A Lenda Do Castelo de Pero Escouche

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FICHA TÉCNICA Titulo A Lenda do Castelo de Pero Escouche Autor Valentim Gil Revisão Luiz Gaspar Revisão histórica Cristina Mendes Depósito Legal 364948/13 ISBN 978-989-20-4204-6 Editor Autor Tiragem Print on demand Impresso em Portugal Bubok Publishing S.L. Nota Por opção do autor, esta publicação não segue o actual acordo ortográfico. Outubro 2013

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A Lenda do Castelo de Pero Escouche

Valentim Gil

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A Lenda do Castelo de Pero Escouche

Valentim Gil

Agradecimentos 6Nota Introdutória 9A cadela fugidia 10A conquista de Ceuta 17Onde estará a Nina? 21O mensageiro do Rei 25A descoberta 29Ao serviço de Sua Majestade 35Pequenos mas organizados 39O tesouro escondido 43Preparadas para a aventura 47“Morrer sim, mas devagar!” 51É hoje! 55Cativos 59A porta secreta 61Reino sem Rei 68Olhos que brilham no escuro 71O Desejado 74200 metros de fio 76Segredo enterrado 79A Sportinguista 82O Cavaleiro da Cruz 87Por trás da parede 89Frei Estevão e a libertação do Rei 94A armadilha 97Condenados 102Epílogo 107

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Aos meus tesouros e fonte de inspiração e aos seus amiguinhos que povoaram a minha imaginação no decorrer da acção.À minha esposa pelo tempo que me concedeu e pelo apoio constante.Aos meus pais, que me trouxeram para esta terra que amo e tenho como minha e restante família que nunca deixou que essa palavra perdesse o seu significado.Ao Firmino Arnaut pelo seu empenho e criatividade.À Cristina Mendes (ADPAC) pela sua disponibilidade e boa vontade na partilha de informação; mas particularmente pelo seu excepcional trabalho na recolha, divulgação e empenho pela preservação do património cultural de Santa Iria de Azóia.À Raquel Marques, que transformou as letras em livro e o embelezou para que as palavras tivessem mais magia; esboçando sempre um sorriso nos momentos em que lhe lancei novos desafios. Pela sua dedicação, empenho, profissionalismo e boa disposição.Aos amigos que sempre o souberam ser.À memória do T`Irmino (tio Hermínio – que não era tio de ninguém) que nos levava na carroça e acolhia no seu quintal, dando guarida a um bando de miúdos a quem emprestava ferramentas e ensinava a usar, para construírem sonhos e os brinquedos que povoaram a sua infância.Finalmente, a todas as crianças que diariamente nos brindam com a maravilhosa alegria dos seus sorrisos.

Agradecimentos

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A Lenda do Castelo de Pero Escouche surgiu da vontade de escrever uma pequena estória para oferecer às minhas filhas. Iniciei uma breve investigação para dar enquadramento histórico à estória e, de surpresa em surpresa, dei comigo a desenrolar o fio de uma meada que se viria a tornar quase obsessiva. Movido por essa curiosidade e permanente descoberta, resolvi levar por diante o projecto mas com uma vertente diferente; fazer também um pouco da história deste lugar.Não deixarei referências bibliográficas pois consultei variadíssimas obras e estudos, sendo que algumas foram preciosas e outras faziam breves referências ao que buscava. Encontrei na Internet imensa informação e teorias muito interessantes sobre a morte de D. Sebastião, cujo capítulo na história de Portugal continua por encerrar.Espero poder despertar a curiosidade daqueles que verdadeiramente têm conhecimentos técnicos para poder contar a verdadeira história de Santa Iria de Azóia desde o primórdio dos tempos até à época actual.Todos os personagens históricos nomeados existiram de facto e tanto quanto possível (excepção feita a algumas conjecturas do autor) o relato dos acontecimentos é real. Os personagens actuais foram baseados em amigos e amigas das minhas filhas e utilizados os seus nomes próprios.Quero ainda dizer-vos que por não me rever neste novo acordo ortográfico e dele discordar completamente, não escrevi uma única linha ao abrigo do mesmo. É nestes pequenos gestos que se faz a história e marca a identidade dos povos.

Nota Introdutória

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A cadela fugidia

Com o aproximar do fim do mês de Agosto, aproximava-se também o fim das férias de verão.Depois de muita brincadeira, era tempo de começar os preparativos para regressar à escola.Tanto a Cláudia como a Carlota iam mudar de escola, enfrentando assim mais um novo desafio. A Cláudia ia para o 5º ano na “Escola de Pirescoxe” e a Carlota mudava do “Jardim-de-Infância de Via Rara” para a “Bela Vista”.Nova escola, novos professores e novos amigos.Notava-se a ansiedade que pairava no ar, particularmente da Cláudia que se mostrava cada vez mais ansiosa por saber qual era a sua turma e o horário que iria ter.Como era hábito em tempo de férias, as manas dividiam o tempo entre a avó Maria e a avó Virgínia, uma semana em cada uma como ditava a regra e, esporadicamente pediam para passar o dia com a tia “Mila” para brincarem com a Nina e o Edie, os cães da tia, com que elas adoravam brincar e fazer festas.Hoje ia ser um desses dias. Como sempre, o Pai ia chamando a atenção das meninas para que se despachassem rapidamente,

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ralhando as horas invariavelmente de dez em dez minutos. Era assim todos os dias, sempre a correr logo pela manhã para não chegarem atrasados, o que acontecia com mais frequência que o desejado.— Cláudia! Carlota! Despachem-se a tomar banho! Já são oito e um quarto, e vocês ainda estão na banheira. Vamos chegar atrasados, como sempre!Com o pequeno-almoço tomado, já todos prontos e vestidos, correm para o elevador, sempre com mais uns “ralhetes” do pai, pois há sempre alguém que se esquece de alguma coisa, ou que quer ir apanhar um brinquedo de “última hora”.No elevador diz a Cláudia para o pai:— Pai, hoje vamos para a tia Mila não é?— Sim filhota – respondeu o pai. – Têm de se portar bem e não dar muito trabalho à tia que ela tem muito que fazer.— Pai, eu combinei com as minhas amigas para irmos hoje à escola de Pirescoxe ver as turmas e os horários, posso ir?— Eu também quero ir – disse a Carlota.— Com quem vão? - Perguntou o Pai.— Vamos sozinhas... Dããã. Acorda Pai! Quando começarem as aulas daqui a duas semanas não temos de andar sozinhas? É igual...— Tens razão... – respondeu o pai - Quem é que vai contigo?— A Morgana, a Mariana, a Carolina, a Rita e o André. Saímos de Santa Iria e vamos buscar a Maria e o Afonso a casa deles, depois vamos todos até à escola.— Eu também quero ir – repetia a Carlota num tom cada vez mais estridente.— Ó Pai deixa-a ir, eu tomo conta dela.— Chegámos! - Disse o pai – Tudo a correr para o carro. Já combinamos isso como deve ser...— Toda a gente tem o cinto posto? - perguntou o pai, pondo o carro a trabalhar – Vamos embora! Olha Cláudia, tu podes ir mas já sabes que tens de ter muito cuidado e muita atenção ao trânsito. Atravessar,

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só nas passadeiras e com sinal verde para o peão. Carlota, tens de dar a mão à Cláudia e não largar sob pretexto algum, senão não vais.— Eu porto-me bem! – dizia a Carlota, como se ninguém soubesse que irrequieta era.Fizeram o resto do caminho a ouvir os Íris e as recomendações do pai sobre a atenção a dar à estrada, cuidados a ter antes de atravessar a rua, qual o melhor trajecto, etc. Chegados a casa da tia, o pai disse à Cláudia para dizer à tia que lhe telefonaria para combinar a ida à escola.A manhã foi dividida entre as festas na Nina e no Edie, e os desenhos animados do canal Panda. A Nina era uma cadela rafeira de pequeno porte e pêlo preto comprido. Era o “Ai Jesus” da Carlota. De tal forma ela lhe pegava, fazia festas, dava beijos e abraços que a Nina por vezes se ia esconder dentro da casota do Edie, um PitBull mal arraçado, de olhos dengosos e rabo sempre a abanar. Era sem dúvida o cão feroz mais manso e meigo de que havia notícia.— Cláudia! - chamou a tia Mila – O teu pai telefonou-me a dizer que à tarde vais a Pirescoxe com as outras miúdas. Que história vem a ser essa? O pai pediu para o tio vos ir pôr à escola da Bela Vista às três da tarde, é assim?— Sim tia. Combinamos de nos encontrar na porta da minha escola antiga às três horas e depois vamos a Pirescoxe ver as turmas e os horários.— Então temos de ir já almoçar, senão não estão despachadas a horas. Toca a lavar as mãos e ir para a mesa.O almoço decorreu animado, como todas as refeições em casa da tia. Os tios tinham aproveitado a parte final das férias para fazer arranjos e pinturas na vivenda, e o único período de descanso era o das refeições, pelo que eram sempre utilizadas para animadas conversas e um bom par de gargalhadas.A meio do almoço, a Carlota teve uma ideia luminosa e simples, como é normal em todas as crianças de cinco anos.

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— Ó tio, podíamos levar a Nina connosco para tomar conta de nós e não deixar ninguém fazer-nos mal.Gargalhada geral na cozinha. Mas a Carlota insistia:— Levamos a Nina presa com uma fita, para ela não fugir.Mais gargalhadas; mas na cabeça da Cláudia a ideia também começava a ganhar forma. A Nina era muito mansa, mas era muito esquiva. Mal apanhava o portão aberto fugia, voltando apenas quando lhe apetecia, o que normalmente acontecia ao fim do dia. A ideia da Carlota já não lhe parecia assim tão disparatada. Como não tinham cão, normalmente brincavam com o Edie e com a Nina mas só ali no quintal, nunca tinham tido a oportunidade de passear um cão, e esta começava a assemelhar-se a uma oportunidade de ouro.— Tia – disse a Cláudia – Olha que a ideia da Carlota não é disparatada de todo. Nunca pudemos passear um cão, hoje era uma boa oportunidade.Apesar de o tio Hernâni não achar muito boa ideia, perante a insistência desmedida das pequenas, acabou por se dar por vencido e foi buscar uma trela para a Nina.Há hora combinada, o tio deixava as meninas e a Nina na porta da escola da Bela Vista. Já lá estavam a Carolina, a Rita e a Mariana, a Morgana chegou pouco depois.— Onde está o André? – perguntou a Morgana.— Não sei – disse a Carolina – nem parece dele, é sempre tão pontual.— Que lhe terá acontecido? - indagava a Mariana, sem esperar obter resposta.Os minutos iam passando e o mistério ia-se adensando. Que coisa esta… Logo o André que era tão pontual tinha de se atrasar. Que maçada. Enquanto iam tecendo alguns comentários e alvitrando hipóteses para este atraso, ouviram repentinamente um grito efusivo e inconfundível da voz do André num enorme:

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— Gooooollooooooooo!Estava explicado o mistério.— Anndrééééééé! – gritaram todas em coro – Nós aqui preocupadas, e tu a jogar à bola com os outros rapazes, vais apanhar...— Cheguei cedo e fui jogar um bocadinho enquanto esperava por vocês. São tão ceguetas que não me viram. Mulheres... ehehehehehO André teve de se escapar a umas ameaças de calduços fingidos pelas raparigas. Decidiram então empreender a viagem a caminho da nova escola. Acordaram que o melhor caminho seria pela Igreja, Alto da Eira, Bairro do Cativo, Bairro das Courelas (para apanharem a Maria e o Afonso) e finalmente Pirescoxe. Combinaram despachar-se rápido para poderem ir brincar no parque infantil junto ao Castelo de Pirescoxe.O passeio decorreu sem grandes sobressaltos, apenas a Nina esporadicamente queria ir mais rápido do que as pernas da Carlota permitiam, obrigando-a a dar umas corridas de vez em quando. Estava radiante. A Cláudia tinha-lhe enfiado a trela no pulso e tinha-lhe ensinado como fechar a mão sobre as duas tiras de couro para não a deixar escapar, e lá ia toda contente, meio arrastada pela Nina.Passaram a Igreja e num instante estavam no Alto da Eira, eram três e meia da tarde quando chegaram à porta do Afonso e da Maria. Estes eram apenas dois dos vários gémeos que tinham na sua turma do 4º ano. Os gémeos eram pequenos mas muito vivos e irrequietos, eram até um nadinha mais baixos que a Mariana, que embora sendo a mais velha do grupo era baixinha e franzina. A Rita era também pequenina e magrinha, muito extrovertida e alegre, tinha feito a apresentação da festa de fim de ano na escola e saiu-se muito bem, parecia uma profissional. A Cláudia e a Carolina eram as maiores, mais altas até que o André. Realmente, neste grupo os únicos que poderíamos dizer que tinham estatura adequada para a idade eram a Morgana e o André.Reunida finalmente toda a gente, continuaram a caminhada até à

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escola, que estava agora bem mais perto. Passado pouco tempo já estavam a cruzar o portão da escola. Todos correram de vitrina em vitrina até encontrarem a sua turma. Começaram a passar os horários o mais rápido que podiam, pois a brincadeira esperava-os impacientemente no parque infantil do Castelo.Depois de passarem os horários, saíram da escola e correram rua acima em direcção ao castelo, pois o último a chegar seria uma armadura velha e ferrugenta. A Carlota, puxada pela Nina ia na linha da frente. Quando chegaram não havia ninguém a brincar no parque, o que lhes deixou todos os brinquedos disponíveis; estavam mesmo com sorte... Como a Nina não podia entrar, a Cláudia enfiou a asa da trela pela parte de cima de uma das ripas da vedação do parque e foram todos brincar. Naquele parque tudo abanava, ia para cá e para lá, subia e descia, enfim, nunca se tinha visto ali um reboliço semelhante ao que estes compinchas armaram. Voavam baloiços, os cavalos pareciam ter tomado o freio nos dentes e o escorrega mais parecia uma pista de aterragem para aviões tal era a velocidade com que se faziam as descidas.Estavam todos tão entretidos que não deram conta que a Nina se desprendeu e já vagueava pela relva envolvente do Castelo. Foi a Mariana que numa das suas subidas ao céu, levada pelo assento do baloiço, viu uma coisa preta a deambular pela mancha verde de relva e de repente fez-se luz no seu cérebro:— Ninaaaaa – gritou ela – A Nina fugiu!Alto e pára o parque! Toda a gente saltou dos brinquedos e correu atrás da Nina, que nessa altura ia em direcção à rua a seguir à qual existe um vale profundo mas imperceptível, que separa a Urbanização do Castelo e o Bairro da Covina do Bairro das Duas Portas e do Bairro do Estacal Novo. O André “veloz”, corria mais que todos, fruto dos seus treinos de futebol, mas a Nina não ia deixar os seus créditos por mãos alheias, e não seria um qualquer jogador de futebol

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que ia conseguir apanhar esta velha “raposa” que já encetara mais fugas sozinha que todos os “Fugitivos Mais Famosos da América” juntos. Quanto mais a chamavam; mais ela fugia. Cruzou a rua, e desapareceu na descida da barreira para o fundo do vale.

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Era uma tarde chuvosa de Outubro. Já se fazia sentir o frio e, a chuva miudinha que caía incessantemente, tornava o fim de tarde cada vez mais desagradável. Começara como uma trovoada, daquelas de fazer medo às pessoas e animais. Os raios cruzavam os céus de nuvem para nuvem e alguns eram atraídos pelas águas do Tejo onde se ligavam em grandes e intensos clarões.Nestes dias, ninguém ficava debaixo das árvores, pois todos tinham na memória a morte de um pastor e sete ovelhas, que uns anos antes se abrigaram debaixo de uma velha e frondosa oliveira um pouco abaixo do castelo. Um raio caído do céu rasgou o tronco da oliveira de cima abaixo e matou os que se abrigavam debaixo dela. Apenas a velha oliveira subsistiu, apesar de muito maltratada, pois o seu grosso tronco manteve-a firme de pé. Chamavam-lhe a “Mãe” pois aparentemente era a mais velha oliveira do vasto olival que se estendia do castelo até quase à margem do Tejo.No salão do castelo, a lareira trazia um calor reconfortante logo que o frio se começava a fazer sentir. Era assim há mais de 100 anos no

A conquista de Ceuta

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solar dos Castelo Branco.Depois de um dia passado a cavalo percorrendo os campos a ver como iam os trabalhos de lavoura, D. António de Castelo Branco repousava na sua poltrona predilecta, fitando as labaredas que brotavam do lume. Estas iam-se enrolando umas nas outras entre o amarelo e o laranja, criando uma letargia intensa, fazendo com que o seu corpo ficasse pesadamente inanimado sobre o cadeirão, enquanto os seus pensamentos vagueavam. Nesta abstracção, sem dar por isso pôs-se a rever a história dos Castelo Branco, de quem ele era agora o responsável pela manutenção do legado e pela sua continuidade.Na quinta-feira, 25 de Julho de 1415, seu trisavô, Lôpo Vasques de Castelo Branco, partira com seus cinco irmãos, entre eles Nuno Vasques de Castelo Branco, à conquista de Ceuta, na armada de D. João I. Era uma esquadra imponente para a época, composta por duzentos e quarenta e dois navios, de maior ou menor porte, que partiam em segredo, sem que as gentes que se amontoavam nas colinas de Lisboa, para os ver partir e desejar sorte, soubessem o seu destino.A viagem até Ceuta não foi isenta de atrasos, que a navegação nesses tempos era feita ao sabor dos ventos e de mapas pouco fidedignos. Qualquer descuido poderia levá-los a um destino que não era o pretendido, o que acabou por acontecer. Depois de algumas peripécias, idas e vindas, finalmente o grosso da esquadra fundeava frente a Ceuta a 20 de Agosto, quando o crepúsculo já começava a lançar a sua sombra sobre a cidade.No dia seguinte, um grupo de homens fez-se à praia. Mal posto o pé na areia, já a mouraria bramia as espadas e lanças numa peleja que começava a animar o dia. Como todas as contendas, esta era feita de muita gritaria, dos urros dos feridos e dos que morriam, dos brados assustadores dos que se sustinham firmes, de avanços e recuos conforme a inspiração deixava e o inimigo permitia.

