Educação global e desenvolvimento da personalidade; Prospects ...

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Director: Henri Dieuzeide

Chefe da redacção: Zaghloul Morsy

Adjunto: Alexandra Draxler

Perspectivas publica-se também:

e m Árabe : Mustaqbal al-Tarbiya (Unesco Publications Centre, I Talaat Harb Street, Tahir Square, Le Caire, Egypte)

e m Espanhol : Perspectivas, revista trimestral de educación (Santularia S. A . de Ediciones, calle Elfo 32, Madrid-27, Espagne)

e m Francês : Perspectives, revue trimestrielle de l'éducation (Unesco)

e m Inglês : Prospects, quarterly review of education (Unesco)

© Unesco, 1979

© para a tradução portuguesa. Livros Horizonte, Lda., 1979

Tradução realizada sob a responsabilidade de Livros Horizonte

Livros Horizonte R u a das Chagas, 17, l.°-Dto. — Lisboa — Portugal

Impresso em Portugal

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. ÍHÍI revista trimestral de educação Unesco

Vol. IX N.° 3 1979

Su mário Educação global e desenvolvimento da personalidade Wincenty Okon 259

A educação e a comunicação numa perspectiva de futuro Kjell Eide 273

Posições / Controvérsias

Reflexões sobre o ensino da geografia Jean Dresch 285

O educador e os «slogans» Olivier Reboul 293

Elementos para u m «dossier»: Matemática para, a vida

Dispensar um ensino utilitário da matemática Max S. Bell 305

Matemática nova ou educação nova ? Hans Freudenthal 317

As calculadoras de bolso e a matemática na escola primária Rolf Hedrén 329

Os media na formação matemática dos professores do ensino primario na Polonia Zbigniew Semadeni 334

Os objectivos do ensino da matemática em África : necessidade de u m reexame George S. Eshiwani 345

Programas de matemática : primeiros cuidados Ricardo Losada Márquez e Mary Falk de Losada 353

Para onde vai o ensino da matemática? A experiência indiana Manmóhan Singh Arora 358

Tendências e casos

O ensino pelo método de avaliação Chalva Amonachvili 367

U m exemplo de transformação do ensino: o caso da Venezuela Gustavo F. J. Cirigliano 374

Revista de publicações 387

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Os artigas assinados exprimam a opinião dos seus autores e não necessariamente a da Unesco ou da Redacção.

Podem ser reproduzidos, sob reserva da autorização do redactor-chefe.

A redacção gostaria de receber para publicação contribuições ou cartas contendo opiniões fundamentadas, favoráveis ou não, sobre qualquer artigo publicado e m Perspectivas ou sobre os temas abordados^

Toda a correspondência deve ser dirigida ao redactor-chefe, Perspec­tivas, Unesco, 7, Place de Fontenoy, 757iOQ, Paris, France.

A s denominações usadas e m Perspectivas e a apresentação dos dados que figuram na revista não implicam qualquer tomada de posição da parte do Secretariado da Unesco quanto ao estatuto jurídico dos países, territórios, cidades ou zonas, ou das suas autoridades, n e m quanto ao traçado das suas fronteiras ou limites.

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Winceníy Okoii

Educação global e desenvolvimento

da personalidade

A educação global

O conceito de educação global a que se referem muitos espe­cialistas 1 encontra-se actualmente muito divulgado na Polónia. Diz respeito ao desenvolvimento do indivíduo sob a influência da educação, isto é, do ensino e da aprendizagem e m 'todos os seus aspectos (incluindo o que se verifica fora da escola) e, indirectamente, no desenvolvimento da geração' miam jovem, da qual dependem, e m certa medida, a evolução e o progresso da sociedade. Por desenvolvimento 'entendemos, pois, e m pri­meiro lugar, a emergência de características desejáveis tanto para a sociedade como para o indivíduo. J3 verdade que o desen­volvimento pode assumir u m a direcção não desejável, devido a processos não controlados ou incontroláveis, ou a acções des­tinadas conscientemente a influenciar os seres humanos, e que contrariam os interesses aceites pela sociedade e pelo h o m e m , assim como o bem-estar do indivíduo. N ã o podemos colocar no m e s m o plano o desenvolvimento socialmente desejável dois dons inatos, da inclinação para a ciência ou do¡ talento1 artístico, e a aquisição de hábitos como os de fumar, beber ou droigar-se, ou ainda de atitudes de falta de respeito pelo outro ou de dominação dos seus semelhantes, embora este® dois tipo® de desenvolvimento sejam o resultado de influências, voluntárias ou não, exercidas pelo meio familiar, a escola, os colegas, os indivíduos e os media.

E m Pedagogia e e m Psicologia, podemos idistinguir dois modos de definir esta ideia de desenvolvimento1 da persona­lidade. Para uns, este processo é essencialmente concebido' como u m a sucessão de fases consecutivas de desenvolvimento, durante as quais surgem u m certo número de traços que, durante a fase seguinte, abrem o caminho a outro conjunto die traços. Esta concepção, que conta actualmente com muitos partidários, re-clama-se da Psicologia de Piaget. A outra concepção, menos divulgada, considera o desenvolvimento como u m processo de

Winceníy Okon (Polónia). Professor de Educação na Universidade de Varsóvia. Presidente do Comité das Ciências da Educação da Academia das Ciências da Polónia. Autor de numerosas obras, entre as quais: O Processo do Ensino; Fundamentos do Ensino Geral; Elementos de Didáctica Universitária; A Escola Contemporânea: Modificações e Tendências (em polaco).

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evolução orientada da personalidade do ensinado, que parte de situações relativamente simples e imperfeitais para atingir situações mais complexas e, e m certos aspecto®, mais próximas da perfeição. Nesta acepção, o conceito de desenvolvimento é sinónimo do de «progresso». C o m o se pode verificar, estabele­cemos, no nosso trabalho, u m a distinção entre o conceito de desenvolvimento e o de progresso, embora seja evidentemente desejável que todo o esforço pedagógico tenda para o progresso.

à questão de saber, a que se refere este conceito de desen­volvimento, poderíamos fornecer respostas diferentes segundo os critérios adoptados e entre os quais grande parte se refere às Ciências Sociais. Durante os últimos ¡anos, bem-se designado por taxinomias os sistemas de critérios aplicados à actividade pedagógica. O inconveniente destes critérios, ou taxinomias, decorre do facto de o indivíduo e m crescimento ser tratado como u m conjunto de características manipuladas pela Pedagogia para os conduzir a u m desenvolvimento relativamente completo. Neste aspecto, a classificação mais importante e também a mais simples (apesar de não ser frequentemente utilizada) é a que distingue as características «relacionais» e as características «direccionais». A s primeiras dizem respeito1 ao reconhecimento da realidade pelo indivíduo e à sua influência sobre esta rea­lidade, enquanto as segundas se referem ao modo- como se define e m relação ao sistema de valores e à /escolha dos objec­tivos que pretende ¡atingir na vida. Outros sistemas de clas­sificação 'dividem a personalidade e m elementos mais nume­rosos ou até, como a célebre taxinomia de B . Bloom, n u m número considerável de elementos.

Até agora, ainda não foi fornecida nenhuma resposta satis­fatória à questão de saber se é possível, durante o processo educativo, tratar o indivíduo (e a personalidade) e m cresci­mento como u m a entidade completa e u m todo indivisível. Esta abordagem parece, no entanto, a única capaz de asse­gurar o desenvolvimento harmonioso e espiritualmente coerente dos indivíduos, de atingir as camadas mais profundas da sua personalidade e de actuar sobre eles de tal modo que, tirando partido das suas próprias capacidades, todo o acto pedagógico actue não só sobre u m a qualidade particular, u m a disposição ou u m aspecto determinado da personalidade, concorrendo tam­bém para o desenvolvimento ¡das outras qualidades, disposições ou aspecto® desta personalidade..

Se pretendemos tratar a personalidade coimo u m todo que se desenvolve de maneira gradual e harmoniosa (o que está na base do conceito de educação global), não podemos ignorar, durante o processo destinado a actuar sobre ela, que esta se caracteriza por u m certo número de funções essenciais que exerce permanentemente, das quais decorre a sua existência e que lhe permitem progredir. Trata-se, e m particular, do conhecimento do mundo e de si m e s m o , da experiência vivida

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do m u n d o e dos seus valores, enfim, da actividade destinada a modificar o m u n d o . Estas três funções-tipo do ser h u m a n o encontranuse t a m b é m na base do conceito de educação global.

O conhecimento do m u n d o e de si m e s m o desempenha u m papel importante na apreensão da realidade pelo h o m e m . Por vezes, foi até considerada c o m o o traço distintivo da humani­dade. Empraga-se sempre o termo homo sapiens para definir a espécie h u m a n a no plano biológico, embora ele não transmita inteiramente a natureza do h o m e m , pois o h o m e m é t a m b é m u m ser de «valor» (homo valens) 2, que não se limita a des­cobrir o munido, vivendo-© t ambém à medida que se desenvolve a sua vida afectiva, eim simbiose estreita icom a sua vida intelectual. O h o m e m é, ainda, u m ser que modifica o lambiente. Poderíamos laplicar-lhe o termo homo faiber se não fosse capaz de tirar partido dos dados adquiridos pela percepção para agir de acordo com os objectivos que impõe a si m e s m o , teste­munhando, assim, as ligações afectivas que estabelece com o sistema de valores? Nestas condições, o homo concors ( h o m e m de acordo consigo m e s m o ) é u m ser harmoniosamente desen­volvido, sem conflitos internos, que exerce a sua actividade e m calda u m das três esferas que são a percepção do m u n d o , a experiência vivida deste m u n d o e a transformação do imundo. É igualmente u m h o m e m criador (homo creator) que, apro­fundando progressivamente o seu conhecimento da realidade, aplicando-lhe os seus valores e modifieando-a e m consequência, se torna simultaneamente criador de obras e de valores novos e originais no domínio da vida socioeconómica, na esfera do saber técnico e nos diversos ramos da ciência e das artes.

H á muito que pedagogos e especialistas das Ciências Sociais se interrogam sobre o problema de saber c o m o dispensar u m a educação capaz de produzir seres harmoniosamente desenvol­vidos; c o m o superar todas as limitações resultantes ida divisão da sociedade e m classes, o que constitui, só por si, u m entrave ao desenvolvimento global do indivíduo; c o m o reagir à persis­tência dos vestígios na sociedade de classes n u m a sociedade sem classes; como transformar o ensino, apesar da formação dos professores ser ainda imperfeita; como tirar partido da forte influência da vida social, apesar do nível geral da cultura e da educação ainda ser pouco elevado; finalmente, c o m o acele> rar os progressos do ensino, apesar de as actividades educativas, no sentido amplo, não beneficiarem de meios suficientes? Estas condições, como muitas outras, explicam que, no domínio do ensino, seja necessário partir praticamente sempre do zero e que, e m geral, nos esforcemos por introduzir brilhantes ideias novas e maravilhosos objectivos pedagógicos n u m a realidade ainda insubmissa.

O conceito de educação global é, de facto, u m programa que pretende divulgar à partida, por intermédio das escolas e de outros estabelecimentos de ensino, u m nível geral de cul-

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tura ¡po.r meio de métodos pedagógicos mais aptos do que os utilizados até agora para formar personalidades harmoniosa­mente equilibradas. Esta concepção da cultura está inteira­mente de acordo com a que partilham a maior parte dos filósofos polacos e, mais especialmente, T . Koitarbinski. E m sua opinião, a cultura define se como «o produto da História de u m a sociedade, a resultante de u m trabalho colectivo pos­sível graças à compreensão e à utilização de u m a língua c o m u m ; durante este processo, que tem e m vista a harmonização da vida colectiva através do desenvolvimento das funções cogni­tivas e da sua aplicação sob a forma de técnicas, as motiva­ções pré-culturais dão origem a novas motivações, cada vez mais sublimadas: os impulsos são cada vez mais controlados; as reacções imediatas são substituídas por acções planificadas a longo termo, os afectos agressivos dão lugar a emoções de carácter mais pacífico» s.

Esta definição da cultura conta entre os seus principais factores, para além da ideia da sua evolução histórica e das suas ligações com a língua e a evolução da Vida social, com os três elementos de base do conceito de educação (global, ou seja, o desenvolvimento das funções cognitivas, o desenvolvi­mento da motivação e da vida afectiva, e a utilização da Ciência no domínio técnico. Examinaremos agora estes três aspectos, salientando as formas de actividade que os alunos praticam sob o impulso dos professores e que, nas condições actuais, podem contribuir eficazmente para o desenvolvimento de personalidades harmoniosamente equilibradas.

Percepção da realidade e assimilação do saber adquirido

A capacidade de aprender é a faculdade mais importante do h o m e m ; a ela se deve o desenvolvimento de todas as suas disposições e de toda a sua personalidade. Aprender é u m a das actividades que se prolongam por toda a vida e que per­mitem que o h o m e m adquira novas formas ide comportamento e de acção ou modifique atitudes anteriormente adquiridas. Esta actividade não é única, m a s as outras forma® de acti­vidade humana — o jogo, o trabalho e as diversas actividades sociais — contêm, todas elas, determinados elementos de apren­dizagem.

A maneira mais simples de aprender situasse, para o h o m e m , ao nível cognitivo *. Podem distinguir nse três formas: a apren­dizagem pela observação, o reflexo condicionado, a aquisição dos conhecimentos.

A aprendizagem pela observação resulta de u m a modifi­cação durável da percepção de determinado objecto (ou de determinado acontecimento) na base de observações anterior res do m e s m o objecto ou de u m objecto semelhante. Estas

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modificações resultam do facto de, quando observamos objectos, os apreendermos c o m u m a clareza e u m a precisão crescentes, a ponto de atingir o grau de acuidade do botânico que é capaz de distinguir malhares de plantas diferentes, ou do prosador de vinhos que é capaz de reconhecer centenas ide colheitas.

O reflexo condicionado de base é u m a forma de aprendi­zagem cognitiva que consiste, para o ¡sujeito, e m associar dois estímulos sensoriais, c o m o uim objecto e u m som. Se este som for escolhido c o m o estímulo condicional destinado a pro­vocar determinada reacção, obteremos a m e s m a reacção sim­plesmente à vista do objecto e m questão. A coincidência no plano temporal conduz, de facto, a u m a associação de estímulos1

«no pensamento» do sujeito. A aquisição do saber, que é a terceira forma da aprendi­

zagem cognitiva e a mais importante, encontrasse hipertro­fiada no ensino actual e os professores devem conhecer o seu funcionamento actual nos mais pequenos pormenores. Apre­senta c o m o ponto de partida u m a determinada situação, que tem por efeito estimular u m a parte do sistema nervoso, criando, por conseguinte, modificações no seio das combinações que já fazem parte deste sistema e que foram precedentemente inte­gradas. Graças a estas modificações, a reacção à situação dada, ou a qualquer outra situação de efeito estimulante, será diferente da que teria tido lugar anteriormente. Donald O . H e b b designa esta modificação diferencial por «saber». O «saber» não é u m a reacção específica a u m estímulo dado, m a s « u m a modificação das tendências para reagir perante qualquer u m a das inúmeras situações de efeito estimulante» 5. Graças ao seu saber, o h o m e m encontra-se e m condições de produzir u m a reacção diversificada perante o m e s m o objecto, tirando assim partido da sua experiência anterior. A lém disso, adquire a capacidade de produzir u m grande número de reacções poten­ciais perante os diversos estímulos que se p o d e m apresentar futuramente. Contudo, não basta possuir conhecimentos para ser capaz ide agir. Quando aprendemos alguma coisa, sentimo--nos satisfeitos e, na maior parte das vezes, temos tendência para a esquecer rapidamente. É por meio do «reforço» dos conhecimentos que lutamos contra o esquecimento6.

A actividade cognitiva do sujeito baseianse na percepção directa da realidade e a sua importância é fundamental. Se admitirmos que o objecto primordial de todo o conhecimento não é a informação sobre o m u n d o , m a s o próprio mundo' , isto é, a natureza, a vida social, a cultura e a economia, tere­m o s determinado a origem deste saber. Esta origem não pode, pois, encontrar-se n u m manual escolar; ela é essencialmente a própria realidade, isto é, objectos, processos, acontecimentos particulares, assim como as suas ligações, interacções mútuas, tudo aprendido, tanto quanto possível, e m condições e situações naturais. O s rios e as montanhas, as plantas e os animais,

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os homens e o fruto do seu trabalho, os processos naturais e sociais, as instituições e as estruturas ¡sociais, os recursos culturais, tudo deve alimentar e fecundar a imaginação do ensinado e transiormar-se na base do seu conhecimento do mundo. É nesta base que podemos edificar uim saber indirecto de carácter geral e, portanto, privado de todo o sentido con­creto. Este último tipo de conhecimento adquire-se sobretudo a partir de fontes impressas e, e m meio escolar, através de manuais. Tendo e m conta que o saber transmitido sob esta forma «pré-digerida» assume u m carácter abstracto' e rara­mente requer a imaginação do sujeito, torna-se mais real, pelo menos e m parte, pela utilização de diversos métodos ide ensino que servem para aproximar as abstracções da irealidade.

Deste modo, a actividade perceptiva dos estudantes baseada na aquisição de conhecimentos, directamente a partir do mundo que os rodeia, e também sob forma «pré^digerida», essencial­mente a partir de fontes impressas, pode assumir várias formas, às quais professores e alunos recorrem com os seguin­tes fins: Utilização completa do meio escolar como fonte de estímulos; Selecção das fontes mais interessantes de conhecimentos sob

forma «pré-digerida» ; Utilização de métodos de aquisição dos conhecimentos que

permitam prolongar o período de retenção; Utilização de métodos eficazes de retenção do saber, pela repar­

tição judiciosa dos conhecimentos adquiridos e pela sua aplicação na acção;

Controlo de si m e s m o e do processo de aquisição dos conhe­cimentos., Esta variedade de situações e de estímulos pedagógicos,

que conduzem à aprendizagem por assimilação, é realizável e m toda a escola aberta para o ambiente e dispondo de meios adequados para assegurar simultaneamente ensino e educação.

A observação e m meio escolar

O estudo da realidade pode fazer-se por observação directa, ou por intermédio de informações «pré-digeridas» sobre as aquisições do saber humano. N ã o se trata, porém, neste último caso, senão de u m a parte dos conhecimentos que o h o m e m pode adquirir. C o m o é evidente, n u m grande número de esco­las, esta parte é considerada como o todo; mas , n u m a escola moderna, atribuinse grande importância ao estudo independente do mundo pelo aluno, confrontándolo com problemas que devem ser resolvidos pelo seu próprio esforço de reflexão e que o conduzem a considerar a complexidade do mundo.

Trata-se de algo que é particularmente indispensável durante os oito a dez primeiros anos de estudos, embora, durante toda a vida, o h o m e m deva encontrar -se e m condições de resolver

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problemas. M a s é nos quinze primeiros anos de vida que assume u m a importância crucial pois, segundo u m a opinião largamente divulgada entre os psicólogos, é pelos quinze anos que a inte­ligência adquirida (ou inteligência B ) atinge o seu ponito cul­minante. Passado este ponto, o h o m e m apenas poderá aumentar o seu stock de 'experiências vividas, que vêm inserir-se nas estruturas intelectuais formadas durante os quinze primei­ros anos. Pela nossa parte, estamos mteiramente de acordo com J. Kaiser quando afirma que «durante o período que pre­cede a fase de estabilização da inteligência B , os educadores devem insistir muito particularmente nas actividades desti­nadas a resolver problemas e a favorecer a verbalização do raciocínio, e devem limitar a aprendizagem mecânica deco­rada» 'r.

A actividade intelectual real, a que nos referimos, consiste no desenvolvimento das capacidades de intelecção e sobretudo da imaginação e do raciocínio. O estudante não poderá desen­volver estas capacidades limitando-se a aprender a informação já preparada. M a s ipoderá fazê4o enfrentando problemas ou, mais precisamente, se for conduzido a formular problemas, a resolvê-los e a verificar se as soluções são correctas.

O s pedagogos polacos precisaram este conceito de «pro­blema». N o plano subjectivo, trata-ise de u m a dificuldade prática ou teórica de que o sujeito se apercebe e que só pode ¡resolver pelos seus próprios esforços de investigação. N o plano objectivo, trata-se de u m a estrutura da qual se encontram ausentes certos dados. A tarefa de quem procura ¡resolver o problema consiste e m descobrir os dados ausentes (que não conhece) e a resti­tuir a sua integridade à estrutura. Os dados e m questão são simplesmente elementos da estrutura, ou relações ou inter-conexões entre estes elementos. Por veaes, a dificuldade con­siste e m 'encontrar os elementos que faltam ou, quando há excesso de elementos, e m determinar os que são convenientes; por vezes, é necessário descobrir u m a relação real entre os elementos ou entre as partes e o todo. Frequentemente, encon-tramonnos e m presença de problemas e m que é necessário en­contrar simultaneamente os elementos e a sua ¡relação. O grau de dificuldade é função da quantidade de dados ausentes.

O s processos de aprendizagem pelo método dos problemas são radicalmente diferentes dos que intervêm na aprendizagem cognitiva de que falámos anteriormente. Neste último caso, as respostas finais são fornecidas pela realidade e basta apreen­der, com maior ou menor acuidade, os seus fragmentos; podem também ser fornecidas por fontes de conhecimentos «pré-dige-ridos», preparados por outros. N o primeiro caso, pelo contrá­rio, o ponto de partida consiste n u m a situação problemática que conduz o aluno a procurar e a formular o problema, a encontrar ideias de solução e a verificá-las. O sucesso do indivíduo nestas três fases fundamentais é sobretudo função

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do seu grau de objectividade e da sua capacidade de invenção, sem a qual será incapaz de tomar iparte na procuna ¡de soluções1. M a s , n e m todos possuem esta faculdade; ela desenvolvere à medida que o indivíduo toma iparte na solução de problemas variados e só se revela e m presença de u m problema.

O psicólogo soviético A . M . Matiouchkine define a «situação problemática» como u m a «forma particular de ligação intelec­tual entre o sujeito e o objecto». Esta situação caraieteriza-se por u m estado psíquico particular do sujeito (o aluno) que persiste enquanto efectua a tarefa que consiste e m encontrar (isto é, e m descobrir ou assimilar) informações novas ou métodos de acção que até então ignorava8. Por outras pala­vras, a «situação problemática» é u m a estrutura não- típica e relativamente difícil, composta por elementos concretos ou abstractos e pela sua relação interna, e m face da qual se encontra u m sujeito que apenas possui u m conhecimento par­cial proveniente de situações até certo ponto semelhantes, e que, além disso, ignora a maneira como é possível completar os elementos e as relações, corrigi-los, se necessário, ou ordená­-los segundo u m a regra que, precisamente, lhe compete desh cobrir.

Quando, n u m a lição, é proposta u m a «situação problemá­tica», quer seja especialmente inventada pelo prof essor ou descoberta espontaneamente pelos alunos, estes devem começar por tomar consciência da própria existência do problema (ou dos problemas) e, e m seguida, apresentar unia formulação. C o m o é evidente, esta actividade requer u m certo saber e a capacidade de o aplicar, assim como u m a certa experiência, m a s exige sobretudo imaginaçãoi, u m a imaginação criadora desenvolvida, necessária para contrabalançar a influência dos esquemas cognitivos adquiridos e piara propor ideias novas. Tratanse de u m a fase extremamente importante do processo de resolução de u m problema. O indivíduo que enuncia u m problema isentir-se-á muito mais desejoso de procurar a sua solução do que se o problema lhe for proposto pelo professor ou peto manual escolar.

A fase seguinte é a da criação de ideias (ou de hipóteses) sobre o m o d o de resolver o problema. O processo, neste caso, é totalmente distinto do que encontraremos na fase de verifi­cação; exige u m a grande agilidade intelectual, u m a imaginação bem desenvolvida e muito talento. Depende, e m grande parte, da própria situação, consoante se trate de descobrir qualquer coisa ou de criar algo de novo e de original. Os problemas que surgem durante u m a lição de Física, de Biologia, de Quí­mica ou de Geografia procuram habitualmente conduzir à des­coberta de certas constantes, ou leis da natureza. A inteligência aplicada neste domínio é «centrípeta», pois o pensamento con-centra-se no ponto que permitirá descobrir a lei procurada. O grau de liberdade é, pois, muito restrito, visto que o aluno

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não pode descobrir nada para além de u m a lei (uma constante ou u m a regra) bem determinada; existe apenas u m a solução exacta, e só u m a , à qual, de certo modo, é preciso chegar. Muito diferente é o pensamento dito «centrífugo», que se encon­tra no ensino de muitas outras disciplinas, mais especialmente nas letras e nas artes (literatura, música, pintura, escultura) e no domínio técnico. O s problemas submetidos a este tipo de reflexão são, e m grande parte, problemas «livres», pois o número de soluções possíveis não é limitado. É impossível enumerar as diferentes maneiras de redigir u m a dissertação; o m e s m o acon­tece com os diferentes métodos de realização de u m projecto técnico ou de execução de u m a obra pictórica.

A terceira fase é a da verificação das soluções propostas para resolver o problema e m questão. Esta verificação pode ser de ordem teórica ou prática, Reencontramos, aqui, a impor­tante distinção entre problemas do tipo «descoberta», e m que se toata de comparar a lei salientada coim outras leis e a sua aplicação prática, e problemas suscitados pela técnica ou pelas belas-artes, onde a verificação se exerce sobre o maior ou menor grau de perfeição das obras segundo critérios técnicos ou artísticos. É significativo que, durante muitos anos, os esta­belecimentos de ensino se tenham desinteressado dos proble­m a s de tipo «criador» e do desenvolvimento do pensamento «centrífugo». O que certamente se deve ao facto de, outrora, se atribuir apenas u m interesse limitado' a 'qualidades como o talento, a agilidade intelectual, o espírito de iniciativa, a ima­ginação ou o sentido artístico, embora sejam desejáveis para todos.

A experiência vivida dos valores e a afectividade

Até agora, considerámos o h o m e m como u m ser que pensa e descobre o mundo passivamente, por assimilação, e muito activamente, por investigação. Estas dois métodos de instrução estão intimamente ligados e permitem que oi aluno domine a ciência moderna e desenvolva simultaneamente as suas próprias qualidades cognitivas: inteligência, faculdade de observação, imaginação, atenção e memória. Servindo de base, desde muito cedo, à formação intelectual, 'estas qualidades dão origem a u m a atitude científica, constituem os fundamentos de u m a concepção científica do mundo e desenvolvem traços de carác­ter como a honestidade intelectual, o espírito' de iniciativa, o talento e a sinceridade. Poderíamos pensar que O' desenvol­vimento destas qualidades, que ultrapassam largamente as que, e m geral, se esforçam por desenvolver muitas escolas medío­cres e m todo o mundo, é o objectivo fixado pelas escolas modernas. M a s tal não acontece.

Ê evidente que a educação e a formação intelectual cons­tituem factores essenciais para o desenvolvimento da persona-

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lidade e preparação da geração mais jovem para as tarefais que a esperam nesta época de revolução' científica e técnica e de enormes transformações na vida das sociedades e da humanidad© e m geral. M a s , estas transformações brutais e o sentimento de insegurança que originam não provirão da destruição do ambiente natural do h o m e m , do aparecimento de novas doenças, da diminuição das reservas de matérias--primas e do super-armamento ? Não serão o resultado do culto exclusivo da razão a que se entrega o mundo inteiro, originando a atrofia progressiva dos sentimeintos humanos mais elevados;?

A esta questão, tão vital para a educação dos nossos con­temporâneos, o eminente humanista polaco Antoni Kepinski forneceu recentemente1 u m a resposta, na sua obra intitulada Melancolia: «O problema da evolução da vida afectiva paretee--rne assumir, nesta época de crise da nossa cultura, u m a impor­tância capital. O salto que a humanidade deve dar na sua evolução para se adaptar às súbitas transformações nas suas condições de vida, resultantes da revolução científica e técnica, deve consistir n u m a transformação da sua afectividade e n u m a elevação do nível cultural da sua sensibilidade» 9. A adver­tência de Kepinski, exortando a u m a «transformação da afec­tividade», isto é, a u m a modificação' da atitude que consiste e m aproveitar os resultados da ciência sem nos preocuparmos com as consequências que daí resultam:, assume u m a impor­tância primordial no domínio da educação da juventude. Nesta via, poderiam ter sido feitos enormes progressos através de u m a modificação radical do sistema educativo e dos esquemas de pensamento dos professores. Ora, o conceito de «'educação global» responde precisamente a esta exigência, pois a apren­dizagem por meio da experiência vivida 'contribuirá para o desenvolvimento da vida afectiva da criança e do adolescente, o que, por sua vez, permitirá proceder miais facilmente ao «salto na evolução da humanidade» de que A . Kepinski fala.

Aprender «no seio da vivência» requer a eiriação<, tanto na escola como fora dela, de situações destinadas a suscitar expe^ riências afectivas sob o efeito de valores judiciosamente apre­sentados, que se encontram n u m a obra literária, n u m a peça de teatro, n u m filme, n u m quadro, n u m a escultura, na arqui­tectura, na música, na actividade do h o m e m ou ainda nas belezas da natureza, no encanto de u m a montanha, na calma de u m fim de tarde, ou até na simples expectativa de u m grande acontecimiento, Estes valores são criados pelo h o m e m , ou encontram-se presentes na natureza ou na vida. Todos eles comportam algo de precioso que devemos à inteligência do h o m e m , às forças da natureza ou às leis que regem, a vida. N e n h u m ser capaz de descobrir este algo de precioso, e de sentir simultaneamente emoção, poderá ficar indiíerente¡ perante o mundo dos valores. Respeitá-íos-á e combaterá tudo o que

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comporte u m a ameaça para eles ou os contrarie. A experiência vivida do inundo dos valores é simultaneamente u m a escola de raciocínio que permite alargar progressivamente a escala dos valores positivos ou negativos, e u m a escola de acção- e de coragem.

A experiência vivida é, portanto, u m sinal da relação que o sujeito estabelece c o m os valores morais, sociais, políticos, estéticos e científicos. Esta relação não é compreendida por todos da m e s m a maneira. V e m o s que certos autores separam nitidamente os processos cognitivos, que desaguam por «rela­cionais», dos processos de julgamento, designados por «direc­cionais». Outros, pelo contrario, afirmam que não é possível separar estas duas categorias de processos. Entre eles, cita­remos o psicólogo polaco J. Reykowski, para q u e m os processos de orientação e de raciocínio estão intimamente associados: «O desenvolvimento de atitudes positivas de sociabilidade, diz, está ligado o da rede perceptiva.» Além disso, sublinha que «devemos ter e m conta pelo menos dois fenómenos impor­tantes: a criação de u m eu estruturado) condição necessária para reagir as necessidades dos seus semelhantes) e o desen­volvimento do pensamento operatório (condição necessária para o funcionamento da norma de justiça) » 10. Bogdan Nawroc-zynski é, por seu lado, representante da corrente que, no seio da reflexão pedagógica polaca, associa os processos Cognitivos aos procesaos afectivos e de avaliação.

Peda minha parte, tendo adoptado u m ponto de vista seme­lhante desde há longos anos, e recusando-me a traçar u m a linha de demarcação entre ensino e educação, interroiguei-me muitas vezes sobre o facto de a experiência vivida dos valores deixar traços tão duráveis não só na «rede perceptiva» do indivíduo como também na sua maneira de enfrentar a vida e nas ati­tudes e m relação a certos valores. Cheguei à ¡conclusão de que, na experiência vivida dos valores, se encontram e m presença elementos intelectuais e cognitivos (atendendo a que o conhe­cimento destes valores reage, por sua vez, à intensidade da experiência) e elementos afectivos e cognitivos, podendo estes últimos seir predominantes na fase crucial da experiência. Assim, dois aspectos da natureza humana se encontram e m presença n u m a experiência vivida: os processo© de ardem cognitiva, que nos fornecem razões no plano- intelectual, e os processos de ordem afectiva, que podem proporcionar-nos u m a satisfação total neste plano ou, pelo contrário, suscitar u m sentimento de desprazei- e de desaprovação. Dispomos agora de u m a base suficiente para nos permitir definir a nossa pró­pria atitude e m relação aos julgamentos de valor e aos inci­tamentos à acção que daí decorrem.

A aprendizagem por meio da acção conduz, pois, a resul­tados que podem desempenhar u m papel importante no- -desen­volvimento da personalidade. Entre eles, devemos incluir a

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Wincerrty Okon

cognição, sobretudo die ordem subjectiva, que se refere ao aluno como ¡sujeito conhecedor, e ao h o m e m e m geral, às suas acções e criações, à estrutura social e ao conjunto da cultura. Esta cognição não deve ser desprezada pois, devido às condições afectivas que a acompanham, penetra profundamente na nossa consciência. Mas , o que é ainda mais importante, é o despertar dos sentimentos, e m particular dos sentimentos elevados, que permitem que os jovens superem as suas atitudes egoístas e se dediquem ao próximo, à sua pátria e ao progresso universal. Só ¡através da prática frequente das formas de actividade liga­das ao domínio das emoções o h o m e m poderá desenvolver gradualmente a sua maturidade afectiva, tal como desenvolve a sua maturidade intelectual ou física, U m a da® consequências importantes da aprendizagem por meio da experiência vivida reside na clareza do raciocínio, qualidade que não pode ser adquirida por meio de processos cognitivos, mesmo elevados ao máximo.

Acção e trabalhos práticos

A actividade intelectual termina no limiar da actividade afectiva. N ã o podemos conceber u m a actividade prática da qual possa ser banida, sobretudo quando se trata de aplicar correctamente u m saber teórico. A capacidade de distinguir nos conhecimentos teóricos o que poderá adaptar-se correntemente à vida prática e a aptidão para utilizar o saber para u m a transformação racional da situação existente desempenha u m papel primor­dial na vida social de hoje. Estes factos não podem, pois, ser ignorados no ensino moderno. Este deve ter por missão colocar frequentemente os alunos e m situações onde sejam conduzidos a resolver problemas de ordem prática, técnica, produtiva ou sociológica. Estes problemas permitem-lhes penetrar no valor social do saber acumulado pela humanidade, e desenvolvem simultaneamente a sua faculdade de criação.

A actividade de tipo produtivo encontra a sua expressão na solução de problemas práticos e e m toda a função de pro­dução. Consiste e m transformar a realidade, e m criar algo que não existia até então. Assim, podemos incluir nesta rubrica tarefas que decorrem da indúsria, da agricultura, da criação de gado ou ainda das belas-artes e da vida quotidiana. Muitos educadores reputados, como Fellenberg, O w e n e Blonski subli­nharam o valor tanto cognitivo como educativo deste tipo de actividade. N ã o é possível conceber u m a escola moderna que não ofereça u m leque amplo e diversificado de actividades deste género.

H á muitos anos que os educadores soviéticos realizam inves­tigações para estabelecer u m a ligação racional entre os pro­cessos produtivos e os seus pressupostos teóricos; daí resultou a elaboração do conceito de ensino «politécnico». Ã luz deste

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Educação global e desenvolvimento da personalidade

conceito, a aprendizagem pela acção adquire u m novo signi­ficado, pois começam a incorporar-se actividades de carácter prático ou técnico no ensino de várias disciplinas fundamentais como a Física, a Química, a Biologia, a Geografia, a Mate­mática, o Desenho Industrial, para não falar do ensino da tecnologia e dois princípios de base da produção. Por outro lado, e m virtude do princípio que consiste em combinar a teoria e a prática, o processo da praxis deve conduzir não só ao domínio de operações técnicas práticas, como também à com­preensão dos princípios científicos da produção de energia, da técnica e da tecnologia.

O conceito de aprendizagem pela acção é, evidentemente, muito mais extenso do que o de ensino politécnico. M a s o que conta essencialmente é a combinação da teoria científica e dos trabalhos práticos e m todas as disciplinas ensinadas. C o m o sublinhei na obra Procesie miuczania, os dados científicos devem estar na base da formação escolar. Estes dados são necessários para o ensino dos mecanismos e para a formulação das diversas normas com que a acção se deve conformar. Assim concebida, a aptidão para executar surge como a aptidão para aplicar diversas regras (normas, princípios) durante o cumprimento da tarefa e m questão.

A aprendizagem pela acção pode, portanto, assumir diver­sas formas. A menos pedagógica é a que proporciona a aqui­sição de mecanisimos físicos isolados, sem estabelecer ligações entre a tarefa a realizar e os seus pressupostos científicos. Este método encontra-se nas formas tradicionais de ensino e m vigor, sobretudo nas escolas profissionais e durante a ins­trução militar. O valor pedagógico global deste método é ínfimo, na medida e m que se limita a inculcar mecanismos puramente manuais. Muito diferente é o valor educativo e pedagógico das actividades no seio das quais teoria e prática se encontram intimamente ligadas. Este método permite não só que o> aluno aprenda mecanismos e hábitos (que não podem adquirir-se simplesmente por adaptação ou percepção, u m a vez que se trata de processos cognitivos), m a s também que assimile — com grande economia de tempo e esforço— conhecimentos mais extensos e mais enraizados, cuja validade e valor prático poderá verificar.

A posição mais importante cabe, porém, às actividades e m que se combinam orientação e informação, que exigem independência do sujeito e o obrigam simultaneamente a for­mular e resolver problemas práticos, isto é, a dar provas de criatividade técnica. Este tipo de ensino tem ainda o efeito de desenvolver a reflexão, a imaginação e a habilidade técnicas, de iniciar a racionalização e, e m geral, de despertar o gosto pela invenção no domínio técnico.

O valor que caracteriza todas as formas de actividade déve­rse à importante influência educativa que exercem sobre a

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Wincenty Okon

vontade e o carácter, assim como sobre a formação de quali­dades específicas como a adopção de u m a atitude correcta e m relação ao seu próprio trabalho, à propriedade social e privada, ao trabalho como tal e todos os que o realizam. Se não nos preocuparmos suficientemente com o desenvolvi­miento destas qualidades, será difícil conceber que a jovem geração possa prepararle convenientemente para assumir, chegado o momento, as tarefas que deverá desempenhar na vida em sociedade.

Notas

1. Ver, em particular, W . O K O N , Podstawy wyksztalcenia ogólnego, Varsóvia, 1967; 3." edição, 1976.

2. O termo «valor» é utilizado na acepção que lhe confere T . Kotarbinski: « U m homem "de valor" é, portanto, u m homem capaz de viver com honra.» Ver T . K O T A R B I N S K I , Medytacje o zyciu godziwym, Wiedza Powszechna, Varsóvia, 1966.

3. T . K O T A R B I N S K I , op. cit., pp. 35 e 36. 4. Donald O . H E B B , Podrecznik psychologii, pp. 154 e seguintes, P W N , Var­

sóvia, 1969. 5. Donald O . H E B B , op. cit., p. 163. 6. N a minha obra Procesie nauczania, P Z W S , Varsóvia, 1966, encontrar-se-ão

numerosas indicações sobre o reforço. 7. Jan K A I S E R , «Zagadnienie akceleracji rozwoju fizycznego, intelektualnego

i spolecznego dzieci i mlodziezy», Przeglad pedagogiczny, n.° 4, 1974. 8. A . M . M A T I O U C H K I N E , p. 193, Problemnye situacii v obucenii, Pedagogika,

Moscovo, 1972. 9. A . K E P I N S K I , Melancholia, p. 219, P Z W L , Varsóvia, 1974.

10. J. R E Y K O W S K I , «Rozwój sieci poznawczej a zachowanie allocentryczne», Studia psychologiczne, vol. X V , Wroclaw, 1976.

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Kjell Eide

A educação e a comunicação

numa perspectiva de futuro*

Quando examinamos os resultados dos estudos de futurologia, não ¡podemos deixar de pensar na história do aborígene aus­traliano que quis mudar de boomerang, mas não conseguiu livrar-se do antigo.

E m termos de futurologia, significa simplesmente que não é possível mudar de paradigmas como se muda de fato. U m indivíduo — ou u m grupo — necessita de muito tempo e esforço para elaborar paradigmas de certo ¡modo coerentes que o domi­narão durante o resto da vida, e nos quais introduzirá apenas alguns aperfeiçoamentos. Os estudos de futurologia deveriam, contudo, em princípio, fornecer-nos u m certo auxílio. N a ver­dade, a maior parte testemunha simplesmente a nossa incapa­cidade para abandonar as ideias ultrapassadas.

A o expor alguns aspectos das inovações a considerar em matéria de educação e de comunicação, não pretendo libertar--me destes limites do pensamento humano'. Mas estou conven­cido de que, na medida em que conseguirmos ultrapassá-los, nos aproximaremos sensivelmente de uma apreciação correcta do que poderá ser o futuro das nossas sociedades.

Inter-relações da educação e da comunicação

Existe uma ligação entre estes dois domínios que se impõe imediatamente ao nosso espírito: a educação pode ser consi­derada u m aspecto importante da função geral de comunicação na sociedade. É através dela que procuramos, com a ajuda da comunicação, modificar os comportamento® individuais e as transformações assim conseguidas constituem uma das razões de ser da função geral de comunicação.

O melhor meio de a compreender consiste em recorrer ao conceito de aprendizagem (learning). A comunicação conduz

* Texto inspirado na alocução de abertura de u m seminário nórdico sobre futu­rologia, realizado sob os auspícios do Conselho ministerial nórdico de 18 a 20 de Abril de 1978, e m Rungstedgaard, Dinamarca.

Kjell Eide (Noruega). Director-geral do Departamento de Investigação e de Planificação no Ministério da Educação. Autor de numerosas pubicações no domínio da planificação e da política educativas.

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Kjell Eide

a transformações de comportamento parque, necessariamente, os participantes no processo aprendem algo uns com OÍS outros. Aprendem coisas que não sabiam, compreendem certas coisas melhor do que anteriormente, ou sofrem nã® sabemos bem que influências capazes de modificar o seu comportamento. Mas é também precisamente o que procuramos realizar por meio da educação:. A escola é a forma institucionalizada de aspectos importantes da comunicação nas nossas sociedades.

A tradição pretende que a escola se dedique mais parti­cularmente à informação destinada aos jovens. Mas, actual­mente, esta limitação funcional tende a desaparecer. A edueação> tem sido mais orientada para objectivos específicos que dife­rem da comunicação no sentido geral do termo. Como a escola se baseia em modificações especificas do comportamento con­sideradas desejáveis nos alunos, o modo de comunicação que representa foi dominado por u m dos parceiros: o< professor. Também neste aspecto as distinções tradicionais se apagam progressivamente. A escola compreende cada vez melhor que uma boa situação de aprendizagem exige frequentemente uma reciprocidade na comunicação e definições menos estreitas dos seus objectivos. U m verdadeiro ensino deve estar ligado ao que é significante para o aluno e não pode baseasse unicamente nas 'modificações particulares que outros gostariam de intro­duzir no seu comportamento.

Podemos perguntar se o conceito de aprendizagem engloba todos os aspectos essenciais da educação e da comunicação. Comunicação significa também vivência, para além do que a noção de aprendizagem pode abranger. É graças a ela que nos descontraímos, que vivemos intensamente e que exprimenta-mos sentimentos de calor humano e de solidariedade. Ê evi­dente que também beneficiamos dos seus ensinamentos, mas o interesse essencial da comunicação reside no facto de enri­quecer a nossa vida e de lhe conferir mais ¡sentido'. De resto, esta afirmação também é válida para o sistema de ensino, cuja importância não se deve unicamente aos «produtos» que dele decorrem. Passamos uma parte importante da nossa vida na escola. É aí que nos preparamos para o futuro e que rea­lizamos a experiência das nossas relações com o outro e, se o direito do homem à felicidade existe, estendesse também ao tempo passado na escola. Devemos assumir a ideia de que é essa uma idas suas finalidades essenciais, sem nos deixarmos hipnotizar pelo que poderão ser os efeitos potenciais da apren­dizagem.

Se pretendemos aprofundar esta ideia u m pouco superficial que apresenta a escola como parte integrante da função geral da comunicação na sociedade, terão sentido algumas obser­vações sobre o equilíbrio entre a comunicação no> sistema educativo e a função geral da comunicação.

E m minha opinião, o ambiente escolar transformou^e p-ro-

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A educação e a comunicação numa perspectiva de futuro

fundamente nos últimos anos. Já não se trata de u m a sociedade e m que o conhecimento e a informação eram ibens tão raros como preciosos e e m que a escola -gozava do monopolio quase total da transmissão do saber às crianças e aos míenos jovens. Vivemos n u m a sociedade de abundância da informação' e m que o ¡monopólio que a escola detinha, neste campo, se encontra destruído. Esta destruição demonstrou necessariamiente inci­dências profundas sobre o funcionamento das instituições de ensino. A posição de autoridade da escola como transmissora do saber foi liquidada; até m e s m o as crianças têm facilmente acesso a u m a informação que não se adapta à que a escola pretende comunicar. A escola já não pode proteger-se contra estas antinomias pretendendo que já não existem. Proceda como proceder, a informação chega aos alunos e cria neles o sen­timiento de que a informação tradicional fornecida pela escolia perdeu o seu carácter essencial. Os esforços envidados para assegurar à escola o seu papel de transmissora de u m a verdade mancada pela selo oficial correm o risco de obrigar os alunos a desviar-se para outras fontes de informação e de conheci­mentos que os interessem, obtidas através de u m a comunicação e m dois sentidos que lhes permita avaliar por si o valor da informação.

Esta situação vai certamente modificar não só a relação entre a escola e o seu ambiente:, m a s também a estrutura interna do poder ao âmbito da escola. A concorrência de u m a sociedade de abundância constrangerá a escola a adaptaras© para ensinar o que os alunos considerem significativo' do seu ponito de vista. E m vez de impor verdades autoritárias, a esicola deverá procurar escolher a informação, que interessa ao indivíduo, segundo os critérios que ele ou ela fixaram. C o m o é evidente, a perspectiva de diplomas cuja posse condi­ciona o acesso a situações sociais atraentes pode, ainda durante algum tempo, obrigar os aluno® a consentir e m esforços cuja única razão de ser reside e m obter êxito nos exames. M a s o monopólio de que a escola gozava como reconhecedora de qualidades socialmente importantes encontra-se também e m desmoronamento. E m muitos países, surgiram outros modo® de reconhecimento totalmente independentes da escola. A fun­ção de reconhecimento acabará por deixar de constituir a base do império que o sistema de ensino exercia sobre os alunos. Se a escola quiser .manter esta função, é necessário que os estabelecimentos de ensino proporcionem outros serviços, con­siderados igualmente importantes pelos próprios alunos.

Natureza da comunicação

A s nossas reflexões sobre o futuro devem basear^se n u m a ideia mestra que se situa, e m nossa opinião, n u m plano mais fundamental do que o precedentemente exposto. A persistência

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de tendências históricas não poderá contribuir (para a emer­gência desta ideia, pois u m a tendência não! é u m a forma determinante da evolução social. Só postulando u m a estabi­lidade do equilíbrio entre as forças reais que determinarão o nosso futuro, a persistência de tendências poderá ajudar-nos a compreender como poderá ser construído o nosso futuro. Mas , actualmente, este equilíbrio não é possível, de m o d o nenhum.

Se quisermos referir-nos às transformações dos aspectos essenciais das sociedades aqui apontados, não devemos limitar--nos a reflexões sobre o alcance e a orientação da comunicação^. Devemos examinar a sua própria natureza, tal coimo se é, no âmbito e para além do sistema de ensino. Trata-se da relação entre os agentes do processo de comunicação e da estrutura dos poderes que dominam os seus fluxos: Q u e m decide sobre o que constitui u m a informação válida e m determinada; situação ? Q u e m decide sobre a informação que é legítimo dispensar? Q u e m estrutura a informação de tal m o d o que responda a con­cepções particulares do que é pertinente e legitimo?

