DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge...

16
Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jul./Dez. 2007 181 DANO MORAL E MERO DISSABOR: DANO MORAL E MERO DISSABOR: DANO MORAL E MERO DISSABOR: DANO MORAL E MERO DISSABOR: DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEX REFLEX REFLEX REFLEX REFLEXOS NO PODER JUDICIÁRIO OS NO PODER JUDICIÁRIO OS NO PODER JUDICIÁRIO OS NO PODER JUDICIÁRIO OS NO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO BRASILEIRO BRASILEIRO BRASILEIRO BRASILEIRO Hassan Hajj 1 Janaínna EnedinaTeruel 2 Resumo: O artigo busca, à luz da doutrina e da jurisprudência refletir sobre a questão do dano moral, suas características e mitigações. O desenvolvimento sócio-econômico bem como a maior facilidade no acesso à justiça, têm levado a um aumento significativo no número de pedidos de indenizações na Justiça brasileira. Todavia, boa parte desses pedidos não passam de mero dissabor, mágoa ou sensibilidade exacerbada, o que provoca outra reação: nem toda insatisfação decorrente do convívio social gera dano moral indenizável, pois existe um piso de inconvenientes que deve ser suportado em razão mesmo do viver em sociedade. A partir deste foco, o estudo destaca que a doutrina e a jurisprudência sinalizam que o dano moral não se confunde com os meros dissabores ou aborrecimentos que o ser humano sofre no dia-a-dia, sob pena de colocar em descrédito o próprio instituto do dano moral. Palavras-chave: Dano Moral; Mero Dissabor; Reparação. MORAL DAMAGE AND MERE DISPLEASURES IN BRAZILIAN JUSTICE Abstract: It is clear, nowadays, that the increasing quest for damage repairs increased significantly the number of indemnity requests to the Brazilian Justice. However, most of these requests are no more than mere displeasure, hurt or exaggerated sensitivity. Not all the dissatisfaction which elapses from the social conviviality generates moral damage that can be subject to indemnification, there is a limit of inconveniences that must be supported due to the society living. The doctrine and jurisprudence signal that the moral damage is not confounded with mere displeasures or annoyances which the human suffers in his daily life, under penalty of putting in discredit the institute of the moral damage itself. Therefore, there will only be indemnity for moral damage in the cases in which the offended person has experienced an atrocious suffering, which exceeds the bearable limit. Keywords: Moral Damage; Mere Annoyance; Repairing. 1 Professor de Direito na UNIGRAN, na UEMS e na UFGD. Mestre em Direito pela UnB. Especialista em Direito Processual Civil pela UNIGRAN. Advogado. 2 Bacharel em Direito, graduada pela UEMS em 2007.

Transcript of DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge...

Page 1: DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge exclusivamente o patrimônio ideal do ofendido, atentando, entre outras possibilidades,

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jul./Dez. 2007 181

DANO MORAL E MERO DISSABOR:DANO MORAL E MERO DISSABOR:DANO MORAL E MERO DISSABOR:DANO MORAL E MERO DISSABOR:DANO MORAL E MERO DISSABOR:REFLEXREFLEXREFLEXREFLEXREFLEXOS NO PODER JUDICIÁRIOOS NO PODER JUDICIÁRIOOS NO PODER JUDICIÁRIOOS NO PODER JUDICIÁRIOOS NO PODER JUDICIÁRIO

BRASILEIROBRASILEIROBRASILEIROBRASILEIROBRASILEIRO

Hassan Hajj1

Janaínna EnedinaTeruel2

Resumo: O artigo busca, à luz da doutrina e da jurisprudência refletir sobre a questão

do dano moral, suas características e mitigações. O desenvolvimento sócio-econômico

bem como a maior facilidade no acesso à justiça, têm levado a um aumento significativo

no número de pedidos de indenizações na Justiça brasileira. Todavia, boa parte desses

pedidos não passam de mero dissabor, mágoa ou sensibilidade exacerbada, o que

provoca outra reação: nem toda insatisfação decorrente do convívio social gera dano

moral indenizável, pois existe um piso de inconvenientes que deve ser suportado em

razão mesmo do viver em sociedade. A partir deste foco, o estudo destaca que a

doutrina e a jurisprudência sinalizam que o dano moral não se confunde com os

meros dissabores ou aborrecimentos que o ser humano sofre no dia-a-dia, sob pena de

colocar em descrédito o próprio instituto do dano moral.

Palavras-chave: Dano Moral; Mero Dissabor; Reparação.

MORAL DAMAGE AND MERE DISPLEASURES INBRAZILIAN JUSTICE

Abstract: It is clear, nowadays, that the increasing quest for damage repairs increased

significantly the number of indemnity requests to the Brazilian Justice. However, most

of these requests are no more than mere displeasure, hurt or exaggerated sensitivity.

Not all the dissatisfaction which elapses from the social conviviality generates moral

damage that can be subject to indemnification, there is a limit of inconveniences that

must be supported due to the society living. The doctrine and jurisprudence signal

that the moral damage is not confounded with mere displeasures or annoyances which

the human suffers in his daily life, under penalty of putting in discredit the institute

of the moral damage itself. Therefore, there will only be indemnity for moral damage

in the cases in which the offended person has experienced an atrocious suffering,

which exceeds the bearable limit.

Keywords: Moral Damage; Mere Annoyance; Repairing.

