Revista Cultural Preá #23

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    DIST

    RIBUIogRaTUITa

    Ano9|201

    1|JaneiroFevereiroMaroAbril

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    f a c e a f a c e

    olhaRf

    Diva, fotografada por Chico Canho, na dcada de 80.

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    emInInopor Mrio Ivo Cavalcanti

    Ada, fotografada por Ney Douglas, em 2010.

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    DIVAComo no sou disciplinada, enchio meu dia de aulas, estou assim, pareouma estudante, no saio do CEFET.

    ADA Eu sa do jornal justamente prapoder me preparar para a seleo domestrado.

    DIVAMas voc formada em Letras ouJornalismo?

    ADA Eu me formei em Jornalismo em2004, Letras em 2010 e ingressei agorano Programa de Ps-graduao em Es-tudos da Linguagem da UFRN, na reade Lingustica Aplicada.

    DIVA Eu tinha 23 anos quando come-cei a ensinar, e de cara me deram qua-tro turmas. O curso de Letras tinha sidofederalizado, era um dos grandes em-pregos da poca, todo mundo querendoser melhor e eu fiquei louca. S viviapra estudar. Larguei Jornalismo e fui en-sinar Literatura Portuguesa. Hoje, quan-do fao uma retrospectiva, reconheoque aprendi Literatura com a Literatura

    Portuguesa, que por sua vez aprendiensinando. Eu no tinha sido uma boaaluna. Foi a poca das greves, 68, euvivia fazendo discurso em cima das me-sas, estudar que era bom...

    ADAEu j era o contrrio, nunca me en-volvi com o movimento estudantil.

    DIVASim, mas voc viveu outros tem-pos, as coisas esto frias.

    ADAA ltima greve que eu peguei foiquando eu fazia Jornalismo, 2000, 2001,uma greve que durou trs meses.

    DIVA Meu curso de Letras pegou oauge da confuso. Alm das grandesbandeiras nacionais, aqui tinha tambmo problema especfico da Faculdade deFilosofia, Letras e Artes, que era esta-

    dual e queria ser federalizada. E eu, daesquerda festiva, perdia meu tempo fa-zendo barulho. Fui estudar quando pas-sei no concurso e me vi diante de qua-tro turmas pra ensinar. Foi duro, mas foibom. No incio dos anos 70, quando omestrado chegou ao Brasil, eu, deses-perada, decidi sair. Houve um seminriona Academia Norterriograndense de Le-tras sobre Literatura Brasileira e trouxe-

    ram Gilberto Mendona Teles, que meencaminhou para um mestrado na PUC,no Rio de Janeiro. Foi importantssimona minha vida, foi quando eu conheci osprofessores que estavam na onda Sil-viano Santiago, Cleonice Berardinelli...Pra quem vive aqui preciso sair...

    ADAVoc terminou o mestrado e voltoulogo pra Natal?

    DIVA . Tirei licena de trs anos, de-fendi a tese e voltei pra c. Nesse nte-rim, minha vida mudou: no terceiro anoeu estava grvida e fiquei viva. Esseperodo tambm foi muito importanteporque foi no Rio que eu conheci minhaparceira intelectual, Constncia LimaDuarte. O professor Waldson Pinheiroera o chefe de departamento, e comoa UFRN estava crescendo, me pediu

    para que eu indicasse alguns colegaspara o cargo de professor visitante. Masningum quis, porque Natal era uma vi-

    ReuniR Diva Cunha e aDa Lima em uma mesma ConveRsa CoinCiDiR

    Duas tRajetRias, potiCas e pRofissionais, que a DistnCia geRa-

    CionaL s apRoxima. enquanto aDa, aos 25, paRte paRa seu segunDo

    LivRo, Diva j pubLiCou seu quinto De poesia, que vem se juntaR a ou-

    tRos quatRo na Rea De CRtiCa e pesquisa LiteRRia. enquanto Diva

    se Dizia Da p viRaDa/ a Da viDa toRta, em sua estRia taRDia, aDa,

    poCa Com Dois anos, se DefiniRia Depois, e iguaLmente estReante,

    Como uma menina gauChe. no toa, ambas ReCoRRem LouCuRa

    paRa DesCReveR seus inCios aCaDmiCos aDa, apenas entRanDo no

    mestRaDo; Diva, aposentaDa Da ufRn e ainDa meRguLhaDa em Leitu-

    Ras, pesquisas, estuDos, e De voLta s saLas De auLa, em um eteRno e

    sauDveL ReComeo.

    Formatura em Letras, 2010: Ada.

    Arquivopes

    soal

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    lazinha. Em 78 isso aqui era uma beirade praia, era uma delcia, mas ningumqueria ficar num lugar que no era umcentro de irradiao.

    ADA No tinha tradio nenhuma empesquisa.

    DIVANada. Eu falei com Silviano e eledisse e os seus amigos? meus ami-gos eram Constncia e Eduardo Duar-te e eu disse mas eles tambm noquerem. Mas como? Eles precisamao menos conhecer. A eles vieram. Efoi muito importante, porque fizemosuma parceria, eu e Constncia, pri-meiro em Literatura Portuguesa e de-pois passamos para a Literatura do RioGrande do Norte.

    PRE Quando comeou esse interessepela Literatura Potiguar?

    DIVAInteresse eu sempre tive, mas notinha livro, no tinha nada, algum faziauma conferncia, voc corria para as-sistir. Tarcsio Gurgel, na apresentaoda Informao da Literatura Potiguar,conta como eu, participando de uma desuas palestras, pedi Tarcsio, pelo amorde Deus, escreva, escreva o que vocsabe. Foi um interesse que foi crescen-do. Eu convivia muito com Vicente Se-rejo e ele j naquela poca tinha aquelapreocupao de colecionador e me pas-sava algumas coisas. Constncia, poroutro lado, resolveu que o tema do seudoutorado seria Nsia Floresta e come-ou a procurar material para ver se justi-ficava... ento, ns fomos descobrindo,procurando, mas foi uma dessas coisasque acontecem,aonda...

    PRE Uma onda que vocs criaram...

    DIVASim, mas esse vocs no somoss eu e Constncia, tem mais gente.Hoje, a gente v pessoas como AnaLaudelina lanando um livro sobre Autade Souza em So Paulo.

    ADA Eu no vou mentir: eu conheomuito pouco da Literatura daqui, tenhoat vergonha de falar.

    DIVA Mas no tenha, no, voc no-vinha...

    ADAQuando eu entrei no curso de Le-

    tras, meu interesse maior era Literatura,especialmente Fernando Pessoa, que minha grande paixo. Fui me apai-

    xonando pela rea de Lingustica e nolarguei mais. Atualmente estou com umprojeto sobre Quadrinhos, a construode sentido no gnero.

    DIVAEsses interesses a gente vai des-pertando aos poucos. Eu sempre gosteide Literatura, sempre fui apaixonada,desde menina que vivia agarrada comos livros, e quando entrei para a vidaacadmica fui levada para a LiteraturaPortuguesa. Quando eu comecei a en-

    trar na Literatura do RN, eu senti umprazer, uma alegria to grande... Tantoassim que a proposta inicial da minhatese de doutorado eu fiz os crditos ea qualificao na Espanha era inspira-

    da em Cmara Cascudo, no estudo dostemas espanhis na Cultura Brasileira,que ele prope no prefcio de uma edi-o do Dom Quixote. Cheguei a conver-sar com Manoel Onofre Jr., com MarcosSilva, mas quando apresentei ao orien-tador, ele comeou a cortar, cortar, cor-

    Formatura em Letras, 1969: Diva e Djair Dantas.

    fotoArquivo

    pessoal

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    tar, maneira do europeu que diz queno pode ser amplo assim...

    ADA... tem que ter um foco...

    DIVA Corta isso, corta isso, corta isso,

    terminou s A festa de So Joo resul-tado: perdi o interesse, achei que tinha fi-cado muito limitado. Foi quando optei porestudar uma revista de Cultura Brasileiraque a embaixada publica na Espanha.

    PRE Voc fez o estudo tambm daVia-Lctea [revista feminina/literria, dePalmyra e Carolina Wanderley, publica-da no RN entre 1914 e 1915].

    DIVAMas ns fizemos apenas a intro-duo edio fac-similar. No umestudo aprofundado. A Via-Lctea ddissertao e tese.

    PRE A propsito, existe uma LiteraturaFeminina?

    ADA Literatura. Ponto. No gosto dadiviso, feminina, potiguar. Literatu-ra boa universal: voc escreve e emqualquer canto do mundo algum setoca, algum se arrepia.

    DIVAMas isso o bonito de se dizer. Naverdade a gente sabe que no funciona,aqui, na prtica, na prtica...

    ADANa academia, principalmente.

    DIVAVoc sabe disso. Eu tambm achoque Literatura boa universal, mas se

    a gente no estudar o autor potiguar,quem vai estudar? Quem? Se o melhorque a gente tem, que foi Jorge Fernan-des melhor no sentido do contexto dapoca no chegou l fora... Cada es-tado vai valorizar o seu, ele at valorizao outro, mas primeiro ele valoriza o dele.Agora, ns precisamos da crtica. J ti-vemos, no temos mais. Mas dizem queno Brasil no existe crtica...

    ADAEu ia dizer isso.

    DIVA... os jornais fazem apenas resenha...

    ADA... se brincar, sem nem ter lido o livro.

    PRE E Ada, que comeou a escreverna poca da internet, sente que a suapoesia mais facilmente lida l fora?

    ADACara, ningum l o que eu escrevo![risos] Eu sou ruim demais de divulgaoe no tenho disciplina para alimentar oblog [www.meninagauche.blogger.com.br]: o meu tem uns dois meses sem no-

    fotoArquivopessoal

    Diva, aos 17, carnaval em Recife.

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    vidade. At porque eu no tenho paradopara escrever. Comeou essa seleodo mestrado, eu comecei a enlouque-cer. Ficou blog, ficou livro, tudo l, delado. O livro estava praticamente pron-to, ainda bem.

    DIVA Como o nome do seu novo li-vro?

    ADAguas.

    PRE Vocs duas so da rea acad-mica e so poetas como conciliaresses dois labores?

    DIVAEu penso que foi o fato de ter sidoprofessora de Literatura que me ajudoumuito. A Poesia Portuguesa de um ri-gor muito grande e s me apurou, buri-lou e me mostrou que eu no era nadaexcepcional, no.

    ADA O bom da academia que vocacaba encontrando muita gente interes-sada em Literatura, em leitura em geral,voc troca idias, s vezes voc escre-

    ve uma coisa, passa pra outra pessoa, eali dentro voc recebe um comentrio,um incentivo e isso s ajuda.

    DIVAFora, voc no sabe de nada. Infe-lizmente a coisa est assim: voc publi-ca um livro, sai uma matria, seu retratono jornal, alguns segundos na televiso,depois aquilo ali...

    ADA ... morre. Eu acho que l dentro

    voc tem mais facilidade pra divulgar,pra trocar uma idia.

    PRE Mas, por ser a vida profissionalmais urgente, mais necessria, do quea vida de, digamos, poeta, o ato deescrever no termina ficando em se-gundo plano?

    ADAEscrever trabalhoso, no acor-dar e ter uma idia, a ser desenvolvidapor uma entidade Fernando Pessoadiz que escreveu de uma vez mais de30 poemas, de p, sobre uma cmo-da: beleza, ele era genial, gente comumcomo eu no faz isso. Eu preciso de umpouquinho de cio pra sentar, escrevere trabalhar um poema.

    DIVA Mas s vezes no significa quevoc vai saber usar o muito tempo quevoc tem disponvel. Eu estou num mo-mento da vida diferente da sua e possodizer que tenho todo o tempo pra mim,sou eu quem ocupo meu tempo. Massou eu que me matriculei em no seiquantas aulas e estou agora correndode um lado pra outro. J me perguntei:

    eu transformei minha vida num entra-e-sai, estou fugindo de quem? De mim.De mim mesma. De sentar e estudar estudar que eu digo ler. Porque euacho que a gente s escreve...

    ADA... se voc ler, claro.

