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Capítulo 1 Banco do Brasil 1.1. Antecedentes históricos Até o final da segunda década do século XX, o país teve bancos. Porém, não tinha um sistema bancário. Apenas quando se construíram as condições institucionais adequadas para a expansão da moeda bancária, a política monetária começou a se distanciar da opção estreita entre o “metalismo” e o “papelismo”. Havia um conjunto de interesses vinculados à questão monetária e bancária, durante todo o período de hegemonia mundial do padrão ouro (SAES: 1986: 185). Os interesses ligados à lavoura defendiam um padrão monetário dotado de flexibilidade para atender às necessidades conjunturais do comércio. Aos fazendeiros não importava tanto a forma da moeda, papel-moeda ou metálica, desde que ela cumprisse a função de meio de circulação. Outros grupos de interesses desejavam a moeda nacional como equivalente da moeda universal, isto é, com emissão lastreada em ouro. Isso garantiria seu valor, devido à conversibilidade imediata no metal ou em moeda metálica estrangeira. Os representantes de credores internacionais e de empresas estrangeiras instaladas no país e os importadores defendiam essa postura. Como alternativa a essa polarização, a criação do sistema bancário no Brasil ficou sempre em foco, entre ministros de Estado, homens de negócios e jornalistas. Eles compreendiam que as crises chamadas “de numerário” eram crises “de crédito bancário”. A carência de dinheiro somente poderia ser suprida pela expansão do crédito. A gestão de um sistema bancário propriamente dito somente ganha impulso em 1920, quando houve a criação da Inspetoria Geral dos Bancos com a missão de fiscalizar e disciplinar as instituições de crédito. O ano seguinte foi o do estabelecimento da Câmara de Compensação, que levou à aceitação mais ampla do cheque. Criou-se também a Carteira de Redescontos do Banco do Brasil, que, respaldando os bancos em momentos de crise, propiciaria a mudança da política de encaixe monetário desses bancos. Desde então, com a progressiva criação de novos bancos (e posterior expansão de suas redes de agência), se fundaram as condições institucionais adequadas para ampliar a oferta monetária através do multiplicador bancário. Conjuntamente com o processo de urbanização, foi se estabelecendo o ambiente para o uso generalizado de cheques, substituindo, gradualmente, a necessidade de retiradas de papel-moeda da rede bancária. A partir de então, os interesses vinculados à moeda bancária ganharam defesa direta. O poder de criação de moeda pelo sistema bancário, isto é, pelos bancos na relação com seus clientes, deu um poder inquestionável aos banqueiros. Enquanto lideranças desse sistema, eles puderam multiplicar seu poder de comando de decisões econômicas e financeiras. Antes, na pré-história do sistema no Brasil, não se firmaram hábitos bancários. O transporte material do dinheiro criava problemas de fluxos e refluxos de numerários que dificultavam os negócios em escala inter-regional e perturbavam a taxa de juros e os

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Capítulo 1

Banco do Brasil

1.1. Antecedentes históricos

Até o final da segunda década do século XX, o país teve bancos. Porém, não tinha um sistema bancário. Apenas quando se construíram as condições institucionais adequadas para a expansão da moeda bancária, a política monetária começou a se distanciar da opção estreita entre o “metalismo” e o “papelismo”.

Havia um conjunto de interesses vinculados à questão monetária e bancária, durante todo o período de hegemonia mundial do padrão ouro (SAES: 1986: 185). Os interesses ligados à lavoura defendiam um padrão monetário dotado de flexibilidade para atender às necessidades conjunturais do comércio. Aos fazendeiros não importava tanto a forma da moeda, papel-moeda ou metálica, desde que ela cumprisse a função de meio de circulação.

Outros grupos de interesses desejavam a moeda nacional como equivalente da moeda universal, isto é, com emissão lastreada em ouro. Isso garantiria seu valor, devido à conversibilidade imediata no metal ou em moeda metálica estrangeira. Os representantes de credores internacionais e de empresas estrangeiras instaladas no país e os importadores defendiam essa postura.

Como alternativa a essa polarização, a criação do sistema bancário no Brasil ficou sempre em foco, entre ministros de Estado, homens de negócios e jornalistas. Eles compreendiam que as crises chamadas “de numerário” eram crises “de crédito bancário”. A carência de dinheiro somente poderia ser suprida pela expansão do crédito.

A gestão de um sistema bancário propriamente dito somente ganha impulso em 1920, quando houve a criação da Inspetoria Geral dos Bancos com a missão de fiscalizar e disciplinar as instituições de crédito. O ano seguinte foi o do estabelecimento da Câmara de Compensação, que levou à aceitação mais ampla do cheque. Criou-se também a Carteira de Redescontos do Banco do Brasil, que, respaldando os bancos em momentos de crise, propiciaria a mudança da política de encaixe monetário desses bancos. Desde então, com a progressiva criação de novos bancos (e posterior expansão de suas redes de agência), se fundaram as condições institucionais adequadas para ampliar a oferta monetária através do multiplicador bancário. Conjuntamente com o processo de urbanização, foi se estabelecendo o ambiente para o uso generalizado de cheques, substituindo, gradualmente, a necessidade de retiradas de papel-moeda da rede bancária.

A partir de então, os interesses vinculados à moeda bancária ganharam defesa direta. O poder de criação de moeda pelo sistema bancário, isto é, pelos bancos na relação com seus clientes, deu um poder inquestionável aos banqueiros. Enquanto lideranças desse sistema, eles puderam multiplicar seu poder de comando de decisões econômicas e financeiras.

Antes, na pré-história do sistema no Brasil, não se firmaram hábitos bancários. O transporte material do dinheiro criava problemas de fluxos e refluxos de numerários que dificultavam os negócios em escala inter-regional e perturbavam a taxa de juros e os

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preços. Um objetivo dos bancos era, justamente, cortar as despesas e os incômodos da condução do metal.

No Brasil, pela própria vastidão territorial, pela diversidade e dificuldade de comunicações, pela dispersão dos grandes centros de comércio e indústria, a função bancária, em escala nacional, era uma necessidade indiscutível. Realizando a compensação entre as emissões de seus clientes, entre as diversas praças e entre os estabelecimentos congêneres, os bancos poderiam facilitar e baratear todas as transações de empréstimos, pagamentos à distância, depósitos e cobranças.

O primeiro ciclo da história financeira brasileira ocorreu na economia colonial via escambo, onde predominava a troca direta de mercadorias. Até a chegada da corte portuguesa, em 1808, os dirigentes metropolitanos de Portugal não tinham permitido à colônia brasileira tirar proveito de sua disponibilidade de recursos metálicos. Deslocavam para países estrangeiros, principalmente, para a Inglaterra, a maior parte do ouro que extraíam em Minas Gerais. Por aqui, a emissão de moeda metálica era restrita. Era monopólio da soberania portuguesa. Somente na primeira Casa da Moeda, criada em 1698, na Bahia, podia se cunhar a moeda colonial em ouro, prata ou cobre. As moedas de menos valor recebiam apelidos: cruzado, pataca, tostão, vintém. Os raros papéis-moeda eram emitidos contra um depósito em ouro, feito na Casa da Moeda, a favor do depositante.

O escambo era a regra no varejo. O comércio que abasteceu a lavoura de mão-de-obra escrava, ao longo de três séculos, fez o papel de banqueiro. O açúcar e os escravos eram os substitutos da moeda metálica e compunham o “sistema monetário” brasileiro da época colonial.

Entretanto, esses substitutos da moeda não eram suficientes para atender às necessidades. O crédito era fornecido pelas casas comerciais, por algumas entidades religiosas e por agiotas. Para gerar “moeda de crédito” era necessário criar laços de dependência pessoal, mesmo entre os homens livres. Assim, a “troca”, quando não liquidada em moeda, confundia-se com as relações pessoais de dependência ou domínio, e a “riqueza”, com o controle de homens e bens. Essa cadeia de “cordialidade” com relações pessoais de clientela determinava o crédito pessoal de cada qual. Originou, então, uma longa tradição histórica brasileira de tratar os negócios como relações pessoais, com o fornecedor de “adiantamentos” ou “prazos para pagar” sendo considerado alguém com quem se tinha uma dívida moral, em vez de se estabelecer relações monetárias, liquidando as ligações pessoais com a entrega do dinheiro.

No começo do século XIX, segundo CALÓGERAS (1910: 16), “poderia o Brasil ser dividido em três zonas bem delimitadas do ponto de vista da circulação [monetária]: as cidades comerciais do litoral, a região mineira e o resto do país”.

As cidades portuárias, destacadamente Rio de Janeiro, Salvador, Recife, São Luís e Belém, centralizavam o comércio. O numerário disponível se encontrava concentrado, principalmente, nas transações com a metrópole. A região mineira, interditada explicitamente em seu desenvolvimento industrial, tinha ainda dificuldade suplementar imposta pela proibição da circulação da moeda mais aceita: o ouro em pó. No resto do país, cuja unidade econômica era a fazenda, a grande propriedade agrícola bastava a si própria, com a exceção da compra do sal para a criação do gado, de panos e outras poucas mercadorias. “O excedente, se não perdido no jogo, era aplicado em jóias

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e novas compras de escravos e terras. (...) As grandes fortunas da época eram imobiliárias, caracterizadas pela exploração intensiva do solo, baseada no trabalho escravo” (CALÓGERAS, 1910:17).

Os fundadores do Império Brasileiro, no século XIX, segundo LESSA (2001: 250), “preservaram a base patrimonial da colônia, cujo item-chave era o escravo nas fazendas. Também sustentaram a garantia geopolítica à livre operação do núcleo central de acumulação mercantil da Colônia: o capital ligado ao tráfico”. Gerou ampla concentração de riqueza nas mãos dos traficantes de escravos.

Predominava a manutenção do estoque de riqueza em escravos, terras, engenhos, etc. Eram considerados “bens de raiz”. Esse patrimônio imobilizado não era convertido, facilmente, na forma estritamente monetária.

1.2. Primeiro Banco do Brasil

“A história dos bancos do nosso país gira em torno e se integra na história do Banco do Brasil – e sempre será assim”, vaticinou VIANA (1926: 22).

Historicamente, predominou sua atuação como “banco do governo” e “banco dos bancos”. Uma hipótese para unificar a história do Banco do Brasil em torno de um fio-condutor seria que, embora ele tenha experimentado, periodicamente, “crises de identidade” (e até mesmo “crises de desaparecimento”), predominou sempre, em última análise, seu papel de “banco do governo”. Ele nunca assumiu, inteiramente, todas as funções de autoridade monetária. Talvez até porque tenha assumido, na sua “última versão”, após 1905, também a função de fomento do desenvolvimento nacional.

Houve, ao longo de sua história, redefinição de sua função prioritária enquanto um “quase banco central”. Entre as funções clássicas deste, sem dúvida, ele foi “banco do governo”, pois sempre exerceu o papel agente de financiamento do governo e/ou executor das políticas públicas. Foi também “banco dos bancos”, principalmente nas crises bancárias, quando se tornava emprestador em última instância. Atuou, igualmente, como “banco de câmbio”, ou seja, protetor dos valores de troca entre a moeda nacional e a moeda estrangeira, estabilizando (ou não) a taxa de câmbio. Mas, devido ao conflito de interesses com outros bancos comerciais concorrentes, nunca foi “ banco fiscalizador”: supervisor do cumprimento da regulamentação do sistema financeiro nacional, visando à estabilidade sistêmica. Embora tenha sido “banco regulador da taxa de juros”, utilizando-se das forças de mercado, não chegou a ser “controlador da oferta de moeda interna”, pois dava prioridade maior ao fomento do desenvolvimento, mais do que cumprir a meta da programação monetária.

O primeiro Banco do Brasil foi fundado como “banco de governo”. Segundo o alvará de 12 de outubro de 1808, sua fundação teve como objetivo facilitar “os meios e os recursos de que as rendas reais e as públicas necessitarem para ocorrer às despesas do Estado” (ABREU et al., 2001, verbete usado como roteiro).

Na época, havia algumas experiências, na Inglaterra e na França, de o Estado utilizar-se dos “bancos de emissão” para atender às dívidas, devido às despesas extraordinárias de guerra e às necessidades orçamentárias. O citado alvará indicava como finalidade, em primeiro lugar, conseguir fundos necessários para a manutenção da própria Monarquia. Em segundo, facilitar o pagamento de soldos, ordenados, juros e

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pensões. Por fim, atender às necessidades monetárias das transações mercantis. VIEIRA (1947: 58) afirma que “o sistema monetário, representado pelo papel-moeda, teria por motivo determinante, não o desenvolvimento econômico da Nação, e sim as múltiplas obrigações do Estado”.

O primeiro Banco do Brasil, segundo VIANA (1926: 9), fez parte do programa geral de adaptação das instituições metropolitanas à colônia em que se instalou a Corte Real portuguesa. Foi experiência inédita em termos históricos: fundar banco para atender o governo de metrópole instalado em colônia!

TAVARES (1999: 450) afirma: “nossa independência política e a inserção da economia na órbita de expansão do capitalismo inglês estão também atreladas a um fenômeno geopolítico sem precedentes na história mundial: a transmigração da sede de um império – o português – para seu maior espaço colonial – o Brasil”.

Com a chegada da corte ao Rio de Janeiro, em 8 de março de 1808, a questão mais séria era encontrar recursos para pagar a administração, a Casa Real, os benefícios, as pensões, em suma, manter todo o padrão de vida levado em Lisboa. Era impossível contar com a remessa de receitas fiscais provenientes da Europa. “Era, pois, com os seus próprios fundos que o Brasil deveria viver e manter a Corte portuguesa” (CALÓGERAS, 1910: 19).

Devido ao deslocamento da corte de D. João VI, multiplicou-se o elenco de agências públicas voltadas para a consolidação do Estado no Brasil. “As novas agências viriam a ser o embrião do setor público moderno do Império brasileiro” (LESSA, 2001: 253). Foram também o embrião do clientelismo característico do nosso sistema político-administrativo. “A corte no Rio operou um choque ‘keynesiano’ de gasto, ao intensificar a circulação mercantil no espaço urbano, dando origem à primeira ‘Brasília’ do país. (...) Ensinou às oligarquias as vantagens do privar com o soberano” (id., ibid.). Entre elas, a da ampliação da importância dos ativos imobiliários, devido à chegada da corte ter produzido intensa valorização imobiliária urbana no Rio de Janeiro.

Acossado pelas tropas de Napoleão, D. João, acompanhado de sua mulher Carlota Joaquina, foi obrigado a atravessar o Atlântico sob a proteção da Marinha de Sua Majestade Britânica. Para ele, a chegada à sua colônia brasileira representava a possibilidade de buscar a recuperação do poder ultrajado. Foi com desenvoltura que o rei então usou sua pena para construir, por leis e alvarás, novo Estado em terras tropicais. Ainda na Bahia, onde ficou apenas dois meses, ele decretou a abertura dos portos às nações amigas e fundou a Companhia de Seguros Boa Fé, a primeira instituição financeira brasileira. Transferindo-se para o Rio de Janeiro, além de inovadoras medidas na área cultural, ele proibiu o comércio de ouro em pó, padronizou as moedas de ouro, prata e cobre e, por alvará em 12 de outubro de 1808, criou o Banco do Brasil (GZM, 13/11/98).

Ao passar a ser governado pelo próprio rei, e não por vice-reis, o Brasil experimentou uma das mais profundas mudanças de sua história. Antes, a riqueza metálica da colônia era transferida para a metrópole. Junto com D. João VI, veio o caixa, o Tesouro, e o dinheiro passou a circular na praça.

Mas vieram também, de imediato, os milhares de acompanhantes em sua viagem para o Brasil. Dois desafios se impuseram: achar moradia para todos e dar-lhes

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ocupação. Quando a corte chegou, 1/3 da população do Rio de Janeiro compunha-se de escravos. A cidade era o maior mercado negreiro das Américas. Os ricos tinham repulsa a fazer qualquer trabalho manual. O sonho do colonizador, que justificava sua imigração, era viver do trabalho alheio, no caso, do escravo. “Quem visitava o Rio do começo do século XIX ficava chocado com a indolência dos cariocas comuns” (WILCKEN, 2005: 205).

A corte portuguesa foi transplantada da metrópole para a colônia conjuntamente com todos os vícios e abusos da estrutura burocrática que mais emperrava do que ajudava a administração. Era a maneira encontrada de empregar todos os fidalgos: “filhos de alguém”. Nenhum era “Zé Ninguém”, mas quase todos eram nulidades que só elevavam as despesas públicas.

Com a abertura comercial favorável, particularmente, à “nação amiga inglesa”, os produtos britânicos, que tinham sido barrados pelo bloqueio do continente europeu por Napoleão, encontraram aqui porto-seguro. Conseqüência desse “afeto”, em que os produtos ingleses tiveram suas alíquotas de importação baixadas extraordinariamente, foi a queda da única fonte de arrecadação tributária expressiva: os impostos sobre importações. A solução encontrada pela corte de D. João VI foi imprimir papel-moeda sem lastro em ouro, criando para isso o Banco do Brasil.

