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    Revista Crtica de CinciasSociais92 (2011)

    Nmero no temtico

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    Carlos A. Gadea

    A violncia e as experincias coletivasde conflito

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    Aviso

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    Referncia eletrnicaCarlos A. Gadea, A violncia e as experincias coletivas de conflito , Revista Crtica de Cincias Sociais[Online],92 | 2011, posto online no dia 01 Novembro 2012, consultado o 30 Janeiro 2013. URL : http://rccs.revues.org/3980

    Editor: Centro de Estudos Sociaishttp://rccs.revues.orghttp://www.revues.org

    Documento acessvel online em: http://rccs.revues.org/3980Este documento o fac-smile da edio em papel. CES

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    Revista Crtica de Cincias Sociais,92, Maro 2011: 75-98

    CARLOS A. GADEA

    A violncia e as experincias coletivas de conflito*

    As mobilizaes coletivas emergentes, os distrbios urbanos e as concentraesespontneas parecem indicar que o cenrio do conflito social e o sentido da violnciaque as acompanham adquirem dimenses diferentes na atualidade. Neste contexto,o presente trabalho procura analisar os eventuais nexos existentes entre a violncia e

    as aqui denominadas experincias coletivas de conflito. Valendo-se das discusses sobreviolncia, conflito, aes coletivas e definio de uma situao, a proposta pensarat que ponto a violncia parece constituir-se em um ingrediente muito importantena construo do sentido social das aes coletivas contemporneas, bem como noestabelecimento de um cenrio de conflituosidade social preciso e localizvel.

    Palavras-chave:experincias de conflito, conflitos urbanos, conflitos sociais, conflitoscolectivos de trabalho, violncia, ao coletiva, movimentos sociais.

    No presente trabalho, procura-se analisar os eventuais nexos existentes entrea violncia e as aqui denominadas experincias coletivas de conflito. Para isso,alguns debates lhe devem preceder, como, por exemplo, aquele que exploraa necessidade de realizar uma substituio, no meramente semntica, doconceito de movimento social por uma nomenclatura considerada menosrgida e que aspira a compreender as dinmicas de mobilizao e protestosatuais: as experincias coletivas de conflito.

    Apesar de a eventual relao entre violncia e movimento social ter sidoobjeto de anlise recorrente nas cincias humanas (Sorel, 1993;1Touraine,1989; Tilly, 1995; Wieviorka, 2006), foi percebida, na maioria das ocasies,como uma relao um tanto irrelevante, no sentido de que no aportaria traossignificativos para a descrio das transformaes polticas e culturais das lti-mas dcadas. No obstante, e de maneira perceptivelmente crescente, faz-seimprescindvel a anlise desta dupla conceitual, medida que as mobilizaesemergentes, os distrbios urbanos coletivos e as concentraes espontneas

    * Agradeo ao Srgio Costa (Freie Universitt Berlin) os comentrios iniciais primeira versodesse texto.1 Faz-se referncia aReflexes sobre violncia numa primeira publicao de 1906.

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    no parecem ser indicadores de um simples processo de gestao de movi-mentos sociais, mas sim de movimentos em si mesmos ou, melhor dito, deexperincias coletivas de conflito. O que aqui se procurar observar e analisar

    se refere a esta transformao no cenrio do conflito, como tambm na pr-pria abordagem da forma como representada a violncia na atualidade. Istose vincula com algumas iniciais constataes significativas: primeiramente, auma limitada ampliao e consolidao do desafio poltico e cultural realizadopelos novos movimentos sociais (Evers, 1984; Riechmann e Buey, 1994) emtorno, fundamentalmente, da superao do marco institucional de ao;e, por outro lado, a uma reduzida capacidade das mudanas realizadas naestrutura de oportunidades polticas (Tarrow, 1997) dos ltimos tempospara criar incentivos participao e expresso poltica e social em geral.

    Muitos lcidos intelectuais manifestariam o seu descontentamento frentea esta dupla constatao, principalmente quando entendem que, de fato, omarco institucional tem-se dilatado significativamente nos ltimos vinteanos. No obstante, o carter frgil (poltico e simblico) das prticas sociaisque empiricamente amparariam o dito descontentamento deve ser levado asrio ao tratar o tema aqui abordado. Sendo assim, sem o horizonte da insti-tucionalidade, to importante nas anlises das aes coletivas mais clssicas,2e sem a ampliao efetiva das oportunidades de expresso poltica e cultural,

    emergem novos problemas e desafios, nos quais a ao coletiva contenciosa(ibidem: 19) parece traduzir-se em experincias coletivas de conflitosob a lin-guagem da violncia. Por isso, a violncia uma velha resposta para um velhodesafio? , to-somente, uma reao espontnea a diversos mecanismos insti-tucionais, alm de pouco expressiva poltica e culturalmente? At que pontoa violncia um dado da realidade em absoluto abstrato e faz referncia definio de uma situao de conflituosidade? Para poder abordar estasinterrogaes, refletir-se- inicialmente sobre trs eixos conceituais: a defi-nio de uma situao, a representao da violncia associada a experinciascoletivas de conflitoe o sentido e significado que elas assumem enquanto tais.

    O primeiro eixo conceitual se nutrir das clssicas contribuies deWilliam I. Thomas (2005), no sentido de contribuir para uma reflexo quecoloque as representaes sobre a violncia como o resultado de uma defini-o de uma situao social especfica, estruturadora de experincias coletivasde conflito. Nesse sentido, pode -se perceber que se prev certo pragma-tismo filosfico na base dessa reflexo, algo a ser considerado de grandeimportncia, pois o argumento central aqui considerar essas experincias

    como inerentes ao estabelecimento de cenrios de conflito e de definies

    2 Ver a interessante crtica realizada por Riechmann e Buey (1994: 47-102).

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    de situaes de conflituosidade claros e precisos. O segundo eixo de anlisesvem argumentar acerca da necessidade de reavaliar se, no contexto atual,no seria inevitvel pensar-se em substituir, para algumas situaes empricas

    concretas, o conceito movimento social pelo que aqui se define como expe-rincias coletivas de conflito. O carter espontneo e at de escassa ou nulaarticulao mobilizatria, somando-se utilizao da violncia como meca-nismo de expresso, pareceria sugerir que no nos enfrentamos, de formaevidente, a movimentos sociais e sim a aes coletivas que precisam ser res-semantizadas luz das mudanas polticas e socioculturais contemporneas.Assim, torna-se importante pensar como compreender aes coletivas quesob a linguagem da violncia adquirem visibilidade e, fundamentalmente,conseguem estabelecer um cenrio de conflito preciso e estvel. Tudo parece

    indicar que h um evidente deslocamento no objeto a ser analisado: no mais compreendendo o movimento social que saberemos frente a que defi-nies de situaes de conflituosidade nos deparamos, mas sim conhecendomais sobre a forma do estabelecimento de cenrios de conflituosidade quese poder compreender o sentido de uma experincia coletiva de conflito.

