Perofrmare Artesquema Daniela-labra Artigos Performancepresentefuturo1 Bia-medeiros

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    Foto

    MartaMencarini

    Corpos Informticos, Replexo [performer: Diego Azambuja], Performance em telepresena SESC-Pinheiros, SP, 2006

    PERFORMANCE PRESENTE FUTURO / Textos22

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    A performance arte tornada ao corporal efmera, realizada no vivo ou ao vivo, isto ,

    realizada com a presena de performers, artistas e interatores (espectadores convidados participao) ou realizada por meio de novas tecnologias de comunicao, como a inter-

    net. Aqui, no consideramos toda ao (to act) performance (to perform). O que denomi-

    namos performance arte, isto , voluntariamente ato que visa revelar o outro do mundo

    sensvel e, assim fazendo, criar fascas de sensvel inteligibilidade, entre seres humanos.

    Inteligibilidade sensvel entendida sempre como fasca: pedaos desgarrados de com-

    preenso redimensionvel. E o sensvel inteligente como aquilo que perdura. A sensao

    aquilo que dura (DELEUZE; GUATTARI, 1991). A percepo aquilo que nos deixa abertos

    ao mundo. A performance quer tocar a percepo e ser guardada como sensao acarici-

    ada por alguma busca de compreenso.

    A performance artnasceu como happening(evento); alguns a chamaram body-art, ou-

    tros, art corporel, todos reivindicando para si o lusco-fusco inicial de um novo movimen-

    to artstico. Allan Kaprow, em 1984, em Salzburg, confidenciou-nos que apenas Wolf

    Vostell e ele faziam happenings, segundo a sua concepo de happening, qual seja,

    ao artstica envolvendo a participao ativa do pblico. Como Kaprow, entendemos

    performance como ao aberta participao do pblico, que assim no mais se chama

    pblico, mas interator. Aberta participao do interator, toda performance teria

    um vis de improviso. Franois Pluchart (1983, p. 123) preferiu intitular seu livro Lart

    corporel(arte corporal) e assim se colocou: Se a expresso arte corporal tem o mri-

    to de manter a questo do corpo no interior do domnio da arte, a palavra performancegerou os piores mal-entendidos.1 Concordamos com Pluchart: o corpo o sujeito e o

    objeto da arte da performance.

    Arnaud Labelle-Rojoux (1988, p. 310), em Lacte pour lart, fala, sem discriminao, sobre a

    histria dos happenings, da art corporel, e termina afirmando: Qualquer forma que ela [a arte

    ao] tome , no entanto, o fundo que impossvel negar: ela esteve l. Melhor: ela est l.

    Ela se chama performance, diferente, ela ter amanh outro nome. Assim, entende-se per-

    Maria Beatriz de Medeiros ps-doutora

    em Filosofia, doutora em Artes e Cincias daArte (Universit Paris I-Sorbonne), coorde-

    nadora do Grupo de Pesquisa Corpos

    Informticos (www.corpos.org), artista visual

    (exposies em todo o Brasil e no exterior) e

    professora do Departamento de Artes Visuais

    da Universidade de Braslia (UnB). Possui

    diversos livros e textos publicados.

    PERFORMANCE ARTSTICA NO VIVO E AO VIVO

    MARIA BEATRIZ DE MEDEIROS

    Certo, eu no o compreenderei jamais;eu no aprenderei nunca quem voc ;voc permanecer sempre fora de mim.

    Mas esses: no ser eu, no ser mim, nem meu,tornam a palavra possvel e necessria entre ns.

    Luce Irigaray

    1 Esta e as demais citaes escritas origi-

    nalmente em lngua estrangeira foram aqui

    livremente traduzidas por ns.

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    formance como arte-ao, o ato tornado arte, a arte tornada ao. Mas a compreendemos,

    sempre, como intersubjetividade. Assim, a performance em telepresena define-se por aes

    realizadas entre interatores, mediados por mquinas. Do nosso ponto de vista, o mover robs

    distncia no configura performance artstica, arte corporal ou happening, por no envolver

    gerao de intersubjetividade. No entanto, aes realizadas distncia, por um ser humano,

    por meio de mquinas, pode ser arte, mas no a denominamos performance.