N u m seminário recentemente realizado pela Unesco foram expressas algumas opiniões interessantes sobre os problemas de informação relativos à política e à planificação da educação. O director soviético da informação científica e técnica para o ensino superior fez u m a exposição que convida à reflexão: u m enorme organismo central abrange quinze organismos re­gionais do qual dependem funcionários da informação' colo­cados e m cada u m a das 700 faculdades das universidades. Este aparelho decide, até ao pormenor, sobre as informações de que deve dispor cada investigador destas 700 faculdades.

N a maior parte dos países, peritos e m racionalização ela­boram sistemas pormenorizados de informação com o fim de fornecer dados úteis a todos os níveis da hierarquia adminis­trativa e m que são tomadas decisões; mantêm jse cuidadosa­mente atentos para que nenhuma informação «supérflua» venha perturbar de modo incongruente algum elemento do- sistema. Assim se define na informação «legítima», na qual se baseiam as decisões a todos os níveis e sectores. Parece existir alguma razão para que, neste caso, não formulemos as mesmas reser­vas que apresentamos ao serem aplicados métodos análogos para alimentar a investigação e m informação.

Passando ao domínio da escola, observamos, e m geral, a m e s m a estruturação pormenorizada da informação «legítima», base do ensino, sendo o contributo individual de cada escola ou de cada professor muito limitado. E m regime de recom­pensa, temos tendência para exercer u m a discriminação e m relação a todo o comportamento baseado n u m a informação não legitimada pelo sistema.

Ë interessante observar a atitude adoptada por todos os representantes dos países e m desenvolvimento no m e s m o semi-

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nano da Unesco. De maneira mais ou menos cortés, endere­çaram à Unesco a seguinte mensagem: desistam de procurar criar sistemas de informação cada vez mais completos e «glo­bais» exigindo a intervenção de u m ordenador. As pessoas capazes de o utilizar nos nossos países são muito pouco nume­rosas e servem essencialmente para reforçar o prestígio de peritos com que procuram paramentar-se. Aproveitam este sistema para consolidar ainda mais a sua posição de força em relação à imensa maioria. Se a Unesco não puder contri­buir para uma transferência da informação, que atinja as massas e se baseie na sua concepção ¡sobre o que devem saber, a acção neste domínio não só será estéril como correrá o risco de ser prejudicial.

Trata-tse de uma posição muito dura em relação a uima instituição das Nações Unidas, mas que reflecte os problemas essenciais suscitados pelo contexto da comunicação. Ela é a expressão de uma revolta de destinatários da informação tra­dicionalmente passivos. Os países em questão não admitem que se lhes imponha uma informação que não só se destina a ser-lbes útil, como ainda tem a pretensão, tal coimo é apre­sentada, de dever ser considerada como tal e constituir o fun­damento de decisões importantes. Trata-se de uma causa — ou de uma reivindicação— a favor de uma comunicação real, em substituição de uma informação e m sentido único. Esta posição mostra também que as vias de acesso a u m a infor­mação «legítima» podem ser utilizadas, e sãoMno, para moldar e reforçar as estruturas nacionais do poder de uma maneira que aumenta a distância que separa os «informadores» dos «informados».

Por quem é estruturada a informação?

Neste contexto, não estou a pensar apenas nos países e m desen­volvimento em que os problemas adquirem frequentemente tais dimensões que se impõem facilmente à nossa atenção como imagem ¡ampliada dos nossos.

Os conhecimentos que acumulámos sistematicamente durante séculos são rigorosamente organizados em sectores, e m disci­plinas—que defendem o seu território pelo menos tão obsti­nadamente quanto os Estados nacionais defendem o seu, edifi­cando barreiras culturais e linguísticas de uma terrível eficácia. Todas estas disciplinas são dominadas por estruturas hierárqui­cas que não permitem qualquer dúvida ¡sobre a identidade dos «pontífices» detentores da última verdade. Ê necessário per­correr u m caminho árduo e semeado de obstáculos para trans­por as etapas que podem conduzir a este pontificado.

Trata-se de u m fenómeno de alcance internacional, e é também nos países em desenvolvimento que os seus efeitos são mais claramente observáveis. Cedo ou tarde, os investi-

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Kjell Eide

gadores destes países encontram-se perante u m a opção precisa : devem empenhar-se e m ser admitidos na comunidade interna­cional dos investigadores na base dos critérios por esta (fixados, ou devem dedicar-se à investigação de soluções para o® proble­m a s essenciais do seu país? Estas duas ambições são frequen­temente incompatíveis: é necessário optar. Neste aspecto, a maior parte dos países e m desenvolvimento tem u m a ¡política sem ambiguidades: sentem-se obrigados a criar u m a elite que possa integrar-se na comunidade internacional dos investiga­dores. Ê por isso que os investigadores não se poupam a esforços para adquirir u m valor mercantil no seio desta comunidade. Falasse muito do «êxodo das competências», da emigração dos investigadores dos países e m desenvolvimento para os países industrializados. M a s outra forma deste fenómeno teve con­sequências mais graves: o facto de os investigadores que fica­ram terem acabado por se desinteressar do seu país e dos seus problemas.

O conhecimento é u m a fonte de poder porque pode ser explorado. Verificamos também, nas nossas sociedades, que o estatuto de perito legitima cada vez mais as posições de força, que implica o direito de tomar decisões que têm inci­dências profundas sobre outros. Este poder inscreve-se nos nossos sistemas de administração pública e privada. Pretende relegar os generalistas para o nível inferior da hierarquia profissional. Esta observação é válida para os profissionais quotidianamente confrontados com problemas concretos na prática e também para os políticos, obrigados a representar a comunidade dos profanos.

Existem, e m muitos domínios, numerosos exemplos desta situação. 'Citarei apenas u m , que se refere ao ensino na A m é ­rica do Norte, onde esta situação é levada ao exagero. A espe­cialização constitui u m a regra, m e s m o nas escodas mais ele­mentares. Todos (excepto os alunos) são especialistas e se cingem a u m departamento distinto, conforme a sua especia­lidade. Os alunos passam o tempo a correr de u m departamento para outro, para as diversas matérias de ensino e outras ques­tões, quer se trate de orientação, de higiene, de problemas sociais, de dislexia, de disgrafia, de trabalho e m laboratório, de língua, de centros de informação, etc, Q u e m não puder tornar-se especialista de nenhuma matéria, poderá pelo- menos sê4o do ensino da língua materna no quarto ano de estudos. A educação da criança encontra-se partida e m ¡rodelas e nenhum especialista assume a responsabilidade de mais do que u m a rodela. Este género de escola reúne, todas as semanas, parto de vinte especialistas adultos diferentes e cerca de 200 alunos, sem quaisquer ligações. Por vezes, interrogamo-nos quanto ao facto de saber se, nestes estabelecimentos, não deveria existir alguém que contactasse comi a criança, considerada na sua totalidade de pessoa. Assim nasceu a ideia de convidar as mães

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A educação e a comunicação numa perspectiva de futuro

dos alunos para virem à escola assegurar contactos com as crianças e proporcionar4hes u m pouco die calor humano, natu­ralmente a título gratuito ou auferindo uma remuneração' módica.

Este sistema, graças a todos os seus especialistas, permi­tirá, evidentemente, acumular uma enorme soma de dados soibre cada aluno, devidamente memorizados pelo ordenador. Esta operação é necessária, pois estimate eim 1500 alunos a lotação optimal da escola, se pretendemos dotá-la de uma equipa adequada de especialistas. Ora, curiosamente, ©sita enorme soma de informações não parece constituir a base de uma ©omiimicacão real. A solução lógica na óptica adoptada consistiria, eviden­temente, em criar u m departamento distinto de especialistas da comunicação com os alunos, mas permitimo-nos duvidar de que esta iniciativa pudesse resolver o problema.

Algumas das características desta situação encontriam-se na maior parte dos domínios de actividade organizada nas nossas sociedades. Poderíamos citar, por exemplo, os resulta­dos de u m grande inquérito, efectuado nos hospitais de Ingla­terra, há dez anos. Estudava^se, em particular, a frequência das questões formuladas pelos doentes ao pessoal médico de cada hospital. Comparando a parte dos hospitais — u m terço — em que os doentes colocavam menos questões, com a parte — também u m terço— em que os doentes formulavam mais frequentemente questões, verificou-se que, no primeiro caso se levou mais tempo (mais cinquenta por cento) a tratar de doentes atingidos pela mesma doença. Imaginanse a enorme diferença que daí pode resultar para as despesas públicas.

Estes exemplos requerem várias reflexões. Estamos a pen­sar, por exemplo, na teoria moderna das organizações, e, em especial, na sua variante designada por «teoria que serve para todas as organizações» e que pretende que estas não' só sejam confrontadas com uma série de problemas exigindo soluções, como ainda que existam, em cada uma delas, numerosas solu­ções destinadas a ser aplicadas aos problemas apropriados. Por outras palavras, as organizações dispõem de uma série de especialistas cujo estatuto e poderes se apoiam no mono^ pólio — ferozmente protegido — que detêm do domínio de certas técnicas. Mas 'estas técnicas devem ser aplicadas, e só então a realidade é manipulada e adaptada àquelas de que dispomos.

Devemos, pois, felicitar-nos, por exemplo, por o Sindicato norueguês das indústrias metalúrgicas ter obtido não só o direito de negociar a aplicação nas fábricas de novos sistemas de controlo, de planificação e de informação, e também por estes sistemas serem apresentados aos trabalhadores numa linguagem que eles compreendem. Desejosos de provar que este modo de apresentação era realizável, o sindicato decidiu

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«traduzir» e m linguagem quotidiana, a exposição de alguns dos sistemas de controlo e de planificação mais utilizado®. Esta operação revelou-se não só realizável, como permitiu descobrir a inanidade de grande parte da gíria profissional hermética utilizada neste domínio.

D e modo mais geral, interessa notar que as imensas pos­sibilidades de comunicação proporcionadas pelo tratamento electrónico da informação são geralmente exploradas de u m a maneira que conduz à redução da comunicação entre O' perito e o cliente ou entre os que comandam e os que são comandados, e m vez de a desenvolver. É necessário que os clientes tenham a possibilidade de pôr em causa a informação proposita ou de avaliar as suas intenções, e de realizar, efectivamente, u m a opção entre as informações disponíveis. O que sublinha clara­mente que, e m matéria de comunicação, a questão essencial não é a da soma de informações armazenadas e do local e m que se encontram, m a s a de saber a quem chega a informação e quem a domina.

Os problemas desta categoria colocanuse igualmente a outro nível. Existe e m todas as organizações u m a estruturação sis­temática da informação que circula de cima para baixo e de baixo para cima entre os escalões da hierarquia. Consideranse cada vez mais geralmente que estas correntes oficializadas da informação constituem as únicas bases legítimas das decisões. Até agora, as entidades a quem compete decidir, como os polí­ticos, podiam igualmente basear os seus julgamentos e m outras correntes de informação activas m a s não oficializadas, ema­nando de organizações, dos media de massa e das redes infor­mais de contactos. Verifica-se actualmente que estes fluxos externos são cada vez mais considerados como desprovidos de interesse, de valor profissional e de legitimidade. Só cor­rentes de informação internas, devidamente estruturadas, deve­riam ser consideradas para fundamentar as decisões. Esta tecnocratização da comunicação requer u m a transformação radical da estrutura do poder na maior parte dos sectores das nossas sociedades.

Insisto e m sublinhar que, embora os meus exemplos sejam quase todos retirados de organizações manifestamente buro­cratizadas, se produzem fenómenos análogos e m outros sectores. Verificam^se nas empresas de produção que têm u m a incidência decisiva sobre as nossas condições de vida. Encontranuse e m grandes organizações que imitam as estruturas burocráticas das empresas comerciais e dos grandes serviços públicos. Obser-vam-se e m media de massa, submetidos a critérios estreitos fixados por razões comerciais e que se introduzem igualmente, pensamos, em meios de grande informação. Observairu-se, final­mente, na vida cultural, onde a hierarquia informal do pres­tígio pode suscitar pontífices tão autoritários como os dos

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meios universitários. Mais uma vez, a questão-chave não reside no grau de informação formal, mas na natureza da comuni­cação que se instaura-

Os modos de aprendizagem

Regressemos, por momentos, à noção de aprendizagem. Segundo uma teoria elementar —talvez demasiado elementar— da ajprendiziagem,, esta pode efectu;ar-se essencialmente de três maneiras: por imMação— os alunos imitam o professor por­que, assiim, podem obter recompensas, ou, pelo menos, escapar a punições; por identificação — os alunos esíforçam-se por se assemelhar ao professor como pessoa, apoderíando-se do seu sistema de valores para fundamentar as suas acções; por interiorização — os alunos consideram o professor como u m auxiliar para os esforços que desenvolvem no sentido de encon­trar soluções para os seus problemas, embora a «resposta» decorra de si mesmos. É esta última forma de aprendizagem que associamos ao ensino ideal de «emancipação» ou de «liber­tação». Por outro lado, o doutrinamento e a manipulação encontram-®e ligados às duas primeiras formas de aprendi­zagem.

Se estendermos estas observações a ¡todo o domínio da comunicação, a questão-chave transiorma-ise na da repartição do poder entre os parceiros. Neste aspecto, existem seme­lhanças surpreendentes entre os sistemas, a diferentes níveis. N a teoria geral do desenvolvimento, considerasse indispensável que os países em desenvolvimento, confrontados com os mesmos problemas, comuniquem mais entre si, em vez de serem tribu­tários bilateralmente de países industriais dominadores. N a teoria das organizações, considerasse primordial não atribuir a maior importância à comunicação vertical entre os diferentes níveis no seio de uma organização, favorecendo a comunicação horizontal entre os elementos do mesmo nível, embora se dis­torçam, assim, os princípios tradicionais da organização buro­crática. Quanto ao ensino, inquéritos mostraram que as inter­acções entre os alunos constituem, talvez, o elemento mais importante da situação de aprendizagem e que têm certamente mais peso do que as relações entre professores e alunos. Nos estabelecimentos que dispensam cuidados médicos, observa-se também u m novo interesse por uma interacção activa entre doentes, unicamente a partir da simples comunicação entre o especialista e o seu paciente.

Sendo assim, verificasse que todos os modos de organiza­ção que nos rodeiam se escudam solidamente atrás dei uma tradição que pretende que a comunicação vertical seja a única a dar frutos, consaderamdoHse a comunicação' horizontal, na melhor das hipóteses, como u m factor de perturbação estri­tamente interdito em muitos casos.

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Kjeli Eide

Seria interessante estudar concretamente e m qu© medidla as correntes actuais de comunicação das nossas sociedades se orientam vertical ou horizontalmente nas hierarquias formais ou informais dos diferentes sectores. T a m b é m valeria a pena verificar a hipótese segundo a qual a comunicação vertical absorve cada vez mais os recursos limitados de que o indivíduo dispõe e m ¡matéria de comunicação.

A s ligações com a teoria da aprendizagem deveriam surgir de m o d o evidente. A comunicação «emancipadora» exige u m certo equilíbrio do poder entre os participantes. Se conside­rarmos a comunicação como u m a forma de contacto entre os indivíduos e os 'grupos, poderemos desenvolver, neste domí­nio, u m a teoria significante da exploração, m e s m o que seja necessário ultrapassar o âmbito da teoria marxista clássica. A tese segundo a qual a exploração económica é relativamente limitada nos países nórdicos parece-ine defensável. Por outro lado, a exploração assume u m a importância capital, e talvez crescente, no domínio da comunicação. C o m o no caso das .trocas económicas, a exploração é particularmente acentuada quando o parceiro mais forte pode impor ao mais fraco os seus crité­rios de apreciação dos valores. Os africanos aprenderam rapi­damente, no passado, que o ouro era u m produto precioso e que as missangas não valiam quase nada. Quando o par­ceiro mais fraco adopta os valores do mais forte, torna-se sempre possível estabelecer contactos razoáveis pela via da comunicação.,

Modificações realizáveis nas estruturas do poder

A dominação dos meios de comunicação, a sua forma e con­teúdo constituiu sempre u m instrumento essencial de poder e deu muitas vezes lugar, ao longo da História, a conflitos espectaculares. A abundância da informação não conduz neces­sariamente à modificação radical desta situação. Enquanto a. participação do indivíduo na comunicação for limitada, as forças no poder limitam-se a controlar a selecção e a estru­turação da informação. M a s as situações podem ser radical-miente diferentes, consoante o agente que exerce o poder real.

Podemos examinar várias possibilidades principais de evo­lução futura das estruturas do poder nos domínios aqui estu­dados. Podemos conceber u m a evolução para u m a programação central rigorosa dos diversos: sistemas examinados, Ê óbvio que devem manter-se certas tradições dos nossos serviços centrais do ensino, fomentando ao m e s m o tempo maior inter­venção da tecnologia da educação e dos sistemas de gestão por objectivo e orçamentos-programas. Resta saber quem de­terá o poder real nestas organizações centralizadas. N ã o há qualquer certeza de que sejam as autoridades políticas centrais.

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A educação e a comunicação numa perspectiva de futuro

Ele poderia residir, afinal, aos níveis superiores da hierarquia dos peritos ou da hierarquia da organização. Poderíamos pen­sar n u m a fusão progressiva dos níveis superiores tradicionais das diferentes hierarquias, que descobririam interesses comuns.

Poderíamos ainda pensar n u m a tendência para u m a des­centralização conducente à criação de meios institucionais dominados por grupos profissionais que se protegeriam do ambiente institucional graças a privilégios concedidos pelo poder central. T a m b é m neste caso é lícito, perguntar e m que medida esta situação implicaria u m a verdadeira descentra­lização. Ê perfeitamente possível que o poder real se situe ao nível de pontífices da profissão ou da organização.

Outro tipo de orientação poderia comportar u m controlo muito mais rigoroso das organizações e das instituições pelas forças que dominam as comunidades locais, o que talvez tivesse o efeito de acentuar consideravelmente as disparidades locais das noissas sociedades. Se as políticas do poder central permi­tirem compensar a desigualdade dos recursos locais, poderemos assegurar u m a maior igualdade, tendo e m conta a diversidade dos facores que actuam no plano local. M a s é necessárioi assu­mir a ideia de que u m indivíduo pode experimentar mais dificuldades e m se submeter a u m a tirania local do que a u m controlo do poder central exercido à distância.

Finalmente, podemos imaginar u m reforço do controlo pelo «utente» ou «cliente», o que tornaria o papel dos peritos mais próximo de u m a verdadeira função de serviço. EnicontrarHnos--íamos, então, certamente menos afastados das pré-requisito® do que designei por comunicação emancipadora. M a s devemos pensar que, se os «utentes» puderam organizar os poderes conquistados, as possibilidades de escolha do indivíduo se re­duzirão.

N ã o m e arriscarei a predizer qual destas orientações domi­nará a evolução futura das nossas sociedades. Talvez possamos admitir que se manterá u m certo elemento de pluralismo e que nenhum dos modelos citados de repartição dos poderes acima indicados prevalecerá sem alterações. M a s estou convencido de que a estrutura do poder que emergirá no futuro contri­buirá, mais do que qualquer outro factor, para determinar os caracteres gerais das sociedades futuras.

Trata-se de opções políticas fundamentais, e as condições tecnológicas terão poucas incidências sobre elas. A ideia cor­rente segundo a qual o progresso tecnológico é, e m última análise, o factor decisivo, reflecte simplesmente a nossa impo­tência para examinar e organizar as opções oferecidas e para descobrir as consequências inevitáveis. Parece-me ser este o desafio essencial que a investigação e a reflexão políticas deve­rão enfrentar neste domínio.

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Posições / Controvérsias

Reflexões sobre o ensino

da geografia Jean Dresch

Tanto para os alunos do ensino primário ou secundário coimo para os estudantes do ensino superior, ou até para o grande público, a Geografia é u m a disciplina ambígua. Esta é tam­bém a opinião dos geógrafos. Ciência da natureza? C o m efeito, fazem parte da Geografia Física os estudos do relevo do solo (a geomorfelogia), do clima (a climatologia), das águas con­tinentais ou marinhas (a hidrologia), dos solos, da vegetação e dos animais (a biogeografia), embora estas ciências possam ser objecto de investigações de outros cientistas. Ciência hu­mana? ou social? ou económica? visto que o geógrafo estuda a população, os campos e a agricultura, as cidades e a indústria, os serviços, os meios de transporte, as produções, etc., embora estes estudos possam ser reivindicados, por sua vez, por outras Ciências Sociais. A Geografia não possuirá, então, objecto próprio? E qual a relação entre a Geografia Física, ciência da natureza, e a Geografia Humana , ciência social?

Este questões determinam discussões e crises respeitantes aos conceitos e método© entre os professores e os estudantes das universidades e entre os investigadores. M a s interessam também ao grande público saído> das escolas primárias e secun­dárias, assim como1 ao® próprios alunos, professores e admi­nistradores do ensino, que não sabem muito b e m como tratar a Geografia no ensino primário e secundário. E m certos países, a Geografia não é ensinada, ou só o é na escola primária, ou representa u m a matéria de opção, ou é ensinada juntamente com outras disciplinas por u m professor que não recebeu for­mação especial, ou é preferencialmente associada a u m a delas, à História, por exemplo, como e m França, ou às Ciências Sociais, ou, finalmente, é fragmentada, confundindo-se a Geografia Física com as Ciências Naturais e a Geografia H u m a n a com as outras ciências ditas humanas. E o m e s m o sucede no ensino superior. A Geografia é ensinada e m Faculdades de «Filosofia» e a Geografia Física desprezada; em outros países, as Facul­dades ou Institutos de Geografia interessam-se mais pela Geo-

Jean Dresch (França). Antigo director do Instituto de Geografia da Universidade de Paris e do Serviço de Documentação Cartográfica e Geográfica do CNRS; antigo presidente da União Geográfica Internacional; antigo professor na Sorbonne. Actualmente ê professor titular na Universidade de Paris VII. Autor de inúmeras publicações, essencialmente da sua especialidade.

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Jean Drosch

grafia Física, na U R S S , por exemplo, ou, pelo contrario, pela Geografia H u m a n a , quando não são ensinadas e m estabeleci­mentos diferentes.

Nos programas de ensino primário e secundário reencon­tramos a m e s m a ambiguidade. E m certos países, o ensino consiste e m encher a cabeça dos alunos, mais ou menos con­soante as idades, de dados sobre o relevo, o clima, os rios, a vegetação, as populações, a agricultura, a indústria, as cidades e as produções : acumulam-se nomes e números. O aluno, ao terminar os estudos, é obrigado a saber tudo o que inte­ressa à terra e m que vive, na sua totalidade. O estudo da Geografia representa u m exercício de memória. A o pretender dar a volta ao mundo, a Geografia transforma-se n u m a enci­clopédia : o aluno desinteressa-se, não aprende o<u simplesmente esquece. Era, e infelizmente ainda é, o que acontece e m França, onde, no entanto, o francês médio tem fama de não> saber Geo­grafia, isto é, de não saber localizar os países ou as cidades. Ê para evitar este ensino enciclopédico que, e m muitos países, a Geografia é integrada nas Ciências Sociais e na História, pelo menos nas classes superiores, onde se procura apresentar o «meio», mais humano do que físico1, na sua complexidade.

E m suma, a Geografia parece procurar, e m quase todos os países, a sua identidade — pelo menos no> ensino primário e secundário — e, consequentemente, entre o público' que só a conhece através das suas recordações de escola. Simultanea­mente ciência da natureza pela sua orientação física, ciência social pela sua orientação humana, insere-se dificilmente, não só na classificação académica das ciências, m a s também nos modos de pensamento a que todos nós estamos habituados. Consider a-se que u m a disciplina «séria» não pode ter orien­tações científicas tão variadas, tão divergentes, sem se con­denar a retirar os seus dados, os seus conceitos e o© seus métodos de oiutras ciências das quais se torna dependente, sem se reduzir a u m catálogo classificativo', sem se desligar da prática e da vida. Perderia a sua utilidade.

D e resto, foi assim que surgiu, no século xix, nos progra­m a s escolares dos países hoje chamados desenvolvidos. A bur­guesia investia nas indústrias, organizava o< seu sistema ban­cário, procurava recursos e mercados nãoi só no território nacional, mas também e m todos os continentes cuja descoberta então se completava, estabelecia a sua dominação, directa ou indirecta, e m impérios coloniais, repartindo o mundo. Assim como as Sociedades de Geografia organizavam expedições a terras desconhecidas e divulgavam os seus resultados, tam­bém as crianças deviam ser iniciadas no poderio nacional, nos progressos da expansão além-mar, e até nas rivalidades inter­nacionais que daí resultavam. M a s tratavajse de u m a atestação, para glória dos exploradores, dos conquistadores, dos homens de negócios, dos missionários que levavam a «cultura» a países

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Reflexões sobre o ensino da geografia

considerados selvagens ou primitivos, a regiões e m que a flo­resta virgem, as savanas povoadas por animais temíveis, os desertos sem esperanças, ou até as extensões geladas das terras árcticas dotavam de imagens heróicas 01 espírito do ¡bom público e dos alunos. Esta Geografia fazia parte da cultura geral do jovem burguês que se preparava para participar na aventura. Proporcionava-lhe os conhecimentos que lhe permitiriam situar os acontecimentos assinalados pela imprensa. N ã o lhe conferia nenhuma formação susceptível de ser utilizada, mais tarde, na aquisição de u m ofício, exceptuando, talvez, o de professor.

Depois da Primeira Guerra Mundial, esta Geografia descri­tiva, analítica, passiva na aceitação dos dado® fornecidos, e m grande parte, pelas outras disciplinas e pela ideologia oficial ainda se mantinha nos diversos países, tanto mais que na U R S S a Geografia era orientada principalmente para o estudo do meio natural, de acordo com u m a velha tradição da Geo­grafia russa. A o sublinhar, nas escolas, as relações entre' os fenómenos naturais e os modos de ocupação do solo, de orga­nização económica e social, o professor conduzia os alunos a u m determinismo prejudicial aos países tropicais (demasiado quen­tes, demasiado húmidos ou demasiado secos, difíceis e insa­lubres) , e aos países frios, a u m pessimismo passivo- que expli­cava a superioridade das regiões temperadas e legitimava o sistema colonial e os imperialismo®, a dominação branca. Esta legitimação podia conduzir, como bem sabemos, ao racismo, ou até ao fascismo. Assim, a concepção de Geografia adoptada no ensino era estática. O aluno aprendia os dados estáveis que permitem definir as formas do relevo ligadas a estruturas geológicas adquiridas, a dinâmicas próprias de cada zona bio* climática cuidadosamente definidas por meio de médias, pre-cisar os caracteres originais das regiões geográficas, conhe­cidas principalmente como regiões naturais a que o h o m e m tinha sabido adaptar-se e m função das suas técnicas e das suas civilizações. O s conceitos de paisagem, de região, de organi­zação do espaço podiam variar, como é evidente, consoante o país ou a universidade e ser objecto de discussões que opunham «escolas» nos congressos internacionais! o nível do ensino primário e secundário, a Geografia era u m a descrição do mundo sem problemas e sem angústias. N ã o existia ainda a preocupação dos recurso® naturais cuja repartição e cujo mercado conferiam toda a segurança aos países industrializados. T a m b é m ninguém se inquietava c o m o crescimento^ da popu­lação dos países colonizados. A mortalidade infantil começava a diminuir, as grandes calamidades, epidemias principais, ende­mias, fomes, etc., eram cada vez mais controladas. Que melhor testemunho dos benefícios da civilização... ocidental?

Foi depois da crise dos fascismos e da Segunda Guerra Mundial, depois do acesso à independência política das coló­nias, da extensão das economias de consumo e da aceleração

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Jean Dresch

dos progressos técnicos, pelo menos nos países desenvolvidos, face aos contrastes entre estes países e aqueles que nos habi­tuámos a incluir no Terceiro Mundo, foi em. meados do século que começaram a surgir as inquietações. Coin© pode esta inquietação manifestar-se no ensino? A Geografía parece ser a disciplina escolar mais apta a despertar o espirito e a curio­sidade das crianças para o mundo actual e os problemas de amanhã. D e resto, podemos admitir que a criança desenvol­vida é muito mais integrada na vida colectiva, nacional ou internacional, do que acontecia como os pais, ou, mais ainda, com os avós. Os mass media atingem-na, o cinema e a televisão multiplicam as imagens do mundo, as férias, as revistas infan­tis, os desportos constituem igualmente reflexos desta situação. Certamente que ainda se trata de u m a minoria entre as crianças do universo e, m e s m o nos países desenvolvidos, não podemos pretender que a abertura para o mundo seja igual para todos. É por esta razão que a Geografia pode constituir u m enoirme contributo, na medida e m que, evidentemente, as crianças se encontrem escolarizadas.

C o m efeito, é ou deveria ser este o seu papel. Assim, e m muitos países «desenvolvidos» e, por conseguinte, e m países do Terceiro Mundo (na medida e m que utilizam ainda manuais dos países desenvolvidos, quando não os imitam), o manual procura, por meio das imagens das fotografias e dos mapas, mostrar a diversidade das paisagens mundiais. A imagem acaba, muitas vezes, por ocupar mais espaço: do que o< ¡texto... Pelo menos, é lícito pensar que os acontecimentos dos últimos 'decé­nios contribuíram para eliminar as barreiras entre as discipli­nas, que explicavam, antes da guerra, as ambiguidades do ensino da Geografia. A divisão entre ciências exactas ou natu­rais e ciências humanas torna-se cada vez mais formal, u m a vez que tanto a Matemática — c o m os métodos estatítiscos e quantitativos — como a Informática são utilizadas por todas as ciências. E se, outrora, a Geografia não podia ser classi­ficada como as outras ciências por ser simultaneamente física e humana, descobriu-se recentemente que a distinção entre ciências físicas e humanas, rigorosamente estabelecida nas escolas, nas universidades e nos organismos de investigação, se justifica cada vez menos na sua rigidez tradicional.

A nossa bela terra, a sua atmosfera, a sua litosfera, a sua biosfera e a sua hidrosfera, os seus recursos naturais não são exploráveis pelo h o m e m à discrição. Desde a época, pouco lon­gínqua na história humana — mais ou menos dez mil anos — e m que o h o m e m começou a cultivar a terra e a domesticar animais e m diversos pontos do Globo, foi ocupando progres­sivamente, transformándola, u m a parte importante da super­fície dos continentes —não toda a superfície— e a trans­formação era mais ou menos profunda em função das técnicas utilizadas. Ê o estudo desta ocupação e desta transformação

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Reflexões sobre o ensino da geografia

do ¡espaço, do espaço natural e do espaço habitado, transfor­mado, que constitui o objecto da Geografia: a extraordinária aventura, única no sistema solar, da terra e m transformação há 3,5 biliões de anos e na qual o homem, há 3 milhões de anos, vive u m instante, à escala dos tempos geológicos. Esten­deu a sua dominação ao mundo praticando modos de produção, estabelecendo relações entre as suas formas de organização social e os recursos naturais, sobrepondo às paisagens naturais paisagens humanizadas surpreendentemente variadas. Nos úl­timos decénios tem elaborado técnicas de tal modo poderosas que as «aventuras» humanas regionalizadas se tornam unifor­mes, que os equilíbrios, sempre instáveis, entre as condições naturais e os seus modos de produção são destruídos, ou correm o risco de o ser, que as colectividades humanas e, com elas, o imundo vivo, são ameaçados de catástrofe.

Antigamente, os alunos podiam contentar-se com; uma Geo-grafia-idescrição satisfeita pelos recurso® naturais e pela diver­sidade das paisagens humanizadas. Ela povoava os seus espí­ritos. A maior parte dos jovens estavam condenados a viver numa região limitada do mundo, pois as outras regiões eram muito longínquas antes do avião e da invenção dos meios modernos de comunicação. Não se sentiam atingidos pelos acontecimentos vividos pelos antípodas, nem os rurais colo­nizados pelo que se passava longe dos horizontes familiares da sua aldeia. Além disso, quer se interessassem quer não pela Geografia, o seu futuro em nada se alterava, ao con­trário do que sucedia com a formação na sua língua nacional — ou em línguas estrangeiras— em Matemática, Física ou Química. Actualmente, já não é possível admitir u m ensino que não desperte o espírito não só para os problemas da colec­tividade regional e nacional a que pertence, mas também para os problemas internacionais que podem ser determinantes para o seu futuro: relações internacionais, políticas e económicas, conservação, exploração, repartição dos recursos naturais, mer­cados e consumo, etc. Devem saber que 01 seu futuro não pode desligasse do dos outros alunos de todas as escolas do mundo.

Importa, pois, que a Geografia informe e obrigue a reflec­tir sobre as relações entre os dados das Ciências da Natureza e das Ciências Humanas, Etnosisocioloigia, Economia, História. E m função da idade e do avanço nos estudos, os alunos podem, aprender através da Geografia porque existem, montanhas e países planos, países quentes e frios, húmidos e áridos onde os homens não organizam a sua vida da mesma maneira, solos que a acção humana transforma, bem como as coberturas vegetais e os animais, bicenoses e ecossistemas repartidos pelo espaço com uma precisão que se torna -necessário respeitar; porque contêm os continentes e os oceanos recursos que são limitados, sobretudo os não renováveis; como os utiliza o homem em função das suas técnicas modificando o meio natural — ou

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Jean Dresch

o ambiente; por que técnicas e por que razões económicas ou sociais acontece que os desperdice ou destrua, polua a sua preciosa atmosfera, as suas águas continentais e marinhas não menos indispensáveis à existência de todos os seres vivos; que relações existem entre u m a população humana que duplica todos os trinta e cinco anos — muito desigualmente consoante as regiões e, sobretudo, consoante são ricas ou pobres—e os seus recursos, a sua exploração, a sua gestão; que tensões entre as regiões, os Estados, os continentes resultam destas1

desigualdades na ocupação de u m espaço tão diverso, no domí­nio ou no controlo dos recursos, no número de calorias con­sumidas diariamente, no produto interno bruto e na sua repar­tição entre os habitantes de u m Estado-, nos preços dos pro­dutos trocados, nas condições de vida que encaminham os rurais para as cidades, os trabalhadores dos países pobres para a procura de trabalho, de esperança, e m países longínquos. Para não falar do comércio de armas e dos desequilíbrios do terror.

N ã o se trata apenas de simples curiosidade intelectual. Trata-se do destino de todos nós: o ensino da Geografia não pode deixar o aluno indiferente, frio, neutro. Se consegue, con­soante as idades, suscitar a compreensão, deveria —testemunho do seu sucesso — provocar a simpatia pelos animais, pelas plantas, pelas paisagens naturais, o respeito por tudo O' que está vivo, a preocupação de não contribuir para a destruição, para a conspurcação dos extraordinários ecossistemas terres­tres de que o h o m e m faz parte, intimamente. E também sim­patia pelo h o m e m , sejam quais f oirem a sua classe, cor e cultura : u m estudante ao terminar os seus estudos, não deveria ser racista, e a condenação de determinados sistemas socioeconó­micos ou políticos não deveria inspirar ódio n e m violência. Juntamente com os outros ensinos, m a s privilegiado pelo seu objecto, o da Geografia deveria contribuir para a formação moral dos alunos.

Ensino difícil. Agora, que aflora à consciência pública a relação dramática entre natureza e acção humana, é neces­sário que o aluno possua alguma ideia sobre os relevos e os climas, os rios e os mares, os solos e a vegetação, este patri-mínio a ordenar, e também sobre as populações, os modos de produção, as agriculturas e as indústrias, os campos e as cidades, as produções, etc. E encontramonnos novamente perante a geografia total, enciclopédica, exercício de memória! Porque não aprender, e m França, os números dos códigos departa­mentais como se aprendiam, antigamente, os nomes dos depar­tamentos c o m as suas prefeituras e subprefeiíturas? Pode ser útil, m a s não se trata de geografia. O s ¡meios audiovisuais e os mass media abalaram as condições do contacto entre a criança e o mundo , sem que, no entanto, os métodos pedagógicos tenham sido profundamente transformados. O s manuais enriqueceram-nse com imagens, fotografias, mapas, gráficos, muitas vezes

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Reflexões sobre o ensino da geografia

coloridos, com prejuízo do texto. De facto, importa que o aluno disponha de mapas, de u m atlas, para localizar os dados, os nomes e os números de que ouve falar. A fotografia é sempre insuficiente para mostrar os caracteres originais e a diversi­dade das paisagens, para suscitar a sua compreensão, despertar questões. Mas a criança dos nossos dias, a dos países desen­volvidos, pelo menos a das cidades, vive num mundo de imagens, apresentadas pelo cinema, a televisão, as revistas e os jornais, as bandas desenhadas, os cartazes e os prospectos. Infeliz­mente, o professor de Geografia não intervém na televisão, nem em qualquer outro meio de comunicação. O grande pro­fessor de Geografia é, nos nossos dias, o enviado especial, o repórter que vai fotografar, entrevistar, comentar qualquer parcela da superfície do Globo quando se produz u m aconte­cimento sensacional, tremor de terra, inundação, guerra, viagem presidencial ou ministerial, e também inquéritos, expedições a países longínquos, etc. Mas que esta visão permanente do mundo seja apresentada segundo as melhores regras do método geográfico, já é caso para duvidar ou lamentar. Assim, devemos desejar que o professor possa dispor de material, como mapas, diapositivos, filmes, fotografias, livros que lhe permitam sus­citar curiosidade, inteligência e simpatia. Mas também é neces­sário que tenha recebido uma formação adequada.

É possível conceber u m ensino da Geografia não só tecni­camente melhorado em estabelecimentos dotados de meios, mas também que se liberte da escola, combinado com programas de televisão e de cinema, com a publicação de jornais, de revis­tas e de livros. A escola é, como a universidade, u m meio1

fechado em que, para formar o espírito da criança em paz, esta é encerrada durante várias horas por dia, entre quatro paredes. É evidente que u m professor dotado de material esco­lar pode habituar, treinar a criança na observação, no comen­tário de u m mapa, de uma imagem, de toda a espécie de documentos, reflexos artificiais da vida. A natureza e as acti­vidades humanas não são essencialmente conceitos abstractos e a sua concaptualização e a das suas relações, a análise dos siste­mas, dos ecossistemas e dos sistemas económicos, sociais e polí­ticos só são possíveis mas classes superiores e só são válidas se o aluno tiver previamente aprendido a observar, e se tiver sentido necessidade de abandonar a passividade adquirida ao ritmo dos hábitos quotidianos, de olhar, de observar, de interrogar, de se interrogar sobre o espectáculo da vida. A aprendizagem da Geografia deveria realizar-se, pelo menos parcialmente, fora das paredes da escola, no mundo vivo, no campo, com a sua terra, com as suas plantas, com os seus animais, com os seus camponeses, ou na cidade, no iprédio, na rua, na oficina, no mercado. A compreensão, a simpatia, não se aprendem bem nos livres, Só se aprendem verdadeiramente em contacto directo com os outros.

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Jean Dresch

Talvez se possa considerar esta concepção do ensino da Geografia razoavelmente irrealista. A tarefa do professor é ¡pesada, sejam quais forem os meios à sua disposição; a dos pais tamibém não é desprezível, pois prolonga a acção do pro­fessor, sem que a criança se chegue a aperceber. M a s , se, no decorrer do próximo século, o h o m e m conseguir delapidar o® recursos naturais de que julga disipar a ponto de não lhe ser possível satisfazer as suas necessidades sempre crescentes, se a diferença entre ricos e pobres, entre barrigas vazias e bar­rigas cheias aumentar a ponto de multiplicar as tensões e os conflitos, como despertar a consciência dos alunos, se estes dispuserem unicamente de capítulos do livro para fixar, se o rico não conhecer o pobre, se o pobre permanecer sem u m a esperança precisa de u m a vida melhor?

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Olivier Beboul

O educador e os «slogans»

O termo «slogan» é pejorativo; nenhum 'homem, nenhum par­tido se lembra de dizer «o meu slogan». De resto, pertence ao domínio da publicidade e da propaganda política. Parece incon­gruente, portanto, falar de «slogans» a proposito do discurso pedagógico, ou seja, do conjunto das reflexões dos educadores sobre a sua própria prática. Fórmulas como: «Só lamento não ter conhecido mais cedo a Escola universal», ou: «Instruir-se é enriquecer» são «slogans», mas não são pedagógicos; não são mais do que «reclames».

N o entanto, os «slogans» mais reais, isto é, mais eficazes e mais perigosos, não são necessariamente os mais evidentes, pelo contrário; são os que dissimulam melhor a sua natureza de «slogans». Por outro lado, a linguagem da educação não é unicamente descritiva, é incitante e polémica; todas as teorias pedagógicas procuram impor-ise por oposição a outras teorias; miais profundamente, a educação é motivo de conflito de pode­res, u m conflito que não é, portanto, simplesmente pedagógico, mas, no sentido mais amplo do termo, político. Não surpreende, pois, que encontremos «slogans» neste domínio, e até, talvez, em maior número do que em outros.

«Slogan», chavão, palavra-choque

O que é u m «slogan» ? «fi uma fórmula concisa e convincente», diz o Robert. Trata-se, pois, de uma fórmula cuja função não consiste em informar, esclarecer ou até prescrever, mas e m «impressionar» para provocar a acção. «É proibido fumar» é uma ordem; «É proibido fumar... até mesmo o cigarro X. . .» é u m «slogan». O «slogan» pode ser uma frase, mas pode redu-zúvse a uma simples expressão, a u m sintagma como «Demo­cratizar o ensino» ; «A escola na vida», «Aprender a aprender» ; estas expressões funcionam no discurso pedagógico como pon­tos fortes que mantêm o seu impacte seja qual for o contexto.

Olivier Reboul (França). Especialista em História da Filosofia e em Filosofia da Educação. Professor da Universidade de Estrasburgo. Principais publicações: Kant et le problème du mal, La philosophie de l'éducation, Le slogan. L'endoctrinement.

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Olivier Reboul

Frases como: «Não sou pela escola na vida», «Recusamos demo­cratizar o ensino», «Não têm o direito de ensinar a aprender» voltar-se4am contra o sen autor, que tornavam odioso ou ridí­culo. A principal função do «slogan» consiste em impressionar, função que o termo alemão Schlagwort exprime maravilho­samente.,

A o «slogan» propriamente dito vem juntar-se a palavra-Hchoque; não é uma fórmula, mas é «convincente»; ou antes, não se limita a possuir u m sentido, contém u m poder; e sabe­mos que possui tanto mais poder quando menos sentido contém. Assim, em certos meios pedagógicos, palavras como «cresci­mento», «autonomia», «criatividade» são entendidas desde logo como laudatorias, enquanto outras, como «constrangimento», «reprodução», «modelos», «repressão», «directivo», se apresen­tam como totalmente pejorativas; servem unicamente para estigmatizar. Mas, quem emprega estes termos raramente é capaz de os definir. Como a seguinte anedota testemunha: um monitor de esqui queixava-se a uma mãe das inconveniências do filho: «Não hesite em dar provas da sua autoridade, res-pondeu-lhe ela. — Mas, minha senhora, a nossa pedagogia exclui a autoridade. — Então, dê mostras de firmeza. — Ah, assim estou perfeitamente de acordo. Ê precisamente esse o termo!»

Os chavões, pelo menos os que possuem em si o poder de persuasão, asaemelham-se igualmente aos «slogans». Também são fórmulas concisas e fáceis de repetir: «Mens sana in cor­pore sano», «A cultura é o que resta depois de esquecermos tudo» ; o pensamento é cativado, isto é, torna-se cativo destas expressões de tal modo rígidas que não é possível alterar u m único termo, tal como não é possível mudar u m fonema numa palavra. A única diferença reside no facto de não constituírem fórmulas convincentes; pelo contrário, impõem-se pela sua fami­liaridade. O «slogan» actua pela surpresa que provoca — como o aspecto insólito de «Aprender a aprender» —o chavão pelo sentimento de evidência. Mas, a fronteira não é nítida e todo o «slogan» acaba por se transformar em chavão.

Fixemos o essencial ; o «slogan», a palavra-choque, o chavão não possuem apenas u m sentido, mas também u m poder; poder de unir por ou contra, de persuadir, de justificar uma prática ou de a denunciar. Como explicar este poder ? Penso que se deve à própria natureza do «slogan».

O s caracteres do «slogan» pedagógico

O «slogan» — e permito-me, a partir de agora, utilizar o termo no sentido lato, incluindo a palavra-choque e o chavão — o «slo­gan» encontrasse sempre ao serviço de alguma coisa, O «slogan» pedagógico não está ao serviço de uma firma ou de u m partido político, mas de uma «causa». E é possível classificar os «slo­gans» segundo as causas que servem.

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O educador e os «slogans»

Alguns estão ao serviço de pedagogia tradicional; por exem­plo: «Toda a educação comporta uma parte de adestramento». Outros encontram-se ao serviço da inovação, aquilo que cha­mamos a «educação nova»: «A escola na vida», «Aprender a aprender». Outros, finalmente, estão ao serviço da contestação; contestação política: «A escola ao serviço da ideologia domi­nante», ou contestação propriamente pedagógica: «.Teaching kills learning»; notemos que é ridículo traduzir esta fórmula rogeriana por «O ensino mata a aprendizagem»; seria neces­sário qualquer coisa como: «Ensinar impede de aprender» ; esta dificuldade mostra-nos, de resto, que o «slogan», como o pro­vérbio ou o dito espirituoso, não é, em geral, traduzível.

Mas, seja qual for a sua causa, todas estas fórmulas são «slogans». E é descrevendo o seu carácter que podemos, sem dúvida, explicar o seu poder.

E m primeiro lugar, o «slogan» tende sempre a dissimular-se, a fazer-se passar por uma coisa diferente. O que é ainda mais válido em pedagogia do que em publicidade ou em política, onde é difícil a propaganda não se apresentar como tal. N o discurso pedagógico, estas fórmulas funcionaim como princípios, provas, evidências de facto ou de razão, como tudo o que quisermos excepto «slogans»-

E m segundo lugar, o «slogan» é uma fórmula anónima. O autor de «A cultura é o que resta...» não pensava ter dito algo de tão acertado, pois toda a gente esqueceu o seu nome. De qualquer modo, o anonimato reforça o sentimento de evi­dência criado pelo «slogan»; não exprime o que «determinado indivíduo pensa», mas «o que é».

E m terceiro lugar, o «slogan» é polémico. O termo decorre, de resto, de uma expressão gaélica que significava «grito de guerra de u m clã». Une, mas sempre contra qualquer coisa. Afirma, mas sempre em oposição a outra afirmação. Quando falamos de «crescimento», é para contestar u m a pedagogia autoritária, ou, rigorosamente, qualquer pedagogia; «o que resta quando esquecemos tudo» opõe a cultura à erudição, ou, rigo­rosamente, ao saber. U m «slogan» americano como « W e teach children, not subjects» (ensinamos crianças, e não matérias) é claro quanto ao que contesta, u m ensino que sacrifica a men­talidade dos alunos, as suas necessidades, a sua expectativa, à matéria ensinada; mas é obscuro quanto ao que afirma: é possível ensinar crianças sem lhes ensinar alguma coisa? Poderão opor-me a frase de Joubert: «Platão não ensina nada, mas ensina»; simplesmente, esta fórmula não é u m «slogan»; em vez de ser polémica, é aberta, interroga-nos. O «slogan» existe quando o pensamento é uma arma.

E m quarto lugar, o «slogan» não é necessariamente falso, mesmo em política ou e m publicidade. Mas é necessariamente sumário, tanto no que afirma como no que prescreve. «Quem se instrui, enriquece»: talvez, mas que significa «enriquece»?

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Devemos entendê-lo no sentido próprio, ou metafórico, eu em amabas? «Nao fazer seres normais, mas normativos», diíz-se; mas que significa concretamente «normativos», e por que método se atinge esse ideal?