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Animados, por aqueles que combatiam na praia terem conseguido alguma vantagem, milhares de combatentes destemidos desembarcavam prontos para guerrear e, pela força da espada e da coragem, foram passando dos combates na praia para as portas da cidade e daí para o seu interior. Nas ruas da cidade a progressão era difícil pois, por vezes, tinham os combatentes de revezar-se na frente de batalha onde poucos cabiam, dada a pouca distância que ia de um ao outro lado da rua. O infante D. Henrique foi dos mais destacados combatentes, pelejando incansavelmente. Dentro das muralhas da cidade tinha de vencer-se rua a rua, casa a casa. Cada centímetro ganho era fruto de muita coragem e esforço. Muita era a confusão. O barulho era cada vez mais ensurdecedor, agravado pelo malhar das espadas, pelo gemer dos escudos sob as pancadas das pesadas maças e clavas.Muitas horas passaram até os portugueses conseguirem ocupar a zona central de Ceuta e erguerem a sua bandeira na torre mais alta. Estava tomada a cidade.Conquistado o miolo da cidade, resistia ainda uma parte exterior conhecida por Algezira e cuja configuração de quase ilha tornava complicada a sua tomada. Partiu para lá um grupo de cavaleiros destemidos, incluindo Nuno Vasques, o mais velho dos Castelo Branco e os seus cinco irmãos. Nuno Vasques de Castelo Branco era um homem destemido e, de espada em punho foi percorrendo as ruas da cidadela, ganhando metro a metro, golpe a golpe o espaço ocupado pelos mouros.Pelas estreitas ruas, iam avançando as injúrias aos mouros e os golpes de espada. Pouco a pouco, o barulho ia decrescendo na mesma proporção dos corpos de mouros caídos pelas ruas de Algezira. Finalmente fez-se silêncio, apenas quebrado aqui e ali por algum grito efusivo dos vitoriosos. O feroz combate tinha chegado ao fim.

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Nuno Vasques de Castelo Branco bateu-se tão bravamente e foi tão importante para a vitória nesta batalha, que o Infante D. Duarte o armou cavaleiro no dia seguinte. No final do dia 21 de Agosto de 1415 e, em apenas um dia de aguerridos combates travados por muitos heróis desconhecidos, estava Ceuta tomada e livre de mouros.Reza a história que, os irmãos Castelo Branco permaneceram algum tempo em Ceuta após a sua conquista.

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Quando o André se aproximou da barreira já a Nina ia a meio da descida. O terreno era muito íngreme e não podiam descer por ali sem o risco de caírem e de se magoarem.— Espalhem-se e vejam se encontram um sítio para descermos – disse ele.Passados poucos minutos, a Rita que tinha corrido rua abaixo gritou:— Venham por aqui! Está aqui um caminho que vai para baixo, deve de ir até lá ao fundo.De facto, aquele era um dos vários carreiros feitos pela passagem frequente dos “hortelões de cidade” que, para matarem saudades das suas terras de origem, faziam neste vale pequenas hortas, aproveitando a água que corria aqui e ali de pequenos nascentes, que mantinham o vale sempre húmido e fresco.Todos se meteram no carreiro e empreenderam a descida para um vale que, apesar de visitarem com frequência as imediações do Castelo, não imaginavam sequer que existisse. Todos chamavam a Nina mas a cadela, movida já pelo seu instinto caçador, seguia o rasto de algum rato ou lagarto, correndo pela encosta, farejando aqui e ali.

Onde estará a Nina?

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As ervas abundantes e altas, encobriam de vez em quando a Nina, que aparecia e desaparecia, ora mais veloz ora mais lenta, com o ritmo marcado pelo farejar constante.Se queriam seguir a Nina tinham de abandonar o carreiro, numa caminhada mais arrojada, pelo meio das ervas e do mato, naquela barreira tão inclinada. Nem todos se aventuraram a segui-la. Apenas o André, a Carolina e a Cláudia tomaram essa tarefa. Os outros tentavam a custo demover a Carlota que, queria à força entrar nesse trilho perigoso em busca da sua amiga Nina.Foram caminhando pela barreira, com cuidado, apoiando aqui e ali as mãos no chão para ganhar equilíbrio. De vez em quando, uma pedra solta rolava um pouco barreira abaixo fazendo-lhes aviso do cuidado que deveriam ter.A Nina não tinha esses problemas, a sua leveza e a tracção de “quatro patas”, permitiam-lhe correr à vontade e com segurança naquele terreno agreste. A última vez que a conseguiram vislumbrar por entre as ervas, dirigia-se a uma moita cerrada de carrasqueiros. Estes formavam uma mancha verde escura no amarelo dourado das ervas secas. O vento de Noroeste, que sempre se levanta no virar da maré, fazia ondular as ervas suavemente, assim como imitando o mar, transformando os carrasqueiros numa ilha banhada por um mar calmo de ondas douradas.Finalmente conseguiram chegar aos carrasqueiros, mas não conseguiam ver a Nina. Chamaram por ela, mas ela não respondeu. Disse a Carolina:— Acho que a vi ali mais à frente. Ali a passar, no meio daquelas ervas grandes.Avançaram mais um pouco pela encosta, contornando a moita de carrasqueiros. Chegados às ervas referenciadas pela Carolina Voltaram a chamar em coro:— Niiiiinnaaaaa! Niiiinnaaaaa!Para seu espanto, desta vez a cadela parecia responder, pois ouviam

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um latido distante, assim meio abafado, mas que aprecia vir de trás, da zona da moita de carrasqueiros.Foram voltando para trás e chamando pela Nina, que ia soltando um latido de vez em quando. Como o som ia crescendo, ficaram com a certeza de caminhar na direcção certa. Do carreiro, os outros gritavam:— Está ali! O barulho vem dali, ao pé daquelas coisas verdes.Quando chegaram novamente ao pé dos carrasqueiros, voltaram a gritar a plenos pulmões:— Niiiiinnaaaaa! Niiiinnaaaaaa!Agora sim, conseguiam ouvir nitidamente o latido da cadela, mas este soava abafado, como vindo de dentro da terra.— Niiiinnaaaa!— Béu! Béu!O André, mais afoito que as miúdas, meteu pelo meio dos carrasqueiros tentando identificar melhor donde vinha o som. Elas seguiram-no mas, não sem antes perguntar:— Ó André, tu achas que aqui há cobras e lagartos?Não é que esperassem resposta, mas deviam ter adivinhado que o gozão do André não deixaria de a dar:— Cobras? Aqui? Náaa!E de repente grita com todas as forças, raspando com o pé num carrasqueiro para o abanar e fazer restolhar:— Cuidado! Vai aí uma jibóia!— Aaaaiiiiiiiiii! Estúpido! Vais levar! Gritaram as miúdas em coro, mais para fazer o papel de menina indefesa que por medo genuíno.Os latidos da Nina eram cada vez mais perceptíveis e fáceis de localizar. O som vinha detrás de um carrasqueiro mais velho e frondoso.O André deitou-se no chão, tentando espreitar por baixo do carrasqueiro para ver a Nina. Ouvia agora o seu latido, com clareza,

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mas não a via. A Cláudia deitou-se também e chamou pela cadela. Ela voltou a latir, mas era um latido distante, como se ela estivesse ali mas a latir num sussurro.O André enfiou-se por baixo do carrasqueiro e foi então que os seus olhos se abriram de espanto.

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Regressado de Ceuta, D. Nuno Vasques de Castelo Branco não manifestava qualquer vontade de deixar o movimento de Lisboa e a animação das cortes e voltar à sua Beira natal.Deambulava nostálgico entre Lisboa e a Corte. Parava muitas vezes junto ao Tejo sentando-se na sua margem e, embalado pelo marulhar das águas, sonhava com a sua partida para Ceuta, onde pela sua bravura fora armado cavaleiro e conquistara para si e para os seus o título de Dom.Na tentativa de quebrar a nostalgia e adiar a sua inevitável partida para a Beira, tornara-se assíduo frequentador das diversões e festas promovidas pela nobreza.Foi precisamente num baile da Corte que conheceu a bela e rica Joana Juzarte, viúva de Diogo Afonso de Alvernaz, Sobre-Juiz do Rei, que ao falecer lhe deixara várias quintas e propriedades, entre elas a quinta e o paço de Pero Escouche em Santa Eyrea.Logo que a viu no salão de baile, D. Nuno Vasques ficou rendido aos encantos de Joana Juzarte e ao seu olhar cândido e doce como mel. Também D. Nuno não passou despercebido a Joana, que de imediato percebeu o seu interesse por ela.

O mensageiro do Rei

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D. Nuno, herói de Ceuta e homem bem posicionado na corte, embora não fosse muito rico não deixava de ser um bom partido.Depois do devido cortejar, D. Nuno e Joana casaram e passaram a residir no castelo do paço de Pero Escouche. Os dias iam correndo sem sobressaltos, mas D. Nuno Vasques de Castelo Branco carregava em si uma insatisfação, um desejo reprimido que nem ele sabia bem explicar. D. Nuno não tinha filhos, mas queria que o seu nome se perpetuasse através dos tempos. Assim sendo, falou com sua esposa Joana sobre este seu anseio e ambos se meteram a pensar na forma de o levar por diante.Chegados à conclusão que, a melhor forma de perpetuar o nome e a honra dos Castelo Branco seria através da manutenção da riqueza e da linhagem, em 31 de Outubro de 1442, D. Nuno Vasques de Castelo Branco e a sua esposa D. Joana Juzarte instituíram o morgado de Castelo-Branco-o-Novo, tendo à cabeça do mesmo a quinta e o solar de Pero Escouche em Santa Eyrea no termo da cidade de Lisboa, à qual se juntaram mais umas quantas propriedades.Quem tomaria posse do morgado e da sua administração, seria o seu irmão Lôpo Vasques de Castelo Branco e a sua descendência.Foi assim, recebendo primeiro para depois dar, que D. António de Castelo Branco, agora a dormitar na sua poltrona, herdara de seu pai os direitos e honrarias do morgado dos Castelo Branco e o iria transmitir a D. Pedro de Castelo Branco, seu primeiro filho varão.A lareira, mais mortiça, deixava que um ligeiro frio se fosse apossando da camisa de seda de D. António, criando-lhe algum desconforto e trazendo-o de volta ao salão.Um ténue ranger da porta que dá para o pátio desperta-o por completo. Era o seu fiel e velho criado José que entrava.— D. António, está ali fora um mensageiro do rei e pede que V. Senhoria o receba.— Diz-lhe que entre José, que o recebo mesmo aqui.Por ordem de José, o mensageiro franqueou a porta do salão. Antes

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de se retirar, José deitou mais quatro cavacos de oliveira no lume, que soltou flamejantes faúlhas originadas pelo bater da madeira nas brasas e assim se avivou por receber mais alimento.O mensageiro de D. Sebastião, apresentava-se bastante molhado mercê daquela chuva miudinha e incómoda, que de uma forma imperceptível ia encharcando até aos ossos os mais incautos ou aqueles que por necessidade não se pudessem abrigar dela, como era este o caso. D. António disse ao mensageiro que se aproximasse do lume e tomasse lugar na outra poltrona, onde se poderia secar um pouco enquanto falavam.O mensageiro era Gomes Freire de Andrade, morador na Bobadela, terra ali próxima e também um velho conhecido de D. António.— Que novas me trazes Gomes Freire?— Sua Majestade pretende ver-vos no paço real dentro de dois dias, D. António. É apenas esta a mensagem que vos trago. O que for que sua majestade pretenda, lhe dirá sua majestade em pessoa.— Seja! - retorquiu D. António – E o que anima as cortes neste momento, que há tanto tempo não visito? Que se segreda entre leques e taças de vinho?— Fala-se que D. Sebastião se prepara para partir para a guerra no Norte de África, sonhando conquistar as praças mouras e dominar Marrocos. Uma boa parte dos nobres não acha que seja boa ideia, pois essas cidades custarão muito dinheiro à coroa e não têm tanta importância assim. Mas a maior contestação deve-se ao facto de sua majestade não ter ainda descendência e, se algo correr mal nesta campanha, ficará Portugal muito frágil, podendo até perder a sua soberania.— Na verdade, D. Sebastião deveria assegurar a descendência quanto antes. Apesar de ser ainda novo, não deveria sua majestade descurar esse dever.Assim continuaram conversando amenamente, dando D. António

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tempo para que Gomes Freire secasse mais um pouco pois este, apesar de já anoitecer, ainda queria regressar à Bobadela.Apesar da insistência de D António, para que pernoitasse em Pero Escouche, Gomes Freire partiu já noite cerrada a caminho da Bobadela.Dois dias depois, D. António mandou aparelhar o seu cavalo, despediu-se de sua mulher D. Maria da Cunha e partiu com uma pequena escolta de seis homens a caminho da corte.

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O André estava boquiaberto! Agora ele percebia porque razão ouviam a Nina tão longe.Diante dos seus olhos, escondido por aquele carrasqueiro velho, abria-se aquilo que parecia ser a estreita entrada de um túnel.— Niiiinnaaaa! - chamou ele. De seguida ouviu a cadela responder, mas parecia estar muito longe. A Cláudia também rastejara para o seu lado e observava com espanto a abertura donde vinham os latidos da Nina.— Niiinnaaaaa! - chamou também. Embora a cadela não fosse nada obediente, pelo menos quando se tratava de fugir para correr em liberdade, começaram a ouvir aproximar os seus latidos.A Cláudia disse à Carolina para se juntar a eles, para ver uma coisa que ali estava. A Carolina já teve dificuldade em aproximar-se, pois o espaço era muito apertado, mas ainda conseguia ver, assim meio de esguelha, a entrada donde agora, finalmente, saía a Nina.— Que buraco é esse?Ninguém lhe sabia explicar, mas aquilo tinha ar de ser muito antigo.Apanharam logo a trela da Nina para evitar mais surpresas. Tinha

A descoberta

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o pêlo húmido e sujo de teias de aranha velhas, daquelas que só conheciam dos filmes de terror e de vampiros, que agora voltavam a ser moda.Foram juntar-se aos outros, que os aguardavam já impacientes no carreiro.— O que é que vocês estavam a fazer? - perguntou a Rita – Nós aqui à seca e vocês a esconderem-se no meio das árvores. Já não vai dar para brincarmos mais...— Demoraram “bué”! - acusava a Mariana – Tanto tempo para apanhar a cadela, porque não a apanharam logo, andaram a fazer o quê?Os “caçadores de cadelas fugitivas”, contaram então o que tinham visto e o que pensavam sobre o assunto. Sabiam pelo som que a Nina tinha estado longe deles, pelo que aquele buraco devia ser a entrada de um túnel do Castelo, pois tinha aspecto de ser muito antigo.Meteram-se a caminho de casa, conversando sobre o assunto, cada um inventando uma história sobre o que seria e onde iria dar aquele buraco apertado e escondido.Combinaram que ninguém diria nada e, iriam pesquisar na Internet sobre o Castelo de Pirescoxe. Ficaram de se reunir no dia seguinte, depois do almoço, no parque infantil ao pé da Junta de Freguesia, para trocarem informações sobre o que tinham conseguido descobrir.Passava pouco das duas e meia da tarde, quando a Cláudia chegou ao parque infantil. A Mariana balouçava já para além do limite imaginável, desafiando as leis da física e da gravidade e, a integridade do próprio físico em caso de queda.A Carolina conversava com a Morgana. Estavam sentadas no degrau de uma espécie de bancada lateral aos brinquedos do parque. A Rita e os gémeos não vinham, mas tinham mandado à Cláudia por e-mail as informações de que dispunham.Quase em simultâneo, chegou o André. A Mariana deixou descansar o baloiço, mas a Carlota, que também viera, queria aproveitar aquela

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energia que, julgava ela, estava acumulada nele. Saltou para o banco e, com as suas pernas pequenas e magrinhas, começou aquele movimento de estica e encolhe, que pouco a pouco ia aumentando a amplitude do movimento do baloiço.Já os “grandes”, estavam eufóricos e pouco interessados em escorregas, baloiços e aviões de balanço. Todos tinham ido à internet fazer pesquisa sobre o Castelo de Pirescoxe e, todos se tinham fixado na mesma coisa:A lenda do tesouro de D. Sebastião.Será que a entrada que tinham visto, era a entrada do túnel que levava ao tesouro?Tinham de investigar. O tesouro esperava-os, só tinham de se organizar e ir à procura dele.A Morgana, sugeriu que voltassem a investigar na internet como é que se faziam explorações em grutas e o que era necessário para as explorar. Juraram segredo! Não iriam contar nada a ninguém até que descobrissem onde os levava aquele túnel, se é que o era. Brincaram o resto da tarde, tendo os jogos e brincadeiras por tema a exploração de grutas e túneis desconhecidos. Fizeram uma Corte em que o André era Rei, rodeado de Princesas. Estas eram suas filhas, e estavam à espera de um “Príncipe Encantado” que as arrebatasse e as salvasse da torre onde a madrasta Carolina as tinha confinado.A tarde correu devagar. O dia quente convidava à brincadeira e, apesar de o parque estar à sombra dos prédios que se situam ao lado, a correria constante fazia-os transpirar abundantemente, o que os levava a visitas constantes ao chafariz, por vezes transformado em chuveiro…Quando ao final do dia regressavam a casa, a Cláudia perguntou ao pai:— Pai?— Sim! – respondeu o pai.

