselho Superior da FAPESP, Amir Ordacgi Caldeira, Helion Vargas, todos do Instituto de Física Gleb Watagin (IFGW), Bernardo Beiguelman e Paulo Arruda, do Instituto de Biologia (IB). A ABC tem hoje 532 acadêmicos reunidos em seis seções especializadas: Ciências Matemáticas, Ciências Físicas, Ciências Químicas, Ciências da Terra, Ciências Biológicas e Ciências da Engenharia.

Dias Vieira Jr. no Conselho Superior

O físico Nilson Dias Vieira Júnior, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), foi nomeado pelo governador Mário Covas para integrar o Conselho Superior da FAPESP, com mandato de seis anos. O pesquisador foi um dos nomes votados na eleição do representante dos institutos oficiais e particulares de ensino superior e de pesquisa.

Pesquisadores X governo

Os pesquisadores argentinos estão muito preocupados com a decisão do governo de reduzir verbas e cortar salários nas áreas

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de desenvolvimento científico e tecnológico, anunciada em maio. Em carta encaminhada ao presidente Fernando de la Rua, lembram que a investigação científica e o desenvolvimento tecnológico são peças-chave para o crescimento industrial e econômico do país, assim como para a melhoria do bem-estar, da educação e da saúde da população. "A Argentina investe cerca de 0,45% do PIB na área de C&T, quando em outros países da América Latina esse percentual alcança entre 0,65% (Chile) e 1,2% (Brasil)", consta no documento. Afirmam, ainda, que o sistema científico argentino sofre de três males crônicos: falta de planejamento e políticas claras, falta de planejamento adequado e falta de uma avaliação periódica, por uma comissão competente, da produção científica nacional e do funcionamento dos diversos organismos de C&T. As últimas medidas governamentais agravarão esse males e acentuarão o atraso do país em relação ao Primeiro Mundo, eles prevêem. Reivindicam o pagamento integral dos salários e a elaboração de um plano

de desenvolvimento para a C&T no país, com aumento de recursos destinados ao setor.

Laboratórios sem resíduos

Nas indústrias químicas, o tratamento de resíduos químicos é comum, há anos. Por ser ainda raro nos institutos de pesquisa, o Conselho Superior da FAPESP, na reunião do dia 14 de junho, aprovou o Programa de Infra-Estrutura para Tratamento de Resíduos Químicos, com um orçamento deUS$ 10 milhões, para incentivar o descarte adequado dos materiais utilizados nas atividades de ensino e pesquisa. Há, entre eles, os solventes clorados, já proibidos em alguns países da Europa, éteres, hexanos, toluenos, benzeno e os resíduos com metais pesados, como chumbo, mercúrio, cobalto e cádmio. Os resíduos podem ser descartados diretamente, sem tratamento, "só em casos muito excepcionais", comenta Hans Viertler, membro da Coordenação de Química da FAPESP, que contribuiu com a elaboração do programa, em conjunto com

outros especialistas de universidades e institutos paulistas. Um requisito para os centros de pesquisa se candidatarem a esse programa é a apresentação de Programa de Gerenciamento de Resíduos de Laboratório, que deve prever a aquisição de equipamentos, treinamento de pessoal, reformas de instalações e estratégias de análise, tratamento, descarte e redução dos resíduos.

Ciência vende mais jornal

Durante três anos, pesquisadores da Universidade de Pottiers, na França, analisaram 20 jornais de oito países da Europa e constataram que a venda dessas publicações aumenta nos dias em que são publicados os seus suplementos semanais sobre ciência e tecnologia. Entre os jornais pesquisados estavam o francês Le Monde e o espanhol La Vanguardia, de circulação iMternacional. De acordo com o professor Pierre Fayard, do Instituto de Comunicação e Novas Tecnologias da Universidade de Pottiers e coordenador do estudo, o aumento nas vendas do jornal espanhol é de 1 O o/o no dia da publicação do suplemento de ciência. Quanto ao suplemento de ciência do jornal Le Monde, os pesquisadores verificaram que ele era lido por 30% do público leitor regular do jornal, percentual quase igual ao de leitores do caderno diário de economia, de 33%. De acordo com Fayard, que apresentou as conclusões

do estudo no 6° Congresso Brasileiro de Jornalismo Científico (CBJC), realizado em maio, em Florianópolis, os resultados podem ser explicados, de um lado, pelo interesse da sociedade européia por assuntos de vanguarda e, de outro, pela própria característica dos cadernos semanais, que, além de terem ótima qualidade, abordam temas da atualidade ligados ao cotidiano do cidadão.

Portal ProssigaBrasil apóia a pesquisa

O programa CNPq/Prossiga, lança no dia 6 de julho, em parceria com a Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, a Biblioteca Virtual de Engenharia Biomédica. E no dia 9, em Brasília, o programa lança o portal ProssigaBrasil, um banco de dados com informações qualificadas que direciona o usuário para os principais sites brasileiros que tratam de questões relativas às atividades de ciência e tecnologia desenvolvidas em instituições de pesquisa, institutos de tecnologia e universidades do País. O endereço do portal é http:/ /www.prossiga.br/ prossigabrasil.

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Na Esalq, Silva-Filho monta os genes e testa a nova cana em conjun­to com o entomologista José Roberto Postali Parra, o formulador das dietas especiais oferecidas às lagartas. Para montar os experimentos e interpre­tar os resultados, ambos entram em contato com Terra, reconhecido re­centemente como um dos cientistas brasileiros mais citados na Web of Science, o banco de artigos científicos organizado pelo Institute for Scienti­fic Information (ISI) (ver PESQUISA FAPESP n° 52). "Por meio dessas par­cerias, integramos uma área básica, que trata da caracterização das enzi­mas de insetos, e a pesquisa entomo­lógica, com o uso dos inibidores em dietas artificiais, para só depois iniciar os experimentos de biologia molecu­lar, clonando genes e obtendo as plan­tas transgênicas", explica Silva-Filho.

untos, os especialistas procu­ram desatar um dos nós desse trabalho- os complexos meca­nismos de interação entre os insetos e as plantas. Já desco-

briram como um inseto escolhe uma planta como hospedeira. É um pro­cesso que envolve a síntese de enzi­mas insensíveis à ação de inibidores produzidos pela planta hospedeira e apenas parece intencional, pois resul­ta de mecanismos simultâneos de adaptação dos animais e dos vegetais. Os pesquisadores observaram também que alguns insetos, como a lagarta-do­cartucho-do-milho ( Spodoptera fru­giperda) e a lagarta-da-maçã-do-algo­doeiro (Heliothis virescens), conseguem ter várias plantas como hospedeiras porque são capazes de alterar sua pro­dução de enzimas de acordo com o alimento que ingerem. E mais: as novas proteases secretadas em reação ao ini­bidor são ainda mais eficientes para degradar as proteínas das plantas.

Diante dessas artimanhas, podem ser considerados animadores, ainda que à primeira vista pareçam modes­tos, os resultados obtidos com a cana transgênica. Os inibidores produzi­dos a partir dos genes de soja provo­caram uma deficiência protéica que

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atrasou, de modo acentuado, o de­senvolvimento da Diatraea. O tempo de duração da fase larval aumentou 30% e o da etapa pupal, 10%. Houve também um acréscimo de 25% na mortalidade, que deve repercutir nas taxas de reprodução. Segundo Parra, ocorreu um aumento de 20% no ci­clo total de desenvolvimento da bro­ca, que passou de cerca de 60 para 72 dias, até a fase adulta.

"Não queremos acabar com os in­setos", ressalta Silva-Filho. O extermí­nio total é uma técnica muito drásti­ca, tal qual os inseticidas químicos, que levaria rapidamente à formação de gerações cada vez mais resistentes a qualquer intervenção humana. "Nosso objetivo é controlar a prolife­ração das pragas e retardar ao máxi­mo o processo de resistência, que já ocorre com algumas plantas transgê­nicas", diz ele. Pesquisadores ingleses da Universidade de Durham, no Rei­no Unido, mostraram em 1987 que esse objetivo é viável, ao modificarem geneticamente uma variedade de ta­baco. Colocaram na planta genes do feijão-de-corda (Vigna ungiculata), que atrapalharam a digestão e o crescimen­to das lagartas Heliothis virescens.

Terra acha que é possível chegar, mesmo, a drogas capazes de interferir no mecanismo de digestão dos inse­tos e que sejam inofensivas a outros

seres vivos. Isolando e comparando enzimas- às vezes bastante semelhan­tes às de outros organismos, como a amilase e a tripsina, produzidas pelo pâncreas humano -, ele e a bioquí­mica Clélia Ferreira verificaram que alguns insetos - como os da ordem Lepidoptera, que inclui as mariposas e as borboletas, e os Coleoptera, com os besouros - apresentam mecanis­mos muitos particulares de secreção

das enzimas. As diferenças entre os processos digestivos de uma borbole­ta e de um percevejo, por exemplo, podem ser maiores do que as de um peixe em comparação com o ho­mem. Em termos quantitativos, os insetos produzem um número de en­zimas próximo ao liberado pelo or­ganismo humano - ao redor de 14, das quais a equipe da USP caracteri­zou 12, em diferentes espécies.

O conhecimento sobre quantas, como e quando as enzimas são for­madas e atuam em cada reduto do aparelho digestivo dos insetos tem dado indicações claras do que pode ou não funcionar no ataque a eles. Uma informação relevante se refere às peculiaridades de um tubo de pa­redes finíssimas e porosas, a mem­brana peritrófica, que se assemelha aos filmes plásticos utilizados para guardar alimentos na geladeira. Nes­se compartimento os alimentos co-

Page 23: Dieta indigesta

A digestão dos insetos

O percurso e as

transformações

do alimento em

um besouro

Pa o Câmara de armazenagem do alimento

Boca

Proventrículo Órgão triturador

Membrana eritrófica Permite a passagem de alimentos decompostos, enzimas e água

~C~e~c~o~á~s~tr~i~co~----------~ Espaço Processa a digestão final e ectoperitrófico

Túbulos de Mal i hi Órgãos excretores, semelhantes aos rins a absorção dos alimentos

Intestino anterior ... . .. médio ... . .. e posterior

Após a mastigação, o alimento atravessa o intestino anterior, revestido de quitina e impermeável à maioria das substâncias.

O intestino médio é onde se processa a produção de enzimas e a maior parte da digestão e a absorção de nutrientes. O alimento atacado pelas enzimas é fracionado no interior da membrana peritrófica. Depois, as partículas digeridas atravessam essa membrana e seguem, por um sistema de circulação, até as células, que absorvem os nutrientes.

O intestino posterior atua na eliminação dos detritos e no equilíbrio de água e de sais minerais.

O reaproveitamento das enzimas As enzimas (setas vermelhas) atravessam a membrana peritrófica e chegam ao espaço ectoperitrófrico acompanhando

----+- ____....--+ ~ os alimentos (setas azuis) à medida que --..... --..... -.... --. são fracionados . Depois, voltam para

Espaço ectoperitrófico

o interior da membrana peritrófica, na porção inicial do intestino médio. A água (setas amarelas) passa pelo espaço ectoperitrófico até chegar aos cecos, nos quais é absorvida.

Fomes: Walter Ribeiro Terra, IQ-USP;A Digestão dos lnsetos,Walter R. Terra e Clélia Ferreira, Ciência Hoje, vol. 12, n. 70, 1991, p. 31; e Zoologia dos Invertebrados, Robert D. Sarnes ( 1984, Roca)

meçam a ser fragmentados, sob a ação de enzimas, antes de chegar às células nas quais os nutrientes são absorvidos (ver ilustração).

ipe de Terra verificou que poros da membrana

peritrófica têm de sete a oito nanômetros (um nanômetro correspon­

de à milésima parte do milímetro) . "Conhecendo o tamanho dos poros da membrana peritrófica, vemos que algumas substâncias podem não ter o efeito tóxico desejado caso sejam grandes demais para serem absorvidas pelos insetos': afirma Terra. Essa cons­tatação explica, por exemplo, por que os cristais da toxina da Bacillus thurin­giensis, umas das bactérias mais im­portantes para o controle de diversas espécies de lagarta, são efetivos so­mente se diminuírem de tamanho, depois de parcialmente digeridos no interior da membrana peritrófica. Quando essa digestão parcial não ocorre- e as enzimas de alguns insetos são incapazes de realizar essa quebra -, a toxina não tem qualquer efeito.

Nos anos 60, reinavam os defensi­vos agrícolas, que ninguém contesta­va, quando Terra começou a mexer nesse campo. Se no início pouca gen­te levava a sério a abordagem que di­zia respeito puramente à biologia dos insetos, agora é diferente. O trabalho de que Terra cuidou, silenciosamen­te, ao longo desse tempo, torna-se mais estratégico à medida que cres­cem as pressões para a preservação ambiental e a busca de alternativas aos produtos químicos. Os Estados Unidos, por exemplo, acabam de proibir o uso de um defensivo bas­tante utilizado, à base de clorpirifós, uma matéria-prima empregada tam­bém no Brasil, por oferecer riscos ao sistema nervoso de crianças.

Agora, tanto as motivações quan­to as dificuldades estão razoavelmen­te claras. Nas experiências como as realizadas com a cana, o mais com­plicado não é identificar os genes úteis para compor novas variedades de plantas, mas indicar as proteínas

PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 • 23

Page 24: Dieta indigesta

mais adequadas para se tornar alvo dos compostos produzidos pelas plantas. E só se pode chegar a essa cla­reza por meio do conhecimento pro­fundo da fisiologia dos insetos, que também revela a durabilidade dos pro­dutos no tubo digestivo desses animais.

O trabalho com as lagar­tas da broca-da-cana está correndo a con­tento, mas Terra já contou que não basta

descobrir bloqueadores de enzimas para tudo se resolver. Os insetos, como ele demonstrou, possuem um mecanismo de digestão sofisticado e podem secretar enzimas diferentes para digerir um mesmo nutriente. Caso uma das enzimas seja bloquea­da por algum inibidor, produzido pela própria planta ou aplicado pelo homem, entram em ação as enzimas substitutas, com a mesma função, mas com propriedades diferentes.

Essa capacidade de driblar os ata­cantes ainda não foi observada na broca-da-cana. Ficou evidente, po­rém, nos estudos com a lagarta Heli­othis virescens. O inibidor de tripsina de soja, adicionado pela equipe da USP à sua dieta, não foi eficaz sim­plesmente porque a lagarta produzia novas enzimas que escapavam de seu poder. Terra procura agora fazer com que a lagarta expresse todo o repertó­rio de enzimas, até que possa encon­trar um inibidor eficiente para todas elas. "Na hora de adotar uma estraté­gia de controle de pragas, temos de levar em conta essa sofisticação do

Perigo para as plantas e para o homem

Para a agricultura, o terror são as lagartas, que desfolham plantações. Os adultos nutrem-se de néctar

sistema digestivo dos insetos", sugere o pes­quisador.

Trabalhos aplicados como o da cana trans­gênica representam apenas uma parte das pesquisas do Labora­tório de Bioquímica de Insetos, financiadas com aproximadamen­te R$ 600 mil desde 1993 pela FAPESP. O projeto em andamento desde 1998, A Digestão dos Insetos: Uma Abor­dagem Molecular, Ce­lular, Fisiológica e Evo­lutiva, conta com R$ 121,6 mil, mais US$ 382 mil e deve termi­nar em outubro de 2001 . Desta vez, pro­cura-se informação principalmente sobre mecanismos de secreção de enzimas e a natureza das moléculas processadas por enzi­mas-chave da digestão, como tripsi­nas e glicosidases, que agem sobre carboidratos, uma família de com­postos que incluem os amidos, açú­cares e celulose.

Terra leva em conta tanto a neces­sidade de se conhecer melhor as pra­gas mais comuns no Brasil como a de estabelecer padrões de comparação entre as espécies (ver box) . Terra comprovou que a organização do sis­tema digestivo depende mais da posi­ção filogenética do que do hábito alimentar. Ou, de outro modo: o sis-

tema digestivo torna-se mais sofisti­cado à medida que os insetos se si­tuam em posições mais altas na esca­la evolutiva. Na prática quanto mais evoluídos, mais vorazes.

É algo impressionante. Enquanto um besouro come em média apenas 0,3 vez o seu peso, uma larva da ma­riposa Erinyis ello chega a comer cer­ca de 2,4 vezes o seu peso, em apenas um dia. É como se uma pessoa de 75 quilos ingerisse diariamente 180 qui­los de alimentos. "A capacidade de pro­cessar uma quantidade elevada de ali­mento permite que o inseto cresça e se reproduza rapidamente", conta o pes­quisador. Assim, os insetos mais evo-

- com exceções, como os gafanhotos - , embora possam transmitir doenças.

Lagarta-da-maçã-do­algodoeiro: combatida com tabaco transgênico

Mandarová-da­mandioca: larva come 2,4 vezes seu peso

O Tenebrio molitor: praga de farinha e de cereais armazenados

24 • JUNHO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

Page 25: Dieta indigesta

luídos podem ter várias gerações por ano e deixar descendentes, asseguran­do a sobrevivência da espécie, mes­mo com uma alta mortalidade. "Só se chega a esses resultados com um sis­tema digestivo bastante eficiente': res­salta Terra. A desvantagem, lembra ele, é que os comilões vivem menos. Uma barata, menos evoluída, pode viver até cinco anos, enquanto uma mosca comum vive cerca de seis semanas.

As pesquisas realizadas na USP atestam que há uma correspondência entre os estágios evolutivos e a com­plexidade dos processos digestivos dos insetos. Os mais primitivos, como os gafanhotos (ordem Orthoptera),

possuem formas jo­vens e adultas muito semelhantes, que competem pelo ali­mento. Apresentam um sistema digestivo mais simples, con­centrando todas as enzimas digestivas no mesmo comparti­mento.

Nos insetos mais evoluídos, a exemplo das borboletas e mari­posas (Lepidoptera) e moscas (Diptera), a forma jovem, ou seja, a larva, é muito dife­rente da forma adulta alada. Em cada fase, vivem em ambientes distintos e não com­petem pelo alimento. Sua digestão é bem

compartimentada, e somente as enzi­mas responsáveis pelo ataque inicial ao alimento, como a amilase e as tripsinas, penetram no interior da membrana peritrófica. Outras enzi­mas, que continuam o processamen­to do alimento agindo sobre molécu­las de tamanho menor, atuam no fluido compreendido entre a mem­brana peritrófica e as células intesti­nais. Há ainda um terceiro grup~ o das enzimas encontradas na superfí­cie das células, que finalizam a diges­tão produzindo compostos que po­dem ser prontamente absorvidos.

A comparação da dinâmica di­gestiva dos dois grupos, os mais e os

Percevejo da soja (Euschistus heros): praga comum em área tropicais

Dysdercus peruvianus: besouro sugador

Gafanhoto: ataca folhagens no mundo inteiro de sementes de algodão

menos evoluídos, tem levado a des­cobertas importantes. Foi assim que Terra notou que as regiões responsá­veis pela secreção e absorção de água se alteram, de modo que, nos mais evoluídos, sempre exista um fluxo de fluidos contrário ao fluxo do alimen­to. "Essa circulação permite uma eco­nomia de enzimas, que são recicladas em vez de serem excretadas com as fezes': comenta. Segundo ele, a ação das enzimas limitada a comparti­mentos específicos e o contrafluxo de fluidos ampliam a eficiência digestiva e o aproveitamento dos alimentos.

Estudos semelhantes, que buscam alternativas ao uso de inseticidas, atestam a validade do trabalho da equipe da USP. É o caso

do controle biológico, que introduz predadores naturais nas plantações atacadas por pragas. No Estado de São Paulo, o uso da mosca Cotesia flavipes no combate à broca-da-cana fez com que as perdas da produção pas­sassem de 11% em 1980 para 2,5% em 1990. Houve, nesse tempo, uma economia de US$ 37,5 milhões na produção de açúcar e álcool, segundo a Cooperativa dos Produtores de Ca­na, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar). Mas esse método, assim como os inseticidas, tem suas limitações: as mosquinhas só funcio­nam quando a lagarta está exposta.

Já as plantas transgênicas prome­tem atacar o inseto dentro da cana e reduzir ainda mais o índice de per­das, estacionado há uma década. Para

Rhodnius prolixus: transmissor da doença de Chagas

PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 2000 • 25

Page 26: Dieta indigesta

· Terra, os transgênicos não são apenas mais eficientes do ponto de vista econômico. Ofe­recem também menos riscos de desequilíbrio ecológico do que os in­seticidas. As experiên­cias recentes com a soja, porém, não deixaram uma imagem muito positiva dos transgêni­cos. Ainda há resistên­cia, mas o professor da USP garante que, a ri­gor, essas novas plantas não diferem muito dos enxertos, comuns na agricultura, como o mi­lho híbrido, hoje lar­gamente utilizado e bastante diferente das espécies que lhe deram ongem.

A cana transgênica que cresce na Esalq, mesmo tudo correndo como se espera, ainda terá de passar por outras provas até chegar ao plantio comercial. Um deles é o teste em lar­ga escala, que depende de uma auto­rização da Comissão Técnica Nacio­nal de Biossegurança (CTNBio), o órgão governamental que controla o plantio de transgênicos no País. Ou-

tro desafio será a substituição dos promotores, regiões do DNA que ati­varo os genes responsáveis pela ex­pressão dos inibidores. Os testes ini­ciais valeram-se de promotores que ativam a produção de inibidores em todas as partes da planta e em todos os estágios de desenvolvimento. <::>s

O maior grupo de espécies animais Descritos desde a Antiguidade,

quanto o termo entomologia foi empregado pela primeira vez por Aristóteles, os insetos representam uma classe, a Insecta, que abriga cer­ca de 70% de todas as espécies ani­mais, com aproximadamente 1,2 milhão de espécies. Uma forma de lidar com essa diversidade foi sele­cionar as espécies de acordo com sua posição na árvore evolutiva, já que as diferenças estão relacionadas, jus­tamente, com o estágio evolutivo. Terra trabalha com 18 espécies, que estão localizadas em pontos estraté-

26 • JUNHO OE 2000 • PESQUISA FAPESP

gicos da árvore evolutiva e represen­tam as principais ordens da classe Insecta. Na escolha pesou também o papel ecológico de cada espécie, de tal forma que, desse total, dois terços são pragas agrícolas - os maiores competidores do homem por ali­mento. Representam algo em torno de 10% do total de espécies de inse­tos e chegam a devorar mais da me­tade de uma plantação.

Nessa composição entra tam­bém uma espécie de interesse para pesquisas médicas, por transmitir o protozoário causador da doença de

pesquisadores querem ser mats específicos. "A planta, para se comportar como na natureza, deve produzir os ini­bidores apenas

quando sofrer alguma lesão", comen­ta Silva-Filho.

Uma das razões pelas quais ele participa do projeto Genoma Cana, financiado pela FAPESP, é exatamen­te essa: encontrar um promotor mais adequado a suas necessidades, para evitar que uma secreção exagerada

Chagas, enquanto as demais foram incluídas para completar o quadro evolutivo. De modo mais amplo, as espécies selecionadas enquadram­se basicamente em duas categorias, as menos e as mais evoluídas. Entre os insetos estudados com caracte­rísticas mais primitivas, com meta­morfose incompleta, destaca-se o gafanhoto Abracris flavolineata da ordem Orthoptera, que inclui tam­bém os grilos e compreende 2% do total de espécies de insetos. Tam­bém se enquadram nessa categoria os percevejos Rhodnius prolixus, um tipo de barbeiro que é vetor da doença de Chagas, e o Dysdercus

Page 27: Dieta indigesta

do gene interfira em outros processos da planta e no ambiente. Não se tra­ta apenas de um aperfeiçoamento do processo de produção da cana. É uma prioridade. Pretende-se poupar o Brasil dos problemas ocorridos com um milho transgênico plantado em lar­ga escala nos Estados Unidos, que pro­vocou a morte de borboletas monar­cas que se alimentaram do pólen do milho. "Estamos levando em conta que o ambiente é um sistema complexo e que, quanto menos interferência pro­vocarmos, melhor", diz Silva-Filho.