    A performance pode se dar na rua, em espao in situou em telepresena. Na rua e em

    telepresena, ela tem maior possibilidade de atingir pessoas que no circulam no circuito

    das artes e assim ampliar seus espectros.

    A performance uma exterioridade diante do mercado de arte. Sendo obra de arte

    efmera, ela est muito longe de ser objeto de consumo. Sendo imaterial, ela se nega

    como bem de consumo. Sendo muitas vezes realizada em grupo, ela desfia o conceito de

    autoria. Aberta participao do interator, ela radicaliza seu carter gasoso.

    A performance carcia, logo metamorfose: indita, efmera, translingstica, grupal, inter-

    subjetividade. Ela se inventa a cada atuao, relacionando-se com o espao especfico

    onde se d. Improviso. Ela linguagem sem gramtica, sem lxico. No funda conceitos,

    testa, experimenta. Realiza-se e nada conclui. Deixa o interator abandonado sua per-

    cepo desestabilizada.

    CINCIA NMADE Deleuze e Guattari (1991) muito caminharam no pensar e muitos

    universos camuflados nos abriram. No entanto, percebe-se em seus escritos que os mes-

    mos se perderam em dualidades. Convenhamos, ao final de cada texto, eles sempre afir-

    mam que os dois extremos se confundem, se inter-relacionam, se interpenetram: esta-do/mquina de guerra; espao liso/espao estriado; ecmeno/planmeno; con-

    ceito/expresso etc. Porm, o conceito de rizoma nos levaria a uma compreenso mais

    dinmica do mundo: um lugar de trocas, seres vivos em transformao, algo que acontece

    no tempo: Um rizoma no comea nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre

    as coisas, inter-ser, intermezzo (DELEUZE; GUATTARI, 1991, p. 37).

    Deleuze e Guattari propem rizoma; ns propomos o conceito de Maria-sem-ver-

    gonha,2 que faz rizoma quando seus caules, pesados de flores, prostram-se sobre a terra,

    mas tambm produz cpsulas herbceas que explodem, espalhando sementes mnimas.

    Assim, a Maria-sem-vergonha rvore e rizoma simultaneamente. E por conter ia-sem-ver, ela privilegia todos os sentidos, retirando o valor da viso dado pela arte desde h

    muito. A performance envolve a totalidade dos sentidos: corpo, perfume, tato, toque, som,

    movimento, o outro etc.

    Com esse conceito, aproximamo-nos de nosso conceito de performance e sentimo-nos

    confortveis como mulheres que somos. Como mulheres, pois essas so os verdadeiros

    corpos sem rgos da civilizao ocidental.

    2 Maria-sem-vergonha um conceito de-

    senvolvido pelo Grupo de Pesquisa Corpos

    Informticos. Maria-sem-vergonha: erva

    suculenta, da famlia das balsaminceas(Impatiens sultani), originria de Zanzibar, e

    que cresce espontaneamente no Brasil,

    podendo ter flores rubras, violceas ou alvas.

    Quase uma praga, necessita de muita gua e

    sol. Na seca, quase desaparece; na poca de

    chuva, renasce com fora quase infantil.

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    Ainda, com Deleuze e Guattari (1991, v. 5), em Mil plats, podemos dizer que a arte sem-

    pre foi uma cincia nmade. A arte, mas como rasgo maior diramos que a linguagem arts-

    tica performance, , atualmente e desde seus primrdios, a cincia nmade por exceln-

    cia, pois ela vem revertendo o tranqilo mercado econmico onde a arte se instalou con-

    fortavelmente. Ela cincia nmade, ela se quer carcia (IRIGARAY, 1997) e carinho. Nela,

    subjetividades se do no respeito recproco.