    DIVAs vezes eu digo aos livros na es-tante: no falem comigo, pelo amor deDeus! Porque se eu comear a ler, no

    paro mais. E realmente muito bom,mas muito forte, mexe muito. Eu nosei como voc se sente, Ada, mas eu

    no concordo com aquela regra de 5%de inspirao e 95% de transpirao.

    ADAEu concordo.

    DIVAEu no concordo, no. Seno todomundo estava escrevendo. Existe algu-ma outra coisa, existem mais coisas.Existe aquele desejo de colocar aquilono papel, de ser lido, de expressar... Agora, que pede, sim, muita leitura,muito trabalho, muita dedicao.

    PRE E existe, antes de tudo, uma for-ma diferente de ver o mundo e a poesiade vocs tem muito disso. Ada j falou

    que no acredita em poesia feminina,mas existe uma forma diferente...

    DIVAEu acredito.

    ADANo que eu no acredito: eu nogosto da maneira que as pessoas queremseparar, botar as coisas em gavetas.

    DIVA Inclusive s vezes para desvalorizar.

    ADAIsso.

    DIVAExiste: porque eu sou mulher, por-que eu fui criada de um modo... vou co-mear pela minha histria: eu era a maisvelha de cinco irmos, todos os quatrohomens. Mame tinha uma lei pra mime outra pra eles como que eu vouser igual a eles? Eu at queria, s queriabrincar com eles de caubi, e como euno morria nunca, eles me expulsavam.

    Mas, era um mundo pras mulheres e ummundo pros homens. Pode ser at que,agora, para as meninas das geraesmais novas, seja diferente. Mas eu fui

    lITeRaTURa Boa

    UnIveRSal: voc eScReve

    e em qUalqUeR canTo Do

    mUnDo algUm

    Se Toca, algUm Se

    aRRepIa.

    eU TamBm

    acho qUe

    lITeRaTURa Boa

    UnIveRSal,maS Se a genTe

    no eSTUDaR

    o aUToR

    poTIgUaR, qUem

    vaI eSTUDaR?

    qUem?

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    criada de outra maneira, e esses anosforam fundamentais na minha vida. Omundo das mulheres era outro mundo.Os meninos podiam ficar na rua, soltos,eu no podia comea por a. Agora, eu

    acho que a experincia feminina algomuito forte...

    ADA Talvez o olhar da gente seja umolhar diferenciado...

    DIVA Eu no acho que somos iguaisaos homens. Eu quero os mesmos di-reitos, mas somos diferentes deles. Amulher menstrua, a mulher engravida...Mas queremos as mesmas chances de

    emprego e as mesmas condies desalrio... Hoje eu ouvi duas mulheresconversando sobre um cara que ma-tou a mulher e a amante. Quantos ca-sos voc ouve de uma mulher matar ohomem? A mulher ainda vista comoobjeto, como posse. A cultura machis-ta e ns estamos inseridas nela. Ento,ns vamos escrever de uma maneira di-ferente. Eu tenho lido com cuidado as

    autoras potiguares e como se a genteestivesse escrevendo o mesmo texto.So muitas mos escrevendo o mesmotexto. O mesmo olhar, a mesma maneirade encarar a vida.

    PRE Voc lanou seu primeiro livrotarde...

    DIVACom mais de 38 anos e l vai fu-maa... Quando eu fiz vestibular eu jtinha minhas Obras completas, vocimagine... um caderno com uns 300poemas, aos 18 anos.

    ADAOs meus eu dei fim a eles: aos 13anos de idade eu joguei tudo fora.

    DIVAE esse caderno j era o resultadode milhes de caderninhos, de papei-zinhos, milhes de coisas que mamemostrava para a rua to-di-nha o piorera isso.

    ADA Os meus eu escondia, ningumnem chegou a ver.

    DIVAEu desenhava, ilustrava, escreviaas historinhas. Quando eu estava nocolgio, era muito amiga de uma primade Lda, mulher de Lus Carlos Guima-res, e ainda estudante eu frequentavaa casa deles, conversava muito comele. Quando entrei na faculdade, mos-trei o caderno a Lus Carlos, que passoupara Eulcio[Farias de Lacerda, escritor

    paraibano que viveu em Natal]. Esse ca-derno rodou na Fundao Jos Augustoe disseram que iam publicar mas nopublicaram e me devolveram, e eu dei-xei na casa de mame e se perdeu. Hoje

    eu me arrependo profundamente.

    PRE Eram as obras completas...

    DIVAEram. Eu queria um verso: se sal-vasse um verso j valia a pena. Me dimuito, porque ali deve ter tido algumverso, ora, no auge da juventude, davapra salvar alguma coisa. Hoje eu sei cor-tar, hoje pra escapar da minha tesoura...Outro motivo para eu ter demorado a

    publicar foi quando eu comecei a estu-dar Literatura Portuguesa e a achar queo que eu escrevia no prestava prana-da. Continuei escrevendo, porque erauma pulso muito forte, mas escondido.Quem primeiro publicou meus poemasfoi a revista Grande Ponto, de SocorroTrindad. Eu lembro que ia passando noCentro de Convivncia da UFRN quandoZila[Mamede] me chamou: Diva, voc

    est escondendo o leite. Mas eu tinhauma vergonha... Tanto que no primeirolivro, Canto de pgina[1986] eu venhoprotegida por Serejo e Lus Carlos, naapresentao, e Eduardo Assis[Duarte],no posfcio.

    ADANo meu caso o que ajudou foi a in-ternet. Eu comecei a escrever para noperder mais o que escrevia no papel, e

    criei um blog que s eu sabia o endere-o. Mostrei para um amigo, que mostroupara outro, que tambm tinha um blog,que foi lido por um colega que deu umanotinha no jornal... a o meu pai[o poetaAdriano de Sousa], que no sabia queeu escrevia, descobriu meu blog assim,e como na poca ele estava criando aeditora Flor do Sal, um dos trs primei-ros livros publicados foi o meu. Agora,

    quando eu pego esse primeiro livro svezes eu tenho vergonha de umas coi-sas meu Deus, eu no teria escritoisso assim, isso no est legal...

    DIVAMas vai ser assim a vida toda. Sevoc soubesse o corte que eu dei emResina. Hoje eu me arrependo. Paulode Tarso[Correia de Melo] disse: Nofaa isso! Marize, que editou: Eu,voc, no fazia. Quando eu descobrio tal do enxugar o texto... agora euquero enxugar, quero enxugar...

    ah, meU DeUS, a

    palavRa, como DTRaBalho, como

    DI S vezeS fazeR

    Um poema.

    S vezeS eU DIgo

    aoS lIvRoS na

    eSTanTe: no falem

    comIgo, pelo amoR

    De DeUS!

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    ADAEu tenho mania de enxugar desdesempre. Os poemas tm dois versos,trs, quatro, s retalhando...

    DIVAJos Bezerra Gomes, quando Lus

    Carlos organizava a sua antologia, tododia ia na Fundao Jos Augusto e cor-tava um verso [ver artigo e poemas apartir da pgina 86]. Vira mania. QuandoVilma Aras veio passar um vero aqui,na Redinha, ela me aconselhou muito acortar foi fundamental para meu pri-meiro livro. Eu no sabia cortar e elamesma meteu a tesoura. Mas a genteno pode cortar demais seno os poe-

    mas perdem o nexo.ADANo meu caso eu me arrependo quan-do vejo os excessos de alguns poemas.

    PRE Essa mais uma coincidncia napoesia de vocs: poemas curtos. Quan-to ao tema, percebe-se em Diva um cer-to ar domstico, a casa ...

    ADA... muito presente.

    DIVAMas, a casa pode ser uma metfo-ra, s uma metfora.

    ADAMas a figura da casa est sempre l.

    PRE Vocs tambm coincidem na re-flexo do fazer potico. H uma autore-ferncia, da poeta, da poesia, no pr-prio poema.

    ADA uma angstia permanente, isso.

    DIVAA poesia brasileira, como um todo,tem essa conscincia. Desde o final dosculo 19, desde o Simbolismo... a pr-pria Auta de Souza (eu sou apaixonadapor Auta) tem um poema onde diz queprocurava nos seus olhos apenas mo-tivo para escrever versos. Essa cons-cincia muito forte, e se a gente notivesse, agora, um sculo depois...

    ADA... tem que ter...

    DIVA ... saber que um trabalho coma palavra.

    ADAExiste tambm um qu muito fortede autocrtica, de nunca ficar satisfeito. um trao meu, do meu comportamen-to, da minha personalidade, que acabase refletindo na minha atividade comopoeta. Voc escreve, acha que noest legal, vem aquela angstia ah,meu Deus, a palavra, como d trabalho,como di s vezes fazer um poema. svezes voc evoca coisas que esto l

    fotoGiovannaHackradt

    Ada, aos 27, em Natal.

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    dentro que voc no lembrava mais eaquilo vai fluindo...

    DIVAMas um fenmeno muito forte,n? L estou eu tomando a palavra...

    ADAPode falar, fique vontade...

    DIVA Tenha cuidado comigo: eu sou sa-gitariana qual o seu signo?

    ADACanceriana.

    DIVA[risos] Eu gosto dessas coisas,viu?

    ADACanceriana com ascendente em ries.DIVAMas um fenmeno incrvel. Umdia eu estava trabalhando na tese, decastigo, no bir, e, sem mais nem me-nos, me chega, como se eu estivessevendo, uma figura que eu conheci quan-do eu era menina.

    ADANossa. De vez em quando acontece.

    DIVA Foi um negcio to forte que eucomecei a ver aquela mulher, que deveter morrido h uns 40 anos...

    ADA E a voc precisa escrever, pelomenos o que acontece comigo...

    DIVA... uma pessoa que eu nunca pen-sei que eu pensasse nessa pessoa.Como na poca eu estava numa dis-cusso com Joo Cabral de Melo Neto,estudando sua obra, escrevi o poema,arremedando Joo Cabral. [recita opoema D. Maria Cndida, que terminacom os versos de que vivia/ velha se-nhora/ que volta a viver/ fora de hora?]

    ADA Eu lembro desse poema. Eu li o

    Resina h uns quatro meses...DIVAEu devo ter feito umas correes,cortado alguma coisa, mas saiu quasedo jeito que eu escrevi no momento eu queria ser pintora pra pintar aquelaimagem maravilhosa que me surgiu: a,escrevi. J esse outro, Me Ninha, eulevei uns cinco anos escrevendo. Porisso que, se no se quer usar o nomeinspirao, porque todo mundo con-dena por ser usado facilmente, mude-seo nome: no inspirao um desejo,uma paixo...

    ADA... um impulso, uma vontade, umalembrana...

    DIVA ... uma paixo fortssima, maisforte que voc, tudo na sua vida. Embo-ra voc fuja dela como o diabo da cruz.

    ADAEla persegue voc.

    DIVA Porque ela lhe trucida. Porquevoc no tem hora, no tem dia, notem nada... eu tenho conscincia que eufujo muito de escrever. E agora eu estounuma entressafra. O refluxo da mar.

    ADAA minha j dura meses.DIVA Eu tambm esse livro [Resina]levou muito de mim.

    ADA engraado isso: quando nasceum livro, voc precisa de um tempo prase recuperar.

    DIVA como se fosse ainda a poca deamamentar o filhote.[risos] Eu tambmqueria escrever outras coisas.

    Diva estreando em sala de aula, 1971: primeiro lugar no concurso da UFRN.

    fo

    toArquivopessoal

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    ADA Eu durante um tempo escrevi ar-tigos, mas tenho mais dificuldade emescrever em prosa.

    DIVAMas so to boas aquelas crni-

    cas do Novo Jornal... Quantas voc pu-blicou?

    ADAAcho que umas dez.

    DIVA Por que no vai sair nesse novolivro? J est pronto?

    ADAJ. So s poemas.

    DIVAMas no prximo coloque tambmas crnicas, os textos so bons. Acho

    que voc tem jeito. Eu tenho uma ambi-o, pela prosa, uma vontade, que noseja apenas teorizar sobre mulher e Li-teratura, Literatura do RN...

    ADAA gente j teoriza tanto na universi-dade, tem que ter um escapezinho...