O banco contava com a captação de recursos privados para dar início às atividades. Suas ações, entretanto, não foram subscritas com facilidade. O governo teve de acumular os acionistas de favores para que, ao final de um ano, pudesse arrecadar a parcela mínima de capital necessário à sua instalação. D. João VI obteve empréstimos dos traficantes de escravos, “os verdadeiros senhores do Rio da época”, em troca de comendas e de terras, assegurando a esses párias rápida ascensão social. Embora se pretendesse instituí-lo como organização comercial autônoma, o primeiro Banco do Brasil acabou como uma “sociedade mista”.

As notas emitidas pelo banco circulavam no Rio de Janeiro. Suas emissões cobriam os déficits orçamentários provocados pela manutenção da numerosa corte e pela política externa expansionista de Dom João VI.

A degeneração das notas em papel-moeda inconversível não chegava a preocupar os acionistas, para os quais os direitos da propriedade do banco eram altamente rendosos. A distribuição de dividendos era atraente, porque eram calculados sobre os juros recebidos em função do volume dos empréstimos concedidos, mais 5% sobre o fundo de reserva.

O Estado era o maior cliente. Solicitava sempre novas emissões para cobrir suas próprias necessidades e compromissos com o Banco. Tornava então fácil a política de agraciamento dos acionistas, em detrimento dos portadores das notas, isto é, do público em geral. Não havia interesse em oferecer crédito à iniciativa privada.

A monarquia pretendeu criar "carteira" do banco em Minas Gerais para a compra de ouro e prata através de bilhetes de emissão especial, ou seja, papéis impressos sem nenhuma garantia. Os mineiros desconfiaram dessa operação. A "carteira" não teve movimento. Com essa medida, o governo sinalizou que pretendia aparelhar o banco para preparar o lastro do retorno de dom João VI à Lisboa. O público, pressentindo a manobra, apressou-se em converter suas notas em ouro, mas encontrou a cavalaria nas

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portas do Banco para impedir o resgate. Onde quer que circulassem os bilhetes do Banco, não se conseguia conversão em metais preciosos. O ouro se evadia no contrabando, na compra de escravos e nas importações de produtos britânicos.

O primeiro Banco do Brasil, criado por D. João VI, em 12 de outubro de 1808, emitiu, no princípio, sobre base metálica. Mas as despesas da corte portuguesa levaram ao abuso das emissões, além do uso das disponibilidades do lastro em espécie para importações. O lastro de ouro remanescente foi levado por seu fundador, quando voltou para Portugal, em 21 de abril de 1821. Foi uma retirada real...

“O Banco do Brasil foi então literalmente saqueado, tendo o rei retirado não só os fundos que supostamente deviam pertencer-lhe, como os diamantes da Coroa, anteriormente entregues em doação e que constituíam o lastro do estabelecimento. Ainda mais: os fidalgos de maior valia, detentores de papel-moeda emitido pelo Banco, fizeram com que o valor das notas fosse transformado em ouro em barras para ser embarcado para a metrópole” (GZM, 13/11/98).

O ouro valia tanto em termos de poder de compra internacional que convinha ser “exportado”, isto é, ser usado para pagar as despesas dos reis portugueses, antes da descolonização. Depois, para pagar o custo de sua independência política, o Brasil assumiria dependência financeira, tornando-se responsável por dívida de Portugal com a Inglaterra. Em 1823, os ônus maiores foram com as Guerras de Independência, nas províncias da Bahia, Maranhão e Cisplatina (atual Uruguai, então território brasileiro), cujos governadores negavam-se a acatá-la.

Além de privar o BB de praticamente todo o seu capital e reservas, a Corte portuguesa deixou pesada herança para instituição que se tornaria exclusivamente brasileira, a partir da Independência em 7 de setembro de 1822. O governo português contratou, em 1821, empréstimo na Inglaterra no valor de 20 milhões de cruzados em nome do Banco e do Erário, que seria pago com as rendas das quatro principais alfândegas do Reino. Começou exatamente aí a história da dívida externa brasileira.

“Os problemas iniciais do Estado brasileiro consistiam na preservação da unidade territorial e no reconhecimento internacional. (...) Desde o nascimento, o Estado brasileiro assumiu sobrecargas fiscais e financeiras por razões políticas. O Brasil, ao assumir a dívida brasileira com a Inglaterra, e ao se comprometer a preservar sua vantagem aduaneira, teve aberto o caminho ao reconhecimento do Império pelas potências européias” (LESSA, 2001: 258).

A volta de dom João VI a Portugal em 1821, levando consigo as reservas metálicas do Banco, legou situação financeira alarmante para o herdeiro do trono. Com déficit maior que seu capital e com lastro metálico que cobria apenas 20% do valor nominal de suas notas, o Banco do Brasil tornou-se a instituição financeira de sustentação das Guerras de Independência. O governo do Brasil independente continuou a sacar contra o banco.

Essas circunstâncias derivavam da incapacidade de a receita arrecadada cobrir as despesas públicas e assegurar os gastos militares na consolidação da Independência. O maior dispêndio do governo não seria inflacionário se os gastos adicionais fossem financiados por impostos ou dinheiro tomado por empréstimo junto ao público. Nesse caso, chamado na literatura moderna de “efeito esvaziamento ou deslocamento”

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[crowding out], o governo teria mais para gastar e o público menos. Entretanto, essas medidas de financiamento governamental sempre foram impopulares. Portanto, o método politicamente mais atraente acabava sendo o de aumentar a quantidade de moeda, através da venda de títulos de dívida pública do Tesouro Nacional ao banco central. Na ausência dessas instituições, usaram-se seus simulacros: no caso, o erário real e o Banco do Brasil.

A partir de 1824, a depreciação da moeda bancária se acentuou. O desempenho da instituição passou a ser questionado pela oposição. O antagonismo ao Banco do Brasil estava vinculado à luta contra o absolutismo que se exercia através da instituição que o financiava.

A classe dominante de grandes proprietários e comerciantes, especialmente do Rio de Janeiro, continuava conivente com o Imperador e seu banco porque se remunerava, regiamente, enquanto portadora das ações, na medida em que os juros dos empréstimos ao Tesouro eram contabilizados como lucro. Lesados por essa artimanha eram a clientela, que a cada emissão via reduzir-se a capacidade de compra das notas em carteira, e os contribuintes, que com o pagamento de impostos contribuíam para o pagamento dos juros da dívida.

O Banco estava contabilmente falido e o reconhecimento de sua falência implicava reconhecer a insolvabilidade do Tesouro Nacional. Adotou-se, pela lei de 23 de setembro de 1829, a posição de liquidação gradual.

A apuração das responsabilidades foi demorada. Só em 1836 terminou o inquérito, quando D. Pedro I já havia abdicado do trono em favor de seu filho D. Pedro II, então com cinco anos. Um dos antigos responsáveis se suicidou e outro fugiu... Logo depois de se concluir a liquidação do primeiro banco se tentou criar outro “Banco do Brasil”, mas sem sucesso.

A economia não podia prescindir de um banco regulador do crédito, e o Governo, de um aparelho auxiliar da administração que servisse de apoio às finanças públicas. Também havia necessidade de um banco controlador do meio circulante.

Dois foram os principais defeitos da emissão bancária do primeiro Banco do Brasil, segundo VIEIRA (1947: 73). Em primeiro lugar, ela não tinha limite fixado em lei, nem cobertura determinada. Isso assegurava, por um lado, maior elasticidade ao sistema monetário. Por outro, deixava entregue ao banqueiro o trabalho de regular as emissões de acordo com as necessidades. Ora, sendo o Banco do Brasil um banco misto, levados pelo desejo de lucros (e carentes de probidade), seus diretores e principais acionistas aproveitavam-se das solicitações do erário público, para emitir em proveito próprio.

O segundo problema do primeiro Banco do Brasil era a falta de especialização em suas funções. Sem separação entre a função emissora e as operações comerciais, o sistema monetário tornou-se mais sensível às pressões do movimento comercial. Validava com crédito, sem seleção criteriosa, quer altas inflacionárias dos valores nominais, quer negócios de risco. Qualquer operação ruinosa abalava a própria solvência do Banco.

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As questões bancárias subordinavam-se às monetárias. Quando havia excesso dos signos representativos da moeda face às reais necessidades do comércio, os bancos sofriam com a depreciação das notas bancárias. Assim, é impossível traçar a história das instituições bancárias sem acompanhar o ambiente monetário em que elas se desenvolvem. Por isso, VIANA (1926: 11), estudando a evolução do Banco do Brasil, foi levado a tratar com insistência das questões de circulação monetária.

Em suas palavras, “as despesas do real erário e a retirada do encaixe, quando El-Rei se foi, desequilibraram o primeiro Banco do Brasil e desacreditaram as instituições bancárias”. A quebra do Banco, liquidado por lei em 1829, e os escândalos que a envolveram, criaram um ambiente de desconfiança “que só alguns lustres depois pode ser dissipada”.

1.3. Segundo Banco do Brasil

A tentativa de reorganização do segundo Banco do Brasil, em 1833, fora um fracasso em virtude das fraudes ocorridas durante a extinção do primeiro banco, que ficaram na memória dos investidores. O país vivia também, no período que foi da abdicação de D. Pedro I, em 1831, à coroação de seu filho, D. Pedro II, em 1840, quando tinha apenas 14 anos, uma intensa turbulência político-militar. Houve a Revolta Farroupilha, no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, entre 1835 e 1845, as Revoltas Liberais, em São Paulo e Minas Gerais, em 1842, as Malês (1835) e Sabinada (1837-1838), na Bahia, a Praieira, em Pernambuco, entre 1848 e 1852, a Balaiada, no Maranhão e no Piauí, entre 1838 e 1841, e a Cabanagem, no Pará, entre 1835 e 1840. O período regencial foi, à custa da quebra do mito da “índole-pacífica-do-povo-brasileiro”, período-chave na construção da Nação brasileira com grande território unificado, distinto da fragmentação da América espanhola.

As revoltas regenciais, aparentemente nativistas e/ou separatistas, questionavam o espaço político reservado para as oligarquias regionais e as províncias periféricas. A implantação de medidas descentralizadoras fortaleceu a disputa de poder das elites locais. Com a vitória dos que pregavam a centralização absolutista, foram subordinadas as províncias revoltosas ao poder central, já sob o império de Dom Pedro II.

A Lei Euzébio de Queiroz, em 1850, regulando a repressão do tráfico de escravos, teve o papel de quebrar a força econômica dos comerciantes de escravos. Então, foram estabelecidas as condições mínimas necessárias para a soberania nacional: o monopólio estatal da violência e o da emissão da moeda nacional. A discussão sobre a conveniência de criar novo Banco do Brasil voltou a tomar fôlego, em 1853, com a formação do chamado Ministério da Conciliação, que unia as duas forças políticas do país: os conservadores e os liberais.

O debate polarizou, de um lado, corrente que defendia a existência de banco emissor único, respaldada pela Escola Metalista, e, de outro, corrente que sustentava a conveniência de coexistir pluralidade de bancos emissores localizados nos centros de circulação monetária regionais, baseada na leitura da Escola Bancária Livre. O governo desejava impor seu poder de gestor da moeda, atribuindo ao banco o monopólio de emissão, para obtenção de sua receita de senhoriagem.

A formação gradativa do Estado nacional, a partir de demonstrações sucessivas de força do poder central, não podia dispensar o controle monetário. O monopólio da

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violência e da emissão monetária sempre foram símbolos da soberania nacional. Os banqueiros privados, entretanto, não estavam dispostos a se submeter facilmente à centralização, em sua área de atuação.

Tinham ocorrido criações de bancos de âmbito local. O primeiro banco privado do país foi o Banco do Ceará, criado em 1936 e liquidado três anos após. Em 1838, um grupo de capitalistas fundou o Banco Comercial do Rio de Janeiro, que atuou sem carta patente até 1842, ao qual se seguiram outros estabelecimentos como o Banco Comercial da Bahia, em 1845, o Banco Comercial do Maranhão, em 1846, e o Banco do Pará, em 1847. Quatro anos depois, foi estabelecido o Banco Comercial de Pernambuco. Surgiu também o que viria ser o maior dos novos bancos: o Banco do Comércio e Indústria do Brasil, fundado, em 1851, por Irineu Evangelista de Sousa (1813-1889), Barão e depois Visconde de Mauá. O nome do seu banco, em um período de prosperidade de seu controlador, logo mudou para Banco do Brasil.

Segundo a síntese oficial da História do Banco do Brasil (1988: 34), “alguns autores têm considerado o estabelecimento fundado por iniciativa do Barão de Mauá como o ‘segundo Banco do Brasil’, portanto, um elo da série de bancos com este nome, de 1808 até os nossos dias. Mas, como se tratou de uma instituição exclusivamente particular, sem qualquer iniciativa, ligação ou participação do governo, convém considerá-lo estranho à continuidade da série. Assim, o verdadeiro segundo Banco do Brasil foi criado em 1853, por lei, sob a iniciativa de José Joaquim Rodrigues Torres, mais conhecido como Visconde de Itaboraí, que, por mais de uma vez, exerceu a presidência do estabelecimento, transformando-se numa espécie de seu patrono”.

Era fundamental que a fusão dos dois maiores bancos cariocas, o Comercial do Rio de Janeiro e o Banco do Brasil, de Visconde de Mauá, fosse promovida para criar o núcleo do novo Banco do Brasil, efetivamente o segundo. Mais de 50% das subscrições de suas ações ficaram asseguradas pelo capital social desses bancos.

A “acumulação primitiva” de capital pelo futuro Visconde de Mauá foi realizada, inicialmente, no comércio carioca, em uma loja de tecidos, onde foi de caixeiro (aos 11 anos) a proprietário (com 26 anos), quando o ex-proprietário, o inglês Carruthers, voltou para a Inglaterra. Lá, ele aprendeu inglês e contabilidade. Depois, iniciou uma série de empreendimentos: um estaleiro, a primeira estrada de ferro do Brasil e outras ferrovias, no Rio, em São Paulo, Bahia, Pernambuco. Investiu em navegação no Amazonas, iluminação a gás no Rio. Financiou o governo do Uruguai. Na década de 1870, investiu na instalação do primeiro cabo submarino ligando o Brasil ao resto do mundo. Desde 1856, foi deputado em várias legislaturas, até que, acusado de negociatas na Guerra do Paraguai (1864-1870), renunciou em 1873. Envolvido em especulações bancárias malsucedidas, pediu moratória em 1875. Foi um empreendedor no Império, pois morreu aos 75 anos apenas 25 dias antes da Proclamação da República.

CALDEIRA (1995: 253) apresenta o mecanismo pelo qual o banqueiro, Irineu Evangelista de Sousa, emprestava para si mesmo. “Não existia no país qualquer legislação específica sobre o mercado financeiro, o que lhe permitiu construir os estatutos do banco de uma maneira que favorecia, extraordinariamente, suas pretensões – mesmo tendo que brigar com alguns acionistas –, sem ser incomodado por qualquer espécie de regulamentação. O estatuto do Banco do Brasil, por exemplo, permitia fazer empréstimos sobre uma caução de ações de empresas, inclusive do próprio banco. Com isso, assim que o dono do banco integralizou sua parte no capital, pode empenhar ali

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mesmo os papéis e receber de volta quase tudo que tinha gasto como empréstimo, duplicando o capital a sua disposição. Esse dinheiro era aplicado numa nova empresa, e assim que as ações eram recebidas, seguiam o caminho da caução – deixando de novo o proprietário com capitais livres. E como a nova empresa mantinha ela própria conta no banco, se fosse preciso, ainda podia tomar mais empréstimos para financiar sua implantação. O ciclo, sempre repetido, gerava uma cadeia de multiplicação de capitais, inteiramente baseada no uso de dinheiro de terceiros. No fim das contas, Irineu e suas empresas deviam ao banco uma parte considerável do capital e dos investimentos de todas elas – e contavam com o faturamento futuro para quitar os empréstimos. Como o grosso do dinheiro emprestado vinha dos capitais do tráfico aplicados no banco, o resultado da operação era que as velhas fortunas financiavam a nova”.

A esse tipo de financiamento, em que novas entradas têm de compensar as saídas de dinheiro, a literatura teórica do final do século XX veio a classificar como “esquema Ponzi”, em homenagem ao especulador norte-americano Charles Ponzi, que morreu no Brasil. Ela envolvia graves riscos. “Irineu formou quase uma corrente da felicidade, cujo centro era o banco que presidia, e que ficava numa posição exposta: se naquele momento houvesse uma queda nos depósitos todo o esquema iria por água abaixo, pois não haveria de onde tirar dinheiro para pagar os investidores”. CALDEIRA (1995: 253) lembra bem que “por causa deste risco hoje em dia tanto os empréstimos para acionistas sobre suas próprias ações como os financiamentos de um banco para empresas controladas por ele ou seus maiores acionistas são operações totalmente vedadas – mas os financistas de 1852 mal sabiam desta possibilidade”. Na realidade, essa proibição ocorreu apenas com a reforma bancária de 1964, ou seja, até então os banqueiros tiveram a oportunidade de usar (e abusar) desse artifício. Irineu, entretanto, não pode desfrutá-lo muito, pois logo seu banco foi estatizado.