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— Ó pai? Sabes daquele castelo ao pé da minha escola nova?— O quê Cláudia? — respondeu o pai, habituado aos interrogatórios movidos pela curiosidade interminável das filhas e pela sua sede de saber. De pequenas, as habituou a nunca se contentarem com um sim ou com um não. Todas as coisas têm uma razão de existência, de ocorrência e respectiva consequência; por isso, quando temos dúvidas, devemos esclarecê-las o melhor possível dentro das nossas possibilidades. — Aquele castelo ao pé da casa da tia Fátima… Achas que o castelo tem túneis por baixo?— O que tu achas? – perguntou o pai.— Eu acho que tem! Mas diz lá, achas que tem?— Normalmente, todos os castelos têm túneis. Os túneis eram usados como meio de fuga ou de acesso, caso os castelos fossem atacados ou cercados.— Cercados? Quer dizer que os homens vinham e se metiam à volta do castelo para o atacar?— Mais ou menos. O cerco era feito durante o ataque, para não deixar nada nem ninguém sair ou entrar. Podia durar meses! Já imaginaste, o castelo cercado durante um mês: Acabava-se a comida, e os ocupantes do castelo tinham de se render para não morrerem à fome.— E à sede, quando acabasse a água. – disse ela.— Não! – retorquiu o pai – Em princípio, só faziam os castelos em sítios que tivessem água, como por exemplo uma nascente ou um poço, já por causa disso. No caso de serem cercados, podiam sobreviver muito tempo com pouca comida, mas sem água apenas resistiriam alguns dias. Por isso, os castelos tinham fornecimento de água no seu interior.— Mas conta lá então como é que é dos túneis.— Os túneis serviam para fugirem caso não conseguissem resistir e o castelo fosse tomado, ou então para fazerem sair alguém para ir

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pedir ajuda. Também servia para deixar entrar alguém em segredo.— Mas esses túneis iam dar onde?— Ó filha, os túneis podiam ir dar a qualquer lado. Deviam ir suficientemente longe para que se pudesse sair deles em segurança. Normalmente, as entradas e saídas estavam escondidas ou tapadas com paredes falsas. — Então este castelo também tem túneis?— Claro que tem! O pai quando era miúdo ainda brincou em alguns. Mas hoje, olhando à distância, acho que aquilo em que o pai brincou não seriam túneis de acesso ao castelo, mas sim canais para saída de água de alguma mina que fornecia o castelo. Mas sei que existem túneis que ligam o Castelo ao Convento.— Convento? – estranhou a Cláudia – Não me vais dizer que também havia lá um convento?— Havia pois! Já lá passaste à porta muitas vezes. Nunca reparaste num casarão velho que está do lado direito junto ao túnel da Portela? É mesmo aí. Aquilo vê-se mal porque tem muita vegetação na frente, mas é mesmo aí.— Santa Iria tem muitas coisas para descobrir! – afirmou a Cláudia – E tem aquela casa grande, antiga, quando vamos para casa.— Tem muitas coisas mesmo. Algumas dessas coisas já não tiveste oportunidade de as conhecer. Essa casa que tu dizes é a casa senhorial da Quinta de Vale de Flores, mais conhecida pelas pessoas de Santa Iria como o Palácio das Abóboras, porque dantes as pessoas que cultivavam as terras e viviam na quinta, metiam uma fileira de abóboras a secar nas arcadas da varanda. Já não conheceste a Quinta do Pipas, que tinha um tanque muito bonito mais ou menos ali onde está a rotunda da Auto-estrada. Também havia um Paço ou uma Casa Senhorial nos Monjões. Mais recente é o Palácio da Quinta das Amoreiras que fica junto à Igreja que tão bem conheces e que é muito antiga e cheia de história e de histórias, certamente.

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A conversa iria ficar por aqui, pois tinham acabado de chegar à garagem e havia que tirar tudo do carro e subir no elevador para casa.

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O bulício de Lisboa não era das coisas que mais agradavam a D. António de Castelo Branco. Ele gostava mais de dividir o seu tempo entre o morgado de Castelo-Branco-o-Novo no lugar de Pero Escouche em Santa Eyrea, e o morgado de Pombeiro na vila do mesmo nome próximo de Coimbra, onde podia percorrer os campos a cavalo durante horas e caçar. Uma boa parte das delícias da mesa dos Castelo Branco, provinha da sua arte e mestria na caça.Embora Lisboa não ficasse muito longe, a viagem era sempre demorada dada a rudeza dos caminhos, mas como iam a cavalo e sem carroças ou coches, os cavalos progrediam com alguma ligeireza fazendo soar os cascos ferrados nas pedras soltas do caminho.Finalmente, chegados ao paço real, mandou D. António que providenciassem cómodos para os seus criados e que fizessem anunciar a sua presença ao rei. Aguardando D. Sebastião a sua chegada, não teve de esperar muito D. António para ser recebido. O rei iria recebê-lo, mas mais na intimidade do que julgava D. António, pois pensava ser recebido no amplo salão nobre, recheado de belas tapeçarias e onde pululavam os nobres do séquito de D. Sebastião, mas tal não aconteceu.

Ao serviço de Sua Majestade

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Viu-se a ser conduzido mais para dentro do palácio. O rei iria recebê-lo numa pequena sala contígua aos seus aposentos, facto que deixava D. António cada vez mais intrigado. Deixaram-no na sala onde deveria esperar sua majestade. Pouco tempo decorrido, entrou D. Sebastião na sala; vinha só. Feitas as vénias e os cumprimentos de circunstância, mandou o rei que D. António se sentasse num dos cadeirões da sala enquanto tomava o outro para si.— Deve D. António estar intrigado do porquê desta visita e de forma tão reservada. - e prosseguiu – Desde sempre os Castelo Branco foram fiéis servidores do rei e do reino. Bravos combatentes em Ceuta, Alfarrobeira, Alcácer Ceguer, Índia, enfim, sempre cumpridores com o que vos foi pedido e ordenado.— Obrigado, majestade. Espero que os Castelo Branco continuem a merecer a confiança, bondade e amizade de vossa Alteza.— Pois D. António, a missão que vos tenho destinada é seguramente a mais importante, nobre e honrosa que algum dia coube a um Castelo Branco.— Obrigado senhor. Os vossos desejos serão, como o foram sempre, uma ordem para mim. — Vou partir em breve para o Norte de África. Quero reconquistar as antigas praças portuguesas aí existentes, expandir a fé cristã e subjugar os mouros.Estou a reunir um grandioso exército que me irá acompanhar nessa empresa.— A minha espada e as minhas gentes são vossas, Alteza.— Sei disso D. António e conto com a vossa bravura. Como vos havia dito, espera-vos uma missão bem mais importante...— Mas Majestade, o que poderá ser mais importante para um cavaleiro que combater pelo seu Rei e pelo seu reino?— Lhe direi, bravo António. Já me avisaram dos perigos que corro eu e o reino ao partir para a guerra. Como a maioria dos nobres me acompanham, preciso de salvaguardar o tesouro real, deixando-o em

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lugar seguro e insuspeito, e entregue a alguém que me seja próximo. Esse alguém sois vós. Isso é o que teremos de fazer, esse é um segredo que terá de guardar, essa é a difícil missão que tem pela frente.— Se é esse o vosso desejo, assim será. E onde quereis vós, Majestade, que guarde esse tesouro?— No seu castelo em Pero Escouche, para que não fique muito longe de Lisboa e não se corram tantos perigos a levá-lo. Apenas um grupo muito pequeno de homens saberá o que levam, e esses, partirão comigo para a guerra.— Já sei onde poderei guardá-lo, Alteza. Existe um velho subterrâneo no castelo, com algumas salas. Transportaremos o tesouro para aí, metido em caixas de madeira bem fechadas, depois fechamos com uma nova parede essa sala e ela deixará de existir. Todos os que transportarem o tesouro e trabalharem no fecho da parede, deverão seguir connosco para a guerra. Ninguém saberá onde está o tesouro excepto os muito próximos de Vossa Alteza.— Parece-me bem. Quando esteja pronto para partir, enviarei um mensageiro na frente para que tenha tudo preparado. Conversaram mais um pouco sobre algumas frivolidades da Corte e os preparativos que D. Sebastião fazia e fizera para garantir o sucesso da expedição a África. Perguntou-lhe também o Rei pelo seu filho D. Pedro, amigo de D. Sebastião e seu adversário nos torneios feitos em Pero Escouche por ocasião da Romaria a Nossa Senhora da Conceição. D. Sebastião não faltava à Romaria de 15 de Agosto por nada neste mundo. Dada a sua educação militar e gosto pelos torneios e pelejas, aproveitava a presença nesta Romaria de imensos cavaleiros e nobres da Corte para testar a sua destreza nos torneios promovidos em honra de Nossa Senhora da Conceição. D. Pedro era um excelente torneador, por três vezes conseguira vencer D. Sebastião e apenas uma vez fora derrotado por este. Desses

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torneios nasceu uma amizade guerreira que ambos cultivavam, embora os afazeres do reino não lhes deixassem muito tempo para se baterem um com o outro.Feitas as despedidas, D. António partiu deixando para trás a cidade. Ainda era longo o caminho que o levaria de volta a Pero Escouche.No sossego da quinta, os dias corriam iguais e serenos. De longe em longe, alguém vindo de Lisboa trazia novas dos preparativos para a incursão em África. Falava-se muito sobre esta aventura do nosso jovem Rei e do seu sonho de reviver as cruzadas de outros tempos.D. António apenas aguardava serenamente a chegada do Mensageiro do Rei.

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Ainda não eram três horas da tarde e, já todos estavam reunidos no Parque Infantil. Cada um trazia as informações que tinha conseguido recolher, mas a coisa não parecia fácil. Havia muito material que era usado na espeleologia mas tinha nomes estranhos e não devia ser muito fácil de conseguir.Tinham lido que deveriam marcar o caminho para não se perderem, por isso a Morgana sugeriu que arranjassem um GPS para saberem onde estavam e traçar o caminho. A ideia parecia muito boa, mas a Cláudia disse:— Nã, Nã! Eu ontem perguntei ao meu pai se o GPS dava para explorar as grutas e ele disse-me que em princípio não, porque o GPS funciona com satélites que estão no ar e depois deixam de ter “rede” como os telemóveis. Nunca vos aconteceu estarem num sítio e terem de ir para a porta ou para a rua para conseguirem ouvir? É a mesma coisa.Mas assim como é que vamos fazer? – perguntou a MarianaComo é que eles faziam antigamente? Dantes não havia GPS e eles andavam pelos túneis e não se perdiam… Acho eu! – disse a Carolina.

Pequenos mas organizados

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— Eu sei! – disse o André – Levamos um giz e marcamos na parede uma seta a apontar para o sítio donde viemos, assim não nos vamos perder.— Eu sei de outra maneira. – disse a Cláudia – Lembro-me de uma história em que desenrolavam um fio para não se perderem numa gruta. Eu peço ao meu pai um rolo de fio de pesca para irmos desenrolando.— E levamos também o giz, como disse o André, não vá o fio partir-se. – acrescentou a Morgana.— Bem! Temos de nos organizar e ver quem é que traz o quê. – disse a Carolina – Eu posso arranjar umas cordas que são do meu avô. São finas mas são muito fortes. Se precisarmos de descer alguma parede ou algum poço elas aguentam bem com o nosso peso.A Carlota, que parecia alheia de tudo, baloiçava suavemente. Estica, encolhe, estica, encolhe.— Eu levo a Nina. – disse ela – Que, ela já conhece o buraco e ensina-nos o caminho.— Boa Carlota! – gracejou a Rita – até podemos atar-lhe um rolo de papel ao pescoço a dizer onde estamos e, se nos perdermos, mandamos a Nina a pedir ajuda. — Ah, ah, ah, ah – a gargalhada foi geral.— Olha! Até que esta ideia não é má de todo – acrescentou – se a Nina for, fazemos isso.Começaram então a fazer uma lista com todo o material que precisavam:

. Corda

. Giz

. Fio de Pesca

. Um bloco e uma caneta (para tomarem notas se fosse preciso)

. Lanternas (com pilhas suplentes)

. Isqueiro (para fazer lume caso necessário)

. Canivete

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. Pá de valar (caso conseguissem uma)

. Picadeira (uma espécie de pequena picareta do tamanho de um martelo). Lanche. Água. Bolachas. Tostas. Pacotinhos de manteiga, doce ou paté

Cada um iria trazer parte do material, com excepção da água e da comida que cada um traria para si; lanche para o dia e empacotados suficientes para um dia ou dois, caso houvesse algum problema e ficassem retidos nos túneis do Castelo.Todos trariam lanternas e pilhas suplentes. A Rita e a Morgana ficaram de trazer duas lanternas cada uma, caso alguma das outras avariasse. Ao André cabia trazer o canivete e o isqueiro, que ele achou melhor que fossem dois pois o gás podia acabar. A Cláudia tinha de trazer o fio e as picadeiras e, se conseguisse que o pai lho emprestasse, levaria um Canivete Suíço com várias utilidades. Como prometido, à Carolina calhavam as cordas do avô e à Mariana o material de escrita; bloco, caneta e giz.Faltava a pá. A Mariana tinha trazido o “Magalhães” pelo que resolveram fazer uma vídeo-conferência com os gémeos. Ligado o pequeno computador à rede, bastou esperar que o Messenger ficasse activo para ver se eles estavam ligados. Nada! Da Maria e do Afonso nem sinal da presença.— Estamos mal! – desabafou a Rita.— Vou mandar-lhes uma mensagem para irem à Net. – disse a Morgana.Pouco depois de enviarem a mensagem para o telemóvel da Maria, esta deu sinais de vida no Messenger.Feita a ligação, explicaram aos gémeos o que tinham decidido

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relativamente ao material que julgavam necessário ao bom desempenho da missão, faltava só a pá e esse seria o seu contributo, caso conseguissem uma.Nem de propósito, o pai deles tinha uma pequena pá metálica de campanha, que era dobrável, ficando muito pequena e que fazia parte do equipamento do todo-o-terreno da família. Havia apenas que pedi-lo ao pai sem levantar muitas suspeitas.Conferenciaram sobre o dia da exploração e decidiram que o melhor era darem um dia para reunir o material e partirem no dia seguinte. Oficialmente, iriam brincar com os gémeos para o Castelo. Não era nenhuma mentira e cobria o que queriam fazer. Dependia apenas agora de cada um, conseguir o que era preciso sem levantar suspeitas.

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O tesouro escondido

Era quase o tempo das colheitas. Os pássaros novos já tinham deixado os ninhos e os pardais atacavam as searas em grandes bandos, ignorando os espantalhos e os gritos que os miúdos que guardavam as searas lhes atiravam.Corria a segunda quinzena do mês de Junho quando o recado chegou, avisando D. António que o Rei lhe mandava dizer que estivesse preparado. Sabendo do que se tratava e que em breve seria visitado, resolveu verificar se tudo estava preparado para o cumprimento da sua missão. Munido de um archote desceu ao subterrâneo do castelo, percorrendo os estreitos túneis e passagens que levavam a salas mais amplas. Procurou uma pequena sala onde em criança se refugiava por vezes. Sendo uma criança irrequieta, descobrira por si uma passagem secreta que dava acesso ao subterrâneo do castelo. Este, havia sido construído juntamente com o castelo, para servir de refúgio em caso de guerra e apenas se o pequeno castelo fosse invadido. Tudo estava como pretendia. Agora bastava-lhe esperar.Passados alguns dias, chegava uma pequena mas fortemente armada escolta e duas carroças puxadas por quatro cavalos cada. Os

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homens ostentavam lanças e longos escudos, de espada e punhal na cintura montavam cavalos aparelhados com traje de combate. Eram pouco mais de uma vintena, mas uma vintena que metia respeito…Depois de entrarem no pátio do castelo, só desmontaram após o fecho do grande portão de madeira e de baixado o gradeamento de ferro que cobria a porta.Após uma breve troca de palavras com o capitão da guarda, D. António encaminhou-os para um canto onde, disfarçada sob uma escada de pedra que subia para as muralhas, se escondia uma estreita abertura que descia para aquilo que parecia ser um depósito de água, mas que se encontrava vazio.Descendo ao depósito, dirigiu-se D. António a uma grande pedra irregular que fazia parte da parede e, empurrando uma outra pedra mais ao lado, fez força no canto superior direito da pedra maior que rodou sobre si própria, deixando aberta uma passagem por onde as caixas enviadas pelo Rei foram levadas uma a uma. Não era fácil seguir D. António com as caixas nestas passagens bastante estreitas, seguindo apenas a claridade que emanava do archote que ele levava. Depois de andarem bastante, passando deste para aquele túnel, as caixas foram empilhadas numa pequena divisão paralela ao túnel por onde seguiam. Arrumadas as caixas e seguindo as instruções de D. António, começaram a levantar uma parede para selar a sala, utilizando para tal as pedras soltas resultantes da derrocada de parte da parede de uma sala grande situada um pouco mais à frente.Breve foi a estadia destes homens no castelo. Logo que saíram para a luz do dia, despediu-se de D. António o capitão, dando ordens de montada aos seus homens e preparando-se para deixar Pero Escouche.Assim como vieram, partiram de imediato, pois essas foram as ordens do Rei. Bem escolhidos estes homens, pensou D. António, pois deles apenas

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ouvira as palavras indispensáveis para a realização do trabalho e, logo que este terminou, partiram sem nada perguntar.Estes cavaleiros tão aparelhados, fizeram-no lembrar-se de um retrato do seu bisavô, que tinha o mesmo nome do tio dele, Nuno Vasques de Castelo Branco, fundador do morgado.Esse retrato, mandara o seu bisavô Nuno Vasques pintar, após a sua participação na Batalha de Alfarrobeira próximo dali em Vialonga. Também este Nuno Vasques fez jus ao nome dos Castelo Branco, tendo-se batido bravamente ao lado de D. Afonso V, na contenda deste com o seu tio e sogro, o Infante D. Pedro.D. Pedro havia sido regente do reino e parecia até que fora um bom regente. Quando D. Afonso V subiu ao trono, alguns nobres descontentes com medidas tomadas por D. Pedro, um homem culto e evoluído, começaram a instigar o Rei contra ele. Influenciado, particularmente pelo Duque de Bragança, seu tio bastardo, D. Afonso V acabou por afastar o Infante D. Pedro da governação. Este, triste e magoado, acabou por se retirar para as suas terras em Coimbra sob pretexto de estas necessitarem da sua administração. Apesar do Infante tentar a reconciliação com o Rei, a intriga tinha sortido efeito e, o Rei, não atendeu aos seus pedidos e juramento de obediência. Nem sequer a intervenção do Infante D. Henrique foi suficiente para um melhor desfecho desta história.O Rei mandou chamar a Lisboa o Duque de Bragança e este, sabendo o que havia feito, queria atravessar as terras do Infante com soldados armados, com receio de represálias por parte de D. Pedro. D. Pedro, receoso também de alguma manobra do Duque de Bragança, apenas o deixava passar desarmado pelas suas terras. Ao saber que D. Pedro não deixava passar o Duque de Bragança, D. Afonso V acusa-o de ser um súbdito desleal ao Rei; a ele e a todos os que o apoiavam.Sem demora o Rei reuniu o seu exército e instalou-se em Santarém

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para pressionar o Infante e os seus apoiantes.D. Pedro, ao saber dos movimentos do Rei, resolveu vir ele mesmo a Lisboa falar com o Rei e defender a sua razão. Mas não veio sozinho, reuniu um pequeno exército que o acompanhava, composto também de alguns nobres que apoiavam a sua causa.O Infante D. Pedro, acabou por se deparar com o exército do Rei próximo do ribeiro de Alfarrobeira em Vialonga, perto de Alverca. Corria o dia 20 de Maio de 1449.D. Nuno Vasques de Castelo Branco alinhou com os seus homens pelo exército do Rei. A sua fidelidade ao soberano era incontestável. Não importava qual fosse a causa, a contenda ou a razão, a espada dos Castelo Branco apenas bramia por eles ou por El Rey. Tal como seu tio e homónimo fizera na conquista de Ceuta, Nuno Vasques bateu-se bravamente, rechaçando as tropas inimigas e deixando à sua passagem um rasto de mortos e feridos. A sua armadura, antes reluzente, mostrava agora as marcas das pancadas dadas por maças e golpes de espada e encontrava-se toda salpicada do sangue dos inimigos. O seu cansaço era evidente, mas o seu rosto demonstrava a satisfação dos vitoriosos.A superioridade numérica das tropas do Rei, rapidamente transformaram a batalha num massacre, não tendo os partidários de D. Pedro qualquer hipótese de sucesso.Num campo pejado de mortos e feridos, ficou também por terra, morto, o Infante D. Pedro. Não teria um funeral digno de um Príncipe, e a actuação de D. Afonso V neste caso viria a ser muito criticada pela nobreza europeia.Se Portugal tinha uma história; há mais de um século que essa era também a história dos Castelo Branco. Onde o Rei precisasse e Portugal os chamasse, sempre estariam.

