Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

download Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

of 362

Transcript of Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    1/361

    Werner Heisenberg, um dos nomes maslustres da física atómica, escreveu estaautobiografa «intelectual» em forma dedáogos e discussões com alguns dosexpoentes da cência do sécuo XX - MaxPlanck, Abert Ensten, Nes Bohr, Wofgang Paul, Ernest Rutherford, Car Fredrich von Weizscker, Otto Hahn, Enricoerm e outros - numa demostração dasua fé em que a cência é tarefa de cooperação.Werner Hesenberg nasceu em Würzburg,

    na Alemanha, em 190. Prémo Nobe daFísca, é o director do Insttuto Max Panck,em Munique

    dcumnts paa nss tmp

    dálgsobre·físca atómicawernerheisenbergprémo nobel da física

    Verbo

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    2/361

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    3/361

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    4/361

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    5/361

    �.

     

    DIÁLOGOSSOBR

    FÍSICA ATÓMICA

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    6/361

    Título da edição ingesa: hyscs eyon«Encounters and Convrsations», pubicda na série Word Pespective

    sob a direcço de Ruth Nanda Anshen

    Tradução do orginal aemão por Jos ardoso Ferreira

    orgt b Hap & Row Pubshers Inc. 197 Eit Vb, Lb Sã u

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    7/361

    werner heisenberg

    DIÁLOGOSSOBR

    FÍSIC ATÚMI

    EDITORIAL VERBO

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    8/361

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    9/361

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    10/361

     V

    rennd à exadã hsóra; a maem só deve ser rra

    n raçs essenas. Nas nvers nem sempre é a ísa aó

    ma e represena pn lral da dsssã p dela ra

    am-se prblem hmans lsós plí e ar es

    ra dese m manesar an é rrsór separar a êna

    des esões mas eras.

    M ds parpanes dese dl s apreenad pel

     se nme própr er r  sere nheds d públ em

     eral er pre dessa manera se nsee ma expressã me

    lhr da relaçã exsene enre eles e ar. lém dss a

    preder assm ena evarse e leres pensem e e raade ma reprç ds dverss anemens hsamene

     el em ds s prmenres. Pr esse mv renne ambém

    a raçar m mar pes rea des persnaens só se

    darã a nheer r assm dzer aravés d m  m alam

    Em nraparda ra-s mxm pard da desrçã da ams

     era em e as nversas veram lar desrevend- na medda

    exaa da vvde d lma presene. De a é nesa ams

     era e se revela press de nasmen da êna e mpreende-se melhr e a labraçã de hmens m derenes pssa

     ndzr a reslads enís de rande ane N rpós

    d ar eseve ambém enar eer a ndvíd absla

    ene les em ísa aóma ma dea das rrenes de pensa

    men e mpanharam desenvlvmen hsór desa ên

     a N enan é de er em na e n d ds dlas se

    aperebem esrras maem m absraas e díes de

    dmnar e exem m esd mas aprndadFnalmene ar a relaar es nversas eve em mene

    anda r bjev. mderna ísa aóma renv ds

     ssões de prblemas ndamenas da ísa da éa e da plí

    a e nesa dsssã deve parpar mar númer pssível de

    hmens Talvez ese lvr pssa nrbr m be para esse

    debae

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    11/361

    ATULO

    PRIMEIRO ENCONTRO COM A TEORIA DO TOMO

    (-)

    Deve ter contecdo n rmver de . O desenlce d Guerr Mundl dexr juventude do nosso pís profund

    mente nquet. A gerço nteror extremmente desludd per

    der s rdes do poder e os ovens unm-se em grupos e em

    comunddes ms ou menos numeross pr brr um cmnho

    novo ou peo menos pr descobrr um estre nov ue nos

     pudesse orentr um vez que velh prec destruíd Assm

    tmbm eu num d cro de rmver me che cmnho

    com um grupo de dez ou vnte cmrds n su mor msnovos do que eu e o psseo conduzunos se bem me lembro

    trvs ds colns ue orm mrgem ocdentl do lgo Strn

     berg Sempre que se br um espço no verde lumnoso do rvo

    redo prec-nos o lgo à esquerd á em bxo e prec es

    tender-se quse t às montnhs que se vslumbrm o fundo

    Durnte est excurso entbulou-se de modo um tnto surpreen

    dente o prmero dálogo sobre o mundo dos átomos dáogo ue

    tnt mportnc encerrr em relço o meu desenvolvmentocentífco posteror r compreendermos rão d ocorrnc

    deste tpo de converss num grupo de ovens legres e despreo

    cupdos bertos à nturez em flor tlvez devmos recordr que

    s confusões d poc tnhm destruído s funções de cohmento

     peculres o lr e à escol em tempo de pz e que um tnto em

    su substtuo uventude desenvolver um cert ndependn-

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    12/361

    DÁLOGOS SOBRE FÍSICA ATÓMA

    ca de opnão treendose ormuar uzos prpros mesmo

    quando crec necessaramente de base para eles.

    ns passos à mnha rente a um rapz ouro e ato cuos

     pas á u ez me tnh encarregdo de judr nos seus tr

     bahos escoares U ano antes co dde de qunze anos este

     joem tnh assegurado o ornecento de munções a seu pa

    armdo co um etrhador por trás d onte Wttelsbch

     por ocsão de ua ut urbn or d «repúblca sotc»

    de Munque. Eu e outros tnhamos trabalhdo dos nos antes

    em qunts d Alta Baer Ass a dureza desses tempos não

    nos era estrnh e nngum se ssust por relectr por cont prpra cerca dos probemas mas dces

    a orgem deste dáogo estee o acto de deer preparar pra

    o  Verão o meu exame na do curso dos lceus de odo que gost de conersr sobre tes centcos co o eu amgo

    Kurt que compartlha deste tpo de nteresses e pensaa r

    ser engenhero. Kurt pertenca u al protestnte deocas er u bom desportst e pto copnhero. U ano

    ntes qundo Munque ester cercd por trops goernentas e s nossas ams á tnham consudo o últo pedaço de

     pão ele o eu rão e eu tnhamos eto untos uma sortda

    Garchng atressndo lnh de ogo e conseguros re gressr co um moch che de proses pão mantega e

    toucnho. Ests experêncas couns consttuem uma bo bse

     pra ua connç se reseras e ua excelente copreensão

    mútua. Por o que as prtculrente nos nteressaa er

    nossa preocupação cou lgda questes centcs. Conte

    a Kurt que encontrra no eu manul de sc u lustrção

    que me pareca peretente bsurd. Trtse do proceso

    quco undment e que dus substâncas hoognes e l

     g nu noa substânc guaente hoognea, sto num

    composto qumco. Assm o dxdo de carbono ormado pela

    assocação de carbono e oxgno Segundo o ro a mehor m

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    13/361

    PRMERO ENONRO OM EOR D ÁOMO J

    nera de entender as les obseradas em tas processos conssta

    em supor que as partes mas pequenas os átomos de um e de

    outro eemento se assocaam em pequenos grupo denomnados

    «molculas» Deste modo a molcula de dxdo de carbono consta

    de um átomo de carbono e de dos átomos de oxgno Para

    tornar esta dea acessel desenhaamse no ro esses grupos

    de átomos. Porm no sentdo de explcar exactamente porque

    que um átomo de carbono e dos átomos de oxgno ormam

    sempre uma mocua de dxdo de carbono o desenhador do

    tara os átomos de ganchos medante os quas se unam para or

    mar a molcua. Este ponto pareceume carecer absolutamentede sentdo De acto pensaa eu os ganchos são guras muto

    arbtráras às quas se pode dar em cada caso as ormas mas

    derentes segundo a sua utldade tcnca Os átomos em contra

     partda deem representar uma consequênca das les da natureza

    sendo por estas nduzdos a unremse em molculas essas cr

    cunstâncas acredtaa eu não dea haer lugar para casualda

    des sendo pos de exclur ormas tão arbtráras como os ganchos.

    Kurt respondeu «Se não queres crer em ganchos que tam bm a mm se aguram muto suspetos dees saber antes de

    mas que experêncas terão leado o desenhador a representáos

    numa gura. Sm porque a cênca actual parte da experênca

    e não de quasquer especulações loscas e à experênca quetemos de ajustarnos sempre que ela seja ealzada em termos

    conscencosos sto com os cudados dedos Tanto quanto se

    os qumcos armam em prmero lugar que os componentes ele

    mentares de um composto qumco se apresentam sempre numa

    razão pondera xa Tratase de um acto bastante surpreendente

    Com eeto mesmo que acredtemos na exstênca dos átomos

    sto de partes mas pequenas caracterstcas de cada elemento

    a concorrênca de orças semelhantes às que at agora se conhe

    cem na natureza não sucente para explcar que um átomo de

    carbono atraa sempre apenas dos átomos de oxgno unnoos

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    14/361

    2 DÁOO O FÍ ÓM

    a s st uma orça atractva entre os dos tpos de átomos

     porque não haveram tambm de assocar-se eventualmente três

    átomos de oxgno?»

    alvez os átomos de carbono ou os de oxgno tenham

    uma orma tal que a assocação trpla resulte mpossvel precsa

    mente em vrtude da ordenação espacal.

    e acetas sso o que alás parece plausvel então quase

     voltas à dea dos ganchos do teu manual. Provavelmente o dese

    nhador qus exprmr a mesma cosa que dsseste pos não capaz

    de conhecer a orma exacta dos átomos Representou os ganchos

     para mostrar, da manera mas expressva que há ormas que podem levar à unão de dos átomos de oxgno mas não de três

    com um de carbono

    Bem Os ganchos são um dsparate. Mas tu dzes que os áto

    mos em vrtude das les responsáves pela sua exstênca deverão

    tambm  possur uma orma que determna o modo exacto de seassocarem entre s S que ns dos anda não conhecemos essa

    orma, o mesmo acontecendo claro, com o autor da gura

    A únca cosa que supomos saber at agora acerca dessa orma que lhe compete decdr que um átomo de carbono s pode

    assocarse a dos átomos de oxgno e não a três Como se ndca

    no lvro os qumcos nventaram a este respeto o conceto de

    valênca qumca» Falta, porm averguar se esta expressão

    uma smples desgnação ou se se trata de um conceto eectvamente útl

    Provavelmente, mas do que uma mera palavra, pos as

    quatro valêncas que se atrbuem a um átomo de carbono das

    quas cada duas têm de saturar as duas valêncas de cada átomo

    de oxgno devem ter algo que ver com a conguração te

    tradca do átomo. É claro que acerca das ormas deve haver

    conhecmentos emprcos mas precsos do que aqueles que actua

    mente possumos»