1 Professor de Direito na UNIGRAN, na UEMS e na UFGD. Mestre em Direito pela UnB. Especialista em DireitoProcessual Civil pela UNIGRAN. Advogado.2 Bacharel em Direito, graduada pela UEMS em 2007.

Page 2: DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge exclusivamente o patrimônio ideal do ofendido, atentando, entre outras possibilidades,

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jan./Jun. 2007.182

1. Breves considerações quanto a evolução legislativa

No Brasil, as primeiras previsões quanto a reparabilidade do dano moral

surgem com o advento do primeiro Código Civil brasileiro (Lei n. 3071, de 10

de janeiro de 1916). Para tanto, oportuno ressaltar a redação dos arts. 76 e 159:3

Art. 76. Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo

interesse econômico, ou moral.

Parágrafo único. O interesse moral só autoriza a ação quando toque

diretamente ao autor, ou à sua família.

Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou

imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado

a reparar o dano.

Em função do art. 159 não se referir taxativamente às lesões de natureza moral,

“bem como a argumentação de que a regra contida no art. 76 se referia a dispositivo

de ordem processual, condicionando, simplesmente, o exercício do direito de ação

à existência de um interesse, a doutrina e a jurisprudência nacional passaram a negar,

peremptoriamente, a tese da reparabilidade dos danos morais.” 4

Contudo, sobrevieram leis especiais regulando expressamente a matéria em

determinados setores. Desse modo, o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei

n. 4117, de 27 de agosto de 1962), previa em seu art. 81: “Independentemente de

ação penal, o ofendido pela calúnia, difamação ou injúria, cometida por meio de

radiodifusão, poderá demandar, no juízo civil, a reparação do dano moral [...] “ 5

Posteriormente, a Lei dos Direitos Autorais (Lei n. 5988, de 14 de dezembro

de 1973), art. 25, estabelecia: “quem na utilização, por qualquer meio ou processo,

de obra intelectual, deixar de indicar ou de enunciar como tal, o nome, pseudônimo

ou sinal convencional do autor, intérprete e executante, além de responder por

danos morais, está obrigado a divulgar-lhe a identidade.” 6

Todavia, somente nas últimas duas décadas a reparabilidade moral toma

efetivamente envergadura concreta nas Cortes de Justiça brasileira, pois, foi com

a promulgação da vigente Constituição Federal, em 05 de outubro de 1988, que

indiscutivelmente se reconheceu a ampla reparabilidade do dano moral. 7

Assim, a Magna Carta, no título “Dos direitos e garantias fundamentais” (art.

5º), assegura o “direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização

por dano material, moral ou à imagem” (inciso V), e ainda, declara invioláveis “a

3 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade Civil. III vol.2 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 72.4 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, op. cit., p. 73.5 BRASIL. Código brasileiro de Telecomunicações. Lei n. 4117 de 27 de agosto de 1962.6 BRASIL. Lei dos Direitos Autorais. Lei n. 5988 de 14 de dezembro de 1973.7 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. II vol. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 414.

Page 3: DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge exclusivamente o patrimônio ideal do ofendido, atentando, entre outras possibilidades,

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jul./Dez. 2007 183

intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito

a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (inciso X).8

Consequ˜entemente, o Código Civil brasileiro de 2002, adequando-se ao

novo perfil constitucional, reconhece expressamente o instituto do dano moral

em seu art. 186 e, por força do art. 927, do mesmo estatuto, a sua reparabilidade.

Desde então, a reparação por dano moral vem sendo amplamente aceita pelos

Tribunais pátrios. 9

Portanto, com supedâneo na expressa previsão legislativa, a doutrina sobre a

matéria ganhou gradativamente relevo e um substancial espaço na literatura jurídica,

chamando a atenção também da mídia.

O Judiciário passou a receber um crescente número de demandas questionando

e pleiteando a aplicação do dano moral em variadas situações, mediante a fixação

de um valor pecuniário que fosse capaz de atenuar uma eventual lesão. O tema

começou a avolumar os Tribunais, onde a interpretação quanto a reparabilidade

em inúmeros casos iniciou uma construção jurisprudencial, dando contornos a

evolução do instituto,

2. Conceituação

Segundo Nunes e Caldeira10 a “moral, pode-se dizer, é tudo aquilo que está

fora da esfera material, patrimonial do indivíduo. Diz respeito à alma, aquela

parte única que compõe sua intimidade. [...]”.

Nunes e Caldeira11 continuam suas interpretações:

Assim, o dano moral é aquele que afeta a paz interior de uma pessoa,atingindo-lhe o sentimento, o decoro, o ego, a honra, enfim, tudo oque não tem valor econômico, mas que lhe causa dor e sofrimento. É,pois, a dor física e/ou psicológica sentida pelo indivíduo. (destacado).A imagem denegrida, o nome manchado, a perda do ente querido, ouaté mesmo a redução da capacidade laborativa em decorrência deacidente, traduz-se numa dor íntima.

Nesse sentido, Rui Stoco12 preleciona que “a ofensa moral se traduz em dano

efetivo, embora não patrimonial, atingindo valores internos e anímicos da pessoa.”

Deste modo, “os danos morais dizem respeito ao foro íntimo do lesado.”

8 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.9 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo GAGLIANO, op. cit., p. 74-75.10 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto; CALDEIRA, Mirella D’Angelo, O Dano moral e sua interpretação jurisprudencial.São Paulo: Saraiva, 1999, p. 1.11 Ibidem. p.1.12 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. 3.ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1997, p. 523 e 527.