    DIVASe fala muito que aqui s tem poe-ta, no tem prosador, mas no acho queseja uma vocao s do RN. Quem so

    os prosadores, de hoje, por exemplo, doCear, que voc conhece? Deve ter.

    ADAMas est escondido.

    PRE Fica tudo muito regionalizado. Eo centro continua sendo So Paulo eRio. Ou autores que migraram pra l.

    DIVAComo migraram todos os pernam-bucanos, Manuel Bandeira, Joo Cabralde Melo Neto.

    ADATambm porque as grandes edito-ras esto l...

    DIVA... e os jornais.

    ADAParte da crtica, a mdia mais forteest l.

    PRE Entre os poetas potiguares talvezquem tenha tido mais destaque foi ZilaMamede.

    DIVA Sim. E veja que Zila publicavamuito nos jornais do Recife, onde fezmuitas amizades...

    PRE O prprio Joo Cabral...

    ADASim, mas Joo Cabral foi mais tarde.Na dcada de 50 era mais o pessoal doRecife, mesmo. Ela escreve pra ManuelBandeira, vai ao Rio, onde conhece Ban-

    deira, que interfere na obteno de umabolsa de estudos para cursar Biblioteco-nomia. Era uma mulher muito articulada.

    PRE Quais poetas vocs lem?

    ADA Manoel de Barros o primeironome que me vem adoro. Tenho lidotambm Jos Paulo Paes, Ana Cristina

    Cesar, Eliot, Borges... Eu no conheciaBorges at entrar no curso de Letrase sou eternamente grata ao professorFrancisco Ivan, que me apresentou. Masquando me perguntam de um poeta, onome Manoel de Barros, aquela coisade ver nas coisas simples, do dia-a-dia,uma beleza...

    PRE E sua poesia tem muito pouco aver com a dele...

    DIVA isso que eu ia dizer.

    ADANo tem nada a ver. Mas eu adoro.

    PRE A sua tem muito a ver com a deDiva, e vice-versa. Por exemplo, a pre-sena do homem...

    ADA... no como gnero.

    PRE Como gnero masculino, sim.

    ADAAh, verdade, tem uma coisa ou ou-tra. A pessoa escreve um livro e no lembramais o que fez, uma vergonha.[risos]

    PRE Esse, por exemplo, lembra muitoDiva: Ele me levou tudo// das palavrasescondidas/ s roupas no varal//...

    ADA... Sutil/ como um serial killer. Eunem lembrava mais desse...

    DIVA aquilo que eu disse: como asmulheres conseguiram escrever e publi-car, apenas recentemente isso umavitria da metade do sculo passadopara c , estamos indo na mesma dire-o, embora Ada seja muito mais novado que eu.

    ADAVoc no falou dos seus poetas...

    DIVA Manuel Bandeira. Quando voc

    falou em Manoel eu pensei ser que o meu?. No, no era o meu Manuel.Bandeira foi uma paixo de infncia...Ceclia Meireles (minha filha se chamaCeclia)... a poesia brasileira como umtodo. Li demais os romnticos...

    ADANossa, os romnticos! Minha pri-meira experincia com poesia foi jus-tamente atravs de uma coleo deautores romnticos, as trs geraes,

    uma encadernao linda, dourada, mi-nha av guardava l no alto da estante...Casimiro de Abreu, Castro Alves...

    eU pRecISo De

    Um poUqUInho

    De cIo pRa

    SenTaR, eScReveRe TRaBalhaR Um

    poema.

    Uma paIxo

    foRTSSIma, maIS

    foRTe qUe voc,

    emBoRa voc fUjaDela como o DIaBo

    Da cRUz.

    Menina gauche: a estria de Ada.

    fotoFbioFarias

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    DIVAComigo tambm, poesia brasileirae tambm nessas edies antigas: eu liatanto era muito marcada a contagemdas slabas, n? que eu acordava fa-zendo versos e contando slabas.

    ADANos seus primeiros poemas tinhauma influncia do que voc lia? Porquecom 12, 13 anos, eu lia os parnasianos etudo que eu escrevia tinha de ter quarte-tos, tercetos, rimas, seno eu no ficavasatisfeita.

    DIVA Tinha. um exerccio importante.Mas meus mestres at porque eu nolia em ingls, e s um pouquinho em

    francs eram todos da poesia brasilei-ra, e, depois, j ensinando na universi-dade, os portugueses.

    ADAE Fernando Pessoa, pelo amor deDeus, tinha esquecido!

    DIVAA Literatura Portuguesa como umtodo uma literatura de qualidade oque eles tm de pequeninho, uma tiri-nha de terra, no final do continente...

    Enquanto os autores brasileiros foramlidos quando eu era jovem por deleite,por prazer , a leitura dos portuguesesveio acompanhada dessa exigncia,

    de aprender para ensinar. At hoje souimpressionada com Fiama Hasse PaisBrando, uma portuguesa... Sophia deMello Breyner... Mas tem que ler mais,traduzir: quanto mais estudar, melhor. E

    sem esperar muita coisa, fazer simples-mente nosso ofcio.

    PRE Voc est falando de reconheci-mento? Incomoda no ter o reconheci-mento?

    DIVAIncomoda. s vezes a gente v re-senhas muito boas nos jornais nacionaise quando vai ler o livro: meu Deus, aqui,no estado no s eu estamos fazen-

    do coisa, talvez, melhor. A eu digo: tudobem, escrevo porque o que me toca.

    ADA Talvez por eu ser muito na mi-nha, por ser muito bicho-do-mato,eu no ligo muito que no me leiam,que no saibam quem eu sou. Talvezdaqui a alguns anos isso mude. Seeu continuar escrevendo...

    DIVA Espero que sim.

    ADA bom voc saber que de algu-ma forma tocou algum. Que algumleu seu poema e se arrepiou. Mas,

    no fico esperando louros da crtica.Fico mais feliz quando algum maisprximo sincero e diz se gostou ouno gostou.

    PRE Mas enquanto acadmicas, vo-cs esperam de, no futuro, ter a obraestudada, reconhecida?

    ADAAcho to distante isso.

    DIVA[risos]. Acho que a minha j estsendo estudada, j aconteceram al-guns seminrios... E eu no vivo praisso. Meu sonho maior reescreverPalmyra Wanderley.

    PRE O Roseira brava? Como seriaessa reescritura?

    DIVA Pegar os poemas, antropofagica-mente devorar e devolver. Ela escrevesobre Natal quando era uma coisinha,uma cidadezinha nas dunas. Quando med um desespero olhar para essa cidadecimentada, amuralhada, eu corro pra lerPalmyra. Ela no teve uma crtica, a orien-

    t-la, a sugerir cortes, arrumar melhor acho desarrumada a sua poesia.

    PRE E Ada? Algum sonho, algumavontade?

    Apenas desge em mim

    e faa surgir/

    um corao/ em meu ventre.

    aDa lIma

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    ADA [demora a responder]. Escrevermelhor do que eu escrevo hoje. Eu nun-ca estou plenamente satisfeita. Esse se-gundo livro mais maduro, coeso, doque o outro. E tenho certeza de que da-

    qui a um ano, dois, eu vou querer fazerum melhor.

    PRE Diva est na fase de olhar pratrs, de rever o que foi escrito.

    DIVAQuando eu fui homenageada, jun-tamente com uma poeta portuguesa emum seminrio realizado aqui em Natal, edisse que no tinha nada novo, me su-geriram uma antologia. Mas eu sa ca-

    tando e descobri uns 80 novos poemas,alm dos trs primeiros livros esgota-dos. O resultado est em Resina.

    PRE E ser filha de poeta, Ada, interferena sua produo?

    ADA No. Eu admiro muito a poesiadele, uma referncia pra mim, mastenho conscincia de que a minha pro-duo muito diferente. s vezes acon-

    tece uma comparao, ah porque ela filha de Adriano, ah mas a poesia dela diferente...

    DIVAPrimeiro por que ele homem.

    ADA[risos] . Isso j uma caractersti-ca bem diferente. Eu at fiquei lisonjea-da quando descobri que ele lia o que eu

    escrevia, e gostava.PRE Quem escreve sempre passa porum momento em que descobre algumque acha to bom que se sente at inti-midado em continuar escrevendo...

    ADAComigo nunca aconteceu.

    DIVA Quando eu fui trabalhar com aLiteratura Portuguesa, quando conhe-cei Fiama Hasse, eu passei por isso. J

    com Ceclia Meireles foi diferente: elame levou a escrever. Ler um bom poematanto pode levar a procurar escrever tobem, quanto tambm a se retrair nun-ca vou chegar a ele.

    PRE Pra concluir...

    DIVATermino por onde comecei: falan-do da Literatura do RN, desse grupo demulheres. muito interessante quan-

    do voc olha pra trs e v que h cemanos as mulheres no escreviam, nopublicavam, ou, quando escreviam, no

    conseguiam publicar. Lygia FagundesTelles conta uma histria interessante:no sculo 19 as mulheres escreviam,escondido, e quando morriam pediampra botar o caderninho de versos dentro

    do caixo. Uma coisa to delas, to nti-ma, que no podiam mostrar a ningum.Isso me comove muito. De repente asmulheres esto a, escrevendo at mui-tas coisas fortes, abrindo o corao. Mesinto irmanada com todas. A boa poesiacomo um todo, como Ada disse, uni-versal. Mas neste momento especficoestou pensando nessa movimentaodas mulheres em busca de uma voz, de

    um lugar na sociedade.

    ADA E eu preciso l-las.

    DIVAPode ter certeza: porque voc vaise encontrar e se superar. Pra concluir,s dizer que a poesia est viva, viva apoesia.

    ADAAmm.

    Homem bicho frouxo/ passa pelo mundo sem tilar/

    sujou as mos/ corre pra lavar//

    imagina o homem/ quatro dias e aquele sangue/

    aquele cheiro impregnado nas paredes da casa//

    imagina o mundo/ crescendo redondo/ na barriga de um macho desses//

    nem nascia o novo/ nem se fundava a Histria

    DIva cUnha

    Mrio Ivo Cavalcanti jornalista e edi-tor da Pre.

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    A ressurreio da revistaPre tem signi-ficado que ultrapassa a mera retomadada publicao. Ela sinaliza com outrosfatos j do conhecimento pblico quea arte e a cultura deixam de ser encara-

    das como assuntos de segunda linha evoltam a figurar na lista de prioridadesdo Governo do Estado.

    Artistas e produtores de cultura nomais sero tratados como mendigos, aquem se destinam apenas as sobras or-amentrias. Eles sero tratados comoagentes sociais importantes, que pro-duzem informao e educao, diver-so e conhecimento, lazer e reflexosobre ns e o nosso tempo. Com direitoa polticas e recursos especficos, com-patveis com a dimenso socioeconmi-ca que essas atividades ocupam na vidados potiguares e no desenvolvimentodo Rio Grande do Norte.

    Estamos comeando na medida daspossibilidades de um oramento en-gessado pela falta de planejamento e

    de compromisso com o equilbrio fis-cal. Nosso projeto de poltica cultural abrangente e irreversvel. Com o pas-sar do tempo, as diferenas e os re-sultados em relao inrcia anteriorficaro cada vez mais claros. Mas, empouco mais de 100 dias, j h avanosa contabiliza r.

    O mais importante talvez tenha sido acriao da Secretaria Extraordinria deCultura, uma antiga reivindicao dosartistas, que o nosso Governo encam-pou e fez acontecer. A secretaria es-

    p R a

    f a z e R

    a

    c U l T U R a

    a c o n T e c e R

    tratgica para reforar, complementar eampliar o papel da Fundao Jos Au-gusto na concepo e na execuo depolticas pblicas de cultura.

    Outra medida relevante foi a elevao

    do teto de renncia fiscal via Lei C-mara Cascudo de Incentivo Cultura,que passou para R$ 6 milhes por ano,50% a mais do que a mdia dos anosanteriores. O prximo passo na rea definanciamento ser a criao do FundoEstadual de Cultura, mensagem queenviaremos Assembleia ainda estesemestre, garantindo o funcionamentopara 2012 como da Lei.

    importante destacar, alm dessasduas medidas macroestratgicas, al-gumas aes pontuais que tambmdemonstram o grau de seriedade donosso trabalho e do nosso projeto ge-ral para a cultura. Uma delas o prpriorelanamento daPre, que nasceu fortee rapidamente tornou-se referncia depublicao especializada, mas foi se

    dissolvendo na mar de inrcia que ca-racterizava a gesto pblica na cultura.

