Retiro Calabriano - Novembro/2015

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ROTEIRO DE RETIRO ESPIRITUAL PARA O ANO DA VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA SÉTIMO TEMA: Renovando nossa esperança para ser “esperança para o mundo” “Daí razão à vossa esperança” (1Pd 3,15) Este é nosso sétimo encontro de oração. Estamos, neste ano da Vida Religiosa Consagrada, percorrendo um caminho de oração e reflexão sobre alguns elementos próprios da nossa vocação para bem celebrar esse ano e revitalizar nosso entusiasmo quanto ao chamado e à missão que Deus nos confia. Até o momento rezamos temas que elucidaram a missão de ser e anunciar o Evangelho; de coerência que se torna profecia para a Igreja e o mundo. O roteiro que segue quer rezar o tema: “Renovando nossa esperança para ser esperança para o mundo”. Que este momento nos ajude a revitalizar nossa fé, a dar razão à nossa esperança e revisitar o fundamento do nosso entusiasmo no seguimento de Jesus, ajudando-nos assim a sermos mais profícuos como sinais de esperança para aqueles que o Senhor nos envia. Como último tema, buscaremos rezar e refletir sobre como nós, família calabriana, podemos, a partir da nossa espiritualidade e missão ser renovados e entusiastas mensageiros da esperança. Fundamentação: A atitude de esperança é essencial para a vida do homem e da mulher. Isso se dá ao fato de que a vida humana não é algo que se vive apenas em um instante de plenitude, pois viver é adentrar no futuro. É pelo caráter misterioso da vida com suas possibilidades mais inimagináveis que o futuro frequentemente provoca medo. Contudo, ao mesmo tempo em que o medo pode nos impedir de seguir adiante em nossa capacidade criadora e dinâmica, ele nos pode colocar em condições de constante busca e desejo pelo novo. Segundo o dicionário Aurélio, esperança é o ato de se esperar o que se deseja; é expectativa; é fé e confiança em conseguir o que se deseja. Pode ser entendida também como atitude ativa; é ter ou adquirir esperança 1 . Esperança ainda, é uma virtude que consiste no desejo de um bem futuro e na tensão voltada para alcançá-lo 2 . Essa virtude se torna religiosa quando o objeto desse anseio é Deus e o seu Reino: “A minha alma tem sede de Deus e deseja o Deus vivo, quando terei a alegria de ver a face de Deus”? (Sl 42,3). Neste contexto, a esperança é reconhecida como a segunda das três virtudes teologais. Por ela desejamos como nossa felicidade o Reino dos Céus e a vida eterna. Pela esperança, colocamos nossa confiança nas promessas de Cristo apoiando-nos não nas nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo. “Continuemos a afirmar nossa esperança, porque é fiel quem fez a promessa” (Hb 10,23). Por Jesus somos herdeiros da esperança da vida eterna (cf. Tt 3,6-7). A virtude da esperança responde à aspiração de felicidade colocada por Deus no coração de toda pessoa; dá alento em todo esmorecimento; dilata o coração na expectativa da bem-aventurança divina. Como o homem não pode responder natural e plenamente ao amor divino por suas próprias forças, Deus 1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3ed. Curitiba. Positivo. 2004. 2 IDÍGORAS, J. L. Vocábulo teológico para a América Latina. São Paulo. Paulinas. 1983.

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Retiro Calabriano elaborado pelo Pe. Osvaldo de Oliveira para o mês de Novembro, com o tema: "Renovando nossa esperança para ser 'esperança para o mundo'".

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ROTEIRO DE RETIRO ESPIRITUAL PARA O ANO DA VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA

SÉTIMO TEMA:

Renovando nossa esperança para ser “esperança para o mundo”

“Daí razão à vossa esperança” (1Pd 3,15)

Este é nosso sétimo encontro de oração. Estamos, neste ano da Vida Religiosa Consagrada,

percorrendo um caminho de oração e reflexão sobre alguns elementos próprios da nossa vocação para bem celebrar esse ano e revitalizar nosso entusiasmo quanto ao chamado e à missão que Deus nos confia.