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Preparadas para a aventura

Estavam sentados à mesa. A Carlota, como sempre, dizia que não gostava daquele peixe e que só ia comer mais um bocadinho enquanto a Cláudia “engelhava” a cara para as hortaliças e para o peixe, como se naquele verde visse morrer toda a esperança de a refeição ser muito boa. Nunca as crianças irão perceber a importância que tem uma alimentação equilibrada e, particularmente, a importância do peixe na sua dieta alimentar.Este era o momento em que a família se reunia e em que todos tinham uma actividade comum; jantar.A Cláudia não sabia bem se este seria o momento mais indicado para avançar. O pai e a mãe ouviam as notícias com alguma atenção, pelo que lhe pareceu melhor não arriscar. Queria falar apenas uma vez e que tudo ficasse decidido nesse momento. Podia aproveitar a desatenção para conseguir a aprovação pretendida, mas conhecendo bem o pai, sabia que depois poderia ter alguns dissabores, pois teria de explicar tudo com muito mais pormenor. Achou que seria melhor aguardar um pouco.Terminado o jantar, reuniam-se as condições ideais para o plano traçado. Com o pai e a mãe em sítios diferentes era mais fácil

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conseguir o que queria. Primeiro foi ter com a mãe e disse-lhe:— Mãe? Achas que depois de amanhã podemos ir ter com a Maria e o Afonso e irmos brincar para o Castelo? Há lá um parque infantil.— Ir quem? – perguntou a mãe.— Eu, a mana e as minhas amigas; as que fomos no outro dia, mais o André. Estivemos a combinar ir lá passar a tarde. Íamos logo a seguir ao almoço e levávamos lanche, mas não te preocupes com isso pois já pedi à avó e ela faz-nos o lanche.— Por mim podes ir, mas pergunta ao Pai a ver se ele deixa.Invariavelmente era assim. Pedia primeiro a um e conseguida autorização era quase garantido que o outro não impedia o que estava autorizado. Quando corria mal, e por exemplo a Mãe não deixava; quando chegava ao Pai, já ia a fazer queixa que a Mãe não tinha deixado, e que era sempre assim, que nunca deixavam ir, etc. e, por vezes, a coisa funcionava a seu favor.— Ó Pai? Olha, a Mãe deixa-nos ir brincar com a Maria e o Afonso para o Castelo e, eu já combinei com as minhas amigas de fazermos alguns jogos e precisávamos da tua ajuda.— Da minha ajuda? Querem a minha ajuda para quê? Eu nem sei jogar esses jogos que vocês jogam agora…— Precisava que me emprestasses três coisas, para fazermos um jogo. Quer dizer, para o jogo são só duas, a outra é para o lanche.— Bem, se forem coisas que eu possa emprestar…— Podes Pai! É tudo simples. Precisamos de uma lanterna e daquele fio que tu me mostraste que brilha no escuro.— Mas para que queres tu essas coisas? Que jogo “manhoso” é esse, para quereres uma lanterna e um fio fosforescente?— Ó Pai! É para fazer uma coisa com eles. Se funcionar eu digo-te depois, mas agora é segredo, para fazer uma surpresa. Vá lá, Pai!— Já sabes que não gosto de segredos, mas pronto; não me parece que venha mal ao mundo por isso, mas não te esqueças que ficas tu responsável por tudo. O fio não tem importância, pois já o tenho há

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uns anos e nunca o usei, mas a lanterna, cuidado com ela. E qual é a outra coisa?— Outra coisa? – repetiu a Cláudia.— Sim! Não disseste que eram três coisas?— Ah, já sei! – exclamou – Preciso também que me emprestes aquele teu canivete vermelho, pequeno. Aquele que dá para várias coisas; mas é o mais pequeno.— O Canivete Suíço?— Sim!— Estás tan-tan? Pensas que te quero a brincar com aquele canivete? Aquilo corta que nem uma lâmina de barbear; ora essa… O Canivete Suíço…— Mas não é para brincar! É para descascar as laranjas que vou levar da avó Maria para o lanche. Senão tenho de levar uma faca da avó Maria ou da avó Virgínia, só que essas não fecham e eu tenho medo de me magoar nelas. O canivete meto no bolso e assim depois de comer o lanche posso pôr o saco no lixo e não andar carregada.Sendo o argumento tão bom e válido, o Pai acabou por ceder e predispor-se a emprestar o que ela pedia.No dia seguinte, a Cláudia foi pedir ao avô David emprestadas as picadeiras que ele um dia lhe tinha mostrado e tinha emprestado, para ela brincar às escavações na terra do canteiro de parreiras que havia no quintal. O avô tinha várias, por isso havia por onde escolher. Convencê-lo nem foi difícil. Havia já muitos anos que aquelas ferramentas não tinham qualquer uso; no entanto, o seu avô era muito cioso delas e embora lhas emprestasse, recomendou-lhe várias vezes que não lhas perdesse e que tivesse cuidado para não se magoar com elas.A seguir ao almoço, tinham encontro marcado no local do costume. Iriam conferir o material, saber das respectivas autorizações e programar a aventura.Toda a gente tinha conseguido arranjar as coisas que lhe tinham

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ficado destinadas. O dia seguinte iria levá-los em direcção à aventura e ao desconhecido. O tesouro estava cada vez mais próximo. Agora apenas precisavam de um pouco de sorte e coragem; sim, porque entrar naquele buraco não iria ser coisa fácil.

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Os dias estavam cada vez mais quentes, adivinhando que o verão seria sufocante. Na capital, embarcavam-se víveres, cavalos, armas e todas as coisas necessárias a quem parte por muito tempo.Era de facto impressionante o movimento constante a caminho do Tejo. Também na cidade havia desacatos e rixas entre os mercenários e homens arregimentados para a guerra. A inactividade e a espera, levavam a que os ânimos se exaltassem com mais facilidade, fazendo com que as escaramuças por vezes tomassem proporções de relevo.A 25 de Junho de 1578, partia D. Sebastião para África, levando consigo D. António Castelo Branco, seu filho Pedro de Castelo Branco e todos aqueles que estiveram envolvidos no transporte do tesouro ou de outros trabalhos e serviços de grande secretismo em outras partes do reino. Estes homens, embora não soubessem o que tinham transportado, excepto os muito chegados ao Rei, ficaram desconfiados da importância das caixas que haviam levado a diversos castelos do reino. Não sabiam o que continham. Poderiam ser livros e documentos importantes ou até algum tesouro. Durante a viagem iam comentando uns com os outros e com amigos mais chegados

“Morrer sim, mas devagar!”

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e em grande segredo que haveria coisas importantes, talvez algum tesouro, escondido em vários castelos do reino.A Armada, composta por cerca de oitocentos navios, era de tal forma impressionante que a cidade se quedava boquiaberta ao ver tanto navio de partida para o mar. Fez escala em Cadiz e aportou em Tânger. Seguidamente deslocou-se para Arzila, onde chegou a 28 de Julho de 1578. Acompanhavam D. Sebastião mais de dezanove mil homens. Entre eles, muitos cavaleiros e a maioria dos nobres de Portugal. A estes juntou-se o exército do Sultão Mulay Mohammed, aliado marroquino de D. Sebastião.De Arzila, o exército é mandado seguir a pé até Larache que distava quase sete léguas de Arzila. Uma decisão muito contestada pelos nobres, pois poderiam fazer esse percurso nos navios, poupando assim o exército a esta canseira e exposição a um sol abrasador.Deslocar um exército tão grande demora imenso tempo e apesar da distância não ser muita, só chegaram a Larache a 1 de Agosto já com visíveis sinais de cansaço.Daqui, contra a opinião dos cavaleiros mais experientes, mandou D. Sebastião que se avançasse para o interior em direcção ao inimigo, quando todos queriam ficar próximo do mar, onde deveriam estar também os navios para os apoiar com o seu poder de fogo.Quase outras sete léguas para percorrer antes da batalha, sob um sol infernal e sem descansar devidamente da caminhada efectuada desde Arzila. Quando o exército português chega próximo a al-Kasr al-Kebir, deu-se então aquela que entre nós é conhecida como a Batalha de Alcácer Quibir.No dia 4 de Agosto de 1578, encontram-se frente-a-frente os exércitos de D. Sebastião e do seu aliado Sultão Mulay Mohammed (Abu Abdallah Mohammed II) e o poderoso exército do Sultão Mulei Moluco (Abd Al-Malik) composto por mais de sessenta mil homens.

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Eram tantos os mouros e as bandeiras que ostentavam, que parecia ter-se esvaziado o deserto e que todas as tribos nómadas tinham rumado ao campo de batalha. O exército muçulmano, disposto em forma de meia-lua, quase abarcava o exército português que avançava pelo centro. A batalha começou com fogo de mosquetes e artilharia. Uma carga da cavalaria moura cerca completamente o exército português, enquanto o grosso dos peões se envolvia numa batalha corpo a corpo. Num ímpeto, um grupo de combatentes mais experientes, retalia bravamente fazendo debandar o núcleo avançado dos mouros, no entanto, viriam a perder força ao verificar que se tinham afastado demasiado do resto das forças de D. Sebastião. Para não ficarem separados dos outros, começaram a recuar. Entretanto, os flancos iam cedendo e pouco a pouco o exército português ia sendo esmagado pela força imensa do exército mouro.D. António e D. Pedro, combatiam ferozmente lado a lado empurrando os mouros com os seus cavalos e passando pelo fio da espada tantos quantos podiam. Por cada um que caía, parecia que mais dez se levantavam pois a horda dos mouros era interminável e derrotá-los começava a revelar-se uma missão impossível.Vendo que a derrota era inevitável, alguns nobres sugeriram a D. Sebastião que se rendesse, mas este, talvez ainda movido por algum sonho de glória não quis aceder ao pedido daqueles.Montado no seu cavalo, de armadura reluzente e empunhando a mítica espada de D. Afonso Henriques, vencedora de tantas batalhas contra os mouros, partiu à frente de um grupo de nobres e cavaleiros para mais uma carga sobre aquele colosso de gente que se digladiava sem dó nem piedade, cortando e esventrando tudo aquilo em que podiam tocar. Entraram assim pela amálgama de soldados e cavaleiros mouros, sendo literalmente engolidos pela confusão do agitar de espadas e lanças. De onde estava, D. António viu D. Sebastião fazer esta última arremetida, mas em má hora, pois nessa breve distracção custou-lhe

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ser derrubado do seu cavalo. Seu filho Pedro interpôs o seu cavalo entre ele e os mouros e tentou em vão ajudá-lo a subir para o seu cavalo para bater em retirada. D. António gritou-lhe para que se salvasse, mas este não queria e acabou por ser derrubado também.Não tardou muito tempo para que o exército português fosse completamente derrotado, naquela que seria a mais desastrosa batalha de todos os tempos para o nosso país.Apenas quatro horas depois de ter começado, terminava a sangrenta batalha de Alcácer Quibir, deixando por terra cerca de nove mil mortos e mais de dezasseis mil prisioneiros. Um número muito pequeno, talvez menos de cem portugueses, conseguiram escapar da morte ou do cativeiro.Em Marrocos esta é conhecida como a Batalha dos Três Reis.

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Ainda não eram sete horas e já a Cláudia estava acordada. Quando o pai a chamou, levantou-se de imediato, o que até causou uma certa estranheza. A Carlota também se levantou de imediato assim que a mãe a foi acordar para comer as papas do pequeno-almoço. Nesse dia, as meninas ficaram prontas bem cedo, e como que por milagre, nem o Pai nem a Mãe tiveram de ralhar para que se despachassem; havia magia no ar. Pouco passava das oito horas quando saíram de casa. Como sempre, levavam umas quantas coisas para brincarem. A Carlota, tinha às costas a mochila onde costumava levar as bonecas, mas dessa vez, o conteúdo era bem mais precioso: um rolo de fio de pesca fluorescente, duas lanternas, três conjuntos de pilhas recarregáveis de longa duração e um Canivete Suíço. A Cláudia levava discretamente outra mochila pequena onde tinha posto uma garrafa grande de água e duas pequenas, um pacote de patés individuais, um pacote de tostas e outro de bolachas, apenas faltava o lanche que seria provido pela avó.O plano era simples. Nesse dia iam para casa da avó Maria; aí apanhariam o lanche e as picadeiras. Às duas horas estariam à porta

É hoje!

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do prédio, onde se juntariam aos restantes que passariam por ali a caminho da casa dos gémeos. A única coisa que não estava garantida era a presença da Nina, mas era assunto que ainda podia ser tratado.O caminho até casa da avó decorreu como normalmente. Havia pouco trânsito àquela hora, enquanto as aulas não começassem seria assim. Chegados a casa da avó, as meninas saíram e o pai seguiu para o trabalho.Brincaram durante a manhã, aproveitando as picadeiras para abrir um buraco na terra entre as parreiras, servindo de treino para aventura da tarde. Quem não gostou muito deste “trabalho” foi o avô, pois a escavação foi muito funda, pondo a descoberto uma raiz da parreira e espalhando alguma terra para fora do canteiro.A meio da manhã, depois de um pequeno lanche, pediram à avó para telefonar à tia Mila. A Cláudia leu os números na agenda e a Carlota ia marcando conforme a irmã os ia dizendo. Poucos segundos depois ouvia-se o sinal de chamada no auscultador do telefone.— Estou sim? – ouviu-se uma voz do outro lado.— Tia Mila? É a Cláudia!— Olá “(a)`more”! Estás boa? E a Carlota, está aí contigo?— Está! Estamos na avó Maria.— Então hoje não foste para a avó Virgínia? Queres vir cá para baixo? – convidava a tia.— Não, hoje tenho coisas combinadas com as minhas amigas. – justificou a Cláudia. – Ó tia; não me emprestas a Nina para eu a levar a passear? Hoje vou até ao Castelo outra vez…— Ó querida, eu não me importo que a leves, mas tens de vir buscá-la porque eu não vou a Santa Iria.— Eu não sei se a avó me deixa ir aí. Não vens beber café a Santa Iria? Era só às duas horas.— Não. – disse a tia.— Não podias pedir ao meu padrinho para a vir trazer?

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— O Ricardo está a trabalhar! – exclamou a tia – Olha, só se pedir ao Tiago. Ele vem almoçar a casa e quando voltar para ir trabalhar passa aí à porta da avó. Mas não sei se ele quer levar a Nina no carro…— E a que horas é que ele vem, tia?— Ele entra às duas horas, deve passar aí por volta de um quarto para as duas.— Pede-lhe tia! Diz que é para a afilhada dele. Diz que foi a Carlota que pediu.— Está bem. Quando ele vier eu digo-lhe, pode ser que tenhas sorte… Depois eu telefono-te a dizer. Beijinhos.— Beijinhos.Perfeito! Se o Tiago trouxesse a Nina, chegava mesmo antes de os outros as apanharem ao pé da igreja.Enquanto o almoço cozia, a avó preparou os lanches. No tocante a lanches, a avó Maria não era diferente de todas as avós. Preparou comida que dava para o lanche e para o jantar mas a Cláudia não reclamou. Hoje era um daqueles dias em que o excesso de comida era uma benesse e não um problema.Depois do almoço, a tia telefonou a dizer que tinha convencido o Tiago e que fossem esperar a Nina na rua, pois ele apenas tinha tempo de parar para a deixar. Como previsto, o padrinho da Carlota, parava junto ao passeio a um quarto para as duas. A Cláudia abriu a porta do carro e de imediato a Nina saltou para o passeio. Por sorte, já prevendo que ela fugisse, o Tiago tinha-a presa pela trela. Não sabemos de quem era a maior alegria, se da Nina que lambia a cara da Carlota, se desta que tomava de braçado a cadela num abraço pleno de saudade e de ternura.Decidiram ficar no adro da igreja com a Nina enquanto esperavam pelos outros. Pouco tempo depois eles chegavam. Traziam mochilas às costas, parecendo caminheiros ou campistas. Juntaram-se ao grupo e partiram todos em direcção a casa do Afonso e da Maria.