    Fo nesse momento que Robert nterveo na nossa conversa

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    15/361

    PMEO ENONO OM EO D MO 3

    amnhara at então em slênco unto a ns mas prestara sem

    dúvda atenção ao dlogo Robert tnha um rosto delgado mas

    forte emoldurado por cabelo escuro e espesso e à prmera vsta

     pareca um pouco retraído S muto raramente partcpava nas

    conversas fces tão freuentes nos nossos passeos no entanto

     uando à note era necessro ler alguma cosa ou rectar um

     poema antes do antar era a ele ue nos drgíamos pos nn

     gum conheca melhor a poesa alemã e at a prpra flosofa

    Ao recta um poema Robert faza-o sem ualuer nota pat

    tca sem ênfase mas de tal modo ue a mensagem do poeta

    atnga at o mas prosaco de todos ns A manera como falavaa tranuldade com ue se exprma obrgavam-nos a escutar e

    as suas palavras parecam ter mas peso ue as dos demas Saba

    mos tambm ue la obras flosfcas alm do programa escolar

    Robert não estava satsfeto com a nossa conversa

    Vocês ue acredtam na cênca dsse ele apelam sem pre com muta facldade para a experênca e pensam ue com

    sso agarram a verdade entre as mãos Porm ao medtarem sobre

    o ue de facto ocorre na experênca o modo como fazem esseapelo afgura-se-me muto dscutvel O ue vocês dzem provm

    dos  vossos pensamentos s deles que vocês possuem um conhecmento medato mas os pensamentos não estão nas cosas. ão

     podemos perceber as cosas de modo drecto devemos antes trans

    formlos em representações para formarmos fnalmente con

    cetos O ue chega at ns do exteror atravs da percepção sen

    soral uma mscelânea desordenada de mpressões muto dversas a ue não pertencem drectamente as formas ou ualdades

     ue depos percebemos. Se observarmo por exemplo um ua

    drado numa folha d papel nem na retna nem nas clulas ner

     vosas do crebro h algo ue tenha a forma de um uadrado

    Antes, temos de ordenar nconscentemente as mprssões senso

    ras medante uma dea ou representação temos de transformar

    de eo modo o onunto das sensaões numa magem corrente

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    16/361

    14 J DÁLOGO SOBRE ÍSICA AÓMCA

    «signiicante» O acto de «erceção» só acontece quando as im

     ressões isoladas se transormam coordenando-se num todo «in

    teligvel» or isso antes de oder emitir uma oinião com tanta

    segurana acerca das exerincias haveria que investigar donde

     vm as imagens ara as nossas reresentações como se areen

    dem concetualmente em que relação estão com as coisas Po

    que óbvio que as reresentações são anteriores às exerncassão a condição rvia da exerincia

    « as ideias que tu retendes searar tão nitidamente do

    obecto das erceções não rovm tambm de exerincia? Tal

     vez não de uma maneira tão directa com ingenuamente se udesse ensar mas de algum modo indirecta atravs or exemlo da

    reetição requente de gruos homogneos de sensações ou me

    diante certas ormas de associação entre dados de sentidos dis

    tintos.

    «De modo nenhum me arece seguro nem sequer articuar

    mente óbvio studei ultimamente as obras do ilósoo Malebran

    che e chamou-me a atenção uma assagem que se reere exacta

    mente a este roblema. Malebranche dstingue essencialmente três ossibilidades ara a gnese das ideias. A rimeira a que acabas

    de mencionar os objectos roduzem directamente atravs das

    sensações as ideias no esrito humano. Ê uma oinião recusada

     or Malebranche orque as imressões sensoriais são qualitativamente distintas tanto das coisas como das ideias corresonden

    tes. A segunda ossibilidade que a mente ossua as reresenta

    ções desde o rincíio ou que tenha elo menos a caacidade

    de ormar or si só estas ideias. xiste uma terceira ossibilidade

    adotada or Malebranche o esrto humano articia na ra

     zão divina. A alma está ligada a Deus e de Deus que rovm

    a imainação e as imagens ou ideias mediante as quais ossvel

    ordenar e clssiicar concetualmente a diversidade das sensações»

    Nesse momento Kurt mostrou or sua vez a sua insatisa

    ção «Vocs ilósoos recorrem loo à teoloi udo co

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    17/361

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    18/361

    16 DÁOS SOBRE FÍSCA ATÓMCA

    o tem ago de comum com a onão tão ausíve aa a

     vossa cncia de ue toda a  dea uto da exenca Mas

    ao mesmo temo Maeanche saenta ue se tata de coea

    ções ue não odem excase smesmente o uma cadeia de ocessos  ndviduas submetidos à e da causaidade ue dze

    tamm aui como na omação dos cstas e dos sees vvos

    actuam estutuas sueodenadas de caácte mais macadamente

    mooógco ue não odem se entenddas em temos coea

    tvs de causa e eeito Sae se a exenca anteo às deas

    ana uma egunta tão azoáve como o veho obema de

     uem sugiu meio se o ovo se a ganhaAiás não ea minha ntenção nteome a vossa discussão

    soe os átomos Só uea aze nota ue não se ode aa em

    temos tão smes de exenca em eação aos átomos ois

    tavez at estes não obseváves diectamente nem seue seam

    coisas ua e simesmente etencendo ao invs a estutuas

    sueoes onde á não tenha uaue sentido a seaação ente

     deia e oecto Natuamente não se odem toma a sio os

     ganchos do teu manua nem as imagens de átomos ue de vezem uando se encontam em vos de dvugação sses dese

    nhos ue etendem acita a comeensão sevem ana aa

    tona o obema muito menos inteigíve. Ceio ue deveíamos

    te muitíssimo cuidado com o conceito «oma dos átomos» ue

    antes eeste A não se ue se entenda a aava forma de

    modo muto gea não estta ao esaço caso não sgniue

    muito mais ue a aava ruur  ue acabo de usa não

    ceo ue ossamos oged satsatoamente>uando a convesa tomou este umo emei-me imediata

    mente de uma eitua ue me ocuaa e catvaa no ano anteio

    e ue em cetas assagens imotntes se me aguaa nom

     eensíve Tatase do dáogo T mao de atão no ua tam

     m se dscute osocamente aceca dos consttuntes menoes

    da matia Atavs das aavas e Roet comece a comeen

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    19/361

    PRMERO ENCONTRO COM A TEORA D TOMO I 7

    de anda ue a nco de manea um tanto obscua ue

    a eseto dessas ates mnmas ea ossve chega a constu

    ções aconas tão cuosas como as que encontaa no Tmao

    de atão Não que estas constuções que a nco eu consde

    aa totamente absudas me aecessem subtamente acetáves

    no entanto v abeto à mnha ente ea mea vez um cam

    nho ue ao menos em nco odea eva a esse to de

    eaboações menas.

    aa exca a azão o ue nauee momento se evestu

    de tão ato sgncado a ecodação do esudo dauea oba devo

    eata bevemente as ccunstâncas cuosas em que teve ugaessa etua. Na mavea de a stuação em Munque ea

     bastante caótca. Hava toteo nas uas sem que se soubesse

    exactamente quem combata O ode otco utuava ente es

    soas e nsttuções cujo nome ma conhecamos. hagem e ou

     bos de ue eu óo chegue uma vez a se vtma zeam da

    exessão «eúbca sovtca» um snónmo de anaqua. uando

     o m se consttuu oa de Munque um novo goveno bávao

    que envou toas aa ocua a cdade cámos à esea daestauação da odem. O a do amgo que eu ajudaa nos taba

     hos escoaes assumu o comando de uma comanha de voun

    táos que queam atca na conqusta da cata edunos

    a nós amgos mas vehos de seus hos aa ajudamos as to

     as nvasoas na quadade de odenanças o conhecemos bem

    a cdade. Desta manea omos agegados ao Comando de Cava

     aa , que estabeecea o seu quate na Ludwgstasse no

    edco do semnáo ecesástco ente à unvesdade. Fo aquque z o meu sevço mta ou meho aqu evámos todos nós

    uma vda de aventua totamente ve não hava auas como

    antes tantas vezes aconteca e qusemos aoveta a bedade

     aa conhece o mundo sob novas esectvas O ccuo de am

     gos com que um ano mas tade eaze a excusão junto ao ago

     Stanbeg omaa-se ecsamente aqu. om esta vda de aven2

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    20/361

    18 I ÁLOGOS SOE FÍSC ATÓMCA

    tura não durou mais que agumas semanas uando os combates

     á rareavam e tudo começava a cair na monotonia sucedia com

    requncia que deois de ter assado a noite de vela ao teeone

    icasse ivre de quaquer obrigação ao amanhecer

    A im de me rearar ara o erodo escoar costumava

    retirame ara o tehado do seminário com a nossa edição es

    coar grega dos diáogos de atão Ai aoiado na goteira e

    aquecido eos rimeiros raios de so estudava tranquiamente

    e de vez em quando ia observando o desertar da vida na

    Ludwigstrasse Numa dessas manhãs quando o sol começou a

    erguerse e a uz á iuminava o edicio da universidade e a onteque ica em rente dei com o diálogo Tmaos e recisamente com

    aquea assagem em que se ala das artes mnimas da matria

    Tavez esta assagem me tivesse cativado simlesmente or ser

    dici de traduzir ou tambm orque tratava de coisas matemá

    ticas que semre m tinham interessado Não me embro á da

    razão recisa da minha dedicação a este texto Todavia o que ai

     lia arecia-me totalmente absurdo latão airma que as artes

    mnimas da matria são constitudas or tringulos rectngulosque aós se agruarem aos ares em triângulos equiáteros ou

    quadrados v a ormar os coros reguares da geometria no

    esaço cubos tetraedros octaedros e icosaedros Segundo la

    tão estes quatro coros são as unidades undamentais dos quatro

    eementes terra ogo ar e água Não coseguia ver claro se

    os coros reguares eram associados aos elementos aenas como

    smboos or exemlo o cubo ao elemento terra reresen

    tando a solidez e estabilidade deste elemento ou se reamenteas artes menores deste elemento terra ossuam a orma de um

    cubo Ideias como essa areciam-me eseculações antásticas no

    mehor dos casos só desculáveis ela alta de conhecimentos

    emricos suicientes na Antiga Grcia orm no undo inquie

    tava-me o acto de um iósoo com um ensamento tão crtico

    e rigoroso como atão ter cado em tais esecuações. Tentava

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    21/361

    RMEO ENCONTRO COM EOR D ÁTOMO i 19

    enconta alguns pincpios a pati os uais meho puesse

    entene as especulaçes e Platão Mas naa conseguia esco

     bi neste sentio Fascinavame a ieia e ue as pates míni

    mas a matia se osse cai aina em omas matemáticas Mas

    aiguava-seme completamente inteligível a azão po ue ixaa

    Patão e moo especia a sua atenção nos sólios egulaes ue

    não paeciam te ualque vao explicativo Po isso a paa

    a ente só utilizei o iáogo no sentio e apeeiçoa os meus

    conhecimentos e gego Mas a peocupação pesistiu O esultao

    mais impotante a leitua oi talvez a convicção e ue se

     ueia entene o muno mateia ea necessáio sabe algoaceca as suas pates eementaes Atavs os livos e estuo

    e e obas e ivulgação sabia ue a cincia moena investigava

    o átomo Talvez mais tae puesse eu pópio peneta nessemuno com os meus estuos Mas isso viia mais tae