Por Lei de 5 de julho de 1853, o governo foi autorizado a proceder à incorporação de um banco. Seu ministro da Fazenda, Visconde de Itaboraí, inimigo da iniciativa de Irineu, propôs-lhe que “o meio de executar a lei sem prejudicar as instituições bancais ora existentes consiste em refundi-las no novo banco”. Conseguiu o que queria, e no dia 31 de agosto do mesmo ano foi publicado o decreto que determinava as regras de fusão das duas empresas. Tudo ficava para o governo: capitais, móveis, funcionários treinados e até o nome. O banco oficial também se chamaria Banco do Brasil. Irineu receberia em troca um lote de ações do novo banco. Suas operações básicas seriam as de depósitos, descontos e emissão de notas. O presidente seria nomeado pelo Imperador dentre os acionistas que tivessem mais de 50 ações. A emissão deveria ser inferior ao dobro do fundo de capital, a não ser que houvesse autorização especial do governo.

Inaugurava-se nova era: “em vez de empresas, mais valia ter um bom amigo no governo para ganhar dinheiro. Em vez de negócios privados, negociatas públicas. Mas se completou a distribuição das ações, começou uma luta aberta pelos cargos da diretoria, nos novos moldes do conchavo milionário. Os candidatos faziam amigos publicarem anúncios nos jornais e tratavam de cabalar quantos votos pudessem. O que menos contava era o conhecimento de finanças” (CALDEIRA, 1995: 281).

O êxito no lançamento dessas ações no Rio de Janeiro emergiu da existência de capitais ociosos decorrentes da proibição do tráfico negreiro. Ao lado de determinações do Código Comercial sobre a constituição de sociedades anônimas, atiçou o mercado. Os primeiros subscritores negociavam os certificados de compra de ações do segundo

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Banco do Brasil com larga margem de lucro no mercado secundário, dando continuidade à febre de Bolsa que começara com o lançamento de empresas no início da década.

A circulação das notas do Banco era regional, uma vez que emitidas pela Matriz (caixa central) só tinham poder liberatório autorizado para a cidade e a província do Rio de Janeiro. As emitidas pelas filiais tinham circulação legal na província onde cada qual estivesse instalada. Era o princípio da “provincialização das notas”. O novo Banco do Brasil começou a realizar esforço para conseguir um controle monetário, procurando garantir para si, efetivamente, monopólio da emissão. Para isso, ele buscou absorver os bancos provinciais emissores de vales.

A filial do Banco do Brasil, em São Paulo, por exemplo, não atendeu às necessidades de financiamento para a expansão dos cafezais. Caracterizando-se apenas como um estabelecimento de depósitos, acabou afastando os clientes mais ativos, os comissários do café, devido às taxas de desconto mais altas que as do Rio de Janeiro.

Os acionistas de outras regiões se sentiram alijados do processo decisório, já que as determinações de condução do Banco provinham do Rio de Janeiro. Gradativamente, os inconvenientes da intervenção direta do Banco do Brasil na vida econômica e financeira das diferentes áreas de circulação monetária foram ficando mais evidentes do que as projetadas vantagens do monopólio de que gozava, para a unificação monetária. A intervenção do poder central se operava a partir de inferências que refletiam a vida financeira da corte, em detrimento das reais necessidades dos outros circuitos comerciais.

Logo depois de instalado, o Banco solicitou autorização para emitir o dobro do fundo disponível, alegando afluência excessiva de notas para troca que, ao reduzir as garantias reais, rompia com a relação entre elas e a emissão. A emissão ultrapassou até o novo limite autorizado e, desfalcado de metais para troco, o banco viu tremerem suas bases, durante a crise de 1857.

Houve, nesse ano, uma breve experiência com um liberal no comando do Ministério da Fazenda: Bernardo de Sousa Franco, autor do livro Os Bancos do Brasil, editado em 1848, em que defendia a implantação da pluralidade de bancos emissores. Para ele, o crédito bancário devia estar subordinado às necessidades do comércio local. Por isso, opôs-se ao monopólio do Banco do Brasil. Realizou reforma através da qual autorizou cinco novas instituições bancárias regionais e lhes concedeu direito de emissão.

Inicialmente, a orientação adotada pela diretoria do BB foi retrair o crédito e procurar reembolsar, em ouro, os portadores de notas que solicitavam o metal para enviar às praças estrangeiras. Exauriram-se os cofres do estabelecimento, para atender aos pagamentos cambiais. A diretoria se recusou a sustentar mais o câmbio, como revide à perda de exclusividade de emissões.

Deu partida à corrida bancária. Os agentes nacionais foram os primeiros que se viram afetados pelas pressões exercidas pelas casas bancárias e bancos. A direção do Banco do Brasil reconheceu sua incapacidade de compatibilizar os interesses do comércio interno e externo. Recorreu ao Estado, solicitando elevar a emissão ao quádruplo do valor das disponibilidades e garantias reais, o que foi concedido.

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Em 12 de dezembro de 1858, foi substituído o ministro da Fazenda, que tinha tentado acabar com a unidade bancária e a exclusividade do direito de emissão por parte do Banco do Brasil. O novo ministro, Sales Torres-Homem, propôs logo uma nova lei bancária na qual previa a conversibilidade das notas do BB e a proibição de novas emissões pelos demais bancos autorizados, que deveriam receber um inspetor do Governo. O debate foi caloroso e o gabinete teve que renunciar em 1859. A proposta foi emendada, no ano seguinte, pelo Gabinete de Silva Ferraz, mantendo-se grandes restrições ao funcionamento dos bancos. Foi estabelecido que a emissão do Banco do Brasil não podia exceder o dobro do fundo disponível.

Como resultado dessa lei de reforma bancária, finalmente promulgada em 22 de agosto de 1860, o BB viu-se em dificuldades contínuas para manter a relação entre a emissão e o fundo, além de defrontar-se com a redução dos lucros, ficando ameaçado mesmo de liquidação. Em busca da solução, com a volta da unidade bancária, Decreto de 9 de setembro de 1862 aprovou a fusão do Banco do Brasil com o Banco Comercial e Agrícola e com o Banco Rural e Hipotecário. A fusão previa que os dois bancos menores transfeririam seu direito de emissão ao Banco do Brasil.

Em 1864, começou crise comercial profunda, com o fechamento pelo Visconde de Souto da Casa Bancária A.J.A. Souto & Cia. Isso foi resultado da política monetária restritiva da lei de 1860 e da queda da exportação de café, devido à Guerra Civil norte-americana. “Nessa crise de 1864, houve grande corrida aos bancos. O próprio Banco do Brasil estaria praticamente falido, não fora a sua privilegiada situação de banco do governo. Mauá foi um dos poucos que resistiram, graças à estrutura internacional de sua organização e ao alto crédito pessoal de que gozava no mundo de negócios e no próprio seio do povo” (RIBEIRO & GUIMARÃES: 1967; P. 107). O governo autorizou o BB a emitir até o triplo do fundo disponível e a suspender a conversão das notas em metal, que foram transformadas em notas legais de curso forçado. Apesar de superada a crise aguda, o Banco mantinha-se em situação crítica.

Sua diretoria cedia, passivamente, às exigências do Tesouro Nacional do Banco contribuir para aliviar as extremas dificuldades financeiras, resultantes de custear a guerra contra o Paraguai, iniciada em novembro de 1864. O governo começou a retirar o lastro de ouro do Banco do Brasil.

Durante o período bélico, em 1866, foi apresentada a proposta legislativa de suspensão das emissões do Banco do Brasil. Ele, novamente, perdeu o direito de emissão, passando-o ao Tesouro Nacional, que o deteve, com exclusividade, até 1888, ano da extinção da escravidão. A instituição bancária dedicar-se-ia então, exclusivamente, a operações de depósitos, desconto e hipotecas. Começaria, imediatamente, a resgatar anualmente 5% de sua emissão em circulação. As notas em circulação tinham cunho de moeda legal até serem totalmente resgatadas.

Depois da aprovação dessa lei destinada a “mudar a natureza do Banco do Brasil”, em 12 de setembro de 1866, ele deixou, em parte, de financiar atividades comerciais. O propósito da reforma era convertê-lo em instrumento de crédito à lavoura. Essas atividades começaram, em 1867, com operações sobre hipotecas e penhor agrícola. As hipotecas foram consideradas excessivamente onerosas. Os prazos da carteira de hipotecas eram muito curtos, as condições pesadas e, em caso de más colheitas, podiam provocar a falência de numerosas fazendas.

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No início de 1875, devido à nova contração econômica, o pânico generalizado quase destruiu o sistema bancário existente. A conseqüência mais trágica foi a falência do Banco Mauá & Cia. O governo tomou medidas que beneficiaram alguns bancos e assim impediu o alastramento das falências. O Banco do Brasil esteve entre os maiores beneficiados. O Tesouro julgou insuficientes os recursos disponíveis para assistir todas as instituições. Além da Casa Mauá, pediram concordata o Banco Alemão e o Banco Nacional.

Segundo LESSA (2001: 258), “o contraditório com o Império Britânico [em relação ao tráfico de escravos] viabilizou a cafeicultura brasileira como economia nacional autônoma em relação à hegemonia financeira inglesa. Somente após a interrupção do tráfico, e com a quebra de Mauá, houve a penetração bancária e comercial inglesa na cafeicultura”. Na realidade, “o cenário do século XIX foi aproveitado pelo Brasil independente, que ‘inventou’ o café como um bem-salário, que em 1850 era o quarto item do comércio mundial” (id., ibid.: 265/6).

O bloqueio continental da Europa, realizado por Napoleão na transição para o século XIX, impossibilitou a Inglaterra de abastecê-la com os produtos de suas colônias, entre os quais o café. Conjuntamente com a ocorrência de praga nos cafezais de Java e a revolução dos escravos no Haiti, a resultante escassez de café no mercado europeu elevou os preços, extraordinariamente. Isso estimulou sua produção no Brasil, que se tornou o maior produtor mundial a partir de 1840. Na década de 1860-1870, o café já representava 56% de suas exportações.

Em 7 de junho de 1888, no mês seguinte ao da extinção da escravidão, o Partido Liberal assumiu o poder e propôs a autorização para a criação de bancos de emissão. O primeiro banco a se beneficiar da nova legislação foi o Banco do Brasil, que, mesmo antes da publicação da nova lei, já havia alterado seu regulamento, para incluir a emissão de notas. Entretanto, ele era apenas um entre os 17 bancos protegidos pelo governo e encarregados de auxiliar a lavoura.

Segundo a síntese oficial da História do Banco do Brasil (1988: 107), “o movimento abolicionista também contribuía para as dificuldades do Banco, principalmente nos casos de proprietários que resolviam dar, espontaneamente, emancipação a escravos, que figuravam como garantia de empréstimos. O Banco chegou a protestar, adotando posição realmente impopular”.

A abolição da escravatura teve um extraordinário impacto não só social-político, como também econômico-financeiro. Segundo CALÓGERAS (1910: 179), “os proprietários rurais, já minados pela propaganda republicana, cortaram, com a libertação dos escravos, os laços que os prendiam ao Império. Foram aniquiladas fortunas da noite para o dia. Aproximadamente oitocentos mil negros obtiveram liberdade; desse total, perto de seiscentos mil estavam localizados nas três províncias de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, ocupados na cultura do café. Seu êxodo para as cidades desorganizou o trabalho, avaliando-se de 40 a 50% a parcela da produção de 1888 que deixou de ser colhida”. Em São Paulo, o principal centro produtor de café, o período de transição foi aliviado pela corrente imigratória, que, entre 1881 e 1888, registrou a entrada de aproximadamente 250.000 estrangeiros.

O Brasil recebeu mais de 4 milhões de habitantes entre o censo de 1872 e o de 1890, atingindo 14.333.915. O Estado mais populoso era o de Minas Gerais com

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3.184.099 habitantes, seguido da Bahia com 1.919.802, São Paulo com 1.384.754 e Pernambuco com 1.030.224. A cidade mais populosa do país era o Rio de Janeiro com 522.651 habitantes. São Paulo em 1872, ano do primeiro censo brasileiro, possuía 31.385 habitantes. Em 1890, a cidade já passara a ter 64.934 e, em 1900, a população paulistana somava 239.820 habitantes, o que a colocava atrás somente da capital federal, com 811.443 habitantes. Porém, foi após a década de 40 do século XX que o país, até então possuidor de feições rurais, de fato, começou a urbanizar-se. A evolução do sistema bancário brasileiro esteve, intrinsecamente, ligada a esse processo de urbanização. Nesse século, a população brasileira se multiplicou por 10 vezes: de pouco mais de 17 milhões, em 1900, para quase 170 milhões, em 2000.

As hipotecas, garantidas pelas fazendas e pelos escravos, ficaram subitamente desvalorizadas com a extinção da escravidão. Os empréstimos para as despesas com as colheitas obtinham-se com muito mais dificuldade. Antes da abolição, sob o ponto de vista da circulação, os comissários das praças do litoral desempenhavam o papel de clearing-houses dos clientes do interior do país, que compravam as importações por intermédio desses agentes. Os comissários contabilizavam as despesas correspondentes e os adiantamentos de fundos como débitos de seus clientes. Após a colheita, as vendas eram realizadas ainda por intermédio desses mesmos agentes, que registravam as somas recebidas a crédito dos fazendeiros. O único movimento de fundos, após o balanço final, processava-se sobre o saldo líquido das transações.

A abolição da escravatura representou também elevação da demanda de empréstimos para capital de giro, devido ao pagamento de assalariados. Exigiu a remessa de numerário para o interior do país, em somas muito elevadas. Não havia papel-moeda suficiente para suprir as necessidades impostas pelo trabalho assalariado a ser realizado por mais de 1 milhão de escravos libertos e imigrantes recém-chegados. Essa nova causa de escassez de papel-moeda implicou em solicitações de aumento do volume da moeda fiduciária. Houve também “uso e abuso de grandes créditos, representados principalmente por adiantamentos à lavoura. Tais créditos comprometiam a situação da maioria dos bancos nacionais” (VIEIRA, 1947: 168).

Outros autores comentam a imediata conseqüência financeira da extinção da escravidão. “Perdiam assim os fazendeiros a sua mais reputada fonte de crédito: a propriedade, livre e desembaraçada, da escravaria e sua descendência. Surgiram, em crescendo, as hipotecas de terras e imóveis” (RIBEIRO & GUIMARÃES: 1967; p.108). Estimavam que, na região cafeeira, de 773 fazendas de café levantadas, 726 achavam-se hipotecadas.

Até 1888, o Banco do Brasil, a que se retirara a faculdade emissora em 1866, apenas operava como banco de depósitos, descontos e hipotecas. Após a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, a primeira legislação financeira, estabelecida pelo Decreto nº 165 de 17 de janeiro de 1890, permitiu que os bancos emitissem dinheiro lastreado por bônus governamentais e não por fundos de reserva. Foi lançado no mercado o dobro da quantia de moeda então em circulação no país. Essa reforma se caracterizou pela criação de bancos emissores regionais. No Rio de Janeiro, esse banco seria o Banco dos Estados Unidos do Brasil, o que atingiu profundamente os interesses dos dois bancos emissores da praça: o Banco Nacional e o Banco do Brasil. O ministro da Fazenda, para aplacar os ânimos, concedeu-lhes, em março, o direito de emitirem até o dobro do lastro metálico sem obrigatoriedade de conversão.

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1.4. Terceiro Banco do Brasil

As oscilações entre detenção ou não do poder de emissão refletiam o debate, que durou décadas, entre a Escola Papelista de intermediação financeira e a Escola Metalista, defensora do padrão-ouro. O Banco do Brasil obedecia ora a uma corrente, ora a outra, de acordo com os homens que detinham o poder em um ou outro momento. Contudo, por volta do fim do século XIX, a chamada free banking policy triunfou, retornando o País à pluralidade emissora, principalmente sobre o lastro de apólices. Em 1888, o Banco Nacional do Brasil foi autorizado por decreto a emitir papel-moeda até 1894. Receberam autorização semelhante, no ano seguinte, o Banco de São Paulo e o Banco do Comércio, do Rio.

Mas, por decreto, em 7 de dezembro de 1890, foi determinada a fusão do Banco Nacional do Brasil com o Banco dos Estados Unidos do Brasil, que tomou a denominação de Banco da República dos Estados Unidos do Brasil. Com esse novo estabelecimento, o BB perdeu a sua liderança. Isso até que, em uma solução de emergência, em 1892, fundiram-se os dois principais bancos de emissão: o Banco da República e o Banco do Brasil, sob o nome de Banco da República do Brasil. Durante a operação ficou claro que o primeiro encontrava-se em situação de insolvência e o segundo, próximo a ela.

Muitos comentaristas acreditam que foi por causa dessa mudança de política monetária que surgiram os fatores financeiros que influíram no famoso “Encilhamento”. Esse fenômeno inflacionário surgiu nos primeiros anos da República, mas teve raízes nos dois últimos anos do Império.