Até o momento rezamos temas que elucidaram a missão de ser e anunciar o Evangelho; de coerência que se torna profecia para a Igreja e o mundo. O roteiro que segue quer rezar o tema: “Renovando nossa esperança para ser esperança para o mundo”. Que este momento nos ajude a revitalizar nossa fé, a dar razão à nossa esperança e revisitar o fundamento do nosso entusiasmo no seguimento de Jesus, ajudando-nos assim a sermos mais profícuos como sinais de esperança para aqueles que o Senhor nos envia. Como último tema, buscaremos rezar e refletir sobre como nós, família calabriana, podemos, a partir da nossa espiritualidade e missão ser renovados e entusiastas mensageiros da esperança.

Fundamentação: A atitude de esperança é essencial para a vida do homem e da mulher. Isso se dá ao fato de que a

vida humana não é algo que se vive apenas em um instante de plenitude, pois viver é adentrar no futuro. É pelo caráter misterioso da vida com suas possibilidades mais inimagináveis que o futuro frequentemente provoca medo. Contudo, ao mesmo tempo em que o medo pode nos impedir de seguir adiante em nossa capacidade criadora e dinâmica, ele nos pode colocar em condições de constante busca e desejo pelo novo.

Segundo o dicionário Aurélio, esperança é o ato de se esperar o que se deseja; é expectativa; é fé e confiança em conseguir o que se deseja. Pode ser entendida também como atitude ativa; é ter ou adquirir esperança1. Esperança ainda, é uma virtude que consiste no desejo de um bem futuro e na tensão voltada para alcançá-lo2. Essa virtude se torna religiosa quando o objeto desse anseio é Deus e o seu Reino: “A minha alma tem sede de Deus e deseja o Deus vivo, quando terei a alegria de ver a face de Deus”? (Sl 42,3).

Neste contexto, a esperança é reconhecida como a segunda das três virtudes teologais. Por ela desejamos como nossa felicidade o Reino dos Céus e a vida eterna. Pela esperança, colocamos nossa confiança nas promessas de Cristo apoiando-nos não nas nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo. “Continuemos a afirmar nossa esperança, porque é fiel quem fez a promessa” (Hb 10,23). Por Jesus somos herdeiros da esperança da vida eterna (cf. Tt 3,6-7).

A virtude da esperança responde à aspiração de felicidade colocada por Deus no coração de toda pessoa; dá alento em todo esmorecimento; dilata o coração na expectativa da bem-aventurança divina. Como o homem não pode responder natural e plenamente ao amor divino por suas próprias forças, Deus

1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3ed. Curitiba. Positivo. 2004. 2 IDÍGORAS, J. L. Vocábulo teológico para a América Latina. São Paulo. Paulinas. 1983.

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lhe dá a capacidade de corresponder a seu amor. Esperança, neste sentido, é aguardar confiante a bênção divina3.

Diante da esperança podemos ter duas atitudes diferentes: passiva e ativa. A passividade revela uma postura de simples espera. “Alguém fará por mim”. Esta é uma atitude de indiferença, que aguarda a chegada do novo e o recebe com frieza. Esta atitude de espera está privada de sonho, de desejo e até mesmo de entusiasmo.

Aquele que espera ativamente está repleto de desejo e deixa-se orientar pelo amor e procura “antecipar-se” ao futuro na sua imaginação. Esse elemento ativo pelo que ainda não existe é o que dinamiza e ilumina toda a existência porque capacita a caminhar com o coração alegre e ansioso por aquilo que há de acontecer. Atitude assim torna a vida feliz porque se adentra ao futuro como uma aventura realmente emocionante comprometedora.

Esperança nas Escrituras O conceito Esperança é comumente expresso com a raiz hebraica qwh (tiqwã, maior ocorrência);

com menor ocorrência encontra-se a raiz (jhl = esperar, esperar firmemente)4; e hkh (esperar com anseio/ com confiança) e śbr (espera, aguardar) aparecem raramente. Os termos gregos para esperança são ẻλπίϛ (“E”) e ẻλπίϛω (“esperar”). Para além dessa terminologia, que, por exemplo, quase não se encontra nos evangelhos, há uma grande diversidade de expressões para o conceito de confiança em Deus cuja bondade e misericórdia são dignas de confiança e cujas promessas são realizadas e, essa ideia de esperança se repete muito no AT.