    Reativamos a grfica Manimbu, reto-mando tambm a publicao de livrospela FJA, com o lanamento dos pri-meiros volumes da Coleo CulturaPotiguar. Pagaremos os prmios doseditais em atraso e em breve estare-mos lanando novos editais com re-cursos para publicaes, premiandoa imprensa especializada, o reprterfotogrfico e abrindo o primeiro Salode Arte Popular.

    Formamos a primeira turma de 40 agen-tes encarregados de dinamizar o fun-cionamento das 29 Casas de CulturaPopular, para transform-las em centrosde produo e difuso artstica nos mu-

    nicpios, atuando junto com as escolas,porque entendemos que a cultura im-portante para resgatar a qualidade daeducao pblica no RN. E j destina-mos um primeiro repasse de recursos R$ 960 mil para assegurar s Casasde Cultura seus Pontos de Cultura sele-cionados desde 2009.

    Montamos o calendrio cultural do RNe estamos elaborando a programaopara agosto, com uma srie de ativi-dades destinadas a transformar o msdo folclore em centro da poltica de for-talecimento da cultura popular. Nossoobjetivo de mdio prazo fazer da terrade Lus da Cmara Cascudo uma re-ferncia internacional de promoo dofolclore e de outras matrizes culturais,com ressonncia tambm econmica,associada ao turismo.

    Com essas medidas iniciais, esperamoster virado a pgina em branco em quese transformara o aparato cultural doestado. Agora mos obra para con-tinuarmos a avanar, restabelecendo aconfiana dos artistas e da sociedadeno poder pblico. Pra fazer a culturapotiguar acontecer e voltar a ocupar olugar destacado que merece em nossas

    vidas e em nossos coraes.Rosalba Ciarlini

    Governadora do Rio Grande do Norte

    o u t r a s p a l a v r a s

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    H um novo caminho sendo trilhado pelacultura potiguar. O destino est sendotraado neste primeiro ano e prosse-guir nos prximos, quando o Governodo Estado do Rio Grande do Norte terpromovido uma verdadeira revoluo,na cultura e em outras reas.

    Nos movem esperanas e sonhos: jun-tos, equipe de governo e artistas, trans-formaremos os indicadores de cultura,hoje ainda vergonhosos. Vamos sair dacondio de lanterninha, dos ltimoslugares no ranking dos estados brasi-leiros, para chegarmos, em 2014, aosprimeiros do Nordeste.

    Vamos nos integrar ao Sistema Nacional

    de Cultura, cumprindo suas exigncias,a comear pela criao da Secretaria deCultura e do Fundo Estadual de Cultura,e promovendo, tambm, a ConfernciaEstadual de Cultura.

    Na realizao dos estudos preliminares,para definir com segurana a sistem-tica do trabalho a ser desenvolvido,convidamos toda a classe artstica, dequem esperamos colaborao e crticasconstrutivas em torno dos muitos ob- jetivos comuns, entre eles a formao,qualificao e requalificao na rea

    U m

    n o v o

    T R I l h a R

    da cultura. Atravs do CENA, CentroEducacional de Artes, implantaremosos cursos tcnicos profissionalizantesde nvel mdio em Dana, Teatro, M-sica e Artes Visuais, com habilitao emPlsticas, Grfica, Tecnolgica, Designe Planejamento e Gesto de Eventos

    Culturais.Estamos promovendo, ainda, o di-logo participativo com secretariasde estado como as de Agricultura,Educao, Sade e Segurana eoutras instituies, entre elas a FA-PERN, UERN, UFRN e SEBRAE, paracelebrarmos a cultura popular durantetodo o ms de agosto.

    Esta revista, que agora retorna s mosdo povo potiguar, faz parte deste novocaminho, encruzilhada que une presen-te, passado e futuro. E que, como os ho-menageados neste primeiro nmero de2011 poetas, arquitetos e artesos dapalavra contribui para o planejamentode novos rumos, onde cultura e cidada-nia podem, enfim, trilhar lado a lado aconstruo de uma nova realidade.

    Isaura Amlia de Souza Rosado Maia

    Secretaria Extraordinria da Cultura

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    Abril o mais cruel dos meses, germi-nando/ Lilases da terra morta, mistu-rando/ Memria e desejo, avivando/

    Agnicas razes com a chuva da prima-vera. Os versos iniciais de A terra de-

    solada, de T. S. Eliot, na traduo de

    Ivan Junqueira, no cessavam de ecoarnos ouvidos daqueles que faziam,ento, ainda em maro, essa revista.Prevista para sair no final do primeiro

    trimestre, entrava abril e aPre patina-va, como se indecisa entre ir e vir. Malsabamos que abril se mostraria aindamais cruel quando a sombra de maio

    comeou a crescer mais que o devido,muito mais que o desejado.

    Nossas desculpas a quem nos espe-rou, como se, justamente, ansiasse a

    primavera aps um longo e tenebrosoinverno o largo tempo em que a revis-ta da Fundao Jos Augusto se calou.Intil descrever as dificuldades, dispen-svel medir os esforos empreendidos

    para que o bicho sasse da toca. E como mesmo nome, rompendo a velha

    tradio de se passar uma borracha

    no passado como se o patrimnio doestado pertencesse a partido ou grmio

    poltico e no ao povo.

    como parte deste patrimnio que aPre desperta, e recupera, no primeironmero deste renascimento, uma qua-drinha clssica que as novas geraes

    talvez desconheam: Rio Grande doNorte/ Capital Natal/ Em cada esquina

    um poeta/ Em cada rua um jornal.

    Poetas e jornais j no so maisprdigos nos ngulos cegos das ruas se multiplicaram por outros espaos,especialmente no meio virtual, agranderede, no mundo, como no ver-so de Jorge Fernandes. Ada Lima, uma

    de nossas entrevistadas, nasceu ali,entreblogs,posts e comments. DanielMinchoni, nossa quarta capa, se alternaentre as esquinas virtuais e os murosurbanos, contrariando a velha tradiode que grafite no arte e to poucopoesia, e indo muito alm, desobrigan-do o spray do muro, alcanandosites ou stios nunca dantes navegados.

    Mais ou menos como fazem Os Poetas

    Eltricos, unindo acordes e poemas(o que tampouco novidade, videOthoniel Menezes, prncipe dos poetaspotiguares, e sua Praieira), ou ogrupo Casaro de Poesia, que preferea voz ao livro, sem, claro, desmerec-loou reneg-lo. No poderia ser diferen-te: foi nas pginas impressas doslivros e jornais que nomes comoDefilo Gurgel, Sanderson Negreiros e

    Joo Gualberto se destacaram, muitasvezes, tambm, como no caso dosdois ltimos, enquanto jornalistas. Que,alis, so aqui recorrentes: de HenriqueCastriciano a Sanderson Negreiros, deRubens Lemos a Adriano de Sousa,para citar alguns dos presentes nasprximas pginas.

    Que viva a poesia.

    g e R m I n a m

    l I l a S e S

    Mrio Ivo Cavalcanti

    Editor

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    Governadora Rosalba Ciarlini

    Secretria Extraordinria de Cultura Isaura Amlia de Souza Rosado Maia

    Diretora Geral da Fundao Jos Augusto Ana Neuma Teixeira de Lima

    Coordenador de comunicao - FJAMrio Ivo Dantas Cavalcanti

    Sub-coordenador de comunicao - FJAFbio FariasCentro Educacional de Artes - CENA Cla Maria Galvo Bacurau

    Escola de Dana Wanie Rose de Medeiros Souza

    Escola de Msica Francisco Arajo Alves

    Escola de Artes PlsticasWandeci de Oliveira Holanda, Jomar Jackson Nogueira do Nascimento

    Teatro Alberto Maranho Dione Maria Barros Caldas Xavier

    Teatro de Cultura Popular Chico Daniel Snia Maria Soares Santos

    Centro Cultural Adjuto Dias Robson Arajo Pires

    Pinacoteca Novenil BarrosMuseus Hlio de Oliveira

    Memorial Cmara Cascudo Daliana Cascudo Roberti Leite

    Planejamento e Monitoramento de Projetos Sanclair Solon de Medeiros

    Casas de Cultura Popular Joana dArc Xavier

    Agentes de Leitura Andressa Lenuska Sousa de Macedo

    Pontos de Cultura Clenia Maria de Luna Freire

    Regente da Orquestra Sinfnica e do Coral Sinfnico Canto do PovoPedro Ferreira da Costa

    Conferncia Estadual de Cultura Ivanira Ribeiro Machado

    Centro de Pesquisas Juvenal Lamartine Jos Tarcsio Rosas, Jos Albano da SilveiraLei Cmara Cascudo Silvana Macedo de Souza

    Biblioteca Pblica Cmara Cascudo Mrcio Rodrigues Farias

    Grfica Manimbu Maria do Socorro Soares, Ester Alves dos Santos

    Colaboram nesta edio

    Ada LimaAnchieta XavierCarla BruttiniCarlos de SouzaChico Canho

    Carlos GurgelChico Moreira GuedesCivone MedeirosDaniel MinchoniDaniel NecDefilo GurgelDiva CunhaDomingo A. DalamaFbio FariasFrancisco Assis CmaraGiovanna HackradtGiovanni SrgioJansen Baracho

    Jarbas MartinsJoo GualbertoLarissa GabrielleLuana FerreiraMrcio dos SantosMrcio SimesMarcosSilvaMaria Emlia WanderleyMarize CastroMax PereiraNey DouglasPablo Capistrano

    Paulo de Tarso Correia de MeloPola KouliRenan RgoVicente SerejoVolontW. D. Cavalcanti

    Em memria de

    Berilo WanderleyHomero HomemJos Bezerra GomesLus Carlos Guimares

    Miguel CiriloNewton NavarroOthoniel MenezesRubens Lemos

    Endereos

    blog www.secretariadeculturarn.blogspot.comsite www.fja.rn.gov.brtwitter @Fja_RN e @Revista_Preatelefone (84) 3232.5323e-mail [email protected]

    Esta edio no seguiu necessariamente o ltimo Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa.

    Os artigos assinados so de responsabilidade dos autores e no refletem necessariamente a opinio da revista. proibida a repro-

    duo total ou parcial de textos, fotos e ilustraes por qualquer meio sem prvia autorizao dos artistas ou do editor da revista.

    APre um espao aberto para novas e velhas idias, tendncias artsticas e experimentos. Para colaborar, envie seu material

    por correio ou e-mail.

    Impresso RN EconmicoTiragem 1.000 exemplares

    Distribuio gratuita

    PreRevista da Fundao Jos AugustoSecretaria Extraordinria de Cultura do RNNmero 23 | Ano 9Janeiro - Fevereiro - Maro - Abril2011

    Editoria e projeto editorialMrio Ivo Cavalcanti

    Projeto grfico e diagramaoDimetrius de Carvalho Ferreira

    Agradecimentos a todos os envolvidos, particularmente a Lalio Ferreira de Melo e Lda Guimares.

    Agradecimentos mais que especiais a Giovanni Srgio pela presena constante.