    A inquietação continuava e conveteuse no meu caso em

     pate a inquietação geal que ominava ente a juventue alemã Se um ilósoo a estipe e Platão pensava econhece uma

    oem nos enómenos natuais ue hoje peemos e vista ouque se nos aigua inacessvel qual então o signiicao una

    mental essa palava? staão a oem e a sua compeensão li

     gaas a uma poca eteminaa? Cescemos num muno ue paecia peeitamente oenao s nossos pais ensinaam-nos as

     vitues buguesas que constituem o pessuposto essa oemNaa havia pois e paticula na aimação já conhecia na an

    tiguiae gecoomana e que poia se po vezes necessáio o

    saciício a pópia via na eesa e uma oem poítica ete

    minaa A mote e muitos amigos e paentes mostaanos ue

    o muno assim pom havia agoa muitos que iziam ue a

     guea oa um cime e pecisamente um cime a classe ii

     gente ue se senia esponsáve pela manutenção a antiga oem

    euopeia consieanose na obigação e aza espeita aina

    que pelo peço e um confito blico com outas tenências

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    22/361

    20 DÁOGOS SOBRE FS ÓM

    A velha estrutura europeia estava desfeita pela derrota. Também

    sta situação nos não era estranha pois qualquer guerra traz con

    sigo inevitavelmente uma derrota. Porém ter-se-ia provado com

    esta derrota a necessidade d rejeitar as estruturas antigas? Não

    se trataria simplesmente de edificar uma nova ordem mais forte

    sobre os escombros? Ou teriam razão aquees que morreram nas

    ruas de Munique para impedirem de uma vez para sempre o

    regresso de uma ordem no estilo da anterior proclamando em

    seu lugar outro futuro que abarcasse não só uma nação mas

    toda a humanidade ainda que esta humanidade fora da Alema

    nha não pensasse na sua maioria na criação dessa ordem nova?Estas perguntas produziam grande confusão na mente dos jovens

    e os mais velhos também não nos sabiam responder.

    Entre a eitura do mao e a excursão às colinas do ago

     Starnberg houve outra experiência que influiu poderosamente no

    meu pensamento futuro e que deve ser relatada antes de retomar

    a conversação acerca do mundo do átomo. Aguns meses após

    a ocupação de Munique as tropas saíram da cidade. Nós assis

    tíamos às aulas como antes sem meditar muito sobre o valor doque fazamos. Uma tarde na Leopoldstrasse fui abordado por

    um jovem desconhecido que me disse: «Sabes que na próxima

    semana a juventude se reúne no castelo de Prunn? Queremos

    reunir-nos todos e também tens de ir. Todos devem aparecer

    Agora queremos ser nós próprios a meditar acerca do rumo que

    as coisas devem seguir» A voz dele tinha um acento que eu nunca

    ouvira antes. or isso decidi deslocar-me até ao castelo de Prunn.

    Kurt quis acompanhar-me.

    O comboio então ainda muito irregular levou muitas horas

    a chegar à parte baixa do vale de Altmühl Em perodos geoó

     gicos anteriores era o vale do Danúbio; o rio Altmühl foi esca

     vando o seu caminho sinuoso através dos montes do Jura e o pito

    resco vale encontra-se hoje coroado por velhos castelos quase

    à semelhança do vale do Reno. Tivemos que subir a é os ltimos

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    23/361

    PRIMERO ENCONTRO COM A EORIA D ÁTOMO 1 21

    quilómetros que conduzem ao castelo de Prunn, e demos conta do

    grande número de jovens que se dirigiam, vindos de todo o lado

    para a alta fortaleza, ousadamente edificada mesmo a pique sobr

    o vale. No pátio do castelo, em cujo centro se ergue um velho

    poço de roldana, tinham-se reunido já numerosos grupos A maio

    ria era constituída por alunos do liceu, mas havia aguns mais ve

    lhos, que tinham sofrido, como soldados, todos os horrores da

    guerra regressando a um mundo completamente novo Pronun

    ciaramse muitos discursos, que hoje consideraríamos um anto

    patéticos se é mais importante para nós o destino do nosso povo

    que o de toda a humanidade; se o sacrifício dos que caíram perdendo o seu sentido por causa da derrota se a juventude pode

    arrogarse o direito de modelar a sua vida de acordo com a sua

    própria escala de valores se a verdade intrínseca é mais importante

    do que as vehas formas que haviam ordenado a vida dos hoens

    durante os séculos De tudo isto se falou apaixonadamente.

    Sentiae deasiado inseguro para participar nestes debates,mas escutei e meditei sobre o conceito de ordem A confusão no

    conteúdo dos discursos pareceume mostrar que também ordensautênticas podem entrar mutuamente em confito, e então essa

    luta age em sentido contrário ao da ordem. Isto só era possível,

    no meu entender tratandose de ordens parciais, de fragmentosseparados da ordem central elementos que, sem haverem perdido

    a sua força criativa, tinham abandonado a orientação do centro

    director. Quanto mais escutava, mais angustiado me sentia pela

    consciência da falta desse centro eficaz. Sofri por isso quase fisi

    camente, mas eu próprio não era capaz de encontrar uma vianesse sentido, por entre o emaranhado de opiões Assim passa

    ram horas e horas, com disursos e discussões As sombras inva

    diam o pátio e, finalmente, ao dia cálido seguiuse um crepúsculo

    azulcinento e uma noite de luar Continuaram as conversas mas,

    pouco depois lá em cima, na varanda apareceu um rapaz com

    um violino e quando se fz silêncio soaram os primeiros acor

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    24/361

    22 1 DÁS SBRE FÍSIA ATÓMA

    des em ré menor da Chona de Bach. Estabeleceuse então de

    repente a vinculação ao centro de modo indubitável O vale de

    Altmühl, inundado, lá em baixo, pela claridade da Lua, era motivo

    suficiente para uma transfiguração romântica; mas não foi isso

    que sucedeu As frases transparentes da Chacona foram o vento

    subtil que rasga a névoa e descobre as estruturas firmes que estão

    para além Podia de facto falar-se de uma ligação com a ordem

    central; esta fora possível em todos os tempos, com Platão e com

    Bach, com a linguagem da música, da filosofia ou da religião

    portanto, também devia ser possvel agora e no futuro Foi esta

    a minha experiênciaO resto da noite passámolo num prado rodeado de bosques,

    um pouco acima do castelo, à roda de fogueiras e em tendas de

    campanha, e também o romantismo eichendorffiano esteve pre

    sente. O jovem violinista, já estudante universitáio, sentouse no

    meio do nosso grupo e tocou minuetes de Mozart e Beethoven,

    intercalados com velhas árias populares, e tratei de acompanhálo

    com a minha guitarra Aliás, provou ser um companheiro alegre,

    que recusava referirse à interpretação solene da Chona deBach. Quando amos falar disso, saiuse com esta: «Sabes em que

    tom tocaram as trombetas de Jericó?» Não «Pois foi também em

    » 1 Porquê? «Poque demoliam as mualhas de Jericó»

    ogo a seguir, escapou-se rapidamente à nossa indignação

    perante o ogo de palaras

    Esta noite já se desvanecera na penumbra das recordações e

    agora caminhávamos pelas colinas vizinhas do lago tarnberg e

    falávamos do átomo A observação de Roet acerca de Maleban

    che derame a entender que as experiências sobre átomos só po

    dem realizarse de modo muito indirecto e que provavelmente os

    átomos não são coisas. Evidentemente, também Platão o quisera

    1 Quer dzer: é bml.

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    25/361

    PRIMEIRO ENCONRO COM A TEORIA D ÁOO 1 23

    indicar no Timaios e só assim se tornavam um tanto acessíveisas suas especulações ulteriores acerca das formas regulares. Assim,quando a ciência moderna fala das formas dos átomos, a palavrafrma só pode aqui ser entendida no seu significado mais geral,como estrutura no espaço e no tempo, como simetria de forças,como possibilidade de ligação a outros átomos Provavelmente,nunca será possível uma descrição intuitiva de tais estruturas, jáque elas não pertencem inequivocamente ao mundo objectivo dascoisas Talvez sejam, contudo, acessíveis a um tratamento matemático

    Queria saber mais acerca do aspecto filosófico do problemado átomo, e recordei a Robert auela passagem do Timaios dePlatão Então perguntei-lhe se estava de acordo em princípio oma opinião de que todas as coisas materiais eram formadas porátomos, de que há partes mínimas, exactamente os átomos, a quetoda a matéria se pode reduzir Isto porue eu tinha a impressãode ue ele assumia uma atitde bastante céptica a respeito detodo este mundo conceptual relativo à estrutura atómica da ma

    triaobert confirmou-mo: «A mim afigura-se-me estranha qual

    quer maneira de pôr um problema ue nos afaste exessivamentedo mundo imediato da vivência O mundo dos homens ou o dos lagos e o dos bosues estão mais próximos de mim do ue o dosátoos Mas podese, com certeza, perguntar o que sucede se sefor dividindo cada 'ez ais a matéria, do mesmo modo que podemos interrogar-nos acera da existência de seres vivos em estrelas

    ou planetas remotos São uestões ue não me agradam; talveznem sequer me interesse saber a resposta Creio que no nossomundo temos tarefas mais importantes do ue a de procurar responder a questões como essas»

    Respondilhe eu «Não quero discutir onigo sobre a importância das várias tarefas Para mim, a física sempre constituiuuma ciência muito interessante, e sei que muitos homens sérios