    O argumento central evidenciar como a violncia no deve ser negli-genciada na hora de analisar o sentido e o significado das aes coletivascontemporneas, j que a partir da sua expressividade que se percebe o

    estabelecimento de uma situao de conflito que constituir eventuaisexperincias coletivas de conflito. As contribuies das anlises de autorescomo Sidney Tarrow (1997), Alain Touraine (1997; 2006a; 2006b) e MichelWieviorka (2006) sero centrais no desenvolvimento dos argumentos aquiapresentados. O objetivo deste texto manifestar a importncia por ampliaruma definio de ao coletiva que contemple o seu contedo contingente,imprevisvel e desarticulado, fatores que conduzem a ensaiar definir umconceito mais abrangente. Para ilustrar essa idia, considerar-se- um breveexemplo sobre as manifestaes de protesto na cidade de Montevidu aps avisita cidade do outrora presidente dos Estados Unidos, George W. Bush,manifestaes em que a violncia pareceu tomar centralidade na forma eno prprio contedo dessas manifestaes.

    Questes de discusso

    A situao

    William I. Thomas (1863-1947), um dos principais representantes da

    Escola de Chicago, afirmava que a partir da definio de uma situaodada por um determinado indivduo ou grupo social se ver condicionadaa realidade vivenciada por esse indivduo ou grupo. Isto quer dizer que,

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    se os indivduos ou grupos sociais definem uma situao como real, essasituao real nas suas conseqncias. O sentido subjetivo de um grupoe o sentido que um grupo tem para seus membros , desta maneira, no

    s entendvel nos termos de um sentimento de integrao ou comunidadede interesses, mas tambm nos termos de um sistema comum de tipifi-caes e significados (Schtz, 1962). Sem dvida, isto representa consi-derar um processo de evoluo dinmico dos diferentes repertrios designificados subjetivos, na medida em que sempre os indivduos fazemparte de diversos grupos sociais. Tal qual Simmel (1977) tinha assinalado,cada indivduo est situado na interseo de vrios crculos sociais, quesero tanto mais numerosos quanto mais diferenciada for a personalidadedo indivduo. Isto se deve, fundamentalmente, a que aquilo que outorga

    singularidade personalidade precisamente o que no pode ser com-partilhado com os outros.

    A idia de definio de uma situao proposta por Thomas (2005) pres-supe que previamente a todo o comportamento autodeterminado existe umestado de deliberao. Afirma que no slo los actos concretos dependende la definicin de la situacin, sino que gradualmente toda poltica de vidao la personalidad del individuo mismo provienen de una serie de defini-ciones de este estilo (ibidem: 28). Quer dizer que, nesse aparente carter

    reflexivo prprio do estado de deliberao, o indivduo tem conscinciade si mesmo e tambm da sua pertena a uma comunidade (Mead, 1982).Thomas, assim mesmo, adverte que sempre se apresenta uma rivalidadeentre as definies espontneas da situao feitas por um indivduo e asdefinies que a sociedade lhe tem proporcionado. Assim, resulta evidenteo carter ambivalente deste estado de deliberao, na medida em que asociedade organizada, na sua dinmica reguladora, faz-se presente atra-vs de outrasdefinies da situao previamente existentes ao processode interiorizao pelos indivduos dos dispositivos normativos de ao.Um exemplo pode estar nas crianas, que nascem dentro de um grupo depessoas para as quais todos os tipos gerais de situao que possam surgir jforam definidos, tendo-se desenvolvido as correspondentes leis de conduta.Assim, para alm de a criana aparecer contida em situaes j defini-das, aparentemente e de forma fundamental ela no tem a possibilidade derealizar as suas prprias definies nem de continuar os seus desejos seminterferncia (ibidem). Pode-se questionar, desta forma, se os seus desejosno seriam tambm condicionados a prioripelo universo do discurso, mas

    esse aspecto no est em questo aqui. O relevante considerar que, atravsdas suas anlises, possvel compreender a existncia de uma diversidade deagentes definidores e que, no seu entrecruzamento, o prprio indivduo

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    ter uma experincia coletiva particular e uma definio de uma situaoque o incluir numa comunidade tambm particular.

    O carter ambivalente desta idia proposta por Thomas teria um interes-

    sante desdobramento nas anlises da institucionalizao e do controle socialelaboradas por Berger e Luckmann (2001). Mas percebe-se a originalidadede Thomas quando, justamente, procura descobrir o local desse controlesocial, afirmando que a comunidade quem regula o comportamento dosseus membros em grande medida falando sobre eles (Thomas, 2005: 30).Por isso, o elemento funcional desta ao decisivo, no sentido de que uma maneira de definir uma situao em um dado caso e de atribuir, conse-qentemente, determinadas valoraes aos membros de uma comunidade.Em grandes linhas, falando sobre seus membros, a comunidade vive um

    processo de organizao muito poderoso, em que fixa o status de um indi-vduo ou grupo. O ato de falar se torna numa fora organizadora, quenomeia, valoriza e, conseqentemente, estabelece limitaes entre o que possvel e o que no .

    Chega-se, assim, a pensar que, ao se falar de violncia, faz-se referncia definio de uma situao. Parece simples tal enunciado, mas resultaimprescindvel no esquec-lo quando uma s palavra pode definir situa-es muito diferentes. Se a comunidade ao falar organiza e exerce nveis

    diversos de controle, a definio de uma situao de violncia denotaalguns problemas na ordem da prpria regulao social, tal qual poderia sesupor na linha do pensamento de Thomas. Neste sentido, a definio deuma situao de violncia por parte de indivduos ou grupos caracterizauma situao social na qual os envolvidos se apresentam pouco integra-dos aos mecanismos de regulao impessoais, ao aparecer submersos emrelaes que, ao serem inevitveis (por sobrevivncia imediata), se tornampesadas. As experincias coletivas de conflitodefinem uma situao de vio-lncia quando a comunidade j nem sequer parece falar mais sobre os queestariam envolvidos nelas. Mas ser que o que pareceria estar na motivaodessas experincias simplesmente uma definio de uma situaode violncia? No estaria, antes, no estabelecimento de um repertrio deantagonismos sociais em torno de experincias contrastadas de uma prviaconstruo da realidade social?

    A violncia

    Ao se tratar o fenmeno da violncia, a referncia aos crculos sociais sim-

    melianos parece remeter a uma preocupao com uma ordem de significaoimportante que lhe tem sido atribuda, fundamentalmente, desde os anos 60.Claro est que a violncia fez parte de uma preocupao consolidada em

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    vrios momentos histricos da vida social, como muito bem o manifesta oestudo j clssico de Georges Sorel (1993), ao associar greve poltica coma violncia nos conflitos prprios do sculo XIX. Por exemplo, no Apn-

    dice II: apologia da violncia (1908), da citada obra, Sorel vai manifestar:Hoje, no hesito em declarar que o socialismo no pode subsistir semuma apologia da violncia (237). O importante a destacar nestas reflexes uma definio de violncia que no parece dissociada de um aparentesentido poltico, fazendo parte de um contexto histrico em que ora seempregam os termos fora e violncia como referncia aos atos da autori-dade, ora com referncia aos atos de revolta (ibidem: 146). Tratando-sede uma definio de violncia de carter estritamente poltico, o atorou sujeito da histria aparece redefinido a partir de relaes sociais que

    permitem luta de classes se erguer como o contexto de uma dinmica deconflituosidade precisa.