Os livros do Antigo Testamento constituem-se “história de esperança”5. O povo de Israel sempre leu em sua história a presença e ação de Deus. Na vida de Abraão, por exemplo, “pai na fé”, encontramos a promessa de bênção futura dos povos (Gn 12,1-3). Na longa caminhada do Egito à terra prometida o que moveu o povo de Deus é a esperança da “terra que mana leite e mel” (Ex 3,7-8). As diversas manifestações de Deus estão imbuídas de uma promessa de salvação (Gn 49,18; Ex 23,31-33; Lv 26,3-5.11-12). Muito frequentemente Deus é objeto explícito da esperança - e/ou do verbo “esperar”, (cf. Sl 25,3-5.21; 69,7; 130,5; Pr 20,22; Lm 3,25; Is 8,17; 25,9; 40,31; 49,23;51,5; Jr 14,22; Os 12,7). A esperança também aparece como bem em si (Jr 29,11; Ez 37,11; Os 2,17; Zc 9,12; Jo 8,13; 17,15; Pr 11,7; 24,14); aproxima-se da experiência de ser consolado – no livro da Sabedoria, por exemplo, são vistos quase que como sinônimos: “Não há para os pecadores nenhum consolo e nenhuma esperança no juízo” (cf. Sb 3,18); à pessoa arrependida, Deus concede conversão e consola aqueles que não têm esperança (cf. Eclo 17,24).

A voz dos profetas denunciavam as falsas esperanças: a força, o dinheiro e o poder (Jr 17,5-8; Is 31,1) e anunciava a vinda do Messias para reestabelecer a justiça. Aqueles que serviam ao Senhor renovavam a sua esperança (Jr 30,33; Ez 34,48; Is 40-45). A esperança anunciada pelos profetas ultrapassava os interesses materiais e já esboçava o Reino de Deus universal com a participação de todos os povos (Is 2,1-5; Jr 3,17; Is 45,14; 60,1-5) e apontava como objetivos a paz, o bem-estar e a felicidade dos povos, mas também o conhecimento de Deus (Is 11,9; Hab 2,14), a transformação interior dos corações (Jr 31,31-34; Ez 36,25-28), e oculto a Deus (Zc 14; Ez 40ss).

A mensagem do Novo Testamento também é permeado de esperança cujo núcleo central é a pregação do Reino de Deus que se faz presente pela salvação de Cristo (Mt 11,2-5; 12,28) e que se manifestará plenamente na Parusia (Mc 8,38; 9,1; 13). Os primeiros cristãos manifestavam essa firme e inquebrantável esperança/expectativa pelo “maranathá” = “Vem Senhor” (1Cor 16,21-24; 1Ts 2,19-20; 4,13ss; 1Cor 15,22-28). Contudo, a hora e o momento da vinda do Senhor são incertos (2Pd 3,8-19).

A esperança cristã, longe de ser uma atitude passiva, deve ser vigilante e comprometida e ativa (1Ts 5,1-6; 1Pd 5,8; Mt 25,14; 2Ts 3,6-8); é fonte e está impregnada de verdadeira alegria, como alude São Paulo aos Tessalonicenses “Não deveis entristecer-vos como os outros que não têm esperança” (1Ts 4,13). Neste sentido, a esperança é também elemento distintivo dos cristãos, pois têm um futuro, têm a certeza que a vida não acaba no vazio. “Alegrai-vos sempre no Senhor, repito: alegrai-vos” (cf. Fl 4,4),

3 Cf. Catecismo da Igreja Católica, nn. 1817; 2090. 4 BERLEJUNG, Angelika e FREVEL, CRISTINA (orgs.). Dicionário de termos teológicos fundamentais do Antigo e do Novo Testamento. Paulus / Loyola, São Paulo. 2011. 5 IDÍGORAS, J. L. Vocábulo teológico para a América Latina. São Paulo. Paulinas. 1983.