Finalmente, em quinto lugar, o «slogan» não é, icoino se pensa frequentemente, «oco» ou «desprovido de sienitido»; pre­firo dizer que contém u m excesso de sentido. É , por natureza, ambíguo, isto é, pode assumir sentidos diferentes consoante os locutores ou os públicos. Durante u m congresso na Africa Negra, perguntei a duas professoras do ensino primário se as duas expressões em voga no seu país, «Escola do povo» e «Escola agradável» tinham o mesmo sentido; responderam-me que sim; então, u m funcionário do Ministério da Educação exclamou: «Mas não, camaradas, é muito diferente!»; e, tec­nicamente, ele tinha razão; mas as duas professoras não viam o assunto tecnicamente; para elas, as duas fórmulas represen­tavam a mesma denúncia da escola actual, herdada do colo­nialismo. Observemos que este congresso tinha por tema: «Educação e trabalho produtivo» ; todos os participantes esta­vam de acordo em ligar os dois termos; mas, como entender «trabalho produtivo» ? Para uns, tratavanse de trabalho manual:; para outros, de todo o trabalho gerador de bens, incluindo o dos artistas... ou o dos professores. A própria ligação entre escola e trabalho era, para uns, sinónimo de métodos activos («escola agradável») ; para outros, inspirados no modeloi sovié­tico de escola .politécnica, tratava-se de ligar o ensino à produ­ção; mas como? Transformando a escola numa unidade de produção, ou enviando os alunos para os campos e para a fábrica?

Assim, o «slogan» é autodissimulador, anónimo, polémico, sumário, ambíguo. E , não m e parece que estes traços sejam acidentais, ou antes, que u m «slogan» pudesse deixar ide os apresentar. Constituem a essência do «slogan», são precisa­mente o que explica o seu poder. De facto, derivam todos de u m carácter mais fundamental. Regressemos à definição do Robert: «Uma fórmula concisa e convincente»; já de si, é utn pleonasmo, pois toda a fórmula é «uma expressão concisa» (ibid.). Seria preferível dizer que o «slogan» é não só uma fórmula curta, mas demasiado curta para o que significa; foi o que já designei por «retórica do encurtamento». Seja o «slo­gan», transformado em chavão: «O ensino é u m apostolado»; não é falso; mas a sua concisão torna-o sumário e ambíguo, uma vez que não se precisa se o «apostolado» é real ou meta­fórico; transforma-o num grito de união — «Nós, professores, somos diferentes dos outros» — e num instrumento polémico, numa arma ao serviço da administração — «Vós, professores, não podeis descer a reivindicações materiais». O encurtamento do «slogan» é justamente o que explica o seu poder: poder de união, de denúncia, de justificação, de persuasão. Se fosse miais

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O educador e os «slogans»

longo, não só seria menos «convincente», menos fácil de repetir, como deixaria de ser sumário e ambiguo; observaríamos o seu carácter polémico e procuraríamos o seu autor; se fosse mais longo, não seria u m «slogan».

Para confirmar esta breve análise, vou aplicá-la a dois «slogans» pedagógicos muito divulgados.

«A escola na vida»

Para testar a ambiguidade de urna das fórmulas pedagógicas mais correntes, pedia aos meus alunos de ciências da educação que ipegassem numa folha de papel e escrevessem o que signi­ficava para eles «a escola na vida», podendo cada uim deles apontar vários sentidos, se assim o entendessem. A o 1er as respostas, uma centena, observei que muitos estudantes não tinham compreendido que se tratava de u m «slogan» e se inter­rogavam simplesmente sobre o papel da escola na vida, na vida do indivíduo, para uns, na vida social, para outros. Os que compreenderam que a fórmula era simultaneamente optativa e polémica atrifouíram-lhe sentidos muito diversos, que pode­mos classificar do seguinte modo:

A vida como escola. Trata-se de u m sentido utópico e vio­lentamente contestatário, inspirado em Ivan Hlich: « U m ensino em locais e domínios estranhos à escola», escrevia alguém. «Tirar lições do que vivemos = escola pela vida = escola da vida». Outros, mais reservados, vêem nesta expressão u m sinó­nimo de formação contínua: «A auto-educação nunca item fim» ; «a escola dura toda a vida». Finalmente, u m simples sinónimo de educação, mas oposta ao ensino escolar: «A vida aprende-se; é a educação no sentido mais amplo».

A vida na escola. A escola na vida, é a escola vivia, que favorece a participação, a não directividade, as experiências concretas, «para recriar na escola condições de existência, de contacto interpessoal autêntico». Implica o recurso aos métodos activos, para «suscitar a imaginação e a expressão dos indi­víduos»; «uma escola que não distingue o trabalho intelectual, manual e prático»; e, mais lapidar: «aprender aquilo de que se gosta». E m suma, no segundo sentido, já não se trata de pro­curar a vida fora da escola, mas de «suscitar a entrada da vida na escola, uma vez que ainda lá não está».

A escola aberta para a vida. Neste caso, não se trata de mudar os métodos, mas o conteúdo; não se trata de renovar a pedagogia, mas de «integrar a escola no meio» ; «que a escola aceite ser posta em causa pela evolução da sociedade»; «que esteja em interacção com o meio»; a escola na vida, é, por­tanto, «a abertura da escola para o mundo exterior e, rigoro­samente, a sua inserção no mundo». Certas respostas são mais precisas : «A adequação dos programas às exigências do mundo contemporâneo (económicas, sociais, etc.) » ; «sensibilização dos

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alunos perante a actualidade, como a política, a fome no mundo». Notemos que este programa não exclui o® métodos activo®, embora não os inclua necessariamente; é possível fazer u m curso magistral .sobre a fome do mundo.

A escola para a vida. Isto é, u m ensino que constitua real­mente u m a preparação para a vida. M a s , e m que sentido? Elm primeiro lugar, n u m sentido concreto: « A aprendizagem da vida real: ofícios, espírito crítico face aos media, relações quotidianas» ; «orientação, conhecimento dos ofícios, das possi­bilidades de emprego, das carreiras»; u m a escola que forneça «os meios da vida na sociedade (correios, banco, moedas, res­ponsabilidades políticas ou associativas) ». E m seguida, u m sen­tido mais social: «fornecer capacidades»; «formar a persona­lidade de base». Finalmente, u m sentido global, indefinido, infi­nito: «uma escola para aprender a ser», que dispense «saberes susceptíveis de ser utilizados na vida e não e m si mesmos»; «uma aprendizagem da vida com todos o® seus dados».

Para este público, culto e já especializado, a «escola na vida» assume, portanto, quatro significados, que se decompõem e m significado® secundários. C o m o é evidente, muitos deles podem harmonizar-se, completar-se ; m a s podem também con-tradizernse, como, por exemplo, «tornar a escola viva» e «apren­der a viver fora da escola». N o interior da m e s m a rubrica, por exemplo, a vida na escola, encontramos fórmulas com implicações opostas: «aprender aquilo de que se gosta», será compatível com «uma escola que não distinga trabalho intelec­tual, manual e prático», na medida e m que u m aluno< pode não gostar de u m destes três tipos de trabalho? Mais geralmente, a vida é, para uns, o que ensina, e, para outros, o que é neces­sário1 aprender.

Finalmente, o que suscita a unidade do «slogan», o seu poder de incitamento e de união, não é o que ele afirma, m a s o que ele rejeita: «a escola rígida, académica, isolada da vida, sem contacto como meio»; «rígida, doutrinal, castradora». É evidente que, e m todas as respostas, a vida é o critério supremo, e a escola só é aprovada na medida e m que o res­peita: « A escola não pode destruir o dinamismo do que está vivo». Mas , que significa «vida» e que significa «na»? São tantos os significados que não dizem muito. E é precisamente o aspecto sumário da fórmula que lhe permite unir toda a gente. Nada como a ambiguidade para criar a unanimidade.

«Democratizar o ensino»

Depois de ter discutido com os estudantes as suas respostas, repeti a experiência quinze dias mais tarde com a fórmula «Democratizar o ensino». Desta vez, os estudantes, advertidos e desconfiados, compreenderam a fórmula como u m «slogan». Alguns deles, inclusivamente, não hesitaram e m a denunciar,

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O educador e os «slogans»

e por cinco razões: a) «democratizar é u m termo político que não temos o direito de aplicar à escola: o verbo sugere que podemos impor à escola tudo o que quisermos»; b) a fórmula opõe-se à realidade: «O código genético torna os individuos diferentes à nascença» ; c) «democratizar» é urna fórmula dema­gógica, que conduz ao «nivelamento dos individuos» e à «queda do nível do ensino»; d) trata-se de u m a fórmula oca, unica-camente com a função real de tranquilizar o público e os pro­fessores, «é u m álibi» ; e) ao pretendeir democratizar, corremos o risco de fazer o contrário: «Os alunos deteriam u m a parte do poder: como o utilizariam? Muito b o m para a formação antecipada de dirigentezinhos» ; «ao meter toda a gente no m e s m o saco, desfavorecemos ainda mais os que já eram desfa­vorecidos».

Contudo, a maior parte dos estudantes aprovaram a fórmula, embora tivessem insistido no seu carácter utópico: «utopia irrealizável, mas interessante»; «compreensível e enriquece­dora». Porquê u m a utopia? a) porque a sociedade é antide­mocrática; b) porque seria necessário «um ensinoi objectivo, o que iria contra a personalidade dos professores» ; c) porque a escola é u m a instituição intrinsecamente autoritária que, como tal, «não pode ser posta e m causa»; d) porque a vida social não é igualmente educativa para todos, e porque: o meio é frequentemente desfavorável ao indivíduo para o seu ensino».

Os que aceitam a fórmula, como, de resto, os seus 'adver­sários, conferem-lhe, de facto, cinco sentidos muito diferentes.

E m primeiro lugar, u m sentido tradicional, o que poderia ter na Hl República. Democratizar, é destruir os privilégios, «os que se devem à família, os que se devem ao dinheiro'». Daí resulta que o ensino deve ser: a) idêntico, o «mesmo para todos»; b) igualitário, avaliando os alunos objectivamente, «admitindo que as crianças das classes superiores possam ser cálbulas»; c) gratuito, «a todos os níveis», e acompanhado de bolsas para «os mais pobres»; d) obrigatório, «em virtude do direito individual à escolarização» ; e) favorecendo a mobi­lidade social e proporcionando a todos as mesmas ¡oportunidades de promoção; / ) laico; mas , neste ponto, as respostas divergem; para uns, laicidade significa objectividade e neutralidade; para outros, pluralismo, pois só abrindo a escola «às ideologias mais diversas poderemos atingir a objectividade», «e formar o espírito crítico». Curiosamente, os estudantes que fornece­ram estas respostas não viram, ou não disseram que «demo­cratizar o ensino», considerado neste sentido, nada tinha de utópico.

E m segundo lugar, u m sentido social, ou até socialista. «Democratizar o ensino», é opor-se não só aos privilégios, m a s a tudo o que, na própria escola, possa favorecer u m a elite. O que suscita medidas muito mais radicais do que as pre-

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cedentes; por exemplo, adaptar-se «ao nível de languagein e à afectividade das classes desfavorecidas», «suprimir do en­sino ¡tudo o que decorre da dominação ¡burguesa (língua, cultura, valores morais e ideológicos)», correndo o risco de colocar as crianças burguesas «em situação de fracasso»; ou ainda, pro* curar que as «diferentes classes sociais sejam representadas proporcionalmente ao ©eu número no ensino superior», podendo introduzir-se u m numerus clausus. Finalmente, chegamos a uma contradição entre o fim: «proporcionar a todos o miesmo ensino», e os meios: não proporcionar o mesmo ensino a todos», para compensar as desigualdades decorrentes do meio.

E m terceiro lugar, u m sentido pedagógico. «Democratizar o ensino», não significa apenas beneficiar toda a gente, trata-se de «alterar as suas estruturas para o transformar numa de­mocracia». Todas as respostas dieste tipo se opõem ao autori­tarismo do ensino actual, mas divergem quanto às soluções. Democratizar, é: o) libertar os professores da tuteia da hierar­quia e dos programas; b) libertar os alunos por meio da eogesi-tão («partilhar o saber e o polder com as crianças»), ou da autogestão, em que a assembleia dos alunos decide tudo; c) modificar os programas, para que deixem de ser «centrados no passado, na abstracção, no Ocidente, na escrita», «para atender às aspirações dos alunos»; d) modificar os métodos insistindo na experiência e no trabalho em grupo; e) modi­ficar as finalidades, para permitir que todos «desenvolvam ao máximo as suas possibilidades», «para transformar u m apaixonado por plantas não num 'manga de alpaca', mas num jardineiro».

E m quarto lugar, u m sentido anarquizante. Democratizar a escola, é torná-la facultativa, dar a todos a possibilidade de ensinar; rigorosamente, suprimi-la, substituí-la pelo ensino- da vida.

E m quinto lugar, u m sentido político: o mais raro. «De­mocratizar o ensino», é transformá-lo no ensino da democracia, criando «os meios que permitem que toda a gente aprenda a vida social» ; é necessário, portanto, que «os alunos participem na vida política exprimindo a sua opinião»; opção mais radical: «transformar o ensino no instrumento de uma revolução das instituições que permita a instauração de uma verdadeira de­mocracia».

En suma, esta fórmula, tal como a precedente, possui os caracteres do «slogan» : é anónima, polémica, sumária, ambígua, o que não significa que seja falsa ou perniciosa, mas simples­mente que é u m «slogan», e tanto mais que a sua evidência aparente, a sua familiaridade, tende a dissimulá-loi Oorre o risco de ser uma frase feita, u m pronto-»ipensar que dispensa de pensar. Significará que devemos condenar o «slogan» peda­gógico?

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O educador e os «slogans»

Podemos dispensar os «slogans»?

Parece-me impossível responder com u m ¡sim ou. u m não. Podemos admitir que todo o «slogan» resume uma teoria pe­dagógica ou política exprimindo-a de modo convincente. Mas as análises precedentes mostram que as proposições que o «slogan» pretende resumir são profundamente divergentes, ou até contraditórias entre si. Mais do que o (resumo, o «¡slogan» é u m «encurtamento» que tende a eliminar as dificuldades e as contradições; vingança da utopia sobre a vida, constitui, na realidade, u m «Abre-te Sésamo», uma fórmula mágica. Ê neste aspecto, que é insubstituível.

É verdade que alguns «¡slogans» parecem condenáveis por­que traem, pelo seu próprio conteúdo, a causa que prebendem defender. Estou a pensar na expressão: «O ensino' é a trans­missão de u m saber», o que parece indiscutível, tanto para os tradicionalistas como para o® adversários. Os primeiros afir­m a m que ensinar é itransmitir tão fielmente quanto possível os conhecimentos e os valores que constituem a herança social ou o património humano. A o que os segundos respondem que a «bagagem escolar» imposta ao aluno não passa die u m peso morto, que significa a «repressão do seu desejo» e da sua «criatividade». Mas, nem uns nem outros procuram saber se o saber pode verdadeiramente ser objecto de uma transmissão. Esta metáfora, retirada da mecânica, parece-one desastrosa, pois a transmissão é u m processo passivo: a sentinela que trans­mite uma mensagem não necessita de a compreender, tal como uma máquina. Pior ainda, toda a transmissão gera diminuição, apagamento gradual ida informação inicial. Se o ensino é uma transmissão, prejudica os alunos, ao forçá-los a aprender sem compreender; e prejudica o saber que transforma ena dogma, ou até e m verbalismo. U m saber que se transmite é u m saber que se apaga. U m professor de matemática não «transmite» a inteligência de u m teorema, nem u m professor de francês «transmite» a de uma obra literária. Esta fórmula não define o ¡ensino; destrói-o.

¡Outros «slogans» são perigosos não pelo que afirmam mias pelo seu-não-dito. Estou a pensar na fórmula e m voga: «Apren­der a ser». Ê muito bela pelo que afirma, que o fim da educação é a formação do homem completo. Mas parece-me perigosa pelo que omite. N a maior parte das vezes, é apresentada com u m ¡sentido polémico: aprender a ser, 'em vez de aprender determinada coisa; a pretexto de se opor ao intelectualismo, corre o risco de atingir a vida intelectual, que, no entanto, também faz parte do nosso «ser» de homem! Sugere que «ser» pode aprenderHse nas escolas, como ¡se aprende física ou línguas vivas; e caímos, ¡então, no exagero contrário, no imperialismo pedagógico; pois é a cada u m de nós que compete aprender a ser —aprender a amar, a envelhecer, a compreender, a edu-

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Olivier Reboul

car —e durante toda a vida ; o ensino pode preparar-nos para esta aprendizagem, mas não* nos substitui. Como «Aprender a ser» é uma bela fórmula, sentimo-nos tentados a transfor-má-ia numa fórmula mágica.

Assim, já que toda a teoría pedagógica ¡se opõe a outras, é difícil compreender que possa dispensar os «¡slogans»; tanto mais que a oposição não é apenas de ordem teórica, mas prática, e, mais ainda, afectiva. A melhor causa ¡estaria antecipadamente vencida se não dispusesse destas fórmulas convincentes que exprimem, melhor do que u m longo discurso, uma paixão colec­tiva. Conclusão pessimista?

Não. U m a paixão que se exprime é uma paixão conhecida, ou, pelo menos, que podemos conhecer. E aí reside justamente o interesse do «slogan». Basta analisá-lo para descobrir todo u m mundo de sentidos mais ou menos divergentes, u m mundo de pensamentos, de suspeições e, finalmente, de paixões. Mas descobri-lo é progredir. O congresso africano de que falava foi realmente fecundo na medida em que tomou consciência de todas as ambiguidades do «slogan» «educação e trabalho pro­dutivo». «A escola na vida». «Democratizar o ensino» foram objecto de u m contacto frutuoso com. os nossos ¡estudantes, depois do qual tomaram consciência da ambiguidade, e também da riqueza das suas respostas. U m a frase feita é perigosa; mas pode também constituir uma ocasião de pensar a partir dela, ou antes, de reflectir.

Mas, deve ser entendida tal como se apresenta. O «slogan» verdadeiramente perigoso é o que não se revela como tal, que se dissimula sob a máscara do senso comum, da tradição ve­nerável, da exigência revolucionária, da evidência científica. Então, a linguagem, em pedagogia como nas outras ciências, deixa de exprimir o pensamento; reprime-o.

Bibliografia

R E B O U L , Olivier. Le Slogan, p. 47. Paris, Complexe/PUF, 1975. Sobre os «slogans» pedagógicos; ibid., pp. 101 e seguintes. Ver também K O M I S A R , B . P. e M C C L E L L A N . «The logic of slogans», em Language and concepts in education, Smith, Chicago, 1961; S C H E F F L E R , Israel, The language of education, C . C . Thomas, 1960; I S A M B E R T - J A M A T I , Viviane. Crises de la société, crises de l'enseignement, P U F , Paris, 1970.

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Elementos para u m «dossier»

A matemática para a vida

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Max S. Bell

Dispensar u m ensino utilitário

da matemática

H á muito que se dedica uma grande im­portância ao ensino da Matemática na escola, mas o seu conteúdo e a sua efi­cácia deram sempre origem a vivas con­trovérsias que, pelo menos a partir de 1900, se .traduzem periódica e aproxi­madamente todos os vinte anos, por sé­rias propositas de «reforma», propostas todas elas seguidas de esforços conside­ráveis para elaborar novos programas de estudos ou para melhorar os métodos pedagógicos. Durante os diez anos que se seguem a este ¡grande desenvolvimiento de actividade reformadoira, as inovações são habitualmente, em parte, assimiladas, em parte abandonadas, em parte ultra­passadas, devido ao progresso* dos conhe-cimentos e ao aparecimento de novas exigências originadas pela evolução da sociedade. O último destes períodos de reforma, que se ¡situa nos anos 60, conduziu à instituição da «¡Matemática moderna», simultaneamente vilipendiada e saudada coimo grande acontecimento, cujo objectivo essencial consistia em eli­minar dos manuais ¡escolares as noções incorrectas ou ultrapassadas para ba­sear o ensino da Matemática, a todos os níveis de estudo, em estruturas apropria-

Max S. Bell (Estados Unidos da América). Espe­cialista no ensino da Matemática, professor asso­ciado de Pedagogia na Universidade de Chicago. Autor de numerosas obras da sua especialidade, em particular: Algebraic and arithmetic structures: a concrete approach for elementary school teachers (em colaboração com K. Fuson e R . Lesh).

das. Estas reformas exerceram uma in­fluência sensível e essencialmente posi­tiva no ensino secundário, em especial nas classes preparatórias para a Univer­sidade, mas, pelo menos nos Estados Unidos, não exerceram ¡qualquer efeito — positivo ou negativo — sobre o¡ ensino da Aritmética na escola ¡primária. Os manuais ¡escolares das classes primárias foram, de certo modo, modificados, mas, na maior parte das escolas, os métodos pedagógicos efectivamente praticados não se alteraram, certamente porque nin­guém se preocupou e m ajudar os ¡prof es­sores a assimilar e a ensinar os novos temas propostos. O ensino elementar continuou a baseasse quase exclusiva­mente, como antes da reforma, na Arit­mética dos números inteiros, das frac­ções e dos números decimais, sem grande preocupação com as aplicações deste tipo de Aritmética.

Ao aproximarmoMnos dos anos 80, assistimos a uma recrudescência do inte­resse pela eficácia do ensino da Mate­mática na escola e teremos certamente ocasião de observar u m novo¡ movimento de reformas, cuja necessidade se faz sen­tir, sem dúvida, não por as reformas pre­cedentes terem falhado, mas porque urge atender às novas exigências e possibili­dades que surgiram nos anos decorridos desde 1958. U m ensino utilitário da M a ­temática — para retomar a fórmula de Hans Freudenthal — é essencialmente uma necessidade que se impõe cada vez

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Max S. Bell

mais, não só para u m a ¡minoria de ¡pes­soas, m a s para toda a gente ou quase. Eiste imperativo préndense tamibém com a necessidade de adaptação às possibili­dades oferecidas quase universalmente por calculadores e ordenadores miuito aperfeiçoados e relativamiente pouco dis­pendiosos. Destes dois imperativos de­corre a necessidade urgente de definir os «mecanismos de base», isto é, o que im­porta realmente saber para aplicar a M a ­temática à solução de problemas con­cretos, u m a vez que é possível efectuar facilmente os cálculos propriamente di­tos, m e s m o os mais complexos.

'Nos últimos anos esta questão tem sido albundantemente tratada nas publica­ções pedagógicas e técnicas, assim como na grande imprensa. Os seguintes pontos resumem o essencial desta literatura e constituem as hipóteses em que se apoia a argumentação do presente artigo: 1. A aquisição de bases sólidas em M a ­

temática, que ultrapassem de longe a simples aptidão para calcular, tor-noujse útil (e muitas vezes indàspenr sável) para numerosas actividades, tanto pessoais como profissionais: com efeito, necessitamos cada vez mais de Matemática e esta ¡tendência continuará certamente a acentuar-se. O ensino não deve, portanto, limitar--se a desenvolver as aptidões indis­pensáveis ao tratamento dos dados numéricos, m a s fornecer a base sus­ceptível de permitir que todos que o desejem adquiram conhecimentos mais especializados e m Matemática e Estatística.

2. Segundo estes critérios, o ensino da Matemática na escola é u m fracasso para muitas pessoas — ou até para a maior parte. C o m efeito, são nu­merosos os alunos que exprimem abertamente sentimentos de receio e de impotência perante a Matemática. D o m e s m o modo, segundo inquéritos nacionais recentemente efectuados e m vários países para avaliar o nível de

aptidão atingido e m Matemática, a maior parte dos adultos são capazes de efectuar operações aritméticas sem se enganar, mas , e m muitos casos, mostram-se desarmados perante as aplicações correntes da Aritmética que os atingem a nível de consumi­dores, para não falar das aplicações miais complexas da Matemática1.

3. Para compreender a Matemática e reagir positivamente ao seu ¡ensino, é necessário u m a iniciação eficaz e fecunda antes de ingressar no- ensino secundário, e até talvez desde os pri­meiros anos do ensino primário. Para além da importância evidente de «uma boa hase», este período da infância durante o qual se efectua o desen­volvimento é talvez o mais propício ou o único favorável a certas apren­dizagens. Ora, o ensino da Matemá­tica na escola primária é frequen­temente estéril e, m e s m o com. as melhores intenções, a maior parte dos professores que preparam para o ensino secundário sente-se incapaz de alterar o que quer que seja nesta situação; como é ¡evidente, também não foram preparados.

4. A s grandes pressões que se exercem sobre os professores para que melho­rem os «resultados obtidos nos tes­tes» pelos alunos, insistindo nos «me­canismos de base» (pelos quais se entende invariavelmente o cálculo) foram — e continuam a ser — u m dos factores que limitam a evolução do ensino da Matemática na escola primária. Seja qual for a nossa opi­nião, ou a dos professores, sobre u m a orientação tão exclusiva do ensino, estes não recebem quaisquer outras informações quanto aos conhecimen­tos que importa considerar como «fundamentais ».

5. Contrastando directamente com a tendência para exigir que o ensino primário seja quase unicamente orien­tado para a aprendizagem do cálculo,

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o uso de calculadores electrónicos de baixo preço não cessa de aumentar, de tal modo que a maior parte das pessoas, dentro de poucos anos, ma­nipulará a Aritmética de maneira muito diferente da que conhecia an­teriormente. Este fenómeno exige, pelo menos, uma séria discussão' sotare o interesse limitado e exclusivo atri­buído ao cálculo e permite salientar — o que talvez seja ainda mais impor­tante — a aquisição de novas noções matemáticas com as quais a maior parte dos professores não está fami­liarizada.

Os principais factos que enfrentamos quando nos interrogamos novamente sobre o que deveria sier o ensino da Matemática nos anos 80 são os se­guintes: as pessoas que necessitam de Matemática são mais numerosas do que nunca, mas a maior parte sente-se in­capaz de dominar até mesmo as aplica­ções mais simples da Matemática. Para modificar esta situação, seria necessário, em particular, dispensar u m ensino de excelente qualidade na escola primária, mas nada tem sido feito pana que os professores estejam à altura desta ta­refa. Pelo contrário, são convidados a privilegiar quase exclusivamente a aqui­sição dos mecanismos aritméticos, pre­cisamente no momento em que se torna evidente que a prática do cálculo não representa aquilo de que a maior parte das pessoas terá necessidade nos próxi­mos anos. Estes problemas poderiam ser regulados deste modo.

O que é fundamental na aprendizagem da Matemática?

O sucesso importante, mas parcial, das reformas empreendidas nos anos 60 em nome da «Matemática moderna» foi seguido do habitual período de consoli­dação e de adaptação. Contudo, os m a ­nuais escolares regressam todos os anos

u m pouco mais às normas do período anterior às reformas, e os que sempre manifestaram a opinião de que os m é ­todos tradicionais valem mais do que os novos são actualmente senhores da si­tuação, tendo como divisa o «regresso aos mecanismos fundamentais». Assim, há aproximadamente cinco anos que assistimos a controvérsias apaixonadas para tentar definir o que podem enco­brir estes «mecanismos fundamentais».

N u m a publicação em que trinta e três peritos e pedagogos especialistas em M a ­temática procuraram definir o que é fun­damental na Matemática ensinada na escola, James Fey defende que a difi­culdade reside na multiplicidade dos sen­tidos atribuídos ao termo «fundamental». Observa que, tratandO'-se dos mecanis­mos minimamente necessários para so­breviver em sociedade, a sua lista não pode deixar de ser muito curta, pois, a bem dizer, a maior parte das pessoas consegue sobreviver ignorando a Mate­mática. Nota que a lista dos mecanismos indispensáveis para ser u m consumidor avisado seria já mais longa, mas ainda relativamente limitada. E m todo o caso, afirma James Fey, estas definições que se apoiam na noção de «sobrevivência» e de «consumo» testemunham uma opi­nião demasiado pessimista das possibi­lidades que oferece a Matemática ensi­nada na escola. Seria preferível examinar as «aptidões matemáticas susceptíveis de permitir que realizássemos eficazmente os nossos deveres de cidadãos e que apreendêssemos o nosso ambiente social e tecnológico». Esta concepção, menos prosaica e menos pessimista, conduz-nos ainda a «aperceber as actividades de in­vestigação e de desenvolvimento que se­ria necessário empreender no que res­peita ao ensino da Matemática» 2.

A bem dizer, as listas de mecanismos fundamentais que o ensino escolar da Matemática deveria inculcar são, na ¡sua maior parte, demasiado restritivas e pes­simistas. Além disso, as competências

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que salientam estão longe de ser as que permitiriaim resolver os ¡problemas que surgem na vida corrente. N o entanto, a lista mais sucinta parece •superficialmente orientada para este objectivo. A «solução de problemas concretos» constitui, pois, u m possível ponto de união. A dificuldade deve-se às dive¡rsas interpretações desta fórmula, que vai das simples palavras cruzadas às investigações matemáticas de alto nível. Contudo, é fácil descobrir o que significa para os que mais reflec­tiram, sobre os objectivos para que deve apontar o ensino escolar da Matemática, como indicam os seguintes extractos de obras publicadas com mais de cinquenta anos de intervalo.

« A análise de problemas concretos na escola deve preparar para a solução dos problemas que surgem na vida. Mantidas as proporções, os problemas que corres­pondem a u m a situação real são prefe­ríveis aos que se referem a u m a situação puramente teórica, e os problemas que podem realmente surgir na vida de u m a pessoa normalmente constituída são pre­feríveis aos problemas artificiais e às simples adivinhações.» 3

«Como a Matemática se revelou indis­pensável para compreender e dominar tecnicamente não só o mundo físico, m a s também as estruturas da nossa socie­dade, não podemos continuar a ignorar a necessidade de dispensar u m ensino utilitário da Matemática. Segundoí as con­cepções pedagógicas tradicionais, a M a ­temática serve muitas vezes de exemplo de ciência desinteressada. É verdade que ainda continua a acontecer, m a s já não nos podemos permitir insistir tanto neste aspecto se nos obrigar a desviar a nossa atenção do emprego generalizado da M a ­temática e tendo e m conta que ela é indis­pensável não só a u m a pequena minoria, mas tamibém à maior parte das pessoas.»4

'«Para u m número restrito de pessoas, a Matemática é muito divertida. Para u m número ainda mais restrito, consti­tui u m a experiência estética enriquece­

dora. Se a Matemática se resumisse a estas características, não poderíamos jus­tificar a importância predominante que ocupa nos programas escolares. É ensi­nada na escola precisamente por ser u m a disciplina útil, e m particular para resol­ver toda a espécie de problemas.» 5

Vejamos ainda u m dos inúmeros tes­temunhos que emanam de utilizadores da Matemática: «O emprego da linguageim matemática já é desejável e e m breve se tornará inevitável. Sem a sua ajuda, o desenvolvimento dos negócios, que im­plica operações muito complexas, ver-se-á atrasado ou m e s m o interrompido. N o que se refere às ciências de gestão, e a todas as outras ciências, a Matemática tomou--se u m a das condições de progresso.» "

A verdade pura e simples, é que a aptidão para utilizar a Matemática se tornou «uma das condições de progresso» não só dos negócios como da maior parte das ciências naturais e sociais, m a s tam­bém dos indivíduos. Sendo assim, u m edi­torial recentemente publicado na revista Science (19 de Janeiro de 1979) deplora «que a Matemática constitua, no ensino secundário, u m a barragem para milhões de alunos que abandonaram rapidamente o seu estudo». Contudo, esta barragem ergue-se certamente muito antes do en­sino secundário e, como já assinalei, po­deríamos situá-la ao nível das classes primárias. Compete-nos, pois, ensinar as crianças a manipular com segurança os números, o cálculo, a geometria, o con­ceito de probabilidade, a lógica, etc., e a desenvolver u m sólido sentido intuitivo, de tal modo que possam e queiram abor­dar e dominar qualquer nova tarefa matemática. O que não parece acontecer, actualmente, com muitas pessoas. M a s de nada serviria procurar determinar a quem cabem as responsabilidades. E m particular, não devemos condenar os pro­fessores nem conduzi-los a perder ainda miais a confiança em si mesmos, pois ensinam com o handicap de u m a forma­ção inadequada, de u m a estreiteza de

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objectivos que colectivamente lhes forne­cemos. Trata-se de factores responsáveis pelo insucesso das crianças, mas- somos nós, ¡portanto, os responsáveis pelo in­sucesso dos professores.

E m vez de nos voltarmos para o pas­sado a fim de examinar ais lacunas do ensino da Matemática na escola, encare­mos o futuro reflectindo sobre os meios de o melhorar. Se admitimos que u m dos principais imperativos consiste em dis­pensar u m ensino utilitário da Matemá­tica, devemos, numa primeira fase, des­cobrir como procedem, os que sabem utilizá-la e determinar, em seguida, o con­teúdo de u m programa de ensino aplicá­vel à escola e susceptível de desenvolver tais aptidões. Examinemos agora as di­versas etapas deste processo1.

Objectivos de u m ensino da Matemática sublinhando o seu aspecto utilitário

Embora a nossa principal preocupação consista em dispensar u m ensino utili­tário da Matemática, devemos, em pri­

meiro lugar, esforçar-nos por compreen­der os mecanismos graças aos quais as pessoas experimentadas na matéria a aplicam. Desde 1940 que somos cada vez mais forçados a utilizar a Matemática em domínios cada vez mais numerosos e, simultaneamente, conseguimos perce­ber mais claramente como a construção e a utilização daquilo a que chamamos «modelos matemáticos» permitem atingir este objectivo. John Synge, u m dos espe­cialistas da Matemática aplicada,, forne­ceu uma breve e pitoresca descrição deste processo: «A aplicação da Matemática a u m problema concreto comporta três eta­pas: o) mergulhar da realidade no mundo da Matemática; b) nadar no mundo da Matemática; c) emergir do mundo da Matemática para regressar à realidade, sendo portador de uma previsão.» ''

O esquema 1 indica de modo mais poír-menorizado as diversas etapas que a aplicação da Matemática icomporta.

Como indica o esquema, as situações do mundo real são quase sempre muito complexas e, portanto, devemos1 ter em Vista a simplificação, ia abstracção e a

(É possível resolver muitos problemas sem recorrer

minimamente à Matemática

Abstracção e representação^ simbólica /

/ . i

Factos

Teoria matemática

Indução (formal ou informal)

O resto do mundo

Situação e m que se torna necessário tomar u m a decisão

dispondo de informações (problema real acompanhado de dados reais)

-J /

+ A/

Factos

O mundo da Matemática

I \ I

I W

u

r\ ! Interpretação / i ,' e previsão

(Na maior parte das vezes, o ensino da Matemática situa-se exclusivamente neste estádio)

E S Q U E M A 1. Breve iniciação à construção de «modelos matemáticos» (segundo Fey, 1975).

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representação por ¡meio de símbolos m a ­temáticos. Este processo pode ser tão simples como o que consiste e m enume­rar os objectos de varias colecções e e m substituir as iproprias colecções por nú­meros que representem os elementos de que são compostas. E m certos casos, o processo de análise e de abstracção con­duz à solução do problema, s e m que seja necessário recorrer à Matemática. Con­tudo, sentimo-nos muitas vezes obrigados a tratar estas abstracções segundo m é ­todos matemáticos, c o m o está indicado na parte inferior do esquema. Este tra­balho matemático /pode efectuar-se inde­pendentemente do m u n d o real que deiu origem ao problema. A b e m dizer, poder aplicar 'as m e s m a s técnicas matemáticas a situações muito diversas é o que con­fere à Matemática a sua notável eficá­cia na solução dos problemas. Quando este trabalho matemático conduz a. re­sultados específicos, estes devem ainda ser submetidos ao julgamento da reali­dade, c o m o indica a seta à direita do esquema 1. E m geral, efectuam-se várias trocas deste tipo entre o m u n d o da M a ­temática e o m u n d o exterior para a maior parte dos problemas relativamente complexos.

O mecanismo que acabamos de descre­ver revelou-se extremamente frutuoso, pois permitiu transformar a Matemática n u m (utensílio capaz de resolver muitos problemas concretos; assim;, talvez de­vêssemos tê-lo e m conta quando formu­lamos os Objectivos de u m , ensino utili­tário da Matemática. N o esquema 2, /procurei indicar, ipor meio de u m a lista de temas de estudo, aquilo de que a maior parte das pessoas necessita, e esta­belecer esta lista de m o d o a reftactir o processo de construção dos modelos m a ­temáticos. Comecei, pois, por enumerar as aptidões ligadas à abstracção) e à simbolização e, e m seguida, as aptidões essenciais que exige a Matemática pura e, finalmente, as comjpetênciías necessá­rias à exploração dos dados matemáticos, seja qual for a sua proveniência, tendo e m vista a interpretação, a previsão ou a tomada de decisões (como é evidente, estas três grandes categorias de aptidões encontram-se, e m certa medida, interli­gadas) .

Podemos começar a ensinar c o m êxito, no primeiro ano de escolaridade, a maior parte dos mecanismos e conceitos enu­merados no esquema 2, prosseguindo ul-

E S Q U E M A 2. Mecanismos que a maior parte das pessoas deve adquirir graças a u m ensino utilitário da Matemática.

A . Construção de modelos matemáticos: quantificação, representação, abstracção.

1. Sistemas de notação e de símbolos: a) investigação de u m a notação eficaz; b) variáveis como «este­nografia» ou como símbolos funcionando como números.

2. Utilizações de números estranhos ao cálculo: a) enumerações; b) medidas; c) relações; d) coorde­nadas; e) ordenação; /) indexação; g) informações codificadas; h) números de identificação.

3. Estatística descritiva — representação de conjuntos de dados numéricos: maleabilidade e capacidade de invenção na apresentação dos dados para variáveis únicas: aferimentos, quadros, histogramas, gráficos, etc. Temas de estudo igualmente úteis: a) diagramas de dispersão com duas variáveis; b) desenho da recta ou da curva mais adaptada.

4. Representações visuais — representações de informações não numéricas: a) preocupação do pormenor minucioso; b) sensibilidade e m relação às formas; c) figuras da geometria plana; d) diagramas: tira­gem de planos, circuitos, peças isoladas, etc.; é) gráficos indicando relações, por exemplo, setas, ramificações; /) sistemas de coordenadas para indicar locais. Temas de estudo igualmente úteis: a) diagrama de Venn; b) gráfico dos fluxos.

5. Técnicas de transposição, transposição flexível: enunciados verbais, equações, fórmulas, quadros, grá­ficos, etc. Temas de estudo igualmente úteis: induzir regras simples a partir de fenómenos que se repetem regularmente.

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B . Actividades decorrentes essencialmente do mundo da Matemática

1. Mecanismos numéricos elementares: a) cálculo segundo os métodos tradicionais e não tradicionais: por ordem crescente, decrescente, por dezenas, etc.; b) «reflexos» para as operações comportando números c o m u m único algarismo. Temas de estudo igualmente úteis: a) Aritmética das potências de 10 e notação científica; b) Aritmética das proporções.

2. Relações: a) relações correntes de equivalência — igualdade, congruência, semelhança; b) escolha judiciosa de substituições a partir de diversas classes de equivalência, por exemplo, aplicar 1/2, 3/6, 50 % ou 0,5 ou qualquer outro coeficiente apropriado; c) outras relações: menos, mais, per­pendicular, paralela, subconjunto.

3. Cálculo numérico: a) algoritmos para operações correntes — ricos ou «pobres» no plano concep­tual — exploração das enumerações aritméticas sempre que for possível; b) utilização inteligente das calculadoras e dos ordenadores.

4. Utilização pertinente das variáveis: a) manipulações no interior de equações até ao ponto de inflexão; b) funções, relações, fórmulas; c) substituição. Temas de estudo igualmente úteis: a) sistemas de equações; b) parâmetros.

5. Relações, funções, isomorfismos: a) intuição das formulações entradas-saídas e constrangimentos relativos às entradas e às saídas; b) função linear relativamente a equações, quadros, gráficos de coordenadas. Temas de estudo igualmente úteis: equações correntes, gráficos e propriedades das funções lineares, quadráticas e exponenciais.

6. Aptidões fundamentais ligadas à Lógica: a) importância de pontos de partida convencionados — axiomas e termos indefinidos; b) necessidade de definições precisas; c) utilização pertinente de quantificadores: «todos», «existe», «alguns», etc.; d) argumentos válidos, mas eventualmente dedu­zidos de maneira informal.

7. Relações geométricas: a) intuição sobre propriedades correntes da Geometria plana através da con­gruência, da semelhança, do teorema de Pitágoras; b) intuição sobre coordenadas e transformações como abordagens da Geometria. Temas de estudo igualmente úteis: projecções aplicadas ao desenho e m perspectiva, aos mapas e m curvas de nível, às representações do m u n d o e m mapas planos.

C . Tomada de decisões com a ajuda de dados derivados da Matemática ou do mundo real.

1. Conceitos fundamentais de medida: d) utilização generalizada da medida como origem dos números: b) papel das «unidades» e dos «padrões» de medida; c) intuição das unidades que indicam a ordem de grandeza: metros, gramas, etc.; d) medidas como aproximações; e) viabilidade dos dados sobre a qualidade dos instrumentos de medida. Temas de estudo igualmente úteis: «variação» devida ao processo de medida ou a u m a modificação intervindo nos objectos medidos.

2. Medidas e medidas compostas: a) medidas fundamentais: comprimento, massa (peso), temperatura, tempo; b) medidas compostas correntes: por exemplo, superfície, volume, capacidade, rapidez/veloci­dade, densidade; c) variedades de outras medidas compostas: por exemplo, medidas médicas, medi­das de vestuário, aceleração, pressão, etc.; d) relações entre unidades de u m sistema de medida. Temas de estudo igualmente úteis: a) análise dimensional utilizada e m ciências físicas; b) índices arbitrariamente definidos relativamente a medidas, por exemplo, custo de vida, inflação.

3. Estimações e aproximações: como utilizá-las c o m segurança e conhecimento de causa: a) «sentido» dos números; b) «sentido» das medidas; c) arredondar e calcular com números fáceis e potências de 10: d) regras empíricas; é) factores de conversão correntes; / ) custo ou montante razoável e m numerosas situações. Temas de estudo igualmente úteis: a) estimações respeitantes à ordem de grandeza; b) métodos estimativos.

4 . Medidas baseadas e m probabilidades: d) existência da incerteza — a probabilidade como «medida» da incerteza; b) possibilidade de prever comportamentos colectivos e impossibilidade de prever acontecimentos particulares; c) probabilidades c o m base teórica e probabilidades c o m base empí­rica. Temas de estudo igualmente úteis: considerações sobre as sondagens.

5. Utilizações simples das estatísticas: a) apresentação flexível e variada dos dados; b) médias correntes: média aritmética, mediana, m o d a ; c) desvio ou variância dos dados; d) estudo das relações entre dados; e) cepticismo quanto à «causalidade» nos dados e m correlação. Temas de estudo igualmente úteis: testes simples relativos ao carácter inabitual de u m resultado, por exemplo o teste X 2 .

6. Sensibilização e m relação à Informática: a) capacidades dos ordenadores; b) limitações; c) tomada de consciência da intervenção humana.

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teriormente o seu estudo, de maneira mais aprofundada.

A fim de observar como poderíamos inspirar-nos nesta lista para elaborar u m programa destinado :a desenvolver as aptidões susceptíveis de permitir resol­ver problemas concretos com a ajuda de dados reais, examinemos como alguns dos temias de estudo enumerados pode­riam ser abordados a partir da escola primaria (como é evidente, estes rudi­mentos poderiam ser ensinados mais por­menorizadamente no futuro). Para come­çar pelos primeiros elemento® da lista, poderíamos desde muito cedo pedir às crianças que inventem formulas judicio­sas de abreviação e de símbolo para que tomem consciência, desde tenra idade, de que o nosso ¡sistema numérico corrente constitui u m a maneira muito eficaz de representar coisas que lhes interessam. Muitos manuais escolares do primeiro grau introduzem já variáveis sob a forma de «casas» e m equações como 3 + D = 7 . Quanto ao segundo tema da lista, é fácil atrair a atenção das crianças para as múltiplas utilizações dos n ú m e r o s no mundo que lhes é familiar. Ofereeem--lhes infinitas ocasiões de enumerar e de medir. N o que se refiere a utilizações dos números alheias ao cálculo, podería­m o s conduzir a criança a observar que u m número inscrito na porta de u m a sala de aula, «213», por exemplo, dissimula, de facto, dois tipos de números: u m in­dica o número da sala, «13» e o outro o do andar, «2». Poderíamos inculcar-lhes noções sobre os números como coorde­nadas e sobre o papel que desempenham para indicar a ordem e m que os objec­tos se apresentam pedindo-lhes que des­cubram o sentido dos números das casas da rua e m que habitam. N ã o seria igual­mente possível conseguir que tomem consciência do facto de os números serem correntemente utilizados como códigos de identificação: placas mineralógicas, números de telefone, códigos postais, números de auto-estradas, etc. ? Não po­

deríamos tentar explorar a noção de número de espera, sistema aplicado n u m a padaria ou e m qualquer outro local a fim de impor u m a certa disciplina à clientela ? Não poderíamos também pedir aos alu­nos que refutam sobre os casos em que não é conveniente impor u m a ordeim de prioridade e m função da hora de che­gada, na sala de urgências de u m hos­pital, por exemplo?

Quanto à representação de dados sim­ples (A.3.a), o primeiro material peda­gógico elaborado pelos matemáticos da Fundação Nuffield contém muitas, suges­tões que indicam claramente que a expe­riência efectivamente vivida pela criança fornece abundantes elementos explorá­veis 8. Quanto às representações visuais (A.4), é passível obter bons resultados tornando simplesmente as crianças sensí­veis a certos pormenores, decorativos ou outros, assim como às formas geo­métricas que podem observar no seu ambiente. T a m b é m é possível, na maior parte das vezes, mostrar às crianças dia­gramas, desenhos munidos de escala e representações semelhantes, e m especial de locais e objectos que lhes sejam fami­liares. A s obras matemáticas da Fun­dação Nuffield, assim como os trabalhos de Papy, fornecem numerosos exemplos de gráficos deste tipo destinados às crianças (A.4.e) 9. Existem também nu­merosos jogos e situações concretas (por exemplo, saber utilizar os mapas geo­gráficos) que ilustram, a maneira como os números agrupados por dois ou por três podem ser utilizados para precisar o local ocupado (A.4./).

A transposição de dados para enuncia­dos verbais, quadros, gráficos, fórmulas, equações, etc., é certamente muito impor­tante (A.5). Podemos começar a desen­volver estas técnicas desde o início da escolaridade, talvez, e m certos casos, no âmbito das lições de leitura ou de disci­plinas como a educação social, etc. Deve­ríamos eventualmente poder começar por dados apresentados sob qualquer destas

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formas e exprimidlos sob uma forma mais conveniente.

A ¡segunda ¡secção da lista (parte B do esquema 2) trata das ¡aptidões exigi­das peia utilização da Matemática pura. Como a maior parte dos exercícios esco­lares se basearam, até agora, quase ex­clusivamente neste objectivo, deveríamos podei* encontrar facilmente novas ideias neste domínio. Contudo, não será de mais sublinhar que, mesmo neste caso-, é ne­cessário ligar estes exercícios à solução de u m problema concreto —a u m objec­tivo que tenha sentido para as crianças. Do mesmo modo, devem seir salientados pontos novos neste tipo- de ensino'. Se, por ¡exemplo, as crianças dominassem perfeitamente a Aritmética, poderiam também efectuar mais ou menos men­talmente a maior parte das operações sobre números inteiros e estariam em condições de realizar certas estimações. Tal como os pais que lêem histórias aos filhos contribuem muito para a sua aprendizagem, da leitura, também os que participam com os filhos em jogos que impliquem cálculos ou que os levam a contar objectos múltiplos facilitam muito a aprendizagem da Aritmética (quase todos os pais do mundo o poderiam fazer se tomassem ¡consciência da utilidade destes jogos).