    Tentemos um paralelo entre a linguagem artstica performance e o que Deleuze e Guattari

    (1991), partindo de Michel Serres, afirmam ser uma cincia menor ou cincia nmade.

    # (jogo-da-velha) 1. O fluxo a realidade mesma ou a consistncia (DELEUZE; GUAT-

    TARI, 1991, p. 25).

    A performance se d no tempo e se concretiza no efmero, sendo, ento, por exceln-

    cia, fluxo. Realizada em grupo e aberta participao do interator, ela permuta, seu

    espao gasoso. Ela heterognea: sendo troca viva, no se estabiliza; sendo efmera,desafia a morte. A performance artstica sempre mpar e inconstante, construindo-se

    como circunstncia.

    Pensemos tambm na idia de fluxo para pensar a performance. Sendo fluxo, fluido, mas

    sobretudo gasoso, o espao da cincia nmade deve ser necessariamente todo o espao:

    espao pblico, a rua, o espao institucionalizado, a praia, l onde voc caminha, l

    onde me sento para ler na rua, na rede mundial de computadores. Trata-se de compor:

    composio.3

    # (jogo-da-velha) 2. um modelo de devir e de heterogeneidade que se ope ao est-vel, ao eterno, ao idntico, ao constante (DELEUZE; GUATTARI, 1991, p. 25).

    A arte, a partir da linguagem artstica performance, abre-se para possibilidades de permu-

    tas inditas. Trata de levar uma proposio ao interator, levar certos instrumentos, reben-

    tos, alguns papis, ou apenas palavras, gestos, e com esses poucos ou muitos elementos

    tentar suscitar reao. o ser humano, todo e qualquer, a quem se d a palavra, o gesto,

    o chamado, a resposta.

    Marcel Duchamp, colocando um objeto no qualquer encontrado (ready-made) na

    galeria de arte, alegou: Isto arte porque eu sou um artista. Joseph Beuys afirmou:Todo homem um artista. Assim, se arte mesmo aquilo que toca os sentidos, como

    afirmei em Aisthesis(MEDEIROS, 2005), se o prprio da arte gerar afectose perceptos,

    como afirmam Deleuze e Guattari (1991), ento todos so suscetveis de encontrar e

    destacar em nosso mundo pleno de objetos aqueles perceptosque os afectam.

    A possibilidade de participao na criao e execuo de uma obra artstica alerta para

    essa necessidade de se sentir existindo.4

    3 Ver Medeiros e Martins (2007).

    4 Medeiros (2007).

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    # (jogo-da-velha) 3. O modelo turbilhonar, em um espao aberto onde as coisas-flux-

    os se distribuem (DELEUZE; GUATTARI, 1991, p. 25).

    Aqui Deleuze e Guattari se referem diferena entre o espao liso e o espao estriado.

    Esses conceitos utilizados so, de fato, emprestados a Pierre Boulez, que distingue esses

    dois espaos-tempos da msica: espao liso onde se ocupa o espao sem medi-lo; eespao estriado, onde se mede o espao a fim de ocup-lo. Notemos que so

    espaos-tempos. No espao estriado, a medida pode ser regular ou irregular; no entan-

    to, ela sempre determinvel. No espao liso, o corte, ou a separao, poder efetuar-

    se onde se quiser.

    Podemos comparar a performance msica de Boulez. Ambas ocorrem no espao-tempo

    liso, no qual o improviso abre a obra de arte para a ruptura, o sobressalto. Esses ocorrero

    em inesperados momentos.

    # (jogo-da-velha) 4. O modelo problemtico, e no mais teoremtico (DELEUZE;GUATTARI, 1991, p. 25).

    Aqui se caminha de um problema aos acidentes, aqui existem deformaes, transmu-

    taes, passagens ao limite, operaes em que cada figura designa um acontecimento

    muito mais que uma essncia. [...] O problema no um obstculo, a ultrapassagem

    do obstculo, uma pro-jeo, isto , uma mquina de guerra (DELEUZE; GUATTARI, 1991,

    p. 26, nfase no original).