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A alegria é característica da esperança cristã porque está fundamentada na certeza da posse antecipada da salvação (2 Cor 3,18; Rm 8,18-25). Ela provém do Cristo Ressuscitado, apresentado por São Paulo como primícias da salvação universal (Rm 6,3-5; Cl 3,1-4). Pela ressurreição de Cristo os sofrimentos humanos tomam sentido secundário (2Cor 5,6-10; 4,16-18; Fl 3,12-14; 2 Tm 4,7-8), pois os cristãos caminham rumo à núpcias entre Cristo e sua Igreja (Ap 21,1-4). Neste sentido também o evangelista João enfatiza, por um lado, que a salvação já se realizou com a primeira vinda de Jesus (Jo 6,47), mas, por outro, que Jesus vai à frente dos seus e lhes prepara uma morada junto ao Pai celestial (Jo 14,1-3; 17,24). Também em João a esperança da vida eterna depende da conduta neste mundo e do seguimento de Jesus, respectivamente (cf. Jo 12,25s).

As promessas do Antigo testamento são cumpridas na pessoa do Messias Jesus e o Reino de justiça anunciado pelos profetas é o Reino de Deus anunciado como evento salvífico eminente (cf. Lc 10,2), Reino este que é “já e ainda não” que exige fé (Mc 1,15) e constante vigilância (Mc 13,33-37). Nessa perspectiva a comunidade cristã está repleta de esperança de que Jesus estará sempre presente (Mt 18,20; 28,20).

Na literatura epistolar encontram-se várias vezes a tríade “Fé, esperança e amor” (cf. 1 Cor 13,13; 1Ts 1,3;5,8; Cl 1,4s; Hb 10,22-24). Essa fórmula tríplice é resumo cristão sobre a existência justificada escatológica. Paulo enfatiza dessa forma uma realização completamente válida da vida cristã no perfeito estado.

Podemos perceber outro aspecto da esperança: a perseverança que ocasionalmente pode ocupar o lugar da esperança, especialmente quando se trata do discipulado fiel (cf. 1Ts 1,3; Tt 2,2; 1 Tm 6,11; 2 Tm 3,10; Ap 2,19). Paulo deposita na existência de Cristo toda a sua confiança (2Cor 3,4-12). Encontramos ainda nos escritos paulinos que a criação inteira compartilha a esperança pela salvação, ela está em “dores de parto” (Rm 8,18-30). Paulo apresenta Abraão (Cf. Gn 15,5s) como grande modelo de esperança que deve ultrapassar qualquer evidência humana. Dessa maneira, Paulo cunha a palavra da “esperar contra toda a esperança” (Rm 4,18). O desejo de bênção paraleliza os termos esperança e consolo que nasce da intervenção da esperança oferecida por Deus em Cristo Jesus (Cf. 2Ts 2,26; Hb 6,18).

Para os cristãos o próprio Cristo é motivo da esperança (Cl 1,23. 27; 1Tm 1,1). Ela se manifesta desde o início da pregação de Jesus no anúncio das bem-aventuranças. Em Cristo, por sua Paixão, Morte e Ressurreição, Deus nos guarda na “esperança que não decepciona” (Rm 5,5). Sem Cristo e sem a aliança de Deus não há esperança (Ef 2,13); nem a riqueza terrestre é motivo de esperança (1Tm 6,17). Diante das dificuldades em vivenciar a fé a esperança traduz-se como perseverança (Tg 1,2-4; 1Pd 4,14). Precisa-se saber fundamentar, dar razão à nossa esperança (cf. 1Pd 1,3.21; 3,15).

A experiência celebrar a cada ano o Natal do Senhor com o Tempo do Advento nos inserimos profundamente no mistério da nossa salvação. É na esperança que somos salvos (Rm 8, 24), assim o Papa Bento XVI começou a sua encíclica Spe Salvi6. A redenção nos foi dada no sentido de que nos foi dada a esperança; uma esperança fidedigna que nos torna capazes de enfrentar o tempo presente, ainda se custoso.