Page 4: DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge exclusivamente o patrimônio ideal do ofendido, atentando, entre outras possibilidades,

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jan./Jun. 2007.184

De Plácido e Silva13 esclarece que “assim se diz da ofensa ou violação que não

vem ferir os bens patrimoniais, propriamente ditos, de uma pessoa, mas os seus

bens de ordem moral, tais sejam os que se referem à sua liberdade, à sua honra,

à sua pessoa ou à sua família.”

Portanto, o dano moral ocorre no plano da subjetividade, na esfera dos valores

da pessoa enquanto ser social, deriva de práticas atentatórias à personalidade,

atinge o patrimônio ideal da vítima, causando-lhe sentimentos negativos, dores,

desprestígio, desequilíbrio em sua situação psíquica, transtornos em sua integridade

pessoal, moral ou física.

3. Dever de Reparação dos Danos Morais

O princípio informador da teoria da responsabilidade civil, sem o qual a vida

em sociedade seria quase inconcebível, é aquele que impõe a quem causa dano a

outrem o dever de repará-lo. Este anseio de obrigar o ofensor a reparar o dano

causado se inspira na própria idéia de justiça. 14

Pontes de Miranda leciona que “nas relações da vida, o ser humano há de

indenizar o dano que causa. O ser humano que sofreu o dano há de ser protegido

pelo direito material no sentido de ter direito, pretensão e ação contra o ofensor.”15

O Código Civil de 2002 prevê o dano moral ao se referir, no art. 186, ao ato

ilícito: “Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,

violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete

ato ilícito”16.

Consequ˜ entemente reconhece a reparabilidade do dano e abre uma gama

de possibilidades de indenização quando assim expressa:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts.186 e 187), causar dano a outrem, fica

obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,

independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou

quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano

implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.17

Portanto, aquele que causa dano a outrem deve suportar as conseqüências

13 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 27. ed. 3. tir. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 410.14 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade civil. IV vol. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 4-13, passim.15 PONTES DE MIRANDA, Francisco. Tratado de Direito Privado. 26. vol. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984,p. 23.16 BRASIL. Código Civil. Lei n. 10.046, de 10 de janeiro de 2002. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.17 Ibidem.

Page 5: DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge exclusivamente o patrimônio ideal do ofendido, atentando, entre outras possibilidades,

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jul./Dez. 2007 185

advindas do ato ilícito, assumindo o ônus correspondente, na satisfação dos

interesses do ofendido. A responsabilização do ofensor é, nesse contexto, a resposta

do direito às ações lesivas. Sob o prisma do ofendido, funda-se a reparação na

necessidade de preservação da individualidade, a fim de que se mantenham

íntegros os valores individuais e sociais da pessoa humana,18 levando em

consideração os valores inerentes à dignidade da pessoa humana.

4. Requisitos do Dano Indenizável

Dano moral é aquela lesão que atinge exclusivamente o patrimônio ideal do

ofendido, atentando, entre outras possibilidades, contra a sua segurança,

tranqüilidade, amor-próprio, integridade física e intelectual.19 Contudo, a

configuração do dano indenizável pressupõe, necessariamente, a ocorrência dos

seguintes requisitos:

- Lesão a um bem jurídico, patrimonial ou moral, pertencente a uma

pessoa. Não há reparação sem que haja dano a um interesse tutelado juridicamente

e, não há dano sem ofendido, pois só pode reclamar a indenização aquele que foi

atingido pelo fato lesivo.20

- Efetividade ou certeza do dano. A mera possibilidade de dano não enseja

indenização. O dano deve ser certo quanto à sua existência, impedindo-se

indenização por algo fantástico, fruto da imaginação do ofendido. 21

- Nexo causal. Para que se possa impor a alguém o dever de indenizar o

dano experimentado por outrem é indispensável que haja uma relação de

causalidade entre a conduta comissiva ou omissiva e o dano. 22

- Subsistência do dano no momento da reclamação. Se o ofensor já reparou

satisfatoriamente o dano que causou a outrem, não há razão para fazê-lo

novamente. O prejuízo tornou-se insubsistente. 23

- Ausência de causas excludentes de responsabilidade. De acordo com

o art. 393 do Código Civil, não existe a obrigação de indenizar o dano diante da

ocorrência de excludentes da responsabilidade civil, como o caso fortuito e a

força maior. 24

18 BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3. ed. revista, atualizada e ampliada. 2. tir. São Paulo:Revistas dos Tribunais, 1999, p. 120-122.19 CIANCI, Mirna. O valor da reparação moral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 6.20 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. 7 vol. 21. ed. rev. e atual. São Paulo:Saraiva, 2007, p. 63.21 SANTOS, Antonio Jeová da Silva. Dano Moral Indenizável. 3. ed. 2. tir. São Paulo: Método, 2001, p. 77-78 e 112.22 RODRIGUES, Silvio, op. cit., p. 163.23 DINIZ, Maria Helena, op. cit., p. 65.24 CARVALHO, Acelino Rodrigues. Pressupostos da Responsabilidade Civil. À luz do Novo Código (Lei N. 10.406 de 10de janeiro de 2002). São Paulo: LED, 2000. p. 42-55, passim e; GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro.IV vol. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 401-405.