    Em todo caso, pode-se considerar que surgiu,durante os anos 60, umaverdadeira diversidade de representaes sobre a violncia, luz doaparecimento, por exemplo, de particulares mobilizaes sociais, polti-cas e culturais. Assim, compreende-se que a alta ordem de significaoque a violncia passa a obter derivada da constatao de experinciassubjetivas ou coletivas de discriminao e excluso em uma diversidade de

    cenrios culturais, polticos e institucionais. A violncia fsica, psicolgica,poltica, cultural, verbal, de gnero, ou de tantas outras maneiras passa aser entendida como o uso deliberado da fora muito alm do esperado,definindo uma situao social de instabilidade e de relaes de poderque, arbitrariamente construdas, tornam-se alvo de questionamentos(Misse, 2006).

    Ao devir do latim violare, o significado mais preciso e difundido dotermo violncia pareceu sugerir a suposta violao do pacto social oucontrato social. Se bem que esta violao possa ser entendida comosinnimo de crime,3existem elementos, como a opresso e o sentimentode injustia que, para Moore (1987), podem representar uma clara rupturacom esse pacto. A obedincia a normas de convivncia bsicas e a adesoaos valores coletivamente em pauta entram em crise, tornando-se visvel jno mais o acordo que legitima o pacto, mas sim uma ao que realizauma definio de uma situao social e moral de injustia e opresso:[...] superar a autoridade moral do sofrimento e da opresso significa

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    Ao analisar o que denomina criminalizao da pobreza, Wacquant (2005: 28) afirma que: tentador encarar exploses de violncia coletiva vinda de baixo como sintomas de crise moral,patologias das classes baixas, ou como tantos outros indcios de iminente ruptura societal da leie da ordem.

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    persuadir a si prprio e aos outros de que tempo de mudar o contratosocial. Mais especificamente, as pessoas passam a acreditar que um novo ediferente conjunto de critrios deve entrar em vigor (Moore, 1987: 123).

    Desta maneira, uma violncia reativa deixa de ser considerada como umaviolao do contrato social, instituindo-se numa inevitvel expresso deresistncia poltica.

    Assim, a violncia pode ser anloga a manifestaes prprias da agressivi-dade, o controle, a excluso e o estigma, como tambm de atitudes reativasque fazem dela um mecanismo de abertura de espaos sociais e de novaspossibilidades nas definies de situaes sociais e culturais concretas. Comobem se pode perceber, a violncia pode ser representada como o motorda histria, como obtendo visibilidade social no seu significado poltico;

    mas, tambm, pode adquirir dimenses existenciais e psquicas, simblicase estticas, tal qual, por exemplo, aconteceu no caso de algumas vanguardasculturais (Martuccelli, 1999). Parece ingressar no leque de repertrios cul-turais que iro definir uma construo do sentido social para indivduos egrupos, ao tornar-se um meio social de ao que denota um estado de con-flito aparentemente irreprimvel e inexpressvel. No obstante, esta leitura,que supe que a definio de uma situao de violncia est ligada aorecurso que um ator emprega para se fazer presente ou ser escutado,

    parece se limitar a represent-la como uma manifestao apenas travestidada luta de classes, como uma manifestao de carter estritamente polticoe vinculada s condies materiais de existncia.

    No se pretende transcender esta representao dada violncia. Con-trariamente, pretende -se afirmar a sua parcial persistncia, embora sejaimportante considerar evidentes transformaes. Talvez seja o diagnsticodesta transformao o desafio mais alentador, no sentido de que resultaimportante prever que o contexto da sua cenificao tem-se transformadoa tal ponto que parece desfazer-se, cada vez mais, da sua representao esignificado positivo. Ou seja, ausente a legibilidade (e a representao)que a fazia emanar de forma quase direta de relaes de dominao eviden-tes e claras, prpria de um conflito central, percebe-se que a sua atualcrise de representao deriva numa conseqente definio ligada a umaprtica deslegitimada e negativa. A crise de uma representao poltica daviolncia, dotada de uma significao histrica, trouxe uma definio que aassocia ao fracasso de eventuais solues negociadas e pacficas no con-texto que apresentam as democracias atuais. Este tipo de argumentao ,

    sem dvida, interessante, quanto mais parece se impor o recurso e o apelo sinstituies e deliberao como uma evidncia inconfundvel da democra-cia. No obstante, este tipo de argumentaes tambm pode resultar muito

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    pouco convincente, j que a priorisupem que,atravs da prpria prticada democracia, capaz de chegar-se a solues negociadas.4

    Afastando-se de certo otimismo poltico e acadmico de quem deposita

    confiana nos recursos objetivos e institucionais na resoluo de conflitos,apresenta-se necessrio contextualizar a violncia num cenrio socioculturale poltico no qual as experincias coletivas de conflito no parecem alheias sua expressividade e permanncia, ao seu contgio e sua capacidadede outorgar uma determinada coeso e coerncia individual e coletiva. Sefor certo que no conflito e confrontao possvel observar o aumento dasolidariedade intragrupo (Maffesoli, 2001), pode-se considerar que, numarealidade onde as interaes sociais esto pautadas, em grande medida,pela desigualdade e as assimetrias sociais, e pelos interesses prticos de

    uma ordem institucional que no encontra nada melhor do que tratar deacomodar novas situaes sociais na antiga normatividade, a violncia seergue numa prtica por demais significativa no horizonte poltico e cultural.

    As experincias coletivas de conflito

    Tarrow (1997) afirma que los movimientos sociales son interaccionesmantenidas entre los interlocutores sociales agraviados, de una parte, ysus oponentes y las autoridades pblicas, de otro. [] La accin colectiva

    parafraseando Tilly es el trmino ms activo de dicha interaccin y laemplean los actores colectivos en conflicto con sus antagonistas o con laselites (67-68). Desta maneira, os movimentos sociais se apresentam comodesafios de carter coletivos sustentados por pessoas que compartilhamobjetivos comuns e solidariedade numa interao mantida com as elites, osoponentes e as autoridades. Sem estar totalmente enganado, Tarrow parecese inclinar por uma compreenso mais cmplice para os aspectos estra-tgicos dos movimentos sociais: criar, coordenar e manter essa interao a contribuio especfica dos movimentos sociais, mas que s aparecemquando se do as oportunidades polticas para a interveno de agentessociais que normalmente carecem delas (ibidem: 17).

    Aparentemente, o sujeito coletivo s aparece como produto de plenascondies estruturais (poltica e economicamente falando) e reconhec-vel na sua seqencialidade mantida por interaes com seus antagonistas.Neste sentido, o importante parece ser o cenrio do conflito, que se apre-senta preciso e claro, j que as pessoas se somam aos movimentos sociais

    4 Talvez, de forma anloga, Moore (1987) se referir ao perigo de certas sociedades que possuemformas de controle de toda rebelio e resistncia social, sociedade na qual a injustia tolerada e vistacomo inevitvel, asfixiando toda a possvel indignao moral gerada por um sentimento de injustia.

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    como resposta s oportunidades polticas preexistentes ou desenhadas aprioripor movimentos que lhes precederam. Com o conceito de estru-tura das oportunidades polticas Tarrow se refere a dimenses polticas

    e sociais consistentes que fomentam ou desestimulam a ao coletiva daspessoas (ibidem: 49).At aqui, pode-se, parcialmente, concordar com esta linha de raciocnio,

    j que dimenses mais centradas no ator social ou coletivo (Touraine,1997; Melucci, 1998) esto visivelmente negligenciadas. Mas o problemamais evidente parece surgir quando esta perspectiva contrastada com apossvel relao que se possa estabelecer entre as situaes de conflito emer-gentes na atualidade com a procaz estrutura de oportunidades polticascriadas. Por um lado, constatvel que a interlocuo ou interao entre

    as partes no moeda corrente e, por outro, que pareceu se estabelecerum cenrio de equilbrio institucional marcado pelo uso de um reper-trio mobilizatrio convencional que cria situaes de aborrecimentos edesiluso com respeito aos resultados de uma concreta manifestao emmuitos indivduos.