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Pelo caminho iam conversando, delineando estratégias para a exploração. Inicialmente, iriam entrar apenas quatro pelo buraco para tirar uma primeira impressão de como seria. Se era apenas um buraco um pouco mais fundo ou se era um túnel comprido como esperavam que fosse. Se podiam aventurar-se nele, se era seguro ou se parecia estar a ruir; enfim, havia que fazer o reconhecimento do terreno antes de avançar mais.Decidiram que entraria primeiro o André seguido da Carolina, da Cláudia e da Rita. Os outros aguardariam em silêncio cá fora, atentos aos sons que viessem de dentro. Ponderaram ainda se a Carlota deveria entrar ou não. Ela queria ir, era uma oportunidade excelente de brincar com a lanterna que não devia ser desperdiçada. A decisão ficaria para depois. Em função daquilo que encontrassem e das dificuldades no terreno, assim decidiriam se a Carlota ia também ou se ficava algum dos “grandes” a tomar conta dela.Chegaram a casa dos gémeos. O Afonso fazia de “carregador”, com a mochila cheia com a comida dos dois e a Maria levava uma sacola com as lanternas. Na mão segurava a pá dobrável que pedira emprestada à mãe.Com o grupo completo e tudo o que era necessário, seguiram caminho. O Castelo pouco distava da casa da Maria e do Afonso e, em pouco tempo, tinham já percorrido a distância que os separava do mesmo.Quando atravessaram a estrada para o relvado que envolve o Castelo, os seus olhares pousaram sobre ele. Olhavam-no agora de forma diferente, com respeito e admiração. Acharam as suas muralhas altas e imponentes e imaginaram inimigos, de vestes estranhas, a investir contra as portas sob uma chuva de setas e pedras que os defensores do castelo lhes atiravam das ameias.Contornaram o Castelo pelo lado esquerdo, passaram pelo parque infantil sem saudades dos baloiços e do escorrega e começaram a descer a rua à procura do carreiro que desce para as hortas.

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Cativos

D. António estava estupefacto. Não podia acreditar terem perdido a batalha em Alcácer Quibir. A maioria dos nobres tinham morrido ou sido feitos prisioneiros e de D. Sebastião nada se sabia. Tinham-no visto partir a cavalo e ninguém o tinha voltado a ver. Teria conseguido fugir? Teria morrido? Estaria prisioneiro? Ninguém sabia, mas também ninguém o dava por morto.Os relatos da batalha dividiam-se aqui. Alguns afirmavam que o viram afastar-se antes desta ter terminado, outros dele nada sabiam e alguns pensavam que teria morrido ou caído prisioneiro. Certo era que, não estava no grupo de presos que acompanhavam D. António e D. Pedro de Castelo Branco. Os nobres haviam sido separados dos restantes prisioneiros e formados em grupos que iriam ficar à guarda, separados uns dos outros.Conseguira D. António, dando ao capitão mouro uma moeda de ouro, que não o separassem de seu filho. O cativeiro ia ainda ser longo, os nobres presos iriam servir para a obtenção de um resgate e, se tal não acontecesse, seriam passados a fio de espada.Foram dias muito difíceis aqueles que viveram e penosas as humilhações por que passaram.

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Valia-lhes o facto de valerem bom resgate, para não sofrerem grandes torturas. Durante longos meses, vaguearam com os nómadas que os detinham pelo coração do deserto, caminhando sobre as areias escaldantes e sob um sol abrasador.Depois de pago o resgate, D. António e D. Pedro regressaram a Portugal. D. António vinha transformado. Invadira-o uma amargura sem fim, pois nunca conseguira digerir a derrota em Alcácer e muito menos o facto de não se saber de D. Sebastião.Carregava agora o peso do segredo que partilhava com D. Sebastião, e a responsabilidade de ser o fiel guardião do seu tesouro.

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A porta secreta

O carreiro serpenteava pela barreira como uma cobra estendida ao sol. Uma leve brisa ondulava as ervas secas de forma suave e constante. A primavera chuvosa fizera crescer imenso as ervas e pequenos arbustos silvestres.Começaram a descer em fila indiana até ao ponto em que deixaram o caminho e se embrenharam pelas ervas. Tomaram a direcção dos carrasqueiros. A Mariana coçava a perna de vez em quando, tentando aliviar a dormência e comichão causadas por uma urtiga que ela não vira e a picara. A Cláudia e a Carolina também já se tinham picado num cardo rasteiro, que escondido no meio das ervas apontava os seus espinhos ameaçadores em direcção ao céu. O calor do verão tinha tornado tudo amarelo e estaladiço. Os cardos, outrora verdejantes e de flores amarelas, tinham agora uma cor acastanhada e estavam secos e quebradiços fazendo, quando pisados, um ruído parecido com o mastigar de tostas.Na frente, André escolhia o caminho, seguido pelos demais. Quando chegaram à moita de carrasqueiros esgueiraram-se para o seu interior. O Afonso espreitou por baixo dos dois carrasqueiros maiores e lá estava o buraco por onde a Nina tinha entrado. Mal dava para

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meter a cabeça lá dentro. Puxou da lanterna e apontou para o interior. A luz reflectia-se em pesadas teias de aranha, curvadas pelo acumular de pó ao longo dos anos. Dava para perceber que era a entrada de um túnel escavado na terra e cujas paredes eram forradas com pedras sobrepostas. Não chegaria aos dois metros de altura e teria uns noventa centímetros de largura. Teriam de seguir atrás uns dos outros mas pelo menos conseguiriam caminhar de pé. Do que a luz conseguia mostrar, não se lhe via o fim. O André aproximou-se também e espreitou.— É pá! Isto vai até muito longe! – disse ele.Um olhar mais atento permitiu-lhes ver que o buraco agora aberto fora fruto da queda de uma pedra das que tapavam a entrada. Aparentemente, seria fácil retirar mais três ou quatro pedras e abrir um buraco que ficasse discreto e resguardado dos olhares de quem por acaso por ali passasse; mas suficientemente grande para permitir a passagem dos caçadores de tesouros.Se bem pensaram, mais rápido ainda o fizeram. Em pouco tempo os dois rapazes tinham retirado duas pedras e a terra que as cobria. Resolveram tirar mais uma pedra, sendo esta um pouco mais pequena que as outras, mas permitiu arredondar mais o buraco na parte de cima. A entrada estava perfeita.Testaram o material. Todas as lanternas acendiam, o isqueiro funcionava, o fio de pesca e o giz estavam a postos. A aventura ia enfim começar.Ataram a ponta do fio ao pé de um carrasqueiro. O André iria na frente, seguido da Cláudia com o fio. Todos os outros deslizavam uma mão no fio para não se perderem, coisa que não seria fácil, pois seguiriam todos muito próximos uns dos outros. A Carolina fecharia o cortejo, de giz em punho, para assinalar o caminho com uma seta em direcção ao sítio donde tinham vindo quando mudassem de direcção ou passassem para outros túneis.Mal o André desapareceu no buraco, a Cláudia ajeitou-se de imediato

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para entrar e todos formaram fila aguardando a sua vez. — Foge! – ouviram resmungar o André – Esta porcaria não me larga, “arggg”!Quando a Cláudia entrou e apontou a sua lanterna ao André, percebeu de imediato de que se queixava ele. Como tinha apontado a lanterna apara baixo para ver onde metia os pés, tinha arrastado várias teias de aranha, velhas e carregadas de pó, que se agarraram à sua cabeça e à roupa. Estava de facto com um aspecto assustador.— Ah, ah, ah, ah! – gargalhou a Cláudia – Pareces mesmo um fantasma!Já o Afonso também se ria por trás dela.— É o Fantasma do Castelo. – disse.Avançaram um pouco, evitando ou desviando as teias de aranha como podiam.O Afonso pediu então aos que estavam fora.— Arranjem aí um pau para desviarmos as teias de aranha.Rapidamente a Carolina partiu um galho de um arbusto de ramos compridos que se encontrava ali próximo.Entretanto a Maria já tinha entrado, seguida da Carlota com a Nina e entrariam de seguida a Morgana, a Mariana, a Rita e finalmente a Carolina.Depois de estarem todos alinhados no estreito corredor, foram passando o pau de mão em mão até chegar ao André. Com passo firme mas lento, como que tendo as pernas meio enferrujadas da humidade, foram avançando pouco a pouco para o interior da terra. Á medida que iam progredindo, iam-se dissipando os ruídos vindos do exterior até caminharem num silêncio sepulcral, em que apenas ouviam o bater dos seus corações excitados e os seus próprios passos.Pairava no ar uma humidade bafienta. Tirando o André e a Cláudia que iam na frente e conseguiam ver um pouco mais longe, até onde a luz das lanternas batia nas teias de aranha, todos os outros se

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sentiam enclausurados, pois olhando para trás ou para a frente, apenas viam os vultos dos outros.Era de facto uma penumbra assustadora! Talvez por isso caminhassem em silêncio. O medo de deparar com alguma cobra, lagarto ou outro bicho que ali se tivesse refugiado, deixava-lhes os nervos em franja e os ouvidos em alerta total. O ruído seria a melhor forma de identificarem de imediato algum perigo que viesse.O chão tinha muita humidade, aqui e ali formava mesmo pequenas poças e tornava-se mais escorregadio nos sítios onde uma espécie de musgo cobria as pedras. A entrada do túnel fora escavada na rocha, mas agora caminhavam por uma galeria com paredes feitas de pedras sobrepostas. Pelas gretas das pedras, aqui e ali viam-se pender raízes secas de árvores ou arbustos, locais também onde as teias de aranha ganhavam melhor forma e dimensão.Subitamente, o túnel curvava à esquerda. Andaram mais uns cinquenta metros e depararam com uma bifurcação.— Alto! – ordenou o André – Chegamos a um cruzamento! Para que lado é que vamos? Para a esquerda ou para a direita?Após uma breve discussão, concordaram em seguir para a esquerda. A sua pouca idade não lhes permitia ainda grande sentido de orientação sem referências visuais e, para procurar o tesouro, teriam de ir a todos os sítios.Viraram então à esquerda. A Carolina já tinha feito duas ou três setas na parede mais para trás. Não tinham mudado de caminho, mas pelo sim pelo não, ia dando uso ao giz que trazia na mão. Fez uma seta bem marcada nos dois lados da parede do túnel de onde iam sair. Quando passou para o túnel onde este acabava, olhou para trás para ver o resultado do seu trabalho. Estava perfeito! As setas viam-se bem, fosse qual fosse o lado de onde viessem. O regresso estava assegurado e foram cumpridos todos os preceitos de segurança que haviam sido propostos.Este túnel tinha o tecto um pouco mais baixo, criando uma sensação

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de peso sobre os ombros. Os mais altos até encolhiam um pouco o pescoço, naquele reflexo natural de evitar bater com a cabeça em alguma coisa mais baixa. Claro que isto não era necessário, mas a sensação de acanhamento vinha também do facto de a largura ser também menor. Enquanto que antes caminhavam quase lado a lado cada dois, aqui tinham de formar uma “fila Indiana”.Já não restava muito fio no rolo quando, de repente, chegaram a uma sala ampla, de tecto bem mais alto. Uma das paredes tinha um bocado caído e a terra tinha entrado na sala. Quando todos entraram, a soma das lanternas ajudou a criar uma luz mais intensa que permitia ver toda a sala. Não era muito grande, mas teria seguramente mais de trinta metros quadrados, medida aferida pela comparação com o tamanho da sala da casa da Morgana. Pilares, sustentavam um tecto abobadado e, em alguns deles, ainda estavam fixados suportes em ferro forjado com archotes de madeira enrolados com panos embebidos em resinas, óleo e cera.— Acendemos um archote. — disse a Rita.Assim fizeram. Primeiro limparam as teias de aranha que pendiam no archote e depois chegaram-lhe a chama do isqueiro. Milagre! Mesmo passado tanto tempo, de imediato se sentiu o crepitar das chamas e uma luz trémula e amarela invadiu todo o espaço. A Morgana correu a uma parede e fez o mesmo serviço num archote que aí se encontrava.A luz mais abundante mostrava a terra em rompante, como se tivesse jorrado da parede. Mas apenas se via terra. As pedras da parede caída estariam debaixo desta, pois não se viam em lado nenhum. Era um pouco estranho, mas ninguém deu muita importância a isso.As chamas brotavam dos archotes entre o azul e o amarelo, num movimento cintilante distribuindo luz e sombra pelas paredes da sala. A Mariana aproximou-se do suporte do archote da parede e disse:— Vou levar este archote comigo para iluminar o caminho, pelo menos ilumina tudo, não é como a lanterna que só ilumina para onde

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está apontada.De seguida, deu um salto e pendurou-se no suporte para tirar o archote. Quase caía, pois o suporte deslizou para baixo com o seu peso e abriu uma pequena porta secreta na parede ao lado. Vários blocos de pedra deslizaram em rotação para dentro da sala grande.Todos correram para aí, pois pensavam que tinham encontrado o tesouro. A Mariana, ainda um pouco assustada por pensar que o suporte lhe ia cair em cima da cabeça, nem teve reacção para espreitar pela porta.O Afonso apontou a lanterna pela abertura da porta e viu que se tratava de uma pequena sala. Amontoadas na parede em frente, estavam algumas armaduras, pelo menos assim parecia, pois a quantidade de ferrugem nem deixava perceber muito bem o que era. Tinham medo de entrar, pois algum passo em falso, poderia fechar a porta atrás deles e ficarem ali presos.Os rapazes iriam entrar e as raparigas ficariam todas agarradas à porta para impedir que esta fechasse por acção de algum mecanismo. A porta era pequena, mas eles cabiam bem por ela pois a sua tenra idade ainda não lhes permitia grande tamanho ou volume.Aproximaram-se pé ante pé e verificaram que de facto eram armaduras, mas estavam de tal forma degradadas que nada delas se aproveitaria. O André ainda pegou naquilo que parecia ser metade de um elmo, mas a ferrugem tinha-o já “comido” tanto que, nada mais restava que um rendilhado de ferro perfurado e carcomido. Com um pedaço de ferro que parecia ser o que sobrara de uma espada, viraram aquele monte de latas ferrugentas em busca do brilho do ouro e das pedras preciosas, mas em vão. Tactearam as paredes em busca de mais alguma passagem, mas nada encontraram que pudesse indiciar uma.Voltaram à sala grande. As miúdas tinham-nos observado desde a porta e estavam desiludidas. Seria demasiado fácil e rápido também se tivessem já encontrado algo. Repuseram o suporte do archote

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na posição anterior e, tal como tinha surgido, a porta desapareceu na parede, de forma que quem não a soubesse ali, dificilmente a encontraria.Tentaram puxar os suportes dos pilares e de outra parede mas não conseguiram nada. Ali seria um bom sítio para estar o tesouro, aliás, se fossem eles a escondê-lo, seria ali que o teriam feito. — Talvez já alguém tenha encontrado o tesouro. – alvitrou a Rita.— Isso já se sabia – disse a Carolina.Um ganido meio rosnado da Nina, chamou-lhes a atenção. A cadela puxava a Carlota pela trela em direcção a um canto da parede. Apontaram as lanternas para aí e foi então que viram uma grande cobra castanha e verde, enrolada e de cabeça no ar.

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Reino sem Rei

Nada se sabendo de D. Sebastião, ascendeu ao trono seu tio-avô o Cardeal D. Henrique, servidor da igreja e já entrado na idade. O Cardeal D. Henrique já tinha sido regente do reino por duas vezes, uma antes de D. Sebastião assumir o governo do reino e mais tarde quando este fez uma viagem pelo norte de África, que seria o rastilho para esta fixação na conquista de Marrocos.A 29 de Agosto de 1578, o Cardeal D. Henrique é Coroado pois chegou uma carta de Belchior do Amaral, prisioneiro em Marrocos, que afirmava ter visto e reconhecido o cadáver de D. Sebastião. O regente passou efectivamente a Rei.Entretanto, começou a correr na voz do povo que D. Sebastião haveria de voltar, pois ninguém o vira morrer em Alcácer Quibir e que alguém o teria visto aqui ou ali. Falava-se de um embuçado, que os que o acompanhavam diziam ser D. Sebastião, pedira guarida na fortaleza de Arzila na noite seguinte à batalha.Portugal estava a braços com um problema sério, D. Henrique era idoso e não tinha filhos. A sucessão não estava assegurada, o resgate dos prisioneiros deixava o reino numa situação ruinosa e a

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independência estava em perigo. D. Henrique convoca as Cortes para Almeirim, e chega mesmo a pensar em casar para tentar resolver o problema da sucessão.Perante este cenário e, crente no regresso do Rei, D. António guardava segredo e esperava. Não falaria do tesouro a ninguém, pois este poderia ainda servir para resgatar D. Sebastião.Durante dois anos sucederam-se os jogos de bastidores na Corte, com diversos pretendentes ao trono à espera que, pela idade D. Henrique se finasse e, poderem assim reivindicar para si a Coroa de Portugal. Faziam-se alianças obscuras, pejadas de interesses próprios e esquecendo o problema que Portugal tinha em mãos.Viviam-se tempos muito difíceis. A peste e a fome que atingiram Portugal levariam mais de vinte cinco mil almas. A debilidade do reino era visível em todo o lado.Tal como esperado, o pobre D. Henrique acabou por falecer no início de 1580 sem deixar sucessor.D. António tornara-se apoiante de Filipe II de Espanha na sua pretensão ao trono. Ninguém sabia, mas no seu íntimo D. António pensava que dadas as sempre más relações com Castela, quando D. Sebastião voltasse, seria mais fácil unir os nobres para resgatar o reino a Espanha, que fazê-lo tendo na Coroa um nobre português. Pelo seu poderio militar, Filipe II acabaria por prevalecer, e D. António não podia arriscar-se a tomar causas perdidas, pois tinha uma missão a cumprir e levá-la-ia até ao fim da sua vida se necessário.Um dos pretendentes ao trono, D. António, prior do Crato, foi pelo povo aclamado Rei de Portugal, no castelo de Santarém em 24 de Julho de 1580.Filipe II, que reunira já os seus exércitos em Badajoz, manda-os entrar em Portugal para tomar a Coroa pela força. D. António, prior do Crato e as forças que o acompanhavam, são pouco depois derrotados na Batalha de Alcântara. Conseguindo sobreviver à batalha, D. António, prior do Crato acaba por refugiar-se

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com os seus apoiantes na Ilha Terceira nos Açores, e continuou a governar a partir daí; no entanto, apenas governava localmente, pois em 1581 as Cortes de Tomar reconheciam oficialmente Filipe II de Espanha, como Filipe I de Portugal, começando aqui o domínio Espanhol sobre Portugal e todo o seu território de aquém e além-mar. Deu-se início à Dinastia Filipina.D. António, prior do Crato, resistiu ainda durante algum tempo e estava já refugiado em França quando, no ano de 1583, a Ilha Terceira caiu em mãos espanholas após ferozes combates.