Na visão dos pesquisa­dores, as novas plan­tas não provocarão efeitos nocivo~ sobre outros seres vivos se

forem modificadas para afetar meca­nismos muito específicos dos insetos, a cada dia compreendidos de modo

peruvianus, sugador de sementes de algodão, da ordem Hemiptera, com 7% dos insetos, à qual pertencem também as cigarras. Menos primiti­vos são o besouro Tenebrio molitor, praga de farinhas muito usada como isca por pescadores, e o vaga­lume Pyrearinus termitilluminans, que se alimenta de outros insetos, ambos da vasta ordem Coleoptera, que abriga 30% dos insetos.

mais detalhado. "O resultado depen­de das escolhas': ressalta Terra. Em outras palavras, o que está por vir de­pende tanto do bom senso quanto do conhecimento sobre o que e como modificar nos seres vivos. Os estudos em andamento sobre as estruturas das enzimas digestivas e de seus me­canismos de expressão acenam, en­fim, com um quadro mais animador, no qual apenas os insetos serão os atingidos na luta por uma produção maior de alimentos. •

PERFIS:

• WALTER RlBEIRO TERRA, 55 anos, formou-se em Ciências Biológicas na Universidade de São Paulo em 1968. Concluiu seu doutorado em Bioquímica em 1972 e livre-docên­cia em 1977, na mesma universida­de. É professor titular do Departa-

Outros insetos selecionados para estudo são considerados mais evoluí­dos, como as mariposas Spodoptera frugiperda, cuja lagarta é praga de so­ja e milho, e Erinnyis ello, cuja lagarta ataca a mandioca. Outro ser indese­jado pelos agricultores, que faz parte desse grupo e começa a ser combatido com a cana transgênica, é a broca­da-cana-de-açúcar, Diatraea saccha­ralis. Todos esses insetos pertencem

mento de Bioquímica do Instituto de Química da USP desde 1990. • CLÉLIA FERREIRA, 45 anos, concluiu em 1976 a graduação em Ciências Biológicas na USP, na qual também fez o doutorado em Bioquímica, concluído em 1982, e a livre-docên­cia, em 1994. Ingressou no departa­mento de bioquímica do Instituto de Química da USP em 1985, onde é professora associada desde 1994. Projeto: A Digestão dos Insetos: Uma Abordagem Molecular, Celular, Fisiológica e Evolutiva Investimento: R$ 121,6 mil mais US$ 382 mil • MÁRCIO DE CASTRO SILVA FILHO, 39 anos, é engenheiro agrônomo, for­mado pela Universidade Federal de Lavras, MG, onde também concluiu mestrado em Genética e Melhora­mentos de Plantas em 1989. Estu­dou na Bélgica, de onde retornou em 1994 com o título de doutorado em Biologia Molecular de Plantas na University of Louvain. É profes­sor de genética da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (Esalq) da USP desde 1994. Projeto: Caracterização Bioquímica, Entomológica e Molecular da Interação entre Inibidores de Proteinases Diges­tivas e Insetos da Ordem Lepidoptera Investimento: R$ 156.838,45 mais US$ 121.201,90

à ordem Lepidoptera, que inclui as mariposas e as borboletas e re­presenta 13% dos insetos. Também bastante evoluídas são a mosca comum, Musca domestica, e uma mosca próxima do mosquito, Rhyn-

chosciara americana, ambas da or­dem Diptera, na qual se encontram 12% dos representantes dessa classe. Outro inseto estudado é uma abelha sem ferrão, Scaptotrigona bipuncta­ta, da ordem Hymenoptera, que abriga as vespas, abelhas e formigas e 25% dos insetos. Essa abelha foi es­colhida por sua posição intermediá­ria na árvore evolutiva, entre as mos­cas e borboletas e os demais insetos.

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CIÊNCIA

SAÚDE PÚBLICA

Perigo à beira d'água Cresce o risco de malária na barragem de Porto Primavera

Construída desde 1979 e con­cluída no ano passado, a Bar­

ragem Porto Primavera- ou Usina Hi­drelétrica Engenheiro o

Sérgio Motta -, no rio g z

Paraná, não trouxe 2 apenas mais energia elé­trica à região. Provocou também o crescimento da população do Ano­pheles darlingi, um dos ~ mosquitos transmisso- "l

< res da malária, que ~

•j2 atinge cerca de SOO mil ~ brasileiros por ano. -~

~ Um estudo conduzido " pelo epidemiologista Al- ~ mério de Castro Gomes, ~ da Faculdade de Saúde ~ Pública da Universida- ~ de de São Paulo (USP), ~

~ indica que a população ~ desses insetos pratica- ~

w

tamento Lagoa São Paulo", comenta Gomes. Segundo ele, outros estudos já haviam indicado que a constru­ção de barragens acentua a dissemi­nação da malária por criar condições favoráveis ao desenvolvimento do mosquito transmissor, como o acú­mulo de água associado à vegetação.

Gomes desembarcou na reg1ao da futura barragem em 1997, um

mente duplicou: em ~ apenas um ponto de ~----0--A-no_p_h_e-le_s_d_ar-U-ng-i--~ coleta no município (no alto) e Gomes: ameaça paulista de Presidente crescente para as cidades Epitácio, a população próximas à hidrelétrica passou de 137 indiví­duos, antes da inundação, para 260, depois que o reservatório começou a encher, em 1998. O Anopheles dar­lingi, que antes ocupava o 48° lugar entre 58 espécies de mosquitos, pu­lou para o terceiro lugar entre as 26 variedades remanescentes.

"A hipótese mais provável para a elevação do número de mosquitos dessa espécie é que os criadouros, antes dispersos pela região, tenham se concentrado ao redor da barra­gem, nas áreas próximas ao Reassen-

ano e meio antes da primeira inun­dação. Até o final de 1998 em Presi­dente Epitácio e em Bataguassu, do outro lado do rio Paraná, analisou a fase de pré-enchimento antes de ha­ver qualquer influência da barra­gem. Em dezembro de 1998, partiu para a etapa seguinte, destinada a observar o impacto inicial da for­mação do lago que começava a se formar, com o fechamento das com-

portas (hoje, o lago de Porto Prima­vera tem 2.250 quilômetros quadra­dos e é maior que o de Itaipu.

Agora, na terceira etapa do pro­jeto, que deve terminar em 2002, a preocupação é saber se o mosquito vai se instalar de fato e que papel pode ter no aumento do número de casos de malária numa área conside­rada de risco, tanto pela concentra­ção de pessoas quanto pela localiza­ção, vizinha a regiões endêmicas.

No momento, a doutoranda Ana Maria Duarte, de sua equipe, procu­ra avaliar se há, na região, porta­dores do protozoário Plasmodium

vivax, o causador da malária. Havendo o agente e o vetor, esta­riam completos os re­quisitos para se iniciar um processo de trans­missão, ainda mais crítico porque a popu­lação de Anopheles darlingi se encontra em crescimento. Exa­mes parasitológicos demonstraram que não há pessoas conta­minadas. Com testes imunológicos, em an­damento, pretende-se conferir os resultados de modo ainda mais rigoroso. •

PERFIL:

• ALMÉRIO DE C ASTRO

GOMES, piauiense de 58 anos, fez a graduação em Farmácia e Bioquí­mica na Universidade

Federal do Rio Janeiro (UFRJ) e o mestrado e o doutorado na Facul­dade de Saúde Pública da Universi­dade de São Paulo (USP), onde le­ciona desde 1976. Projeto: Avaliação do Impacto da Barragem de Porto Primavera so­bre Populações Vetaras de Malária e das Perspectivas Subseqüentes de Controle Investimento: R$ 71.369,97

PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 • 33

Page 34: Dieta indigesta

CIÊNCIA

Como o sistema nervoso regula as atividades do dia-a-dia

O mecanismo do sono nos seres ~~ / humanos está relacionado com 'V} I um ciclo de cerca de 25 horas, o Núcleo ) ntmo c1rcad1ano. O controle supraquias~'clco desse mecanismo é realizado, ~ entre outras estruturas do ... ....._ sistema nervoso, pelos núcleos ~ supraquiasmáticos, grupos de células situadas no hipotálamo anterior, na base do cérebro. ~

Quando uma luz forte é ~ ~ ~ captada pela retina do olho, como acontece quando a pessoa acorda pela manhã, os núcleos são avisados , por meio do nervo ótico. A glândula pineal passa então a secretar menos melatonina, um hormônio cuja concentração no sangue sinaliza a ocorrência da noite e do dia.

FISIOLOGIA

Retina do olho

Nervo ótico

Idosos com sono nota dez

Saudável é dormir bem à noite, sem muitos cochilos durante o dia

Lentamente, diante da televisão ligada, a cabeça da senhora ido­

sa começa a balançar. Mais uma vez, ela cochilou durante a novela. Duran­te anos, a Medicina teve urna explica­ção para essa cena comum: os idosos tenderiam a fragmentar mais o sono, em conseqüência do processo de de­generação das estruturas do cérebro responsáveis pela organização tem­poral. Não estaria funcionando a sin­cronização da pessoa com o dia e com a noite. Esse conceito, porém, está mu­dando. Uma das razões dessa mudan­ça pode ser uma pesquisa realizada em Campinas pelo Grupo Multidis­ciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos (GMDRB) da Universida­de de São Paulo (USP).

34 • JUNHO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

''A fragmentação do sono não é uma fatalidade", afirma, categori­camente, o professor Luiz Menna­Barreto do Instituto de Ciências Bio­médicas da USP, coordenador da pesquisa e do GMDRB. Ou seja: se forem saudáveis do ponto de vista fí­sico e psicológico, se mantiverem ati­vos e conservarem um bom relacio­namento social, os idosos têm tudo para manter, mesmo em idade avan­çada, o mesmo padrão de sono que tiveram durante a vida adulta.

Os resultados da pesquisa da USP são apoiados por outros estudos re­centes, realizados nos Estados Uni­dos. Neles, pesquisadores relacio­nam a fragmentação do sono nos idosos a efeitos secundários de doen­ças características da terceira idade, ao abandono social e à falta de moti­vação em geral, associada a estados depressivos. Não, exclusivamente, a um problema de degeneração dos sistemas de temporização, os chama­dos relógios biológicos, mecanismos

no cérebro que comandam os ritmos do corpo (ver ilustração).

A pesquisa da USP foi realizada pelo GMDRB com 23 membros do grupo da terceira idade do Sesc de Campinas. Chamada Padrões de Ati­vidade e Fragmentação do Sono em Pessoas Idosas, contou com um fi­nanciamento de R$ 43,4 mil da FA­PESP. Além da USP, há outros gru­pos na Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro, na Universidade Fe­deral do Rio Grande do Norte em Natal, na Universidade Federal de Pelotas no Rio Grande do Sul e na Unesp, em Assis.

A cronobiologia surgiu na segun­da metade do século 20 com o obje­tivo de explicar a organização tem­poral dos seres vivos. Não é algo simples. Assim como os seres vivos passaram por um processo de adap­tação ao espaço físico, durante sua evolução, também tiveram de se adaptar aos ciclos da natureza, como as estações do ano e os ciclos lunares.

Page 35: Dieta indigesta

Essa adaptação é um dos campos de estudo da cronobiologia, que pes­quisa ainda os ritmos in­ternos do organismo, como o batimento car­díaco, o ritmo da respi­ração e a variação de temperatura corporal (ver gráfico).

I

1.) o

38

37

; 36

::l

E Q) 35 a. E Q)

1-34

33 r

O I

O calor do corpo Como a temperatura varia ao longo do dia

PORTA SECUNDÁRIA DO SONO PORTA PRINCIPAL DO SONO

Por volta do meio-dia ocorre uma queda na temperatura, em função

do aumento do sonolência. VIGÍLIA

A temperatura atinge o ponto mais baixa por volto dos 5 do

manhã.

I r I 2345678

t EFEITO

FEIJOADA É o ampliação do

tendência de cochilar em decorrência da ingestão

de uma refeição pesado. 1 1 r r 1

9 10 11 12 13 14 IS 16 17

Tempo (em horas)

horas, a temperatura está caindo e a pessoa está pronta para dormir.

1 r 18 19 20 21 22 23 24

Obs.: Os valores do gró(lco referem-se à variação do temperatura central de um homem adulto jovem e de hábitos diurnos. Não se aplicam o indivíduos que trabalham à noite ou em horários irregulares.

que sua exposição ao meio ambiente foi ante­cipada. "Esses fatos nos levam a afirmar que a constância ambiental mantida nas maternida­des e hospitais, do pon­to de vista da cronobio­logia, talvez deva ser questionada", diz ele. "Provavelmente, no fu­turo, esses ambientes se­rão planejados de forma a respeitar as variações na­turais do meio externo."

Não é por acaso que o sono das pessoas ido­sas merece tanto interes­se. Um dos ritmos bioló­gicos mais estudados é o ciclo vigília-sono, cujo período oscila em torno de 24 horas. A determi­nação desse ciclo é endó- Fonte: Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos - lCB/USP

Adolescência - Na ado­lescência, ocorre outra mudança importante, cuja descoberta chamou gena, ou seja, os sistemas

orgânicos de temporização, ou reló­gios biológicos, geram um período um pouco maior do que 24 horas, que é ajustado a cada dia, por estí­mulos ambientais como o dia e a noite e horários de atividade e lazer. Uma pessoa em uma caverna, isolada desses estímulos temporais do ambien­te, continua a apresentar aproxima­damente o mesmo padrão de alter­nância entre vigília e sono.

Os relógios biológicos, sensíveis aos fatores ambientais cíclicos, tam­bém se ajustam às condições que en­contram. No caso do ciclo vigília-so­no, colocam o período de atividade e descanso em sincronia com o claro e o escuro do dia. Quan­do essa sincronicidade natu­ral é perturbada, o organismo sofre, em situações nem sem­pre relacionadas com degene­rações do organismo. É o caso de pessoas que trabalham à noite. Quase sempre, dormem de dia durante a semana e à noite nos períodos de folga, no fim de semana. Segundo Menna-Barreto, esse ritmo re­presenta uma desordem tempo­ral muito grande, do ponto de vista dos relógios biológicos.

ram muitas dúvidas em relação ao so­no. Já se sabe que os recém-nascidos levam algum tempo para ajustar seus relógios biológicos ao ambiente. Seu so­no é bastante fragmentado- dormem a intervalos de três a quatro horas -, embora existam grandes variações. A organização do sono noturno pode ocorrer tanto na primeira semana quanto aos quatro meses de vida.

Outra pesquisa recente de Men­na-Barreto, com bebês do Hospital Universitário da USP, mostrou que os prematuros saudáveis tendem a organizar o sono mais cedo do que bs nascidos no fim de um período nor­mal de gestação, provavelmente por-

a atenção dos educadores. Um estu-do da pesquisadora Mirian Andrade, sob orientação de Menna-Barreto, mostrou que as mudanças hormo­nais da puberdade são acompanha­das de um atraso nos ritmos biológi­cos. Em conseqüência, o adolescente sente sono mais tarde e passe a acor­dar também mais tarde.

Essa constatação motivou outra pesquisa, realizada com os alunos da quinta série da Escola de Aplicação da USP, com o objetivo de verificar a adequação dos estudantes ao horário escolar. Ali, os alunos da primeira à quarta séries freqüentam as aulas no período da tarde. Quando chegavam à quinta série- justamente no perío­do crítico das mudanças hormonais que atrasam o relógio biológico dos ado­lescentes -, eram automaticamente transferidos para o período da manhã.

Os pesquisadores demonstraram que os estudantes, quase todo dia,

dormiam menos do que gosta-riam. A sonolência diurna

Recém-nascidos - As investiga­ções da cronobiologia esclarece-

Waldemar Simionato, Odilon Ferreira e Lázara Lang: no grupo de estudo, com o actígrafo (nos pulsos)

que sentiam poderia expli­car, pelo menos parcialmen­te, a perda de atenção e de in­teresse pelas aulas. Como resultado da pesquisa, a Es­cola de Aplicação cancelou, em 1999, a mudança de ho­rário dos alunos que chega­vam à quinta série.

PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 • 35

Page 36: Dieta indigesta

No adulto, os padrões de sono va­riam muito de um indivíduo para outro, mas, uma vez estabelecidos, se mantêm estáveis ao longo de toda a vida. Ou seja, uma pessoa que preci­sa de nove horas de sono por noite deverá apresentar esse mesmo padrão por toda a vida. A pesquisa mostra que o padrão continua mesmo de­pois de certa idade e joga por terra a antiga idéia de que, com o avanço da idade, os relógios biológicos se deteriorariam, fazendo com que o sono vol­tasse a ser fragmentado, como ocorre com os bebês.

A pesquisa trouxe elemen­tos importantes para o estudo da fisiologia do idoso. Sabia­se que o número de queixas em relação ao sono crescia muito a partir dos 45 ou 50 anos, mas faltavam dados so­bre o sono do idoso sadio. "Nossa dúvida era se esse pa­drão mais fragmentado era uma característica intrínseca ao avanço da idade ou se esta­ria associado a algum estado de sofrimento", explica Men­na-Barreto.

Na primeira fase da pes­quisa, a equipe da USP sele­cionou 23 idosos sadios do

velhecimento, então, quanto mais idoso, maior deveria ser a fragmenta­ção. "Mas pudemos constatar que isso não ocorre e que, portanto, a fragmentação não parece ser uma fa­talidade", afirma Menna-Barreto. Outro fato importante foi observado na comparação entre os extremos. "Tanto os idosos que fragmentavam o sono quanto os que não fragmen-

Grupo da Terceira Idade do Menna-Barreto:

Sesc de Campinas. Na segun- pequena fragmentação de sono é normal

da fase, os idosos passaram 23 dias usando um aparelho de pulso sensível aos movimentos, o actígrafo, que produz um gráfico das ocorrên­cias de sono, dia após dia. Também re­gistraram suas atividades num diário.

Os dados dos dois métodos indi­caram os padrões de sono mais extre­mos. Assim, na terceira etapa, entre os 23, foram selecionados seis idosos, quatro homens e duas mulheres, que apresentaram as médias mais elevada (um cochilo por dia) e mais baixa (nenhum cochilo) de fragmentação. Depois disso, o grupo passou mais nove dias fazendo registras de sono e de temperatura corporal.

Uma das hipóteses a ser verificada era que, se a fragmentação do sono era uma decorrência normal do en-

36 • JUNHO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

tavam tinham uma vida bastante sa­tisfatória, o que prova que o hábito da sesta não é sinal de desorganiza­ção temporal': concluiu.

Sofrimento - O fato de que todos os idosos estudados eram muito sadios e nenhum fragmentava o sono de forma excessiva sugere que a frag­mentação pode indicar um envelhe­cimento não-saudável. "Quando um idoso começa a fragmentar demais o sono, ele deve, antes de mais nada, avaliar se isso não é conseqüência de algum estado de sofrimento", reco­menda Menna-Barreto. Qualquer dor pode prejudicar a qualidade do sono porque impede que se atinjam os estágios mais profundos do sono.

Isso é freqüente entre os idosos que sofrem de doenças cardíacas ou reumatismo, por exemplo. "Mas tanto quanto a dor física, a dor da alma tam­bém tem efeitos negativos sobre o so­no", afirma. A falta de motivação que acompanha os quadros depressivos pode comprometer a sincronicidade dos relógios biológicos com os ciclos ambientais.

Uma pequena fragmentação é perfeitamente normal. "Alguns indi­víduos dormem regularmente a sesta depois do almoço, outros não", diz o pesquisador. "Dependendo da situa­ção de vida, alguns podem simples­mente não expressar essa necessida­de, passando a fazê-lo mais tarde, quando os compromissos deixam de ser obstáculos."

As pesquisas estão mostrando, de forma cada vez mais intensa, as conseqüências negativas do desres­peito aos ritmos biológicos. Esses elementos, diz o pesquisador, suge­rem a necessidade de uma melhor reflexão sobre as relações entre o indivíduo e a sociedade. "Valores como competitividade, qualidade e produtividade são verdadeiras ar­madilhas temporais, que geram mu­ita angústia", afirma. "É preciso re­fletir sobre essas armadilhas que criamos para nós mesmos." •

PERFIL:

• LuiZ MENNA-BARRETO tem 53 anos e atua no Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Bio­lógicos do Departamento de Fisio­logia e Biofísica do Instituto de Ciên­cias Biomédicas da USP. Formou-se em 1972 em Ciências Biológicas, modalidade Médica, pela USP de Ribeirão Preto, onde concluiu o mestrado em 1976. Terminou o doutorado na USP de São Paulo, em 1981. Completou o pós-douto­rado em Cronobiologia na Univer­sidade do Franche-Comté, em Be­sançon, na França. Projeto: Padrões de Atividade e de Fragmentação do Sono em Pessoas Idosas Investimento: R$ 43.450,00

Page 37: Dieta indigesta

CIÊNCIA

deos sulfatados encontrados em invertebrados marinhos. Essas substâncias apresen­tam potentes ações anticoa­gulante e antitrombótica. •

Controle genético do presento

Pesquisadores franceses iden­tificaram um gene, chamado RN, cuja mutação altera o me­tabolismo energético do mús­culo do porco e,

!;;

Cápsula de tabaco com sementes: dentro de dois anos, insulina de modo mais ~

Tabaco produz pró-insulina

Uma equipe do Centro de Biologia Molecular e Enge­nharia Genética (CBMEG) da Unicamp conseguiu pro­duzir pró-insulina em se­mentes de tabaco (Nicotina tabacum). É uma vitória par­cial. A pró-insulina é uma forma preliminar - um ras­cunho- da insulina, hormô­nio produzido pelo pâncre­as. Chega à forma final por meio da eliminação de um trecho central de sua estru­tura, como resultado da ação de uma enzima, a pró-insuli­na-convertase. Com apoio da FAPESP, o bioquímico Adilson Leite pretende agora fazer com que a própria planta produza essa enzima e retire o pedaço indesejado da pró-insulina, fornecendo assim a própria insulina, em mais um ou dois anos. Em busca de alternativas mais práticas e econômicas para a produção de proteínas de in­teresse humano, já se conse­guiu que plantas transgêni­cas produzissem enzimas, hormônios e anticorpos e antígenos que podem ser utilizados como vacinas. •

Farmácia marinha na UFRJ

Os pepinos-do-mar e os tu­nicatos - espécies de búzios pontudos encontrados nas praias - contêm substâncias com princípios ativos contra a trombose e coagulação. A constatação é de um estudo do Laboratório de Tecido Conjuntivo do Hospital da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os ensaios que indicam essa atividade terapêutica foram realizados em ratos e coelhos. Uma das linhas da pesquisa, coorde­nada pelo cientista Paulo Mourão, envolve o estudo dos chamados polissacarí-

prático, prejudi­ca a qualidade do presunto. Essa mutação causa um excesso de glicogênio, uma forma pela qual a glicose é ar­mazenada, prin­cipalmente no figado e nos mús­culos, e acentua a acidez e a ca­pacidade de re­

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tenção de água na carne. O mesmo consórcio de insti­tuições que chegou a essa des­coberta - três unidades do Instituto Nacional de Pesqui­sa Agronômica (INRA), da França, e as universidades de Ciências Agrícolas da Suécia

Porcos: mutação no gene RN altera o metabolismo muscular

e a Christian Albrechts, da Alemanha - desenvolve ago­ra um teste genético simples e eficaz para determinar por­tadores dessa mutação, mais comum em animais obtidos a partir da raça Hampshire. •

Programa alemão de previsão de tempo

Começou a funcionar, em ca­ráter experimental, o Modelo

lili<tlboll-jUN-2000 ISUT

Brasileiro de Alta Resolução (MBAR), desenvolvido pelo Sistema Meteorológico Ale­mão (DWD) e implantado pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), com adaptações à geografia brasi­leira. É uma alternativa para saber, pela internet (no ende­reço www.inmet.gov.br), se vai chover ou qual a situação das nuvens, da pressão, dos ventos e da temperatura com algumas horas ou até dois dias de antecedência, com in­formações da região de inte­resse a cada 25 quilômetros. Até o final do ano, o Inmet deverá receber dois supercomputa­dores, o Origim 2000 e o Cray SVl, que devem otimizar a utilização do novo programa de previsão de tempo. •

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Page 38: Dieta indigesta

TECNOLOGIA

Furgão do Prumo leva equipamentos para dar suporte técnico às micro e pequenas empresas do setor de plásticos

PLÁSTICOS

Laboratório dentro da fábrica Prumo atende a 150

empresas e mostra bons resultados após um ano

A o atingir a marca de 150 micro e pequenas empresas atendi­

das, o Projeto de Unidades Móveis (Prumo) contabiliza, depois de um ano e quatro meses, os bons resulta­dos da transferência de conhecimen­to tecnológico para o setor de pro­cessamento de plásticos. Peças sem defeito, ajustes de matéria-prima e a eliminação de erros operacionais são alguns dos benefícios auferidos por dezenas de empresários que estão agora mais aptos a enfrentar o mer­cado nacional e a conquistar espaço na pauta de exportações.