Page 6: DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge exclusivamente o patrimônio ideal do ofendido, atentando, entre outras possibilidades,

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jan./Jun. 2007.186

- Legitimidade para pleitear a indenização. Estão legitimadas para pleiteara indenização as pessoas que suportam os reflexos negativos de fatos danosos. 25

Deste modo, “além do próprio ofendido, poderão reclamar a reparação dodano moral, dentre outros, seus herdeiros, seu cônjuge ou companheira e osmembros de sua família a ele ligados afetivamente.”26

Segundo proclama a Súmula 227, do Superior Tribunal de Justiça, a pessoajurídica também pode sofrer dano moral. Isso porque, embora não possuacapacidade afetiva, a pessoa jurídica possui atributos sujeitos à valoraçãoextrapatrimonial da sociedade, assim, o abalo de credibilidade da pessoa jurídicapode ocasionar dano à sua esfera moral.27

Partindo dessa premissa, para que haja dano moral indenizável, seráimprescindível a presença concomitante dos requisitos acima expostos, sem osquais não será cabível a indenização compensatória de danos morais, sob penade desvirtuamento ou aplicação inadequada do referido instituto.

5. Configuração do dano moral e a gravidade do fatolesivo

Mostra-se necessário também analisar a gravidade do fato lesivo. Desse modo,para evitar excessos, somente se deve considerar como dano moral a dor ousofrimento dotado de certa gravidade. “Se não teve gravidade o dano, não se hápensar em indenização. De minimis non curat praetor.” 28

Oportuno mencionar o Código Civil português, que prevê em seu art. 496 oseguinte: “Na fixação da indenização deve ater-se aos danos não patrimoniais

que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito”29.

Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região ponderou:

Para o deferimento de indenização por danos morais é necessário

examinar a conduta do agente causador do fato, verificar sua

reprovabilidade e a potencialidade danosa da conduta em relação ao

patrimônio imaterial da vítima, sopesando a situação em face do

sentimento médio da população, objetivando reprimir a prática de

condutas que atinjam a honra, a imagem e outros direitos inerentes à

personalidade. [...] O dano moral não se confunde com o mero

aborrecimento, que é inerente à vida cotidiana, mas que não enseja

reparação financeira ante sua ocorrência [...].30

25 DINIZ, Maria Helena, op. cit., p. 65.26 GONÇALVES, Carlos Roberto, op. cit., p. 360.27 Ibidem. p. 366-367.28 PONTES DE MIRANDA, Francisco, op. cit., p. 35.29 GONÇALVES, Carlos Roberto, op. cit., p.359.30 CATALAN, Marcos. Dos pressupostos do dever de indenização e o enunciado 159 do Conselho da Justiça Federal.Temas Jurídicos em Debate. Disponível: <http://www.professorsimao.com.br/artigos_convidados_catalan_01.htm>.Acesso em: 08 maio 2007.

Page 7: DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge exclusivamente o patrimônio ideal do ofendido, atentando, entre outras possibilidades,

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jul./Dez. 2007 187

Destarte, o reconhecimento do dano moral exige determinada cautela e bom

senso, visto ser uma lesão que ocorre no plano da subjetividade.

Assim, deve-se examinar a gravidade da ofensa e sua repercussão na esfera

anímica do ofendido, sopesando a situação face ao sentimento médio da

coletividade. As sensações desagradáveis, por si sós, que não trazem em seu bojo

lesividade a algum direito, não merecem ser indenizadas.

6. Necessidade de provar a ocorrência do dano

A ocorrência de um efetivo dano ao ofendido é indispensável à constituição

da responsabilidade de indenizar. Em regra, a prova do dano compete ao ofendido

que deve apresentar documentos, produzir perícia ou trazer testemunhas que

comprovem, em juízo, a lesão sofrida (Art. 333, do Código de Processo Civil). 31

Contudo, dada a dificuldade de prova em relação aos danos morais, por ser

inacessível a personalidade anímica do ofendido, “a tendência jurisprudencial é

de ampliar os casos de desnecessidade da prova do dano moral, diante do

princípio de proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88),

um dos baluartes do Direito Civil Constitucional.”32

Assim, Gonçalves afirma: 33

O dano moral, salvo casos especiais, como o de inadimplementocontratual, por exemplo, em que se faz mister a prova da perturbaçãoda esfera anímica do lesado, dispensa prova em concreto, pois sepassa no interior da personalidade e existe in re ipsa. Trata-se depresunção absoluta. Desse modo, não precisa a mãe comprovar quesentiu a morte do filho; ou o agravado em sua honra demonstrar emjuízo que sentiu a lesão; ou o autor provar que ficou vexado com anão-inserção de seu nome no uso público da obra, e assim por diante.

Nesse mesmo sentido, leciona Sérgio Severo34 que “nas situações em que uma

pessoa normal padeceria de um sofrimento considerável, forma-se uma presunção

juris tantum de que sofreu um dano extrapatrimonial.”

A propósito, os Tribunais já decidiram:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. COMPROVAÇÃO

PELO OFENDIDO. DESNECESSIDADE. EXISTÊNCIA DE

31 COELHO, Fábio Ulhoa, op. cit., p. 384.32 TARTUCE SILVA, Flávio Murilo. Questões controvertidas quanto à reparação por danos morais: aspectos doutrináriose visão jurisprudencial. Revista Juristas. Disponível: <http://www.juristas.com.br/mod_revistas.asp?ic=214>. Acessoem: 03 jun. 2007.33 GONÇALVES, Carlos Roberto, op. cit., p. 369.34 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, op. cit., p. 79.

