O Cinema Como Fonte Histórica, Diferentes Perspectivas Teórico-metodológicas - Urutágua

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7/18/2019 O Cinema Como Fonte Histórica, Diferentes Perspectivas Teórico-metodológicas - Urutágua http://slidepdf.com/reader/full/o-cinema-como-fonte-historica-diferentes-perspectivas-teorico-metodologicas 1/7 O cinema como fonte histórica: diferentes perspectivas teórico- metodológicas Eduardo Navarrete * Resumo: A partir da escola dos  Annales (1929) o fazer historiográfico sofreu um profundo enriquecimento e diversifica!o" passando a incorporar uma grande variedade de fontes" dentre as quais" o cinema# Neste artigo" pretendemos discutir so$re as possi$ilidades de utiliza!o desse novo material como fonte hist%rica# &ara tanto" analisaremos como alguns autores v'em o cinema enquanto uma possvel epress!o da realidade e" tam$m" as diferentes metodologias que propuseram# Palavras-chave: cinema+ fonte hist%rica+ historiografia# Abstract: ,rom the  Annales -chool (1929) the historiographic doing suffered a deep enrichment and diversification" passing to incorporate a great diversit. of sources" among /itch" the cinema# 0n this article" /e intend to discuss a$out the possi$ilities of utilization of this ne/ stuff lie historic source# ,or that" /e /ill anal.se ho/ some authors see the cinema /hile a possi$le epression of realit. and" too" the different methodologies that the. suggest# Key-words: cinema+ historical source+ historiografh.# Introdu!o omo not%rio" a escola dos  Annales (1929) rompeu completamente com a historiografia tradicional e inaugurou uma nova concep!o de hist%ria" que troue no seu $o3o considera4es enriquecedoras so$re as fontes# 5iferentemente dos historiadores positivistas" que limitavam suas pesquisas 6 7ist%ria acontecimental" e que" por isso" utilizavam somente documentos oficiais como fonte" procurando esta$elecer fatos atravs deles" os historiadores dos  Annales $uscavam uma compreens!o mais a$rangente" densa" profunda e totalizante do 7omem" o que os levou a incorporar ao seu tra$alho novas fontes hist%ricas e" tam$m" novos o$3etos" mtodos e a$ordagens" que diversificaram as maneiras de utilizá8las# Na verdade" assim como partiam de uma nova concep!o do 7omem" mais integral" os  Annales tam$m tra$alhavam com uma nova no!o de fonte# 7enri80rnne arrou" que tinha certas afinidades com o movimento" a define assim: onstitui um documento toda fonte de informa!o de que o esprito do historiador sa$e etrair alguma coisa para o conhecimento do passado humano" considerado so$ o ;ngulo da quest!o que lhe foi proposta# < perfeitamente %$vio que impossvel dizer onde comea e onde termina o documento+ pouco a pouco" a no!o se alarga e aca$a por a$ranger tetos" monumentos" o$serva4es de todo g'nero (19=>" p# ?2)# &erce$e8se aqui" que o movimento iniciado por arc @loch e ucien ,e$vre ampliou" de modo quase que a$soluto" a no!o de fonte" a qual passou a a$arcar potencialmente qualquer coisa que pudesse BdizerC algo so$re o passado# 5esde ent!o" os historiadores t'm se apropriado de materiais que at aquele momento nunca haviam sido utilizados: o folclore" a literatura" a poesia" a iconografia" processos 3udiciais e muitos outros" entraram no rol de fontes legtimas da historiografia# E como a 7ist%ria filha do presente" a incorpora!o de novas fontes sempre se fez segundo as necessidades e quest4es de cada momento hist%rico: D historiador escolheu esse ou aquele con3unto de fontes (###) de acordo com a natureza de sua missão" de sua poca" trocando8os como um com$atente troca de arma ou tática quando aquelas que utilizava perdem a eficácia  ( ,ED" 1992" p# >F81)# *  ,ormado em 7ist%ria pela Gniversidade Estadual de aringáHGE#