38 • JUNHO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

Uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), qne opera o programa, entre empresários atendidos pelo Prumo, mostra alguns dos principais resultados conquista­dos como aumento da lucratividade, diminuição da devolução de pedidos, conquista de clientes mais exigentes e possibilidade de substituição das im­portações. O mesmo levantamento re­vela, ainda, aumento de 25% no pro­cessamento de matérias-primas, de 29% no faturamento e de 18% no nú­mero de empregos.

Lançado em março do ano passa­do, o projeto inova ao levar às em­presas um laboratório móvel, dentro de um furgão, com instrumentos para teste e processamento de vários experimentos úteis para as indústrias do setor de transformação de plásti­co do Estado de São Paulo. As unida-

des móveis são operadas por um en­genheiro e um técnico em plástico.

O Prumo é resultado de um acor­do de parceria assinado entre IPT, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e Ins­tituto Nacional do Plástico (INP), com o apoio da FAPESP, por meio do Programa de Inovação Tecnológica Universidade-Empresa (PITE). A Fun­dação financiou a compra de dois furgões e dos equipamentos para os laboratórios. O Sebrae subsidia 70% do atendimento, que custa R$ 2.900,00, restando 30% ao empresá­rio, ou R$ 900,00. Pensando em faci­litar a vida dos empresários que não podem pagar de uma vez pelos servi­ços do Prumo, o Sebrae decidiu parcelar o pagamento. Desde o início deste ano já é possível receber a visita do Prumo e pagar os 30% em quatro

Page 39: Dieta indigesta

parcelas. A divulgação do projeto en­tre as indústrias ficou com o INP.

Custo menor - As unidades móveis estão preparadas para realizar 19 en­saios, com equipamentos de última geração. São testes de extrusão, ab­sorção de água e vários de resistência, à flexão, ao ras­gamento, à tração e à com­pressão. Alguns deles, até o início das operações do Prumo, eram acessíveis so­mente para empresas de grande porte, em razão do alto custo.

O projeto, além de pro­mover ajustes necessários nas empresas, está funcio­nando também como por­ta de entrada para as diver­sas áreas de atendimento mantidas pelo IPT. O instituto tem a fama, entre os pequenos e microempresários, de ser uma instituição voltada somente às grandes empresas, cobrando pre­ços elevados pelos serviços. "Com o Prumo, o IPT assumiu uma nova postura e saiu para ajudar o empre­sário no seu ambiente de trabalho", afirma Vicente Mazzarella, 67 anos, diretor técnico do IPT e idealizador do projeto. Para ele, as atividades rea­lizadas pelo Prumo conseguiram mos­trar aos participantes as vantagens da atualização tecnológica.

Mazzarella planeja a ampliação do projeto para outras áreas da indús­tria. Se tudo der certo, ele gostaria de ver atendidos setores como mobiliá­rio, couro e calçados, tratamento de superfície, cerâmica e de transforma­ção de borracha. ''A expansão dos serviços do Prumo ajudará no pro­cesso de aprimoramento tecnológico desses setores", afirma.

Uma das dificuldades do Prumo atualmente é convencer seu público­alvo da importância de receber esse tipo de serviço. "Temos de mudar al­guns conceitos arraigados na menta­lidade do nosso empresário e isso não é fácil", afirma Paulo Dacolina, diretor-superintendente do INP. Para ele, o processo é lento, mas mostra bons resultados.

Ajustes para ampliação - Para aumentar o número de empresas atendidas, o INP fechou, no início deste ano, acordo com 12 distribui­dores da indústria de resinas petro­químicas no Estado de São Paulo. O objetivo é conseguir custeadores para

no ambiente de trabalho

testar os processos industriais e mé­todos utilizados. Foi quando desco­briu que o IPT tinha um serviço mó­vel que ia até as empresas. Stegmann decidiu inscrever-se para receber a visita do Prumo. "Até então eu pensa­va que os serviços do IPT eram volta­dos somente para grandes projetos e proibitivas para o tamanho da Aqua­terra': conta. Em três dias de trabalho, os técnicos do IPT traçaram parâme­tros e fizeram algumas correções de

Dentro do furgão, são realizados testes de resistência, compressão e tração

os 30% do custo do atendimento, que hoje cabe à empresa. "Cada distribui­dor fica com uma cota de 20 empre­sas e paga a parte que caberia a elas", afirma. Segundo Dacolina, o INP in­vestiu neste primeiro ano cerca de R$ 40 mil para divulgar o projeto.

Quem já recebeu o atendimento do Prumo não se arrepende. O empre­sário Jorg Stegmann, 43 anos, proprie­tário da Aquaterra, em Taboão da Ser­ra, na região metropolitana de São Paulo, é um deles. Stegmann procu­rava uma maneira de verificar se o pro­duto que fabrica tinha um nível de qua­lidade igual para atender os clientes mais exigentes. A empresa fabrica bar­cos, peças de playgrounds e canoas. Os materiais utilizados na produção são o plástico reforçado e a fibra de vidro.

Para atingir seu objetivo era ne­cessária uma série de ensaios para

rota na Aquaterra. "Agora sinto-me seguro com relação ao grau de quali­dade dos meus produtos, conferido pelo IPT", comemora Stegmann, que nas horas de folga pratica iatismo. Ele conta que fornecedores e clientes da sua empresa ficaram surpresos com a presença do IPT na Aquaterra. ''As pessoas ficam bem impressionadas quando se fala em busca de melho­rias tecnológicas", diz.

Segundo ele, a presença do labo­ratório móvel no chão de fábrica fa­cilitou a equação de diversas ques­tões que surgem na rotina diária. "O acompanhamento dos processos de colagem, pintura, resistência e mé­todos foi crucial para os bons resul­tados obtidos", avalia. A Aquaterra tem 30 funcionários e faturou no ano passado R$ 1,5 milhão. Para este ano, a expectativa é de crescimento

PESQUISA FAPESP · JUNHO OE 1000 • 39

Page 40: Dieta indigesta

de 25%, atingindo cerca de R$ 2 milhões.

Novo universo - Agora, Stegmann vislumbra vôos mais altos: o mer­cado externo. Com a segurança de estar com tudo ajustado, a empre­sa passa por um estudo de viabili­dade técnica, referente à primeira fase do Programa de Apoio Tec­nológico à Empresa Exportadora (Progex), desenvolvido pelo IPT. "A partir do trabalho do Prumo, estou descobrindo um novo uni­verso de negócios", conta Steg­mann.

Segundo a diretora adjunta de projetos especiais do IPT, Mari Katayama, o Prumo resolve com sucesso alguns dos principais pro­blemas técnicos enfrentados pelos empresários, que dificultam a expor­tação. "Apesar de não ter como meta principal a exportação, o Prumo me­lhora a qualidade e a produtividade, ao mesmo tempo que contribui para reduzir custos de produção, criando, assim, um potencial exportador", diz. Mari relata que o Prumo desperta interesse de outros estados e poderá ter sua metodologia disponibilizada em outros pontos do País.

Certamente, existem muitas em­presas em situações críticas que, com o apoio do Prumo, desenvolvem me­lhor seus negócios. Foi o caso da Me­buki, Guarulhos. No ano passado, fal­tando 15 dias para o início da Feira Internacional da Indústria da Cons­trução (Feicon), o empresário Jairo Uemura sentiu que o investimento de R$ 150 mil, feito para o lançamen­to de um kit para banheiro, estava ameaçado. "Não tínhamos a menor noção da origem do nosso problema': afirma, hoje, o empresário aliviado. O kit para banheiro da Mebuki, feito com um tipo de plástico, o ABS, e acrí­lico, consumiu várias noites de todos os envolvidos e, mesmo assim, a qua­lidade não agradou. "Tínhamos ten­tado de tudo e a única saída era aban­donar o projeto", lembra Uemura.

Kits sem defeitos - Na visita que fez à Feira Internacional do Setor de

40 • JUNHO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

Nanci, da Bom Pastor: menos 18% de matéria-prima e aumento de 20% na produtividade

Plástico em São Paulo (Brasilplast), o empresário ficou sabendo da existên­cia do Prumo e logo fez a inscrição. "Fomos a primeira empresa a ser atendida pelo programa", gaba-se ele. Em três dias de ensaios e análises, os técnicos conseguiram resolver os "misteriosos" problemas que afli­giam o empresário. Foram feitas mu­danças na temperatura e na veloci­dade de injeção do plástico, entre outros detalhes. Os equipamentos foram ajustados e os primeiros kits sem defeitos começaram a sair da li­nha de produção a tempo de serem expostos na Feicon. "Fizeram grande sucesso': lembra Uemura.

Hoje, os kits são comercializados em todo o Brasil e exportados para EUA, Argentina, Uruguai e Caribe. Em um ano, eles passaram a repre­sentar cerca de 30% do faturamento da Mebuki, que no ano passado atin­giu R$ 2,5 milhões. A Mebuki fabrica ainda assentos sanitários, bóias, des­cargas suspensas e sementeiras para o setor agrícola.

"O pequeno e microempresário têm muito medo de abrir a sua em­presa para organizações que tenham, de alguma maneira, ligação com o governo", observa Uemura. O motivo é a desconfiança em ver sua empresa esmiuçada em relação aos impostos, à tecnologia e aos produtos que ele

considera segredos industriais. Na re­alidade são preconceitos sem parale­lo com as funções do Prumo.

Antes de ter acesso ao Prumo, Uemura conta que se julgava um dos maiores especialistas em plásti­co na face da Terra. "Eu acreditava ter o domínio absoluto do assunto e a realidade mostrou-se bastante di­ferente", confessa. Hoje, Uemura não dá um passo na área tecnológi­ca sem fazer consultas aos especia­listas do IPT.

Produtos de qualidade - A Mebuki tem, atualmente, 65 funcionários. Com o sucesso do kit para banheiro e um novo lançamento ainda neste ano, a empresa espera aumentar o fa­turamento em 40%. "Estamos crian­do produtos de qualidade voltados para as classes C e D, que são muito malservidas", diz Uemura.

Além de fazer correções nos pro­cessos industriais, a equipe do IPT também esclarece dúvidas dos tra­balhadores envolvidos no processo. O contato direto com os proprietá­rios e seus funcionários faz parte da rotina do engenheiro Walmir Hiro­haru Wada, que acompanha uma das unidades móveis do Prumo. Ele está no projeto desde o início e diz que os problemas apresentados pe­las empresas geralmente são de fácil

Page 41: Dieta indigesta

Uemura, da Mebuki: mudar a temperatura e a injeção do plástico elimina defeitos

solução. Ele lembra, porém, que a resistência dos empresários às mu­danças necessárias é muito grande. "No primeiro contato alguns ficam temerosos quanto à eficácia do tra­balho, mas depois que enxergam os resultados passam a confiar no nos­so trabalho e tornam-se até bons amigos", afirma Wada, que visitou cerca de 50 empresas espalhadas por todo o Estado. "Já fui visitar empre­sa instalada até numa granja desati­vada", diverte-se.

Principiante no ramo - Outro bom exemplo do atendimento prestado pe­lo Prumo é a Plásticos Bom Pastor, si­tuada em Santo André, que tem como uma das sócias a empresária Nanci Rodrigues Correa. Ela preocupava-se com a variação de peso apresentada por um frasco plástico de cinco litros, pro­duzido pela sua empresa, além da pou­ca experiência dos seus funcionários. Principiante no ramo de plásticos, Nan­ci e sua família, por meio do Sebrae, descobriram o Prumo. Fez inscrição e

Stegmann, da Aquaterra: sucesso nos processos de colagem, resistência e métodos

em 48 horas a origem do proble­ma do produto foi determinada. "Era a qualidade da matéria-pri­ma", diz ela.

Algumas das soluções aponta­das para a Plásticos Bom Pastor foram adicionar 10% de uma resi­na para dar estabilidade à massa plástica e ajustar o método de inje­ção. "Conseguimos reduzir em 18% o uso de matéria-prima e au­mentar a produtividade em 20%': conta Nanci, formada em Letras. Para ela, a ida do IPT à sua empre­sa foi um divisor de águas. Além de resolver os problemas técnicos, eles aplicaram um treinamento para todos os funcionários da em­presa, que atualmente emprega dez pessoas e produz brinquedos, peças para a indústria automotiva

e para outros setores. No ano passado, a empresa fatu­

rou R$ 350 mil e neste ano, a expecta­tiva é de aumento de 30%. Para isso, fizeram também um investimento de R$ 100 mil na aquisição de mais três máquinas sopradoras, usadas. "Estamos seguros para dar passos mais firmes após a visita do Prumo", diz Nanci.

Mazzarella conta que, neste pri­meiro ano, o projeto mostrou sua via­bilidade técnica e excelentes frutos. "A nossa grande surpresa é que os re­

sultados práticos ultrapassaram todas as expectativas iniciais." •

PERFIL:

• VICENTE MAZZARELLA é engenhei­ro metalurgista, formado pela Es­cola Politécnica da USP. É pós-gra­duado em Metalurgia Física pelo Instituto de Tecnologia de Carne­gie, em Pittsburgh, nos Estados Uni­dos, e em Administração de Empre­sas pela Fundação Getúlio Vargas. Projeto: Prumo -Projeto de Unida­des Móveis de Atendimento Tecnoló­gico às Micro e Pequenas Empresas Investimento: R$ 94.847,00 e US$ 253.992,00, da FAPESP, e R$ 1.182.000,00, do Sebrae, por meio do Programa de Apoio Tecnológico às Micro e Pequenas Empresas (Patme), IPT e INP.

PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 • 41

Page 42: Dieta indigesta

TECNOLOGIA

PISCICULTURA

Cor da água deixa peixe tranqüilo Em cativeiro, o matrinxã tem um índice de canibalismo de até 98%. Ao colorir a água de azul, a agressividade cai IS%

Projeto entre a Unesp e a Fish-Braz torna viável a criação do matrinxã

Canibalismo, estresse e baixare­produção em cativeiro. Esse

roteiro de horrores quase eliminou o matrinxã (Brycon cephalus) do círcu­lo dos cinco peixes de água doce mais utilizados comercialmente no Brasil, principalmente em estabelecimentos conhecidos como pesque-pague. Uma grande ajuda para a solução desse pro­blema veio com os resultados dos es­tudos do biólogo Gilson Luiz Volpato, professor do Instituto de Biociências de Botucatu e do Centro de Aqüicul­tura, da Universidade Estadual Pau­lista (Unesp ). Ele conseguiu uma solu­ção simples e surpreendente para o problema, colocando papéis celofa­nes coloridos sobre as incubadoras

42 • JUNHO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

de 60 ou 200 litros usadas na criação das larvas de matrinxã, promovendo um ambiente colorido aos peixes.

A coloração azul da água, por exemplo, acalmou os pequenos ma­trinxãs, fazendo diminuir em 15% o índice de canibalismo. A cor verde aumentou em 50% a reprodução dessa espécie em cativeiro. Das nove fêmeas utilizadas no estudo, oito se sentiram tranqüilas com o ambiente esverdeado e efetuaram a desova. Se não bastasse a melhor disposição fe­minina, os machos também apresen­taram maior volume de sêmen. No grupo utilizado como controle, com luz ambiente normal, apenas quatro de nove fêmeas reproduziram. "Este dado é muito importante, pois todos os cuidados metodológicos foram to­mados", afirma Volpato.

O estudo foi realizado durante dois anos em parceria com a empre­sa Fish-Braz, de Botucatu, que vinha tendo problemas com a criação desse

peixe. O projeto intitulado Coloração Ambiental como Facilitador da Repro­dução e Redutor de Canibalismo em Matrinxã fez parte do Programa de Inovação Tecnológica Universidade­Empresa (PITE), da FAPESP.

Situação dramática - As soluções do estudo diminuem um hábito arraiga­do dessa espécie de matrinxã, origi­nária de vários rios da Bacia Amazô­nica. Esse peixe exibe índices de canibalismo impressionantes. Na incubadora, ele não precisa nem de inimigos. Algumas horas após a de­sova, as larvas já são altamente vora­zes, podendo chegar a um índice de 92% a 99% de perdas por canibalis­mo. Simplesmente, uma larva devora a outra. Isso numa fase de vida em que não medem mais do que sete mi­límetros. Esse comportamento, pelo que se descobriu, não dura mais do que duas semanas, mas sua fase mais intensa está nos primeiros cinco dias.

Page 43: Dieta indigesta

Na década de 80, esse peixe esteve ameaçado de extinção na natureza. Além da natural voracidade infantil, outros fatores também contribuíram para esse problema. O matrinxã é uma espécie reofílica, ou seja, que migra na época da reprodução. As­sim, a construção de represas impede ou atrapalha essa migração. Mas há outros fatores, como a destruição da mata ciliar, que induz ao assorea­mento e reduz lagoas marginais onde as larvas se desenvolvem e algumas conseguem escapar vivas. A poluição crescente dos mananciais também mata diretamente os peixes, quando a qualidade da água é reduzida. A pesca predatória, que diminui os es­pécimes adultos, também pode ter

é estimulada pela injeção de extrato de hipófise de carpa, o que viabiliza a propagação artificial da espécie.

Mesmo assim, os resultados de­moram e dependem de conhecimen­tos mais aprofundados sobre vários aspectos do comportamento da espé­cie, como relata o pesquisador Paulo Sérgio Ceccarelli, autor da dissertação Canibalismo em Larvas de Matrinxã, concluída em 1997 no Instituto de Biociências da Unesp sob orientação do professor Volpato.

Retorno comercial- Parte dos obstá­culos à criação comercial rentável foi contornada com a adoção de criações consorciadas, nas quais as larvas de matrinxã conviviam e se alimenta-

Uma larva de matrinxã abocanha uma irmã, em foto de microscopia eletrônica

contribuído para esse processo, pois o matrinxã passa a apresentar bons índices de reprodução somente a partir do terceiro ano de vida.

Pior, como é comum nas espécies reofílicas, somente com o processo de migração os matrinxãs conseguem atingir naturalmente o amadurecimen­to das gônadas e completar seu pro­cesso reprodutivo. Assim, pescados pre­cocemente ou envenenados nas águas poluídas, a salvação da espécie, como de muitos peixes de água doce, aca­bou ficando nas mãos de pesquisa­dores e piscicultores. Eles passaram a reproduzir esse peixe de forma indu­zida, processo no qual a reprodução

vam de larvas de outras espécies, de custo mais baixo e perfeitamente ad­ministrável em termos de rentabili­dade. No início da década de 90, a criação consorciada com larvas de pacu começou a se tornar uma práti­ca comum nas pisciculturas.

Contudo, as dificuldades perma­neceram porque, ao lado da indução hormonal, estão o restrito período de desova da espécie na região Sudeste do Brasil e a alta taxa de canibalismo nos primeiros dias de vida. As possibi­lidades de retorno comercial, contudo, fazem com que os criadores sejam insistentes. "Tudo o que se produz é vendido': explica Volpato, principal-

mente para o segmento popularmen­te chamado de pesque-pague, ao qual se destina mais de 80% da produção. Somente no Estado de São Paulo existem cerca de 1.500 pesque-pague.

Na comparação com as demais es­pécies de água doce, os preços pagos por lotes de mil alevinos (forma jovem vendida com 2 a 4 centímetros) favo­recem a criação comercial do matrin­xã. Enquanto para essa espécie o milhei­ro custa de R$ 200,00 a R$ 450,00, dependendo da época e região, peixes como o pacu são vendidos de R$ 70,00 a 120,00. Além disso, a pesca do matrinxã é emocionante. "Parece que ele reage de um jeito que dá mais prazer aos pescadores': diz Volpato.

Essa reação corporal é diferencia­da desde as primeiras horas após a eclosão das larvas. Com pouco mais de 6,5 mm de comprimento, pesam ao redor de 2,30 miligramas, têm na­rinas e olhos bem desenvolvidos, aber­tura da boca em sentido vertical, cor­respondente a 15% da extensão total do corpo, e tubo digestivo completa­mente formado. Seu nado é em sen­tido horizontal, mas com surtos fre­qüentes de abertura exacerbada e fechamento da boca, dizem os pesqui­sadores. Como mostra a dissertação de Ceccarelli, tal grau de contorção do corpo e da articulação da mandíbula, mais a possibilidade de grande dilata­ção do ventre, possibilita a ingestão das presas com alguma facilidade.

Dinâmica do bote - A capacidade de predar é, nos matrinxãs, intra e inte­respecífica, isto é, come indivíduos de sua e de outras espécies. O com­portamento predatório foi estudado com cuidado por Ceccarelli. Apre­senta uma seqüência constante: fixa­ção, perseguição, aproximação, bote, mordida, apreensão e ingestão. Para um matrinxã, tamanho não é docu­mento. Devora um concorrente pou­co menor ou do seu próprio porte. "Tal padrão comportamental pode estar associado também à dinâmica motora do bote, o que atribui ao pei­xe maior velocidade e, por conse­qüência, maior poder de surpreender as presas", lembra Ceccarelli.

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O estabelecimento dos parâmetros corretos que diminuem o canabalis­mo e aumentam a reprodução do ma­trinxã teve início em estudos anteriores financiados pelo Conselho Nacional de Desenvilvimento Científico e Tec­nológico (CNPq), com outras espécies de peixes. A idéia de colorir a água também baseou-se em outros estu­dos não-científicos de cromoterapia. Volpato definiu as cores azul, verde, vermelho e branco (transparente) pa­ra os experimentos, por z

serem as que poderiam ~ interferir com o ((bem- ~

:;,

estar" dessas larvas. No ~

projeto junto à FAPESP, a hipótese de Volpato era que uma pequena perturbação no "bem­estar" dessas larvas faria com que reduzissem a agressão direcionada às irmãs e, com isso, redu­ziria o canibalismo nessa fase. E o pesquisador pro­curou reduzir o "bem­estar" por meio de alte­rações na coloração do ambiente de criação dessas larvas, que são as incubadoras. Num pri­meiro teste, Volpato ob­servou que a coloração azul fez com que a taxa de sobrevivência fosse de 15%, contra uma porcentagem de cerca de 7% nas outras condições.

No início dos trabalhos do projeto de inovação tecnológica, o professor Volpato teve de deparar com outra característica desses peixes de água do­ce. "O matrinxã morre facilmente se manejado de forma inadequada, prin­cipalmente se a manipulação ocorre em temperatura fora da faixa de con­forto térmico da espécie, por volta dos 26° C", informa. O problema enfren­tado por Volpato foi que o lote de re­produtores comprados morreu entre o transporte e o manejo de separação em viveiros. "Restaram apenas duas fêmeas e alguns machos."

A pesquisa pôde ser levada em frente porque a Fish-Braz rapida­mente financiou a reposição dos re­produtores. Outros problemas surgi-

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Volpato: A busca do bem-estar do matrinxã resultou na colocação de celofanes coloridos sobre as incubadoras (acima)

ram, como é comum nas pesquisas, e o Centro Nacional de Pesquisa de Peixes Tropicais (CEPTA), ligado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambien­te e dos Recursos Naturais Renová­veis (Ibama), em Pirassununga, tam­bém auxiliou muito para a conclusão do estudo.

Mas o projeto de Volpato e da Fish-Braz junto à FAPESP também investigou a coloração do ambiente na melhoria da indução hormonal da reprodução do matrinxã. Como o estresse é um fator que inibe a procriação, o pesquisador procurou encontrar alguma coloração ambi­ental que produzisse um efeito cal­mante nas fêmeas.

Água verde é melhor- Volpato veri­ficou que indivíduos jovens de ma­trinxã criados na coloração verde são mais agressivos quando transferidos

a um novo ambiente, comparativa­mente aos mantidos nas cores ama­relo, azul, vermelho e branco. Mas o pesquisador não achou que o verde aumentou a agressividade, mas sim que as outras cores é que reduziram a agressão. Achou que, no ambiente novo, os animais que haviam estado na coloração verde se ajustaram rapi­damente e, assim, passaram a lutar em defesa de seu novo território. Essa idéia foi fortalecida, pois o pesquisa­dor viu que o crescimento dos animais no ambiente de cor verde foi quase três vezes maior que nos demais.

Larvas de pacu - Com esses resulta­dos, estimula-se uma área incipiente na piscicultura, que é o uso de técni­cas "alternativas" (coloração ambien­tal) na modulação do comportamen­to dos peixes. Volpato acredita que, no caso do canibalismo, a técnica proposta (ambiente azul), embora ainda em caráter experimental, possa ser associada a outras técnicas já exis­tentes ( consorciação com larvas de pacu ou curimbatá) para melhorar a produção. No caso da reprodução, otimizam-se os reprodutores e ga­rante-se maior sucesso na safra. Além disso, é uma técnica simples e que pode ser usada mesmo nas piscicul­turas mais modestas. Pode também direcionar melhor os fabricantes de incubadoras e tanques na escolha da coloração desses recipientes. Volpato

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adverte que seus estudos mostram o efeito da coloração, mas ainda não se sabe o quanto é, de fato, a cor ou a in­tensidade luminosa o principal res­ponsável pelos efeitos.