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A cobra começava a desenrolar-se e a tomar o caminho do túnel donde tinham vindo. As raparigas gritavam de forma ensurdecedora e o André e o Afonso também estavam cheios de medo, mais pelo efeito da gritaria que pela cobra em si, pois essa já se encaminhava ligeira para o túnel onde desapareceu num ápice.A Nina ladrava com força, pois se o inimigo foge podemos sempre mostrar mais força e coragem que aquela que temos.Quando todos se calaram, era perceptível o bater dos seus corações. Foi um susto e tanto.Agora tinham um problema muito grave para resolver. As raparigas não queriam entrar no túnel pois a cobra estava lá e os rapazes também não estavam muito confiantes.Não queriam ir para o túnel mas também não podiam ficar ali. Maldita a hora em que viraram à esquerda na bifurcação…Precisavam de uma estratégia, pois ali é que não podiam ficar. Vamos lá que a cobra resolvia voltar? Ou que vinha e trazia mais cobras? Bem, a solução parecia estar na Nina, pois esta pressentia a presença da cobra. A Nina iria na frente e levariam também os archotes, um à frente e outro atrás e dois por utilizar, caso os outros

Olhos que brilham no escuro

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apagassem. É que toda a gente sabe que os animais têm medo do fogo, incluindo as cobras.O André levava agora a Nina pela trela segurando o archote com a outra mão, enquanto a Cláudia enrolava o fio que marcaria o regresso. A luz ténue do archote fazia brilhar no escuro o fio fluorescente, mostrando uma linha dançante à medida que a Cláudia dava voltas devolvendo o fio ao rolo.— Olha ali! – exclamou o André – ao ver dois pontos brilhantes.Prontamente, a Carolina que seguia logo atrás, apontou a lanterna naquela direcção.— Uhfff! – suspiraram de alívio – Era apenas um pequeno rato que, ao ver-se descoberto fugiu a “sete pés”, desaparecendo logo de seguida.Continuaram o caminho com “mil cautelas” e demoraram imenso tempo a chegar ao entroncamento. Ainda estavam a alguns metros e já eram visíveis as setas deixadas pela Carolina.Pararam nesse ponto.— Que vamos fazer agora? – perguntou a Cláudia – Voltamos para trás ou vamos em frente para ver onde vai dar este caminho?— Já são cinco e meia – disse a Rita.Pois é! – confirmou a Mariana – Se formos em frente temos de ser muito rápidos.— É melhor virmos outro dia ver esse lado. – disse a Morgana.Após uma breve discussão, foi mais ou menos consensual que iriam embora e voltariam no dia seguinte, só que, para não voltarem a vir carregados, deixariam mesmo aí a corda, as picadeiras e a pá e uma mochila onde meteriam a comida de reserva. Com tanta emoção nem se tinham lembrado de lanchar.Quando chegaram ao fim do túnel viram que tinha caído mais uma pedra e alguma terra da entrada. Ficara um pouco maior a abertura, mas a instabilidade do terreno deixava-os um pouco apreensivos.Saíram para o carrascal e decidiram subir para lanchar na relva à

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volta do castelo, aproveitando a sombra de uma das oliveiras que por ali havia.Durante o piquenique combinaram o dia seguinte. Alguns não sabiam se poderiam vir, mas viriam os que pudessem, pois apenas havia mais um caminho e esse, seguramente, teria de ser o caminho para o tesouro. Combinaram encontrar-se às duas horas e meia da tarde no adro da igreja.

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D. Sebastião tornara-se uma lenda. Todos diziam que viria numa manhã de nevoeiro salvar o reino do jugo espanhol.Filipe II de Espanha e I de Portugal, não queria que a sombra do regresso de D. Sebastião ofuscasse o seu esplendor e alimentasse os sonhos do povo que não queria Espanha por soberana.Visando acabar com o falatório, em 1582 mandou vir o suposto corpo de D. Sebastião de Marrocos e ordenou que o mesmo fosse enterrado num túmulo na Igreja de Belém, mas mesmo aí a dúvida ficou impressa, pois no túmulo pode ler-se:”Está sepultado neste túmulo, se é verdade o que dizem, Sebastião!’’O episódio de Arzila era também conhecido do povo. Os que aí pediram guarida, partiram num barco para Portugal na manhã seguinte, mas também não havia notícia de terem chegado.Cronistas houve também, que ao relatarem a batalha, davam como certo que D. Sebastião se teria afastado ileso antes de a mesma terminar.Com o passar dos anos e o adensar do mistério, a lenda mantinha-se viva. Muitos foram aqueles que afirmavam ser D. Sebastião, mas todos foram desmascarados e punidos severamente. De facto,

O Desejado

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aqueles que se apresentavam com essa pretensão, traziam histórias mal contadas e não esgrimiam argumentos de peso, de forma a fazer valer o direito ao trono.É claro que Filipe I de Portugal tinha os seus espiões e estava atento a todos os movimentos que surgissem em volta de algum destes embusteiros, e a todos punia de forma exemplar.

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A Cláudia e a Carlota almoçaram cedo. Na noite anterior tinham evitado milagrosamente fazer qualquer referência aos acontecimentos do dia, dizendo apenas que tinham combinado com os amigos irem novamente brincar para o Castelo.Ainda não eram duas horas e já estavam no adro da igreja. Foi na Igreja Matriz que ambas foram baptizadas. A Cláudia andava aí na Catequese e gostava muito da igreja. Era muito antiga, tinha um interior muito bonito sendo as paredes forradas com painéis de azulejos que contavam a lenda de Santa Iria.Brincaram por ali um pouco, deixando as mochilas em cima de um banco à sombra de um plátano.A Carolina e o André apareceram sozinhos. A Rita tinha ligado à Carolina a dizer que não podia vir e a Morgana não estava em casa da avó, pois eles tinham passado por lá a perguntar. Telefonaram à Mariana, mas ela não atendeu pois estava já a entrar nas escadas do adro da igreja, só que eles não a tinham visto.Desta vez sem a Nina, tomaram o caminho da casa dos gémeos. Estes já esperavam por eles no quintal. Nessa tarde não iriam pois a mãe ia levá-los a conhecer o novo colégio para onde iriam estudar

200 metros de fio

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nesse ano. Recomendaram bem a todos que não se perdessem nem se esquecessem da pá que a mãe lhes tinha emprestado. Convidaram o grupo para lanchar no regresso, para poderem dessa forma saber das novidades. Despediram-se com um até logo e partiram para o Castelo, pois as horas não paravam e já estavam um pouco atrasados.Já eram quase três horas e meia quando o André se esgueirou pelo buraco. A Carolina entrou logo de seguida para ajudar a Carlota a entrar, por fim a Cláudia e a Mariana desapareceram também para dentro da terra.O fio, atado no mesmo pé de carrasqueiro do dia anterior, desenrolava-se hoje a bom ritmo pois o caminho que faziam agora já era conhecido. Levaram os archotes que tinham deixado junto à saída do túnel, embora não os tivessem acendido. As lanternas iluminavam o caminho e procuravam algum vizinho indesejado como a cobra do dia anterior. Não sabiam mesmo se seria essa a causa das ausências de hoje, mas também ninguém comentava o assunto, pois se não pensassem muito nisso a imagem daquela cobra enorme haveria de se desvanecer.Desta vez chegaram mais rápido à bifurcação. A Carolina fez as marcações, de forma que fossem visíveis no regresso. Viraram então à direita e caminharam com mais cuidado, pois não tinham a Nina para os avisar de algum perigo existente. Teriam andado talvez uns noventa ou cem metros quando verificaram que este túnel desembocava noutro, na perpendicular, fazendo uma nova bifurcação. — E agora, por onde vamos? – perguntou o André.Pararam para pensar. — Já não temos muito fio. – disse a Cláudia – Seja qual for a direcção que tomarmos, já não nos poderemos afastar muito daqui.— E para que lado vamos? Para a direita ou esquerda? – perguntou a Mariana.

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— Temos de pensar bem, mas eu gostava de ir aos dois lados. – retorquiu o André.— Eu também quero ir! – disse a Carlota – Ainda tenho muitas pilhas na lanterna. – disse ela, referindo-se ao facto de a luz ser muito intensa e de imediato o comprovou, apontando a lanterna à cara do André que ficou cego por instantes.— Pára Carlota! Para a próxima não vens! – ameaçava a Cláudia.— Ora vamos lá ver! – exclamou a Carolina – Nós viemos em frente, depois viramos para a direita…— Se virarmos para a direita, vamos dar ao mesmo lado donde viemos. – interrompeu a Cláudia.— Certo! – Afirmou o André – deve ser outra saída!— Então vamos para a esquerda. – disse a Mariana.Viraram então à esquerda. A Carolina voltou a marcar com o giz a direcção a tomar. O André ia limpando as teias de aranha do caminho com o inseparável pau que fazia esse trabalho desde a primeira hora. Cautelosos foram progredindo. Ouvia-se um ruído de fundo, um marulhar constante de queda de água que não conseguiam perceber de onde vinha.— Parem! – gritou a Cláudia – O fio acabou!

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Segredo enterrado

Próximo do seu castelo em Pero Escouche, existia um mosteiro de que D. António era confrade. Tinha começado por ser uma ermida, talvez até viesse dos tempos em que a península estava ocupada pelos Mouros. Contava-se que Nossa Senhora aparecera em sonhos a um oficial de pedreiro e que lhe ordenara que ali fizesse uma ermida para adoração a Nossa Senhora da Conceição. O dono do terreno onde se deveria fazer a ermida, ao ver tanta devoção e empenho no pedreiro, cedeu-lhe o terreno para que este levasse por diante o seu projecto. O pedreiro dedicou-se de corpo e alma à construção da ermida, trabalhando incansavelmente na sua construção. Vendo tanto afinco e empenho na prossecução dos trabalhos, os nobres da zona davam-lhe materiais e gordas esmolas para que terminasse rapidamente a sua obra.Passados alguns anos, em louvor de Nossa Senhora da Conceição foi instituída uma confraria, da qual faziam parte muitos nobres da Corte.A Senhora era muito venerada e, nos seus dias de festa a 15 de Agosto e 8 de Dezembro, vinha gente de todo o reino para adorar a Senhora e participar nos festejos.

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Eram tão participadas as missas, que tinham de ser feitas ao ar livre, sob um alpendre que dava para um grande largo.Eram festas muito animadas. Faziam-se torneios de lança e de espada, a pé e a cavalo e outros jogos; tudo para honrar a senhora, angariar oferendas, divertir os que assistiam e principalmente os que participavam.Os capelães desta Senhora eram os padres Jerónimos, que aí tinham algumas celas para dormir, cuidavam do convento e da horta alimentando assim o corpo e o espírito.Alguns anos mais tarde, aborrecidos talvez por alguma escassez de esmolas, ou porque a manutenção do mosteiro já não lhes fosse favorável, os Padres Jerónimos que tomavam conta desta confraria devolveram-na aos confrades.Os confrades ficaram muito tristes pela falta de devoção que a Senhora tinha, e assim sendo, cederam o mosteiro em 13 de Julho de 1584 aos Padres da Arrábida. D. António foi um dos confrades que assinou a escritura lavrada para este efeito. Seu pai, D. Pedro Castelo Branco, tinha comprado a Capela-Mor do mosteiro para servir de jazigo à sua família, dada a proximidade do seu castelo e era também um dos principais patrocinadores deste mosteiro.Tal como seu pai, D. António continuava a patrocinar generosamente a Ermida de Nossa Senhora da Conceição. Fora ele quem mais pressionara para que esta fosse entregue aos Padres da Arrábida.D. António tornou-se Padroeiro da ermida e encetou as obras para que esta se transformasse num verdadeiro mosteiro, ficando com condições para acolher mais de dezoito padres.Triste com a ausência de D. Sebastião, e não crendo na sua morte, apesar de os seus restos mortais estarem supostamente em Belém, recolheu-se no mosteiro D. António para reflectir e expirar essa amargura que o não deixava. Aí se manteve em clausura, vivendo pobremente até ao dia da sua morte.

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No ano de 1588, viria a falecer D. António de Castelo Branco, levando consigo para o túmulo o segredo que partilhara com o seu soberano e amigo D. Sebastião. Também não veria terminadas as obras do convento de Nossa Senhora da Conceição para as quais tanto contribuíra.Seu filho e companheiro de infortúnio em Alcácer Quibir manteria a palavra de seu pai, e generosamente terminaria as obras do mosteiro. D. Pedro de Castelo Branco, depois de terminada com tudo o que era necessário, a obra do convento, ofereceu aos Padres da Arrábida uma imagem de um crucifixo que fora de D. Sebastião e que diziam ser milagrosa. Essa imagem foi colocada na portaria do convento, impondo grande respeito a todos aqueles que nele entravam.

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A Sportinguista

— E agora? – perguntou a Mariana – Que vamos fazer?A escolha não era fácil. Se na realidade apenas tinham uma direcção para onde seguir e a Carolina ainda tinha muito giz para marcar o caminho; uma das coisas que tinham aprendido nas suas pesquisas na Internet sobre exploração de grutas e outras aventuras é que, com a segurança não se brinca nem se facilita.Entraram em discussão, cada um com a sua opinião. Ora iam para a frente e marcavam o caminho com giz, ora atavam as cordas do avô da Carolina ao fio ou deixavam a Cláudia no mesmo sítio a segurar o fio e iam um pouco mais à frente…— Calem-se! – disse o André – O barulho da água parece estar próximo.Fizeram silêncio. De facto, em silêncio absoluto, o barulho da água corrente parecia estar muito próximo, mas também podia ser só um eco propagado pelos túneis e estar efectivamente muito longe.— Que horas são? – perguntou a Cláudia, que nunca trazia relógio.— Um quarto para as cinco. – respondeu a Mariana.— Podíamos ir ter com o meu avô Agostinho, que de certeza tem cordel para juntarmos ao fio. – propôs a Cláudia – Assim já podíamos

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continuar sem perigo.— E eu ia ver o Tofy! – alegrou-se a Carlota, pois brincar com cães era sempre melhor que outra actividade qualquer.— Tenho uma ideia. – disse o André – Vamos voltar para trás até ao outro túnel, e vamos seguir em frente, pode ser que vá dar a alguma sala como aconteceu do outro lado.Todos concordaram. A ideia não era má, não corriam riscos e exploravam já o corredor que seguia para a direita.A Cláudia ia enrolando o fio tão rápido como as suas mãos lhe permitiam. Pouco depois estavam de volta ao entroncamento de túneis e, como combinado, seguiram em frente, voltando a desenrolar o fio. — Parem! – voltou a dizer a Cláudia.Tal como antes, o fio tinha terminado. Apontaram as lanternas para a frente, vislumbrando na escuridão um vulto um pouco mais adiante.— Esperem aqui. – disse a Carolina – Vou ver o que é.De lanterna em punho foi avançando, seguida pelo André. Amiúde olhavam para trás para garantir que a mancha de luz das lanternas da Cláudia, da Mariana e da Carlota não se tinham extinguido, marcando assim a distância e o caminho de regresso. O vulto que parecia fechar o túnel, era afinal a parede do mesmo, que ao descrever uma ligeira curva à direita reflectia a luz das lanternas, dando a ideia de que o túnel acabava ali. — É só uma curva no túnel. – gritou a Carolina para as outras três – Vamos só espreitar o que está a seguir.— Tenham cuidado! Não se afastem! – responderam elasAfinal o túnel não acabava ali, mas acabava um pouco mais adiante. Foi isso mesmo que constataram a Carolina e o André logo que ultrapassada a curva. A lanterna potente da Carolina voltava a esbarrar numa parede a uns cinquenta metros, e esta parecia ser sólida e não uma ilusão de óptica. Avançaram pé ante pé, com muito cuidado, pois já não viam a Cláudia e a Mariana que tinham ficado

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para lá da curva. Atrás deles a escuridão apenas era interrompida de vez em quando pelo reflexo de luz da lanterna da Carlota que nunca se fixava em lado nenhum e apontava para tudo o que era sítio. Foram andando até que pararam junto a uma parede que fechava o túnel.— Pela direcção que tomamos, deve ser outra saída dos túneis, só que esta está ainda fechada e de fora não se vê. – disse o André.— Acho que tens razão. – disse a Carolina. – Só pode ser isso. Até pela distância que nós andamos.— Vamos voltar para trás. - disse ele – Já nada temos a fazer aqui.Empreenderam o regresso. Quando iam a chegar ao pé da curva, um movimento mais brusco da mão fez com que a Carolina apontasse a luz mais para cima, fazendo-a reflectir com mais brilho em alguma coisa diferente. Quem se apercebeu disso foi o André que ia na frente.— Viste que brilhou ali qualquer coisa? – perguntou.— Não me digas que era a cobra? – respondeu um pouco assustada a Carolina.Não! Ali em cima, nas pedras. Estás a ver que uma tem mais brilho que as outras? – dizia o André, enquanto apontava a sua lanterna na direcção donde lhe parecera ver o brilho.Foram-se aproximando até chegarem mesmo em frente à tal pedra. Viraram-se para a parede do túnel e abriram os olhos de espanto. Não a tinham visto antes pois estava acima da altura das suas cabeças, ficaria talvez no ângulo do olhar de um adulto não muito alto.A pedra, completamente lisa e mais branca que as demais, tinha gravado o desenho de um leão.— Vais ver que estes tipos eram do Sporting. – disse o André, achando muita semelhança entre este leão e o símbolo daquele clube.— Pois, parece mesmo. – confirmou a Carolina – Se calhar eram!Mal imaginavam ambos, que foi precisamente o leão da Pedra de Armas dos Castelo Branco que dera origem ao símbolo do Sporting Clube de Portugal.