A esperança cristã representa a vigilância e o compromisso de trabalhar pela libertação integral – espiritual e social7. Trata-se de uma encruzilhada do cristianismo, o ponto de encontro entre a esperança, a vigilância e o compromisso. “A espiritualidade cristã só será uma espiritualidade libertadora quando realizar a síntese dessas três atitudes8”. O cristianismo deve construir a esperança na história. Com o nascimento de Jesus, a esperança se faz história. Paulo lembra aos Efésios essa realidade quando afirma que antes do seu encontro com Cristo eles estavam “sem esperança e sem Deus no mundo” (Ef 2,12). O Natal é a celebração de nossa esperança em Cristo. É nela que todo ano renovamos nossa fé de que o Senhor é o único libertador, fonte de paz e fraternidade na sociedade.

Como exercitar a esperança O Papa Bento XVI em sua encíclica Spe Salvi aponta algumas pistas de como podemos aprender e

exercitar a esperança:

6 XVI, Bento. Carta Encíclica Spe Salvi – Sobre a esperança cristã. Paulinas. São Paulo. 2007. 7 GALILEA, Segundo e Paoli Arturo. Anúncio de esperança – reflexões homiléticas Anos A, B, C. 2 ed. Paulinas. São Paulo. 1986. 8 Cf. Puebla 937; 968-970.

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- a oração é primeiro e essencial “lugar” de aprendizagem da esperança. “Quando já ninguém mais me escuta, Deus ainda me ouve. Quando já não posso falar com mínguem nem invocar ninguém, a Deus sempre posso falar. Se não há mais ninguém que me possa ajudar, Ele pode ajudar-me.9”.

- agir e sofrer: Toda vez que o homem age com seriedade e responsabilidade ele coloca a esperança em ato; empenha-se e contribui para que o mundo se torne mais humanizado10. Sendo que o sofrimento faz parte da existência humana, é preciso fazer todo o possível para diminuir o sofrimento dos inocentes; amenizar suas dores. Quando agimos assim, elucidamos nossa esperança.

- juízo: a imagem do juízo final não é primariamente uma imagem aterradora, mas de esperança; é uma imagem que apela à responsabilidade. “Uma alma que levou uma vida piedosa e sincera compraz-se com ela e manda-a sem dúvida para as ilhas dos bem-aventurados11”.

- Íntima união da Igreja com toda a família humana: “A Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história12”. Por isso, nós, discípulos de Jesus, precisamos estar atentos às alegrias e esperança, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem. Não pode haver realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco em nosso coração.

Encontro com a palavra: (Ez 37,1-14) - Leia o texto atentamente - O que diz o texto?

- Repetir alguma frase ou alguma expressão significativa “A mão de Iahweh veio sobre mim e me conduziu para fora pelo espírito de Iahweh e me pousou no meio de um vale que estava cheio de ossos. E aí fez com que me movesse em torno deles de todos os lados. Os ossos eram abundantes na superfície do vale e estavam completamente secos. Ele me disse: ‘Filho do homem, porventura tornarão a viver esses ossos?’ Ao que respondi: ‘Senhor Iahweh, tu o sabes’. Então Ele me disse: ‘Profetiza a respeito destes ossos e dize-lhes: ossos secos, ouvi a palavra de Iahweh. Assim fala o Senhor Iahweh a estes ossos. Eis que vou fazer com que sejais penetrados pelo espírito e vivereis. Cobrir-vos-ei de tendões, farei com que sejais cobertos de carne e vos revestirei de pele. Porei em vós o meu espírito e vivereis. Então sabereis que eu sou Iahweh’. Profetizei de acordo com a ordem que recebi. Enquanto eu profetizava, houve um ruído e depois um tremor e os ossos se aproximaram uns dos outros. Vi então que estavam cobertos de tendões, estavam cobertos de carne e revestidos de pele por cima, mas não havia espírito neles. Então me disse: ‘Profetiza ao espírito, profetiza, filho do homem, e dize-lhe: Assim diz o Senhor Iahweh: Espírito vem dos quatro ventos e sopra sobre estes mortos para que vivam’. Profetizei de acordo com o que Ele me ordenou, o espírito penetrou-os e eles viveram, firmando-se sobre os seus pés como um imenso exército. Então Ele me disse: ‘Filho do homem, estes ossos representam toda a casa de Israel, que está a dizer: ‘Os nossos ossos estão secos, a nossa esperança está desfeita. Para nós está tudo acabado’. Pois bem, profetiza e dize-lhe: ‘Assim diz o Senhor Iahweh: ‘Eis que abrirei os vossos túmulos e vos farei subir dos vossos túmulos, ó meu povo, e vos reconduzirei para a terra de Israel. Então sabereis que eu sou Iahweh, quando abrir vossos túmulos e vos fizer subir de dentro deles, ó meu povo. Porei o meu espírito dentro de vós e vivereis: eu vos reporei em vossas terra e sabereis que eu, Iahweh, falei e hei de fazer, oráculo de Iahweh”.