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O cinema como fonte histórica: diferentes perspectivas teórico-

metodológicas

Eduardo Navarrete*

Resumo: A partir da escola dos Annales  (1929) o fazer historiográfico sofreu um profundoenriquecimento e diversifica!o" passando a incorporar uma grande variedade de fontes"dentre as quais" o cinema# Neste artigo" pretendemos discutir so$re as possi$ilidades deutiliza!o desse novo material como fonte hist%rica# &ara tanto" analisaremos como algunsautores v'em o cinema enquanto uma possvel epress!o da realidade e" tam$m" as diferentesmetodologias que propuseram#

Palavras-chave: cinema+ fonte hist%rica+ historiografia#

Abstract: ,rom the  Annales  -chool (1929) the historiographic doing suffered a deepenrichment and diversification" passing to incorporate a great diversit. of sources" among/itch" the cinema# 0n this article" /e intend to discuss a$out the possi$ilities of utilization of this ne/ stuff lie historic source# ,or that" /e /ill anal.se ho/ some authors see the cinema/hile a possi$le epression of realit. and" too" the different methodologies that the. suggest#

Key-words: cinema+ historical source+ historiografh.#

Introdu!o

omo not%rio" a escola dos Annales (1929) rompeu completamente com a historiografiatradicional e inaugurou uma nova concep!o de hist%ria" que troue no seu $o3oconsidera4es enriquecedoras so$re as fontes# 5iferentemente dos historiadores positivistas"que limitavam suas pesquisas 6 7ist%ria acontecimental" e que" por isso" utilizavam somente

documentos oficiais como fonte" procurando esta$elecer fatos atravs deles" os historiadoresdos Annales $uscavam uma compreens!o mais a$rangente" densa" profunda e totalizante do7omem" o que os levou a incorporar ao seu tra$alho novas fontes hist%ricas e" tam$m" novoso$3etos" mtodos e a$ordagens" que diversificaram as maneiras de utilizá8las# Na verdade"assim como partiam de uma nova concep!o do 7omem" mais integral" os Annales  tam$mtra$alhavam com uma nova no!o de fonte# 7enri80rnne arrou" que tinha certas afinidadescom o movimento" a define assim:

onstitui um documento toda fonte de informa!o de que o esprito do historiador sa$e etrair alguma coisa para o conhecimento do passado humano" considerado so$ o ;ngulo da quest!oque lhe foi proposta# < perfeitamente %$vio que impossvel dizer onde comea e ondetermina o documento+ pouco a pouco" a no!o se alarga e aca$a por a$ranger tetos"

monumentos" o$serva4es de todo g'nero (19=>" p# ?2)#

&erce$e8se aqui" que o movimento iniciado por arc @loch e ucien ,e$vre ampliou" demodo quase que a$soluto" a no!o de fonte" a qual passou a a$arcar potencialmente qualquer coisa que pudesse BdizerC algo so$re o passado# 5esde ent!o" os historiadores t'm seapropriado de materiais que at aquele momento nunca haviam sido utilizados: o folclore" aliteratura" a poesia" a iconografia" processos 3udiciais e muitos outros" entraram no rol defontes legtimas da historiografia# E como a 7ist%ria filha do presente" a incorpora!o denovas fontes sempre se fez segundo as necessidades e quest4es de cada momento hist%rico:

D historiador escolheu esse ou aquele con3unto de fontes (###) de acordo com a natureza de suamissão" de sua poca" trocando8os como um com$atente troca de arma ou tática quando

aquelas que utilizava perdem a eficácia ( ,ED" 1992" p# >F81)#* ,ormado em 7ist%ria pela Gniversidade Estadual de aringáHGE#

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Assim" no incio do sculo II ocorreram grandes transforma4es em todo o mundo" dentre asquais" se destaca o nascimento das artes de massa" em especial o cinema (JDN0-" 1992" p#1)# D Binemat%graphoC" como era chamado" foi uma eperi'ncia artstica que captavaimagens reais em movimento" dando uma grande impress!o de que o que se passava na tela

era a pr%pria realidade# Kean8laude @ernardet conta que o potencial de produzir a impress!ode realidade foi a $ase do grande sucesso do cinema" e foi tam$m o que o transformou numimportante instrumento a ser usado pela $urguesia" na cria!o de Bum universo cultural queepressará o seu triunfo e que ela imporá 6s sociedades" num processo de domina!o cultural"ideol%gico" estticoC (19>F" p# 1L)#