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Repararam então que esta pedra estava ligeiramente mais saída que as outras, seria coisa para investigarem com mais tempo… Por alguma razão ali teria sido posta.— André! Carolina! – ouviram chamar – O que estão aí a fazer? – eram as outras que estavam já impacientes de esperar por eles.Fizeram então a curva e viram a luz que os esperava.— Que estavam vocês a fazer, que vimos a luz parada tanto tempo ali na curva? – perguntou a Cláudia.Contaram-lhes então da pedra que tinham visto e da forma estranha como esta destoava no conjunto das pedras que faziam a parede do túnel.Já era bastante tarde e resolveram voltar rapidamente para ver se conseguiam mais fio para juntar ao que tinham. A Cláudia resolvera ir pedir o fio ao avô Agostinho, pois este não faria muitas perguntas e se fosse pedir ao pai poderia levantar algumas suspeitas.Quando saíram para a luz do sol já passava das seis horas. Debaixo da terra o tempo voava mais rápido que os flamingos do Tejo na sua migração. Não se podiam demorar nada pois poderiam ter de responder a muitas perguntas incómodas.No caminho para Santa Iria, passaram pela casa dos gémeos, só para dizer que não podiam lanchar com eles e seguiram para o estaleiro do avô Agostinho no Alto da Cruzinha. Mal chegaram ao estaleiro, o Tofy lançou-se nos braços da Carlota que se ajoelhara para lhe fazer festas. Depois da cara lambida, a Carlota fugia e o Tofy levantava as patas da frente tentando empoleirar-se nela para lhe dar mais umas lambidelas e ganhar mais umas festas. O Tofy sempre foi assim meio tonto e brincalhão. Foi a madrinha Mena que o trouxe do Algarve ainda cachorro e embora agora já fosse velhote, continuava sem melhoras nenhumas…Tal como previsto, a Cláudia conseguiu um pau com um fio forte, parecia de sapateiro, enrolado em zig-zag e que, pelo volume, parecia ser bastante comprido.

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Combinaram informar os outros e ver quando poderiam voltar.Nessa noite, houve grande corrupio no Messenger, contando a aventura do dia aos que não foram e combinando os preparativos para a próxima expedição. Só dali a dois dias é que conseguiam estar todos, pelo que resolveram esperar uns pelos outros e ir nesse dia.

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O Cavaleiro da Cruz

Em 1597, chegou a Veneza um português que se auto-intitulava como “O Cavaleiro da Cruz”. Este Cavaleiro, segundo dizia, teria combatido contra os infiéis no oriente da Europa e na Ásia. Os poucos portugueses residentes em Veneza quiseram encontrar-se com ele. Na sequência dessas visitas e das conversas que foram tendo, o Cavaleiro da Cruz acabaria por confessar ser D. Sebastião. Contou-lhes que, embora ferido, tinha conseguido escapar da batalha de Alcácer Quibir acompanhado de alguns nobres que nunca o abandonaram. Pediram pernoita em Arzila e, pela manhã bem cedo, embarcaram num navio rumo ao Algarve. Aí não quis dar-se a conhecer, pois era-lhe mais amarga a afronta da derrota que a perda do trono, tendo assim resolvido ir correr mundo com os seus companheiros e combater os infiéis onde isso fosse possível.Das batalhas que travara, ficaram-lhe as cicatrizes de alguns ferimentos. Depois de lutar em muitas guerras, resolveu recolher-se em penitência junto de um velho ermitão que conhecera e com quem criara uma profunda amizade. Quando contou a este santo homem quem era, foi aconselhado por ele a voltar ao seu país, para assumir a responsabilidade de conduzir

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os destinos da nação e reclamar o que seria seu por direito.Resolveu assim ir a Roma para expor a sua situação ao Papa e pedir a sua intervenção para que o reino lhe fosse entregue. No caminho havia sido assaltado e despojado dos bens que trazia consigo, vendo-se assim impedido de seguir viagem e tendo então ficado em Veneza.Mercê de algum corrupio em torno do Cavaleiro da Cruz, a sua estadia em Veneza fez-se notada e começou a ganhar algum vulto, ao ponto de o embaixador de Espanha exigir ao Doge de Veneza (Chefe dos Venezianos) a prisão do Cavaleiro da Cruz, por este ser apenas mais um impostor que queria usurpar a coroa de Portugal. Perante muita insistência e influência do embaixador espanhol, o Cavaleiro da Cruz acabou por ir parar aos calabouços de Veneza.

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Entraram no túnel com uma ansiedade imensa. A última incursão não tinha tido resultados satisfatórios e tinha deixado algumas perguntas sem resposta. Faltava saber de onde vinha o barulho que parecia ser de água a correr e também o que fazia aquela “Sportinguista” (como ficou apelidada a pedra com o desenho do leão) naquele sítio. Estas eram as dúvidas mais fortes, para além de não saberem o que ainda haveria por descobrir e se faltava muito também para encontrarem o tesouro.A falta da Nina era sentida por todos. Os que não tinham vindo na última vez, ainda guardavam o episódio da cobra bem vivo na memória e sem a Nina para os avisar dos perigos não se sentiam muito à vontade.Voltaram a percorrer os túneis até que o primeiro rolo de fio terminou. A Cláudia tirou de uma bolsa que trazia à cintura o rolo de fio que trouxera do avô. Como o fio de pesca estava atado ao próprio rolo onde vinha enrolado, resolveram passar o novo fio no buraco do meio do rolo e atá-lo dessa forma; assim não precisavam de cortar ou desatar o fio para depois atar um ao outro.Como sempre, na frente iam o André e a Cláudia a desenrolar o fio

Por trás da parede

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e no final a Carolina a fechar o cortejo, sempre de giz em riste para fazer as indispensáveis marcações.O barulho da água aumentava de volume à medida que se iam embrenhando mais no ventre da terra. Podiam agora ouvi-lo e garantir que se tratava do barulho de água a correr.Não tardou muito para que o mistério ficasse desvendado. O túnel abria agora como que numa minúscula praça redonda e, no seu lado esquerdo, mesmo encostado ao sítio de onde vinham, uma cabeça de leão esculpida em pedra, babava-se abundantemente deixando cair água fresca e cristalina numa pia redonda que parecia ser o seu comedouro. O barulho que ouviam, era afinal de uma fonte subterrânea. Fartaram-se de rir. Beberam a água fresca da fonte como se tivessem atravessado o deserto. Inevitavelmente, mandaram umas chapadas de água uns aos outros por pura diversão.Acalmados os ânimos apontaram as lanternas para a frente. Esta praça tinha três acessos, sendo um aquele donde vinham.Sentaram-se no chão para descansar um pouco e para decidir por onde iriam.A Rita sugeriu que se dividissem em dois grupos. Iria um grupo por cada caminho.— Só temos um fio. – disse a Maria.— Pois é. – concordou a Morgana.— Isso é verdade. –disse o André – Mas a ideia não era má.Foi então que o Afonso, calado até aí, sugeriu o seguinte:— O problema que nós temos é de segurança; ou seja, não nos podemos perder. Eu tenho uma sugestão, dividimo-nos em dois grupos e entra um em cada túnel. Os que não levam o fio, só andam enquanto for só um túnel, e se chegarem a um sítio onde acabe, voltam para trás, se chegarem a outros túneis, não entram em nenhum e voltam aqui para avisar os outros.— Mas assim podem voltar logo e ficam aqui à seca. – disse a Cláudia.— Podem é apanhar o fio, ir atrás dele até encontrar os outros.

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– sugeriu a Mariana.— Eu sou um fantasma! – disse a Carlota – Com a lanterna abaixo do queixo e virada para a cara donde sobressaiam os dentes num sorriso manhoso.Só aquela cabecinha permitia estes pensamentos capazes de fazer sorrir toda a gente.— Acendemos um archote e deixamo-lo aqui. Será como um farol. – disse a Carolina.— Podemos é marcar uma hora para voltar aqui. Daqui a meia hora por exemplo. Andamos um quarto de hora para cada lado. – sugeriu a Morgana.A Rita disse então que o fundamental era que, os que fossem sem o fio, não quebrassem a regra estabelecida por todos. Ver apenas onde ia dar o túnel e não derivar para outros caminhos. Isso era inalterável.Na realidade, todos concordavam que esta era uma boa forma de progredir, pois já se começavam a levantar algumas suspeitas nos pais com tanta ida ao Castelo. Assim podiam rentabilizar melhor o tempo e cobrir o dobro do terreno de pesquisa.A Cláudia, o Afonso, a Carlota, a Maria e a Carolina seguiam com o fio. O André, a Rita, a Morgana e a Mariana iriam pelo outro túnel. Combinaram estar de volta dentro de uma hora à “Fonte dos Lagartos” (baptizada assim, numa alusão Benfiquista ao leão da mesma).Dividiram as ferramentas, provisões e materiais e, deixaram um archote crepitante a dar um brilho entre o vermelho e o amarelo à água que cantava ao cair na pia de meia circunferência e por onde esta desaparecia tão veloz como chegava.Os túneis começavam já a parecer-lhes familiares. Pouco incomodavam as teias de aranha tecidas pelo desenrolar dos séculos, se é que eram assim tão velhas; pelo menos pareciam-no.O André caminhava com passo firme, seguido pelas raparigas. A Rita caminhava ao seu lado perscrutando o escuro. A Morgana seguia no meio e cansada de apontar a lanterna para as costas dos

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outros, apontava-a para o tecto, fazendo com que a dispersão da luz formasse uma espécie de chapéu por cima deles. A Mariana ficara encarregue de levar o giz para fazer alguma marcação que se revelasse necessária, tomando assim o último lugar na fileira. Andaram uns dez minutos e chegaram a uma sala como aquela que tinham encontrado da primeira vez, embora esta fosse bem mais pequena. No meio da sala estava uma mesa um pouco tosca e já carcomida pelo tempo, assim como os bancos que a ladeavam. Parecia ser de carvalho e, apenas a grossura desmesurada das suas pernas e tábuas do tampo lhe teriam permitido durar tanto tempo. Numa das paredes pendia aquilo que parecia ser o resto de um escudo em ferro, mas eram apenas suposições pois a ferrugem era tanta que em alguns sítios apenas restavam buracos resultantes da corrosão do metal.Procuraram em vão encontrar alguma passagem ou algum indício que pudesse levar a uma, mas não conseguiram encontrar nada.A Mariana bem que pulou e se pendurou nos dois suportes de archotes que havia nas paredes laterais, mas desta vez sem surpresas. Aparentemente aquele túnel acabava ali.Decidiram voltar para trás e ir ao encontro dos outros. Se fossem rápidos podiam apanhá-los antes de regressarem à hora combinada e assim ganhar algum tempo para investigar o que houvesse.Caminharam com passo ligeiro, o André e a Rita quase lado a lado, a Morgana fazendo o chapéu de luz e a Mariana no fim. Demoraram muito pouco a voltar à Fonte dos Lagartos.O fio lá estava, esticado e tenso, indicando o outro túnel e o caminho tomado pelo resto do grupo. Meteram a mão esquerda no fio e segurando a lanterna com a outra mão começaram uma caminhada firme seguindo o caminho que aquele indicava.— Vamos dar uns esticões no fio. – sugeriu o André – Assim sabem que nós estamos a ir e esperam por nós.— Ó André, mas tem de ser com cuidado, senão partimos o fio e eles

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podem ficar perdidos. – disse a Rita.Deram então pequenos esticões no fio, mas este pouco ou nada cedia, mantendo-se bastante tenso.— Se calhar já estão muito longe e não sentem o fio a esticar – alvitrou a Mariana.— Não! – afirmou a Morgana – O fio devia esticar; independentemente da distância, o fio devia esticar.Andaram um bom bocado e viram que havia mais um túnel para a esquerda, mas o fio continuava em frente. Se os seus cálculos não estivessem errados, estavam a andar mais ou menos na direcção do castelo. Um pouco mais à frente avistaram luz, mas não era das lanternas. Era uma luz ténue e trémula que parecia ondular nas paredes e que por não se ver a origem, puderam perceber que era a luz que escapando de uma sala preenchia a entrada do túnel.Quando chegaram à sala, um espaço mais ou menos quadrado com uns cinco metros de lado, depararam com duas grossas velas acesas sobre aquilo que poderia ser um altar em pedra. Por trás do mesmo, estava encastrada nas pedras a cruz de Cristo, que parecia ser feita de mármore ou de alguma outra pedra mais dura e branca que as da parede.Dos outros nem sombras! Em silêncio seguiram o fio até que o viram desaparecer entre as juntas das pedras na parede.

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A prisão do Cavaleiro da Cruz que dizia ser o Rei de Portugal percorreu caminho e chegou ao conhecimento de Frei Estevão de Sampaio, um padre dominicano residente em Roma que decide ir a Veneza para saber se o Cavaleiro da Cruz era ou não D. Sebastião. Corria o ano de 1599 e Frei Estevão tentava por todos os meios chegar à fala com o Cavaleiro da Cruz, mas este era mantido incomunicável. Não havia forma de falar com ele, mesmo usando de influências e tentando subornos. A “mão espanhola”, ainda que invisível, pesava inexoravelmente sobre este prisioneiro.Não conseguindo obter resultados práticos da sua ida a Veneza, resolveu vir a Portugal para obter os sinais físicos de identificação de D. Sebastião. O notário Tomé da Cruz deu-lhe a certidão pretendida, onde eram descritos os sinais de nascença de D. Sebastião. Na posse da certidão, Frei Estevão voltou a rumar em direcção a Veneza com o intuito de verificar a veracidade da identidade do Cavaleiro da Cruz.Chegado a Veneza, foi-lhe novamente recusado visitar o Cavaleiro da Cruz, mercê dos impedimentos conseguidos pelo embaixador de Espanha junto do Doge de Veneza.O embaixador espanhol mantinha-se atento e activo para impedir

Frei Estevão e a libertação do Rei

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qualquer tentativa de contacto com o prisioneiro português. Vários impostores apareceram em Portugal, mas nunca em caso algum, houve tanto empenho em controlar e acompanhar tudo o que se passava. Filipe I de Portugal não iria permitir que uma das mais antigas ambições de Espanha e, um reino tão facilmente conquistado agora, fossem deitados a perder. Seriam tomadas todas as providências necessárias para que tal nunca viesse a acontecer.Frei Estêvão, implora a ajuda da Igreja, intercede junto de Cortes estrangeiras, volta a Roma para buscar apoios que intercedessem por ele na pretensão de visitar o Cavaleiro da Cruz. Talvez a sua persistência tenha dado frutos, pois regressado a Veneza consegue, por especial favor do Doge, visitar em segredo o prisioneiro.Após esta visita, Frei Estêvão de Sampaio escreve ao esmoler-mor de Henrique IV de França, padre José Teixeira:“O rei de Portugal está detido, como prisioneiro nesta cidade, há vinte e dois meses, por um julgamento secreto de Deus, que permitiu que tenha chegado aqui pobre, por ter sido roubado, mas esperando encontrar auxílio nesta república. O embaixador de Castela perseguiu-o vivamente persuadindo a Senhoria de que é um ladrão calabrês, o que ele prometia provar e imediatamente procedeu contra ele, conforme as informações do embaixador. Tem-no sepultado na prisão, sem o deixar ver nem o querer soltar, nem fazer algum acto de justiça… Juro-lhe, pela Paixão de Jesus Cristo, que ele é tão verdadeiramente o rei D. Sebastião como eu sou o Frei Estevão. Se isto não é assim, eu seja condenado não somente por mentiroso, mas por renegado, blasfemador e herético. Fiz grandes diligências em Portugal por este motivo. Fui lá e regressei. Soube secretamente que dos dezasseis sinais que tinha no seu corpo desde a infância, de que trouxe certificado autêntico de Portugal, ele os tem todos, sem falhar algum e sem contar as cicatrizes das feridas da batalha. ”O Prisioneiro de Veneza, como ficaria conhecido, foi sujeito a 27 minuciosos interrogatórios e diversas tentativas de julgamento.

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Tendo-se o senado da Republica de Veneza convencido que de facto, o Cavaleiro da Cruz, é o pouco afortunado Rei de Portugal, resolve libertá-lo em 15 de Dezembro de 1600, na condição de que partisse de imediato da cidade e, deixasse o Estado de Veneza em 3 dias.