Page 8: DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge exclusivamente o patrimônio ideal do ofendido, atentando, entre outras possibilidades,

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jan./Jun. 2007.188

ATO ILÍCITO APTO A OCASIONAR SOFRIMENTO

ÍNTIMO. SUFICIÊNCIA. PROVA NEGATIVA A CARGO DOOFENSOR. VERBA DEVIDA. RECURSO PROVIDO. 35 (destacado)RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.INSCRIÇÃO NO SPC. AUSÊNCIA DE APONTAMENTO DOSDISPOSITIVOS DO CDC VIOLADOS. MANUTENÇÃO DO NOMEDO DEVEDOR POSTERIORMENTE À QUITAÇÃO DA DÍVIDA.RETIRADA. ÔNUS DO CREDOR. DANO MORAL

CARACTERIZADO. DESNECESSIDADE DE

DEMONSTRAÇÃO. DANO PRESUMIDO. RECURSOCONHECIDO EM PARTE E, NA EXTENSÃO, PROVIDO.[...] A inércia do credor em promover, com brevidade, o cancelamentodo registro indevido gera o dever de indenizar, independentemente

da prova do abalo sofrido pelo autor, sob forma de dano presumido

[...] 36 (destacado)

Todavia, no entender de Fábio Ulhoa a presunção da prova não é a melhor

maneira de tratar a matéria. “A presunção do dano estimula a autovitimização e a

simulação da dor, e não tem base no direito positivo. Caso a vítima não prove a

verificação do dano e sua extensão, não terá direito à indenização.” 37

Mirna Cianci38 aduz que “em sede de responsabilidade civil por dano moral, o

tema da prova tem importância fundamental, especialmente na identificação do

instituto, evitando a banalização que decorre da pretensão à reparação em razão

de fatos corriqueiros, meros percalços.”

Assim, quanto à presunção da existência de dano moral, o Tribunal de Justiça

de São Paulo compendiou: “Há danos morais que se presumem, de modo que

ao autor basta a alegação, ficando a cargo da outra parte a produção de provas

em contrário; há, porém, outros que devem ser provados, não bastando a mera

alegação.”39

Portanto, recomenda-se cautela ao se presumir a dor, sob pena de se considerar

dano moral situações de sensibilidade extremada ou de autovitimização. Há

situações em que a lesão é indubitável e nesses casos o dano pode ser reconhecido

sem que haja apresentação de provas.

Todavia há outras em que o dano não é tão evidente e caberá ao proficiente

magistrado exigir a apresentação de provas para a comprovação do dano moral

sofrido, como forma de evitar distorções por ocasião da decisão.

7. Aumento significativo de demandas pleiteando pordanos morais

35 JTJ, Lex, 216/191 apud GONÇALVES, Carlos Roberto, op. cit., p. 369.36 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 588429-RS. Relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa.37 COELHO, Fábio Ulhoa, op. cit., p.385.38 CIANCI, Mirna, op. cit., p. 61.39 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Relator Itamar Gaino. JTJ-LEX 167/44.

Page 9: DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge exclusivamente o patrimônio ideal do ofendido, atentando, entre outras possibilidades,

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jul./Dez. 2007 189

Hodiernamente, o Poder Judiciário vem se deparando com ações indenizatórias

a título de ressarcimento por danos morais infundadas e sem qualquer essência

jurídica, enfrentando, o que se costumou dizer, uma verdadeira indústria do dano

moral, na qual o menor desconforto ou dissabor é invocado como aparato

fático para fundamentar uma pretensão dessa natureza.

Logo, nota-se certa preocupação nos círculos jurídicos diante da grande

quantidade de descabidas indenizações morais pleiteadas perante o Judiciário.

Tendo em vista que muitas dessas pretensões não passam de aborrecimentos

corriqueiros, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada, o sentido do instituto

do dano moral está de certa forma sendo desvirtuado, eis que, da maneira como

vem sendo utilizado, às vezes chega a tornar-se abusivo.

Extrai-se da lição de Antonio Jeová da Silva Santos que:

Tendo a Constituição de 1988 superado a célebre discussão sobre a

indenizabilidade do dano puramente moral, viu-se nos pretórios uma

enxurrada de demandas em que litigantes buscam a reparação de

agravos que entendem constituir-se dano moral. Sem embargo, a par de

ações em que se verifica em toda plenitude a existência do dano moral,

outras existem, sob o fundamento de que houve agravo moral que,

nem de longe, chegaram a existir.40

De fato, a busca cada vez maior pela reparação de danos morais, aumentouexpressivamente o número de pedidos de indenizações tramitando no SuperiorTribunal de Justiça, correspondendo ao montante de 1.748 ações em 2001, contra8.201 em 2004.

Quando são comparados os números recentes com dados da década passada,o crescimento é ainda maior. Em 1993, o STJ recebeu apenas 28 pedidos deindenização, ao passo que no ano de 2005 foram 5.844 até o início do mês dejulho 41.

Assim, demonstrada a importância de dados referentes ao assunto em questão,segue-se o número de ações de indenização por danos morais registradas no STJentre os anos de 1993 e 2005: ano: 1993, 28 ações; 1994, 47 ações; 1995, 181ações; 1996, 228 ações; 1997, 440 ações; 1998. 540 ações; 1999, 962 ações; 2000,1.331 ações; 2001, 1.748 ações; 2002, 3.990 ações; 2003, 4.632 ações; 2004, 8.201ações; 2005 (até o início de julho), 5.844 ações.42

Verifica-se que o expressivo aumento no número de ações por danos moraisdecorre de fatos benéficos, porém, por vezes mal interpretados pela população,

40 SANTOS, Antonio Jeová da Silva, op. cit., p. 73-74.41 ERDELYI, Maria Fernanda. Explode o volume de ações por danos morais no país. Revista Consultor Jurídico.Disponível: <http://conjr.estado.com.br/static/text/36481,1> Acesso em: 18 maio 2007.42 Cf. ERDELYI, Maria Fernanda, op. cit.