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    n d i c e

    . 04 > | olhar feminino | mrio ivo cavalcanti

    . 16 > utrs rs| pra fazer a cultura acontecer | rosalba ciarlini

    . 17 > utrs rs| um novo trilhar | isaura rosado

    . 18 > utrs rs | germinam lilases | mrio ivo cavalcanti

    . 22 > rt | os mundos de miguel | pablo capistrano

    . 26 > sr | retrato sem moldura | francisco assis cmara

    . 28 > si e flor | o feijo do prncipe muito alm da vitimizao

    . 30 > t | acalanto para othoniel | por defilo gurgel

    . 34 > rit| poetas que falam | luana ferreira

    . 41 > us | seduzir-se | maria emlia wanderley

    . 43 > tri | poesia, vende? | fbio farias

    . 44 > | o bicho imaginado | w. d. cavalcanti

    . 46 > si | versos versus versos | jarbas martins

    . 54 > si | por giovanni e giovanna. 68 > ti | ada lima | carlos gurgel | civone medeiros | defilo gurgel | diva cunha | jarbas martins | joo gualberto | marize

    castro | paulo de tarso correia de melo | volont

    . 74 > rst | todo poema romance e o melhor reprter da poesia | joo gualberto

    . 77 > | ciclos da pedra e do co | rubens lemos

    . 78 > si | trs poetas nos anos dois mil | mrcio simes

    . 83 > t | homero homem

    . 84 > tr| trs poetas antes dos trinta | fbio farias

    . 86 > rbii | seu gomes | vicente serejo. 88 > ritur | 05 poemas ilustrados | jos bezerra gomes | carla bruttini| dimetrius ferreira | domingo a. dalama | mrcio dos santos | pola kouli

    . 94 > | cano urbana | lus carlos guimares

    . 95 > udris| cano urbana | jansen baracho

    . 99 > & i | poetas, artistas, mandatrios | carlos de souza

    . 101 > & i | programao diversificada marca o dia da poesia | carlos gurgel

    . 102 > & i | cultura potiguar discutida com a ministra ana de hollanda | aniversrio do tam, presente para artistas e produtoresculturais | secretaria anuncia publicao de 70 livros at 2012 | capacitao de agentes e pagamento dos pontos de

    cultura | primeira exposio homenageia as mulheres | cia de dana do tam recebe reconhecimentos internacionais. 105 > & i | da radical potica do gesto | chico moreira guedes

    . 106 > s ssr, u ssri | eu tuto | larissa gabrielle

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    IlustraoDanielNec

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    oS mUnDoSDe migueLpor Pablo Capistrano | fotos Max Pereira

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    r a c o n t o

    Quando cheguei ao Stio da Pitom-beira, em Pium, acompanhado dofotgrafo Max Pereira, para conhecero que havia sobrado da biblioteca deMiguel Cirilo, confesso que fiquei umpouco constrangido.

    Ver os livros de um homem como rou-bar senha de banco. E, nesse caso, ariqueza que tem na conta do usurpadono se mede em valores monetrios.Tem algo muito mais profundo, algomuito mais intenso, muito mais valiosoa ser expropriado.

    Foi l, na Pitombeira, que Gilvan Cade-te, dono do stio e sobrinho do poeta,me falou pela primeira vez sobre a rea-o de Miguel a um texto meu, publica-do em jornal quando da reedio de Oselementos do Caos, lanado original-

    mente em 1964. Abimael Silva, da Edi-tora Sebo Vermelho, ps uma cpia doartigo embaixo da porta de Miguel, quemorava ento (salvo engano) em um ho-tel no centro da cidade. O poeta Volonttambm fez chegar s mos de Migueluma cpia.

    Segundo o sobrinho, Miguel gostoumuito do que leu. S em saber disso euj estaria satisfeito. Mas parece que Mi-guel queria mais. Ento, fui convidado aconhecer sua biblioteca, ou, melhor, oque sobrou dela aps o sacrifcio ritual aque o poeta submeteu seus livros (fala-rei sobre isso mais na frente).

    Sim, existem dois tipos de homens queamam livros. Aqueles que tratam os li-vros como objetos de culto. Que louvamas edies, que adoram o cheiro das

    capas velhas, que temem o efeito desa-gregador da temporalidade sobre suasfolhas, sobre a tinta que um dia foi pren-

    sada, marcando como fogo negro sobrefogo branco o corpo liso do papel. Esse um amor trovadoresco. Um amor ma-riano, pleno de contemplao mstica.Uma espcie de possesso apolneaque faz do livro um objeto de idolatria.

    Miguel Cirilo no era esse tipo. Elemantinha com seus livros uma relaode amor profano. Eles os possua, osmarcava, deixando seus sinais pelomeio das pginas. So inmeros po-emas inditos, fragmentos de pensa-mento, impresses narrativas soltaspelas laterais das folhas, inmerasgravuras, desenhos de rostos, pro-sa visual de uma riqueza espantosa,imprensadas pelas partes em brancodas pginas, pelas contracapas, pe-las margens.

    Como se o leitor Miguel no conseguis-se se separar do Miguel poeta. Como seo poeta no pudesse ser nada alm dogravurista, do artista grfico. Como seesse artista, com alma de filsofo, comuma vida interior to intensa e profunda,aprendesse a despistar aqueles que slhe conheciam silncio, solido, isola-mento social auto-imposto.

    Miguel Cirilo um daqueles autoresque no pode ser lido sem que sua vidase encontre com seu texto. No que apoesia de Miguel guarde algum segre-do biogrfico bombstico, que poderiaalimentar a indstria de biografias nolaudatrias (as nicas que merecem serlidas): a vida de Miguel que mostrasua poesia. Ou melhor, a vida que nose viu viver, que no se tem em pblico,

    que no se mostra curiosidade dessasgeraes de popespectadores culturais,loucos por transformar pedaos de car-ne em celebridades.

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    Pablo Capistrano escritor e professorde filosofia do IFRN

    Max Pereira fotogrfo

    Miguel Cirilo conversava com seus li-vros e, ali, nesses livros conversados,nos deparamos com o filsofo leitor deHeidegger, Wittgenstein, Willian James,Pierre Levy. Encontramos o mstico

    leitor de Krishnamurti, Masaharu Tani-guchi, Carlos Castaeda. O poeta, lei-tor atento de Manoel de Barros, ou detudo o que se produziu ao seu redor notempo em que ele habitava esse nossouniverso: Anchieta Fernandes, MoacyCirne, Volont, Franklin Capistrano, Jar-bas Martins. Seus companheiros de ge-rao tambm objeto de sua leitura, desua observao direcionada, como se

    ele os vigiasse de dentro do seu prpriomundo, observando o cenrio da cidadede Natal atrs de uma cela invisvel naqual ele, por uma escolha prpria, aca-bou se prendendo.

    Gilvan me disse na conversa agrad-vel do sbado, entre as pitombeirasde Pium e os ps de Cambuim, queTio Miguel costumava fazer longosjejuns e que havia transitado por diver-sos tipos de seitas msticas e gruposesotricos durante a vida. Um homemobcecado pela transcendncia do cor-po pelo corpo e do verbo potico peloprprio poema.

    A conscincia desse estado do Ser,imerso no tempo, desse ente limitado,leva a poesia de Miguel Cirilo a ser umaexata expresso da antinomia da mor-

    te. A absoluta certeza da finitude daaventura espao-temporal, paralela radical e inexpugnvel estranheza queessa certeza traz, acostumou a levar areflexo e a potica dos homens a luga-res distantes. Miguel seguiu essa pistae entrou nesse serto privado, nesseoceano interior, que o encaminhou nocomo um mero espectador intelectual,mas como um navegante, um explora-

    dor das veredas da transcendncia aos limites do potico.

    Miguel Cirilo encheu seus livros de fa-ces humanas.

    Muitas faces. Diversos traos tnicos,sociais. Diversos mundos particulares,prospectado pelo leitor urbano, que pas-sava horas e horas em frente ao Bancodo Brasil, no centro de Natal, lendo, ob-

    servando o mundo, observando, lendoo mundo. Registros abstratos de almaspenadas? Fantasmas? Vultos urbanos?

    Passantes dirios das ruas do centro?Pouco importa. A viagem pictogrfi-ca de Cirilo por seus livros merece umestudo parte. Como Max Pereira ob-servou, ele metamorfoseava seus dese-

    nhos em estilos claramente delimitadose extremamente diversos. Passando degravuras ao estilo Escher, que parecemter sado da capa de velhos discos derock progressivo dos anos setenta, atformas abstratas, cubistas, concretas,expressionistas. Era como se o artistagrfico Cirilo estivesse nos mostrando,didaticamente, cada uma das passa-gens mais significativas da sensibilida-

    de esttica de nossa modernidade.Miguel Cirilo era fruto do Serto poti-guar, nascido em So Jos do Serid.Um homem urbano demais para ser ru-ral e rural demais para ser urbano. Seucaminho foi o da linha, do limite, da fron-teira. Sua poesia uma poesia de fron-teira. No uma poesia de literalidades,como o verso acadmico brasileiro, con-taminado pelo desejo de agradar um ououtro professor de letras. Tambm no uma poesia que se resolve em petar-dos de nominalismo lingustico, como,por exemplo, a poesia dos movimentosde vanguarda que agitavam a Natal dosanos sessenta. Cirilo construiu uma po-esia do meio, do entre, das frestas, dasescapatrias semnticas que nos levamalm. um instrumento, um veculo aservio de seu prprio e radical proces-so de transcendncia potica.

    Contou o sobrinho que o av, pai deCirilo, no era um homem de instruoformal, mas que teve a sensibilidade demandar o filho estudar no colgio Maris-ta, em Natal. E teria sido justamente emNatal que Miguel entrou em contato coma biblioteca de Sanderson Negreiros. Oimpacto dos livros na existncia de um

    autor contemporneo, a descoberta deuma biblioteca aps uma herana dequase trs sculos de isolamento ser-tanejo , com certeza, uma experinciadesconcertante. Ainda mais para ummarrano do Serid potiguar.

    A poesia indita de Miguel Cirilo estem meio a seus livros. Todos riscados,todos marcados, todos inalienavelmen-

    te impregnados de sua presena po-tica. Como que tomados por gestosde profunda possessividade, amantesciumentos dos livros como Miguel no

    permitem que os exemplares de suasestantes passem por eles sem serememprenhados por sua linguagem, porseus signos, por suas mensagens, seussinais cifrados para as ilhas do futuro.

    Esse mais um dos paradoxos dessepoeta que se escondia do mundo, e quecultivava uma multido de universosem sua privacidade. Gilvan tambm mecontou quando Miguel, na dcada de70, abandonou um bem sucedido car-go, de grande destaque no funcionalis-mo pblico potiguar, viajou para Salva-dor, onde morou por 15 anos e de ondetornava, vez ou outra, a Natal.

    Em uma dessas transitrias viagens, Mi-guel botou fogo em sua biblioteca.

    Queimou todos os livros. Apagou, pelofogo, as marcas que havia deixado emsuas brechas, em suas ranhuras. Comose estivesse fazendo o mesmo sacrifciode Abrao a um deus ciumento, Migueldestruiu ritualmente aquilo que o havialibertado, e destroou aquilo que com-ps o caminho para a sua travessia me-tafsica.

    Passado algum tempo, comeou arestabelecer os ttulos perdidos, re-comprando algumas obras que haviaentregue na pira do sacrifcio. Foi essareconciliao que permitiu que algo dosmundos de Miguel pudesse hoje chegarao conhecimento de gente como eu,

    como ns, ou como Max Pereira, quefotografa sem parar, debruado sobreas imensides mnimas de sua arte nasmuitas pginas abertas sobre a mesa,alpendre da Pitombeira.

    Miguel ainda permanece l. No meiodos seus muitos mundos. Em plena vi-talidade de sua linguagem.

    Como filsofo, pensou o Ser e entregou

    sua vida no altar do deus ciumento datranscendncia. Como poeta, revelou osagrado, e nos ofereceu o privilgio departilhar com ele a deliciosa aventura deamar o deus louco da poesia.

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    em uma Dessas

    tRansitRias viagens,migueL botou fogo emsua bibLioteCa.

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    ReTRaTo SemmolDURapor Francisco Assis Cmara | foto Max Pereira

    enTRe mURoS, SMiguel se fez alquimista na manipulaodos elementos do caos e desenhou seuroteiro em espirais preenchidas de mo-lculas que receberam o nome demedo(noite), fera (fome), carne (sangue), es-tigmas impostos condio humanapara castigar todas as ousadias deaproximao e intimidade com o divi-no santurio dos deuses. Esse roteiro,tambm percorrido por Albert Camus,revelara Ssifo, castigado e condenadoa rolar, montanha acima, uma enormepedra, que j no alto lhe escapava dasmos e voltava ao sop, para ser outrasvezes transportada. Miguel, na mes-ma perspectiva de Camus, decifrou oenigma a prpria essncia do absur-do, que outra coisa no significa senoaquilo que contrrio razo, o queno pode ser justificado. Esse roteiro-rotina era a prpria face do absurdo davida, aparentemente sem sentido. Ssifos encontraria felicidade (sentido para avida) se assumisse sua humanidade, nacompreenso de que o homem senhordo seu destino. Ssifo no desistiu. Mi-guel no desistiu:

    Estou satisfeito comigo mesmo. Porque no

    desisti. E sinto que no desistirei nunca.