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    26/361

    24 1 DÁLGS SBRE FÍSICA ATÓMICA

    se esforçam por saber mais em relação à natureza e às suas leis.Talvez o êxito do seu trabalho seja igualmente importante paraa comunidade humana, mas não é isso que neste momento me

    preocupa. O que me inquieta é o seguinte: é muito provável - eKurt acabou de dizêlo há pouco - que o desenvolvimento mo

    derno da ciência e da técnica nos venha a oferecer condições deobservação directa de cada um dos átomos ou, pelo menos, dosseus efeitos, tornandose possíveis experiências com o átomoAinda pouco sabemos disso, porque não o estudámos; porém, sendoassim, como é que isso se relaciona com as tuas opiniões? Que

    poderias dizer a respeito disto segundo o ponto de vista do teufilósofo Malebranche?»«Esperaria, em todo o caso, que os átomos se comportassem

    de modo totalmente diferente das coisas da experiência quotidiana. Poderia muito bem pensar que, se prosseguirmos a divisão, tropeçaremos no fim com descontinuidades, que nos permitirão deduir a ocorrência de uma estrutura discreta da matéria.Suspeito, no entanto, que as figuras que nos venham então a apa

    recer escapem à fixação obectiva em imagens representáveis,pois deverão ser uma espécie de expressão abstracta das leis danaturea, e por isso não serão coisas»

    «E se pudermos vêlos directamente?»«Não poderemos observálos directamente, mas apenas os efei

    tos respectivos.»«É uma desculpa pobre O mesmo acontece com todas as ou

    tras coisas. Também sô vês os raios de lu que saem do corpo de

    um gato, quer dier, os efeitos do gato, e nunca o gato propriamente dito; se lhe faes uma festa, acontece a mesma coisa.»

    «ão, não posso estar de acordo contigo O gato, posso vêlodirectamente, porque, nesse caso, ao entrar em contacto com eleposso e devo transformar as impressões sensoriais numa representação. Do gato há dois aspectos: o obectivo e o subectivo

    o gato como coisa e como representação. Isto não sucede com o

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    27/361

    PRIMERO ENCONTRO COM A TEORIA D ÁTOMO 1 25

    átomo. Nele não se distinguem representação e coisa, porque o

    átomo não uma nem outra.»

    Aqui, voltou Kurt a intervir na conversa. «Para mim, o vosso

    diálogo é demasiado erudito Vocês circulam entre especulações

    filosóficas onde deveriam recorrer simplesmente à experiência.Talvez os nossos estudos nos levem mais tarde a um trabalho de

    experimentação no domínio do átomo; então veremos o que eles

    são Provavelmente, aprenderemos que são tão reais como as ou

    tras coisas que são objecto de experimentação. Se verdade que

    todas as coisas materiais constam de átomos, estes devem ser tão

    reais como as coisas materiais.»«Não - replicou Robert-, esta conclusão pareceme alta

    mente discutvel Com um argumento semelhante, poderias dizer

    que todos os seres vivos constam de átomos, logo os átomos são

    tão vivos como esses seres Mas manifestamente absurdo; só a

    associação de muitos átomos em grupos maiores se pode revestir

    de qualidades ou propriedades que caracterizam precisamente es

    tes grupos»

    «Então pensas que os átomos não têm existência efectiva,que não são reais?»

    «A estás tu a exagerar outra vez! Talvez não se trate aqui

    de precisar o que sabemos acerca dos átomos, mas de um pro

     blema diferente, o de aclarar o que significam as palavras efectivo

    e  real. Vocês mencionara há pouco uma passagem de Timaios

    de Platão e sublinharam que ele identifica as partes mínimas com

    formas matemáticas, a saber, os oliedros regulares Mesmo que

    isto não seja correcto, pois latão não fez experiências directas

    sobre os tomos, pode cosiderarse possvel Chamarias «efecti

    vas» e «reais» a essas formas matemáticas? Se são expressão das

    leis da natureza, expressão da ordem central inerente dos proces

    sos materiais, talvez devamos chamarlhes «efectivas» ou «actuais»

    (wrklh), porque delas procedem certos efeitos ou actuações, mas

    não podemos dizêlas «reais, porque não são uma  re uma

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    28/361

    26 1 DÁLOS SBRE FÍSICA ATÓMA

    coisa. Já não sabemos empregar as palavras com exatidão, o que

    não é estranho, porque nos afastámos muito do âmbito da nossa

    experiência imediata, no qual em tempos pré-histórios se

    formo a nossa capacidade de alar»

    Krt não se dava por satisfeito om o urso da onversa e

    delaro: «Apetece-me deixar à experiênia a deisão aera de

    tdo isto. Não posso imaginar que a fantasia humana seja sufi

    iente para adivinhar as ondições propíias das partes mais pe

    quenas da matéria antes de nos termos famlarizado com o seu

    mundo através de experiênias preisas. Só realizando isto ons

    ientemente e sem opiniões preoncebidas é que se poderá hegar a uma compreensão autêntia Portanto, é om eptiismo

    qe enaro disussões filosófias demasiado preisas sobre um

    tema tão omplexo Failmente surgem preoneitos inteletuais

    e vêm a difiultar a ompreensão em vez de failitála Espero

    pois que no futuro seam primeiro os ientistas e depois os fió

    sofos a ouparem-se do átomo»

    Ao chegar a este ponto esgotara-se a paiênia dos outros

    ompanheiros «Quando é que se alam om essa história queninguém ompreende? Se querem preparar o exame vão estudar

    para asa E se antássemos qualquer oisa?» Logo se entoou

    uma canção e o som laro das vozes ovens e as ores dos prados

    floridos eram mais reais do que os pensamentos sobre os átomos

    dssipando o devaneio a que nos tnhamos entregado

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    29/361

    CAPTULO II

    A DECISÃO DE ESTUDAR FiSC

    (1920)

    Entre o inal do meu curso do liceu e o começo dos estudos

    iversitários houve uma iterrupção importante a miha vidaescolar. Depois do exame, na sequêcia de uma viagem pela Fra

    cóia com o mesmo grupo de amigos que me tiham acompa

    hado na Primavera ao lago Starberg excursão em que tivea

    lugar a coversa sobre teoria atmica que já referi, adoeci grave

    mete e fui obrigado a ficar de cama durate muitas semaas

    No período de covaleseça voltei a icar frequetemete sozi

    ho com os livros Nesses eses críticos veio-me parar às mãos

    uma obra cuo coteúdo e fasciou aida que não a entedesseperfeitamete O matemático Herma Weyl realizara uma expo

    sição matemática dos pricípios da teoria da relatividade de Eis

    tei, com o título Espaço-Tempo-Matéra. A discussão dos dií

    ceis métodos mateáticos que s desevolviam este livro e o

    abstracto edifício coceptual em que se baseava a teoria da rela

    tividade etusiasaramme e perturbarae ao poto de e de

    cidir a estudar matemática a Uiversidade de Muique, ideia que

    á acaletava

    Nos primeiros dias do meu curso deuse porém uma alteração

    muito curiosa que gostaria de relatar brevemete Meu pai que

    esiava a Uiversidade de Muique Grego Modero e Mede

    val tiha�me coseguido uma etrevista com o proessor de

    Matemática Lindema que se celebrizara graças à solução defi

    itiva do atiquíssimo problema da quadratura do círculo Queria

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    30/361

    28 1 DÁLGS SBR FÍSICA ATÓMCA

    pedir a Lindemann que me admitisse no seu semao, porque

    supunha estar suficientemente preparado para ele, dados os estu

    dos matemáticos que realizara a par dos estudos liceais Visitei

    Lindemann, que também trabalhava na administração da Univer

    sidade, no primeiro andar do edifício, numa sala escura de mobí

    lia inusitada, que pela sua austeridade despertou em mim um

    certo sentimento de opressão. Antes de falar com o professor, ue

    se ergueu lentamente da cadeira, descobri, em cima da secretá

    ria, junto a ele, um cãozito negro, que naquele contexto me fez

    pensar imediatamente no cão do laboratório de Fausto. O bicho

    mirou-me hostilmente por me considerar, sem dúvida, como umintruso, disposto a perturbar a paz do seu dono Um pouco con

    fuso nesta situação, expus o meu assunto, balbuciando e naquele

    mesmo momento, dei-me conta de como o meu pedido era pre

    tensioso Lindemann, um velhote de barba branca, já com aspecto

    um pouco cansado, notou também, certamente, esta imodéstia

    e a ligira excitação que o acometeu deve te sido a causa doterrvel ladrar do cãozito ue eclodiu a seguir, sem ue o dono

    lograsse acalmálo. O animalzinho traduzia a sua ira perante mimatravés de ladridos furiosos, que repetia sem cessar, de modo que

    cada vez se tornava mais difícil o diálogo. Lindemann pergun

    toume que livros estudara eu ultimamente. Citei a obra de Weyl,

    EspaçoTemMatéria. Entre a fúria incontida do peueno cão

    de guarda, Lindemann terminou a conversa dizendo: «Então, nesse

    caso, á está perdido para as matemáticas» E assim fui despedido

    Por ali, estava portanto arrumado o assunto Uma conversa

    um pouco decepcionante com o meu pai levou-me a concluir de

    que poderia experimentar o estudo da física matemática Para

    isso, fixámos uma visita a Smmerfeld, então encarregado da ca

    deira de Física Teórica na Universidade de Munique, e que era

    considerado como um dos professores mais brilhantes da Univer

    sidade e como amigo da uventude Sommerfeld recebeu-me numa

    sala clara, através de cuas janelas se iam, no áio da ne

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    31/361

    A DCISÃO D SDAR FÍSCA 1 29

    sidade, os estudantes sentaos nos bancos por baxo da grande

    acáca. Este homem baixo e corpolento, com m bigode negro um

    tanto marcia, dava a princípio uma mpressão e dureza, mas

    logo nas prmeras paavras me parece entrever ma bondade

    natura, ma attude compreensíve com os joens qe aqi bus

    cavam orentaço e conseho. De novo se tocou o tema os meus

    estdos particlares e matemátca, e, ao referir-me ao livro de

    Weyl Espaço-Tem-Méria, Sommerfe reagiu de manera

    mto iferente de Lndemann:

    «Ü senhor é emasiado exigente sse ee, não pode

    começar peo mas fíci e esperar qe o mas fácl venha automatcamente. Compreeno qe tenha fcao fascnao pela pro

     blemática da teora a reatiae; mas há pocos otros campos

    em qe a física moerna põe em causa as posições fiosófcas fn

    damentas, tratanose por isso e qestes efectamente apaxo

    nantes. Porém, o camnho qe conz até lá é mais extenso o

    qe magna neste momento ee, pois, começar com m traba

    lo moesto e porfao no âmbto a fsca tracona Se qer

    estar físca em, para já, qe ecr se qer trabalar no laoexperimental o no lao teórco Por aqo qe me conta, taez

    prefra a teora Mas não se ocpo também ocasonalmente com

    aparelhos e experiêncas rante os anos e lce?»