At meados do sculo" o cinema ainda n!o fazia parte do universo do historiador" pois n!o eraMtil para suas Bmiss4esC# Aos historiadores tradicionais" preocupados com o poder poltico eem mo$ilizar os cidad!os para as guerras mundiais" e aos maristas" que $uscavam ofundamento do processo hist%rico na análise dos modos de produ!o e da luta de classes" essaarte era indiferente# esmo porque" at esse momento" ela n!o era muito apreciada pelas

 pessoas cultas (,ED" 1992" p# >28)#&or volta dos anos =F" entretanto" o cinema 3á havia se consolidado como arte de massa" einfluenciava decisivamente nas maneiras como as pessoas perce$iam e estruturavam o mundo(JDN0-" 1992" p# 1)# Gm material" como esse" que se tornava t!o importante" conquistandocada vez mais espao e se disseminando pelas sociedades" n!o podia deiar de ter despertadoo interesse dos historiadores da poca" que 3á incluam as crenas e o imaginário como o$3etosda 7ist%ria# uitos" ent!o" se propuseram a investigá8lo" na tentativa de dar conta dacompleidade de sua linguagem áudio8visual e da rela!o que possua com o meio em queestava inserida" em$ora ainda houvesse certa atmosfera de desconfiana e temor com rela!o6quela máquina de fa$ricar imagens1#

 Neste artigo" o$3etivamos reconstituir parte  da discuss!o que tem cercado essa possvelintersec!o entre 7ist%ria e cinema" mostrando o que alguns historiadores" e tam$m n!o8historiadores" t'm dito a respeito# Analisaremos" de maneira introdut%ria e a partir de umcorpus  tetual relativamente limitado 8 mas representativos das principais formas detratamento te%rico8metodol%gico dado ao cinema 8" a vis!o que estes autores t'm so$re arela!o da stima arte com a realidade e" posteriormente" suas propostas metodol%gicas#

"e refle#o a constru!o do real

Ao admitir o valor documental do cinema" o historiador que pretende fazer uso de tal material"tem" necessariamente" que responder a uma srie de indaga4es que segue mais ou menosnesse sentido: BD que a imagem refleteO Ela epress!o da realidade ou uma representa!oO

Pual o grau possvel de manipula!o da imagemOC  (JDN0-" 1992" p# 1)# Essas quest4es"concernentes a rela!o do cinema com a realidade" s!o fundamentais para a pesquisa hist%rica"na medida em que suas respostas ser!o os pressupostos te%ricos que orientar!o a cria!o eaplica!o de uma metodologia adequada# Qe3amos" ent!o" como alguns historiadores e outros

 pesquisadores t'm se posicionado frente ao tema#

1 arc ,erro (1992" p# >R8?) nos informa que nas primeiras dcadas de seu surgimento o cinema foi desprezado pelas pessoas cultivadas" considerado como Bespetáculo de páriasC ou como uma mera montagem" sendo que o5ireito nem sequer lhe reconhecia um autor# Na dcada de =F" esse desprezo 3á havia passado e todos" inclusive aelite letrada" tinham tomado gosto pelas pro3e4es de filmes# &orm" o desprezo havia se transformado em

suspeita e temor por parte de muitos" que comearam a perce$er que o cinema tinha uma linguagem que lhe era pr%pria" a qual tinha certo poder de desconstruir discursos" revelando o real funcionamento e os segredos dasociedade#

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-a$emos que a partir de meados do sculo II as ci'ncias humanas passaram por uma profunda reformula!o2" que incidiu na maneira como os historiadores viam e analisavamseus documentos# D movimento dos annales" com sua proposta de desenvolver uma hist%riaarticulada em torno de pro$lemas"  " nesse sentido" ao lado da historiografia de cunho

marista" uma das maiores epress4es dessa transforma!o dentro do campo historiográfico#itando Kacques e Soff" importante historiador da terceira gera!o desse movimento" Jornisafirma:

 No limite" n!o eiste um documento verdade# Todo documento mentira# a$e ao historiador n!o fazer o papel de ing'nuo (###) preciso comear por desmontar" demolir esta montagem Uado documentoV" desestruturar esta constru!o e analisar as condi4es de produ!o dosdocumentos8monumentos (1992" p# 2)#

D$serva8se a eig'ncia de uma crtica documental mais apurada" assim tam$m como oa$andono da concep!o de transpar'ncia do documento que" como salientou Wnica Jornis"em$asava muitos cineastas e te%ricos do cinema da primeira metade do sculo" ao acreditarem

que o cinema fosse um espelho que refletisse de maneira imediata" pura e simples a realidadee a verdade (1992" p# 8L)# A partir dessas proposi4es" o documento" no caso o cinema" passaa ser tido como uma constru!o do real" que o altera por intermdio de uma articula!o entre aimagem" a palavra" o som e o movimento" num dado conteto hist%rico# Ds tra$alhos dosautores que analisamos a seguir X comprometidos direta ou indiretamente com os annales X est!o em conson;ncia com essa concep!o de cinema como constru!o" possuindo"o$viamente" suas peculiaridades#

Elias Thom -ali$a (199R) traa um paralelo entre a produ!o historiográfica das Mltimasdcadas e a narrativa flmica" atentando 3ustamente para a natureza construda que elas t'mem comum# Ele diz que os historiadores perce$eram o caráter ilus%rio da verdade a$soluta"intemporal e metafsica difundida pelos positivistas" a qual implicava na aus'ncia de

 pressupostos ideol%gicos e na neutralidade do historiador" e passaram  a afirmar que" naverdade" era o historiador que construa e recortava seu o$3eto de estudo# 5iz ainda" quenegando a o$3etividade positivista" ho3e" a hist%ria" Bse origina menos da necessidade dedemonstrar que certos acontecimentos se realizaram e" muito mais" da necessidade de severificar o que certos acontecimentos podem significarC (199R" p# 9)#

&ara -ali$a" de modo análogo" tam$m o cinema" guardadas as diferenas de linguagens"  produto de uma constru!o e cria!o de significados pelo su3eito# onstru!o e cria!o essas"que se d!o Bna sele!o que feita" em primeiro lugar" pela c;mera e pela montagem" so$re oque há para mostrar e" depois" na articula!o dessas imagens selecionadasC (199R" p# 9L)#

 Nota8se" que o princpio que su$3az a essas concep4es de hist%ria e cinema o de que o

 produtor de conhecimento n!o mais o su3eito vazio e transparente por meio do qual arealidade se refletia+ ele passou a ser visto como um su3eito denso" im$udo de valores eideologias" pr%prios de seu conteto hist%rico e da posi!o que ocupa nele#

Acentuando esse caráter de constru!o do cinema ilton Kos de Almeida (199R) o compara aum teto e enfatiza a import;ncia da sua esttica# D cinema seria um sistema sim$%lico de

 produ!oHreprodu!o de significa4es acerca do mundo:

2 A reformula!o a qual me refiro diz respeito 6 desco$erta da relatividade do conhecimento cientfico e da

 provisoriedade de suas verdades# omo assevera Elias Thom -ali$a (199R" p# 91) as  Bhumanidades est!o" ho3e"finalmente convencidas de que" ao trmino de suas investiga4es" n!o a Qerdade que ir!o encontrar" masverdadesC#

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D filme como um teto faladoHescrito" vistoHlido# omo num tetoHfala que 6 primeiraletraHsom secedem8se outros" formando palavras que se sucedem em frases" parágrafos" perodos at lermosHouvirmos" as cenas" as seqY'ncias" o filme completo (199R" p# 1R)#