    A primeira constatao surge de certa suspeita acerca da eventual exis-tncia de um cenrio ou de uma estrutura de oportunidades polticasderivadas de um previsvel conflito central, medianamente localizvel, e

    surgido de relaes sociais antagnicas claras, com um conseqente projetopoltico. Dessa forma, o primeiro reflexo de importncia que se pode apre-ciar a escassa possibilidade de se estabelecer uma ao coletiva duradourae mantida na interao. Por outro lado, um segundo reflexo pode recairna mudana no surgimento de mobilizaes, criadas de forma espontneae sem nexos aparentes com a presumidamente consolidada estrutura dasoportunidades polticas. Estas se caracterizam no confronto direto, numadiscursividade que fere a prpria imagem dessa preexistente estrutura deoportunidades, materializando uma manuteno da ao mais restrita esem os incentivos ou benefcios instrumentais que o marco institucionalpossa lhes oferecer.

    Mas estas observaes no podem ser compreendidas de forma isolada.Sabe-se de diversas maneiras que, na maioria das ocasies, muitos dosdenominados novos movimentos sociais que surgiram nos anos 60 e 70,assim como os que j vinham atuando de forma crescente na cena polticae cultural, sofreram uma significativa mutao, ao diagnosticar nos seuscampos de luta a viabilidade de uma ao menos radical que proporciona-

    vam as parcerias com o Estado e as mobilizaes organizadas nas chamadasONGs. A respeito disso, estabeleceu-se uma extensa discusso, no sentidode se compreender os novos marcos mobilizatrios, as estratgias e questes

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    identitrias que envolviam atores sociais outrora muito crticos, inclusive, aesses tipos de prticas organizativas. No obstante, a este interessante debatedeve-se somar um outro, dificilmente em cena: aquele que percebe que mui-

    tos desses novos atores organizados, atualmente, tm-se convertido emuma espcie de nova classe cuja presena permite o controle do conflitopor parte das autoridades polticas e sociais, ao aparecerem subordinados auma estratgia de ao meramente institucionalizada. As orientaes dessanova classe tm deixado o cenrio do conflito significativamente vazio,instigando em muitos uma clara sensao de desiluso e apatia. Talvezcomo correlato da sua prpria ao e das suas predilees intelectuais, estanova classe no tardou em desenvolver estratgias de controle e de arran-

    jos sociais que converteram parte do seu prprio repertrio de demandas

    em poltica convencional (Tarrow, 1997). Como bem argumenta Davis(2006: 85), apesar de toda uma retrica sobre democratizao, fortaleci-mento da sociedade civil e capital social, as verdadeiras relaes de podernesse universo das ONGs se apresentam de maneiras muito similares como clientelismo poltico tradicional, sugerindo como principal impacto darevoluo das ONGs e da sociedade civil uma evidente burocratizao edesradicalizao dos movimentos sociais urbanos.5

    Este tipo de transformaes no cenrio poltico e social se tem desenvol-

    vido de forma muito sutil. Os evidentes ganhos obtidos pela ampliao dosmarcos legais e institucionais de participao e representao poltica, e atos que se evidenciam com a extensa e intensa atividade de diferentes organi-zaes sociais para paliar situaes de excluso e injustia social, no podemser ocultados nem esquecidos. Mas h um aspecto analisado de forma muitoclara por Berger e Luckmann (2001) que chama para o carter ambivalentedeste credo da certeza na institucionalidade, algo a ser considerado pos-teriormente. O que, sim, se pode antecipar que as respostas a este devirpoltico podem se entender em algumas das atuais expresses coletivas emque a violncia se torna um elemento coadjuvante da sua expressividade.

    Esto, conseqentemente, os movimentos sociais se expressando, deforma crescente, atravs da violncia? Dificilmente se pode responder deforma afirmativa a essa questo. O que deve ser considerado que deveser feita uma mudana terminolgica a propsito de analisar o nexo entreviolncia e aes coletivas, e isto se deve a que a vinculao que possvelestabelecer entre violncia com prticas coletivas consideradas com um alto

    5 As ONGs, observa a ativista e escritora Arundhati Roy, acabam funcionando como o apito deuma panela de presso. Desviam e sublimam a raiva poltica e garantem que ela no chegar aoponto de explodir (Davis, 2006: 87).

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    grau de organizao e projeo poltica no perceptvel de forma signifi-cativa. Por isso, prefere-se referir a experincias coletivas de conflitoao invsde movimentos sociais, j que o primeiro pode devir num conceito que se

    define pelo contedo contingente e a forma desarticulada e espontnea coma qual parecem se evidenciar as atuais aes coletivas. Assim mesmo, e demaneira fundamental, porque tambm estas experincias manifestam umcarter aparentemente desligado da estrutura de oportunidades polticasque se veio consolidando nas ltimas dcadas.

    At aqui se tem afirmado que o eixo est em pensar a relao existenteentre a violncia e as experincias coletivas de conflitoatuais para assimcompreender um pouco mais o cenrio de conflituosidade contemporneo.Tendo em conta as discusses precedentes, consideram-se fundamentais

    algumas idias norteadoras em torno violncia. Primeiramente, a criseradical da sua representao atual; em segundo lugar, a sua conotao comoprpria do sentimento de insegurana existente nas relaes sociais; logo,a sua materializao como eventual resposta s assimetrias na falta de laossociais e filiaes de grupo e, por ltimo, que as experincias coletivas deconflito se valem dela para, justamente, poder estabelecer um campo deconflituosidade concreto ou uma definio de uma situao social deconflituosidade. Levando em considerao no unicamente o seu carter

    poltico, como pode ser representada a violncia hoje? A suposta imprevi-sibilidade da sua expresso denota transformaes significativas no enten-dimento das experincias coletivas de conflitona atualidade?

    A violncia previsvelAs reiteradas suspeitas acerca de uma representao da violncia comoprpria das diferentes instituies da modernidade chegam ao seu amadu-recimento nos anos 60. Aqueles diagnsticos realizados pela Teoria Crticapareceram se tornar evidentes. A escola, a famlia, os presdios e o sistemapoltico, de entre outras instituies, entram em cena para ser alvos de umasrie de crticas. Assim, a violncia aparecer associada s funes prpriasdas instituiessocializadoras, que disciplinam, controlam e monitoram avida individual e social (Foucault, 1976; Goffman, 2001). A vida institucional apresentada como inerente a uma determinada lgica poltica e socioeco-nmica e como prpria de um poder opressor que pode se localizar tantono esprito e desenvolvimento do capitalismo (e na sua ordem normativa),como no histrico conservadorismo cultural.