A propósito das relações de equivalên-oia e das classes de equivalência (B.2.« e B.2.&), raramente nos apercebemos do número de operações matemáticas que se efectuam simplesmente por substitui­ção de u m objecto peto seu equivalente. A simplificação das equações, as opera­ções sobre fracções, a substituição de «4 + 7» por «11», são apenas algumas das possibilidades que eiste conceito ofe­rece. Se considerarmos o cálculo numé­rico (B.3), observamos que quase todas as pessoas que frequentaram a escola sentiriam dif iculdades naquilo a que se chama os «algoritmos» (por exemplo, as «longas divisões») ; ora, devemos reexa­minar o verdadeiro objectivo destas ope­

rações num universo em que, de facto, quase toda a ¡gente será capaz de efec­tuar, com a ajuda de calculadoras ou de ordenadores, ¡todas as operações que ul­trapassam o nível de uma simples mani­pulação de algarismos. U m a utilização inteligente das calculadoras (B.3.&) exige u m sentido mais agudo dos núme­ros e das operações. Sempre foi impor­tante interrogarmo-nos sobre a natureza, assim como sobre o momento das opera­ções a ¡efectuar, e possuir intuição para saber se as respostas obtidas têm sen­tido. Ora, estas questões têm sido des­prezadas até agora ¡e deveria ser possível conceder-lhes mais importância, visto que os exercícios de cálculo propria­mente ditos já não ocupam u m lugar primordial.

Notemos, a propósito de outros temas de estudo da segunda parte do esque­m a 2, que, para manipular a Matemática com à vontade, é quase tão importante saber manipular habilmente formadas que contenham variáveis ¡coimo possuir refle­xos instantâneos para os mecanismos fundamentais da multiplicação e da adi­ção. Os exercícios sobre as manipulações não deveriam iniciar-s© muito cedo, na escola, mas é possível, nois primeiros anos de estudo, integrar e m diversas activida­des exemplos que mostrem, as múltiplas utilizações das variáveis, assim como exercícios piara habituar as crianças a substituir números por variáveis. Do mesmo modo, são necessários muitos anos para chegar a compreender perfei­tamente as funções, as relações ou 'as correspondências de elementos de con­juntos (B.5), mas podemos imaginar, no início da escolaridade, ¡situações que po­nham em jogo entradas e saídas e que ilustrem a maior parte dos conceitos fundamentais relativos às funções e às relações. Quanto à lógica (B.6), todos sabemos que a maior parte das crianças sente dificuldades e m .raciocinar a partir de hipóteses arbitrárias, mas muitas delas, senão a maioria, são perf eitamente

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capazes de raciocinar a partir da sua própria experiência. Por exemplo, quando 'brincam, as crianças sabem perfeita­mente estabelecer regras arbitrárias e argumentar baseando-se ¡nestas regras. Também sabem modificar estas regras e recomeçar a argumentar a partir ¡dos seus novos «¡axiomas». Quanto as rela­ções geométricas (B.7), grande parte do material utilizado na Matemática m o ­derna (por exemplo, as obras da Funda­ção Nuffield) contém exercícios úteis de Geometria intuitiva, ainda inexplora­dos na maior parte dos casos.

Examinemos agora a terceira parte da lista: utilização dos dados matemá­ticos, seja qual for a sua proveniência, para tomar decisões no mundo' real. A primeira observação que se ¡impõe é que muitos dos temas específicos ¡enume­rados nesta rubrica são igualmente im­portantes para os processos de quanti­ficação e de abstracção ¡tratados na primeira parte da lista. É certamente o que .sucede com o conceito de añedida e com as técnicas estatísticas samples. Devemos ainda sublinhar que a medida desempenha um papel essencial para to­dos nós quando temos problemas a resol­ver e pretendemos conferir u m sentido ¡ao mundo em que vivemos. Deveríamos portanto insistir, sempre, nos conceitos de medida enumerados nas ¡rubricas C l e C.2, e familiarizar todas as crianças com estas noções. Do mesmo modo, as actividades escolares têm desprezado, até agora, as estimações e as aproximações (C.3). Inculcou-se demasiado nas crian­ças a ideia falsa de que, em Matemática, só as respostas exactas são admissíveis. De facto, quando nos vemos obrigados a resolver problemas concretos no mundo real, acontece frequentemente que seja suficiente uma aproximação razoável para tomar uma decisão adequada e, muitas vezes, basta-nos conhecer uma ordem de grandeza: por exemplo, saber se u m preço se ¡situa na casa das dezenas, das centenas ou dos milhares de dólares

pode constituir uma informação sufi­ciente para tomar uma decisão sensata e importa relativamente pouco precisar se ascende, de facto, a 169,97 dólares ou a 130,47 dólares. Devemos .tanto quanto possível, colocar aos ¡alunos questões como «Aproximadamente quanto... ?» e «porque pensas assim?», pelo menos tan­tas vezes quantas as que perguntamos, por exemplo, «Quai é a resposta exacta?» (toem entendido, como precisamos na ru­brica B.l.b), o facto de não poder forne­cer imediatamente uma resposta exacta quando se trata de uma multiplicação ou de uma adição, constitui u m handicap sob muitos aspectos, mias, a bem dizer, estes ¡reflexos não são muito difíceis de adquirir).

Não nos é possível examinar aqui cada u m dos pontos enumerados na lista do esquema 2, mias as observações prece­dentes talvez sejam suficientes para in­dicar a razão pela qual, em minha opi­nião, os objectivos enunciados podem favorecer a utilização da Matemática com o fim de resolver os problemas concretos da vida quotidiana e do mundo do tra­balho. Muitas pessoas necessitarão igual­mente de conhecimentos mais aprofun­dados. Pode acontecer que estas aptidões complementares sejam adquiridas na es­cola, mas, em muitos casos, só mais tarde se aperceberão da sua necessidade. De qualquer modo, u m domínio dois conceitos do esquema 2, baseado numa experiência concreta, facilitará ¡a aprendizageni de técnicas mais avançadas.

O ordenamento de um novo programa de estudos

Não será fácil modificar o ensino es­colar da Matemática elementar, hoje em dia quase exclusivamente 'baseado no cál­culo e na manipulação de símbolos, orien-tando-o para a solução de problemas concretos com a ajuda de dados concre­tos. A formação dos professores e a aqui­sição de material pedagógico apropriado

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suscitarão, em particular, problemas con­sideráveis. Os países em desmvolvimiento talvez experimentem menos dificuldades em operar tais reformais do que os países relativamente desenvolvidos, até mesmo porque as tradições e as concepções erró­neas são menos numerosas e encontram-rse menos fortemente alicerçadas no sis­tema; além disso, é miais fácil assegurar aos professores uma formação adequada quando os efectivos do corpo docente es­tão em plena expansão do que quando se mostram estáticos ou em declínio.

O esquema 3 pode fornecer indicações úteis quando procuramos elaborar u m programa de estudos.

Tratasse sempre de fixar os objectivos (o que é necessário fazer), as modali­dades do ensino (como proceder) e os métodos de avaliação (resultados obti­dos). Insisto sobretudo1 noís objectivos, como indica o esquema 2. Não pretendo que esta lista particular seja a única uti­lizável em todos os casos, m'as estou con­vencido de que uma lista mais ou míenos semelhante, fixando o objectivo a atin­gir ao fim de vários anos facilita o or­denamento de u m programa escolar. E m especial, é muito mais útil do que u m catálogo que enumere, em pormenor, cen­tenas de «objectivos a atingir em m a ­téria de comportamento» — que, pelo menos no Ocidente, têm tendência para representar u m traço predominante do ordenamiento dos programas. Os profes­sores podem elaborar uma lista como a do esquema 2, formulando, por exemplo, as seguintes questões: Que fizemos esta

Objectivos

/ \ Aprendizagem / \ (capacidade

/ \ de realização)

r * Programa de estudos Avaliação ' -« *- e pedagogia

E S Q U E M A 3. Iniciação ao ordenamento dos progra­mas de estudos.

semana (ou este ano) na minha classe para familiarizar ais crianças coin a no­ção de aproximação?», «Que posso fazer actualmente para prever aquilo de que as crianças necessitarão mais tarde para utilizar as variáveis?», «Como poderei ajudar as crianças a descobrir que o 'acaso' faz parte da vida, tal coimo as resu postas exactas, levándolas a compreen­der melhor a probabilidade?». A lista do esquema 2 deveria manifestamente per­mitir organizar a formação dos professo­res antes da sua entrada em funções, e também em exercício. Por outras pala­vras, ¡se os temas de estudo enumerados nesta lista são úteis à maior parte- das pessoas, a maioria dos professores de­veria conhecê-los profundamente. E m minha opinião, uma lista que fixasse os vastos objectivas propostos pelo ensino da Matemática na escola ajudaria o® pais, e também os membros dos conselhos es­colares e de instituições semelhantes, a tomar consciência idos resultados que po­dem e devem sier obtidos nesta materia. Pode ainda ajudar-nos, a nós professo­res, a ligar a Matemática a outras dis­ciplinas escolares, formulando, pior exem­plo, as sieguintes interrogações: «Esta lição de ciências poderá contribuir para familiarizar os alunos com a noção de medida?», «Uma lição sobre mapas geo­gráficos poderá constituir uma ocasião de fazer observações pertinentes sobre o sistema de coordenadas?», «A minha aula dedicada à educação social será melhor se pedir às crianças que pro^ curem informações nos quadros que figuram e m determinado anuário?», «Quando ensino as crianças a utilizar os desenhos munidos de uma escala, será possível estabelecer algumas aproxima­ções úteis com o conceito' de 'seme­lhança'». Estas possibilidades parecem quase infinitas depois ide despertar a atenção dos professores para aquilo que, na Matemática, pode apresentar maior utilidade para a solução dos problemas da vida real.

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Max S. Bell

Notas

1. NATIONAL ASSESSMENT OF EDUCATIONAL PRO­G R E S S (NAEP), a) Math fundamentals: Selected results from the First National Assessment of Mathematics, b) Consumer math: Selected re­sults from the First National Assessment of Ma­thematics, Superintendant of Documents, U . S. Government Printing Office, Washington, D . C , 1975.

2. J. T . F E Y , «Remarks on basic skills and learning in mathematics», pp. 51-56. E m : Conference on Basic Mathematics Skills and Learning. Vol. 1, Contributed position papers. National Institute of Education, Washington, D . C , 1975, 227 pp.

3. E. S. T H O R N D I K E e outros, The psychology of algebra. Macmillan & Co., Nova Iorque, 1923, 483 pp.

4. H . F R E U D E N T H A L , «Why to teach mathematics so as to be useful?», Educational studies in ma­thematics, vol 1, n.° 1, Maio de 1968, pp. 3-8.

5. E. G . B E G L E , Critical variables in mathematics education: Findings from a survey of the empi­rical literature, The Mathematics Association of America, Washington, D . C , 1979.

6. A . B A T T E R S B Y , Mathematics in management, Penguin Books Ltd., Hardmondsworth, 1966.

7. J. S Y N G E , citado em M . R . K E N N E R , «Mathe­matical education notes», The American mathe­matical monthly, vol. 68, n.° 8, Outubro de 1961, p. 799.

8. NUFFIELD M A T H E M A T I C S PROJECT, Mathema­tics: The first three years, John Murray, Lon­dres, 1970, 150 pp.

9. F R E D E R I Q U E e P A P Y , Graphs and the child, Alonquin Publishing, Montreal, 1970, 189 pp.

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Hans Freudenthal

Matemática nova ou educação nova?

Há aproximadamente vinite anas, realizei uma conferência sobre o seguinte tema «Ensino da Matemática moderna ou en­sino moderno da Matemática». Nessa época, a minha reputação era já suspeita. Não era a primeira vez que os meus colegas matemáticos se mostravam es­candalizados, nem que o® professores de Matemática que m e ouviam pareciam confundidos pelo estranho comporta­mento de u m investigador matemático que lançava dúvidas sotare o ensino* da Matemática, considerada uma disciplina codificada e sotare a modernização' deste ensino pela actualização do seu conteúdo em função do estado actual das ciências matemáticas.

A Matemática foi o primeiro ramo de ensino a beneficiar de uma cooperação internacional (no seio da Comissão Inter­nacional sotare o Ensino da Matemática, fundada no início do século), mas, até aos anos 50, esta colaboração exercia--se essencialmente sobre a organização e o conteúdo dos estudos, predominando

Hans Freudenthal (Holanda). Professor honorário de Matemática e director honorário do Instituto para o Desenvolvimento do Ensino de Matemá­tica da Universidade de Utrecht. Autor de Mathe­matics as an educational task, Weeding and sowing, e de numerosos artigos sobre problemas da edu­cação.

o ponto de vista do matemático univer­sitario.

Desde os primeiros ¡anos do século, Félix Klein tinha apontado a conside­rável diferença que existia entre a M a ­temática escolar e a Matemática univer­sitária; contudo, a ¡sua interpretação era demasiado estreita, pois, em sua opinião, este fenómeno devia-se simplesmente ao conteúdo do ensino. N o fim dos anos 50, a agitação criada pelo Sputnik deu origem a uma (discussão sotare o ensino da Matemática e das Ciências tal como era praticado1, e este movimiento, nascido nos Estados Unidos da América, atingiu progressivamente a maior parte dos países do mundo. O ensino escolar da Matemática apresentava um século de atraso em relação ao estado actual dos conhecimentos: foi esta a mensagem que a O E C E (ulteriormente O C D E ) cap­tou e difundiu, em primeiro lugar, na Europa. As conferências de Royaumcnt (1959) e de Dubrovnik (1960) deram o tom: era necessário tentar recuperar este atraso, formularamnse inúmeras propostas respeitantes às inovações a introduzir no conteúdo do ensino, que foram concretizadas em novos manuais escolares e baptizou-se este conjunto de «Matemática moderna», a qual foi ob­jecto, entre peritos e charlatões, de uma rivalidade encarniçada, cujos resultados foram, em geral, decepcionantes. Os po-

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Hans Freudenthal

bines professores, incapazes de acompa­nhar o movimento, ¡eram obrigados a aprender e, e m seguida ensinar aos ou­tros a «nova Matemática», que, na maior parte das vezes, não era mais do que u m a «nova extravagância», tão impossí­vel de ensinar como de aprender e que, de «Matemática», só tinha o nome.

A euforia dos anos 60 deu oirigem ao desencantamento dos anos 70. N o início do movimento a favor da Matemática moderna, as primeiras advertências per-deram-íse entre clamores, por terem sido julgadas com comiseração como tenta­tivas realizadas para salvar a Matemá­tica ultrapassada, ou por terem sido objecto de ataques por alta traiçãoi. Pas-saram-se vinte anos. Estiaremos mais avançados? E quais as lições a tirar das nossas desilusões?

O principal erro dos partidários da Matemática moderna residiu no facto de se terem colocado n u m a falsa perspec­tiva: até agora, consideravansie tradicio­nalmente que o ensino da Matemática, a qualquer nível, era determinado pelos conhecimentos requeridos na etapa se­guinte, e que se tratava de um. processo gradual e selectivo devendo culminar em nobres investigações matemáticas. Ora, a ideia inovadora proposta pelos defen­sores da Matemática moderna consistia e m efectuar «encurtamento»: os concei­tos mais adiantados deviam ser ensina­dos na escola infantil — m e s m o por pro­fessores que não possuíam a menor ideia do seu significado n e m das suas verda­deiras aplicações no plano matemático. Assim, certos sistemas colocados ao ser­viço de abstracções matemáticas, desli­gados do seu sentido e do seu contexto matemáticos, considerados temas de es­tudo, concretizados de maneira absurda, eram ensinados a crianças de qualquer idade.

GMo oposto desta concepção da Mate­mática, disciplina erudita cujo ensino é dispensado e m todas as idades, existe u m a outra concepção, actividade natural

e social cuja evolução acompanha a do indivíduo e a das necessidades n u m mundo e m expansão. A Matemática é a expressão de u m a atitude, u m a maneira de dominar o mundo nos planos cogni­tivo, prático e afectivo.

Difere de muitas outras actividades cognitivas pela maneira como sublinha a relação que existe entre a forma e o conteúdo. C o m o e m todas as ciências, o volume dos conhecimentos aumentou con­sideravelmente e continua a progredir a u m ritmo acelerado; mas , paira a M a ­temática, as actividades desenvolvidas para ordenar estes conhecimentos, assim como o arsenal de meios de que dispo­mos para este fim, tamibém progrediram. Desde o início da História da Matemá­tica, a apresentação racional dos conhe­cimentos matemáticos graças a utensílios matemáticos constituiu u m a das preo­cupações dos matemáticos criadores, se­não dos compiladores. A Álgebra literal, a Geometria baseada no princípio das coordenadas e até o cálculo foram pri­mitivamente inventados como instrumen­tos matemáticos, destinados a apresentar diferentemente conhecimentos existentes, mas , afinal, estes instrumentos revela -ram-se tão poderosos que geraram, por sua vez, u m a considerável soma de novos conhecimentos.

E m Matemática, o método moderno consiste e m identificar estruturas aná­logas ocultas e m diferentes objectos, ope­rações e métodos matemáticos, e m sa­lientar estas estruturas e e m as redefinir de modo independente, a fim de reorde­nar e de desenvolver amplos campos de investigação.

A s estruturas são u m fenómeno uni­versal. É estruturando o meio à nossa volta que conseguimos dominá-lo, em certa medida. Esquecemos as caracterís­ticas individuais dos seres que contamos, medimos e pesamos: para ser dominada, u m a estrutura rica deve ser empobrecida.

A Matemática conhece estruturas de diversas espécies: a estrutura mais po=

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Matemática nova ou educação nova?

tore que somo® capazes de imaginar é determinado conjunto particular, embora seja possível dotar qualquer conjunto de uma estrutura rica. Como estrutura rica, podemos citar, por exemplo, a Geometria euclidiana, com as suas linhas, planos, círculos, quadrados, esferas, corpos re­gulares, arranjos ¡em xadrez, isometrias, notações e simetrias. As estruturais po­bres são aplicáveis a numerosos casos, mas a sua aplicação não é das mais sim­ples: consiste em enriquecer uma estru­tura pobre de maneira apropriada. Por outro lado, existem estruturas matemá­ticas tão ricas que podem ser imediata­mente aplicáveis, mas unicamente em casos muito específicos.

O ensino da Matemática moderna apoia-íse numa hierarquia poderosa. Co-meça-se pelais estruturas e pelo® conjun­tos matemáticos mais pobres, gradual­mente enriquecidos por uma rede cada vez mais complexa de ramificações. A construção desta hierarquia exige opções. Ë u m modo de apresentação m a ­temática que pode, contudo, efectuar-se de múltiplas maneiras, em função de objectivos variados.

¡Piaget, de início profundamente in­fluenciado pela hierarquia geométrica elaborada ¡por Klein, propôs-ise provar experimentalmente que esta hierarquia correspondia exactamente à maneira como os conceitos 'espaciais se desenvol­vem no plano psicológico. K m seguida, confrontando com a hierarquia da M a ­temática elaborada por Bourbaki, tentou fazer o mesmo quanto ao desenvolvi­mento dos conceitos matemáticos. A teo­ria geral de Piaget afirmava que o de­senvolvimento mental do indivíduo acom­panha uma evolução epistemológica e a epistemologia da Geometria e da Mate­mática confundianse, para ele, com as hierarquias de Klein e de Bourbaki as únicas de que tinha conhecimento. Assim, seguindo Piaget, o desenvolvimento cogni­tivo devia começar pelas estruturas mais pobres e progredir até atingir gradual­

mente estruturas cada vez mais ricas. Pela minha parte, esta hipótese parece--me muito improvável. As experiências de Piaget, embora especialmente conce­bidas para o apoiar, nem sempre forne­ceram resultados convincentes.

Confirma-se que a noção de número se adquire como a linguagema, à maneira de u m vocabulário; é graças a este vo­cabulário e à sua constância, por outras palavras, é graças ao sistema decimal, que a criança aprende a dominar os nú­meros e a Aritmética. Ora, nenhuma hierarquia da Matemática considera uma característica tão antropomórfica na aquisição da noção de número — com efeito, a Matemática é universal, por assim dizer, cósmica. N e m Piaget, nem a sua escola, nem outras escolas de Psi­cologia prestaram atenção ao papel de­sempenhado pela estrutura decimal no desenvolvimento e na aquisição da noção de número.

Para dar outro exemplo, o plano e o espaço são, segundo Piaget, figurações mentais no sistema que ide conhecia, isto é, no sistema de coordenadas carte­sianas. Não obstante esta certeza, todas as observações indicam uma estrutura­ção polar e não cartesiana do plano e do espaço no decorrer do desenvolvimento mental.

Ainda neste caso, colocam-se na mesma perspectiva errónea: passam de estrutu­ras pobres para estruturas ricas. Trata-se de uma perspectiva essencialmente de­dutiva da Matemática, concebida como «produto acabado» e não de uma pers­pectiva histórica ou evolutiva de desen­volvimento matemático. Esta concepção não é válida no plano didáctico. Contudo, justificada pelos argumentos de Piaget, adquiriu direitos de cidadania na Mate­mática moderna, pelo míenos em princí­pio.

O derrotismo actual de certo® meios é tão pouco justificável como a euforia dois anos 60, ligada à falsa ideia se­gundo a qual podemos modificar o en-

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Hans Freudenthal

sino da Matemática, ou de qualquer ou­tra disciplina, por decreto, por meio de bons ou maus manuais, de livros edita­dos a preto e branco ou a três cones. Ora, foi o que se tentou e m muitos países e foi esta política, e não a «Matemática moderna», que falhou. Infelizmente, o nascimento da Matemática moderna coin­cidiu com o das teorias pedagógicas que tentaram institucionalizar o desenvolvi­mento educativo considerando-o u m pro­cesso burocrático — opinão sempre tenaz e que todos os novo® fracassos parecem reforçar. Contudo, existe outra maneira de lenfrentar a inovação: eoncebendo-a como u m processo pedagógico' e m que participem todaJs as pessoas interessadas, incluindo os professores encarregados de ensinar, e não como u m estudo compa­rado dos coef icientes de correlação ¡e das equações de regressão.

A s desilusões actuais exprimem-se pelo novo «slogan»: «Regresso às disciplinas de base», o que significa: «Abandone­m o s a Matemática moderna, a favor da querida Matemática de outros tempos». É , de certo modo, o que sucede com a moda feminina : apresentam-s© estilos ul­trapassados como estilos último grito. Os editores estarão em condições de adaptar o material educativo e m prazos tão curtos? É evidente que não!

O que adaptam é a publicidade. A c ­tualmente, louvam-se os méritos de u m a série de manuais como paradigma da Matemática tradicional, embora os ti­vessem recomendado, há dez amos atrás, como o siuprassumo da «Matemática m o ­derna». Este exemplo mostra, u m a vez mais, a que ponto as transformações fun­damentais foram pouco numerosas1, no conjunto.

«O regressa às disciplinas fundamen­tais» constitui outra perspectiva errónea. O que importa é caminhar sempre nesta direcção. C o m efeito, a Aritmética do passado não é mais fundamental do que os relógios de pêndulo dos nossos avós. O s problemas da Aritmética tradicional

não regressarão nunca, e o ensino tra­dicional da Aritmética também não vol­tará a viver.

Que aconteceu à numeração tradicio­nal? E por que não perguntar por que ninguém se interessa já pela caligrafia antiga? Os manuscritos medievais são puras obras-primas, m a s o tempo* não parou no fim da Idade Média. A s letras e os manuscritos das gerações passadas levam-nos a duvidar seriamente de que a caligrafia tenha sido u m hábito cor­rente ou u m a virtude dos tempos antigos.

A aptidão para calcular diminuiu, em geral? Não estou muito certo¡. T e m con­tinuado a diminuir? Talvez em, certos países. Os especialistas da educação po­deriam muito utilmente tentar determi­nar e m que medida esta baixa de nível se deve ao sistema de avaliação dos re­sultados escolares. E m certas regiões do mundo, os teóricos e profissionais da edu­cação estão obcecados pela ideia de que podemos e devemos medir estes resul­tados. Admitindo que assim seja, não se responde à pergunta: «Que resultados?» Qualquer resposta exige, previamente, u m a filosofia do ensino. Medindo resul­tados que não interessa medir, as con­clusões talvez sejam exactas do ponto de vista formal, m a s serão despidas de sentido ou perigosas.

Examinemos as perspectivas erróneas que mencionei. Encontrain-se todas li­gadas aos seguintes factores!: progressão descendente da Matemática superior em direcção à Matemática elementar, estru­turas pobres precedendo as estruturas ricas, inovação criada por pressões ex­ternas, e não por u m a evolução interna, regresso às disciplinas fundamentais, e m vez de movimento de progresso neste sen­tido. Por disciplinas fundamentais, deve­mos entender u m a filosofia fundamental do ensino e m geral, e de determinadas disciplinas e m particular. N ã o há educa­ção nem evolução pedagógica sem Filo­sofia, nem pode ser substituída por ca­tálogos de objectivos a atingir.

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Matemática nova ou educação nova?

A Matemática é uma actividade hu­mana simultaneamente natural e social, tal como a palavra, o desenho e a escrita. Figura entre as primeiras actividades cognitivas conhecidas e foi a primeira disciplina a ser ensinada, mas evoluiu e transformou-se sob a influência das m o ­dificações sociais, bem como a sua Filo­sofia e a maneira de ser ensinada. Per­miti que o prove, considerando o exemplo da numeração.

H á já u m milénio, quem participasse na vida económica deveria conhecer al­guns rudimentos de cálculo, mas este nível mínimo foi rapidamente ultrapas­sado pelos empregados da administração pública e do sector privado, que iriam tornar-se numa das origens de Matemá­tica profissional.

Existem diversos graus de competên­cia em matéria de cálculo, como em m a ­téria de alfabetização': os armazenistas e os banqueiros exigiam dos seus em­pregados u m nível extremamente elevado que só uma minoria podia atingir. Esta minoria, cujos membros ganhavam a vida efectuando, sem se enganar, opera­ções matemáticas, constituía uma mão-•ide-obra barata que conseguiu, durants cinquenta anos, refrear a difusão e o desenvolvimento das calculadoras mecâ­nicas e dectrónicas. Ora, em matéria de calcular, OB homens, mesmo os mais com­petentes, já não são capazes de rivalizar com os ordenadores.

Que entendemos por «numeração»? Seja qual for a resposta, não tinha, há cinquenta anos, o sentido que tem hoje e, actualmente, não possui o mesmo signi­ficado nos países em desenvolvimiento e nos países desenvolvidos; esta verificação não é válida unicamente para a nume­ração, mas para o conjunto da Matemá­tica. A Matemática é universal a nível dos conceitos, mas, como fenómeno, de­pende do meio ambiente. Ignoro quase tudo do terceiro mundo e das suas ne­cessidades, mas sempre que vejo que a Matemática destinada às crianças do

Terceiro Mundo é uma simples cópia da que é ensinada nais regiões industria­lizadas, sinto-me escandalizado-, tanto quanto m e sinto ao ver que a Matemática destinada aos adolescentes deriva das teorias de Bourbak.

É u m facto- que, aos doze ou treze anos, a maioria dos jovens ainda não- é capaz de efectuar operações aritméticas sem se enganar. É ilusório acreditar que uma melhoria do ensino1 bastará para modificar profundamente este estado de coisas. Tentá-lo seria tempo pendido. Actualmente, a fiabilidade das operações aritméticas compete aos ordenadores. Mas, compreender a Aritmética é algo de muito diferente. É deplorável veri­ficar que, na maior parte das investi­gações pedagógicas consagradas à M a ­temática, não conseguimos distinguir convenientemente duas noções distintas: aquisição dos mecanismos e compreensão. As taxonomías que pretendem esclarecer certas ideias brumosas sobre os níveis de compreensão tornaram-nas ainda mais nebulosas e confusas, sobretudo no que se refere à elaboração de testes.

¡Se é verdade que são raros os jovens de doze ou treze anos capazes de efectuar operações aritméticas sem se enganar, também é verdade que os que se encon­tram aptos a compreender a Aritmética são muito mais numerosos. O insucesso nos testes de aptidão não traduz neces­sariamente uma incapacidade de com­preender. Felizmente, por reacção contra u m tipo de cultura baseada no® testes, os manuais escolares fundamentanvse cada vez malis na compreensão das no­ções aritméticas, Elalboraram-se novos métodos que permitem ensinar o© algorit­mos suscitando a apreensão natural da numeração de posição.

A nossa numeração de posição é cons­truída a partir de dois princípios, u m estrutural, que consiste em condensar ite­rativamente dez unidades numa unidade nova, e a outra, «nocional», que consiste em utilizar os mesmo© símbolos para

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Hans FreudentM

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muitas unidades, a qualquer nível, dis­tinguindo os níveis de unidades pela sua posição.

O ¡primeiro princípio remonta à antiga Aritmética dos Egípcios, enquanto o se­gundo surge na Aritmética dos Babiló­nios que, de resto, tinham adaptado a base 60 e não a toase 10. Os dois princí­pios foram concretizados por material pedagógico moderno (fig. 1) : cubos para as unidades mais fracas, combinando-se sucessivamente em réguas de dez unida­des e, depois, em placas de dez réguas e, em seguida, em grandes cubos de dez placas, representando respectivamente as unidades 1, 10, 100 e 1000. Com bases

diferentes da decimal, podemos utilizar o mesmo sistema empregando «blocos multábase». Trata-se de material útil, não obstante a sua falta de maleabilidade e a sua teoria baseada exclusivamente na numeração de posição. Os dois princípios confundem-se no ábaco, o mais antigo instrumento aritmético da humanidade1, conservado em certas regiões da União Soviética e na Ãsia Ocidental, despre­zado na Europa depois do desenvolvi­mento da matemática escrita, mas nova­mente valorizado como meio didáctico muito eficaz (fig. 1& e c).

Escolhi a numeração para ilustrar a influência da filosofia da educação na

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evolução do ensino. Contudo, a numera­ção não engloba toda a arte da «Mate­mática», mesmo ao nível primário'. Pelo contrário, atribuir uma grande impor­tância à numeração corre o risco de ser sintoma de uma filosofia errónea, ou, pelo menos de uma filo'sofia ultrapas­sada, ainda defendida na maior parte dos manuais escolares, não obstante a superficial homenagem prestada a ou­tros valores.

Por outro lado, apesar destes manuais escolares, as tentativas realizadas em todo o mundo para exprimir uma filo­sofia mais ampla da Matemática, ensi-nando-a de uma nova maneira, foram numerosas e repletas de promessas. O lei­tor compreenderá que m e cinja à filoso­fia com a qual m e encontro mais fami­liarizado, isto é, a do I O W O (Institut Ontwikkeling Wiskunde Onderwijs: Ins­tituto para o Desenvolvimento do Ensino da Matemática, Tiberdreef 4, Utrecht. Holanda), institucionalizada em 1971 após os estudos ef ectuados durante dez anos pela Comissão sobre a moderniza­ção dos estudos matemáticos ( C M L W ) . Permiti que vos resuma os conceitos fun­damentais do I O W O , através de alguns «slogans» que sublinhem os seguintes pontos a propósito da Matemática:

Actividade humana em vez de disciplina pré-estabelecida ;

Matematização da realidade, em vez de

realidade já matematizada; Reinvenção em vez de transmissão dos

conceitos; Apresentação da realidade como fonte,

a priori, da Matemática, em vez de domínio de aplicação;

Articulação da Matemática com os ou­tros domínios, em vez de apresentação isolada ;

Contextos ricos de significado, em vez de ¡reunião de problemas linguísticos ;

Elaboração de figurações mentais, em vez de conceitos;

Abordagens múltiplas em relação a con­

ceitos novos, em vez de concretização múltipla;

Compreensão em vez de mecanismo. Empreguei os termos «sublinhar» e

«em vez de» para indicar que se trata de deslocar o ponto de equilíbrio. Com efeito, o ensino institucionalizado! tem tendência para se apoiar no «lado er­rado», enquanto os esforços inovadores têm tendência para equilibrar a balança.

U m a Filosofia adequada exprime-se por actos e não por palavras. Os «SIOK gans» não têm sentido se não nos remete­rem para factos. O ensino da Matemática põe em jogo muitos factores, não só para o aluno, mas também para o> pro­fessor, o professor estagiário, o forma­dor dos professores, o conselheiro, o res­ponsável pelo® programas de estudos: relatórios e análise das experiências pe­dagógicas a todos os níveis, fracassos e êxitos, ideias experimentadas ou não. Contudo, estes factores não terão valor em si mesmos se não traduzirem uma certa Filosofia.

E m pequena escala, já se provou que é possível. A grande escala, a prova exi­girá mais tempo. E m matéria de edu­cação, a inovação é u m processo que abrange o conjunto da sociedade, mas em relação aos alunos considerados in­dividualmente, a grupos de alunos, a instituições pedagógicas, é a sociedade que necessita de mais tempo para apren­der, e há matérias mais fáceis de apren­der do que a Matemática e a arte de a ensinar.

O objecto do presente artigo não con­siste em ilustrar certas noções relativas ao ensino da Matemática, mas tentarei, pelo menos, dar uma vaga ideia do sen­tido que atribuo aos seus «slogans».

Comecemos por uma pequena história que se passa no jardim infantil. N a sala de aula há u m aquário. De vez em quando, é necessário limpá-lo. As crianças interrogam-se sobre a maneira como a professora realiza esta operação. Ê necessário apanhar os peixes corai uma

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FIG.

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FIG. 4

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rede e colocá-los num outro recipiente. «Agora, diz Ann, é fácil contar os pei­xes». Já tentou unia vez, mas, a toem dizer, sem conseguir. «Minha senhora, nadam todos juntos e cruzam-se em to­dos os sentidos».

A professora retira os peixes u m por um. Conta três, mas, em seguida, apanha três de uma só vez. «Minha senhora, já nao sou capaz de os contar», diz Ann. A professora responde: «Podia retirar os peixes, desenhá-los e, em seguida, contá-los no papel».

É uma toda ideia. Ann vai buscar u m pedaço de papel e u m lápis. «Espere u m pouco!» Começa por desenhar os três peixes do outro recipiente e, em 'seguida, os três restantes. Consegue facilmente acompanhar o ritmo sem esquecer ne­nhum. Quando o aquário se encontra vazio, vai contar os peixes que retirou e exclama orgulhosamente: «Agora, já sei quantos há: quinze».

Alguns dias mais tarde, morrem dois peixes. «É pena, agora o número é falso», diz. Ignora quantos peixes vivos ficaram no aquário. «Pega na folha em que de­senhaste os peixes», sugere a prof essora. Ann apaga dois peixes e conhece agora a nova resposta...

É inútil comentar esta pequena his­tória. Conhecemos também a da «terra rodeada de água», ilha encantada na qual os alunos do primeiro ano realizam, du­rante alguns meses, a aprendizagem da Matemática. São transportados de barco (fig. 2).

Quantas crianças são, quantos auto­carros com duas oiu três pessoa® em cada banco? E m que sentido se deslo­cam? Qual o caminho mais curto e como descrevêJlo ? Qual a extensão deste ca­minho? Como ir do moinho ao farol? Adivinhe as inscrições do poste indica­tivo. Onde pode estar este poste indica­tivo (fig. 3) ? As torres da ilha são construídas com os mesmos elementos; como poderão descrevernse (fig. 4) ? Como se pode escalar a montanha de

FIG. 6

FIG. 7

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o 1 3 4 5 6 7 S 9 10 11 12

FIG. 8

FIG. 9

cubos pelo lado direito (fig. 5) ? De quantos 'blocos se compõe? Como se po­derão descrever as construções de blo­cos (fig 6) ? Que vêem deste ponto da ilha e donde foi tirada esta fotografia (fig. 7) ? Quantas viaturas se encontram neste parque de estacionamento? H á fi­las de autocarros com pessoas que sobem e descem: é uma maneira de abordar a Aritmética (fig. 8).

Os conjunto® consitituem uma noção f undamental nas diversas concepções da «Matemática moderna». É inútil subli­nhar que o I O W O poderia dispensar es­tas abstracções prematuras. A noção de número não se baseia em conjuntos nem deles decorre. Os desenhos ¡aqui apre­sentados fornecem alguns exemplos da maneira como ela é adquirida graças à noção de estruturação, apoiando-se nela. Quantos lenços, quantas molas (fig. 9) ? Poderíamos dispensar algumas molas (fig. 9) ? H á mais luas do que sóis? (fig. 10), mais pérolas escuras do que pérolas brancas (fig. 11) ou como se vê que os números são iguais?

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FIG. II

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Matemática nova ou educação nova?

F I G . 12. Qual a ordem por que foram tiradas as fotografías?

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Hans Freu den thai

A üha é o tipo de contexto que, na terminologia do I O W O , se designa por «lugar». Outro género de contexto é a «historia». Como exemplo, citarei a his­tória do salvamento do Bermudes, des­tinado aos alunos do 4.° e do 5.° anos de estudos: u m iate em perigo, identifi­cado e salvo por u m rebocador. U m a oca­sião para aprender a utilizar mapas e para estudar Geometria. Vejamos o se­guinte extracto: «Qual a ordem das fo­tografias tiradas a bordo do navio que percorre a costa» (fig. 12) ?

F I G . 13. E m tua opinião, qual seria o teu tamanho diante desta imagem? Charles indica o tamanho que considera ser o seu. «Estão todos de acordo?» Jean pensa que Pierre está u m pouco grande de mais: «Não és tão alto como esta porta». Charles rectifica a sua estimação. O professor acrescenta outra parte da imagem.

O conceito de «relação» constitui um dos meios mais eficazes de estruturar a realidade, mas perde muito do seu poder quando é introduzido prematuramente como u m conceito matemático, sistemá­tico, e formal. O extracto de uma lição destinada ao primeiro e ao segundo' anos de estudos (figs. 13-14) indica a maneira como o I O W O enfrenta o problema,

Ficarei por aqui. Alguns exemplos des­tinados a ilustrar as ideias fundamentais do I O W O pareceram-me preferíveis a uma exposição global.

O programa de estudos do I O W O foi estabelecido em holandês, mas traduzi-ram-se alguns extractos para francês e inglês. U m a análise intitulada «Five years IOWO» foi apresentada em inglês na publicação Educational studies in ma­thematics, vol. 7, n.° 3 (Agosto de 1976).

F I G . 14. « C o m o pode ser possível? — O h , já sei, é u m a casa de bonecas!»

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Rolf Hedrén

A s calculadoras de bolso

e a matemática na escola primária

N a Suécia, como a m outro® países de-sanvoilvidas, a calculadora de bolso tor-nou-se mais barata e de utilização mais corrente. Esta evolução, como é evidente, influenciou o ensino 'da matemática ao nivel secundario. A calculadora de 'bolso vedo substituir a régna de cálculo- como principal instrumento de cálculo das crianças dos sete aos doze ano®. Trata-se, agora, de saber qual o melhor partido a tirar dos diferentes tipos de calcula­doras: das mais simples, efectuando as quatro operações principais de Aritmé­tica, até as calculadoras programáveis.

Surgem outros problemas, ainda mais delicados: devemos autorizar o emprego da calculadora na escola primária e, e m caso afirmativo, como deve ser utilizada? A o nível do ensino primário, que inci­dências poderá ter o emprego da cal­culadora sobre o talento e os conheci­mentos do aluno?

O Ministério sueco da Educação en­carregou u m a comissão de analisar as consequências do emprego da calculadora de bolso tanto no® estudos1 obrigatórios (desde o primeiro ao nono ano) como no segundo ciclo do ensino secundário (do

Rolf Hedrén (Suécia). Professor de Matemática na Universidade de Falun-Borlange e presidente da Comissão encarregada de estudar as consequências do emprego da calculadora de bolso nas classes superiores do ensino primário.

décimo ao décimo segundo ano). Esta comissão dividiu-se e m várias pequenas equipas oeupamdo-se dos diferentes ní­veis. C o m o chefe da equipa encarregada deste problema nas classes superiores d° primário (do quarto ao sexto ano de es­tudos) , insistirei essencialmente neste ní­vel. Pensamos não só permitir que Os alunos utilizem a calculadora de vez e m quando, a título de sucedâneo estimu­lante do estudo tradicional da matemá­tica, como t a m b é m determinar como poderia a calculadora ser utilizada sis­tematicamente e com proveito para o ensino e quais os risco® então incorridos.

Problemas

A atitude de facilidade, e ¡talvez a menos arriscada e m relação à calculadora, con­siste, sem dúvida, e m a proibir pura e simplesmente. Os argumentos e m sua de­fesa não faltam. Os alunos devem apren­der o cálculo mental e algoritmos escri­tos, pois, de contrário, serão incapazes de realizar estas operações sem o auxílio de u m a calculadora.

Contudo, depois de termos examinado o problema mais atentamente, chegámos a u m a conclusão diferente. A calculadora está a tornar-se u m auxiliar fundamental na sociedade e no lar, ie O' seu emprego quotidiano eneontra-se cada vez unais divulgado. Se esta evolução prosseguir — e tudo leva a crer que prosseguirá —

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Rolf Hedrén

é infinitamente provável que ios 'alunos de hoje (os cidadãos de amanhã) não ne­cessitem de algoritmos escritos, cujo en­sino ocupa perto de metade ido tempo atribuído à Matemática. Será verdadei­ramente razoável consagrar tanto tempo, trabalho e dinheiro', a u m ensino de que os alunos beneficiarão certamente muito pouco durante a sua vida de adultos?

Por outro lado, observa-se u m a ¡ten­dência crescente para estabelecer liga­ções entre os estudos secundários e a vida na sociedade. Mais u m a vez, como proibir as calculadoras na escola, se as utilizamos na vida corrente?

A s investigações realizadas no ¡nosso país afirmam que os alunos adquirem geralmente com dificuldade o domínio dos exercícios algorítmicos, m e s m o bast­íante simples, no contexto do ensino tra­ditional. Permitimo-nols supor que as dificuldades enfrentadas nestes exercí­cios explicam, e m grande parte;, que a maior parte das crianças das escolas primárias se desinteresse cada vez niais da Matemática.

Actualmente, a aptidão dos 'alunos para resolver problemas1 matemáticos — isto é, para realizar cálculos correctos, no contexto adequado e na ordem pre­tendida — continua a ser medíocre. Tal­vez pudesse ser aquirida mais facilmente se estes cálculos manuais fastidiosos, que os alunos visivelmente não dominam, fossem suprimidos. Se fossem autoriza­dos a utilizar calculadoras de bolsoi, tal­vez aprendessem a resolver problemas mais rápida e mais facilmente? Neste caso, os professores poderiam ¡apresen-tar-lhes problemas directamente relacio­nados c o m situações ¡reais, e m vez de procurar dados numéricos destinados a facilitar o cálculo.

Posto isto, não ignoramos que a intro­dução da calculadora de bolso na escola possa acompanhar jse de outrais inova­ções.

E m primeiro lugar, seria conveniente adoptar novos tipos de manuais, que

contenham menos algoritmos escritos, u m a vez que os alunos poderão aprender rapidamente a utilizar a calculadora para as quatro operações aritméticas princi­piais. Esteis manuais deverão 'apresentar muitos problemas relacionados com a realidade. Conceitos matemáticos suple­mentares, actualmente inexistentes nos programas, poderiam ser introduzidos: por exemplo, deveria ensinar-se muito mais cedo que u m erro de arredonda­mento de números pode ser 'ampliado n u m cálculo mais importante.

Apesar de considerarmos que os exer­cícios de algoritmos apresentam, e m si mesmos, u m interesse muito reduzido, aprender a efectuá-los e a praticá-los pode exercer muitos efeitos' positivos que desapareceriam se fossem ¡suprimidos. Graças aos algoritmos, por exemplo, os alunos treinanuse e m cálculo mental e e m estimações (em particular no que se refere à divisão) e adquirem, assim, u m a ideia das propriedades de divisibi­lidade dos números, dos números primos e da ordem de grandeza dos números (qual é o 'maior dos dois números da­dos?).

Propostas de acção

A minha equipa elaborou u m a série de propostas de acção que podem resumir--ae assim:

Iniciação e ¡treino mais aprofundado do emprego da tabuada, até 9 + 9 ; 18—9; 9X9 e 81 : 9.

Treino mais aprofundado do cálculo men­tal. Incluímos nesta categoria os exer­cícios de «utilização aplicada da ta­buada», por exemplo, do tipo seguinte: 600 + 700; 4070 + 300; 1300 — 600; 2100 — 1; 20X300; 6 X 6 1 0 ; 900 : 30 e também 7 X 8 + 5 . Deveria atribuir-se mais importância aos métodos de cál­culo mental mais rápidos.

Treino mais aprofundado da estimação. O s alunos deveriam arredondar os nú­meros dados, realizando, e m seguida,

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A s calculadoras de bo'lso e a matemática na escola primária

¡cálculos do género dos indicados no parágrafo precedente. É necessário insistir nestes pontos

para pôr termo à diminuição da capaci­dade de calcular mentalmente e à esti­mação susceptível de se produzir se o aluno realiza menos exercícios algorít­micos.

N o que se refere ao cálculo escrito, definimos certos objectivos que deveriam ser atingidos por quase todos os alunos no fim dos estudos primários.

Deveriam ser capazes de adicionar dois números, inteiros ou decimais, ou sub­traí-los u m ao outro.

Deveriam ser capazes de efectuar mul­tiplicações e divisões e m que pelo menos u m dos factores seja u m algarismo, por 10, 100, 1000, etc., números inteiros e números decimais.

O que acabo de indicar pode ser con­siderado u m mínimo. O s alunos mais capazes saberão certamente dominar al­goritmos 'mais complexos.

O s números decimais serão estudados bastante cedo, pois a maior parte dos problemas ida vida corrente referem-se a preços, medidas, etc., que se exprimem,, muitas vezes, e m números decimais.

Deveríamos aumentar o número de problemas escritos a resolver c o m a ajuda de u m a calculadora de ¡bolso.

Importa que os problemas de cada secção não sejam todos resolvidos pela m e s m a regra de Aritmética. Deveriam apresentar-se problema® que necessitas­sem do emprego de variais regras. Este último tipo é, e m geral, muito difícil, pois as calculadoras mais simples não respeitam as regras de prioridade cor­rentes. Pensamos, contudo, que os pro­blemas retirados da vida corrente, e or­denados como indicámos, conduzirão os alunos a tirar partido dos seus talentos matemáticos para resolver os problemas da vida de todos os dias que deverão enfrentar na idade adulta.

O s alunos devem estar treinados na estimação dos resultados de problemas

comportando u m enunciado. Esta apren­dizagem é importante, pois podem .pro­ceder de m o d o errado, utilizar u m a regra aritmética contra-indicada ou cometer outros erros do m e s m o género.

Segundo u m programa de estudos re­visto, os alunos aprenderiam a resolver certos problemas reunindo e aproxi­mando dados pertinentes, decidindo quanto aos cálculos a efectuar, e reiali-zando-os c o m a ajuda de u m a calcula­dora de bolso, se o desejassem. Trata-se, como é evidente, de habituar os alunos a utilizar a Matemática n u m a situação real, para calcular, por exemplo, Oi custo de u m a festa na escola.

A descoberta livre, isto é, ¡as iniciativas originais, c o m ou sem calculadora, de­veriam constituir uni aspecto importante dö programa de estudos.

Jogos, competições e experiências de conteúdo matemático oferecem aos alu­nos possibilidades de desenvolver a sua criatividade, familiarizando-se c o m os números. Estes exercícios constituiriam u m a ocasião de reflectir sobre O' pro­blema dos números primos, da divisibi­lidade de u m número, dos quadrados per­feitos, etc.