Esse tetoHfilme" entretanto" para Almeida" tam$m uma o$ra de arte" ou se3a" uma

transfigura!o e cria!o esttica da realidade" da vida" e n!o pode ser interpretado comoimagens da vida ou da hist%ria tal como ela ou aconteceu# D cinema dá Buma vis!o so$reacontecimentos" que provavelmente n!o teriam nada de $elo" trágico" grandioso" horroroso"n!o fosse sua (trans)vers!o cinematográficaC (AE05A" 199R" p# 12)#

ariza de arvalho -oares (199)" por sua vez" toma uma dire!o diferente" ignorando asquest4es referentes 6 sele!o e 6 articula!o das imagens e 6 esttica# -ua preocupa!o central mostrar o cinema como um dos produtores de mem%ria coletiva ou social# itando &ierre

 Nora" ela define esse tipo de mem%ria como um Bcon3unto de recorda4es" conscientes oun!o" de uma eperi'ncia vivida ou mitificada" por uma coletividade viva de cu3a identidadefaz parte integrante o sentimento do passadoC (199" p# 2)# A autora alerta" porm" que os

grupos" ao usarem o passado na forma!o de suas identidades nas lutas sociais pelo poder" n!oapenas geram recorda4es como tam$m geram esquecimentos" sil'ncios (199" p# R)# &or esse prisma" portanto" o cinema enquanto mem%ria" está longe de ser um retrato do passadoreal+ ele sim uma manipula!o desse passado por grupos sociais que" de acordo com seusinteresses nas rela4es de poder de uma sociedade" querem decidir o que deve ser recordado eo que deve ser esquecido#

arc ,erro (1992)" talvez a maior refer'ncia dentro da hist%ria quando se trata do uso docinema com fonte" faz uma a$ordagem similar a de -oares# Ele n!o analisa o cinema de uma

 perspectiva artstica:  BD filme" aqui" n!o está sendo considerado do ponto de vistasemiol%gico# Tam$m n!o se trata de esttica (###) Ele está sendo o$servado n!o como umao$ra de arte" mas sim como um produto" uma imagem8o$3etoC (1992" p# >=)# E do mesmomodo como os autores comentados anteriormente" ele v' o cinema como uma constru!o"como uma montagem#

Entretanto" ao que parece" ,erro possui um diferencial# Ele entende que por trás da constru!ode um filme eiste “uma zona de realidade não-visível”; que por trás do conteMdo aparenteeiste um conteMdo latente" o qual pode revelar algo so$re uma dada realidade# onsideraainda" que a identifica!o dos lapsos X fragmentos involuntários que escapam aos o$3etivos dequem produz o filme X seria o meio para se chegar a esse elemento real oculto (1992" p# >>)#< isso que o autoriza a dizer que o filme uma contra8análise da sociedade#

&erce$e8se que ,erro tra$alha com certas dicotomias (visvel versus  n!o8visvel+ aparente

versus latente) e" em$ora ve3a o cinema como uma montagem" está sempre em $usca do realque se camufla por trás dela# Eduardo orettin (2FFR) critica essa postura" alegando que ocinema n!o epress!o direta dos pro3etos ideol%gicos que lhe d!o suporte" isto " eleapresenta" de fato" tens4es pr%prias# &orm" elas n!o devem ser pensadas em termos deBhist%riaC e Bcontra8hist%riaC" como se fossem faces de uma mesma moeda" de um Mnicosentido da o$ra# Tal vis!o ignora o caráter poliss'mico da imagem e esquece que o cineman!o pode revelar a realidade" dado o papel de media!o que eerce (2FFR" p# 1L)# D autor critica" ainda" a elei!o feita por  ,erro do cinema produzido por grupos marginalizados comolugar privilegiado de manifesta!o da contra8hist%ria" da realidade: Bas imagenscinematográficas produzidas por esses grupos n!o forneceriam elementos para a sua pr%priacontra8análise" pondo a$aio a representa!o que fazem de si e da sociedadeOC (2FFR" p# 1=)#

&ara orettin" o cinema" por si s%" n!o pode conter uma via de acesso ( lapsos) ao real" poisele apenas a constru!o de um sentido" de uma representa!o#