    Desta forma, fica evidenciada como a vida institucional tem manifes-tado uma dinmica sob o fogo cruzado do disciplinamento, por um lado,e da liberao de supostos laos pr -racionais, por outro. Ainda que sejam

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    reconhecidas as histrias de liberao que acompanharam a dinmica damodernidade, a lgica disciplinar e uniformizadora estabeleceu-se, tam-bm, em fator constitutivo dela (Wagner, 1997). Assim, as instituies, pelo

    simples fato de reger a vida coletiva, controlam a conduta, estabelecendopadres previamente definidos e canalizando -a numa direo especfica.Este carter controlador (e disciplinador) inerente institucionalizaoenquanto tal. Dessa forma, afirmar que uma concreta atividade individualou coletiva (poltica, sexual, etc.) foi institucionalizada representa afirmarque tem sido finalmente submetida ao controle social (Berger e Luckmann,2001). Sob esta perspectiva, a violncia era definida como indissocivel dalgica institucional existente e, como era previsvel, um cenrio de alta con-flituosidade social e uma violncia reativa no se fizeram esperar, emergindo

    grupos sociais autodefinidos como excludos nas diferentes reivindicaesdos denominados novos movimentos sociais.

    Num cenrio de uma nova expanso de relaes de poder econmicoe poltico, surgem relaes sociais que no tinham sido construdas soba forma de subordinao (Laclau e Mouffe, 1987). Assim, novos sujeitospolticos comeam a se constituir atravs de relaes antagnicas com novasformas de subordinao, prefigurando o que Laclau e Mouffe (ibidem:204-205) denominaram a pluralidade do social e o pluralismo dos

    sujeitos. Se isto representa uma politizao ainda mais radical e crescente,a violncia pareceu representar-se como enraizada naqueles problemas quefazem parte dos processos de socializao6e as eventuais deficinciasde integrao social. Se a socializao se define como a internalizao decdigos sociais concretos, pode-se dizer que a violncia foi o produtode situaes de conflito e relaes de poder que traduzem a emergnciade uma forte exteriorizao do subjetivo (mundo da vida) em resposta auma debilitada interiorizao do objetivo (sistema). Diferentemente dopessimismo da Teoria Crtica, este novo contexto histrico parece desenhara possibilidade e a capacidade por sacudir-se da colonizao do mundo davida pelo sistema (Habermas, 1988).

    A proliferao de espaos polticos e sociais radicalmente novos e dife-rentes o que se tem herdado das mudanas polticas, econmicas, sociaise culturais dos anos 60 e 70. Neste contexto, os cenrios de disputa polticae discursiva parecem tambm se deslocar de forma incessante, o que leva atornar-se cada vez mais problemtica a definio ou o estabelecimento de

    6 No sentido que Dubar (2005: XVII) define: A socializao se torna um processo de construo,desconstruo e reconstruo de identidades ligadas s diversas esferas de atividade que cada umencontra durante sua vida e das quais deve aprender a tornar-se ator.

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    um conflito concreto, a clara definio de uma situao de conflituo-sidade. Isto se relaciona com o carter inovador que portavam os novosmovimentos sociais, j que a travs de ellos se articula esa rpida difusin de

    la conflictividad social a relaciones ms y ms numerosas (Laclau e Mouffe,1987: 179). Mas, o fato de se fragmentar o cenrio da conflituosidade,no deve supor o abandono, na perspectiva de alguns, de uma representa-o ainda positiva da violncia, enquadrada no significado histrico dasmudanas polticas e sociais. Claro est que,quando a violncia emana deuma relao social antagnica clara, surgida da definio de uma situaode conflituosidade precisa e estvel, a sua presena previsvel e localizvel.No obstante, a pluralidade do social no necessariamente tornou difusaa visibilidade da violncia, mas, contrariamente, proliferou -a pelos diversos

    cenrios de subordinao e antagonismo, fazendo parte, de forma crescente,de uma multiplicidade de novos cenrios e experincias coletivas de conflito.

    Alain Touraine (2006a) manifestou que os levantes do ms de novembrode 2005 nas periferias urbanas da Frana desenham um conflito prprioda desintegrao dos integrados. Segundo Touraine, no que os jovensmanifestantes no estivessem totalmente integrados na sociedade francesa,mas o estavam de uma forma traduzvel em frustraes pessoais e expectati-vas insatisfeitas. O trabalho e a escola, agentes socializadores por excelncia,

    pareciam ter-se tornado instituies incapazes de continuar se legitimandocomo veculos de incluso e ascenso social. Como conseqncia, as insti-tuies viram obstculos ou instrumentos de excluso social metapolticos,reduzindo-se a confiana que se possa ter nelas. Parece curioso pensar que,para Touraine, as frustraes pessoais e as expectativas insatisfeitas sejam ascausas e motores da violncia urbana da Frana no ano de 2005, mas tudoindica que a reviso das possibilidades de legitimao social das instituiespolticas e sociais resulta inevitvel. Indo mais longe, pode-se afirmar queresulta central a viso da frustrao pessoal como interpretao vlida paracompreender a violncia, na medida em que o indivduo que participou dosprotestos, segundo Touraine, atuava sob o que se pode compreender comofins instrumentais e escolhas racionais.

    Touraine no estava nem totalmente enganado, nem totalmente certo.Apesar de entrever que os conflitos tambm preconizavam ausncias nosmecanismos polticos integradores e certos mal -estares culturais de muitos

    jovens migrantes, no atribuiu uma considervel dimenso interpretativa sbases do funcionamento da democracia como causa do fenmeno. Touraine

    pareceu realizar uma interpretao similar realizada sobre as desordensurbanas dos anos 80 nos Estados Unidos, na Frana e na Inglaterra. Estasdesordens, segundo Wacquant (2005), combinavam duas lgicas: a de ser

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    um protesto contra a injustia racial com razes no tratamento discrimina-trio, e a de ser uma manifestao da populao mais empobrecida, quese revolta contra a privao econmica e as desigualdades sociais crescen-

    tes; desordens que se valiam da arma nica que praticamente possuam: aruptura do pacto social ou do contrato social com o recurso da fora.Peralva (2006), diferentemente de Touraine, dir que os levantamentos de2005 na Frana eram expressivos, e no tanto na ordem da instrumen-talidade, sugerindo a presena de casseurspolticos cuja perspectiva seriaprotestar contra polticas pblicas que pretendiam adormecer os males queafetavam as populaes dos bairros populares e retardavam as mudanasefetivas das suas condies de vida. De uma forma ou de outra, a violnciaera o produto de um sujeito coletivo que parecia ter as mesmas reivindi-

    caes dos jovens de classe trabalhadora, quer dizer, emprego, ensino dequalidade, moradia, acesso a servios pblicos em geral e tratamento justopor parte das foras da ordem. O que se reivindicava era uma chamadade ateno pblica, acusando as carncias na integrao social e poltica demuitos jovens das periferias urbanas. , por isso, que a viso da frustraopessoal e o diagnstico de desintegrao social se apresentam interligados.