Com a proclamação da República em 15 de novembro de 1889, Rui Barbosa assumiu a pasta da Fazenda. A princípio, para evitar perturbações, deu continuidade à política financeira do Império. Vários bancos foram autorizados então a emitir bilhetes ao portador e à vista, conversíveis em ouro. Mas, depois, Rui Barbosa, inspirado em medida de Abraham Lincoln, presidente dos Estados Unidos, substituiu o ouro por títulos da dívida federal como lastro de emissões bancárias. Procurou instituir bancos emissores por regiões do País, cada um deles com limite fixado de acordo com seu capital, o que parecia mais coerente com o espírito federativo da República. O Brasil foi dividido em três zonas bancárias: a Norte, sediada em Salvador, a Central, sediada no Rio de Janeiro, e a Sul, em Porto Alegre. Com essa medida do ministro baiano, a burguesia cafeeira paulista lhe ficou hostil.

Foi no começo da República, entre 1889 e janeiro de 1891, quando Rui Barbosa renunciou, que se viveu esse período de especulação e desorganização monetária, conhecido como do “Encilhamento”: neologismo referente ao ambiente vivido nas barracas, no Jockey Club, onde se encilhavam os cavalos. Nesse momento, a atividade dos apostadores se tornava frenética.

Lá, no hipódromo, campeava o jogo, as apostas, o frenesi dos palpites. O Decreto nº 165 de Rui Barbosa, o Ministro da Fazenda, que incentivava também a criação de sociedades anônimas e liberava o crédito, trouxe esse ambiente para os negócios. Ele deu o incentivo para transformar a República nascente em “o reino dos negócios (e negociatas)”. Desencadeou-se corrida à Bolsa do Rio de Janeiro, centro dessa especulação, onde milhares de empresas foram criadas com base na facilidade em se obter crédito, mas eram existentes apenas no papel. Bastava ter algum dinheiro para

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comprar ações das novas companhias que se formavam a cada dia, sem muitas exigências. A empresa passava a vender suas ações na Bolsa com ágio, devido à promessa de ganhos fáceis em muitos empreendimentos irrealizáveis: estradas de ferro transcontinentais, grandes empresas de navegação, colonização em terras até então inexploradas. Executava-se essa operação antes de sua existência real.

Segundo VIEIRA (1947: 176), “a origem do Encilhamento foi, indiscutivelmente, a libertação da escravatura, que desorganizando a agricultura, base de nossa economia, provocou desordem em toda a vida econômica do Brasil”. Esse autor relaciona-o à volta da pluralidade bancária, cristalizada na lei de 24 de novembro de 1888. Os novos bancos emissores emitiriam notas inconversíveis na prática.

O Encilhamento afetaria, profundamente, o Banco do Brasil, que entrava em sua quarta fase. Inicialmente, foi preservado, mas, aos poucos, foi deixando de ser “o banqueiro do governo”, prerrogativa que então passou a gozar o Banco da República dos Estados Unidos do Brasil (BREUB), que, como o BB, vivia sob a proteção do governo, mas tinha também poderosos acionistas privados.

Em 1891, em franco retrocesso, o Banco do Brasil vendeu a sua sucursal em São Paulo, a única que ainda mantinha, para o Banco Construtor e Agrícola. Além disso, transferiu ao BREUB os direitos e privilégios de emissão, que lhe haviam sido concedidos, em 1890. Passou para a guarda do novo banco as reservas-ouro do Tesouro Nacional, que deviam servir de lastro às emissões. O BB, contudo, sobreviveu ao Encilhamento ao se fundir com o outro banco.

Por divergências com a política financeira que vinha adotando o governo do marechal Floriano Peixoto, Rodrigues Alves, substituto de Rui Barbosa, deixou o governo no ano seguinte, sendo substituído por Serzedelo Corrêa na pasta da Fazenda. Uma das primeiras providências do novo ministro foi a de promover entendimentos entre o BB e o BREUB para a sua fusão. Isso efetivamente ocorreu no ano seguinte, dando origem ao Banco da República do Brasil (BRB). Contudo, para os seus acionistas, os seus depositantes e os seus mutuários de toda espécie, que passaram a ser clientes do Banco da República do Brasil, o Banco do Brasil continuava existindo na nova entidade.

O grande trauma para o BB, na época, não foi a mudança de nome, mas o que viria pouco adiante. O “Encilhamento” deixara o Brasil também com um grande endividamento externo: devia 30 milhões de libras, em 1890, e passou a dever 44,2 milhões, em 1900. Assumindo o governo, em 1898, o presidente Campos Salles, após os ministros da Fazenda do governo anterior (o de Prudente de Morais) já terem dado o início à política deflacionista, assistia seu ministro Joaquim Murtinho submeter o país às agruras exigidas pela renegociação da dívida externa. Para equilibrar as contas públicas e por fim à crise financeira que vinha do Império, contratou funding loan em Londres. Com o objetivo de cumprir com os compromissos assumidos, submeteu o País a duríssimo regime de austeridade, levando à paralisia dos negócios e à deflação. Vários bancos sucumbiram, entre eles, o Banco da República do Brasil. O presidente Campos Sales concordou em auxiliar a instituição, com a condição de que ficasse sob controle mais estrito por parte do governo, reduzindo a influência que os grandes acionistas privados tinham adquirido.

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Com o novo presidente, tinha sido extinta a responsabilidade emissora do Banco da República do Brasil, passando este direito à União. Esse ato significou o fim dos bancos de emissão particulares. Esse período histórico culminou com a contra-reforma monetária de Joaquim Murtinho. Ele seguia de forma estrita a teoria quantitativa da moeda e a execução da lei do padrão-ouro. A política monetária passaria a ser orientada para manter a relação entre o papel-moeda e o ouro, definida por lei de 1846, através da contração da renda monetária, com medidas austeras de contenção de crédito.

A conseqüência dessa política de estabilização, em curto prazo, foi grave crise bancária em 1900. Quase destruiu o Banco da República do Brasil, o qual foi obrigado a suspender os pagamentos. Nesse ponto, o Congresso concedeu um milhão de libras esterlinas ao Banco para ajudá-lo. Com ajudas às demais instituições do mercado monetário, o pânico foi controlado. Da relação de 57 bancos do Rio de Janeiro de 1890, criados para usufruir da faculdade emissora, praticamente todos sucumbiram. Na história bancária brasileira, o século XIX terminou assim como o século XX! Crise bancária, detonada por política de estabilização imposta pela renegociação da dívida externa, foi conduzida dentro de padrões conservadores e solucionada com dinheiro do contribuinte...

NASSIF (2007: 20) se pergunta: “o que leva a um governo, uma equipe de economistas presumivelmente preparados, a cometer erros bisonhos, facilmente detectáveis por seus contemporâneos, como foi o caso da apreciação do real em 1994, ou da remonetização selvagem de Rui Barbosa em 1890? O que os leva a ignorar todos os alertas?”. Ele demonstra “as incríveis semelhanças entre os dois momentos cruciais, talvez as duas maiores janelas de oportunidade que o país já experimentou: a reforma monetária de Rui Barbosa, no alvorecer da República, e o Plano Real, no final do século XX”. A chave para entender os dois momentos é “a remonetização, o poder conferido às autoridades econômicas e políticas para definir de que maneira o novo dinheiro fluirá para a economia. É aí que se dá o pacto de poder e de dinheiro entre os novos grupos hegemônicos, os condutores da política econômica, o poder financeiro e o poder político. Em ambas as ocasiões os personagens são os mesmos [o rentista, o financista, o política, o economista, a haute finance]. Mudam apenas os atores”.

No começo do século XX, foi a corrente defensora de estabilização cambial em patamar relativamente baixo também hegemônica. Segundo VIANA (1926: 19), ela se inspirou nas Caixas de Compressão Cambial (tipo currency board), estabelecidas durante algum tempo na Índia inglesa e algumas colônias da Malásia, e que os argentinos tinham adotado. O exemplo argentino impressionou à elite dirigente brasileira. O convênio de Taubaté assinado pelos presidentes das províncias de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro firmou a doutrina que deveria estabilizar o câmbio com taxa aquém da natural, para impedir sua elevação e, assim, evitar as oscilações. Realmente, há muito de comum entre as duas eras.

1.5. Quarto Banco do Brasil

O Banco do Brasil atual surgiu em 1905, quando crise bancária levou seu predecessor direto, o Banco da República, à beira da falência. Devido à importante posição que este Banco ocupava no sistema financeiro do País e a seu papel semi-oficial como “banqueiro do governo”, o Tesouro Federal interveio para apoiá-lo.

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O banco reorganizado foi chamado Banco do Brasil, o quarto efetivamente existente na história bancária brasileira. É o mesmo que perdura atualmente. Dessa vez, ficou sob controle direto da União. O Tesouro comprou aproximadamente 1/3 das ações da nova instituição, o maior lote único de votos. Além disso, os novos estatutos do banco autorizavam o presidente da República a nomear o presidente do Banco do Brasil (o que já se fazia com o Banco da República) e um dos seus quatro diretores. Embora o Tesouro se tornasse o acionista majoritário apenas em 1923, quando comprou ações adicionais, o BB passou a atuar como instituição pública desde a sua reorganização. O Governo Federal gozava de grande influência no Banco não só por ser seu maior cliente, mas também por ter poderes para conceder ou negar privilégios especiais.

Quando o Governo Federal assumiu o controle, ele o fez com o objetivo de empregá-lo para estabilizar o câmbio. O Tesouro depositou seus fundos no Banco do Brasil, que se tornou o único agente do governo em transações com moeda estrangeira. O Banco era o maior negociante naquele lucrativo negócio. Desse modo, contrapunha-se à dominação dos bancos estrangeiros nas operações de câmbio. O presidente Rodrigues Alves, que fora duas vezes ministro da Fazenda (nos governos Floriano Peixoto e Prudente de Moraes), considerava intolerável que os movimentos cambiais no Brasil tivessem permanecido, durante tanto tempo, sob o controle de especuladores estrangeiros.

A taxa de câmbio permaneceu estável entre 1906 e 1914, mas isso ocorreu graças à Caixa de Conversão e não ao Banco do Brasil. A Caixa de Conversão resistia contra a tendência ascendente da moeda brasileira por meio da venda de notas conversíveis àtaxa estável abaixo do mercado. O BB mantinha taxa idêntica e contribuía para essa estabilidade, veiculando as compras e as vendas cambiais do Tesouro, uniformemente, durante o ano, e evitando abundância ou escassez periódica.

Quando a Caixa de Conversão cessou suas operações em 1914, pressionada pela drenagem de ouro do Brasil para o exterior, o BB conseguiu apenas amortecer as tendências de oscilações mais bruscas. Afinal, até 1923, o Banco era uma empresa privada que precisava apresentar lucros e não podia arcar com perdas consideráveis por meio da sustentação de taxa marcadamente diferente da predominante.

Iniciada a Primeira Guerra Mundial, o Tesouro Nacional se recusava a prover o Banco do Brasil com fundos especiais para manipular a taxa de câmbio, exceto em emergências extremas. O Banco conciliava os seus interesses com os do Tesouro, obtendo bons resultados em suas operações de câmbio, geralmente, responsáveis por cerca de 20% do total de lucros.

Enquanto banco comercial, o BB era concebido como "o regulador constante e benéfico do crédito público". Não era, entretanto, “banco de desenvolvimento”: seu estatuto de 1905 proibia empréstimos ou descontos de prazo de mais de seis meses, vetava qualquer redesconto e impedia a compra de ações de outras companhias.

Os diretores do Banco acreditavam que sua função não era tanto suprir capital, mas regular a circulação. Ele corrigia, freqüentemente, a escassez de crédito, bancando as taxas de juros, e oferecia subsídios ao café, durante o primeiro programa de valorização, e à borracha, durante a crise de 1910.

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A orientação era sobretudo cautelosa. No período de 1906 a 1913, os empréstimos em relação aos depósitos estavam abaixo do quociente 0,7, enquanto os demais bancos registravam uma relação acima de 1. Quando a Primeira Guerra Mundial provocou crise de liquidez, imediatamente reagiu, elevando a taxa de desconto e reduzindo à metade suas operações, em comportamento mais conservador do que o de seus concorrentes.

Apesar de ser banco interestadual, no pré-guerra, possuía apenas quatro filiais no País. O fato de o Banco do Brasil não haver exercido um papel ativo no sentido de expandir sua rede de agências, até então, contribuiu gravemente para emperrar o desenvolvimento de um sistema bancário em âmbito nacional.

Os anos de guerra testemunharam o estreitamento dos laços entre o Banco e o Governo. Apesar disso, o BB perdeu em importância relativa face ao restante dos bancos: antes da guerra, controlava em torno de 25% de todos os depósitos; esse percentual baixou para 18%, em 1914, e para 10%, até 1921. Todavia, forte programa de expansão fez o número de suas agências alcançar 42, em 1919. A primeira tinha sido a de Manaus, centro de comércio de borracha, mas muito distanciado do complexo comercial do sul, em 1908. Seguiram-se Belém, Santos, Paraíba (hoje João Pessoa), Maceió, Aracaju, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Três Corações, Uberaba e Corumbá. A agência de São Paulo, capital, só se abriu em 1917, assim como as de São Luís do Maranhão, Paranaíba, Natal, Ilhéus, Vitória e Juiz de Fora. Dessa maneira, iniciou-se, claramente, seu caráter de instituição catalisadora da integração nacional, reivindicada por políticos de regiões afluentes.

1.6. Banco do Brasil com atribuições de banco central

Na década de 1920, o Banco do Brasil não só recobrou, mas ultrapassou sua importância anterior no sistema financeiro. Esse sucesso resultou, diretamente, do seu relacionamento com o Governo Federal. O banco foi autorizado a abrir, oficialmente, Carteira de Redescontos a fim de redescontar títulos de outros bancos. Essa iniciativa, na gestão do banqueiro paulista José Maria Whitaker, fundador do Banco Comercial do Estado de São Paulo, permitiu ao governo federal maior flexibilidade de assistência e, portanto, fiscalização, aos bancos. Foi, conjuntamente com a Inspetoria Geral dos Bancos, subordinada ao Ministério da Fazenda, precursora da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), criada em 1945, experiência transitória para a criação definitiva do Banco Central do Brasil, em 1964. O BB contribuiu para a formação de uma elite de servidores públicos que serviu ao aparelho estatal e ao próprio Banco, protelando essa criação.

No ano seguinte, em 1921, essa posição de semi-autoridade monetária foi acentuada pela Câmara de Compensação de Cheques, seção criada no Banco do Brasil, que contribuiu para maior confiança na circulação dessa ordem de transferência de depósitos bancários. Naturalmente, melhorou bastante a posição comercial do banco.

Ele concedia redescontos a juros de 6%, com prazo quadrimestral, a outros bancos. Estes podiam reduzir sua relação encaixe / depósitos e, portanto, emprestar mais. Porém, o Governo Federal desencorajava o Banco a conceder empréstimos de longo prazo, porque desejava que mantivesse um alto nível de liquidez, a fim de poder emprestar ao próprio governo. Sua prioridade, face à de ser “emprestador em última instância”, era ser “banco do governo”.

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O Banco continuou a dominar o mercado de redesconto, mesmo depois de 1923, quando foi fechada, temporariamente, a Carteira de Redescontos, como parte de grande reforma bancária. Apesar de não poder emitir notas especificamente para esse propósito, com a reforma ganhou o monopólio da emissão de moeda, servindo, em sentido limitado, como “banco central emissor”, entre 1923 e 1926. Em vez de o Tesouro Nacional emitir títulos de dívida pública em favor do Banco e fazer, depois, tal emissão reverter em seu próprio benefício, pelo redesconto de bônus, o BB passou a ser emissor direto, cabendo-lhe descontar diretamente as Letras do Tesouro Nacional, além de atender às necessidades dos mercados.

Essa mudança era parte da onda internacional de esforços para voltar ao padrão-ouro. O Banco do Brasil recebeu aporte de capital, para retirar as notas inconversíveis do Tesouro de circulação e substituí-las por notas conversíveis, quando a taxa de câmbio atingisse o par.

O sucesso da experiência de 1906 a 1914 com a Caixa de Conversão, possibilitando expansão do meio circulante por meio de moeda conversível, inspirou sua retomada em 1926, sob denominação de Caixa de Estabilização. A condição para o funcionamento dessas currency boards era obter permanente superávit nas contas externas. Quando as ondas de liquidez internacional se esvaíram, respectivamente, com a I Guerra Mundial e com a Crise de 1929, as experiências findaram. A partir de então, nunca mais houve experiência com moeda conversível em ouro, no Brasil. Porém, ocorreram ainda tentativas de câmbio fixo, atrelando a moeda nacional ao padrão monetário hegemônico: o dólar.

Episódio histórico revela a relação por vezes tensa entre o Banco do Brasil e o próprio Presidente da República. Apesar de este desejar preservar a oferta de moeda, o Banco emitiu, no final de 1924, 25% do total de moeda em circulação. O Presidente, ultrajado, acusou o presidente do BB de desobediência, a fim de conceder empréstimos a seus “amigos paulistas”. Ele se defendeu, sustentando que garantia a liquidez da instituição, já que o Tesouro lhe devia quantia mais alta e se recusava a pagar. Foi demitido. Seu sucessor suspendeu as emissões do Banco.