Page 10: DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge exclusivamente o patrimônio ideal do ofendido, atentando, entre outras possibilidades,

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jan./Jun. 2007.190

quais sejam, a crescente conscientização da sociedade sobre seus direitos e afacilitação do acesso ao Judiciário. Porém, não se deve, como vem ocorrendo,confundir danos morais com meros dissabores ou aborrecimentos cotidianos,evitando-se, consequ˜ entemente, que ações descabidas atravanquem a Justiçabrasileira.

8. A matéria na visão dos tribunais

É profícuo observar os variados contornos do cidadão em sentir-se ofendido,e desta forma equivocar acreditando que seja ‘dano moral’, casos que não passamde mero dissabor, desconforto ou aborrecimento trivial, provocando de certaforma uma ‘banalidade do dano moral’. Assim, ressalta-se que nem todainsatisfação decorrente do convívio social gera dano moral indenizável.

A Jurisprudência brasileira em alguns casos de mero dissabor ou aborrecimentotem decidido na seguinte esteira:

DANO MORAL. Responsabilidade civil. Compra e venda. Entrega

de faqueiro acondicionado em caixa de papelão em vez de estojo

de madeira, em desacordo com o que adquirido. Posterior a entregadesse produto como presente de casamento. Inocorrência de danomoral. Caracterização como aborrecimento do dia-a-dia que não dáensejo a referida indenização, pois se insere nos transtornos quenormalmente ocorrem na vida de qualquer pessoa, insuficientes paraacarretar ofensa a bens personalíssimos. Indenizatória improcedente.Recurso improviso.43 (destacado)CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.CABIMENTO INDENIZAÇÃO: DANO MORAL. I – O dano moralindenizável é o que atinge a esfera legítima de afeição da vítima, queagride seus valores, que humilha que causa dor. A perda de uma

frasqueira contendo objetos pessoais, geralmente objetos demaquiagem de mulher, não obstante desagradável, não produz dano

moral indenizável [...] III – agravo não provido.44 (grifo nosso)

INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. O desfazimento de noivado não geradireito à percepção de indenização por danos morais. Tirante o dissabor naturaldo “fora”, não há prova de verdadeiro dano moral.45

INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. FUNDAMENTO. ANSIEDADE

DECORRENTE DO TRÂMITE DO PROCESSO JUDICIAL. NÃO

43 SÃO PAULO. Primeiro Tribunal de Alçada Civil. Apelação 1114302-1. 5ª Câmara. Relator Desembargador ÁlvaroTorres Júnior. 02 de outubro de 2002.44 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Recurso Especial 387014. Relator Ministro Carlos Velloso. 08 de junho de 2004.Segunda Turma. Publicação: DJ, 25 de junho de 2004, p.57.45 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Relator Ministro Antonio Vilenilson. Apelação Cível 135.120-4/2. 20 de maio de2003.

Page 11: DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge exclusivamente o patrimônio ideal do ofendido, atentando, entre outras possibilidades,

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jul./Dez. 2007 191

CABIMENTO. VERBA NÃO DEVIDA. SENTENÇA CONFIRMADA.Não é de se acolher pedido de composição de dano moral, visto que qualquerprocesso acarreta estado de ansiedade nos litigantes, tornando-os intranqüilos,sem que se possa falar em condenação judicial pela causa deste estado de ânimo.(sem grifo no original). 46

Portanto, não configura dano moral indenizável situações que, emboradesagradáveis, não são dotadas de potencialidade lesiva. Existem transtornosafeitos à vida em sociedade que a pessoa deve suportar. Assim, não há que sefalar em dano moral sem que haja efetiva agressão a um bem de caráter moraltutelado juridicamente.

A propósito o Superior Tribunal de Justiça compendiou: “O mero receio oudissabor não pode ser alcançado ao patamar do dano moral, mas somente aquelaagressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas afliçõesou angústias no espírito de quem ela se dirige.”47

Deste modo, somente haverá indenização por dano moral naqueles casos emque a vítima tiver experimentado um sofrimento atroz, de envergadura. Não seconcebe indenização por mero dissabor ou receio. A função dos danos moraisé compensar de certa forma a dor extremada, a dor pungente da vítima.48

A indenização por danos morais é uma compensação pecuniária porsofrimentos de grande intensidade, pela tormentosa dor experimentadapela vítima em alguns eventos danosos. Imagine o que sente a mulherestuprada, o pai que assiste ao bárbaro espancamento do filho, opaciente vítima de erro médico numa cirurgia plástica, o trabalhadorhonrado contra quem foi indevido protesto de título. Não sãosofrimentos irrelevantes, desprezíveis, facilmente absorvíveis, mesmopelas pessoas mais amadurecidas e experimentadas. Agride os valoresde justiça cultivados pela civilização do nosso tempo deixar de atendera esses doídos desdobramentos dos eventos danosos. 49

Como visto, para que exista dano moral indenizável é necessário que a ofensatenha alguma grandeza e esteja revestida de certa gravidade. Deve-se considerara magnitude do ato lesivo, sofrimentos irrelevantes e facilmente absorvíveis pelafigura do homem médio não ensejam reparação por dano moral.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, bem enfrentou a questão ao enunciar:50

46 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Relator Desembargador Telles Corrêa. 24 de outubro de 1994. JTJ-LEX 168/177.47 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Recurso Especial 2001/0194252-2. Relator Ministro Humberto Gomes de Barros.48 COELHO, Fábio Ulhoa, op.cit., p. 416-417.49 Ibidem, p. 416-417.50 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 1996.001.04946. Relator Desembargador Sergio CavalieriFilho. Segunda Câmara. 10 de setembro 1996.