    Aqueles que no se sentem plenamente inseridos na discursividade e namaterialidade do mundo social real so os que, justamente, mais se enfren-

    taro insegurana do mundo que habitam. Insegurana representada porcausa do jogo da distino social e da suspeita de que as suas vidas cada vezmais se vem assumidas por marcos institucionais que tornam a reali-dade deficitria. Preferencialmente os mais jovens, e ao contrrio do quese poderia supor, parecem definir situaes de ter falsos empregos, de fre-quentar falsas escolas, de subsistir em uma falsa economia ou de partici-par de uma falsa democracia, ou seja, de no poder viver a no ser falsasatividades. Mais do que protestos para usufruir de direitos civis e sociaisconquistados historicamente, o que parece estar em jogo uma ironia sestruturas de oportunidades polticas e poltica convencional, ambassurgidas aps os novos movimentos sociais dos anos 60 e 70. A violncia,assim, parece se constituir na resposta fico e dominao de um mundosocial desrealizado (Martuccelli, 1999). Lembra-nos que, fora as grandesconquistas sociais e polticas da modernidade, fora a institucionalidade elegalidade construdas para o bem comum, existe um outro mundo quedificilmente se deixa transparecer: aquele que denota o conjunto de elemen-tos que asseguram a dominao social justamente naqueles procedimentos

    que se criaram para possibilitar o desenvolvimento individual e social.Por outro lado, a violncia no o simples efeito da definio deuma situao na ordem das frustraes e da desintegrao social, mas o

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    mecanismo pelo qual se percebe que as chances de uma abertura de espaode expresso social vo aumentando e se intensificando, dinmica na qualo lugar dos meios de comunicao resulta fundamental (Peralva, 2006). Ao

    mesmo tempo, e como bem sustenta Wieviorka (2006), a violncia tambmtipifica uma negao da subjetividade e uma negao de reconhecimentosociocultural, assim como uma reao ausncia de visibilidade social.Por isso, no no-reconhecimento mtuo que a violncia encontra as suasbrechas e que comeam a prefigurar-se e fundar-se experincias coletivas deconflito. Assim, a violncia d sentido social e define uma situao especficade desequilbrios na ordem da indignao, da invisibilidade e da exclusosocial. Por meio dela, parece se tornar possvel o estabelecimento de umespao de conflito, podendo-se constatar que, quanto mais performtica a

    violncia se expresse, maiores sero as possibilidades de construir espaosde visibilidade e possvel interlocuo. Lembre -se que, quando os neozapa-tistas do Mxico surgiram do meio da selva Lacandona, no ano de 1994, eatiraram alguns poucos disparos durante uns 12 dias, o que estava em jogoera a possibilidade de dizer existimos e estabelecer uma relao socialantagnica clara e previsvel, localizvel e duradoura (Gadea, 2004). Resultaevidente que a dimenso do reconhecimento sociocultural, no sentido queHonneth (1997) analisa, est presente no mecanismo expressivo que a vio-

    lncia tipifica ao pretender tornar possvel o estabelecimento de um espaode conflituosidade, constatando-se, inclusive, que quanto mais perform-tica a violncia se expresse, maiores sero as possibilidades de construirespaos de visibilidade e eventual interlocuo. No obstante, uma espciede violao da moralidade coletiva e do pacto social so o argumentopara reconhecer em muitos que as regras e os elementos estruturantes dessepacto so, de fato, injustos e opressivos. Quer dizer, que alm da procurapor reconhecimento sociocultural e poltico, trata-se de associar experinciascoletivas de conflitocom uma certa capacidade de indignar-se perante oque se tem definido como uma ordem injusta e opressora, uma ordem queestaria impossibilitando, em alguns, a esperada adeso aos valores criadospela comunidade particular de pertena.7

    Embora Wieviorka (2006: 211-212) afirme que a violncia vem signifi-car o no-conflito, a ruptura, o fim de uma relao, a violncia pareceinstituir-se em algo significativo: torna visvel uma ao estruturada emtermos de antagonismos e desenha uma definio de uma situao de

    7

    De certa maneira, faz-se referncia capacidade intelectual de alguns para reconhecer queas regras so opressoras. Tal reconhecimento pode ser entendido como uma forma de percepomoral em termos dos padres de comportamento existentes, ainda que em grande parte suprimidos(Moore, 1987: 124).

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    conflituosidade ali onde antes no existia. Em definitivo, no se pode afir-mar que a violncia contrria ao conflito e que a sua presena conspiracontra um processo de subjetivao coletiva: ela permite o estabelecimento

    de experincias coletivas de conflito, no sentido em que as situa numa relaode subordinao e antagonismo claro.

    A violncia imprevisvelWieviorka (2006:216-217) est certo quando argumenta que, para se poderpensar a violncia, necessrio pensar o lugar do sujeito suprimido, impe-dido, inencontrvel, a perda de sentido ou o seu excesso. Isto possibilitariaconstatar uma grande variabilidade da prpria violncia. No obstante,no parece se perceber nas suas anlises em que sentido a violncia adquire

    a variabilidade sugerida. Em todo caso, parece adquiri-la na sua simplesexpressividade, j que a violncia jamais estvel por muito tempo, con-trolada por seu protagonista ou fixada por este a um limite ou outro ondeteria a sua intensidade regulada.

    A variabilidade da violncia pode ser entendida no seu ingresso em cam-pos de conflituosidade e de relaes sociais de subordinao. A variabilidadeno est nos seus devaneios expressivos, mas nas caractersticas das relaessociais em que entra em cena. Por isso, a definio de uma realidade social

    no pode continuar partindo da dicotomia integrao/excluso sem se esta-belecer de forma clara a que tipo de realidade se est fazendo refernciae a que cenrio social se supe que indivduos ou grupos sociais deveriamestar integrados. A que se integrar? Se admitirmos que as sociedades nuncaforam homogneas ou, eventualmente, hiperintegradas, e o que de fato seconsolidou foi uma idia de integrao, observa -se que o que existem sodiversos espaos aos quais indivduos ou coletividades podem se integrar.A prpria integrao e excluso social so simples atributos que se outor-gam a qualquer indivduo ou grupo que ocupa um determinado lugar emcertas formas de relao social: analisar os fenmenos da integrao implicacompreender que indivduos ou grupos sociais podem estar integradosem determinada forma de relao e excludos de outra (Gadea, 2007).Perdida a iluso de consenso macrossocial, resta fazer referncia tradiopragmtica e considerar a idia de consensos relacionais contingentes.

    Talvez isto seja anlogo ao que Touraine (2006b) expressa quandodiagnostica o fim do social ou a destruio da sociedade. Nestes ter-mos, Touraine parece sugerir a desintegrao social e a ruptura dos vnculos

    sociais caractersticos de uma realidade que ainda era social. A sociedadeno estaria mais estruturada em torno de um conflito central, como foio caso ao longo de toda a poca industrial clssica, em que as condutas

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    de violncia se traduziriam em uma contestao poltica que procurariaorganizar-se em longo prazo, assim como lutas e engajamentos, que podemchegar a reivindicaes negociadas, presses polticas e movimentos sociais

    trazidos por um projeto baseado na subjetividade dos atores (Wievio-rka, 2006: 207). Ou seja, em instncias em que a realidade estava desenhadasob um conflito central estruturante, por exemplo, na luta de classes, aviolncia no era definvel na prpria expressividade das aes, e sim numarelao de conflito e de contestao poltica e social (presses diversas, movi-mentos de operrios, etc.). A violncia entrava no terreno do previsvel, dopossvel e at do prprio desvio da relao de conflito. Mas o que acontecequando se tem a incapacidade de localizar esse tal conflito central? O queacontece quando a violncia no parece emanar de um conflito claramente

    estabelecido? A contestao poltica e a relao de conflito parecem setornar tarefas de construo incessante ou, melhor, de possibilidades quecorrem paralelas contingncia prpria da construo do sujeito coletivo.