O BB foi colocado em uma posição extremamente controversa nos últimos dois anos da Primeira República. Com o objetivo de manter a taxa de câmbio, o Presidente da República ordenou ao Banco que se abstivesse de emprestar ao Instituto do Café, que se encontrava em dificuldades financeiras, a fim de apoiar a defesa do café. Exigiu que reduzisse o crédito a pagar. Provocou, assim, recessão antes ainda de que os efeitos da depressão mundial atingissem o Brasil.

Na prática, o Banco do Brasil desviava o capital que se dirigia a São Paulo, deslocando parcela substancial para o Rio de Janeiro, em apoio às notas conversíveis da Caixa de Estabilização, com o fim de proteger o mil-réis. Tal política não sustentou a moeda e ajudou a provocar a insatisfação que eclodiu na Revolução de 30.

1.7. Banco do Brasil desenvolvimentista e autoridade monetária

Pelo Decreto de 19 de novembro de 1930, foi extinta a Caixa de Estabilização. Suas funções foram transferidas para o Banco do Brasil. De todas as formas, o Governo Provisório buscou assegurar a posição do Banco no estrangeiro, onde diversas recusas de aceite e pagamento de cambiais de sua emissão exigiam pagamento pronto.

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Restituiu-lhe também a posição de centro do sistema bancário, através da reabertura da Carteira de Redesconto, o que foi muito bem recebido pelas associações comerciais, agrícolas e industriais do país.

Dessa forma, o Governo procurava aliviar a pressão sobre os bancos comerciais que mantinham altos encaixes, temerosos de que lhes faltassem numerário para atenderem retiradas monetárias. Completando essa atuação, criou a Caixa de Mobilização Bancária via Decreto de 9 de junho de 1932, que agia no sentido de solucionar o retraimento do crédito. Assegurava aos bancos condições de mobilidade de seus ativos e lhes permitia fazer face aos compromissos assumidos e às necessidades gerais da economia. O funcionamento dessa CAMOB fortaleceu a confiança dos depositantes e evitou as corridas bancárias.

O Banco do Brasil se tornou a peça-chave na solução do grave problema econômico do café, através da execução do plano de defesa permanente do convênio firmado pelos estados produtores. O limite das operações da carteira de emissão e redesconto foi aumentado ao quádruplo, sendo admitido o redesconto, dentro desse montante, dos títulos cambiais emitidos pelo Conselho Nacional do Café, incluindo-se entre eles os que tivessem sido descontados pelo Banco. Quando, em 1933, o Conselho foi extinto e criou-se o Departamento Nacional do Café, subordinado ao Ministro da Fazenda, o Banco do Brasil permaneceu desempenhando importante papel junto àquele órgão. Os ajustes institucionais deram absoluta prioridade à preservação da riqueza mercantil e patrimonial das classes proprietárias.

Além dessa atuação como “banco dos bancos”, o Banco do Brasil manteve-se como “banco do governo”. Em 1932, acudiu ao Governo com suas emissões para superar a Revolução Constitucionalista de São Paulo e a seca de proporções devastadoras que ocorreu no Nordeste. Impossibilitados de pagar os recursos captados no exterior, os Estados e os Municípios a ele recorreram, para saldar suas dívidas. Em seguida, foram financiados diretamente pelo Banco, com garantia do Tesouro Nacional.

A Carteira de Câmbio do Banco do Brasil tornou-se o órgão exclusivo do controle governamental, excluída a participação de representantes do setor privado. O Banco dispunha de monopólio de compras de letras de importação, cujos fundos eram aplicados em remessas e obrigações dos governos Federal, Estaduais e Municipais e no pagamento de importações, devidamente comprovadas pela fiscalização bancária.

Em 14 de novembro de 1936, houve a criação da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial (CREAI). Um dos seus objetivos principais era dar assistência creditícia à atividade agrícola ou agroindustrial do País, no período de entressafra. Era quando mais necessária se fazia a assistência financeira e bancária para dar ao agricultor recursos em condições satisfatórias de juros e de prazo. Inicialmente, o BB agiu cautelosamente na concessão desse novo tipo de crédito. Adotou uma pauta gradual, pela qual atendeu em primeiro lugar às necessidades do crédito de custeio, deixando para depois o atendimento às solicitações referentes ao crédito destinado ao melhoramento imobiliário e ao crédito de longo prazo.

Foi autorizada por lei a captação de recursos para a CREAI, mediante a colocação de bônus no mercado de capitais e junto aos então nascentes Institutos de Aposentadorias e Pensões. Esses títulos autônomos eram cotados na Bolsa do Rio de Janeiro e financiavam aquisição de maquinaria, custeio de safras e entressafras,

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sementes e adubos, melhoria de rebanhos além de matéria prima e reequipamento industrial.

Em 1938 e 1939, a CREAI voltou a se utilizar do mercado de capitais, lançando novo papel próprio, suas Letras Hipotecárias. O objetivo desses títulos era desafogar o grave endividamento da agricultura brasileira, reduzindo as taxas de juros em empréstimos com garantia de propriedades rurais. As dívidas dos produtores eram renegociadas e o pagamento feito com as Letras, transferindo-se as hipotecas para o Banco do Brasil.

Na década de 40, o Banco do Brasil esteve presente na Marcha para o Oeste, deflagrada pelo presidente Getúlio Vargas, buscando incorporar milhares de hectares de terras ao processo produtivo. Em 10 de novembro de 1941, o Banco inaugurou, em Assunção, Paraguai, sua primeira agência no exterior.

Os estatutos do Banco do Brasil foram reformulados, em 10 de março de 1942, para se adequarem à então recente Lei das Sociedades Anônimas. Com a reforma, ficava definitivamente consagrada sua ação em duas áreas aparentemente conflitantes, pois atuava como autoridade monetária e como banco comercial comum. Enquanto agente financeiro do Governo, ele efetuaria as arrecadações das rendas federais e os pagamentos autorizados, concederia antecipações ao Governo e atuaria como agente federal para operações de câmbio. Como banco comercial, concederia financiamento à atividade produtiva. Especificamente, cinco carteiras coordenariam as atividades do banco: a Carteira de Câmbio, a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial, a Carteira de Crédito Geral, a Carteira de Exportação e Importação, e a Carteira de Redesconto. Em outras palavras, atuava também como “banco de câmbio, de fomento e dos próprios bancos”.

A nova sistemática de operações garantiu ao Banco o status de mais importante estabelecimento de crédito em funcionamento no País. Era um dos pilares da política governamental, pois além de atuar como banco de segunda linha, garantindo liquidez ao sistema bancário, também impedia quebras eventuais no sistema produtivo e constituía elemento fundamental no mecanismo da política monetária.

O Relatório da Administração do Banco do Brasil, em 1941, mostra que, em plena guerra, concedia-se à agricultura e à pecuária, em todo o território nacional, créditos no valor de 676 milhões de cruzeiros, ao passo que se emprestava 450 milhões apenas à Prefeitura do Distrito Federal, para plano urbanístico, e 452 milhões à indústria de construção civil. Além dessa, na área imobiliária, duas outras grandes “inflações nos preços de ativos” ocorreram no fim da ditadura de Vargas, ambas sob a proteção do Banco oficial: a do algodão e ao zebu. Houve financiamento maciço ao algodão em rama e créditos fáceis concedidos à pecuária pelo Banco do Brasil. No auge da “febre do zebu”, em 1944, quase 60% dos empréstimos da CREAI o beneficiaram. Talvez o aumento da demanda (externa e interna) de carne, durante a guerra, possa ter sido o elemento gerador das importações de reprodutores zebuínos. Em 1945, 44,3% dos créditos da carteira foram dedicados ao financiamento do algodão em pluma. Embora realizado por ela, não teve a feição de crédito à produção, mas sim ao comércio de algodão. Tal produto, assim como o café e o arroz, com parcelas menores de crédito, todos eram ligados ao comércio exterior.

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A determinação de ampliar a cobertura de atendimento nacional do Banco provocou rápida expansão de sua rede de agências, que passou a contar com 220 unidades em 1942, contra 157 no ano anterior. Em 1945, já contava com 259 agências distribuídas pelo território nacional. Essa política visava, sobretudo, estender a presença governamental às regiões interioranas, unificando a sua atuação.

Como braço financeiro do Governo Federal, teve presença na Segunda Guerra Mundial, quando acompanhou os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira. Com escritórios em Roma, Nápoles e Pistóia (posteriormente transferido para Gênova), sua missão era pagar à tropa e transferir numerário para o Brasil, além de atender à embaixada e aos consulados brasileiros.

Com a criação da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), em 1945, algumas atribuições administrativas do Banco do Brasil, por exemplo, a fiscalização dos bancos, foram transferidas para esse novo órgão. Também passaram para a competência da SUMOC, entre outras atribuições, as requisições para emissão de papel-moeda do Tesouro nacional; a exclusividade dos recebimentos dos depósitos de bancos; o controle das taxas de juros; o abono às novas contas de bancos, casas bancárias e caixas econômicas; a determinação mensal das taxas de redescontos e de juros dos empréstimos a bancos; a autorização de empréstimos garantidos pelo Governo; a compra e a venda de ouro ou de cambiais.

Essas funções, até então, eram exercidas pelo Banco do Brasil, que as mesclava com suas atividades comerciais e de fomento agrícola e industrial. Com a finalidade de exercer o controle monetário e preparar a organização de banco central, a Superintendência tinha a responsabilidade de fixar os percentuais de reservas obrigatórias dos bancos comerciais, as taxas do redesconto e da assistência financeira de liquidez, bem como os juros sobre depósitos bancários. Além disso, supervisionava a atuação dos bancos comerciais, orientava a política cambial e representava o País junto a organismos internacionais.

Na esfera institucional financeira, a regulamentação da SUMOC foi implementada em meio a acirradas discussões que questionavam o Banco do Brasil em sua atuação como banco central. Embora fosse reconhecida a necessidade da criação de banco central, o BB permaneceria, de fato, investido das funções de autoridade monetária, dividindo com a SUMOC as prerrogativas clássicas normalmente atribuíveis a um banco central.

Em sua condição híbrida de banco comercial e banco central, o Banco do Brasil sempre foi capaz de ofertar recursos em quantidade superior à sua captação, na medida em que não era obrigado a custodiar parte dos seus depósitos, como os demais bancos comerciais. Além disso, como autoridade monetária, o Banco também nunca esteve sujeito aos rigores da prática bancária usual, que previa limites de segurança para o encaixe dos bancos.

Outro aspecto relevante diz respeito à sua atuação como instrumento amortecedor de oscilações econômicas conjunturais. Para tanto, fluíam para o Banco recursos extras muitas vezes provenientes de emissões de papel-moeda. Em certas ocasiões, as medidas recessivas adotadas pelo Governo Federal não foram seguidas pelo BB, cuja atuação anticíclica ficava evidente.

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Ele destinava a maior parcela de seus recursos ao setor agropecuário. O nascente desenvolvimento industrial brasileiro não teria perspectivas de afirmação no cenário econômico, se não contasse com certo progresso do setor agrícola. À agricultura era reservado o importante papel de gerar os dólares necessários às importações brasileiras, que se destinavam, em grande parte, a equipar o processo produtivo industrial. O amparo financeiro à agricultura procurava também garantir adequada oferta interna de produtos de abastecimento básico, a preços estáveis, o que constituía requisito fundamental para o desenvolvimento urbano e o crescimento industrial. Com relação ao setor industrial, os empréstimos eram mais comprometidos com projetos de infra-estrutura, tais como montagem de frigoríficos no cais do porto e armazenagem de cereais. No período pós-1945, o Banco atuou decisivamente também no desenvolvimento industrial, com destaque na implantação da Companhia Siderúrgica Nacional, um dos marcos mais significativos da industrialização brasileira.

O Banco do Brasil tornava-se o principal instrumento financeiro do Governo, através do qual se procurava garantir o nível de atividade da agricultura brasileira. Essa política era consubstanciada, de um lado, na forte participação relativa dos financiamentos agrícolas no total dos financiamentos concedidos pelo Banco e, de outro, no subsídio implícito que acompanhava as operações de crédito rural, cujas taxas de juros eram invariavelmente inferiores à taxa de inflação.

Em 29 de dezembro de 1953, através da Lei n° 2.145, foi criada a Carteira de Comércio Exterior (CACEX), em substituição à antiga Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil, instalada em 21 de maio de 1941, mas sujeita às freqüentes denúncias de corrupção e abuso. À CACEX cabia, entre outras atribuições, a emissão de licenças de importação e o estabelecimento de sobretaxas de câmbio.

O desenvolvimento do Banco do Brasil foi acompanhado por rápido crescimento do número de agências da instituição. Em 1957, o número de agências chegava a 381, sendo uma no exterior. A expansão da rede concentrou-se em São Paulo, para atender a exigências de industrialização e da produção de café, e em Goiás, para abrir espaço financeiro para Brasília e para a pecuária da região.

Apesar da preocupação com o pequeno produtor, a expansão industrial exigia grandes recursos, quer para investimentos diretos no setor, quer recursos indiretos, através da priorização da agricultura de exportação, com a qual o País contava para viabilizar as importações necessárias ao desenvolvimento da indústria. Grande parte dos recursos de implementação do Plano de Metas era de origem externa. Para manter o necessário fluxo de financiamentos à sua execução, o Ministro da Fazenda negociou acordos com os Estados Unidos, em 1956, os quais impunham exigências no sentido de o governo brasileiro demonstrar capacidade efetiva de controle da inflação.

Em sentido contrário ao efeito deflacionário, causado pela retirada de liquidez do sistema, agiam dois outros importantes componentes da base monetária. De um lado, o Banco do Brasil, ao dispor de reforço de caixa, tinha maior capacidade de incrementar seus empréstimos ao setor privado. De outro lado, o Governo, também beneficiado com o aumento de caixa, aumentava seus gastos, que acabavam por se traduzir em déficits sistemáticos do Tesouro com o Banco. A fuga do controle ortodoxo permitia o desenvolvimento industrial e dava ao país taxa de crescimento econômico, no pós-guerra, entre as maiores do mundo.

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Mini reforma cambial patrocinada pela instrução 192 da SUMOC, em 30 de dezembro de 1959, no apogeu dos anos JK, liberou a taxa de câmbio das exportações. Elas passaram a ser pagas, uma parte à vista e outra em Letras de Exportação emitidas pelo Banco do Brasil. Esses títulos eram endossáveis, tinham prazo de seis meses e pagavam juros de 6% ao ano, sendo amplamente negociados fora de Bolsa, no mercado de balcão. Eles constituíram primeira experiência de papéis de curto prazo, essenciais à execução de políticas monetária e cambial.

Coroando essa era desenvolvimentista, simbolicamente, a sede do Banco do Brasil foi transferida para Brasília no dia da inauguração da nova capital, 21 de abril de 1960.

FIORI (2001: 273) faz um brevíssimo balanço da “era desenvolvimentista”. Nesse período, quando o Brasil manteve uma das mais elevadas taxas médias de crescimento mundial, constituiu-se, no país, economia industrial relativamente integrada pela ação de capitais estatais, associada aos capitais privados nacionais e estrangeiros. “A história dessa industrialização começou nos anos 20 e se acelerou na década de 30, mas foi sobretudo nos anos 50 que a indústria se consolidou como eixo dinâmico da economia brasileira. Entre 1945 e 1980, o produto interno bruto cresceu à taxa anual média de 7,1%, o crescimento do setor manufatureiro foi de 9% ao ano, e a participação do setor industrial na renda interna passou de 26%, em 1949, para 33,4%, em 1970. Nesse período, assistiu-se, igualmente, a notável diversificação da pauta de exportações, e os produtos manufaturados chegaram a representar, no final dos anos 80, mais de 60% do total exportado pelo Brasil. Essas mudanças fizeram que a população economicamente ativa empregada pelo setor secundário passasse de 10,3%, em 1940, para 25,3%, em 1980”.

O Estado criou ampla e complexa institucionalidade, montando extensa burocracia econômica. Entretanto, em raros momentos do ciclo desenvolvimentista, ela conseguiu resistir às pressões externas e à sua balcanização interna. “Essa fragilidade política das burocracias do Estado diante dos interesses conservadores das classes dominantes é que encaminhou, em última instância, o desenvolvimento econômico brasileiro pelos caminhos de menor resistência, criando uma estrutura industrial altamente desenvolvida, porém sem auto-sustentação financeira e tecnológica” (id., ibid.: 274).

Exemplo raro dessa resistência tecnoburocrática ocorreu com o afastamento de Lucas Lopes, em agosto de 1959. O Ministério da Fazenda passaria a ser comandado por Sebastião Pais de Almeida, então presidente do Banco do Brasil. Essa nomeação visava relaxar as metas e os instrumentos herdados da política de contração, já que o Brasil rompera com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Com o fim da assistência financeira do FMI e dos bancos estrangeiros, tornava-se cada vez mais inevitável nova reorganização do sistema financeiro. Os desafios da economia já exigiam maior sofisticação dos instrumentos de captação e de aplicação dos recursos financeiros.

Vale salientar que o Banco do Brasil, às vésperas dessa reforma bancária, detinha posição muito forte no sistema bancário brasileiro. Se de 1945 a 1961, sua participação no mercado de depósitos à vista oscilou, anualmente, entre 35% e 45%, nos

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anos de crise pré-golpe militar, 1962 e 1963, elevou-se para 51% e 49%, respectivamente, e em 1964 atingiu 60%!