Page 12: DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge exclusivamente o patrimônio ideal do ofendido, atentando, entre outras possibilidades,

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jan./Jun. 2007.192

RESPONSABILIDADE CIVIL. Dano Moral. Configuração. Princípio

da Lógica do Razoável. Na tormentosa questão de saber o que configura

o dano moral, cumpre ao juiz seguir a trilha da lógica do razoável, em

busca da sensibilidade ético-social normal. Deve tomar por paradigma

o cidadão que se coloca a igual distância do homem frio, insensível e

o homem de extremada sensibilidade. Nessa linha de princípio, só

deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou

humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no

comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflição,

angustia e desequilíbrio em seu bem estar, não bastando mero dissabor,

aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exarcebada [...]

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo orientou que “indenizávelé o dano moral sério, aquele capaz de, em uma pessoa normal, o assim denominado‘homem médio’, provocar grave perturbação nas relações psíquicas, natranqüilidade, nos sentimentos e nos afetos.” 51

Para configurar-se o dano moral deve estar presente uma dor, vexame,sofrimento ou humilhação que fuja à normalidade e interfira intensamente nocomportamento psicológico do ofendido. A alteração desvaliosa em seu bem-estar deve apresentar certa magnitude. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa,irritação ou sensibilidade exacerbada não enseja reparação a título de moral.

Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça dito que “a indenização pordano moral não deve ser banalizada. Ela não se destina a confortar meros percalçosda vida comum se o fato trazido a julgamento não guarda excepcionalidade.” 52

O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira assinalou ainda que “não é em qualquerhipótese, que se inclui nos percalços do dia-a-dia da pessoa, que se pode intentarpedido de indenização por dano moral.” 53

Deste modo, o dano moral somente irá ingressar no mundo jurídico, com asubseqüente reparação, em havendo alguma grandeza ou gravidade na repercussãodo ato considerado lesivo. Se o ato tido como gerador do dano moral nãopossui virtualidade para lesionar a esfera anímica do ofendido, causando-lheconsiderável aflição, angustia ou desequilíbrio em seu bem estar, não existe odano moral passível de ressarcimento. 54

51 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Ac 133.286-4/4-00. Relator Desembargador Elliot Akel. 28 de janeiro de 2003.

49 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 217.916-RJ. Quarta Turma. Relator Ministro Aldir PassarinhoJunior.50 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 293.118-SP. Quarta Turma. Relator Ministro Sálvio deFigueiredo Teixeira.51 SANTOS, Antonio Jeová da Silva, op. cit., p. 122.52 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 217.916-RJ. Quarta Turma. Relator Ministro Aldir PassarinhoJunior.53 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 293.118-SP. Quarta Turma. Relator Ministro Sálvio deFigueiredo Teixeira.54 SANTOS, Antonio Jeová da Silva, op. cit., p. 122.

Page 13: DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge exclusivamente o patrimônio ideal do ofendido, atentando, entre outras possibilidades,

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jul./Dez. 2007 193

Portanto, a doutrina e jurisprudência sinalizam que o dano moral suportadopor alguém não se confunde com os meros dissabores e aborrecimentos que oser humano sofre no dia-a-dia, fruto da normalidade do cotidiano social, sobpena de colocar em descrédito o próprio instituto do dano moral. Logo, cabe aojuiz, analisando o caso concreto, buscar a figura do homem médio e a razoabilidadepara apontar se a indenização moral é cabível ou não.

Meros percalços ou sensações desagradáveis, por si sós, não trazem em seubojo o direito à percepção de indenização por prejuízo moral, notadamenteporque o mero percalço, dissabor, aborrecimento, mágoa ou irritação sãosentimentos inerentes à vida em sociedade, fazem parte de um piso deinconvenientes que o ser humano tem que tolerar em seu dia-a-dia.

Sendo assim, para exsurgir o direito a indenização é exigível que a lesão psíquicaexorbite o limite do suportável, pois, não é qualquer sensação de desagrado oude contrariedade que faz jus a indenização por dano moral, mesmo porque háque se estabelecer critérios de modo a evitar abusos e conseqüentes distorções.

Considerações FinaisConsiderações FinaisConsiderações FinaisConsiderações FinaisConsiderações Finais

Com arrimo na Constituição Federal e no Código Civil, os brasileirosdefinitivamente despertaram para a existência de um direito reconhecido, quesignifica a garantia de indenização por danos morais. A par disso, tornou-se correntenos meios jurídicos apregoar a existência do que chamam de ‘indústria do danomoral’.

Nota-se no Judiciário um grande número de ações ajuizadas com pedidos deindenizações por danos morais, quando na verdade boa parte trata-se detranstornos diários inerentes ao cotidiano de uma sociedade complexa.