Para se ter uma idéia da impor­tância desses estudos, o retorno monetário na safra de um único vi­veiro de piscicultura produzindo alevinos (jovens) de matrinxã gira em torno de R$ 25.000,00 (uma pis­cicultura pequena deve ter cerca de dez viveiros desses). Assim, os pe­quenos percentuais de incremento tecnológico na produção são signi­ficativos.

Entender a natureza - Outro ponto positivo, visto por Volpato no projeto com a FAPESP, é que a Fish-Braz está muito empolgada com o desenvolvi­mento dos trabalhos e até pretende criar, dentro da empresa, um setor específico para a pesquisa científica.

Em outro importante estudo a ser publicado por Volpato junto com sua doutoranda, Luciana Jordão, ele trata de outra espécie, o pacu, em si­tuações de estresse. Ele mostrou que esses peixes reconhecem um preda­dor apenas pela visão e, ao se afasta­rem dele, liberam na água substâncias químicas que sinalizam o perigo aos outros membros do grupo.

O entendimento desses mecanis­mos naturais dos peixes, tanto do pacu como do matrinxã, propicia que tecnologias eficazes sejam cria­das para a solução de problemas cru­ciais da piscicultura nacional. •

PERFIL:

• GTLSON LUIZ VOLPATO graduou-se em Ciências Biológicas na Unesp de Botucatu. O mestrado e o dou­torado foram feitos na Unesp de Rio Claro. Seu pós-doutorado rea­lizou-se no Fish and Aquaculture Unit, da Agricultura! Research Or­ganization, de Bet-Dagan, Israel. É o responsável pelo Laboratório de Fisiologia do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociên­cias Biológicas da Unesp de Botu­catu.

TECNOLOGIA

EMBALAGENS

Contra o desperdício Novas caixas de papelão reduzem perdas de frutas e de legumes

Um novo conjunto de embala­gens de papelão está disponí­

vel para toda a cadeia produtiva e co­mercial de hortifrutícolas. São caixas mais adequadas à fragilidade desses produtos, reduzindo as perdas moti­vadas por problemas na estocagem e no transporte. O objetivo é evitar o desperdício de frutas e legumes, que varia de 10% a 30% dependendo do produto.

A novidade foi desenvolvida em uma parceria entre o Centro Tecnoló­gico de Embalagens (Cetea) do Institu­to de Tecnologia de Alimentos (Ital), de Campinas, e a Associação Brasi­leira de Papelão Ondulado (ABPO), com o apoio da FAPESP. O projeto Desenvolvimento de Sistemas de Em­balagens de Papelão Ondulado para Hortifrutícolas faz parte do Progran:a

Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) e recebeu R$ 41 mil daABPO e US$ 52 mil da Fundação. A ABPO colaborou ativamente nas discussões técnicas e confeccionou os diversos protótipos de caixas de papelão ava­liados no decorrer do projeto.

O estudo resultante da parceria, iniciado em 1998 e finalizado no ano passado, elaborou e aprovou três mo­delos de caixas de papelão para aten­der às necessidades do mercado (a pri­meira com 596 milímetros (mm) de comprimento, 396 mm de largura e 160 mm de altura, a segunda com a medida 495x295x160 mm e a tercei­ra, 397x294x146 mm). As três novas embalagens foram projetadas para acondicionar sete produtos: tomate, laranja, uva, berinjela, pepino, pêsse­go e cenoura. Eles foram escolhidos pela ABPO em conjunto com o Ce­tea, de acordo com as principais de­mandas dos consumidores. A princí­pio, essas caixas podem ser utilizadas para outros produtos, como moran­go e mamão, mas essa possibilidade ainda não foi avaliada.

Madi, à frente, com Assis e A nna Lúcia: compromisso com a qualidade dos produtos

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No Brasil, o sistema de embala­gem de hortifrutícolas é dominado atualmente pela antiga caixa de ma­deira tipo K, feita com material de baixa qualidade. O uso desse produ­to remonta ao período em que o País não dispunha de luz elétrica e a ilu­minação tinha querosene como fonte de energia. As caixas usadas para o transporte desse combustível eram reaproveitadas para a embalagem de frutas, legumes e verduras. O quero­sene foi praticamente aposentado da vida dos brasileiros, mas as caixas continuam a ser fabricadas e encon­tradas facilmente em feiras, varejões e Ceasas.

O problema da caixa K são os danos que ela causa aos produtos. Um feirante que comercializa toma­te, por exemplo, perde até 30% do produto devido a estragos causados pela embalagem inadequada, que amassa e inutiliza os produtos transportados. Com isso, os consu­midores pagam preços mais altos, embutidos nos prejuízos do proces­so. As embalagens de papelão ondu­lado desenvolvidas no estudo tam­bém servem ao comércio varejista, por apresentar boa apresentação, fa­cilidade de transporte e de acomo­dação nas gôndolas e nas residências dos consumidores.

Menos agressiva- "O papelão ondu­lado é a embalagem mais apropriada para frutas, por minimizar os desper-

dícios", diz o pre­sidente da ABPO, Paulo Sérgio Pe­res. Para ele, a cai­xa de papelão reúne caracterís­ticas importantes para preservar a qualidade da fru­ta. "É descartável, o que inibe a pro­pagação de doen­ças e fungos, e facilita a manipu­lação das caixas, minimizando os custos do sistema como estocagem, Um dos testes realizados foi a medição da rigidez do papelão fretes e mão-de-obra."

Embora mais higiênica e menos agressiva para frutas, legumes e ver­duras, a caixa de papelão, aparente­mente, perde no item de custos para a caixa K. Os dois tipos de caixas, quando capazes de levar 15 quilos de frutas, por exemplo, custam R$ 1,20 cada uma. Assim, existe uma vanta­gem para a K pelo fato de não ser descartável e poder ser usada diversas vezes. Mas essa diferença não deve ser levada em conta, segundo Luís Fer­nando Ceribelli Madi, coordenador da pesquisa e atual diretor-geral do Ital. "O custo-benefício proporciona­do pela caixa de papelão, que evita perdas e doenças, não permite com­paração com a caixa K", avalia.

Um sistema de embalagem mo­derno, segundo os especialistas da área, deve utilizar materiais que se­jam descartáveis ou que possam ser higienizados. "A caixa K, além de da­nificar os produtos, é um importante foco de transmissão de doenças e con­traria as exigências fitossanitárias", afirma Gerardo Galvez, consultor da ABPO e gerente regional de vendas da Klabin, a maior fabricante de pa­pelão ondulado no Brasil e uma das nove empresas que participaram do projeto.

Para Madi, o trabalho desenvolvi­do pelo Cetea faz parte de um amplo esforço da cadeia produtiva para mo­dernizar a comercialização do setor no Brasil. "A melhoria das embala-

Embalagem para exportação ção Brasileira de Papelão Ondulado (ABPO), o resultado do estudo e do aumento das vendas do setor refle­tem o grande esforço feito pela en­tidade para a adoção do papelão pelos setores envolvidos na produ­ção e na comercialização de frutas.

A utilização de papelão ondula­do para a embalagem de hortifrutí­colas cresceu 58,4% em 1999, com­parado com o ano anterior. Foram comercializadas 55,4 mil toneladas do produto para a área agrícola. No total, o setor de papelão ondulado cresceu 3,74% no ano passado, vendendo 1.676 mil toneladas. O faturamento do setor cresceu 18,1% em 1999, em relação a 1998, e atingiu a cifra de R$ 1,852 bilhão.

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Esses dados e todos aqueles relati­vos às embalagens são considera­dos verdadeiros sinalizadores da economia de um país porque indi­cam o movimento da atividade in­dustrial e comercial.

Por representar apenas cerca de 4% do total das vendas do setor, as caixas de papelão ainda têm um grande campo para crescer dentro da área de hortifrutis. Segundo Paulo Peres, presidente da Associa-

A melhoria das embalagens para hortifrutícolas é fundamental para a expansão dos negócios do setor, principalmente no que se refere à exportação. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de frutas. A produção média anual é de mais de 31 milhões de toneladas. Desse total,

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Mesa vibratória simula os movimentos de um caminhão

de engenharia de ali­mentos da Universida­de Estadual de Cam­pinas (Unicamp ), ele defendeu, em 1977, uma dissertação de mestrado com o tema Caixas de Papelão para a Embalagem de Tomates. De lá para cá não parou mais de pesquisar. "Em 23 anos, muita coisa mu­dou neste País, menos a forma de embalar os hortifrutis", afirma. Para ele, a abertura do mercado no início dos anos 90 impulsionou uma mudança de ati­tude do consumidor brasileiro e até do pró­prio mercado. "A chega­da de produtos impor­tados foi fundamental para o consumidor bra­sileiro conhecer as no­vas tecnologias existen­tes e exigir produtos

gens deve ser acompanhada por uma mudança de comportamento em to­dos os setores envolvidos com pro­dução e comercialização, desde o campo até o consumidor final", diz.

Madi é um apaixonado pelo tema. Está envolvido com o assunto desde que saiu da universidade em 1973. Pertencente à segunda turma

somente 1% é exportado. O princi­pal motivo do fraco desempenho das frutas brasileiras é a falta de pa­drões de qualidade, que são exigi­dos pelas normas internacionais, incluindo o cuidado com as emba­lagens. A Argentina, por exemplo, proíbe a reutilização de embalagens de produtos cítricos e não permite a entrada de produtos hortifrutigran­jeiros em caixas que não sejam des­cartáveis.

No ano passado, a receita brasi­leira proveniente das exportações de frutas foi de US$ 180 milhões.

de melhor qualidade", explica Madi. Para atingir a excelência nos três

tipos de caixa, a equipe coordenada por Madi executou uma série de tes­tes de resistência com diversos protó­tipos. Foram experimentos com as caixas empilhadas contendo produtos hortifrutícolas, submetidas a mesas vibratórias que, por exemplo, repro-

A União Européia, principal com­prador dos produtos brasileiros, gastou cerca de US$ 130 milhões. A partir de 2003, os países da União Européia só deverão aceitar frutas e hortaliças produzidas de forma integrada, com níveis mínimos de resíduos de agrotóxicos e selo de qualidade. A produção integrada envolve o acompanhamento da fruta desde o plantio até a distri­buição, comercialização e consu­mo, tendo como base o respeito ao meio ambiente e aos consu­midores.

duzem os movimentos do transporte em um caminhão. Depois de perío­dos de até três horas, as caixas passam por uma avaliação para verificação de possíveis danos de compressão e abaulamento do fundo, quando com­prometem os produtos que estão na caixa de baixo. O Cetea desenvolveu as novas embalagens utilizando os equipamentos e os laboratórios mais modernos disponíveis na América Latina. O fmanciamento do PITE permitiu ao Cetea adquirir alguns instrumentos de ponta, utilizados no desenvolvimento desse estudo. É o caso do aparelho, que mede a rigidez em flexão do papelão ondulado, comprado por R$ 35 mil.

Participação de mercado - "A cadeia produtiva está despertando para o problema do desperdício", afirma As­sis Euzébio Garcia, diretor do Cetea. "Muitos produtores estão descobrin­do que a utilização de novas técnicas de melhoria da mercadoria podem aumentar a participação do produto no mercado", afirma. "Nos países em que predomina o uso de embalagens mais adequadas, as perdas são míni­mas", diz Paulo Sérgio Peres, presi­dente da ABPO.

Para Peres, a parceria entre o I tal e a ABPO foi fundamental para o suces­so da conclusão dos três modelos de caixas. "Estamos unindo nossa expe­riência no setor de papelão com a tecnologia e o aval oferecidos pelo Ital", afirma Peres. Para ele, o resul­tando dessa união foi o estabeleci­mento de um verdadeiro tratado de como manusear os hortifrutícolas após a colheita.

A melhoria da qualidade dos pro­dutos por meio de novas técnicas e materiais chega ao mercado brasilei­ro em um momento crítico para o setor de produtos in natura. A con­corrência dos produtos industrializa­dos fez com que o setor perdesse es­paço na mesa do brasileiro. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram uma di­minuição de 25% no consumo de frutas em São Paulo, o estado mais rico do país, que passou de 59,6 kg

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em 1987 para 44,6 kg per capita em 1997, com exceção da faixa entre 20 e 30 salários mínimos. O consumo do­miciliar no Brasil encolheu de 47,98 kg para 40,39 kg per capita, com re­dução de 16% no mesmo período. Nos Estados Unidos, ao contrário, houve crescimento de 22% no con­sumo nos últimos dez anos.

O resultado desse processo foi sen­tido principalmente pelos supermer­cados que, ao mesmo tempo que se tornaram os principais agentes de distribuição, também se transforma­ram em receptores das queixas dos consumidores insatisfeitos com a qualidade dos produtos. Hoje, 10% do faturamento supermercadista é proveniente do setor de hor­tifrutis. "Melhorar a quali­dade dos produtos ofereci­dos pelo setor é uma questão vital para ampliar o número de consumidores", afirma Omar Assaf, presidente da Associação Paulista de Supermerca­dos (Apas). A entidade participa, juntamente com diversos outros se­tores, do programa de modernização dos processos agrícolas.

Novos padrões - Segundo Assaf, a adoção de técnicas modernas pode reduzir as perdas que estão em 23%, registradas atualmente pelos super­mercados, para 8%. "Esse é o padrão internacional aceito pelos países que adotam medidas como as que come­çam a ser tomadas no Brasil", conta. Assaf afirma que os supermercados também estão lutando para imple­mentar os novos padrões usados nos países com sistemas de embalamen­to mais modernos, com caixas de papelão ondulado, de plástico e de madeira.

"É preciso conscientizar os pro­dutores da importância das novas técnicas como instrumento de recon­quista do consumidor", afirma Anita de Souza Dias Gutierrez, diretora do Centro de Qualidade em Horticultu­ra, ligado à Companhia de Entrepos­tos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (Ceagesp). O Centro lide­ra um grupo de normatização para o

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setor. O trabalho engloba desde a classificação do produto até a venda ao consumidor. "As normas definem características de identidade, quali­dade, acondicionamento, embala­gem, rotulagem e apresentação do produto", explica Anita. Os produtos classificados passam a fazer parte do Programa Paulista para a Melhoria dos Padrões Comerciais e Embalagens de Hortigranjeiros. Nove produtos já tiveram as normas de classificação aprovadas pelas Câmaras Setoriais,

transportado em caixa adequada evita perdas de até 30%

inclusive com a adoção de caixas de papelão. São eles: alface, banana, ba­tata, berinjela, caqui, goiaba, necta­rina/pêssego, pimentão e tomate.

Melhor desempenho - "Resultados concretos já foram obtidos pelos as­sociados da Cooperativa Agroindus­trial Holambra, da região de Parana­panema, no oeste do Estado de São Paulo, que melhoraram o desempe­nho económico em 21% ao a dotar, por duas safras consecutivas, os pa­drões de qualidade para pêssego e nectarina': afirma Anita. Ela conta também que no ano passado foi rea­lizada a primeira campanha do caqui de qualidade, que demonstrou a efi­ciência dos programas de padroniza­ção. Com a adoção das normas de classificação por parte do produtor e do atacado, a fruta ficou mais atraente e teve um aumento de con­sumo. Além disso, o consumidor passou a receber uma melhor orien-

tação sobre o produto e foram aber­tas frentes de degustação. Num dos supermercados onde aconteceu a campanha, houve aumento de 150% no consumo do caqui. ''A melhoria das embalagens foi um ingrediente dessa campanha e faz parte de um projeto amplo da Secretaria de Agri­cultura e Abastecimento do Estado de São Paulo", conta Anita. Para ela, a melhoria da qualidade dos produtos do setor passa necessariamente pelo setor de embalagens.

Com toda essa movimentação no setor produtivo de hortifrutis e na distribuição desses produtos, o Cetea foi sondado por fabricantes de plásti­

co e também pelo de resídu-os de madeira para desen­

volver caixas que estejam de acordo com as necessida­des de conservação dos pro­

dutos e às normas que estão sendo estabelecidas. O Cetea,

no entanto, continua a estudar caixas de papelão para acondicio-

nar frutas e legumes mesmo com o término do projeto com a ABPO. ''Agora, necessitamos pesquisar no­vos modelos de caixas que acondicio­nem a quantidade média de cada produto que o consumidor final cos­tuma levar para casa': afirma Anna Lúcia Mourad, pesquisadora científi­ca do Cetea e uma das participantes do projeto de embalagens de papelão ondulado. Assim completa-se o cerco às perdas, desde o produtor rural até a geladeira de todos nós. •

PERFIL:

• Luís FERNANDO CERJBELLI MADI é graduado em Engenharia de Ali­mentos pela Faculdade de Enge­nharia de Alimentos da Unicamp. Fez mestrado na Escola de Embala­gens da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. É diretor-geral do Instituto de Tecnologia de Ali­mentos (Ital). Projeto: Desenvolvimento de Siste­mas de Embalagens de Papelão On­dulado para Hortifrutícolas Investimento: US$ 52.520,00, da FAPESP, e R$ 41.040,00, da ABPO.

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TECNOLOGIA

A farinha do bagaço do caju possui excelente teor de fibras

Salgadinhos de bagaço de caju

Crocantes, apetitosos e, prin­cipalmente, saudáveis. São es­sas as características alimen­tares dos salgadinhos tipo snack ou chips produzidos com bagaço de caju e quirera de arroz pela Empresa Brasi­leira de Pesquisa Agropecuá­ria (Embrapa). A empresa desenvolveu técnicas que aproveitam esses dois sub­produtos, muitas vezes des­cartados pela indústria, para transformá-los em alimen­tos apreciáveis e baratos. So­mente a indústria de suco de caju descarta um milhão de toneladas de bagaço por ano, a maior parte nos Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte. O arroz quebrado, quando não descartado, é utilizado na ração animal e na indústria de cerveja. Se­gundo o processo agroin­dustrial desenvolvido pela Embrapa, tanto o bagaço como a quirera são transfor­mados em farinha e utiliza­dos em receitas caseiras ou industriais para a produção, também, de pães, biscoitos e bolos. A farinha de bagaço

de caju, que possui maior porcentagem de fibras que suas similares, apresentou também bons resultados em receitas preparadas ainda com farinha de trigo. O de­senvolvimento dos produtos foi realizado por duas unida­des da empresa, a Embrapa Agroindústria de Alimentos, do Rio de Janeiro, e a Em­brapa Agroindústria Tropi­cal, de Fortaleza. Elas ofere­cem consultaria e suporte técnico aos interessados nes­te novo agronegócio. •

Requeijão brasileiro nos Estados Unidos

Os americanos e os brasilei­ros que moram nos Estados Unidos vão poder, em breve, se deliciar com o requeijão cremoso, um produto co­mum no Brasil, mas inexis­tente naquele país. A empre­sa Lacta Dairy, instalada na cidade de Houston, no esta­do do Texas, firmou um con­vênio com a Universidade Federal de Viçosa (UFV) para montar uma linha de produção onde, além do re­queijão, serão fabricados, doce de leite, queijo minas

fresca!, queijo minas curado e pão de queijo. Fabricante de queijos do tipo cheddar e monterrey, a Lacta quer atin­gir a comunidade brasileira que, em grande número, vive, principalmente, no vi­zinho estado da Flórida. O professor Mauro Mansur Furtado, do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do convênio iniciado em maio deste ano, diz que grande parte dos equipamentos que estão sendo comprados pela Lacta é de indústrias brasi­leiras. A empresa Biasinox, por exemplo, situada na cida­de de Lambari, em Minas Ge­rais, está exportando máqui­nas para fabricar requeijão, produto também inédito no mercado americano. Outras empresas são a Metal Rogek, de Diadema, em São Paulo, e a Stephan Geiger, de São José dos Pinhais, no Paraná. •

Flúor-18 garante uso de tomc)grafo

O Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), do Rio de Ja­neiro, adquiriu um novo ace­lerador de partículas do tipo ciclotron capaz de produzir o radiofármaco Flúor-18, substância essencial para a produção de imagens de alta

PET: tomógrafo com imagem mais nítida e de alta definição

qualidade dos tomógrafos por emissão de pósitrons (PET). Essa tecnologia per­mite detectar doenças com mais antecedência, como o câncer, e melhorar a visuali­zação de outros órgãos do corpo humano. No sistema PET, o flúor é injetado no pa­ciente e distribui-se pelo or­ganismo ligando-se às molé­culas de glicose. "No câncer, por ser um tecido com meta­bolismo alterado, a glicose fica concentrada naquele lo­cal por menor que seja o tu­mor", explica Sérgio Cabral, superintendente do IEN. O Flúor-18, no entanto, tem meia-vida de 109 minutos, uma limitação para a expan­são do tomógrafo PET. Ele precisa ficar localizado próxi­mo a uma unidade de produ­ção. No Brasil, esse tipo de substância só é produzido por empresas da Comissão Nacional de Energia (Cnen) como o IEN ou o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nu­cleares (Ipen), de São Paulo, único fabricante desse radio­isótopo. Nos Estados Unidos são 96 ciclotrons. No mundo, os tomógrafos PET chegam a 400. Aqui, o único aparelho é o do Instituto do Coração (Incor), de São Paulo. Segun­do José Cláudio Meneghetti, diretor do serviço de radio­isótopos do Incor, o Brasil não pode ficar na dependência dos institutos governamen­tais que têm assegurada a produção de radioisótopos pela Constituição Federal. "Os hospitais e clínicas deve­riam ter a possibilidade de possuir aparelhos chamados de mini ciclotron. Isso permi­tiria a expansão do tomógra­fos PET e facilitaria os diag-nósticos." •

PESQUISA FAPESP • JUNHO DE 2000 • 49

Page 50: Dieta indigesta

HUMANIDADES

TELEVISÃO

Brasil mostra a sua cara na Pesquisas mostram que novelas ajudam a compreender o país

Em janeiro de 1995, um grupo de pesquisadores da Escola de

Comunicação e Artes (ECA) da USP deu início a um projeto de pesquisa. O amplo estudo, batizado de Ficção e Realidade: A Telenovela no Brasil; o Brasil na Telenovela, começou a se desenvolver, dividido em nove pes­quisas separadas. O objetivo era es­tudar a novela brasileira, gênero considerado menor por tantos estu­diosos - e até mesmo por uma par­cela considerável da população -, identificar suas nuances, suas carac­terísticas predominantes e, princi­palmente, como ela é recebida pelos telespectadores. Era uma iniciativa pioneira de mapear uma manifesta­ção que, apesar de ser extremamente popular, havia sido muito pouco ana­lisada até então.

O trabalho foi desenvolvido por um centro de pesquisas da ECA chamado Núcleo de Pesquisas em Telenovela (NPTN). O trabalho acabou atingindo objetivos muito mais amplos que os esperados a princípio. Além de identificar uma série de questões interessantes, curio­sas e relevantes sobre a telenovela e o telespectador brasileiro, Ficção e Realidade veio para acabar com os

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preconceitos que rondam o gênero. A partir do trabalho desse grupo de pesquisadores ficou possível afir­mar, sem nenhuma dúvida, que a novela feita no Brasil é um produto cultural de qualidade e extrema­mente interessante como material para compreender o País. Os folhe­tins, é claro, têm defeitos e falhas, mas definitivamente não poderiam mais ser desprezados.

As pesquisas encerraram-se no fi­nal de 1999, sob a coordenação da professora Ana Maria Fadul. A gama de assuntos coberta pelos nove traba­lhos que compuseram o projeto foi variada. Falou-se desde a participa­ção dos personagens negros nas no­velas até a influência de formas de narrativas infantis, como os contos de fadas, na construção de um drama para a TY. Alguns trabalhos conta­ram com bolsas-auxílio da FAPESP, entre eles: O Campo da Comunica­ção: Os Valores dos Receptores de Tele­novelas, da professora doutora Maria Aparecida Baccega; Recepção da Tele­novela Brasileira: Uma Exploração Metodológica, da professora doutora Maria Immacolata Vassallo de Lo­pes; e O Gancho da Telenovela: Análi­se Estética e Sociológica, da professora Maria Cristina Castilho da Costa. Cada um chegou a conclusões dife­rentes e dignas de atenção. Juntos, os trabalhos ajudam a compor um

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perfil dessa forma de narrativa tipi­camente brasileira - que tem essa cara nacional justamente por refletir tão bem o País.