1.8. Banco do Brasil – sociedade de economia mista: banco comercial e banco do governo

Além da especialização de instituições financeiras por linhas de crédito e/ou segmentos, o fato mais relevante da Lei de Reforma Bancária, de 31 de dezembro de 1964, foi a criação do Banco Central do Brasil (BCB), como gestor da política monetária, cujas diretrizes eram determinadas pelo Conselho Monetário Nacional. Foram atribuídas ao Banco Central funções antes executadas pelo Banco do Brasil e pela SUMOC: emissão de moeda, controle do redesconto e dos depósitos de reservas obrigatórias, regulação das atividades bancárias, financeiras e dos capitais estrangeiros.

O Banco do Brasil passou a funcionar como sociedade de economia mista, ou seja, pessoa jurídica de direito privado, configurando-se como banco comercial, apesar de exercer série de atividades não pertinentes a instituições desse tipo. Como principal executor dos serviços bancários de interesse do Governo Federal, inclusive de suas autarquias, competia-lhe receber em depósito, com exclusividade, as disponibilidades de quaisquer entidades federais, além de realizar a política de comércio exterior e financiar atividades industriais e rurais.

A citada Lei da Reforma Bancária marcou o início de processo de transformação dos diversos papéis até então desempenhados pelo Banco do Brasil, enquanto instituição financeira e participante ativa na formulação e na execução da política monetária e de crédito do governo. Essa legislação criou o BCB, transferindo-lhe aquelas funções que lhe são típicas, antes em parte exercidas pelo BB. Entretanto, o modelo institucional definido para este conservou a sua natureza mista de banco de governo e banco comercial.

Permaneceu atuando como banco de governo por realizar volumosas operações lastreadas em recursos supridos por ordem e conta do Tesouro. Continuou com a função de agente financeiro do Tesouro, além de desempenhar diversas tarefas, como administração do sistema de compensação de cheques e suprimento de numerário para o sistema bancário (por delegação do Banco Central), administração do comércio exterior brasileiro, via Carteira do Comércio Exterior (CACEX), e gestor de diversos fundos e programas oficiais.

Apesar de ter sido proibido de emprestar ao Tesouro, cujos déficits passaram a ser financiados com instrumentos próprios, o Banco do Brasil preservou, após 1964, o manejo de recursos fiscais e a exclusiva capacidade de avançar crédito sem as restrições impostas aos demais bancos. Na prática, ficou desobrigado do recolhimento compulsório sobre seus depósitos, uma vez que sua conta de reservas bancárias no Banco Central desfrutava de nivelamento automático através da chamada “Conta de Movimento”, em seu balanço. Por isso, manteve-se na condição de autoridade monetária até as reformas das finanças públicas, implementadas de 1986 a 88, necessárias para o processo de unificação orçamentária. Nesse triênio, a redefinição das relações entre o Tesouro Nacional, o Banco Central e o Banco do Brasil, além de estreitaram mais uma vez o seu lugar no âmbito da política monetária e fiscal, foram também decisivas para conduzir o Banco à situação de crise, refletida em sua situação patrimonial e financeira. Essa somente veio a ser enfrentada em 1996.

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Essa história merece ser relembrada com maior detalhe. Começou com a Lei 4.595, de 1964, que promoveu a reforma bancária. O objetivo inicial era criar um Banco Central independente e acabar com a condição privilegiada do Banco do Brasil, que tinha acesso ilimitado ao redesconto, na época administrado pela SUMOC. Os mecanismos que proporcionavam ao BB recursos para atender toda a demanda de crédito representavam enorme dificuldade à administração da política monetária.

Os funcionários do Banco, então muito influentes na administração federal e no Congresso, resistiram à criação do Banco Central do Brasil. A lei ganhou então um capítulo especial, preservando seu papel de fomentador da atividade econômica. O Artigo 19 dessa lei gerou, porém, nova fonte de distorções, pois obrigava o Conselho Monetário Nacional (CMN) a suprir o Banco do Brasil de recursos para essa finalidade.

A lei foi aprovada, no final de 1964, sem que houvesse proposta concreta de separação do BB do BCB, que deveria ser criado em abril de 1965. Às vésperas da data-limite, o impasse continuava. A solução proposta foi a criação da “conta de movimento”, que deveria ser provisória. De início, o BB seria credor do BCB. Porém, a situação, temporária, rapidamente transformou-se em permanente. O Banco do Brasil expandia o crédito por determinação do governo e mantinha conta em aberto. O volume de empréstimos era determinado não pela capacidade de captação do Banco, mas pela demanda. Ele emprestava, e o Banco Central captava, lançando títulos de dívida pública. O BB pagava ao BCB 1% ao ano e cobrava dos agricultores e exportadores taxas de juros muito mais elevadas, mesmo sendo subsidiadas, isto é, abaixo da taxa média do mercado. Com isso, ele parecia ser o Banco mais rentável.

Em 1964, foram lançados os títulos que dominariam o mercado de capitais, na segunda metade do século XX. Eram as ORTN, ou Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional, que introduziram a correção monetária em nossa cultura econômica. O Banco do Brasil foi o agente emissor que lançou as ORTN para o público, divulgando-as e popularizando-as.

As ações preferenciais do Banco do Brasil começam a ser negociadas na Bolsa de Valores em 1973, no boom do “milagre econômico”. Mas, com a alta dos juros e da inflação, conseqüentemente, da correção monetária (e da renda fixa), em meados dos anos 70, a renda variável perdeu competitividade. Depois, no governo Geisel, medidas de política econômica “stop and go” começaram a impor limites às operações do BB.

Ele passou, então, a enfatizar operações típicas de banco comercial, mas mesmo nestas operou sob forte influência das políticas governamentais, dada a visão de banco voltado ao financiamento do desenvolvimento do País. Concentrou sua atuação no financiamento de atividades produtivas, especialmente no setor agropecuário, e estendeu sua rede de agências preferencialmente pelo interior do País. Sua rede de unidades domésticas aproximou-se do número 1000, marco atingido em 1976. Mais de 90% da rede localizava-se em cidades do interior. Empregava 65 mil funcionários.

Ganhou ritmo também a política de expansão da presença do Banco do Brasil no exterior, reiniciada com a abertura da agência de Nova Iorque, em 1969, a segunda após a de Assunção, inaugurada em 1941. Refletia-se na existência de 26 unidades em outros países. Além de sua atuação direta, buscava parcerias com outras instituições financeiras, criando empresas como o European Brazilian Bank, em Londres.

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A expansão da rede externa permitiu ao Banco crescente participação em sindicatos de bancos, concedendo empréstimos externos às empresas brasileiras e ao Governo. De 1977 a 1981, o BB foi o líder de sindicatos de empréstimos que atingiram o valor de 1,6 bilhão de dólares, co-líder em sindicatos que montaram a 6,6 bilhões de dólares, e participante em outros que alcançaram 3,1 bilhões de dólares.

No início dos anos 80, a crise da dívida externa piorou a situação. Ele havia se expandido, no exterior, com velocidade, mas atuando em reciclagem de petrodólares, que estavam escasseando. Naquela época, descobriu-se que a aparente eficiência do Banco do Brasil era no mínimo discutível: internamente, sustentava-se por custos subsidiados e, externamente, por conjuntura passageira.

Com a crise da dívida externa, detonada com a moratória do México, em setembro de 1982, o BCB passou a queimar reservas próprias e também do BB. Nesse período, este se viu na “humilhante” situação de ter seu caixa fechado diariamente por três bancos estrangeiros, em Nova York. A situação ficou mais dramática no ano seguinte, quando o governo percebeu que teria que agir para evitar a falência.

Foi criado grupo de estudos, com a tarefa de dar mais transparência ao sistema financeiro e eliminar a “promiscuidade” que havia entre Banco Central do Brasil, Banco do Brasil e Tesouro Nacional. Em 1984, o grupo propôs o fim da “conta de movimento”, a criação da Secretaria do Tesouro, o fim do orçamento monetário, a transferência da administração da dívida pública do Banco Central do Brasil para o Ministério da Fazenda, e a submissão dos limites de crescimento da dívida ao Congresso. O projeto foi barrado na Justiça, mas a idéia resistiu. Às vésperas do Plano Cruzado, em 1986, ganhou apoio do então ministro da Fazenda, Dilson Funaro, que acabou com a “conta de movimento” e criou a Secretaria do Tesouro.

Assim, reduzido seu papel de agente financeiro do Tesouro, colocado em segundo plano como autoridade monetária, foi em certa medida selado o destino do Banco do Brasil. Não lhe restou senão reorientar-se para expandir suas operações de captação junto ao setor privado, no mercado doméstico e no internacional.

As operações ativas do BB já privilegiavam o setor privado, destino de mais de 95% de seus créditos. Mas os fundos que financiavam suas operações mostravam a importância de sua condição de banco de governo. Em 1976, por exemplo, apenas 38% provinham de captação junto ao público. A Conta de Movimento no BCB, mecanismo de suprimento de recursos para operações de interesse governamental, tinha saldo que representava mais do que o dobro dos recursos captados do público.

No início da década dos 80, quando já se discutia a integração dos orçamentos fiscal, monetário e das estatais, isso significou maior restrição às operações do Banco do Brasil, cujos recursos, nos programas de interesse do Governo, provinham basicamente do orçamento monetário. Em conseqüência, suas aplicações tiveram perdas reais.

A restrição ao crédito era uma das medidas favoritas da política econômica ortodoxa, para controlar a demanda agregada. A contínua instabilidade revelou-se muito prejudicial ao Banco, com suas operações crescendo abaixo daquelas dos bancos comerciais. O Banco do Brasil, que em 1974 era responsável por metade do crédito bancário ao setor privado, viu essa participação reduzir-se a 1/3, em 1981.

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O controle monetário imposto pelo BCB e a maior facilidade de controlar os empréstimos do BB fizeram com que, no final de 1984, o saldo dos seus empréstimos em termos reais se reduzisse a ¼ daquele existente em 1978. Apesar de perder substância no mercado, sua relevância no sistema financeiro nacional podia ser aferida pelo fato de seu patrimônio líquido ainda ser igual ao do conjunto dos 20 maiores bancos comerciais.

1.9. Banco do Brasil versus Banco Central do Brasil e Tesouro Nacional

Como parte do Plano Cruzado, foram introduzidas alterações fundamentais no relacionamento do Banco do Brasil com o Banco Central e o Tesouro Nacional. Em 30 de janeiro de 1986, foi feito o congelamento da Conta de Movimento, que o BB mantinha junto ao BCB para contabilizar as operações de interesse do governo federal. As novas operações passaram a ocorrer dentro da sistemática de prévio suprimento de recursos. O Banco perdeu, ainda, os recursos originários do fluxo de caixa do orçamento do Tesouro.

A partir de então, não foi possível ao Tesouro fornecer-lhe os recursos necessários para ele atender às operações de crédito agrícola. O BB cobria, parcialmente, com recursos próprios, sob promessa de receber no futuro o montante correspondente à equalização de juros. A incapacidade do Governo de suprir os recursos requeridos se transformaria em um problema recorrente, com graves repercussões sobre seus resultados contábeis.

Ficou então explicitada sua histórica “crise de identidade”. O Banco do Brasil deveria se assumir como instrumento e agente de políticas públicas voltadas para o fomento de setores prioritários tais como a agropecuária, a agroindústria e os complexos exportadores? Ou deveria se dedicar, exclusivamente, a explorar todas as dimensões de um banco múltiplo, fortalecendo sua competitividade no mercado?

Com a extinção da Conta de Movimento, mantida pelo Banco Central, mecanismo que assegurava ao Banco do Brasil suprimento automático de recursos para as operações permitidas aos demais intermediários financeiros, em contrapartida, o Banco foi autorizado a atuar em todos os segmentos de mercado franqueados às demais instituições financeiras. Em 15 de maio de 1986, o Banco constituiu a BB Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A. Iniciou-se, assim, sua transformação em conglomerado financeiro.

No ano seguinte, quatro subsidiárias passaram a integrar o conjunto de empresas vinculadas ao BB: BB Financeira S.A; BB Leasing S.A.; BB Corretora de Seguros e Administradora de Bens S.A. e BB Administradora de Cartões de Crédito S.A. Entre as novas opções de investimento então ofertadas a seus clientes, o destaque ficou por conta da Caderneta de Poupança Rural, denominada Poupança-Ouro.

Suas inovações financeiras se deram, sobretudo, no campo mercadológico. Dentre os novos produtos e serviços ofertados, destacavam-se o Ourocard, primeiro cartão de múltiplo uso do mercado, as operações de leasing financeiro, iniciadas em julho de 1988, e a criação, em outubro, do BB Banco de Investimento S.A.

Em busca de maior captação, a rede do Banco do Brasil alcançou 4.449 unidades domésticas ao final de 1989, das quais 2.377 eram agências, somando-se 46

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dependências no exterior. O número de funcionários concursados atingiu 134 mil, o máximo de sua história.

A partir de 1990, passou o Banco por uma reformulação administrativa. Sua estrutura foi alterada, reduzindo-se a administração central e o número de funcionários em cerca de 10%. No primeiro ano do Governo Collor, houve o fechamento da CACEX, com a transferência de suas funções para o então Ministério da Economia. Perdeu assim o monopólio do financiamento e o papel de órgão executor da política de comércio exterior brasileiro. Já tinha deixado de ser o principal financiador do investimento industrial no Brasil.

O volume de recursos aportado pelo Tesouro ao crédito agrícola reduziu-se cada vez mais, em vista das restrições fiscais, representando, em 1991, apenas 17% do total. A pressão sobre o Banco para cobrir o diferencial, existente há algum tempo, levou à aplicação, no crédito rural, de volume de recursos superior ao disponível no Orçamento Geral da União, com o desvio de recursos destinados a outras atividades, ou mesmo à captação adicional no mercado com custos mais elevados.

As mudanças que ocorreram, nos anos 90, ficaram refletidas na estrutura de recursos. Enquanto antes, em 1985, apenas 34% das operações de crédito com o setor privado tinham sua fonte em operações de mercado, o restante provindo basicamente do Tesouro e do Banco Central, ao final de 1994, 80% tinham sua fonte no mercado, e apenas 8% fornecidas pelo Tesouro.

Como mostra VIDOTTO (1995: 3), “a crise do Banco do Brasil enquanto agente de políticas públicas teve conseqüências decisivas sobre seus resultados empresariais, ou seja, desdobrou-se na progressiva fragilização de sua condição patrimonial e de liquidez, refletida em resultados declinantes e outras evidências. Tendencialmente, observou-se um encarecimento de sua estrutura de passivos sem correspondente ampliação de receitas, combinado com a deterioração da qualidade de seus ativos e, ainda, um maior descasamento de prazos entre suas operações passivas e ativas”.

Pelo lado passivo, as reformas nas finanças públicas tiveram impacto em seu funding e, conseqüentemente, na estrutura de despesas, eliminando a disponibilidade de recursos baratos. Houve o fim da Conta de Movimento, a retirada de depósitos à vista de governos, a diminuição de repasses por parte do Tesouro Nacional, a assunção de posição predominantemente tomadora no mercado interbancário, e a dependência da captação através da caderneta de poupança rural. Esta fonte foi progressivamente perdendo espaço frente à “indústria de fundos mútuos de investimento”, carregadora do crescente estoque de títulos de dívida pública, e teve depósitos corrigidos acima dos rendimentos das operações de crédito rural. Era necessária a compensação por parte do Tesouro com receita para equalização dos juros. Mas, na prática, não era realizada.

Pelo lado dos ativos, as anistias aos devedores e a imposição de medidas favoráveis de refinanciamentos deterioram a qualidade das operações e a estrutura de prazos dos contratos de crédito. O Banco do Brasil, historicamente o que mais emprestava ao setor produtivo, detinha uma carteira de ativos com muitos problemas, que se agravaram com essas dificuldades operacionais.

Após o plano de estabilização inflacionária, aplicado em 1994, para forçar sua capitalização por parte do Tesouro Nacional, a administração do BB resolveu não mais

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renegociar dívidas pendentes e elevar provisões para devedores duvidosos. Com essa postura inflexível, o BB registrou prejuízo de 4,2 bilhões de reais, em 1995, e outro ainda maior de 7,5 bilhões de reais, no ano seguinte, todo este ocorrido no primeiro semestre.

O Banco voltou a apresentar lucro apenas no segundo semestre daquele ano, como conseqüência da série de ajustes previstos no Plano de Reestruturação, divulgado em 20 de março de 1996. Mas esse lucro não foi suficiente para reverter o prejuízo do primeiro semestre. Ele foi fortemente impactado pelas despesas com provisões para crédito de liquidação duvidosa. Estas foram para atender o crescimento da inadimplência, que atingiram o montante de R$ 5,3 bilhões. Outra fonte de prejuízo foi a apropriação do valor de R$ 1,3 bilhão relativo à parcela remanescente da variação cambial sobre investimentos no exterior, ocorrida em 1994. A má administração do Plano Real levou à súbita sobrevalorização da moeda nacional, causando essa perda cambial ao BB.