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"iferentes metodologias

A partir de seus pressupostos te%ricos" os pesquisadores citados anteriormente desenvolveramuma srie de mtodos" para tentar compreender o cinema" tanto o ficcional quanto odocumentário" e as liga4es que ele possui com o meio que o circunda#

ilton Kos de Almeida (199R) lana m!o de um mtodo similar ao da semi%tica" uma vez queconce$e o cinema como um con3unto de signos (som" vozes" palavras" cantos" mMsicainstrumental" rudos" fotografia" etc###)# as ele n!o faz a chamada Bcrtica eternaC do filme"o que talvez torne seu mtodo insuficiente para o historiador# -ua análise" contudo" pode ser interessante" na medida em que procura interpretar a esttica da linguagem cinematográfica# Aseu ver" o cinema estetiza coisas como a viol'ncia" a paz" etc# &artindo dessa idia" Almeidafaz $reves comentários so$re alguns filmes" mostrando o que o rio e a chuva significam neles#Em A Festa de Babette" por eemplo" uma cozinheira estrangeira chega a uma aldeia em diatemporal# A chuva aqui" conclui o autor" torna8se um Bpresságio da luta que irá transcorrer entre o 5eus8religi!o e o 5eus8arteC (199R" p# 1F)#

olocando o cinema como constru!o" ainda que n!o no sentido artstico como Almeida" EliasThom -ali$a (199R) prop4e a revela!o do processo de constru!o su$3etiva da hist%ria nointerior da narrativa flmica# &ara ilustrar sua metodologia" ele analisa" entre outros" odocumentário  Imagens do Brasil República# Trata8se de um filme produzido pelo Arquivo

 Nacional" pertencente ao nvel mais primário da constru!o flmica" onde se cria o “eeito de

realidade”! Tal efeito provm do fato do narrador estar em o e nunca utilizar palavras que sereferiram a ele mesmo " dando a impress!o de que a hist%ria n!o contada por algum" masque ela se conta sozinha (199R" p# 9?)# Nesse documentário" portanto" a hist%ria construdacomo monumento X artefato produzido voluntariamente pelo poder para perpetuar os pr%priosregistros" no caso" as imagens#

arc ,erro (1992)" na tentativa de conciliar análise interna e eterna" faz uso de procedimentos mais sofisticados# orettin (2FFR) divide seu mtodo em tr's dimens4es# Na primeira" crítica de autenticidade" $usca8se sa$er se o filme n!o falsificado# Na segunda"crítica de identiica#ão" a preocupa!o conhecer a veracidade do filme" identificando

 possveis traos de reconstitui!o e modifica!o# E a terceira dimens!o" crítica analítica"englo$a o estudo da fonte emissora" das condi4es de produ!o e recep!o" e a análise da

 pr%pria realiza!o do filme" que consiste no uso de opera4es ideol%gicas como a defini!o danatureza e da fun!o do comentário" a utiliza!o de entrevistas" a sonoriza!o" etc# (2FFR" p#28L8?)#

ontudo" em seu teto  Filme$ uma contra-an%lise da sociedade&$  ,erro eamina alguns

filmes soviticos pautando8se somente por essa Mltima dimens!o# Na análise de 'ura (e)" elecompara seu enredo ao da novela escrita em que foi $aseado# 0dentificando acrscimos"supress4es" modifica4es e invers4es" ,erro diz que o diretor reconstituiu a hist%ria com outrasignifica!o (conteMdo latente)" a qual ele desco$re o$servando um lapso# &osteriormente",erro comenta tam$m as crticas feitas ao filme" mostrando que elas n!o quiseram assumir asignifica!o latente# omenta ainda" os o$3etivos do diretor" constatando que ele n!o tinhaconsci'ncia do alcance de sua pr%pria o$ra# A atitude da crtica em ignorar" propositalmenteou n!o" a significa!o latente" e a atitude do diretor em desconhecer o sentido da pr%pria o$raseriam “as zonas de realidade não-visível” atingidas por ,erro# uriosamente" essametodologia lem$ra muito a psicanálise freudiana" que tam$m se fundava na decifra!o de