    Respon qe sim e explqele qe costmaa constrr

    peqenos aparehos, motores e intores eléctrcos. Mas nunca

    me era mto bem no mno os instrmentos, e o ciao necessário às meçes, mesmo e alor poco mportante, afra

    aseme extraorinariamente enfaonho

    «Mas o senhor, mesmo qe qeira ecarse à teora, eve

    realzar com mta atenção peqenos trabalhos qe à prmera sta

    lhe podem parecer poco importantes. Se se disctem problemas

    tão granes e flosofcamente releantes como a teoria a relat

    viade de Einsten o a teora qântica de Panck, srgem, e não

    ao rncante mtos roblemas eenos e têm e ser

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    32/361

    30 J DIÁLOS SOBRE FÍSIA ATMA

    resolvidos, e que só no seu conjunto oferecem uma imagem do

    campo recém-descoberto.»

    «Mas a mim interessam-me talvez mas as questões filosófi

    cas de fundo do que os pequenos tabalhos paticulares», acres

    cenei timidamente Com isto não se deu Sommerfeld po satis

    feito.

    «0 senhor sabe, no entanto o que Schille disse aludindo a

    Kant e aos seus intépretes quando os reis constroem, há que

    fazer paa os trabalhadoes Todos começamos por se traalha

    does! as verá a alegria que sente se fize esse traalho cuida

    dosa e conscientemente e se além disso, conseguir extrai algumacoisa dele» Sommefeld deu-me então algumas indicações paa o

    começo do meu estudo e prometeu apesentame, talvez muito

    em breve, um pequeno problema elativo às questões da mais

    recente eoia atómica, no qual seria capaz de mostar o que

    valia Assim ficou decidida a minha filiação na escola de Somme

    feld para os anos seguintes

    se primeiro diálogo com um cientista realmente versado

    em física modena, que realizaa descoetas impotantes no campoque mediava entre a teoria da elatividade e a teoria quântica

    repercutiuse em mim por muito tempo A exigência de meticu

    losidade nas coisas pequenas tonou-seme manifesta, porquanto,

    tamm a meu pai, emoa noutro aspecto, ouvia refeências

    fequentes nesse sentido. Opimiame porém, a ideia de ainda me

    encontrar tão distante do domnio paa que mais exactamente

    me sentia motivado Assim, esta pimeia convesa fi continuada

    através de muitos outros diálogos com os meus amigos; e ficou-mee especial a recodação de um deles aceca da posição da fsica

    moderna na evolução cultual do nosso tempo

    Naquele Outono estive várias vezes com o violinista que

    tocara a Chacon de Bach, na noite do castelo de Prunn Encon

    ávamonos em casa de Walter nosso amigo comum, que era

    tmbém um bom violoncelista Tentámos trabalhar untos sore as

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    33/361

    A DECO DE ESTUD FÍSICA 1 3

    partituras clássicas para trio e propusémo-nos ensaiar para uma

    festa o célebre trio de Schubert em si bemol maior. Como o pai

    de Walter morrera prematuramente a mãe vivia só com os dois

    ilhos num vasto e ricamente decorado andar na Elizabethstrasse

    a poucos minutos da casa de meus pais na Hohenzollernstrasse;

    o formoso piano de cauda Berstein, que havia na sala de estar,

    aguçava-me o gosto de ali me entregar à música. Depois da exe

    cução das peças permanecíamos sentados até muito tarde por

    vezes entusiasmados na conversa. Uma ocasião o assunto derivou

    para os meus planos de estudo A mãe de Walter perguntou-me

    porque não me decidira eu pelo estudo da música: «Pela suamaneira de tocar e pela forma como fala desta música tenho a

    impressão de que a arte está mais perto do seu coração do que

    a ciência ou a técnica; que no fundo acha o conteúdo da música

    mais belo do que o espírito que se epressa em aparlhos e fór

    mulas ou em refinados mecanismos técnicos Se assim é orque

    quer decidir-se pelas ciências? A marcha do mundo é em última

    análise determinada pelos ideais da juventude Se os jovens esco

     lhem o elo haverá mais elea se se decidirem pelo útil haverámais utilidade Daí que a opção de cada um tenha importância

    não só para si próprio mas iualmente para a sociedade humana»

    Tentei defender-me «Não creio que se trate de uma escolha

    assim tão simples De facto ainda que prescindindo do facto de

    que provavelmene não pudesse chear a ser um músico parti

    cuarmente distinto permanece a questão relativa ao domínio em

    que se pode hoje conseuir o máimo e esta perunta refrese ao

    estado em que hoe se encontram as diferentes disciplinas. Em

    relação à música tenho a impressão de que as composições dos

    últimos anos não são tão convincentes como as dos tempos ante

    riores. No século xvn, a música era ainda amplamente determ

    nada pelo sentido reliioso da vida desse tempo; no século vm,

    trilhou-se o caminho do mundo do sentimento individual a mú

    ica romântica do século XIX penetrou nas proundezas mais ni

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    34/361

    32 / DIÁLGS SBRE FÍSICA ATÓMICA

    mas da alma humana. Todavia, nos úlios anos, a música parece

    ter aingido uma fase de experienação, de esranha inquietude

    e talvez um pouco superficial, na qual as reflexões eóricas joga

    um papel mais iporane do que a consciência, segura do pro

    gresso por uma via pré-deerinada. Nas ciências, e e especial

    na física, as coisas são diferenes Aí, a prossecução do caminho

    previsto cuja mea, há vine anos, não era oura senão a com

    preensão de ceros fenómenos elecroagnéicos conduziu por

    si mesa a probleas nos quais as posições filosóficas funda

    menais a esruura de esaço e epo e a validade da lei da

    causalidade são objeco de discussão. Aqui, creio eu, abrese umnovo horizone de apliude imprevisível, e provavelene vária

    gerações de físicos erão muio que fazer aé se enconrarem as

    resposas definiivas. Por esa razão, seduze sinceramene qual

    quer ipo de colaboração nese processo.»

    O nosso amigo Rolf, o violinisa, não eseve de acordo «Ü que

    dizes da física moderna não será igualene válido para a úsica

    acual? abé aqui o caino arece esar raçado. As velas

    barreiras da onalidade fora superadas; enráos numa erranova, e que, a respeio de so e rios, emos quase toda a

    liberdade que queiramos iaginar. Não podereos esperar que

    sura aqui ana riqueza coo nas uas ciências»

    Waer, no enano, ina alguns reparos a pôr a esa co

    paração

    «Não sei objecou se são necessariamene a mesma coisa

    a liberdade de eleição dos eios de expressão, por um lado, e um

    horizone novo e fecundo, por ouro. À primeira visa, arece

    que ua liberdade aior deve represenar abé u enrique

    cimeno, um acresceno de possibilidades. Mas no que se refere

    à are, que me oca ais do que a ciência, não poderia e rigor

    admiilo. O processo da are, co efeito, realizase do modo

    seguinte: e primeiro lugar, um leno processo hisórico que

    ransforma a vida dos omens, se que o indivduo, e pari

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    35/361

    A DECISÃO DE ESTUDAR FÍSICA 1 33

    cular, possa exercer nee grande inuência - fz brotar novs

    conteúdos. Depois, indivíduos bem dotados artisticamente esforçamse por dar a estes conteúdos orma visual ou audvel, tra

    zendo novas possibiidades expressivas do materia com que eaboram a sua arte - as cores ou os instrumentos Esta interrela

    ção ou, se quisermos, esta uta entre o conteúdo expressivo e a

    imitação dos meios de expressão é, no meu entender, a condição

    sine qua non para que a arte possa surgir Se alta a imitação dos

    meios de expressão, se, por exemplo, em música se pode produzir

    quaquer som, deixa de haver essa luta, e o esorço dos artistas

    tem ugar, em certa medida, no vazio Por isso, sintome cépticoem relação a uma liberdade demasiado ampla»

    «Em ciência prosseguiu Water-, as novas técnicas tor

    nam possível a reaização de novas experiências e a recoha denovos saberes, e é deste modo que surgem os conteúdos novos.

    Os meios de expressão são aqui os conceitos com os quais devem

    captarse e serem entendidos os novos conteúdos Por exempo,

    da eitura de artigos de divugação vim a saber que a teora da

    reatividade, que tanto te interessa, se apoia em certas experiências reaizadas nos começos do século, em que se pretendia de

    monstrar o movimento da Terra no espaço através da interferên

    cia dos raios luminosos endo esta experiência fracassado, con

    cluiuse que as novas experiências ou, o que é o mesmo, os novos

    conteúdos tornavam necessária uma ampiação das possibiidades

    expressivas, quer dizer, do sistema conceptual da fsica Ninguém

    seria capaz de prever seguramente que se exigiriam mudanças

    radicais em noções tão fundamentais como o espaço e o tempo

    Por isso, sem dúvida, o grande érito de Einstein foi ter sido

    o primeiro a descobrir que devem ser realizadas certas correcções

    nas representações de espaço e tempo.

    «Ü que descreves da tua ísica comparoia antes com a

    evolução da música em meados do sécuo xvm. Nesse tempo, o

    mundo sntimenta do homem que conhecemos através de Rous3

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    36/361

    34 / DIÁLGS SBRE FÍSICA ATÓMC

    seau, ou, mais tarde, através do Werthr, de Gethe, foi pene

    trando - mediante um lento processo histórico na consciência

    da época, e os grandes clássicos Haydn Mozart, Beethoven

    Schubert lograram descobrir, atravs de ampliação dos meios

    de expressão, uma representação adequada deste mundo sent

    mental Na música actual, todavia os novos conteúdos são, em

    minha opinião, demasiado obscuros ou implausíveis e o transbor

    dar de possibilidades expressivas convertese para mim em motivo

    de preocupação. O caminho da msica actual parece, em certa

    medida, projectado a partir de uma simples navegação; deve

    abandonarse a antiga tonalidade porque se acha que o seu campode possibilidades está esgotado mas não por haver novos conte

    dos importantes impossíveis de exprimir através de msica «clás

    sica» Acerca do rumo a toma, após o abandono da tonalidade,

    existem grandes incertezas entre os múscos e apenas algumas ten

    tativas ainda ml determinadas. a ciência moderna as questõesestão postas e o trabalho consiste em encontrar as respostas E

    arte moderna, porém, as próprias questões são imprecisas Mas

    talvez possas contarnos mais alguma coisa acerca do novo horizonte que se te abre na sica e em cujo âmbito pretendes ded

    carte à investigação.