Temas tabus - Uma das pesquisas que causaram maior polêmica - em par­te pelos resultados que teve, em parte pela perseverança com que a autora defende a telenovela- foi a desenvol­vida pela lingüista Maria Aparecida Baccega, de 57 anos. Entre 1995 e 1998, ela recebeu um total de R$ 23,1 mil da FAPESP para comparar a visão da sociedade sobre temas ligados à família com a abordagem que as no-

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velas mostram sobre esses mesmos assuntos. Assim, enquanto centenas de entrevistados respondiam per­guntas sobre casamento, separação ou sobre a participação das mulheres no mercado de trabalho, observava­se de que maneira as telenovelas do horário nobre da Rede Globo retra­tavam tais questões. O trabalho de pesquisa quantitativa de campo foi dividido em duas etapas e reuniu ao todo 622 entrevistados. As novelas estudadas na primeira fase ( 1986 a 1990) foram Roque Santeiro (1985/ 1986), Selva de Pedra (1986), Roda de Fogo (1986/1987), O Outro (1987),

Cenas de Rainha da Sucata (acima, à esquerda), A Indomado (acima) e O Salvador da Pátria (ao /ado): sem influenciar espectador

Mandala (1987/1988), Vale Tudo (1988/1989), Tieta (1989/ 1990), Meu Bem, Meu Mal (1990/ 1991). Na segunda parte da pesquisa entraram O Salvador da Pátria (1988/ 1989), Rainha da Sucata (1990), A Próxima Vítima (1995) e O Rei do Gado (1996/1997).

As conclusões foram surpreen­dentes. "Descobrimos que muitas ~e­zes as novelas tratam de temas consi­derados tabus pela sociedade e, mesmo assim, estão longe de alterar o comportamento das pessoas. Essa história de que novela influencia a maneira do telespectador pensar é balela", afirma Maria Aparecida. Se­gundo ela, a maioria das tramas traz à tona temas polêmicos que estão la­tentes na sociedade, esperando por uma oportunidade de entrar em dis­cussão. A oportunidade, muitas ve­zes, aparece na forma de personagens e histórias da ficção televisiva. Tome-se o caso de A Próxima Vítima: na trama de Sílvio de Abreu, havia uma família negra de classe média, um jovem ca­sal homossexual e um garoto viciado em drogas. "Quando entrevistamos as famílias, nenhum desses temas era vis-

to com a mesma tranqüilidade retrata­da pela televisão': lembra a professora. Mas ela ressalta que, independente­mente da trama fictícia, nenhum pai deve ter passado a aceitar um filho gay apenas porque era assim que acontecia na novela. "A trama apenas traz os assuntos para o debate na so­ciedade, mas não influencia o com­portamento de ninguém."

Ficção e realidade - Maria Aparecida rejeita com veemência a velha idéia de que novela é uma manifestação artística menor e alienante. "O teles­pectador não é bobo. Ele sabe que uma família negra de classe média ainda é coisa rara na sociedade brasi­leira, tem consciência de que isso pode existir na ficção, mas está longe de ser corriqueiro na vida real. Acon­tece que ver este tipo de assunto tra­tado no horário nobre por atores que as pessoas conhecem, e admiram, pode ajudar a quebrar preconceitos. Isso não é utopia." Esta relação entre os fatos da ficção e da realidade é uma via de mão dupla. Da mesma maneira que a novela discute temas latentes na sociedade, o gênero tam­bém reflete as mudanças e evoluções da esfera real.

A prova está nos números colhi­dos pela pesquisadora. Na primeira fase do trabalho, por exemplo, 33% das personagens femininas das nove­las eram donas de casa. Na segunda etapa os autores tiraram as mulheres de dentro de casa (apenas 17% faziam trabalhos do lar) e colocaram-nas no mercado de trabalho, dando a elas as ocupações mais variadas: havia desde grandes executivas até chefes de es­quemas de máfia, passando por pro­fessoras universitárias e fazendeiras. "São dois caminhos. Um teledrama­turgo precisa refletir sobre temas ain­da escondidos pela sociedade, mas também deve estar atento às mudan­ças que acontecem de fato e trazê-las para suas tramas", explica.

Visões de classe- Trabalhando a par­tir de um conceito diferente - o do estudo das mediações, do pesquisa-

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dor espanhol Jesus Martin-Barbero -, a socióloga Maria Immacolata de Lopes, de 54 anos, deu sua preciosa contribuição ao projeto Ficção e Rea­lidade. Em dois anos de trabalho, ela ganhou R$ 20,1 mil da FAPESP. Du­rante o período em que foi exibida a novela A Indomada, de fevereiro a outubro de 1997, ela realizou uma pesquisa qualitativa com quatro fa­mílias: uma de classe baixa, favelada, outra de classe média baixa, residen­te em um bairro da periferia de São Paulo, uma terceira de classe média alta e, finalmente, uma família de classe alta da capital paulistana. ''A idéia era ver como essas famílias, com suas diferentes estruturas, for­mações, hábitos culturais e estilos de vida, enxergavam o que era retratado na novela", esclarece Immacolata. Além de fazer entrevistas com todos os membros das famílias, os pesqui­sadores destacados para o trabalho (alunos de graduação de diferentes faculdades da USP) pediam aos par­ticipantes que escolhessem determi­nadas cenas que julgassem impor­tantes a cada capítulo diário. "Foi uma experiência muito curiosa. Cada família dava valor a trechos diferen­tes. De uma certa maneira, um grupo assistia a uma novela completamente diferente do outro."

É certo que algumas cenas eram destacadas por todas as quatro famí­lias. Uma delas, lembra a professora, foi a passagem em que a personagem Scarlet (Luiza Thomé) conversava com a filha sobre a importância de fazer da primeira relação sexual uma experiência especial. "Este foi um dos temas que todos os entrevistados consideraram importante e disseram ter sido tratado com delicadeza pelos autores (Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares)." Curiosamente, em alguns aspectos a família de classe alta mos­trou-se infinitamente mais conserva­dora que a família pobre. A cafetina Zenilda, por exemplo, personagem de Renata Sorrah, era dona de um bordel candidamente conhecido como Casa de Campo, onde traba­lhavam garotas chamadas de "camé­lias': "Os entrevistados que viviam na

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favela enxergavam em Zenilda uma mulher forte e batalhadora, apesar de ter uma profissão considerada pouco nobre. Por outro lado, a família mais rica considerava a personagem de baixo nível, achava que o tema da prostituição não deveria ser tratado daquela maneira e dizia que a novela estava fazendo propaganda da pro­fissão:' Neste momento, era como se essas duas famílias esti­vessem assistindo a no­velas distintas.

Além de perceber que diferentes classes sociais recebem as tele­novelas de maneiras di­versas, Maria Immaco­lata concluiu que há outros fatores envolvi­dos na percepção do te­lespectador sobre os fo­lhetins. "O conceito das mediações, levantado

Núcleo de Pesquisa de Telenovela. Formada em Ciências Sociais, ela re­cebeu R$ 5 mil da FAPESP, num pe­ríodo de um ano e meio de trabalho. Sua pesquisa foi chamada de O Gan­cho da Telenovela: Análise Estética e Sociológica. O gancho, objeto do estu­do, é o nome que se dá ao recurso de interrupção de uma narrativa num momento de tensão. Em última aná-

por Martin-Barbero, Maria Aparecida Baccega: defesa polêmica da telenovela estabelece vários 'fil-tros' até que a informação chegue às pessoas", explica a professora. Assim, tudo influi na maneira que se recebe a história. Há questões como o tipo de relação que existe dentro da pró­pria família, a dinâmica de cada casa e a maneira que aquelas pessoas se relacionam em sua vida cotidiana; considera-se também o fato de ser um gênero de ficção, onde se sabe que os fatos são inventados (muito diferente, por exemplo, de colocar-se diante da TV para ver o Jornal Nacio­na[); e até mesmo os passos envolvi­dos na produção da novela, como a tecnologia usada, os atares em cena e o fato de tratar-se de uma novela da Rede Globo - o que já predetermina parte da visão que as pessoas têm do produto. "Tudo isso constrói o senti­do da telenovela. Ela, sozinha, quan­do fica pronta nas ilhas de edição da emissora, é apenas parte do processo. O que chega para aquele sujeito sen­tado no sofá da sala é muito diferen­te': esclarece Immacolata.

Retalhos da trama - Das três profes­soras, Maria Cristina Castilho Costa, de 50 anos, foi a última a juntar-se ao

lise, Maria Cristina trabalhou com o elemento que segura o telespectador à poltrona entre um bloco e outro e o faz voltar à mesma posição no dia se­guinte, para ver o que aconteceu no próximo capítulo. "O gancho costura todos os retalhos da trama. É funda­mental à novela - que, como qual­quer outro produto da televisão, usa uma linguagem extremanente frag­mentada e por isso pede um truque para manter a platéia atenta."

Neste estudo que disseca e exem­plifica o uso do gancho na telenove­la, Maria Cristina trabalhou com O Rei do Gado, novela de Benedito Ruy Barbosa, exibida entre junho de 1996 e fevereiro de 1997. Barbosa, consi­derado um dos maiores mestres do gênero no Brasil, conseguiu com esta trama trazer de volta o brilho para uma forma de narrativa que atraves­sava uma crise e parecia estar esgota­da. Pior: sofria de uma baixa audiên­cia crônica e nunca vista antes pela Globo. Como autor que usa com maestria a estrutura mais tradicio­nal dos folhetins aliada a fatos histó­ricos e assuntos em destaque na so­ciedade contemporânea, ele misturou

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Maria lmmacolata: dissecando A Indomado

il perfil da trama. E, I'

numa escala menor, cada capítulo tem seu gancho ao final: uma revelação, uma surpre­sa, uma dúvida que surge para ser esclareci­da no dia seguinte. "O gancho é como um ti­jolo na história, uma síntese do que aconte­ceu naquele episódio. É como se o autor dis­sesse: 'hoje nós desco­brimos isso sobre tal personagem.' E é a ha­bilidade de o drama­turgo colocar esses tijo­los que vai determinar a fidelidade do especta­dor à novela."

Audiência- A fidelida­de do brasileiro, não se duvide, continua in­tensa. Fala-se em esgo­tamento do gênero, diz-se que a novela está

Maria Cristina: o que segura o espectador na poltrona sendo surrada pela competição com a ln-

em O Rei do Gado uma história de ternet e com a TV a cabo e chama-se amor nos moldes de Romeu e Julieta (envolvendo famílias rivais) a uma trama que trouxe para o horário no­bre o debate sobre a questão dos sem­terra no Brasil. Ótimo material para discutir a importância do gancho.

"Como uma novela dividida em duas fases, O Rei do Gado foi pontu­ada por exemplos interessantíssimos de gancho", diz a professora. O perso­nagem Geremias Berdinazzi (Raul Cortez), por exemplo, começou como uma figura de perfil enigmáti­co e misterioso. Poderia encaminhar­se para se tornar o vilão da trama ou ser uma figura respeitável. "Só este fator já era um elemento que manti­nha o telespectador fiel à novela. Ele queria saber que rumo ia tomar aquele sujeito", lembra ela. Havia ain­da o mistério inicial em torno da ori­gem de Luana (Patrícia Pillar), ou das intenções de Rafaela (Glória Pires).

atenção para índices de audiência que diminuem a cada ano. De fato, dificilmente a Globo -líder de audi­ência e exemplo de qualidade quan­do o assunto é telenovela- vai voltar aos tempos de Roque Santeiro, em que chegava a registrar quase 100% de audiência. Em anos recentes, a emissora vem sendo criticada por falta de criatividade, por apelar para cenas mais picantes em horários ina­dequados e até mesmo por repetir formas à exaustão. "Novela é isso mesmo: repetição", afirma Maria Cristina. Ela lembra que muitos dos recursos usados na construção do gênero existem há séculos, desde as narrativas das Mil e Uma Noites, pas­sando pelas lendas indígenas, che­gando aos romances publicados se­manalmente nos jornais no início do século e às radionovelas. "Por isso esta é uma forma de narrativa tão

brasileira. Guarda o espírito da his­tória oral, que segura o ouvinte mais pelas emoções do que pela sofistica­ção de seu aspecto formal", completa Maria Aparecida. "As novelas são, sem dúvida, uma manifestação cul­tural de massa. Mas isso não significa que devem ser desprezadas. Dina­marca, Alemanha, França e Estados Unidos estão desenvolvendo teses de estudo especificamente sobre nossos folhetins. Até nesses países foi desco­berto o valor sociológico do gênero. Não há por que tratá-los como ma­nifestações menores por aqui", diz Maria Immacolata. Os cinco anos de trabalho dessas três mulheres para o Núcleo de Pesquisa de Telenovela certamente vão ajudar a reverter o quadro e a garantir um final mais fe­liz para a novela brasileira. •

PERFIS:

• MARIA APARECIDA BACCEGA é gra­duada em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Huma­nas da USP, onde fez o mestrado e o doutorado, e livre-docente pela Esco­la de Comunicações e Artes da USP (ECA/USP), da qual é professora. Projeto: O Campo da Comunicação: Os Valores dos Receptores de Tele­novelas Investimento: R$ 23.132,00 • MARIA IMMACOLATA VASSALLO DE

LOPES é graduada em Ciências So­ciais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, com mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, da qual é professora. Projeto: Recepção da Telenovela Bra­sileira: Uma Exploração Metodológica Investimento: R$ 20.128,00 • MARIA CRISTINA CASTILHO COSTA é graduada em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Fez o mestrado e o dou­torado também em Ciências So­ciais na Faculdade de Filosofia, Le­tras e Ciências Humanas da USP. É professora da ECA/USP. Projeto: O Gancho da Telenovela: Análise Estética e Sociológica Investimento: R$ 5.000,00

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HUMANIDADES

ARTES PLÁSTICAS

Trocando influências Pesquisa dá perfil da arte dos anos 90 e suas ascendências

H á sete anos, a professora e cu­radora da USP Kátia Canton

entendeu que, para construir um perfil da arte dos anos 90, era neces­sário promover um levantamento entre os jovens artistas que começa­vam suas carreiras, ou mesmo os que ainda freqüentavam faculdades, so­bre suas principais influências. A pes­quisa, que contou com o apoio da FAPESP e do Museu de Arte Contem­porânea da USP, o MAC, surpreen­deu sua idealizadora. Praticamente todos os entrevistados não fizeram referência alguma a monstros consa­grados da história da arte moderna ou da antiga e menos ainda à cena in­ternacional. Quase em unanimidade, os então futuros artistas desta déca­da, segundo seus próprios depoi­mentos, espelhavam-se na geração em atividade naquele momento.

Kátia percebeu então, que, para compreender a novíssima arte da dé­cada que mal começava, era necessá­rio, antes de mais nada, estabelecer paralelos com a própria arte contem­porânea, de preferência com a ime­diatamente anterior e vigente, no caso a dos anos 80. Como atuava na divisão de curadoria do MAC, Kátia abriu sua agenda de telefone e acir­rou a pesquisa. Ela passou a visitar pessoalmente ateliês de artistas em atividade em diferentes cidades bra­sileiras com a pergunta: quem é seu mestre? A curadora levantou, na épo­ca, 56 nomes (que hoje já somam 70), quase todos eles de artistas con­temporâneos em atividade no País, como Regina Silveira, Tunga ou Wal­tércio Caldas, realizando mostras co-

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nhecidas como "Heranças Contem­porâneas': A exposição hoje é festeja­da pela crítica de arte.

No ano passado, por exemplo, a mostra trazia uma série do que se po­de classificar como uma influência du-

pla. Tunga, eleito mestre por Renata Pedrosa, apresentou uma de suas es­culturas orgânicas da série "Lips" e es­colheu também sua própria influên­cia, Lygia Clark. Representada por uma de suas esculturas geométricas, a que chamou de "Bichos", Lygia funciona­va então como uma espécie de avó de Renata, que trazia sua própria leitura do corpo em desenhos confecionados com mercúrio. "São esses diálogos entre gerações que cumprem o papel de contar a história da arte contem­porânea", conclui a pesquisadora.

A trama inventariada por Kátia, as obras realizadas ou escolhidas para as exposições e as análises críticas sobre a origem do que hoje se chama de age­ração 90 estão agora reunidas em livro, Novíssima Arte Brasileira, também realizado com o apoio da FAPESP, a sair no segundo semestre pela Ilumi­nuras. Trata-se do primeiro registro ge­ral da mais recente produção contem­porânea, legitimado pelo fato de ter sido resultado de uma comparação

objetiva entre trabalhos - compara­ção realizada, em primeiro lugar, por seus próprios autores e, em seguida, constatada pela curadoria e pelo pú­blico que visitou as três edições da mos­tra realizada no MAC. Ou seja, No­víssima Arte Brasileira não apresenta um grupo de emergentes eleito pelo olhar de um crítico, mas sim uma lei­tura comparativa do que mudou e o que permaneceu nos últimos dez anos no cenário artístico nacional.

O leitor poderá conhecer, de for­ma sistematizada, o que se viu no

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MAC: artistas, que hoje têm os no­mes registrados em catálogos de museus e galerias importantes, criando em função do trabalho de seus mestres. Assim, Mônica Rubi­nho, Fábio Bittencourt e Cristina Rogozinski estão representados no livro pelas obras que criaram para a primeira edição de "Heranças Con­temporâneas", realizada em abril de 1997. São trabalhos que apresen­tam, por exemplo, referência à fra-

gilidade emocional ou física e à ex­perimentação com materiais que esses discípulos herdaram, respec­tivamente, de Leonilson e Leda Catunda, que, ao lado de Nelson Leirner, compunham a trinca de mestres daquele ano.

"A comparação com a fonte, ain­da mais se tratando de referências

tão próximas, foi a maneira mais concreta para traçar um perfil de um movimento que o tempo ainda não teve tempo de decantar", obser­va Kátia. Daí, percebe-se que o livro é uma obra que já nasce para ser re­visada e ampliada. "Até porque, como as próprias edições de 'Heran­ças Contemporâneas' demostraram, a chegada de novos nomes e a trans­formação do cenário nunca foi tão veloz como nos anos 90."

Depoimentos dos artistas que par­ticiparam da pesquisa ganharam um capítulo à parte. Nele, os jovens cria­dores, apresentados por uma breve bio­grafia, mostram seus conceitos de arte e falam sobre seus mestres e influências. Cada um desses tem a obra escolhida para a mostra "Heranças Contempo­râneas" reproduzida e identificada.

Para não entrar diretemente nos conceitos mutáveis que permeiam a produção desta década, a curadora optou por uma introdução histórica com um breve resumo da passagem

dos modernos para os dias de hoje­linha do tempo a que pertencem mestres e discípulos registrados pelo livro. A partir daí, ela distribuiu as tendências detectadas entre os tra­balhos em capítulos, nos quais in­cluiu os artistas que compartilham essas características. São aspectos ou questões comuns a muitos dos par­ticipantes da amostragem, como a noção de memória, presente no tra­balho de Mônica Rubinho e Renata Pedrosa, por exemplo, ou a chamada domesticidade na arte, caso da pro­dução de Cristina Rogozinski, e mais uma vez de Mônica e de Rena­ta, já que as tendências organizadas pela autora são constantes na obra de artistas diferentes.

Esse momento do texto, entretan­to, corre o risco de se tornar datado em pouco tempo, pelo fato de que mui­tas questões trazidas pela autora po­dem perfeitamente ser abandonadas ou ganharem outros aspectos no tra­balho dos artistas a quem elas são atribuídas. "O que não tira o caráter do registro de um momento na traje­tória desses artistas; um momento que corresponde ao percurso da década de 90', argumenta a curadora. Kátia define a mostra que empresta as ilus­trações para o livro como um work in progress, novo nome para obra aber­ta que se tornou uma verdadeira sín­drome na arte dos anos 90. Assim também pode ser definida esta pri­meira publicação do projeto, que tende, como a arte contemporânea, a sofrer constantemente revisões. •

PERFIL:

• KÁTIA CANTON é graduada em jor­nalismo pela Escola de Comunica­ção e Artes da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado em crítica da arte na Universidade de Nova York. É professora e direto­ra técnica de divisão do Museu de Arte Contemporânea da USP. Projeto: Tendências Contemporâ­neas: Discussão sobre a Produção Ar­tística da Geração 90 Investimento: R$ 10 mil

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DRAUZIO VARELLA

Violência nas prisões Uma história do encarceramento em São Paulo

Gostei muito de ter lido o livro As Prisões em São Paulo (Annablume/FAPESP), de Fernando Salla. O autor examinou quin­

ze latas de documentos manuscritos, inéditos, sobre as cadeias de São Paulo, no Arquivo do Es­tado e encontrou, no Museu Penitenciário, regis­tras administrativos e prontuários de presos que continham o dia-a-dia da Penitenciária do Esta­do nas suas duas primeiras décadas. O resultado dessa análise é uma investigação sociológica im­prescindível para os que têm a pretensão de en­tender os caminhos da violência e o encarcera­mento em São Paulo.

O autor recua até 1787, quando a Cadeia de São Paulo foi construída no Largo São Gonçalo. Já, então, o espaço ocupado pelos presos era di­vidido de forma pouco democrática: as "enxo­vias", celas com acesso por alçapões abertos no piso superior, destinadas aos escravos e aos po­bres em geral, e as "salas livres" para a gente "qualificada". Havia, ainda, uma cela "oratório", na qual os condenados à morte recebiam confor­to religioso.

As freqüentes tentativas de fuga, imundície e a entrada de bebidas alcoólicas através das grades que davam para a rua levaram à construção da Casa de Correção, inaugurada em 1852, na aveni­da Tiradentes. Surgem as muralhas para separar os detentos do "cidadão de bem", e as primeiras preocupações com a requalificação dos crimino­sos, de acordo com os dois principais modelos adotados na época: o de Filadélfia, segundo o qual o prisioneiro devia ser mantido em isola­mento contínuo, diurno e noturno, trabalhando na própria cela; e o modelo de Auburn, que pre­conizava uma fase inicial de isolamento, seguida de outra em que o condenado trabalhava de dia, em silêncio completo, e era trancado à noite.

Embora o modelo de Filadélfia tenha sido re­jeitado na Casa de Correção, os documentos exa­minados por Fernando Salla relatam punições violentas, por meio das quais os desobedientes eram castigados fisicamente e trancados em ca-

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labouços a pão e água. Os dados mostram que, em 1878, a prevalência de suicídios foi de 1,8%; a mortalidade geral foi de 21%, em 1884.

A seguir, Salla faz um levantamento das idéias que começaram a ganhar consistência nos últi­mos anos do século XVIII, atribuindo à ciência "um papel fundamental na prevenção do crime e punição do criminoso". Nessa época, surge a es­cola de antropologia criminal, ou lombrosiana, que procurava caracterizar o crime e as penas punitivas de acordo com suas determinações biológicas, sociais e psicológicas. Segundo ela, o criminoso seria portador de uma doença que lhe escaparia ao arbítrio e exigiria tratamento penal. Assim, segundo Salla, "as elites compuseram uma representação de sociedade ordeira e disci­plinada, na qual todo aquele que não estivesse a ela adaptado seria candidato às instituições espe­cializadas para o seu atendimento": prisões, hos­pícios, asilos para mendigos e recolhimento de menores.

Essas idéias levaram à inauguração da Peni­tenciária do· Estado, no Carandiru, em 1920, "modelo de disciplinamento do preso como tra­balhador", concebida com o firme propósito de conter o crime e regenerar o criminoso. Com ela, o Estado de São Paulo, que se industrializava ra­pidamente, "acompanhava a marcha geral dos países civilizados no tocante ao regime peniten­ciário". Não havia visitante ilustre que não fosse levado a conhecer a Penitenciária. Segundo rela­tos, apenas no ano de 1927, mais de 26 mil pes­soas visitaram as instalações do presídio.

No entanto, ao lado do trabalho ordeiro e si­lencioso dos presos exibido aos visitantes, havia uma realidade que não escapou ao escrutínio do pesquisador. Por meio de documentos oficiais e prontuários de detentos, Fernando Salla pene­trou o mundo secreto da prisão.

DRAUZIO VARELLA é oncologista clínico e médico volun­tário na Casa de Detenção

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Fundamentos em Ecologia

Escrito pelo professor Ricardo Motta Pinto-Coelho, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais, este lançamento da Artmed Editora preenche uma lacuna importante no estudo da ecologia no Brasil como uma das obras pioneiras (e o que é melhor, com

informações atualizadas) nesta matéria em língua portuguesa e com as vistas voltadas para o estudo de regiões tropicais, tocando de perto os nossos problemas com o ambiente. Destinado a estudantes (mas também a profissionais da área), o livro analisa a ecologia de populações, de comunidades e a ecologia de processos.