Segue-se u m 'exemplo de exercício de livre descoberta. Depois de escrever no quadro as sguintes multiplicações:

37 X 3 = 37 X 9 = 37 X 6 = 37 X 12 =

permitimos que os alunos .efectuem os cálculos com as suas calculadoras. De­pois, escrevemos no quadro as multipli­cações seguintes, pedindo4hes que adivi­n h e m os resultados, dos quais verificarão a exactidão c o m o auxílio da calculadora :

37 X 15 = 37 X 24 = 37 X 18 = 37 X 37 = 37 X 21 =

É necessário estudar as possibilidades que a criança tem de apreender melhor os conceitos matemáticos, servindo-se de u m a calculadora de bolso-. Poderemos,

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Rolf Hedrén

por exemplo, permitir que os alunos uti­lizem a sua calculadora para multiplicar números decimais, ou u m número inteiro por u m número decimal, e descobrir o número de decimais do produto. Poderão, assim, «descobrir» a regra da colocação da vírgula na multiplicação.

N o cálculo das potências, a calculadora de bolso constitui u m excelente auxiliar da aprendizagem do valor da potência. Concorrentemente, os alunos poderão compreender o ritmo de progressão de uma potência, e, assim, iniciar-se incons­cientemente nas funções exponencial e kígarítmica.

Trabalho experimental

O conteúdo do programa do quarto ano aqui esboçado foi preparado pela nossa equipa e encontrasse em experimentação, este ano, em oito classes. Os resultados desta experiência, incluindo as críticas e sugestões dos alunos ,e dos professores, vão permitir a revisão do conteúdo do programa que experimentaremos em muitas outras classes no proximo* ano escolar. Assim, em todas ais classes su­periores do ensino primário serãoi expe­rimentados programas.

Observamos e conservamos os resul­tados dos testes gravando as aulas, para as estudar mais atentamente; também efectuamos séries de observações direc» tas, nas aulas, assim como mquéritos e entrevistas com os professores e os alu­nos. Algumas classes de controlo são* estudadas do mesmo modo. Procuramos informar-nos, graças a este programa, sobre a maneira como os professores e os alunos utilizam a calculadora de bolso, e sobre o interesse que o seu emprego pode apresentar em diferentes contexto®. Esperamos, assim, descobrir as falhas que os métodos possam comportar e re­comendar, então, melhores ¡técnicas. Por outro lado, esperamos poder descobrir os efeitos secundários do cálculo algorítmico e descobrir se será ou não .possível com­

pensar a falta de prática que surgirá com a redução do número de exercícios algo­rítmicos. Se verificarmos que os alunos das classes experimentais possuem menor preparação em determinados aspectos, devemos procurar os meios de compen­sar este handicap.

Aplicaremos igualmente testes de tipo tradicional nas classes experimentais e nas classes de controlo. Tentaremos de­terminar o nível de habilidade atingido não só no cálculo algorítmico, mas tam­bém nas operações que nãoi se encontram ¡directamente ligadas a algoritmos, como a resolução de problemas escritos, a clas­sificação de números por ordem de gran­deza, o emprego de unidades adequadas, a estimação da proporcionalidade, a in­terpretação de diagramas, etc.

De assinalar ainda que uma equipa especial elaborou u m teste sobre oi nível de habilidade em cálculo não algorítmico a utilizar no 6.° e no 8.° anos. A expe­riência já foi realizada em muitas classes em que a calculadora de bolso não era utilizada. Empregá-la-emos, como é óbvio, quando os nossos trabalhos de experi­mentação atingirem o 6.° ano de estudos, mas também esperamos poder conferir a este teste u m campo de aplicação bem mais extenso. .Sejam quais forem os re­sultados da experiência a que a minha equipa procede, estamos convencidos de que a calculadora de bolso será introdu­zida, por u m ou outro meio, na sala de aula. Assumirá, então, o maior interesse poder comparar os níveis de habilidade e de conhecimentos dos alunos de amanhã com os dos alunos que não tiveram a pos­sibilidade de empregar uma calculadora.

Ensinamentos a colher da experiência

Como é evidente, ainda não nos encon­tramos em condições de avaliar comple­tamente os resultados desta experiência, embora, de momento, sejam muito posi­tivos. Os alunos interessaram-se pelo

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As calculadoras de bolso e a matemática na escola primária

emprego da calculadora de 'bolso e pare­cem apreciar particularmienite a liberdade de trabalho que lhes proporciona. Por seu lado, os professores estimam que os alunos aprendem, deste modo, pelo menos tanto como com os métodos tradicionais.

Contudo, recebemos, e m certos casos, queixas de pais que receavam que a ex­periência tivesse como resultado u m a aprendizagem menor do que a adquirida por meio do ensino tradicional. U m a dis­cussão aprofundada com estes pais e u m a experiência directa do programa experimental dissiparam praticamente esta® apreensões.

Outro problema devesse a dificuldades de manipulação da calculadora, pelos alunos e pelos professores. Embora nos tivéssemos limitado aio® modelos mais simples, as funções de repetição e de

memória, e m particular, correm o risco de dar origem a dificuldades bastante sérias. Compreendemos que seria neces­sário, na edição revista do programa, explicar mais pormenorizadamente a m a ­nipulação das diferentes calculadoras. Será também necessário, evidentemente, ministrar aos professores e m exercício cursos de iniciação na utilização da cal­culadora.

Sentimos que os resultados obtidos até agora implicam nitidamente que a cal­culadora de bolso poderá ¡ser, e será, introduzida na escola a partir das classes .superiores do primário — o u até talvez miais 'cedo — se existirem manuais espe­cialmente concebidos para este efeito, e desde que estejamos conscientes dos ris­cos que o emprego da calculadora pode apresentar.

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Zbigniew Semadeni

O s «media» na formação matemática

dos professores do ensino primário

na Polónia*

V o u falar dos professoras encarregados dais primeiras classes do ciclo primário que ensinam não só matemática como também a leitura e a escrita, as ciências elementares, os trabalhos manuais, a m ú ­sica, as artes plásticas e a educação fí­sica. Trata-se, na Polónia, dos professo­res dos três primeiros anos (crianças dos 6 ou 7 anos até aos 10 ou 11 anos).

E m geral, admítele a opinião de que, para ensinar os primeiros anos do ensino primário, o pessoal menos qualificado satisfaz. Ë verdade, e m certos aspectos; contudo, se pretendemos que o ensino seja realmente de boa qualidade, é necest-sário que os professoreis possuam u m b o m conhecimento da matéria, diferente do que exige o ensino ao nível secun­dário, mias não inferior.:

N a Polónia, o estatuto social dos pro­fessores do ensino primário e a opinião que tinham de si mesmos colocava-os abaixo dos professores do ensino secun­dário, mas a situação está a modificar-se. D e acordo com a política nacional actual, os professores deveriam, em princípio, possuir u m a formação universitária. Ainda se trata mais de u m ideal do que

Zbigniew Semadeni (Polónia). Professor, director adjunto do Instituto de Matemática da Academia das Ciências da Polónia. Responsável durante dez anos pela utilização da rádio e da televisão na for­mação dos professores do ensino primário no domí­nio da Matemática. Membro do comité executivo da Comissão Internacional do Ensino da Matemática.

de u m a realidade, embora exista u m vasto programa de formação prévia ou e m exercício. Desde 1977, a maior parte das universidades polacas oferecem às futuras educadoras infantis e .professo­res primários cursos que conduzem à licenciatura.

N o actual plano de estudos, os futuros professores têm 120 horas de aulas (com u m a duração de 45 minutos) de Mate­mática, das quais 30 de aulas teóricas, 45 de exercícios e m laboratório e 45 de exercícios na aula; seguem ainda u m curso completo de Pedagogia (referente a todas as matérias) ; as futuras edu­cadoras infantis frequentam 75 horas de aulas de Matemática.

Que Matemática para os professores do ensino primário?

Sobre esta questão, o debate continua e m aberto, m a s a maior parte dos pro­fessores considera que, nas primeiras classes, a Matemática deve ser ensinada por u m professor não especialista, e não por u m professor de Matemática. A mentalidade concreta do professor do ensino primário aproximla-se mais da criança — o que pode ser mais impor­tante do que aplicação de u m a aJborda-

* Versão revista e aumentada do relatório apresen­tado no seminário da Unesco, «Experiences gained from the Polish system N U R T of Radio-TV Tea­chers' University», Varsóvia, Janeiro de 1977.

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Os «media» na formação matemática dos professores do ensino primário na Polónia

gern abstracta. Contudo, a maior parte doe professores das primeiras classes são fracos e m Matemática e demonstram falta de Confiança na sua capacidade para a aprender.

Admite-se geralmente que, nos pro­gramas de Matemática dirigidos aos professores do ensino primário, deve-se respeitar u m a certa progressão, e m pri­meiro lugar, estudar a lógica, depois os conjuntos, depois os números naturais, etc. Sou ¡contra este tipo de apresentação, pois a ordem das teorias dedutivas não ¡reflecte a ordem pela qual as crianças aprendem Matemática. U m professor do ensino primário não necessita de fazer u m a apresentação matemática dais defi­nições, dos teoremas, das provas — que são difíceis de ensinar e cuja utilização na aula não está determinada.

H á meio século, muitas universidades europeias propunham cursos de «Mate­mática elementar de nível superior» (por exemplo, como construir fracções su­pondo conhecidos os números naturais). E m minha opinião, semelhante atitude é mais prejudicial do que benéfica, e m par­ticular nas classes primárias. É raro que os professores a compreendam ¡bem. Pior ainda, este tipo de Aritmética teórica conduz frequentemente a ideias falsas sobre a maneira de ensinar ais crianças. N a educação dos professores, os concei­tos matemáticos devem ser apresentados de maneira correcta e .adaptada à menta­lidade da criança; devem ser correctos quanto ao fundo m a s sem formalismos.

¡Devemos saber que os professores en­sinam provavelmente como lhes ensina­ram. É muito importante ter ¡em conta este facto na elaboração dois planos de estudo para alunos-professores. Estes devem exercer actividades concebidas para as crianças, m a s novas para eles, a u m ritmo de adultos, evidentemente, e com espírito didáctico. Ê o melhor meio de garantir a compreensão dos conceitos matemáticos pelos ¡professores, e é u m 'bom ponto de partida para aprender e

apreciar métodos pedagógicos miais com­plexos. O enunciado dos princípios gerais deve basear-ise no estudo prévio de situa­ções concretas. Assim, as sessões de la­boratório ou de trabalhos práticos, se­guidas de breves explicações destinadas a todos os alunos, parecem preferíveis aos cursos formais — os quais se deve­riam seguir às actividades práticas. A f as-tamo-nos, aasim, do modelo universitário tradicional segundo o qual as aulas de Matemática se realizavam a partir de teoremas gerais cuja aplicação surgia, e m seguida, sob a foirma de exercícios.

Muitas vezes, os futuros professores do ensino primário não possuem expe­riência suficiente para compreender cer­tas relações e regras matemáticas. O m e ­lhor método consiste, então', e m lhes proporcionar a possibilidade de efectuar exercícios análogos aos que deveriam ter feito na sua infância. Obtênvsie, assim, melhores resultados do que limi­tando-nos a explicar estas noções por meio de palavras e símbolos. Como> é evidente, o exercício proposto ao adulto não deve reproduzir simplesimente o que se destina à criança: é preciso atender aos conceitos adquiridos, assim icomo às diferenças de ritmo de trabalho e de motivação. O adulto parece capaz de apreender os novos conceitos de Mate­mática moderna se, previamente, tiver realizado u m certo número de exercícios baseados e m exemplos concretos.

É muito difícil encontrar professores e m número suficiente capazes de ensinar a didáctica da Matemática. U m a abor­dagem mais realista consiste em, separar o curso de Matemática do curso de Peda­gogia e da experiência escolar prática. O objectivo do primeiro curso (confiado a u m a pessoa competente e m Matemá­tica, m a s não necessariamente a u m pro­fessor) consiste e m mostrar aos profes­sores como praticar a Matemática para crianças e, e m particular, como- resolver certos problemas por meio de manipula­ções concretas seguidas de raciocínios;

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Zbigniew Semade ni

o objectivo do segundo curso (confiado a u m professor de Pedagogia) consiste e m lhes mostrar como ajudar as crianças a aprender Matemática.

Reforma dos programas e formação dos professores

N a Polónia, foi publicado, e m 1971, u m novo programa de Matemática para os primeiros anos do ensino primário e apli­cado e m todo o país 'em 1975. Alterava os objectivos, o conteúdo e os métodos de ensino, e implicava importantes pre­parativos: redacção de manuais, prepa­ração de material, preparação do® pro» fessores. A s duas primeiras tarefas não apresentavam dificuldades particulares, m a s a preparação dos professores sus­citava consideráveis preocupações. Raras eram as pessoas que conheciam suficien­temente o novo programa para o< apre­sentar aos professores; ora, a Polónia conta com perto de 70 000 professores do ensino primário e era impossível re­ciclá-los por meios tradicionais. Além disso, muitos professores não possuíam u m a preparação suficiente para ensinar m e s m o o programa tradicional. E m todo o caso, não bastava ajudar os professo­res a assimilar os novos conteúdos e métodos de ensino, era também necessá­rio modificar a atitude e m relação ao processo de aprendizagem da criança.

Todo o país que pretenda aplicar u m a reforma fundamentai do ensino enfrenta os mesmos problemas. Os programas mais bem preparados conduzirão ao in­sucesso se os professores não o estiverem convenientemente.

N a Polónia, a única solução possível consistia e m utilizar a Universidade Peda­gógica Rádioi-Televisiva ( N U R T ) e, e m particular, o «Curso de ensino da Matemá­tica na escola primária» (parcialmente au­tónomo e possuindo organizaçãoprópria).

O curso funcionou de Janeiro' de 1975 a Junho de 1977, com objectivos imedia­tos e objectivos a longo prazo. O objec­

tivo imediato consistia e m preparar os professores para a reforma. Era neces­sário abranger todos os professores que deviam ensinar Matemática nos três pri­meiros anos do ensino primário, com a esperança de que a sua maior parte pudesse participar no curso. Tentou-se reduzir ao mínimo a proporção' dos não participantes — por razões objectivas (obrigações familiares, saúde, etc.), ou subjectivas (medo de que a nova Mate­mática abstracta fosse demasiado difí­cil) — a fim de não comprometer o êxito da reforma. A longo prazo, os objectivos consistiam e m assegurar u m a base sólida para a educação permanente dos profes­sores, e m lhes revelar as possibilidades do ensino da Matemática ao nível pri­mário e e m os estimular a prosseguir os estudos e a procurar soluções pessoais.

Para atingir estes objectivos, eira ne­cessário elaborar u m sistema de ensino à distância que pudesse garantir razoa­velmente o mínimo indispensável de pre­paração ao maior número possível de professores, conferindo-lhes a possibili­dade de desenvolver os seus conhecimen­tos para além deste mínimo, se dispus-sessem de tempo e o desejassem. Além disso, era necessário evitar aplicar meios complexos e ter e m conta os constrangi­mentos existentes em matéria de pessoal e de recursos.

A estrutura do curso

O curso era organizado a três níveis: a) central (Instituto de Formação dos Professores) : três ou quatro pessoas ; b) regional (19 secções do Instituto de Formação dos Professores) : u m a ou duas pessoas por secção; c) local: 600 inspectores, funcionários da inspecção escolar ou professores especialmente re­munerados para exercer estas funções.

O curso compreendia as seguintes acti­vidades: cursos televisivos; programas radiodifundidos, material auxiliar publi­cado sob a forma de suplemento à revista

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Os «media» na formação matemática dos professores do ensino primário na Polónia

pedagógica Oswiata i Wychowwiie, quin­zenal ; exercícios publicados nos mesmos suplementos ; consultas e exames.

¡As emissões televisivas e radiodifundi­das eram transmitidas pelas principais cadeias polacas e desempenhavam, e m parte, o papel de u m a universidade aberta, destinada a importantes sectores da ¡sociedade, e m particular aos pais. A s outras actividades dirigianvse exclu­sivamente aos auditores inscritos nos cursos.

O s exercícios e exames eram as únicas actividades dos auditores submetidos a controlo. A audição dos cursos televisi­vos ou radiodifundidos e a leitura não eram controladas.

O s exercícios correspondiam ao mí­nimo de conhecimentos indispensáveis para ensinar os novos programas; por outro lado, as emissões de radiodifusão--televisão e a revista ofereciam u m a massa de material suplementar respei­tante ao ensino da Matemática na escola primária e problemas conexos.

Preparação

A preparação de base durou aproxima­damente dois anos. Tratava-se sobretudo de estabelecer os princípios de organi­zação do curso e do seu programa e de preparar os inspectores do curso e o pes­soal das secções regionais do Instituto de Formação dos Professores. E m 1973-•1975 foram organizados vários cursos de Verão e outros distribuídos por todo o ano. Cada curso durava normalmente cinco a seis semanas e constituía u m a preparação intensiva para o ensino da Matemática ao nível primário, sancio­nado por u m exame. Esita preparação do pessoal local era a condição prévia da aplicação do projecto¡-

N o Outono de 1974, os auditores do curso foram inscritos nos ramos apro­priados do Instituto de Foirmação dos Professores e registados pelos inspecto­res do curso ; as inscrições prosseguiram

e m 1975. O primeiro exame foi organi­zado e m Outubro de 1975.

O número total dos auditores do curso elevou-se a 65 000 aproximadamente (quase todos do sexo feminino).

Cursos televisivos

O curso beneficiou de perto de trinta meias-horas de antena por ano. A s emis­sões tinham lugar u m a vez por semana, pelas 16 horas, no primeiro canal e eram repetidas à noite (depois das 22 horas) no segundo canal (que não é captado e m todo o país). Quase todos os auditores se queixaram do horário (à tarde, mui­tos deles encontravamMse e m aulas ou fora de casa), m a s não se encontrava disponível nenhuma hora mais cómoda. Nas secções do Instituto de Formação dos Professores realizíavam-se gravações que podiam ser obtidas a pedido.

A s 92 aulas asseguradas e m 1975-1977 podem dividir-®e do seguinte m o d o : prin­cípios da reforma (3 aulas no início e 2 no fim) ; desenvolvimento das noções matemáticas na criança, do ponto de vista psicológico (3 aulas) ; conjuntos (7 aulas de introdução sem símbolos e 4 aulas mais avançadas) ; noção de nú­mero, adição e subtracção, equações, pro­blemas de nomenclatura, ábacos de cál­culo (17 aulas) ; exercícios de orientação no espaço e introdução à Geometria (5 aulas) ; multiplicação, divisão c o m resto, divisibilidade (10 aulas) ; raízes quadra­das, exercícios de aritmética e de geo­metria (6 aulas) ; sistemas não decimais e potências (9 aulas) ; fracções (7 au­las) ; actividades geométricas na criança (6 aulas) ; números negativos (2 aulas) ; coordenadas, escala e plano (3 aulas) ; apresentação dos programas da primeira, da segunda e da terceira classe (6 aulas) ; correcção dos exames escritos (2 aulas, difundidas 3 dias depois do exame).

A s nossas aulas televisivas' tinham como principal objecto apresentar aos telespectadores o que o material impresso

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Zbigniew Semadenl

não pode reproduzir: o movimento. N a maior parte das aulas figuravam filmes apresentando elementos de lições sobre os novos temas e os novos métodos de ensino. C o m efeito, algumas aulas limi-tavam-se a filmes comentados. Outras aulas eram consagradas a actividades como exercícios de manipulação (por exemplo, manipulação dos blocos ló­gicos) , traçado de gráficos ou explicação de certos problemas teóricos.

Filmes

Os filmes apresentados na televisão eram realizados nas aulas em diferentes esco­las. O autor preparava fragmentos de lição devendo constituir boas amostras do método de ensino (para cada tema) e, em seguida, procurava u m professor interessado em preparar a lição e em a transmitir aos alunos. Não se tratava, pois, nem de uma lição habitual na es­cola, nem de u m elemento de uma expe­riência, mas de uma lição especialmente preparada para a televisão. Ilustrava certas ideias pedagógicas e fornecia exemplos de comportamentos ou de acções recomendadas ou razoáveis por parte do professor sem procurar mostrar como a criança aprende na prática.

A nossa política consistia em não selec­cionar as crianças, mias em escolher o professor entre os melhores disponíveis. É útil que uma criança cometa u m erro característico (que não seja uma falta de atenção), mas não é possível mostrar na televisão u m erro pedagógico do pro­fessor: deixando-o passar, arrisicamo-nos a semear a confusão; apontatído-o, corre­mos o risco de humilhar profundamente o responsável. Por vezes, para salientar uma falta de comportamento caracterís­tica de u m professor, gravava- se uma cena simulada que, para evitar qualquer identificação, era apresentada, em se­guida, na televisão num programa dese­nhado e não filmado. Sabíamos que era necessário evitar mostrar actividades di­

fíceis de executar normalmente na aula (exigindo u m equipamento complexo ou preparativos laboriosos).

E m geral, as crianças não estavam preparadas para a lição e não sabiam qual o tema tratado. Contudo, se o tema ou o horário não estavam de acordo com o plano de estudos previsto, o profes­sor fornecia previamente as explicações indispensáveis. Por vezes (raramente), «experimentava» a lição com diferentes grupos de crianças, para a poder modi­ficar, em caso de necessidade. Mas, para as crianças, a lição era sempre nova.

Logo que o professor se encontrava preparado, uma equipa de televisão (qua­tro a seis pessoas) dirigia-se à escola para filmar a lição. U.tilizava-se uma câmara de cada vez. Devido às dificul­dades técnicas (luzes, microfones, gran­des planos das crianças, sequências a retomar, etc.) a lição raramente era filmada sem interrupções, o que se tornava particularmente desagradável quando cortavam as respostas das crian­ças. E m geral, eram necessárias! uma ou duas horas para filmar u m elemento significativo de uma lição. As crianças sentiam se, por vezes, muito fatigadas. Os autores do curso acompanhavam sem­pre a lição, prontos para a discutir du­rante os intervalos. Por vezes, interrom­piam a lição quando observavam um. erro do professor que não pudesse ser elimi­nado com a montagem.

O pessoal da televisão encarregava-se da montagem :do filme. Os autores assis­tiam à maior parte deste trabalho, indi­cando o que era importante e o que podia ser cortado. Pretendíamos que o filme fosse curto e compreensível para os pro­fessores que o vissem. Procurávamos, pois, cortar ou encurtar as passagens menos interessantes da lição, assim como as repetições, as diversões atribuíveis ao professar ou às crianças, etc. Depois de várias horas de montagem, o filme en-contrava-se reduzido a aproximadamente u m terço do comprimento inicial e repre-

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O s «media» na formação matemática dos professores do ensino primário rta Polónia

sentava 5 a 10 minutos die antena. Deste modo, podíamos apresentar até 5 lições diferentes e m meia hora.!

Todavia, a supressão dos elementos desprovidos de interesse pedagógico ti­nha o efeito de acelerar o ritmo da lição: as crianças pareciam mais brilhante® do que na realidade eram. Muitos ¡professo-res não acreditavam que as crianças não tivessem sido preparadas. Ficavam mais convencidos quando eram organizadas, na aula, pelos colegas, actividades com­paráveis.

Emissões de rádio

Iniciaimente, tínhamos a impressão de que, tendo e m conta a natureza do en­sino da Matemática, a rádio seria pouco útil ; limitava-se a poder substituir a tele­visão nas passagens faladas. Produzimos oito emissões de rádio por ano, de 20 mi ­nutos cada u m a (às 20 horas, repetidas às 6 horas no dia seguinte). A radiodi­fusão revelou-se, contudo, extremamente útiil para duais categorias de programas: a) respostas às perguntas dos auditores, enviadas por carta» expressas e m reu­niões ou directamente. Infelizmente, a maior parte das questões referiam-se a problemas de organização e não de fundo; b) discussão de questões pedagó­gicas alvo de controvérsias, como o papel do cálculo no novo programa.

Alguns meses depois, soubemos que as emissões radiodifundidas interessavam os pais que, por acaso, as escutavam. A par­tir daí, escolhemos temas que pudessem motivar o 'grande público e popularizar a ideia de u m a reforma do ensino da Matemática na escola primária, reser­vando as questões técnicas para o mate­rial publicado.

Material publicado

O material foi publicado com u m a fre­quência de cerca de vinte vezes por ano (16 a 40 páginas de cada vez) ; tratava-

-se sobretudo de versões modificadas das aulas televisivas, comportando u m a expo­sição mais pormenorizada do tema tra­tado, u m a apresentação mais completa das lições filmadas. Puíblicou se igual­mente toda u m a g a m a de material di­verso, e m particular correcções pormeno­rizadas de exercícios (já não contando para as notas finais) e deveres de exame.

Exercícios

O trabalho individual era considerado o elemento mais importante do curso. O seu principal objecto consistia e m substituir os trabalhos de laboratorio. Compreen­díamos que os professores dois .primeiros anos deviam começar por exercícios c o m ­paráveis aos que devem executar as crianças. Seria u m ponto de partida donde poderíamos passar aos conceitos abstractos, às representações simbólicas e às discussões pedagógicas. Pretendía­m o s , assim, proporcionar ao professor toda u m a g a m a de exemplos concretos que, mediante certas modificações, pu­dessem ser utilizados na escola. Estáva­m o s convencidos de que, deste m o d o , o professor se sentiria mais motivado e obteria melhores resultados. Era ainda necessário elaborar exercícios adaptados ao ensino à distância—quando, na maior parte das vezes, o professor não tem nin­guém para ajudar, além dos colegas to­talmente incompetentes.

O s exercícios incluíam poucos proble­m a s tipicamente matemáticos. Tratava--«e. na maior piarte das vezes;, de exer­cícios comparáveis aos que passamos aos alunos, m a s mais difíceis: completar re­gras de funções, utilizar gráficos, sotas, manipular ou seleccionar blocos lógicos, utilizar u m a régua de cálculo. N o con­junto, os exercícios1 não tinham por ob­jectivo consolidar os conhecimentos ad­quiridos graças aos cursos televisivos. Pelo contrário, e m muitos casos, eram extercíeios preparatórios para as aulas sobre determinado tema; o seu ságnifi-

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Zbigniew Semadeni

caído matemático era explicado e m se­guida.

Só os problemas mais importantes constituíam motivo de exercícios; nnuiltas aulas televisivas não incluíam exercícios.

Alguns auditoires não recebiam o texto impresso das aulas e dificilmente podiam acompanhar as emissões. Assim, os exer­cícios eram concebidos como u m curso completo, independente.

O s exercícios eram preparados pelo Instituto de Formaçãoi dos Professores. E r a m corrigidos e classificados pelos ins­pectores das secções -regionais do Insti­tuto de Formação dos Professores.

Todas as quinzenas, os auditares re­cebiam u m a série de problemas sob a forma de dossier de 8 páginas. E m geral, bastava u m serão para resolver toda a série. O s auditores deviam enviar as res­postas aos inspectores designados n u m prazo de duas semanas. O o m o muitos professores tinham dificuldade e m obter os textos, os prazos não eram cumpridos e as respostas eram admitidas até m e s m o passados alguns meses. N o total, durante os três anos do curso, foram enviadas 44 séries de 8 páginas. O s auditores de­viam obter pelo menos a média no con­junto dos exercícios.

O s exercícios iniciavam-se com pro­blemas muito fáceis (quase infantis) e, e m seguida, to¡mavam-se mais complexos. Pensavanse que os auditores deveriam começar por adquirir confiança nas suas aptidões, a fim de poderem superar os receios e de tentarem resolver os pro­blemas. Estavam autorizados a procurar auxílio, ou a trabalhar e m equipa, m a s não era aconselhável que copiassem.

E m geral, o exercício cornipunha-se de u m único problema e m várias partes, apresentado n u m a só página. Após u m a curta explicação:, u m a das partes (por vezes, duas ou três partes) era resolvida a título de exemplo; o resto do problema devia ser resolvido pelo auditor.

A s soluções-modelo correspondiam a partes essenciais do problema e eram

integradas nas questões. Assim, 'ELS C A " plicações podiam ser concisas e o auditor sabia melhor o que devia fazer.

A s soluções-modelo serviam, e m par­ticular, para introduzir conceitos novos: o auditor encontrava-se e m condições de resolver problemas seguindo os modelos sem possuir ainda os conhecimentos teó­ricos requeridos.

Por exemplo, u m problema da primeira série era enunciado do seguinte m o d o : «Escrever: a) todos os símbolos que se encontram no interior ide u m a só curva

a

/ i l 1 n \ \ \ \ \.

N u m a curva

— •

,

fee

E m pelo menos u m a curva f ech

-*

/ \ /*)

\ / \ y

--^\

hada: TI, <p,

ada: r., 5. /.

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• < ?

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^

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\ \ \ 1 /

/ /

/ y

FlG. I

1 6

', 5 (v3 U 4 )

2

N u m a curva fechada:

E m pelo menos urna curva fechada.

FlG. 2

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Os «media» na formação matemática dos professores do ensino primário na Polónia

fechada, 6) todos os símbolos que se en­contram no interior de ¡pelo menos u m a curva fechada». A solução modelo é for­necida pela figura 1. A figura 2 apre­senta u m a das cinco partes do problema (o termo «conjunto» ainda não é utili­zado) .

U m teste preliminar a que se subme­teu u m grupo de professores rurais e de professores de pequenas cidades, an­tes do início oficial do curso, salientou que cerca de metade dos professores não compreendiam a expressão «no interior de pelo menos uma». Alguns interpreta-vam-íia como se significasse: considere qualquer u m a das curvas fechadas e es­creva o que se encontra no interior. Assim, se pedíssemos aos auditores que realizassem u m exercício deste género sem lhes apresentar u m a solução-modelo, muitas não teriam sido capazes ou teriam hesitado (uma explicação verbal na tele­visão também não teria sido útil). M a s o enunciado verbal do exercícioi, acom­panhado por u m a solução-modelo (e se­guido de exercícios análogos a realizar pelos auditores), constitui o melhor medo (no ensino à distancia) de suscitar u m a compreensão razoável do conceito e do seu enunciado. A expressão «(união de conjuntos» foi utilizada, e m seguida, no® cursos televisivos e nos exercícios.

Ainda a título de exemptai, gostaria de mencionar a série 19, que se referia a árvores como esquemas de fórmulas aritméticas. N a primeira página do fas­cículo figuravam simples fórmulas de adição e de subtracção, assim como as árvores correspondentes (fig. 3) . O pro­blema dividia-se e m quatro partes, pre­cedidas de duas soluções-modelos (uma para a adição, u m a para a subtracção; os auditores ignoravam tudo soibre as ár­vores) . A s paginas 2 e 3 forneciam duas f órmiulas entre parêntesis e as duas ár­vores correspondentes (figs. 4 e 5) .

N a página 4, apresentava^se u m a ár­vore para preencher e pedia-se ao aluno que inscrevesse a fórmula correspon-

9 - 3 =

w FIG. 3

(3 + 51-1 =

\ \ + / /

^ \ - /

FIG. 4

3+(5-1) =

\

\ \ + ^ ^

\ - / /

FlG. 5

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Zbigniew Semadeni

FIG. 6

-3

O • O O

o

2

• o o •

0

FlG. 7

dente. N a página 5 davanse uma fórmula e pedia-se o traçado da árvore corres­pondente e os números. Nas páginas 6 e 7, encontravam-rse árvores mais com­plexas, correspondendo a fórmulas como (4 — 1) + (9 — 5) = ... ou [6—(1 + + 2)]+3=.. . Pensámos que, depois desta série de exercícios, o professor possuiria noções suficientes para utilizar as árvores na aula (as árvores que fi­guram nos manuais polacos correspon­d e m aos três primeiros anos do ensino primário). C o m o é evidente, restava ainda a questão da organização de u m a lição incluindo árvores; este género de problemas era abordado pelos filmes te­levisivos.

N u m a outra lição, era necessário equi­librar determinado peso com o número mais pequeno possível de pesos, 1, 4, 16. A solução-modelo é fornecida pela fi-

"2 - "3 = 1

• éo

FIG. 8

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O s «media» na formação matemática dos professores do ensino primário na Polónia

gura 6. Para a criança, tratasse de uma introdução aos sistemas não> decimais, assim como de u m exercício de cálculo mental.

Outra síérie de exercícios consistia em utilizar fichas coloridas para a represen­tação, adição e subtracção de números inteiros. O valor de cada ficha ¡branca é 1 ; o valor de cada ficha preta é — 1. A figura 7 mostra a solução do primeiro problema: dadas as fichas, escrever o número correspondente. U m dos exercí­cios da série consistia e m proceder a uma subtracção por manipulação de ficha®. Por exemplo, para subtrair — 3 de — 2, é necessário começar por representar — 2 por meio de duas fichas pretas e, em seguida, tentar retirar — 3 , isto é, 3 fichas pretas. Como não há fichas pretas em número suficiente, é necessário jun­tar Uma ficha preta e uma ficha branca para que o valor total do conjunto não se altere. Podemos, então, retirar três fichas negras, o que dá uma ficha branca, isto é, 1, como resultado: ( — 2) — — ( — 3) = 1. A figura 8 é a representa­ção gráfica deste método: a chaveta in­dica o par de fichas auxiliares acrescen­tadas; as fichas marcadas com u m traço são as retiradas.

Consultas

As secções regionais do Instituto de For­mação dos Professores e alguns inspec­tores organizavam consultas. Contudo, a maioria dos auditores (em particular nas zonas rurais) não beneficiavam de con­sultas. Era este o ponto mais fraco do curso, explicável por falta de pessoal competente.

Exames

Os exames tinham por objectivo esti­mular o estudo, em vez de controlar os conhecimentos adquiridos. Este objectivo revelounse difícil de atingir. Os exames eram organizados, com a participação da

administração escolar, no fim de cada ano do curso, sob a forma de testes em que participavam aproximadamente 60 000 auditores. Os exames realizavam-jse simultaneamente em todo 01 país, num certo número de cidades, geralmente e m escolas especialmente designadas. Os au­ditores recebiam uma cópia do teste e eram convidados a responder na mesma folha. O teste e os critérios de avaliação eram estabelecidos pelo Instituto de For­mação dos Professores.

Os auditores reprovados eram autori­zados a apresentasse no ano seguinte. Para os que reprovavam no primeiro, no segundo ou no terceiro teste, orga-nizaraniHse cursos durante o ano escolar de 1077-78 (depois de terminadas as au­las). Não se realizaram aulas para re­petentes no intervalo dos exames, pois havia muito trabalho e receava-ise que u m professor reprovado abandonasse o curso e continuasse a leccionar. E m prin­cípio, os exercícios deveriam ser classi­ficados antes do exame, mas também podia suceder o contrário. Os auditores recebiam uma notificação escrita com o resultado de cada exame, acompanhada de directivas sobre o que deveria fazer.

Foram publicados exercícios suplemen­tares para os auditores que não tinham sido bem sucedidos nos exames ou que não tinham obtido' o número suficiente de pontos nos exercícios regulares. Mais de 50 000 professores obtiveram o seu diploma, isto é, u m número suficiente de pontos nos exercícios regulares (ou nos exercícios suplementares) durante os três anos, assim como uma nota razoável em cada u m dos três exames (com ou sem reprovação).

Resultados

Não é possível avaliar o que os profesa sores aprenderam efectivamente e qual a influência destes novos conhecimentos sobre o seu ensino'. Pensamos, contudo, que o curso desempenhou u m importante

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Zbigniew Semadeni

papel na reforma do ensino da Matemá­tica nos três primeiros anos do ensino primário e que nenhum outro meio teria permitido obter os mesmos resultados n u m período tão curto.

A s emissões televisivas e radiodifundi­das ajudaram muito a divulgar através de toda a Polónia as ideias fundamentais da reforma. Muitas vezes, pais e avós seguiam as lições pela televisão, o que contribuiu para melhor compreensão dos objectivos do novo programa.

A reforma foi aceite tanto pelos pro­fessores como pelos pais. Contudo, o en­sino da Matemática ainda não é total­mente satisfatório. Muito está ainda por fazer. E m particular, muitos professores que seguiram o curso necessitam ainda de auxílio. E , a despeito de certos pro­gressos, o ensino continua a ser frequen­temente autoritário. Serão necessários vários anos para atingir progressiva­mente os objectivos da reforma.

Por diversas razões, cerca de 10 %

dos professores dos primeiros anos do ensino primário não acompanharam o curso. Outra fracção de 10 % abando­nou o curso ou reprovou nos exames. A maior parte abandonou o ensino ou lecciona outras matérias. Por outro lado, alguns milhares de novos professores abordaram o ensino da Matemática sem possuir u m a qualificação adequada. Assim, u m número considerável de pro­fessores deve ainda aprender a ensinar Matemática; m a s este número é apenas u m décimo do que era na origem, e pro-curasse remediar a situação por meio de cursos de férias.

U m a versão aumentada e inteiramente revista das aulas televisivas vai ser publi­cada sob a forma de manual e de obra de consulta e m cinco volumes, impressos a cores, para uso dos professores. Serão enviados exemplares a todas as biblio­tecas escolares, a fim de proporcionar, no futuro, u m a base sólida à educação permanente dos professores.

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George S. Eshiwani

Os objectivos do ensino

da matemática em África:

necessidade de u m reexame

U m a das questões de educação que des-pertou mais atenções em Africa, nos últimos anos, foi a da adaptação da edu­cação às exigências do desenvolvimento. Muitos foram o© que, junto de diversas instâncias locais e internacionais, defen­deram a causa de u m ensino público que correspondesse, pelo seu conteúdo, méto­dos e valores, às necessidades presentes e futuras de Africa. Foi frequentemente salientado que os novos programas pro-postos devem não só estar em relação com as exigências socioeconómicas do país, como ser concebidos de modo a sa-tisfazê-las. Devem servir as carências da maioria, e não os interesse® de uma pe­quena camada da sociedade. Se os pro­gramas dos anos 60, em particular os de Ciências e Matemática, foram criti­cados, parece ter sido por responderem às necessidades de uma fraca proporção da população escolar e desconhecerem, em geral, as da maioria, que inclui imen­sas crianças que abandonaram a escola sem ter podido atingir os níveis supe­riores do1 ensino.

Esta anomalia deve-se, em grande parte, ao facto de o® programas de Ciên­cias e de Matemática adoptados em nu-

George S. Eshiwani (Quénia). Especialista e profes­sor de Matemática. Professor no Departamento de Tecnologia e dos Meios de Comunicação em Maté­ria de Educação no Kenyatta University College.

merosos países de África terem sido introduzidos apressadamente e por repre­sentarem u m simples decalque dos do Ocidente. Ninguém parece ter dado pro­vas de imaginação e de reflexão para adaptar o ensino à cultura e às necessi­dades locais. De facto, poderíamos afir­mar que a atitude então prevalecente consistiu em acreditar naquilo que era bom para a Europa ou a América também o seria para a Africa. É precisamente esta concepção que hoje é contestada pela nova geração de especialistas afri­canos de programas.

Antes de iniciar u m estudo aprofun­dado sobre esta questão de interesse: capi­tal, como nos propomos fazer no pre­sente artigo — quanto aos objectivos do ensino da Matemática em Africa — deve­mos examinar dois fenómenos não menos importantes: a crise que atravessa, a edu­cação nos países de Africa e as finalida­des da educação neste continente.

A crise actual da educação e m África

Dificilmente poderemos negar a existên­cia de uma grave crise da educação em Africa. Embora este fenómeno varie con­soante os países, comporta causa® comuns que nos são familiares.

Assinalemos, e m primeiro lugar, a es­pectacular «explosão» dos efectivos esco­lares experimentada por muito® países

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George S. Eshiwani

de Africa nos últimos vinte anos. No Quénia, por exemplo, o número de alunos inscritos na escola primária passou de 870 000, em 1961, para 2,9 milhões, em 1976, enquanto os efectivos do ensino se­cundário passavam de 22 200 alunos para 200 000 durante o mesmo período. E m outros países, os número® testemunham o mesmo fenómeno.

IDeste aumento dos efectivos decorrem três efeito® principais.

E m primeiro lugar, o ensino escolar não garante emprego assalariado no sec­tor urbanizado da economia; também não conduz a estudos mais aprofundados. Devemos admitir que, para a maioria das crianças que frequentam a escola, o en­sino que lhes é dispensado ao' nível pri­mário ou secundário apresenta u m carác­ter terminal. Ora, muitas delas não encontrarão emprego nos centro urba^ nos. N o Quénia, por exemplo, perto de 250 000 crianças saídas da escola apresen-tam-se anualmente no mercado de tra­balho ; apenas 50 000 poderão encontrar emprego ou adquirir uma formação. Que tipo de programa deveríamos conceber para as restantes 200 000, as quais serão obrigadas a ganhar a vida em zonas ru­rais do país?

A segunda consequência do aumento dos efectivos é o abaixamento' do' nível atingido. Este fenómeno pode ser obser­vado sob dois aspectos. Por um lado, u m aumento rápido dos efectivos escolares, que não se acompanhe de uma expansão das instalações, traduz se por classes superlotadas, o que torna impraticável a aplicação de métodos modernos de ensino, como o métodoí heurístico ou o método activo. Além disso, limita a liber­dade de manobra do professor quanto à escolha do método de ensino: deverá limitar-se a dar aulas de tipo> clássico. Por outro lado, como o acesso à educação foi ampliado, os estabelecimentos aco­lhem agora crianças com aptidões muito diversas, podendo a diferença de idade entre alunos da mesma classe atingir

sete anos. Os novos programas devem ter em conta, portanto, as dificuldades apresentadas pelas classes superlotadas e heterogéneas.

A terceira consequência da explosão da população escolar diz respeito aos professores. Com efeito, a expansão de todo o sistema de ensino exige u m au­mento proporcional do número de pro­fessores. Ora, muitos países de Africa experimentam uma penúria aguda de proifessores qualificadas para ensinar M a ­temática e Ciências. A carreira de profes­sor não é procurada. Os diplomados que possuem a competência requerida para ensinar Matemática podem facilmente en­contrar u m bom emprego fora do ensino-. Os que seguem uma formação conducente ao ensino a u m nível elementar carecem, muitas vezes, de entusiasmoi e só reali­zam estes estudos à falta de melhor. As matérias que estes professores irão ensinar deverão ser-lhes apresentadas sob forma acessível e compreensível. Não nos devemos poupar a esforços para tornar a sua tarefa tão simples e tão interessante quanto possível.

A segunda causa da crise deve-oe ao enorme desfasamento que existe entre a procura da educação por parte *das populações e a capacidade limitada dos países em desenvolvimento para respon­der a esta procura, devido aos magros recursos de que dispõem e às exigên­cias concorrentes que devem satisfaizer. Surge, então, u m problema interessante: a quem devemos ensinar Matemática?

A crise apresenta como terceira causa a falta de adaptação ao contexto afri­cano das instituições e das estruturas importadas. O ensino escolar, tal como o conhecemos, é, em grande parte, uma criação da sociedade industrializada, e os sistemas de ensino utilizados em África não são mais, por conseguinte, do que transplantações de sistemas educativos emanando dessa sociedade. Não sur­preende, portanto, que a transplantação de programas que se efectuou durante

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Os objectivos do ensino da matemática e m África

dezenas de anos tenha gerado vivas ten­sões. A o conceber novos programas de ensino para África, devemos procurar, e m especial, OÍS meios próprios paira eli­minar estas tensões.

Finalidades da educação

Podemos afirmar, e m resumo, que, e m toda a sociedade, a educação tem, por Objectivo essencial preservar e trans­mitir a cultura, inculcar valores e ati­tudes apropriadas, conferir certas1 com­petências e desenvolver as aptidões inovadoras, criadoras e críticas. Scopes1

classificou estes objectivos de modo* li­geiramente diferente, qualificando-os de utilitários, sociais, culturais e pessoais.

Considera-se natural que toda a ver­dadeira reforma de programas deve ter e m conta u m destes esquemas, ou os dois simultaneamente; m a s e m que medida devemos atender às finalidades nacionais da educação quando se trata de ordenar os programas de ensino da Matemática? A Matemática pode desempenhar u m papel na comunicação dos conhecimentos necessários ao desenvolvimento tecnoló­gico ou no desenvolvimento das aptidões criadoras e críticas, m a s e m que medida contribui para preservar e transmitir a cultura? C o m o contribui para inculcar valores e atitudes apropriadas? Talvez fosse conveniente examinar certas maté­rias ensinadas para ver se correspondem aos objectivos nacionais. Poderíamos per­guntar, por exemplo, e m que medida os ofbjectivos actualmente atribuídos ao en­sino da Matemática se adaptam às fina­lidades nacionais da educação, quais os limites impostos a estes objectivos e como alargar o seu alcance.

Objectivos actuais e seus limites

Devido à transformação radical, nos anos 60, da concepção do ensino da M a ­temática, os objectivos pretendidos foram enunciados sob nova forma, provavel­

mente ainda válida hoje em dia, Estes objectivos assentavam e m dois postula­dos de base: O ensino da Matemática deve decorrer

de métodos activos e não da repetição e da memorização. Os alunos devem compreender a razão* de ser dos méto­dos que utilizam e não se limitarem a aplicá-los mecanicamente.

Todo o princípio matemático, por muito abstracto que seja, pode ser apresen­tado sob forma interessante aos alu­nos, seja qual for a sua idade. Deve­m o s , portanto, familiarizar os alunos com os grandes princípios que consti­tuem a base de toda a teoria matemá­tica e com os conceitos que estabelecem a unidade da Matemática; poderemos, então, dispensar a maior parte dos exercícios e práticas do ensino tra­dicional.

A maior parte dos programas modernos de Matemática aplicados e m África têm por fim:

Inculcar os mecanismos de base da, M a ­temática, desenvolver a compreensão das noções de número, de estrutura e de forma, e ensinar simultaneamente as aplicações sociais', pessoais e comer­ciais destes mecanismos;

Incutir nos alunos o raciocínio dedutivo e o espírito crítico, condições de inde­pendência intelectual;

Ensinar os alunos a generalizar; Despertar o interesse dos alunos e esti­

mular a sua curiosidade pela Mate­mática;

Permitir que os alunos se exprimam mais facilmente e com mais precisão na lin­guagem natural, na linguagem cientí­fica e com a ajuda de gráficos e dia­gramas;

Estimular os alunos a procurar os ele mentos essenciais de todo o problema concreto.

Parece não ter havido qualquer preo­cupação quanto ao conteúdo efectivo do ensino e ao desenvolvimento cognitivo

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George S. Eshiwani

dos alunos; assim, verificam-se graves lacunas nos programas moderno® de Matemática 'aplicados em muitos países de África, programas que requerem as seguintes críticas: Os cursos encontram-se sobrecarregados

e os problemas são tratados superfi­cialmente, de tal modo que os alunos esquecem o que aprenderam;

A maior piarte dos alunos conisideram o ensino interessante e seguem-no com prazer, mas certas questões, como a programação linear, os vectores a três dimensões e os lugares geométricos são demasiado difíceis para alunos de nível médio;

A linguagem e os símbolos matemáticos utilizados são, muitas vezes, inutil­mente complicados;

A gradação adoptada na apresentação das questões nem sempre permite que os alunos se apoiem nos conhecimentos que já adquiriram nem que compreen­dam as ligações que unem os diferen­tes aspectos da Matemática;

Os manuais fornecem muito poucos exemplos concretos. Os exemplo® dados raramente são apresentados por oindem de dificuldade crescente;

O domínio do cálculo não é sufáciente-imente estimulado. Muitos aluno® são incapazes de adquirir rapidez e exacti­dão na manipulação simples dos núme­ros e sentenuse, assim,, perturbado® ao •abordar questões mais difíceis;

Atribuirse grande importância a questões que apresentam pouco interesse para os alunos que não estudarão Matemá­tica ao nível do segundo ciclo do ensino secundário: a transformação geomé­trica e a Álgebra matricial, por exem­plo, ocupam lugar de destaque ;

Por outro lado, as aplicações necessárias ao estudo das Ciências raramente são tratadas de maneira suficientemente profunda. Os professores de Ciências lamentam, em particular, que os alunos sejam 'incapazes de resolver problemas de proporcionalidade. Assim, a solução

de u m problema simples, em que inter­venha a lei de Boyle ou a lei de Char­les, que deveria ocupar cinco minutos, imobiliza, por vezes, os alunos durante toda a duração da aula. Do mesmo modo, os alunos do segundo ciclo do secundário experimentam, por vezes, muitas dificuldades, nas aulas de Geo­grafia, ao resolverem os problemas de escalas do® mapas. Retomando os ter­mos de u m professor: «A linguagem da® Ciências, é a Matemática, e nós esperamos que os alunos a falem bem» ;

A ausência de provas formais no trata­mento da Geometria constitui uma grave lacuna. Como é evidente, é im­portante que os alunos estudem por indução as propriedades dos círculos, dos triângulos, etc., mas também é necessário que compreendam como se podem descobrir estas propriedades por dedução;

Apesar do estudo da Matemática incluir a construção de figuras geométricas, os professores queixamnse do nível in­suficiente dos alunos. N u m a escola, verificouise que uma proporção notável de alunos do segundo grau era incapaz de traçar correctamente a bissectriz de u m ângulo, ou de baixar a perpen­dicular de u m ponto para uma recta. O autor conheceu antigos alunos do ensino secundário obrigados a seguir u m curso de Desenho geométrico para se poderem inscrever num curso de marcenaria num centro técnico rural;

Os professores queixam-se por a maior parte dos alunos não adquirirem um domínio suficiente das equações algé­bricas; assim, sentem dificuldades no estudo da álgebra a u m nível avançado.