    Mas, a pera traz um segundo ato:Sartre, ao abrir as cortinas de seu te-atro, ergue o estandarte da liberdadecomo penhor do significado da exis-tncia. Ser possvel, ento, agregarao mundo relativo um valor absoluto?Que sentido atribuir a categorias depensamento tais como liberdade, des-

    tino, livrearbtrio, o ser e o nada...?Instalase a angstia. Miguel penetrounesse labirinto e concluiu:

    A convivncia com Miguel Cirilo mar-cou minha passagem pelo IAPB, antigorgo previdencirio dos bancrios. Aliingressamos em 1963, sob o signo deuma dcada de transformaes. Curs-vamos Direito na tradicional Faculdadeda Ribeira. Miguel trancara matrculano 1 ano, enquanto eu j avanava o 3perodo anual, minha nica e aparenteascendncia sobre aquele que logo eureconheceria situar-se bem acima demeu incipiente aprendizado intelectual.A rotina de trabalho tornou-se prazero-sa. Miguel, em sua cordialidade, preen-chia espaos de tempo com relatos e

    m s c a r a

    opinies sobre temas extrados de suaspermanentes leituras. Sabia agregar va-lor amizade. Sempre com um livro mo, ilustrado com grifos e rabiscos,discorria sobre temas instigantes, doTao ao Zen-budismo, do existencialismode Sartre ao absurdo de Camus. Masera Deus que pairava sobre o universode suas inquietaes. Deus, inacessvel,assumia o trono de sua angstia. Era Eleo leitmotiv da esperana, o fim ltimo ajustificar sua razo de existir. A despeitode todas as impossibilidades humanas,como chegar at Ele? Como alcan-Lo? Como contemplar a Sua face?

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    Eu no existo. O que sou, atualmente, justamente a negao de mim mesmo.

    Testemunha dessa fase, registro um epi-sdio em que Miguel se revela, por intei-ro, em seu conflito existencial. Aconteceu

    comigo. Convidei-o a participar, na con-dio de padrinho, do batizado de minhaprimeira filha, eleita sua afilhada. Miguelno compareceu. No outro dia, rabiscadoa mo, um bilhete seu me dizia:

    Receba minha recusa como um gestode amigo. Porque toda a minha existn-cia, Assis, a histria de um outro. Seriaele, e no eu, que teria comparecido. E

    estimo muito voc para enganlo comoengano a mim mesmo.

    O que fazer quando a sinceridade seimpe?

    Com a unificao dos rgos da Previ-dncia Social, tomamos rumos diferen-tes. Uma bolsa de estudos me levou aParis, em plena efervescncia do mo-vimento de maio de 1968. Miguel, em

    deciso pessoal, tomou o rumo de Sal-vador. Cumpria velho sonho alimentadopela atrao do movimento cultural quese processava na Bahia. Alguns anosdepois, j desvinculados do servio p-blico, encontramo-nos em plena RuaJoo Pessoa, em Natal. Foram horasde conversa. Entre suas revelaes, obem-estar vivido nas igrejas e mosteirosde Salvador.

    no pRIncpIo eRao caoS Absurdos e angstias parte, Miguelidentificava no caos a violncia queprepara o amor. Sim, o amor como es-sncia, como fora criativa e redento-ra. Amor que nasce do caos por umaVONTADE ordenadora. Amor criativo.O caos como realidade cosmolgica,divina, jamais expresso do nada, quenada cria. O caos como elemento depossibilidades. O caos que enche deluz e vida o Universo, e determina,

    a partir da exploso criativa, a flecha dotempo, a linha imaginada por Prigo-gine que perpassa o infinito e recebe

    o nome de eternidade. Tamanha cons-truo ultrapassa nossa incapacidadede entendimento, suprida na aceitao

    do mistrio, consolo religioso nossacapacidade de compreenso. Engen-dramos frmulas de conhecimento apartir dos mitos. Assim, nada mais belodo que atribuirmo-nos a condio de

    parceiros da criao. Se, ao Criador,um fiat bastava, nossa participao, su-bordinada a ciclos evolutivos, do nasci-mento morte, reproduz o destino deSsifo, criando e recriando. Assim, o queseria um castigo (o trabalho sob o estig-ma da condenao) foi assumido comoprocesso de transformao, pois o atode criar confere-nos o privilgio que nosarroga a condio de imagem e seme-

    lhana de Deus.

    ReTRaTo oUgRavURa?Impossvel ajustar o retrato de Miguel aqualquer moldura. No o contaminava amorbidez do narcisismo que deformou orosto, e a vida, de Dorian Gray, no retra-to que a pena de Oscar Wilde produziu.Miguel Cirilo expressou, em versos, suarejeio ao prprio retrato. Oculta sob aopaca sombra dos vidros quebrados, suaimagem, captada mecanicamente, seria oretrato do outro porque eu no exis-to. O retrato o morto em mim: foi bomque lhe dessem fim.Como poderia, ummorto, encarar a prpria imagem? Que

    espelho poderia refletir, para os olhos daalma, a essncia do ser?J tenho quasecomo moldar o rosto sua prpria ima-gem. Arteso de si mesmo, trabalhavaa argamassa do esprito em desenhos egravuras ilustrados por reticncias e inter-rogaes.Para ele no havia ponto final.Nasceu transeunte, viveu peregrino. Suamorte o cansao do ser interrompeu

    sua busca.

    TRanScenDenTepoeSIaMiguel poeta, estilo e substncia. A

    conscincia da alteridade nos reveladuas faces, duas vises: uma, pela qualnos enxergamos; outra, como os outrosnos vem. Isto nos permite, em se tra-

    tando de Miguel, confrontar timidez eautonegao, espraiadas no mar de

    sua hermtica poesia. Anchieta Fernan-des abre a segunda edio de Os Ele- mentos do Caos, obra potica editadapor Miguel Cirilo, anunciando que suapoesia comea, decorre e some em es-

    tado de conscincia transcendente...Tambm assim a vejo, na percepo deque a obra reflete o criador, pois Miguelexalava transcendncia. No se rotulavapoeta. Dizia:

    Poeta, vocao, conscincia so, porenquanto, meras palavras para mim: novivi ainda sua significao. [...] No creioque a felicidade de algum depende dis-

    to: escrever ou no escrever.E complementa:

    O escritor vem sempre depois dohomem.

    pSSaRo feRIDoFinal de novembro de 2004. Depois de

    algum tempo sem v-lo, fui encontrarMiguel em seu refgio, um modestoapartamento de uma bem cuidada pou-sada, na Rua Princesa Isabel, em Natal.Movia-me o pretexto de convid-lo paratestemunhar o lanamento do meu pri-meiro livro de poemas, no qual incluraum Soneto a ele dedicado. Emocionan-do-se, confessou:

    Sua visita providencial. Estou semcondies de locomover-me. Preciso deum mdico. Mas, antes de prestar-meesse favor, leia seu poema.

    Nem seria necessrio dizer da emoo edas lgrimas inevitveis. Procurei o mdico.

    No dia seguinte, Miguel seria internadona Policlnica do Alecrim, de onde no re-tornaria. Dei conhecimento do ocorrido a

    seus familiares, solcitos e imediatamentepresentes. Nada faltou a Miguel, pssaroferido de morte, cujo trinar ainda reverbe-ra seu canto de despedida:

    Vou porque tenho de ir/ no levo penade nada/ meu sonho foi existir/ meuamor... a minha estrada./ Jerusalm, mi-nha amada/ ai de quem viu tua fronte,/tua face ensangentada,/ o teu mortosobre o monte./Jerusalm, ai de mim./que no morro por ningum.

    Francisco Assis Cmara poeta.

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    Do pRncIpeo feIjo por Marcos Silva

    mUITo alm DavITImIzao

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    Marcos Silva historiador e professor naFFLCH/USP.

    Cludio Galvo tem publicado impor-tantes livros sobre a cultura norte-rio-

    grandense. Prncipe plebeu Uma bio-grafia do poeta Othoniel Menezes (2010)se encaixa nesse trajeto. Escritor, que-rido em seu estado, Othoniel foi esco-lhido Prncipe dos Poetas Potiguaresem 1925. Mas enfrentou dificuldades desobrevivncia, dependendo de empre-gos inseguros e insatisfatrios. A nfaseem limitaes financeiras e expectativapor cargos pblicos que no vieram ou

    demoraram a vir apagaria uma persona-lidade altiva, que fez opes e se recu-sou ao conformismo. Apenas vitimiz-loseria negar sua liberdade. Essa biografiavai muito alm de tais limites.

    Cludio apresenta a infncia do poetaem Jardim do Serid, alfabetizao (como pai, depois com professor particular) ea vinda para Natal a fim de dar conti-nuidade aos estudos. O futuro escritorrevelou-se aluno dedicado e at laure-ado. Um breve perodo como militar foisucedido pela experincia jornalsticaem Macau, onde tambm atuou comoPromotor Pblico Interino. Em 1918,tornou-se segundo oficial na Secretariade Estado, ascendendo para a posiode primeiro oficial, que ocupou entre1919 a 1926. Perdeu esse cargo por seenvolver em destruio de iluminaopblica durante bebedeira.

    Seu prestgio literrio incluiu a realiza-o de um Festival do Poeta Otho-niel Menezes no Teatro Carlos Gomes(hoje, Alberto Maranho), em 1922. Aedio dos livros Grmen (1918),Jardimtropical (1923) e, mais tarde, Serto deespinho e de flor (1952) e A cano damontanha (1955) mereceu apoio gover-

    namental. Suas relaes com o pblicoleitor local e o governo estadual at fo-ram harmoniosas.

    A Poesia de Othoniel possui singulari-dades estilsticas e histricas. Nos livros

    Grmen e Jardim tropical h um recorteformal parnasiano voltado para as pe-culiaridades da natureza e do meio so-cial potiguares. Menezes, nessa etapa,elabora uma Modernidade peculiar queno se confunde com o Modernismo. Hvestgios de Romantismo em sua potica,mesclados a elementos do Naturalismo.Ele se aproxima de alguns parnasianosheterodoxos (Vicente de Carvalho, Ola-

    vo Bilac). Sua originalidade foi percebidapor Cmara Cascudo, que o incluiu emAlma patrcia. Na maturidade (Serto deespinho e de flore A cano da monta-nha) h um reforo modernizante ritmosdiversificados, ausncia de rimas, certocoloquialismo tambm surpreendente,contemporneo de poetas hostis ao Mo-dernismo a Gerao de 1945. Galvomenciona uma Noite parnasiana nata-

    lense, em 1959, que contou com o apoiode Othoniel e Esmeraldo Siqueira. Mas osdois no eram propriamente parnasia-nos e sim modernos muito especficos,classicizantes.

    O episdio bomio de 1926 (destruioa tiros de iluminao pblica) gerou pro-cesso por dano ao patrimnio, puniofuncional e, em janeiro de 1929, desli-gamento do cargo. Othoniel optou porretornar vida militar e participou da re-presso Coluna Prestes, com batalhonatalense. Quando da revolta comunistade 1935, ele trabalhava na Imprensa Ofi-cial do estado como um dos redatoresdo jornalA Repblica e preparou, comGasto Correia, a edio do jornal re-voltoso A Liberdade. Derrotado o mo-vimento, Othoniel foi demitido, fugiu deNatal e findou preso em Recife, recon-duzido para a cidade de origem, julgadoe condenado em 1938.