9 Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2657. 10 Cf. XVI, Bento. Carta Encíclica Spe Salvi – Sobre a esperança cristã. Paulinas. São Paulo. 2007. 11 Cf. Catecismo da Igreja Católica, nn. 1033-1037. 12 Concílio Vaticano II. CONSTITUIÇÃO PASTORAL GAUDIUM ET SPES SOBRE A IGREJA NO MUNDO ATUAL. nn. 1; 4 (1962-1965).

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Pistas de reflexão: Como afirmamos acima, a esperança cristã é atitude de vigilância e compromisso de libertação

integral13. Sendo assim, nós os religiosos e religiosos somos chamados a ser sinal de esperança para aqueles que estão nas encruzilhadas e periferias existenciais14”. Precisamos ser portadores de esperança. Para isso, sugiro que, em primeiro lugar olhemos nossa vida como consagrados, restabelecendo as “razões da nossa esperança” e deixemo-nos animar e revitalizar pelo sopro do Espírito.

O texto sugerido de Ezequiel 37,1-14 Já é conhecido por todos nós. Contudo, centremos em alguns aspectos que nos podem ajudar nesse momento de oração pessoal e comunitária.

Ezequiel é um profeta que faz parte da primeira leva de deportados, em 697 a.C. Pregou na Babilônia e tinha uma linguagem semelhante a de Jeremias (que ficou em Jerusalém): censurava o povo de Deus (Ez 3,24) e as nações (25-32) pelos seus erros. Quando o povo perdeu sua liberdade e foi exilado e consequentemente perdeu toda esperança no futuro15: “Nossos ossos estão secos, nossa esperança desapareceu, estamos esfacelados” (v. 11). De fato, o que o profeta viu foi um desânimo total, uma multidão de “ossos secos”, sem esperança e sem vida, um povo morto. O povo estava desanimado e havia perdido a memória dos grandes feitos libertadores de Deus. Por isso, o texto insiste em apresentar que a mensagem do profeta provém da própria boca de Iahweh o Deus que salva, aquele que cumpre o que diz16 (cf. VV. 13-14). A primeira missão do profeta é reavivar no povo a ação libertadora de Deus. A partir de então, a pregação de Ezequiel se tornou mensagem de esperança, anunciando que Deus restauraria o seu povo.

Iahweh conduz Ezequiel com seu Espírito a um vale. Aí Ele teve uma visão. Este é o mesmo lugar de sua vocação (cf 3,22). O profeta sente a mão de Iahweh sobre ele. O vale estava cheio de ossadas acumuladas significando os incontáveis sinais de morte visualizados e experiência dos pelo povo. Conforme o pensamento hebraico esse era um sinal de desgraça particular, pois se costumava enterrar com os pais, no túmulo da família (cf. Gn 35,29; 50,5). Os ossos estavam completamente ressequidos. E o profeta é interpelado: “Filho de homem, essas ossadas podem reviver? (...) Profetiza um oráculo sobre essas ossadas: dize-lhes: ossadas ressequidas escutem a Palavra do Senhor. Assim fala o Senhor Deus a essas ossadas: farei vir sobre vós um sopro para que vivais. Porei nervos sobre vós, farei crescer carne sobre vós, estenderei pele sobre vós, porei em vós um sopro e vivereis...” (vv. 3-5).