Estas críticas são; válida® para a maior parte dos programas de Matemática adoptados em Africa; devemos ainda acrescentar, ao nível do ensino primário, os problemas de língua. Já sobrecarre­gado quanto ao seu conteúdo, o programa de Matemática em Africa é-o também quanto ao vocabulário. Quando o inglês

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O s objectivos do ensino da matemática e m Africa

ou o francês é a língua de ensino, trata--se, na maior parte dos casos, de u m a segunda língua para o aluno, que en­frenta, então, enormes problemas de vo­cabulário, de estruturas e de símbolos.

Além disso, os alunos têm imensa difi­culdade e m compreender os (problemas enunciados sob forma de adivinha, pois os factores culturais criam, dificuldades suplementares. C o m efeito, alguns destes problemas referem-se a objectos e situa­ções que só os alunos dos meios urbanos e de rendimentos elevados têm oportuni­dade de conhecer. Vejamos u m exemplo : «Nove crianças tinham sido convidadas para u m a festa. Cada criança comeu dois bolos e sobraram oito bolos. Quantos bolos tinha comprado a mãe?»

Apanhado das soluções possíveis

A partir do que ficou dito, poderiam prqpor-se muitos objectivos ao ensino da Matemática.

C o m o já indicámos, este ensino deveria consistir e m inculcar os mecanismos fun­damentais do cálculo e da compreensão das estruturas e das formas, assim, como as suas aplicações individuais, sociais e comerciais. O s alunos deveriam também adquirir noções elementares sobre a cor­respondência entre os modelos matemá­ticos e as situações reais.

O s cursos de Matemática deveriam também inculcar nos alunos o método dedutivo e o espírito crítico, factores de independência intelectual e ensinar4b.es a pensar por ¡abstracção, a fim de pode­rem, mais tarde, passar pelo crivo da razão tudo o que se refira a determinado problema e tomar decisões racionais.

E m nossa opinião, a Matemática cons­titui u m tema atraente e m si, e u m pro­grama bem concebido deveria suscitar o interesse e estimular a curiosidade dos alunos. Esperemos que os que são obri­gados a abandonar a escola ali encon­trem u m interesse duradouro e que os alunos destinados a prosseguir os estudos

sejam mais numerosos do que no> pas­sado. A Matemática representa u m a lin­guagem eficaz correntemente utilizada e m outros domínios. O programa adop­tado no ensino secundário deveria melho­rar a comunicação através da linguagem da Matemática, tanto como auxiliar das Ciências como na utilização dos meios visuais como os gráf icos e os diagramas.

A Matemática implica muitas genera­lizações. Interessa, pois, que os alunos aprendam, tendo- e m vista a sua vida de adultos, a fazer generalizações e a avaliá-las. A investigação matemática, e o ensino deveria acentuar a importân­cia da investigação dos elementos essen­ciais de todo o problema concreto.

E m Africa, a Matemática, matéria es­colar obrigatória, ocupa u m lugar de des­taque no horário dos alunos. Todos es­tudam os mecanismos de ¡base e muitos deles necessitam de receber uni; ensino miais aprofundado e m Matemática se quiserem adquirir u m a sólida formação de empregado de escritório, técnico, qua­dro, cientista, etc.

O programa deveria atender a estes imperativos e o seu conteúdo deveria corresponder às necessidades da agricul­tura, da indústria, do comércio e das universidades. Além disso, devemos evi­tar dispensar u m ensino da Matemática demasiado especializado, pois corremos o risco de atingir o resultado contrário do pretendido se o conteúdo das lições for demasiado difícil de assimilar.

O professor deveria empenhar-jse so­bretudo e m favorecer o desenvolvimento pessoal da criança, e m estimular a sua curiosidade e e m suscitar o seiu espírito crítico. Ora, a Matemática adapta-ise bem a este processo. O conteúdo das lições deveria apresentarrsie sempre de maneira a interessar os alunos e a obrigá-los a pensar por si mesmos1, mas , muita® vezes, a Matemática é ensinada como verdade revelada. Encontra-se fórmulas como C = 2 n r, produzidas como por encanta­mento e seguidas de séries de problemas.

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George S. Eshiwani

O programa não deveria incluir nenhuma questão que não pudesse ser explicada de maneira compreensível para os alunos.

O raciocínio lógico e dedutivo é u m a aptidão que todos os alunos que termi­n a m os estudos primários deveriam ter adquirido; ora, n e m m e s m o os estudan­tes universitários parecem dominá-lo.

O que não significa que os professores não devam passar aos alunos exercícios para fazer e m casa, m a s competejlhes tornar o conteúdo doe cursos tãoi inte­ressante e tão fácil de assimilar quanto possível. Os alunos menos dotados sen-tir-se-ão rapidamente perdidos se enfren­tarem operações algébricas complexas.

Incidências sobre o programa

Partimos da hipótese de que, no futuro, os efectivos das escolias primárias não deixarão de aumentar e de que oi ensino secundário será extremamente selectivo.

O programa deveria compreender os seguintes elementos: números e opera­ções sobre os números; fracções, taxas e percentagens; números decimais; m e ­didas e aproximações; leitura de gráficos e tabelas simples, e Aritmética social; números negativos; (utilização das fór­mulas; Geometria elementar; medição; por fim, algumas noções de estatística.

Paira preparar os alunos para o ensino secundário, o programa de estudos pri­mários deveria incluir também noções não formais ide Algebra, Geometria e Tri­gonometria elementar.

O programa de estudos secundários deve admitir como hipótese que o aluno é capaz de assimilar suficientemente bem noções de Gometria dedutiva para com­preender o que é u m a cadeia dedutiva e os argumentois e m que assenta,

O programa deve inculcar conhecimen­tos de Algebra mais sólidos do que esltá previsto na maior parte dos manuais utilizados. C o m efeito, a Álgebra é ne­cessária ao estudo das Ciências e à maior

parte dos programas de formação com­plementar.

O exame final do ensino primário san­cionará o nível atingido pelos alunos que abandonem a escola, mas , atendendo à grande diversidade das aptidões, talvez seja necessário organizar duas provas, das quais u m a destinada a todos os alu­nos e a outra aos que pretendem efectuar estudos a nível secundárioi, juntando-ae esta segunda prova à primeira. O s alu­nos interessados e m estudar Matemática no secundário deveriam, submeter-sie a esta segunda prova, excepto no caso de terem obtido u m a nota muito elevada na primeira.

Tal como os objectivos do ensino da Matemática, outra questão essencial deve despertar a nossa atenção': a do material pedagógico. C o m o as aptidões são muito variáveis, tanto entre o® alunos como en­tre os professores, convém dedicar a maior atenção à produção de imaterial. A experiência mostra que o® manuais de auto-instrução apresentam vários incon­venientes.

E m primeiro lugar, surge u m problema de língua, que prejudica a compreen­são, sobretudo quando o manual introduz muitos termos novos.

E m segundo lugar, o conteúdo dos capítulos encontra-se muitas vezes en­coberto pelos assuntos tratados. Para o professor experimentado, esta apresen­tação não originará dificuldades, m a s a ausência de qualquer indicação assina­lando os pontos essenciais pode conduzir u m principiante a omitir estes pontos, ou a perder tempo a estudar todo o capítulo, com medo de esquecer alguma coisa importante.

E m terceiro lugar, é necessário evi­tar que os manuais estejam na origem de u m conflito entre a ideia da relação aluno^prof essor tal como a apresentam, e a concepção que a sociedade possui desta relação, K a y 2 evoca, por exemplo, o novo programa de Inglês adoptado nas escolas primárias do Quénia, segundo o

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O s objectivos do ensino da matemática e m África

qual o professor deveria ser para os alu­nos mais u m amigo do que uma autori­dade. Ora, segundo a (tradição local, os alunos devem respeitar os professores e obedecer -lhes prontamente, uma vez que são mais velhos e, por conseguinte, mais sensatos.

Também não devemos esquecer que o ensino, tal como é concebido pelos pro­fessores, é o produto1 de onze ou doze anos de instrução extremamente formal sobre a forma de cursos magistrais, que reduziam frequentemente a Matemática à aplicação de fórmulas dadas. Só muito progressivamente nos poderemos libertar desta concepção. Finalmente, como o le­que de aptidões: é cada vez mais amplo, é desejável que os manuais apresentem as questões a ensinar segundo uma pro­gressão rigorosa, fornecendo exemplos múltiplos em cada nova etapa. Este modo de apresentação seria benéfico tanto para os professores como para os alunos.

As considerações que precedem ofori-gam-oios a concluir que se ¡torna neces­sário, para atingir os objectivos que ex­pusemos, dispor da seguinte série de m a ­nuais.

MANUAL DE BASE

Deveria haver u m manual para cada ní­vel. Gada capítulo conteria uma breve exposição sobre a questão, acompanhada de exemplos apropriado© e terminaria com um resumo.

LIVRO DO PROFESSOR

Este manual incluiria as respostas aos problema® apresentados, e proporia toda uma gama de estratégias susceptíveis de permitir, com u m equipamento muito simples, apresentar os elementos do tema sob uma forma compreensível para os alunos e introduzir uma discussão sobre os pontos que assumem u m importância particular, bem como jogos destinados a consolidar os conhecimentos adquiri­dos. Este livro seria, sem dúvida, menos útil para os professores muito experi­

mentados do que para os principiantes. Deveria necessariamente incluir u m ín­dice completo. Segue-se u m exemplo do que o livro do professor poderia conter:

Equivalência de fracções. Para poder adicionar fracções adicionando denomi­nadores diferentes, os alunos devem co­meçar por compreender o que são frac­ções equivalentes. Estas podem ser apre­sentadas do seguinte modo: 1. Dar a cada aluno uma folha de papel

rectangular. Pedir-flhes que a dobrem em quatro, que a desdobrem e que preencham a tracejado três quartos da folha:

2.

777/77 7777/7 '//////,

Dobrando o papel mais uma vez e desdohrando-o em seguida, os alu­nos aperceber-se-ão ide que, agora, se encontram preenchidos seis oitavos da folha. Assim, 3/4=6/8. O mesmo processo pode ser aplicado a outras fracções, por exemplo, 1/3 = 2/6 = = 4/12.

Dobrar em três, em cinco, etc., não é tão fácil como dobrar em dois, em quatro, em oito, etc. Pedir aos alunos que preparem peda­ços de papel do mesmo comprimento mas marcados de modo diferente, e que os coloquem paralelamente uns aos outros:

1

1/2 | 1/2

1/4 1/4 1/4 1/4

oitavos

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George S. Eshiwani

Assim 1/2 = 2/4 = 4/8 = 8/16, etc. 3/4 = 6/8 = 12/16, etc.

Através <ie exemplos como os pre­cedentes, os alunos deveriam com­preender que, por exemplo, 5/7 = = 10/14 = 15/21, ©tic.

Os exercícios de revisão podem apre-sentar-se sob a forma de uma 'colectânea ou de stencils e serão reproduzidos pela escola. Estes impressos propõem uma sé­rie de exercícios graduado®, fáceis de classificar. Os alunos respondem às ques­tões numa folha especial que, em se­guida, pode ser inserida na página cor­respondente de uma colecção composta de folhas cuja disposição permita ver apenas a resposta correcta.

Os cadernos de exercícios são parti­cularmente úteis ao nível elementar. Per­mitem que os professores e os alunos ganhem muito tempo, acrescentam ao trabalho u m cunho pessoal e incitam o aluno a realizar u m trabalho limpo e cui­dado; também são particularmente indi­cados para o ensino da Geometria.

Notas

1. P. G . S C O P E S , Mathematics in secondary schools, Cambridge University Press.

2. S. K A Y , «Curriculum innovation and traditional culture», Comparative education, Outubro de 1975.

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Ricardo Losada Márquez e Mary Falk de Losada

Programas de matemática:

primeiros cuidados

Ê certo que, de início, a revolução da Matemática escolar enfrentou uima resis­tência declaradla na maior parte do® paí­ses e que, sobre pressão dos professores universitários e das novos programas, esta resistência acabou por se transfor­mar numa espécie de movimento clan­destino, mas também é verdade que as pessoas que se dedicam ao ensino da M a ­temática sentem a necessidade de uma transformação.

E m muitos países do mundo, duas grandes forças tendem, a modernizar a Matemática: as conferências internacio­nais e a circulação internacional das pu­blicações que permitem a difusão de no­vas ideias; os especialistas nacionais que têm a possibilidade de se familiarizar com as novas tendências e os últimos progressos. Daí resulta que os movimen­tos de renovação se ¡coloquem numa pere-pectiva diversa, ou até estranha, em re­lação às necessidades e às possibilidades de cada país.

Ricardo Losada Márquez (Colômbia). Antigo pre­sidente da Sociedade Colombiana de Matemática. Actualmente professor da Universidade Nacional da Colômbia. Autor de diversos manuais de Ma­temática para os níveis secundário e universitário.

Mary Falk de Losada (Colombia). Ensina na Uni­versidade Nacional da Colombia. Autora de ma­nuais para o ensino secundário.

O processo de adaptação ¡deve atender a factores de ordem não só pedagógica, como também sociológica e psicológica neste domínio; contudo, a avaliação do caminho percorrido tende a ser falseada, uma vez que se atribuem todos os fra­cassos a causas estranhas ao conteúdo da reíorma da Matemática. Oomo prova, em particular, a falta de discernimento com que os organismos competentes pro­cedem à reforma dos programas.

Propomo-nos mostrar que, e m certos aspectos, a revolução do- ensino da M a ­temática foi alterada pela ausência de vários factores que deveriam ter inter­vida, e que os partidários do statu quo se escudaram atrás das suas preocupa­ções e agiram em consequência, reeusam-dO'Se a reveladlas. Analisaremos ainda alguns temas matemáticos cuja orien­tação inoportuna conduziu a uma situa­ção contraditória contrária ao objectivo pretendido.

A razão de u m mal-estar

Os conflitos que a modernização da M a ­temática suscita nos professores do se­gundo grau têm uma origem, dupla. E m primeiro lugar, na maior parte dos casos, o professor reconhece que a sua forma­ção é insuficiente e compreende que o nível do seu ensino' deve ser melhorado. Por outro lado, contudo, não domina os

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Ricardo Losada Márquez e Mary Falk de Losada

novos conteúdo® n e m os novos métodos oficiais e não se sente suficientemente motivado para proceder às (transforma­ções específicas que dele ise esperam»

M e s m o n u m a situação social óptima, a interpretação da Matemática comoi sis­tema lógico e formal e o seu ensino sob u m a forma análoga enfrentariam u m a viva resistência por parte do corpo do­cente, motivada, inicialmente, poir falta de formação ou de conhecimentos, e, e m seguida, cada vez miais peto fracasso de grande número de alunos. Eim parti­cular, foi esta atitude que esteve na ori­g e m do movimento ¡dito do «regresso às origens».

Tal como foi inicialmente concebida, a Matemática moderna exigia do aluno u m esforço de abstracção prematuro, ao qual não foi capaz de se submeter sa­tisfatoriamente. Além disso, ao' privile­giar a axiomatização e m detrimento idas aplicações, ¡a Matemática não incitou o aluno a realizar u m esforço para com­preender e dominar este tipo d:e racio­cínio. Por outro lado, os pais não reco­nheceram o ensino que lhes tinha sido dispensado na escola, o que reduziu pra­ticamente a zero o importante apoio que a família fornece ao sistema edu­cativo. Mais ainda, a sociedade, no seu conjunto', denunciou cada vez miais o eli­tismo inerente a aim ensino demasiado formal da matemática e pediu que se res­tabelecesse na matéria u m equilíbrio mais democrático. Finalmente, u m grande nú­mero de dados científicos mostraram que certas orientações da Maitemáltica m o ­derna estavam erradas. A Psicologia da aprendizagem, e m particular, imostra so­bejamente que é necessário atribuir mais importância às experiências concret as e aos casos particulares durante u m a grande parité da vida escolar, e desen­volver, assim, o papel da intuição na aprendizagem da Matemát ica . Além disso, as novas tendências da Matemá­tica aplicada e a sua importância cres­cente obrigaram a Matemática moderna

a evoluir n u m sentido diferente do que inicialmente tinha sido- fixado.

N e n h u m desltes factores influiu do m e s m o modo sobre a modernização do ensino da Matemática, n e m na Colômbia n e m nos outros países que apresentam características educativas e sociais se=-melhantes. Por conseguinte, o movi­mento segue o caminho traçado na ori­g e m sem se 'afastar muito deste. Dir-se-ia que não atingiu a maturidade. Exami­nemos os factores sociais que conduzem a esta conclusão.

É verdade que as primeiras tentativas realizadas para renovar o ensino da M a ­temática na Colômbia enfrentaram a resistência do corpo dolcente, tanto ao nível universitário como secundário, mas esita resistência acabou por desaparecer pelas razões que exporemos.

A insuficiência da formação suscitou u m sentimento de insegurança na maior parte dos professores do segundo grau. Por outro lado, estes reconheceram as graves 'lacunas do seu ensino e o® re­sultados desiguais obtidos na escola; por oultro lado, não se arriscaram a iniciar u m a polémica declarada eoni os professo­res e os representantes do Ministério da Educação partidários da reforma. Além disso, a ausência de u m a organização cor­porativa no plano nacional reduziu ainda «mais a participação activa do corpo do­cente na operação de renovação. Assim, não foi possível atender devidamente à experiência dos professores, nem aos êxi­tos e fracassos verificados na adopção dos novos programas.

E m segundo lugar, o aluno do ensino secundário foi sempre, e continua a ser, orientado principalmente para a univer­sidade ou, pelo menos, alimenta a espe­rança de prosseguir os esitudofe a nível superior. Embora o ensino secundário comece a diversificar-se devido ao facto de a grande maioria dos alunos aí termi­nar os seus estudos, eslta diversificação ainda não é efectiva. 'Na melhor das hi­póteses, podemos afirmar que o ensino

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Programas de matemática: primeiros cuidados

secundário atravessa u m ¡período de tran­sição, o que, como é «vidente, influi na atitude do aluno e m relação aos progra­mas de Matemática. Assim, por muito isolados e difíceis que estes programas possam parecer, e por muito despidos de coerência e de possibilidade de apli­cação que sejam, o aluno aceitais quase passivamente, pois considera ois seus es­tudos secundários não como u m a pre­paração paira umla tarefa específica mais como u m a vaga orientação para even­tuais estudos superiores.

Se considerarmos, além disso, que, na Colômbia, u m a grande parte dos pais de alunos nunca realizaram estudos secun­dários, vemos que a modernização da Matemática também não constitui, deste ponto de visita, objecto de u m a avaliação efectiva.

E m certos países, os três grupos de pressão — professores, alunos e pais— desempenharam o papel ide filtro e, opon-do-se a certos excessos do movimiento de modernização da Matemática, contribuí­ram para o estabilizar e transformar ; ora, nada de semelhante se produziu na Colômbia nem e m outros países apre­sentando características sociais seme­lhantes.

A Matemática moderna prossegue o seu caminho, sem suscitar críticas cons­trutivas, com as incoerências e as con­sequências que esta situação comporta. E m primeiro lugar, existe, no papel, u m a reforma completa dos programas de es­tudo oficiais. Estes programas são mais ou menos felizes quanto ao conteúdo, m a s também atribuem u m a importância desmedida a certas matérias, ignorando totalmente outras; fornecem u m a apre­sentação muito abstracta de certas ¡ques­tões e abordam outras prematuramente. Distinguem-se roturas na sequência dois temais, falta de perspectiva e tendência para preconizar métodos formais e abs­tractos.

Verifica-se, porém, que e m certa m e ­dida os programas oficiais continuam

a ser letra morta. Alguns inquéritos mostram, com efeito, que, embora exijam manuais adaptados aos programas ofi­ciais, os professores só os utilizam de maneira simbólica. Muitos deles, senão a totalidade, continuam a ensinar Mate­mática da m e s m a maneira que lhes foi ensinada.

É evidente que a necessidade de trans­formação já não é contestada, m a s as variantes propostas comportam irregu­laridades e inconvenientes que conduzem, e m definitivo, ao atraso das modificações. A posição dos partidários da reforma impede os protestos declarados. D a re­sistência clara, passou-se a u m a espécie de desobediência civil.

É evidente que, com consciência das transformações ida situação, houve quem tentasse reforçar a infra-estrutura que deve apoiar toda a reforma desta exten­são e permitir dispensar a formação requerida aos professores, diversificar o ensino secundário, publicar ¡manuais apropriados, rever os programas e sus­citar a criação de u m a opinião pública crítica e bem informada. Todas estas m e ­didas, destinadas a fornecer as soluções procuradas, exigem u m longo esforço de incitação e de estabilização. Contudo, do ponto de vista matemático1, podemos dis­tinguir vários domínios controversos cuja orientação deve ser modificada imedia­tamente para b e m da modernização do ensino da Matemática. Examinaremos, e m seguida, alguns destes domínios.

Linguagem e simbolização

Os primeiros defensores da -simíbolSização da Matemática procuram reduzir o papel ou a influência da intuição no raciocínio lógico, e evitar que conotações' estranhas ou sentidos vagos fossem atribuídos aos termos utilizados. Esta desconfiança e m relação à intuição possui raízes históri­cas que podem explicarnsie. Mais já o m e s m o não sucede, 'muito pelo contrário, com quem ensina Matemática ao nível

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Ricardo Losada Márquez e Mary Falk de Losada

secundário: aqui, deve cultivarnse e aper­feiçoar a intuição, utilizando u m a sim-bolização apropriada para precisar ou clarificar o© conceitos. Eim suma, para o aluno, a simboTização deve constituir u m auxiliar e não u m obstáculo'.

D e maneira semelhante, a linguagem matemática é u m veículo que permite exprimir e compreender claramente cer­tas ideias. H á já vários anos que foram salientados os defeitos de u m ensino de línguas -estrangeiras baseado quase ex­clusivamente na aquisição de u m voca» bulário e na memorização de ¡regras gra­maticais. O m e s m o acontece com a M a ­temática, que não pode ser reduzida a u m conjunto de palavras, m e s m o com a adição de regras segundo as quais estas palavras podem ser combinadas. Para ensinar Matemática, comoí para ensinar u m a nova língua, é necessário saber ex­primir ideias e construir frases que pos­suam sentido. É necessário ultrapassar a simples aquisição (mnemónica) de u m vocabulário matemático, tendo e m vista u m ensino que sublinhe a formação di­nâmica de ideias interessantes (hipóte­ses, teoremas) obedecendo sempre a re­gras pré-esitábeleeidas.

A aprenidizaigem inútil que exige unica­mente memória, sintoma e consequência de u m a formação profissional inadaptada, transformou a linguagem e a simboliza-ção matemáticas e m elementos de u m a ciência estática e estéril. Por conseguinte, devemos, stem demora, transformar o do­mínio da Matemática n u m meio< prático e não n u m fim em si.

A noção de relação de equivalência

Para a formalização de conceitos1 mate­máticos intuitivos, desde o número até ao vector, utiliza-se a noção de relação de equivalência. A introdução da relação de semelhança 'entre conjuntos ou de equivalência entre segmentos orientados, conduz à definição do número e do vec­tor, respectivamente. Estas definições

são, e m si mesma®, desastrosas. C o m o poderemos, e m nome do- formalismo ou da abstracção matemática, exigir que o aluno esqueça a noção intuitiva do nú­mero u m , adquirida com a idade de dois ou três anos, e m benefício da de classe de todos os conjuntos unitários, quando é tão 'simples passar do segmento orien­tado ao vectoir fixando-lhe u m a origem, critério visual e intuitivo? Porquê de­finir o vector como u m a classe de seg­mentos orientados equivalentes?

Posto isto, podemos retorquir que a noção de relação de equivalência e a de partição de conjuntos que daí decorre podem ser adquiridas intuitivamente. C o m o é evidente, tratasse de u m pri­meiro nível de abstracção que, muitas vezes, permite representar o infinito a partir 'do finito. A s relações de equiva­lência e as suas implicações lógicas apre­sentam o interesse de permitir redefinir a Matemática ou baseá-la na teoria dos conjuntos, m a s não são necessárias para compreender e dominar os conceitos m a ­temáticos.

Assim', quando se pede ao aluno que utilize estas classes de equivalência, como sucede com a adição de vectores, atin-ge-se u m segundo nível de abstracção. A partir deste momento, u m a operação que é geometricamente intuitiva perde a simplicidade e perdesse e m artifícios de abstracção. D o m e s m o modo, a constru­ção de números racionais sob a forma de pares ordenados de números naturais, assim como ais definições da adição e da multiplicação que daí /resultam,, e toda a construção deste género constituem u m obstáculo à compreensão intuitiva e de­vem ser eliminadas dos estudos secun­dários.

A Matemática aplicada

Por outro lado, podemos afirmar que, no domínio da Matemática aplicada, se pe­cou não por excesso- inals por defeito. Enquanto se repetem tradicionalmente

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Programas de matemática: primeiros cuidados

toldos os ano® os elementos da teoria dos conjuntos, não se atribui nenhuma im­portância às probabilidades, à estatís­tica e às aplicações da Álgebra linear adaptadas ao ensino secundário'; ou são transformadas em matérias de opção (às quais nunca temos teimpo de nos dedicar). Para além da sua importância para a ciência e a sociedade eontemporâ-nea, a Matemática aplicada apresenta u m interesse incontestável para aprendiza­gem da Maltemática. Só no âmbito destas aplicações o aluno do secundário' poderá dominar a construção de u m modelo m a ­temático aplicável a uma situação con­creta. É 'graças à Matemática aplicada que se torna possível estabelecer uma ponte entre a Matemática e o ¡mundo, motivar u m elevado númiero de alunos e diversificar o ensino secundário.

Geometria e intuição

Os relatores do Congresso' Internacional de Matemática de 1951, ¡rio seu célebre ataque a Euclides, quiseram insistir no f acto de se dedicar u m tiempo exagerado à Geometria euclidiana — tendo em visita, em particular, os defeitos ¡que apresenta como sistema 'axiomático — e de muitas matérias importantes se encontrarem ex­cluídas dos programai de ensino tradi­cionais. Oontudo', as suas conclusões ti­veram u m efeito que ultrapassou o seu pensamento. A Geometria desapareceu praticamente dos programas de estudos e, com ela, u m precioso instrumento da intuição. E m quase todos os domínios

da Matemática, proceide-se à primeira abstracção passando de u m caso con­creto para uma representação geomé­trica. E m disciplinas (como a Álgebra li­near, este método exige u m conhecimento específico da Geometria plana e da Geo­metria no espaço; de qualquer modo, u m conhecimento' insuficiente da Geome­tria torna inútil o emprego da represen­tação geométrica como instrumento' de compreensão. Intuição concreta, intuição geométrica e formalização constituem uma combinação de instrumentos ¡muito eficaz e quase infalível no ensino e na aprendizagem da Matemática. A o elimi­nar ou reduzir a etapa interímlédia da intuição geométrica, enfraquecesse O' m é ­todo no seu conjunto.

Tratasse apenas de alguns aspectos da reforma da Matemática que contrariam o bom senso e provocam controvérsias que obrigam a perder de visita o® seus êxitos e os seus lado® positivos. En­quanto esperamos que se elaborem múl­tiplos programas de apoio necessários para assegurar o êxito da reforma, que se reforcem as instâncias educativas com discernimento e que Seja possível con­ceber correctamente este período de tran­sição, a atenção concedida a estes pontos capitais funcionará como primeiros cui­dados. Trata~se, pois, de mtroduizir alte­rações de orientação que, seim trauma­tizar nem perturbar indevidamente as estruturas educativas, reiritrodluzam as noções de pertinência, de coerência e de bom senso no movimento de moderni­zação.

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¡Vlanmohan Singh Arora

Para onde vai o ensino

da matemática?

A experiência indiana

Os futuros historiadores da Matemática não deixarão de observar o extraordi­nario impacte do «movimento» que aba­lou a sua disciplina durante os anos sessenta e que é conhecido pela desig­nação de Matemática moderna ou de Matemática nova *. Caracterizado por uma profunda reforma do® programas, este movimento não feie cingiu a u m único país, nem sequer a u m conjunto de países culturalmente próximos. Ac­tualmente, as consequências fe o valor deste movimento alimentam debates apai­xonados em diferentes meios: professores do ensino secundário, da escola normal, especialistas da disciplina, autores dos programas de ensino e até pais de alu­nos, em seminários, colóquios e reuniões profissionais, nacionais e internacionais, nos periódicos e até na grandie imprensa.

Examinaremos as origens deste movi­mento e as consequências que comporta a siua «extensão» aos países em desen= volvimento, em particular à India.

Manmohan Singh Arora (India). Professor de Ma­temática e de Estatística do National Council of Educational Research and Training de Nova Deli. Responsável por muitos trabalhos sobre o ensino da Matemática a nível nacional e internacional. Autor de diversas publicações da sua especiali­dade.

As origens da Matemática «moderna» ou «nova»

Quando, em 1957, os soviéticos lança­ram o primeiro Sputnik para o espaço, esta aventura pacífica apanhou o mundo de surpresa. O Ocidente —• em particular os Estados Unidos da América — atri­buiu este incrível sucesso à supremacia dos soviéticos nas Ciências, em Matemá­tica e na Informática. Citemos Kline (1, pip. 20 e 21) : «Este acontecimento con­venceu o nosso governo e o nosso povo [dos Estados Unidos] de que provavel­mente nos encontrávamos atrás dos rus­sos, em Matemática e em Ciênias, e teve o efeito de desapertar os cordões da bolsa dos organismos e fundações activas».

Assim, deu-se o impulso inicial a um movimento de revisão e de reforma dos programas do ensino da Matemática: «era necessário conduzir mais rapida­mente os alunos «dotados» às zonas ainda inexploradas da Matemática pura e apli­cada. U m certo número de comissões e de projectos (não fornecemos pormeno­res dos trabalhos e recomendações destas comissões e projectos. Remetemos o lei­tor para Willouighby2) foram elaborados para formular recomendações e estafoe

* Historicamente, os adjectivos «moderna» e «nova» aplicados à Matemática estiveram em voga em épocas diferentes. Desprezaremos, con­tudo, esta diferença.

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Para onde vai o ensino da matemática? A experiência indiana

lecer novos programas de Matemática: o Grupo de Estudos do Ensino da M a ­temática (School Mathematics Study Group — S M S G ) , o Projecto da Univer­sidade de Maryland sobre a Matemática (University of Maryland Mathematics Project — U M M P ) , a Comissão de Mate­mática na Escola da Universidade de Illinois (University oíf Illinois Committee ion School Mathematics—UIOSM), a Co­missão dos Programas do Ensino Secun­dario, do Conselho Nacional dos Profes­sores de Matemática (Secundary School Curriculum Committee of the National Council of Teachers of Mathematics), etc. Os princípios e as ideias salientados nos trabalhos destas comissões e destes projecto® ¡são exclusivamiente resumidos por Kline (I, p. 22), onde lemos: «A ideia essencial a extrair destes trabalhos é que o ensino da Matemática se revelou m m fracasso porque os programas tradicio­nais apresentavam- unicamente a Mate­mática caduca, isto é, anterior a 1700». E , segundo a excelente fórmula de Kline, «o slongan da reforma passou a ser : M a ­temática moderna».

EstabeleCeu-se, pois, .uma disltinção en­tre os programas de Matemática con­soante fossem anteriores ou posteriores à reforma. Os programas anteriores à reforma foram assimilados aos progra­mas de Matemática tradicionais, essen­cialmente compostos de Aritmética, de Äügebra, de Trigonometria, de Geometria euclidiana, etc. Os programas posteriores à reforma começaram a divulgar-se sob a designação de programas de Matemá­tica moderna; as sua® recomendações, mais ou menos unânimes, podem resumir--se do seguinte modo: a) recurso- à teoria dos conjuntos para apresentar os núme­ros e as suas propriedades; 6) «Abaixo Euclides!»,* dando lugar, portanto, à geometria das transformações; c) intro­dução, a partir do nível secundário, de certas noções aprofundadas decorrendo da teoria dos números, da Algebra linear, da Topologia e, naturalmente, do Cálculo.

Além disso, os programas de Matemá­tica moderna deviam fornecer u m resumo coerente da Matemática, recorrendo aos conjuntos, às operações, às aplicações, à lógica e às estruturas. A adopção destes programas exigiria u m grande esforço de formação e de reciclagem dos profes­sores. Citemos u m parágrafo do prefácio de Francis Keppel, comissário da educa­ção nos Estados Unidos que, e m 1963, escreveu sobre a reforma dos programas de Matemática: «Nãoi basta dizer que a maior parte dos professores será total­mente incapaz de ensinar uma grande parte da Matemática inscrita no pro­grama proposto; de facto, na sua maio­ria, experimentariam uma enorme difi­culdade em compreender alguma coisa. U m breve período de reciclagem não ¡será suficiente. Até mesmo o programa do primeiro ano contém noções absoluta­mente novas para um- professor médio. Tratasse, contudo, dos programas para os quais devem tender os estabelecimen­tos de ensino...».

Assim se iniciou o «movimento» da Matemática moderna.

N o Reino Unido e nos outros países da Europa, começou a esiboçar se, ao mesmo tempo e progressivamente, u m movi­mento de «revisão». Os trabalhos do- se­minário de Royaumomt salientaram bem a necessidade de reformular e de refor­mar os programas de Matemática, por razões de ordem económica, técnica, cul­tural e científica. Criaram-se, pois, de 1964 a 1967, grupas de trabalho e co­missões e, em seguida, procurounse ava­liar, experimentar, aplicar e generalizar progressivamente nos novos programas.

Os países e m desenvolvimento segui­ram este exemplo, com quatro ou cinco anos de atraso, em geral, muitas vezes

* Título de u m a exposição proferida por J. Dieu-donné durante u m seminário sobre o ensino da Matemática organizado e m Royaumont, perto de Paris, e m Dezembro de 1959, sob a égide da DECEO.

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incentivados pela falsa ideia de que é necessário modernizar o® 'programas de Matemática para não ficar atrás do mundo ocidental.

Assim, durante ois anos sessenta, a maior parte dos países de África, e do Sudeste Asiático e, como é evidente, a índia, integraram-se no «movimento» ida Matemática moderna. O exame destes factos e das suas consequências ultra­passa o âmbito deste artigo. O leitor en­contrará em Freudenthal3 exemplos do que se passou em alguns destes países. Nas páginas que se seguem referir-nos--emos particularmente à experiência in­diana.

A experiência indiana

N a índia, as primeiras tentativas de «mo­dernização» dos programas de Matemá­tica remontam a 1905. O processo foi notavelmente semelhante ao que se tinha passado em vários outro® países em de­senvolvimento, e até em países desenvol­vidos : professores universitários e mate­máticos recomendavam uma reforma, professores seguiam cursos de Verão e estágios durante as férias, e introduziam--se cada vez mais questões nos progra­mas escolares. U m a conferência (bina­cional organizada em Bangalore (India), em 19T3, reuniu delegados dos Estados Unidos, do Reino Unido e da índia. A conferência formulou as duas seguintes recomendações (ver 4, p. 37) : «1. A M a ­temática deve ser obrigatória para todos os alunos dos dez primeiros anos de estudos (até aos dezasseis anos e mais). 2. O programa deve ser idêntico para todos os alunos, até ao décimo ano in­clusive».

Os delegados à conferência admitiram «que nem todos possuíam uma experiên­cia de ensino actual dos dez primeiros anos (crianças com idades entre os 6 e os 16 anos, ou mais)». Recomendavam, porém, para os doze anos de escolaridade, u m plano de estudos que poderemos clas­

sificar essencialmente de «moderno» (ver 4, p. 22).

Existe outro aspecto da experiência indiana sobre o qual importa que nos detenhamos. Quando a índia obteve a independência, em 1947, possuía u m sis­tema de ensino marcado pela herança colonial e feudal. Pareceunlhe, pois, evi­dente, que seria necessário transformá-lo radicalmente. Não consideramos necessá­rio passar em revista os trabalhos e recomendações dos diversos comités e comissões criados, depois da independên­cia, para se ocupar de reformas do en­sino. Assinalemos, porém,, o trabalho monumental realizado pela Comissão da Educação da índia (1964-1966) que, no seu relatório sobre a educação e o desen­volvimento nacional, preconizava uma reestruturação ido ensino segundo u m modelo mais ou menos uniforme, ou seja, dez anos de ensino secundário, seguidos de dois anos de ensino secundário supe­rior, e, depois, de três anos de ensino superior num estabelecimento destinado a preparar para u m primeiro grau uni­versitário. Foi o que se designou por sistema de ensino 10+2+3. O relatório da comissão foi examinado pelo Parla­mento e, em 1968, o governo indiano adoptava uma resolução de política na­cional nos termos da qual se declarava convencido, em particular, de que uma reconstrução radical do sistema de en­sino, segundo as grandes linhas das re­comendações da Comissão da Educação, era indispensável ao desenvolvimento económico e cultural do país, à integra­ção nacional e à realização de um modelo socialista de sociedade. A resolução su­blinhava ainda as vantagens de uma or­ganização aproximadamente uniforme do ensino em todas as regiões do país. Fixava, como oibjectivo final da fase escolar, o sistema 10+2.

O sistema 10+2 comporta u m aspecto importante, que nos interessa particular­mente e merece a nossa atenção : o ensino das Ciências e da Matemática, até agora

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recusado a perto de 50 % dos alunos, fará a partir deste momento parte inte­grante da educação de todos até aos dezasseis anos ou mais. Assim, ¡tornava-se necessário rever inteiramente os pro­

gramas de Ciências ¡e de Matemática. N o que diz respeito à Matemática, esta re­comendação tornou-ise sinónimo da adop­ção da Matemática moderna na escola.

Dez anos de experiência

Diez anos de experiência do ensino da Matemática moderna suscitaram mais problemas do que os resolvidos:. Verifi-cou-se que as crianças não aceitam to­talmente o rigor, a lógica e a estrutura da Matemática moderna, de tal ¡modo que as «novas» questões preconizadas pelo plano de estudos dão origem, tam­bém elas, ao psitacisimo e à memorização. Ora, tinham sido precisamente estes os inconvenientes, 'inicialmente atribuídos à Matemática tradicional, que o programa de Matemática moderna procurava eli­minar.

iVerdfico'u-se também que, na sua grande maioria, os professores não apre­ciam verdadeiramente o espírito da M a ­temática moderna e as limitações que impõe. O seu conteúdo mais rico e miais ambicioso, a importância que atribui à compreensão de conceitos e de estruturas unificadoras e O' recurso a métodos heu­rísticos de ensino não suscitaram a ade­são de todos os professores. O aluno aca­bava por se aperceber de que o professor não sentia prazer com a Matemática moderna, que a compreendia com. difi­culdade e que a apreciava pouco. Assim, começava também a desprezá4a, e cria-va-se u m círculo vicioso: professores de Matemática mal preparados e indife­rentes comunicavam esta indiferença à criança que, por sua vez, se desinteres­sava da Matemática.

¡Estas experiências, a diversos graus, foram renovadas por mais de uma vez em diferentes países que não tinham

adoptado a Matemática moderna. Como é natural, a índia não constituiu uma excepção. O aumento dos efectivos — 75 a 80 milhões de crianças escolarizadas, estudando Matemática, e aproximada­mente 2 milhões de professores — a que devemos acrescentar a diversidade dos meios económicos, culturais e sociais, o número de línguas, a diversidade dos cos­tumes, das maneiras e dos hábitos, tor­nava a situação ainda mais preocupante.

Importa sublinhar pelo menos quatro características da situação da índia:

1. A índia possui uma economia essen­cialmente agrária, pois mais de 80 % dos seus 680 milhões de habitantes encontranuse fixados em aldeias: onde vivem da terra.

2. A Constituição da índia prevê o en­sino gratuito e obrigatório para todas 'crianças até aos onze anos.

3. A educação', na índia, é da compe­tência de cada Estado, isto é, os governos dos Estados são livres de formular e de aplicar as suas políticas de educação, e de fixar objectivos. Contudo, o governo central desem­penha entre os Estados u m papel de cimentação, assegurando a integração nacional e a unidade na diversidade. Encontra-se, pois, em condições de coordenar as políticas da educação dos diferentes Estados, graças a reu­niões dos seus Ministros da Educa­ção.

4. O governo central também pode de­senvolver e estimular investigações pedagógicas, criar programas e m a ­terial de ensino modelo e propor re­formas dos programas que ajudem os Estados a adoptar ou a adaptar estas transformações. Para este fim, foi criado u m Conselho Nacional de Investigação e da Formação Peda­gógicas (National Council of Edu­cational Research and Training — N C E R T ) , há perto de virite anos, pelo governo indiano; este conselho cons­tituiu o principal instrumento da evo-

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lução da educação no pais, Baseando--se no relatório apresentado peia Co­missão da Educação da India (1964--(1966), o N C E R T estabeleceu uni «documento de aproximação» 5 rela­tivo aos programas de estudos da criança durante os dez primeiros anos de escolaridade (isto é, dos seis aos dezasseis anos de idade, ou mais). Este documento foi examinado por diversas assembleias —das associa­ções profissionais de professores às reuniões dos Ministros da Educação dos Estados— antes de se ter che­gado a u m consenso.

Perante as críticas dirigidas à Matemá­tica moderna pelos educadores, os pro­fessores, os pais e até m e s m o os alunos, o N C E R T decidiu rever os programas de Matemática e m vigor nas escolas 'india­na®, no momento da passagem para o sistema 10+2. O autor do presente ar­tigo era membro do Comité Nacionail dos Programas constituído para este efeito pelo governo indiano. Grande nú­mero de professores do ensino secun­dário, de professores da escola normal, de representantes de institutos pedagó­gicos ou de institutos científicos do en­sino dos Estados, de pedagogos, de es­pecialistas do ensino da Matemática e de educadores viram-<se obrigados a exami­nar a situação existente na Índia e a propor reformas com o fim de adaptar a Matemática ao nosso ambiente e de satisfazer as necessidades e as aspirações do nosso povo e do nosso país.

O ponto de visita exposto pelo célebre filósofo e matemático' Alfred North Whitehead no seu ensaio «Mathematics and liberal education», publicado em Essays in science and philosophy, pa-rece-nos particularmente pertinente: «A Matemática elementar, diz-nos, .. . deve libertarle de todos os elementos que só possam justificar-ise pelo prolon­gamento dos estudos. Nada pode apre­sentar efeitos mais destnuâidores sobre u m a educação verdadeira do que passar

longas horas a adquirir ideias e métodos que não conduzem a nada... A própria ideia de aprender se tornou, praticamente e m toda a parte, sinónimo de tédio. Ein-sinaramnse aos alunos muitas coisas no ar, muitas coisas que não se prendem a nada do que vem à ideia de quem quer que seja, por muito intelectual que se mostre, e que viva no nosso inundo moderno. Todo o sistema de aprendiza­gem lhes surge como u m absurdo...

«Ora, pretendemos precisamente de­senvolver nos alunos a capacidade de aplicar ideias ao universo concreto... O estudo da Álgebra deveria começar por u m estudo sistemático da aplicação prática da ideia matemática de quanti­dade a u m a questão importante.

«Do m e s m o modo, em Geometria, o programa deveria libertarnse inteira­mente de todas as proposições que cor­rem o risco de ser consideradas pelos alunos como simples curiosidades, sem consequências práticas importantes...

«Resumindo, que pretendemos? Que as noções de Matemática sejam estudadas como u m conjunto de ideias fundamen­tais cuja importância possa ser avaliada de imediato pelo aluno; que toda a pro­posição ou método que não resista a esta prova seja eliminada sem piedade, seja qual for o seu interesse para estudos mais avançados... Esta formulação bru­tal pode ser resumida e reduzir-se a u m a regra essencial única: simplicar os por­menores e salientar os princípios e apli­cações importantes».

A s observações de Whitehead sobre os programas de Matemática tradicional são igualmente válidas para os programas de Matemática moderna. O aluno deve aprender a assimilar as noções funda­mentais da Matemática. Ê preferível di­minuir a «quantidade» em, proveito da «qualidade» da Matemática a absorver, de tal m o d o que o aluno deseje prosse­guir o seu estudo. C o m o é evidente, para o não^maltemático, a motivação deve, na medida do possível, ser naonmiatemática,

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isto é, relacionar-se com o estudo de si­tuações e problemas da vida real. O que não deveria suscitar qualquer dificuldade, uma vez que a maior parte dos ramios da Matemática surge da necessidade de re­solver estes problemas.

Apresentamos em seguida, nas suas grandes linhas, as ideias salientadas no® debates a que deu lugar o ensino da M a ­temática a diferentes níveis.

A Matemática na escola primária

N a índia, como na maior parte doe ou­tros países em desenvolvimento1, uma importante percentagem de alunos não prossegue os estudos para além da es cola primária. Importa pois estabelecer, para este nível, u m conjunto mínimo de Objectivos que correspondam às necessi­dades dos dois (grupos de alunos, os que não ultrapassarão o primeiro grau e os que — u m a minoria— prosseguirão os seus estudos.

Indicaremos, em seguida, os objectivos propostos para o ensino da Matemática na escola primária:

1. Aprendizagem do cálculo e das suas aplicações a situações reais;

2. Desenvolvimento das aptidões opera­tórias em Matemática, em particular na Aritmética elementar;

3. Tradução em problemas aritméticos de situações simples, retiradas da vida real, o que permitirá que a criança se aperceba do poder da Matemática;

4. Desenvolvimento de noções intuitivas de Geometria;

5. Aptidão para inferir correctamente, por exemplo, para observar configu­rações numéricas, 1er e desenhar pic-togramas, etc.

Para apresentar as noções matemáticas indispensáveis, interessa ter em conta não só o vocabulário da criança, como também o seu estádio de desenvolvimento intelectual. De facto, o Grupo I (ensino primário) da Conferência Regional sobre

o Ordenamento de Programas Integrados de Matemática para os Países em De­senvolvimento da Asia, que se realizou em Dezembro de 1975, grupo em que o autor do presente artigo era u m dos ani­madores, insistiu no seu relatório para que, durante os dois primeiros anos do ensino primário, o ensino da Matemática se fizesse por intermédio da linguagem e o ensino da linguagem por intermédio da Matemática. (Convidamos o leitor a consultar o número (6) da bibliografia, onde encontrará exemplos do material de ensino já elaborado' ou em prepara­ção para este ciclo do ensino na Índia.