    A possibilidade de encontrar-se o conflito, as regras sociais e culturaisa serem desafiadas, a crtica social e o estabelecimento de relaes sociaisantagnicas e sob a base da subordinao todo um desafio contempo-rneo. Trata-se, inclusive, de um desafio que toma conta da possibilidadede construes discursivas e prticas sociais que desenham uma lgica da

    identidade. Se for o princpio de incerteza, a simulao e a ironia caracte-rsticas da nossa atualidade, o conflito e a prpria violncia no escapamdesta crispao do estado da cultura: a invisibilidade das regras do jogo ea dificuldade da definio de uma situao de conflituosidade. Se o con-flito o resultado do estabelecimento de regras de jogo claras surgidas derelaes sociais antagnicas e que denotam subordinao e previsibilidade,a violncia se apresenta como sinnimo da imprevisibilidade do conflito, dainvisibilidade das regras do jogo e da neurose de um estado da cultura queno consegue fugir da sentenade que todo o conflito estaria motivado pelainteno por restabelecer uma ordem social preexistente. Sendo assim, asexperincias coletivas de conflitose expressam atravs da violncia no tantoporque, de fato, caream de um projeto poltico e cultural concreto, masporque transitam no ambguo territrio da invisibilidade de um conflitocentral e doseu prprio projeto e identidade.

    Isto no pretende concordar com argumentos que consideram queuma idia de uma poltica do sujeito implica esforos por transformar aviolncia em conflito (ibidem: 221), quer dizer, encorajar os atores a reco-

    nhecer e aceitar interlocutores com quem vale mais trocar e, em definitivo,ingressar no jogo da previsibilidade poltica. Ao mesmo tempo, no resultaconvincente pensar que, ao fazerem uma definio de uma situao de

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    conflituosidade na experincia da violncia, os sujeitos sociais so incapazesde construir um projeto poltico e cultural e uma identidade. Na tentativapor demarcar relaes sociais de excluso e subordinao, de leso moral

    e reconhecimento sociocultural, instauram -se diversos projetos que soelaborados e construdos em funo de experincias sociais e de vivnciase interaes especficas: o projeto, como bem afirma Velho (1981), uma tentativa consciente de dar um sentido ou coerncia a uma experin-cia fragmentadora. Se a violncia considerada um mecanismo pelo qualas chances de uma abertura de espao poltico e social vo aumentando ese intensificando, pode-se afirmar que ela parte importante nos projetospolticos e culturais de indivduos e grupos. Assim, a violncia parece setornar uma espcie de linguagem organizadora, forma de identificao e

    de projeto de vida que distingue os iguais em situaes sociais concretas.Muniz Sodr (2006: 39) menciona, acertadamente, que a violncia umaespcie de contralinguagem comunitria; uma espcie de contralinguagemem que aquele que no tem moeda, aquele que no est discursivamenteinserido na esfera hegemnica, por educao, por capital social, conheceuma espcie de exceo soberana que incita ao refazimento imaginrio derelaes sociais. A violncia toma forma como uma linguagem organiza-dora ou uma contralinguagem comunitria no sentido de realizar uma

    definio de uma situao de conflituosidade e, fundamentalmente, aoestar ausente o conflito central previsvel e localizvel, organizar umadeterminada forma de relao de poder e resistncia.

    Por isso, para quem o sentimento de indignidade pessoal assume dimen-ses expressivas na vida cotidiana, a suposta ausncia de identidade, oua sua eventual crise, no algo verdadeiramente possvel de se constatar.Para estes, no h opes quanto sua identidade, o que algo que parececonfuso para aqueles que, como Wieviorka, vem nos excludos um atorsocial em potncia, na medida em que possam se apropriar das regrasdo jogo poltico. na invisibilidade (e no na ausncia) de um projeto eidentidade onde se desenha o terreno que levaria a uma definio de umasituao de conflituosidade atravs da violncia. Se a ordem social oua comunidade no pareceu ter-lhes sugerido ou outorgado um espaoconcreto e visvel aos que realizam este tipo de definio de situao. oportuno considerar que a sua identidade algo que os pode alcanarde forma sbita. E esta sim pode devir numa crise real, e no a pseudocrisede que estariam fazendo parte aqueles passveis de proteo e compreenso,

    lutadores por um espao debaixo do sol. A violncia , desta maneira, oresultado da desorientao social e da incapacidade por estabelecer com-promissos slidos com a comunidade.

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    A violncia (in)visvelNos dias 8 e 9 de maro de 2007, nas cidades de So Paulo e de Montevidu,manifestantes saram s ruas para protestar pela presena no Brasil e

    no Uruguai do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. EmMontevidu, aproximadamente 100 jovens encapuzados, ao grito deBush fascista, protagonizaram uma violenta manifestao, apedrejandoprdios pblicos e comerciais (um local de McDonalds e um da Igrejaevanglica Pare de sufrir). Este acontecimento, assim como o confrontocom a polcia e os cnticos contra a visita presidencial e o governo uruguaio,tiveram como saldo a priso de 15 jovens.8Sabe-se que, aparentemente,estes manifestantes faziam parte de uma variedade de organizaes polticase sociais consideradas radicais (Fogoneros, Plenaria Memoria y

    Justicia, Corriente Clasista y Combativa, de entre outras), mas isto no suficientemente significativo para poder explicar o acontecido. Alis, oargumento que explica a violncia dessa manifestao a partir da pertenados envolvidos a grupos polticos e sociais especficos e minoritriospouco pode contribuir. Isolando o carter supostamente organizado damanifestao, pode-se oferecer uma explicao menos limitada.

    Como bem menciona Martuccelli (1999: 160), a violncia aparececomo sendo negativa e sob a forma de riscos que a sociedade se mostra

    incapaz de controlar. Ao mesmo tempo que a violncia se torna ilegvelsocialmente, como desencaixada do repertrio que a fazia parte de jogospolticos e ideolgicos estveis, apresenta -se o panorama de um sentimentode insegurana prprio de uma sociedade exposta a riscos. Riscos que setraduzem em temores, sejam com a contaminao de um rio, como quelesque nos podem hipotecar a capacidade aberta pelas novas dinmicas socio-polticas e culturais de auto-reflexividade e autonomia individual. Assim,sendo de carter aparentemente subjetivo, a violncia vira uma maneira deter experincia do mundo exterior, de ser ou de se sentir exposto a ele(ibidem: 159). Dissolvidos referenciais classistas ou de expresses polticasdiversas, parece reforar-se uma representao da violncia percebida comoperturbadora e negativa, incmoda e incompreensvel, um risco a maisno repertrio das incapacidades de controle.

    8 Ya sobre la hora 22.30 la Polica realiz las primeras detenciones. Para entonces el grueso delos incidentes haba transcurrido. El ms grave fue el vallado colocado sobre Colonia y Florida,

    consumado por unos 15 jvenes encapuchados y armados con piedras, palos, ccteles molotov ygrapas miguelitos. [] Precisamente, la Jefatura envi a los lugares afectados varios equipos deefectivos. Una Unidad de Guarda Metropolitana practic entre 10 y 15 detenciones [] (JornalEl Pas, 10 de maro de 2007, Montevidu, Uruguai).