A fim de manter sua integridade patrimonial, o Banco fez aumento de capital de 8 bilhões de reais, no primeiro semestre de 1996. O Tesouro acabou destinando R$ 6,4 bilhões à capitalização, sendo a maior parcela em títulos e o restante em ações de estatais, obtendo em contraparte ações do próprio Banco, enquanto o fundo de previdência dos funcionários (PREVI) entrou com pouco mais de R$ 1 bilhão, e o BNDESPAR com R$ 0,5 bilhão.

VIDOTTO (1999: 16) coloca essa capitalização em perspectiva histórica. “A capitalização de R$ 8 bilhões do Banco do Brasil constitui o ápice de uma sucessão de movimentos que sucederam o fim dos créditos subsidiados à agricultura, até 1986 parcialmente viabilizados pelo acionamento da conta-movimento. A proteção creditícia do Estado à agricultura não desapareceu após aquela data, mas apoiou-se em mecanismos incertos e precários, cujos efeitos, ao invés de refletirem-se no orçamento monetário ou fiscal, como antes, ficaram camuflados na crescente deterioração das contas do BB. Respondida a crise com a reestruturação patrimonial da empresa, é como se tal medida viesse a posteriori preencher a função da conta-movimento, com a diferença relevante que tais recursos têm agora explícita natureza fiscal”.

Uma conseqüência de chamada de capital tão expressiva foi o aumento da participação do Tesouro no capital total do Banco, que de cerca de 30% passou a 72,7% das ações, 5,5% com o BNDESPAR, 14,8% com quatro grandes fundos de pensão, 1,0% com investidores estrangeiros e 6,0% com os demais (381.419) acionistas. Apesar disso, o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) tentou isolar o Banco de “influências políticas” em suas operações, com a redução do poder dos representantes do Governo nos conselhos de administração e fiscal. Apenas no governo Luís Ignácio da Silva (Lula), com suas ações sendo vendidas em ofertas públicas, a Previ reduziu sua participação no Banco do Brasil para 10,8% e o BNDESPar, para 3%. O maior acionista continuou sendo o Tesouro Nacional, com 67,1%. O objetivo da operação era adequar suas ações às regras do Novo Mercado da Bovespa, que previam que pelo menos 25% dos papéis estivessem no mercado. No caso dele, com as ofertas públicas de ações, em 2007, essa participação já estava em 19,6%.

As operações de crédito consolidadas atingiram, no final do ano de 1996, saldo de R$ 31,6 bilhões. Houve a involução de R$ 6,6 bilhões, praticamente explicada pelo processo de securitização das dívidas da carteira rural no valor de R$ 6,1 bilhões.

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Em termos de redução de custos, conjuntamente com a reestruturação patrimonial, também se racionalizou a rede de dependências, fechando 541 unidades, das quais 170 eram agências, e reduzindo o porte de muitas outras. Ao final daquele ano, possuía 4.443 pontos de atendimento, dos quais 2.931 eram agências.

Houve ainda o rompimento do modelo de relações trabalhistas até então existente. O Banco tinha alcançado, somando 126 mil empregados e 25 mil estagiários, 151 mil funcionários em dezembro de 1993. Com a diretriz neoliberal seguidora das ondas de enxugamento dos empregos (reengeneering, decruiting, downsizing, etc.), propostas por gurus da administração e consultores socialmente irresponsáveis, três anos após, em dezembro de 1996, o número de funcionários já tinha caído para 99 mil, sendo 85 mil empregados e 14 mil estagiários.

Adotadas medidas rigorosas, para conter despesas e ampliar receitas, e ajustada a estrutura administrativa e operacional, o Banco voltou a apresentar lucro, R$ 573,8 milhões, em 1997. Demonstrou sua capacidade de adaptação às exigências do mercado, oferecendo novas opções de crédito e produtos modelados de acordo com grupos segmentados de clientes. O Banco do Brasil retomou a liderança na área de mercado de capitais, varejo e seguridade.

Foi o primeiro a ganhar o certificado ISO 9002 em análise de crédito. O Banco recebeu o rating nacional máximo da Atlantic Rating, "AAA", e foi classificado como instituição da melhor qualidade. Inaugurou, em 1998, seu Centro Tecnológico, um dos mais modernos e bem-equipados do mundo. A revisão da rede de centros de processamento de serviços e comunicações possibilitou a desativação de 34 unidades e redução de porte de outras 11, resultando na centralização de diversos serviços nos níveis estadual e regional, com conseqüente queda nos custos operacionais.

O Banco do Brasil implementou programa de investimentos de R$ 1,7 bilhão em tecnologia de automação bancária até o ano 2000. O Banco assinou então dois importantes convênios: um com a IBM, para instalação de plataforma de software, em sua rede de agências; e outro com a Microsoft, que permitiu o lançamento do BB Personal Banking para pessoa física. Os assinantes desse serviço de acesso às informações bancárias via Internet ou por intermédio de sistema exclusivo do Banco podiam realizar consultas e operações a partir da residência ou ambiente de trabalho.

Esse ano marcou a expansão do BB na Internet, com o lançamento do Portal Banco do Brasil, abrigando sites de investimentos, agronegócios, negócios internacionais, relações com investidores, notícias, cultura e esportes. Consolidou-se então como a instituição financeira brasileira com maior presença na rede mundial.

Em 2001, o Banco do Brasil adotou a configuração de Banco Múltiplo, trazendo vantagens como redução dos custos, racionalização de processos e otimização da gestão financeira e fisco-tributária. Também foi adotada nova configuração para os processos decisórios. A Diretoria Executiva passou a ser composta pelo Conselho Diretor (Presidente e Vice-Presidentes) e demais Diretores. Foram criados comitês, subcomitês e comissões para tomadas de decisões colegiadas. Essa nova estrutura configurou o Banco em três pilares negociais (Atacado, Varejo, Governo), além de Recursos de Terceiros, segregado dos demais pela “chinese wall”, cumprindo exigência do Banco Central.

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Essa trajetória histórica do Banco do Brasil revela, em vários momentos, de acordo com o estilo do governo da ocasião, aparente “crise de identidade” a respeito de qual função deveria priorizar. Na última década do século XX, surgiu algo até então inédito em sua história: o propósito de imprimir um caráter eminentemente privado a sua gestão! Entretanto, esse despropósito acabou esbarrando em limites estruturais. Foram eles relacionados, inelutavelmente, à precedência ocupada por sua lógica de empresa pública, ou seja, um banco do governo, que remete à própria participação intermitente em quase 200 anos da história do Brasil.

1.10. PROEF – Programa de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais

Em junho de 2001, o Governo editou Medida Provisória que permitiu a adequação patrimonial de quatro bancos públicos federais, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia, à legislação que definia as exigências de capital mínimo das instituições financeiras. A iniciativa fez parte do processo de reestruturação do sistema financeiro nacional que o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso vinha conduzindo desde o início de seu primeiro mandato, com o objetivo de sanar problemas que a inflação alta mascarava e a estabilização revelou.

A adequação patrimonial das instituições públicas foi necessária em face do aprimoramento da regulamentação bancária estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), nos anos anteriores, válida quer para os bancos privados, quer para os bancos públicos. Essa legislação espelhou padrões internacionais, estabelecidos pelo Acordo de Basiléia, visando assegurar a solidez do sistema financeiro.

Com os ajustes, o objetivo era os quatro bancos públicos federais passarem a ser instituições mais fortes, mais competitivas e, sobretudo, mais transparentes. A necessidade de reestruturação patrimonial foi constatada na primeira Inspeção Global Consolidada feita pelo Banco Central em cada um dos quatro bancos federais. Nunca os bancos públicos federais haviam sido submetidos a tal inspeção.

A própria inspeção geral e as medidas dela decorrentes foram evidência de que a política bancária desse governo era impor aos bancos públicos a mesma disciplina a que estavam submetidos os bancos privados. Almejava assegurar que as instituições públicas federais estivessem preparadas tanto para competir como bancos comerciais, como também para desempenhar, com eficiência, sua missão de fomento ao desenvolvimento econômico e social. Dado que sua privatização, naquele mandato, era hipótese politicamente afastada pelo Presidente da República, desejava ele adotar “a vontade dos bancos privados”.

Na Inspeção Global Consolidada, o Banco Central constatou a presença expressiva, nos ativos dos quatro bancos federais, de créditos de baixa remuneração e/ou difícil recuperação. Esses créditos correspondiam a empréstimos de longo prazo, com elevado grau de subsídios acumulados em governos passados, jamais explicitados no orçamento. Incluíam-se, nesse universo, subsídios na área de habitação, na de saneamento, no crédito agrícola, empréstimos a pequenos, micro e médios produtores e financiamentos de programas de desenvolvimento regional, entre outros.

Segundo as normas definidas pela Resolução CMN 2682/99, os bancos federais seriam obrigados a fazer provisões incompatíveis com sua estrutura de capital, tendo em

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vista as regras de Basiléia, que estabeleciam o coeficiente entre ativos, ponderados pelo seu risco, e o patrimônio líquido de instituição financeira. Para adaptar o patrimônio dos bancos federais a essas exigências, o Governo se valeu de três instrumentos básicos: a transferência do risco desses créditos para o Tesouro Nacional ou para uma empresa não financeira, denominada Empresa Gestora de Ativos (EMGEA), então criada; a troca de ativos de pouca liquidez e baixa remuneração por ativos líquidos, remunerados à taxa de mercado; e, em menor grau, o aumento de capital de três dessas instituições.

A EMGEA foi constituída com o propósito de administrar os créditos cedidos pelos bancos públicos federais. Não sendo instituição financeira, não estava obrigada a fazer as correspondentes provisões. Os créditos não cedidos a essa empresa e ainda sujeitos a provisões não suportadas pelo capital das instituições financeiras foram transferidos ao Tesouro Nacional. A troca de ativos consistiu essencialmente na permuta de créditos dessas instituições, com características de prazo e remuneração inadequadas, por ativos líquidos e remunerados à taxa de mercado. A capitalização se fez necessária no caso da Caixa Econômica Federal, do Banco do Nordeste e do Banco da Amazônia.

No caso do Banco do Brasil, com a capitalização de R$ 8 bilhões, feita basicamente pelo governo, em 1996, não foi necessária, na reestruturação patrimonial implementada em meados de 2001, nova injeção de recursos. Foi feita “limpeza” de seu balanço, com a transferência, para o Tesouro, de créditos da área rural, considerados problemáticos. Esses créditos tinham peso significativo na estrutura patrimonial e consumiam os resultados.

O Programa de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais apresentava série de medidas, algumas das quais traziam efeitos relevantes para o Banco do Brasil. Como exemplo, cita-se a permuta dos títulos emitidos pela República Federativa do Brasil no exterior (brady bonds) por títulos da dívida interna de emissão do Tesouro.

A solução apresentada permitiu reduzir o impacto fiscal da adequação patrimonial e diluí-lo no tempo. O impacto sobre o Resultado Primário do Governo Central foi nulo. Assim, o impacto sobre as finanças públicas foi sentido, essencialmente, pela elevação da dívida líquida em cerca de 1% do PIB e pelo acréscimo da conta de juros decorrente tanto daquela elevação, como do aumento da taxa de juros média paga pelo governo.

O saneamento patrimonial veio acompanhado de medidas que, segundo justificativa oficial, “visavam pôr fim a uma longa e recorrente história de desequilíbrios nas instituições públicas federais, cujo ônus, em maior ou menor grau, acaba por recair sobre toda a sociedade brasileira”. Nesse sentido, foi imposta a explicitação dos subsídios até então implicitamente concedidos nos programas de desenvolvimento econômico e social operacionalizados por intermédio dos bancos federais. Os subsídios deveriam passar a constar da proposta de lei orçamentária, encaminhada à deliberação do Congresso Nacional.

Providências destinadas a oferecer remuneração adequada às instituições financeiras com recursos equalizados pelo Tesouro Nacional já vinham sendo implementadas. Houve a necessidade de adequar a remuneração do conjunto de outras operações.

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A política do governo FHC não foi se caminhar, diretamente, na direção de privatizar os bancos públicos federais, eliminando sua atuação comercial ou suas funções enquanto veículos para programas de desenvolvimento econômico e social. Mas desejava que eles desempenhassem papel social e aplicassem políticas públicas sem comprometer seus resultados contábeis. Achava que eles poderiam ser bancos orientados para o mercado, mesmo operando políticas públicas.

1.11. Estratégia neoliberal em bancos públicos

O modelo de atuação apresentado pelas Instituições Financeiras Públicas Federais, imediatamente após a reestruturação patrimonial, em junho de 2001, diferia das características históricas dos bancos públicos. Por exemplo, enquanto os outros conglomerados privados corriam atrás de produtos de varejo, sobretudo os créditos à pessoa física, o Banco do Brasil parecia ir, decididamente, na direção oposta.

Sua ex-diretoria considerava que o Banco tinha no varejo posição bastante sólida. Dizia que o Banco do Brasil abriu 1,5 milhão de contas novas, no ano 2001, “quase 3 Sudameris” (banco então em processo de aquisição pelo Itaú), contra 880 mil contas novas do Bradesco. Sua capacidade de crescer no varejo, inercialmente, era muito forte. O desafio que ela se colocava era tornar o BB também “banco de empresa”.

Ele não deveria ficar restrito a sua posição de estabilidade no varejo, pois existia

uma imbricação e uma sinergia entre atacado e varejo. O atacado era visto como uma forma de fortalecer o varejo, por exemplo, conquistando clientes para o banco através da folha de pagamentos das empresas. Metade das 13,460 milhões de contas correntes de pessoas físicas então existentes era constituídas de “contas-salário”.

Em sua investida no atacado, em um ano, o Banco do Brasil abriu 13 agências

corporate, 5 no estado de São Paulo. Aliás, esse mercado era prioritário para sua pretensão “atacadista”, primeiro, porque ele era reconhecidamente fraco nele. Em segundo lugar, era lá que estavam as empresas que ele ambicionava ter como clientes.

Em termos gerais, o modelo de banco público que se estava desenhando, a partir das ordens de Brasília, levava aos bancos de origem estatal assumirem a disputa da clientela de elite, inclusive com os grandes bancos estrangeiros, para facilitar o carregamento do estoque de títulos de dívida pública federais. Os tecnocratas neoliberais do Planalto Central (e seus representantes situados nas direções dos bancos) achavam que, uma vez resolvidos os problemas do banco público, ele só precisava ser bem administrado e ser independente de quaisquer tentativas de governo de tratar questões político-sociais, para que fosse capaz de mostrar sua verdadeira lucratividade e seu efetivo potencial.

Por essa visão oficiosa, além do baixo custo de captação de depósitos, também

se ressaltava o potencial de crescimento das vendas cruzadas à vasta clientela dos bancos estatais, sobretudo de produtos sub-explorados, como seguros, administração de recursos, cartão de crédito e previdência complementar. A meta exigida passava ser cada um deles ter, em média, um número de produtos por cliente semelhante ao índice de comercialização (mais de quatro) do Bradesco e do Itaú.

Com esse foco na elite, praticamente, o BB “abriu mão” do Banco Postal, uma marca para designar serviços bancários prestados nas agências dos Correios. Os R$ 262

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milhões pagos pelo Bradesco, na licitação, quando o Banco do Brasil dispensou essa parceria, significavam grande oportunidade face ao seu potencial. As taxas pagas pelo Bradesco aos Correios mal cobriam os gastos operacionais. Como administrador do Banco Postal, o banco privado obteve acesso a cerca de 110 mil funcionários sem ter pagado, diretamente, por isso.

Os bancos estatais, contudo, não abandonaram os governos enquanto clientes. Eles ofereciam às prefeituras e aos governos estaduais o sistema de gestão integrada de suas contas. Eles também almejavam a cobrança da dívida tributária ativa.

Para a competitividade de um banco público, ele tinha de possuir algumas vantagens competitivas, para poder cobrir as perdas impostas em alguns programas. Por exemplo, no governo Lula, o Banco do Brasil retomou a administração da folha de pagamento de doze Estados. O banco era o responsável pela folha de mais de cem prefeituras. A administração do setor público sentia mais segurança ao fazer negócio com outro "ente público", como ele ou a Caixa, porque evitava longo processo e até questionamentos dos órgãos fiscalizadores. A relação entre entes públicos era o padrão histórico-institucional. Se fosse fazer licitação, ela tinha que se cercar de série de pareceres para não ser acusada de favorecer instituição privada. Com o BB, a negociação era direta, e não por meio de leilão. Além disso, o preço pago pelo Banco era o de mercado e a instituição, em muitos Estados e prefeituras, era a que tinha condições de atender melhor à população por estar presente em todas as regiões.