A Matemática no ensino médio

Também neste caso, a grande maioria dos alunos que frequentam este ensino abandonará os estudos, e apenas uma pequena minoria passará para o ciclo seguinte — pelo menos, assim tem su­cedido na índia até agora. Interessa, pois, que estes alunos comecem a «pe­netrar» u m pouco na Matemática, sem medo. Por outro lado, ¡temos o dever de proporcionar à pequena minoria de alunos que prosseguem os estudos se­cundários (primeiro e segundo ciclo), o sentimento de uma certa «segurança» no estudo da Matemática.

Nesta fase da escolaridade!, os objec­tivos do ensino da Matemática são os seguintes:

1. Permitir que os alunos adquiram o conhecimento dos números, das ope­rações de que estes são objecto e das suas propriedades;

2. Aplicar os conhecimento® adquiridos a problemas da vida quotidiana;

3. Desenvolver a aptidão para criar e distinguir novas ideias matemáticas, para descobrir novas relações e para, a partir daí, efectuar generalizações, para compreender, enfim, esquemas e estruturas matemáticas;

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4. Recolher, classificar e interpretar os dado© ;

5. Desenvolver as aptidões operatorias e os outros elementos de capacidade matemática;

6. Desenvolver o pensamento geomé­trico e familiarizar o aluno com o espaço e as relações espaciais;

7. Desenvolver a atitude crítica, com­parar as diferentes possibilidades numa situação dada, analisar as so­luções possíveis e justificar a opção efectuada;

8. Desenvolver a aptidão para pensar logicamente;

9. Apreciar a beleza e o poder da M a ­temática.

A Matemática nos estabelecimentos de ensino secundário

Entre os aluno® que entram para o ensino secundário, a maior parte, mais u m a vez, termina os estudos aos dezas­seis anos; até lá, receberão- u m ensino diversificado, particularmente e m Ciên­cias e e m Matemática. Quanto aos que completarão os dois últimos anos de ensino secundário, alguns pretenderão tornar-se engenheiros, oultros desltinar--se-ão à Medicina ou a outras profissões liberais, enquanto apenas uima fraca per­centagem entrará para a Universidade e outra ainda mais reduzida escolherá a Matemática.

Enumeraremos, e m seguida, os objec­tivos do estudo da Matemática nesta fase do ensino. 1. Preparar os alunos que se destinam

a estudos complementares de Mate­mática, de Física, de Química, de Bio­logia, de Economia, de Ciências, da Engenharia, etc.;

2. Permitir que os alunos apliquem a Matemática no exercício da sua pro­fissão (depois de abandonarem a es­cola) e elevá-los à altura de utilizar frutuosamente a Matemática e m di­

versos domínios da vida real: banco, agricultura, etc.;

3. Permitir que os alunos pensem logi­camente, e m termos quantitativos e com precisão, e que desenvolvam o hábito de pensar matematicamente;

4. Desenvolver nos alunos a compreen­são das noções matemáticas e a apti­dão para as aplicar elaborando m o ­delos matemáticos simples;

5. Desenvolver nos alunos o sentido do poder, dos limites e da importância cultural da Matemática no desenvol­vimento humano e nacional.

O leitor encontrará e m (9), (10), (11), (12) e (13) exemplos de material peda­gógico elaborado para esta fase do en­sino na índia.

É evidente que existem muitas razões e excelentes motivos para introduzir a «Matemática moderna» nas escolas. Con­tudo, neste campo, devemos ter sido de­masiado ambiciosos e parecemos ter que­rido ultrapassar o objectivo pretendido. A Matemática deve, semi dúvida, fazer parte integrante da instrução de todos. M a s nem todos os alunos necessitam do m e s m o leque de conhecimentos matemá­ticos. Devemos distinguir entre as ne­cessidades de u m a pequena minoria de futuros cientistas e matemáticos e as da grande maioria. E , além do mais, para que qualquer programa seja aplicável, deve suscitar a adesão do professor, pois é ele que, e m definitivo, transmitirá o seu conteúdo.

Referências

1. K L I N E , M . Why Johnny can't add, Vintage Books, Nova Deli, 1974.

2. W I L L O U G H B Y , S. Contemporary teaching of se­condary school mathematics. John Wiley & Sons, Inc., Nova Iorque, 1967.

3. F R E U D E N T H A L , H . , (dir. publ.). Change in ma­thematics education since the late 1950's: Ideas and realization. An ICMI report. D . Reidel Publishing Company, Países Baixos, 1978.

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4. Mathematics in India: Meeting the Challenge. Actas da «Conference on Mathematics Educa­tion and Research», Bangalore, 4-15, de Junho de 1973.

5. Curriculum for the ten-year school. An approach paper. National Council of Educational Re­search and Training, N e w Delhi, 1975.

6. A R O E A Manmohan S.; SAXENA, R. C ; C H A N ­D R A , Ishwar. Mathematics for primary schools, book I. National Council of Educational Re­search and Training, Nova Deli, 1978.

7. A R O R A , M a n m o h a n S. (dir. publ.). Mathematics for middle schools, book I. National Council of Educational Research and Training, Nova Deli, 1977.

8. A R O R A M a n m o h a n S.; P A S S I , I. B . S. Mathema­tics for middle schools, book II, part I. National Council of Educational Research and Training, Nova Deli, 1978.

9. S I N G H , U . N . ; A R O R A , M a n m o h a n S. (dir. publ.). Mathematics. A textbook for secondary schools, part I. 2.a ed., S. Chand & Company, Ltd., Nova Deli, 1977.

10. A R O R A , M a n m o h a n S. (dir. publ.). Mathematics. A textbook for secondary schools, part II., 2.a ed., National Council of Educational Re­search and Training, Nova Deli, 1978.

11. . A texbook of mathematics for classes XI-XII, book I. National Council of Educa­tional Research and Training, N e w Delhi, 1978.

12. . A texbook of mathematics for classes XI-XII, book III. National Council of Educa­tional Research and Training, N e w Delhi, 1978.

13. . A texbook of mathematics for classes XI-XII, book IV. National Council of Educa­tional Research and Training, N e w Delhi, 1978.

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Tendências e casos

O ensino pelo método de avaliação

Chalva Amonachvili

A investigação e a experimentação de novos métodos de ensino remontam na União Soviética ao fim doe anos quarenta e ao início dos anos cinquenta, época e m que se formaram várias correntes e m Psi-copedagogia, procurando desenvolver o ensino segundo u m a concepção igloba-lista.

A evolução previsível da sociedade so­viética dbriga-nos a estabelecer de m a ­neira científica as tendências do ensino no futuro. Para este fim trabalham inú­meros laboratórios e equipas de investi­gadores, entre os quais figura o Laibo-raltório de Didáctica Experimental do Instituto de Investigações Pedagógicas Y a . S. Goguébachvili do Ministério da Instrução Pública da República Socia­lista Soviética da Geórgia, que experi­menta u m modelo de ensino pelo método de avaliação destinado aos alunos das primeiras classes da escola elementar. Este método parte de u m a concepção global da personalidade que se esitrutura não só a partir de conhecimentos adqui­ridos por meio de actividades de toda a espécie, m a s sobretudo e m função das suas necessidades e motivações. A neces­sidade de aprender forma-se durante o

Chalva Alexandrovitch Amonachvili (URSS). Di­rector do Laboratório de Didáctica Experimental do Instituto de Investigações Pedagógicas Ya. S. Gogué-bachvili do Ministério da Instrução Pública da RSS da Geórgia e vice-reitor deste Instituto.

Principais obras: Consciência e actividade no en­sino; Princípios da aquisição da prática da escrita e do desenvolvimento da expressão escrita nas pri­meiras classes; Particularidades psicopedagógicas da avaliação como elemento da actividade escolar (em russo).

processo educativo, e m ligação com a actividade escolar do aluno. A questão que se coloca consiste, então, e m saber qual o processo educativo e quais as acti­vidades escolares que devem ser desen­volvidas para criar nos alunos a necessi­dade de u m a actividade cognitiva.

Crítica do sistema por notas

Inquéritos efectuados permitiraim m o s ­trar que, desde muito cedo', a curiosidade e a actividade cognitiva desempenham u m importante papel na criança. Estes caracteres fazem parte, de certo modo , do seu capital genético. A escola orienta as tendências da criança propondo-lhe u m cerlto conteúdo educativo sob a forma de matérias de estudo às quais deverá aplicar a sua actividade escolar. N a m e ­dida e m que o ensino consiste n u m pro­cesso de formação dos seus interesses cognitivos, a criança estudará sem que seja necessário obrigá-la a fazê-lo', orien­tada por motivações internas: interesse pelo estudo, atitude positiva e m relação ao processo de aprendizagem, tomada de consciência da «alegria de desco­berta», desejo de superar as dificuldades; por seu lado, estes incitamentos inter­nos exercerão u m a influência cada vez mais decisiva sobre a estruturação da personalidade do aluno. A sua actividade escolar será avaliada não pelo sistema habitual de classificação (que substitui as motivações internas no ensino tra­dicional, onde adquire, devido ao seu significado social, u m poder de constran­gimento), m a s por u m a componente de avaliação destinada a estabelecer u m a

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Tendências e casos

comparação entre o resultado das activi­dades escolares e critérios que servem de padrão.

Por vezes, dá-se a este método o nome de ensino «sem notas». M a s , não sie trata tanto de elaborar u m método de ensino «sem notas» como de conferir à criança certo® traços de personalidade entre os quais o desejo de se instruir no âmbito de u m ensino e m que o papel regulador é desempenhado por u m sistema de acti­vidades e de julgamentos de avaliação.

Importa, e m primeiro lugar, definir claramente os conceitos de avaliação' e de classificação. Consideramos a avalia­ção integrada na actividade escolar como u m a actividade cognitiva particular, que tem por objectivo analisar o resultado da actividade escolar, ou esta actividade e m si m e s m a , consoante já tenha sido realizada, ou se encontre e m preparação'; e isto a partir de critérios precisos, de­sempenhando o papel de padrões. A acti­vidade de avaliação permite que o aluno enriqueça a sua experiência, aperfeiçoe os métodos que utiliza para atingir os seus objectivos evite certas erros ou os corrija a tempo.

A avaliação integrada na actividade escolar não intervém no fim do processo de aprendizagem, fazendo intimamente parte dele e m todas as suas fases. Esta avaliação entra mais especialmente e m jogo para determinar a justeza de ope­rações precisas de ordem abstracta ou concreta já realizadas ou ainda por e m ­preender e a exactidão dos seus resul­tados. Ê ao comparar estes resultados, ou estas operações, com os critérios que lhe servem de padrão que o aluno adquire u m a informação pertinente que lhe in­dica se o seu método era correcto ou erróneo. A avaliação 'em exercício de­termina o prosseguimento da actividade empreendida, introduzindo os correctivos necessários e justificando esse prosse­guimento.

N o sistema educativo tradicional, de-senvolvenvse muito pouco as capacida­

des de avaliação dos alunos das classes elementares. Esta situação decorrerá de dificuldades inerentes ao grupo etário considerado? D e facto, a acção de ava­liação encontra-se excluída do conjunto do processo de aprendizagem proposto às crianças: estas vêem-se, à partida, dispensadas deste género de actividade, que é inteiramente assumida peto pro­fessor. Ë este que transmite conhecimen­tos, controla a sua aquisição', classifica os progressos e as lacunas, detecta os erros e julga os resultados da actividade escolar sem entrar na análise da activi­dade propriamente dita. O resultado de todas estas operações, muitas vezes efec­tuadas isoladamente, é u m a nota pela qual se manifesta a autoridade aibsoluta do professor.

A actividade escolar que se desenvolve nestas condições sofre, como é evidente, de rigideiz e apresenta lacunas. O aluno realiza o seu trabalho, m a s não se en­contra e m condições de avaliar os resul­tados que obtém, de efectuar verificações e de descobrir os seus erros. N a s pri­meiras classes, os alunos bem, podem perguntar porque tiveram determinada nota! N ã o podemos deixar de frisar que esta m e s m a situação se verifica com os mais velhos, incluindo as classes termi­nais.

E m geral, atribui-se à nota u m valor de incitamento para o estudo. Pode tam­bém originar reacções negativas abalando a confiança que o aluno deposita nas suas capacidades. A s boas notas não frequen­temente procuradas pelas crianças menos por amor ao saber do que para asse­gurar o seu prestígio ou para O' elevar. Este é u m dos factores psicológicos que conduzem os alunos dos primeiros anos a atribuir u m a importância exagerada aos seus resultados escolares e a recorrer a meios desleais para obter boas notas (sem relação com a realidade). Investi­gações empreendidas neste campo con­firmaram este facto: 78 % dos alunos das primeiras classes regressam diaria-

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Tendências e casos

mente descontentes da escola, conven­cidos de terem sido severamente classi­ficados pelos professores. A maioria dos alunos que não consegue obiter (boas no­tas perde gradualmente ¡confiança nas suas próprias ¡capacidades e acaba por responder c o m a indiferença às aprecia­ções negativas dos professores.

Sonhando com a escola do futuro, N . K . Krouspskaia escrevia, e m 19!11: «Actualmente, a escola faz tudo para isolar os alunos, e m vez de os unir. A s notas, as competições, tudo> isto desen­volve a inveja, a vaidade. Tudo isto pro­cura separar a criança dos seus colegas: proibida de pedir u m a informação a u m colega, não há nenhum trabalho e m co­m u m , que exija camaradagem, esforço colectivo. Cada u m deve pensar por si, ocupar-ee apenas do® seus resultados... A escola do futuro deverá desenvolver por todos os meios o sentimento de soli­dariedade. Devemos excluir todo o for­malismo, toda a coerção. Por outras pa­lavras, a escola do futuro deve ser u m a associação livre de alunos que procurem, através de esforços conjugados, traçar u m a via no domínio do espírito. O pro­fessor será unicamente u m amigo mais velho, que, dotado de experiência e de saber, ajudará os alunos a aprenderem a instruir- se por si mesmos. Apon-tar-lhes-á exemplos, métodos de aquisi­ção dos conhecimentos, ajudá4os-á a organizar e m c o m u m o trabalho de aprendizagem mútua, ensinar-lhes-á os meios de estudar, auxiliándole uns aos outros. Só u m a escola deste tipo será capaz de ensinar a solidariedade, a com­preensão e a confiança mútuas».

A nota, considerada u m importante parâmetro de avaliação da actividade escolar, transformasse n u m fim e m si e influencia todos os aspectos do pro­cesso pedagógico, o que nem sempre exerce u m a incidência benéfica sobre a actividade dos alunos. Para estes, o im­portante consiste e m obter a nota que pretendem e que determina a sua situa­

ção existencial na classe, na família e na sociedade. Ora, é o professor que classi­fica e é dele, portanto, que depende o seu prestígio. Daí decorre entre prof es* sor e aluno u m estado conflitual, agra­vado pelo facto de o aluno ser incapaz de apreciar objectivamente o valor do julgamento que o professor faz a seu respeito.

Procedendo à análise do processo di­dáctico, o investigador georgiano D . N . Ouznadzé escreve que o educador que aspira à realização de ideias sociais se preocupa com o futuro dos seus pupilos e considera a sua felicidade futura prioi-ritária e m relação ao® interesses imedia­tos. A s actividades dos alunos são, pelo contrário, motivadas pelo imediato, pois são movidos por tendências individua­listas. Daí resulta u m conflito entre o educador que age e m função do futuro e os alunos que têm e m visita a satis­fação imediata das suas necessidades. Ouznadzé, que classifica esta situação de «tragédia de base da educação», con­sidera que o ensino e a educação só podem ser coroados de êxito era con­dições que não comportem contradições entre professor e aluno, o que só é pos­sível se a sua relação se basear na con­fiança, no amor e no respeito.

(Foi nestas condições que Ouznadzé, nomeado director de u m a escola, e m 1916, praticou e m todas as classes o sis­tema de ensino «sem notas». A nota como resultado de u m a avaliação, escre­via, assume constantemente u m carácter subjectivo e suscita sempre, portanto, u m certo mal-estar entre o professor e o aluno. Acrescentemos que o julgamento é efectuado pelo professor e m referência à matéria considerada no seu conjunto e aos interesses a longo prazo dos alu­nos. Estes, por não compreenderem ne­nhuma destas razões, experimentam, na maior parte das vezes, u m sentimento de frustração».

A situação conflitual não se manifesta por sinais tangíveis ao nível Idas primei-

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ras classes; o seu aparecimento e o seu desenvolvimento, primeiramente incons­cientes, só mais tarde se tornam evi­dentes e adquirem, então, formas múl­tiplas e b e m conhecidas. No® alunos destas classes traduz-se por u m estado de tensão e de ansiedade, falta de se­gurança, agitação e distracção. Conforme as crianças, estes estados emotivos serão mais ou menos importantes e m função do nível de estruturação das estereoti­pias dinâmicas.

 luz destas observações, o objectivo das nossas investigações pode formular--se do seguinte m o d o : criar u m tipo de ensino destinado a suscitar u m a atitude positiva e m relação aos estudos, utili­zando o método de avaliação como factor de regulação da actividade cognitiva dos alunos.

Princípios e desenvolvimento da experiência

A nossa experiência desenvolveu-sie se­gundo os três seguintes eixos: modifi­cação da relação entre o professor e os alunos; modificação dos métodos de apresentação da matéria de estudo; m o ­dificação da relação entre os pais e a instrução escolar.

A relação educativa professor-alunos fundamentou-se na orientação da acti­vidade cognitiva dos alunos por meio de actividades e m c o m u m , devendo o pro­fessor esforçar-se muito particularmente por suscitar tomadas de posição pessoais, julgamentos e pontos de visita individuais sabre a questão estudada e, e m seguida, contribuir para a sua definição. Incen-tivaram-se as discussões c o m o profes­sor. Os problemas eram colocados de m o d o a despertar o interesse cognitivo das crianças e o seu desejo de prestígio, utilizando formas de incitamento como: «Tentem resolver estes problemas; uns são fáceis e outros difíceis, há por onde escolher»; «Amanhã , vamos começar a aprender as igualdades; os que quiserem

podem preparar-se desde já, ajudar-nos--ão, e m seguida, a compreender bem a questão»; «Não sei se conseguirão des­cobrir sozinhos as regras de concor­dância das palavras na proposição. Se quiserem, podem tentar!»; «Quem não gostar desta poesia pode muito simples­mente aprender outra da sua preferên­cia!».

A s crianças foram iniciadas na uti­lização do método de avaliação; neste aspecto, atribuiu-ise u m a grande impor­tância aos critérios que permitem avaliar as actividades escolares e os seus resul­tados. Estes critérios assumiram a forma de regras, de esquemas, de modelos ou até de objectos concretos e m função do tipo de actividade, do procedimento ou do material didáctico. Pela sua utilização sistemática, os alunos aprenderam pro­gressivamente a compreender melhor os critérios que deviam observar.

Realizou-se, na aula, a avaliação co­lectiva de diversos resultados ligado® à actividade escolar ou desta actividade propriamente dita. Os alunos aprende­ram, por meio de exercícios apropriados, a exercer a sua faculdade ide crítica ou de autocrítica, a descobrir os erros come­tidos e a corrigi-los, a encontrar as palavras que faltam n u m texto e a jus­tificar a sua escolha, a apresentar u m problema n u m a fornia lógica, a analisar e a justificar a sua acção, a realizar acti­vidades complexas de tipo abstracto ou de tipo concreto segundo u m plano, etc. Outros exercícios consistiam e m desco­brir ¡um erro, e m remontar às suas causas e e m indicar os meios de o corrigir. Pro-curou-se desenvolver na criança a aptidão para formular juízos de carácter pros­pectivo, isto é, para prever as conse­quências de diversos métodos ou solu­ções.

Criaram-se diferentes actividades de avaliação: controlo e avaliação dos re­sultados escolares dos colegas; crítica dos seus trabalhos escritos; interrogação oral de u m aluno por outro com avaliação

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das respostas, etc. O objectivo' consistia e m conseguir que os alunos utilizassem, nas suas avaliações, critérios desuñados a justificar o seu julgamento.

Foi necessário elaborar «manuais apro­priados, baterias de exercícios, livros para professores correspondentes à orien­tação geral da experiência e apresen­tando os conhecimentos sob u m a forma susceptível de facilitar a prática do m é ­todo de avaliação.

Desenvolveu-se u m a acção apropriada junto dos pais e do público. Explicou-se o tipo de relações a estabelecer entre adultos e crianças no ensino «sem: notas». Os pais eram convidados a interessar-ee mais pelo desenvolvimento real dos filhos do que pelo seu aspecto formal (as no­tas) , a interrogar-se sobre o que tinham aprendido, sobre os domínios e m que fa­ziam progressos, ou, pelo contrário, ex­perimentavam dif ieuldades, sobre os seus centros de interesse, sobre as qualidades morais que revelavam e que neles se desenvolviam. Forneceram-se exemplos concretos para lhes mostrar como des­pertar a curiosidade dos filhos e e m que domínios ou como incitá-los ao trabalho. Os incitamentos deveriam relacionar-se, de preferência, com motivações de ordem 'cognitiva e excluir o sistema de recom­pensas e punições.

¡Duas vezes por ano (fim de Dezembro e fim de Maio), os pais e as crianças recebiam ¡um boletim de apreciação in­dicando as lacunas ao nível dos conheci­mentos, fornecendo conselhos com o fim de melhorar as competências e as técni­cas adquiridas e apontando os traços de carácter, os positivos a desenvolver e os negativos a eliminar, etc. Os boletins, es­tabelecidos individualmente, tinham sido precedidos por u m a entrevista entre o professor e os alunos. Além disso, os pads recebiam exemplares dos trabalhos de escrita, de Matemática, de trabalhas m a ­nuais e de desenhos de seus filhos, o que representava u m a espécie de relatório da actividade escolar da criança.

Esta experiência iniciou-se e m 1963. Limitou^se primeiramente a u m a classe e, generalizando-se, assumiu u m carácter de massa. Actualmente, o Ministério da Instrução Pública da R S S da Geórgia au­torizou o prosseguimento da experiência e m nove distritos urbanos e rurais, c o m u m a população escolar aproximada de 5000 alunos.

Alguns resultados

A avaliação dos resultados desta expe­riência efeictuou-íse e m fases diferentes e utilizando u m grande número de parâ­metros. Estabeleceu-se u m a comparação com u m a 'amostra de classes e m que se praticava o sistema tradicional de ensino e, e m particular, a classificação de 1 a 5. O s alunos das classes experimentais de­ram provas, sem excepção, de conheci­mentos mais 'aprofundados e de u m grau superior de desenvolvimento e m relação aos do ensino tradicional.

O processo de avaliação consistia e m fazer observações ao longo de u m extenso período e e m propor exercícios ou expe­riências nos dois grupos de classes. R e ­cordemos que os psicólogos soviéticos que estudaram o comportamento face aos estudas consideram que, entre os 'alunos das primeiras classes, o factor essencial de incitamento é a nota. É esta que cria u m conjunto de necessidades multiformes e m relação c o m a situação da criança no seio do meio social. E m particular, aproximadamente 46 % dos alunos do curso elementar (3.a classe) revelam assi­duidade aos estudos devido à severidade dos pais e movidos por u m sentimento de dever e de responsabilidade. O inte­resse pelos estudos propriamente ditos só constitui motivação para 4 % dos alu­nos. Esta situação, que traduz o desin­teresse dos (alunos pelo trabalho escolar, pelos deveres e pelos estudos, oibserva--se frequentemente a nível elementar. A nossa experiência confirmou que assim sucedia no ensino tradicional.

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N a s classes experimentais a actividade na aula é muito superior à do g m p o --lamoatra; e m 56 % doe casos, os alunos esf orçam-se por realizar o trabalho orde­nado pelo professor, por participar na solução de diverso® problemas, por dis­cutir, criticar, responder, etc., enquanto no ensino tradicional estais actividades se observam apenas e m 17 % dos casos. N a classe-amostra, perto de 47 % dos alunos mantêm-se desatentos durante u m pe­ríodo mais ou menos longo, enquanto este número decresce para 15 % na classe experimental.

Notemos igualmente o seguinte facto: na classe tradicional os alunos são fre­quentemente capazes de responder à pergunta do professor ou de executar o problema ou o exercício, mas , na isua maioria, preferem abster-ise de qualquer iniciativa; na classe experimental os alu­nos participam na actividade escolar m e s m o quando não se sentem seguros quanto à exactidão do seu raciocínio, da sua solução ou da sua resposta.

O tipo de problemas, de exercícios, de questões também é muito diferente; pe-de-se aos alunos da classe experimental que apresentem soluções originais, e u m juízo pessoal, que estabeleçam u m a abor­dagem crítica, que formulem hipóteses, propostas «descobertas», realizações de tipo avaliativo, enquanto os da classe tra­dicional devem aprender de cor, repetir, apontar, 1er, resumir, restituir conheci-imentos, tirar 'apontamentos, etc.

O s alunos da classe tradicional prefe­rem caJarrse, pois «enganando-se, apa­n h a m m á nota»; os outros não receiam cometer erros; gostam de investigar, de discutir com os colegas, de justificar o seu ponto de vista. Convidados a escolher entre dois deveres, u m fácil, outro difícil, os alunos do grupo de controlo escolhe­ram, n u m a média de 50 % ¡aproximada­mente, o dever fácil, na esperança de obter u m a boa nota, persistindo nesta atitude m e s m o depois de sabereim que os deveres não seriam classifiçados; «e

se, à última hora, resolvessem classifi­cá-los!», disseram eles, para explicar a sua atitude. Mais tarde, convencidos da ausência de classificação, escolheram, na sua maioria, a prova difícil. Pelo con­trário, no segundo grupo, a maioria dos alunos optou pelo trabalho difícil, expli­cando que era mais interessante.

Para salientar o fascínio que a nota exerce sobre o> aluno, realizou se a se­guinte experiência. Os alunos deviam es­colher ao acaso u m número entre 1 e 9 e justificar a sua escolha. N a classe expe­rimental, foram citados todos os n ú m e ­ros, sem excepção. Justificavam a sua escolha dizendo que o número correspon­dia à data de nascimento, que o «7» par recia u m dançarino, que o «1» era o pri­meiro número, que o «9» era o maior, ou que aparecia muitas vezes nas histórias, etc. N o grupo-amostra quase todos esco­lheram o «5» com a m e s m a explicação: «5 é a melhor nota» ou «só quero ter 5».

Para terminar, citaremos o resultado do inquérito sobre as razões que motivam a escolha de u m amigo: enquanto na classe experimental todos s!e esforçam por iser amigos de todos os colegas, ou dos que revelam b o m carácter ou ainda dos que necessitam de ajuda (83 % das respostas), na classe tradicional 66 % dos alunos preferem estabelecer relações de amizade apenas com os melhoreis da classe, pois «são bons», «toda a gente os aprecia», «são os melhores exemplos».

O ensino pelo método de avaliação ace­lera o ritmo dos estudos e desenvolve harmoniosamente as aptidões da criança, assim como os seus recursos psíquicos. Assim, foi possível reduzir a semana para cinco dias de trabalho 3 a duração das lições para trinta e cinco minutos nas' classes experimentais.

Desta experiência, desenvolvida du­rante mais de quinze anos, podemos tirar as seguintes conclusões preliminares: 1. U m ensino que possui o objectivo de

orientar a actividade cognitiva do akmo exerce u m a influência benéfica

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sobre a fonmação, nos alunos idas pri­meiras classes, de latitudes positivas e m relação aos estudos e ide incita­mentos internos para participar nas actividades escolares;

2. Este tipo de ensino dispensa estímu­los externos que não decorram das tendências cognitivas próprias da criança, como notas, recompensas, sanções; estes estímulos podem, pelo contrário, inibir o desenvolvimento da actividade cognitiva e do gosto pelos estudos ao substituírem o desejoi da criança de participar nas ¡actividades escolares;

3. O êxito de u m ensino deste ¡tipo é de­terminado pela utilização doi método de avaliação, que exige, da parte do aluno, a faculdade de transpor os resultados da sua actividade escolar para critérios que deve interiorizar; o desenvolvimento deslta aptidão^ im­plica a criação de ¡um sistema, peda­gógico apropriadoí;

4. Este tipo de ensino contribui para a formação, na criança, de qualidades morais e pessoais positivas, de capa­cidades criadoras e de u m a atitude objectiva e consciente face à reali­dade.

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U m exemplo de transformação

do ensino: o caso da Venezuela Gustavo F. J. Cirigliano

As ideias nascidas da Revolução Fran­cesa (liberdade e igualdade) e do libera­lismo (progresso infinito e liberdade de trocas) foram introduzidas em diferentes países latino-americanos no início do sé­culo XIX; transformadas em ideias, vi­riam, em certa medida, a concorrer para o advento da independência política.

O B povos da América Latina aspira­vam, então, à implantação de governos autónomos e à independência; procura­vam desempenhar u m papel no mundo e cumprir uma missão histórica.

Neste contexto, a instrução surgia não só como u m direito, mas também como instrumento de realização deste destino independente. Só u m povo que tivesse recebido os benefícios da instrução, capaz de assimilar o imenso património cultural e científico do Ocidente, poderia afirmar­le e desempenhar u m papel na História do Mundo e acompanhar o seu ritmo.

N e m todos os países da América La­tina cumpriram a missão histórica que tinham concebido no momento em que despertava a sua vontade nacional. Al­guns projectos permaneceram inacaba­dos; certos objectivos não foram atingi-

Gustavo F. / . Cirigliano (Argentina) é actualmente coordenador do subprograma das Ciências do Ho­mem da Universidad Nacional Abierta de Caracas (Venezuela). Foi professor de Filosofia da Edu­cação em diferentes universidades dos Estados Uni­dos da América e da América Latina e conselheiro do ensino superior em vários estabelecimentos uni­versitários. Publicou, entre outras obras: Temas nuevos en educación; Temas de filosofía de la educación; Educación y futuro; Educación y po­lítica; Universidad y proyecto nacional; Dinámica de grupos y educación en América Latina.

dos; em outros casos, vimos suceder-se diversos projectos nacionais, ou históri­cos, ou políticos (termos que considera­mos, neste caso, quase equivalentes).

Por objecto nacional (ou histórico, ou político), entendemos o contexto da transformação histórica que u m povo se propõe viver sob a orientação dos seus dirigentes.

A o contrário do que sucede com países constituídos há séculos, onde o presente se encontra firmemente alicerçado no passado (que também foi, no seu tempo, u m projecto histórico), os países novos que acederam recentemente à indepen­dência enfrentam sempre uma ruptura no futuro imaginado ou projectado. Os pri­meiros podem deixarnse conduzir pela História (passada) ; os segundos, que não possuem passado, são animados por u m projecto (a História do futuro).

N a América Latina, sucederam-se os projectos históricos: o projecto de inde­pendência foi o primeiro guia para o futuro; o de inserção na economia mun­dial — com u m grau de autonomia maior ou menor— foi geralmente o segundo; actualmente, na América Latina, assis­timos a u m projecto de integração con­tinental.

A cada projecto histórico corresponde u m tipo ou sistema de edueaçãoi, que deve, como é evidente, renovar-se sempre que se muda de projecto. Se, para o pro­jecto de independência, o meio de edu­cação mais adequado foi—em vez das raras escolas existentes — o exército da independência— com os grandes mestres Bolivar ou San Martin — e se, no sé­culo XIX, o «sistema escolar» foi o me-

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canismo mais adaptado ao projecto de inserção na economia mundial, parece lógico que o projecto de integração con­tinental exija uma educação nova que ultrapasse a «escolaridade» do projecto anterior. N a ausência desta transforma-ção, produise u m desfasamento entre a realidade vivida e a educação, que con­tinua a preparar para u m futuro caduco. Contrariamente ao que, por vezes, se pensa, o atraso do ensino não se deve a 'Característica® tecnológicas ou pedagó­gicas do sistema, mas à natureza das relações entre este sistema e o projecto histórico de que decorre.

E m resumo, para determinar com certo rigor o valor de u m sistema de ensino no contexto da América Latina, parece necessário considerá-lo em função do projecto histórico a que corresponde e que é obrigado a servir. Para este tra­balho — mais descritivo do que crítico, uma vez que se trata de uma evolução recente ou iniciada — ref erir-nos-femos às inovações introduzidas no ensino superior na Venezuela durante os últimos decé­nios. Esforçar-nos-emos por mostrar que as inovações no ensino só parecem viá­veis se estiverem de acordo com o pro­jecto nacional que lhes confere sentido. A Venezuela constitui incontestavellmente u m exemplo do maior interesse para u m estudo das transf ormiacoes do ensino.

O país conhece actualmente uma ine­gável prosperidade económica, devida si­multaneamente ao aumento do preço do petróleo e à dinâmica própria do seu crescimento. Contudo, seria erróneo ex­plicar exclusivamente por estas circuns­tâncias favoráveis as inovações introdu­zidas no seu sistema de ensino. Só por si, o dinheiro não possui o poder de trans­formar o ensino; é necessário algo mais: neste caso, a existência de u m projecto nacional.

iTemos tendência para pensar que a Venezuela é o país da América Latina que envida mais esforços para desenvol­ver e formar os seus recursos humanos;

em suma, para instruir a sua população. Pensamos que decidiu exercer os seus esforços essencialmente sobre o nível su­perior universitário que conheceu uma expansão impressionante, uma vez o nú­mero total de estudantes passou de 11513 em 1958 para 83 499 em 1970 \ e de 115 462 em 1972 para 254 979 em 1976. Podemos afirmar que o número de estudantes do ensino superior duplicou em quatro anos, atingindo uma percen­tagem muito elevada ¡do grupo etário correspondente (.19 % u'2SL%).

Não há dúvidas de que este cresci­mento apresentará dentro de pouco tempo consequências decisivas, com a entrada na vida activa de uma massa de quadros profissionais. A transforma­ção dos recursos humanos realizada pela Venezuela no sector terciário será então evidente.

Considerando que o crescimento do ensino superior constitui actualmente a tendência mais significativa da educação na Venezuela, descreveremos cinco ele­mentos ou componentes do que poderia ser u m «modelo de desenvolvimento do ensino superior venezuelano»: as uni­versidades experimentais (destinadas a assegurar a autonomia tecnológica) ; a universidade venezuelana no estrangeiro: o programa Fundayacucho ; a univer­sidade do trabalho: INCE Superior (Instituto Nacional de Cooperación Edu­cativa) ; o pluralismo das instituições universitárias; a Universidade Nacional Aberta.

Estes cinco elementos constituem o modelo operacional utilizado pelo país para transformar eficazmente os re­cursos humanos em função- dos seus objectivos próprios. Não são as únicas componentes do ensino superior, mas in­troduzem a modificação e a inovação no sistema universitário.

Este modelo não pode ser concebido isoladamente: deve integrar-se num pro­jecto político central —ou projecto na­cional — que lhe confere sentido e cujos

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problemas resolve. A ideia de «projecto nacional» foi explicitamente formulada pelos dirigentes políticos venezuelanos: «Poderíamos imaginar .uni grande pro­jecto nacional, agrupando os problemas e os objectivos fundamentais e naciona­lizados do país, que ee traduziria essen­cialmente pelo empenhamento e m con­vergir os esforços e as actividades para os objectivos gerais ido desenvolvimento político, económico e social — u m pro­jecto nacional que seria u m compromisso de alta política por parte do governo e dos sectores f undarnentais da naçãoi... » 2. Esta ideia transparece igualmente nas análises do sistema de ensinoi: «Só u m projecto nacional não só declarado como operacional permitirá reorganizar o en­sino» 3. A nossa hipótese de trabalho-, apoiada e m documentos oficiais, afirma que existe u m projecto nacional vene­zuelano, susceptível de receber u m a orien­tação variável consoante as administra­ções e as épocas, 0 ^ 6 8 6 ^ 3 ^ 0 ' , contudo, u m a continuidade fundamental". Este projecto nacional, vivido actualmente pelo povo venezuelano, pode resumir-se do seguinte m o d o :

É u m a acção exercida para abranger ou alcançar o controlo dos recursos na-turais^chave—petróleo e ferro- — tendo e m vista u m desenvolvimento económico independente (esta acção traduz-se por u m a atitude precisa no seio da O P E P e por medidas de nacionalização do ferro e do petróleo).

Para esta acção, deveremos dispor, nas profissões científicas e tecnológicas, de recursos humanos de alto nível que, sem consideração de origem social ou nacional — segundo o princípio da igualdade de acesso para todos— e seja qual for o seu m o d o de formação, asseguram o con­trolo efectivo e permanente dos recursos naturais-chave, compensam pela sua qua­lidade a fraqueza da população venezue­lana (comparada c o m a dos países vizi­nhos) e possam ainda prestar serviços válidos à era pós^petrolífera.

Esta dupla acção beneficiará da forte posição internacional da Venezuela. Esta será ainda reforçada pela integração la­tino-americana, na qual a Venezuela de­sempenha u m papel de leader, e pela in­serção do país no contexto internacional e sua concertação c o m as grandes po­tências.

O h o m e m é considerado agente desta acção orientada a partir dele, e m con­formidade com a evolução histórica que apresenta a dignidade da pessoa humana como valor central do desenvolvimento económico n u m mundo e m que o equilí­brio ecológico é respeitado. Ê deste pro^ jecto que decorre logicamente o modelo de ensino aqui exposto.

A s universidades experimentais

Os especialistas distinguem três períodos no desenvolvimento do ensino superior e universitário venezuelano5. O primeiro período, até 1958, é o da icriaçãoi e de­senvolvimento das universidades de tipo tradicional: Universidad Central de V e ­nezuela (1721), Universidad de los A n ­des (1810), Universidad del Zuiia (1891), assim como das primeiras universidades privadas: Universidad Católica Andrés Bello e Universidad Sanita María, ambas fundadas e m 1953.

É durante o segundo período (1958--1970), e sobretudo durante o terceiro (1970), que surgem novos modelos de ensino, sob a forma de estabelecimentos e de programas de tipo diferente: uni­versidades experimentais, institutos poli­técnicos, institutos pedagógicos experi­mentais.

A Universidade de Oriente ( U D O ) constitui a primeira inovação experi­mental importante. «Representa, para a época, u m a concepção nova e regionali­zada do ensino e a tentativa de novas es­truturas e formas de ensino: estudos de base, departamentos, créditos universitá­rios, maior ajuda aos estudantes, ligação estreita com a comunidade, recurso a

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peritos internacionais, importantes ¡pro­gramas de aperfeiçoamento do pessoal docente através de estudos no exterior» °.

O terceiro período assiste à implanta­ção definitiva de instituições-piloto como a U D O . A maioria dos colégios 'universi­tários de tecnologia, institutos politécni­cos e institutos pedagógicos foram cria­dos depois de 1971. M a s , as melhores ilustrações do desejo de inovação e m matéria de estruturas e de programas são, sem dúvida, as universidades ditas «experimentais» : Universidad Simon B o ­lívar (1970), Universidad Simon Rodri­guez e Universidad Nacional Experimen­tal del Tachira. « A primeira, resultado de estudos minuciosos, apresenta carac­terísticas novas na sua estrutura, nas especializações tecnológicas que oferece, no® seus programas e na rigorosa se­lecção dos professores e dos estudantes. Representa u m a experiência inovadora importante da primeira metade dos anos setenta, como a U D O nos anos sessenta. A segunda parece querer adoptar normas de ensino extremamente avançadas m a s é demasiado jovem e a sua reorientação filosófica é demasiado recente para que possamos pronunciar a seu respeito jul­gamentos suficientemente fundamenta­dos» 7.

Talvez seja útil sublinhar que as universidades experimentais procuram explicitamente u m elevado nível de qua­lificação científica e tecnológica, de acordo com os princípios do projecto nacional. D e notar igualmente que, para além dos objectivos que partilha c o m as outras universidades, a Universidad Simon Bolívar fixou os seus «objectivos fundamentais» que são os seguintes: «Contribuir para a formação dos quadros profissionais e técnicos exigidos pelo progresso do país, de acordo icom as orientações do plano de desenvolvimento; experimentar estruturas e métodos de ensino e de aprendizagem que assegurem a eficácia máxima do trabalho dos pro­fessores, o rendimento óptimo dos estu­

dantes e a plena utilização, no ensino, dos recursos e instalações de que dispõe o estabelecimento» 8.

A universidade venezuelana no estrangeiro

O decreto 132, de 4 de Junho de 1974, instituiu o programa de bolsas «Gran Mariscal de Ayacucho»: A Venezuela criou, assim, efectivamente, e não sim­bolicamente, u m a universidade no estran­geiro, enviando mais de 10 000 jovens —• toda u m a cidade universitária — para os estabelecimentos mais célebres do mundo.

E m princípio, as bolsas são atribuídas a jovens sem recursos financeiros, a fim de formar quadros profissionais e técni­cos de que o país necessita para u m de­senvolvimento económico independente.

Estes dois critérios (falta de recursos e preparação para u m a profissão de im­portância prioritária para o desenvolvi­mento) estão na base do programa.

Dois mil bolseiros foram já selecciona­dos, desde 1974, através de u m processo que atende essencialmente a estes dois critérios: mil deveriam estudar na V e ­nezuela, quinhentos nos Estados Unidos da América e o resto- e m diferentes paí­ses, entre os quais cem no Reino< Unido. O programa conheceu vicissitudes, devido a inconvenientes e dificuldades relacio­nadas com a sua extensão, com a rapidez da sua 'aplicação e com a ausência de' infra-estrutura operacional. Durante os dois primeiros anos de experimentação, foi objecto de u m estudo da Unesco9

que analisa as suas dificuldades, avalia os seus resultados e sugere meios para restabelecer as orientações que parecem erróneas. O relatório classifica O' pro­grama de «projecto sem precedente na América Latina», que não só resulta da excepcional expansão económica da V e ­nezuela como «decorre de u m a inspiração patriótica e democrática».

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Até agora, foram atribuídas quinze mil bolsas eau domínios científicos e tecnoló­gicos de importância decisiva. Apenas 5 % dos bolseiros são estudantes de Le­tras. E m 1978, 9971 bolseiros seguiam cursos e m estabelecimentos prestigiados de mais de trinta países (na sua maior parte nos Estados Unidos, de acordo com o projecto nacional), ¡constituindo, assim, u m a nova universidade venezuelana que, embora situada fora do país, se empenha essencialmente e m o servir. Além disso, perto de 7000 'bolseiros prosseguiam os seus estudos na Venezuela. D o número total de bolseiros —incluindo os que permaneceram no país— 2631 frequen­tavam cursos de nível pós-universitário. Oitocentos bolseiros que terminaram os estudos e m 1977 regressaram à Vene­zuela para .trabalhar na realização, do objectivo político-social do programa; e m 1978, juntaram-se-lhes miais 1500, m e ­tade dos quais com formação pós-uni-versitária.

O programa Fundayaicucho representa u m esforço original iatinoi-<aimericano, e m ­preendido durante o último decénio, para formar pessoal altamente qualificado. Pensamos que este projecto e o esforço que implica ainda não são suficiente­mente conhecidos na América Latina.

Se olharmos u m pouco para além do presente, é possível prever que, ao re­gressar aos seus países, todos estes bolseiros, com experiências culturais di­versas e possuindo u m a qualificação científica ou tecnológica elevada, não deixarão, dado o seu número e a sua qualidade, de suscitar transformações muito profundas na vida social da V e ­nezuela durante o próximo decénio — transformações ainda difíceis de predi­zer, m a s que a Venezuela assume o risco de sofrer.

Devemos, pois, estar preparados para receber o impacte qualitativo e quantita­tivo deste imenso contributo e m recursos humanos. Haverá, como é evidente, u m

preço a pagar. M a s , já estamos preveni­dos: «existem ainda, na sociedade vene­zuelana, grupas elitistas que não aceitam, que não podem tolerar, que jovens de Bobures, de Achaguas, de Delta Amiacuro e de outras localidades do interior, que nunca na vida teriam tido ocasião de sair da sua terra, possam fazê-lo igraças a este extraordinário programa, que ori­ginará u m a renovação muito importante das camadas sociais na Venezuela; ele vai ser u m factor de promoção social» 10.

Todo o projecto nacional cria o seu próprio pessoal. Assim, a Venezuela m o ­difica a sua população de acordo com as necessidades do projecto. Fá4o através de u m a acção decidida e de (grandes pro­porções. Assistirá ao regresso de toda u m a cidade, de u m exercício numeroso e inovador que terá visito outros hori­zontes, [assimilado outras experiências, enfretado outras perspectivas e que, tem­porariamente, terá tido outra percepção do munido e da vida. N ã o há dúvidas de que o regresso do exército dos bolseiros de Fundayacucho transformará o pais, e é precisamente o que este espera, A si­tuação, de resto, não é nova: na época colonial, muitos jovens sul-americanos de talento foram prosseguir os seus estudos na metrópole, e, ao regressar, realizaram a aspiração da América à independência política, satisfazendo, assim, o que o povo esperava deles. Dez mil jovens ve­nezuelanos adquirem, e m todo o ¡mundo, u m a formação científica e tecnológica de nível elevado. Deveriam não só trans1-formar a Venezuela como influenciar de maneira decisiva o futuro da América Latina. Assim se apresenta este elemento do modelo que procura, de modo- original, transformar a população e criar recursos humanos a fim de atingir o objectivo central do projecto: a independência eco­nómica ao serviço do honrem.

Importa acrescentar que, como o pre­cedente, este elemento do modelo se ca­racteriza pela diversidade e o pluralismo. N ã o se limita a u m país, estendendo-se

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Tendências e casos

a trinta países que oferecem uma rica gama de experiências científicas, políti­cas, sociais e culturais " .

A universidade do trabalho (INCE Superior)

A ideia do INCE Superior foi lançada a 11 de Setembro de 1976, que é o dia do professor em vários países da A m é ­rica Latina. Esta ideia iniciai, esquemá­tica, foinse desenvolvendo e concretizando progressivaimente.

O INCE (Instituto Nacional de Coope­ración Educativa) — análogo' a outros organismos de formação dos trabalha­dores, como o Serviço Nacional de Apren­dizagem Industrial (SENAI) do Brasil ou o C O N E T da Argentina — realizou uma obra fecunda e apreciada em m a ­téria de formação técnica e profissional. O INCE Superior comporta uma ino­vação: uma acção ao nível do ensino superior ou pós-secundário, nível privi­legiado no modelo operacional de desen­volvimento do ensino criado para o pro­jecto nacional venezuelano. Como se irá concretizar esta acção?

Os cursos do INCE Superior destinar--se-ão a três categorias ide população ou públicos distintos: finalistas do ensino secundário, diplomados do INCE —ou aprendizes— e trabalhadores em acti­vidade. Neste último caso —é importante sublinhá-lo — a experiência e os conheci­mentos adquiridos por meio do trabalho são reconhecidos e dão origem a «crédi­tos» para os estudos, que são organizados em módulos.

O INCE Superior não pretende con­correr com as universidades'—embora proporcione novas possibilidades aos alu­nas que terminam o ensino secundário— delimitando o seu campo de acção espe­cífico. Assim, embora permita que estes estudantes se reorientem para o domínio das técnicas, das empresas e da indústria, oferece aos trabalhadores e aos diploma­dos pelo INCE (aprendizes) um com­

plemento de formação que lhes permite atingir u m nível equivalente ao do bacca­lauréat (ver fig 1: processo de admis­são) . A experiência profissional dos tra­balhadores é reconhecida como elemento desta formação.

O INCE Superior começou no ano pasr-aado a dispensar ciclos de ensino curtos, com a duração de u m ou dois anos. Tra­t a i de u m ensino profesional e não teórico (formiam se gestores ou desenha­dores, e não licenciados). O seu lema determina que toda a formação deve poder ser prosseguida: por exemplo, o enfermeiro deve poder tomar-se médico. Como mostra a figura 1, esta fórmula (permite que os estudantes que tenham terminado o ciclo curto prossigam es­tudos superiores regulares.