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    Visto isso, a violncia est a para indicar no s mudanas na ordemdos critrios mobilizatrios atuais, mas sim para compreender que as expe-rincias coletivas de conflitorealizam uma definio de uma situao de

    violncia como uma espcie de contestao e resposta a situaes sociaissubmetidas a processos de negociao que ameaam o indivduo e os seuscrculos sociais. A estrutura das oportunidades polticas a que Tarrowse refere no s esto sendo definidas como um possvel e inalcanvelterritrio no qual se poderia aspirar ingressar, ou como um simples cenriomobilizatrio convencional pouco atento a novas demandas e mudanaspolticas e sociais. Antes parece se definir como um fator ameaador, horade constatar-se que representa para o indivduo uma satrica normativi-dade que apela internalizao da sua condio de excludo e desvin-

    culado por problemas meramente subjetivos ou relacionais. Sem dvida,isto denota a diversificada precarizao que define indivduos e grupossociais na atualidade, precarizao que parece proporcional ao aumentoda desconfiana que muitos, de forma crescente, parecem ter do mundoobjetivo e real, dos dispositivos sociais postos em funcionamento paraeliminar riscos e inseguranas.

    O que pode estar por trs das aes desses jovens de Montevidu, nos seusprotestos contra o imperialismo e Bush? Uma politizao radicalizada?

    Um sujeito coletivo que emerge no contexto do neoliberalismo? Talvez sepossa responder positivamente a estas questes. Mas, tal qual se mencio-nou anteriormente, o sentido da violncia acusa uma eventual resposta sassimetrias de poder na falta de laos sociais e filiaes de grupo. Ou seja,que uma definio de uma situao de violncia designa uma situao deassimetria e desigualdade no estabelecimento ou ausncia de vnculos sociaise filiaes a grupos. a incapacidade ou impossibilidade de estabelecer ese inserir em crculos sociais a razo para que muitos indivduos sintamque os seus sofrimentos se relacionam com a praticamente nula interiori-zao das regras do jogo numa realidade cada vez mais exigente em auto--reflexividade e autonomia individual. Assim, as experincias coletivas deconflitos parecem se constituir a partir do ingrediente da violncia quandoos seus protagonistas se encontram em reduzidssimos crculos sociais deimplicao prtica no mundo (Simmel, 1977) e sentem que no podem seautoconceber governados a partir do seu interior pela falta de uma socia-lizao na estrutura de oportunidades que foram criadas.9

    9

    A este respeito, Moore (1987: 139) afirma: O discurso sobre autenticidade, encontrar-se asi prprio [...], dificilmente guarda alguma relao com autonomia moral, pois essa corrente depensamento no consegue enfrentar sria e corretamente a questo de que as coaes so necessriasaos indivduos em benefcio da vida em sociedade, ou margem dela.

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    Esta tenso aparece de forma mais visvel com o mundo dos jovens. Assuas filiaes de grupo sobre as quais se apoiar e, fundamentalmente, queestariam possibilitando a capacidade de singularidade personalidade

    (ibidem) so muito reduzidas aos espaos da famlia e os amigos, ocasio-nando que se interprete o mundo como irreal, longnquo, dominadorpela sua exterioridade e hipcrita. Como muito bem afirma Martuccelli,a violncia, neste caso, surge da

    enorme tenso que experimentam entre dois extremos: eles so ao mesmo tempoos principais destinatrios do discurso moral do autocontrole e, na prtica, so umgrupo social particularmente exposto ausncia de diversificao de redes sociaisque os comprometa dentro da sociedade. Em suma, a pretensa imprevisibilidade

    moral ou o enervamento dos jovens freqentemente no nada mais do que amanifestao do conflito entre um modelo normativo desconectado dos fatos e a suafraca filiao social. (1999: 172)

    Mas, a imprevisibilidade, inclusive, um diagnstico que transcende aprpria caracterstica das aes destes jovens, j que igualmente incor-porada como diagnstico social para a eventual emergncia das prpriasexperincias coletivas de conflito. Assim, quando estas experincias apelam

    para o exerccio da violncia, no se devem ilusoriamente definir como refle-xos da ausncia de conflitos ou do seu fatal desvio. Contrariamente, a vio-lncia parece ser sinnimo de um choque traduzvel na ironia para aquelesdispositivos criados para possibilitar e ampliar o desenvolvimento individuale social e, neles, as estruturas de oportunidades polticas. O sentimentode indignidade, a degradao simblica e a estigmatizao da identidadeso elementos que afetam de forma negativa a possibilidade, em muitos, defazer parte de uma diversidade de crculos sociais. Neste sentido, a dis-criminao sentida que conduz excluso passa a ser encarada como alvodo que Moore (1987) denomina indignao moral. Daqui que se possasupor que, com a violncia, realiza-se uma estratgia, paradoxal, de restituircerta organizao comunidade, ao provocar que ela fale sobre os que amaterializam (lembrando Thomas). que, ao falar, se experimenta essemundo exterior, e o reconhecimento de pertena a ele torna asexperin-cias coletivas de conflitoa brecha para nos recordar que as subordinaese antagonismos sociais so contingentes e, assim, tanto a excluso como osdispositivos de integrao a prioriidealizados so meramente arbitrrios.

    Finalmente, na relao entre a violncia e as experincias coletivas deconflitoviu-se que, historicamente, os movimentos sociais se estruturavama partir de uma definio de uma situao de conflituosidade poltica

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    localizvel e previsvel, onde a violncia era percebida como parte de umconflito preestabelecido. A violncia era, para os movimentos sociais, umaforma de expressividade que no aportava nada em si mesma ao campo do

    conflito. No obstante, a aparente ausncia de um campo de conflituosi-dade claro, preciso e previsvel, subentendido aos olhos de todos, conduza estabelecer uma mudana terminolgica decisiva: trata-se de substituir acategoria movimento social por aquilo que se chama de experincias coletivasde conflito. Qual seria a principal razo para tal mudana? Fundamental-mente o fato de as atuais configuraes coletivas de protesto apresentaremum desafio constante na elaborao e distino entre uma relao deconflito e as suas formas de subordinao. s vezes, inclusive, porqueelas expressam um conflito (por exemplo, a mobilizao anti-Bush) que ao

    definir-se a partir do estabelecimento da violncia parece materializar outroscenrios de conflituosidade, e no simplesmente aquele que o constitui dis-cursivamente. Por isso, a violncia parece encarnar o desejo por estabeleceruma relao de conflito preciso, assim como se constituir fundadora deuma experincia capaz de articular uma srie de pautas no campo daindignao moral e a visibilidade social de indivduos e grupos, tornandovisvel o que, aparentemente, permanecia inexistente.

    Por isso, a violncia constatvel nas experincias coletivas de conflito

    indica uma deslocao interessante: a previsibilidade prpria de umconflito central localizvel, surgido de relaes sociais antagnicasclaras, e a visibilidade de um projeto poltico e a sua identidade coletivacorrespondente so substitudas pela imprevisibilidade da diversidade.Esta imprevisibilidade prpria da definio de uma situao de con-flituosidade, assim como do conflito entre estruturas de oportunidadesdesvinculadas dos indivduos que apresentam uma muito dbil filiao agrupos ou vnculos sociais.

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