    Na performance, existem acidentes, transmutaes, passagens ao limite, em que cada figu-

    ra designa um acontecimento e tambm uma essncia. No entanto, acreditamos que ointeressante em uma cincia nmade no seria ultrapassar um obstculo, nem uma pro-

    jeo, muito menos uma mquina de guerra. Esses pensamentos, a nosso ver, tm uma raiz

    masculina.

    A cincia nmade da performance se quer carcia, carinho, respeito intersubjetividade,

    descoberta de um mundo feminino. Aqui no h nem pro-jeto, nem mquina de guerra.

    Como Luce Irigaray (1997), acreditamos que o esquecido o ser dois ( tre deux), o entre

    dois no qual a cada um dado o direito de ser e de ser com. um pensar e fazer o mundo

    como algo que se d entre, entre pessoas, entre sensibilidades, entre seres humanos, entresubjetividades fluidas.5

    A carcia um ato intersubjetivo (IRIGARAY, 1997, p. 54).

    Quanto noo de acontecimento, citaremos Michel Foucault (2005, p. 87): O aconteci-

    mento a ferida, a vitria/derrota, a morte sempre efeito, perfeita e belamente pro-

    duzido por corpos que se entrechocam, se misturam ou se separam.

    5 Irigaray (1997), em tre deux, apresenta a

    base de uma relao com o outro que per-

    manece ignorada. Ela critica os monoplios

    patriarcais e tenta elaborar uma cultura com

    dois sujeitos respeitosos de suas diferenas

    buscando a coexistncia na diversidade.

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    O acontecimento se d na relao, relao de corpos plenos ou espectrais em suas subje-

    tividades abertas e respeitosas do outro. Isso, sem ferida, sem vitria/derrota que tanto

    apreciam guerreiros msculos. Da morte, estamos enojadas. Diramos: o acontecimento

    carinho, encontro/desencontro, partilha sempre feito, defeito, intrigantemente, produzi-

    do por corpos, reais e espectrais, que se acariciam, se misturam ou se separam.

    O significado de uma performance depende de um reconhecimento de si no outro. O toque

    tenta sentir o outro. A carcia permuta efetiva. Desejo de encontro. A performance arttraz

    para a arte elementos desse desejo de partilha. Aisthesis. Realizada no vivo ou ao vivo,

    ela permite interao de seres desejantes e isso o que consideramos caracterstica maior

    da performance.

    A performance se quer troca no espao gasoso do entre dois. No se trata de impor uma

    faceta de realidade nem uma possibilidade como verdade. Trata-se de compor em um

    entrelaar. O espao da performance pode ser o entre espao onde subjetividades se

    propem aojogo.

    Bibliografia

    DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Flix. Quest ce que la philosophie?Paris: Minuit, 1991.

    FOUCAULT, Michel. Um dilogo sobre os prazeres do sexo. Nietzsche, Freud, Marx. Theatrum Philosophicum. So

    Paulo: Landy, 2005.

    IRIGARAY, Luce. tre deux. Paris: Grasset, 1997.

    Labelle-Rojoux, Arnaud. Lacte pour lart. Paris: Les diteurs Evidant, 1988.

    MEDEIROS. Maria Beatriz de. Aisthesis. Esttica, educao e comunidades. Chapec: Argos, 2005.______ (org.). Bernard Stiegler. Reflexes (no) contemporneas. Chapec: Argos, 2007.

    ______; MARTINS, Fernando Aquino. Parafernlias: composio urbana e ueb arte iterativa. Polmica, n. 22,

    out./dez. 2007. Disponvel em: . Acesso

    em: 9 jul. 2008.

    MOLES, Abraham; ROHMER, Elizabeth. Psychologie de lespace. Bruxelas: Casterman, 1978.

    PLUCHART, Franois. Lart corporel. Paris: Images 2, 1983.

    STATES, Bert O. Performance as metaphor. Theatre Journal, Baltimore, p. 1-16, mar. 1996.

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