A estrutura modular dos programas (fig. 1) permite a validação dos estudos a todos os níveis, sem que seja necessá­rio seguir u m ciclo completo'. Os módulos terminados permitem o acesso a uma profissão ou a u m emprego: é «reco­nhecido» por u m «título» ou certificado, conferindo uma qualificação- profissional efectiva. Se uma especialização ou ciclo curto implica que se saiba efectuar trinta operações e u m trabalhador sabe efec­tuar doze graças à sua experiência pro­fissional, o INCE reconhece esta aqui­sição e assegura O' complemento de formação necessária. N a figura 1, o módulo I confere o título de «desenha­dor»; o módulo II o de «desenhador de nível n» ou de «inspector de trabalhos». E m vez de títulos, trata-se de profissões reais. O que a universidade de tipo tra dicional ensina como matéria de estudo é ensinado aqui como u m ofício, uma capacidade efectiva, unia profissão. Os títulos correspondem a funções reais, como sucede, por exemplo, com o título de director de informática».

Segundo esta concepção, que reconhece ao trabalho u m valor de ensino, ofere-cem^se especializações, no ano de 1978, nos seguintes domínios: construção, ges-

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Tendências e casos

Experiência profissional reconhecida

ZT

Escola secundária

Formação complementar

Módulo

Aprendiz INCE

Formação complementar

Desenho

de arquitectura

r Perspectiva Efeitos de cor gráficos

Construção de maqueta

Desenhador-I

Desenhador-ll Inspector de trabalhos-l

Desenhador-lll Assistente topógrafo Inspector de trabalhos-ll

Estágio Oficina de construção

Auxiliar de arquitecto

Y

Auxiliar

de engenheiro Auxiliar

de construtor

Empresa Estudos superiores

INCE Superior — Admissão e possibilidades de emprego

Aprendizes

Formação complementar

Outros estudos superiores

Empresa

FiG. 1 Estes gráficos salientam a estrutura modular da formação dos jovens qüe entrarão para o I N C E Superior.

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Tertdertoias e casos

tão, secretariado, ¡desenho, informática, diversos ramos ¡da indústria (mecânica, electromecânica, etc.)- O s jornais de Ca­racas anunciaram, e m Abril de 1978, que o I N C E Superior dispensava, para começar, os seguintes cursos aos alunos que tivessem terminado o ensino secun­dário e desejassem adquirir rapidamente u m a especialização profissional de nível superior : progriamador-inf ormátieoi, ana­lista de sistemas informáticos, secretário de direcção, assistente de controlador fi­nanceiro, assistente de responsável orça­mental, assistente de analista financeiro.

Assim, desenvolvem-ise os esforços para assegurar a formação tecnológica exigida pelos níveis mais elevados da actividade produtiva. Enquanto a univer­sidade fornece u m a preparação' profis­sional baseada na formação intelectual, o I N C E Superior tem e m conta u m a «formação tecnológica orientada para o trabalho de produção». Este objectivo está claramente de acordo c o m o princí­pio do projecto nacional que consiste e m formar recursos humanos do mais alto nível nas profissões científicas e tecno­lógicas, a fim de obter o ¡controlo dos recursos económicos-chaves e o seu tra­tamento técnico.

Podemos afirmar que o I N C E Superior é u m a universidade nova que parte do trabalho como meio de aprendizagem para atingir o trabalho real e efectivo, co¡mo profissão e como meio de reali­zação pessoal, no âmbito dos objectivos e das prioridades do desenvolvimento que o país tem e m vista, de acordo com o seu projecto nacional.

O pluralismo das instituições universitárias

Já assinalámos como componente do pro­jecto nacional o pluralismo e a diversi­ficação na formação dois recursos h u m a ­nos. N a Venezuela, o ensino superior ou pós-secundário é extremamente diversi­ficado.

Poderíamos pensar que este facto cons­titui motivo de desorganização, m a s , na realidade, esta diversidade corresponde ao desejo de formar recursos humanos para as profissões científicas e tecnoló­gicas prioritárias. Reconhecense que este objectivo pode ser atingido por diversas vias.

O s institutos universitários de tecnolo­gia, os institutos politécnicos e pedagó­gicos e os colégios universitários, que se multiplicaram a partir de 1971, são testemunho da diversidade das formas ou modos de ensino oferecidos à popu­lação venezuelana para lhe permitirem, por meios variados e múltiplos, atingir a qualidade mais elevada a diferentes ní­veis de qualificação científica e tecnoló­gica. Trata-se de formar rápida e efi­cazmente os recursos humanos exigidos por u m desenvolvimento independente, que se procura efectuar por diferentes vias, embora possa parecer que existem sobreposições.

E m 1978, contam^se cinco institutos universitários padagógicois, dos quais ape­nas dois criados antes de 1971; quatro institutos universitários politécnicos, for-m a m d o engenheiros e m especialidades di­rectamente ligadas à produção; nove institutos universitários de tecnologia proporcionando ciclos de estudos curtos para formação de técnicos superiores nos sectoresjchave;s do desenvolvimento' in­dustrial do país — todos criados depois de 1971 — formando técnicos superiores da administração e do ensino que podem ingressar directaimente na vida activa, ou prosseguir estudos .mais avançados. Existem, além disso', quinze colégios e institutos universitários privados. C o m o se vê, o pluralismo do sistema de ensino superior/universitário é b e m real.

O presidente da República declarou, e m Julho de 1978, que o país conta c o m 71 estabelecimentos universitários. Este número dá-nos u m a ideia da expansão sofrida se tivermos e m conta que, e m 1958, existiam apenas 6.

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Tendências s casos

Esta diversificação não é obra do acaso, de unia inspiração súbita ou do improviso. Responde à necessidade his­tórica de formar o tipo de h o m e m exi­gido pelais necessidades do desenvolvi­mento. A este respeito, os documentos universitários são formais; indicam cla­ramente que os planos de desenvolvi­mento do país requerem a formação' de recursos humanos nos seguintes domí­nio®, considerados prioritários: hidrocar­bonetos, química e petroquímica, meta­lurgia, electrónica e telecomunicações, agricultura, tecnologia alimentar, explo­ração dos recursos marinhos, saúde, ensino, nutrição, urbanismo, bens de equipamento, ecologia e energia.

Este desejo de diversificação, inspi­rado pelos objectivos do projecto na­cional, manifesta-se também — a u m nível diferente do nível superior— no programa adoptado conjuntamente pelo I N C E e pelo Ministério da Defesa, graças ao qual -mais de cinco mil reservistas (pequeno exército da batalha tecnoló­gica) foram enviados para Espanha para realizar a aprendizagem de u m ofício tendo e m vista u m posto de trabalho-.

Outra forma de ensino superior e uni­versitário representa, de certo modo, o cruzamento das tendências para a ino­vação e para a diversificação. Trata-se do «Programa Nacional de Estágios na Indústria» (Programa Nacional de Pa­santías en la Industria) lançado e m 1976 e obrigatório para as empresas. Estima-se e m nove mil o número de estágios previstos. O programa é admi­nistrado pela Fundación Educación-In­dustria ( F U N D E I ) , pelo Ministério da Educação Nacional e outros organismos. Permite que os estudantes trabalhem e m actividades do programa nas empresas, sob a dupla supervisão destes últimos e dos estabelecimentos de ensino. Procura--se a participação activa das empresas a fim de eliminar a dicotomia entre os estudos e o trabalho.

O estágio dura, no mínimo, seis se­manas, a tempo integral, de acordo com o horário de trabalho da empresa. Des-tina-se aos estudantes do último semes­tre dos colégios universitários e dos ins­titutos de tecnologia que se especializam nos domínios prioritários já enumerados. T a m b é m podem segui-lo estudantes de disciplinas industriais dos institutos pe­dagógicos, assim como os dos institutos universitários politécnicos e das univer­sidades. Neste último Caso, trata-se de estudantes do quarto ano e m certas es­pecialidades. (Estão igualmente previstas possibilidades de estágio para os alunos do último ano das escolas secundárias).

Este programa de instrução pelo tra­balho comporta ramificações de acordo com as prioridades definidas pelo pro­jecto nacional de desenvolvimento'; gura a formação intensiva de recursos humanos aos mais elevados níveis.

Poderíamos perguntar se os esforços consagrados ao ensino superior não cor­rerão o risco de criar u m excedente de recursos humanos altamente qualifica­dos. A resposta é que não se trata ape­nas de criar os recursos imediatamente necessários, m a ® de compensar pela qua­lidade a insuficiência numérica da po­pulação, comparada com a dos países vizinhos. A abundância de recursos na­turais procurados e m todo o mundo e o fraco nível de povoamento determinam que seja lógico pretender elevar o nível de qualificação da população.

A Universidade Nacional Aberta

A criação da U N A (Universidad Nacio­nal Abierta), e m 1977, encontrava-se preparada desde 197:5 por u m a comisa são de organização. E m Setembro de 1976 realizou se e m Caracas a Reunião L A C F E P (Reunión Lationamericana y del Caribe sobre Nuevas Formas de Edu­cación Postsecundaria), à qual foram submetidos dois documentos descrevendo

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Tendências e casos A

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I Análises das características da população

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Especi :icacões do programa

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Determinação dos conteúdos

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Sequência lógica e psicológica dos objectivos

Selecção das estratégias didácticas

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1 Determinação dos objectivos da instrução

t Elaboração do teste de validação dos objectivos

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Elaboração do teste de entrada

Revisão por u m técnico

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Análise dos recursos disponíveis

Elaboração dos módulos impressos e do material de apoio

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Elaboração do teste final

'

Experimentação

1

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comité

Fio. 2. U N A — Modelo de planificação do ensino

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Tendências e casos

a estrutura e as modalidades do funcio­namento da U N A . Esta reunião tinha analisado mais de quinze experiências de ensino aberto, informal e extra-escolar — e m ¡particular a Open University do Reino Unido, a Universidade extra-murois dos Estados Unidos, a Universidade de Edu­cación a Distancia de Espanha, etc. Con­cordou c o m o novo projecto, que deve­ria coneretizar-se definitivamente u m ano mais tarde.

A U N A define-ise como u m estabele­cimento de ensino superior que tem; como vocação formar quadros profissionais nos domínios prioritários do desenvolvimento nacional, por u m sistema de telensino aberto utilizando os meios modernos de informação de massa. A estrutura da U N A reflecte várias características do projecto nacional: sectores prioritários, formação de recursos humanos ao nível mais elevado, diversificação e pluralismo.

A U N A eneontra-se aberta aos jovens e adultos que, por trabalharem, não puderam seguir u m ensino universitário de tipo tradicional. O estudante da U N A poderia definir se como «o adulto que trabalha».

A U N A fixou três principios de acção simples: educação para a democratiza­ção (extensão das possibilidades de ins­trução nos planos geográfico e social) ; educação para u m desenvolvimento in­dependente (formação de recursos hu­manos capazes de resolver os problemas nacionais pela ciência e pela tecnologia) ; educação para a inovação (•lançamento na América Latina de novos métodos de ensino à distância e de u m a nova tecno­logia da educação).

Para atingir o objectivo de desenvol­vimento independente, a U N A utiliza três abordagens: a abordagem instru­mental, segundo o critério da eficácia, procura que os objectivos propostos se­jam efectivamente atingidos dentro dos prazos e através dos meios previstos; a abordagem económica, segundo o cri­tério da eficiência, procura optimizar a

relação entre os objectivos atingidos e a soma de esforços e de recursos despen­didos; a abordagem social, segundo o critério da pertinência, (pretende que os resultados obtidos se encontrem efectiva­mente adaptados ao meio social. A pri­meira abordagem coloca novos meios de instrução à disposição do® adultos que trabalham ; a segunda permite empregar estes novos meios de m o d o a reduzir os custos; a terceira tende a transformar efectivamente o meio social por meio de u m contributo de novos conhecimen­tos 12.

O aluno da U N A utiliza material de auto-ònstrução especialmente concebido e estruturado e m função das ¡suas activi­dades, resultando a sua aprendizagem precisamente desta interacção. Este m a ­terial apresenta os objectivos, ¡as unida­des de informação correspondentes, u m teste inicial c o m a sua correcção, a in­formação apropriada e u m teste final. O material impresso é utilizado de pre­ferência à partida, recorrendo^se igual­mente a outros meios: televisão, filmes, rádio... O s orientadores e os conselhei­ros pedagógicos, repartidos por cerca de vinte centros locais, estão encarregados de fornecer material aos estudantes, de resolver as suas dificuldades e de con­trolar a sua assiduidade.

O plano de ensino (fig. 2) deve per­mitir que os estudantes conheçam e fixem os seus objectivos, organizem os seus ho­rários de acordo c o m o ritmo de tra­balho pessoal, desenvolvam os seus co­nhecimentos seguindo as indicações do material de auto-instrução, se aiuto-ava-liem e verifiquem e m que medida os objectivos foram atingidos.

A U N A é administrada por u m con­selho superior e dirigida por u m conselho de direcção composto pelo reitor e vice--reitores encarregados, respectivamente dos estudos e da administração e do se­cretariado da universidade. Subdivide-se e m programas e subprogramas que se articulam e m sistemas e subsistemas.

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Tendencias e casos

Domínio de estudo

Estudos gerais Ciências fundamentais

Ciências de Engenharia

Educação

Ciências Sociais

O futuro dirá se esta estrutura deverá ser confirmada, ou modificada, conser­vando o conjunto do ¡projecto o seu ca­rácter experimental.

Cinco domínios de estudo, correspon­dendo cada u m deles a u m a orientação profissional, foram definido® (o® ciclos de estudo inicialmente apresentados são designados pelo sinal + ) como mostra do quadro acima.

Pode parecer estranho que u m a uni­versidade «aberta» assegure u m a for­mação profissional. Deve-se ao facto de o projecto nacional exigir a formação de recursos humanos para as profissões científicas e tecnológicas. M a s a TINA não continuará necessariamente a f azê-lo. Considera-se a possibilidade de u m ciclo de estudos «abertos», permitindo que o estudante estabeleça o seu próprio pro­grama, escolha as suas opções e adquira ou não u m a qualificação profissional.

A nova lei sobre o ensino superior, ao derrogar certos regulamento® actuais, 'deve permitir o acesso à universidade ide estudantes que não tenham terminado os estudos secundários — o que está total­mente de acordo com o espírito da U N A .

Qualificação profissional

Tronco c o m u m Licenciatura e m Matemática -+-Licenciatura e m Física Técnicas industriais + Concepção de sistemas + Ambiente Engenharia civil Licenciatura de ensino c o m opções:

Ensino técnico Física Matemática + Línguas Ciências Sociais Educação Pré-escolar + Educação Especial +

Licenciatura de Administração Pública + Licenciatura de Administração de Empresas + Diploma de contabilista + Licenciatura de Sociologia (rural ou industrial) Licenciatura de Trabalho Social

Estão previstos ciclo® curtos, ao nível do terceiro ano, assim como a possibilidade de estudos pós-universitário®.

A abertura da U N A para o futuro tor­nasse evidente ao tentar, de facto, gene­ralizar, ou universalizar, u m a inovação, transiormando-a no princípio do sistema de ensino futuro. Normalmente, as ten­tativas e as experiências só fornecem bons resultado® e m escala reduzida; a sua generalização n e m sempre é viável. A U N A constitui u m desafio, na América Latina, ao «saltar» do nível experimental para o da aplicação generalizada. E m ­bora certas universidades comportem u m a secção «aberta», capaz de fornecer u m ensino a distância a 200 ou 300 es­tudantes, a U N A conta, à partida, c o m 17 350 estudantes e m todo o país. A ex­periência, dada a sua escala, exiíge u m número elevado de estudantes para ter sentido.

Depois desta análise de algumas com­ponentes do modelo de ensino superior na Venezuela, é possível formular certas considerações, que conservarão, no en­tanto, u m carácter hipotético.

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Tendências e casos

Poderá parecer que u m a transformação ou renovação autêntica de u m sistema ide ensino não possa efectuar-tse isola­damente, m a s apenas e m ligação com u m projecto nacional.

É possível que as futuras transforma­ções impliquem formas de ensino ex­tra-escolares.

A coexistência de múltipas formas de en­sino paralelas parece possível.

Podemos considerar que, actualmente, a Venezuela constitui, de certo modo', o laboratório e m que é testada a viabili­dade do ensino latino-americano do futuro. O que será viável encontrarse certamente contido nos elementos ac­tualmente experimentados na experiên­cia venezuelana.

Notas

1. Miguel C A S A S A R M E N G O L , «Apuntes sobre la evolución de la educación superior en Vene­zuela», Papeies universitários, Caracas, n.° 4, Novembro-Dezembro de 1977, p. 114.

2. Luis M . P E N A L V E R , Discurso en la Sesión ex­traordinaria del Congreso (5 de Julho de 1977, Caracas).

3. C E R P E , «Una educación para Venezuela», SIC, Caracas, n.° 400, Dezembro de 1977, p. 485.

4. N o documento intitulado Sobre el modelo de desarrollo en la Venezuela actual, produzido em 1978 para a Escuela de Educación de la

Universidad Central de Venezuela, Jorge Lina­res, Lenin Romero e Lautaro Videla distinguem os seguintes elementos do projecto nacional venezuelano: 1. Nacionalizações das matérias--primas; 2. Reforma do aparelho de Estado para que possa actuar como empreendedor; 3. Criação de uma economia mista; 4. Expor­tação de produtos industriais; 5. Transforma­ção do sector agrícola; 6. Formação de u m novo tipo de homem para o novo projecto; 7. Nacionalismo; 8. Influência sobre os países vizinhos.

5. Miguel C A S A S A R M E N G O L , op. cit.

6. Miguel C A S A S A R M E N G O L , op. cit., p. 114.

7. Miguel C A S A S A R M E N G O L , op. cit., p. 115.

8. Informe final: Planeamiento de la enseñanza superior. Anexo: Características y objetivos de instituciones de la educación superior Vene­zolana, tomo 6, Caracas, 1975, p. 33 (polico-piado).

9. Ver o relatório Sadosky sobre o plano Aya-cucho em Papeles universitarios, n.° 3, Caracas, Outubro de 1977, p. 116.

10. Extraído de uma conferência de imprensa da Prof." Ruth Lerner de Almea, presidente de Fundayacucho, a 10 de Agosto de 1977.

11. A mesma audácia e o mesmo desejo de plu­ralismo caracterizam a proposta do embaixador da Venezuela em Espanha, que preconiza a criação de uma universidade da OPEP (Orga­nização dos Países Exportadores de Petróleo) a fim de formar os recursos humanos que tor­narão possível o desenvolvimento do Terceiro Mundo, de modo a beneficiar da excepcional ocasião de transformação proporcionada pelos recursos provenientes da exploração petrolí­fera — recursos que não devem ser unicamente consumidos ou desperdiçados.

12. Comisión organizadora: UNA — Proyecto, Ca­racas, 1977, 138 p.

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Revista de publicações

Pierre E R N Y , L'ensetgnement mattan, Paris, 1977.

Pierre Erny, que possui u m a longa experiência de ensino e m África (começou como professor do en­sino primário no Alto Volta antes de se tornar pro­fessor universitário no Zaire e no Ruanda) apre-senta-nos neste livro o essencial da sua reflexão sobre os problemas actuais da educação e m África e, mais ainda, e m todos os países de recursos li­mitados que enfrentam actualmente, devido a u m sistema escolar inadaptado, problemas que parecem insolúveis.

N u m a primeira fase, o autor procede ao inven­tário das recentes tentativas de renovação do ensino e m diferentes países de África e e m particular das tentativas de «ruralização» do ensino. O s exemplos que fornece mostram b e m tanto a ambiguidade desta noção como a sua imperiosa necessidade. A m ­biguidade, porque a ruralização continua a ser en­tendida como u m «reflexo de autodefesa de u m a neoburguesia dirigente preocupada com o seu fu­turo» (p. 68) ou ainda como « u m discurso da gente da cidade para uso dos rurais» (p. 70) cujas inten­ções reais estes percebem claramente. M a s também necessidade, se não queremos que a escola continue a multiplicar aqueles que, já e m 1947, Emmanuel Mounier classificava de «semi-hábeis sem eira n e m beira que apenas vivem de palavras» (p. 65).

Devemos, pois, alterar a denominação mas pros­seguir na m e s m a direcção e Erny analisa c o m lu­cidez as causas dos insucessos e as condições que devem ser reunidas para levar a b o m termo u m a transformação mais do que nunca necessária. Entre as causas de insucesso, para além da ambiguidade política já sublinhada, Erny sublinha muito jus­tamente a falta de formação dos professores («um ensino ruralizado, escreve, exige por parte do corpo docente u m a competência incontestável simultanea­mente pedagógica, agrícola e técnica que os pro­fessores formados segundo os métodos habituais nunca tiveram», p. 69), a ausência de ligação entre projecto educativo e projecto de desenvolvimento rural («o fundo da ruralização consiste e m desen­volver a economia rural. É a transformação da agri­cultura que conferirá à educação o seu verdadeiro significado e não o inverso» (p. 70) e, no plano estritamente pedagógico, a ausência de ligação entre estudo do meio e trabalhos práticos agrícolas). As páginas que dedica ao estudo do meio, tanto no capítulo sobre a ruralização como nos dois últimos capítulos de propostas pareceram-nos as mais ricas da obra e contêm, sem dúvida, alguns temas es­colhidos que deveriam passar a figurar e m todas as bibliotecas das escolas de formação da professores.

Depois desta análise das tentativas de renovação da escola africana, Pierre Erny refere mais três ex­periências de transformação dos sistemas de ensino (o Peru, Cuba e a China) não para as copiar, mas , escreve, para «mostrar o que é possível e estimular a imaginação» (p. 7). Deste conjunto de experiên-

dans les pays pauvres. Modèles et positions. L'Har-

cias, as quais acrescenta a experiência das casas familiares rurais francesas, P . Erny tira quatro gran­des lições.

A primeira diz-nos que a escola não é — ou não deveria ser— o único recurso educativo. «Não se trata, escreve, de suprimir a escola, mas de utilizar todos os recursos educativos disponíveis (p. 95)». Corolário lógico: os professores não são os únicos detentores de conhecimento e a escola deveria ape­lar amplamente para o conjunto das pessoas-recurso presentes na zona.

Segunda lição: Se a escola deve estar ligada à vida, u m a vez que a vida é diversa, a escola tam­b é m deve ser diversa. N o âmbito das normas gerais fixadas pelo Estado, devemos, pois, conceder u m a ampla autonomia às regiões para que definam as orientações mais adequadas para atingir os objec­tivos finais.

Terceira lição: a combinação entre o estudo e as tarefas produtivas deveria constituir u m elemento central da nova pedagogia. E P . Erny aproxima-se, neste ponto, de muitas das conclusões apresentadas n u m dossier da presente revista '.

Ultima lição: é necessário inventar outro tipo de escola que já não seja «factor capital de dife­renciação social», mas escola de promoção colectiva. «Alicerçada no meio, escreve Erny, a escola deve dinamizá-lo através da análise que provoca e con­tribuir para a criação de u m a necessidade perma­nente de transformação. Ligando estreitamente for­mação, educação e desenvolvimento, transforma-se n u m dos órgãos que asseguram a tomada de cons­ciência pela comunidade dos seus valores e das suas insuficiências e a responsabilidade da sua própria evolução» (p. 98).

São estas as principais proposições apresentadas por Erny, proposições que pormenoriza no último capítulo, agrupando-as n u m projecto pedagógico si­multaneamente inovador e realista.

Lamentamos, contudo, dois factos. Pensamos que a sua demonstração teria ganho e m força se o autor a tivesse aplicado concretamente a u m país (o Ruanda, por exemplo, onde permaneceu durante muito tempo). Além disso, de u m especialista e m antropologia da educação 2, seria de esperar que de­dicasse mais importância à educação tradicional e, e m particular, às associações de jovens. Estes dois pontos farão parte de u m projecto adiado?

Guy BELLONCLE (França)

Notas

1. Aprender a trabalhar : escola e produção, Perspec­tivas, vol. VII, n.o 3, 1977.

2. Ver, em particular, L'enfant et son milieu en Afri­que noire. Essais sur l'éducation traditionnelle, Payot, Paris, 1972.

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Revista de publicações

Maurice D E B E S S E e Gaston M I A L A R E T , Traité des sciences pédagogiques, tomo 8: Éducation permanente et animation socio-culturelle, P U F , Paris, 1978.

Gaston P I N E A U , Éducation ou aliénation permanente? Dunod , Paris, Sciences et Culture, Montreal, 1978.

A educação permanente encontra-se n u m a situação paradoxal. Por u m lado, a expressão teve u m êxito surpreendente. N o espaço de alguns anos deu volta ao m u n d o . Actualmente, não existe nenhum h o m e m político, administrador ou teórico relacionado com a tarefa educativa que não invoque, e m determi­nados momentos, o conceito da permanência. Já e m 1975 se recensearam mais de 5000 documentos, li­vros ou publicações que referiam directamente esta noção. Esta situação só poderá satisfazer os que consideram a educação permanente a alternativa ne­cessária aos impasses e às insuficiências da tarefa educativa tal como é concebida e funciona na maior parte dos países.

Contudo, a esta satisfação v ê m juntar-se nume­rosas reservas e sérias preocupações. Desprezando a posição dos partidários da tradição, inquietos com as repercussões e as consequências, encontramo--nos perante problemas capitais. O primeiro é a contradição entre o dizer e o fazer. Após quinze anos de proclamações, de reconhecimentos solenes, somos obrigados a reconhecer que o panorama da educação não se alterou, no seu conjunto. O modelo escolar tradicional, dominado pela selecção, igno­rando as diferenças e a complexidade das dimensões da personalidade, continua a impor-se com o seu cortejo de exames e diplomas, de privilegiados e de rejeitados, de promoção dos indivíduos adaptados e de marginalização dos menos dotados ou diferentes da norma.

O segundo problema reside na diversidade das interpretações. Uns consideram a educação perma­nente u m princípio de renovação que se aplica ao conjunto do processo educativo, desde a primeira infância até ao fim da existência. Sabem que os seus projectos são a longo prazo e implicam u m a longa série de trabalhos tanto teóricos como prá­ticos. D o outro lado, encontram-se os que, na sua acção, aplicam o termo educação permanente a u m momento particular do processo educativo, o que diz respeito aos adultos. N a maior parte das vezes, c o m o sucede com u m grande número de programas, trata-se pura e simplesmente de actividades de reci­clagem profissional.

Esta confusão, lamentável no plano teórico e pe­rigosa no plano prático, não será dissipada pela leitura do oitavo tomo do Traité des sciences péda­gogiques publicado sob a direcção de Maurice De ­besse e Gaston Mialaret. O próprio título da obra encaminha o leitor para u m a via errada: Éducation permanente et animation socio-culturelle. C o m o po­deremos deixar de ficar surpreendidos ao ver no m e s m o plano o todo e as partes, u m vasto conceito, c o m as mais extensas implicações tanto do ponto de vista da sua compreensão e da sua extensão pla­

netária, e u m a expressão que decorre de u m con­texto particular, o da França e de alguns países que se inspiram e m exemplos franceses?

A contradição surge na própria arquitectura do livro. N o primeiro capítulo invoca-se o desejo de aprofundamento teórico da noção situada na pers­pectiva da continuidade ininterrupta do processo educativo. M a s , logo no segundo capítulo, abando-na-se a proposta anunciada e encontramo-nos pro­jectados n u m universo limitado, o da educação dos adultos, sob o seu aspecto profissional.

O capítulo seguinte, de resto muito interessante, «Aspectos psicológicos da educação permanente», é ainda mais claramente orientado. C o m o indicam os subtítulos «A imagem do aluno adulto», « O adulto e o seu tempo», é do indivíduo instalado na sua vida de adulto que se trata, e abandona-se a pro­posta anunciada nas primeiras páginas da obra.

Trata-se, pois, de u m trabalho limitado a u m grupo etário e não lamentamos que assim seja. C o m efeito, a educação permanente no seu ver­dadeiro e completo significado ainda não atingiu u m grau de maturação teórica e de realizações que possa incluí-la no âmbito de u m tratado. Encontra--se ainda na fase das hipóteses, das investigações, dos confrontos entre pontos de vista, dos debates, das experimentações, que não se prestam para já a sínteses e opiniões de conjunto.

Neste caso particular, a publicação deste tomo assume u m grande significado. É u m acontecimento na evolução do pensamento pedagógico e m França. Ainda não há muito tempo se falava de educação de adultos neste país como de u m «parente pobre» da educação. Pobre, era-o no seu alcance, pois abrangia u m a fracção limitada da população. E po­bre também no sentido estrito do termo, na medida e m que mobilizavva apenas u m a ínfima fracção dos orçamentos públicos e privados. A situação modi-ficou-se radicalmente nos dez últimos anos, prin­cipalmente pelo efeito das disposições legislativas que aceleraram o processo educativo no domínio da formação profissional. Desde o voto da lei sobre educação permanente, e m 1971, o número de uten­tes deste tipo de educação viu-se multiplicado por 10; os recursos intra e extra-orçamentais sofreram u m aumento da m e s m a ordem. Embora ainda haja muito a fazer para que este aspecto da actividade nacional ocupe o lugar que normalmente lhe cabe e, ultrapassando o âmbito profissional, para que en­globe todas as dimensões da personalidade, a edu­cação dos adultos encontra-se já solidamente ins­talada nos espíritos e nos factos. É esta promoção que se vê consagrada pela presente publicação.

O s organizadores da empresa apelaram para co­laboradores particularmente qualificados. O aspecto

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psicológico foi confiado a Antoine Léon. Jean Vial encarregou-se dos aspectos sociológicos, assim como da alfabetização dos adultos. Foi a equipa de Schwartz e de Scheffknecht que, com u m a compe­tencia muito especial, tratou da «formação con­tínua dos adultos». Quanto ao director do Traité, G . Mialaret, consagrou u m capítulo à apresentação de u m a realização particular, o programa T E V E C no Quebeque, experiência de educação dos adultos por sistema multi media.

O s diferentes capítulos fornecem u m a informação abundante que deverá prestar grandes serviços a todos os que sentem a necessidade de se manter ao corrente do que se passa e m França. Lamenta­remos apenas que, n u m «tratado de ciências peda­gógicas», tenha sido reservada u m a importância tão restrita às experiências estranhas à França. Capí­tulos inteiros desenvolvem-se sem a menor alusão ao que se passa na Inglaterra, nas Alemanhas, na Escandinávia, nos Estados Unidos. O carácter «cien­tífico» da obra é provavelmente limitado, sobretudo quando se trata de u m domínio e m que, contraria­mente ao da educação das crianças e dos adoles­centes, reinam a diversidade e a particularidade. Mais u m a vez se impõem, para a compreensão e a reflexão, aproximações e comparações entre as ex­periências desenvolvidas nos diferentes tipos de ci­vilização e de cultura.

A parte mais original e, neste aspecto, a que soli­cita mais a atenção, é a que diz respeito à animação sociocultural. Não lhe aplicaremos as reservas já formuladas, até porque os autores nos indicam a «cor». É da animação e m França que se trata. C o m efeito, a animação é u m domínio e m que os edu­cadores franceses desempenham u m papel de pio­neiros, do ponto de vista dos objectivos pretendidos e dos meios aplicados. Q u e se entende por ani­mação? O s especialistas encarregados desta parte, a Sra. Poujol e os Srs. Besnard, Simonot e Labourie, respondem amplamente a esta questão, cada u m à sua maneira, e com as perspectivas que lhes são próprias. Besnard empenha-se e m expor a proble­mática deste sector. N ã o consegue evitar as defini­ções. Fixemos esta, retirada de u m relatório de J. P. Imhof, citado por Besnard: «Designa-se por animação toda a acção n u m ou sobre u m grupo (uma colectividade ou u m meio) destinada a de­senvolver a comunicação e a estruturar a vida social, recorrendo a métodos semidirectivos; é u m método de integração e de participação».

Para além destas definições, encontraremos u m a descrição sugestiva dos fundamentos, dos campos de aplicação, das funções e dos modelos da ani­mação sociocultural, assim como das reflexões rela­tivas aos agentes desta acção, os animadores. Ë à formação destes últimos, que ocupam u m a impor­tância crescente e sempre diversificada na vida do país, que a Sra. Poujol consagra u m capítulo.

Sobre estes mesmos temas, os dois últimos cola­boradores da obra, os Srs. Simonot e Labourie, for­necem informações preciosas e pontos de vista ori­

ginais. N o conjunto, toda esta parte contribui c o m abundante matéria de reflexão e completa com êxito u m a empresa que, dentro dos limites que apontámos, responde com competência a u m a ne­cessidade, a de apresentar u m quadro da educação dos adultos na França dos nossos dias.

Neste m e s m o ano de 1978, foi publicada u m a obra igualmente importante, embora de carácter re­solutamente diferente. C o m Gaston Pineau sentimo--nos b e m dentro do problema. O seu livro Éduca­tion ou aliénation permanente? penetra no âmago da questão. Recorda-nos oportunamente que não podemos estudar parcialmente u m tema que inte­resse ao conjunto da questão educativa, e que não é legítimo designar pelo termo educação permanente u m sector estreito e limitado da formação de adul­tos. G . Pineau é de formação filosófica. O s seus interesses são manifestamente orientados para a ex­ploração dos fundamentos ideológicos da educação permanente. O leitor não iniciado pode sentir-se ra­pidamente desarmado por declarações como «estes discursos projectam integrar n u m a vasta sistemati­zação a totalidade do tempo humano (dimensão mítica) segundo u m esquema racional (dimensão lógica), embora estas duas dimensões não se mis­turem para se reforçar e governar e m conjunto: o elemento mitológico confere eficácia às operações teórico-práticas e a sua eficiência reforça o poder daquele». O leitor não deve deixar-se desmobilizar. A reflexão de G . Pineau é substancialmente rica e vale a pena mantermo-nos atentos para adquirir u m a rede de ideias particularmente esclarecedoras. O centro desta reflexão é u m a meditação sobre o tempo. Devemos reconhecer que esta é inevitável se atribuirmos ao segundo termo do díptico «edu­cação permanente» o seu pleno significado. Q u e fazer deste tempo que temos a possibilidade de viver? C o m o utilizá-lo para realizar a nossa vocação de homens e transformar e m actos o que virtual­mente se encontra e m cada u m de nós? C o m o rea­lizar, através de u m esforço contínuo e para além de toda a delegação, os poderes do pensamento, de expressão corporal e mental, de comunicação com o outro e com as obras, que se encontram e m estado embrionário na maior parte dos seres hu­manos, porque ignoram aquilo de que são capazes e porque não tiveram ocasião de exercer estas capacidades? C o m o realizar estas propostas por nossa própria conta e que vias seguir para ajudar os outros nesta conquista de si m e s m o ? Para tal, não existe outra solução além de se instalar n u m devir que confere ao tempo humano o seu pleno significado.

Nesta perspectiva e a este preço a educação per­manente não será u m a «alienação», mas u m reco­nhecimento de si m e s m o . Nesta via de pensamento, G . Pineau, que é u m jovem investigador da Univer­sidade de Montreal, encontra muitos companheiros de viagem. À partida, apoia-se nas análises de Pla­tão ao longo da República e muito especialmente no

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inesgotável mito da caverna. O G . Bachelard da Formation de l'esprit scientifique e o G . Durand das Structures anthropologiques de l'imaginaire desem­penham u m papel preponderante neste itinerário. M a s , para além destes iniciadores, o autor procurou estabelecer aquilo que designa por pontos de refe­rência «míticos e políticos», que delimitam a evolu­ção da reflexão moderna sobre a educação perma­nente. Estudou os «discursos dos promotores», de 1950 a 1970, e reproduziu o que considerou essencial. Deste ponto de vista, o livro apresenta-se como u m a antologia. Nas 200 páginas dedicadas a extractos, encontramos o que de essencial se disse sobre o assunto nos últimos vinte anos. O autor distingue três correntes: u m a corrente internacional, parti­cularmente actuante na medida e m que a Unesco tomou resolutamente posição a favor deste conceito inovador, u m a corrente americana e u m a corrente

O s serviços de educação e de saúde encontram-se cada vez mais desenvolvidos nos países industria­lizados. Desde a segunda guerra mundial que se observa o alargamento do acesso ao ensino primário e secundário, e a necessidade de u m a redistribuição geográfica e social dos recursos atribuídos ao sector da saúde e do apuramennto da qualidade dos ser­viços. A admissão aos estudos médicos tornou-se u m a questão política e social de primeira plana ligada, por u m lado, ao acesso ao ensino superior (e a u m a situação de prestígio) e, por outro lado, às carências e m pessoal de saúde. Impõe-se, sem dúvida, a elaboração de u m modelo conceptual­mente viável que permita, pelo menos, avaliar mais sistematicamente este problema tão complexo; ora, neste campo, tudo, ou quase tudo, está por fazer. É na esperança de encontrar esta abordagem sis­temática que iniciamos a leitura desta monografia que resulta de u m estudo multinacional e pluridis­ciplinar do assunto. M a s deparamos simplesmente com u m a série de relatos descrevendo o sistema de acesso aos estudos médicos de dez países (Repú­blica Federal da Alemanha, Austrália, Canadá, Di­namarca, Estados Unidos da América, França, Itá­lia, Holanda, Reino Unido, Suécia), precedidos de u m a introdução geral. Contudo, estes relatos sobre diferentes países, tal c o m o u m a publicação anterior, apresentam u m grande interesse para os responsá­veis da planificação e do desenvolvimento dos ser­viços de educação e de saúde. Examinaremos alguns aspectos do problema e as soluções expostas nos relatórios.

E m todos os países estudados, o acesso aos es­tudos médicos deve ser examinado no âmbito geral da igualdade de oportunidades. O acesso ao ensino secundário foi, e m toda a parte, facilitado e alar-

europeia. As três correntes convergem para salientar a necessidade de repensar de alto a baixo a acção educativa.

A s posições dos meios críticos da educação per­manente também se encontram representadas. N o conjunto, o trabalho de G . Pineau fornece u m contributo de primeira ordem para o estudo do aspecto teórico da educação dos adultos. Paralela­mente à criação, e m diferentes países do m u n d o , de estruturas institucionais e metodológicas mais ou menos directamente inspiradas n u m a educação permanente, não podemos deixar de desejar que este esforço de aprofundamento dos fundamentos seja prosseguido com a extensão e o rigor indis­pensáveis, no sentido indicado por G . Pineau.

Paul L E N G R A N D (França)

gado e m maior grau do que o acesso ao ensino superior e, e m particular, aos estudos médicos, o que contribui para o impasse actual. A única ex­cepção talvez seja a Itália, onde se mantiveram «abertas» as portas conducentes a todos os níveis do sistema educativo, principalmente por razões po­líticas, a despeito dos limites inevitavelmente im­postos pelas condições de b o m funcionamento dos serviços de saúde. É verdadeiramente lamentável ver que os jovens que não tiveram acesso aos es­tudos médicos e m outros países v ê m procurar esta estrutura educativa já sobrecarregada. N ã o sabemos quais os acordos políticos que desencadearam esta estranha migração internacional. N o outro extremo, a Suécia teve o cuidado de transformar o acesso aos estudos médicos n u m elemento de u m sistema elaborado que repartiu ao máximo as oportunidades de acesso à educação. O s outros países situam-se entre estes dois extremos, exigindo alguns deles, para determinar o acesso aos mais prestigiosos es­tudos universitários, critérios múltiplos que se v ê m juntar aos critérios tradicionais de êxito escolar.

Reconheceu-se que o nível «desconfortavelmente elevado» do dossier escolar exigido no limiar dos estudos médicos exerce u m a grande influência sobre os estudos pré-universitários, que tendem a trans-formar-se n u m «campo de batalha». A considerável experiência adquirida pelos Estados Unidos neste campo durante mais de vinte anos não parece ter impedido o apareceimento de u m fenómeno seme­lhante na República Federal da Alemanha e e m outros países.

O fundamento da importância tradicionalmente atribuída ao dossier escolar — se os resultados são bons no ensino secundário, também o são, e m geral, no ensino superior — é cada vez mais contestado

Barbara B . B U R N (dir. publ.) Admission to medical education in ten countries. International Council for Educational Development, 1978, 160 p. Distribuído por Interbook Inc., Nova Iorque.

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na selecção dos futuros médicos, sob outro ponto de vista: u m excelente estudante não é necessaria­mente u m excelente médico. O que se torna tanto mais evidente quanto a procura b e m documentada de cuidados de saúde primários parece desempe­nhar, na planificação dos serviços de saúde, u m papel mais importante do que as carências de tecno­logia avançada e de investigação biomédica. Todos estão de acordo e m considerar que a destreza m a ­nual, a justeza das percepções, a capacidade de estabelecer contactos interpessoais e u m a atitude positiva e m relação às carências de saúde do in­divíduo e da colectividade, contam mais do que os conhecimentos objectivos na formação de u m b o m médico e são indispensáveis para a optimiza­ção dos seus serviços. Estas qualidades não deve­riam desempenhar u m papel importante na escolha dos futuros membros da profissão?

Surgem, assim, graves questões a respeito de muitos aspectos dos sistemas educativos, e m parti­cular nas fases pré e pós-universitárias. M a s esta monografia atribui a maior importância aos m é ­todos através dos quais se efectua a passagem dos estudos secundários aos estudos de Medicina. São essencialmente determinados por considerações de ordem constitucional, jurídica, organizacional e fi­nanceira. A s soluções são ora tecnológicas, ora conceptuais. As primeiras salientam geralmente o aspecto numérico, à custa do critério de qualidade. N a República Federal da Alemanha, o respeito pelo direito —enunciado pela Constituição— de acesso ao ensino superior conduziu à aceitação como estu­dantes de medicina de u m a mistura estranha de indivíduos brilhantes e de indivíduos socialmente privilegiados inscritos n u m a lista de espera cuja duração pode atingir seis anos e mais! É possível que os estudantes desta segunda categoria estejam mais aptos a exercer nos serviços de saúde pri­mários do que os da primeira, que parecem orien-tar-se mais para a especialização e a investigação biomédica. E m França, devido a disposições cons­titucionais análogas, a selecção foi adiada para o fim do primeiro ano de Medicina, principalmente dedicado às Ciências, o que origina inevitavelmente

a formação de u m estrangulamento a este nível. N a República Federal da Alemanha, nos Estados Unidos e no Reino Unido foram criados organismos centrais de repartição.

N a maior parte dos países, u m sistema de repar­tição segundo critérios «não universitários» c o m o a idade, o sexo e a experiência profissional deveria produzir, nas atitudes, nos conhecimentos e nas competências, u m a heterogeneidade que poderia ser prometedora. U m sistema de selecção extraordi­nariamente diversificado, baseado e m objectivos educativos e profissionais, foi experimentado e m McMaster Medicai School, e m Hamilton (Canadá), onde esforços consideráveis de reflexão, de desen­volvimento e até de investigação parecem ter contri­buído para evitar os resultados bastante medíocres dos métodos de selecção fáceis — dossier escolar e medidas administrativas ou tecnológicas.

C o m excepção deste último modelo e da grande experiência social tentada na Suécia, a política de admissão às escolas de Medicina parece continuar infeliz e aleatória. Neste domínio, as investigações baseadas n u m modelo conceptual útil são quase inexistentes. Estudos como esta monografia deve­riam basear-se no conhecimento e na compreensão presentes da estrutura e das funções dos serviços de saúde, do papel e das qualidades necessárias dos médicos, assim como a sua socialização n u m a pro­fissão actualmente muito criticada por diversas ra­zões, das quais algumas são justas.

H. G. PAULI, professor e director,

Institut für Ausbildungs- und Examensforschung, Faculdade de

Medicina da Universidade de Berna, Suíça

Nota

1. The selection of students for medical education, Relatório de u m grupo de 'trabalho, Berna, 21-25 de Junho de 1971, Gabinete Regional da O M S para a Buropa, Copenhaga, 1973.

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BEP — BIBLIOTECA DO E 1 A Matemática Moderna no En­

sino Primário — Z. P. Dienes 3 Matemática Moderna e Matemá­

tica Viva — André Revus 3 A Adolescência — W. D. Wall 4 Educação e Educadores — Rui

Orado 5 A Orientação Escolar e Profis­

sional — Jean Drévillon 6 Temas de Peicopedagogia Es­

colar—O Professor e os Alu­nos — M. David, Roger Gal, Louis François, L. Voeltzet e A. Ferré

7 A Hecatombe Escolar — Geor­ges Bastin

8 Testes Sociométricos— U m Guia para Professores — Mary L. Northway e Lindsay Weld

9-10 A Educação Afectiva e Caracte­rial da Criança — Georges Manco

11 Fundamentação Existencial da Pedagogia — Delfim Santo»

12 João de Barros — Educador Re­publicano — Rogério Fernandes

13 Pedagogia e Psicologia dos Grupos — A. R. I. P.

14 Introdução à Didáctica na Es­cola Activa — Francesco de Bartolomeis

15 Ensino Programado e Estudo da Sua Didáctica — M. F. M. Rubens

16 As Três Faces da Pedagogia — Maria Amália Borges Me­deiros

17 Introdução à Educação Perma­nente — Paul Lengrand

18 A Pedagogia e as Grandes Cor­rentes Filosóficas — Bogdan Suchodolski

19 A Educação nas Escolas Mis­tas — Edouard Breuse

20 Os Professores e a Reforma do Ensino — Rui Grácio

21 U m a Nova Compreensão da Arte Infantil — Arno Stem

22 Aspectos e Técnicas da Pintura de Crianças — Arno Stern

23 A Inovação do Ensino — Jean Hanssßnf order

24 O Fim dos Liceus — Robert Brechon

25 As Relações Humanas na Aula — Christine Blouet Chápiro

26 A Adolescência na Escola e na Sociedade — W. D. Wall

27 O Trabalho em Grupo nas Es­colas Secundárias — Barrington Kaye e Irving Rogers

DUCADOR PROFISSIONAL, 28 A Educação Estético-Visual no

Ensino Escolar — A. Betámio de Almeida

29 A Educação, Acto Político—Apos-tinho dos Reis Monteiro

30 A Nova Escola Infantil — As Crianças dos 3 aos 6 — Francesco de BartoiomeUs,

31 A Higiene Mental na Escola — André Berge e João dos Santos

32 A Escola na Sociedade de Classes — Anal Benavente

33 D o Ensino da Filosofia — Fer­nando Gilot

34 Educação sem Selecção Social — Bartolo Paiva Campos

35 Perspectivas Psioopedagógicas — Arquimedes Santos

36 Educação: U m a Frente de Luta— Rogério Fernandes

37 Animação Socio-Cultural — Prá­tica e Instrumentos — Edouard Limbos

38 Escola Paralela — Louis Porcher

39 Formação de Professores: Parti­cipação na Aprendizagem — Bar­rington Kaye

40 Educação e Constituição de Abril — Agostinho dos Reis Monteiro

41 Para onde Vai a Educação? — Jean Piaget

42 A Escola Aberta—Bernard Eiiade

43 Pensamento Pedagógico — Vassili Sukhomlinski

44 Psicologia da Inteligência — Jean Piaget

45 Para o Ensino e Aprendizagem da Lingua Materna — Dulce Rebelo e Lucinda Atalaia

46 Meio Social e Sucesso Escolar — Torsten Husén

47 Educação Popular e Processo de Consciencialização — Júlio Bar­reiro

48 U m a Socióloga na Escola Primária — Ida Berger

49 Portugal — A Educação em N ú m e ­ros — José Salvado Sampaio

50 Questões de Pesicologia e Peda­gogia — Manuel Viegas de Abreu

51 Programas de Ensino e Senso Co­m u m — Robin Barrow

52 O Ensino das Ciências Sociais — Inovações no Ensino Secundário — Denis Glecson e Geoff Whithy

53 O Contexto Social do Ensino — Gerald Cortis

Composto e impresso na Tipografia Minerva do Comércio