Os bancos pagavam caro para vencer essa disputa (FSP: 28/10/07). A folha de uma prefeitura como a de São Paulo valia mais de R$ 600 milhões. A de um Estado podia subir para bilhões de reais. Tudo porque compravam o acesso à clientela numerosa, cativa, centralizada, com boa remuneração e estabilidade no emprego. Assim, rapidamente, o banco conseguia recuperar o investimento, concedendo empréstimos com baixo risco de perdas e vendendo seguros, planos de previdência, capitalização e vários outros produtos. Ganhava, logo, milhares de clientes, por exemplo, somente na Prefeitura de São Paulo eram 210 mil funcionários, 100 mil servidores no Estado do Maranhão, 250 mil no governo da Bahia e 540 mil no de Minas Gerais. Ao todo, o Banco do Brasil já contava com 5 milhões de servidores públicos (incluindo os da União, Estados e Municípios) na sua base de clientes, o que lhe permitia ter o maior volume de depósitos à vista entre todos os bancos no Brasil.

Antes, a estratégia do Governo Federal, semelhantemente ao de São Paulo, naquela época, em relação à Nossa Caixa, era aumentar o número de acionistas dos seus bancos. Para isso, a estratégia era vender ações pertencentes ao Tesouro Nacional (e Estadual). Porém, a transferência do controle total dos bancos, para o setor privado, às vésperas da eleição presidencial de 2002, foi sendo descartada, devido ao impacto político negativo.

Foi, então, divulgada declaração presidencial: "privatização está fora de questão". A estratégia, para capitalizar os bancos, era colocar ações de maneira pulverizada, no mercado. Os tecnocratas estavam estudando qual o melhor momento para vender ações dos bancos estatais, uma vez que a bolsa de valores andava em baixa, devido à retração geral da economia. Para conquistar o nível 1 de governança corporativa do “novo mercado”, os bancos precisavam ter pelo menos 25% de suas ações pulverizadas no mercado.

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Para o sucesso da proposta de diluir o capital do banco estatal no mercado acionário, era necessária a conquista sucessiva de bons resultados contábeis. Justificava-se, assim, o apetite para conquistar mercado.

Os grandes bancos, como os bancos públicos federais, apesar de mostrarem taxas de crescimento das receitas em geral menores, trabalhavam com bases de clientes maiores e, portanto, apresentam mais alavancagem. Os bancos médios podem até crescer mais aceleradamente, mas em cima de uma base menor. Aos bancos menores só restava ter mais eficiência e se arriscar mais. "Se não estiver disposto a perder, o banco não ganha", dizia uma máxima que circulava entre esses bancos. Entre os maiores bancos, circulava outra que afirmava: “o importante não é ganhar, mas sim não perder”...

Normalmente, os grandes bancos eram conglomerados financeiros que ganhavam receita também com produtos que nem todos os bancos médios ofereciam, por exemplo, seguros, capitalização, cobrança, administração de cartão de crédito e de recursos de terceiros. Com maior agressividade comercial, buscavam com a receita de prestação de serviços cobrir as despesas de pessoal. Os componentes dessas receitas típicas de um grande conglomerado financeiro eram: cartão de crédito (em média 25%), administração de fundos (24%), contas correntes (17%), cobrança (6%), arrecadação de tributos (4%), outros (os 24% restantes). Os grandes bancos também tinham, em geral, investimentos no exterior que davam bons ganhos com a depreciação cambial.

A busca desenfreada de bons resultados contábeis por parte dos bancos públicos estava espelhada na relação entre a carteira de títulos e valores mobiliários e a carteira de empréstimos. Pelo exame dessa relação, em todos os bancos do ranking, ficava nítido que aí se configurava o modelo comportamental dos bancos estatais que inclusive permanecia entre os ex-estaduais. Tirando o Safra e o HSBC, bancos privados, o BNDES, que era um caso a parte (banco de retaguarda sem rede de agências), e o BNB, que praticamente tinha se transformado em uma agência de fomento através de repasses de recursos orçamentários do FNE (Fundo Constitucional do Nordeste), todos os outros que eram, predominantemente, “carregadores de títulos de dívida pública”, tinham origem em capital estatal. Os grandes bancos privados, nacionais e estrangeiros, não faziam mais essa seleção em suas carteiras próprias de ativos. Eles colocavam os títulos públicos na administração de recursos de terceiros. Estes que assumiam o “risco político” de um eventual calote ou confisco, como foi feito no governo Collor.

Talvez estivesse naquela prudente postura privada a raiz da exigência dos condutores daquela política econômica neoliberal em relação aos bancos estatais. Entupiram-nos de títulos de dívida pública. Depois, queriam que conquistassem investidores de qualquer jeito, mesmo que fosse à custa de desprezarem as políticas públicas.

1.12. Perfil do Banco do Brasil

O primeiro Banco do Brasil foi fundado há 200 anos. Em trajetória histórica intermitente, mas persistente, ele se tornou o maior banco latino-americano, participando dos principais acontecimentos da vida econômico-financeira do Brasil. Embora seja reconhecida como sua maior característica, a atuação no segmento de agrobusiness passou a ser reavaliada, a partir da era da hegemonia neoliberal, visando práticas mais associadas ao mercado, “em harmonia com as tendências globais”.

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Outra prioridade do Banco foi o atendimento a empresas e produtores de pequeno porte. Para cumprir tal objetivo, executou funções de agente financeiro do Governo Federal. As parcelas da população menos favorecidas também contaram com os serviços do Banco, até mesmo em localidades remotas, onde a rede privada não se fazia presente.

A par desses compromissos, mas buscando ampliar a estrutura de receitas, o BB passou a diversificar suas linhas de atuação e ingressando em novos segmentos de mercado. Especialmente em área não tradicional de banco público, no segmento social de alta renda, havia o receio de discriminar os cidadãos brasileiros.

A capacidade de distribuição por intermédio de mais de 4.400 pontos de venda em todo o território nacional garantiam ao Banco do Brasil a fidelidade da maior base de clientes correntistas do País: 24,4 milhões, em 2006, sendo 22,8 milhões pessoas físicas. Nessa sua base de clientes, 700 mil tinham renda acima de R$ 6 mil (ou investimento superior a R$ 100 mil) e 12,8 mil possuíam investimentos acima de R$ 1 milhão. Esses números seriam suficientes para colocar o Banco do Brasil na liderança do mercado de alta renda, mas, dos 700 mil da alta renda, apenas 215 mil eram tratados pela área, chamada de Estilo. Os clientes que não tinham Estilo estavam, portanto, à mercê do assédio dos concorrentes. O Banco queria mudar isso. Para atingir suas metas, contava com uma rede de 450 espaços exclusivos de atendimento dentro de agências e 54 agências exclusivas. Pretendia tratar na mesma área os 700 mil clientes de alta renda e os 12,8 mil do private banking, que tinham investimentos acima de R$ 1 milhão. O Banco do Brasil estava convencido de que o diferenciava cada banco nesse segmento de alta renda era o atendimento. Por isso, cada gerente da área cuidaria de 250 clientes No private, cada gerente cuidaria de 70 clientes.

Embora o controle amplamente majoritário fosse do Tesouro Nacional, seus dirigentes costumavam acentuar que o patrimônio do Banco pertencia também a milhares de acionistas minoritários. Nesse sentido, buscavam conseguir certa autonomia em relação às demandas de políticas públicas, que lhe imputaram maus resultados no passado, dizendo que “remunerar adequadamente esse conjunto de investidores constitui o principal compromisso da Empresa”. Afirmavam que “o traço mais expressivo da Organização é: um banco a serviço dos seus acionistas e do País”. A adesão ao Novo Mercado cristalizou o compromisso do Banco do Brasil com a transparência dos atos de gestão e com o tratamento igualitário de seus acionistas. Era mais um mecanismo de defesa contra a ingerência governamental em seus negócios, embora não evitasse o tradicional apadrinhamento político através de imposição de nomes para seus dirigentes.

Nessa tentativa, seu Estatuto Social foi adequado para garantir maior transparência e melhores práticas de Governança Corporativa, como parte dos avanços em direção ao Novo Mercado da Bovespa, inclusive efetuando a conversão das ações preferenciais do Banco em ordinárias. Também foram ampliados os direitos dos acionistas minoritários do BB, incluindo pelo menos uma reunião anual com analistas de mercado, divulgação de resultados pela Internet, mandato unificado de um ano para o Conselho de Administração, demonstrações financeiras em inglês, 100% de tag along em caso de alienação de controle, entre outros.

Em 2003, o Banco do Brasil obteve lucro líquido de R$ 2,4 bilhões (ou US$ 824 milhões), superando o patamar de melhor desempenho ocorrido no passado, no caso, os US$ 758 milhões obtidos em 1988. Em um ranking dos maiores lucros da história dos

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bancos de capital aberto na América Latina, elaborado pela Consultoria Economática, em 2005, esses foram, respectivamente, o 18º e o 23º. Porém, os dos anos seguintes, em dólares, foram maiores ainda: US$ 1,139 bilhão (8º), em 2004, e US$ 1,775 bilhões (4º), em 2005. Acima deste, apenas lucros de bancos brasileiros: Bradesco (US$ 2,356 bilhões) e Itaú (US$ 1,825 bilhão), em 2005, e Banespa (US$ 1,825 bilhão), em 1997. Porém, o Banco do Brasil registrou lucro líquido de R$ 6,44 bilhões, no ano de 2006, valor esse, em reais, 45,5% superior ao observado no ano anterior.

Artigo na Visão do Desenvolvimento (nº 16, 16/10/06), publicação da Secretaria de Assuntos Econômicos (SAE) da Presidência do BNDES, fez um importante esclarecimento sobre o impacto dos dividendos pagos pelas empresas estatais ao Tesouro Nacional. Estas receitas, quando transferidas pelos bancos públicos, funcionavam como uma entrada líquida de recursos, favorecendo diretamente o resultado primário do setor público consolidado. Isto, porque as empresas estatais financeiras, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e o BNDES, não entravam diretamente no cálculo da Necessidade de Financiamento do Setor Público (NFSP), também chamada de “déficit nominal” ou “resultado nominal”. A NFSP correspondia à variação nominal do endividamento do setor público não-financeiro junto ao sistema financeiro e ao setor privado, doméstico ou do resto do mundo, segundo os critérios do manual de estatísticas fiscais elaborado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Como o déficit referia-se ao setor público não-financeiro, excluía o resultado dos bancos oficiais, tais como o Banco do Brasil, a Caixa ou o BNDES, a não ser que estes exigissem capitalização com recursos do Tesouro, como em 1996, para o Banco do Brasil, e em 2001, para as Instituições Financeiras Públicas Federais. Do montante de variação da dívida total que equivalia ao resultado nominal das NFSP, retirava-se o que foi devido a pagamento dos juros da dívida e obtinha-se o resultado primário, que era objeto das metas fiscais brasileiras, a partir do acordo com o FMI, assinado em 1998.

O Banco do Brasil, a Caixa e o BNDES, juntos, foram responsáveis em média por 44% do total de dividendos recebidos pela União de 2000 a 2006, sendo crescentes ano a ano. Para comparação, antes, em 2002, a participação dos dividendos da União na Receita Primária Líquida era de 1,0%. No final do primeiro mandato do governo Lula, em 2006, era 3,3%. Em outras palavras, a cobrança de performance aos bancos públicos por parte do controlador majoritário passou a ser cada vez maior. O argumento, usado então pelo Secretário do Tesouro, era: “eu te capitalizei quando você necessitou; agora, quero retorno do meu capital no mínimo de acordo com o custo de oportunidade, isto é, com o que eu ganharia se não tivesse de pagar SELIC sobre a dívida pública que fiz ao te capitalizar”.

O bom desempenho dos bancos públicos, portanto, era um ponto que interessava não só aos contribuintes, mas também a seus empregados. Em primeiro lugar, porque a remuneração recebida aumentava com a Participação em Lucros e Resultados (PLR). Em segundo, dificultava, politicamente, a ameaça de privatização. Em terceiro, bons resultados, em tese, garantiriam a permanência em cargos de direção, bem remunerados e muito disputados.

A sina dos bancos públicos era que eles sofriam de limitações na concorrência com os grandes bancos privados, embora fossem cobrados pelo Tesouro (e pela imprensa) a ter lucros similares. Isto era muito difícil, não só pelas distintas carteiras de ativos e composições passivas, ofertas de produtos e serviços, mas principalmente

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devido à lei de licitações, à obrigatoriedade de concursos públicos para contratarem empregados, aos recorrentes perdões de dívidas, ao apadrinhamento político, à missão de atenderem clientes, regiões e negócios não tão lucrativos.

A “síndrome do TCU” (Tribunal de Contas da União formado geralmente por ex-parlamentares) era “o medo de comprometer o CPF individual”. Ela imobilizava ou dava morosidade a todos os processos de decisão, atacando quase todos os que tinham de tomar qualquer uma. Como quem assinava, em qualquer momento de sua vida futura, poderia ser chamado a arcar com grandes multas por qualquer irregularidade ou mesmo incompreensão dos técnicos desse Tribunal, raramente alguém tinha a iniciativa de arcar, isoladamente, com tal responsabilidade: decidir algo... Assim, ou tentava compartilhar (e diluí-la) com colegiado formado por profissionais de múltiplas áreas, que em sua maioria geralmente não entendia do que se tratava, ou tentava, se possível, enviar para escalão superior. Por isso, a morosidade na cadeia de decisões, com milhares de pareceres das mais distintas áreas técnicas, sendo analisados por diversos comitês, era constante.

Outra praga causadora da lentidão no setor público era a série de impugnações às licitações que a “indústria de liminares” impunha às empresas estatais. Independentemente do fato de ser via pregão eletrônico, ele chegava a ser interrompido no meio do processo, durante muito tempo, por conta de recursos de empresas concorrentes. Só depois de superadas as pendências, os trâmites do pregão eram retomados. Mas os perdedores sempre recorriam, outra vez, tivessem ou não razão ou chance de ganhar, somente para truncar a vitória do concorrente. Assim, tecnologias de vanguarda quando acabavam sendo adquiridas já eram obsoletas...

De forma semelhante, originada na “paranóia (nacional) anti-corrupção”, a exigência de concursos públicos para ingresso na carreira apenas como técnico bancário mereceria revisão. Impedia as contratações de especialistas e profissionais experientes e titulados como os dos bancos concorrentes. Dificilmente, apenas o “treinamento no trabalho prático” conseguia formar estrategista com a capacidade analítica de profissionais pós-graduados. A competição interna criava mil dificuldades para qualquer colega sair para fazer pós-graduação em centro de excelência. “Ele voltará e poderá tomar meu lugar”: esta era a ameaça sentida por aqueles que tinham insegurança profissional.

Mas a maior ameaça, dentro dos bancos públicos, ocorria quando havia a interferência de “políticos”, fossem deputados e/ou senadores, governantes e/ou ministros. A política fisiológica acabava contaminando as escolhas em carreiras hierárquicas que deveriam ser apenas em termos de capacidade profissional. Em vez de um sistema de recompensa e/ou promoção fundamentado no mérito, a articulação político-partidária, independentemente de sua ideologia, ou a submissão ao padrinho político acabava, muitas vezes, contando mais. Pior, era “servidão voluntária”: inclusive empregados concursados buscavam essa “proteção” extra-muros!

Os empregados dos bancos públicos estavam imersos nessa lógica comportamental, mas, quando tinham de implementar política pública que traria bem estar social, eles se impregnavam de espírito público. Desse modo, não se pode dizer, referindo-se aos mandatos após 2003, que “o foco predominante de atuação do Banco do Brasil foi o de privilegiar objetivos, metas e processos associados apenas à rationale

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típica da atividade empresarial privada: geração máxima de lucros, otimização de receitas, retorno para os acionistas, etc.”.

Na realidade, não se colocou a “lógica privada” em confronto com a “lógica pública”, sendo aquela objetivando “a maximização do lucro” e esta preocupada apenas com “o cumprimento da missão social”. O Banco teve, dentro de suas restrições orçamentárias e limitações estruturais, que maximizar o lucro sem deixar de fazer políticas públicas. Não havia antagonismo: o lucro era resultante dessa mixagem, mas, nas condições predominantes, mais do que suficiente para aplacar o “apetite por dividendos” do Tesouro Nacional e dos acionistas minoritários.

Por exemplo, visão distorcida de seu papel na sociedade brasileira seria o Banco não dar acesso a algum segmento dela. A decisão tomada na criação da Conta Simplificada, em 2003, política pública para o acesso popular massivo a rede de bancos públicos, tangenciou esse resquício pro mercado. Por questão de imagem mercadológica perante aos outros clientes e aos seus acionistas minoritários, resolveu discriminar o acesso às suas agências e o resultado em seu balanço. Para isso, foi criado o Banco Popular do Brasil (BPB) como empresa à parte, objetivando a inclusão bancária da população de menor renda. Só conseguiu com isso reforçar o preconceito de que “pobre dá prejuízo”.

Na verdade, essa impressão resultou da decisão de imputar o custo de campanha publicitária, no horário nobre da principal rede de TV brasileira, ao primeiro balanço do BPB. Ocorreu antes de ele ter o tempo necessário ao retorno da “bancarização” e do microcrédito, que, inicialmente, foi concedido de maneira inapropriada ou “populista”. Só podia resultar em prejuízo. Se tivesse adotado, de início, o modelo que a Caixa adotou, como programa social a mais, o custo de sua publicidade estaria contemplado em campanhas de marketing para a marca. Posteriormente, reconhecendo o equívoco, o Banco do Brasil reviu essa estratégia de acesso popular.