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 pequenos gestos" aparentemente insignificantes (os atos falhos" por eemplo)" para alcanar oinconscienteR#

&or fim" contrariando ,erro" Eduardo orettin (2FFR) destaca que a interpreta!o do cineman!o deve se ater  B6s leituras feitas da o$ra" como as epressas nas crticas de poca a nas falasdo diretor" mas ao sentido que emerge de sua estruturaC (2FFR" p# R>)# &ara ele" a quest!o n!o fazer a o$ra confessar um sentido BinconscienteC# D importante esquadrinhar um filme eeaminar como seu sentido produzido" refazendo" para tanto" o caminho trilhado pelanarrativa" levando em conta as tens4es X provenientes da associa!o de diversos tipos de signo

 X dessa prática discursiva# A partir da" possvel Bdesvendar os pro3etos ideol%gicos com osquais a o$ra dialoga (###) sem perder de vista sua singularidade dentro de seu contetoC (2FFR"

 p# F)#

%onsidera&es finais

Esquematicamente" a apropria!o do cinema como fonte hist%rica pode ser divida em duasfases# A 3ulgar pelas conclus4es dos estudos de Wnica Jornis" podemos dizer que houve uma

 primeira que se estendeu at meados do sculo II# D cinema foi tido" nesses anos" comouma espcie de refleo transparente da realidade" sendo que os historiadores ainda n!outilizavam frequentemente tal material" que" a rigor" era tra$alhado somente por crticos esoci%logos que algumas vezes analisavam8no com vistas a fazer refle4es hist%ricas (1992" p#?)# Ká na segunda fase" iniciada nos anos 19?F e a qual pertencem os pesquisadores analisadosnesse tra$alho" a stima arte" graas 6s refle4es revolucionárias dos annales" foidefinitivamente incorporada ao fazer historiográfico e passou a ser vista apenas como umaconstru!o" uma representa!o do real#

A mudana de enfoque se deve" provavelmente" 6 ado!o das no4es de  sub*etividade  ediscurso+" que consideram" respectivamente" que toda forma de conhecimento (incluindo o

cinema) condicionada pelo ponto de vista pessoal e pelos interesses sociais" polticos eculturais do autor# 5entro do campo historiográfico" tal ado!o se deu" so$retudo" com osannales# 5e onde conclumos que tal movimento teve dupla import;ncia na utiliza!o docinema como fonte hist%rica" pois alm de t'8lo introduzido definitivamente na esfera dadisciplina" modificou as maneiras de analisá8lo#

A guinada na a$ordagem do cinema conduziu 6 cria!o de diversos mtodos" que visavamdesconstruir a imagem cinematográfica# Ds autores estudados nesse artigo usaram duasmatrizes metodol%gicas X muitas vezes coadunando8as X que s!o varia4es dessa empreitada:a semi%tica" que se propunha a decodificar os sistemas de significa!o" e as outrasmetodologias" mais preocupadas com os processos socioculturais su$3acentes aos eios

ideol%gicos do filme#

Refer'ncias bibliogr(ficas

R Essa caracteriza!o do mtodo de ,reud feita por Sinz$urg (2FFR" p# 1LF)" que o compara ao mtodo do pintor orelli e ao atri$udo a -herloc 7olmes por Arthur onan 5o.le# D autor diz que todos eles procuravam por meio de pistas infinitesimais captar uma realidade mais profunda" e que eles representam" no final do sculoI0I" a emerg'ncia de um paradigma epistemol%gico denominado por ele de indiciário# As duas no4es penetraram no ;m$ito historiográfico atravs de outras disciplinas# A  sub*etividade" isto " aidia de que todo sa$er provm de su3eitos do conhecimento" foi difundida pela filosofia" ao passo que a no!o

de discurso" isto " a idia de que todo conhecimento produzido por um determinado autor" que focaliza umdeterminado pM$lico" dando ao seu teto (lato sensu) uma forma e um conteMdo" foi divulgada pela lingYstica e

 pela semi%tica#

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7/18/2019 O Cinema Como Fonte Histórica, Diferentes Perspectivas Teórico-metodológicas - Urutágua

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