    Cludio menciona as dificuldades da es-posa e dos filhos do escritor na poca,

    com o sustento de todos s custas dopai e do sogro de Othoniel mais a pro-duo de doces, tapiocas e outras co- midas tpicas por sua mulher. Estamosdiante da famlia de escritor de renome,originrio de classe mdia, em condiode pobreza naquele momento. Galvolembra ainda o apoio financeiro de ami-gos do poeta, incluindo Srgio Severo,que era integralista. Saindo da priso,

    Othoniel trabalhou no combate mal-ria, em Assu, realizou festivais de poesiae seresta e manteve relaes cordiaiscom interventores estadonovistas. Em1942, comeou a trabalhar na Base A-rea de Natal. E, em 1951, foi indicadopara cargo no Instituto Nacional do Sal.Sua etapa final de vida, pobre, envelhe-cido e doente, ocorreu no Rio de Janei-ro, exlio em relao terra que no o

    tratou com a devida ateno.Vivendo num pas que adotou agressi-vas polticas anticomunistas durante d-cadas, Othoniel sofreu conseqnciasdolorosas devido quela identificaoque se lhe atribuiu em relao ao mo-vimento de 1935. Isso se misturou comseu carter inquieto, a boemia juvenil,a angstia em relao aos limites bu-rocrticos dos empregos e o exercciodo poder por governantes que oprimiamdiferentes categorias sociais, inclusivepoetas respeitados, como se lhes fizes-sem o Bem.

    Apesar de tudo isso, a Literatura venceu a obra do poeta est a.

    e s p i n h o e f l o r

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    acalanTopaRa oThonIel

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    por Deflo Gurgel | ilustraes Newton Navarro

    Conheci Othoniel Menezes, pessoal-mente, no ano de 1944, quando chegueia Natal para cursar o segundo grau,mais precisamente, o Curso Clssico. OAtheneu, onde estudei, ficava na antigaJunqueira Aires, atualmente desde ocentenrio de Luis da Cmara Cascudo,em 1998 dividida em duas partes: aprimeira, desde o jornal A Repblica ato relgio do Sesc, denominada AvenidaCmara Cascudo. A segunda, na partealta, do relgio do Sesc at a Prefeitura,denominada Boulevard Junqueira Aires.Promessas foram feitas, de embeleza-mento desse segundo trecho.

    Promessas, words, words, words.

    O Ateneu ficava nesse segundo trecho,exatamente onde funciona hoje a Secre-taria de Tributao do Municpio emfrente Praa do Estudante, por trs daAgncia Central do Banco do Brasil, naAvenida Rio Branco.

    Quanto a Othoniel, quando eu o conhe-ci, morava na Rio Branco, esquina coma Auta de Souza, na penso familiar deD. Slvia. Por que Auta de Souza, ali?Porque, descendo-se a Rio Branco, emdireo Ribeira, cinco casas, mais oumenos, adiante, encontra-se a casaonde faleceu a poetisa. Tinha uma placa

    no local. No tem mais. Peo ao meuamigo Roberto Lima, que j assumiu apresidncia da Capitania das Artes, que

    mande recolocar a placa (se ainda exis-tir) ou mande fazer uma outra mais bo-nita ainda, e coloque no lugar para queno se perca no esquecimento a Me-mria Potica desta cidade e a de umapoetisa maravilhosa.

    Tornemos a Othoniel.

    Eu o conhecia da leitura de antologiasnos cursos primrio e ginasial, no inte-rior, em Areia Branca e Mossor. Masmeu tio Chico o conhecia pessoalmen-te. Chico Avelino era funcionrio daMesa de Rendas e morava na Floriano,por trs da Rdio Poti, onde funcionoutambm, depois, o Dirio de Natal. TioChico era poeta e escreveu um peque-no livro de sonetos, Perfis, retratandoos colegas da Mesa de Rendas. Foi emsua casa que me hospedei, quando vimpara Natal.

    Revelado a meu tio o desejo de conhe-cer Othoniel, l fui eu, poucos dias de-pois de Chico Avelino haver lanado aponte entre ns dois, para a penso deD. Slvia, conhec-lo. Othoniel moravanum modesto apartamento, no ptio in-terno que existia na penso, com fron-dosas mangueiras ao centro.

    Me indicaram o apartamento e eu fui,at l. Bati palmas. Uma voz tonitruante,atendeu, l de dentro:

    Quem ?

    A, deu um n. Qu que eu ia dizer, parao poeta? Defilo? E ele l ia se lembrarquem diabo era Defilo? Preferi o siln-cio, dentro de minha inibio.

    Quem ? Retornou.

    Diante do meu silncio, o poeta veio ata porta e perguntou-me educadamente:

    O que que deseja rapaz?

    Foi ento que criei coragem e desembu-chei de uma vez:

    Poeta, sou Defilo, sobrinho de ChicoAvelino, da Recebedoria, seu amigo.

    Ele lamentou:

    rapaz! Por que no disse logo? Eu jteria lhe atendido, h mais tempo! Mas,sente, sente, vamos conversar.

    Ficamos amigos...

    Depois daquele dia, voltamos a nosencontrar inmeras vezes, inclusive na-quela casinha da Correia Teles, ondeo poeta morou, quase esquina com aPrincesa Isabel.

    Um dos nossos assuntos preferidosera o poeta Itajub. s vezes ele medizia: Ah, seu Gurgel, ele foi o maiorde ns todos! num tom da mais pro-

    funda reverncia.Othoniel, foi amicssimo de Esmeral-do Siqueira, que foi meu professor, no

    Pelo que viveste, pelo que sofreste, escrevi este Acalanto

    m e m e n t o

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    Ath C t E ld N i i d di H i d O h i l

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    Atheneu. Contava-me que Esmeraldo,logo depois de formado, tinha consul-trio aqui em Natal e que foi seu m-dico particular, durante muito tempo.O melhor que conheceu. Dizia-me que,

    s vezes, ia visit-lo no consultrio.Esmeraldo chamava a atendente e de-terminava: D. Fulana, remarque todasas consultas de hoje que eu s volto aatender amanh. E o papo rolava soltoo resto da tarde, sobre o reino encanta-do da poesia.

    No incio desta conversa, eu disse quequando morava no interior, conheciaOthoniel, atravs da leitura de seuspoemas, nos livros escolares. Errei.Menino de trs, quatro anos, em Areia

    Branca, na rua do Progresso, meu paime embalava, a mim e a minha irmTerezinha, cantando a Praieira deOthoniel e outras modinhas, de Itaju-b que no esqueci jamais: Vi-te. Eranoite/ A lua descorada/ brilhava, nasparagens luminosas...

    H, na poesia de Othoniel, um sonetoque, pela sua beleza, pela sua verdade,transcende todos os limites da perfeio Coroa de beijos. com ele que euencerro este depoimento sobre o poeta

    de Praieira.

    Defilo Gurgel escritor, poeta e folclorista

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    coRoa De BeIjoSOthoniel Menezes

    Com a rosa mo direita, a esquerda ao peito,

    Dorme lembrando os sculos sofridos.

    Drama dos sete maternais sentidos

    Senhora dona a padecer no eito.

    Sofrer foi sempre o seu amor perfeito

    Passos perdidos, ideais perdidos

    Nossa Senhora dos desiludidos

    Dos humilhados rfos contrafeitos.

    Seus sonhos andam todos pelos tmulos.

    Olhou o cu em vo. Negrumes.Cumulus.

    Ganhando flor logo essa flor morria.

    No sorriso envolvendo meu destino

    Toda a vida a seus olhos fui menino.

    Bastou nascer como nasceu Maria.

    r e c i t a l

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    poeTaSqUe falam

    r e c i t a l

    Os Poetas Eltricos

    por Luana Ferreira

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    preciso estar atento: nem toda poe-sia produzida no Rio Grande do Norte

    o aguarda, disponvel e eterna, nas p-ginas dos livros ou na tela do computa-dor. Para encontrar parte dela precisomarcar hora, sair de casa, procurar umbom lugar na plateia, abrir bem os olhos talvez tirar os culos, que aqui no preciso ler , aguar os ouvidos e sedeixar levar pela performance do poeta.Que vai falar, gritar, distorcer, cantar eentoar palavras. E interpretar, iluminar,

    vestir, ambientar e criar a atmosfera querecobre essas palavras.

    Civone Medeiros ofereceu o corao,cru, aberto, recheado de poemas e de-pois costurado, para as pessoas queassistiam a uma de suas muitas per-formances (como no podia arrancar esegurar o prprio, substituiu-o por umde boi). Michele Rgis matou os dois

    amantes e escreveu na pele deles antesde abandon-los, enquanto Os PoetasEltricos perguntavam O que significapalavra?, no vdeo Palarveando. Apoesia foi a matria-prima para o CD,DVD, livro e camiseta, tudo parte doprojeto Dramtica Potica, lanadopor Carlos Gurgel no incio deste ano.No vdeo de Daniel Minchoni, um buleanimado abre-se e ele diz estava to

    tampouco/ que destampou e saiu/ ooco. Longe dos bits, l em Currais No-vos, Luma Carvalho, do Casaro de

    tar essa memria (chega quase a mili-tar), em intervenes, nas oficinas que

    ministra e nas conversas em mesa debar. Em 2009, pintou o prprio nome eos de artistas potiguares em estrelas nocho, transformando o Beco da Lama,centro histrico de Natal, na Caladada Fama.

    Carlos Gurgel um dos caras moder-nos citados por Civone. Participou dosfestivais de arte da Fortaleza dos Reis

    Magos na transio da dcada de 70para 80, integrou todos os movimentosligados Contracultura em seu auge econsumiu o que pode de arte outsider,drogas e psicodelia. Sou a soma dissotudo e ao mesmo tempo despojado dis-so tudo, diz, num eterno nadar contraa corrente. Quero continuar provando.Quero saber o que posso fazer do tem-po que me resta. Ouviu pela primeira

    vez seus versos na voz do pai, o poetaDefilo Gurgel, que curtia tanto as obrasde arte do menino que passou a l-lasnas reunies com amigos em casa.Tinha oito anos. Depois, aos 12, era oprrio Carlos quem lia para os cones dapoca: Newton Navarro, Zila Mamede,Sanderson Negreiros, Berilo Wanderley,Miguel Cirillo e outros. Fez canto, fezartes cnicas. Participou de banda de

    msica, The Functus, do colgio Maris-ta. Na primeira performance, se vestiude padre, substituiu o incenso no turbu-

    Poesia, vestiu e despiu robe preto emfrente a uma penteadeira para recitarversos de Florbela Espanca. Ano pas-sado, Carito, Civone e Carlos Gurgel sejuntaram a Renata Mar e Pedro Quillese interpretaram os prprios versos emToque de Colher Poemas, para umanica apresentao no Buraco da Cati-ta, na Ribeira. Com roteiro, ritmo e mar-cao, mas sem ser necessariamentemusical, recital ou teatro. Ideia de CarlosGurgel, o aglutinador, coisa rara essespoetas se juntarem: mesmo sendo degeraes diferentes, mas que convivemno mesmo espao-tempo, eles no tmquase nada em comum, exceto viveremna mesma cidade, serem poetas, e, noterem a menor pretenso de agradarningum.

    caRaS moDeRnoSE desagradam mesmo muita gente, econquistam outras tantas, e a maioriacontinua alheia, como convm arte devanguarda. Civone Medeiros lamentaque as novas geraes desconheamtudo de bom e revolucionrio que acon-teceu por aqui antes dos anos 2000. Oscaras daqui eram modernos. O que os

    meninos fazem hoje, achando que estoinventando a roda, j era feito h 30, 40anos. Ela est sempre tentando resga-

    fotoRenanR

    go

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    lo por maconha e celebrou uma missa ziam apresentaes paralelas. Em 2003,

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    ensandecida.

    Naquela poca, os Dias da Poesia (14de maro) eram comemorados na rua,inflamados, espontneos. As pessoas

    chegavam e falavam; eu, me atrevia,lembra Civone Medeiros. Artistas e in-telectuais agitavam os dias dos sebos eas noites dos bares do Beco da Lama. APraia dos Artistas era ponto de encontroe de fumaa. Jota Medeiros havia escri-to um poema com sangue do prpriopulso. E o movimento Oxente entravapara o Guiness Book por ter feito a maiorobra de arte de sucata do mundo.