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A armadilha

Agora percebiam porque o fio não cedia. Se estivesse a ser desenrolado pela mão da Cláudia, apesar da distância, teriam conseguido puxar um pouco do fio e esta saberia que eles aí vinham. O fio estava entalado entre duas pedras que se ajustavam uma à outra de forma quase perfeita.O facto de o fio entrar pela parede dentro só podia significar uma coisa, ali tinha de existir uma passagem secreta. Chegaram-se mais à parede na tentativa de ouvir alguma coisa mas nada, apenas silêncio.— Cláudia! – gritou a Morgana, pregando um susto aos outros que não estavam à espera que gritasse.Do outro lado, ouviram uma voz abafada dizendo:— Estamos aqui. Esta parede é falsa e roda sobre ela própria, aí onde está o fio. – parecia ser a Cláudia quem falava. – Estamos aqui presas, já tentamos tudo e não conseguimos abrir a porta.— Mas que foi que aconteceu, como é que entraram? – perguntou o André.— A passagem estava aberta, - disse a voz do outro lado – um bocado da parede estava atravessada com a restante deixando uma

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passagem de cada lado. Nós entramos para ver o que havia aqui e acho que foi quando pisamos uma pedra grande com um leão aqui no chão, que a parede se fechou.— Encontraram aí alguma coisa interessante? - perguntou a Rita.— Não! - voltou a dizer a voz – Há aqui umas quantas talhas e potes de barro mas não têm nada dentro. A Carlota já tombou uma e partiu-a. Vejam se há aí alguma coisa para abrir a porta que queremos sair daqui.Olharam todos à volta, percorreram atentamente as paredes sem encontrar nada que pudesse indiciar servir para abrir a porta.— Já sei! – disse a Rita – Eles tinham ali potes com alimentos, água azeite e assim; devia de ser uma espécie de quarto seguro, para onde fugiriam em último caso, se os túneis fossem descobertos pelos inimigos. Por isso estava aberto. Só deve trancar e destrancar por dentro.Voltaram a aproximar-se da parede e chamaram:— Cláudia! Carolina!— Que é? – ouviram responder do outro lado.— Olha! Vocês dizem que pisaram uma pedra grande no chão e a porta fechou, não foi? – inquiria o André – Experimentem a pisar a mesma pedra só de um lado e vão pisando em vários sítios.— E achas que estávamos à tua espera para fazer isso? – resmungaram do lado de lá – Já experimentamos de tudo e nada funciona…— Então tem de ser outra coisa. – disse a Mariana – Elas que procurem nas paredes.— Procurem nas paredes alguma coisa estranha. – Gritou a Morgana.Está bem… - responderam.Ouvia-se algum barulho e apercebia-se o movimento no outro lado da parede, parecia que arrastavam alguma coisa.— André? – parecia ser a Carolina – A única coisa estranha que há aqui é uma “Sportinguista”, mas esta pedra é diferente da outra, é

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redonda, também está um bocado saída e tem um furo por baixo. Já arrastamos um pote para virar ao contrário e servir de banco para subirmos e vermos melhor. Esperem aí!Este “esperem aí!” fez com que o grupo que estava do lado de fora se entreolhasse e sorrisse. Onde poderiam ir eles, com os amigos presos dentro dos túneis do Castelo.Esperaram um pouco e voltaram a ouvir a Carolina.— Já experimentamos a empurrar a pedra para dentro, puxar ou rodar mas não dá.Ouvia-se um zum zum do outro lado, estavam a falar uns com os outros mas não se conseguia perceber nada.— Elas subiram ao pote. - devia ser a Maria quem falava – O Afonso lembrou-se de enfiarmos o bico da picadeira no buraco para fazer força a rodar. A pedra é redonda, deve ser para andar à volta.A Cláudia e a Carolina juntas eram um braço cheio de força. Subiram ao pote e meteram a picadeira no buraco. Fizeram primeiro força para a esquerda, depois para a direita e “voilà”, a pedra começou a rodar.O André estava sentado no chão e encostado à parede. O seu corpo sentiu a vibração daquele “clic”.— Abriu! – gritou ele – Empurrem a parede!Pôs-se de pé num salto e começou a empurrar a parede. Desse lado não cedia, mudou-se então mais para a direita. A Morgana jogava também mãos à obra ao seu lado. Um pouco mais de força e sentiram a parede mexer. Assim que se movimentou já não parou mais e rodou sobre si própria até se ouvir um novo “clic”, a porta estava novamente “armada” para proteger os seus mentores.A alegria estampada no rosto dos “prisioneiros” era mais que evidente. Todos sentiam alívio por terem saído da enrascada por eles mesmos, sem terem de recorrer a adultos. A única que parecia menos contente era a Carlota, talvez com algum receio que alguém lhe ralhasse ou fosse fazer queixa por ter partido uma grande talha de barro. Entraram

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todos na sala com cuidado para não pisarem a laje de pedra com o leão gravado que fechava a passagem. Queriam ver em detalhe a “Sportinguista”. Era redonda, ligeiramente saída da parede, talvez uns dez centímetros e tinha um furo redondo por baixo. Talvez em tempos ali houvesse algum pau enfiado para se rodar o mecanismo de abertura.O André já tinha imaginado que a outra “Sportinguista” deveria ter alguma função especial, agora tinha a confirmação. As pedras marcadas com o leão eram especiais e talvez alguma delas revelasse algum mistério escondido.Já era tarde. Tinham perdido imenso tempo com esta parede armadilhada e tinham de voltar sem demora.— Temos de ir embora. – disse o André – Cláudia, começa a enrolar o fio.Formaram uma fila e começaram a fazer o caminho inverso. Quando chegaram ao túnel que entroncava naquele o André perguntou à Cláudia: — Vocês foram ver onde ia dar este túnel?— Não. – respondeu ela – seguimos sempre em frente.Seria mais um caminho a explorar.Quando chegaram à Fonte dos Lagartos, fizeram uma paragem para descansar um pouco e beber um pouco de água fresca. Era muito boa aquela água, fresca e leve.Retomaram o caminho com o à vontade de uma toupeira, de quem já está acostumado a viver debaixo do chão.Seguiam em fila indiana, atrás uns dos outros. Invariavelmente a Morgana fazia um chapéu de luz apontado a lanterna para o tecto. A Carlota cantarolava uma canção dos desenhos animados, movendo a lanterna em todas as direcções como era seu costume.Iam andando e já combinando como seria a próxima incursão. Aparentemente, apenas faltava explorar aquele túnel a meio do caminho da capela e da sala de segurança. Quando viraram para o

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último túnel, já a caminho da saída, a lanterna da Morgana arrancou um reflexo que despertou a atenção da Cláudia.— Olha André! Brilhou ali uma coisa. – disse ela.Pararam todos. As lanternas apontavam agora na direcção da parede. Já ali tinham passado tantas vezes e nunca tinham visto aquela “Sportinguista”.

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Condenados

O cavaleiro da Cruz deixa assim Veneza. Disfarçado passou para Itália, mas volta a ser preso em Florença e Nápoles mercê da perseguição movida por Espanha. Em Nápoles, o Cavaleiro da Cruz é julgado e condenado às galés. A sentença é cumprida de imediato, partindo o condenado a bordo de uma galera com destino a Puerto de Santa Maria em Espanha, no início de 1603.Frei Estêvão de Sampaio, que não desistira do seu Rei, é detido em Sevilha em Fevereiro de 1603 e encarcerado na prisão de San Lúcar de Barrameda. Em 21 Setembro é julgado, condenado à forca e depois esquartejado e os pedaços enterrados separados. Grande seria a sua ofensa perante o Rei de Espanha.Pouco tempo depois de Frei Estêvão dar entrada na prisão, é aqui encerrado também o Cavaleiro da Cruz, este foi visitado pelos Duques de Medina Sidónia, que ficam, impressionados com o facto de o prisioneiro relatar tão fielmente conversas tidas por D. Sebastião com estes, quando estiveram em Lisboa como diplomatas. O Cavaleiro da Cruz, identificou uma espada e um anel que lhes tinha oferecido, e tal como ele disse, mandaram desencastrar a pedra do anel e por baixo da mesma estava gravado o nome de D. Sebastião. O Duque

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mandou trazer várias espadas e o Cavaleiro da Cruz disse que não era nenhuma daquelas. Trouxeram mais um conjunto de espadas e de imediato identificou a espada oferecida por D. Sebastião ao Duque.Ficou tão convencido o Duque, que na hora da morte terá dito a seu filho:“Declaro que este homem é o verdadeiro D. Sebastião, Rei de Portugal.”Apesar de tantas evidências, o juiz Negrón não encontra no prisioneiro as semelhanças que lhe haviam apontado anteriormente, o mesmo acontecendo com o Dr. Mandojana que observa o prisioneiro antes da execução a 23 de Setembro de 1603. Antes de ser executada a pena, o prisioneiro confessaria ser calabrês e chamar-se Marco Túlio Catizone.O padre José Teixeira, amigo de Frei Estêvão, e D. João de Castro afirmam que este Marco Túlio não é o Cavaleiro da Cruz, a pessoa que haviam reconhecido como D. Sebastião.

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Grande susto

Esta era uma pedra como a primeira que tinham visto. Mais branca e lisa que as demais e com o leão gravado. Tal como as outras também, estava ligeiramente saída da parede.Os mais altos aproximaram-se mais para tentar ver se tinha algum buraco ou alguma coisa que indiciasse como se activava. Olharam de ambos os lados e por baixo. Nada de buraco. Apenas havia do lado esquerdo uma espécie de triângulo escavado, ficando o bico para o lado de fora.Debateram o assunto e chegaram à conclusão que esta pedra não rodaria como a outra. Foram aventadas várias hipóteses, mas a mais consistente era que a pedra tinha de sair para a frente.Experimentaram empurrá-la para dentro mas ela não se moveu. Parecia firme no seu lugar. Bem, se não ia para dentro, talvez viesse para fora.— Vamos experimentar a puxá-la para fora e ver se abre alguma passagem? – perguntou o André.Todos concordaram. Seria ali que estava o tesouro? Sem experimentar é que nunca iam saber…Mandaram passar tudo para a frente. Junto à pedra ficariam os mais

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fortes e mais altos. O André tirou a picadeira da mochila, apoiou o bico no rasgo do triângulo da pedra e fez força. Nada! — Ajudem-me aqui! – disse.A Cláudia e a Carolina esticaram os braços, pegaram no cabo da picadeira e em conjunto fizeram força. Sentiram a pedra ceder. Primeiro apenas um milímetro e depois um pouco mais.Fizeram um pouco mais de força e ela cedeu completamente e caiu. Tiveram de dar um salto para o lado para não serem apanhados pela queda.Quando a “Sportinguista” caiu, começou a soltar-se um rugido das paredes, como se o leão tivesse caído ferido de morte. As pedras moviam-se lentamente rangendo umas nas outras.Em vez de se abrir uma passagem, começaram a cair em catadupa as pedras que compunham o túnel.— Fujam! Fujam depressa! – gritaram – Está tudo a cair. Arrancaram todos a correr. A Maria deu a mão à Carlota e correu o mais que conseguia a caminho da saída que já não estava muito longe.Soltavam gritos aflitos e corriam o mais que podiam. Os primeiros a sair para a moita de carrasqueiros ajudavam os outros a sair. Ouviam o barulho abafado das pedras a cair. A Cláudia e o André, antes de sair ainda olharam para trás e viram o túnel todo tapado de terra e pedras que continuavam a cair na direcção deles.— Afastem-se! – gritaram assim que saíram – está a vir para cá.O barulho foi-se aproximando até que caíram as últimas pedras da entrada.O túnel estava completamente fechado.Depois deste susto, sentaram-se no chão a descansar, ainda perplexos com o que tinha acontecido.— O que foi que aconteceu? – perguntou a Mariana.— Eu acho que aquela pedra servia para provocar o desmoronamento do túnel e impedir que fossem seguidos até cá fora se viessem a

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fugir. – disse o Afonso — Só pode ser isso. Era uma segurança, como aquela sala na capela. – confirmou a Mariana.— Que fazemos agora? – perguntou a Maria.— Por ora nada. – disse o André – Algures aqui para o lado, a mais ou menos uns setenta metros existe outra entrada. É fácil! Só temos de a encontrar.— Quando começarem as aulas vamos ter mais tempo de vir à procura do outro túnel – disse a Cláudia.De facto, já faltavam poucos dias para começarem as aulas e nessa altura teriam tempo para procurar com calma a outra entrada. Tinham alguns “furos” nos horários e manhãs ou tardes livres consoante a turma.Ficaram sentados durante um bom tempo, conversando animadamente sobre aquilo que fariam quando conseguissem encontrar a outra entrada e o que iriam fazer com as pedras preciosas, cordões e moedas de ouro do tesouro de D. Sebastião.Prometeram que continuariam a manter tudo em grande segredo.Havia túneis por explorar mas uma boa parte já estava descoberta. Conheciam agora algumas das artimanhas que protegiam os senhores do castelo e o tesouro. Não se voltariam a deixar surpreender.Brevemente o tesouro seria deles! Por agora, iam gozar o resto das férias e investigar mais profundamente a história do Castelo de Pirescoxe para ver se havia algum indício do local onde pudesse estar o tesouro.Alheia a tudo, a Carlota tirou um pacote de tostas da mochila, abriu um pacote de paté e com o dedo barrou-o numa tosta.Tesouro?Qual tesouro?Bom mesmo, era saborear uma tosta com paté de sardinha, ver o sol reflectir na água do Tejo e sentir a brisa do fim de tarde a levar-lhe os caracóis.Pena a Nina não estar ali para comer uma tosta com ela…

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Não se sabe realmente o que aconteceu. Teria havido uma troca de prisioneiros? D. Sebastião teria escapado de alguma forma, e Espanha vira-se forçada a encenar a condenação e morte do Cavaleiro da Cruz? Ninguém sabe ao certo!No entanto…Por três vezes, três Papas sentenciaram em Breves a entrega do reino e da Coroa a D. Sebastião pelos Filipes de Espanha.Clemente VIII em 1598 sentenciava:“Clemente VIII, por divina providência servo dos servos de Deus: Saúde e paz em Jesus Christo Nosso Senhor, que de todos é verdadeiro remédio e salvação. Fazemos saber a todos os nossos filhos caríssimos, que debaixo da protecção do Senhor vivem com fervosa fé, em especial aos do reino de Portugal, que o nosso mui amado filho D. Sebastião Rey de Portugal se apresentou pessoalmente n`esta Cúria Romana no Sacro palácio, fazendo-nos com muita instância e supplica o mandassemos meter na posse do seu reino de Portugal pois era o verdadeiro e legítimo Rey d`elle; que por peccados seus e juiso divino se perdera em África indo peleijar

Epílogo

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com El Rey Maluco na campo de Alcácere Quibir, e até agora estivera oculto e não quizera dar conta de si por meter tempo em meio dos males que succederam por seu conselho, e que para justificar ser o próprio estava prestes para dar toda a satisfação que lhe fosse pedida: E considerando nós o cazo, como somos juiz universal entre os príncipes cathólicos, mandamos por conselho dos cardeaes em conclave que apparecesse; e, feito, se fez examinar com muita miudeza como convinha a tal cazo de que se fizeram processos em várias naçons e no dito Reyno de Portugal por pessoas qualificadas, assim dos signaes do seu corpo, como de outros mais miudos do seu reino, ajunctando as partes por onde andou, e de sua vida e costumes, como outras particularidades importantes para a verdade ser mui claramente sabida, não nos fiando por uma só vez, mas por muitas, e por pessoas constituidas em dignidade sacerdotal, e por seculares titulares, do que se fizeram os processos que no Archivo desta curia se pozeram, e que uns e outros se conferiram a 23 de Dezembro de 1598.”O segundo Breve é de Paulo V, sentenciado 19 anos depois e diz o seguinte:“Paulo V, Bispo de Roma, servo dos servos de Deus: Ao nosso mui amado filho Phelipe III. Rei de Hespanha, Saúde em Jesus Christo Nosso Senhor, que de todos é verdadeiro remédio e salvação: fazemos saber que por parte de El Rey D. Sebastião, que se dizia ser de Portugal, nos foi apresentada uma sentença Appostólica de nosso antecessor Clemente outavo, de que constou estar julgado pelo verdadeiro Rey e legítimo de Portugal, nos pedia humildemente mandássemos por nosso Núncio assim o declarasse para effeito de se lhe dar a posse pacifica; mandamos a vós Philipe III, Rey de Hespanha, em virtude da sancta obediência que dentro de nove mezes, depois da notificacão d’esta, largueis o dito Reyno de Portugal a seu legítimo successor D. Sebastião mui pacificamente sem efusão de sangue e sob pena de excommunhão maior lata sentêntia da

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maneira que está julgada: Dada em esta Cúria Romana sob o signal do Pescador a 17 de Março de 1617.O último Breve é do Papa Urbano VIII, 32 anos depois do primeiro.D. Sebastião teria então 76 anos de idade e, pela última vez, reclamou os seus direitos em Roma.“Urbano VIII por Divina Providência Bispo de Roma, Servo dos Servos de Deus. A todos os arcebispos e Bispos e pessoas constituidas com dignidade que vivem debaixo do amparo da Igreja Cathólica, em especial aos do Reyno de Portugal e suas conquistas, saúde e paz em Jesus Christo nosso Salvador que de todos é verdadeiro remédio e salvação: Fazemos saber que por parte do nosso filho D. Sebastião Rey de Portugal nos foi aprezentado pessoalmente no Castello de Sancto Angelo duas sentenças de Clemente Outavo e Paulo Quinto nossos antecessores, ambas encorporadas, em que constava estar justificado largamente ser o próprio Rey e nesta conformidade estava sentenciado para lho largar Felipe III Rey de Hespanha, ao que não quiz nunca satisfazer; pedindo-nos agora tornassemos de novo a examinar os processos, e constando ser o próprio o mandassemos com effeito investir da posse do Reyno. Dada em esta Cúria Romana sob o signal do Pescador aos 20 de Outubro de 1630.”Terá D. Sebastião morrido em Alcácer Quibir?Os frades da Ordem de Cristo em Tomar, afirmaram ser D. Sebastião o Peregrino de Tomar que teriam recebido no seu convento em 1632.Houve relatos de outros encontros ao longo dos tempos, em diversos locais de Portugal.Há quem diga também, que a troco do seu silêncio, D. Sebastião teria aceite passagem para França onde recolheria ao mosteiro dos Agostinhos em Limoges.Segundo a tradição local, na capela de S. Sebastião, que fazia parte da igreja do convento, estaria enterrado um rei do mesmo nome.Durante a Revolução Francesa, os arquivos da igreja de Limoges desapareceram.

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No decorrer de escavações arqueológicas, feitas na primeira metade do século XIX, na igreja do mosteiro dos Agostinhos de Limoges, num túmulo de granito encontrava-se um esqueleto muito bem conservado. Entre as ossadas foi encontrado um medalhão em ouro que tinha a seguinte inscrição:Sebastianns primus Portugaliae rex“Sebastião I, rei de Portugal”

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