Inúmeras são as ações que movem a ‘máquina’ do Poder Judiciáriodesnecessariamente, pois são casos de pessoas que pleiteiam uma indenizaçãopor danos morais descabida, em virtude de algum dissabor ou aborrecimentoinerente ao cotidiano. Não se pode, como vem ocorrendo, confundir danosmorais com meros percalços da vida em sociedade, evitando-se,consequentemente, que ações descabidas atravanquem a Justiça brasileira.

Destarte, somente haverá indenização por dano moral naqueles casos em quea vítima tiver experimentado um sofrimento exagerado. Não se concebeindenização por mero dissabor, receio ou insatisfação decorrente das relaçõessociais.

As Cortes de Justiça já compendiaram que o mero dissabor, aborrecimento,mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada não ensejam reparação moral. Paraconfigurar-se o dano moral deve estar presente uma dor, vexame, sofrimento ou

Page 14: DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge exclusivamente o patrimônio ideal do ofendido, atentando, entre outras possibilidades,

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jan./Jun. 2007.194

humilhação que fuja à normalidade e interfira intensamente no comportamentopsicológico do ofendido.

Do mesmo modo, a doutrina ressalta que o dano moral suportado por alguémnão se confunde com os transtornos ou percalços que o ser humano sofre nodia-a-dia, sob pena de colocar em descrédito o próprio instituto do dano moral.Assim, cabe ao juiz, analisando o caso concreto, buscar a figura do homem médioe a razoabilidade para apontar o cabimento ou não da pleiteada indenizaçãomoral.

Certamente, este é um tema que merece muita atenção, visto que, é indispensáveldeterminada cautela àqueles que movem a ‘máquina’ judiciária pleiteandoindenizações dessa natureza. É indubitável que, para se obter uma decisão favorávelnessas ações, exige-se do profissional certa prudência, razoabilidade e,principalmente, bom senso ao operar a Justiça.

Não se pretende aqui se contrapor às obras que expressam sobre o tema,tampouco que o presente trabalho seja o ponto final, mas que seja um ponto amais de reflexão dessa matéria tão complexa quanto instigante, que envolvediuturnamente o relacionamento humano.

Referências

BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3. ed. revista, atualizada eampliada. 2. tir. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1999.BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,1988.________. Código Civil. Lei n. 10.046, de 10 de janeiro de 2002. 3. ed. São Paulo:Saraiva, 2007.________. Código brasileiro de Telecomunicações. Lei n. 4117 de 27 de agosto de1962.________. Lei dos Direitos Autorais. Lei n. 5988 de 14 de dezembro de 1973.________. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nos Embargos de Declaraçãono Recurso Especial 2001/0194252-2. Relator Ministro Humberto Gomes de Barros.________. Supremo Tribunal Federal, Recurso Especial 387014. Relator Ministro CarlosVelloso. 08 de junho de 2004. Segunda Turma. Publicação: DJ, 25 de junho de 2004, p.57.

CARVALHO, Acelino Rodrigues. Pressupostos da Responsabilidade Civil. À luz doNovo Código (Lei N. 10.406 de 10 de janeiro de 2002). São Paulo: LED, 2000.CATALAN, Marcos. Dos pressupostos do dever de indenização e o enunciado 159 doConselho da justiça Federal. Temas Jurídicos em Debate. Disponível: <http://www.professorsimao.com.br/artigos_convidados_catalan_01.htm>. Acesso em: 08 maio2007.

Page 15: DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge exclusivamente o patrimônio ideal do ofendido, atentando, entre outras possibilidades,

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jul./Dez. 2007 195

CIANCI, Mirna. O valor da reparação moral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. II vol. São Paulo: Saraiva, 2004.

DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico. 27. ed. 3. tir. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. 7 vol.21. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

ERDELYI, Maria Fernanda. Explode o volume de ações por danos morais no país. RevistaConsultor Jurídico. Disponível: <http://conjr.estado.com.br/static/text/36481,1> Acessoem: 18 maio 2007.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil.Responsabilidade Civil. III vol. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. IV vol. Responsabilidade civil.São Paulo: Saraiva, 2007.

MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia daPesquisa no Direito. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2006.

________; CALDEIRA, Mirella D’Angelo. O Dano Moral e sua interpretaçãojurisprudencial. São Paulo: Saraiva, 1999.

PONTES DE MIRANDA, Francisco. Tratado de Direito Privado. 26. vol. 3. ed. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 1984.

RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 1996.001.04946. RelatorDesembargador Sergio Cavalieri Filho. Segunda Câmara. 10 de setembro 1996.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade civil. IV vol. 19. ed. São Paulo:Saraiva, 2002.

SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. 3. ed. 2. tir. São Paulo: Método,2001.SÃO PAULO. Primeiro Tribunal de Alçada Civil. Apelação 1114302-1. 5ª Câmara. RelatorDesembargador Álvaro Torres Júnior. 02 de outubro de 2002.

STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial: doutrina ejurisprudência. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

Page 16: DANO MORAL E MERO DISSABOR: REFLEXOS NO PODER … · Dano moral é aquela lesão que atinge exclusivamente o patrimônio ideal do ofendido, atentando, entre outras possibilidades,

Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jan./Jun. 2007.196

TARTUCE SILVA, Flávio Murilo. Questões controvertidas quanto à reparação por danosmorais: aspectos doutrinários e visão jurisprudencial. Revista Juristas. Disponível:<http://www.juristas.com.br/mod_revistas.asp?ic=214>. Acesso em: 03 jun. 2007.