O sopro pode ser entendido também como espírito. Em hebraico, a mesma palavra Ruah significa “espírito”, “sopor”, “vento”17. É o Espírito de Deus quem transmite vida. Como o sopro na narrativa da criação. O criador transmite vida com o sopro do Espírito, àqueles que tiveram suas esperanças transformadas em desespero . Assim, foram levados da experiência da morte à nova vida na terra de Israel (vv. 7-8). A imagem dos ossos ressurgindo não é da ressurreição individual. É uma descrição visionária de um novo começo político coletivo para Israel. É uma nova vida que o Senhor concede ao povo fazendo reviver seu entendimento de Deus e seu modo de existência enquanto povo de Deus (nova existência social e política). Neste sentido, o povo é convocado a tomar consciência das causas que geram contínuas desgraças e roubam a sua esperança e a agir de forma que transforme essa realidade de morte em situação de vida (sair dos túmulos).

A missão de Ezequiel é que profetize para que o povo viva (reviva). Assim, Deus declara que os que tiveram as esperanças transformadas em desespero serão levados da experiência de morte à nova vida ao retornarem para a pátria. (vv. 11-12). A mensagem salienta que “a nova vida que o Senhor concederá ao povo reviverá seu entendimento de Deus e sua volta na terra18”.

13 GALILEA, Segundo e Paoli Arturo. Anúncio de esperança – reflexões homiléticas Anos A, B, C. 2 ed. Paulinas. São Paulo. 1986. 14 Afirmação de Papa Francisco. Cf. Puebla 937; 968-970. 15 BERGANT, Dianne e Robert J. Karris. Comentário Bíblico V.2. São Paulo. Loyola. 1999. 16 BORTOLINI, José. Roteiros homiléticos Anos A, B, C, Festas e Solenidades. São Paulo. Paulus. 2007. 17 Cf. Nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém. Paulus. São Paulo. 2012. 18 BERGANT, Dianne e Robert J. Karris. Comentário Bíblico V.2. São Paulo. Loyola. 1999.

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3- Meditação: o que o texto diz para mim? Podemos, de forma livre também associar a ausência do sopro ou espírito à ideia de ausência de espiritualidade ou mesmo motivação interna para viver com convicção nossa vocação como consagrados. No povo de Israel (ossos em abundante número), faltava a força interna que dinamiza a vida, a motiva e a fundamenta. Qual era o espírito ausente nesses ossos? Onde estava o entusiasmo que os poderia motivar à vida? Ou o que foi que

lhes tirou a esperança e a vontade de viver? Podemos nos perguntar ainda: será que nós não perdemos o entusiasmo pela vocação e missão? Damos “razão à nossa esperança”? Será que também eu, no meu cotidiano não estou como que esses ossos ressequidos? Será que me acomodei e vivo sem o fascínio original da minha vocação e sem encanto pela vida consagrada?

- o que representa para mim e/ou minha comunidade esse vale, esses ossos ressequidos e o sopro do espírito que faz retornar a viver e mantém de pé (cf. v.10)? Minha comunidade não precisa ser regenerada pela graça do sopro do Espírito? As pessoas que vêm ao encontro veem nossa comunidade como uma comunidade viva?

4- Oração: - O que o texto me faz dizer a Deus? - Leia novamente o texto escolhido e deixa o coração falar. Se oportuno reze uma oração à escolha.

5- Contemplação – que novo olhar esse texto produz em mim? - silencie diante da Palavra refletida e rezada. - Coloca-te no contexto do vale e deixa-te “inspirar” pelo sopro de vida do Espírito.

6- O que é essencial registrar? - Após a experiência de oração tomo consciência de que... - Estratégias/compromissos para minha vida de comunidade e missão: - Palavra ou frase inspiradora:.....