O Quinto Milagre

Cada vez mais o "quem somos e de onde viemos" ganha respostas mais esclarecedoras. É o que se propõe o físico (doutor pela Universidade de Londres) Paul Davies nesta edição da Companhia das Letras. Revendo todas as teorias conhecidas sobre a formação da vida na Terra, o pesquisador

britânico, autor de mais de 20 livros sobre esse assunto, não teme a polêmica de discutir algumas novas hipóteses, entre elas a panspermia, que postula ter a vida terrena se originado de formas microscópicas vindas de outros planetas por meio de asteróides. Concorde-se ou não com essas teorizações, Davies as apresenta com rigor científico, deixando ao leitor as conclusões finais.

Pierre Bourdieu

Com o subtítulo Teoria do Mundo Social, este lançamento da Editora FGV traz uma reflexão de Louis Pinto sobre as idéias nem sempre bem aceitas do ousado sociólogo francês. Pode-se não gostar dele, mas é preciso, sem dúvida, conhecer suas idéias, que colocam em que a relação

do indivíduo com a cultura e refletem sobre a própria prática científica. Este guia permite entrever os meandros do pensamento de Bourdieu, já em si herméticos, na medida em que disseca os jogos sociais em geral invisíveis ao nosso entendimento.

REVISTAS

SSJl fsruoos A VANÇADOS .38

Estudos Avançados 38

Publicação quadrimestral do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e dirigida pelo professor Alfredo Bosi, este novo número de Estudos Avançados traz um alentado dossiê sobre o trabalho escravo de hoje e no passado, com textos de Ricardo Figueira,

William Cohen, Ela Wiecko Castilho. Além disso, a revista também apresenta uma série de ensaios sob a rubrica Brasil: Dilemas e Desafios, reunindo nomes como Celso Lafer, Helio Jaguaribe, José de Souza Martins, Luiz Carlos Bresser Pereira e Paul Singer. Mais: Lorenzo Mammí discute a música no pensamento de Santo Agostinho e Mauro Leonel revisa a Bio-sociodiversidade.

Comunicação e Educação 18

Publicação do Curso de Pós-Graduação lato sensu do Departamento de Comunicações e Artes da ECA-USP, a nova edição traz o sociólogo Renato Ortiz numa entrevista em que se discute a identidade cultural

e a crise do Estado-Nação. Ismail Xavier discute a nova produção do·cinema nacional e A.P. Quartim de Moraes avalia sua experiência à frente da Editora do Senac. Professoras analisam o papel da mídia impressa e televisiva na formação de seus alunos. Ainda neste número, uma homenagem a poeta Cora Coralina.

Brazilian Journal

Este é o volume 33, de maio, da publicação mensal (em língua inglesa) Brazilian fournal of Medical and Biological Research, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), com

artigos sobre investigação clínica, biologia experimental, imunologia, comportamento, farmacologia e biofísica. Entre os textos deste número: Introduction of Fos protein immunoreactivity for spinal cord contusion, Coexistence of potentiation and fatigue in skeletal muscle, entre outros.

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BRUNO LIBERATI

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ESPECIAL

-PENSANDO SAO PAULO Desenvolvimento e Emprego

Seminário aponta caminhos para ampliar a capacidade de inovação e a consequente competitividade das empresas

No ano passado, a Assem­bléia Legislativa do Estado de São Paulo tomou uma iniciativa inédita. Criou um organismo destinado a de­

bater e a organizar soluções para o futuro do Estado. Chamado de Fórum São Paulo Século 21, esse organismo não se limita a discutir problemas. Quer também definir um modelo de sociedade e traçar um roteiro para chegar a esse ob­jetivo. "A busca na construção de um projeto estratégi­co de desenvolvimento para o nosso Estado foi o gran­de caminho traçado no início dos nossos trabalhos", diz o presidente da Assembléia, deputado Vanderlei Macris.

Os trabalhos do Fórum foram divididos em 16 grupos temáticos. Um deles é dedicado à Ciência, à Tecnologia e à Comunicação. O primeiro seminário promovido por esse grupo teve como tema o Desenvolvimento e o Emprego

PESQUISA FAPESP

no Estado de São Paulo. Participaram co­mo expositores Roberto Sbragia, do Núcleo de Política e Gestão em Ciência e Tecnolo­gia da Universidade de São Paulo (USP); Luiz Henrique Proença Soares, da Funda­ção Seade; Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP; e Antônio José Cor­rêa Prado, do Departamento Intersindical

de Estudos e Estatísticas e Sócio-econômicas (Dieese). Neste encarte, a revista Pesquisa FAPESP publicare­

sumos das quatro exposições. Mais do que simples dis­cursos, os expositores buscaram explicações e apresen­taram caminhos para a solução dos problemas que cercam a produção de inovações e sua aplicação em São Paulo, além de seus efeitos sobre o índice de desempre­go no Estado. A conclusão: os problemas existem, mas não são insolúveis. Acordar para a sua existência já sig­nifica andar boa parte do caminho.

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A capacidade de inovação será diferencial no futuro

Para o professor Roberto Sbragia, coordenador científico do Núcleo

de Política e Gestão em Ciência e Tecnologia da Universidade de São Paulo (USP), a diferença competitiva entre as empresas, no próximo milênio, vai ocorrer à luz das inovações em produtos e processos. "Isso é um axioma, não se discute", afirma. Mas, para que as empresas brasileiras se tornem realmente competitivas, há muitas barreiras a serem superadas. Especialmente, a postura do próprio empresariado. Sbragia é professor titular do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, na qual leciona desde julho de 1976. É ainda assessor técnico da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei) e supervisor de projetas na Fundação Instituto de Administração. Depois de graduar-se pela USP, em 1974, Sbragia obteve o mestrado e o doutorado em Política e Gestão da Inovação Tecnológica na mesma universidade. Tem pós-doutorado em Gerência de Pesquisa e Desenvolvimento no Instituto Tecnológico da Northwestern University, dos Estados Unidos, obtido em 1986. No mesmo ano, teve sua dissertação de livre-docência aprovada na USP.

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Roberto Sbragia

O foco desta apresentação é o com­portamento tecnológico do setor produ­tivo brasileiro, do qual São Paulo partici­pa em boa proporção, diante da força de sua indústria. Tive oportunidade de fa­zer, recentemente, uma apresentação se­melhante, num fórum internacional, o Conselho de Pesquisa Industrial das Américas, o Cira. É uma instituição que congrega as principais entidades volta­das para a articulação tecnológica, no âmbito das empresas e do setor produti­vo, do Canadá à Argentina.

O grupo mais conhecido entre os inte­grantes do Cira é o Instituto de Pesquisas Industriais, o IRI, dos Estados Unidos. Esse instituto congrega 300 empresas americanas. Tem 60 anos de existência e suas empresas são responsáveis por 80%

dos investimentos empresariais em desenvolvimento tec­nológico nos Estados Unidos. Seu equivalente, no Brasil, é a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Industriais. Congrega, hoje, cerca de 55 empresas, responsáveis por aproximadamente 25% dos investimentos empresariais em desenvolvimento tecno­lógico no Brasil. Portanto, está muito abaixo do que re­presenta o IRI nos Estados Unidos.

O início da década de 90 foi um período no qual a empresa brasileira procurou colocar a casa em ordem. Houve motivos para isso. A abertura económica, os pla­nos de estabilidade e outros fatores marcaram o perío­do. Vieram então uma certa estabilização económica, a abertura comercial, a atração de investimentos externos, a promoção da competição via valorização do consumi­dor, a busca da eficiência e da qualidade e, também, a re­novação de produtos.

Esses fatos marcantes da década de 90 levaram as empresas a uma grande evolução nos padrões de produ­tividade e qualidade. Comparando os dados atuais com os do começo desta década, vemos que a indústria bra­sileira passou por um período de otimização produtiva. Houve uma grande elevação nos parâmetros. Melhora­ram, por exemplo, os índices de refugos, de devolução de produtos pelos clientes e de reclamações. A diminui­ção dos prazos de produção e outros fatores revelam, em geral, uma otimização e uma busca de eficiência e produtividade. Esses fatores marcaram a primeira meta­de da década de 90.

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De acordo com estudos feitos pela Comissão Econô­mica para a América Latina ( Cepal), a indústria brasilei­ra passou por um miniciclo de investimentos no período de 1995 a 1997. Esses investimentos, porém, foram mui­to heterogêneos em termos de setores industriais. Seus efeitos foram pouco duradouros. Mas alguns setores ob­tiveram maior rentabilidade, sobretudo os de transfor­mação e, nessa área, especialmente os relacionados com os bens de consumo, devido a saltos tecnológicos e à ado­ção de novos produtos para tornar viáveis as exportações.

Na década de 1971 a 1980, os investimentos no Bra­sil representaram 8,4% do PIB. Houve, depois, decréscimos e

P ENSAN D O SÃO PA U LO: D ESENV OLVIM EN TO E EMPRE GO

Se tomarmos como vértices de um triângulo o setor produtivo, a infra-estrutura em ciência e tecnologia e o governo e suas agências promotoras, a integração, no sentido da promoção da inovação, deve partir da indús­tria. Ela é o segmento próximo do consumidor e, por­tanto, o elemento que reconhece as necessidades. É a partir da indústria que a inovação deve passar por ou­tros elementos, com a agregação de valores, e retornar na forma de produtos e serviços melhores, mais baratos e mais diversificados à disposição da comunidade.

Essa passagem, no Brasil, é bastante problemática. É cheia de obstáculos que não per­mitem o funcionamento pleno

acréscimos. Em 1997, com o au­mento verificado nos estudos da Cepal, os investimentos chega­ram a 18% do PIB. Entre os seto­res que tiveram crescimentos maiores estão a siderurgia e me­talurgia, o setor de material de transporte e o setor de alimentos.

Um fator importante são os investimentos diretos estrangei­ros. Entre os países emergentes, o Brasil foi o que mais atraiu recur-

''Instrumentos do governo,

quando existem, são complicados

e de difícil aplicação''

desse triângulo e de suas interfa­ces. Examinemos, em primeiro lugar, o setor governamental. Apesar de alguns avanços recen­tes, o Brasil é caracterizado, nas áreas federal e estaduais, por ins­trumentos de política governa­mental pouco eficazes, quando se trata de privilegiar a empresa como foco de inovação tecnoló­gica ou como carro-chefe da ino-

sos durante a década de 90. Foi também o que menos perdeu investimentos no ano crí­tico de 1998, com relação à participação de cada país no total dos investimentos mundiais das empresas transna­cionais. A evolução foi notável. No início da década de 90, o Brasil participava com 3,6% do fluxo mundial de capitais estrangeiros. No fim da década, essa participa­ção subiu para cerca de 16%. No mesmo período, ou­tros países latino-americanos mostraram crescimento negativo.

Há muitas discussões sobre o valor real desses inves­timentos. As empresas transnacionais agregam valores em diversas frentes. De um lado, há o investimento pro­dutivo, em fábricas e instalações. Do outro, o valor agre­gado em desenvolvimento tecnológico, emprego e ou­tros fatores. Mas há quem seja pessimista com relação a esses investimentos. Cita-se que os investimentos estran­geiros muitas vezes se atêm à ciranda financeira e não significam, necessariamente, uma soma de valor tecno­lógico. A questão tem vários pontos que merecem ser discutidos. Mas o que interessa a este painel é o futuro.

No novo milênio, a competitividade empresarial vai estar cada vez mais atrelada à capacidade de inovação das empresas. Ou seja, a diferenciação competitiva vai ocorrer à luz das inovações em produtos e processos. Isto é um axioma. Não se discute. É uma realidade. Mas temos, no País, uma série de barreiras que dificultam a relação entre empresa, governo e infra-estrutura cientí­fica e tecnológica para a promoção da inovação.

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vação e da transferência de pro­dutos e serviços inovadores para

a sociedade como um todo. Os instrumentos, quando existem, são muito com­

plicados e de aplicação difícil. São pouco transparentes e, muitas vezes, quase desconhecidos. Não ficam em vi­gor por muito tempo e mudam a todo momento. Algu­mas vezes estão valendo, outras, não. Podem ser corta­dos e reeditados a qualquer momento, dependendo de fatores externos.

Esses instrumentos são excessivamente burocratiza­dos. Perde-se muito tempo para entendê-los e para usá­los. Quando chegam a ser aproveitados, são pouco efi­cazes, devido ao alto custo de utilização, o que acaba por afugentar os usuários potenciais. Esses instrumentos são pouco participativos, no sentido de serem criados, testados e receberem o feedback dos usuários, serem re­modelados e melhorados ao longo do tempo. Acabam influindo muito pouco no comportamento das empre­sas. Não cumprem seu papel, assim, de alavancar o de­senvolvimento tecnológico no âmbito das empresas.

Existem vários exemplos disso. Vamos tomar apenas um, os incentivos fiscais para pesquisa e desenvolvimen­to tecnológicos empresariais, no âmbito da Lei 8661/93. Essa legislação foi criada no Brasil depois de vários estu­dos, que começaram por volta de 1983 e 1984. Eles leva­ram a algumas leis, que foram sendo modificadas con­forme novos governos tomavam posse. Finalmente, em 1993, os incentivos entraram em vigor. Pois bem. Essa le­gislação, criada em 1993 e modificada recentemente, em

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PENSANDO SÃO PAULO: DESENVOLVIM ENTO E EMPR EG O

1996, por força da crise fiscal, reduziu, na prática, os be­nefícios fiscais às empresas a patamares muito inferiores aos praticados no mundo desenvolvido.

O Canadá é o país mais avançado na legislação fiscal para beneficiar os investimentos empresariais. Ele per­mite que as empresas reduzam do imposto de renda a pagar de 20 a 25% dos gastos comprovados em desen­volvimento. Os Estados Unidos concedem benefícios se­melhantes. A Austrália permite uma dedução única na forma de dedução das despesas operacionais, com um impacto no imposto de renda a pagar.

O Brasil permite uma redu­ção muito pequena, limitada a 4% do imposto de renda a pagar pelas empresas. Nesse limite, po­rém, também entram programas como os subsídios à alimentação e ao transporte do trabalhador. Na prática, não existe nenhum benefício fiscal hoje para uma empresa que queira investir em pesquisa e desenvolvimento tec­nológicos no Brasil.

Isso acontece apesar de as boas empresas conhecerem a legislação. Numa pesquisa recente, feita pela Fiesp, 77% das empresas declararam conhecer esses in­centivos. No entanto, 90% não utilizam a legislação. Como causa, foram citados diversos problemas, princi­palmente os custos envolvidos. O uso dos incentivos de­manda, por exemplo, a contratação de consultores exter­nos e a preparação de minuciosos projetos para serem aprovados pela máquina governamental. Na prática, exi­ge muito mais tempo do que o prazo necessário para que uma inovação seja produzida com sucesso e chegue ao mercado antes dos concorrentes.

Quanto ao papel das universidades e institutos, eles ainda estão vinculados a tradições nas quais o papel da empresa é pouco reconhecido como parte do sistema de inovação. Isso é particularmente destacado, caracteriza­do e evidenciado pela excessiva ênfase na produção de papers e não em patentes para o uso dos resultados da pesquisa. A produção de patentes no Brasil é baixíssima.

Os investimentos do poder público para a inovação por meio das universidades são pouco orientados para a demanda. É uma atitude ainda muito ofertista, que pre­tende colocar o conhecimento à disposição de quem quiser fazer uso dele, mas sem estabelecer uma vincula­ção a priori com a demanda. Existem estudos mostran­do que somente as grandes empresas interagem com as universidades e tiram proveito do trabalho dessas insti­tuições. Isso ocorre em detrimento das pequenas e mé­dias empresas. Por mais paradoxal que isso possa pare­cer, são justamente as pequenas e médias empresas as

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que mais necessitam do apoio da infra-estrutura exter­na, devido à sua pouca capitalização.

Mas são também aquelas com menos condições de usar esse apoio, em função de suas deficiências. Elas co­meçam pela inexistência de pessoas capazes de articular, interagir e falar o linguajar mínimo necessário para co­locar a empresa em condições de comunicar-se com a infra-estrutura científica. As grandes empresas, por sua vez, investem mais em desenvolvimento tecnológico e têm mais pessoas alocadas internamente para o esforço de inovação. Têm, assim, uma infra-estrutura mais ca­

paz de aproveitar o esforço de pesquisa efetuado pelas universi­dades e institutos.

Apesar desse ambiente pouco estimulante, as empresas mos­tram uma preocupação levemen­te crescente com relação ao futu­ro. No que se refere ao esforço em inovação, porém, ele tende mais à estabilidade do que ao cresci­mento. Isso fica evidente quando se analisa o histórico da alocação de recursos financeiros pelas em­presas para a inovação e para o aumento da qualidade do esforço

de inovação. De qualquer maneira, há uma certa preo­cupação em não diminuir as equipes técnicas mais do que proporcionalmente se diminuiu a força de trabalho global das empresas nestes últimos anos e, principal­mente, em obter ganhos de competitividade com a in­trodução de novos produtos no mercado. Esses são fa­tores muito importantes.

De qualqúer maneira, os dados sobre indicadores empresariais e inovação tecnológica entre 1993 e 1997 mostram números bastante estáveis. O gasto anual fica na faixa deUS$ 7 milhões por empresa, em média. Tra­ta-se de um gasto bastante estável, sem muitas varia­ções ao longo do período. A pequena tendência de au­mento do investimento total ocorreu muito mais pela entrada de novos players e pelo reconhecimento de operações antes desconhecidas do que propriamente pelo aumento das despesas das empresas que já partici­pavam do jogo.

É assim que se explica o aparecimento, nas estatísti­cas governamentais, de um crescimento da participação do setor produtivo nos gastos em desenvolvimento tec­nológico no Brasil. Por esses dados, essa participação passou de algo em torno de 15 a 20%, no início da dé­cada de 90, para 32% em 1997. É importante notar: as empresas que respondem por esses números represen­tam apenas um terço do PIB industrial brasileiro. Isso significa que existem grandes possibilidades de expan­são, se não ocorrerem grandes crises econômicas e os

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governos colocarem em prática medidas de ordem polí­tica com esse objetivo.

O futuro do comportamento empresarial e inovador no Brasil está atrelado à busca de uma competência in­ternacional, não somente nacional. Ela pode ser obtida por meio de ganhos de produtividade, eficiência e qua­lidade e mediante outros fatores, como qualificação de pessoal e interesse na busca do conhecimento. Isso deve ocorrer num ambiente de flexibilidade total, sob todos os pontos de vista, operacional, financeiro e outros.

Essa competência internacionalizada, por meio desses fatores, é que permitirá ao Brasil atingir um estágio de sustentabili-

PENSANDO SÃO PAULO: DESENVO LV I MENTO E EMPREGO

utilizado no País. Há a questão dos incentivos fiscais, que tendem a ser confundidos, muitas vezes, com subsídios e doações. Isso cria uma atitude negativa, não só para a so­ciedade, mas para o governo e o empresário. Os incenti­vos acabam por não ser utilizados, quando países desen­volvidos, que competem com o Brasil, os usam e usam muito bem. Aliás, é o único incentivo permitido no âm­bito da Organização Mundial de Comércio (OMC).

Outro problema é o da qualificação universitária e absorção de pessoal universitário pelas indústrias, espe­cialmente no nível de doutores. Já formamos 4 mil dou­

tores por ano. Mas uma parcela ínfima desse pessoal está na in­

dade dinâmica. Ela depende de muito mais do que do aumento da eficiência produtiva e de otimiza­ções de plantas e produtos. Essa sustentabilidade dinâmica deve criar condições para que as em­presas brasileiras sejam capazes de competir internacionalmente e se insiram na cadeia mundial. Isso não se consegue apenas com a oti­mização de plantas e produtos, mas com conhecimento, qualifica-

''o mercado dústria. A formação básica profis-sional no Brasil é ruim. O ensino técnico, para não falar da educa­ção básica, é apenas sofrível. No Brasil, há pouco pessoal de nível médio trabalhando nas empresas. Isso faz com que os PhDs, os pou­cos que existem, façam trabalhos de bancada, deixando de se con­centrar no principal objeto do seu trabalho, o criativo. Nos países

brasileiro é pouco crítico com relação aos produtos

que consome''

ção e flexibilidade. Para que isso aconteça, o Brasil e principalmente

seus Estados desenvolvidos, que querem progredir e têm massa crítica para isso, vão ter de criar uma série de condições. Elas passam por vários fatores que não são triviais, simples ou singulares. Uma das primeiras dessas condições é a governabilidade, a capacidade mínima de gestão do País. Há países ingovernáveis. Esses não têm nenhuma possibilidade de progresso.

Não se podem esquecer as condições económicas. En­tre elas estão a estabilidade e a liberalização. Elas são im­portantes, precisam ser mantidas e conquistadas. Os in­vestimentos necessitam dessas condições. Há também uma série de políticas públicas que precisam ser aplicadas, principalmente na área das exportações. O Brasil é um país muito carente no setor das exportações, que são peque­nas e concentradas em pouquíssimas empresas. A grande massa de empresas pequenas e médias não exporta.

Para que as pequenas e médias empresas brasileiras pos­sam exportar, é necessário proteger a propriedade industrial e intelectual e criar redes de excelência. O Brasil precisa capitalizar aquilo que sabe fazer melhor, o que conhece bem e onde é diferente das grandes potências mundiais. É preciso definir prioridades setoriais. O País não pode ser o melhor em tudo. É necessário selecionar setores e potencialidades. Com os parcos recursos dos quais oBra­sil dispõe, é impossível atacar em todas as frentes.

É preciso tratar, também, da situação financeira, em particular os desafios ao capital de risco, muito pouco

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desenvolvidos, há uma relação de um PhD para três técnicos de ní­

vel médio. No Brasil, a relação é quase o inverso. Existe também uma questão cultural. O Brasil preci­

sa melhorar muito a interação e parcerias entre a em­presa e as universidades e os institutos. Esta não é uma crítica apenas os institutos e universidades. É também uma crítica aos empresários, à sua postura imediatista e à pouca credibilidade que dão a essas instituições. A si­tuação melhorou muito nesta década. Vários paradig­mas foram rompidos. Mas ainda está distante o apareci­mento de uma relação profícua entre os dois setores.

A sociedade deve ser mobilizada em torno da inova­ção. É necessário, particularmente, aguçar o espírito crí­tico do consumidor. O mercado brasileiro é pouco crí­tico com relação aos produtos que consome. Agindo assim, não estimula a competitividade e não apóia o diferencial competitivo das empresas. Aceita o que se coloca na mesa, sem rejeitar. Isso é importante. O mer­cado é um dos maiores indutores do investimento tec­nológico por parte das empresas.

Mas isso pouco adiantará se não houver uma mu­dança na postura empresarial. O Brasil ainda está longe de ter uma postura empresarial voltada para a inovação e para a valorização da tecnologia como instrumento de competitividade. Há ilhas de excelência, empresários notáveis, posturas dignas de nota. Mas isso é muito mais exceção do que regra. O Brasil ainda sente a necessida­de de uma classe empresarial com uma visão mais vol­tada para o futuro.

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Esforço de inovação ainda restrito a poucas empresas

Os números transmitidos ao grupo de trabalho pelo diretor-adjunto de Produção

de Dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), Luiz Henrique Proença Soares, não deixam dúvidas: o interior está crescendo, mas a parcela da capital e das cidades próximas na atividade econômica do Estado de São Paulo continua a ser de enorme maioria. Com base numa minuciosa pesquisa realizada pela Fundação,

~ No ano passado, a Fundação Sistema § Estadual de Análise de Dados (Seade) di-0 vulgou os resultados de uma pesquisa so­" bre a atividade econômica do Estado de

Proença Soares levantou também dois aspectos muito importantes

Luiz Henrique Proença Soares

São Paulo que trouxe dados inéditos so­bre o panorama empresarial. Trata-se da Pesquisa da Atividade Econômica Paulis­ta (PAEP). A metodologia desta pesquisa foi criada no início da década de 90. Ela surgiu da percepção da Fundação Seade, como órgão produtor de informações so­bre o Estado de São Paulo, de que falta­vam estatísticas econômicas sobre oBra­sil e, especificamente, sobre o Estado. O último censo econômico do IBGE fora realizado em 1985; em 1990, não houve censo econômico; em 1994, finalmente o IBGE começou a aplicar uma nova estra­tégia de produção de estatísticas econô-

para o futuro da capacidade inovadora do Estado: a pesquisa e o desenvolvimento estão concentrados em apenas umas poucas empresas; e a maioria das empresas usa a inovação apenas como atividade defensiva, para manter fatias de mercado, não como instrumento para o futuro. Proença Soares formou-se em 1977 em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP). Em 1979, obteve o diplôme d'études approfondies pelo Instituto de Urbanismo de Paris, da Universidade de Paris XII, e, em 1982, um doutorado em Urbanismo pelo mesmo instituto. Entre suas áreas de atuação, estão administração pública, planejamento urbano e regional, políticas públicas e sistemas de informações sacio econômicas. Suas atividades na Fundação Seade incluem a supervisão geral da homepage e de toda a política de informática da entidade.