    Tentei azerme compreender no pouco que aprendera sobrea fsica do átomo graças às leituras no período da mnha doença

    e aos livros de divulgação que me tinham chegado às mãos.

    «a teora da relatvdade respondi a Walter as expern

    cias que mencionaste em conjunto com as outras levara Eins

    tein a abandonar o conceito vigente de smultaneidade. Isto á bastante desconcertante Porque, em princípio toda a gente crê

    saber exactamente o que significa a palavra «simultaneidade

    ainda que se reira a acontecimentos que têm lugar em pontos

    muito distantes ntre si Mas claro que essa exactidão é fala

    ciosa Se, por exemplo se pergunta como possvel demonstrar

    que dois acontecimentos são simultâneos e se investigam as dif

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    37/361

    A DECISÃO DE ESTUDAR FÍSICA 1 35

    rentes possibilidades de demonstração através dos resultados, a na

    tureza infora-nos que a resposta não é unívoca, mas depende

    fundaentalmente do estado de oviento do observador. Espaçoe tepo não estão, por conseguinte, tão independenteente sepa

    rados entre si como até agora se acreditava. Einstein pôde des

    crever, através de uma fora ateática relativamente simples

    e concludente, a nova estrutura de espaço e tepo Enquanto

    estive doente, tentei de algu odo penetrar neste mundo ate

    ático Mas todo este doínio, como aprendi graças a Soer

    feld, já está razoavelmente aberto, e não constitui, portanto, ne

    nhu horizonte novo«Üs problemas mais interessantes respeita a outro campo,

    à teoria atómica. Aqui, põese a questão básica da ocorrência de

    ormas e qualidades dentro do undo material que sempre se

    repete Porque será, por exemplo, que a água lquida se ora

    sistematicaente, co todas as suas propriedades caractersticas,

    tanto a partir da fusão de gelo, coo da condensação do vapor

    de água, ou da combustão do hidrogénio? Este facto sempre oi

    admitido na sica tradicional, mas nunca oi entendido. Supondoos corpos materiais, a água, por exemplo, copostos por áto

    os e a qumica utiliza com êxito esta ideia, as leis do mo

    viento, que aprendemos na escola e constitue a ecânica

    newtoniana, não pode conduzir a ovimentos das partes ais

    pequenas resentando u tal grau de estabilidade Deve aqui

    actuar, po anto, leis naturais de u tipo uito diferente, que

    expliquem que os átoos se associem e ovam sepre do eso

    odo, gerandose permanentemente foras de matéria co as

    esmas propriedades estáveis As prieiras indicações relativas a

    essas novas leis da natureza oram dadas, como sabemos, há vinte

    anos, por Planck, na sua teoria quântica, e o físico dinamarquês

    Bohr pôs as ideias de Planck e relação com as representações

    da estrutura do átoo, que Rutherford desenvolvera e Inglaterra

    Aim se lorou ela rieira vez, lançar luz sobre a surpreen

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    38/361

    36 1 DIÁLGOS SOBRE FÍSICA ATÓMICA

    dente estabilidade no domínio atómico, a que acabei de me referir. Mas neste campo ainda se está muito longe segundo pensa

    Sommerfeld de uma compreensão clara dos problemas Abre-se

    pois todo um domínio por explorar onde talvez venham a des

    cobrirse novas inter-relações nas próximas décadas Poderia pois

    reduzirse toda a química à fsica dos átomos formulandose cor

    rectamente neste ponto as leis da natureza Tudo dependerá de

    se encontrarem os novos conceitos adequados a um progresso bem

    orientado neste campo Creio por isso que na fsica atómica

    actual estamos na pista de inter-relações e estruturas mais impor

    tantes do que na música. as concordo em que há cento e cinquenta anos acontecia justamente o contrário.»

    «Pensas portanto respondeu Walter que todo aquele que

    queira cooperar no progresso actual da sua época tem que fazer

    uso necessariamente dos materiais concretos a que a evolução

    histórica conduziu? Se Mozart tivesse nascido na nossa época

    verseia limitado a escrever apenas música eperimental e ato

    na como os compositores de agora?»

    «Creio que sim Se Einstein tivesse vivido no século xn, comcerteza não teria podido realizar qualquer descoberta científica

    relevante»

    «Talvez não sea lcito obectou a mãe de Walter apre

    sentar sempre grandes figuras como Mozart ou Einstein Poucos

    indivíduos têm possibilidade de desempenhar papéis dcisivos. Pa

    ticipam em círculos menores discretos e é a este nível que se

    deve pensar se não é mais satisfatório tocar a trio em sibemol

    maior e cubert do que construir aparelos ou escrever fórmu

    las matemátcas»

    Adverti que eu próprio sentira muitos escrúpulos nesse sen

    tido e referi também a minha conversa com Sommerfeld subli

    nhando as palavras de Schiller que o professor citara: «Quando

    os reis constroem há que fazer para os trabalhadores»

    Rolf comentou «É coisa que nos afecta a todos da mesma

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    39/361

    A DECISÃO DE ESTUDAR FÍSICA l 37

    maneira. Um músico tem que realizar antes de mais, um esforço

    infinito só para atingir o domínio técnico do instrumento; e ainda

    assim não vai além de tocar partituras que já foram interpreta

    das muito melhor por centenas de músicos Se estudas fsica terás

    de construir primeiro ao cabo de um esforço porfiado instru

    mentos que já foram mais bem construídos por outras pessoas ou

    realizar reflexões matemáticas que são simples reproduções de

    outras originais. Quando tudo isto é conseguido fica-nos en

    quanto trabalhadores o contacto constante com a boa música e

    de vez em quando uma interpretação particularmente lograda

    Quanto a vocês eventualente entenderão uma inter-relação demaneira mais satisfatória ou precisarão alguma questão mais exac

    tamente do que já fora feito pelos vossos predecessores Não se

    pode prever de modo rigoroso a nossa colaboração em algum tema

    mais importante ou a possibilidade de um passo em frente num

    assunto decisivo nem mesmo quando se trabalha num terreno

    onde haja ainda muita terra por explorar.»

    A mãe de Walter que escutara pensativa falou mais para si

    do que para nós como se os seus pensamentos se formassem nopróprio momento em que pronunciava as palavras: «Provavel

    mente é costume interpretar de maneira errónea a comparação

    entre os reis e os trabalhadores Parece-nos em princípio que

    todo o esplendor procede da actividade dos reis e que o trabalho

    dos trabalhadores é apenas uma colaboração acessória Mas tal

    vez seja precisamente o contrário A glória dos reis apoia-se fun

    damentalmente no labor dos trabalhadores está no facto de os

    trabalhadores poderem encontrar trabalho fatigante para muitos

    anos mas ao mesmo tempo na alegria e no êxito desse labor

    Talvez figuras como Bach ou Mozart nos apareçam como reis de

    música simplesmente porque durante dois séculos tornaram possí

    vel a grande número de músicos menores realizar os seus pen

    samentos com o máxio cuidado e escrúpulo reinterpretálos e

    tornálos desse modo inteligíveis aos seus ouvidos. E é evidente

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    40/361

    38 1 DIÁLOGOS SOBRE FÍSICA ATÓMICA

    que também os ouvines paricipam neste trabalho de cuidadosa

    reactualização e inerpreação. É nese contexto que lhes são

    apresentadas as ideias exposas pelos grandes músicos Quando se

    considera a evolução histórica - e iso pareceme afectar em

    igual medida as ares e as ciências -, deve haver em cada dis

    ciplina longos períodos de repouso ou de desenvolvimeno Tam

    bém nestas épocas, tudo depende de um trabalho consciene e

    preciso, em odos os seus pormenores O que não se faz com plena

    entrega esquecese e não merece sequer ser recordado Porém

    uma vez ransformado, com a mudança dos empos, o conteúdo

    da disciplina respeciva, acaba por chegar um momeno em queo fruo dese leno processo se cifra, inesperadamente em novas

    possibilidades e novos conteúdos Vêemse grandes génios como

    que magicamente atraídos por ese processo, pelas forças de cres

    cimento que nele se adivinham, e assim sucede que ao cabo de

    poucos decénios se criam, num âmbio resrio, as obras de are

    mais significaivas e se realizam descobertas cientficas da má

    xima importância.

    «Foi deste modo que na segunda meade do século xvmsurgu em Viena a música clássica e que nos séculos e XVI,

    a pinura nos Países Baixos Os grandes génios conferem aos no

    vos coneúdos espirituais a sua representação eerna, criam as

    formas válidas nas quais se desenrla a evolução ulterior; mas não

    produzem propriamene os novos conteúdos

    Nauralmene alvez esejamos agora no começo de uma

    época cienfica de grande fecundidade e não se pode dissuadir

    um jovem de nela omar pare aciva Tãopouco se pode exigir

    que se realizem ao mesmo empo progressos imporantes em mui

    tas ares e ciências; emos que congraularnos, pelo conrário, se

    iso suceder ao menos num campo, se pudermos participar espon

    aneamene nessa glória como espectadores ou cooperadores aci

    vos Não podemos esperar mais do que isso Assim, não veo us

    tificação para as críticas que frequentemente se fazem em ar

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    41/361

    A DECISÃO DE ESTUDAR FÍSA 1 39

    moderna - seja pntua ou músca. Na sequênca dos grandesproblemas que se mpuseram à músca ou às artes fguratvas nosséculos xvm e XIX, e que foram resolvdos, deva naturalmentesegurse uma época mas tranqula, em que se ode conservaro antgo, mas só se pode ensaar a nodade de modo nseguroe expermental A comparação dos resultados da músca actualcom os da grande época da músca clássca parece carecer de justça Talvez possamos, entretanto, termar a note com mas umdos vossos ensaios, tocando o andamento lento do tro em sbemolmaor de Schubert o melhor possível»

    Assm sucedeu, e elo modo como Rolf - com o seu volno fez soar na segunda parte desta eça as frases nostálgcasem dó maor pudemos erceber a trsteza que lhe produza aossa convcção de que a grande éoca da músca europea passara defntamete