    Desde muito cedo Civone se atreveu aatrever. A ler filosofia ainda adolescentena biblioteca da escola (e depois aban-donar a escola); a transformar lixo empoemas visuais e cham-los de arte; aingressar no grupo Teatro Mgico paraLoucos; a continuar com as performan-ces polmicas apesar do pessoal docontra. Ela faz poesia com vdeo, tinta,

    quadro, tecido, sucata, o prprio corpoe o que mais estiver mo. E tambmescreve livros. Em 2010, lanou Escri-turas Sangradas, dois volumes de fo-lhas soltas organizadas em caixinhas.Eu sou poeta. O resto uma alegoriada escrita, diz, sobre a multiplicidadede suas obras. Em uma de suas perfor-mances na Ribeira, subiu nua na mesa:era ela a obra de arte. Escreva-me ou

    te devoro!, gritava de tempos em tem-pos, fazendo a esfinge grega. Custoupara que as pessoas entendessem quea poesia seria escrita ali, coletivamente,no corpo dela.

    eSTIlo, eSTaloCarito e Edu Gomez j eram artistas for-

    mados e atuantes na cena undergroundnatalense da dcada de 90 quando co-mearam a desaprender tudo paraformar Os Poetas Eltricos. Ainda nabanda Modus Vivendi, tinham o costu-me de passar as madrugadas no est-dio criando o que no cabia no sistemarefro-poucos-acordes-do-rock: Caritocompunha e vocalizava poesias; Educolocava as possibilidades da guitarra

    a servio dos versos. Vez em quandoinseriam alguma coisa nos shows ou fa-

    p pquatro anos depois do fim do Modus, osdois se descobriram em crise de abs-tinncia daquelas farras experimentais.Voltaram, encontraram gravaes como

    Sina de Ina e Serafina, compuseramOfcio e outras, e o CD Poemas ele-tri-ficados & outros que foram emboraestava pronto. No era poesia sonora,nem declamada, nem musicada, nemtrilha sonora, nem msica. Na verdade,a gente fica na dvida se ele mesmoum disco. Assim, um objeto circular de12cm de dimetro e reproduzido no cdplayer. Mas possui um livreto como en-

    carte lotado de poesias. As msicas sopoemas musicados ou msicas poeti-zadas? No sei e acho que difcil de-finir, tentou entender o crtico cariocaJairo de Souza. Era palavra e somdialogando, aquilo que no tinha nome.A prpria voz transformada por efeitoseletrnicos.

    No temos estilo, temos estalo, brin-cou Carito com a prpria indefinio do

    trabalho. Ainda hoje h quem resista emchamar o que ele escreve de poesia.Carito usa o jogo de palavras, faz troca-dilhos, tece pequenas ironias. Ora, euescrevo em versos, digo que poesia,publico como poesia. Ento, poesia!

    No palco, eles usam figurino e Carito,que j participou de grupo de teatro,interpreta: o visual tambm compe a

    poesia. A gente gostava muito da coisaestranha, e queramos apenas agradar ans mesmos. Mas o pblico gostou, acrtica l de fora elogiou, Michele R-gis se integrou dupla e surgiu o segun-do CD, Estirado no estirncio.

    na RUaO ingresso de Daniel Minchoni para omundo da poesia marginal veio num en-carte da revista Trip: era o CD da bandaCEP 2000. Neste momento eu percebique a poesia no s poderia ser insti-gante como poderia ser amplificada, epassei a expor a palavra como ela deveser, com a voz do poeta por trs dela,diz. Ele fala poesia como quem contauma histria, com molejo no corpo e tre-

    jeitos nas mos. um pouco mais questand-up poetrye menos que teatro,

    rgio

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    Carlos Gurgel

    fotoGiovanniS

    mas parece. um pouco a expanso dot El i t d

    Gullar, Florbela Espanca e Carlos Drum-d d A d d C i N

    expeRImenTanDoo veRBo

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    meu pensamento. Ele pinta nas ruas deSo Paulo (onde nasceu e para aondevoltou em 2006 depois de oito anos emNatal) e se apresenta em lugares mar-cados ou de improviso, como praase nibus. Gosta de relacionar a poesiacom a rua. A arte na rua, isto me inte-ressa: lugar de artista na rua.

    A quilmetros de Sampa, o Grupo Ca-saro de Poesia s foi saber que exis-tia poesia potiguar, alm do clssicocircuito acadmico, em 2004, quandoconheceram atravs do blog BalaioPorreta o poeta Moacy Cirne. Natural de

    Jardim do Serid, mas vivendo no Riode Janeiro desde os anos 60, foi Moacyquem ciceroneou virtualmente os seisintegrantes do grupo pelos caminhospouco trilhados dos versos contempo-rneos potiguares. A gente pensou:meu Deus, tem esse povo todo aquie a gente s valoriza Sicrano, Fulano eBeltrano!, conta Iara Carvalho. Maisou menos nesse perodo comearam

    a criar performances, s vezes com osprprios versos (dos seis, apenas umno escreve) e de outros, como Ferreira

    mond de Andrade. Currais Novos nuncatinha visto aquilo. Ns tnhamos umanecessidade de criar uma identidadenossa no meio dessa realidade que agente sabia como funcionava e via queno chegava nada pra gente, diz Wes-ckley Gama, que aprendeu a tocar vio-lo num pedao de madeira pintado. Nacidade no h teatro, e no cinema (hojefechado) s passavam filmes como OsTrapalhes e Rambo, alm dos porno-grficos. As influncias culturais vieramda televiso, dos cordis, dos discosdos pais, dos festivais de repente e

    dos livros. J adultos, estudantes uni-versitrios, eles se reuniam na residn-cia abandonada do campus de CurraisNovos para beber vinho e recitar poe-sias. Essa inquietao fez com que nspercebssemos que poderamos ser amola propulsora e trazer para a cidademovimentos culturais para dar um senti-do nossa vida, lembra Wesckey.

    o veRBoPode parecer contraditrio, mas saberexperimentar e criar sem preconceitostambm exige concentrao, disciplina

    e rigor. Tudo pensado: cada acorde,cada slaba da palavra, cada tom na voze no instrumento, a interao entre eles.Cada segundo, cada frame, tudo mui-to importante, o timbre, o efeito, a tex-tura, a postura, a atmosfera, diz Caritosobre a composio dos Poetas, que feita com hora marcada, em estdio, ouem conversas e mensagens trocadaspor telefone. Tudo pode ser aproveita-

    do: um rudo sonoro captado na fazen-da onde costumam ensaiar, uma cena,um trocadilho inventado, devaneios deambos. O ltimo CD, Breves incandes-cncias, foi composto e gravado emestdio em 15 dias talvez uma reaoda dupla ao segundo CD, que consumiudois anos em experimentaes. MicheleRgis se afastou do grupo, e as faixasesto mais meldicas. Ele ser lanado

    antes de junho.

    Para experimentar preciso, ainda, co-ragem. Algumas pessoas no gostam

    Civone Medeiros

    ssoal

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    quando Civone tira a roupa. O corpo uma ferida que a sociedade precisadescascar, escreveu certa vez. Diz quese exibe para ser includa. Tive uma in-fncia invisvel porque meu irmo tinhaa sade frgil e concentrava a ateno

    dos meus pais. Estou sempre querendoser aceita, psicanalisa. Paradoxalmen-te, no cede um milmetro s exignciasdo pblico. Eu sempre sei que vou de-sagradar.

    Carlos Gurgel outro que est sempreem busca da provocao. No gos-to de ser bonitinho. Quando estou nopalco, eu quero ser um bicho do mato,instigar, provocar. Ele grunhe, estica,

    encolhe, grita e trunca palavras em suasperformances, acompanhado ou nopor instrumentos musicais. como seestivesse em outro plano. Fico em sin-tonia com outro ritmo, a palavra me jogadentro de uma vibrao, e a ela se ma-nifesta, explica.

    Mas s em 2003 comeou a oralizarsistematicamente o que escreve. Que-

    ria espalhar o verbo, levar a poesia muito solitria para poeta e leitor parauma experincia mais social, coletiva.

    Com Dramtica Gramtica, voltou aoestdio, onde no aparecia h algunsanos, para mais uma vez misturar som,imagem e palavra numa mesma poesia.Pois que poesia em estdio muitobom. Pois a poesia quando mergulha

    por sobre a imagem, ela se reconhecede outra forma. Ela pula, ressuscita,revigora o verbo. Pois ultrapassa, voa,liberta. Falta-me vocabulrio. Foi muitobom, escreveu no encarte do CD.

    Estdio, invs, no a praia de Mincho-ni: ele se interessa mais pela relaoentre o pblico e o poeta, o confronto,o improviso, as diversas possibilidades.Nada muito ensaiado. Alguns dos po-

    emas s funcionam quando apresen-tados. Muitas vezes vou a um saraucom uma ideia e vou descobrindo elaenquanto estou fazendo, improvisando,errando em pblico. Gosto disto de teruma obra aberta, que pode ser sempremodificada. Pela editora natalense Jo-vens Escribas, publicou Escolha o ttulo,em 2006, um livro de poesias. Agora, osversos, animados, falados ou escritos

    (ou tudo junto), esto disponveis em si-tes da internet.

    Casaro de Poesia

    fotoAcervoPes

    caRloS gURgelvocabulariodaraca wordpress com

    J o pessoal do Casaro sabe que nems de internet vive a poesia E que no

    maIS

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    vocabulariodaraca.wordpress.com

    caSaRo De poeSIa

    casaraodepoesia.blogspot.com

    cIvone meDeIRoS

    escriturasangradas.blogspot.com

    vimeo.com/civonemedeiros

    DanIel mInchonI

    soundcloud.com/danielminchoni

    www.youtube.comwatch?v=dq33GJfdW7

    oS poeTaS elTRIcoS

    www.carito.art.br

    www.ospoetaseletricos.com.br

    s de internet vive a poesia. E que nobastam as performances para romper abarreira da cultura elitista local. Quandoa gente diz que cobra por apresentao,as pessoas dizem: ah, e no queremdivulgao? Por isso, mergulhamosnos editais, conta Iara Carvalho. Em2007, assumiram-se como grupo e co-mearam a agitar os Dias da Poesia nacidade. Em 2009, fundaram o Ponto deLeitura com apoio do Governo Federal.Participam de concursos de poesia (evencem, muitas vezes), do aulas deinformtica, xadrez e violo, quase degraa, para crianas e idosos, e realizamrodas de leitura com escolas e doentespsiquitricos (duas das integrantes soassistentes sociais). A gente no segu-ra bandeira poltica: prefere atuar maisdiretamente na comunidade, diz Iara.A gente no faz pelo dinheiro: para sesentir vivo, resume Wesckley.

    Para que, alm de vivos, os poetas poti-guares sigam unidos e fortalecidos, Car-

    los Gurgel idealizou o Verbeto Voador,que a Fundao Jos Augusto vai to-car a partir deste ano. Os poetas teroespao e hora marcada semanalmentepara discutir, trocar e, quem sabe, con-ceber poesia juntos. Quem sabe a partirda o verbo se espalhe ainda mais pelasterras potiguares.

    Luana Ferreira jornalista.

    paRaSa

    BeRm

    Daniel Minchoni

    fotoAcervoPessoal

    m u s a

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    Ah, o poder de seduo que tm oshomens inteligentes.

    E a, como diz Sartre, que a mulherfaz-se.

    Pois bem, o sedutor no sabe a arte quetem de transformar, em segundos, todoo poder da terra em sonhos.

    E o sonho sempre uma forma de nosafastar da dor. Chega a confundir: a vida sonho ou a vida real?

    Oferecer-te-eiProlas de chuvaVindas de pasesOnde nunca chove

    Os versos so de Jacques Brel, mas... amusa? Acho que sou eu, ou voc.

    por Maria Emlia Wanderley

    Maria Emlia Wanderley musa.Maria Emlia e Berilo Wanderley, noite de formatura, Aeroclube de Natal, 1960

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    m t r i c a

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    Por Fbio Farias

    Em tempos de crescimento econmico,de aumento na oferta de emprego e na

    j escrito, ainda no esgotou sua tiragemde 300 exemplares. Acho que ainda exis-

    Para a poeta, as vendas mnimas se de-vem falta de educao formal do pbli-

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    renda mdia do trabalhador, uma per-gunta paira: e a literatura, Jos?

    No novidade que o bolo da economia

    no l to vistoso quando o recheio f