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micas, sem, no entanto, contemplar indicadores qualita­tivos.

Todo o processo de mensuração econômica em rela­ção às atividades produtivas estava, assim, bastante de­fasado e carente. Além de o Censo de 1990 não ter sido realizado, as pesquisas anuais do IBGE, sobre indústria, comércio, construção civil e transportes, estavam com sua divulgação atrasada. Isso era resultado de uma re­forma admini:Strativa, na minha opinião bastante desas­trada, que no início dos anos 90 e final dos anos 80 atin­giu a administração pública federal e penalizou sensivelmente o IBGE .

A Fundação Seade e um conjunto de usuários de in­formações econômicas identificaram três focos de preo­cupação em relação às estatísticas econômicas. Um de­les era a mensuração econômica propriamente dita, tradicionalmente coberta pelo censo econômico e pelas pesquisas anuais, as quais, apesar de serem amostrais, ti­nham cobertura bastante expressiva.

Além da mensuração, havia uma preocupação sobre a questão da reestruturação produtiva, que, nos primei­ros anos da década de 90, já se anunciava na economia brasileira. Havia, nessa época, muito pouca, ou mesmo nenhuma, informação estatisticamente representativa sobre os vários aspectos envolvidos nesse processo, nem sobre sua abrangência, intensidade, distribuição setorial e outros fatores.

Em terceiro lugar, no caso do Estado de São Paulo, era muito importante acompanhar uma dinâmica socio-

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econômica territorial que as pesquisas anuais do IBGE não mostram. A partir dessas pesquisas, só é possível se­parar dados para a Região Metropolitana e para o res­tante do Estado. A economia regional no Estado de São Paulo é bastante dinâmica e significativa em determina­dos aspectos. Era, assim, uma questão fundamental ter uma idéia dessa representatividade no âmbito regional.

A PAEP cobriu indústria, comércio e serviços, sendo que, dentro da indústria, houve uma extração específica para a construção civil. Foi criada também uma aborda­gem específica para a agroindústria, que no Estado de São Paulo é um segmento econômico bastante importante e significativo.

P ENSAN D O SÃO PAULO: DESENVOLV IME N T O E EMPR EG O

e mais do que 5, foi feita uma amostragem. No caso do comércio, foram investigados todos os estabelecimentos com mais de 20 empregados e, abaixo disso, feita uma amostragem, até os que contavam apenas 1 empregado. Além disso, foram investigados dois segmentos no setor de serviços, as empresas produtoras de serviços de infor­mática e os bancos. No caso dos bancos, todos os grandes e médios bancos responderam à pesquisa.

No setor de informática, foram investigadas todas as empresas com mais de 20 empregados e, abaixo disso, f~ita uma amostra. Tanto as empresas maiores como o

universo amostral das empresas de menor porte respondem por

Para todas as variáveis, espe­cialmente as que dizem respeito à reestruturação produtiva, procu­rou-se obter dados capazes de se­rem comparados com os resultan­tes dos sistemas estatísticos de âmbito nacional, especialmente a nova Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE), e toda a série de procedimentos metodológicos adotada pelo IBGE. Também foram considera-

''No setor uma proporção de 80 a 85%, tan-to com relação ao valor adiciona­do como ao pessoal ocupado no Estado de São Paulo. Portanto, os resultados da pesquisa puderam ser expandidos para todo o uni­verso de empresas do Estado de São Paulo, com bastante proprie­dade e tranqüilidade.

de informática, foram investigadas todas as empresas

com mais de 20 empregados'' A tarefa era bastante complexa

e inovadora e precisou ser partilha­da com outros parceiros. A Fun­dação procurou de imediato as dos os procedimentos internacio-

nais, especialmente os ancorados nos procedimentos re­comendados pela OCDE e consubstanciados no Manual de Oslo. Assim, os resultados são altamente comparáveis com os produzidos por outras pesquisas em todo o mundo. Essas comparações estão sendo feitas e esperam­se alguns resultados bastante interessantes.

Na mensuração econômica, algumas variáveis bási­cas foram investigadas. Em relação à reestruturação produtiva, procurou-se gerar indicadores para itens como inovação tecnológica, novas formas de gestão, fu­sões, automação, informática e requisitos para contrata­ção de pessoal.

Há uma abordagem importante na área de requisitos de contratação, já que a Fundação Seade, juntamente com o Dieese, realiza pesquisas de emprego e desempre­go. Havia uma percepção muito nítida das mudanças no mercado de trabalho ao longo dos quase 13 anos de existência da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). No entanto, não havia nada em relação ao universo em­presarial, sobre a visão das empresas em relação à mu­dança do mercado, seja do ponto de vista do aumento dos índices de desemprego, seja do ponto de vista da precarização dos vínculos e das relações de trabalho.

Em relação às indústrias, foram investigados todos os estabelecimentos com mais de 30 empregados. Realizou­se, portanto, um verdadeiro censo em todos os estabele­cimentos de maior porte do Estado de São Paulo. Nos es­tabelecimentos industriais com menos de 30 empregados

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principais universidades e centros de pesquisa paulistas, em busca de apoio metodológico e teórico. Em seguida, foi às entidades do empresariado - Fiesp, Federação do Comércio, Associação Comercial, Sinduscon - buscar o seu apoio institucional, a divulgação por meio de sua roí­dia específica e também um diálogo, para verificar se as questões estavam adequadamente formuladas e se se con­seguiria nívei~ de compreensão adequados por parte do universo empresarial. O objetivo era reduzir as recusas e aumentar o nível de confiabilidade das respostas obtidas.

Foi mantido um contato constante com o IBGE e obtido o apoio extremamente importante da agência fi­nanciadora de pesquisas no Estado de São Paulo, a FA­PESP, responsável pelo financiamento do trabalho de campo da pesquisa. A FAPESP respondeu por uma par­cela importante do custo total. A Fundação recebeu, também, um financiamento da Finep para a realização desse trabalho. Ambas arcaram com cerca de um terço do custo total da pesquisa, sendo o restante financiado pelo orçamento da própria Fundação.

Essa articulação foi muito interessante, porque enrique­ceu a pesquisa e a tirou dos muros da Fundação Seade, que, por mais capacitada que possa ser, jamais poderia dar conta, sozinha, de uma tarefa tão complexa. Na dissemina­ção dos resultados, foi adotada uma postura inovadora, no sentido de divulgar os microdados, preservando-se o si­gilo da fonte. Os microdados são divulgados para que os próprios pesquisadores possam construir suas tabulações.

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PENSAN D O SÃO PA U LO: D ES E N VOLV I MENTO E EMP R EGO

Há um CD-ROM com os dados à disposição dos usuários na Fundação Seade. A intenção é que uma pes­quisa desse tipo seja realizada a cada quatro anos. Esta foi a primeira e estabelece um patamar de comparação para toda uma série de indicadores. Há a intenção de produzir uma nova pesquisa no ano 2001, relativa à si­tuação do ano 2000.

Ocorreu outro fato muito importante na questão das parcerias. O Consórcio Intermunicipal do ABC mani­festou interesse em conhecer melhor sua realidade. Pre­tendia fazer um censo econômico. Acabou tornando-se um parceiro regional. Financiou uma expansão da amostra, de

car, do leite, do fumo e das conservas. São Paulo é o pri­meiro produtor nacional de cana-de-açúcar e o maior produtor mundial de suco de laranja, produzindo sozi­nho mais suco de laranja do que os Estados Unidos.

Do ponto de vista da distribuição da agroindústria no território paulista, um dado que salta à vista é, tam­bém, a forte concentração da atividade agroindustrial na Região Metropolitana. Quase 25% da agroindústria paulista está concentrada na Região Metropolitana. So­mando-se a participação da região de Campinas, chega­se à metade. No resto do Estado, a distribuição regional

é bastante menos expressiva, ape­sar de importante na estrutura

maneira que há dados específicos para a região do ABC e cada um dos seus municípios, sobre o pro­cesso de reestruturação produtiva na região.

O Estado de São Paulo tem uma estrutura bastante diversifi­cada quanto às suas empresas. Há concentrações que variam con­forme o tipo de análise. Mas, do

''A concentração da atividade

produtiva

econômica regional. As atividades ligadas ao co­

mércio estão melhor distribuí­das. Existe uma proporcionalida­de maior, que quase acompanha a distribuição populacional. Isso só não ocorre com o comércio ata­cadista, que ainda está fortemen­te concentrado na Região Metro­politana e pela existência de comércio mais sofisticado na

na Região Metropolitana é fortíssima''

· ponto de vista de qualquer um dos três enfoques usados na pes-quisa, confirma-se de que se trata de uma economia bastante complexa, diversificada e com a presença de praticamente todos os setores signi­ficativos da indústria de transformação.

Do ponto de vista regional, o que se nota, em pri­meiro lugar, é uma fortíssima concentração da ativida­de econômica na Região Metropolitana de São Paulo. Ela representa quase 57% dos empregos e mais de 60% do valor adicionado do Estado. Há uma expansão des­sas atividades para a região imediatamente próxima. Se traçarmos um círculo com raio de 150 quilômetros a partir da capital, os valores chegam de 80 a 85% do to­tal do Estado. Entram nessa área, basicamente, cidades como Jacareí, São José dos Campos, Jundiaí, Campinas, Americana, Limeira, Sorocaba, Votorantim e seus en­tornos.

Essa forte concentração da atividade econômica, num raio de alguns quilômetros a partir da praça da Sé, ocorre apesar de todo o processo de interiorização veri­ficado ao longo dos anos 70 e no começo dos anos 80, como fruto da política de atenuamento de desigualda­des regionais do segundo PND. A interiorização aconte­ceu. Grandes investimentos públicos foram realizados no interior, levando indústrias e empresas para fora da capital. Mas, paralelamente, continuaram a ocorrer in­vestimentos muito fortes na atividade industrial dentro da Região Metropolitana.

A agroindústria tem uma situação específica. Existe um peso muito grande da agroindústria da cana-de-açú-

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Grande São Paulo. No caso dos serviços de infor­

mática, considerados nobres no processo de reestrutura­ção produtiva, a concentração na Região Metropolitana é infinitamente maior. É um setor de apoio à produção fortemente associado ao processo de modernização tec­nológica e de reestruturação produtiva. Nada menos do que 79% das unidades, 85% do pessoal ocupado e quase 91% do valor adicionado estão concentrados na Região Metropolitana. Fora dessa área, há apenas duas partici­pações dignas de nota: a região de Campinas, em que há um grande número de locais e pessoal ocupado, mas um índice baixo de valor adicionado, e a região de São José dos Campos, onde ocorre o inverso.

É interessante notar a existência, no Estado, de um grande número de empresas industriais de pequeno porte, responsáveis por parcelas muito pequenas do va­lor adicionado e do pessoal ocupado. Inversamente, existe um pequeno número de grandes empresas, res­ponsáveis por uma parcela extremamente significativa do valor adicionado e também do emprego.

Essa é a distribuição das unidades industriais no nos­so Estado. A análise por porte que se seguiu à coleta de dados mostrou que a estrutura salarial das empresas do Estado tem forte assimetria. Os salários médios pagos pelas grandes empresas chegam a ser o triplo dos pagos pelas empresas menores. Mesmo assim, há algumas sur­presas. Das grandes empresas, 8% por exemplo, não têm programas de alimentação para os funcionários e 23% não têm programas de transporte.

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A forte assimetria existente com relação ao porte das empresas industriais no Estado de São Paulo foi repeti­da com freqüência em vários indicadores produzidos pela pesquisa, não deixando dúvidas de que ele repre­senta uma variável capaz de explicar vários aspectos da performance de uma empresa.

A pesquisa investigou também, do ponto de vista da origem do capital, a questão do controle patrimonial das empresas. Entre as empresas de capital estrangeiro, o líder entre os investidores é a União Européia, tomada como um bloco. Isoladamente, os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar. Mas a União Euro-péia, tomada como um todo, su-

P ENSANDO SAO PAU LO: DESENVO LV IM ENTO E E MPR EGO

contratam pessoal para Pesquisa e Desenvolvimento. Mas, em termos absolutos, sua participação na estrutu­ra econômica do Estado como um todo é baixa.

Um interesse da pesquisa foi o de conhecer os moti­vos considerados importantes ou muito importantes pelas empresas para a realização de inovações. Os mo­tivos mais freqüentemente mencionados para as inova­ções, tanto de produtos como de processos, estão liga­dos a razões defensivas, para a manutenção de fatias de participação no mercado. Portanto, as variáveis de mercado pesam mais que uma postura pró-ativa, desti-

nada a antecipar novas tecnolo­gias ou novos processos tecnoló­

pera os Estados Unidos, ficando a Alemanha, membro desse bloco, um pouco abaixo dos Estados Unidos:

''os motivos mais mencionados

gicos, ampliar o mix de produtos da empresa ou substituir produ­tos obsoletos. Essas razões, mui­tas vezes importantes, estão entre as menos mencionadas ou entre as consideradas menos impor­tantes.

. -Em relação à competitividade, foram selecionados, para esta apresentação, quatro indicadores: exportações, treinamento, técni­cas de gestão de qualidade total e inovação, aqui entendida tanto como de produto como de pro­cesso. Os quatro mostraram com-

para as movaçoes estão I i gados

a razoes defensivas''

A pesquisa tentou conhecer também as fontes da inovação, as áreas onde as empresas mais fre­qüentemente buscam conheci-

portamento semelhante, forte-mente explicado pelo porte das empresas.

Outro trabalho foi o de analisar a distribuição de as­pectos ligados às estratégias de reestruturação produti­va pelos diversos segmentos empresariais. Um exemplo disso é dado pelo setor de alimentos e bebidas, que re­presenta uma parcela bastante expressiva do setor in­dustrial paulista, aparecendo em penúltimo lugar com relação ao número de empresas consideradas inovado­ras, mas no qual o valor produzido por essas empresas inovadoras é proporcionalmente elevado. É possível di­zer que na indústria do Estado convivem empresas com estrutura empresarial e tecnológica antigas com empre­sas modernas e avançadas.

Outro aspecto importante é que, entre as estratégias da gestão de produção mais freqüentemente adotadas pelas empresas, há uma ocorrência maior de respostas voltadas para os novos métodos de organização do tra­balho, os quais, entre outros aspectos, comportam um aumento do desemprego.

Os dados sobre pessoal alocado em Pesquisa e De­senvolvimento mostram que o esforço de inovação é bastante desigual. Uma presença muito forte da Em­braer, por exemplo, pode elevar um índice até torná-lo muito superior ao de outros setores. Quando se exclui a Embraer, há uma queda para um patamar inferior. Exis­tem, assim, empresas que elevam os indicadores para patamares mais elevados, mas de um ponto de vista apenas relativo. São empresas que alocam recursos e

PESQUISA FAPESP

mentos para suas inovações. Ou­tra vez, ficou claro que as fontes

ligadas ao mercado, como clientes, fornecedores, concor­rentes e feiras, têm um peso muito grande. O porte da empresa é significativo para explicar algumas respostas. As grandes empresas aparecem com muito mais freqüên­cia entre as que têm departamento próprio de pesquisa e desenvolvimento.

O trabalho confirmou uma participação relativamente baixa dos ins~itutos de pesquisas e das universidades nes­se processo de geração de inovação das empresas. É inte­ressante notar que há uma forte corroboração das conclu­sões a que o professor Roberto Sbragia, que falou antes de mim, chegou com relação à falta de mecanismos para uma adequação entre oferta e demanda de novas tecno­logias, entre produção de teses e registro de patentes.

Há ainda na pesquisa um bloco de questões voltadas para a relação das empresas com meio ambiente e a identificação de oportunidades de negócios ou de riscos para a atividade desenvolvida, a partir de seu envolvi­mento nessa área.

Nós, na Fundação Seade, estamos à disposição para aprofundar esta reflexão e trazer novos aspectos inex­plorados. Mais que isso: contamos com a comunidade de usuários, no sentido de utilizar essa pesquisa e nos dar retorno em relação à realização da próxima PAEP. A produção de estatísticas é assunto eminentemente pú­blico, financiado pelo setor público, e não deve haver nenhuma ilusão quanto a este aspecto. Ela deve ter re­torno para os usuários.

9

Page 69: Dieta indigesta

Como o Brasil pode • • se manter competitivo

Q uando estabelece ;::;:::::;::::=::;;;::==:::::::;;;;:==::; lí Dizem que a anedota seguinte nasceu z

as diferencas entre universidade e empresa,

o professor Carlos Henrique de Brito Cruz fala com conhecimento de causa. O presidente do Conselho Superior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e titular da área de Eletrônica Quântica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) trabalhou num dos mais conceituados

g no curso de Economia da Universidade ~ ~ Harvard. Dois sujeitos estão fugindo de ~ um tigre. Na floresta, um deles pára para

calçar o tênis. O outro diz: "Não adianta calçar o tênis, você nunca vai conseguir correr mais do que o tigre': O que está cal­çando o tênis responde: "Não, mas vou correr mais do que você".

Competitividade vem da capacidade de agregar conhecimento ao que se faz. Para analisarmos a situação paulista, usa­rei algumas comparações internacionais. Assim, poderemos situar os dados que te­mos e ver se está boa ou ruim. É a história do tigre. Estamos correndo mais depressa ou mais devagar do que os competidores? centros de pesquisas particulares

do mundo, os Laboratórios Bell, Carlos Henrique de Brito Cruz Já conseguimos, tanto no Brasil quan­

da AT&T, de março de 1986 a agosto de 198 7. A isso se soma a experiência de ter sido diretor do Instituto de Física da Unicamp, de 1991 a 1994, e em seguida pró-reitor de pesquisa da mesma universidade, até 1998. Na sua exposição, ele demonstrou que o Brasil e São Paulo ainda têm muito o que caminhar para se tornarem verdadeiramente competitivos, mesmo com relação a países como Israel e Coréia do Sul. Mas também citou fatos positivos, como o aumento da formação de doutores e a publicação cada vez maior de papers pelas universidades brasileiras. Brito Cruz é engenheiro eletrônico formado pelo ITA de São José dos Campos, em 1978. Fez mestrado e doutoramento pelo Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp, onde iniciou sua carreira de professor em 1982.

lO

to em São Paulo, um notável desenvolvi-mento da capacidade de fazer ciência. O número de pro­duções científicas originadas do trabalho feito no Brasil publicadas em revistas internacionais praticamente qua­druplicou. Pouco mais que a metade dessa produção é feita no Estado de São Paulo (figura 1).

Ao lado desse aumento na capacidade de se produzir ciência, simultaneamente, houve também um aumento na capacidade de formar pessoas com a qualificação ne­cessária para trabalhar com pesquisa e desenvolvimento. Ou seja, pessoas com conhecimento, que é o objeto do nosso assunto. Estamos formando mais de 4 mil douto­res por ano no Brasil.

É importante registrar que o crescimento dessa capa­cidade deve-se, praticamente, ao esforço do Estado, na es­fera federal e estadual, que fez os investimentos necessá­rios. Podemos, porém, discutir se esses investimentos deveriam ser maiores. Minha conclusão, com base nos dados que vou mostrar a seguir, é a de que os investimen­tos deveriam ser mais intensos.

Na análise da capacitação tecnológica a situação nos é mais desfavorável. É possível dimensionar essa capacidade por meio do número de patentes que o Brasil registra nos Estados Unidos. Em 1996, a soma de todas as patentes ori­ginárias de pessoas do Brasil e lá registradas foi de 56. A soma das originárias da Coréia do Sul, foi de quase 1.500, um número 30 vezes maior. Se olharmos para o tigre, o tênis deles está melhor do que o nosso. As empresas e as in­dústrias sul-coreanas estão mais capazes de gerar e traba­lhar com conhecimento do que as do Brasil.

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No Brasil há alguns mal-entendidos, quando se fala de patentes. Tem-se a impressão de que pesquisa é assunto de universidade. Isso é um equívoco. Pesquisa é assunto de universidade, sim, mas é, talvez muito mais, assunto de em­presa. É um equívoco achar que o Brasil produz poucas pa­tentes porque nossas universidades não fazem e não pri­vilegiam fazer patentes. Vamos considerar o número de universidades nos Estados Unidos e quantas patentes fazem por ano. Tomando o conjunto de todas as universidades dos Estados Unidos, vê-se que há dez universidades respon­sáveis por duas patentes por ano e 25 universidades com 20 patentes por ano.

PE NSAN DO SÃO PAUL O: DESE NVO LVIME N TO E EMPRE G O

outros 99%. É mais ou menos com isso que o Brasil pre­cisa preocupar-se. Por outro lado, na capacitação tecno­lógica nossa participação é muito menor. Países que pro­duzem ciência tanto quanto nós, como Coréia do Sul e Israel, têm situação bem superior na tecnologia.

Os investimentos totais em pesquisa e desenvolvimen­to feitos pelos países são medidos em percentagem do PIB, não em volume. Assim, São Paulo costuma aparecer acima do Brasil. A percentagem do PIB paulista investido em pes­quisa e desenvolvimento é maior do que o percentual bra­sileiro. Se São Paulo fosse um país, estaria situado até um

pouco acima da Espanha. O primeiro destaque é o

seguinte: no ano de 1996, to­mado como exemplo, foram registradas 53 mil patentes nos Estados Unidos. Delas, apenas 1.600, ou seja, 3%, vieram de universidades. Isso mos­tra que o produtor de paten­tes em massa não é a univer­sidade, mas a empresa. O segundo destaque é assina­lar que os números relativos à produção de patentes, mes­mo no sistema universitário norte-americano, são medi-

FIGURA I Quando se fala em investi­mentos totais, porém, soma­se o dinheiro que vem do go­verno com o das empresas. Quando se considera apenas o dinheiro investido pelas in­dústrias, a situação fica di­ferente. Há uma diferença avassaladora entre o que acontece em São Paulo e no Brasil com relação ao resto do mundo. O Brasil investe mui­to menos que os outros países.

Número de artigos científicos cadastrados no Science Citation Index

originados no Brasil de 1980 a 1999

10.000

9.000 8.000 7.000 6.000

5.000 4.000

3.000

-

-

--

--

- • I 2.000

1.000

o •••••••••• I I I I I I I I I I

dos em dezenas. Há poucas universidades que fazem mais do que 100 patentes por ano. Talvez apenas seis instituições estejam nesse caso.

É muito importante ter a noção de que, ao mesmo tem­po em que registra 20 ou 25 patentes, uma universidade pu­blica 3, 4 ou 5 mil papers em um ano. Esses, sim, são o pro­duto mais característico da instituição universitária. Esse destaque é importante para evitar o equívoco de gerar ex­pectativas de que a universidade, além de educar os estu­dantes e fazer ciência, também tem que fazer patentes e inovação tecnológica, resolvendo o problema.

Uma comparação entre os investimentos que as empre­sas de vários países fazem em pesquisa e desenvolvimen­to e o número de patentes que esses países registram nos Estados Unidos mostra uma correlação muito notável. Quanto mais a empresa investe em pesquisa, mais patentes, tecnologia, conhecimento e competitividade consegue.

Além disso, pode-se dizer que um volume de investi­mentos de milhões de dólares corresponde a empregos para milhares de pessoas, porque o maior custo de fazer pesquisa é o salário das pessoas que fazem a pesquisa. O valor dos investimentos, então, pode ser traduzido no nú­mero de pesquisadores que trabalham, no total de assala­riados que geram conhecimento para a empresa.

A presença dos artigos científicos originados no Bra­sil na produção científica mundial é superior a 1%. Com esse 1%, o País consegue educar pessoas capazes de ler os

PESQUISA FAPESP

É novamente a história de que eles estão com o tênis, nós não e o tigre vem atrás.