    Algus das mas tarde, quando etre na aula d� Unersdade onde Sommerfeld costumava dar as suas lções, descobr natercera fla um estudate de cabelo escuro e rosto longo, mpre

    ciso e msteroso, que já hava chamado a mnha atenção ao vêlono semáro, as a mnha rmera conersa com SommerfeldEste tnhamo aresentado, e deos, ao desedrse, na porta doseu nsttuto, dsserame que o cosderaa um dos melhores alunos e que eu odera areder muto com ele. Dea solctar asua auda quando me surgssem dúdas em físca. ChamavaseWolfgag Paul, e a atr da, equato o, desemenhou, emrelação a mim e a todo o meu trabalho científco, o papel de

    amgo e crítco semre be escolhdo, aida que extremameteexgente. Senteme ao lado dele e edlhe que depos da aulame desse alguns conselhos sobre os meus estudos. ef edentrou a aula e, quando rouncaa as rmeras palaras dasua lção, olfgag sussurroume ao oudo: «Não te parece umvelho coroel de hussados? Quando, termnada a aula, oltámos ao semnáro do Instituto de Físca eórca, fz duas pergu

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    42/361

    40 1 DÁLGS SBRE FÍSIC TÓMIC

    tas a Wolgang essencialmente importantes. Queria saber em que

    medida se necessita aprender a arte da realização de experiências

    estando-se interessado em trabalhar sobretudo em teoria, e que

    importância teria segundo o seu parecer na física de hoje a teo

    ria da relatividade em comparação com a teoria do átomo À pri

    meira pergunta Wolfgang respondeu: «Se que Sommerfeld dá

    grande valor a uma certa aprendizagem da experimentação, mas

    é coisa que não se quadra comigo; não tenho eito para tratar com

    instrumentos Veo claramente que toda a fsica deve basearse

    nos resultados experimentais mas uma vez que esses resultados

    á existem a física pelo menos a física moderna resulta demasiado difícil para a maioria dos físicos experimentais A razão

    é que com os meios técnicos da física experimental contempo

    rânea penetramos em domínios da natureza que não podem des

    crever-se convenientemente em termos dos conceitos do quoti

    diano Temos de valer-nos de uma linguagem matemática abstracta

    que não se pode utilizar sem uma aprendizagem profunda da mate

    mática moderna O único remédio portanto é a especialização

    Pareceme acessível a linguagem mateática abstracta e espero

    usá-la na fsica Para isto é, evidentemente, imprescindível um

    certo conhecimento da parte experimental. O matemático puro

    por muito bom que sea não entende praticamente nada de fí

    sica»

    Relatei a propósito disto o meu diálogo com o velho Lin

    demann os ladridos do cãozito negro e a leitura do livro de

    eyl spaço-emp-atéria. Foi um relato que despertou a hlaridade de Wolfgang

    «Coincide exactamente com o que esperava respondeu

    Lindemann é um fanático de precisão matemática. Toda a

    ciência que utilize a matemática como instrumento inclusive a

    fsica matemática é para ele palavrório confuso Weyl entende

    realmente bastante da teoria da relatividade e por isso, natural-

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    43/361

    DEÃO DE ETUDR FÍSICA ! 41

    mente, Lindemann exclui-o da lista dos matemáticos que se podem

    tomar a sério.»

    À minha pergunta sobre a importância da teoria da relativi

    dade e da teoria do átomo, Wolfgang respondeu mais pormeno

    rizadamente: «A chamada teoria da relatividade restrita está total

    mente terminada e devese aprendê-la com facilidade e aplicá-la,

    como qualquer das disciplinas da ísica Não é, portanto, especial

    mente interessante para quem deseje descobrir algo de novo

    A teoria da relatividade geral, ou, o que é aproximadamente o

    mesmo, a teoria da gravitação de Einstein, não está, no mesmo

    sentido, acabada , além disso, muito insatisfatória, já que aolongo de cem páginas de teoria, onde surgem tratamentos mate

    máticos dos mais difíceis, só é descrita uma experiência Por isso,

    não há a certeza absoluta da sua veracidade Porém, é uma teoria

    que entreabe novas possibilidades de pensa, e á que tomá-la

    muito a séio. Há pouco tempo escevi um longo atigo sobre

    a teoria geral da relatividade, mas, talve po isso, acho a física

    atómica, no fundo, mais inteessante Na física do átomo há uma

    imensidão de resultados expeimentais que ainda não foram explicados os enunciados da natuea num contexto parecem opor

    -se aos de outro, e até agora não foi possvel traçar uma imagem

    das inter-relações que esteja relativamente livre de contradições

    internas É certo que o dinamarqus Nes Bor logrou elaciona

    a singular estabilidade dos átomos perante as pertubações exte

    riores com a ipótese quântica de Planck, que, aliás, também não

    se compeende; mas, recentemente, parece que Boh pôde tornar

    qualitativamente compreensível o sistema peiódico dos elementos

    e as popriedades químicas de agumas substâncias Não consigo

    porém ve como seá isto possvel, uma vez que ele também não

    logra elimina as contadições de que te falei Em todo este campo

    se progride, pois, às a1alpadelas, dentro da névoa mais espessa,

    e só daqui a bastantes anos se encontaá uma orientação segura

    Sommefeld espera que, à base das experiências, seja possível adi-

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    44/361

    42 1 DÁLOGOS SOBRE FÍSICA ATÓMCA

    vinhar novas leis. Cê nas elações numéicas como uma espec1ede ística dos númeos, do mesmo modo que no seu tempo os

    pitagóicos aceditavam nas hamonias das codas vibantes Po

    isso, gostaos de designa este lado da sua ciência po «atomstica»; mas até ao momento pesente ninguém sugeiu nada me

    lo. Talvez seja mais fácil uma pessoa oienta-se se ainda não

    conece bem a fsica anteio na sua magnificente unidade.

    Tens vantagem nesse ponto soiu Wolfgang um pouco malicio

    samente mas a falta de conhecimentos não é natualente

    gaantia de êxito»

    Apesa desta ligeia udeza Wolfgang confimaame tudoquanto me popusea como fundamento do meu etudo de fsica

    Sentiame satisfeito po não me te oientado no sentido da mate

    mtica pua, e o cãozito nego do escitóio de Lindemann apa

    eceue na ecodação como uma pate daquela foça que que

    sempe o mal e cia sepe o bem.

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    45/361

    CAP1TULO III

    O CONCETO «ENENDER» EM FSCA MODERN

    (920-19)

    Os dois rimiros anos dos mus studos m Muniqu dsn

    roaram-s m dois mundos muito difrnts o círculo d ami

    gos do Movimnto da Juvntud o contxto abstracto-raciona

    da ísica tórica. mbos os domnios ram rpltos d vida tão

    intnsa qu smr m ncontrava num stado d agitação ro

    unda não m ra áci assar d um camo ao outro No smi

    nário d Sommrd, as conversas com W ogang aui consti

    turam a art mais imortant dos mus studos Porém o

    génro d vida d Wogang ra quas diamtramnt oosto aou Para mim a caridad do dia, os assios a montanha,

    o razr d um banho num ago bávaro; ara Wogang a animaão nocturna Prria a cidad, assistindo a sctácuos divr

    tidos e arovitando o rsto da noit ara studar ísica, com

    rndimnto notáv É caro qu com grand mágoa d Sommr

    fd, só raramnt aarcia às auas d manhã, d modo qu

    nunca stava rsnt no sminário ants do mio-dia Esta divr

    sidad d stios d vida du ocasião a crtas diicudads d raçõs, mas não chgou a rturbar a nossa amizad O nosso int

    rss comum a ísica ra tão ort qu acimnt suprou os

    intrsss distintos nos outros camos.

    Quando nso naqu Vrão d 19 tnto concntrar as

    divrsas rcordaõs numa imagm únca o qu oco é um

    acamamnto na ora d um bosqu á m baixo, ainda na

    obscuridad do amanhc, vês o ago m qu nos banhámos a

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    46/361

    44 / DIÁLOGOS SOBRE FÍSICA ATÓMICA

    véspera e, lá ao longe, do outro lado, a crista espessa do Bene

    diktenwand. Os companheiros ainda dormem, mas eu abandono

    a tenda sozinho antes da alvorada para chegar, através de ata

    lhos, em pouco mais de uma hora, à estação mais próxima O

    comboio da manhã deixar-me-ia pontualmente em Munique, a fim

    de não perder a aula de Sommerfeld às nove. O caminho conduz

    primeiro ao lago, por terrenos pantanosos, a cadeia dos Alpes

    desde o Benediktenwand até ao Fugspitze. Nos prados floridos

    aparecem as primeiras máquinas de ceifar, e lamento um pouco

    já não poder, como três anos antes, na condição de trabalhador

    rural, guiar a junta de bois na granja Grossthaler, em MiesbachO trabalho tinha de ser tão bem feito que não ficasse sequer

    uma franja de erva Assim se entrecruzavam policromamente no

    meu espírito a vida quotidiana campesina, o esplendor da paisa

    gem e a aula iminente de Sommerfeld, de tal maneira que me per

    suadia de ser o homem mais feliz do mundo

    Uma ou duas horas depois de terminada a aula de Sommer

    fald, Wolfgang aparecia no seminário e a nossa conversa poderia

    muito bem ter sido a que se segue Dizia Wolfgang: «BomdiaAí está o nosso apóstolo da natureza Tens o aspecto de ter voltado

    a viver uns quantos dias segundo os princípios o vosso santo

    patrono Rousseau A ele se atribui o lema famoso egresso à

    natureza; macas, subam às árvres.» Logo lhe respondia eu:

    «A segunda parte da citação não é de Rousseau e, aé disso,

    nunca nos passou pela cabeça trepar às árvores Devias ter dito

    bm midia em vez de bm-da porque são mesmo doze horas

    Para a próxima vez, hás-de levarme a um desses locais noctur

    nos, para que também eu seja bafejado pela riqueza da inspiração

    para os temas da fsica» E Wolfgang: «Com certeza que isso não

    te ajudava nada. Mas para já podias contarme o que aproveitaste

    do trabalho de Kramers, que tens de abordar qualquer dia no

    seminário» Era assim que o diálogo se transformava em discussão

    obectiva Nas nossas conversas sobre fsica també paicipava

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    47/361

    O CONCEITO «ENTENDER) E FÍSICA ODERNA \ 45

    com requência outro colega, Otto Laporte que com o seu prag

    matismo inteligente e sóbrio era um bom intermediário entre

    mim e Wolfgang. Mais tarde publicou com Sommereld, traba

     lhos importantes acerca da chamada estrutura «multiplete» dos

    espectros

    Provavelmente icou a dever-se também à sua acçã de me

    daneiro u passeio de bicicleta pela montanha que uma vez resol

    vemos azer Wolgang, Otto e eu De Benediktbeuern subimos

    a Kesselberg até ao lago Walchen e daí mais a diante, até ao vale

    do Loisach Foi a única vez que Wolgang se atreveu a penetrar

    no meu mundo. Porém esta experiência oi altamente rutuosapelas etensas conversas que mantivemos e que continuámos mais

    tarde em Munique a dois ou a três

    Assim passámos portanto alguns dias juntos. Após escalarmos

    a crista do Kesselberg, arrastando penosamente as bicicletas, to

    mámos sem esforço pela estrada rasada na alda da montanha,

    ao longo da escarpada margem ocidental do lago Walchen aindaeu não advnhava a mportânca ue vria a ter para mm este

    troço de terra, e atravessámos o lugar onde outrora um velhoharpista e a sua filhita sbiram na carruagem de Goethe, a cami

    nho de Itália modelos que o escritor aproveitara no Wlhelm

    Meister. Para lá do lago escuro, Goethe contemplara pela primeira vez seundo refere o seu dro, as cordilheiras nevadas

    Contudo, ainda que estas imagens fossem por nós acolhidas com

    alegria, a conversa incidia no entanto, repetidamente sobre ues

    tões relacionadas com o estudo e a ciência.

    Wolgang perguntou-me uma vez creio ue uma tarde na

    pousada de Grainau se eu entendera a teoria da relatividade de

    Einstein, que desempenhava papel tão importante no seminário de

    Sommerfeld. Só pude responder ue não sabia por ainda não ver

    claro o sinificado exacto da palavra «entende dentro do nosso

    campo cientico. O aparelho matemático da teora da relativi

    dade não me ofereca ualuer dficuldade mas isto não sinfi

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    48/361

    46 1 DIÁLOS SOBRE FÍICA TÓMI

    cava que eu fosse capaz de perceber porque é que um observador

    e movimento, ao usar a palavra «tempo», queria dizer algo de

    distinto em comparação com u observador em repouso. Esta

    confusão do conceito de tempo continuava a ser para im inquie

    tante, porquanto ininteligível

    «Mas se conheces a estruturação matemática - objectava

    Wolfgang, podes calcular com precisão a respeito de cada uma

    das experiências, o que perceberá ou medirá um observador em

    repouso e um observador em movimento. Sabes também que su

    pomos undamentalente que ua experiência real realizarseá

    exactamente como o cálculo o prediz. Que mais queres então?»«É essa precisamente a minha dificuldade respondi eu ,

    não sei que mais se poderia exigir. as sintome, de certo odo

    burlado pela lógica inerente ao funcionamento desta trama mate

    mática Ou se preferires entendi a teoa co a cabeça as

    ainda não consegui entendêla co o coação. O que é o «tempo»

    creio eu saber; ne precisava de ter estudado física para tal

    porque o nosso pensaento e a nossa actuação sempre pressupõe

    este conceito ingénuo de tempo Talve se possam pôr as coisas daseguinte aneira: o nosso pensaento depende do facto de este

    conceito ser útil, de podermos trabalhar com ele Poré, se este

    conceito tem de ser alterado então deixaos de saber se a nossa

    linguagem e o nosso pensaento peranece instruentos útes

    à nossa orientação Não quero com isto referirme a Kant, que

    classifica o espaço e o tepo coo foras intuitivas a priori,

    outorgandolhes u carácter absoluto seelhante ao que a fsica

    anterior lhes atribua Só desearia acentuar que falar e pensar

    se tornam operações inseguras se udaros noções tão funda

    entais como estas e a insegurança não copatvel com a co

    preensão»

    Otto achou inundada a minha preocupação «Na filosofia

    académica disse ele, dáme a impressão que conceitos como

    espao e tem possue um significado fixo, não modfc

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    49/361

    O CONCEITO ENENDERn EM FÍSCA MODERA 1 47

    vel Mas é isto que demonstra justamente a falsidade da filosofia

    académica. Com asserções muito bem formuladas sobre a «essên

    cia» do espaço e do tempo, não podemos chegar a coisa nenhuma

    Talvez já te tenhas oupado demasiado de filosofia Mas há uma

    definição que é preciso não esqueceres: a filosofia é o abuso sis

    temático de uma terminologia inventada justamente para este fim

    Qualquer exigênia absoluta é de antemão recusável Na reali

    dade só deviam utilizar-se as palavras e conceitos que pudessem

    referirse imediatamente à percepção sensível, susceptvel natu

    ralmente de observação fsica complexa Esses conceitos podem

    sr entendidos sem grandes explcações Foi precisamente este regresso ao observável o grande mérito de Einstein Na teoria da

    relatividade, começou por partir da hpótese natural de que o

    tempo é aquilo que se lê no relógio Ligando-nos ao sgnificado

    trivial destas paavras, não surge qualquer dificuldade na teoria

    da relatividade uando uma teoria perte prever exactamente

    o resultado das observações faclita igualmente tudo o que é ne

    cessário para a sua compreensão

    Wolfgang fez alguns reparos a isto «Ü que tu dizes só é vlido

    sob certas condiões e que referi-las Em primeiro lugar de

    ve-se estar seguro e que as previsões e teoria são unívocas e

    não eiste contradão entre elas formando m todo coerente

    No caso da teoria da relatvade sto é garantido pela estrutra

    conceptual da teoria; deve extrarse a que fenómenos pode ou

    não aplicarse Se não ouvesse este limte, qualquer teoria sera

    imediatamente refutvel por não ser capaz de prever todos osfenómenos o Unverso Porm mesmo quando se preencem to

    dos estes pressupostos continuo a não ter a certeza de que sea

    possível automaticamente uma compreensão total no caso de plau

    sbilidade de previsão de todos os fenómenos pertencentes a um

    dado domínio Em contrapartia talvez seja possível compreen

    der perfeitamente m certo campo experimental sem que no

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    50/361

    48 1 DÁLOGOS SOBRE FÍSICA ATÓMCA

    entanto se possam prever todos os resultados de obsevações ftras.»

    Tentei, por meio de exemplos históricos justificar as minhas

    dúias a respeito da possibilidade de equiparar a apacidade de

    preisão com a compreensão de uma teoria «Sabes que na Gré

    cia antiga o astrónomo Aristarco já pensava na possibilidade de

    o Sol ocpar o ponto central do nosso sistema planetário Esta

    ideia foi no entanto refutada por Hispaco e cai no esquecimento

    Ptolome partiu da ideia de ue a Terra constituíra o centro, e

    considerou as órbitas dos planetas como compostas po várias

    órbitas circlares por ciclos e epiciclos Graças a esta concepção,logrou determinar com grande precisão os eclpses o o e da

    Lua e a sa outrina foi considerada drante um milhar e meio

    de anos como a base segra da astonomia Porém entendera

    realmente Ptolomeu o sistema plaetáio? Não foi Newton o pri

    meiro a conhecer a lei da inércia a introduzir a foça como causa

    da vaiação de qantdade de movimento e a explicar convenien

    temente o movmento dos planetas através da gavitaço? Não

    foi ele o primeiro a percebe este movimento? Esta questão paece-me decisiva Tomemos ainda um exemplo da históia mais

    recente da física

    Qando nos fins do século xvm, se chegou a m conheci

    mento mais exacto dos fenómenos eléctricos fizeram-se cálculos

    mito precisos das forças electrostáticas entre copos caregados

    segundo aprendi nas lições de Sommefeld; analogamente ao que

    scedia na mecânica de Newton com os copos que apareciam

    como potadores de forças Mas só qando o inglês Faraday deuuma volta a esta qestão e procuro o campo de forças quer

    dizer a distribuição das forças no espaço e no tempo é que se

    entevi o funamento compreensivo dos fenómenos electromag

    néticos, qe mais tade merecia fomulação matemática por pate

    de Maxell»

    Otto não achou estes exemplos particlamente convncentes

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    51/361

    O CONCETO (ENTENDER) EM FÍSICA MODERNA 1 49

    «Só posso aí encontrar uma diferença de grau, não uma distin

    ção fundamental. A astronomia de Plotomeu é muito boa; de outro

    modo, não teria logrado manter-se durante mil e quinhentos anos.

    A de Newton não foi melhor no começo, e só com o correr do

    tempo é que veio a descobrir-se que, graças à mecânica newto

    niana se podiam calcular efectivamente os movimentos dos cor

    pos celestes com maior exactidão do que com os ciclos e epiciclos

    ptolomaicos. Newton limitouse a dar outra representação mate

    mática do movimento dos planetas e estou de acordo em que

    esta se revelou, posteriormente, como a de maior êxito.»

    Wolfgang considerou esta concepção unilateral e positivistaem demasia. Creio que a astronomia de Newton se distingue

    fundamentalmente da de Ptolomeu. Newton pôs a questão de ma

    neira diversa. Não começou por se interrogar acerca dos movi

    mentos mas acerca da causa dos movimentos. Descobriu-a nas

    forças, e logo se deu conta de que as forças no sistema planetário

    são mais simples do que os movimentos. Descreveu-as mediante

    a sua lei gravitacional. Se agora dizemos que entendemos, a par

    tir de Newton os movimentos dos planetas, queremos om issoindicar que estes movimentos, muito complicados quando objecto

    de observação mais precisa, são susceptveis de redução a algo

    muito simples a saber, as forças da gravitação, que permitem

    assim explicálos. Em Ptolomeu, podiam descrever-se as compli

    cações através de uma sobreposição de ciclos e epiciclos, mas era

    imperioso aceitá-las simplesmente como dados empricos. Além

    disso, Newton mostrou que no movimento dos planetas ocorre

    fundamentalmente o mesmo que no movimento de uma pedra

    que foi lançada, na oscilação de um pêndulo ou no rodar de um

    pião Pelo facto de todos estes fenómenos, na sua diversidade,

    poderem ser reduzidos ao mesmo princpio em mecânca newto

    niana a saber, ao conhecido axioma msa x aceleraçã = força,

    esta explicação do sistema planetário é eminentemente superior

    à d Ptolomeu»4

  • 8/17/2019 Werner Heisenberg-Diálogos Sobre Física Atómica-Verbo (1975)

    52/361

    50 DIÁLOGOS SOBRE F