Essa diferença nos investimentos se traduz diretamente nos locais de trabalho dos cientistas. Uma norma de clas­sificação usada internacionalmente é o local onde estão os cientistas engenheiros. O Brasil tem 60 mil cientistas en­genheiros trabalhando em universidades e 12 mil em ins­titutos de pesquisa, como o Instituto Agronômico, o IPT e o INPA da Amazônia. Os que trabalham para empresas são talvez 9 mil. Em São Paulo, são perto de 4 mil.

A fração de pesquisadores trabalhando para empresas no Brasil é extremamente baixa. Nos Estados Unidos, a relação é inversa. Enquanto no Brasil 11% dos cientistas engenheiros trabalham em empresas, nos Estados Unidos a participação chega a 80%. Esse percentual vai contra a opinião comum de quem pensa em ciência e tecnologia no Brasil. Ele mostra que considerar ciência e tecnologia como assunto de universidade é um vício. Como se pode ver no caso dos Estados Unidos, o papel principal das uni­versidades é educar e formar as 800 mil pessoas que vão fazer as empresas americanas serem competitivas.

Essa distribuição é bastante desfavorável para o Brasil. Os Estados Unidos têm um milhão de cientistas enge­nheiros. Às vezes, as pessoas pensam: "É demais. Não é possível que haja lugar para caber mais". Não é o caso. Uma notícia publicada na revista Science, em agosto de 1998, se referia a reclamações de que o Congresso norte­americano saiu de férias sem votar assuntos considerados

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PENSANDO SAO PAU LO: DESENVO LVIMENTO E E M PREGO

importantes. Um desses assuntos era uma autorização para aumentar o número de vistos de entrada que os Es­tados Unidos concediam anualmente para cientistas en­genheiros estrangeiros. Estava sendo solicitado um au­mento de 65 mil vistos para 115 mil.

Lembrem-se que o número de cientistas engenheiros que mostrei para o Brasil era próximo a 77 mil. Os Esta­dos Unidos estavam discutindo a admissão, por ano, de duas vezes mais do que isso, ou seja, dois Brasis em termo de ciência e tecnologia. Um destaque que precisa ser fei­to é que quem estava solicitando esses cientistas não eram

é uma parte da solução, mas não pode ser a solução intei­ra, porque não é possível assumir, a partir dos dados exis­tentes, que a universidade possa ser o único responsável por gerar desenvolvimento tecnológico numa nação.

Quem está perto do desenvolvimento tecnológico é a empresa. Em todos os lugares do mundo, isso é tarefa cen­tral da empresa, embora a universidade possa contribuir bastante. Digo que a universidade não pode resolver esse problema completamente com base em dados que sere­ferem, novamente, ao caso dos Estados Unidos e ao que de­nomino o mito do investimento privado na universidade.

No Brasil, existe o costu­as universidade nem os ins­titutos de pesquisa dos Esta­dos Unidos, mas o lobby das empresas. São elas que pre­cisam desses 115 mil cientis­tas engenheiros para funcio­narem, serem competitivas e ganharem espaço.

FIGURA 2 me de dizer que os pesquisa­dores não querem buscar a empresa e deveriam fazer como nos Estados Unidos, onde todas as pesquisas das universidades são financia­das pelas empresas. Os da­dos mostram que isso não é verdade. Os números refe­rentes a 1994 indicam que nesse ano foram assinados contratos no valor total de US$ 21 bilhões para a reali­zação de projetos de pesqui­sa em todas as universidades

Número de cientistas na empresa, na universidade e em institutos de pesqusia

no Brasil e na Coréia do Sul

Talvez seja exagero fazer uma comparação com os Es­tados Unidos. Mas, mesmo quando fazemos uma corre­lação com a Coréia do Sul, a situação é bastante desfavo­rável para o Brasil. No País, há 9 mil cientistas engenhei-ros nas empresas. Na Coréia

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Brasil

do Sul, são 75 mil (figura 2) . Novamente, se fizermos aquele exercício esquisito de imaginar São Paulo como um país, com população mais ou menos semelhante à da Coréia do Sul, veremos que a quantidade de cientistas en­genheiros trabalhando em atividade de pesquisa e desen­volvimento em São Paulo é insuficiente para competir com um país como a Coréia do Sul.

Como, assim, a empresa vai conseguir gerar conheci­mento para ser competitiva? Uma distorção do sistema de ciência e tecnologia brasileiro e, também, do sistema paulista, é o fato de o número de cientistas engenheiros nas empresas ser extremamente reduzido. Esse talvez seja o principal problema da ciência e tecnologia no Brasil. Empresas geram riquezas. No Brasil, somos capazes de fa­zer ciência, mas não de converter ciência em riqueza.

O contribuinte que está pagando impostos começa cada vez mais a questionar, preocupado, porque está dan­do dinheiro e quer ver algum benefício, que não seja ape­nas aumento do conhecimento para a humanidade. Ele quer emprego, quer uma vida melhor e que seus filhos te­nham mais oportunidades. Existe no Brasil uma situação na qual a ciência tem avançado, mas a competitividade da empresa avança muito menos.

Quando se faz essa afirmação, geralmente aparece al­guém dizendo que a solução é fazer a universidade inte­ragir com a empresa para gerar tecnologia. Creio que isso

12

• Empresas O Universidades

Coréia

do país. Desse total, US$ 1,4 bilhão, ou 6,8%, correspondiam a contratos com empresas. Ou seja, a participação das empresas foi inferior a 7%.

A maior parte dos financiamentos veio do governo fe­deral, com US$ 14 bilhões, dois terços do total. Além dis­so, uma parte apreciável veio dos fundos institucionais das próprias úniversidades. Na contabilidade norte-ame­ricana, o dinheiro de uma universidade pública, como a Universidade da Califórnia, é da própria universidade, não do Estado da Califórnia. Assim, os fundos institucio­nais são compostos em boa parte de dinheiro dos gover­nos locais, estadual e, às vezes, municipal.

É uma ilusão a que existe no Brasil de que os contra­tos com empresas sustentam a pesquisa nas universida­des norte-americanas. Na maioria dos casos, a proporção fica entre 4% e 5%. São números semelhantes aos que existem hoje na Unicamp, na USP, na Universidade Fede­ral de Santa Catarina. Nessas universidades, a proporção está entre 2% e 6%, dependendo da maneira como se faz a conta. A interação da universidade com a empresa, em­bora seja extremamente importante, é limitada a esses 7%, no caso dos Estados Unidos.

Por outro lado, esses 7% podem parecer pouco mas não são. São ainda mais importantes porque esses contratos permitem que as universidades eduquem seus estudantes num ambiente no qual existe uma convivência com a'em­presa, onde vão aprender que pesquisa, ciência e tecnologia

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não são aquelas coisas de torre de marfim, mas têm aspec­tos práticos do dia-a-dia.

Outro fator importante é o representado pelos tra­ços culturais. Eles existem, embora hoje em dia estejam mais fracos. Há 10 anos, era considerado pecaminoso, numa universidade como a USP ou a Unicamp, dizer que iria ser feito um convênio com uma empresa. Hoje em dia, é uma coisa até propagandeada. Mas ainda exis­tem barreiras. Um exemplo interessante desses obstácu­los é uma lei estadual que proíbe as universidades públi­cas de fazerem convênios com empresas que pertençam a pessoas que já foram funcioná-rios públicos. Assim, se um profes-

PENSANDO SÃO PAULO: DESENVO LV I MENTO E EMPREGO

Isso leva à questão da diferença, do tipo de pesquisa que se adapta melhor à universidade. Provavelmente, é a pesquisa de natureza mais básica, embora haja espaço para outras atividades e para o tipo de pesquisas mais ne­cessário para a empresa, que é o desenvolvimento tecno­lógico e a pesquisa aplicada.

Em 1991, o professor Edward Mansfield fez uma pes­quisa em empresas norte-americanas com a pergunta: de onde vem o conhecimento para se fazer a inovação? As em­presas responderam que, em cada 10 vezes, nove vezes ele vinha de dentro da empresa ou dos fornecedores e uma

vez da universidade. Outra pesqui­sa, feita em 1996, chegou à mesma

sor da Unicamp ou da USP, de­pois de aposentado, abrir uma empresa de alta tecnologia, não poderá por lei fazer um convênio com a Unicamp ou a USP.

Há ainda alguns fatores que di­zem respeito à natureza das insti­tuições. Há coisas que não podem ser mudadas, pois a troca ou vai estragar a empresa ou a universi­dade. São instituições com mis­sões e objetivos diferentes. Não se

''Empresa e universidade são

instituições com m1ssoes

conclusão. No Brasil, a Confedera­ção Nacional das Indústrias fez tam­bém uma pesquisa e chegou exa­tamente à mesma conclusão. Ou seja, a maior parte do conhecimen­to que a empresa precisa vem da pró­pria empresa e de seus fornecedores e clientes. Se pensarmos sobre isso, veremos que é uma coisa total­mente natural, pois são essas pes­soas que estão perto do produto.

e objetivos diferentes''

pode querer integrar uma na ou-tra. Um desses aspectos é a questão do sigilo. Ele é impor­tantíssimo para a empresa. Para a universidade, não é tão importante assim. Aliás, para a universidade, há ocasiões em que ele até atrapalha, pois o projeto da pesquisa na universidade precisa ser um projeto que sirva para ensi­nar um estudante.

Não se pode dizer a um estudante que ele será obri­gado a atrasar a sua tese por mais três anos, porque a em­presa que contratou o projeto está pedindo esse prazo para ter vantagens sobre o competidor. Esse estudante estará com a carreira arruinada se não puder publicar seus papers, ir a conferências, preparar teses. De qualquer maneira, é um problema que pode ser resolvido. Apren­di no MIT que a cláusula de sigilo é, para o instituto, motivo de rompimento da discussão. O MIT pára de conversar com a empresa na mesma hora, se a empresa disser que quer colocar uma cláusula de sigilo no convê­nio. Mas, como me explicaram, sempre se consegue pre­parar os contratos e seus termos de tal maneira que essa cláusula não é necessária.

Outra questão é o tempo disponível para a realização da pesquisa. Tem a ver com a diferença que é pesquisar ensinando. Não se pode perder de vista que o papel fun­damental da universidade é educar, formar pessoas. Fazer uma pesquisa ensinando estudantes é completamente di­ferente de fazer uma pesquisa para ser encerrada da ma­neira mais rápida, para colocar o produto no mercado ou atender a pedidos do departamento de reclamações.

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Em conclusão, o que eu quis des­tacar aqui foram os seguintes pontos:

a. Existe em São Paulo uma enorme capacidade para a geração de ciência, instalada em nossas melhores uni­versidades.

b. A pequena quantidade de cientistas e engenheiros fa­zendo atividades de P&D como empregados de em­presas compromete a capacidade da empresa em São Paulo de gerar inovação tecnológica.

c. No Sistema Estadual de C&T é preciso reconhecer que cada organização tem missões diversas e comple­mentares.

d. A universidade é primariamente responsável pela edu­cação, e só poderá fazê-lo bem ao desenvolver ativida­des de pesquisa científica e tecnológica.

e. Para que haja desenvolvimento econômico é impres­cindível que a empresa seja o ator principal na ativi­dade de inovação tecnológica. Há, hoje, importantes razões porque ela não pode fazer isto eficazmente: ju­ros altos, instabilidade e carga tributária.

f. A colaboração universidade-empresa é desejável co­mo instrumento para melhorar a educação que a universidade faz e para trazer a cultura da pesquisa para dentro da empresa. Mas só pode haver estaco­laboração quando a empresa tem suas próprias ativi­dades de P&D. A Fapesp tem dado contribuição destacada a todos os

objetivos destacados acima e convido o leitor a conhecer mais sobre os programas da Fundação em nossa home­page em http:/ /www.fapesp.br.

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Page 73: Dieta indigesta

Política governatnental e o autnento do desetnprego

Asituação do desemprego poderia não estar tão séria se o País estivesse passando

por uma fase de expansão econômica, afirma o coordenador de Produção Técnica do Departamento lntersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-econômicas (Dieese), Antônio José Corrêa do Prado. Ele lembra que Estados Unidos e Europa também passaram por uma fase de profundas modificações tecnológicas

Em 1997, o Departamento Intersin­dical de Estudos e Estatísticas Sócio­econômicas (Dieese), iniciou uma pes­quisa sobre as relações entre o emprego e o desenvolvimento tecnológico, com o apoio do Conselho Nacional de Desen­volvimento Científico e Tecnológico (CNPq). No momento em que essa pes­quisa se iniciava, ocorria um debate sig­nificativo no Brasil sobre a questão do desemprego.

Até o final de pezembro de 1996, o País passou por uma situação bastante curiosa. Oficialmente, o governo federal dizia que o Brasil não tinha problemas de desemprego e a taxa de desemprego era próxima da dos Estados Unidos.

no período que se seguiu ao fim da Segunda Guerra Mundial.

Antônio José Corrêa do Prado A partir de 1997, porém, até mesmo a

Mas uma soma de crescimento econômico com políticas governamentais manteve o índice de emprego em níveis adequados e levou até a uma melhor distribuição da renda. Prado combina seu trabalho no Dieese, onde é membro da direção técnica e economista sênior, com o papel de professor do Departamento de Economia e de professor e coordenador técnico do curso de especialização em Economia e Gestão das Relações de Trabalho da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Ele é formado em Economia pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP) e tem mestrado em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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taxa de desemprego oficial, calculada pelo IBGE, apresentou um salto significativo. A questão do desemprego tornou-se ainda mais candente. Essa pesquisa do Dieese, assim, ficou bastante condicionada pela conjuntura do desemprego.

O Brasil tem hoje uma taxa de desemprego que é praticamente o triplo da que existia em dezembro de 1989. A taxa na Região Metropolitana de São Paulo está entre 19 e 20% e vem flutuando nesse patamar. Em de­zembro de 1~89, a taxa na mesma região era de 6,7%. Assim, o desemprego na capital de São Paulo triplicou na década de 1990.

A busca das causas desse aumento na taxa de desem­prego levou ao desenvolvimento de uma das linhas do projeto, que procurou verificar os efeitos do desenvolvi­mento tecnológico sobre o emprego. No debate que vem ocorrendo a partir de 1997, é muito comum atri­buir o desemprego a causas estruturais amplas, como, por exemplo, a questão da globalização e as mudanças estruturais do ponto de vista tecnológico e organizacio­nal. A pesquisa do Dieese procurou investigar as dimen­sões reais desses fatores.

O primeiro passo foi o de tentar verificar, a partir da análise das séries das taxas de desemprego da Região Me­tropolitana de São Paulo, se o comportamento dessas sé­ries era coerente com o que seria esperado da mudança na taxa de desemprego provocada por razões estruturais.

Verificamos que, de janeiro de 1990 a 1999, a taxa de desemprego cresceu continuamente, mas com uma ca­racterística muito específica. Em determinados momen-

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Page 74: Dieta indigesta

I

tos, apresentava saltos nos seus patamares. Ou seja, não se verificou um crescimento acelerado contínuo em todo o período, mas uma série de saltos concentrados no tempo.

Essa característica do comportamento da série impe­de que o crescimento do desemprego seja associado di­retamente a mudanças estruturais. As mudanças estru­turais ocorrem no decorrer do tempo de forma lenta e não ficam concentradas em períodos curtos. Assim, não se pode associar os saltos nas taxas de desemprego no Brasil a mudanças estruturais, sejam elas relacionadas à abertura da economia brasileira a partir de 1990, a mu­danças tecnológicas ou a inova-ções organizacionais.

PENSANDO SÃO PAU LO: DESENVO LV I MENTO E EMPREGO

Tailândia, Coréia e Malásia. A política adotada pelo go­verno foi outra vez a de fazer um choque de juros e con­ter o crédito e a economia, como forma de manter as re­servas internacionais e interromper a fuga de capitais. Ou seja, o choque foi usado como forma de defesa de uma moeda sobrevalorizada.

Em 1998, depois da moratória russa, o mesmo expe­diente foi utilizado a partir de novembro, com a diferen­ça de que, dessa vez, não funcionou. Mas essa é uma outra dimensão da análise. O importante para o problema do desemprego é que a partir de novembro de 1998 foi ado-

tado outro choque de juros e ele está claramente associado à mu­

Por outro lado, esses saltos podem ser associados, claramen­te, à gestão da política econômica no período. Comecemos por 1992. Nesse ano, a taxa de desem­prego médio na Região Metropo­litana de São Paulo teve um salto de cerca de 40%. Ela saiu de 10 o/o para chegar a 14%.

''os saltos podem ser associados

claramente

dança do patamar da taxa de de­semprego, de 18 para 20%.

Esse elemento mais conjuntu­ral de gestão da política econômi­ca explica os saltos muito concen­trados da taxa de desemprego em determinados períodos de tempo. Esses saltos ocorrem em períodos curtos, de seis meses a um ano.

à gestão

Em 1995 e 1996, a taxa, que havia recuado alguns pontos, du­rante o período inicial da chama-

da política econômica'' Isso não significa, de forma al­

guma, que não exista também um elemento de natureza estrutural para explicar o comportamento da fase expansiva do Plano Real,

voltou a se acelerar, até atingir o patamar de 16% em 1996. Em 1997, saltou novamente, de 16 para 18%, e, em 1998, chegou a 20%.

Em 1992, 1995, 1997 e 1998, a economia brasileira experimentou os choques de juros. Os choques de juros foram usados pela primeira vez como abordagem da política econômica em 1992, pelo então ministro Mar­cílio Marques Moreira. Seu objetivo era atrair capitais internacionais tipicamente especulativos para reforçar as reservas internacionais do País e tentar conter o pro­cesso de desestruturação que se verificava naquele mo­mento de crise política na economia brasileira. Inaugu­rou, porém, um padrão de intervenção na política econômica que consiste em utilizar os choques de juros como mecanismo para ampliar as reservas internacio­nais e, de alguma forma, defender a moeda.

Em 1995, após alguns meses de Plano Real, ocorreu um evento semelhante, em termos de abordagem de po­lítica econômica. Em dezembro de 1994, com a quebra do México, o País experimentou uma grande fuga nas reservas cambiais. Então, a partir de março e abril de 1995, houve uma mudança na política cambial, princi­palmente na política monetária e de crédito. O Brasil passou por um novo choque de juros, que foi aprofun­dado no segundo semestre de 1995. Isso explica a mu­dança de patamar da taxa de desemprego.

A partir de outubro de 1997, novamente ocorreu o processo, após a quebra dos tigres asiáticos, Hong Kong,

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da série de desemprego ao longo do tempo. A primeira indicação disso decorre de um questionamento muito simples. Se os choques de juros explicam os saltos na taxa de desemprego, por que, quando o choque de juros é revertido, a taxa de desemprego não volta para trás?

É aí que se pode associar esse elemento conjuntural da gestão da política econômica ao elemento de nature­za estrutural..

Basicamente, a idéia é a seguinte: a partir de 1994, em cada momento em que houve uma atuação no sen­tido de defender a moeda sobrevalorizada por meio de um choque de juros, era emitida uma sinalização para o setor privado de que a moeda se manteria sobrevalori­zada por mais um determinado tempo. Portanto, ao se­tor privado cabia aproveitar a oportunidade desse pe­ríodo, em que as importações estariam relativamente mais baratas, por conta da moeda sobrevalorizada, para ampliar as compras no exterior, tanto de insumos como de máquinas e equipamentos.

Esse tipo de mecanismo ajudou a acelerar, em deter­minados momentos, o processo de reposição e moder~ nização dos equipamentos que fazem parte da estrutura produtiva brasileira. Existe uma relação entre os dois fe­nômenos. Ao adotar uma política econômica para apoiar a moeda sobrevalorizada, o governo sinaliza, com isso, que haverá mais um período de tempo para as empresas continuarem seu processo de modernização, com um câmbio altamente favorável.

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Page 75: Dieta indigesta

PENSANDO SAO PAULO: DESENVOLVIMENTO E EMPREGO

Um segundo indicador usado para verificar essa ques­tão mais estrutural foi a comparação entre dois períodos de crescimento da economia brasileira na história recen­te. Um é o período do Plano Cruzado, de 1986 e 1987, e outro o período expansivo do Plano Real, em 1994 e 1995. Para essa análise, o período do Plano Real foi divi­dido em duas fases, uma expansiva e a outra recessiva.

Na fase expansiva do Plano Real, nos dois anos conse­cutivos de 1994 e 1995, o Brasil teve um crescimento de cerca de 10% do PIB, tanto no âmbito nacional quanto no Estado de São Paulo. Em 1986 e 1987, ocorreu ames­ma coisa. O País e o Estado tive-ram um crescimento semelhante,

mercado de trabalho como um todo. Oque vai deter­minar se essa mudança tecnológica e organizacional resulta em desemprego líquido no mercado de traba­lho como um todo é basicamente a taxa de cres­cimento da economia.

Neste momento, o Brasil passa por uma mudança tecnológica dentro de limites estreitos. A taxa de inves­timento está em cerca de 18% do PIB. Na década de 70, essa taxa era de 24%. O Brasil está muito longe de taxas de investimento que impliquem mudanças tecnológicas significativas. Hoje, o padrão de mudança tecnológica

continua a ser mais seletivo. Não é tão abrangente como se houves­

de 10% do PIB. É interessante associar a taxa

de crescimento do PIB à do cresci­mento da ocupação e à taxa de queda no desemprego nos dois períodos. No biênio 1986-1987, para um crescimento de 10% no PIB, houve um crescimento da ocupação na Região Metropolita­na de São Paulo também de 10%. Portanto, ocorreu uma relação de um para um no que se referia à

''A capacidade de o crescimento

do PIB gerar postos de

trabalho caiu pela metade''

se, novamente, uma taxa de in­vestimento de 24%.

Mas, nas circunstâncias atuais, em que a mudança tecnológica se soma à recessão, o resultado lí­quido, infelizmente, é de desem­prego tecnológico. Esse ponto deve ser destacado porque se tor­na necessária outra abordagem de política económica, uma abor­dagem capaz de permitir que a

sensibilidade da ocupação ao cres-cimento do PIB. A taxa de desemprego, conseqüente­mente, caiu nesse período.

Em 1994 e 1995, porém, isso não ocorreu. Para uma taxa de crescimento do PIB de 10%, o crescimento da ocupação ficou em torno de 5%. Ou seja, a sensibilida­de da ocupação ao crescimento do PIB caiu pela meta­de. A taxa de desemprego não diminuiu 20%, como ocorreu no Plano Cruzado, mas sim 9%.

Certamente, essa diminuição, tanto no coeficiente que relaciona o crescimento do PIB com o da ocupação, como no coeficiente que relaciona o crescimento do PIB com a queda na taxa de desemprego, é resultante de mu­danças estruturais e não de abordagens ou da forma de gestão da política económica. Significa que houve uma perda bastante significativa. Caiu pela metade a capaci­dade de o crescimento do PIB gerar postos de trabalho e reduzir a taxa de desemprego.

O debate sobre a relação entre o desemprego e tec­nologia é bastante estimulante, mas o problema do Bra­sil, neste momento, é o de que o crescimento da produ­tividade industrial e o processo de mudança tecnológica organizacional ocorrem em um contexto macroeconô­mico completamente adverso do ponto de vista da gera­ção de postos de trabalho.

Sob a ótica do desemprego tecnológico, as mudan­ças tecnológicas e organizacionais, com freqüência, implicam a ampliação do desemprego em níveis seta­riais. Mas isso não é verdade, necessariamente, para o

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mudança tecnológica ocorra ge­rando ganhos do ponto de vista

social. Na abordagem que existe hoje no Brasil, a soma da mudança tecnológica com o processo recessivo gera desemprego.

Com uma política econômica expansiva, seria com­pletamente viável a realocação dos trabalhadores demi­tidos em determinados setores, nos quais o processo de mudança é mais acelerado do que em outros, para áreas menos atingidas.

Um aspecto muito interessante do caso e que vale a pena ser lembrado é o período de quase 30 anos de crescimento econômico que Europa e Estados Unidos experimentaram no pós-guerra. Nesse período, ocor­reram mudanças tecnológicas significativas. Elas, po­rém, tiveram lugar num período de crescimento eco­nômico e foram acompanhadas pela estruturação de mecanismos macroeconômicos institucionais. Isso permitiu que a mudança tecnológica e o aumento de produtividade fossem realimentando o processo de crescimento, gerando aumento de emprego e melhor distribuição de renda.

Uma política de inovação tecnológica, de ampliação da geração e adoção de novas tecnologias para as em­presas, teria um enquadramento mais adequado se fos­se considerada dentro de um contexto de política eco­nômica mais geral, capaz de permitir que os aumentos de produtividade sejam transformados, de fato, em ga­nhos efetivos de bem-estar para os trabalhadores e para a sociedade em geral.

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